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Cultura, democracia e ética

Reflexões comportamentalistas
Carolina Laurenti
Carlos Eduardo Lopes (orgs.)

SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros

LAURENTI, C., and LOPES, CE., orgs. Cultura, democracia e ética: reflexões
comportamentalistas [online]. Maringá: Eduem, 2015.
ISBN 978-85-7628-692-9. Available from SciELO Books
<http://books.scielo.org/>.
Cultura, democracia e ética:
reflexões comportamentalistas
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Cultura, democracia e ética:


reflexões comportamentalistas

Prefácio
Maura Alves Nunes Gongora

Eduem Maringá 2015


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Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo
parcial, por qualquer processo mecânico, eletrônico, reprográfico etc.,
sem a autorização, por escrito, dos autores.

Todos os direitos reservados desta edição 2015 para Eduem.

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textual e de referência: Carolina Laurenti, Carlos Eduardo Lopes
Projeto gráfico/diagramação: Marcos Kazuyoshi Sassaka
Capa - arte final: Luciano Wilian da Silva
Ficha catalográfica: Marinalva Aparecida Spolon Almeida (CRB 9- 1094)
Fonte: Garamond
Tiragem - versão impressa: 500 exemplares

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)


(Eduem - UEM, Maringá – PR., Brasil)

C968
Cultura, democracia e ética [livro eletrônico]: reflexões
comportamentalistas / Carolina Laurenti, Carlos Eduardo
Lopes(organizadores). – Maringá: Eduem, 2015.
329 Kb; ePUB
ISBN 978-85-7628-692-9
1. Psicologia. 2. Cultura. 3. Política. 4. Ética. 5.
Behaviorismo radical. I. Laurenti, Carolina, org. II. Lopes,
Carlos Eduardo, org. III. Título.
CDD 21.ed. 150.1943
Editora filiada à

Associação Brasileira das Editoras Universitárias

Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá


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Sumário

Apresentação
Capítulo 1
Reflexões comportamentalistas sobre a maldade contemporânea
Capítulo 2
O conceito de sobrevivência das culturas e suas implicações para
uma ética skinneriana
Capítulo 3
Skinner, democracia e anarquia
Capítulo 4
Seleção pelas consequências como norte funcional para políticas
públicas
Sobre os autores
Prefácio
Antes de apresentar meus comentários a respeito do livro preciso
dizer algo sobre os autores. Fiquei feliz em ver aqui reunidos incansáveis
estudiosos do comportamentalismo radical e da análise do
comportamento que muito contribuem para manter vivo o debate nesses
dois domínios. Sinto-me honrada em poder comentar aqui os seus
textos. Quanto ao livro, antes de dizer qualquer outra coisa sobre seus
méritos, já posso adiantar que recomendo a leitura de todos os seus
capítulos para aquelas pessoas que se interessam pelos problemas atuais
de nossa sociedade e queiram entender em que medida o
comportamentalismo radical, como sistema filosófico, pode fundamentar
a compreensão de tais problemas e, ainda, indicar possibilidades de
intervenções que possam solucioná-los.
São quatro capítulos distintos, que podem ser lidos em qualquer
ordem, mas que se apresentam completamente integrados por relatarem
análises de questões relativas à cultura. O resultado é um belo conjunto
de textos que compartilham diferentes qualidades entre as quais gostaria
de destacar ao menos quatro.
Em primeiro lugar, todos os capítulos apresentam exames da obra de
Skinner com destaques para seus pontos mais consistentes e também
para suas inconsistências, ou seja, são análises ponderadas e nada
dogmáticas.
Em segundo, ao longo do livro, os autores retomam diversas questões
conceituais a respeito do modelo de seleção por consequências. Isto
confere ao livro mais um mérito: permite ao leitor aprofundar a
compreensão e a reflexão sobre aspectos conceituais desse modelo. A
análise do nível cultural, conduzida em diferentes dimensões pelos
diversos autores, certamente contribui para diminuir a carência que
temos de estudos e de bibliografia relativa a esse nível seletivo. Além
disso, a linguagem bastante acessível de todos os capítulos permite que
sejam consultados tanto por alunos de graduação quanto por estudiosos
de áreas afins.
Em terceiro lugar, além de aprofundar na análise dos processos
culturais, mencionados acima, o livro tem o mérito de enfrentar, com
competência, dois dos temas mais difíceis da obra skinneriana (e,
naturalmente, do comportamentalismo radical): a ética e a política.
Em quarto, as reflexões apresentadas são extremamente atuais e
urgentes. Aplicam-se a problemas não só do futuro, mas a questões
atuais que nos afetam diretamente, como o governo por oligarquias, o
esgotamento de recursos naturais, a criminalidade, o imediatismo, a
impessoalidade das relações mediadas por burocracia e tecnologia, a
dificuldade em mudar práticas culturais indesejáveis, e assim por diante.
Gostaria, ainda, de mencionar ao menos um ponto, entre tantos que
apreciei, em cada um dos capítulos.
No primeiro capítulo, Lopes e Laurenti surpreenderam-me ao tratar
de um tema que está praticamente todo dia na pauta da mídia: a maldade.
Aqui, meu destaque é para a tese corajosa e totalmente pertinente que
defendem: não há uma essência humana, boa ou má. O ser humano só é
(bom ou mau) em contexto. Embora o foco de análise desse capítulo
seja a maldade, essa tese permite discutir possibilidades de se promover a
bondade, por meio de condições favoráveis à ocorrência do bem ou de
comportamentos bons. Entre as reflexões desse capítulo gostaria, ainda,
de indicar aos leitores especial atenção à discussão da importância do
desenvolvimento da ‘sensibilidade ao outro’.
O capítulo seguinte, de Melo e Castro, é extremamente esclarecedor
de posicionamentos éticos de Skinner. Uma contribuição especial dessas
autoras está na elucidação e análise da ‘ética aplicada’ defendida por esse
autor e que sempre foi o centro de seus interesses. Nessa análise pode-se
destacar uma crítica contundente das autoras aos posicionamentos de
Skinner no campo da ética: sua tentativa de manter-se apenas no
domínio da ética descritiva sem assumir, ostensivamente, que também
defendia uma ética prescritiva.
No terceiro capítulo, Abib trata de um tema raramente abordado com
propriedade em nossas fontes bibliográficas: um exame fundamentado
das posições políticas de Skinner. Entre outros esclarecimentos
destacam-se aqueles relativos à guinada de Skinner que, ao analisar a
democracia, passou a tratar de cultura. O autor esclarece como Skinner
relaciona democracia com cultura e como passa a criticar as ‘mediações’
que dão errado no mundo (cultura) ocidental. A elucidação de um tipo
de anarquismo defendido por Skinner, no meu entender, representa mais
uma contribuição inédita de Abib às reflexões deste livro relativas à obra
skinneriana.
No último capítulo, Carrara escreve como quem tem experiência
prática em pesquisa com intervenção cultural. Aborda as dificuldades de
se planejar, bem como as dificuldades de se conseguir adesão nos
planejamentos culturais e nas políticas públicas. Mas também aponta
algumas saídas e até sugere uma ferramenta de apoio construída por seu
grupo de pesquisa. Neste capítulo, chamou-me especial atenção a
argumentação de Carrara no sentido de defender as possibilidades da
análise do comportamento contribuir para mudar o mundo. Sua
argumentação apresenta-se criteriosa e cuidadosa, mas, mantendo-se
otimista e contrapondo-se a uma declaração pessimista do próprio
Skinner que, em uma de suas palestras, chegou a duvidar dessa
possibilidade.
Gostaria de encerrar cumprimentando os autores pela maneira
elucidativa e não dogmática com que trataram cada tema e por
compartilharem com Carrara a defesa de possibilidades das intervenções
comportamentais fazerem diferença nas soluções de nossos graves
problemas sociais. Foi muito bom verificar que, ainda que ponderado, o
que predomina ao longo do livro é um tom otimista. E, para encerrar,
gostaria de reforçar algo já pontuado pelos organizadores Lopes e
Laurenti na apresentação: espero que este livro seja um convite para que
seus leitores, sejam eles planejadores culturais ou não, coloquem na
pauta das suas
reflexões a análise dos valores subjacentes às nossas práticas culturais
atuais.

Maura Alves Nunes Gongora


Universidade Estadual de Londrina (UEL)
Apresentação
O comportamentalismo radical, a filosofia da análise do
comportamento, foi alvo de muitas críticas desde o seu alvorecer com as
reflexões de B. F. Skinner (1904-1990). Essas críticas resvalam em
diferentes aspectos e, algumas delas, estendem-se até hoje, como é o caso
de um conjunto de restrições que atinge os pressupostos éticos e
políticos dessa filosofia. O comportamentalismo já foi acusado, por
exemplo, de orientar uma prática psicológica voltada à manipulação dos
indivíduos em favor da classe dominante. No contexto dessa crítica, a
análise do comportamento seria uma psicologia preocupada com o
‘controle’ e o ‘condicionamento’ do comportamento humano, e essas
aspirações estariam balizadas por uma concepção de ser humano
passivo, entendido à imagem e semelhança de uma máquina ou, no
máximo, de um rato branco – um mero fantoche à mercê das
determinações do ambiente natural e social. Acompanhando ainda o
argumento de seus detratores, a ciência do comportamento preocupar-
se-ia com o controle justamente para poder condicionar os indivíduos de
modo que se tornem dóceis e susceptíveis aos ditames daqueles que
detêm o poder. E, para arrematar, tal controle seria inspirado por
tendências antidemocráticas, fascistas e conservadoras.
A análise do comportamento é uma proposta psicológica que, como
qualquer outra, apresenta limitações que precisam ser identificadas,
explicitadas e problematizadas. No entanto, as objeções anteriormente
arroladas destoam das reflexões skinnerianas sobre a ética e a política e,
consequentemente, dos desideratos de uma ciência comportamentalista
tal como apresentados por essas acusações. O livro Cultura, democracia e
ética: reflexões comportamentalistas coloca essas críticas em perspectiva, já
que, inspirado pelo comportamentalismo radical, discute questões ético-
políticas, mostrando seus desdobramentos no contexto das
possibilidades de atuação profissional.
Em que pesem essas pretensões, o livro não tem o intuito de ser o
porta-voz da interpretação cabal, ou mesmo oficial, da análise do
comportamento e do comportamentalismo radical. Trata-se, pois, de
‘uma’ interpretação pautada por ‘reflexões comportamentalistas’, que
situa o texto skinneriano como ponto de partida, mas não
necessariamente de chegada; são reflexões ‘com’ Skinner e não
simplesmente ‘sobre’ ele.
O primeiro capítulo, intitulado ‘Reflexões comportamentalistas sobre
a maldade contemporânea’, busca entender um dos principais problemas
a serem enfrentados pela sociedade: a maldade. Para tanto, visita análises
de autores de outras áreas de conhecimento – como Bauman – e de
outras propostas psicológicas – como as de Milgram e Zimbardo –
tentando delimitar algumas contingências responsáveis pela ocorrência
de atos de maldade. A despeito do foco na maldade humana poder
incitar uma postura pessimista e derrotista, não é isso que o capítulo
tenciona. Ao contrário, na esperança de construir um mundo melhor,
lança o desafio de encontrarmos alternativas à maldade, apontando, ao
final, direções concretas de como fazê-lo.
Não obstante esse otimismo, a lógica pragmatista subjacente a este
livro entende que a busca por técnicas que subsidiem estratégias de
intervenção para lutar contra o mal precisa ser orientada por uma
reflexão ético-política. É preciso, pois, resgatar o sentido aristotélico de
prática, que foi subvertido na história da psicologia. Para Aristóteles,
ação prática (práxis) é ação ético-política e não ação técnica (techné). A
psicologia aplicada ou prática perdeu de vista a acepção aristotélica de
‘prático’ e acabou identificando ‘prático’ a ‘aplicado’ e ‘aplicado’ a
‘técnico’. Quando não orientada por uma reflexão ética e política, a
técnica pode, subvertendo seu próprio sentido de meio ou instrumento,
tornar-se um fim em si mesma. Tal subversão pode ter efeitos nefastos
no contexto profissional: sendo virtualmente cega a valores, uma atuação
pautada exclusivamente pela técnica pode orientar propostas de
intervenção que acabam mantendo os problemas sociais que, a princípio,
pretendiam superar. Ou, ainda, podem, lamentavelmente, acabar
fomentando
outros e mais sérios problemas, a despeito da mais pura das intenções.
Considerando esses pontos, o segundo e o terceiro capítulos
compõem o contexto das reflexões ético-políticas, preparando o
caminho para pensar, à luz desses pressupostos, as possibilidades de
atuação profissional problematizadas no quarto e último capítulo. O
segundo capítulo, ‘O conceito de sobrevivência das culturas e suas
implicações para uma ética skinneriana’, descreve as principais
características da proposta ética de Skinner, apresentando seus
fundamentos e implicações sociais. Contudo, no curso dessa exposição,
o texto não se exime de indicar algumas controvérsias e limitações que
cercam a própria teoria ética skinneriana, e que se fazem notar logo na
proposição da sobrevivência das culturas como valor primordial dessa
teoria. Esse capítulo é sucedido por ‘Skinner, democracia e anarquia’, que
expõe algumas tensões no posicionamento político skinneriano. No
entanto, o capítulo dá encaminhamento a essas questões, pondo às claras
as inconsistências das leituras antidemocrática e conservadora dos
compromissos políticos do comportamentalismo radical. Para tanto,
caminha por textos da filosofia política, problematizando o conceito de
cultura e suas relações com diferentes formas de governo, em especial, a
democracia. O último capítulo, intitulado ‘Seleção pelas consequências
como norte funcional para políticas públicas’, recupera o desafio de
mudança social indicado pelo primeiro capítulo, enfrentando o suposto
pessimismo suscitado pela constatação da complexidade dos problemas
sociais que nos afligem, e pelo reconhecimento das dificuldades de
encontrar caminhos efetivos para superá-los. O capítulo mostra as
possíveis contribuições que uma ‘teoria consequencialista’ do
comportamento pode trazer ao delineamento de políticas públicas,
discutindo exemplos concretos de projetos voltados à transformação
social.
Estamos em uma sociedade marcada pelo imperativo da busca por
soluções cada vez mais rápidas e imediatas aos problemas que
enfrentamos. Afinado com a lógica da tecnociência, esse imperativo
tem orientado investigações predominantemente tecnocráticas desses
problemas sendo, portanto, míopes quanto a valores e destinos últimos
de suas intervenções. A proposta deste livro é a de endossar movimentos
que seguem na contramão dessa tendência, que alimenta a ilusão de uma
solução estritamente tecnocrática dos problemas sociais.
Sem ignorar, contudo, as contribuições da ciência para um mundo
mais humanizado, Cultura, democracia e ética: reflexões comportamentalistas faz
um convite à discussão ético-política das propostas de intervenção social,
que se fazem prementes na contemporaneidade. Essa reflexão é
imprescindível para que os interessados na mudança do comportamento
humano sejam parte da solução e não dos problemas sociais que, em seu
discurso, almejam superar. Por fim, as reflexões deste livro pretendem
contribuir, ainda que modestamente, com a superação de um
pessimismo paralisante, incitando um otimismo circunstanciado às
possibilidades de concretização de intervenções locais, mas que trazem
consigo um potencial revolucionário.

Carolina Laurenti e Carlos Eduardo Lopes


Capítulo 1 - Reflexões
comportamentalistas sobre a maldade
contemporânea
Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti

Considerações iniciais
Desde a modernidade, a maldade humana é pensada a partir de uma
contraposição entre natureza e cultura, o que deu origem a dois
posicionamentos antagônicos em relação ao assunto. De um lado, a
vertente hobbesiana1 viu na natureza a fonte dos problemas humanos e,
por isso, justificou sua exploração científico-tecnológica,
apostando no desenvolvimento da racionalidade e da civilidade como
modos de solucionar a maldade. De outro lado, a vertente rousseauniana
culpou a civilização pelas mazelas da humanidade, defendendo que em
tempos pré-modernos a simplicidade e o contato direto com a natureza
caracterizavam uma humanidade completamente livre do mal (cf.
ROUSSEAU, 1978).
Estudos atuais têm criado dificuldades para a manutenção dessa visão
dicotômica, ao mesmo tempo em que abrem espaço para se pensar o mal
em outras bases. Investigações sobre a história da espécie humana têm
questionado a visão estritamente hobbesiana de natureza. Evolucionistas
contemporâneos têm mostrado que comportamentos de empatia,
gentileza e cooperação estão presentes entre os animais gregários,
incluindo os grandes primatas, questionando, assim, a visão de que a
natureza é necessariamente egoísta, competitiva e violenta (cf. WAAL,
2010). Além disso, estatísticas atuais sobre a história da cultura moderna
mostram que a vida social pré-moderna estava longe de ser pacífica e
isenta de maldade, como defendeu a visão rousseauniana.
Pautando-se nesses dados, alguns autores argumentam que a civilidade
ajudou a diminuir drasticamente certos tipos de violência comuns em
séculos passados, como perseguições religiosas, torturas, execuções
públicas, entre outros (cf. PINKER, 2013).
Tomados em conjunto, os dados apresentados por esses estudos sobre
a história da espécie e a história da cultura, ao invés de resolverem o
problema, parecem criar um novo desafio. A história da cultura contada
com base nas estatísticas mais atuais mostra que o processo civilizador
ajudou na redução da maldade, o que nos faz pender a favor da visão
hobbesiana. No entanto, os dados evolutivos impedem que adotemos
essa visão, na medida em que nos mostra uma abundância de exemplos
de bondade em diferentes espécies, incluindo os grandes primatas. Além
disso, se hobbesianos estivessem corretos, e o processo civilizador fosse
capaz de eliminar a maldade humana, os exemplos de maldade na
atualidade seriam escassos, o que não é confirmado pela história do
século XX, com suas duas guerras mundiais, e pelas ocorrências de
maldade que temos presenciado nesse início do século XXI. Mesmo os
autores que destacam a presença da cooperação e da empatia nos
grandes primatas não humanos recusam a conclusão de que isso é uma
evidência a favor da visão rousseauniana de natureza.
Isso porque a presença do que poderíamos considerar atos de maldade
nos grandes primatas é um dado bastante conhecido (WAAL, 2010). Os
chimpanzés, por exemplo, muitas vezes formam bandos que invadem o
território de outros clãs, atacando e matando indivíduos que encontram
pelo caminho, sem qualquer justificativa ligada à sobrevivência
(WRANGHAM; PETERSON, 1998).
Uma interpretação analítico-comportamental do assunto talvez possa
encaminhar uma solução para esse impasse, ajudando na compreensão
da maldade humana fora das visões hobbesiana e rousseauniana. De um
ponto de vista analítico-comportamental, o comportamento individual
situa-se no entrelaçamento da história da espécie humana com a história
da cultura, de modo que natureza e cultura contribuem para a
constituição do indivíduo, embora nenhuma dessas histórias tenha,
necessariamente, um caráter
preponderante sobre a outra. Isso quer dizer que natureza e cultura são
campos de possibilidades e, como tais, não determinam
unidirecionalmente os rumos da vida individual. Encontramos na
natureza um conjunto de predisposições, não só egoístas e violentas, mas
também empáticas e cooperativas. Nesse sentido, a natureza não é a
fonte de nossos problemas e, consequentemente, as práticas culturais
não são um antídoto à natureza. Por outro lado, a cultura não evolui
sempre para melhor. Na história das culturas, determinadas práticas,
adotadas e transmitidas para outras gerações, podem melhorar a vida dos
membros do grupo, mas também podem colocar em risco a existência da
cultura e dos próprios indivíduos. Uma cultura que institucionaliza
torturas e execuções públicas, por exemplo, acaba criando um
sentimento de insegurança pública, bem como legitimando o uso
desmedido da força.
A interpretação comportamentalista, proposta aqui, sugere que a
solução para os problemas humanos consiste em aproveitar o que há de
melhor na natureza e na cultura, ao mesmo tempo em que é preciso
abandonar as contribuições perniciosas e destrutivas dessas histórias. No
que diz respeito à história da nossa espécie, como mencionado alhures,
encontramos não só uma tendência à competição e agressividade, mas
também à empatia e cooperação. No entanto, a presença de uma
tendência inata originada por nossa história evolutiva, seja uma tendência
à maldade ou à bondade, não pode ser considerada como determinante
dos fenômenos culturais. A biologia evolutiva esclarece esse ponto
fazendo uma distinção entre causa última e causa próxima do
comportamento individual. A causa última é “[...] a razão por que um
comportamento se desenvolveu numa espécie ao longo do processo
evolutivo [...]” (WAAL, 2010, p. 323); já a causa próxima é “[...] o modo
como esse comportamento é produzido pelos indivíduos no aqui e
agora” (WAAL, 2010, p. 323, grifo do autor). A confusão entre causa
última e causa próxima parece estar na base de algumas interpretações
reducionistas difundidas pela sociobiologia, considerando, por exemplo,
a guerra entre países como uma expressão de tendências filogenéticas de
defesa de território (cf. SKINNER, 1981, p. 503).
Waal (2010) argumenta a favor de uma ‘autonomia motivacional’ para
o comportamento individual, o que quer dizer que os motivos para a
ocorrência de um comportamento atual devem ser buscados em causas
próximas, o que muitas vezes contraria os motivos evolutivos que
explicam a origem filogenética desse tipo de comportamento. Nas
palavras desse autor:
A ideia por trás da autonomia motivacional é de que as
motivações que levam a um comportamento não são limitadas pela
causa última da existência desse comportamento. Ainda que
determinado comportamento tenha evoluído por razões egoístas,
estas não precisam fazer parte daquilo que motiva um indivíduo a
colocá-lo em prática, do mesmo modo como uma aranha não
precisa estar determinada a apanhar moscas no momento em que
está tecendo sua teia (WAAL, 2010, p. 324, grifo do autor).
De um ponto de vista analítico-comportamental isso equivale dizer
que a compreensão de um comportamento atual depende da descrição
das contingências atuais que promovem e mantêm esse comportamento,
e que, por mais que esse comportamento possa ter raízes filogenéticas,
os motivos da seleção na história da espécie e na história de vida do
indivíduo não precisam ser, e geralmente não são, os mesmos. Dessa
forma, se quisermos entender a maldade cometida pelos indivíduos
precisamos nos voltar para as condições atuais responsáveis por atos
maus. Partindo dessa conclusão, temos que nos voltar para o
esclarecimento dessas condições; temos que explicitar o contexto em que
a maldade ocorre, para, em seguida, pensar como mudar esse contexto
de modo a promover a bondade. Em relação à primeira tarefa, não é
difícil constatar que os problemas relacionados à maldade humana, que
reclamam uma solução premente, ocorrem no âmbito cultural. São
fenômenos como guerras, genocídios, e violência urbana em geral, que
claramente pertencem ao terceiro nível de variação e seleção do
comportamento humano. Isso quer dizer que o contexto para a
compreensão da maldade humana é a cultura, ou, mais especificamente,
o comportamento que ocorre no grupo. Além
disso, os exemplos mais emblemáticos e intrigantes de maldade,
sobretudo os ocorridos no século XX, parecem, de modo geral, terem
sido perpetrados por grupos de pessoas. Isso não significa que a maldade
só é cometida por grupos, ou que um indivíduo isoladamente não pode
ser cruel; mas não podemos questionar o fato de que a maldade coletiva
é um fenômeno contemporâneo que tem produzido resultados
assustadores. Como exemplo desse tipo de maldade, basta lembrar da
Segunda Guerra Mundial e do papel do nazismo nesse episódio sombrio
da história recente da humanidade.
A primeira parte deste ensaio consiste em uma tentativa de explicitar
contingências que podem estar operando no contexto desses grupos que
perpetram o mal. Para tanto, iniciaremos com alguns exemplos de
maldades cometidas por grupos nas últimas décadas, buscando avaliar
explicações tradicionais para esses atos. Na segunda parte,
apresentaremos uma explicação alternativa do mal, proposta pelo
sociólogo Zygmunt Bauman (1925-). Isso se justifica pelo fato de suas
análises ajudarem na construção de uma interpretação
comportamentalista do assunto, na medida em que permitem a
identificação de algumas das condições sociais para a maldade,
considerando o papel das consequências das ações nesse contexto – uma
perspectiva que coaduna com uma teoria consequencialista do
comportamento. Por fim, apontaremos algumas práticas culturais que
parecem ainda manter o risco da maldade coletiva nos dias de hoje, o
que nos coloca o desafio de como substituir a maldade pela bondade na
sociedade contemporânea.

1. Sobre o mal
O mal é um assunto tratado por muitos autores em diferentes
contextos. A presença do mal no mundo e sua compatibilidade com a
existência de Deus era tema recorrente em tratados filosóficos medievais
(FERRATER MORA, 2001); as ricas descrições do inferno – um lugar
em que as mais variadas formas de maldade são
castigadas com maldades ainda piores – são uma marca indelével de
obras renascentistas (DANTE ALIGHIERI, 2001). Nas artes plásticas, a
representação do mal cruzou os séculos caminhando lado a lado com a
beleza e a bondade (ECO, 2007). Dada a extensão do assunto, parece
pouco plausível admitir que o mal tenha uma definição unívoca
compartilhada em todos esses contextos. Mesmo a concepção religiosa
abriga diversas possibilidades, que vão desde explicações do mal
recorrendo a demônios ou espíritos que desviariam o ser humano de
suas virtudes, até uma culpabilização inata, e de certa forma irremediável,
do homem, marcado pelo pecado original.
Assim, é necessário esclarecer o que estamos denominando de mal
neste ensaio. Como mencionado alhures, nosso interesse é discutir o mal
em uma perspectiva comportamentalista, o que nos leva a delimitar a
maldade como uma característica humana, mais especificamente, como
uma propriedade de alguns comportamentos humanos. Mantendo-se
nessa perspectiva, para definir ‘mal’ precisamos, inicialmente, delimitar as
características de uma ação má. Definiremos ‘mal’ como um conjunto de
ações, que se caracterizam por agressão, abuso, humilhação, exploração,
desprezo, acarretando o sofrimento de outras pessoas e, em situações
limite, a sua morte. Em linhas gerais, o mal está nos comportamentos
que promovem o dano e o sofrimento ao outro (ZIMBARDO, 2012).
Na medida em que os comportamentos individuais têm explicações
idiossincráticas, a explicação da maldade centrada em um indivíduo
particular não nos ajuda na compreensão da maldade como fenômenos
humano. Em outras palavras, contingências de reforçamento e punição
que explicam um comportamento mau de uma pessoa, isoladamente,
não podem ser transpostas como regra para todo comportamento mau.
Isso nos obriga a outro refinamento em relação à análise da maldade
pretendida por este ensaio. Examinaremos, aqui, a maldade cometida por
grupos de pessoas, levantando de antemão a hipótese de que, nesses
casos, deve haver contingências compartilhadas pelos membros do
grupo que poderiam explicar a maldade em larga
escala, que ocorreu e continua ocorrendo na sociedade contemporânea.
Exemplos de maldade de grupos marcaram o século XX, desafiando
psicólogos e sociólogos a explicar a ocorrência de massacres que
pareciam improváveis para uma sociedade moderna. Provavelmente o
primeiro e mais discutido caso de maldade extrema do século XX tenha
sido o Holocausto ocorrido na Alemanha nazista. As primeiras
execuções conduzidas oficialmente pelo regime nazista ocorreram a
partir de 1939, com a adoção da política de eutanásia dirigida a pessoas
portadoras de deficiência consideradas incuráveis. Embora a política de
eutanásia tenha sido abandonada em 1941, as execuções continuaram em
número crescente em campos de extermínio criados para judeus, eslavos,
polacos, ciganos e outras pessoas consideradas racialmente inferiores. Os
números de mortes são impressionantes. No campo de extermínio de
Auschwitz, na Polônia, estima-se que até 6.000 pessoas eram
assassinadas por dia no auge das deportações de judeus (UNITED
STATES HOLOCAUST MEMORIAL MUSEUM, s.d.). Além da
crueldade, ricamente descrita na maioria dos relatos de sobreviventes, o
que causa perplexidade no caso do Holocausto é que a maioria dos
executores eram pessoas comuns, pais de família, agricultores e jovens
que, por ocasião da guerra, foram obrigados a se alistar no exército
(BAUMAN, 1998). Esse dado é impressionante porque sugere que a
maldade está mais próxima do que podemos pensar e, como veremos,
ela não é exclusiva do contexto do Holocausto.
Outro exemplo de maldade bem mais atual e igualmente assustador é
o genocídio de Ruanda. Dados das Nações Unidas estimam que, em
1994, num período de apenas três meses, em torno de 800 mil a 1 milhão
de ruandeses foram exterminados. Na época, Ruanda era composta
predominantemente por dois grupos étnicos: os hutus, os tutsi2. A
separação hierárquica desses grupos, que estaria na raiz do conflito, foi
promovida pelos colonizadores europeus, inicialmente alemães e
posteriormente belgas (RWANDA..., s.d.). Os tutsi foram considerados
superiores na hierarquia social, até a introdução do cristianismo em
Ruanda, na década de 1940, quando os hutus
assumiram sua posição. Com o apoio dos colonizadores belgas, os hutus
passaram a ocupar a maioria dos cargos administrativos, elegendo um
presidente de sua etnia. Com a independência, em 1962, os hutus,
maioria em Ruanda, mantiveram-se no poder, mesmo com o golpe
militar que depôs o presidente eleito e instituiu um regime militar, em
1973. Nesse período, a perseguição e a morte de cidadãos tutsi fizeram
com que essa etnia se exilasse em países vizinhos. A partir de 1990,
Ruanda sofreu uma guerra civil e, com o apoio de países vizinhos, os
refugiados tutsi puderam voltar a Ruanda em 1993, quando foram
assinados acordos que previam a partilha de poder entre as etnias. Em
1994, um acidente de avião que matou o presidente, de etnia hutu,
funcionou como estopim para o que se tornou um genocídio. Os
extremistas da etnia hutu interpretaram a morte do presidente como uma
conspiração tutsi e convocaram, por meio de programas de rádio e
outros meios de comunicação, os hutus ao extermínio de todos os tutsi
(OLIVEIRA; GROSSMANN, 2012).
O resultado do conflito entre essas etnias foi o aniquilamento de cerca
de três quartos de toda a população tutsi. Além dos números, o que
impressiona são as armas utilizadas pelos hutus no ataque aos tutsis, que
vão desde armas de fogo até facões, porretes com pregos e pedras. Outra
arma usada nesse massacre, com a justificativa até de poupar munição,
foi o estupro de mulheres e crianças (ZIMBARDO, 2012). A prática do
estupro no genocídio de Ruanda, além dos danos psicológicos, foi
responsável pela proliferação de doenças sexualmente transmissíveis às
outras gerações tutsis.
Mas talvez o aspecto que mais chame a atenção no episódio de
Ruanda seja o fato de que, na maioria das vezes, esses atos cruéis contra
os tutsis foram perpetrados por pessoas conhecidas. Muitos hutus, a
mando, mataram antigos amigos, vizinhos de rua, e colegas de trabalho.
Em uma entrevista, dada algumas décadas depois, alguns hutus
descreveram que:
“a pior coisa do massacre foi matar o meu vizinho; costumávamos
beber juntos e seu gado pastava na minha grama. Ele era como um
parente”. Uma mãe hutu descreveu como espancou até a morte as
crianças da vizinha, que olhavam-na com olhos arregalados de
assombro, pois tinham sido amigos e vizinhos durante toda a vida.
Ela relatou que alguém do governo lhe dissera que os tutsis eram
seus inimigos, e lhe deram um porrete e a seu marido um facão,
para que usassem contra a ameaça. A mulher justificou o massacre
dizendo estar fazendo um “favor” àquelas crianças, que se
tornariam órfãs indefesas, visto que os pais já haviam sido
assassinados (ZIMBARDO, 2012, p. 34).
Não é preciso continuar descrevendo detalhes horripilantes de como
os vizinhos hutus estupraram suas colegas, as filhas delas, e de como
forçavam os filhos dos tutsis a estuprar suas próprias mães e irmãs (cf.
ZIMBARDO, 2012). O que merece ser destacado é que esse massacre
foi executado por colegas e vizinhos, e as justificativas dadas pelos
assassinos é que eles estavam simplesmente seguindo ordens.
O terceiro exemplo de maldade é ainda mais recente. Veio a público
mundialmente em maio de 2004, com a divulgação das cenas de abusos e
diversas formas de tortura cometidas por jovens norte- americanos,
homens e mulheres, contra detentos da prisão de Abu Ghraib, no
Iraque. Os soldados norte-americanos, responsáveis pelos prisioneiros,
tiraram fotos das perversidades que cometiam contra eles e as exibiam
como troféus. Uma das torturadoras, uma militar de 21 anos, relatou que
esses atos eram apenas ‘curtição’ (ZIMBARDO, 2012). Essas curtições
consistiam em:
[...] socos, tapas, chutes em detentos; pulos sobre seus pés; detentos
desnudos à força, encapuzados, enfileirados uns sobre os outros
formando uma pirâmide; homens nus forçados a usar roupas
íntimas femininas sobre as cabeças; homens obrigados a se
masturbarem ou a simularem sexo oral enquanto eram fotografados
ou filmados ao lado de militares do
sexo feminino sorrindo ou encorajando tais ações; prisioneiros
presos nos caibros das celas durantes longos períodos; arrastados
para lá e para cá com coleiras amarradas aos seus pescoços; sendo
assustados por cachorros de ataque sem mordaça (ZIMBARDO,
2012, p. 42).
Uma das cenas mais perturbadoras, e que ganhou o mundo
rapidamente pela internet e outros meios de comunicação, foi a do
“homem triângulo” (cf. ZIMBARDO, 2012, p. 42). Esse prisioneiro foi
colocado em uma posição bastante desconfortável – encapuzado, de pé
em cima de uma pequena caixa com os braços abertos – e induzido a
acreditar que poderia ser eletrocutado se saísse dessa posição por
qualquer motivo. Como argumenta Zimbardo (2012, p. 42), “[...] não
importa que os fios terminassem em lugar algum; importa que ele [o
prisioneiro] acreditava na mentira, e deve ter experimentado uma tensão
considerável”.
Novamente, os protagonistas dos atos de maldade não apresentavam
nenhum indício anterior que permitisse prever esse tipo de
comportamento. Pelo contrário, eram jovens considerados corretos,
saudáveis e bem treinados pelas forças armadas; jovens que poderiam ser
nossos vizinhos, amigos ou parentes, e que, provavelmente, nesses
contextos, seriam considerados acima de qualquer suspeita3.
Isso nos conduz a uma questão fundamental em uma análise
comportamentalista da maldade: o que explica a ocorrência de ações
desse tipo? Será que essa explicação deve ser buscada na constituição dos
indivíduos que cometeram esses atos? O Holocausto, por exemplo,
poderia ser pensado como uma conjunção infeliz de pessoas
desajustadas, de psicopatas, que tomaram o poder. Ou talvez o nazismo
seja um desdobramento quase inevitável do espírito alemão, mais
especificamente, de sua herança romântica irracionalista. Tanto em um
caso como no outro, tendemos a nos sentir aliviados, uma vez que esse
tipo de maldade pertenceria a indivíduos específicos ou a determinada
cultura, distante de nós. Mas se esse fosse o caso, como
explicar os outros
exemplos, em que os protagonistas de atos cruéis eram, até então,
considerados pessoas comuns, pais de família, comerciantes, vizinhos
que conviviam sem grandes problemas? Parece pouco sensato apelarmos
para uma coincidência que aproximou desajustados nesses casos,
tampouco podemos encontrar traços culturais específicos que
aproximem jovens norte-americanos de hutus. Assim, retomamos nossa
questão inicial: como explicar a ocorrência da maldade?

