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Artigo publicado em Review of General Psychology, 2005, vol. 9, nº 3, p. 203-213. Tradução para o
português de Frederico Bonaldo.
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University of Pennsylvania.
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University of Pennsylvania.
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University of Michigan.
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A tarefa de propor uma lista exaustiva de virtudes é tão fácil que isto tem
sido feito centenas de vezes. Filósofos morais, teólogos, legisladores, educadores e pais
têm ideias acerca daquilo que significa caráter, e poucos resistiram à tentação de
articular uma lista definitiva das virtudes que constituem a vida p. 204 => bem vivida. A
principal objeção a esquemas prévios de classificação é que eles ficam aquém de serem
universais e que, de fato, são idiossincráticos, culturalmente circunscritos e carregados
de valores tácitos. Em suma, o argumento típico é de que não há universais quando se
trata da virtude.
Mas talvez haja algumas virtudes e valores ubíquos que podem ser
identificados quando os procuramos no nível adequado de abstração. Talvez existam
algumas virtudes tão amplamente reconhecidas, que um veto antropológico (“A tribo
que estudo não tem essa!”) seria mais interessante do que condenatório. Assim,
empreendemos uma pesquisa histórica com dois propósitos complementares. O
primeiro foi uma busca e uma revisão literárias das tentativas mais antigas e influentes
de listar virtudes cruciais para o desenvolvimento humano. A segunda meta foi
empírica: os catálogos de virtudes dos pensadores antigos convergem?
Independentemente da tradição e da cultura, há certas virtudes que são valorizadas
amplamente?
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Procedimento
Tabela 1
Virtude centrais
Virtude Descrição
Coragem Forças emocionais que envolvem o exercício da vontade para alcançar metas perante obstáculos,
externos ou internos; os exemplos incluem a valentia, a perseverança e a autenticidade (honestidade).
Justiça Forças cívicas que sustentam a vida comunitária saudável; os exemplos incluem a retidão, a liderança
e a cidadania (trabalho conjunto).
Humanidade Forças interpessoais que envolvem “cuidar e tornar-se amigo” dos outros (TAYLOR ET ALII, 2000);
os exemplos incluem o amor e a bondade.
Temperança Forças que protegem contra os excessos; os exemplos incluem o perdão, a humildade, a prudência e
o autocontrole.
Sabedoria Forças cognitivas que envolvem a aquisição e o uso do conhecimento; os exemplos
incluem a criatividade, a curiosidade, o juízo e a perspectiva (proporcionar conselho aos outros).
Transcendência Forças que estabelecem conexões com o universo mais abrangente e que, por isto, proporcionam
sentido; os exemplos incluem a gratidão, a esperança e a espiritualidade.
Virtudes confucianas
Virtudes taoístas
Caminho, e não uma amostra superficial, usada para a artimanha; segundo Lao Tsé
(1963), um governante sábio é “um homem de sutileza [, mas] com profunda
perspicácia” (cap. 15); ele não “insiste nos seus próprios pontos de vista, de modo que
tem uma visão clara”, nem “se justifica, de modo que vê a verdade” (cap. 22; vejam-se
também os caps. 3, 19, 33 e 49). E a temperança, em termos tanto de humildade como
de contenção de buscar os falsos deuses da riqueza material e do privilégio, também é
defendida uma e outra vez: “Quem se torna arrogante com a riqueza e com o poder […]
semeia as sementes do seu próprio infortúnio” (cap. 9); “quem se gaba das suas próprias
conquistas prejudica a sua credibilidade […] quem é arrogante não experimenta
crescimento algum em sabedoria” (cap. 24); “quem conhece a glória e mantém a
humildade […] é suficiente na virtude eterna” (cap. 28).
Virtudes budistas
tendência inata em direção ao desejo. O Nobre Caminho Óctuplo, por sua vez, evoca a
noção de perfeição ou correção no (1) entendimento, (2) no pensamento, (3) no falar,
(4) na ação, (5) na subsistência, (6) no esforço, (7) na atenção plena e (8) na
concentração (FOWLER, 1999; veja-se também CARTER e PALIHAWADANA,
2000).
Virtudes hinduístas
Virtudes atenienses
p. 209=>
Virtudes cristãs
Virtudes judaicas
Virtudes islâmicas
papel central e poderoso na maioria dos primeiros textos filosóficos, com a exceção do
seguinte.
Tabela 2
Convergência das virtudes
Tradição Coragem Justiça Humanidade Temperança Sabedoria Transcendência
Confucionismo E E T E T
Taoísmo E E E E T
Budismo E E E T E
Hinduísmo E E E E E E
Filosofia ateniense E E E E E T
Cristianismo E E E E E E
Judaísmo E E E E E E
Islamismo E E E E E E
Nota: E = explicitamente nomeada; T = tematicamente subentendida.
Conclusão
O estímulo para este projeto foi a nossa tentativa de criar uma classificação
consensual das forças humanas, evitando a crítica de que qualquer lista específica que
propuséssemos fosse cultural ou historicamente idiossincrática (PETERSON e
SELIGMAN, 2004). A lição primária que aprendemos do nosso exercício histórico é a
de que há convergência através do tempo, do espaço e das tradições culturais acerca de
certas virtudes centrais. Uma vez que uma tradição contagiou outra e dado que um
catálogo inspirou e então abriu caminho para o seguinte, as virtudes centrais particulares
voltavam a apresentar-se, numa espécie de agradável tenacidade. Enquanto outras
apareciam em algumas listas e depois se perdiam, certas virtudes tinham um poder de
permanência real, tanto explícito como subentendido.
por não passarem no teste de ubiquidade, até mesmo por meio de critérios expansivos e
variáveis. Entre as virtudes circunscritas a uma tradição (não ubíquas), há algumas
familiares para quem vive no aqui e agora, como, por exemplo, a sagacidade e a glória.
Outras virtudes circunscritas a uma tradição parecem exóticas sob a nossa perspectiva,
como, por exemplo, a magnificência e a naturalidade. Evidentemente, estes exemplos de
virtudes não ubíquas são importantes e merecem séria atenção por parte dos psicólogos,
mas não constituem a preocupação principal do seu mister. À medida que o nosso
projeto de classificação se desenvolver, esperamos voltar a essas virtudes menos
ubíquas, circunscritas a culturas.
Usamos estas seis virtudes centrais para organizar uma lista mais longa de
forças de caráter mais específicas (PETERSON e SELIGMAN, 2004). Optamos por
esta estratégia por várias razões, incluída a já mencionada complexidade das virtudes
gerais. Em cada caso, podemos pensar em diversos modos de alcançar a virtude geral; e
a nossa meta de medição final conduziu-nos a enfocarmos estas rotas mais específicas
(a que chamamos “forças”) até as virtudes centrais. Assim, a virtude da “humanidade” é
alcançada, por um lado, pelas forças da gentileza e, por outro, do amor. De modo
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