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SOBRE O PROF.

ADALBERTO BARRETO

Adalberto Barreto é professor de graduação e pós-graduação do Departamento


de Saúde Comunitária - Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará - UFC.

Doutor em Psiquiatria pela Universidade René Descartes Paris V (1982).

Doutor em Antropologia pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de


Paris (EHESS) Universidade de Lyon II - França (1985).

Licenciado em Teologia pela Pontifícia Universidade Santo Thomaz de Aquino


in Urbis, em Roma (1976), e pela Universidade Católica de Lyon, França (1980).

Coordena, há quinze anos, um Projeto de Pesquisa e Extensão na área de Saúde


Mental Comunitária, na Favela de Pirambu, Comunidade de Quatro Varas - Fortaleza -
CE, cujo objetivo é articular o saber científico com o saber popular, na perspectiva do
desenvolvimento das dinâmicas individuais e comunitárias.

É o criador da Terapia Comunitária Sistêmica Integrativa, um programa de


atenção primária na área de saúde mental que utiliza a competência das pessoas e
promove a construção de redes sociais.

É diretor do Centro de Estudos da Família e Coordenador do Movimento


Integrado de Saúde Mental Comunitária - MISMEC - Fortaleza - CE.

Publicou diversas obras no Brasil e no exterior, entre as quais se destacam:

Un Psychiatre dans la Favela (1995),

L’indien qui est en Moi (1996),

Do sertão à favela: da exclusão à inserção social

Prefácio:

“Só Reconheço no outro aquilo que conheço em mim”


Nasci em Canindé, cidade de romarias no sertão nordestino, que recebe cerca de
um milhão de peregrinos por ano. Vivi toda a minha infância nesta cidade sagrada. Cada
peregrino tinha uma história para contar, na qual São Francisco aparecia como protetor,
o médico, o amigo da família que todos acolhiam.

De todas as histórias ouvidas a que mais me impressionou foi a de uma criança


de sete anos perdida na Floresta Amazônica durante três dias a família a procurou,
desesperadamente, sem nenhum resultado. Foi somente, quando, de joelhos, invocou os
poderes de São Francisco do Canindé que ela foi encontrada e levada ao encontro de sua
família, por um homem idoso. Mais tarde, quando pagavam promessa na Basílica de
São Francisco, em Canindé, a criança reconheceu, nos afrescos que ornamentam a
basílica, aquele que a havia protegido na floresta e a levada a seus pais, como sendo São
Francisco.

Esta história de uma criança salva na Floresta Amazônica, graças à invocação da


fé, em uma demonstração de fidelidade aos valores religiosos, permitindo à família
superar esse drama, sempre me fascinou.

Minha identidade ameaçada:

Quando cursava Medicina, na Universidade Federal do Ceará, estranhamente,


sentia-me como essa criança perdida na floresta. Durante toda a minha infância, vivi
num mundo mágico-religioso, marcado por uma maneira de viver que se caracterizava
pela cura dos doentes e dos infelizes. Nesse universo, São Francisco era o grande
protetor dos sertanejos. Ele curava as doenças do abandono, oferecendo ao peregrino a
possibilidade de pertencer a uma grande família espiritual.

Os ex- votos, representando as feridas e sofrimentos dos peregrinos, eram


depositados na casa dos milagres, ao lado da basílica. Eles eram o testemunho do poder
de cura do santo protetor. Havia, também, os curandeiros: homens e mulheres que
devotavam suas vidas a cuidar dos pobres doentes. Cada um dos personagens possuía
seu arsenal terapêutico para combater a doença e o sofrimento. As rezadeiras tinham as
suas rezas mágicas; os raizeiros, suas raízes e cascas de árvores; os médiuns espíritas, os
seus rituais de invocação dos espíritos desencarnados; os umbandistas, seus rituais
sonoros, danças e cânticos, bem como, seus transes terapêuticos. Apesar das diferenças,
eles estavam unidos pela mesma fé pelo mesmo desejo: o de servir aos que sofriam e
ajudá-los a sair de um verdadeiro labirinto imposto pela vida.

Como meus estudos universitários, eu entrava em um novo universo, uma


verdadeira floresta que me angustiava à medida que eu descobria suas riquezas. A
percepção da doença e do sofrimento humano estava em oposição àquela de minha
própria cultura nordestina. Progressivamente eu percebia que o novo mundo acadêmico
exigia de mim a renúncia às minhas crenças anteriores. Parecia que, para tornar-se um

5 Carta de OMS
homem da ciência, eu teria que renegar a minha própria cultura. Eu não poderia mais
exprimir as minhas crenças, sem me expor ás criticas dos meus colegas. Havia aqueles
que já estavam descrentes, e por esta razão, consideravam-se superiores aos outros que
ainda acreditavam. Eu me sentia desarmado: como responder às exigências de uma
ciência, baseada na materialidade das coisas, se aquilo que me estimulava, pertencia ao
mundo invisível, ao qual a ciência não permitia ter acesso? Muitas vezes, eu me
questionava: o que fica de um homem se lhe são retirados suas crenças, seus valores,
suas convicções que fazem dele um nordestino, um sertanejo.

Tal qual a criança perdida na Floresta Amazônica, eu temia ser devorado pelas
“certezas científicas”. Passei, então, a desconfiar das grandes certezas. Muitas vezes,
eles são uma arma mortal para aqueles que desejam dominar o espírito das pessoas
perdidas em suas dúvidas e seus processos libertadores.

Entretanto, esses dois universos me seduziam. Cada um tinha o seu lado


apaixonante. Meu primeiro universo cultural nutria em mim o gosto pelas coisas
maravilhosas, mágicas, em que o homem, para sobreviver, deve levar em consideração
o lado invisível das coisas. Nele, eu aprendi que o essencial é invisível, e que nós
devemos viver com os pés no chão, mas com o olhar para o infinito. Porém, algo me
inquietava: este universo era prisioneiro dos deuses de um passado distante, em que
todo progresso distanciava o homem do paraíso, e todo o prazer carnal era uma ofensa
ao Criador. Nesse mundo, havia pouco espaço para a contestação, para a liberdade e
para o direito de ousar. O homem era uma pessoa submissa e privada de sua capacidade
transformadora. Não lhe era permitido construir e/ou transformar as coisas, bem como
questionar as normas padronizadas.

Por outro lado, o novo mundo da ciência, através de suas experiências e


explicações científicas palpáveis, permitia-me aprender a fazer certo número de coisas
que eu concebia como possíveis no meu universo mágico-religioso. Através de minha
formação universitária, eu tinha acesso aos segredos do funcionamento do mundo e da
perpetuação da vida na terra. Era como se, sendo médico, eu me tornasse o senhor da
vida e da morte. Esse aspecto da ciência me fascinava, mas, por outro lado, dava-me
medo, pelo seu caráter excludente, que rejeitava os outros sistemas explicativos. Havia
algo da ordem do domínio da verdade. O discurso científico exprimia que, ao mesmo
tempo, que detinha a verdade, possuía uma vontade colonizadora e dominadora do
pensamento do homem e de todas as suas ações. Nesse ponto, meu segundo universo
não diferia muito do primeiro. Em ambos, o homem torna-se prisioneiro de mitos. A
única verdade era a científica. As outras nada mais eram do que a expressão do mundo
dos ignorantes, dos incultos e, por esta razão, tornavam-se obstáculos a todo o
progresso. Eu sentia que esse mundo exigia que eu me tornasse um apostolo da ciência
para converter os “incrédulos” e os “ignorantes” a esta nova religião médica.

O primeiro mundo nutria uma verdade mítica, onde o imaginário tinha um papel
primordial e reduzia a realidade material a uma espécie de miragem sem importância; já
o mundo científico privilegiado a realidade material, ignorando e, até mesmo,

5 Carta de OMS
combatendo o imaginário, o irracional. Esse novo mundo exigia a morte de meu
universo cultural para poder reinar como senhor absoluto. Ele desejava ser sua única
medida. Essa foi, sem dúvida, umas das minhas primeiras batalhas interiores. Eu estava
convencido de que manipulava um verdadeiro arsenal atômico, o qual o menor
equívoco poderia reduzir, em pedaços, uma existência desejosa da plenitude da vida. Eu
sabia que tinha que lutar e que a única saída possível passava por um diálogo entre
aquele que eu era e aquele que eu me tornava. Nesse clima de guerra interior, aprendi a
nada eliminar, sem antes ter examinado, questionado. O grande temor que me habitava
era de encontrar-me esvaziado dos elementos que constituíam a base de minha
existência, de pessoa membro de uma cultura. Para mim, era inconcebível uma vida sem
autonomia criativa.

Todas essas questões tocavam o cerne da minha vida. Era minha própria
identidade que estava em jogo. Perguntava-me: quem sou eu? Quer ser me tornarei?

Um desafio e uma ambição:

Diante desses questionamentos, geradores de inquietações, eu me propus um


desafio e uma ambição: fazer co-habitar em mim esses dois universos, aparentemente
contraditórios, mas que eu os sentia complementar. Cada um era rico naquilo que o
outro era pobre.

No meu universo de origem, eu me sentia chamado a tornar-me um “São


Francisco” _ “Salvador dos Pobres”. Eu queria, verdadeiramente, seguir essa via. Daí
porque tanto insisti com meus pais para salvar as almas ameaçadas pelos prazeres
materiais da vida. Havia algo a ser feito por aqueles que, já ameaçados de morte pelos
acidentes da vida e das doenças, poderiam perder suas almas. Mais tarde, quando fazia
Medicina, eu descobri outro aspecto da vida: a importância do corpo físico. Corpos de
homens, mulheres e crianças, mutilados, em busca da saúde do corpo material. Com a
descoberta da materialidade do corpo, eu me sentia chamado a salvar este corpo doente
e sofrido.

O fato de, ao mesmo tempo, estudar Medicina, Filosofia e Teologia ajudou-me a


evitar a tentação que consiste em substituir uma descoberta por outra, ou seja, substituir
meu interesse pela dimensão invisível do homem por outra mais palpável, real, visível.
A Filosofia ensinava-se que curar as partes dos corpos não era a mesma coisa que curar
o homem. Reduzir o homem a um de seus aspectos era o mesmo que mutilá-lo ainda
mais, e dificultar sua busca de saúde e salvação.