2. Propostas tradicionais de explicação do mal


A primeira explicação tradicional do mal é de natureza sociológica. Ela
interpreta os atos de maldade como situações excepcionais de nossa
sociedade civilizada, ou como um indicativo de falta de civilidade em
sociedades primitivas4. Tratar-se-iam, portanto, de exemplos atípicos,
incidentes singulares, anomalias, resquícios de
barbárie que ainda sobrevivem em nossa sociedade moderna, racional
e civilizada. Esses episódios ocorreriam quando o ser humano deixa de
pensar, abandona sua racionalidade e dá vazão aos seus instintos
primitivos, necessariamente bárbaros e violentos. Nesse sentido, seriam
exemplos para pensarmos o ser humano ou uma sociedade patológica e
não o ser humano e a sociedade normais. Tais situações ilustrariam, no
máximo, onde o processo civilizatório ainda não chegou. Portanto, se
acelerássemos o processo civilizatório, barbáries como essas não
aconteceriam mais.
O principal problema dessa visão é que ela retoma a dicotomia
natureza-cultura em bases hobbesianas. Em outras palavras, para que
essa tese se sustente é preciso garantir que a natureza seja essencialmente
egoísta e violenta, ao passo que a civilidade aparece como um antídoto
cultural que nos levaria à promoção da bondade. Como vimos
anteriormente, é possível encontrar na natureza exemplos de gentileza,
empatia e cooperação (cf. WAAL, 2010). Diferente do que defende a
tese hobbesiana, os animais, sobretudo os antropoides superiores, são
capazes de resolver
impasses sem recorrer à agressão. Além disso, a cultura está longe de ser
uma fonte exclusiva de bondade. Nessa direção, Bauman (1998)
considera que o Holocausto não é um desvio no caminho reto do nosso
progresso cultural, mas “uma possibilidade que a modernidade contém”
(p. 24). Dessa forma, o Holocausto seria um produto do próprio
processo civilizatório, uma vez que praticamente todas as características
desse processo foram mantidas, e não suprimidas, durante o extermínio
de judeus no nazismo. Dando voz a Bauman (1998, p. 27, grifo do
autor):
A verdade é que todos os ingredientes do Holocausto – todas as
inúmeras coisas que o tornaram possível – foram normais; [...] no
sentido de plenamente acompanhar tudo o que sabemos sobre a
nossa civilização, seu espírito condutor, suas prioridades, sua visão
imanente do mundo – e dos caminhos adequados para buscar a
felicidade humana e uma sociedade perfeita.
Com a tese de que o Holocausto é um produto da modernidade, fica
impedida uma interpretação estritamente local desse acontecimento
– como algo específico de uma cultura ou povo; uma radicalização da
história de perseguição aos judeus –, o que legitima a opinião comum de que
o que aconteceu na Alemanha nazista não teve e não tem nada a ver
conosco, com o que acontece hoje. Para Bauman (1998), o Holocausto não é
um episódio da experiência particular dos judeus e daqueles que os odiavam;
é um episódio da modernidade, cujas características continuam preservadas e
influenciando nossas vidas.
Além disso, a interpretação de Bauman (1998) se opõe à visão de que
o Holocausto seria um retrato da dificuldade de domar nossos impulsos
primitivos, uma visão que culmina na exaltação dos processos
civilizatórios e das propostas de especialistas para resolver o problema de
nossa agressividade inata (cf. PINKER, 2013). Nas palavras de Bauman
(1998, p. 31), o Holocausto deveria ser visto como um ‘laboratório
sociológico’, como uma espécie de situação ou ‘teste raro’ capaz de
mostrar as “possibilidades ocultas
da sociedade moderna [...]” e do próprio processo civilizatório. Em
suma, o Holocausto não é um acontecimento que mostra um local
refratário à civilização, ou um exemplo de seu fracasso.
Outra explicação tradicional para o mal é de natureza psicológica.
Negando a possibilidade de que pessoas comuns ou ‘normais’ sejam
capazes de cometer atos de maldade, essa explicação invoca o seguinte
argumento: esses atos são perpetrados por pessoas com problemas
severos de personalidade, por personalidades cruéis, autoritárias,
perversas etc. Embora tal explicação usualmente não se dedique ao
exame das condições que geram pessoas com personalidades assim, a
ideia é a de que crimes hediondos cometidos por um grupo, como
aqueles perpetrados pelos nazistas, pelos hutus e pelos jovens militares
norte-americanos podem ser entendidos como um acúmulo ou
conjunção infeliz de personalidades desviantes especiais em um local e
momento histórico particulares. Exemplificando: o nazismo era cruel,
porque foi cometido por pessoas cruéis e pessoas cruéis tendem a ser
nazistas. Com base nessa explicação circular, o mundo, então, passa a ser
dividido entre “[...] protonazistas de nascença e suas vítimas”
(BAUMAN, 1998, p. 180).
Bauman (1998) também critica com veemência essa tese. Todas as
pessoas que cometeram esses atos atrozes eram pessoas comuns, pais de
família, vizinhos, colegas de trabalho, com quem eventualmente
poderíamos sair para tomar cerveja, ou que poderiam frequentar nossas
casas. No caso dos estupros em Ruanda, por exemplo, os perpetradores
dos crimes eram homens comuns, fazendeiros, frequentadores de igrejas
e antigos professores (cf. ZIMBARDO, 2012, p. 37). No caso do
Holocausto, os 6 milhões de judeus, 3 milhões de prisioneiros de guerra
soviéticos, 2 milhões de poloneses e centenas de milhares de pessoas
‘indesejáveis’ como os ciganos (cf. ZIMBARDO, p. 33) foram
exterminados por pessoas comuns, acima de qualquer suspeita. O fato de
esses crimes terem sido cometidos por pessoas normais abalou toda
representação que tínhamos do mal. Bauman (1998) descreve esse ponto
de modo esclarecedor:
O Holocausto fez minguar todas as imagens lembradas ou herdadas
do mal. Com isso, inverteu todas as explicações estabelecidas dos
feitos maléficos. De repente ficou claro que o mais terrível dos
males de que se tinha memória não resultou de uma ruptura da
ordem, mas de um impecável, indiscutível e inatacável império da
ordem. Não foi obra de uma turba ruidosa e descontrolada, mas de
homens uniformizados, obedientes e disciplinados, cumpridores das
normas e meticulosos no espírito e na letra de suas instruções. Bem
cedo se soube que esses homens, sempre que estavam à paisana,
não eram de modo algum maus. Portavam-se de forma bem
parecida à de todos nós. Tinham esposas que amavam, filhos que
paparicavam, amigos que ajudavam e consolavam no infortúnio.
Parecia inacreditável que, uma vez uniformizadas, essas mesmas
pessoas fuzilassem, asfixiassem com gás ou presidissem ao
fuzilamento e asfixia de outras milhares de pessoas, inclusive
mulheres que eram esposas amadas de outros homens e bebês que
eram filhos queridos de alguém.
Era não só inacreditável, mas aterrador (BAUMAN, 1998, p. 178).
Dizer que atos cruéis são cometidos por pessoas com uma propensão
patológica, anormal ou perversa, obscurece o triste mas evidente fato de
que pessoas comuns, gentis, normais, podem se tornar cruéis se tiverem
uma chance (cf. BAUMAN, 1998, p. 180).
Nesse sentido, Bauman adverte que “a notícia mais assustadora trazida
pelo Holocausto e pelo que soubemos acerca de seus executores não foi
a probabilidade de que isso pudesse acontecer a nós, mas a ideia de que
nós poderíamos perpetrá-lo” (BAUMAN, 1998, p. 179, grifo do autor).

3. Uma explicação alternativa para o mal


As críticas baumanianas das explicações tradicionais – explicações que
endossam a opinião de que é impossível ao homem civilizado, racional,
cometer atos atrozes – encaminham a discussão à primeira
tese alternativa sobre o mal. A maldade pode surgir no coração de
condições sociais modernas ou civilizadas. Essa tese é amparada em
evidências empíricas obtidas por dois estudos clássicos de psicologia
social experimental, que lançaram luz sobre a problemática da maldade.
Trata-se dos experimentos de Stanley Milgram sobre obediência à
autoridade, e o experimento de Phillip Zimbardo sobre as consequências
psicológicas de condições de aprisionamento.
O experimento de Milgram, realizado em 1961, foi publicado no
periódico The journal of abnormal and social psychology, em 1963, e discutido
em pormenores no livro Obedience to authority: an experimental view,
publicado em 1974. Os participantes da pesquisa foram recrutados com
a informação de que fariam parte de um estudo sobre aprendizagem e
memória, mais especificamente, sobre o papel da punição na
aprendizagem. Participaram 40 homens, com idade entre 20 e 50 anos,
das mais diversas ocupações como funcionários do correio, professores,
engenheiros, e com níveis de escolaridade variados (desde aqueles que
não tinham completado o ensino médio até aqueles com doutorado).
Cada sessão do experimento envolvia três pessoas: o sujeito da
pesquisa, que desempenhava o papel de professor, um experimentador,
de 31 anos, cujo papel era desempenhado por um professor de biologia
do ensino médio, e uma pessoa com 47 anos, um contador, que fazia o
papel de aprendiz. No experimento, o pesquisador e o aprendiz eram
cúmplices, e sabiam, de antemão, tudo o que iria acontecer. O
procedimento consistia na apresentação de uma tarefa de memorização
dada ao aprendiz, e o professor (o sujeito da pesquisa) era instruído a dar
um choque no aprendiz toda vez que ele errava a tarefa. O aprendiz
ficava em uma espécie de cadeira elétrica, com eletrodos em seus pulsos.
Esses eletrodos estavam conectados a um simulador de produção de
choques. Os comandos que supostamente liberavam os choques
variavam de 15 a 450 volts. Essas voltagens foram distribuídas em
categorias tais como: choque leve, moderado, forte, muito forte, intenso,
extremo, e perigo: choque severo. A cada erro do aprendiz, acendia-se
uma luz acima do simulador de choque, que sinalizava
o próximo passo a
ser executado pelo professor: dar o choque. A cada erro o professor
deveria dar um choque mais forte que o anterior. Antes de administrar o
choque o professor deveria anunciar qual era a voltagem que seria
empregada. Vale destacar que o aprendiz não estava recebendo choque
de verdade. Ele estava apenas simulando; ele gritava, gemia, suplicava
para o sujeito parar de aplicar o choque quando se tratava das voltagens
mais elevadas; mas tudo era uma simulação. Apenas o sujeito que fazia o
papel de professor não sabia da encenação; ele acreditava piamente que
estava administrando choques com fins pedagógicos (MILGRAM,
1983).
Milgram pediu a 14 psicólogos experientes que fizessem uma previsão
dos resultados considerando cem participantes hipotéticos. De acordo
com a avaliação dos especialistas, desses cem apenas três chegariam a
administrar choques de 450 volts, ou seja, pouquíssimos participantes
iriam além do choque ‘muito forte’. Os resultados contrariaram essas
expectativas. Dos 40 participantes, nenhum deles parou antes de
administrar choque de 300 volts; 14 foram um pouco mais adiante, mas
desistiram de participar do experimento, desobedecendo às ordens do
pesquisador de ir até o fim. Os outros 26 sujeitos foram até o final,
administrando o nível de choque mais potente. Os resultados mostraram
que as pessoas, agindo contra seus valores e convicções comuns,
obedeceram a uma autoridade, infligindo um grave dano a outra pessoa,
mesmo diante dos protestos da vítima. Vale ressaltar que essa autoridade
não tinha nenhum poder especial sobre os participantes, não poderia
prejudicá-los durante ou após o experimento (MILGRAM, 1983).
Dez anos depois dos estudos de Milgram, em 1971, Zimbardo
realizou seu experimento nos porões da Universidade de Stanford. Ele
construiu um ambiente experimental simulando uma prisão.
Participaram do estudo 24 universitários normais, sadios e inteligentes
(todos foram submetidos a testes padronizados de personalidade). O
objetivo do experimento era investigar a dinâmica comportamental em
situações de aprisionamento. Mais
especificamente, a ideia era verificar em que medida o arranjo de um
contexto institucional específico, no caso o de uma prisão, poderia se
sobrepor às personalidades de pessoas ‘normais’ nessas situações. Para
tanto, os participantes foram distribuídos aleatoriamente em dois grupos
de 12 pessoas cada. O primeiro grupo representaria o papel de guardas,
recebendo, para tanto, instruções, uniformes e equipamentos específicos;
outro grupo representaria os prisioneiros, sendo literalmente
apreendidos em suas casas por policiais, e mantidos sob o poder dos
guardas da prisão experimental. O experimento estava programado para
durar duas semanas, mas teve que ser interrompido no sexto dia, pois os
jovens que assumiram o papel de guardas começaram a submeter seus
‘prisioneiros’, também universitários, a situações humilhantes e
vexatórias: eles pisavam nas costas dos colegas quando faziam flexões, os
humilhavam sexualmente, os forçavam a cantarolar músicas obscenas, os
obrigavam a limpar privadas sem luvas, a defecar em baldes, removiam
das celas colchões como punição contra eventuais rebeliões, exigindo
que os prisioneiros dormissem nus no chão de concreto. Por parte dos
prisioneiros, observou-se greve de fome, distúrbios emocionais
chegando à despersonificação; na verdade, alguns dos prisioneiros
tiveram de sair mesmo antes do término precoce do experimento, pela
sua precária situação emocional (ZIMBARDO, 2012).
Os estudos de Milgram e Zimbardo mostraram que pessoas
psicologicamente normais poderiam cometer atos cruéis dadas certas
condições. Enfim, o mal emana menos de personalidades autoritárias do
que de condições sociais que o favoreçam. Essas evidências empíricas
foram discutidas por Bauman no livro Modernidade e holocausto e, com base
nelas, e em suas análises teóricas sobre as condições sociais que
propiciaram os atos atrozes no Holocausto, o sociólogo polonês
concluiu que:
[...] a crueldade relaciona-se a certos padrões de interação de
maneira muito mais íntima que às características de personalidade
ou outras idiossincrasias individuais dos seus executores. A
crueldade é social na origem, muito mais do que
fruto de caráter. Sem dúvida alguns indivíduos tendem a ser cruéis
se colocados num contexto que enfraquece as pressões morais ou
legitima a desumanidade (BAUMAN, 1998, p. 194).
Com efeito, os binômios racionalidade/humanidade e irracionalidade/
desumanidade foram colocados em xeque. Essas análises mostram que
racionalidade e desumanidade podem caminhar juntas, lado a lado, em
cooperação, uma alimentando a outra. Se a maldade pode ser um
produto de condições sociais modernas, civilizatórias, em quais
circunstâncias podemos fazer o mal?

4. Condições modernas para o mal


As análises sociológicas de Bauman sobre o Holocausto, bem como
os experimentos de Milgram e Zimbardo, ensejaram a descrição de uma
série de condições sociais catalisadoras do mal.
Destacaremos, neste ensaio, duas delas: a) mediação da ação e b)
responsabilidade flutuante.
O conceito de mediação da ação está pautado em uma relação muito
simples: a maldade é uma função direta da distância social. Dessa forma,
quanto mais fragmentada for a nossa ação, quanto maior for a distância
entre nossa ação e as consequências que ela produz, maiores as chances
de cometermos atos atrozes. No caso do Holocausto, a ação da elite do
exército nazista de ordenar as execuções era mediada por uma longa
cadeia hierárquica, recortada em especializações funcionais, que
terminava no soldado que executava a ordem fuzilando as pessoas ou
acionando os dispositivos das câmaras de gás. O comandante não via,
não tocava, não experienciava diretamente as consequências de sua ação
de ordenar a morte de milhares de pessoas. Os resultados de algumas
manipulações experimentais nos estudos de Milgram endossam essa
análise: quando os professores tinham que pegar na mão do aprendiz, e
colocá-la no aparato que, supostamente, dispararia o choque, o número
de obedientes era em torno de 30%,
mas essa porcentagem aumentava na medida em que aumentava a
distância entre professor e aprendiz. Quando os professores não podiam
ver os aprendizes, que ficavam escondidos atrás de uma parede, a
porcentagem de professores obedientes aos comandos do pesquisador
chegou a mais de 60%.
Isso mostra que quanto mais mediada for a nossa ação, quanto mais
estiver distante das consequências que ela produz, mais suscetíveis
somos de cometer atos cruéis. Trata-se de uma conclusão que também é
conhecida pela análise do comportamento, que há muito argumenta que
o efeito das consequências depende de seu caráter imediato, ou seja, a
ação só pode ser fortalecida ou punida se as consequências reforçadora
ou punidora forem imediatamente apresentadas depois da ação. Assim,
quando nossa ação leva ao sofrimento de outras pessoas, a distância nos
poupa da agonia de testemunhar os resultados de nossos atos. Por isso,
Bauman (1998, p. 183, grifo do autor) conclui que “quanto mais
racional a organização da ação, mais fácil se torna produzir o
sofrimento – e ficar em paz consigo mesmo”.
A modernidade cria, então, uma “moralidade da tecnologia”, na qual
nossa atenção não está voltada para o objeto final de nossa ação, ou para
quem sofrerá o impacto dela, mas para a eficiência da realização da ação,
para o quanto ela está em conformidade com as regras prescritas e com
as ordens dadas (BAUMAN, 1998, p. 188).
Isso acontece não só quando a ação é mediada, mas também quando a
ação participa da mediação da ação de outros. Em outras palavras, é mais
fácil ignorarmos nossa responsabilidade quando somos apenas um elo
intermediário numa cadeia de ações maléficas, cuja consequência final
está longe de nossos olhos.
Nesse contexto, o objetivo de nossa ação é apenas encetar outra ação
e, nessa dinâmica, a relação entre nossa ação e o sofrimento de outrem é
diminuída.
A segunda condição catalisadora do mal, destacada por Bauman
(1998), é a responsabilidade flutuante, que se caracteriza pelo ato de
investir outra pessoa (geralmente uma autoridade) da
responsabilidade por nossas ações. Em formas modernas de organização
social, nas quais as ações são mediadas, é comum imputar ao outro a
responsabilidade de nossas ações. Com isso, reitera-se a cadeia
mediacional das ações sempre se deslocando a responsabilidade a uma
camada superior da hierarquia5. Assim,
com a instauração de uma responsabilidade flutuante somos afastados
moralmente das consequências de nossas ações.
Dessa maneira, a mediação da ação complementa e é complementada
pela responsabilidade flutuante, fazendo com que ninguém se sinta
moralmente ligado às consequências de suas ações. Se os comandantes
no Holocausto dos judeus e nos estupros de Ruanda ficaram insensíveis
moralmente, pela sua distância das vítimas, os executores não se sentiam
responsáveis pelos crimes, com a justificativa de que estavam apenas
cumprindo ordens. Além disso, essa insensibilidade é fortalecida por
mecanicismos de organização racional da sociedade moderna, que
privilegiam a compartimentalização e a especialização da ação, que
valorizam a ação não pelo seu impacto no objeto da ação, mas pela sua
eficiência e rigor na execução da tarefa e na conformidade às regras
institucionalizadas.

5. Entendendo o mal na contemporaneidade


As análises anteriores suscitam um questionamento inquietante: será
que as condições propiciadoras do mal estão presentes ainda hoje?
Bauman (1998) descreveu essas condições no contexto da modernidade,
mas elas poderiam ser estendidas à contemporaneidade? Teríamos
superado essas práticas que sustentaram a maldade de grupos no século
XX? O próprio Bauman sugere que essas condições para o mal ainda
estão presentes e, por isso, atos cruéis em grande escala podem
acontecer não só em qualquer lugar, mas a qualquer momento. O que
torna essa situação muito mais perturbadora é a consciência de que
isso poderia acontecer nessa escala maciça em outro lugar, portanto
poderia acontecer em qualquer lugar; está tudo dentro da ordem das
possibilidades humanas e, gostem ou não, Auschwitz expande o
universo da consciência não menos do que o pouso na lua.
Dificilmente pode ser reduzida a ansiedade, tendo em vista o fato
de que nenhuma das condições que tornaram Auschwitz possível
realmente desapareceu e nenhuma medida efetiva foi tomada para
evitar que tais possibilidades e princípios gerem catástrofes
semelhantes a Auschwitz (BAUMAN, 1998, p. 30).
Vale acrescentar que além dessas condições ainda estarem presentes e,
em alguns casos, até exacerbadas, qualquer um de nós pode realizar esses
atos cruéis.
Como é que pessoas comuns, como eu ou você, podiam fazer
aquilo? Com certeza, de alguma forma, ainda que por uma
pequenina diferença, elas devem ter sido diferentes, pessoas
especiais, diversas de nós, não? Certamente devem ter escapado ao
impacto enobrecedor, humanizante, de nossa sociedade civilizada,
iluminada. Ou, quem sabe, podem ter sido estragadas, corrompidas,
submetidas a alguma combinação infeliz e viciosa de fatores
educacionais, que resultaram numa personalidade falha, doentia.
Provar que todas essas suposições estavam erradas não seria
acolhido não apenas porque isso desmoronaria a ilusão de
segurança pessoal que a vida numa sociedade civilizada promete.
Seria mal recebido também por uma razão muito mais significativa:
porque exibiria a irredimível ineficácia de toda autoimagem
moralmente virtuosa e de toda consciência tranquila. A partir de
agora, toda consciência só podia ficar tranquila até segunda ordem
(BAUMAN, 1998, p. 178-179, grifo do autor).
Como podemos entender essa possibilidade em termos
comportamentalistas? A resposta a essa questão pode ser encontrada em
alguns pontos discutidos pelo próprio Skinner, sobretudo no campo da
ética e da política. Mas antes de adentrar
nesse ponto, cumpre esclarecer algumas proposições
comportamentalistas.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que o comportamento é um
fenômeno que tem em sua base um organismo sensível ao mundo.
Skinner (1981, 1984) esclarece essa tese quando apresenta a história do
comportamento, defendendo que a sensibilidade às consequências
produzidas pela ação teria sido crucial para o comportamento, em
especial, e para a vida, em geral. Isso afasta terminantemente uma
concepção mecanicista de comportamento, na qual as ações do
organismo seriam meras reações a eventos anteriores, e ‘cegas’ ou
insensíveis aos seus efeitos no mundo. A compreensão da própria
capacidade de aprendizagem operante, ou condicionamento operante,
depende do abandono dessa concepção mecanicista: alterações na
probabilidade de ocorrência de ações futuras dependem de uma história
em que consequências reforçadoras são consistentemente produzidas
pelas ações. Além disso, se o comportamento é “[...] a atividade contínua
e coerente de um organismo integral” (SKINNER, 1953, p. 116), essa
continuidade e coerência dependem justamente da sensibilidade
subjacente ao fenômeno comportamental.
Nesse sentido, podemos entender a ocorrência do mal a partir de
contingências que diminuem ou bloqueiam a sensibilidade do
comportamento ao mundo, sobretudo, quando outras pessoas
participam desse mundo. Isso ocorre quando certas contingências
interpõem ‘barreiras’ ou mediações entre a ação e o mundo social no
qual essa ação opera. Esses mediadores podem ser variados, mas vale
mencionar alguns exemplos bastante presentes na nossa vida atualmente.
O primeiro exemplo de mediação da ação são as regras
institucionalizadas que governam nosso comportamento no âmbito da
sociedade contemporânea, fazendo com que nossa ação em relação a
outras pessoas fique mais sob o controle da norma, do regulamento, da
burocracia, do que da pessoa que sofre os efeitos de nossa ação. Esse
controle é especialmente importante para
nossa discussão quando se trata de regras organizadas e mantidas por
agências controladoras (SKINNER, 1953, 1978). Skinner (1953) definiu
uma agência controladora como uma parte organizada do grupo social
que estabelece um controle mais homogêneo sobre um grande número
de pessoas que participam do grupo. Esse efeito amplo das agências
controladoras é obtido graças à formalização de normas ou regras que
passam a operar no interior da agência, bem como de sistemas de
reforçamento e principalmente de punição que levam os membros do
grupo a agirem de acordo com as normas instituídas.
Pelo menos desde Foucault (1979), sabemos o quanto normas, leis, ou
regras difundidas por agências controladoras – o que esse autor
denominava ‘poder disciplinar’ – conduzem a uma padronização acrítica
do comportamento humano, vinculando-se, de modo geral, ao discurso
sobre a verdade, e criando estratégias para punir a desobediência.
Quando o controle pela agência é eficaz o resultado são pessoas
obedientes às regras e, portanto, insensíveis às contingências diferentes
daquelas descritas pelas regras.
Interessante nesse caso é que, geralmente, a justificativa para a criação
e a manutenção das regras institucionalizadas é evitar o mal, evitar que o
grupo incorra em um caos social, que indivíduos isoladamente
perturbem o funcionamento do ‘coletivo’. Tudo se passa como se caso
não houvesse regras mediando o convívio social, se não houvesse uma
normatização das relações interpessoais, seríamos bárbaros, violentos,
insensíveis. A tese aqui é justamente a inversa: quanto mais ficarmos sob
um controle estrito de regras, normas, regulamentos, menos sensíveis
seremos ao outro e, consequentemente, maior a chance de fazermos mal
a ele. Nas palavras de Skinner (1978, p. 12, grifo do autor):
O comportamento de seguir regras é inferior ao
comportamento modelado pelas contingências descritas pelas
regras. […]. Aprendendo as regras de uma cultura somos capazes
de lidar eficazmente com pessoas, mas nosso comportamento será
mais sensível às contingências mantidas
“pela pessoa” quando somos diretamente censurados e elogiados, e
as regras da cultura […] esquecidas.
Isso não quer dizer que algumas regras sociais não sejam importantes
para as relações interpessoais. Não podemos negar que um bom
convívio entre pessoas depende do respeito mútuo, e que a educação e a
civilidade, um conjunto de regras difundido socialmente nos últimos três
ou quatro séculos, facilitaram muito a vida na sociedade moderna (cf.
ELIAS, 2011). O problema está em regras institucionalizadas, que
representam os interesses de uma ou mais agências controladoras e, por
isso, despersonificam as ações. Um funcionário do serviço público de
saúde, por exemplo, tem pelo menos duas fontes de controle de seu
comportamento de atender as pessoas. De um lado, regras
institucionalizadas que orientam rigidamente sua ação em diferentes
situações. De outro lado, contingências presentes que envolvem as
pessoas que ele precisa atender. Se o comportamento do funcionário
estiver sob controle exclusivo da regra institucionalizada, ele será
insensível à pessoa que está atendendo, mesmo que isso gere sofrimento
a essa pessoa. Já se ele estiver sob controle da pessoa, a regra será
colocada em perspectiva, e a prioridade será o atendimento e os efeitos
gerados imediatamente na pessoa atendida.
O segundo exemplo de contingências que promovem a insensibilidade
ao outro, muito presente no nosso cotidiano, diz respeito às mediações
tecnológicas que têm se proliferado nas relações interpessoais. Talvez o
início mais conspícuo dessa prática tenha sido a difusão dos telefones
celulares. A telefonia móvel tornou mais fácil conversar com uma pessoa
por telefone do que pessoalmente, uma vez que com o celular é possível
falar em diferentes lugares e situações, diminuindo muito o custo da
resposta de conversar. O próximo passo foi a mudança de mediação da
ligação telefônica, que ainda mantinha algumas das características de uma
conversa face a face, para a mensagem de texto. Agora se torna possível
escrever uma mensagem para alguém em diferentes situações, e até
mesmo fazendo outras coisas, com um baixo custo de resposta e
também com a diminuição do custo financeiro (desde
o início da telefonia móvel é mais barato uma mensagem do que uma
ligação, e hoje todas as operadoras oferecem pacotes promocionais em
que as mensagens são ilimitadas pagando-se um valor fixo).
Por fim, complementando e acentuando esse processo de mediação
tecnológica das relações interpessoais, desenvolveram-se as denominadas
‘relações virtuais’, consagradas nas redes sociais.
Com a sociabilidade virtual, boa parte do que já acontecia com o
celular foi transferido para a internet, com o msn, post’s, twitter’s etc. Tudo
isso com baixo custo de resposta, maior imediaticidade, e cada vez mais
barato. Qual o resultado dessa revolução nas relações interpessoais?
Muitas vezes ouvimos dizer que nesses contextos virtuais as pessoas
‘falam o que pensam’, sugerindo, com isso, que elas são mais autênticas e
espontâneas. No entanto, frequentando um ambiente virtual é muito
comum encontrarmos ‘conversas’ insensíveis, grosseiras, depravadas. O
interessante é que raramente essas pessoas comportam-se dessa forma
em relações interpessoais não mediadas; pelo contrário, em contextos
não virtuais as pessoas são retraídas, contidas, tímidas, impessoais,
discretas. Será que isso quer dizer que o contexto ‘real’ é castrador,
repressor, e as redes sociais libertárias e democráticas? Subjaz a essa
interpretação a crença de que o ser humano é ‘essencialmente’ mal e que
o convívio social sem mediação mascara essa maldade.
A tese aqui é outra. Em primeiro lugar, não há uma essência humana,
boa ou má. O ser humano só é ‘em contexto’. Nesse sentido, em um
contexto não mediado as relações sociais têm mais chances de se
autorregularem, isso quer dizer que na ausência de mediações o
comportamento do outro controla diretamente nosso comportamento, e,
por isso, temos um impacto direto do mal ou do bem que estamos
fazendo a ele. Por outro lado, em uma relação mediada, como no caso
das relações virtuais, essa sensibilidade é impedida ou desviada, o que faz
com que não tenhamos acesso imediato ao que estamos promovendo na
outra pessoa. Além disso, mesmo que estejamos fazendo
mal a ela, esse efeito nos afetará
tardiamente, sendo, por isso, ineficaz para mudar o comportamento que
promoveu o mal.
Podemos encontrar amparo para essas análises no próprio texto
skinneriano, sobretudo, em algumas de suas recomendações políticas. De
um ponto de vista skinneriano, a política é o campo de discussão e
planejamento do controle social, mais especificamente, do controle que
há entre pessoas, o que, geralmente, envolve a participação de agências
controladoras, como a economia e o Estado. Assim, um dos temas da
política é o papel que as agências controladoras têm na regulação do
comportamento individual.
Discrepando de críticas comumente dirigidas à análise do
comportamento (cf. CARRARA, 2005), Skinner (1978) defende que a
melhor forma de política é o controle face a face, o controle de pessoas
por pessoas, com a menor mediação institucional possível. Nas palavras
desse autor:
Quando delegamos o controle de pessoas a instituições políticas e
econômicas, renunciamos ao controle face a face de um governo
equitativo de pessoas por pessoas, e é um erro supor que o
reconquistamos restringindo o escopo daqueles a quem delegamos
o controle. Uma estratégia melhor é fortalecer o controle face a
face. Um ambiente social, ou cultura, pode operar sem a ajuda de
governantes e empresários usurpadores ou delegatários, e ele é mais
claramente um governo de pessoas pelas pessoas quando faz isso
(SKINNER, 1978, p. 9, grifo do autor).
Um dos principais motivos para essa recomendação política está no
modo de funcionamento das agências controladoras responsáveis pela
difusão de regras institucionalizadas. De acordo com Skinner (1953),
depois que uma agência controladora se consolida, ela passa a funcionar
para o seu próprio bem, para manter-se, e, consequentemente, normas,
regulamentos e regras difundidas por essa agência começam a ser usadas
apenas com essa função.
Identificadas as situações contemporâneas que facilitam a maldade,
talvez seja possível combatê-la. Se comportamentos maus
dependem de contingências sociais, mais especificamente, se eles
ocorrem com mais facilidade em grupos permeados pela autoridade e
por ações mediadas, precisamos arranjar práticas para que os grupos não
se organizem em torno dessas características. Em poucas palavras,
precisamos aumentar as chances da ocorrência do bem.

