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DORIAN SOLOMON

CREATION THROUGH DESTRUCTION

Isolada no Mar Branco, a leste de Khorvaire, reside a insular e misteriosa Austeria — uma ilha
esquecida pelos continentes.

Por estar localizada em uma região perigosa e inexpugnável, sua existência se tornou um
mito, ao ponto de ter sido removida dos mapas recentes, e aqueles que tentaram encontrá-la
perderam suas vidas contra as grandes geleiras. Além das águas traiçoeiras e gélidas, em
função do clima, a região costuma apresentar uma densa névoa que torna inconcebível
navegar pelo mar ou pelo ar.

O que ninguém sabe é que, por gerações, Austeria tem sido o lar de um povo antigo,
resistente e implacável como o gelo. O reino de Austeria é uma sociedade teocrática que
adora os princípios do “homem que se tornou Deus”, Arthas.

Os antigos contam que Arthas foi um homem comum, torturado por aqueles dotados de
magia e abandonado a sua própria sorte em meio ao frio da tundra. Sem esperança, só lhe
restava esperar pela morte. Foi então que ele viu uma luz tremeluzir no horizonte. Ao
segui-la, encontrou uma terra próspera em meio ao gelo, como um oásis em meio ao deserto,
que era habitado por uma tribo antiga. No centro, um gigantesco lago de águas tranquilas
refletia a luz do sol: o Olho de Deus.

Arthas recebeu comida e abrigo entre os membros daquela tribo, mas não demorou para
conquistar a confiança e se tornar seu líder. A experiência de quase-morte o fez encontrar
seu propósito. Passou a se enxergar como um “instrumento do divino”. O mesmo aconteceu
com os nativos.
Ele os ensinou e os colocou para trabalhar em seu favor, construindo um reino ao redor do
Olho de Deus e uma grande fortaleza, chamada de Lacrimosa. Quando morreu, deixou uma
sociedade estabelecida, com seu septo responsável por governar. Foi canonizado como
Arthas, o Homem que Virou Deus, o Nascido do Gelo, o Deus do Povo de Austeria.

Austeria cresceu sob o governo dos Filhos de Arthas, formado por seus discípulos mais fiéis,
já que nunca teve filhos de sangue. Sua vida se tornou o livro base para que essa sociedade
pudesse se guiar. Eles amavam o que ele amava, e odiavam o que ele odiava —
principalmente, qualquer forma de magia. Mesmo aqueles que tinham afinidade com os
elementos ou eram antigos praticantes das artes druídicas, foram excomungados e
condenados a morte. A magia, de qualquer natureza, representava uma corrupção à pureza
exigida por Arthas.

Ainda que o caminho até Austeria fosse dificultado pelos obstáculos criados pelo
ecossistema, algumas incursões tiveram sucesso para alcançá-la, embora descobrissem, logo
em seguida, que era mais difícil sair com vida, do que chegar com ela.

Os Filhos de Arthas acreditavam que era mais seguro se manter oculto dos demais
continentes. Portanto, forasteiros eram mortos imediatamente. Ao menos, no começo. Os
Filhos de Arthas eram liderados pelo Arauto de Gelo, que era considerado o escolhido de
deus para conduzir o povo. Isso significa que muitas crenças e tradições foram se formando e
mudando, a medida que um novo Arauto assumia o poder.
Arctus I acreditava que os forasteiros, com exceção dos praticantes de magia, deveriam
receber uma opção: permanecer ou a morte. Seu filho, Malakai I, estabeleceu o Batismo
Glacial — uma batalha até a morte dada como opção aos praticantes de magia para receber o
perdão de Arthas e o direito de viver entre o povo de Austeria. Azarath II abriu a cerimônia
para a população, tornando o Batismo Glacial um grande entretenimento.

No ano de 964 YK, Austeria é liderada por Arctus IV (também conhecido como Arluin
Solomon). Casado com Rhiannon, pai de Dorian, Arabella e Theodora. Dorian, o
primogênito, cresceu sobre a rígida educação de sua mãe e a ausência completa de seu pai,
sendo preparado para assumir o lugar de Arauto um dia. Era um garoto gentil, inteligente e
carismático, mas desesperado por ser aceito e reconhecido. Desde cedo, aprendeu a se
diminuir para poder caber nas expectativas daqueles a sua volta.