A relação entre meus estudos de Teologia e Medicina permitia-me unir o meu


desejo e a minha preocupação e combater o mal, salvar e curar o homem ameaçado. A
Medicina e a Filosofia me permitiram mergulhar no universo biológico, existencial e
religioso do homem. Tais ciências me possibilitaram compreender que toda verdade
sobre o homem não pode vir senão de um diálogo sério e respeitoso da diversidade dos
elementos que a constituem.

5 Carta de OMS
Em busca de uma nova identidade:

Essa vontade de compreender o homem na sua totalidade levou-me, mais tarde,


a seguir os estudos de Psiquiatria e a Antropologia na Europa. O contato com outros
povos, outras culturas, permitiu-me tomar um pouco de distância de meu próprio
universo cultural. Pude, então, perceber que essa guerra que me consumia não era
unicamente minha, mas vivida por toda a humanidade.

A Psiquiatria e a Psicanálise permitiram-me compreender os mecanismos


inconscientes que regem os comportamentos e atitudes humanas, sobretudo os meus em
particular , além de, também, compreender os mecanismos inconscientes de dominação
e exclusão.

A Antropologia trouxe-me uma visão do universo cultural do homem. Eu


compreendi que toda cultura, todo indivíduo, tem direito à diferença, e que a cultura,
todo indivíduo, tem direito à diferença, e que a cultura responde a um desejo maior do
ser humano: o de nutri a sua identidade. Ser diferente é a razão maior de ser homem.
Combater a diferença é um ato de dominação e de empobrecimento da humanidade.

Minha estada de cinco anos na Europa possibilitou-me reforçar minha identidade


de brasileiro. Filho de uma família modesta e de uma das regiões mais pobres do
mundo, o Nordeste brasileiro, eu tive a grande sorte de passar a viver numa das regiões
mais desenvolvidas do planeta. Confesso que, técnica e economicamente, a Europa era
bem mais desenvolvida. Nunca encontrei favelas, nem pobreza como no meu país. No
entanto, a Europa decepcionou-me no que se refere às relações humanas, à afetividade
e ao calor humano. Os europeus parecem ter perdido aquilo que, no Brasil, ainda é
muito vivo e muito importante: o acolhimento, a disponibilidade, a alegria de viver, o
senso de humor e o gosto pela festa e pelo sagrado.

Indo à Europa em busca de “saber e conhecimento”, eu descobri belíssimos


monumentos históricos, bem conservados, visitados, estudados, fotografados e,
cuidadosamente, guardados. Tive, então, a impressão de que todas aquelas pessoas
estavam, também, em busca de suas identidades, fossilizadas com o passar do tempos.
Vendo-as agirem assim, eu me dizia que elas, talvez, esperassem reencontrar, nesses
contatos, a sua humanidade perdida! Descobri, então, que o europeu também tem suas
“florestas de concreto”, e que também estavam desejosos de se libertar do peso de uma
história, que parecia exigir dos vivos, que eles se tornassem meros guardiões de troféus,
símbolos de um passado glorioso. Aos poucos, fui compreendendo que nossa cultura
tem algo a levar a esse velho continente. A verdade é que um abismo separa os países
ricos dos países pobres. Os contrastes eram evidentes. Mas uma coisa era igualmente
verdadeira: nós éramos ricos naquilo que eles eram pobres, e eles eram ricos naquilo em
que éramos pobres. Esta descoberta permitiu que eu me sentisse à vontade diante de
todo aquele progresso que, de longe, nós vemos como perfeito, mas que, de perto,
descobrimos seus limites e frustrações. A partir, de então, passei a não me sentir como
aquele que vinha, apenas, buscar conhecimento, mas como alguém que também poderia

5 Carta de OMS
dar a sua contribuição nesse intercâmbio intercultural. Foi assim que eu tentei fazer da
minha estada na Europa uma ocasião para mútuas trocas.

Os anos de estudo trouxeram-me muitos elementos que me proporcionaram uma


maior clareza sobre o meu dilema inicial. Aos poucos, eu descobri que todos os
estereótipos relativos à cultura popular eram expressões de uma ideologia dominadora
e/ou colonizadora, que, para manter sua hegemonia, precisavam destruir os outros.
Descobri que ser diferente é um direito, um valor e, jamais, a expressão de
subdesenvolvimento de um povo. Descobri que cada cultura é única, é rica naquilo que
constitui a pobreza do outro. Descobri, também, que o grande desafio para um homem
da ciência é o de aproveitar o calor gerado pelo choque das diferentes percepções. É este
calor que torna o aço mole e flexível, torna flácidos os sólidos duros e produz a energia
necessária para fazer o fogo e a luz que nos permitem ver com clareza.

Reapropriação da minha identidade:

De volta ao Brasil, escolhi como terreno de pesquisa, a cidade de minha


infância, Canindé, e, como tema de estudo, as medicinas populares do sertão e seus
sistemas de crenças.

Minhas pesquisas colocaram em evidência o importante papel dos curandeiros


no processo de cura das pessoas. Eles eram os primeiros recursos para as crianças
vitimadas pelas diarréias. Muitas vezes quando os curandeiros não encontravam
respostas satisfatórias para a doença, essas crianças, somente depois de três dias de
tentativas, eram levadas ao hospital mais próximo, já em estado avançado de
desidratação. Para mim, ficava evidente que o combate à grande mortalidade (uma taxa
de 125 para cada 1000) deveria passar pelo trabalho de integração dos curandeiros com
o circuito médico oficial. Deveríamos organizar, em conjunto, um projeto de
cooperação, em que cada parceiro pudesse guardar sua especificidade: o médico
continuaria com suas preces e rituais. Não se tratava de “converter” uns aos valores dos
outros, mas de colocar juntos os arsenais terapêuticos no combate à mortalidade infantil.

A partir de 1983, os curandeiros de Canindé foram sensibilizados quanto ao


valor terapêutico da reidratarão por via oral e passaram a cooperar, de forma recíproca,
com o hospital de Canindé. Assim, a Universidade, o Hospital de Canindé e os
curandeiros locais puderam somar suas competências no combate à desidratação e na
promoção da vida. Essa pesquisa-ação em Canindé, cidade da minha infância, foi bem
mais do que uma simples pesquisa acadêmica. Ela inscrevia-se num processo de
reapropriação de minha própria identidade. Completava-se doze anos que eu havia
deixado Canindé, e sentia um grande desejo de retornar para compreender meu universo
de outrora e fazer um balanço daquilo que ainda permanecia em mim de meu Canindé.

Hoje, Canindé tornou-se para mim um espaço de reencontro com meu primeiro
universo, minha cultura, com os elementos que constituem minha identidade cultura. Ir
a Canindé faz parte de um ritual de vida tão importante quanto me dirigir aos
congressos internacionais em Paris ou Washington. Tanto em um como em outro, eu

5 Carta de OMS
encontro interlocutores que me interpelam e me fazem refletir sobre a prática cotidiana
em minha existência. Eles me permitem progredir em minhas idéias e anseios. As duas
experiências me enriquecem, tanto no aspecto pessoal quanto profissional. Elas nutrem
em mim um vínculo vital. Oferecem-me referências de percepção do mundo, do
homem, de uma maneira de viver. A primeira me ajuda a salvaguardar minha identidade
cultural, a outra reforça a coerência de minha identidade profissional.

Canindé tornou-se um desses espaços onde o afluxo das pessoas me (re)envia a


mim mesmo, à minha história. É lá que onde me sinto em harmonia com meu povo,
com a qual partilho tanta coisa. Em Canindé, tenho completado minha formação
universitária, e é lá que se processa minha cura de desintoxicação, liberando meu
espírito de suas ambições cosmopolitas. É lá que fortaleço minha esperança, minhas
crenças, juntos aos homens que ainda crêem naquilo que nos salva. Em Canindé, eu
descubro que São Francisco, que salvou a criança perdida no Amazonas, é o mesmo que
continua salvando milhares de crianças, homens e mulheres que se acham perdidos na
floresta humana, produzida por um sistema econômico e político que exclui os valores
culturais e humanos. São Francisco é, portanto, aquele que salva, orienta, acolhe, cura e
dá ao homem perdido o sentido do caminho a ser seguido.

Formação para o diálogo:

Quando decidi ser professor da Faculdade de Medicina, o fiz com o intuito de


dar a contribuição de toda a minha reflexão e de minhas descobertas. Não queria ser o
único nessa reflexão e nesse processo. Era necessário sensibilizar os futuros médicos,
por um lado, quanto aos aspectos culturais da Medicina, fazê-lo conhecer o universo
cultural das pessoas que, mais tarde, seriam recebidas em seus consultórios e nos
hospitais, e, por outro lado, permitiu-lhes refletir sobre a riqueza de uma cultura não-
acadêmica e os perigos de uma Medicina que exclui, não somente o universo do
paciente, mas também o do próprio médico.

Criamos a disciplina Antropologia da Saúde, ministrada na favela. Tal disciplina


permite aos estudantes de Medicina vivenciar, sob o mesmo terreno, os diversos
aspectos culturais da doença e do processo de cura. E dessa forma, desde 1983, nós
desenvolvemos um programa de pesquisa e educação comunitária, voltado para os
romeiros que se dirigem a Canindé. Essa experiência constitui um espaço, por
excelência, para se estabelecer um diálogo entre os universitários e os peregrinos,
permitindo-lhes se encontrarem e se descobrirem mutuamente.

Essa mesma vontade de ir em direção aos “excluídos” e “perdidos”, nos levou a


desenvolver um trabalho na favela do Pirambu, em Fortaleza: e o Projeto Quatro Varas.
Inicialmente, recebiam, no Hospital Universitário, pacientes vítimas de conflitos de
abandono e miséria humana, que os levavam a ter episódios de depressão e crises
psicóticas, em que era evidente a questão da perda da identidade. Eles eram enviados
por meu irmão, Airton Barreto, advogado e coordenador do Centro dos Direitos
Humanos do Pirambu, também sensibilizado pela situação de abandono de pessoas que
ainda não ascenderam aos direitos ligados à cidadania.