6. Há possibilidades para o bem?


Todas as análises feitas até aqui parecem consistentes com uma
proposta comportamentalista, na medida em que o mal é uma
propriedade do comportamento, e não uma referência que transcenda o
campo comportamental. Enfim, para nenhum dos autores citados existe
o mal em si, algo de ‘fora’ do comportamento que o influencia ou
determina. Consequentemente, a discussão é encarnada, é terrena, ou
seja, é um assunto humano. O mesmo raciocínio vale para o bem. A
bondade deve ser definida a partir do comportamento; ela diz respeito
ao que o ser humano faz, ao que ele faz consigo mesmo, com o mundo
físico e, principalmente, com o mundo social.
Precisamos combater o mal com o bem. O que nos remete à questão:
o que é o bem? O que é a bondade? Em que condições ela surge? As
análises anteriores sugerem que o combate à maldade e a promoção da
bondade estão em contingências que desburocratizam as relações
interpessoais, aumentando, assim, nossa sensibilidade ao outro. Dessa
forma, é uma condição para a bondade que a relação entre a ação e o
mundo social, no qual essa ação opera, seja a mais direta possível, sem
mediações.
Talvez possamos ampliar a recomendação do controle face a face,
mencionada alhures, para situações cotidianas criando uma alternativa
viável e concreta para se combater as contingências responsáveis pela
maldade. Em primeiro lugar, o controle face a face acaba, por definição,
com a mediação da ação (SKINNER, 1978) e, por isso, esse tipo de
relação tende a ser mais calorosa,
humana, sensível. Para evitar o mal e aumentar as chances de promover
o bem deveríamos preferir relações interpessoais mais diretas, menos
mediadas; deveríamos, portanto, preferir conversar pessoalmente a
conversar pelo telefone, deveríamos preferir conversar pelo telefone a
mandar uma mensagem, deveríamos preferir nos relacionar com pessoas
a máquinas.
O controle face a face também é uma alternativa à responsabilidade
flutuante. Quando diminuímos a interposição entre nossa ação e os
efeitos que produzimos no outro, sentimos-nos mais responsáveis pelo
que fazemos com ele, uma vez que somos afetados direta e
imediatamente por esses efeitos. Consequentemente, nessa contingência
tornamo-nos sensíveis a outrem. Vale lembrar que há diferentes tipos de
interposição que precisam ser evitados, como a tecnológica
(sociabilidade virtual) e a burocrática (regras, normas e regulamentos
institucionalizados). Assim, além de preferir conversar pessoalmente,
deveríamos conversar com pessoas e não com cargos.

Considerações finais
Depois de todo esse percurso podemos finalmente levantar a seguinte
questão: é possível fazer o bem? As análises apresentadas anteriormente
vão na direção de uma resposta positiva, desde que nos empenhemos em
promover algumas mudanças. Em primeiro lugar, precisamos romper
com a lógica medieval de que o ser humano tende naturalmente ao mal,
de que ele é manchado pelo pecado original, de que sem uma regulação
externa, sem uma padronização as relações interpessoais serão
necessariamente violentas. É justamente essa imagem de um ser humano
‘decaído’ que povoa os argumentos a favor da manutenção do poder das
agências controladoras. Precisamos combater esse argumento mostrando
o que corre nos bastidores dessas agências, a função reacionária dos
regulamentos, das normas e da burocracia em geral. Enfim, precisamos
aprender a desobedecer quando necessário.
Além disso, é preciso insistir que o bem e o mal são inerentes ao
comportamento, e que não somos vítimas do mundo, mas somos,
sobretudo, responsáveis, já que construímos (ou destruímos) o mundo
com nossas ações. Isso quer dizer que a chave para a bondade está em
como agimos, como nos relacionamos com o outro, quanto lutamos
pelo contato face a face, e quanto resistimos à mediação das nossas
ações.
É possível, portanto, fazer o bem, mas isso exige, antes de tudo, uma
maior atenção às condições responsáveis pelo mal, que continuam mais
presentes do que nunca em nossa sociedade atual.

Referências
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Editorial, 2013.
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ZIMBARDO, Philip. O efeito lúcifer: como pessoas boas se tornam
más. Tradução T. N. Lima. Rio de Janeiro: Record, 2012.

1 De modo mais preciso, essa vertente refere-se a uma tradição de


interpretação da teoria moral e política de Hobbes (1979).
Obviamente, tal leitura não é isenta de controvérsias; para uma análise
mais detalhada desse assunto, consultar (TUCK, 2011).

2 Havia também uma minoria, cerca de 1%, da etnia Twa


(OLIVEIRA; GROSSMANN, 2012).

3 Muitos outros exemplos de maldade poderiam ainda ser mencionados em


diferentes partes do mundo, incluindo a América
Latina, com as perseguições políticas e mortes ocorridas durante os
regimes ditatoriais, que se estenderam por boa parte do século XX nos
países dessa região. No Brasil, em particular, há também o caso ocorrido
no Colônia, maior hospício do país, na cidade mineira de Barbacena, no
qual cerca de 60 mil pessoas morreram de fome, frio, doenças, choques e
outras formas de abuso, agressão e maus-tratos (cf. ARBEX, 2013).
Dessa forma, as discussões apresentadas adiante poderiam ser aplicadas a
esses outros exemplos.

4 Como mencionado alhures, esse tipo de explicação remonta a Hobbes


(1979), mas encontra apoio em outros autores como, por exemplo, Elias
(2011). Atualmente, um dos defensores mais contundentes dessa tradição é
Pinker (2013).

5 Na contemporaneidade esse movimento de ‘terceirização da


responsabilidade’ tende a tornar o responsável cada vez mais abstrato e
menos pessoal, uma vez que figuras centralizadoras que poderiam ser
culpabilizadas são cada vez mais raras (BAUMAN, 2011). Dessa forma, ao
final, a responsabilidade não é mais de uma pessoa em especial, de um líder
autoritário, mas de um sistema político ou econômico.
Capítulo 2 - O conceito de sobrevivência
das culturas e suas implicações para uma
ética skinneriana
Camila Muchon de Melo, Marina Souto Lopes Bezerra de Castro

[...] a cultura poderá se tornar mais forte ou mais fraca, e pode- se


prever sua sobrevivência ou seu desaparecimento. A sobrevivência
de uma cultura emerge como um novo valor a se considerar [...]
(SKINNER, 2002, p. 129).

Considerações iniciais
O selecionismo consolida-se na obra de B. F. Skinner em 1981 com a
publicação de Selection by consequences. Inspirado no modo causal
darwiniano de seleção natural, Skinner atribuiu aos processos de variação
e seleção a origem e a manutenção de comportamentos e de práticas
culturais. De acordo com essa perspectiva, os comportamentos humanos
são produtos de inter- relações de contingências filogenéticas (história da
espécie), contingências ontogenéticas (história do tempo de vida de um
indivíduo) e contingências culturais (história cultural). Os processos de
variação e seleção nesses três níveis são descritos pelo ‘modelo de
seleção pelas consequências’.
Esse modelo não pressupõe causas finais ou teleológicas – “[...] apenas
consequências passadas figuram na seleção [...]” – e não recorre à
explicação por meio de essências como a mente ou o Zeitgeist. A seleção
por consequências é encontrada apenas em seres vivos e define o viver
(SKINNER, 1981, p. 503).
Ao fazer um paralelo entre a seleção natural e a evolução das culturas,
Skinner (1981, 2002) defendeu que, como as espécies, as culturas podem
perpetuar-se por muitos anos, com extensas modificações em suas
práticas ou não e podem também colapsar e se extinguir. Como no caso
da seleção natural, o fato de uma cultura sobreviver durante longos
períodos não nos habilita a estabelecer a sua soberania em relação a
outras culturas que pereceram. Uma cultura pode ser considerada
extremamente forte em suas relações sociais e econômicas, mas não ser
efetiva na resolução de problemas gerados por uma catástrofe ambiental,
por exemplo, e, como decorrência, pode perecer. Ou seja, a força das
culturas depende de um conjunto de variáveis complexas que nem
sempre podem ser previstas e controladas pelos métodos e técnicas
vigentes.
Nesse contexto, Skinner (1987, 2002) defendeu que há práticas
culturais, como variações, que podem contribuir para o fortalecimento e
consequente sobrevivência de uma cultura (práticas que apresentam um
valor de sobrevivência positivo) e há práticas culturais que não
contribuem para o fortalecimento e sobrevivência de uma cultura
(práticas que apresentam um valor de sobrevivência negativo)
(DITTRICH, 2004). De acordo com Skinner (2002), as práticas que
fortalecem uma cultura são aquelas que produzem o ‘bem da cultura’.
Entretanto, o valor de uma prática é variável – depende das
contingências vigentes em determinado local e em um momento
histórico específico.
Práticas culturais são as unidades sujeitas à seleção no terceiro nível.
São unidades que se originam do comportamento operante de indivíduos
e tornam-se práticas quando reforçadas por uma cultura, transmitidas
como parte de um ambiente social entre membros de uma mesma
cultura, entre gerações ou entre culturas (MELO; DE ROSE, 2012;
SKINNER, 2002). Nesse sentido, ao tratar da seleção no terceiro nível,
o que está em questão é que “[...] é o efeito sobre o grupo e não as
consequências reforçadoras para seus membros, o responsável pela
evolução da cultura” (SKINNER, 1981, p. 502).
Nessa explanação, Skinner (1981) sugeriu que a sobrevivência das
culturas é o que determina a manutenção e a transmissão de suas
práticas. Como ele mesmo apontou: “[...] e quer gostemos disto ou não,
a sobrevivência é o critério final” (ROGERS; SKINNER, 1956, p. 1065).
Entretanto, algumas críticas foram direcionadas sobre tais asserções,
entre elas, por exemplo: como práticas extremamente complexas, nas
quais seu valor de sobrevivência não pode ser facilmente aferido,
perpetuam-se entre gerações de uma cultura? (MELO; DE ROSE, 2012).
A resposta skinneriana é simples: práticas que não fortalecem uma
cultura podem coexistir com práticas que a fortalecem.
De acordo com o modelo de seleção pelas consequências, o
comportamento humano, ao participar na formação e manutenção de
práticas culturais, é primeiramente selecionado ou modelado em
contingências de reforçamento. Sendo assim, contingências de
reforçamento poderiam explicar a manutenção de práticas culturais por
meio de consequências mais imediatas (consequências comportamentais)
para o comportamento individual.
O autor também salienta que características ‘não adaptativas’ podem
ser selecionadas quando os organismos se tornam cada vez mais
sensíveis às consequências. Neste sentido, o paralelo da seleção natural
com a evolução da cultura possibilita argumentar que práticas culturais
‘não adaptativas’ podem sobreviver juntamente com práticas
‘adaptativas’. Segundo Skinner (1969, p.177), “[...] todas as características
atuais de um organismo não contribuem necessariamente para a sua
sobrevivência e procriação, todavia são ‘selecionadas’”.
Práticas culturais que não apresentam valor de sobrevivência positivo
podem ser preservadas simplesmente porque foram selecionadas em
conjunto com práticas que fortalecem uma cultura. Isso porque o que
determina o fortalecimento e a sobrevivência de uma cultura é a relação
entre diversas práticas culturais e a própria
relação entre culturas. A análise não pode restringir-se apenas às práticas
culturais isoladas de seus contextos mais amplos.
Por fim, como dito anteriormente, o modelo de seleção pelas
consequências não estabelece a soberania de uma cultura em detrimento
de outras culturas (embora a competição entre culturas não seja
necessariamente um fator secundário, ao contrário do que pressupôs
Skinner em 2002). Sendo assim, ao tratar a sobrevivência da cultura
como um valor a ser considerado no planejamento de práticas culturais,
coloca-se em evidência a sobrevivência da humanidade. A preocupação
de Skinner é, em última análise, com a sobrevivência da espécie humana.
Estabelecido o contexto de discussão em que a sobrevivência da
espécie humana é o resultado de processos de variação e seleção, temos
que a sobrevivência é um dos resultados possíveis da relação entre
variações (que não precisam ser necessariamente planejadas) e
contingências seletivas, ou melhor: “[...] as variações são randômicas e as
contingências de seleção são acidentais [...]” (SKINNER, 1990, p. 1207).
Então, Skinner (1987, p. 1) faz a pergunta: “[...] por que não estamos
agindo para salvar o mundo?”. Deixaremos a sobrevivência da
humanidade, da cultura humana, destinada ao encontro fortuito desses
dois polos – variações randômicas e contingências seletivas acidentais?
Como mesmo salientou o autor, a sobrevivência da humanidade seria
resultado de ‘felizes acidentes’.
É nesse contexto que Skinner, já em 1948, defendeu o planejamento
cultural em favor da sobrevivência da cultura, que emerge como um
valor especial para quem esteja na posição de planejar práticas culturais
(SKINNER, 2005). Dessa forma, o bem da cultura, que é sua
sobrevivência, passa de critério a posteriori e inexorável de juízo da cultura
no processo natural de variação e seleção no terceiro nível para um
critério a priori de julgamento. Ou seja, deve se tornar o principal valor a
controlar o comportamento de quem se ponha a planejar práticas
culturais.
Com essa manobra teórica, Skinner parece tentar vincular o uso da
tecnologia do comportamento, a qual ele julgava muito poderosa, a esse
valor, o que preveniria seu mau uso. Ao mesmo tempo, com essa
passagem, o autor parece buscar argumentos científicos para justificar
seus próprios valores, pois, como veremos mais à frente, apenas os
pressupostos do comportamentalismo radical skinneriano não são
suficientes para que se estabeleçam prescrições (CASTRO; DE ROSE,
2008).
Para que um planejamento cultural ocorra, decisões a respeito do que
é melhor para uma cultura precisam ser realizadas. Indaga-se se o
conhecimento científico proveria os melhores critérios de decisão. Ao
fazer isso, ao se voltar para prescrições, ao invés de descrições, estaria a
ciência perdendo seu status científico? Além disso: o cientista, que
também está inserido no emaranhado causal das contingências, seria
capaz de avaliar de forma neutra e indicar ao grupo de indivíduos o que é
o melhor a ser feito? Enfim: o conhecimento científico pode legitimar
prescrições?
Aí se estabelece o campo da discussão ética nos textos de Skinner. A
partir da defesa skinneriana de uma intervenção deliberada do cientista
no nível cultural em prol da sobrevivência da cultura é inaugurada e
motivada a abordagem de questões éticas na obra do autor. Pode-se
considerar que o primeiro texto ético de Skinner é Walden two, publicado
em 1948 (CASTRO, 2013).
Posteriormente, ao longo de seus escritos, ao buscar explicações para
o que são os valores e ao tentar estabelecer possíveis critérios para
intervenções, pode-se afirmar que o autor está a discutir questões
pertencentes ao campo da ética, embora ele próprio se recusasse a
assumir isso. Essa recusa parece ter atrapalhado a própria discussão, na
medida em que Skinner deixou de analisar os determinantes de seu
próprio comportamento de prescrever e buscou justificá-lo ou explicá-lo
por meio de argumentos descritivos impessoais. Gerou-se, dessa forma,
uma ‘tensão’ na ética skinneriana (CASTRO; DE ROSE, 2008). O
resultado é que os textos éticos de Skinner são confusos e heterogêneos.
Isso se observa, por exemplo, no âmbito da ética aplicada, na qual o
autor sempre defendeu a sobrevivência da humanidade, em um
planejamento que levasse em consideração o equilíbrio entre o
bem-estar dos indivíduos e o bem da cultura (CASTRO, 2013;
MELO, 2008). Contudo, buscou justificar apenas a eleição do bem da
cultura como necessária pautando-se no modelo de variação e seleção
nos três níveis.
Em meio à referida heterogeneidade nos textos éticos do autor, é
possível separar e caracterizar alguns dos aspectos da ética skinneriana
(CASTRO, 2013). No âmbito descritivo, é claramente identificável, e não
tanto polêmica, uma ciência dos valores, que visa explicar o que são
‘valores’ e como o sujeito aprende a agir de acordo com eles. Ainda no
plano descritivo, ocorre a derivação de um sistema ético com base no
modelo de seleção pelas consequências nos três níveis. Já no que se pode
caracterizar como sendo o âmbito prescritivo da ética de Skinner,
identifica-se a eleição de um valor primordial calcado naquele sistema
ético; como vimos, o bem da cultura. Também no plano prescritivo
encontra-se a ética aplicada, a qual surgiu primeiro – com Walden two – e
motivou todo o restante da ética skinneriana.
Vejamos mais detalhadamente alguns desses aspectos, de modo a
entender as implicações do conceito de sobrevivência das culturas para a
ética.

1. Uma ciência dos valores


Skinner afirma categoricamente que a ciência do comportamento1 é
também uma ciência dos valores (SKINNER, 1965). Com efeito, o
comportamentalismo radical pode ser considerado também uma filosofia
moral (ABIB, 2001). Neste aspecto de sua ética, o autor busca explicar o
que são os valores e como surge o comportamento moral.
Como ciência dos valores, Skinner recusa uma dicotomia ontológica
entre fatos e valores, sendo ambos parte do ‘mundo empírico’ – valores
pertencem ao mundo dos fatos e podem ser analisados com as
ferramentas de uma ciência do comportamento. Segundo Leigland
(2005), Skinner não defenderia a distinção ontológica entre declarações
de fatos e declarações de valores.
O comportamentalismo radical defende que todos os fenômenos
comportamentais são decorrentes da interação entre o organismo e o
ambiente. Assim, de acordo com a perspectiva da análise do
comportamento, os valores, bem como todos os outros fenômenos
psicológicos, são analisados em termos dessa relação, das funções de
certas variáveis presentes nas interações entre o ambiente e o organismo.
Poderíamos falar, então, de uma ética empírica? Possivelmente. Para
Skinner (2002, p. 122): “[...] o que um dado grupo de pessoas chama de
bom é um fato: é o que os membros do grupo acham reforçador como
resultado de sua carga genética e das contingências naturais e sociais às
quais eles foram expostos”.
Nesse sentido, o autor defende que valores são reforçadores
(SKINNER, 2002) e qualquer lista de valores é uma lista de
reforçadores, condicionados ou não (cf. SKINNER, 1961). Assim, o que
é julgado como bom para o indivíduo ou para um grupo de indivíduos é
decorrente das histórias filogenética, ontogenética e cultural específicas.
O bem é contextualizado, podendo diferir entre indivíduos, entre grupos
e entre períodos históricos.
Não há, portanto, para a ciência dos valores, critérios absolutos de
certo e errado, de moral e imoral. Os critérios éticos existentes decorrem
das contingências, principalmente sociais, atuantes em determinado
ambiente com suas características singulares.
Contudo, os indivíduos podem aprender a considerar certos eventos
como absolutamente bons ou ruins e a agir eticamente de acordo com os
padrões vigentes. Esse comportamento moral é estabelecido por meio de
processos comuns a qualquer
aprendizagem. Neste caso, o ambiente social é um componente
fundamental.
A comunidade estabelece grande parte das contingências, inclusive
contingências de nomeação. Nesse contexto, o sujeito aprende a
responder adequadamente às demandas do ambiente social, ao descrever
suas opiniões, seus sentimentos (frutos de toda essa história) por meio
das palavras aprendidas na comunidade. De acordo com Ruiz e Roche
(2007), termos carregados de valores, tais como ‘bom’, podem funcionar
como tatos (respostas verbais descritivas) para reforçadores.
Segundo Skinner (1965), um tipo de controle poderoso é aquele no
qual um grupo de indivíduos – governantes, professores, religiosos ou a
elite econômica, por exemplo – manipula certas variáveis que têm efeito
comum sobre quem está submetido ao controle desse grupo. Nesse tipo
poderoso de controle, podemos encontrar como principal técnica
empregada a seguinte: o comportamento do indivíduo é classificado
como ‘bom’ ou ‘mau’, ou, para o mesmo efeito, ‘certo’ ou ‘errado’, e é
reforçado ou punido de acordo. O autor afirma que ‘certo’ e ‘bom’
correspondem, em geral, àqueles comportamentos que são reforçadores
para os outros membros do grupo e ‘mau’ ou ‘errado’ correspondem aos
comportamentos aversivos aos outros membros do grupo. Esses
estímulos verbais (‘certo’, ‘bom’, ‘mau’, ‘errado’) passam a ser usados nas
contingências, como reforçadores generalizados. Eles são utilizados
juntamente com outros reforçadores (como elogios, agradecimentos,
carinhos, gratificações, favores, agressão, culpa, censura, crítica etc.) de
modo a modelar o comportamento do indivíduo.
Dessa forma, os comportamentos classificados como bons são
reforçados e aqueles classificados como maus são punidos. Como
resultado da punição, o comportamento punido passa a gerar estímulos
aversivos condicionados dos quais o indivíduo escapa ao se comportar
de forma diferente. Esse comportamento diferente é, portanto,
negativamente reforçado, pois retira uma condição aversiva, aumentando
de frequência. O estado emocional gerado
por esse tipo de controle aversivo pode ser classificado de várias formas,
de acordo com a fonte da punição: vergonha, culpa, sentimento de
pecado, remorso.
O autocontrole pode ser um tipo de comportamento reforçado dessa
forma (SKINNER, 1965). O resultado do controle do grupo sobre o
indivíduo é o autocontrole, a diminuição dos comportamentos
considerados egoístas e o aumento dos comportamentos altruístas,
geralmente qualificados como éticos. Assim, o indivíduo também ganha,
pois, apesar de ter seus comportamentos egoístas reduzidos, o grupo o
protege dos comportamentos egoístas dos outros, pois também os
reduz.
O controle do grupo tem outra importante ferramenta: as regras, que
ajudam o indivíduo a se adequar às práticas de sua comunidade e ajudam
a comunidade a manter suas práticas. Provérbios e máximas, na
qualidade de regras, funcionam como estimulação discriminativa. São
descrições de contingências de reforçamento social e não social, e quem
os segue fica sob o controle mais efetivo do ambiente, pois não é
necessário passar pelas contingências que os originaram. O
comportamento governado por regras mostra-se, dessa forma, mais
eficiente em diferentes contextos sociais. Isso vale, por exemplo, para
regras gramaticais, para leis, códigos éticos, práticas religiosas e leis
científicas (SKINNER, 1963). Ele permite mais facilmente a transmissão
de padrões éticos entre as gerações.
O sistema educacional, como agência de controle, exerce papel
importante nesse processo. Utiliza, frequentemente, princípios mais
gerais para isso. Ao invés de ensinar a criança a se comportar bem, ela
ensina regras que a criança deve seguir para se comportar bem, por
exemplo: conte até dez antes de agir quando estiver com raiva
(SKINNER, 1968).
Mas nem todos os princípios levam a forma clara de uma instrução,
com verbos no imperativo. Podem ser descrições de contingências,
como em ditados populares: haste make waste (SKINNER, 1968) – ‘a
pressa faz sujeira’ –, cuja versão brasileira, mais metafórica,
seria: ‘a pressa é inimiga da perfeição’. Isto é, as consequências do
comportamento apressado são aversivas.
Todavia, o sistema educacional é limitado, pois é incapaz de prever
todos os problemas éticos a serem enfrentados pelo indivíduo.
Então, a cultura precisa ensinar um tipo de solução de problemas
éticos que o permita chegar a seus próprios princípios quando
necessário.

2. Um sistema ético
Este aspecto da ética skinneriana também se refere ao âmbito
descritivo, isto é, à tentativa de responder a questões do tipo ‘o que é?’.
No que se denomina aqui de sistema ético, o autor categoriza três tipos
de bens pautando-se no modelo de variação e seleção.
Embora não haja correspondência ponto a ponto, esse sistema ético
se fundamenta nos três níveis seletivos.
As proposições de Skinner enfatizam que os indivíduos, ao se
comportarem, podem produzir três tipos de bem ou valor: o bem do
indivíduo, o bem dos outros e o bem da cultura (SKINNER, 2002). Tais
bens constituem o sistema de valores skinneriano e estão relacionados
com as consequências do comportamento (DITTRICH, 2004; MELO,
2008): um valor pode ser classificado como bem pessoal, bem dos outros
ou bem da cultura, de acordo com o beneficiado, o indivíduo, o grupo
ou a cultura como um todo, respectivamente. Nas palavras do autor:
O que é bom para a espécie é o que leva à sua sobrevivência. O que
é bom para o indivíduo é o que promove seu bem-estar. O que é
bom para uma cultura é o que a permite resolver seus problemas.
Há, como vimos, outros tipos de valores, mas eles acabam
assumindo segundo lugar (SKINNER, 1976, p. 226).
Os reforçadores de origem filogenética, incondicionados, são bens
pessoais, alguns reforçadores condicionados na ontogênese também são
bens pessoais, ou seja, reforçam positivamente o
comportamento de quem os produz; neste sentido, reforçadores
negativos seriam o oposto de bens pessoais, seriam ‘coisas ruins’. Assim,
o comportamento que produz o bem do indivíduo não apenas promove
o que é bom, mas evita o que é ruim (DITTRICH, 2004).
Os bens dos outros podem ser considerados ‘bens individuais da
segunda pessoa’. O indivíduo, ao se comportar, pode produzir o seu
próprio bem, mas pode produzir também o bem dos outros. Esse
comportamento produz consequências reforçadoras para as outras
pessoas, ou remove reforçadores negativos em relação ao
comportamento de outras pessoas.
O comportamento que produz o bem dos outros emerge e é mantido
por relações de reforçamento recíproco (mesmo em ações não
deliberadas nas quais poderíamos discutir uma espécie de altruísmo): ao
se comportar, o indivíduo produz consequências reforçadoras para as
outras pessoas, mas também produz consequências reforçadoras para o
seu comportamento (ou evita a perda de reforçadores, ou evita que seu
comportamento produza consequências aversivas). Segundo Dittrich
(2004), bens dos outros são produzidos apenas em circunstâncias
especiais de seleção do comportamento no segundo nível. Bens dos
outros apontam para o controle do comportamento operante pelo grupo
social.
As contingências ambientais, incluindo-se as sociais, estariam na
origem dos comportamentos e sentimentos correlatos. O autor enfatiza:
Não consideramos que os reforços biológicos sejam eficazes devido
a um amor próprio, e não deveríamos atribuir o comportamento
pelo bem dos outros a um amor pelos outros. Ao trabalhar para o
bem dos outros, uma pessoa pode sentir amor ou medo, lealdade ou
obrigação, ou qualquer outra condição proveniente das
contingências responsáveis pelo comportamento. Uma pessoa não
age pelo bem do outro por causa de um sentimento de posse, ou se
recusa a fazê-lo por
causa de um sentimento de alienação. Seu comportamento depende
do controle do ambiente social (SKINNER, 2002, p. 110).
Por fim, o terceiro bem ao qual o comportamento humano pode estar
relacionado é o bem da cultura. As ações que têm como consequência o
bem da cultura estão produzindo o “[...] bem das pessoas do futuro”
(ABIB, 2001, p. 114, grifo do autor). Pode-se argumentar que tais
comportamentos são aqueles que compõem práticas culturais que
apresentam valor de sobrevivência positivo, como indicado no início
deste texto. O bem da cultura é, portanto, um valor (MELO, 2008).
Note-se o importante papel conferido à sobrevivência no sistema ético
skinneriano. Ela está no início e no fim. Está na origem de todos os
bens, pois, em última instância, é na sobrevivência da espécie que surgem
os valores de primeiro nível, os bens pessoais mais fundamentais dos
quais se originam os outros. Ao mesmo tempo, o valor final, o bem da
cultura, é a sua sobrevivência, a qual garantirá, por seu turno, a
sobrevivência dos indivíduos que a compõem.
Assim, para o primeiro nível seletivo, temos que tudo o que é bom
para a espécie é o que promove a sobrevivência de seus membros, até
que sua descendência tenha nascido e sido cuidada. Entre as coisas
consideradas boas está a suscetibilidade dos organismos ao reforço por
certos tipos de estimulação. A suscetibilidade da espécie humana ao
açúcar, por exemplo, é uma característica filogeneticamente selecionada
provavelmente porque favoreceu a sobrevivência da espécie. Sendo
assim, dizemos que alguns sabores doces têm ‘gosto bom’ (MELO,
2008), ou que a própria suscetibilidade e a estimulação (o açúcar) foram
‘boas’ para a espécie.
O comportamento de uma pessoa é considerado bom se for efetivo
em contingências predominantes de reforçamento. Valorizamos esse tipo
de comportamento e reforçamos com reforçadores generalizados
dizendo ser um bom comportamento, um
comportamento justo, certo, ético etc. Diz-se que uma pessoa é boa
provavelmente porque essa pessoa propicia, direta ou indiretamente,
reforçadores para o comportamento do indivíduo que faz essa
classificação. Nesse sentido, a comunidade verbal ensina o indivíduo a
agir pelo bem dos outros.
Na terceira categoria ética está o bem da cultura. O que é bom para
uma cultura é o que promove sua sobrevivência. Alguns exemplos
podem ser descritos, como: manter um grupo unido, práticas que
favorecem a produção e o não desperdício de recursos, práticas que
promovam medidas eficazes para a aquisição da saúde de seus membros
(SKINNER, 2002).
Para o autor, porém, o que é considerado bom em um nível de seleção
poderá não ser em um dos outros níveis. Isso não implica contradição,
desde que os níveis sejam especificados. Exemplos dessa análise são as
suscetibilidades humanas ao reforço pelo açúcar e sal, contato sexual e
sinais de danos agressivos a outros. Essas suscetibilidades devem ter sido
importantes para a evolução da espécie, ou seja, foram ‘boas’ para a
espécie, fundamentais para sua sobrevivência. Entretanto, nas sociedades
atuais, essas suscetibilidades podem ser letais.