Austeria gostava de “ver, sem ser vista” — o que significa que muitos eram enviados além das
fronteiras para estudar e conhecer o mundo ao redor da ilha, mas sem nunca expor sua
existência. De fora, eram trazidos todo o tipo de conhecimento, embora fosse
responsabilidade do Arauto de Gelo definir o que era, ou não, aceitável. Dorian costumava
visitar a biblioteca de seu pai e passar horas folheando as páginas dos livros. Na escola,
aprendiam sobre o mundo exterior e sobre a corrupção impregnada nele como resultado da
exposição a magia. Seria mentira dizer que Dorian não se interessou por esses
conhecimentos naquela época, embora jamais fosse fazer algo para desonrar sua família.
O menino cresceu e se tornou um homem inteligência e disciplinado. Dorian Solomon tinha
26 anos quando se tornou um atalaia. Os Atalaias eram o grupo responsável por viajar além
das fronteiras e adquirir o conhecimento do mundo exterior, se apropriando do que fosse útil
para o desejo dos Filhos de Arthas. Rhiannon acreditava que a missão prepararia Dorian para
assumir o lugar de seu pai no futuro. A fé do rapaz sempre foi inabalável, tornando-o um
candidato adequado para enfrentar as tentações.

Dorian viajou por todos os continentes e, embora fosse um grande desafio, ele jamais
hesitava. Foi então que conheceu Nathaniel.

Nathaniel Archibald era um mago habilidoso com um futuro promissor. Nasceu em


Fairhaven, Aundair, em uma das mais tradicionais famílias de magos da cidade. Desde o
nascimento, já tinha sua vaga garantida para frequentar o renomado instituto de estudos
arcanos, Arcanix. Foi em Arcanix que recebeu um convite para trabalhar na Grande
Biblioteca de Korranberg, em Zilargo. Como uma das maiores coleções de conhecimento da
humanidade, não poderia ter sido em outro lugar para os dois se encontrarem.

Dorian chegara na cidade de Korranberg tinha dois dias, dos quais passara a maioria na
biblioteca, folheando livros antigos. Já tinha perdido a noção do tempo, sentado no chão de
um dos muitos corredores com o livro do colo, quando percebeu que alguém o observava. O
rapaz sorria, entretido com a descoberta.

— Acho que nunca conheci ninguém tão compenetrado em uma leitura tão tediosa
quanto essa. E eu estudei em Arcanix. — disse, terminando em uma risada, enquanto se
apoiava na prateleira. Ao citar Arcanix, imediatamente, o corpo de Dorian se retraiu. Ele
fechou o livro com cuidado e se levantou.

— Eu… Eu sinto muito. Não percebi que já era tão tarde. — devolveu o livro para a
prateleira e tentou passar pelo rapaz rapidamente, mas ele barrou sua saída. Dorian tentou
evitar o seu olhar, mas não teve sucesso por muito tempo.

— Calma! Eu não ‘tô te expulsando. Eu só… — ele pigarreou, parecendo confuso por um
momento. — Eu notei você lendo nesses últimos dias e acho que tenho algo que você vai
gostar. — por um segundo, Dorian conteve o instinto de correr. Ele sabia que não devia
seguir o rapaz. Mas não conseguiu conter sua curiosidade.
— Por sinal, meu nome é Nathaniel. — disse, estendendo sua mão.

— Dorian. — respondeu, sem apertá-la.

Enquanto o seguia, Dorian percebeu que o rapaz era um pouco mais alto que ele e um pouco
mais velho — algo na casa dos 35 anos. Seus cabelos bagunçados eram lisos e castanhos,
assim como seus olhos amendoados, e ele parecia nunca tirar o sorriso do rosto. Perto de
dele, sentia-se confortável e desconfortável ao mesmo tempo.

Nathaniel parou diante de uma cômoda com o topo de vidro. Em seu interior, Dorian
encontrou o livro mais interessante que já colocara os olhos. Parecia ter sido esculpido em
mármore negro — um rosto sereno com dois olhos bem abertos, onde residiam dois rubis,
que pareciam arder em chamas.

— Esse grimório chegou aqui tem pouco tempo. O seu autor é desconhecido, mas ele
certamente tinha muito conhecimento. — Dorian mal conseguia tirar os olhos dele. Era
quase hipnotizante. — Quer ler?

— Eu posso? — perguntou em um pulo, deixando transparecer mais empolgação do que


gostaria. — Quer dizer… Se não for um problema.

— Pode sim. Pelo que notei, você é bem cuidadoso. — sua mão se moveu sobre o vidro e a
tranca destravou. Dorian sentiu um leve desconforto, mas estava compenetrado demais para
ligar. — Pode se sentar ali. Volto depois para guardá-lo. — disse, apontando para uma mesa
próxima, antes de o entregá-lo.