5 Carta de OMS
Diante da demanda progressiva, um dia, decidi, com meus alunos do curso de
Psiquiatria, deixar o conforto e a segurança do consultório do Hospital Universitário
para ver as pessoas em seu próprio contexto. Foi assim que fui à comunidade de Quatro
Varas realizarem, com meus alunos, um trabalho de prevenção e de cuidados
psicológicos para os excluídos de nossa sociedade, os que vivem na favela.

Ao ir ajudar meu irmão na favela, encontrei crianças, homens e mulheres que


também estavam em busca de suas identidades ameaçadas e perdidas. Foi aí, então, que
decidi criar o Movimento Integrado de saúde Mental Comunitária, e, conseqüentemente,
a Terapia Comunitária Sistêmica Integrativa, que é o objeto deste livro. Desde então,
todos esses homens, mulheres e crianças tornaram-se meus amigos, meus irmãos e
minha família.

Descobri que eu não era o único a desejar sobreviver neste mundo conturbado, e
que o grande desejo que me habitava e me levava a desejar, na minha infância, salvar a
alma dos outros e, na minha juventude, de salvar os corpos sofridos, era, ao final das
contas, o mesmo que me possibilitava salvar a mim mesmo. É graças aos outros que eu
me redescubro e me alegro por pertencera a uma comunidade dos que crêem numa vida
em que tudo pode ser partilhado.

O Choque Criativo:

Recém-chegados da Europa, após cinco anos ausentes do Brasil, com uma


bagagem teórica centrada no hospital, me depararam com o contexto caótico da favela.
No início foi um grande desafio. Esse novo contexto exigia a criação de novos
paradigmas para estimular uma ação terapêutica criativa e efetiva capaz de:

1-perceber o homem e seu sofrimento em rede relacional;

2-ver além do sintoma: “Quem olha para o dedo que aponta a estrela, jamais
verá a beleza da estrela”

3-identificar, não só a extensão da patologia, mas, também, o potencial daquele


que sofre;

4-fazer da prevenção uma preocupação constante e uma tarefa de todos.

Todo o arsenal terapêutico com seus psicotrópicos, pleiteado pelo modelo


biomédico, concentra suas ações no combate ao patológico. Não se trata de negar sua
contribuição, mas não podemos,também, negligenciar a participação do contexto na
gênese de sofrimentos e doenças. Não podemos plantar uma árvore na floresta da
mesma maneira que plantamos uma árvore em ambientes hostis, que sofre a ação de
vendavais, tempestades de areia, animais soltos, vandalismos. Esses contextos hostis
exigem uma intervenção sistêmica. Temos que dar à árvore seu alimento para crescer,
mas também do meio ambiente, prevenindo erosões, investindo no equilíbrio do homem
com a natureza. Trata-se de uma ação bem mais completa, na qual devem participar
todas as forças vivas da comunidade.

5 Carta de OMS
A resposta a esses desafios contextuais nos levou a levantar uma série de
questões:

*Como sair de um modelo que gera dependência para um modelo que nutra a
autonomia?

*Como romper com a concentração da formação da informação pelo técnico e


fazê-lo circular, para que todos possam dela se beneficiar.

*Como resgatar o saber dos antepassados indígenas e africanos e a competência


adquirida pela própria experiência de vida?

*Como transformar uma prática especializada e limitada numa abordagem


eficiente para atingir um sistema mais amplo.

Foram necessários vários anos de prática para me dar conta de que o desafio
crucial era desencadear uma ação transformadora significativa. Como fazer o grupo
acreditar em si, em sua competência? Eu diria que a palavra-chave que pode
desencadear uma transformação significativa é a palavra FÉ. Porém, tudo depende de
como ela é utilizada. As igrejas estão sempre pedindo para seus fiéis acreditarem em seu
Deus e seguirem seus preceitos; os governos estão sempre pedindo para a s pessoas
acreditarem em seus programas; os técnicos estão sempre pedindo para as pessoas
acreditarem em suas teorias; nós, médicos, estamos sempre pedindo para que os
pacientes acreditarem em nossos remédios. Exige-se das pessoas a fé em nossos
modelos, a fé em nossas verdades e convicções. Tudo isso desencadeia conflitos,
competições, exclusões... Criam-se feudos de poder, intolerância e isso dificulta a
criação de redes solidárias e transformadoras de indivíduos e realidades. Parece-me que
os cultos das diversas igrejas agregam os sofridos e excluídos e tornam-se UTI‟S
existenciais, que permitem ao homem sofrido reanimar a anima desanimada pela dureza
da vida. Estes centros religiosos tornam-se fonte de esperança. Pede-se aos santos
aquilo que não se recebe das instituições sociais. As diversas religiões ou doutrinas
(católica, evangélica, afro-brasileira, espírita) oferecem uma carteira de identidade que
lhes é negada pela sociedade. Neste sentido, ser devoto de um santo, filho de um orixá,
incorporar uma entidade de luz permite aos desvinculados, aos abandonados, fazer parte
de uma nação de luz, na qual os governantes os acolhem com respeito e afeição. Os
cultos tornam-se espaço de reflexão para tomada de consciência das implicações
históricas e humanas na gênese do mal e do sofrimento.

A submissão sectária reforça o sentimento de dependência. Alguns cultos neo-


evangélicos agridem as crenças culturais, destruindo o referencial identitário
interiorizado há gerações, substituídas por um falso Ego, construídas sobre uma religião
da qual se deve esperar tudo e que se afirma pela negação da alteridade.

A origem do mal é atribuída aos maus espíritos que devem ser exorcizados. Sob
o pretexto de exorcizar o mal, exorciza-se o homem de si mesmo, de suas crenças de
seus valores ancestrais, do senso crítico. O que resta de um homem se o impedirem de

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ter acesso aos recursos de sua cultura? Estes cultos catárticos não estariam esvaziando o
homem de sua identidade cultural? Já outros cultos, como a Umbanda, são mais
respeitosos quanto à diversidade cultural e já oferecem a possibilidade de inserção em
uma nova família, na qual co-habitam múltiplas imagens identificadoras e facilitam a
apropriação de um modelo mais comunitário e mais tolerante.

Geralmente, nos esquecemos de que, sejam quais forem os programas


governamentais, as religiões praticadas e as técnicas e teorias elaboradas, todas elas,
sem nenhuma exceção, devem ser instrumentos, meios de ajudar indivíduos, famílias e
comunidades a acreditarem naquilo que Deus já lhes deu e que está adormecido em cada
um de nós.

No dia em que todo conhecimento científico, toda a prática política e toda


profissão de fé caminhar no sentido de ajudar as pessoas a acreditar nelas, em seus
recursos culturais, o mundo será diferente, porque ajudaremos o ser humano a sair de
toda a forma de dependência e submissão, para atingir a liberdade e a autonomia que
nos tornam cidadãos do mundo. Somente assim, passaremos a exorcizar tudo aquilo que
impede a tomada de consciência das implicações humanas na gênese da miséria e do
sofrimento humano para, enfim, poder nascer o desejo de ser solidário ao outro.

Introdução:

Os Alicerces Teóricos da Terapia comunitária:

Apresentamos uma síntese da proposta da Terapia Comunitária como


instrumento de construção de redes solidárias.

1-Métodos e fundamentos:

A Terapia Comunitária tem construído sua identidade alicerçada em cinco


grandes eixos teóricos:

1.1. O pensamento Sistêmico


1.2. A Teoria da Comunicação
1.3. A Antropologia Cultural
1.4. A Pedagogia de Paulo Freire
1.5. A Resiliência

1.1. Pensamento Sistêmico:

O pensamento sistêmico nos diz que as crises e os problemas só podem ser


entendidos e resolvidos se o percebemos como partes integradas de uma rede
complexam, cheia de ramificações, que ligam e relacionam as pessoas num todo que
envolve o biológico (corpo), o psicológico (a mente e as emoções) e a sociedade. Tudo
está ligado, cada parte depende da outra. Somos um todo, em que cada parte influencia e

5 Carta de OMS
interfere na outra parte. Para enfrentar a vida com prazer e buscar a solução para os
nossos problemas pessoais, familiares, comunitários e sócias precisamos estar
conscientes de que fazemos parte desse todo. Precisamos estar conscientes da
globalidade em que estamos inseridos, sem perder de vista a relação entre várias partes
do conjunto a que pertencemos. Só assim, poderemos compreender os mecanismos de
auto-regulação, proteção e crescimento dos sistemas sociais, e passaremos a vivenciar a
noção de co-responsabilidade.

1.2. A Teoria da Comunicação:

Essa Teoria nos aponta para o fato de que a comunicação entre as pessoas é o
elemento que une os indivíduos, a família e a sociedade. Ela nos permite compreender
que todo o comportamento, todo ato, verbal ou não, individual ou grupal tem valor de
comunicação num processo, sempre desafiante, e de entendimento das múltiplas
possibilidades de significados e sentidos que podem estar ligados ao comportamento
humano. A riqueza e a variedade das possibilidades de significados e sentidos que
podem estar ligados ao comportamento humano. A riqueza e a variedade das
possibilidades de comunicação entre as pessoas nos convidam a ir além das palavras,
para entender a busca desesperada de cada ser humano pela consciência de existir e
pertencer, de ser confirmado e reconhecido como sujeito e cidadão. Além disso, nos
alertam para os riscos e efeitos nocivos de uma comunicação usada de forma ambígua,
ensinando-nos, assim, a valorizar a clareza e a sinceridade ao nos comunicar, ato que
pode ser um verdadeiro instrumento de crescimento e transformação pessoal e coletiva.

1.3. A Antropologia Cultural:

Os Conhecimentos dessa ciência chamam a nossa atenção para a importância da


cultura, esse grande conjunto de realizações de um povo ou de grupos sociais, como o
referencial a partir do qual cada membro de um grupo se baseia, retira sua habilidade
para pensar, avaliar e discernir valores, e fazer suas opções no cotidiano. Vista dessa
maneira, a cultura é um elemento de referência fundamental na construção de nossa
identidade de pessoal e grupal, interferindo, de forma direta, na definição do quem sou
eu, quem somos nós.