3. A prescrição do valor principal


Até o momento, foram abordados dois aspectos descritivos da ética
skinneriana. Neste tópico, porém, apontar-se-á um sentido prescritivo
que pode ser encontrado nessa ética e alguns de seus problemas. Passa-
se, então, à parte em que o autor parece tentar responder a questões do
tipo ‘o que deve ser?’.
Entende-se aqui que o aspecto imperativo da ética skinneriana pode
ser constatado já na própria defesa de uma intervenção deliberada na
cultura, pois, como vimos, Skinner opina em favor do planejamento
cultural em detrimento das variações randômicas e das contingências
acidentais. Segundo ele, quando se prova que as variáveis descobertas em
uma análise experimental são
manipuláveis, podemos ir além da interpretação para o controle do
comportamento em várias áreas, por exemplo: educação, psicoterapia,
economia, governo e vida diária. Skinner defende que a ciência básica
sempre leva à melhoria da tecnologia e uma ciência do comportamento
não poderia ser exceção: “[...] ela deve fornecer uma tecnologia do
comportamento apropriada ao objetivo utópico final: uma cultura
efetiva” (SKINNER, 1969, p. 22).
Isso porque as coisas podem dar errado sob todos os três tipos de
contingências de seleção e pode ser necessário corrigi-las por meio de
um planejamento explícito, o qual, segundo ele, tem resistência de
defensores da liberdade e da dignidade. Trata-se de um fator limitante
que precisa ser superado, pois “[...] o que está além da liberdade e da
dignidade é a sobrevivência da espécie” (SKINNER, 1978, p. 126).
Vimos, no âmbito descritivo, além de uma ciência dos valores e do
comportamento moral, a derivação de um sistema ético, isto é, uma
categorização dos valores com base no modelo de seleção por
consequências. Vimos que isso ocorreu com o valor de sobrevivência da
cultura, bem oriundo no terceiro nível de seleção. Todavia, o autor vai
além, já em 1953, em Ciência e comportamento humano afirma que o fato de
uma dada prática ser relacionada à sobrevivência se torna uma condição
efetiva antecedente no planejamento cultural. Então, vemos delineando-
se a prescrição do bem da cultura num planejamento cultural: valores
como liberdade e dignidade ‘devem’ ser substituídos pelo bem da
cultura2.
De acordo com Abib (2001), com o valor de sobrevivência das
culturas, Skinner adota definitivamente o ponto de vista moral. Segundo
Ruiz e Roche (2007), na ética naturalista de Skinner, a sobrevivência
emerge como o critério e valor último pelo qual se acessa a riqueza das
culturas e das práticas culturais.
Como é possível concluir, Skinner parte do aspecto descritivo de sua
ética para eleger o bem da cultura como o critério de avaliação para a
inserção ou a manutenção de práticas culturais: dentre os
três bens que descreve, o autor defende como principal valor de sua
filosofia moral a sobrevivência da cultura, subordinando os demais
valores (bem do indivíduo e bem dos outros) a ele (MELO, 2008).
Ao detalhar o processo de variação e seleção no terceiro nível, Skinner
(1965) conclui que a sobrevivência é, de fato, o único critério de acordo
com o qual uma determinada prática cultural pode ser avaliada, julgada.
O valor de determinada prática cultural é seu valor de sobrevivência,
sendo que uma cultura considerada boa em uma época pode não o ser
em outra época.
Skinner (1965) tenta argumentar que o valor de sobrevivência é
‘necessário’, pois ninguém escolhe a sobrevivência como um critério de
acordo com o qual julgará as práticas culturais. E compara essa ‘não
escolha’ com um homem que sai rapidamente do caminho por onde está
passando um carro em alta velocidade. O autor aponta que o homem
não escolheu o valor da vida em detrimento da morte, sua ação pode ser
explicada por meio da história passada. A escolha não determinou o
comportamento, nem o valor determinou a escolha. O valor que o
indivíduo parece ter escolhido em relação ao seu próprio futuro é nada
mais que aquela condição que agiu seletivamente ao criar e perpetuar o
comportamento que agora parece exemplificar tal escolha. O autor
indica que não elegemos o bem da cultura, pois ele já está naturalmente
eleito. Contudo, o próprio autor elencou diversos bens que foram
naturalmente eleitos, mas dá primazia ao bem da cultura.
Tendo em vista esse tipo de argumentação nos textos skinnerianos,
percebe-se que, apesar de adotar uma postura prescritiva, o autor, em
várias ocasiões, faz ressalvas, considerando-se, sobretudo, sua tentativa,
sem sucesso, de justificar sua prescrição ou de negá-la. Tal ressalva
ocorre, por exemplo, em trechos de sua obra de 1953, quando assume
que nenhum curso de ação deve ser exclusivamente ditado pela
experiência científica, a qual deve se aliar à experiência prática das
pessoas em seu complexo cotidiano, de modo a oferecer a melhor base
para a ação efetiva (SKINNER, 1965).
Ao prescrever o bem da cultura como o principal valor ético na ordem
da geração de práticas culturais, ou seja, como o valor que explica quais
são as consequências, as razões ou os valores derivados que devem servir
como critério para a escolha de práticas que promovam a sobrevivência
da cultura, Skinner estaria tentando ‘convencer’ sua audiência, por meio
de conselhos ou recomendações, a trabalhar para o bem da cultura. É
uma prescrição, uma sentença do tipo ‘você deve’ e não uma descrição
(MELO, 2008). Segundo Dittrich (2004), o autor busca modificar o
comportamento de sua audiência em uma direção que considera
eticamente correta. Há a ‘eleição’ de um bem e essa é inspirada pelo
modelo de seleção pelas consequências.

4. A tecnologia do comportamento proposta nos textos


skinnerianos: o caminho para uma ética aplicada
Como afirmamos anteriormente, o aspecto inaugural da ética de
Skinner – e motivador de toda a discussão do autor sobre o assunto
– é sua ética aplicada. Nesse sentido, Skinner propôs, desde sua obra de 1948,
que os conhecimentos oriundos da ciência do comportamento tivessem fins
práticos: fossem utilizados para solucionar problemas da vida diária, tornar os
indivíduos mais felizes e contribuir para a sobrevivência da cultura. Tais
propostas permeiam toda sua obra.
Nessa direção, é possível afirmar que a defesa de Skinner em relação à
utilização da tecnologia comportamental de determinadas maneiras
representa uma importante faceta da ética skinneriana, denominada ‘ética
aplicada’ (CASTRO, 2013).
Pode-se argumentar que há três âmbitos principais nos quais a
tecnologia comportamental aparece na obra do autor: na psicoterapia, na
educação e no planejamento cultural descrito em Walden two (MELO,
2008). Abordemos brevemente cada um deles.
4.1. A psicoterapia
Skinner (1965) discute que a psicoterapia é um campo de estudo e de
intervenção que trata dos produtos colaterais do controle sobre o
comportamento humano, principalmente relacionados ao controle
aversivo gerado pelo ambiente social e, nesse caso, também pelas
agências de controle como a religião e as agências governamentais. A
psicoterapia tem como objeto de análise e intervenção a emoção (como
produto colateral do comportamento, que está englobada principalmente
no comportamento respondente) e o comportamento operante.
Na obra de 1953, Ciência e comportamento humano, Skinner trata a
psicoterapia como uma agência especial de controle. Especial porque ela
não seria tão organizada como a religião ou o governo, mas como uma
profissão engajada no controle do comportamento humano. A
psicoterapia com base nos pressupostos da ciência do comportamento
identifica que o comportamento que é desvantajoso para o indivíduo ou
para o grupo é produto de uma história genética e ambiental. O que é
‘desvantajoso’ ou ‘perigoso’ deve ser analisado em cada caso de acordo
com as consequências do(s) comportamento(s) problema(s) para o
indivíduo e para os outros.
Skinner (1965, p. 372) afirma que a tarefa do terapeuta “[...] é
completar uma história pessoal de tal modo que o comportamento já não
tenha essas características”. Entendemos que, ao situar a psicoterapia
como uma agência de controle neste sentido, modificadora de
comportamentos desvantajosos ou perigosos para o grupo, pode-se
pensar a posição do autor como, ao menos, descrevendo a psicoterapia
como uma tecnologia comportamental que provê mudanças que podem
favorecer o grupo e, em um sentido mais amplo, favorecer o grupo
significa favorecer a própria cultura, contribuindo para que ela resolva
seus problemas e, por fim, sobreviva.
Entretanto, Skinner (1965) sustenta que, de certo modo, a psicoterapia
como uma agência de controle pode estabelecer comportamentos nos
indivíduos de contracontrole às outras
agências como à religião e ao governo, principalmente no que se refere
ao controle aversivo estabelecido por tais agências. Nesse sentido, o
autor salienta que a psicoterapia pode favorecer certos comportamentos
‘egoístas’ em relação ao governo e à religião, ao enfraquecer a
estimulação aversiva derivada dessas agências de controle. Mas, por
outro lado, a psicoterapia também prepararia o indivíduo para a
aceitação do controle aversivo gerado pelo grupo por meio dessas
agências e, sendo assim, o comportamento ‘egoísta’ pode ser
minimizado.
Sugere-se que o autor defende um comportamento ‘egoísta’ apenas
quando há a necessidade de contracontrole ao controle aversivo gerado
por tais agências. Por fim, ele argumenta que o contracontrole gerado
pela psicoterapia ou por outras agências semelhantes é necessário em um
mundo em que técnicas poderosas e mal empregadas de controle
aversivo trazem desvantagens para o grupo e para os indivíduos. Assim,
nota-se a preocupação de Skinner para o uso de uma tecnologia que
favoreça o grupo (pode-se inferir como grupo mais amplo a própria
cultura e a espécie humana) e, ao mesmo tempo, o indivíduo.
O autor também salienta a possibilidade do mau uso da própria
psicoterapia. A psicoterapia como uma agência de controle pode exercer
um controle exacerbado como qualquer outra. Nesse caso, os padrões
éticos da cultura e os procedimentos empregados pela profissão
organizada devem exercer contracontrole efetivo para que não ocorra o
abuso do poder oriundo dessa prática. Essa questão salienta que a
tecnologia pode produzir consequências no mundo de acordo com os
valores implícitos na teoria skinneriana, mas também pode produzir
consequências contrárias a esses valores, elas podem ser utilizadas para o
bem ou para o mal. De acordo com a perspectiva skinneriana, pode-se
argumentar que o uso da tecnologia para o bem implicaria o
favorecimento do bem da cultura ao mesmo tempo em que favorecesse
o bem do indivíduo. O autor ainda salienta que o mau uso da
psicoterapia e a explicitação de que a psicoterapia comportamental
trabalha com o controle do comportamento humano (explicitação
porque, para o autor, todas as
outras psicoterapias o fazem, porém negam que o comportamento
humano possa ser controlado) acabam por popularizar as psicoterapias
tradicionais. A questão não é a do controle, mas como ele é empregado.
Em um sentido mais amplo, Skinner (1989) aponta que a terapia
comportamental pode contribuir para que as pessoas ‘estejam bem
consigo mesmas’. Esse estado introspectivamente observado é gerado
por um corpo que é positivamente reforçado, e indica uma forte
probabilidade de ação e liberdade de estimulação aversiva.
Para o autor, essa terapia, quando bem-sucedida, acaba por construir
um repertório comportamental efetivo, com alta probabilidade de ação –
efetivo na remoção de reforçadores negativos desnecessários e na
multiplicação de reforçadores positivos. Skinner (1989) salienta que,
nesse contexto, as pessoas vivem bem e que algo desse tipo deve ser
feito para todos, para a cultura como um todo. Um exemplo disso seria
Walden two, em que os problemas dos indivíduos e da cultura são tratados
todos de uma vez (modificando todo o ambiente cultural) e, como
resultado, tem- se pessoas que ‘estão bem consigo mesmas’. O autor
discorre:
É provável que não consigamos nos direcionar rapidamente para
esse tipo de mundo melhor, mas, penso eu, é valioso tê-lo como
modelo. Todo o avanço na terapia comportamental vai nessa
direção, porque ela começa mudando o mundo em que as pessoas
vivem e assim, apenas indiretamente, o que elas fazem e sentem
(SKINNER, 1989, p. 84).
Mas Skinner salienta que o primeiro passo para a construção de um
mundo em que todos vivam bem é parar de construir um mundo no
qual será impossível viver. Ele cita os problemas humanos mais amplos
como superpopulação, guerras, poluição ambiental, consumismo etc., e
defende que são problemas do comportamento humano e, como tais,
devem ser tratados também pela ciência do comportamento. Construir
um mundo melhor pode começar por construir um mundo cujas
contingências não são incompatíveis com o ‘futuro do mundo’ (como os
exemplos citados). Para o autor,
construir um mundo melhor “[...] não será fácil, mas ao menos
poderemos dizer que dispomos de uma ciência e de uma tecnologia que
atendem aos nossos problemas básicos” (SKINNER, 1989, p.84).
É clara a preocupação do autor para que a ciência do comportamento
produza uma tecnologia que possibilite uma ação na direção de um
mundo melhor. E, sendo assim, podemos entender que a psicoterapia
comportamental, para Skinner, deve contribuir para que o indivíduo
‘esteja bem consigo mesmo’ modificando seu ambiente de forma a
favorecer o fortalecimento de sua cultura.
Entretanto, entende-se que Skinner defende a psicoterapia como uma
tecnologia para a resolução dos problemas humanos enquanto esses
problemas não são resolvidos com um planejamento cultural. Embora
também em Walden two haja psicoterapia, ela existe como um método
suplementar para resolução dos problemas individuais nos quais uma
mudança nas contingências culturais não fora necessária. O que é bem
diferente do que se observa no mundo ocidental atual, ou seja, muitas
pessoas recorrem à psicoterapia por problemas que são originados pelas
nossas culturas e pouco se vê de planejamento para a eliminação das
contingências que geram esses problemas. O fato é que a psicoterapia na
qualidade de tecnologia do comportamento é útil, mas o ideal seria que
ela não fosse necessária. Provavelmente é o que pensaria Skinner. Além
disso, o autor também faz algumas críticas às terapias tradicionais e ao
próprio modelo médico de terapia, que para ele funcionam porque de
alguma forma modificam as contingências de reforçamento. Ele poderia
defender que as terapias tradicionais funcionam assim como funcionam a
feitiçaria e a ‘cura’ por meio dos rituais religiosos.

4.2 Uma tecnologia do ensino


A obra The technology of teaching (SKINNER, 1968) nos indica grande
parte dos problemas atuais do sistema educacional, mesmo tendo sido
publicada há 40 anos (BANDINI; DE ROSE, 2006).
Nessa obra, Skinner defende que a tecnologia comportamental deve
promover um ensino eficaz e, em última análise, defende-se aqui que tal
ensino implica favorecer o fortalecimento da cultura na qual os
estudantes estão inseridos, em equilíbrio com o bem-estar desses alunos.
Skinner (1968) defendeu que, no planejamento de contingências
necessárias para um ensino eficaz, devemos pesquisar inicialmente qual é
o comportamento final que se pretende estabelecer; quais são os
reforçadores que estão disponíveis para a modelagem e a manutenção
desse comportamento; qual é a resposta inicial para a modelagem do
comportamento final; como os reforços podem ser esquematizados de
modo a manter o comportamento desejado fortalecido mais eficazmente.
As máquinas de ensinar (que atualmente seriam substituídas pelos
computadores) e a instrução programada poderiam contribuir para isso.
Dentre algumas características em que a tecnologia da educação
deveria produzir está a criatividade, que está diretamente relacionada
com a resolução de problemas. Comportamento criativo pode fortalecer
uma cultura porque produz variabilidades necessárias à sua evolução,
novas práticas que contribuam para a resolução dos problemas de um
grupo podem ser propiciadas na educação formal dos membros da
cultura e, nesse sentido, a tecnologia do ensino poderia ajudar.
Obviamente, nem todo o comportamento original é vantajoso para o
indivíduo ou para uma cultura. Skinner (1968) salienta que um pesadelo
pode ser tão original quanto uma obra de arte ou uma pintura,
entretanto, não o desejamos. Novidades, inovações e idiossincrasias que
nascem do comportamento individual podem ser válidas para o
fortalecimento de uma cultura.
Qual é o lugar para o imprevisível, para o incontrolado, ou seja, para o
comportamento criativo no ensino aparentemente padronizado por uma
tecnologia do ensino? Uma abordagem comportamentalista radical
define que a criatividade pode ser ‘produzida’ e, sendo assim, o ensino
deve gerar comportamentos criativos.
Um dos principais papéis do ensino é a transmissão do conhecimento
adquirido em uma cultura. A educação trabalharia, então, para a
construção de extensos repertórios comportamentais. Entretanto,
Skinner (1968) enfatiza que ensinar o que já foi descoberto pode entrar
em conflito com ensinar como descobrir por si só e, sendo assim,
apresentar um comportamento original. O autor defende que um ‘meio
termo’ é o caminho para a originalidade que uma tecnologia do ensino
deve perseguir.
Todavia, um problema consiste no fato de que nem todo
comportamento criativo é benéfico para o indivíduo ou para uma
cultura. Há aqui certa encruzilhada. Se o controle de estímulos é preciso,
o aluno aprende ‘bem’, mas não há o favorecimento da criatividade. Por
outro lado, se o controle de estímulos é pouco rígido, o aluno pode não
aprender ou aprender mal, mas pode haver maior probabilidade da
emergência do comportamento criativo.
Além disso, mesmo o aluno, ao apresentar o comportamento criativo,
esse poderia não ser benéfico. Defende-se que há a necessidade de a
tecnologia do comportamento ser efetiva na produção da originalidade
‘benéfica’, e da aprendizagem de comportamentos importantes para o
indivíduo e para a sua cultura. Argumenta-se aqui que, como cientistas
do comportamento, precisamos experimentar e testar novas tecnologias
que produzam o comportamento criativo eficiente. Além disso,
precisamos conjuntamente possibilitar a aprendizagem efetiva para o
indivíduo e para sua cultura.
O comportamento criativo é uma das fontes de variação necessárias
para o processo de seleção, são novas variações. Ao propor uma
tecnologia do ensino, Skinner (1968) defendeu que ela deveria
contemplar em seus objetivos o ensino do aprender a pensar,
contribuindo para a resolução de problemas heurísticos. Em última
análise, promover contingências necessárias para a produção da
originalidade. A educação para a criatividade pode fortalecer uma cultura
ao produzir novas práticas culturais que resolvam os problemas por ela
encontrados.
Skinner (1968) enfatiza que a educação tem o importante papel de
garantir um comportamento aceitável do estudante no mundo, assim
divide a responsabilidade com as instituições éticas, religiosas e
governamentais de possibilitar ao estudante o comportamento ético
condizente com sua cultura. A educação pode facilitar a resolução de
problemas éticos com que o indivíduo pode se deparar em ambientes
não educacionais.
A cultura pode precisar ensinar a resolução de problemas éticos para
que o indivíduo chegue a suas próprias regras de acordo com cada
contexto. Ao ensinar técnicas de autocontrole e autogoverno, ou seja, ao
ensinar ao estudante sobre como seu organismo funciona, a educação
pode facilitar a resolução de problemas de ordem moral com os quais os
estudantes se depararão fora do contexto escolar. Para o autor: “um
homem educado é talvez mais apto para se adaptar ao seu ambiente ou
para ajustar-se à vida social de seu grupo, e uma cultura que valoriza a
educação tem mais probabilidade de sobreviver” (SKINNER, 1968, p.
200).
Mas não é apenas o comportamento do estudante que está em questão
se queremos implementar uma educação que favoreça a sobrevivência de
uma cultura. Segundo Skinner (1968), o “[...] comportamento de todo o
sistema [...]” influencia a política educacional. O comportamento
daqueles que ensinam, dos que realizam as pesquisas relacionadas à
educação, dos que administram as instituições educacionais, dos que
estabelecem as políticas educacionais e dos que mantêm a educação.
Todo esse sistema determina quem será ensinado, por quanto tempo,
que conteúdo será ensinado, a qualidade do ensino etc. Para o autor, a
ciência do comportamento deve contribuir para que todo o sistema
educacional trabalhe no sentido de fortalecimento da sua cultura.
Vejamos o que ele diz: “A sobrevivência é um valor difícil.
Idealmente, um sistema de educação deve maximizar as oportunidades
que a cultura tem não só de lidar com seus problemas, mas de aumentar
firmemente sua capacidade de fazê- lo” (SKINNER, 1968, p. 232).
Segundo Skinner (1968, p. 227), para planejar uma cultura que
favoreça a sua sobrevivência, é preciso identificar 1) quais problemas a
cultura enfrentará, 2) quais comportamentos humanos contribuirão para
a resolução desses problemas e 3) quais técnicas promoverão a
emergência de tais comportamentos. A previsão dos problemas é da
alçada de várias áreas do conhecimento, os comportamentos que
possibilitarão sua solução podem ser investigados pela análise do
comportamento, e as técnicas que promoverão os comportamentos ou
as práticas culturais necessárias à resolução dos problemas de um grupo
devem ser proporcionadas por uma tecnologia da educação.
Novamente a posição do autor é pela defesa de uma ciência que
produz uma tecnologia que ‘deve’ trabalhar para o fortalecimento da
cultura. Sendo assim, as práticas educacionais devem ser avaliadas de
acordo com sua efetividade para este empreendimento. Skinner (1968)
ressalta que uma cultura que faz o melhor uso de uma tecnologia
educacional eleva ao máximo as suas probabilidades de sobrevivência e,
portanto, eleva sua contribuição para as culturas do futuro. Quem deve
ser ensinado, quanto deve ser ensinado e o que se deve ensinar são
questões relacionadas com a política educacional e suas discussões e
intervenções podem favorecer o fortalecimento da cultura.
A tecnologia do ensino proposta por Skinner (1968), desde as
máquinas de ensinar, que implementam a instrução programada, até o
planejamento de contingências necessárias para ensinar ao aluno a pensar
e a comportar-se de forma original, deve servir para o fortalecimento da
cultura e, portanto, das culturas do futuro. Para o autor: “[...] não é fácil
antever o que serão os escritores, artistas, estadistas e cientistas do
futuro, mas com auxílio da análise experimental do comportamento, as
potencialidades do organismo humano podem ser cabalmente
exploradas” (SKINNER, 1968, p. 237).

4.3. Walden two: a utopia skinneriana


Como um exemplo da aplicação da ciência do comportamento aos
problemas sociais, Skinner (1969, 2005) defendeu o planejamento
cultural como ‘um experimento de comportamento’. Walden two descreve
uma comunidade imaginária em que toda a tecnologia comportamental
empregada para seu planejamento e para a manutenção de práticas
culturais possui como critério de julgamento explícito o valor de
sobrevivência da cultura em equilíbrio com o bem-estar do grupo.
Vejamos alguns aspectos dessa tecnologia no planejamento de uma
cultura.
Uma das características essenciais que ocorre em todo o planejamento
de Walden two é que essa sociedade, diferente das sociedades ocidentais
atuais, eliminou todos os processos culturais cerimoniais e mantém as
contingências culturais por processos tecnológicos (GLENN, 1986). Tais
termos não são skinnerianos, entretanto, fornecem-nos algumas
descrições amplas e precisas de Walden two.
Segundo Glenn (1986), contingências tecnológicas envolvem
comportamentos que são mantidos por mudanças não arbitrárias no
ambiente. O poder de todos os reforçadores em contingências
tecnológicas está relacionado com sua utilidade, seu valor ou sua
importância para aqueles que estão envolvidos nessas contingências. Já
no comportamento ou nas práticas culturais mantidas por contingências
cerimoniais, o poder reforçador está no controle social do status, da
posição ou da autoridade do agente reforçador, independente das
mudanças ambientais que beneficiam, diretamente ou não, as pessoas
que se comportam. Um exemplo é que um aluno pode ter seu
comportamento de ir à escola e de estudar mantido por consequências
diretamente relacionadas ao comportamento de estudar. Podem ser elas:
aprender sobre um novo país, aprender como manipular uma ferramenta
que lhe será útil, aprender matemática e com isso aumentar a
probabilidade de cuidar bem de seu dinheiro etc. É um exemplo de um
comportamento mantido por contingências tecnológicas. Por outro lado,
esse mesmo aluno poderia ter seu comportamento de estudar mantido
por consequências que não estão relacionadas com as
consequências naturais do estudar. Poderiam ser elas: admiração do
professor, dos colegas e dos pais por ter boas notas, premiações de seus
pais com viagens e diversões ao obter boas notas, eliminar uma ‘bronca’
de seus pais caso não estude etc. Seria um comportamento mantido por
contingências cerimoniais. No caso das contingências mantidas por
processos tecnológicos, os reforçadores sociais são utilizados apenas
para mediar as relações entre o comportamento e seus efeitos práticos.
Para Glenn (1986), os processos tecnológicos possibilitam maior
probabilidade de o comportamento operante ser efetivo quando
ocorrem mudanças ambientais, o que pode vir a contribuir para a
sobrevivência do grupo e do indivíduo. Entretanto, operantes e práticas
culturais mantidos por contingências cerimoniais retardam e até mesmo
impedem mudanças. Com isso, tem-se que ao ‘abdicar’ do controle
cerimonial e planejar práticas culturais mantidas por controle
tecnológico, Walden two apresenta-se como uma sociedade que acaba por
manter práticas culturais com valor de sobrevivência positivo, mas é
‘flexível’ quando as contingências exigem soluções rápidas em que novas
práticas devam emergir.
Segundo Glenn (1986), em Walden two o valor de qualquer
comportamento é julgado em termos de suas consequências práticas para
os indivíduos juntamente com o seu grupo.
Um exemplo é que todo e qualquer comportamento interpessoal não é
mantido por reforçadores sociais arbitrários como méritos, admirações,
gratidão, fama etc., ou reforçadores negativos como expressões de culpa,
desaprovação etc. Os comportamentos são mantidos por processos
tecnológicos. O comportamento interpessoal apenas produz
consequências interpessoais, ele não é ‘trocado’ por outros reforçadores
tais como dinheiro, segurança econômica, status ou posição social.
A família com a função de prover segurança física e psicológica foi
suprimida em Walden two. Todas as relações familiares perpassam pelo
comportamento interpessoal e são mantidas por consequências
tecnológicas. A comunidade foi planejada de forma que essas
relações sejam efetivas e genuínas. Neste sentido, relações interpessoais
efetivas e genuínas podem ser exemplos de práticas culturais que
fortaleçam a cultura, no sentido de que a efetividade dessas relações
pode produzir consequências culturais positivas, como efetividade na
educação das crianças, que deve resultar em indivíduos mais adaptados à
cultura e mais criativos; efetividade nas relações entre homens e
mulheres, que pode produzir mais cooperação no desempenho das
diversas atividades importantes para o fortalecimento da cultura etc.
O sistema educacional também é um bom exemplo do uso da
tecnologia comportamental no planejamento de uma cultura que
assumiu o valor de sobrevivência como critério. Em Walden two não há
escolas como as que conhecemos nas sociedades ocidentais.
Há um sistema complexo voltado para a educação das crianças, mas
que se estende para toda a vida de um indivíduo que se interesse pelo
aprendizado de alguma nova habilidade ou de um novo conhecimento.
Toda a comunidade engaja-se em comportamentos para estimular as
crianças em todas as artes e ofícios, em instruí-las quando necessário. A
educação não tem restrição de idade, logo qualquer membro que se
interesse em adquirir uma nova habilidade ou conhecimento tem essa
possibilidade. Assim, a educação em Walden two é mantida por processos
tecnológicos, não há a necessidade de títulos e admirações para a
manutenção dos comportamentos necessários para a aprendizagem.
A ciência também é encorajada em Walden two. É interessante ressaltar
que a pesquisa científica é realizada em todos os espaços daquela
comunidade. A ciência, tanto a aplicada como a ‘ciência pura’, contribui
diretamente para o fortalecimento de uma cultura, uma vez que pode
produzir desde tecnologias que proporcionem a sobrevivência física de
uma cultura até um conhecimento original sobre a natureza e sobre o
comportamento humano, que possa favorecer uma melhor aplicação das
técnicas anteriormente desenvolvidas. Mesmo que as atividades
científicas não indiquem sua contribuição imediata com a sobrevivência
de uma cultura, elas
produzem um conhecimento que pode ser útil em vários campos na
resolução de problemas futuros que uma cultura poderá enfrentar. É
consenso entre os intelectuais de nossa época que uma cultura forte
incentiva as práticas científicas em todas as suas formas.
Em Walden two, o autor também descreve cinco pontos principais
necessários para uma “boa vida” em uma cultura preocupada com sua
sobrevivência. Tais como – a saúde é melhor do que a doença; um
mínimo de trabalho desagradável é parte da boa vida; a boa vida significa
oportunidade para exercer talentos e habilidades; há o fomento do
comportamento interpessoal genuíno; a boa vida significa também
relaxamento e descanso.
Para Skinner (2005), a ‘boa vida’ assim descrita tem uma justificação
experimental e não racional. Não há em Walden two ‘leis morais’, há o
Código Walden que define algumas regras de conduta, mas que pode ser
modificado de acordo com as contingências.
Sendo assim, o que se observa é, segundo o autor, uma ética
experimental. Todas as práticas que devem levar ao ‘bem de todos’ são
constantemente avaliadas e novas práticas são experimentadas. Portanto,
não há um código absoluto e, sendo assim, essa ética consiste em uma
ética da experimentação. Em um diálogo entre Frazier e Castle
(personagens de Walden two) Skinner apresenta sua voz:
Qual é a natureza humana? Quero dizer, quais são as características
psicológicas básicas do comportamento humano – as características
herdadas se existem, e as possibilidades de modificá-las e de criar
outras? Esta é, certamente, uma questão experimental – a ser
respondida por uma ciência do comportamento. E quais são as
técnicas, as práticas de engenharia que irão modelar o
comportamento dos membros de um grupo de maneira que ele
funcione eficazmente para o bem de todos? Essa também é uma
questão experimental, Sr. Castle – a ser respondida por uma
tecnologia comportamental. Requer todas as técnicas da
psicologia aplicada, desde as várias maneiras de manter contato com
opiniões e atitudes até
as práticas educacionais e persuasivas que modelarão o indivíduo do
berço ao túmulo. Experimentação, Sr. Castle, não razão.
Experimentação com a vida – poderá haver algo mais fascinante?
(SKINNER, 2005, p. 162).
Assim, defendemos que Skinner construiu uma ciência do
comportamento humano e propôs, por meio da tecnologia do
comportamento, o desenvolvimento de comportamentos individuais e
práticas culturais que podem promover o fortalecimento da cultura e a
sobrevivência da humanidade. Nesse sentido, Skinner apresenta não só
uma ciência dos valores, como o autor argumentou explicitamente, mas
uma ética aplicada e experimental quando o autor defende o uso da
tecnologia do comportamento. Lembremos que toda a tecnologia
proposta poderia ser utilizada para a promoção exclusiva do bem
individual, mas isso não estaria em concordância com os inúmeros
argumentos defendidos pelo autor.

Considerações finais
Com base no que foi exposto, pode-se argumentar que Skinner
defendeu a ciência do comportamento (no caso a análise do
comportamento) como a ciência que nos daria a resposta do que
‘deveríamos’ fazer além do ‘como’ fazer. Poderia responder a questões
dos dois tipos: ‘o que é?’ e ‘o que deve ser?’. Ou seja, nos ofereceria
respostas científicas, tecnológicas e éticas.
Segundo Leigland (2005), Skinner seria contrário à visão tradicional de
que a ciência trata apenas das declarações de fato; além disso, os valores
dos cientistas podem ser agentes potenciais de mudanças sociais. Nessa
perspectiva, a ciência nos diria como, quando, onde devemos intervir e
por que, com suas análises, suas previsões e suas explicações. Isto é, a
ética skinneriana, além de nos brindar com uma ciência dos valores e um
sistema ético, apresenta, também, um viés normativo e aplicado. Skinner
nos prescreve o bem da cultura como o valor a ser ‘perseguido’, um
valor ‘inspirado’ na ciência do comportamento humano que indica que a
sobrevivência ‘é’ o critério final.
Além disso, caberia à tecnologia (e a tecnologia do comportamento
apresenta um papel fundamental na promoção de mudanças, uma vez
que grande parte de nossos problemas são ‘problemas de
comportamento’) o estabelecimento de um planejamento de práticas
culturais com valor de sobrevivência positivo. Para Skinner, a tecnologia
do comportamento, desde sua construção até sua aplicação, nos fornece
os meios para a produção do comportamento que, ao participar de
práticas culturais, fortalece uma cultura. A tecnologia – entendida como
a produção deliberada de certas consequências no mundo utilizando-se
do conhecimento científico – também apresenta implícita ou
explicitamente um valor, ela não é despida de valores.
É sobre esses âmbitos que o analista do comportamento deveria se
pautar, pois todo projeto científico implica compromissos filosóficos.
Isso porque o comportamentalismo radical de Skinner, como filosofia,
apresenta a defesa do bem da cultura como valor fundamental de sua
filosofia moral.
Cabe ressaltar que o bem da cultura dá relevo à sobrevivência da
humanidade, da espécie humana. Além disso, a proposição de um
planejamento cultural que favoreça a sobrevivência ‘deve’ também
estabelecer um equilíbrio com o benefício individual. Ou seja, o
equilíbrio entre a produção de bens individuais e o bem da cultura
possivelmente apenas será alcançado com planejamento efetivo e não
como produto de ‘felizes acidentes’.
Tendo em vista a breve apresentação da ética de Skinner feita até aqui,
evidencia-se que a passagem de uma ciência dos valores e de seu sistema
ético para uma ética prescritiva –normativa e aplicada – é problemática.
E nosso compromisso filosófico com o comportamentalismo radical não
precisa ser cego. Importante que a comunidade dos analistas do
comportamento também pense criticamente sobre os problemas
internos, de modo a garantir que a análise do comportamento seja
mesmo científica, e não dogmática.
Os fundamentos apresentados por Skinner em sua ética descritiva, ao
contrário do que ele procura argumentar, não são necessários nem
suficientes para a elaboração de imperativos éticos. Ademais, apontam
para o risco de uma tecnocracia3 (CASTRO, 2013). Seria possível, por
exemplo, defender coerentemente – isto é, sem
contradição com os pressupostos da teoria científica, da ciência dos
valores – um planejamento cultural fundamentado nos bens individuais,
em que, por exemplo, os membros da cultura usufruíssem de todos os
recursos naturais, fizessem sexo sem proteção e não tivessem nenhuma
preocupação em relação ao futuro da própria humanidade (CASTRO,
2013; DITTRICH, 2008).
Mas essa talvez não fosse a inspiração mais interessante produzida
pelo modelo de seleção pelas consequências.
Conforme argumenta Chiesa (2003, p. 296), a sobrevivência da espécie
pode ser um valor importante para Skinner, cujas tendências humanistas
são bem conhecidas, porém, “[...] a filosofia e a prática científica do
comportamentalismo não conduzem inevitavelmente a promover a
sobrevivência como um valor. [...] Sem dúvida os valores não emergem
da metaética”.
De acordo com Zuriff (1980), a ciência só pode dizer ‘A deve fazer X’
se X já for um reforçador. Kendler (1993) aponta que a sobrevivência
em si não é uma propriedade universal do mundo biológico. Também há
morte. Sobrevivência e morte fazem parte de um único fenômeno: a
evolução. Segundo Kendler, a linha de raciocínio de acordo com a qual
os princípios evolutivos são interpretados de modo a sugerir que a
sobrevivência é o imperativo moral último é rejeitada por Dawkins, pois
ele afirma que a evolução é cega, sem propósito, inconsciente, não
havendo implicações éticas na teoria da evolução.
Mas a questão aqui é: e quando é possível torná-la consciente e agir
sobre ela ‘intencionalmente’, corrigindo alguns de seus ‘erros’?
Ironicamente, reaparece o telos; não como um futuro que controla o
presente, mas como uma previsão do futuro que controla o presente.
Daí a defesa de Skinner pelo planejamento e intervenção,
sendo esses mesmos incoerentes com uma ciência determinista. Neste
caso, então, seria necessário um modelo diferente de ciência no qual
coubesse o telos?
À guisa de conclusão, entendemos que o comportamentalismo radical,
como filosofia de uma ciência do comportamento, fundamenta essa
ciência e guarda em si uma ética, em seus vários aspectos. Longe da
defesa por uma distinção ontológica entre fato e valor, o
comportamentalismo radical de Skinner apoia e defende um princípio
ético, inspirado na análise do comportamento. O bem da cultura é,
portanto, o principal valor que, segundo Skinner, ‘deve’ nortear nossas
práticas e a tecnologia do comportamento teria papel fundamental na
intervenção social para um mundo melhor. A defesa de uma intervenção
para uma cultura melhor, que sobreviva e enfrente seus problemas – ou
seja, a defesa do delineamento cultural em prol do bem da cultura – é o
pilar da ética skinneriana.
Neste capítulo, tentamos apresentar brevemente as propostas éticas de
Skinner, seus fundamentos e alguns dos riscos e problemas inerentes a
elas.

