Você está na página 1de 1

PARTE 2

O RELATO DO MIGUEL
Eu me dedico à pintura de corpo e alma. O resto não tem importância.
Há meses que eu quero pintar uma Madona do século XXI, que nem o grande
pintor Rafael, mas não encontro uma modelo que encarne a beleza, a pureza e
a expressão de sofrimento que eu quero retratar.

Na véspera do dia x, uma amiga me telefonou dizendo que tinha


encontrado a modelo que eu procurava, e propôs nos encontrarmos na boate
que ela frequentava. Eu fiquei ansioso... Quando ela chegou, fiquei fascinado.
Era exatamente o que eu queria. Não tive dúvidas: fui até sua mesa, me
apresentei e pedi para ela posar para mim. Ela aceitou na hora, e marcamos
um encontro no meu ateliê às 9 horas da manhã.

Nem dormi direito aquela noite.... me levantei ansioso ! estava tão louco
para começar o quadro que nem podia tomar meu café.

No táxi, comecei a fazer um esboço mental daquilo que eu queria:


ângulos da figura, jogos de luz e sombra., cores a serem utilizadas...

Quando entrei no edifício, eu estava cantando baixinho, distraído... o


zelador falou comigo e eu nem tinha prestado atenção. Perguntei: - o que foi?,
e ele disse: - bom dia, nada mais que bom dia. Ele não sabia o que aquele dia
significava para mim: sonhos, fantasias, aspirações, tudo iria se tornar
realidade com a realização da minha obra de arte. Tentei explicar dizendo que
a verdade era relativa, que cada pessoa vê a mesma coisa de formas
diferentes... disse que quando eu pinto um quadro, aquela é a minha realidade.
Ele me chamou de lunático. Eu dei uma gargalhada e disse: está aí a prova do
que eu digo: o lunático que você vê não existe.

Quando eu subia as escadas, a faxineira veio me espiar. Não gosto


daquela velha mexeriqueira. Entrei no ateliê e comecei a preparar a tela e
as tintas. Quando eu estava limpando a paleta com uma faca, a campainha
tocou... abri a porta e a moça entrou. Estava com o mesmo vestido da véspera,
e explicou que passara a noite em claro numa festa. Eu pedi que sentasse no
lugar indicado, e que olhasse para o alto, que imaginasse inocentes sofrendo,
que pensasse em crianças com fome...

Nisso, ela me abraçou e disse que eu era simpático e que estava atraída por
mim. Eu afastei seus braços e perguntei se ela tinha bebido. Ela disse que sim,
que a festa estava ótima, que foi uma pena que eu não tivesse ido, que sentiu
minha falta. Quando me abraçou de novo eu, cheio de frustração, a empurrei e
ela cai no divã e gritou.

Nesse instante, a faxineira entrou na peça e saiu berrando: ASSASSINO!!!


ASSASSINO!!!

A loira levantou-se e foi embora me chamando de idiota.

A minha Madona...

Você também pode gostar