E é, a partir dessa referencia, que podemos nos afirmar, nos aceitar e nos amar,
para então podermos amar os outros e assumir nossa identidade como pessoa e cidadão.
E é a partir dessa referência, que podemos nos afirmar, nos aceitar e nos amar, para
então podermos amar os outros e assumir nossa identidade como pessoa e cidadão.
Dessa forma, podemos romper com a dominação e com a exclusão social que, muitas
vezes, nos impõem uma identidade negativa ou baseada nos valores de outra cultura que
não respeita a nossa. Quando reconhecemos que, mesmo num único país, convivem
várias culturas e aprendemos a respeitá-las, descobrimos que a diversidade cultural é

5 Carta de OMS
boa para todos e verdadeira fonte de riqueza de um povo e de uma nação. Se a cultura
for vista como um valor, um recurso que deve ser reconhecido, valorizado, mobilizado e
articulado de forma complementar com outros conhecimentos, poderá ver que este
recurso nos permitirá somar, multiplicar nossos potenciais de crescimento e de
resolução de nossos problemas sociais e construir uma sociedade mais fraterna e mais
justa.

1.4. A Pedagogia de Paulo Freire

Paulo freire nos lembra que ensinar não é apenas uma transferências de
conhecimentos acumulados por um educador (a) experiente e que sabe tudo pra um
educando(a) inexperiente que não sabe nada. Ensinar é o exercício do diálogo, da troca,
da reciprocidade, ou seja, de um tempo para falar e de um tempo para escutar, de um
tempo para aprender e de um tempo para ensinar. Freire (1983:95), nesse sentido,
afirma que:

“A auto-suficiência com o diálogo. Os homens que não têm humildade, ou a perdem,


não podem se aproximar do povo. Não podem ser companheiros de pronúncia do
mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se e souber-se-se tão homem quanto aos
outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar ao lugar de encontro com eles. Nesse
lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que
em comunhão buscam saber mais.”

Outro aspecto fundamental na teoria de Paulo é a associação entre teoria e


realidade, mostrando que no ato de aprender é preciso se ter um espaço de expressão
dos problemas vivenciados pelos educando nos seus diferentes contextos (família,
comunidade, igreja, escola, clube) vinculado ao conteúdo programático, pois a história
de vida também é fonte de saber e funciona como estímulo para que, tantos os
professores quanto os alunos, assumam-se como sujeitos sócio-histórico-culturais.

A prática educativa que não possibilita ao educador, nem ao educando,


assumirem-se como seres sociais, ou seja, seres que pensam, criam, têm emoções,
transformam com humildade, maturidade e respeito mútuo é um ato de dominação,
controle. Para Paulo Freire o conhecimento não está separado do contexto de vida. O
respeito e a aceitação da adversidade sem discriminação e preconceitos também se
fazem presentes na teoria de Paulo Freire. E para lidar e aceitar a pluralidade cultural, o
educador precisa estar aberto ao novo, ao diferente, entendendo o ser humano numa
perspectiva de inacabamento ou inclusão. A consciência de que o ser humano é
inacabado possibilita ao educador e ao educando o exercício de indagar, comparar,
duvidar, do despertar da curiosidade sem invadir a privacidade dos outros, da busca de
novos conhecimentos, não para constatar os erros, mas, a ajudar a encontrar soluções (o
que podemos fazer por está realidade?) promovendo transformações no universo em que
vivem, (Freire “2001: 79) afirma: “ninguém nasce feito. “Vamos aos fazendo aos
poucos, na prática social de que tomamos parte”.

5 Carta de OMS
Outro ponto a mencionar sobre o método de Paulo Freire é que nenhum
educador pode assumir a prática de sua missão se não tiver por ela um mínimo de
carinho, apreço, identificação. Isso é válido também no trabalho do terapeuta
comunitário. Se não houver envolvimento e identificação nosso trabalho fica
prejudicado. Para educar não basta ter tempo livre fazendo da missão um bico ou um
passatempo enquanto não chegar outro “trabalho” mais rentável. Da mesma forma que o
educador não pode jamais esquecer que a sua missão é com a formação dos seres
humanos – crianças, adolescentes e adultos que têm sonhos, ideais, indagações,
interrogações, acerca de si próprio e do mundo que os cerca, o terapeuta comunitário
deve sempre ter uma visão contextual e compreender que não está lá somente para
realizar uma tarefa para os outros, mas, sobretudo, para si mesmo. Portanto, nesse
sentido, a natureza do trabalho pedagógico é política, pois envolve valores acerca da
cidadania. E para ser cidadão não basta não basta saber reconhecer o mundo das
palavras mas, perceber-se como o ser humano histórico que produz cultura. Enfim, o
método de Paulo Freire é um chamado coletivo a todos os membros da raça humana
para criar e recriar, fazer e refazer através da ação e reflexão. Descobrindo novos
conhecimentos e, conseqüentemente, novas formas de intervir na realidade, os
indivíduos tornam-se sujeitos da história e não meros objetos.

O perfil indicado para o terapeuta comunitário é semelhante ao papel do


educador que está muito bem definido na pedagogia de Paulo Freire.

1.6. A Resiliência

Outra fonte importante do conhecimento, que contribui para a construção de


nossa proposta de trabalho, nasce da própria história pessoal e familiar de cada
participante. As crises, os sofrimentos e as vitórias de cada um, expostos ao grupo, são
utilizados como matéria-prima em um trabalho de criação gradual de consciência social,
para que os indivíduos descubram as implicações sociais da Gênese da miséria e do
sofrimento humano. O enfrentamento das dificuldades produz um saber que tem
permitido aos pobres e oprimidos sobreviverem através dos tempos. Tudo isso revela
um espírito criativo e construtivo, construindo historicamente, através de uma interação
entre o indivíduo e o seu meio ambiente. Precisamos encorajá-los e estimulá-los. É
evidente que esse esforço coletivo não deve substituir as políticas sociais, mas inspirá-
las e até mesmo reorientá-las. Não buscamos identificar as fraquezas e as carências. Não
tentamos diagnosticar os problemas, nem os meios de compensá-los, pelo contrário, a
meta fundamental da Terapia Comunitária e identificar e suscitar as forças e as
capacidades dos indivíduos, das famílias e das comunidades para que, através desses
recursos, possam encontrar as suas próprias soluções e superar as dificuldades impostas
pelo meio e pela sociedade.

A formação proposta, baseada nas linhas teóricas acima descritas e na


valorização das vivências, permite aos terapeutas comunitários sentirem-se mais
confiantes em suas competências e menos dependentes de teorias gerais e
especializadas. Eles são orientados para assumirem as ações básicas em saúde mental

5 Carta de OMS
comunitária, voltadas para a prevenção, mediação das crises e promoção da inserção
social dos indivíduos.

Em nossa proposta de trabalho, procuramos adaptar conceitos teóricos a uma


linguagem coerente com as necessidades e realidades culturais de nossas comunidades,
tornando-se acessíveis às lideranças comunitárias que recebem a formação para se
tornarem terapeutas comunitários. Esses elementos teóricos que fundamentam nossa
proposta definem o espaço de intervenção em que cada terapeuta comunitário poderá,
também, desenvolver sua criatividade, descobrir novas técnicas e produzir novos
conhecimentos.

2. Princípios, Conceitos e Metodologia

A Terapia Comunitária é um espaço de promoção de encontros interpessoais e inter


comunitários, objetivando a valorização das histórias de vida dos participantes, o
resgate da identidade, a restauração da auto-estima e da confiança em si, a ampliação da
percepção dos problemas e possibilidades de resolução a partir das competências locais.
Tem como base de sustentação o estímulo para a construção de vínculos solidários e
promoção de vida.

Esta forma de trabalho permite que se avance do modelo centrado na patologia ao


modelo da promoção da saúde, das redes de solidariedade e da inclusão social.

A Terapia Comunitária não se define como um processo psicoterapêutico, mas,


sim, como um ato terapêutico de grupo que pode ser realizado com qualquer número de
pessoas e de qualquer nível socioeconômico. É uma prática de intervenção simples, mas
não simplista, requerendo uma capacitação. Ela é dirigida por facilitadores,
devidamente treinados, sem nenhuma exigência de formação acadêmica anterior.

A intervenção se dá nas diversas redes que compõem o sistema de relações


humanas, incluindo a família, os vizinhos, os amigos e a coletividade para apoiar os
indivíduos e as famílias mais vulneráveis da comunidade que estão vivendo uma
situação de crise.

No campo da sua intervenção, o terapeuta comunitário tenta articular a dimensão


biológica, social e política dos problemas. Ele tem, como ponto de partida, uma
situação- problema (alcoolismo, insônia...), apresenta por alguém da comunidade e
escolhida pelo grupo. É a partir dessa situação que a equipe terapêutica passa a
estimular e favorecer o crescimento do indivíduo e das pessoas mais próximas a ele,
para adquirir um maior grau de autonomia, consciência e co-responsabilidade. Tudo
isso acontece através de um processo de questionamentos em todos os níveis: biológico,
psicológico, social e político.

Nós nos apoiamos na competência dos indivíduos e das famílias e, jamais, nas
carências que são prerrogativas dos especialistas.

3.A comunidade:

5 Carta de OMS
São pessoas ou grupo de pessoas em relação que tem alguém comum como
exclusão, desemprego, sofrimento, migração...

4.População-alvo:

São os grupos de pessoas que vivem em contextos de desagregação e exclusão


social, muitas vezes, agravado pelas migrações forçadas. Nesses contextos, encontramos
não somente a pobreza econômica, mas a pobreza cultural, a fragilidade de laços
sociais, a incapacidade de se organizar de forma mais democrática e, sobretudo, a auto-
imagem desvalorizada, a baixa auto-estima que, muitas vezes, culmina na perda da
própria identidade e dignidade. Embora esta proposta terapêutica esteja mais voltada
para grupos que vivem em condição social vulnerável, em termos de sua saúde mental e
autonomia individual e comunitária, nossa experiência tem mostrado que ela pode ser
aplicada em qualquer grupo de pessoas, pertencentes às mais diferentes classes sociais,
idades, situações socioeconômicas e profissionais.