Referências

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1 Neste caso a referência é à análise do comportamento ou à análise


experimental do comportamento, a ciência do comportamento baseada nos
pressupostos do comportamentalismo radical (MELO, 2008). Embora outras
ciências comportamentais possam ser delineadas, trataremos ao longo deste
texto apenas desse campo do saber.

2 Essa proposta já é apresentada em Walden two, mas, naquela ocasião, o


autor não elaborou argumentação formal, técnica, em defesa do bem da
cultura e de sua origem factual; além disso, o bem da cultura era
explicitamente equilibrado com a felicidade dos membros daquela
comunidade como valor supremo.

3 Ao mesmo tempo, há quem argumente (RICHELLE, 2003) que as


propostas éticas de Skinner, se implementadas de acordo, seriam
extremamente subversivas, pois desafiariam governos, sistemas econômicos,
religiões e as formas de educação (como ocorreu na fictícia comunidade de
Walden two), pois essas instituições garantem um futuro incompatível com o
futuro da humanidade.
Capítulo 3 - Skinner, democracia e
anarquia

José Antônio Damásio Abib

Considerações iniciais
Em seu ensaio Comportamento humano e democracia, publicado em 1987,
Skinner critica o Estado de bem-estar social. Poderíamos, então, pensar
que ele é solidário com o Estado mínimo (pois um alvo, o preferido
quiçá, dos defensores desse Estado é o Estado de bem-estar social), com
o liberalismo e com o partido republicano.
Porém, esse cenário muda de figura quando consultamos sua novela,
Walden two, publicada originalmente em 1948, e verificamos que os
dirigentes dessa pequena comunidade utópica não são eleitos, o que,
certamente, viola o princípio básico da democracia.
Poderíamos, então, pensar que Skinner não é um adepto da
democracia, uma ilação que não teria sido feita pela primeira vez. Com
efeito, Newman (1993, p. 171) menciona que Sir Karl Popper não
somente acusou Skinner de ser “[...] um inimigo da liberdade e da
democracia”, como também se recusou a assinar o Manifesto humanista
dois porque Skinner já o fizera.
Dado esse panorama de crítica ao Estado de bem-estar social, de
dirigentes não eleitos em Walden two, de ser acusado, por um filósofo
liberal1, de ser inimigo da democracia, é, aparentemente, inevitável
concluir que Skinner, efetivamente, não comunga com a forma
democrática de governo. Parece-nos, então, perfeitamente
pertinente perguntar se Walden two seria, por exemplo, uma tirania,
haja vista que sociedades que não elegem seus dirigentes são acusadas de
autoritarismo e qualificadas como ditaduras, tiranias, e por aí afora.
1. Formas de governo
Em sua teoria das formas de governo, Aristóteles (1997, p. 91)
distingue entre formas corretas e formas incorretas de governo. As
formas corretas visam o bem comum e as formas incorretas visam o
próprio interesse. As formas corretas são a monarquia (o governo de
um), a aristocracia (o governo de poucos), o governo
constitucional (o governo da maioria)2. As formas incorretas são
desvios das formas corretas, são elas, a tirania (desvio da monarquia), a
oligarquia (desvio da aristocracia), a democracia (desvio do governo
constitucional). Das três formas incorretas de governo, a pior é a tirania,
sendo seguida pela oligarquia e pela democracia. O interesse próprio
refere-se ao interesse de uma única pessoa (tirania), de poucas pessoas
(oligarquia), e da maioria das pessoas (democracia). Nas palavras de
Aristóteles: “[...] tirania é a monarquia governando no interesse do
monarca, a oligarquia é o governo no interesse dos ricos, e a democracia
é o governo no interesse dos pobres, e nenhuma destas formas governa
para o bem de toda a comunidade”.
Portanto, da perspectiva de Aristóteles, a democracia não é uma forma
correta de governo, embora seja a menos incorreta das formas
incorretas. O critério fundamental para avaliar a correção de uma forma
de governo é verificar se ela é exercida em defesa do bem para toda a
comunidade e, segundo o filósofo, a democracia
defende o interesse da maioria3.
Se há uma coisa que é verdadeira em Walden two é a defesa do bem
comum: Walden two não é uma democracia, mas visa o bem de toda a
comunidade. Entretanto, Walden two não pode ser caracterizada como
governo constitucional porque não se caracteriza pelo governo da
maioria em defesa do bem para toda a comunidade. Se nos lembrarmos
da presença hegemônica de Frazier, planejador de Walden two, em suas
discussões com Castle, filósofo que faz o papel de ‘advogado do diabo’
no debate com Frazier, podemos concluir, equivocadamente,
que ele é uma espécie
de monarca legítimo, e não um tirano, visto que almeja o bem para toda
a comunidade. Porém, Frazier é apenas um dos planejadores de Walden
two, que conta, também, com uma equipe de administradores. No
conjunto, eles podem ser caracterizados como uma aristocracia
tecnocientífica que se norteia pela ciência do comportamento para
planejar e administrar uma pequena comunidade utópica. Na novela de
Skinner, diríamos que, seguindo Aristóteles (1997, p. 91), “[...] governam
os melhores homens [...]
com vistas ao que é melhor para a cidade4 e seus habitantes”,
orientados pelos procedimentos seguros da tecnociência. E, note- se, en
passant, que não há qualquer possibilidade dessa aristocracia
tecnocientífica desviar-se para a oligarquia porque não há ricos em
Walden two: nem Frazier, nem os planejadores, nem os administradores
são ricos.

2. Governo
Porém, a aristocracia é uma forma de governo, e Skinner (1966, 1978)
é um crítico ácido da ideia de governo, que ele pretende substituir pela
ideia de controle. E é precisamente nesse sentido que, ao citar Abraham
Lincoln, “[...] que esta nação, sob Deus, terá um novo nascimento de
liberdade; e que o controle de pessoas por pessoas para as pessoas não
pereça sobre a terra” (SKINNER, 1978, p. 3), afirma que o presidente
norte-americano disse ‘governo’ e não ‘controle’. Skinner (1978) critica a
ideia de governo porque, embora inicialmente signifique guiar, terminou
por significar obediência à autoridade, que é obtida por meio de controle
aversivo, o que dá margem ao contracontrole (principalmente quando o
governo extrapola os limites de sua legitimidade), como se verifica nos
protestos, greves, boicotes, revolução, terrorismo etc. E convém ressaltar
que Skinner (1978) critica não só a autoridade, mas também o
contracontrole, pois ambos se valem do controle aversivo.
Skinner (1966) é terminantemente contra o uso do controle aversivo
por razões as mais diversas, que, no entanto, não estão no foco deste
texto. O que nos interessa, aqui, é destacar o seu
reconhecimento de que a democracia tem um grande mérito que consiste
em governar o povo fazendo uso restrito de medidas aversivas. Isso
significa dizer que teria sido o abrandamento do controle aversivo e do
contracontrole a fonte dos grandes triunfos da democracia, como a
conquista do direito à liberdade e à vida. Esses triunfos teriam dado
margem à busca pela felicidade, pelo reforço positivo, que é a sua fonte.
E estes dois triunfos, a liberdade e a felicidade, seriam os principais
objetivos de qualquer governo do povo pelo povo para o povo5.
Esse reconhecimento do valor da democracia não deveria, contudo,
ofuscar-nos ao ponto de não percebermos ou de ignorarmos os seus
problemas. Assim, Skinner (1978) critica a democracia, seja porque,
apesar de amainados, o controle aversivo e o contracontrole persistem,
seja porque os representantes do povo usurpam o poder que lhes é
outorgado.
Após essas observações, Skinner (1978) imprime uma surpreendente
guinada em seu ensaio e passa a discutir o conceito de cultura. Ele
declara que ‘cultura’ se diz em dois sentidos: um antigo e outro
moderno. No sentido antigo, ‘cultura’ inclui não só as práticas familiares,
ritualísticas e religiosas, como também o artesanato, as artes etc., e exclui
o Estado e a economia. E, no sentido moderno, ‘cultura’ inclui tudo isso,
inclui ‘cultura’ no sentido antigo, bem como o Estado e a economia.
Esses dois sentidos do conceito de cultura têm profundas raízes
históricas e filosóficas que passamos a examinar brevemente.

3. Conceito de cultura
Santos (2012, p. 24) também se refere a dois sentidos do conceito de
cultura, um antigo e outro moderno. No sentido antigo, cultura refere-se
“[...] ao conhecimento, às ideias e crenças, assim como às maneiras como
eles existem na vida social”. No sentido moderno, cultura refere-se “[...]
a todos os aspectos de uma realidade social” (SANTOS, 2012, p. 23).
No sentido moderno, referimo-nos, por
exemplo, à totalidade da cultura francesa ou da cultura xavante ou da
cultura camponesa ou da cultura dos astecas. No sentido antigo,
referimo-nos à língua, literatura, conhecimento filosófico e científico,
por exemplo, da cultura francesa. É também nesse sentido que nos
referimos a culturas alternativas, como, por exemplo, a cultura ecológica,
a cultura do corpo, a cultura alimentar etc.
Elias, o sociólogo alemão, abre seu clássico O processo civilizador,
publicado em 1939, fazendo um duplo contraponto no qual discute a
tensão não só entre os conceitos de civilização nos ambientes alemão,
francês e inglês; como também entre os conceitos de civilização e cultura
no ambiente alemão. No contexto francês e inglês, ‘civilização’ refere-se
a fatos políticos, econômicos, sociais, técnicos, morais, religiosos etc.
Elias (1990, p. 23) diz que, ao se referir e ao agrupar em torno de si toda
essa diversidade de fatos, o conceito de civilização tem a função geral de
expressar “[...] a consciência que o Ocidente tem de si mesmo”. E
prossegue observando que essa consciência “[...] resume tudo em que a
sociedade ocidental dos últimos dois ou três séculos se julga superior a
sociedades mais antigas ou a sociedades contemporâneas mais
primitivas” (ELIAS, 1990, p. 23, grifo do autor). No ambiente alemão,
‘civilização’ não tem esse sentido. Com efeito, de acordo com Elias,
embora a palavra Zivilisation se refira a algo útil, ela não passa de um
valor de segunda classe: reconhece- se a utilidade das esferas política,
econômica, social, tecnológica, que, porém, só tratam com a superfície
da existência humana.
Kultur, e não Zivilisation, é a palavra com a qual os alemães se
identificam. De acordo com o sociólogo alemão, “[...] o conceito alemão
de Kultur alude basicamente a fatos intelectuais, artísticos e religiosos”
(ELIAS, 1990, p. 24). Ou ainda, “[...] reporta-se a produtos humanos que
são semelhantes a flores do campo6, a obras de arte, livros, sistemas
religiosos ou filosóficos, nos quais se expressa a individualidade de um
povo” (ELIAS, 1990, p. 24-25). O conceito de cultura no sentido alemão
adquire seu contorno mais nítido com o adjetivo ‘cultural’ (kulturell). A
pessoa culta é uma pessoa produtiva, nas antípodas, todavia, do sentido
neoliberal atual. Uma pessoa produtiva no sentido alemão é aquela que
produz obras que expressam a individualidade de um povo, ‘flores do
campo’, livros, obras de arte, obras filosóficas, obras religiosas. Uma
pessoa culta não quer dizer uma pessoa cultivada. Elias comenta que a
palavra ‘cultivado’ (kultiviert) aproxima-se do conceito ocidental de
civilização e que “[...] pessoas e famílias que nada realizaram de kulturell
podem ser kultiviert” (ELIAS, 1990, p. 24). Em suas palavras:
Tal como a palavra civilizado, kultiviert refere-se primariamente à
forma da conduta ou comportamento da pessoa. Descreve a
qualidade social das pessoas, suas habitações, suas maneiras, sua
fala, suas roupas, ao contrário de kulturell, que não alude
diretamente às próprias pessoas, mas exclusivamente a realizações
humanas peculiares (ELIAS, 1990, p. 24, grifo do autor)7.
O sociólogo alemão afirma, enfim, que o conceito de civilização no
sentido francês e inglês enfatiza a identidade entre os povos,
minimizando suas diferenças. E que, ao contrário, o conceito de Kultur
enfatiza a diferença entre os povos, a identidade particular de grupos. E
que, por essa razão, o conceito de Kultur “[...] adquiriu em campos como
a pesquisa etnológica e antropológica uma significação muito além da
área lingüística alemã e da situação em que se originou o conceito”
(ELIAS, 1990, p. 25).
Do que foi exposto, podemos, aparentemente, deduzir que o conceito
de civilização no ambiente francês e inglês aproxima-se do conceito de
cultura no sentido moderno e que o conceito de cultura no ambiente
alemão aproxima-se do conceito de cultura no sentido antigo. Essa
dedução ganha evidência adicional se observarmos que o conceito de
cultura no sentido moderno ganhou expressão inconteste na primeira
orientação que estabeleceu os fundamentos da ciência antropológica: o
evolucionismo cultural. Tanto é assim que em seu artigo A ciência da
cultura, publicado em 1871, Tylor (2009, p. 69) escreve que:
Cultura ou Civilização, tomada em seu mais amplo sentido
etnográfico, é aquele todo complexo que inclui conhecimento,
crença, arte, moral, lei, costumes, e quaisquer outras capacidades e
hábitos adquiridos pelo homem na condição de membro da
sociedade.
As iniciais maiúsculas dos termos ‘cultura’ e ‘civilização’ não são
casuais. Significam que cultura ou civilização são pronunciáveis no
singular: existe somente uma cultura ou civilização. No evolucionismo
cultural, a cultura evolui no sentido do progresso, segundo estágios
definidos, de tal modo que as ‘culturas atrasadas’ deverão passar
obrigatoriamente pelos mesmos estágios pelos quais já passou a ‘cultura
evoluída’: a cultura ocidental. Castro (2009, p. 17) diz que a definição de
Tylor, que toma as palavras ‘cultura’ e ‘civilização’ como sinônimas,
“distingue-se do uso ‘moderno’ do termo cultura (em seu sentido
relativista, pluralista e não-hierárquico)8, que só seria popularizado com a
obra de Franz Boas, já no início do século XX”. Castro diz ainda que a
prática dos autores evolucionistas de se referirem à cultura no singular
teria sido modificada por Franz Boas, que passou a se reportar à ‘cultura’
no plural. De fato, em seu ensaio As limitações do método comparativo em
antropologia, publicado em 1896, Boas (2004, p. 34) escreve, “similaridades
superficiais entre culturas”, ou ainda, “[...] história das culturas de
diversas tribos” (BOAS, 2004, p. 36). Enfim, Castro (2004, p. 35)
comenta que, desse ponto de vista, o objetivo da antropologia, “[...]
passava a ser não a reconstituição do grande caminho da evolução
cultural humana, mas sim a compreensão de culturas particulares, em
suas especificidades”.
‘Cultura’ no sentido antigo e ‘cultura’ no sentido moderno parecem,
então, ter trocado de sinal. O que é moderno teria ficado antigo e o que
é antigo teria ficado moderno. A Kultur e o pluralismo (o antigo) parecem
ter ficado modernos. E a civilização e o evolucionismo cultural (o
moderno) parecem ter ficado antigos. Essa aparente troca de sinais
encontra apoio no comentário que Berlin (1991) faz em seu livro, Limites
da utopia, sobre o filósofo italiano Giambattista Vico (1668-1744), autor
de um livro clássico sobre filosofia da
história: Ciência nova (BERLIN, 1991; BOSI, 1979; BURKE, 1997;
FERRATER MORA, 1984). Berlin (1991, p. 60, grifo nosso) escreve
que: “Vico é o verdadeiro pai tanto do moderno conceito de cultura
quanto daquilo que poderíamos chamar de pluralismo cultural,
segundo o qual toda cultura autêntica possui seu próprio e singular
ponto de vista”. De acordo com Burke, por diversos motivos, entre os
quais figurava a própria obscuridade da Ciência nova, foi tardia sua
recepção, até mesmo entre autores alemães, como Goethe e Herder, que
sequer “[...] notaram as semelhanças entre as ideias dele e as suas
próprias” (BURKE, 1997, p. 16). Entretanto, apesar desse atraso, é o
pluralismo cultural de Vico que está no horizonte do conceito moderno
de cultura. De acordo com Berlin (1991, p. 61, grifo nosso), isso se deve
ao método de Vico que é:
Basicamente, similar àquele empregado pela maioria dos
antropólogos modernos que buscam entender o comportamento e
a imaginação das tribos primitivas (ou o que restou delas), cujos
mitos, relatos, metáforas, símiles e alegorias não são por eles
descartados como criações confusas ou desprovidas de sentido de
bárbaros irracionais e infantis (como fez o século XVIII): em vez
disso, procuram a chave que lhes permita penetrar no mundo dessas
tribos, bem como ver através de seus olhos.
Segundo Berlin, esse método, que visa penetrar na mente do outro, é
denominado por Vico de fantasia, chamado mais tarde pelos alemães de
verstehen, “[...] em oposição a wissen, a espécie de conhecimento
encontrada nas ciências naturais, onde o penetrar não está em questão,
pois não podemos penetrar nas esperanças e temores das abelhas ou dos
castores” (BERLIN, 1991, p. 62, grifo do autor). Bosi (1979, p. XI)
também diz que a metodologia de Vico consiste na fantasia poética e que
“[...] por essa razão, somente no século XIX, com a ascensão do
Romantismo alemão, criou-se um clima intelectual favorável ao seu
pensamento”.
Talvez possamos esclarecer essa reversão dos sinais no conceito de
cultura em termos dos conceitos de moderno e de pós-moderno.
Lyotard (1987, p. 24) diz que o pós-moderno faz parte do moderno;
comenta, por exemplo, que Cézanne rompeu com os impressionistas e
que Picasso e Braque romperam com Cézanne, e pergunta, “[...] com que
pressuposto rompeu Duchamp em 1912?”. À primeira vista, não é,
portanto, a ruptura com o passado que caracteriza o pós-moderno, e que
o diferencia do moderno, pela simples razão de que a ruptura com o
passado é a marca do moderno. Com efeito, de acordo com Paz (1984,
p. 24), o moderno, de modo aparentemente paradoxal, inaugurou uma
tradição: a tradição de ruptura. Contudo, Lyotard escreve que “[...] uma
obra só se torna moderna se primeiro for pós-moderna”. Logo, o pós-
moderno não significa o que vem cronologicamente depois do moderno,
significa, isto sim, uma agonística, uma crítica incessante das
acomodações, fracassos e envelhecimentos modernos.
Significa uma busca incansável por rupturas, mesmo que isso nos leve
de volta ao passado, uma volta, nas palavras de Peixoto e Olalquiaga
(1987), ao ‘futuro do passado’, diante da crise contemporânea das
utopias9. O pós-moderno chama a nossa atenção para possibilidades,
tendências, e até mesmo realidades paralelas, que se organizam segundo
visibilidades distintas. Assim, cultura no sentido antigo (SANTOS, 2012;
SKINNER, 1978), Kultur (ELIAS, 1990), a antropologia cultural de Boas
e o pluralismo cultural de Vico, conquistam maior visibilidade, apontam
para possibilidades, tendências e realidades que podemos denominar
‘pós-modernas’. Já cultura no sentido moderno (SANTOS, 2012;
SKINNER, 1978), o conceito de civilização nos ambientes francês e
inglês, o evolucionismo cultural de Tylor e outros, como Morgan (2009)
e Frazer (2009), perdem visibilidade, apontam para possibilidades,
tendências e realidades que podemos denominar ‘modernas’. É tentador
seguir os passos de Vico (1979) e dizer que há um corso e um ricorso: uma
sequência e uma retomada. No entanto, não podemos afirmar que o
conceito de cultura no sentido antigo desapareceu com o advento do
conceito de cultura no sentido moderno, e que, então, retornou10. Se for
verdade que o que temos agora é cultura no sentido moderno e pós-
moderno, somos tentados a perguntar: e, então, o que seria cultura no
sentido antigo? Uma boa resposta talvez seja esta: a obra de Vico, a
Ciência nova. Pois a Ciência nova contém uma concepção antiga de
cultura. Com efeito, Ferrater Mora (1984) diz que a filosofia da história
de Vico expressa uma visão renascentista da história, e Bosi (1979) e
Burke (1997) observam que Vico não era um pensador iluminista. Sendo
assim, se tomarmos Vico como ponto de referência, cultura no sentido
pós-moderno, resgata uma imagem renascentista da história.

4. Democracia
Skinner (1978) discute o conceito de cultura nos sentidos antigo e
moderno porque, ao fim e ao cabo, pretende relacionar o conceito de
democracia ao conceito de cultura. E, sendo assim, já podemos deduzir
que se há dois conceitos de cultura então deve haver dois conceitos de
democracia. Inicialmente, ele expressa sua preferência pelo conceito de
cultura no sentido antigo. Do ponto de vista de nossa análise, Skinner
aproxima-se do conceito pós-moderno de cultura. Não pretendemos,
porém, dizer, com isso, que o que ele entende por cultura no sentido
antigo emule completamente o sentido pós-moderno, nem tampouco
que ele não teria nada a acrescentar a esse último sentido. Ao contrário,
cabe mencionar que uma de suas principais contribuições ao sentido pós-
moderno de cultura consiste em mostrar que, no sentido antigo, cultura
demarca um espaço para contingências sociais que escapam ao controle
das instituições, que Skinner (1966) batiza com o nome de agências de
controle: expressão notável, porque, na medida em que a noção de
agência aproxima-se da noção de autoria, ele insere a autoria do controle
do comportamento humano nos lugares certos: no governo, na
economia, na religião, na educação, na psicoterapia, na mídia11. E critica
essas agências, seja porque, mesmo quando ficam caducas, mesmo
quando perdem a capacidade de acompanhar as transformações sociais,
elas continuam a controlar o comportamento humano, seja porque elas
justificam suas práticas de controle apelando ao bem comum, mas o que
fazem, na realidade, é agir em interesse próprio.
O comportamento humano está sob o controle de mediações
realizadas pelas agências de controle, o que significa dizer que as relações
de nosso comportamento com a realidade são mediadas por terceiros,
por intermediários, velando-se, desse modo, as possibilidades de nossas
relações diretas com a realidade. O controle exercido pelas agências é
uma forma de poder assimétrico que pode tudo ou quase tudo sobre nós
e que pouco ou nada podemos sobre ele. O ‘quarto estado’, a mídia,
ilustra bem a assimetria do poder exercido pelas agências de controle.
Skinner (1978, p. 28) menciona que, no final do século XIX, surgiu o
‘quarto estado’, isento, aparentemente, de mediações, como as que
operavam (e continuam a operar) nos ‘três estados’, o governo, a igreja, o
sistema econômico, que exerciam (e continuam a exercer) seus poderes
por meio, respectivamente, da polícia e dos militares, das sanções
sobrenaturais, e do dinheiro. Skinner prossegue dizendo que o ‘quarto
estado’ criticava os ‘três estados’, expressando, desse modo, seu interesse
pelo futuro da sociedade humana. Porém, escreve que “uma imprensa
que se torna instrumento do governo, da igreja, ou do sistema
econômico pode, contudo, não desempenhar mais esse papel”. As
palavras de Skinner estão no mesmo sentido desta observação de
Kapuscinski (citado por MORAES, 2006, p. 5):
Estamos vivendo duas histórias distintas: a de verdade e a criada
pelos meios de comunicação. O paradoxo, o drama e o perigo estão
no fato de que conhecemos cada vez mais a história criada pelos
meios de comunicação e não a de verdade.
Skinner (1986) discute cinco mediações que substituem as relações
diretas de nosso comportamento com a realidade. Elas parecem-lhe tão
importantes que ele as apresenta como um diagnóstico sobre O que há de
errado com a vida diária no mundo ocidental. Duas dessas mediações que nos
interessam, aqui, são: o comportamento governado por regras e o
reforço planejado. O comportamento governado por regras substitui o
comportamento modelado por contingências, ou seja, o comportamento
que nos coloca em relação
indireta com as coisas substitui o comportamento que nos coloca em
relação direta com as coisas. O comportamento governado por regras
domina a vida cotidiana do mundo Ocidental, transformando- a em uma
vida comandada pelos poderes assimétricos das agências de controle.
Como decorrência do comportamento governado por regras, o reforço
planejado, o reforço artificial, passa a substituir o reforço natural, o
reforço que vigora no comportamento modelado por contingências.
Vivemos, então, dois mundos: o mundo das relações mediadas e o
mundo das relações não mediadas, e conhecemos cada vez mais a vida
mediada e cada vez menos a vida não mediada. A experiência deixa de
modelar o comportamento, que passa a ser controlado pelas agências de
controle.
Nesse contexto que envolve tensões entre mediações e não
mediações, relações indiretas e diretas, Skinner (1978) aponta para dois
sentidos de democracia, um que envolve e outro que não envolve
mediações. Ele diz que o termo ‘democracia’ tem um sentido especial se
for aplicado à cultura no sentido antigo, às contingências sociais que não
são mantidas por agências de controle; bem como um sentido mais
usual, em que se refere à cultura no sentido moderno, ao controle
realizado pelas agências de controle, especialmente pelo Estado e pela
economia. Há, assim, uma microdemocracia: uma democracia em
pequena escala. E uma macrodemocracia: uma democracia em larga
escala. É nesse contexto de discussão que, para Skinner, a palavra
‘governo’ significa agências de controle, vinculando-se,
consequentemente, à democracia no sentido moderno. Ou seja,
‘governo’ envolve uma concepção de controle ligada às agências de
controle. Mas há outra concepção de controle que remete à revelação do
rosto humano: o controle face a face. Nessa revelação não há mediações
ou, se houver, são mitigadas, são mais fáceis de serem identificadas e
controladas. Governo e controle face a face são, portanto, duas coisas
bem diferentes. E é exatamente por isso que Skinner (1978,
p. 3) sugere que se diga “[...] controle de pessoas por pessoas para
pessoas [...]”, e não, como disse Lincoln, “[...] governo de pessoas por
pessoas para pessoas” (SKINNER, 1978, p. 3). Essa distinção
entre dois conceitos de democracia coloca na ordem da discussão o tema
do anarquismo.

5. Anarquismo
Skinner (1978) refere-se à anarquia como exemplo de uma filosofia
política que defende algo parecido com o controle face a face; uma
relação que faz sentido, porque, dito de chofre, a filosofia política do
anarquismo é um ódio à autoridade, é negação da autoridade, é combate
à autoridade; e o ódio mais mortal dos anarquistas é ao Estado. Nas
palavras de Costa (2011, p. 17):
O ódio visceral de todos os anarquistas é contra este leviatã da
sociedade moderna, este organismo imenso e todo-poderoso, a
síntese da autoridade e da centralização, a espada de Dâmocles que,
pendida sobre a cabeça de cada cidadão, foi paulatinamente
conquistando o poder político, econômico e social: o Estado.
Todos o fulminam com invectivas e adjetivos.
Consideram-no seu inimigo12.
Certamente, Skinner não só não teria dificuldades em concordar com
essa descrição, como também a estenderia, provavelmente, às outras
agências de controle, uma generalização que encontraria ressonância na
filosofia do anarquismo, de ontem e de hoje, que combate não só o
Estado, mas também o capitalismo e a religião (COSTA, 2011; UNIÃO
REGIONAL RHÔNE-ALPES DA FEDERAÇÃO ANARQUISTA
FRANCÓFONA, 2005).
No entanto, fazendo referência à opinião pública sobre o anarquista, a
de que se trata de um homem com uma bomba, vale-se dessa imagem
para dizer que a filosofia anarquista falhou nos meios para alcançar seus
objetivos. Referindo-se ao controle face a face, Skinner (1978, p. 9-10)
escreve que:
Alguma coisa desse tipo tem sido proposta ocasionalmente – por
exemplo, na filosofia política do anarquismo – mas nada poderia
ilustrar melhor a falha para encontrar os meios
apropriados do que o estereótipo público do anarquista como um
homem com uma bomba.
Cabe ressaltar, porém, que essa imagem do anarquista não faz jus nem
à tese central do anarquismo nem à sua história. Com efeito, o
anarquismo é uma filosofia política que defende apaixonadamente o
indivíduo e a sociedade contra o Estado, o governo e a autoridade, e que
viu surgir no curso de sua história uma notável diversidade de
movimentos libertários, tais como, o mutualismo de Proudhon, o
coletivismo de Bakunin, o anarco- comunismo de Kropotkin, o
anarco-sindicalismo13 que surgiu na França e que se propagou pela
Europa e América, o anarquismo individualista de Stirner, e o
anarquismo cristão de Tolstoi. O anarquismo pode assumir formas
violentas, como no anarquismo individualista de Stirner, que defende o
interesse egoísta do indivíduo (a raiz nuclear da violência). Mas nem por
isso pode-se reduzir o anarquista à imagem de um homem com uma
bomba, pois, como observa Woodcock (1983, p. 62), embora Stirner seja
um filósofo libertário, não é possível incluí-lo no rol dos filósofos
anarquistas. Por outro lado, pode-se, ao contrário, pensar em reduzir o
anarquista à imagem de um homem com uma Bíblia. Pois, é o que diz
Costa, o anarquismo cristão de Tolstoi “[...] influenciou também os
anarquistas pacifistas holandeses, ingleses e norte-americanos. Seu maior
discípulo foi Mahatma Ghandi”.
Contudo, como observa Woodcock, embora Tolstoi, como Stirner,
seja um filósofo libertário, também não é possível incluí-lo no rol dos
filósofos anarquistas. É o que Woodcock (1983, p. 51) escreve, ao
referir-se a outro filósofo libertário:
Tal como Tolstoi e Stirner, Wiliam Godwin é um dos grandes
filósofos libertários que permaneceram fora do movimento
anarquista histórico do século XIX e que, entretanto, pelo seu
próprio isolamento, demonstram até que ponto esse movimento
teve origem no espírito da época.
Costa (2011) comenta, ainda, que Tolstoi definia-se apenas como um
cristão e que são os estudiosos que o classificam como anarquista cristão.
Entre essas ‘duas radicalizações’, violência, de
um lado, pacifismo, de outro, encontram-se as outras versões de
anarquismo que não podem ser reduzidas à imagem de um homem com
uma bomba; Proudhon e o anarco-sindicalismo, por exemplo,
defenderam a transformação da sociedade por meio, respectivamente, de
organizações cooperativas e de uma confederação geral de sindicatos.
O controle face a face é uma forma pacífica de anarquismo e é
análogo à ação direta defendida pelos anarquistas, que, nas palavras de
Costa (2011, p. 20-21),
quer dizer simplesmente aceitar a responsabilidade com todas as
consequências, sem delegá-la a um terceiro [...] é um conceito de
maturidade frente a um conceito de infantilismo, pelo qual o
homem desiste de suas responsabilidades e as delega a outros, a seus
representantes, abstendo-se de fazer e pensar por sua conta e
risco14.
E o controle face a face é feito, nas palavras de Skinner (1978, p. 10),
por professores que descobrem meios melhores para trabalhar com
os estudantes na sala de aula [...] por psicoterapeutas na consulta
face a face com aqueles que necessitam ajuda, por parentes que
descobrem como tornar a família uma instituição mais calorosa e
salutar.
A democracia como cultura no sentido antigo assemelha-se à
democracia anarquista, ao controle face a face; e a democracia como
cultura no sentido moderno assemelha-se à democracia não anarquista,
ao controle exercido pelas agências de controle. A noção de democracia
anarquista é, na verdade, paradoxal, porque a democracia, como
Aristóteles disse, é uma forma de governo, e o anarquismo não é,
evidentemente, uma forma de governo, é ódio ao Estado, é ódio ao
governo. Há, então, um paradoxo, uma tensão no conceito de
democracia anarquista, pois governo é poder, autoridade, tudo, enfim,
que o anarquismo rejeita. É possível mitigar essa tensão se aceitarmos
que no controle face a face e na ação
direta vigoram relações de poder sobre as quais temos mais controle do
que sobre as relações de poder que vigoram nas agências de controle,
uma diferença que, naturalmente, não deveria obscurecer o fato de que
se trata de relações de poder em ambos os casos. É possível, ainda,
mitigar essa tensão se observarmos que a democracia é uma forma de
governo que, se quiser preservar sua legitimidade, não pode ignorar a
sociedade, os movimentos sociais, a voz das ruas; não pode, por
exemplo, ignorar os movimentos Occupy (HARVEY; SADER; TELLES,
2012) ou os recentes movimentos sociais no Brasil; não pode ignorar os
notáveis sinais anarquistas desses movimentos; não pode, enfim,
alimentar sua cumplicidade com as oligarquias econômicas e políticas15.
No campo da ficção, em Walden two, por exemplo, o anarquismo
mistura-se com a aristocracia tecnocientífica. Realmente, há elementos
anárquicos em Walden two, uma vez que se trata de uma pequena
comunidade na qual os planejadores, os administradores e os membros
dessa comunidade podem exercer o controle face a face. Realmente, no
Código de Walden two está previsto que qualquer pessoa pode no
controle face a face com os administradores e planejadores apresentar
suas discordâncias em relação às regras do código dessa pequena
comunidade experimental. Até aí temos os elementos anarquistas
presentes nessa comunidade e, por essa razão, poderíamos dizer: Walden
two é anarquista. E convém ressaltar que nem mesmo o fato de que não
haja eleições em Walden two, seria uma objeção ao seu caráter anárquico,
pois, sendo contra o Estado e o governo, o anarquismo é avesso a
eleições. Todavia, seria mais adequado fazer uma observação paradoxal e
dizer que Walden two é e não é anarquista. Com efeito, Walden two não é
anarquista, seja porque é uma aristocracia tecnocientífica, ou por causa
do trecho final deste texto de Skinner (2005, p. 152, grifo nosso):
Com relação a desacordo, qualquer um pode examinar a evidência
sobre a qual uma regra foi introduzida no Código. Ele pode
argumentar contra a inclusão e pode apresentar sua própria
evidência. Se os Administradores recusam alterar a
regra, ele pode apelar aos Planejadores. Mas em nenhum caso ele
deve argumentar acerca do Código com os membros em geral. Há
uma regra contra isso.
Provavelmente nenhum anarquista subscreveria um código que
incluísse uma regra que proibisse as pessoas de argumentarem entre si
quando discordassem de suas regras, especialmente das regras de um
código às quais estariam submetidas.