Ao sentir a textura tocando sua pele, Dorian percebeu haver bem mais que palavras naquele
livro. Era uma presença eletrizante. Quando se deu conta, estava sorrindo. Lembrou dos
momentos sozinhos na biblioteca do seu pai e da sensação de descobrir algo que não lhe era
permitido. Algo proibido. Sentou e começou a folhear. Só desviou os olhos uma vez —
quando percebeu que pequenas esferas de luz flutuavam sobre sua cabeça. Nathaniel sorriu e
seguiu por um dos corredores.

Dorian passou outros cinco dias em Korranberg antes de seguir com a viagem. Durante esse
tempo, eles conversaram sobre muitos assuntos. Nathaniel se surpreendeu com o
conhecimento de Dorian, assim como Dorian pelas experiências de Nathaniel. Quando
chegou a hora de partir, prometeram se ver de novo — mesmo que isso fosse contra tudo o
que acreditava.

Ao voltar para Austeria, Dorian manteve segredo sobre suas aventuras. Em seu íntimo, jurou
que não tornaria a acontecer. Ele não retornaria para encontrar o rapaz na biblioteca. No
entanto, quando novas viagens vieram, ele não conseguiu se controlar. Quando se deu conta,
já estava lá. Essa dinâmica se estendeu por vários meses e foi nessa época que fez um pedido
delicado para Nathaniel. Ele queria aprender magia.

Para o mago, foi um caminho óbvio, afinal, eles conversavam muito sobre os conhecimentos
arcanos. Mal sabia ele os dilemas com os quais Dorian precisou lidar para fazer aquele
simples pedido. Logo, suas reuniões casuais deram espaço para aulas e, quando se deu conta,
já havia preenchido um grimório seu — grimório esse que mantinha na biblioteca, para não
arriscar de ser encontrado por sua família.

A relação, que começou casualmente, se tornou uma amizade e, naturalmente, essa amizade
floresceu para algo mais. Dorian se lembra desse dia em um misto de sentimentos: alegria,
raiva, paixão e tristeza. Dessa vez, o rapaz conseguiu ficar duas semanas na cidade. Eles
tiveram a oportunidade de se aprofundar nos estudos, mas também de aproveitar o tempo na
companhia um do outro. Na hora das despedidas, Nathaniel se aproximou para abraçá-lo,
mas seu rosto seguiu em frente e eles trocaram o primeiro beijo. Por mais inesperado, ambos
sabia que aquilo aconteceria, embora nunca tivessem verbalizado.

Ele seguiu sua viagem por mais algumas semanas antes de retornar para Austeria. No
momento de se apresentar para o Arauto de Gelo, achou estranho que sua mãe e suas irmãs
estivessem presentes.

— Dorian Solomon, meu sangue. Ao longo de todos esses anos, você só trouxe orgulho
para sua família e para Arthas. Sua disciplina e compromisso com a causa sempre foram
invejáveis, dignos daquele que assumiria o meu lugar. — disse, sentado em seu trono.
Como de costume, os outros Filhos de Arthas ocupavam os “tronos” menores, dedicados ao
conselho do Arauto. Só então percebera que os outros atalaias estavam de pé, por trás dessas
cadeiras. Foi trazido de volta dos pensamentos, quando a voz de sua mãe ecoou pela catedral
de Lacrimosa.
— Porque, depois de tudo o que lhe ensinamos, você nos trai dessa maneira? — disse, com
ódio em seus olhos, ao jogar um livro grosso de couro que Dorian conhecia bem. Seu
grimório. Seu corpo congelou. Como poderiam? Ele havia sido cuidadoso. Como um
turbilhão, todos aqueles sentimentos de infância voltaram.

Ele havia traído sua família e Arthas. Envergonhado seus antepassados. Sentia-se sujo.
Impuro. Indigno. Então, ao mesmo tempo, ele se lembrava dos dias que passou com
Nathaniel. Da leveza de sua risada e da beleza em ter sua curiosidade saciada. No fim,
lembrava-se do gosto de seus lábios e no desejo de senti-los novamente.

— Seu destino… — começou sua mãe. — Será decidido no Batismo Glacial. Que Arthas
julgue suas intenções. — sua voz era fria, mas havia um brilho nos seus olhos. A tristeza de
ver todo o seu trabalho jogado no lixo.

O caminho todo passou como uma piscar de olhos. Dorian não dormiu, não comeu, ou, pelo
menos, não se recorda de nenhuma dessas coisas. Sua lembrança do Batismo Glacial era estar
diante de uma multidão enfurecida, encarando o Lamento de Arthas — uma grande
construção de gelo, que parecia um homem chorando. Eles trariam seu adversário, que
deveria ser um dos praticantes de magia, capturados e aprisionados, que receberiam a
oportunidade de liberdade.