5.Orientação:

A Terapia Comunitária parte do pressuposto de que o sofrimento humano,


decorrente do macro-contexto socioeconômico e social, fere a dignidade da pessoa,
atinge seus direitos como cidadão, gerando extremos de patologia social e adoecimento.

Estamos convencidos de que toda a sociedade humana dispõe de mecanismos


terapêuticos válidos e culturalmente relevantes, que reforçam e valorizam a trajetória de
vida e a identidade de seus membros.

As possibilidades de prevenção das doenças mentais, bem como as formas de


cura são tantas quantas são as distintas realidades, sociedades e culturas presentes na
humanidade.

As sessões de Terapia Comunitária se propõem a:

a) Reforçar os vínculos entre as pessoas, respeitando a cultura de cada um;


mobilizar os recursos e competências culturais locais, para promover a saúde
mental comunitária; e construir uma rede social de proteção e inserção,
promovendo uma cultura de paz.

A comunidade deve funcionar como agente terapêutico no processo de inserção


social, evitando a alienação da própria cultura, a perda da identidade, ajudando
os indivíduos a se sentirem membros efetivos de sua comunidade.

b) Criar, gradualmente, uma nova consciência social, para que os indivíduos


tomem consciência da origem e das implicações sociais sobretudo, para que,
em meio a tantas dificuldades, descubram suas potencialidades terapêuticas e
capacidades transformadoras.

Nossa proposta rompe, portanto, com o pensamento dominante que considera


que:

5 Carta de OMS
- o povo é ignorante, e nós precisamos educá-lo;

- a tradição é um obstáculo ao progresso e não é possível colaborar;

- só existe um modelo de intervenção válido – o científico.

Trata-se, pois, de uma terapia para a prevenção, uma vez que permite ao
excluído e marginalizado enfrentar a realidade que ameaça distanciá-lo de sua cultura e
destruir sua identidade. Integrado em sua cultura e em sua comunidade, ele se torna
consciente de seus direitos e deveres individuais e sociais, o que lhe permite uma
existência cidadã, digna e plena. Nesse sentido, prevenir é, sobretudo, estimular o grupo
a usar a sua criatividade e construir o seu presente e o seu futuro a partir de seus
próprios recursos.

6. Ética:

A ética que orienta a proposta da Terapia Comunitária busca:

a) Romper o isolamento entre o saber científico e o saber popular, fazendo um


esforço no sentido do exigir um respeito mútuo entre as duas formas de
saber, em uma perspectiva de complementaridade, sem rupturas com a
tradição, e sem negar as contribuições da ciência moderna;

b) Alcançar a solidariedade e o respeito ao processo de libertação do homem


que sofre, centrando sua ação no encontro com outras pessoas que vivem na
mesma situação, para que vivencie juntos, na comunidade, o acolhimento, a
partilha de suas descobertas, a cura e a libertação.

c) Considerar a ecologia do espírito que se manifesta em respeito à diversidade


cultural e a seus sistemas de representação.

CAP I

A Terapia Comunitária Sistêmica Integrativa: definição, objetivos e


pressupostos.

1- Por que Terapia Comunitária?

Terapia (do grego: therapeia) é uma palavra de origem grega que significa
acolher, ser caloroso, servir, atender. Portanto, o terapeuta é aquele que acolhe e cuida
dos outros de forma calorosa.

5 Carta de OMS
Comunidade: a palavra comunidade é composta de duas outras palavras:
COMUM + UNIDADE, ou seja, o que as pessoas têm em comum. Entre outras
afinidades têm sofrimentos, exclusão, buscam soluções e superação das dificuldades.

Porque Sistêmica? O pensamento sistêmico nos diz que as crises e problemas


só podem ser entendidos e resolvidos se os percebemos como partes integradas de uma
rede complexam que ligam e interligam as pessoas num todo. Somos um todo, em que
cada parte influencia e interfere na outra parte.

Portanto, o sofrimento humano é decorrente do macro-contexto socioeconômico


político e social, as respostas devem ser também sistêmica, mobilizando recursos da
multicultura brasileira.

Porque Integrativa? Na promoção da saúde, todas as forças vivas fda


comunidade devem ter um papel ativo, integrando saberes oriundos dos mais diferentes
contextos socioculturais e ampliando as redes solidárias de promoção da saúde e da
cidadania. Neste sentido, a cultura é vista como um recurso que deve ser reconhecido,
valorizado, mobilizado e articulado de forma complementar com outros conhecimentos.
Somente assim podemos somar, multiplicar nossos potenciais de crescimento e
resolução de nossos problemas sociais e construir uma sociedade mais justa e
democrática.

1.1- Terapias Comunitárias

É um espaço comunitário onde se procura partilhar experiências de vida e


sabedorias de forma horizontal e circular. Cada um torna-se terapeuta de si mesmo, a
partir da escuta das histórias de vida que ali são relatadas. Todos se tornam co-
responsáveis na busca de soluções e superação dos desafios do cotidiano, em um
ambiente acolhedor e caloroso.

É um momento de transformação, transmutação do KAOS, da crise, do


sofrimento para o KYROS, espaço sagrado onde cada um reorganiza seu discurso e
resignifica seu sofrimento dando origem a uma nova leitura dos elementos que o faziam
sofrer. É esta dimensão sagrada de transformar o sofrimento em crescimento, a carência
em competência que faz da Terapia Comunitária um espaço sagrado.

1.2- A ação terapêutica da comunidade

Assim como a etapa da história do universo é marcada pela invenção do homem


de criar uma nova forma, de lutar contra o esfriamento devido a sua expansão, a Terapia

5 Carta de OMS
Comunitária se propõe ser um instrumento de aquecimento e fortalecimento das
relações humanas na construção de rede de apoio social, em um mundo cada vez mais
individualista, privatizado e conflitivo.

A comunidade age onde a família e as políticas sociais falham. Nós afirmamos


que a solução está no coletivo e em suas interações, no compartilhar, nas identificações
com o outro e no respeito às diferenças. Os profissionais devem ser parte dessa
construção. Ambos se beneficiam: a comunidade gerando autonomia e inserção social e
os profissionais se curando de seu autismo institucional e profissional, bem como de sua
alienação universitária.

2- A Terapia:

A Terapia Comunitária apresenta três características básicas:

Primeira. A discussão e a realização de um trabalho de saúde mental,


preventiva e curativa, procurando engajar todos os elementos culturais e sociais ativos
da comunidade: agentes de saúde, educadores, artistas populares, curandeiros, entre
outros.

Segunda: A ênfase no trabalho de grupo, promovendo a formação de grupos de


mulheres, jovens, pessoas de terceira idade, para que, juntos, busquem soluções para os
problemas cotidianos e possam funcionar como escudo protetor para os mais frágeis,
sendo instrumentos de agregação social.

Terceira: A criação gradual da consciência social, para que os indivíduos


tomem consciência da origem e das implicações sociais da miséria e do sofrimento
humano e, sobretudo, para que descubram suas potencialidades terapêuticas
transformadoras.

3- Os objetivos:

A Terapia Comunitária tem os seguintes objetivos:

1- Reforçar a dinâmica interna de cada indivíduo, para que este possa descobrir
seus valores, suas potencialidades e tornar-se mais autônomo e menos dependente.

2- Reforçar a auto-estima individual e coletiva.

3- Redescobrir e reforçar a confiança em cada indivíduo, diante de sua


capacidade de evoluir e de se desenvolver como pessoas.

5 Carta de OMS
4- valorizar o papel da família e da rede de relações que ela estabelece com o seu
meio.

5- Suscitar, em cada pessoa, família e grupo social, seu sentimento de união e


identificação com seus valores culturais.

6- Favorecer o desenvolvimento comunitário, prevenindo e combatendo as


situações de desintegração dos indivíduos e das famílias, através da restauração e
fortalecimento dos laços sociais.

7- Promover e valorizar as instituições e práticas culturais tradicionais que são


detentoras do saber fazer e guardiãs da identidade cultural.

8- Tornar possível a comunicação entre as diferentes formas do saber popular e


saber científico.

9- Estimular a participação como requisito fundamental para dinamizar as


relações sociais, promovendo a conscientização e estimulando o grupo, através do
diálogo e da reflexão, a tomar iniciativas e ser agente de sua própria transformação.

A construção das teias:

A teia de aranha é um símbolo. Os Índios Tremembé que habitam o Nordeste


brasileiro dançam o torem, uma dança em ritmo de xote, através da qual invocam e
imitam os animais com os quais, no passado, aprenderam uma lição. Dentre os animais
revenreciados temos a aranha. Com a dança das aranhas os índios nos lembram que ela
sem a teia é como o índio sem a terra. A aranha sem teia é como uma comunidade sem
vínculos.

As terapias comunitárias são semelhantes ao trabalho da aranha que tece teias


invisíveis, porém, fortíssimas. Esse tipo de trabalho terapêutico tem se tornado
referência para os excluídos da sociedade, tem permitido agregar os sem-rumo e
perdidos, tem aberto um espaço de expressão para os que sofrem, tem sido suporte e
apoio que permite, a muitos, nutrirem-se do que ali se constrói.

A Terapia Comunitária (abreviada TC) resgata, também, a participação dos


valores culturais de um grupo social e dos vínculos interpessoais e sociais que unem,
fortalecem e fazem o homem desse grupo descobrir o sentido de pertencimento à
humanidade.

A cultura é como uma teia invisível que integra e une os indivíduos. Portanto,
podemos acreditar qual a melhor prevenção é manter o indivíduo ligado a seu universo
cultural e relacional, a sua teia, pois é através de sua identificação com os valores

5 Carta de OMS
culturais de seu grupo que ele se nutre e constrói a sua identidade. A cultura para o
indivíduo é como a teia para a aranha.

5- A escolha do terapeuta:

Para selecionar os candidatos, sugerimos uma palestra se sensibilização aberta


ao publico para apresentar a TC, seus objetivos, referencial teórico e o papel do
terapeuta comunitário. Esta palestra de sensibilização permite esclarecer dúvidas e uma
melhor escolha de quem deseja fazer formação evitando, assim, desistências posteriores
e mal entendidas. Sugerimos convidar representantes de ONG, lideranças civis e
religiosas, profissionais da saúde, do serviço social, da educação...