6. Considerações finais
A democracia pode ser mediada pelas agências de controle e não
mediadas por tais agências. A democracia mediada enraíza-se no
conceito de cultura no sentido moderno e a democracia não mediada
enraíza-se no conceito de cultura no sentido antigo. No contexto do
debate que envolve os conceitos de moderno e pós- moderno, a
democracia mediada é solidária com o conceito de moderno e a
democracia não mediada é solidária com o conceito de pós-moderno.
Dito brevemente: a democracia mediada é moderna e a democracia não
mediada é pós-moderna.
A democracia não mediada é uma volta ‘às coisas elas mesmas’, é uma
volta à experiência singular das pessoas, é uma volta à experiência
compartilhada das pessoas, é uma versão anarquista pacifista, benigna e
inofensiva das relações interpessoais. Trata-se, na verdade, de um
governo, e se optarmos por falar em governo, e não em controle,
diremos que se trata de um governo em que os personagens principais
são o indivíduo e a sociedade, não o Estado.
Sendo um anarquismo, a democracia não mediada pertence à tradição
libertária, sempre irrealizada, sempre uma esperança, sempre uma
decepção, sempre um fascínio. Pois se trata sempre disto: liberdade.

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WOODCOCK, George. Anarquismo: uma história das ideias e
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1983. v. 1.

1Sir Karl Popper fundou, ao lado de Hayek, Friedman e outros, no ano de


1947, na Suíça, a “Sociedade de Mont Pèlerin, uma espécie de franco-
maçonaria neoliberal” (ANDERSON, 1995, p. 9-10).

2 Kury (1997) afirma que se trata da politeia, isto é, constituição ou governo


constitucional.

3 Referindo-se a Aristóteles, Bonavides (1984) diz que a politeia é a democracia,


ou seja, a democracia é o governo constitucional, e que o desvio da
democracia é a demagogia ou oclocracia. Nessa leitura, a democracia
transforma-se em uma forma legítima de governo.

4 No caso de Walden two, uma pequena comunidade experimental.

5 A certa altura de seu debate com Castle, Frazier diz que a “[...] felicidade
é nosso primeiro objetivo” (SKINNER, 2005, p. 194).

6 Elias (1990, p. 252) esclarece essa expressão introduzindo uma nota na qual
se refere a Spengler: “Oswald Spengler, The Decline of the West (LONDRES,
1926), p. 21: A todas as culturas se abrem possibilidades novas de expressão
que surgem, amadurecem, declinam, e nunca mais voltam [...]. Essas culturas,
essências vitais sublimadas, crescem com a mesma soberba falta de propósito
das flores do campo. Pertencem, como as plantas e os animais, à Natureza
viva de Goethe, e não à Natureza morta de Newton”.

7 Santos (2012, p. 28) diz que a palavra ‘cultura’ é de origem latina e que vem
do verbo colere, que significa cultivar e que está ligada originalmente a
atividades agrícolas, e que “pensadores romanos antigos ampliaram esse
significado para se referir ao refinamento pessoal, e isso está presente na
expressão cultura da alma. Como sinônimo de refinamento, sofisticação
pessoal, educação elaborada de uma pessoa, cultura foi usada desde então e é
até hoje”.
8O pluralismo não deve ser confundido com o relativismo. Como escreve
Berlin (1991, p. 60), referindo-se a Vico, não se trata de defender “[...] que os
homens vivam enclausurados em sua própria época ou cultura, isolados em
uma câmara sem janelas e,
consequentemente, incapazes de compreender outras sociedades e
períodos cujos valores podem ser muito diferentes dos seus, e que eles
podem considerar estranhos ou repugnantes”.

9 É como se diante da crise atual das utopias disséssemos sem perceber que
reacionários são os nossos pais; e que revolucionários são os nossos avôs; e
que nós mesmos só vislumbramos distopias. Talvez, então, seja interessante
perguntar aos nossos avôs como é que eles imaginavam o futuro, e já que não
somos capazes de imaginar um futuro do presente, talvez possamos aprender
com o futuro do passado.

10 Para Vico (1979), o tempo é cíclico e as três idades da história, a idade dos
deuses, dos heróis (ou dos bárbaros) e a idade humana, vão e vêm, são
cíclicas. Assim, uma idade que na sequência vem antes, na retomada, vem
depois, é ‘pós’, mas é ‘pós’ na retomada, e não na sequência. Burke (1997, p.
68) diz que depois do declínio do Império Romano, a idade heróica ou
bárbara retornou à Europa, mas que “Vico não diz se a idade dos deuses
alguma vez retornou”. Além disso, de acordo com Burke, a recepção tardia da
Ciência nova começou 40 anos após a morte de Vico, quando floresceu um
culto ao filósofo, em Nápoles, e quando a Ciência nova foi traduzida para o
francês e o alemão. Portanto, se houve ‘desaparecimento’ da Ciência nova, ele
durou 40 anos: foi somente um cochilo.

11 Evidentemente, os criadores dos sistemas de regras das agências de controle


são as pessoas e, sendo assim, a autoria é, em última análise, das pessoas. No
entanto, elaborados e instituídos, são esses sistemas que assumem o controle
do comportamento humano.

12 A crítica dos anarquistas ao Estado não deve ser confundida com a crítica
ao Estado liberal: o Estado mínimo (mínimo com respeito à
realização do bem para toda a comunidade e máximo com respeito à
realização dos interesses próprios das oligarquias e corporações). O que
os anarquistas querem é uma sociedade sem Estado, e não uma
sociedade com um Estado mínimo. O ataque dos anarquistas ao Estado
foi tão virulento no século XIX, que, segundo Costa (2011, p. 30), “[...]
sem os anarquistas singelos e aventureiros Marx não teria preconizado o
fim do Estado depois da ditadura do proletariado”. Cabe observar,
todavia, que, de acordo com Bravo (1986), é necessário distinguir o
antigo anarquismo, que vigorou no final do século XIX, início do século
XX, e no período da Guerra Civil Espanhola, do novo anarquismo, que,
nos anos sessenta, assumiu um tom mais moderado em relação a
entidades hierárquicas organizadas: o Estado, o governo, a lei.

13 Segundo Costa (2011, p. 27), o anarco-sindicalismo é “[...] a expressão mais


forte e massiva que encontrou o anarquismo em geral”. O anarco-sindicalismo
criou na Espanha a maior organização anarquista do mundo, a CNT, e com os
imigrantes chegou, no começo do século XX, no México, na Argentina, nos
Estados Unidos e no Brasil. Costa (2011, p. 28) escreve que no “Brasil é
famosa, sobretudo a greve geral de 1917, organizada e comandada pelos
militantes anárquicos aqui radicados, muitos dos quais depois perseguidos pela
repressão do Estado e pelo stalinismo, que literalmente tentou arrasar com o
anarquismo em todo o planeta – tendo-o logrado completamente na URSS”.
Para outras experiências anarquistas no Brasil, ver Libertários no Brasil: memória,
lutas, cultura (PRADO, 1986), ver também Mello Neto (1998) sobre a Colônia
Cecília no Paraná.

14O conceito de ação direta reafirma o ódio dos anarquistas ao poder:


“Abaixo o Estado, os deputados, os prefeitos, o partido, a autoridade.
Ação em casa, na fábrica, no escritório, na terra, no amor, na vida”
(COSTA, 2011, p. 21).

15A cumplicidade da democracia com as oligarquias transforma o governo


do povo pelo povo para o povo em governo do povo pelos representantes
do povo para atender os interesses das
oligarquias e aos seus próprios interesses de ascensão social, em
detrimento da realização do bem para toda a comunidade. Se, do ponto
de vista de Aristóteles (1997), a democracia é uma forma incorreta de
governo por contemplar o interesse próprio da maioria; cúmplice das
oligarquias, ela se transforma em uma forma muito pior de governo, por
contemplar, agora, o interesse próprio das minorias; talvez seja até
mesmo pior do que a tirania, pois o tirano é visível, sabemos quem ele é,
onde ele age, tortura e mata, sabemos quem podemos combater, ao
passo que as oligarquias são difusas, dissimuladas, ideológicas, não
sabemos exatamente onde se escondem, não sabemos quem
efetivamente devemos combater.
Dante Alighieri (1979) destinaria tais representantes do povo ao nono
círculo do inferno, o círculo mais infernal do inferno, no centro da
Terra, cuja temperatura atualizada recentemente é de 6.000 graus Celsius,
habitado por Lúcifer, por terem cometido o pior pecado: o da traição; no
caso, a traição da pátria.
Capítulo 4 - Seleção pelas consequências
como norte funcional para políticas
públicas

Kester Carrara

Considerações iniciais
A leitura dos textos skinnerianos sugere que o autor, na qualidade de
criador do comportamentalismo radical e da análise experimental do
comportamento – e provavelmente respondendo a panoramas sociais de
diferentes momentos históricos pelos quais passou – ora revela um
otimismo precoce, ora um pessimismo contido, ora um parcimonioso
realismo quanto às chances de que os avanços tecnológicos de sua
ciência pudessem contribuir para um mundo melhor.
Já em Walden two, obra de ficção assinada por Skinner (1978b), o autor
retrata uma comunidade concebida sob a lógica da programação de
contingências. No prefácio para a edição de 1969, observemos excertos
da avaliação que realiza:
[...] o crescimento de uma tecnologia do comportamento pode
ajudar o interesse renovado em Walden II. Na época em que escrevi
o livro, alguns avanços dramáticos no método experimental
possibilitavam predizer e controlar comportamentos bastante
complexos com uma precisão considerável. Mas tratava-se apenas
de comportamentos de ratos e pombos. Embora suspeitasse que os
mesmos métodos fossem aplicáveis aos homens, não estava certo
disso [...]. A “engenharia comportamental” de Walden II era ainda
um sonho. Mas o sonho deveria realizar-se [...].
Naturalmente, o livro seria
diferente se eu o escrevesse hoje. As práticas educacionais seriam
muito alteradas, os materiais de instrução programada estariam
disponíveis e contingências de reforço bem planejadas forneceriam
aos estudantes bons motivos para estudar [...]. Eu aceitaria sem
crítica o princípio marxista de que o cidadão trabalhará
naturalmente para o bem comum; são, porém, necessárias
contingências mais explícitas de reforço para se conseguir “de cada
um segundo suas capacidades [...]” (SKINNER, 1978b, p. 2).
Nesse prefácio, Skinner também revela que, ao terminar o livro, estava
seguro da exequibilidade de uma comunidade como Walden II, o que
considerava exigir uma vigorosa rejeição aos padrões culturais então
vigentes, requisito para ele claramente satisfeito. No entanto, assinalava:
“Mas o otimismo deve sobreviver à rejeição e necessita de confiança em
certas capacidades técnicas que não estão ainda amplamente divulgadas”
(SKINNER, 1978b, p. 3, grifo nosso).
Seja em Ciência e comportamento humano (1967, Seção IV), seja em The
design of cultures (1961), Skinner deixa clara a convicção de que um
planejamento cultural é preferível a uma sociedade baseada no acaso, do
mesmo modo que assegura a consolidação gradativa, mas rápida, dos
princípios de uma análise comportamental. Os sinais de sua confiança
estão presentes em discussões propositivas acerca das questões do
controle e contracontrole em sociedades planejadas, da defesa da
diversificação do controle como forma de prevenção ao despotismo, da
proposta do (polêmico) critério de sobrevivência da cultura, da análise
contundente sobre as várias dimensões ético-morais inerentes à
proposição de objetivos nas intervenções culturais, além, naturalmente,
da exposição dos avanços tecnológicos de sua ciência comportamental.
Skinner (1967, p. 12-13) escreve: “[...] os métodos da ciência têm tido um
enorme sucesso onde quer que tenham sido experimentados.
Apliquemo-los, então, aos assuntos humanos. [...] Na verdade, esta é a
nossa única esperança”.
O otimismo do autor se confirma em O mito da liberdade (1983, p. 160):
“[...] uma visão científica do homem oferece possibilidades estimulantes.
Ainda não vimos o que o homem pode fazer do homem”. Mais adiante,
por ocasião de uma conferência proferida em 10 de maio de 1968, cujo
conteúdo se converteu em publicação apenas em 2004 (em
comemoração ao centenário de Skinner), o otimismo do autor é visível.
Quando está analisando os problemas sociais de então, comparando sua
análise naquele momento e as perspectivas para o futuro (ano 2000),
esclarece que o delineamento cultural passará das soluções intuitivas para
as soluções baseadas na identificação de relações entre variáveis
independentes e dependentes. Pontua:
[...] Essa forma de ação vai se desenvolver muito rapidamente
durante o último terço do século 20. Até o ano 2000 teremos de
deixar muito menos a solução de nossos problemas à experiência
pessoal e às analogias históricas. Possivelmente, hoje isso é ficção
científica, mas que pode, contudo, tornar-se realidade – a análise
científica do comportamento humano está gerando uma tecnologia
que pode ter consequências extraordinárias (SKINNER, 2004, p.
213).
O período subsequente, principalmente depois dos anos 1980, parece
revelar um Skinner redimensionando as possibilidades de a análise do
comportamento viabilizar soluções para uma nova sociedade com a
celeridade que antes imaginara. Seus textos e comunicações orais,
embora continuem registrando os avanços tecnológicos, passam a um
tom considerado pelos seus comentadores como pessimista (CHANCE,
2007). Esse autor relata que, em entrevista pessoal, Skinner o deixou
atônito com uma revelação:
No final dos anos 80, entretanto, o otimismo de Skinner parecia ter
desaparecido. Eu descobri isso quando falei com ele sobre uma
antologia que estava editando [...] A entrevista dele, de 1967, iria
aparecer nesse livro e eu perguntei a ele se sua visão havia mudado
desde essa época. Isso havia acontecido, ele
contou: “Eu acreditava que a ciência do comportamento poderia
nos mostrar como resolver problemas com os quais nos
confrontamos – como a poluição, superpopulação, pobreza e
ameaça de guerra nuclear. Mas eu sou forçado a concluir que o que
a ciência do comportamento nos mostra é que não podemos
resolver esses problemas” (CHANCE, 2007, p. 154).
Para Chance (2007), a se considerar a aparência pessoal de Skinner
durante a entrevista, não havia razão alguma para supor que seu
pessimismo estivesse vinculado a uma depressão, à idade avançada ou à
leucemia que já o acometia; Skinner se apresentara ‘disposto e
sorridente’, o que teria deixado seu entrevistador ainda mais surpreso e
sem ação. O que se segue, no texto de Chance (2007), é a descrição
rápida de uma série de condições, variáveis ou situações que, no seu
entendimento, provavelmente contribuíram para o suposto pessimismo
de Skinner, que, como vimos, na conferência de 1968 estimara que até o
ano 2000 já se pudesse constatar na prática as contribuições de uma
ciência do comportamento para a construção de uma sociedade justa e
feliz.
Chance (2007, p. 154) considera, ainda, que “[...] infelizmente, é muito
fácil listar a espécie de constatações da ciência comportamental que
podem ter levado Skinner ao pessimismo”. E segue citando as principais
dificuldades, aqui resumidas: (1) consequências imediatas são mais
eficientes que consequências atrasadas; (2) consequências para o
indivíduo podem competir com as consequências para o grupo, o que
dificulta a manutenção de comportamento altruísta; (3) eventos que não
têm relação ‘causal’ com o comportamento (adventícios) podem manter
comportamentos de funcionalidade equivocada (por exemplo, uso de
preparados populares versus medicamentos resultantes de pesquisa
controlada); (4) alguns compostos químicos (sal ou açúcar, por exemplo)
induzem a consequências imediatas prejudiciais à saúde, em detrimento
do consumo de alimentos saudáveis; (5) embora a maior parte do
comportamento possa ser explicada em termos de biologia, história de
aprendizagem e contexto corrente, não apenas leigos, mas muitos
psicólogos preferem explicações baseadas em
uma mente misteriosa e teleológica; (6) a suscetibilidade a reforçadores
sociais, levada ao extremo, pode desencadear comportamentos
incompatíveis com as situações pacíficas (11 de setembro, por exemplo);
(7) na ausência de contracontrole o uso de estratégias aversivas tende a
se tornar reforçador para quem usa punição (regimes autoritários e várias
agências de controle); (8) crenças persistentes na ‘causalidade’
sobrenatural de muitos eventos induzem a comportamento
supersticioso, por vezes sofisticado, associados a práticas culturais
deletérias ao bem estar social. Chance (2007) referencia sua lista com a
citação de diversas pesquisas consideradas variações sobre os temas
apontados. Ele pondera ainda (CHANCE, 2007) que se fosse o próprio
Skinner a compor esse rol, não resta dúvida de que poderia ser
razoavelmente diferente, mas que a maioria dos itens constituiria desafios
concretos para a resolução dos problemas complexos da sociedade. Com
isso, o autor assegura-se de que Skinner tinha boas razões para estar, na
entrevista, um tanto pessimista sobre o futuro da humanidade.
Chance conclui (2007) que, a um Skinner pessimista, os otimistas
poderiam responder que se não podemos lidar efetivamente com nossos
maiores problemas sociais como desejaríamos, isso acontece por conta
de que é preciso tempo para novas ideias se consolidarem, tais como as
da análise do comportamento (notemos que Skinner esperava, quem
sabe ‘ansiosamente’, que sua conferência otimista sobre o mundo no ano
2000 se concretizasse no tempo previsto). Chance argumenta que, para
manter o otimismo, precisamos ser pacientes, como aconteceu em
relação às ideias de Darwin, que levaram muitas décadas para serem
razoavelmente aceitas. Convoca: “dê-nos tempo, o otimista diz, dê-nos
tempo” (CHANCE, 2007, p. 156, tradução nossa)1. E finaliza:
Entretanto, nas atuais circunstâncias, mesmo os otimistas precisam
admitir que nosso futuro é uma dúvida. Na minha conversa com
Skinner, a única esperança que ele explicita como razoável está em
um número substancial de pessoas influentes – educadores,
escritores, jornalistas, cientistas e
estudantes – que podem pressionar os elaboradores de políticas
públicas para ações efetivas de mudança. O fato de que nós estamos
fazendo pouco para obter sua contribuição talvez justifique a visão
skinneriana. Assim, nosso último desafio é este: provar que a
evolução não nos deu apenas impulsos para minar nossa saúde; para
impelir-nos à violência; para nos transformar em trapaceiros,
mentirosos ou bandidos que ameaçam tornar nosso mundo
inabitável, mas também nos deu a habilidade para superar todas
essas falhas. Ironicamente, o último desafio para a Análise do
Comportamento é provar que B. F. Skinner estava errado [em seu
pessimismo] (CHANCE, 2007, p. 158).
De qualquer modo, ainda restava um ano para o derradeiro
pronunciamento público de B. F. Skinner. Em 10 de agosto de 1990, a
American Psychological Association (APA) resolveu conceder, pela primeira
vez, por ocasião de sua 98ª Convenção Anual, o Award for lifetime
contributions to psychology, maior prêmio da academia americana para
psicólogos. Skinner foi o escolhido. No seu discurso de agradecimento,
embora a leucemia viesse a retirá- lo de cena oito dias depois, falou de
improviso por 15 minutos e foi veemente nas explicações sobre
obstáculos e avanços da análise do comportamento. Considerou
impertinente a lógica explicativa cognitivista para as ações humanas,
incluindo a conhecida afirmação: “Até onde concerne a mim, as ciências
cognitivas são o criacionismo da Psicologia” (B. F. SKINNER..., 1990).
Entretanto, seu vigoroso discurso não parece representativo de qualquer
desânimo ou pessimismo em relação à possibilidade de que uma ciência
do comportamento pudesse contribuir para melhorar a vida humana no
planeta. Skinner revela-se muito realista e relembra sutilmente à sua
audiência a gravidade dos problemas com que a civilização se defronta.
Assim finaliza sua manifestação:
Recordando minha vida – 62 anos como psicólogo –, eu diria que o
que tentei fazer, o que estive fazendo, foi deixar claro este ponto,
mostrar como a seleção pelas consequências no indivíduo pode ser
demonstrada no laboratório, com animais e
com sujeitos humanos e mostrar as implicações disso para o mundo
como um todo, não apenas para a Psicologia profissional, mas
considerando o que vai acontecer ao mundo a menos que algumas
mudanças muito vitais sejam feitas.
Gostaria de ser lembrado por qualquer evidência de ter sido bem
sucedido nisso. Mais uma vez, obrigado por esta homenagem e por
sua atenção (B. F. SKINNER..., 1990).
Não seria a única vez em que Skinner alertava para a necessidade de
planejar consequências capazes de estabelecer e manter ações concretas
para mudanças sociais de amplo alcance. Já o fizera em diversas ocasiões,
destacando o fato de que, consistentemente e por longo período, no
nível filogenético, foram selecionados padrões comportamentais
importantes para a sobrevivência da espécie mediante reforçadores que
seguem imediatamente nossos comportamentos. Isso se exemplifica,
num contexto em que a população era muito menor no planeta, pelo
padrão extrativista adotado, uma vez que havia abundância e, mesmo,
sobra de suprimentos para alimentação de todos. Apenas muito mais
tarde no processo evolutivo, a formação de comunidades, a ampliação da
densidade demográfica e, como consequência, a necessidade de provisão
de mantimentos levou à produção de bens de sobrevivência, como, por
exemplo, aqueles derivados da agricultura. Plantar para o futuro
exemplificava, na agricultura familiar, a forma mais rudimentar e
eficiente de assegurar atendimento seguro às ‘necessidades básicas’.
Desse modo, passaram a ser selecionados (não sem que fosse mantida
maior eficiência dos comportamentos controlados por consequências
imediatas) outros comportamentos, cujas consequências principais
ocorriam em médio prazo2, o que significava, neste caso particular, o
período necessário entre plantio e colheita.
Na história da humanidade – a considerar os inúmeros exemplos
apontados pela antropologia, pela sociologia, pela biologia evolutiva
– podem ser encontradas ‘marcas’ culturais que revelam claramente, quanto
mais remotas as épocas às quais retrocedemos, em que medida a espécie
humana teve sua sensibilidade às
consequências de longo prazo relegadas ao pensamento utópico. O fato
é que, com o desenvolvimento do processo educacional, seja no âmbito
da família ou das instituições, o conhecimento a respeito dos efeitos
deletérios sobre bens de sobrevivência da nossa e de outras espécies
avançou significativamente. Somos, hoje, capazes de projetar com
razoável precisão os futuros efeitos devastadores da poluição, do uso
não sustentável de recursos naturais (água, petróleo, energia elétrica e
assim por diante), da ampliação descontrolada do número de veículos
automotores, dos conflitos armados, do desmatamento e da
monocultura, para exemplificar.
Há, em todas essas áreas, informação bem estabelecida sobre a
dimensão dos prejuízos que causamos e causaremos aos nossos pares
atuais, assim como aos nossos descendentes, se o prosseguimento dos
padrões comportamentais mobilizados (apenas) por consequências de
curto prazo para as nossas particulares demandas continuar ocorrendo
sem qualquer preocupação com o planejamento cultural.
Desafortunadamente, embora esse conhecimento dos efeitos futuros
de atuais práticas não sustentáveis se tenha desenvolvido e seja hoje
compartilhado por grande parte da população mundial, o fato é que as
pesquisas já mostraram que ‘saber que’ não implica ‘agir’ coerentemente
com a espécie de conhecimento que temos a respeito desses efeitos
sobre o comportamento das pessoas.
Embora nem sempre, ‘dizer’ e ‘fazer’ guardam entre si incoerências
visíveis quando se trata, especialmente, da emissão de comportamentos
operantes, particularmente no contexto de práticas culturais, onde é
marcante a predominância da nossa sensibilidade às consequências
imediatas. Ou seja, se não somos (ou se somos apenas limitadamente)
controlados por consequências de futuros distantes (30, 50, 100 anos),
temos à frente um grande problema e um grande enigma para resolver.
A solução implica, necessariamente, a proposição de consequências que
efetivamente controlem nosso comportamento atual, reduzindo quanto
possível e cabível o controle por consequências imediatas e ampliando o
repertório de padrões altruístas de comportamento. Mas, ainda: como
instalar comportamentos individuais altruístas e,
especialmente, práticas comportamentais altruístas se a finalidade
(original) delas está no futuro e se, quanto mais distantes da ocorrência
de tais práticas estão as consequências, menos provável é que elas
controlem o nosso comportamento corrente? É exatamente à
(persistente) resistência da humanidade em aderir aos padrões
comportamentais altruístas que respondera de maneira relativamente
pessimista B. F. Skinner, embora tivesse ele todas as razões experimentais
e teóricas para continuar, até o fim da vida, acreditando que a seleção
pelas consequências é a lógica do processo evolutivo. Por um lado – na
dimensão filogenética – nossos padrões biofisiológicos garantem
estarmos prontos para o primeiro passo no processo de sobrevivência ao
nos depararmos, já no nascimento, com as exigências ambientais mais
agrestes. Por outro – nas dimensões ontogenética e cultural – ainda
somos incipientes no desenvolvimento de padrões comportamentais que
garantam, respectivamente, as consequências para nosso estilo operante
de responder cotidianamente ao nosso ambiente individual tanto quanto
garantam a transmissão às novas gerações de padrões de práticas
comportamentais sustentáveis.
O desenvolvimento tecnológico não parece causar dúvida a Skinner e
aos demais analistas do comportamento. O problema está em outros
aspectos: por um lado, em como viabilizar a escolha de ‘bons valores
morais’ e, por outro, como garantir, no delineamento, a sustentabilidade,
ou seja, o fato de que as gerações futuras (e, por conseguinte, o ‘mundo’
do futuro) sejam beneficiadas por um bom planejamento cultural?
Parece bastante compreensível, nessa perspectiva, que Skinner não
fosse demovido de seu ‘sonho com um mundo melhor’ por conta de
qualquer desconfiança em relação ao que seus próprios dados, tão
cuidadosamente coletados e analisados, disseram-lhe em todos os seus
mais de 60 anos como psicólogo e muitos como analista do
comportamento. De fato, o que parece incomodar Skinner,
paralelamente à interpretação de seus comentadores como ‘pessimismo’,
parece ser bem mais uma decepção aguda ao se defrontar, no fim dos
anos 1980, com a frustração de não vislumbrar
(como previra para o ano 2000 na conferência proferida em 1968)
praticamente nenhuma mudança positiva no panorama social mais
amplo da humanidade que pudesse ser pelas contribuições diretas da
análise do comportamento. Naquela conferência, Skinner revelara, de
fato, bastante esperança de que até 2000 a ciência do comportamento
pudesse estar presente no planejamento cultural de maneira mais
incisiva, o que não ocorreu de fato até sua morte, em 18 de agosto de
1990, apesar dos grandes avanços tecnológicos alcançados.
Se fizer sentido a análise desenvolvida até aqui – e considerando o fato
de que a Skinner pouco tempo restou para poder interagir com os novos
analistas que, a partir de Glenn (1986), passaram a dar novo impulso às
pesquisas na análise comportamental da cultura (algumas das quais
Skinner talvez considerasse auspiciosas para um projeto mais amplo) – é
de se considerar possível uma resposta positiva ao desafio metafórico
estampado no título e na conclusão do artigo de Chance (2007): The
ultimate challenge: prove B. F. Skinner wrong. Ou seja, se o pessimismo
skinneriano não for considerado uma descrença na possibilidade de a
tecnologia comportamentalista radical haver-se bem com os grandes
problemas da humanidade, mas apenas uma decepção momentânea com
a morosidade ocasionada pela complexidade desse processo, resta ainda
uma real possibilidade de concretização da análise comportamental da
cultura. Nessa perspectiva, sob que condições teóricas e instrumentais
seria possível delinear, na atualidade, um novo cenário para
consubstanciar eventuais contribuições da ciência comportamental para
as mudanças culturais? Alguns conceitos, impasses e obstáculos teórico-
tecnológicos precisam ser analisados.