O homem que caminhava em sua direção estava subnutrido, com os ossos aparecendo pela
camisa rasgada. Seu corpo estava coberto de feridas, entre queimaduras de gelo e hematomas
de pancadas. O seu lábio sangrava, o que significava que ele havia apanhado recentemente, e
um dos olhos estava fechado de tão inchado. O outro, que estava aberto, era de um castanho
caloroso. Foi então que percebeu.

Seus joelhos quase cederam e a mão que segurava a adaga tremia. Era Nathaniel. Dorian
queria gritar, queria fugir, queria correr em sua direção e dizer que tudo ficaria bem. Mas
nada ficaria bem. Eles não trocaram nenhuma palavra. Antes que pudesse pensar no que
dizer, sentiu sua cabeça se chocar contra o chão.

Nathaniel lutaria por sua vida, mesmo que significasse matar Dorian. Eles rolaram no chão
por alguns minutos antes que fosse imobilizado, com a adaga em seu pescoço. O mago
promissor que se tornara prisioneiro estava a um corte de sua liberdade. Mas ele não cortou.
As lágrimas corriam por seus olhos, enquanto encarava Dorian. Ele não conseguiria, mesmo
sabendo que sua vida dependia disto.

Dorian queria salvá-lo, mas foi ele que o salvou. Antes que pudesse fazer algo, sentiu o peso
de Nathaniel sobre sua lâmina. O sangue escorreu quente por sua mão. Seus olhos se
encontraram uma última vez, antes que a vida o deixasse. Ao redor, uma comoção se
estabelecia, mas não conseguia ouvir. Se afastou do corpo, encarando-o como se tudo
acontecesse em câmera lenta. O resto era apenas escuridão.

Ele acordou, na manhã seguinte, em seu quarto. Limpo, alimentado, mas completamente
destruído. Parecia um pesadelo. Queria sair para viajar novamente e encontrar Nathaniel na
biblioteca, perdido em meio aos tomos e pergaminhos, para ter certeza que nada daquilo
acontecera. Mas aconteceu e era sua responsabilidade. Como pode ser tão ingênuo?

Dorian foi rebaixado de suas funções como atalaia, mesmo tendo recebido o “perdão de
Arthas”. Não poderia mais sair de Austeria. Rhiannon disse que ele teria que reconquistar a
confiança de seu povo. Mas ele não queria. Estava farto daquilo. Conhecer o mundo através
dos olhos de Nathaniel o fez perceber que ele não acreditava naquilo. Ele só estava
desesperado para que sua família o aceitasse. Mas de que adianta ser reconhecido por
alguém que você não é? O que adianta ser amado por aqueles que não te aceitam como você
é?

Sua única alternativa era fugir. E ele fugiu. Depois de muito planejar, encontrou uma forma
de sair da ilha, antes que alguém pudesse impedi-lo. Levou dias até chegar em Durat Tal, em
Riedra, mas apenas horas para conseguir uma embarcação que o levasse até a cidade mais
próxima de Korranberg. Ele precisava voltar a biblioteca.

A sensação de estar lá, sem Nathaniel, era algo doloroso. Era sua forma de se despedir — e de
pedir perdão. Ele encontrou o grimório de Nathaniel, que devia ter sido deixado quando o
capturaram. A única lembrança daquele que o libertou. Dorian tentou abri-lo, mas não
conseguiu — havia algum tipo de encantamento. Colocou-o no ombro e seguiu seu caminho
em direção ao futuro que o esperava.

Desde então, se passaram quatro anos. Dorian decidiu seguir seu caminho nos
conhecimentos arcanos, não apenas para honrar a memória de Nathaniel, mas também
porque descobriu que era seu propósito. O conhecimento liberta. Se envolveu em todo o tipo
de aventura e descobriu um gosto exagerado por vinho — o que normalmente leva para um
gosto exagerado por outras coisas.

Em uma dessas aventuras, após receber pelo trabalho realizado, Dorian resolveu comemorar
em uma taverna. O vinho deu início, mas esperava terminar com o forte e atraente diplomata
que não tirava seus olhos dele. Eles trocaram algumas palavras vazias antes de subir para o
quarto. Em alguns segundos, a lâmina surgiu nas mãos do homem e mirou em seu peito. Os
raios correram por seus dedos instintivamente e o rapaz foi lançado para fora pela janela. Lá
fora, ele havia desaparecido. Dorian, no entanto, continuava paralisado, com as palavras
sussurradas em seu ouvido: Pela Misericórdia de Arthas!

ALASTOR
FAMILIAR — PRINCIPAIS FORMAS

GRIMÓRIOS
DORIAN SOLOMON NATHANIEL ARCHIBALD

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