É muito importante a etapa da escolha do terapeuta comunitário. A comunidade


deve seguir alguns parâmetros que garantam a realização de um bom trabalho. Se já
existe comunidade organizada e consciente da importância da Terapia Comunitária,
torna-se mais fácil a escolha do terapeuta.

Aqui, apresentamos alguns critérios que devem nortear a escolha do terapeuta


comunitário:

1- Ser escolhido pela comunidade e que haja uma explicação sobre o trabalho do
terapeuta comunitário. Esse trabalho deve ser discutido com as pessoas da comunidade,
para que elas sugiram nomes que correspondem ao perfil exigido. O ideal seria
promover uma votação, ou seja, uma indicação pelo voto dos futuros terapeutas
comunitária. Esse processo democrático consolida o papel do terapeuta comunitário e
nos garante que o eleito seja alguém que tem o respeito e a confiança da comunidade.

2-Ser alguém já engajado em trabalho comunitário, pois a experiência como


líder que organiza reuniões será muito útil ao trabalho.

3-Estar consciente de que o trabalho realizado não traz nenhuma renumeração


financeira, já que se inscreve dentro de um voluntariado e exige disponibilidade de, no
mínimo, três horas de trabalho semanal, a menos que se trate de alguém já vinculado a
um trabalho institucional, por exemplo, um Agente Comunitário de Saúde, ou outros
profissionais inseridos em programas como PSF (Programa de Saúde da Família).

4- Ter mente aberta para participar das práticas vivenciadas durante o curso. É
preciso querer se conhecer, aceitar rever seus esquemas mentais, para que, haja
crescimento humano e profissional.

5- Não ser adolescente, nem pessoa imatura, super-rígida ou preconceituosa.

6-Não ser pessoa com situação-problema mal resolvida, uma vez que lidará com
a formação de pessoas para atuarem como mediadores sociais do sofrimento humano. O

5 Carta de OMS
curso para formação do terapeuta comunitário não é para tratar pessoas complicadas.
Exige-se, portanto, um mínimo de equilíbrio emocional.

7-não ser pessoa que não possa se dedicar, por já estar envolvida com outras
atividades.

8-Saber que esta formação exige afastar-se de sua família e de suas atividades,
por período de quatro dias, em intervalos de dois à três meses. (O curso ocorre em
quatro módulos, dos quais, dois são de quatro dias e dois, de três dias).

9- Conhecer as diversas atividades que seu município desenvolve, para a Terapia


Comunitária venha dar apoio às outras atividades, e não funcione de forma isolada das
outras ações.

10- Ter disponibilidade de duas horas semanais para realizar as rodas de Terapia
Comunitária. Caso a pessoa faça parte de uma instituição, solicita-se que, no ato da
inscrição, apresente declaração confirmando sua liberação para realizar as TC, conforme
planejado. Essa providência evita contratempos e desistências por falta de condições
mínimas que compreendem as práticas.

11- Em locais onde já existe a TC, propor aos candidatos que participem de, pelo
menos, três rodas de Terapia Comunitária. Isso lhes permitirá entender melhor a
proposta e observar se identificam com ela.

12- Realizar entrevistas individuais com os candidatos, para melhor


compreender a sua motivação para a formação proposta, bem como analisar se o(s)
interessado(s) atende(m) aos critérios exigidos. Entrevistar os candidatos é a melhor
maneira de garantir a permanência do grupo de formação e evitar altos índices de
desistência.

Devem ainda ser escolhidas duas ou três pessoas por comunidade ou instituição,
a fim de que seja constituída uma equipe para coordenar a Terapia Comunitária.

Não é exigida nenhuma capacitação anterior: O mais importante é que o


escolhido deseje adquirir novos conhecimentos que lhe permitam fazer melhor o
trabalho que já desenvolvem na comunidade.

O escolhido deve estar a serviço da dinâmica do grupo, e não o contrário:


colocar o grupo a serviço da sua dinâmica individual, de seu projeto pessoal, querer
crescer sozinho ou sozinho realizar, empreender. Esta é a diferença entre o terapeuta
comunitário e outras lideranças político-partidárias e cooperativas.

6- A Capacitação:

5 Carta de OMS
Depois da seleção, feita com base nos critérios apontados, os escolhidos devem
fazer a formação. Trata-se de um curso de capacitação profissional com 360 h/a, assim
distribuídas: 80 h/a são dedicadas aos aspectos teóricos; 80h/a às vivências terapêuticas,
quando serão utilizadas técnicas de relaxamento e autoconhecimento, e 120 h/a
dedicadas à realização de práticas em Terapia Comunitária, equivalentes à condução de
quarenta e oito terapias como terapeuta ou co-terapeuta realizadas em sua comunidade e
ou instituição, com 80h?a de intervenção.

Este curso, geralmente, ocorre em quatro módulos de 40h/a cada, sendo dois de
quatro dias, com intervalo de dois meses e outros dois módulos de três dias, com
intervalo de três meses. Sugere-se que, durante os dias de curso, os participantes fiquem
em regime de internato, pois a convivência com o grupo, nesses dias é fundamental para
a formação, sobretudo para consolidar a rede interpessoal.

Durante toda a formação, os terapeutas comunitários serão acompanhados, de


perto, por uma equipe de formadores reconhecidos pela ABRATECOM
(WWW.abratecom.org.br).

Após o primeiro módulo, os participantes já devem iniciar o estágio em equipes


de duas ou três pessoas. Até o segundo módulo, cada equipe deverá ter realizado pelo
menos dez rodas terapêuticas.

No final do curso é conferido um certificado, desde que o participante tenha


cumprido as exigências do curso que ocorre, no máximo, dentro de dois anos.

7- Os Terapeutas Comunitários:

7.1- O perfil do terapeuta.

O Terapeuta Comunitário é uma pessoa que pode proporcionar às mães e aos


pais de família alívio as suas ansiedades, as suas angústias, as suas frustrações, aos seus
estresses e aos seus sofrimentos, e também possibilita partilharem seus recursos e suas
descobertas, através da troca de experiências na Terapia Comunitária.

Embora o sofrimento passe pelo corpo, não é uma dor só do corpo. Não diz
respeito somente à Medicina. Trata-se da dor de pessoas humanas que estão vivendo um
drama, uma dificuldade e precisam de apoio e suporte da comunidade. São mães e pais
que precisam ser escutados e apoiados.

A essas pessoas são impostas obrigações e mais obrigações , desafios e mais


desafios e, muitas vezes, não sabem mais o que fazer ou para quem apelar. Falta-lhes
espaço de escuta e de apoio. Tanto precisam ser amadas, como precisam compreender o
comportamento de filhos, familiares e vizinhos.

Antes não existiam as ameaças que existem hoje, a violência urbana e as drogas.
Nossas famílias precisam entender esse quadro social e a forma como ele altera suas

5 Carta de OMS
vidas. Como elas podem compreender, senão refletindo e aprofundando suas
observações sobre a realidade?

Se quisermos transformar as comunidades de excluídos, fazendo com que se


integre que descubram seus valores como pessoas, os valores que a cultura oferece
como recursos que foram destruídos pelo colonizador e continuam sendo por outras
formas de colonização, temos que ajudá-las nesta descoberta; temos que ajudá-las a
verbalizar suas sensações e suas emoções, transformando-as em pensamento
transformador. A partir daí, os excluídos poderão ser sujeitos da história e, não mais,
meras vítimas e espectadores.

Tomemos, para melhor compreensão, o exemplo evangélico da multiplicação


dos pães:

De lá, voltou Jesus, à margem do lago da Galiléia, e, subindo a


montanha, sentou-se. Muita gente aproximou-se dele, trazendo consigo
coxos, estropiados, cegos, mudos e muitos outros. E colocaram-nos aos
seus pés.
Chamou Jesus a seus discípulos e lhes disse: “Tenho compaixão deste
povo, pois há três dias que está comigo e não tem o que comer. Não
quero despedi-los com fome; poderiam desfalecer no caminho”.
Disseram-lhe os discípulos: “Onde podemos conseguir, num deserto,
pães suficientes para alimentar tanta gente”? Disse-lhes Jesus: “
Quantos pães tendes?” Responderam: “Só temos aqui cinco pães e dois
peixes”. Então, ordenou ao povo que se acomodasse no chão; depois,
tomou os pães e os peixes, deu graças, partiu-os e pôs-se a distribuí-los
aos discípulos ao povo. Todos comeram que mataram a fome,e
encheram doze cestas com as sobras. Os que haviam comido eram
cerca de quatro mil homens, sem contar mulheres e as crianças.
Despedido o povo, entrou na barca e foi para o território de Magadan.
( Mateus 15: 32-39)

A grande preocupação dos discípulos era não confiar em suas capacidades para
resolver aquela situação-problema. Jesus, contudo, mandou que eles acreditassem neles
mesmos, que acreditassem na capacidade do povo.

Quando cada um colocou em comum a sua “espiga de milho”, o seu “tomate”, o


seu “peixe”, a sua “farinha”, a sua “tapioca”, a sua “rapadura”, todos comeram, e ainda
sobrou foi muito!!!

O verdadeiro milagre da multiplicação acontece quando cada um coloca em


comum a sua contribuição, mesmo que seja a única migalha que lhe reste. Esse esforço
conjunto vai resultar em algo que é maior do que a soma das partes. É aqui que

5 Carta de OMS
ultrapassamos a lógica cartesiana que faz com que 2+2 sejam sempre quatro. Nesses
casos, 2+2 resultam em 12. É aí onde está o milagre da transformação.

O terapeuta comunitário deve ter esta crença no outro. É como disse Jesus, em
outra ocasião: “Homem, tua fé te salvou!” Jesus Cristo foi Aquele que veio suscitar a
capacidade de auto cura.

O terapeuta é um instrumento a serviço do crescimento humano e comunitário;


não precisa ser sabido, letrado, estudado. Não precisa, para ajudar o povo, andar com
livro debaixo do braço, ou de óculos querendo mostrar que é intelectual. Basta que seja
uma pessoa verdadeira e comprometida.