1. A dimensão comportamental da cultura


Compreender o sentido de ‘cultura’ no âmbito da análise do
comportamento é uma das condições imprescindíveis para se falar em
análise comportamental da cultura. Juntos, o jargão popular e a
literatura acadêmica de diversas disciplinas – especialmente da
antropologia, da filosofia, da psicologia e da sociologia – revelam
acepções que, num certo sentido, se complementam: (1) cultura como
‘conhecimento’, frequentemente associada a estudo, a educação, a
formação acadêmica, a refinamento ou erudição intelectual, a sofisticação
estética – nesse sentido, diz-se que alguém tem cultura ou é culto quando
se constitui, de alguma forma, em uma referência no grupo em termos
da amplitude do seu repertório de habilidades intelectuais; (2) cultura
como ‘manifestação artística’, vinculada às diversas maneiras de
expressão no teatro, no cinema, na música, na escultura e várias outras,
de maneira que o comportamento (como no caso das artes cênicas) ou o
próprio resultado de comportamentos específicos (como nas peças
musicais, filmes, esculturas) constituam ‘produtos’ culturais que
expressam habilidades ou padrões comportamentais identificadores das
características de certos segmentos sociais, não importando que estes
constituam grandes ou pequenos grupos; (3) cultura como ‘ação
midiática’, representada pela atuação e eventos típicos, incluindo toda
sorte de informações, análises e críticas da realidade social vigente,
engendradas, mediadas e divulgadas pelos jornais, rádio, televisão e, em
certo sentido, também pelo cinema e pela Internet (redes sociais, por
exemplo); (4) cultura como ‘eventos cerimoniais’, abrangendo
representação pública, folclórica ou não, das tradições populares, seja
mediante festas, lendas, maneira de se vestir, comidas típicas, idioma e
outros resultados culturais que fazem referência ao cotidiano de grupos
de pessoas, sejam esses confinados territorialmente (cidadãos de um país,
por exemplo) ou, independentemente de um território que delimite
geograficamente sua abrangência (cristãos, por exemplo); (5) cultura
como ‘produtos humanos’ exemplificados pelos perfis regionais das
edificações (que sugerem padrões arquitetônicos, por exemplo), dos
imóveis, dos móveis, dos livros, de utensílios de toda sorte, de roupas, de
armas; (6) cultura ‘como comportamento’, que se refere aos repertórios
comuns (compartilhados, articulados, entrelaçados) de diferentes
grupamentos sociais; a cultura, nessa acepção, implica padrões de
práticas sociais tipificadas por diferentes comunidades a partir de sua
história de interação com o ambiente (físico-químico, biológico,
social) que contextualizou ou contextualiza sua existência. Nesta última
acepção, a referência quanto às situações em que pode ser identificada a
dimensão comportamental da cultura atravessa todas as demais acepções
já mencionadas; é com ênfase nessa acepção que se desenvolve o
trabalho do analista comportamental da cultura.
De modo complementar aos sentidos de cultura mais comumente
encontrados e já (superficialmente) descritos, há uma especificidade no
que respeita à análise comportamental da cultura. Nesta, podem- se
conceber (embora complementares e inseparáveis), dois significados de
cultura: (1) como já mencionamos, ‘na qualidade de práticas culturais’
(implicando comportamentos entrelaçados e interdependentes)
pertencentes ao terceiro nível de variação e seleção (o nível cultural),
práticas estas que, do mesmo modo que os comportamentos individuais
discretos (do nível ontogenético) se desenvolvem com características
peculiares do arranjo típico de contingências que opera por ocasião de
sua instalação e manutenção; (2) ‘como ambiente’, pensado como um
conjunto de condições (contexto) específicas em que se dão essas
práticas; nas palavras de Skinner (1978ª, p. 9), além de comportamento,
cultura também pode ser entendida como “[...] ambiente social
completo, em que algumas contingências são mantidas por indivíduos e
outras por instituições”. No entanto, Skinner, aqui, pondera:
Já constituiu uma prática dividir o ambiente social em três partes:
(1) a política (governo, no sentido estrito, especializado em controle
aversivo), (2) a economia (especializada na produção e troca de
reforçadores) e (3) a cultura, ou todas as outras contingências de
reforçamento mantidas pelo grupo – nas práticas familiares, ritos
religiosos, artes, artesanato e assim por diante. Mas é provavelmente
impossível tomar esses campos separadamente e, modernamente, o
termo cultura cobre todos eles. A cultura é um ambiente social
completo [...] (1978ª, p. 8-9).
A ideia de cultura é, então, necessariamente ampla e abrangente. Às
vezes é confusa, justamente por conta da generalidade de sua aplicação e
das diferentes disciplinas em que tem centralidade indiscutível. O
conceito mais popular é aquele em que cultura é ‘tudo aquilo que
caracteriza a existência de um povo ou nação’.
Embora essa generalização, por um lado, torne difícil o trabalho
científico-acadêmico que busca mostrar com clareza as variáveis que
determinam os processos aí subjacentes, por outro inspira o interesse
intelectual (que vai além da ciência empírica) pelo tema. Evidentemente,
o interesse numa análise comportamental da cultura parece nos levar
exatamente ao centro desse caminho inóspito que delimita o trânsito
entre a pesquisa empírica a respeito da dimensão comportamental das
práticas culturais e as demandas ético-morais que completam os limites
de sua abrangência.
Qualquer que seja o ponto de partida de uma análise comportamental
da cultura, portanto, em algum momento inevitavelmente ela esbarrará
nos empecilhos ético-morais da definição de objetivos de intervenção, de
avaliação do que seja um bom entendimento de sobrevivência da cultura,
de confrontar-se com o que sejam os custos sociais da sobrevivência da
espécie, das diferenças entre o que é ‘bom’ para o indivíduo sem mesmo
constituir-se num ‘bem’ indiscutível para o grupo. Trata-se da escolha de
um ponto arbitrário de partida para qualquer mudança nas práticas
culturais. Estejamos cientes de que, ainda que comecemos pela análise
(propriamente) comportamental da cultura (no sentido já exposto)
iremos necessariamente ter que nos haver com muitas outras questões
para além do domínio da tecnologia se pretendemos, por qualquer
milímetro que seja, caminhar em direção à discordância de Chance
(2007) em relação ao ‘pessimismo’ (real ou metafórico) atribuído a B. F.
Skinner.
Ressalvados, portanto, os limites possíveis de uma ciência
comportamental da cultura, algumas outras condições conceituais
precisam ser atendidas. A primeira delas implica certo cotejamento entre
herança genética e herança cultural. O que parece óbvio, nesse campo,
pode por vezes gerar enormes equívocos. Se se
concebe, por exemplo, o caráter ‘social’ do comportamento como
inerente, imanente ou natural da espécie (o que as pesquisas já
demonstraram falso), os desdobramentos de interpretação e eventuais
intervenções terão como característica derivada desse pressuposto o fato
de que há ações possíveis em decorrência dessa condição. Nesse sentido,
a ‘sociabilidade’ seria biologicamente originada e preexistente às
interações com o ambiente e, desse modo, a tarefa do planejador
implicaria desvelar essa condição e dar-lhe vazão no âmbito da educação
para a vida ética. Para além desse aspecto, essa natureza social seria
transmitida geneticamente e, com isso, alguns adjetivos funcionais
acabam por fazer parte da caracterização idiossincrática dos indivíduos:
otimismo, pessimismo, bom ou mau humor, dons artísticos, virtudes e
deficiências morais. Nessa perspectiva da sociabilidade, a análise do
comportamento não ‘faz’ uma psicologia social.
Outra forma de pensar a questão da sociabilidade entre seres humanos
parte da premissa segundo a qual, em função do temporalmente lento e
extenso processo de evolução das espécies, mutações bem-sucedidas são
selecionadas e a ‘configuração’ de seus corpos biológicos (não apenas
anatomicamente, mas funcionalmente) é transmitida aos descendentes.
Não há transmissão biológica da sociabilidade em si mesma, no sentido
de que possa estar nos genes um conjunto de características prontas de
padrões de interação social. Ao inverso, as condições corporais
asseguram a possibilidade física da instalação de certos repertórios que
funcionam como pré-requisitos para as interações sociais: o
comportamento verbal, por exemplo, parece (a contar pela história das
civilizações narrada com base nos achados da antropologia física, da
biologia ou da historiografia) ter se desenvolvido, na espécie humana, a
partir de mudanças bem-sucedidas, mediante a emissão de sons vocais,
para obtenção de suprimento às necessidades básicas (incluindo controle
de temperatura do corpo, alimentação e atividade sexual).
Evidentemente, o comportamento verbal se revelou, gradativamente,
como recurso complexo que cada vez mais instrumentaliza o acesso
humano às consequências que dependem da mediação de
outras pessoas para sua
consecução. Ao menos metaforicamente, talvez essa possibilidade
remonte aos efeitos (numa interpretação ficcionista, quem sabe) dos
primeiros gritos humanos diante da ameaça representada pela postura de
suposto ataque por outros seres vivos e transcorra até, no outro
extremo, o comportamento verbal escrito viabilizado pela escolha das
opções ‘curtir’, ‘compartilhar’ ou ‘comentar’ da rede social facebook.
Esse é o contexto em que adquire sentido uma conceituação
comportamentalista radical de comportamento social. Dando voz a
Skinner: “o comportamento social pode ser definido como o
comportamento de duas ou mais pessoas uma em relação à outra
ou, em conjunto, em relação a um ambiente comum”3 (1967,
p. 171, grifo nosso). Nessa asserção, fica clara a proposta skinneriana
de conceituação de comportamento social em função da mediação
necessária entre pessoas, seja diretamente entre si (como num diálogo),
seja de ambas em relação ao ambiente comum (no exemplo dos mais
rudimentares, a cooperação de duas pessoas para, inevitavelmente juntas,
retirarem uma pesada pedra do caminho por onde passarão; ou, pouco
mais complexo, mas na mesma linha, puxarem juntas uma rede de pesca,
o que provavelmente gera consequências (na forma de venda dos peixes,
por exemplo) para essa ação compartilhada; ou, ainda mais complexo,
num debate entre dois cientistas que apresentam soluções distintas para
equacionar a explicação de um fenômeno da natureza). Embora a
potencialidade biológica indispensável para o comportamento social, são
as contingências (planejadas ou casuais) que controlam (no sentido
básico de exercer influência sobre) o episódio sociointerativo. Não
parece ocorrer de maneira diferente no contexto das práticas culturais
(diversas pessoas, cooperativamente, se envolvendo em práticas
ambientais sustentáveis, por exemplo) ou nas interações individuais com
o ambiente físico (alguém colocando a chave na fechadura da porta de
seu escritório, para exemplificar).
Voltando à dimensão comportamental da cultura, na qual os analistas
estão interessados, convém observar que, se, por um lado,
as mudanças resultantes de um planejamento e intervenção cultural
incidem diretamente sobre comportamentos, por outro, uma boa
interpretação indireta dos resultados ou produtos do comportamento
constitui instrumento bastante útil para subsidiar essas intervenções.
Senão, vejamos: é evidente que a dimensão comportamental não está nos
objetos produzidos por determinada cultura, por determinada sociedade,
mas o comportamento e seu entorno (contexto precedente e
consequências) podem ser indiretamente ‘lidos’ nos objetos, podem ser
identificados neles. Ocorre que tais objetos resultam de
comportamentos, são produzidos mediante comportamentos (embora
um móvel de estilo colonial, na qualidade de objeto físico – a própria
madeira – não seja a própria cultura ou um ‘objeto cultural’) e o padrão
de práticas culturo-comportamentais que esteve provavelmente
associado à sua confecção pode ser ‘vista’ mediante observação do
material empregado, das suas linhas arquitetônicas, da textura, das cores
e da sua funcionalidade. Nesse particular, os relatos descritivos dos
antropólogos muito contribuíram para que, por meio do exame de
objetos de diferentes comunidades, a ciência pudesse tomar
conhecimento, com razoável precisão, sobre o tipo de história cultural (e
comportamental, naturalmente) que provavelmente acompanhou esse
legado.
Do mesmo modo, a cultura (como ambiente e como práticas culturais
características) não está propriamente na simbologia das cerimônias, mas
delas deriva enquanto reveladora de rotinas comportamentais. Apenas
com Malinowski, a antropologia passou a ter uma visão econômica do
uso de colares e adereços de conchas e contas pelos ilhéus participantes
do Círculo de Kula. Há, pois, um avanço importante na compreensão de
que cerimônias aparentemente estranhas, curiosas, idiossincráticas,
exóticas, primitivamente reveladoras de uma ‘natureza’ diferente daquela
reconhecida tipicamente nas grandes civilizações (como a europeia, à
época de Malinowski), não passam de práticas culturais de comunidades
com histórias sociais diferentes da história dessas civilizações. Ou seja, a
diferença está nas contingências distintas que, historicamente,
controlaram o desenvolvimento de repertórios comportamentais
individuais e, mais, de práticas culturais das
diversas comunidades. Do mesmo modo que as cerimônias, os rituais, as
crenças e todas as demais manifestações culturais resultam da forma
como são entrelaçadas as contingências e os comportamentos implicados
nas práticas coletivas.
Quando se retomam as diferentes acepções de ‘cultura’, esse conceito
evidentemente emerge com uma vinculação a marcas, referências,
características. Assim, se fazemos referência a uma ‘cultura brasileira’,
estamos, a um só tempo, explicitando características que estão presentes
na literatura, no folclore, no conhecimento filosófico, científico e
artístico, nos usos e costumes manifestados pelos cidadãos brasileiros.
No entanto, embora se possa fazer uma referência geral à cultura ou uma
referência particular a cada qual de seus componentes, sempre podemos
deles extrair dimensões comportamentais. É nas possíveis contribuições
que a análise do comportamento possa oferecer à economia, à segurança,
à saúde, às relações exteriores, à educação e tantas outras áreas ou
atividades, que se vislumbra a necessidade de aprofundar o exame
científico das variáveis que determinam, funcionalmente, a ocorrência
dos fatos comportamentais que embasam a trama social.
Outro aspecto importante a considerar, que por vezes intriga leigos e
cientistas, passa pela consideração de que só se poderia considerar
cultura entre grupos de humanos, seja, especialmente, pela grande
importância do processo de mediação, seja pelo valor vital do
comportamento verbal, só possível em tal complexidade entre humanos
(embora seja possível se falar, num sentido mais estrito, por exemplo, em
comportamento social de abelhas, de formigas e de outras espécies).
Nesse cenário, parece bastante evidente o papel crucial do
comportamento verbal como mediador de mudanças nas práticas
culturais, como recurso descritor sobremaneira econômico das regras
comportamentais, como instrumento modelador de repertórios e como
instrumento auxiliar da transmissão de práticas culturais aos nossos
descendentes (para exemplo, tosco quanto claro, compare-se a
viabilidade da mediação feita pelo comportamento verbal
para repassar aos nossos
descendentes os padrões técnicos apropriados para edificações, em
comparação com a (in)viabilidade da retransmissão de padrões
arquitetônicos ‘novos’ por uma ave comum, o pássaro joão-de-barro, à
sua prole). Por essas razões, será, mais adiante, renovada a ênfase no
papel do comportamento verbal no uso de regras para a descrição de
relações entre comportamentos (no caso dos delineamentos, entre
práticas culturais) e suas consequências, dado um contexto específico. A
mediação verbal, via regras comportamentais, auxilia não apenas como
maneira econômica de se repassar informações na forma de instruções
(em que aquilo que se economiza, de fato, está relacionado com o tempo
e possíveis consequências adversas de que todos necessitem passar por
contingências, inclusive aversivas, para aprender; em alguns casos, isso
seria absolutamente desastroso, como quando precisamos aprender os
sinais de trânsito), mas auxilia também na ajuda ao discernimento de que
os mesmos elementos físico-químicos recebem outras denominações e
precisam ser discriminados não em função dessa sua composição
substantiva, mas do contexto antecedente ao qual os comportamentos
em questão precisam ser relacionados (por exemplo, o composto H2O é
sempre, como substância, água; no entanto, água destilada e água benta
certamente servem a funções distintas e exigem comportamentos
diferentes).
Pensadas numa dimensão comportamental, portanto, desaparecem
certas práticas culturais, pela sua insuficiência ou impropriedade
funcional, enquanto aparecem outras, de maneira natural ou planejada.
Por vezes, esperar pelas mudanças naturais pode levar muitas gerações à
destruição do ambiente e à insustentabilidade (exemplifique-se pela
dilapidação do entorno marítimo e da vegetação, que levaram à exaustão
de recursos naturais na ilha de Páscoa). Nesses casos, temos percebido –
infelizmente muito tempo depois dos efeitos nocivos terem se
acumulado – quanto teria sido possível e vantajoso evitar as mazelas de
práticas culturais destrutivas (mas, como qualquer outra, mantidas por
consequências), substituindo-as por um contexto onde consequências
positivas selecionassem repertórios mais
compatíveis com valores bastante aceitos, como os de preservação e
conservação de recursos naturais.
Optar pelo planejamento parece cada vez mais ‘logicamente correto’,
simbolicamente em paralelo com o abandono da interpretação
antropológica clássica para o ‘sentido mágico’ e idiossincrático antes
atribuído a certos usos e costumes ‘estranhos’. A magia que iludia – à
distância da realidade – o imaginário dos primeiros antropólogos nos
gabinetes de trabalho europeus deu lugar a uma análise dos eventos que
antecedem e seguem o comportamento de seres humanos, vivam seus
exemplares nos apartamentos dos grandes centros, vivam eles nos
recônditos gelados de vilas nas mais altas montanhas do planeta. Não há
magia. Há contingências operando.
Na antropologia funcional de B. K. Malinowski (1970, cf. capítulos 9 a
11), o que o autor denominava de necessidades básicas constituía o
elemento motivador das ações humanas. Com a palavra o autor:
A função sempre significa, por conseguinte, a satisfação de uma
necessidade, do mais simples ato de comer à ação sacramental na
qual o ato de comungar está relacionado a todo um sistema de
crenças determinado por uma necessidade cultural de unificação
com o Deus vivo (MALINOWSKI, 1970, p. 148).
Mais tarde, o materialismo cultural de Marvin Harris (KANGAS,
2007) definiu de modo compatível com a análise do comportamento (via
seleção pelas consequências) esses elementos motivadores, concordando
com a importância da explicitação das variáveis componentes das
situações e condições em que ocorriam as práticas e os efeitos
selecionadores das consequências ambientais.

2. Delineamentos culturais: obstáculos e estratégias de


superação
Conceito bem estabelecido nas pesquisas empíricas, revela-se
paradigmática na análise do comportamento a noção de que o efeito das
consequências está correlacionado positivamente com a proximidade
temporal que mantém com as respostas emitidas. Ou seja, quanto mais
(temporalmente) próximo da resposta estiver a consequência, tanto mais
eficientemente ela controla a probabilidade de ocorrência (obviamente,
futura e diante de contexto similar) de outra resposta pertencente à
mesma classe do operante a que pertencia a resposta original.
Dada essa condição, se considerarmos que planejamento cultural
implica projetar para algum momento futuro as condições (leia-se: as
contingências) para ocorrência de determinadas práticas culturais,
seguramente precisaremos de consequências imediatas que controlem as
práticas esperadas. Por si, tais práticas não se estabeleceriam
consistentemente apenas sob a (remota) possibilidade de que sejam
consequenciadas positivamente num futuro distante. Podemos nos valer
de um exemplo muito simples, mas emblemático sobre a dificuldade de
estabelecer consequências que se concretizarão apenas em um futuro
distante: a poluição. Há forte consenso, seja entre cientistas que estudam
o assunto, seja entre os cidadãos de todo o planeta, a respeito de que a
poluição redunda em prejuízos para a saúde. Para se usar uma expressão
popular, mais do que um simples consenso, grande parte dessa
população tem ‘consciência’ (no sentido de ‘saber que’) das
consequências deletérias para nós e nossos descendentes. Se
perguntados, talvez um bom número entre nós responda que ‘tem a
intenção’, ‘acha correto’ colaborar para a redução da poluição. No
entanto, se – além de arguidos – formos observados nas nossas ações
diárias em relação ao ambiente, o resultado pode ser outro, incoerente
com nosso ‘saber que’: muitos de nós não agimos efetivamente para
redução da poluição. Os exemplos cotidianos estão no cada vez maior
contingente de veículos particulares, na falta de equipamentos não
poluentes nas indústrias, na precária seleção, deposição e tratamento do
lixo, na contaminação da água e outros recursos naturais. Nesse sentido,
apenas saber que a vida pode se tornar insustentável em menos
tempo do que supomos não
é consequência que efetivamente afete nossos comportamentos, uma vez
que a insustentabilidade é uma hipótese longínqua e que, numa aparente
contradição lógica, agimos ampliando a poluição pelo fato de que a
maioria dos comportamentos que a produzem é mantida por
consequências imediatas. Muitos outros exemplos da resistência em
‘trabalhar’ em função de consequências remotas, sejam positivas ou
aversivas, estão à nossa volta: consumo de drogas, bebidas alcoólicas,
gorduras e conservantes mostram bem o confronto entre reforçadores
positivos imediatos e reforçadores negativos em longo prazo. Esta é uma
das tarefas a enfrentar: como o analista comportamental da cultura pode
se haver com o planejamento de contingências que levem as pessoas a,
cada vez mais, se comportarem em função de consequências que
assegurarão, no futuro, a sobrevivência de toda a espécie?
Algumas pesquisas revelam resultados que corroboram os problemas
mais comuns no planejamento de contingências para ‘um futuro melhor’:
ali estão descritas dificuldades na utilização de reforçadores imediatos
versus de longo prazo na frequente incoerência entre dizer e fazer e nos
procedimentos de transferência
de controle entre reforçadores arbitrários e naturais4.
Numa investigação (para dissertação de mestrado) bastante
interessante (HORI, 2010), realizada por pesquisadora de outra área de
conhecimento (engenharia da produção), a coleta de dados cobriu dois
aspectos de práticas ambientais sustentáveis: (1) de um lado, uma série
de questões sobre em que medida eram conhecedores da importância
das reservas ambientais (por exemplo, aquíferos) e outros recursos
naturais os alunos de um curso de Engenharia Ambiental de uma
universidade pública paulista; (2) de outro, algumas questões
relacionadas à própria vida particular dos mesmos estudantes, na sua
rotina diária dentro e fora da universidade: qual seu padrão de utilização
de água, luz e recursos similares. Os primeiros dados corroboraram a
expectativa da pesquisadora: revelaram alta competência dos estudantes,
tanto maior quanto mais se aproximavam do final do curso, para
responder corretamente às perguntas técnicas sobre práticas
sustentáveis, fontes de recursos naturais e previsão de consequências
para o futuro caso o atual modo de convivência com o ambiente
permanecesse. O segundo conjunto de dados, sobre os hábitos pessoais
dos participantes, no entanto, apesar de seu alto conhecimento técnico-
tecnológico, foi significativamente discrepante em relação ao primeiro.
Embora tivessem ‘consciência’, no sentido de ‘saber que’ seus
comportamentos eram ambientalmente incorretos, os dados revelaram,
por exemplo, um tempo excessivo de chuveiro ligado durante o banho,
torneira permanecendo ligada durante o barbear ou escovar os dentes
durante todo o tempo. Ou seja, entre saber da necessidade de
conservação e preservação e as práticas culturais cotidianas, fica
transparente o grande poder do reforçamento imediato, ainda que o
indivíduo saiba, se perguntado, se tratarem de comportamentos
inapropriados em relação ao meio ambiente e, portanto, socialmente
reprováveis.
Em outras áreas de interesse também se revela a mesma tendência à
discrepância entre estar informado sobre algo e, efetivamente, agir
conforme a informação. Perossi e Carrara (2012) analisaram seis
campanhas ou programas de conservação de água, desenvolvidas por
órgãos públicos, em relação aos objetivos adotados e às estratégias de
campanha. Observou-se que, de modo geral, os dados indicam a
ausência de consequências contingentes aos comportamentos de
desperdiçar ou economizar água e a presença de práticas mentalistas,
evidenciando uma contraposição aos fundamentos da análise do
comportamento, especialmente no que diz respeito à lógica de seleção
pelas consequências. Cinco das seis campanhas enunciavam, nas suas
propostas, o objetivo de ‘conscientizar’ a população.
Outro estudo (BRUM; CARRARA, 2012) investigou características do
uso de preservativos e possíveis variáveis controladoras desse
comportamento em estudantes com idades entre 13 e 18 anos.
Entre outros aspectos, os resultados identificam bom conhecimento,
pelos participantes, em relação à necessidade do uso de preservativos,
mas o percentual dos que não os utilizam é considerável. Esse estudo,
em parte, como também a literatura em
geral, aponta que, nessa situação, é comum a justificativa da dificuldade
do uso mediante argumentos de que a posposição da relação pode gerar
ansiedade de desempenho. Do mesmo modo, a eventual consequência
em longo prazo, por problemas de saúde ou por conta de gravidez
indesejada, muitas vezes não é considerada, seja por conta da dificuldade
de posposição da relação para depois de colocado o preservativo, seja
porque as consequências aversivas em longo prazo para a saúde
constituiriam ‘apenas’ uma possibilidade e não uma certeza.
Embora o fato de estarmos informados sobre as consequências
prováveis do nosso comportamento (‘saber que’ manter atividade sexual
sem uso de preservativo constitui comportamento de risco para a saúde)
tenha alguma influência sobre como agiremos em função dessa
informação, isso não significa que nos comportaremos necessariamente
de acordo com aquilo que sabemos sobre uma consequência,
especialmente se essa pode acontecer em longo prazo ou, mesmo, não
acontecer (na pesquisa que acabamos de relatar, contrair ou não uma
doença sexualmente transmissível).
Paralelamente, uma solução intermediária para a questão da limitada
eficiência das consequências em longo prazo (por exemplo: se
conservarmos os recursos hídricos será notável como teremos um
ambiente excelente para nossa saúde daqui a, digamos, 30 anos) consiste
na utilização provisória de consequências imediatas e arbitrárias. Essa
possibilidade pode se concretizar mediante o uso de reforçadores
simbólicos (condicionados pelo pareamento com outros reforçadores),
na forma de cartões, fichas ou recursos similares. Um exemplo desse
tipo de procedimento foi utilizado em pesquisa que objetivou a
instalação e consolidação de práticas culturais recomendadas para a
prevenção da dengue (CARRARA et al., 2012). No estudo, que teve
como participantes 214 moradores de três bairros geograficamente
contíguos de pequena cidade do interior paulista, após uma linha-de-base
dos comportamentos de prevenção à proliferação do mosquito
transmissor (Aedes Aegypti) e apresentação de orientações dos agentes de
vigilância sanitária, foram feitas novas visitas (em datas não comunicadas
previamente aos moradores), para avaliação da
frequência de práticas totalmente
corretas, parcialmente corretas e incorretas. As primeiras foram
consequenciadas positivamente mediante um cartão (verde) que poderia
ser trocado por reforçadores (incluindo produtos para consumo
alimentar e material escolar); as segundas geravam um cartão (amarelo)
que possibilitava a troca por alguns reforçadores, mas não outros
(previamente ordenados em estudo piloto); diante de práticas incorretas,
os moradores não recebiam pontos, mas poderiam tê-los se, em nova
visita, mudassem corretamente suas práticas. A maioria expressiva dos
participantes apresentou, ao final do procedimento, práticas consistentes
de prevenção. Observe-se que, embora o estudo demonstre claramente a
efetividade de consequências (mesmo que arbitrárias) sobre o
comportamento, ainda assim a garantia de sua manutenção por tempo
indefinido não está assegurada. Neste caso, os autores orientaram os
funcionários e dirigentes da área de saúde a apoiarem verbalmente as
práticas corretas quando de visitas regulares dos agentes de saúde às
residências e a darem visibilidade social às ações significativas dos bairros
objetivando prevenção na área de saúde. No entanto, está claramente
estampada, nesse exemplo, a dificuldade de tornar concreta e ‘visível’ a
consequência principal de ‘estar livre da dengue’ ou ‘estar com saúde’.
Além disso, evidentemente não é possível (nem natural) manter
indefinidamente consequências arbitrárias (cartões e reforçadores pelos
quais foram trocados), já que para práticas corretas de prevenção, nesse
caso, o que se espera é uma população saudável. As consequências
arbitrárias, nesse sentido, podem ser úteis, mas provisórias. Justamente aí
reside uma das dificuldades do planejamento cultural.