O terapeuta comunitário não pode ser aquele que vê em cada falha um pecado;
em cada erro, a presença de um espírito do outro mundo. E, sim, ser aquele que enxerga
em cada falha um apelo, um sinal de necessidade, de carência e de ajuda. Ele precisa ter
a sensibilidade bastante aguçada, para poder compreender o outro.

É importante que o terapeuta comunitário tenha aprendido na escola da vida; que


saiba amar o próxima, que saiba situar os problemas, escutar o outro com paciência, que
não queira se promover ou se auto-afirmar apoiando na carência do outro.

7.2 O papel do terapeuta:


O terapeuta comunitário deve estar bem consciente dos objetivos da terapia e
dos limites de sua intervenção para não extrapolar sua função. A função da Terapia
Comunitária não é resolver os problemas das pessoas e, sim, suscitar uma dinâmica que
possibilite a partilha das experiências e criar uma rede de apoio aos que sofrem.

O terapeuta comunitário não deve assumir o papel de especialistas (psicólogos,


psiquiatra), fazendo interpretações ou análises. Os especialistas desenvolvem
habilidades e sabem lidar com os traumas profundos, com as doenças. O terapeuta
comunitário vai trabalhar o sofrimento das pessoas, estimularem a partilha e possibilitar
a construção de uma rede de apoio.

O terapeuta deve trabalhar a competência das pessoas, procurando, sempre


através de perguntas, garimparem o saber produzido pela vivência do outro. Deve, pois,
resgatar e valorizar o saber produzido pela experiência, pela vivência de cada um.

O terapeuta não deve colocar suas idéias na terapia, mas suscitar idéias do
próprio grupo, como por exemplo: “Quem já vivenciou algo parecido e o que fez para
superá-lo.

O terapeuta deve provocar perguntas para ser “ como um parteiro que facilita o
nascimento da criança”, que faz suscitar a vida que está ali. Ajudar o outro a nascer é
conhecê-lo capaz de fazer opções, de ser livre, para continuar o seu caminho de vida.

Através das perguntas, da qualidade da escuta, o terapeuta vai ajudando a pessoa


a tornar mais claras suas questões, no sentido de fazer suas próprias descobertas.

5 Carta de OMS
O terapeuta comunitário deve agir como o maestro de uma orquestra, fazendo
com que todos os músicos usem bem seus instrumentos. Precisa saber que a riqueza do
grupo não está fora, mas dentro dele.

O terapeuta deve provocar, nas pessoas e no grupo, a vontade de sempre


construir vínculos que confiram segurança e pertença.

A legitimidade do terapeuta comunitário vem do compromisso dele com os


outros: da sua capacidade de estar atento ao sofrimento e ao potencial do indivíduo,
família e comunidade.

O terapeuta deve criar e estimular uma dinâmica interativa, marcada pela


verbalização e pela escuta, através dos motes (temas, palavra-chave). Deve estimular os
laços afetivos entre as pessoas e procurar intervir como um comunicador, preocupado
em clarear as mensagens, explicitar os “não-ditos”.

O terapeuta deve interagir em igualdade e falar de seus sentimentos. A terapia é


uma ocasião para o terapeuta crescer com o grupo, já que todo processo educativo tem
mão dupla: ensinamos me aprendemos. O terapeuta é, desse modo, um com o grupo e
não um para o grupo.

O terapeuta comunitário deve estar convencido de que existe uma dinâmica


social, na qual ele pense e afirme: “Eu vou colocar a minha competência, da mesma
maneira que cada participante colocará a sua a serviço dessa dinâmica. Sei que o
produto é do grupo, e não meu”.

É importante estar motivado, animado. Muitas vezes, o desânimo do grupo é


reflexo da desmotivação do terapeuta.

O papel central do terapeuta é, pois, ajudar na descoberta dos recursos


individuais e comunitários e mobilizar o possível em cada um, evitando a busca do
consenso, pois ele desencadeia a luta pelo poder.

8- A intervenção terapêutica:

Podemos exemplificar a intervenção do terapeuta comunitário da seguinte


forma:

Em um grupo terapêutico, uma mãe chega e diz que está com insônia. Tem cinco
filhos e o marido morreu. O desespero não a deixa dormir. Além disso, tem medo de
perder o emprego, única fonte de alimento para sua família. Teme enlouquecer se não
voltar a dormir. Pensa: “ o que vou fazer da minha vida, agora que perdi meu marido?”
E acrescenta: “ Doutor, me dê um remédio, mas vou logo lhe dizendo, não me dê receita
que eu não tenho dinheiro nem para comprar comida, quanto mais para comprar
remédio” e começa a chorar.

Nesse momento, o terapeuta, ou qualquer outra pessoa, propõe fazer uma


corrente em que todos dêem as mãos e então começam a cantar uma música, que pode

5 Carta de OMS
ser: “Encosta tua cabecinha no meu ombro e chora,/ e conta logo tuas mágoas todas para
mim,/ quem chora no meu ombro eu juro que não vai embora,/ que não vai embora/
porque gosta de mim...” ( Paulo Borges)

Essa música, ao mesmo tempo em que permite às pessoas trabalharem o


conteúdo do sofrimento, (re)significar sua dor, uma vez que a letra traduz o sentimento
de quem já passou por aquela situação, permite também trabalhar o continente humano,
formando simbolicamente pela corrente de mãos dadas. Esta tem sido uma forma
exitosa de consolidar o grupo na hora em que as emoções fortes emergem as histórias
contadas.

Quando se canta, toca-se o coração, mexe-se com a sensibilidade, cria-se um


movimento, uma energia que circula, dirige-se a emoção. A música cria-se um espaço
medi ativo e permite ao indivíduo entrar em contato consigo mesmo, com suas
emoções. A música permite a eclosão da emoção subjacente que permeia o grupo ao
ouvir a história de dor do outro.

A corrente criada com as mãos dadas, a música e o movimento de balanço criam


um movimento solidário, partilhando, dando confiança, apoio e servindo de suporte
para eliminar a ansiedade. Assim, o recurso musical facilita a construção da
comunidade.

Não podemos esquecer que o ponto de partida da terapia é fazer um apelo ao


saber que cada pessoa tem: a herança dos índios, a herança dos africanos ou o saber
produzido durante a sua vida. Nós fazemos apelo a este saber produzido pela vivência
pessoal e herança ancestral.

O terapeuta, então pergunta ao grupo: “Quem de vocês já vivenciou uma


situação parecida e o que fez para superá-la?” E poderá ouvir respostas, como:

“Ah, eu já passei por isso, eu só faltei ficar doida, mas eu fiquei boa da minha insônia,
tomando o suco do capim santo” (e passa a dar a receita de como preparar), ou “ O meu
caso foi terrível. Eu sei o que é isso, fiquei várias noites sem dormir. Para mim os chás
não resolveram, o que resolveu foi umas massagens que tomei com um senhor que mora
na rua Santa Elisa. Ele tem umas mãos abençoadas,” ou “Eu resolvi minha insônia foi
rezando na igreja, entregando a Jesus. Depois que entreguei minha vida a Jesus, não sei
mais o que é insônia.”, ou ainda “Eu curei minha insônia cansando o meu corpo. Todo
dia depois de cuidar da casa eu saio, dou uma voltinha e quando chego tomo um banho e
o sono é uma beleza.”

E assim vão surgindo do grupo pistas, idéias, soluções possíveis. Uma senhora
com insônia chegam com uma demanda específica -quer um remédio – e sai com várias
possibilidades. A história dela permite a cada um falar também da sua dor, do seu
sofrimento e socializar toda a produção de saber elaborado ao longo da vida.

A senhora que pede o remédio ao doutor comporta-se como a maioria dos


presentes: vai à terapia em busca de um remédio “material”. Como se só o doutor fosse

5 Carta de OMS
capaz de trazer soluções. Na Terapia Comunitária é a comunidade quem oferece
alternativas de soluções e cura. Isso não impede que, no final da terapia, as pessoas que
precisam de uma consulta especializada sejam encaminhadas aos especialistas.

À medida que a terapia avança, vão se aprofundando a situação-problema


trazida. O problema não será mais visto de forma isolada, mas fazendo parte de um
todo. Alguém pode alertar:

“Nós dormimos mal nas favelas porque nos falta


segurança, luz elétrica...”.

O que fazer então?

A comunidade deve se organizar para reivindicar luz elétrica, mais segurança,


mais ruas pavimentadas. A Terapia Comunitária, que se orienta pela abordagem
sistêmica, busca soluções a partir do próprio grupo. Portanto, a Terapia Comunitária,
permite construção de diálogos, não se trata de querer convencer as pessoas, mas apenas
de comunicar, oferecendo a chance de se fazer uma opção e de se construir laços de
afetividade entre as pessoas que reforçam a trajetória identitária de seus membros. É
preciso, pois, que o terapeuta apóie o dinamismo interno do grupo, para que este
descubra seus valores, suas potencialidades, e se torne mais autônomo e menos
dependente.

O modelo que nós experimentamos é construído no cruzamento dos caminhos do


tradicional e do moderno. Na terapia tradicional (popular), a cura passa pela pertença
aos valores culturais. O processo de cura não implica prescrever medicamentos, mas,
sobretudo, estabelecer laços, não necessariamente com o grupo, mas com os valores de
sua própria cultura. Toda a sociedade humana dispõe de seus mecanismos terapêuticos.

Quando falamos em cura, entendemos que o curar passa pelo suscitar o


sentimento de adesão e de pertença aos valores culturais. Não somos nós, terapeutas,
que definimos o que é cura, e, sim, o indivíduo integrado no seu tecido cultural e social.
A cura recobre tantas realidades, quantas sociedades, culturas e subculturas.

O terapeuta é catalisador que acelera, modera e orquestra o trabalho terapêutico


do grupo. Sua função terapêutica compreende, apenas, suscitar questionamentos,
provocar discussões, trazer elementos clarificadores, para que o gripo desenvolva a sua
vocação terapêutica.

Trata-se, sobretudo, de uma terapia com vocação preventiva que permite ao


homem da favela enfrentar a nova realidade que o ameaça, uma terapia que o leva a não
se alienar de sua própria cultura e perder-se de sua própria identidade; que o ajuda a
sentir-se membro de uma comunidade que tenha reconhecido o seu jeito de existir.