3. Questões centrais: unidade de análise e sequência


de planejamento
É paradigmática na análise do comportamento a relação de
contingência tríplice. Essa unidade de análise das relações
comportamentais especifica um contexto antecedente, um
comportamento e um evento consequente. Na análise experimental, em
particular, as pesquisas geralmente buscam evidenciar um
estímulo ou uma condição descritível e mensurável que antecede uma
resposta (mensurável pela frequência, duração, intensidade ou mesmo
topografia, a depender do objetivo da pesquisa). Do mesmo modo,
participa uma consequência específica, na forma de apresentação ou
remoção de um estímulo reforçador positivo ou negativo.
Embora as interações do indivíduo com seu ambiente físico não
difiram, em sua natureza, das interações sociais, estas, mediadas por
outro indivíduo, costumam apresentar-se mais sofisticadas, no sentido de
que o contexto antecedente pode constituir-se (por exemplo) de um
arranjo de estímulos que seguem uma operação estabelecedora. Além
disso, outras condições podem estar presentes, como quando
comportamentos de vários indivíduos precisam estar entrelaçados de
alguma forma específica para a produção de uma consequência. Dessa
maneira, como propusera Skinner (1967), considerando uma
contingência a descrição de relações entre uma classe de respostas e uma
consequência comum a todas as respostas da classe, uma contingência
tríplice serviria como unidade conceitual básica suficiente para a análise
de qualquer tipo relação comportamental. Ou seja, o autor não lançou
mão, em sua obra, de uma unidade conceitual adicional para a descrição
das práticas culturais, considerando que essas implicam, em última
análise, comportamentos operantes e esses, por sua vez, classes de
respostas.
Entretanto, a partir dos anos 1980 – mais especificamente com uma
publicação de Glenn, em 1986 – cria-se um novo termo,
metacontingência, para referir-se a uma unidade de análise a ser
empregada para as práticas culturais. O argumento para uso desse novo
conceito é o fato de que metacontingências, para além da descrição de
relações entre classes de ‘respostas’ e suas consequências, serviria à
função de descrever relações entre uma classe de ‘operantes’ e uma
consequência cultural em longo prazo, comum a todos os operantes.
Evidentemente, Glenn (1988, 1991, 2003, 2004) e outros autores
(GLENN; MALOTT, 2004; MALOTT; GLENN, 2006) procedem a
ajustes nesse conceito. Uma boa
análise da trajetória dessas mudanças pode ser encontrada em Moreira
(2013, especialmente p. 121-134) e uma interpretação conceitual recente
está sintetizada no artigo de Morford e Cihon (2013), podendo
apresentar discrepâncias em relação a outras versões também atuais.
Esses autores resumem quatro conceitos para uma análise de práticas
culturas via metacontingências:
(1) Contingências Comportamentais Entrelaçadas – contingências
operantes envolvendo duas ou mais pessoas em que o
comportamento de cada uma (ou o seu produto) funciona como
antecedente ou consequente para o comportamento de outro(s); (2)
Produto Agregado – um resultado físico produzido pelo
entrelaçamento de contingências comportamentais. Dois exemplos
incluem um projeto aprovado pelos membros do Congresso ou um
chute ao gol no futebol, que envolveu uma complexa série de passes
entre vários jogadores do time; (3) Consequência Cultural – um
evento ambiental que ocorre temporalmente próximo, depois de
uma contingência comportamental entrelaçada, onde a ocorrência
depende da emissão de uma ou várias contingências
comportamentais entrelaçadas. Isso seria análogo à relação de
dependência entre a pressão à barra por um rato e a liberação de
comida; (4) Metacontingência – uma contingência que descreve
relações entre eventos ambientais antecedentes, a ocorrência de
contingências comportamentais entrelaçadas e as consequências
culturais que mudam ou mantêm alguma dimensão mensurável
dessas contingências comportamentais entrelaçadas (MORFORD;
CIHON, 2013, p. 6).
O conceito de metacontingência (e os demais que lhe são adjacentes,
como produto agregado, contingências comportamentais entrelaçadas e
outros) não parece mudar a essência lógica da análise de relações
funcionais machianas. Muitos autores, a exemplo de Guerin (1994) e
Biglan (1995), examinaram as questões culturais de modo competente,
valendo-se do emblemático paradigma tríplice da seleção pelas
consequências (SKINNER, 1981). Ali, as contingências, reapresentadas e
devidamente sistematizadas por Skinner, eram a unidade conceitual já
consagrada na análise experimental. A metacontingência, paralelamente,
constitui uma bem-vinda formulação teórica que tem tido duas
consequências muito importantes para a análise do comportamento
como uma disciplina no cenário científico: (1) o artifício do prefixo
‘meta’ revela que, quando estamos no terceiro nível de variação e seleção,
comumente nos referimos a práticas culturais, mais do que a
comportamentos discretos em uma situação individual; nesse sentido, a
ideia de metacontingência alerta para o fato de que há um terceiro nível
de análise, que extrapola (embora a inclua) a individualidade do
comportamento e alcança a combinação, o entrelaçamento entre
comportamentos, seus resultados diante da interação com o ambiente e
suas consequências; (2) como Skinner basicamente limitou-se a
conjecturar no campo das práticas culturais, a experiência aplicada dos
analistas do comportamento não teve oportunidade de explorar
suficientemente o conceito de contingências nas situações onde
comportamento entrelaçado estava presente, ou seja, por exemplo, em
grandes questões, como a poluição, a preservação e conservação de água,
energia elétrica, petróleo e demais recursos naturais, conflitos bélicos e
sustentabilidade ambiental; mas, com o surgimento do conceito de
metacontingências e todo o importante empenho da professora Glenn e
seguidores, houve um crescimento significativo de pesquisas e trabalhos
teóricos explorando possíveis contribuições de uma análise
comportamental da cultura para a instalação, consolidação e mudança de
práticas culturais importantes.
Contingências ou metacontingências? Essa não parece ser a pergunta
crucial a ser feita antes de um esforço para o delineamento cultural.
Paralelamente aos argumentos de que uma unidade de análise especial é
necessária, há outros em favor do paradigma da tríplice relação de
contingências: embora (por exemplo, na área de equivalência de
estímulos) se tenham aduzido outros eventos possíveis, especialmente
nas condições antecedentes (quádrupla ou quíntupla relação de
contingências), há análises no sentido de que mesmo que sejam possíveis
muitos eventos ou condições
específicas nessa relação básica, o fato é que as instâncias do episódio
comportamental são sempre três: a anterior, a atual e a futura,
correspondendo ao contexto, ao comportamento e à consequência.
Nessa direção, como não há diferença alguma na natureza do
comportamento social em relação a qualquer outro, assim como não há
no comportamento privado em relação ao público, a unidade de análise
seria a mesma: contingência tríplice, que descreve a maneira pela qual se
apresentam as três instâncias pétreas. O que muda seriam os arranjos
pelos quais cada qual dos eventos ou operações podem se apresentar
naturalmente ou de forma planejada.
Nesses termos, embora o prefixo ‘meta’ faça referência a
‘contingências de contingências’ e se, originalmente, contingências são
descritivas das relações comportamentais, estaríamos diante de dois
grandes arranjos possíveis: ou teríamos respostas individuais, numa
dimensão ontogenética, gerando consequências discretas, ou teríamos,
além dessas, operantes entrelaçados, de diferentes indivíduos, arranjados
de tal modo que possam não apenas levar a consequências imediatas
compartilháveis por vários indivíduos, mas a uma consequência comum
em longo prazo. Em ambas as situações, tudo se passa como se
estivéssemos no mesmo mundo conceitual descritivo, ou seja, talvez um
arranjo complexo, com interdependência comportamental,
correspondente a um modelo avançado dos tradicionais esquemas de
reforçamento (que bem poderiam ser ‘de consequenciação’, já que aí se
incluem reforços positivos e negativos, nos procedimentos de
reforçamento positivo e negativo e punição positiva e negativa).
Notemos, ainda, que ao falar em consequência comum em função de
uma prática cultural, estamos nos referindo a contingências entrelaçadas,
nas quais o que é consequência para alguém pode constituir estímulo
discriminativo para outrem (e várias outras combinações possíveis). De
todo modo, é o arranjo particular que implica comportamentos de mais
do que uma pessoa que caracteriza uma prática. A forma particular
do arranjo pode ou não produzir consequências comuns
a várias pessoas. Se essas
consequências forem reforços positivos, obviamente a prática permanece
ou se fortalece. Nesse sentido, mesmo considerando que neste caso se
fale em entrelaçamento, é pertinente lembrar que as consequências,
embora estejam no contexto de grupos ou comunidades (contexto
social), não são para o grupo, mas para as pessoas que, individualmente,
o compõem. O que remete, novamente, à possibilidade de uma análise
de contingências que articula a dimensão individual e as dimensões
coletivas das práticas culturais.
Para nenhuma finalidade, inclusive para aquelas aqui cogitadas, de
análise comportamental da cultura, o paradigma da tríplice relação de
contingências pode ser entendido linearmente, como um a-b-c estático e
discreto em que se tem uma resposta diante de um estímulo
discriminativo e que ela será afetada pela consequência que produz.
Tomamos essa representação simplificada, quase reduzida, da
contingência (a-b-c) apenas como instrumento didático para garantir
coerência entre nossa inspeção visual da sinalização gráfica e a própria
sequência das três instâncias que compõem o processo. Adicionalmente,
se a análise se dá aparentando um recorte da realidade, que dicotomiza
os ‘significados’ de ambos (o recorte e a realidade integral), lembremos
que não é assim que Skinner concebe as relações comportamentais,
quando afirma (1967) que “o comportamento não é uma coisa, mas um
processo, mutável, fluido e evanescente [...]” (p. 17). Para Lopes,
Laurenti e Abib (2012, p. 78-79),
O monismo vê nesse fluxo uma perfeita harmonia, uma espécie de
sinfonia clássica, que mostra notável regularidade e repetições. Por
outro lado, um pluralista vê nesse processo algo que não fecha
completamente; aspectos bastante regulares, mas também
idiossincrasias; padrões que se repetem, mas tentativas que
fracassam e são abortadas; um rio ordenado com margens de
confusão. Não há problema nenhum em destacar a regularidade do
fluxo comportamental, afinal é isso que permite alcançar resultados
práticos, mas a parte não deve ser tomada pelo todo.
O mérito de uma ciência do
comportamento não é mostrar que o comportamento é puramente
regular e, em decorrência disso, completamente previsível e
controlável; mas mostrar que há regularidade e que, olhando para
esse aspecto do comportamento, é possível ter algum controle e
fazer previsões bastante acuradas.
Além do exposto, observemos que a permanência ou mudança na
probabilidade de ocorrência de operantes ou práticas culturais enquanto
conjunto articulado de operantes depende da ‘configuração’ das três
instâncias já caracterizadas na conceituação original de contingências.
Assim: (1) no contexto antecedente, localizamos, independente de que a
análise seja ontogenética ou cultural, a partícula lógica ‘Se’ (de ‘se, então’)
e descrevemos o arranjo que o delimita (Se A... , Se A+B..., Se A+C..., Se
A acima de B..., Se A ao lado de B..., Se A unicamente com a cor
vermelha...), ou seja, aí especificamos, necessariamente, o formato de
organização têmporo-espacial dos eventos componentes do contexto
diante do qual as unidades de resposta, comportamento ou prática
cultural irão ocorrer; (2) no contexto atual da atividade analisada,
podemos ter, propriamente, respostas ou operantes completos, mas
independentes de entrelaçamento, do mesmo modo como poderíamos
ter um padrão de responder no âmbito do terceiro nível, de nosso
especial interesse aqui, mediante práticas culturais, que exigem
articulação, compartilhamento ou interdependência entre indivíduos
(evidentemente, há infinitas combinações possíveis: padrões imitativos,
cooperativos, competitivos, por exemplo); (3) no contexto das
consequências, além de reforçadores positivos ou negativos, há uma
variedade de arranjos (como nos esquemas de reforçamento de Ferster e
Skinner (1957): intervalo ou razão, fixo ou variável, implicando,
naturalmente, uma dependência clara entre o padrão de consequências e
o padrão comportamental.
A questão mais relevante no âmbito de uma análise comportamental
da cultura, nos dias atuais, não parece ser, portanto, se devemos
considerar duas unidades conceituais (contingências ou
metacontingências) como mutuamente excludentes, já que há exemplos
na literatura sobre a funcionalidade de ambas,
naturalmente em conformidade com a maneira pela qual são utilizadas.
Em última análise, o que sobressai como essencial é que o pesquisador
faça uma boa análise funcional. Para fazê-lo, é menos importante usar
este ou aquele termo; é importante, em contrapartida, descrever com
precisão os termos de uma relação funcional. Como Mach defendia:
‘descrever é explicar’.
Nesse cenário, embora a escolha da unidade conceitual ainda esteja em
franco debate, as questões mais relevantes atualmente são o
aprimoramento tecnológico e a análise dos parâmetros ético-morais que
irão nortear a direção das mudanças em práticas culturais. Avançar
nesses aspectos significa avaliar concretamente em que medida o aludido
pessimismo de Skinner se justificaria.
No que respeita a esses aspectos, Carrara et al. (2013) desenvolveram
um instrumento auxiliar que sugere ao usuário responder (e providenciar
ações) a questões preliminares, mas críticas, em relação a qualquer
inciativa de planejamento (comportamental) da cultura. Os autores
ponderam:
No contexto da Análise Comportamental da Cultura, permeando os
conflitos ético-teóricos e as dificuldades tecnológicas que se
antepõem aos delineamentos culturais, observa-se a carência de um
trabalho de sistematização das opções disponíveis para a conversão
de planejamentos culturais em intervenções concretas. [...] Nesse
contexto [...] [são apresentados] um guia orientador e um
fluxograma para delineamentos culturais, instrumentos
concebidos como facilitadores e preliminares à consecução de
intervenções planejadas em práticas culturais interpretadas sob a
ótica da Análise do Comportamento. [...] [Porém] os autores
encarecem aos leitores e eventuais usuários contra qualquer
possibilidade de que os instrumentos sejam tomados como receitas
prontas para elaboração de delineamentos culturais. Na direção
contrária, entendem que referidos instrumentos são
contextualizados teórica e eticamente e sugere-se que testá-los,
criticá-los e, por certo, reformulá-los e aperfeiçoá-los pode
constituir atividade bem-
vinda da parte da comunidade científica da área (CARRARA et al.,
2013, p. 99, grifo do autor).
As principais questões e obstáculos examinados pelos autores estão
vinculados às perguntas ‘Como?’ e ‘Para quê?’. Mais especificamente, a
primeira se orienta pela dimensão tecnológica e a segunda pela dimensão
ético-moral dos delineamentos. Ambas são tão cruciais quanto
inevitáveis para o analista do comportamento interessado em atuar no
cenário dos comportamentos sociais complexos. O ‘Guia’ procura
instrumentalizar o planejamento, oferece muitas questões orientadoras
de decisões técnicas para o analista, e acrescenta um checklist. No entanto,
também levanta questões relacionadas à escolha dos objetivos do
delineamento: a quem interessa, quais são os critérios de escolha dos
objetivos e quais as consequências das mudanças nas práticas culturais
pretendidas. Também acompanha um fluxograma de decisões, que busca
ajudar na sequenciação mais comumente encontrada de etapas do
procedimento e que reconduz o planejador a pontos que, eventualmente,
deixou de atender.
Seja no âmbito ético-moral, seja no âmbito de desenvolvimento
tecnológico, está longe, no entanto, uma real possibilidade de que
possamos assumir o estado atual do conhecimento como ‘estável’, isento
de qualquer receio de que tenhamos um desenvolvimento ainda
incompleto da análise comportamental da cultura. Desse modo, uma vez
que essa disciplina se pretende científica ao mesmo tempo em que não se
revela pronta para a sistematização e síntese de seus procedimentos, não
há como se tomar uma decisão à maneira de uma Navalha de Ockham.
O tema da cultura, visto sob a ótica comportamental, exige que o
planejamento de novas práticas inclua um elemento modulador. Ou seja,
tendo em vista que os objetivos majoritários se colocam em longo prazo
(redução da poluição, preservação e conservação de recursos naturais,
sustentabilidade, equacionamento da mobilidade urbana, resolução
pacífica de conflitos de interesse no âmbito internacional), ainda que
possamos olhar para o passado e conceber possíveis
consequências que manterão comportamentos compatíveis com essas
metas no tempo corrente, quando projetamos as mudanças para um
futuro distante não temos quaisquer garantias de que, nesse tempo
(daqui a 30, 50, 100 anos), os eventos consequentes capazes de manter as
práticas planejadas sejam os mesmos dos tempos contemporâneos. Para
exemplo, consideremos que tivesse sido tecnologicamente possível
estabelecer alguma grande meta, há 50 anos, para os tempos atuais e que
essa meta fosse controlada por algum tipo de consequência social, na
forma de atenção face a face. O procedimento teria sido eficaz, até certo
ponto. Mas, não para qualquer tempo futuro, considerando que os
tempos atuais também, para além das relações face a face, controlam o
comportamento de milhões de pessoas por uma ‘atenção social’ que é
mediada pelas redes sociais da internet, antes inexistente. Se ao
planejador tivesse sido lícito apenas olhar retrospectivamente, à época do
planejamento, jamais poderia se valer dos recursos online como
selecionadores de comportamento, a não ser num lampejo ficcionista.
Assim, os planejamentos devem, também, ser compostos por elementos
moduladores, ou seja, deve ser prevista uma instância de análise
constante da eficácia dos reforçadores em vigor nas novas práticas. E
deve ser possível mudar esse aspecto das contingências. A comunidade
mexicana Los horcones, criada ao então inovador modo Walden, mantém
uma instância moduladora de contingências, assegurada por reuniões
regulares de uma assembleia que decide, por exemplo, os valores dos
créditos de trabalho disponíveis. Trata-se de uma situação (numa
personocracia) bastante mais simples para serem tomadas tais decisões,
em contrapartida àquela em que vivemos atualmente (em tese, uma
democracia representativa).
De toda maneira, o fato de que os delineamentos culturais, por suas
características únicas, desafiam o analista do comportamento com várias
dificuldades tecnológicas, organizacionais e éticas, sinaliza que, passados
15 anos após o ano 2000 (estimado em 1968 por Skinner como um
momento em que as aplicações da sua ciência já estariam adiantadas e
presentes também em instâncias socioculturais) e continuando a
realidade social com padrão muito
semelhante, seria um indício de que deveríamos concordar com o
pessimismo de Skinner? Será que se passarão ainda muitas décadas até
que se vislumbre a possibilidade real de que a análise do comportamento
seja reconhecida como um esforço válido em busca de um mundo
melhor para toda a humanidade? Ou será possível engrossar fileiras com
Chance (2007) no sentido de que Skinner estava errado se – de fato –
reconhecia a impossibilidade de que tal meta se concretizasse? Diante do
nosso estado atual de conhecimento é parcimonioso concluir que não há
resposta definitiva a essas perguntas, evidentemente. No entanto, um
exame histórico revela que, pelo volume e qualidade das pesquisas
empíricas e artigos teóricos publicados, certamente não estamos no
mesmo lugar em que estávamos em termos de conhecimento quando das
primeiras análises culturais em Ciência e comportamento humano (SKINNER,
1967). Há novos desafios, cujo enfrentamento é aparentemente plausível.

4. Atendendo ao convite de Glenn: a criação de uma


unidade gestora de políticas comportamentais e
novas perspectivas de planejamento cultural
Independentemente de que escolhamos contingências ou
metacontingências como unidade de análise, independentemente do
nosso modesto estado da arte atual em análise comportamental da
cultura, independentemente dos dilemas ético-morais que circunscrevem
a escolha dos objetivos dos delineamentos culturais, um gentil convite
feito pela professora Sigrid Glenn em seu seminal artigo Metacontingencies
in Walden two (1986) sugere uma forma de encaminhamento de nossos
esforços. A autora usa como recurso ilustrativo metafórico o episódio do
êxodo do povo egípcio para a Terra Prometida. Ali, a vida dos cidadãos
estaria livre do controle despótico e todos seriam definitivamente felizes.
No entanto, o caminho para essa solução utópica era agreste e
complexo. Nesse cenário, Glenn (1986, p. 8) assim se pronuncia:
Para aqueles de nós que encaram Walden two como a Terra
Prometida e o local onde estamos como um Egito, precisamos
lembrar que existe um caminho agreste entre os dois. A inclinação
para partirmos e começarmos algo novo, em algum novo lugar,
onde poderemos construir uma nova sociedade nunca se concretiza;
levamos conosco nossos velhos comportamentos e eles provêm
contingências para o comportamento dos outros, em nosso novo
ambiente.
Podemos, portanto, começar aqui mesmo, no Egito, e lidar com a
menor área possível, aquela com a qual temos contato contínuo e
direto – nosso ambiente doméstico, nosso ambiente de trabalho,
nossos projetos de lazer. Para nos ajudar em nossa rota através do
caminho selvagem, sugiro que primeiro olhemos de perto para o
nosso próprio comportamento. Somos capazes de separar os
reforçadores tecnológicos dos reforçadores cerimoniais e virar as
costas a esses últimos? O que podemos fazer para criar um
ambiente de trabalho para os outros, que os coloque em contato
com reforçadores tecnológicos e minimize os efeitos de
contingências cerimoniais? Ousamos dar afeição livremente e não a
acumular para usá-la em troca de acesso ao controle cerimonial?
Existe algum modo de organizarmos um sistema, mesmo que
pequeno, no qual o comportamento de todos seja igualmente
valorizado, no qual todos contribuam para o bem-estar do grupo,
partilhando igualmente os produtos dos esforços do grupo? Em
qualquer grau que consigamos atingir tais objetivos, estaremos
progredindo pelo caminho agreste. Nós, os pouco afortunados, não
faremos junto a viagem, mas em nossos locais e momentos
diferentes. Mas, graças aos modernos meios de comunicação, é
possível nos beneficiarmos com o que outros aprendem ao fazer a
viagem. Talvez sejamos capazes de utilizar os momentos em que
nossos caminhos se cruzarem, para relembrarmos uns aos outros
para o quê exatamente estamos trabalhando. E nós precisamos
começar. O tempo é curto.
Escolhemos, aqui, aceitar o convite de Sigrid Glenn, no sentido de
concordar com a possibilidade atual de contribuir, sem infundado
otimismo, para que a análise do comportamento possa concretizar
intervenções pequenas, mas vinculadas a uma pretensão não utópica de
mudanças nas práticas culturais. Naturalmente, não apenas as limitações
oriundas de uma ciência em plena construção contribuem para essa
decisão, mas a história pessoal de nossas interações em um país ainda
repleto de desigualdades sociais, que tem problemas inteiramente básicos
a resolver, também motiva uma atitude de otimismo controlado. No
entanto, não parece completamente verossímil que unicamente a
interpretação que Skinner faz do cenário social americano, a seu tempo,
possa ter sido razão plausível para sua contrariedade com o limitado
avanço da análise do comportamento no contexto cultural. Assim fosse e
não teríamos hoje, num cenário político-econômico de mais graves
discrepâncias entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento ou
subdesenvolvidos, uma motivação crescente para engendrar novos
empreendimentos de planejamento cultural – não com a ingênua ilusão
de uma solução meramente tecnocrática
– todavia, não ignorando as contribuições da ciência para um mundo mais
humanizado. Talvez seja justamente da ciência socialmente contextualizada
nos países onde a democracia ainda tem muito a fazer para se consolidar, que
surjam as melhores alternativas teórico-tecnológico-éticas para se pensar em
formas de contracontrole que acarretem modos de vida mais justos em
sociedade. É nessa perspectiva que se edifica a possibilidade de criação de
unidades gestoras de dimensões comportamentais de políticas públicas.
Historicamente, essas políticas têm sido concebidas de um ponto de
vista razoavelmente intuitivo, o que as torna frequentemente
incompletas, imprecisas e à mercê de interesses particulares.
Políticas públicas compreendem decisões de governo, em diversas
áreas, que influenciam a vida de um conjunto de cidadãos. São os atos
que o governo faz ou deixa de fazer e os efeitos que tais ações ou sua
ausência provocam na sociedade. Essas políticas, portanto, constituem
uma forma de regulação ou intervenção social,
articulando diferentes – e, por vezes, contrastantes – interesses sociais.
As políticas públicas organizam-se – ao menos é assim que deveria ser –
a partir da explicitação e intermediação de interesses sociais mobilizados
em torno dos recursos produzidos socialmente e, na prática, dependem,
quanto à sua real execução, de que sejam incluídas em programas de ação
governamental. A título de exemplo, confiram-se as políticas:
habitacional, de assistência social, de saúde, de segurança, educacional,
monetária, de relações exteriores e assim por diante. Numa democracia
representativa, as aspirações e necessidades da população (em tese)
deveriam ser transformadas em ações concretas de governo por meio de
um sistema ouvidor (sejam os ministérios, secretarias e outros órgãos
assessores, seja o conjunto federal, estadual e municipal do poder
legislativo, por meio das proposições dos representantes eleitos). É
evidente que, no entanto, em muitas situações o que ocorre é que essa
oitiva cuidadosa da população ou não acontece ou é distorcida em
função de outros interesses, por vezes compreensíveis quanto à sua
origem e curso, mas, no entanto, frequentemente ilegítimos e
injustificáveis em face de escolhas éticas duvidosas. O fato é que, ainda
em tese, há lugar para uma contribuição das ciências comportamentais
para o planejamento de políticas, o que deveria soar como conclusão
plausível, já que em todos os segmentos de interesse social, para além de
outros eventos, mecanismos e finalidades, há comportamento presente.
Senão, vejamos exemplos:
(1) se se planeja uma educação para o consumo, não basta (embora
importante) uma instrumentalização econômica mediante redução de
custo de alimentação apropriada, mas é fundamental o estabelecimento
planejado de consequências para o comportamento de escolha alimentar
correto; (2) se se planeja a redução do consumo inadequado de energia
elétrica, não basta (embora igualmente importante) o desenvolvimento
de novas fontes de energia limpa, materiais mais baratos, duráveis e
consistentes de transmissão de energia; são imprescindíveis
consequências para estabelecer e consolidar as práticas culturais
adequadas de consumo sustentável; (3) se se planeja o envolvimento dos
filhos de famílias pouco abastadas com os processos educativos, ao
mesmo tempo em que se objetiva o envolvimento dos adultos dessas
famílias com o trabalho e, como resultado, a emancipação das pessoas
como cidadãos na melhor acepção do termo, parece igualmente
necessário o planejamento de contingências tais que não tornem uma
política pública de tal envergadura um empreendimento unicamente
assistencialista e que apenas motive os beneficiários a uma dependência
social que lhes é deletéria em longo prazo (para um exemplo corrente,
talvez uma análise nesses termos possa ser pertinente quanto ao
programa federal Bolsa Família).
Dito de outro modo, em todos os campos – educação, saúde,
economia, segurança, relações exteriores – há comportamento. Em
todos eles, há contingências operando. E esse é o campo de trabalho
natural dos analistas comportamentais da cultura. É nesse contexto que
se insere a possibilidade de disponibilização de uma espécie de instância
competente para assessorar a criação de políticas públicas
comportamentais. Ou seja, se concebemos projetos de políticas públicas
como unidades mínimas de aplicação de recursos que, por intermédio de
um conjunto integrado de regras, pretende transformar uma parcela da
realidade, diminuindo ou eliminando um déficit ou solucionando um
problema social, parece bastante clara a pertinência da criação de uma
instância (seja governamental, seja mediante uma organização não
governamental ou outra forma), que possa fornecer aos dirigentes
públicos, num primeiro momento (experimentalmente), a assessoria
necessária para a implantação de políticas que realmente funcionem e
abranjam as variáveis comportamentais pouco visíveis para os leigos.
Não nos esqueçamos, todavia, dos problemas ético-morais vinculados
à definição dos objetivos das políticas públicas. No que toca à
sobrevivência da cultura (se tomada no singular), já se discutiu o risco de
conflito de interesses entre culturas gerando, por exemplo, práticas
culturais que, embora beneficiem uma comunidade, possam ser
extremamente deletérias para outras.
Além disso, nos casos em que a identificação mesma das práticas que
deverão sobreviver fica a cargo de um planejador pertencente à
própria cultura a ser mudada, o viés endógeno da legitimação prescritiva
pode representar um problema adicional. Castro (2013, p. 166) assim
analisa a questão:
O relativismo cultural, do ponto de vista da ciência de Skinner,
implica o relativismo moral, daí, conforme buscamos analisar, a
dificuldade de se legitimar a eleição de um valor principal a partir da
Metaética. Mas, se a defesa da sobrevivência da cultura como valor
supremo não encontra legitimidade na Metaética, onde se poderia
buscá-la? A legitimação para a ética prescritiva de Skinner vem de
seu próprio contexto cultural, por isso ela não pode ser absoluta,
como quer o autor. Desse modo, talvez seja possível defender a
ética prescritiva skinneriana como norte, regra, para utilização da
tecnologia comportamental, mas dentro daquela cultura, não como
algo absoluto e que serviria para qualquer cultura. Portanto, o que a
legitima é a própria cultura na qual surgiu a ciência natural da qual
emergiu a ética da sobrevivência com seu “imperativo categórico
natural”.
Ainda que ao ser encampada por agências de governo a
responsabilidade legal pelas ações pudesse ficar sob o encargo delas
mesmas, cabe ao analista do comportamento a incumbência de manter-
se crítico em relação a poder vir a servir a interesses pouco transparentes.

Considerações finais
Como já discutimos, não apenas a ideia de sobrevivência da cultura
como critério final deve ser considerada com cautela, como,
paralelamente à instância assessora da dimensão comportamental das
políticas públicas, deveria emergir um sistema de consultoria ético-
jurídica, talvez pautada nos valores soberanos, nacionais e internacionais,
da boa convivência e da superação de conflitos de interesse. Essa
instância também poderia levar em consideração que o valor dos
comportamentos a serem emitidos deveria ser
analisado em termos dos benefícios que resultam para a comunidade,
embora o alto risco de uma avaliação contaminada por excessivo
relativismo. Nesse sentido, a maximização do benefício para o grupo
deveria orientar (embora a inviabilidade de que esse possa constituir um
valor absoluto) benefício para o indivíduo e vice- versa.
Uma consultoria comportamental de políticas públicas, na prática,
poderia disponibilizar assessoria, especificamente, para adequações na
dimensão comportamental das políticas de governo, na elaboração de
leis, regras, normas e campanhas que visem a instalar ou mudar
repertórios de práticas culturais, tendo como objetivo mais geral a
convivência social plena de cidadania e justiça social. Esse organismo
desenvolveria estratégias de sensibilização dos dirigentes e agentes
públicos mediante produção de documentos educativos a respeito das
estratégias de intervenção apoiadas na lógica natural da seleção pelas
consequências, ofereceria cursos de capacitação e gestaria políticas
comportamentais baseadas na seleção pelas consequências. Na mesma
direção, viabilizaria reivindicações às agências de fomento sobre editais
frequentes para apoiar a produção científica de novos instrumentos,
procedimentos e elaborações teóricas, filosóficas e éticas orientadas para
a consecução de medidas viabilizadoras de iniciativas apoiadas numa
perspectiva de seleção pelas consequências como norte funcional para
políticas públicas. A implantação de políticas experimentais, com
abrangência populacional reduzida, para testes de viabilidade, análise de
desdobramentos ético-morais dos objetivos, caracterizando a já discutida
modulação experimental, constitui parcela imprescindível do
empreendimento. Para todos nós, cidadãos, talvez isto seja um projeto
pouco abrangente, dada a amplitude dos problemas sociais vigentes,
imensa e incalculável. No entanto, para alguns de nós, que estudamos o
tema dos delineamentos culturais, será justificável nos esquivarmos do
compromisso profissional com a justiça social, dando-nos ao luxo de
desconsiderar uma nova alternativa ao nosso alcance? Nova utopia?
Talvez, apenas projeto utópico se, no mesmo clima que decepcionou
Skinner, não se conseguir mudar o
comportamento de sequer alguns poucos dirigentes públicos para,
democraticamente, assegurar que se experimente.
Mas há o que possa ser melhor, sem dúvida alguma: um grande
projeto para aprendermos e ensinarmos comportamento altruísta. Este,
sem dúvida, é, no mínimo, sonho de muitos: instalar e consolidar
práticas culturais sustentáveis, que mesmo que não nos beneficiem
diretamente, garantirão, em gesto altruísta, a vida das pessoas e do
planeta em boas condições por muito mais tempo do que as nossas
existências pessoais. Por um lado, a ideia do altruísmo desinteressado e
‘genuíno’ parece inconsistente com a seleção pelas consequências, uma
vez que implica um padrão comportamental inato ou instalado sem ter
sido consequenciado. Já um altruísmo ‘interessado’, ou seja, um padrão
comportamental que poderia se instalar mediante consequências seletivas
de operantes que geram o bem de outros e o bem da espécie, parece ser
um comportamento como outros quanto à sua natureza e
funcionalidade. Nada temos contra o fato de que aprender a cuidar do
futuro dos nossos descendentes seja suscetível de seleção pelas
consequências. Nesse sentido, planejar melhores condições de vida,
ouvindo parcimoniosamente os mais variados segmentos sociais,
respeitando minorias e instrumentalizando a partir de reivindicações
populares as mais legítimas políticas públicas, parece constituir uma
prática da democracia orientada constitucionalmente. Essa forma de
planejamento se encontra longe e em posição exatamente oposta à de
pensar uma autocrática e danosa ‘engenharia social’ subsidiada por
interesses particulares, eivada de nuances deletérias à equidade de
oportunidades e à justiça social.
Talvez consequências simples, como o reconhecimento social,
constituam uma retribuição mais palpável do que aparenta para
comportamentos efetivamente cidadãos. Talvez possam fazer parte de
uma abrangente educação para a sensibilidade, como nos ensina Abib
(2007, p. 78, grifo nosso):
A cultura da identidade, ou seja, a reprodução do passado, das
tradições, do mesmo, do similar, deve ser deslocada para um
segundo plano ou pode ser até mesmo abandonada. Com essa
estratégia, a cultura da alteridade, a cultura que estabelece as
condições para o afloramento da pluralidade e diversidade, que são
necessárias para a compreensão de mundos diferentes, toma a
frente do processo de educação da sensibilidade.
Uma educação da alteridade ressalta exatamente os aspectos que
uma cultura da identidade passa por alto ou até mesmo desestimula,
como, por exemplo, os desvios, os erros, os acidentes, o imprevisto
e o novo.

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Comportamental e Cognitiva, v. 15, n. 1, p. 83-98, 2013.

1 “[…] give us time, the optimist says, give us time”.

2 Evidentemente, não há consenso ou critérios bem estabelecidos para a


qualificação do que seja curto, médio ou longo prazo, do mesmo modo que
não há para consequências imediatas ou atrasadas. Trata-se, via de regra, de
estimativas relativizadas à situação que se está examinando, como é o caso,
aqui, das práticas culturais e suas consequências atuais e as previstas para o
futuro.
3E, não, como consta da edição brasileira consultada (SKINNER, 1967, p.
171, grifo nosso) e de algumas outras: “[...] o comportamento social pode ser
definido como o comportamento de duas ou mais pessoas em relação a
uma outra ou, em conjunto, em relação ao ambiente comum”.

4Um estudo recente sobre essa última dificuldade, comum nos


delineamentos culturais, pode ser encontrado em Souza e Carrara (2013).
Sobre os autores
Camila Muchon de Melo. Psicóloga pela Universidade Estadual de
Londrina. Mestrado e doutorado em Filosofia pela Universidade Federal
de São Carlos. Realizou estágio durante o doutoramento na University of
South Australia, sob a orientação do professor PhD. Bernard Guerin. Fez
pós-doutorado no Instituto Nacional sobre o Comportamento,
Cognição e Ensino, na Universidade Federal de São Carlos. Atualmente
é professora Adjunta do Departamento de Psicologia Geral e Análise do
Comportamento da Universidade Estadual de Londrina e professora
credenciada no Programa de Pós Graduação em Análise do
Comportamento da mesma Universidade. Desenvolve pesquisas em
Fundamentos do Behaviorismo Radical e Análise Comportamental da
Cultura. Publicou capítulos de livros e artigos, com destaque para o
artigo Some Relations between Culture, Ethics and Technology in B. F. Skinner
(2015) na Behavior and Social Issues (em co-autoria com Marina de Castro e
Julio de Rose).
Carlos Eduardo Lopes. Graduado em Psicologia pela Universidade
Federal de São Carlos e doutor em Filosofia pela mesma instituição.
Atualmente é professor Adjunto do Departamento de Psicologia da
Universidade Estadual de Maringá, e coordenador do Laboratório de
Filosofia e Metodologia da Psicologia (LAFIMEP), no qual desenvolve
pesquisas conceituais sobre a filosofia do Comportamentalismo Radical e
História da Psicologia. Publicou diversos artigos e capítulos de livros,
com destaque para o livro Conversas Pragmatistas sobre Comportamentalismo
Radical: Mundo, Homem e Ética (em colaboração com Carolina Laurenti e
José Antônio Damásio Abib) (ESEtec, Santo André, 2012).
Carolina Laurenti. Graduada em Psicologia pela Universidade
Estadual de Londrina. Mestre e doutora em Filosofia pela Universidade
Federal de São Carlos. Atualmente é professora Adjunta do
Departamento de Psicologia da Universidade Estadual
de Maringá, no qual desenvolve pesquisas conceituais sobre a filosofia
do Comportamentalismo Radical no âmbito do Laboratório de Filosofia
e Metodologia da Psicologia (LAFIMEP). Publicou diversos artigos e
capítulos de livros, com destaque para o livro Conversas Pragmatistas sobre
Comportamentalismo Radical: Mundo, Homem e Ética (em colaboração com
Carlos Eduardo Lopes e José Antônio Damásio Abib) (ESEtec, Santo
André, 2012).

José Antônio Damásio Abib. Psicólogo pela Universidade de Brasília,


mestre e doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo
(USP), pós-doutor em Epistemologia da Psicologia pela Universidade de
Aarhus (Dinamarca). Foi professor visitante da Universidade de Aarhus
(Dinamarca), Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Federal
do Paraná, Universidade Estadual de Maringá. Professor no Programa de
Pós- Graduação em Filosofia no Departamento de Filosofia da Universidade
Federal de São Carlos. Publicou vários ensaios e capítulos de livro sobre
Epistemologia da Psicologia. É autor dos livros Teorias do Comportamento e
Subjetividade na Psicologia (EDUFSCar, São Carlos, 1997), Comportamento e
Sensibilidade: Vida, Prazer e Ética (ESETec, Santo André, 2007), O Sujeito no
Labirinto: Um Ensaio Psicológico (ESETec, Santo André. 2007) e Conversas
Pragmatistas sobre Comportamentalismo Radical: Mundo, Homem e Ética (em
colaboração com Carlos Eduardo Lopes e Carolina Laurenti) (ESEtec, Santo
André, 2012).
Kester Carrara. Mestrado pela PUC-SP, doutorado e livre-docência
pela Unesp. Atua em Análise Comportamental da Cultura na graduação e
no Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e
Aprendizagem do Campus de Bauru, SP. Líder de pesquisa do
GEPEDEC (Grupo de Estudos e Pesquisas em Delineamentos
Culturais). Bolsista de Produtividade do CNPq.
Publicou diversos artigos em periódicos qualificados, capítulos de livros e
livros, com destaque para Behaviorismo Radical: Crítica e Metacrítica (Editora
UNESP, 2005).
Marina Souto Lopes Bezerra de Castro. Psicóloga formada na
Universidade Federal de São Carlos, é mestre e doutora em Filosofia pela
mesma instituição. Sob a orientação do professor Júlio de Rose, teve,
como objeto de investigação, a ética na obra de B. F. Skinner. Publicou,
em coautoria com seu orientador, o livro A Ética Skinneriana e a Tensão
entre Descrição e Prescrição no Behaviorismo Radical (ESETec, Santo André,
2008). Desde 2010 atua como psicóloga judiciária na Comarca de São
Carlos - SP. Está vinculada ao Departamento de Psicologia da UFSCar
como pesquisadora associada e professora voluntária, realizando
pesquisas a respeito do fenômeno da alienação parental sob a supervisão
da professora Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams.

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