5 Carta de OMS
A Terapia Comunitária é muito mais centralizada nos “laços” do que nos
“espaços”. Laço é, sobretudo, a relação estável e dinâmica com a terra, a religião, os
sistemas simbólicos e os vizinhos. Com a migração, os favelados perdem suas raízes,
perdem seus laços e suas referências identitárias. Com a noção de laços, define-se uma
outra visão do sofrimento e do processo terapêutico. A Terapia favorece uma tomada de
consciência das implicações humanas, na gênese das crises e conflitos, para que a
própria comunidade possa sentir-se implicada e co-participe dos acontecimentos.

Na Terapia Comunitária não existe a diferença provocada pela verticalidade de


uma instituição terapêutica entre pacientes e terapeutas, mas, sim, uma horizontalidade.
Assim, o poder fica diluído e é circulante, pois ninguém paga a ninguém e não se marca
consulta.

Na Terapia Comunitária ocorre uma partilha de experiências de vida e saberes


de forma horizontal e circular. Cada um torna-se terapeuta de si mesmo, a partir da
escuta das histórias de vida. Todos são co-responsáveis na busca de soluções e
superação dos desafios do cotidiano em um ambiente caloroso. A comunidade torna-se
espaço de acolhimento e cuidado, sempre atentos às regras: fazer silêncio, não dar
conselhos, não julgar, falar de si, propor músicas, poemas ou histórias apropriadas.

Essa proposta terapêutica busca intervir no sentido de criar condições para


transformar um grupo impessoal em uma comunidade dinâmica, solidária, onde o
indivíduo não sofra apenas as injunções punitivas ou discriminativas do grupo, mas que
receba, também, seu apoio, seu suporte e sua força. Busca, ainda, aumentar o grau de
coesão do grupo, para que ele sirva de escudo, de apoio emocional, e permita, também,
avaliar, com os pés no chão, as projeções e intrujices de cada um. O grupo terapêutico
permite, a cada um, reconstruir uma nova identidade, sem perder a solução de
continuidade de sua história. Ele passa a ser visto como uma pessoa, participando de
uma comunidade, que se interessa e se preocupa consigo. Dessa forma, a comunidade
passa a servir de escudo contra as ameaças fragmentárias da nova sociedade.

9- A importância da diversidade:

É bom que o terapeuta comunitário não somente tenha visão sistêmica da


sociedade, como também a noção de que para ser bem sucedido no seu trabalho precisa
entender que a diversidade é outro elemento importante. Ele deve defender a idéia de
que SER diferente não quer dizer ser doente e poder afirmar que, na cultura, não existe
hierarquia, pois todo indivíduo tem seu lugar e sua contribuição, e que não existe um
centro do saber – o saber de tal ou qual país – por exemplo, o saber dos Estados Unidos,
o saber da Europa – uma vez que toda a cultura, todas as pessoas têm sua forma de
conhecer, fazer e celebrar.

O terapeuta comunitário precisa entender que nem toda a cultura, nem todo o
saber têm sido valorizados como deveriam. Ele só será um bom terapeuta se conseguir

5 Carta de OMS
lidar com a diferença sem querer “colonizá-la”. É preciso admitir que a riqueza esteja na
diferença. Cada um é rico naquilo que o outro é pobre.

A Terapia Comunitária, nesta perspectiva, injeta pensamentos positivos sobre a


pessoa e sobre a sua relação com o mundo, revitalizando a sua capacidade de reação e
mobilização das energias vitais, em função de uma transformação integral ( física,
mental, emocional, espiritual e social), nos aspectos pessoal e social.

A Ecologia do Espírito permite entender as diversas expressões da cultura


brasileira, com sua diversidade de crenças e religiões. A pessoa pode ser católica,
umbandista, ateu, espírita, curandeiro, não importa. A ela não deve ser imposta
nenhuma hierarquia nessa diversidade, nenhuma exclusão. Daí porque o terapeuta
comunitário precisa ser uma pessoa aberta. O próprio nome já está dizendo: terapeuta
comunitário, uma pessoa aberta para a comunidade, para acolher diferenças, como
valores dignos de serem levados em consideração. Faz parte de o crescimento aprender
a ver a pessoa humana como filho de Deus, como irmão, e não de acordo com uma
religião, uma raça, cor ou classe social.

Tudo isso só será possível se o terapeuta tiver fé na comunidade, acreditar na


comunidade como um sistema, com possibilidades próprias de superação e de resolução
dos problemas.

A conduta do terapeuta deve seguir uma ética que se baseia no respeito ao outro
e na importância de uma escuta que permite ao outro explicitar suas motivações
profundas, suas dúvidas e verdades.

A condição de dirigente da terapia o impede de “fazer média” ou de condenar


atitudes contrárias aos seus valores pessoais. O conhecimento de que ele dispõe deve
estar a serviço do crescimento do grupo, e não em benefício de um poder pessoal. É
importante que fique claro que o que nos une na terapia é o forte desejo de juntos,
buscarmos soluções pára nossos problemas, consolidarmos os vínculos interpessoais,
resgatarmos a capacidade terapêutica do grupo e mobilizá-lo na construção da
cidadania.

10- O reconhecimento do valor de cada participante:

Na Terapia Comunitária, em que se fazem presentes vários indivíduos, o


cimento da relação grupal é a socialização da informação. O indivíduo que se expõe,
quando fala de seu sofrimento, revela suas fantasias e expressa suas emoções, ao mesmo
tempo em que se libera daquilo que o oprime. Este indivíduo permite ao grupo refletir
sobre as raízes do sofrimento humano e esboçar soluções práticas, curativas e
preventivas. Daí porque toda terapia deve, na fase da conclusão, fazer conotação
positiva, ou seja, agradecer a contribuição do indivíduo que se expôs, ao falar de seu
sofrimento.

É preciso entender que nas comunidades de baixo poder aquisitivo é difícil


guardar segredo sobre o que acontece no dia-a-dia de uma família e de uma

5 Carta de OMS
comunidade. É exatamente, quando a informação é escamoteada, maquiada, negada,
escondida que ela vira fofoca e passa a ser fonte de sofrimento para pessoas. A
informação, nas mãos de algumas pessoas, é usada para dominar, impor, denegrir e
destruir famílias, alimentar intrigas e dificultar o crescimento coletivo.

Quando uma pessoa decide falar de seu sofrimento, de suas angústias, não
expressa apenas uma queixa ou informação verbal. Ela comunica, através de suas
lágrimas, de sua voz embargada, de seu silêncio, o sofrimento que aniquila a fragilidade
que a habita, o temor que domina.

Por sua vez, o grupo que a escuta termina por fazer eco do que ouviu. Aqueles
que se identificam podem, enfim, falar daquilo que os habitava em silêncio. A escuta
suscita o desejo de solidariedade, desperta a compaixão e, assim, esboçam-se os
primeiros passos da construção de uma comunidade solidária. A partir daquele
momento, o indivíduo não se sente só. Já tem com quem compartilhar. Com a conotação
positiva no final, o terapeuta valoriza a pessoa e sua intervenção e permite situar o que
foi falado, dentro de uma leitura valorizadora daquele que se expressou.

É aconselhável que, já no acolhimento, o terapeuta possa lembrar o grupo que a


terapia é um espaço para se falar de preocupações cotidianas e de tudo aquilo que pode
ser discutido em grupo. Pode lembrar que ninguém ali está interessado em grandes
segredos, ainda que todos os tenham. Uma pessoa que não tem segredo é uma pessoa
desinteressante, pobre.

Em vinte um ano de nossa experiência, nunca um tema discutido virou fofoca.


Ao contrário, no momento e que é verbalizado faz desaparecer o clima de desconfiança
e intriga que reinava quando esta informação era veiculada, sob a lei do segredo e em
clima de desarmonia.

É evidente que existem pessoas que preferem falar de seus problemas na


segurança de uma relação a dois. Nesses casos, é aconselhável encaminhá-la a um
psicólogo ou psicoterapeuta e pedir para falar ao grupo apenas aquilo que pode ser
falado, sem riscos e constrangimentos.

11- As abordagens terapêuticas:

Nossa conduta é determinada por nossa percepção. É a nossa percepção de


mundo que define nossa conduta, justifica nossas atitudes e determina uma política de
ação.

Identificamos, pelo menos, duas grandes linhas de ação, dois grandes modelos
vigentes que norteiam as ações de cuida dores:

Modelo salvador da pátria X modelo co-participativo:

I) O modelo salvador da pátria

5 Carta de OMS
Este modelo privilegia as carências e baseia-se num só aspecto da tradição cristã,
que adverte:

“E tenho Deus descoberto que Adão e Eva haviam provado do fruto proibido os
expulsou do paraíso”.
(Gn. 3,24)

Todo o mundo ocidental está impregnado dessa visão que privilegia o que não
funciona, o negativo, as falhas e os erros. Um exemplo marcante é a educação dos
nossos filhos. Quando a criança age corretamente, nós, raramente, elogiamos. Mas basta
que ele faça algo errado para logo nós repreendermos. Outro exemplo são os prontuários
dos médicos e dos psicólogos que contêm toda uma informação minuciosa que está
errado e do que não funciona e quase nunca assinalam o potencial pessoal e familiar do
paciente.

Ainda sofremos influência da herança judaico-cristã que tem marcado,


profundamente, o nosso inconsciente, fonte de sensações e sentimentos, pela separação
original e pela expulsão do paraíso celeste. A humanidade e o indivíduo tomam
consciência de sua existência pelo pecado e pela punição.

O Cristo ressuscitado e glorificado do Novo Testamento, que celebra a vitória da


vida sobre o pecado e a morte, muitas vezes, é eclipsado pelo Deus do Antigo
Testamento.

Nesse sentido, temos que ter cuidado, na Terapia Comunitária, de não


explorarmos os aspectos negativos, campo reservado aos especialistas. A valorização de
tais aspectos desperta no indivíduo um sentimento de incapacidade e culpabilidade e de
grande insegurança.

Uma vez inseguro e culpabilizado, o indivíduo tende a buscar apoio e salvação


em um indivíduo considerado especialista, iluminado e poderoso o suficiente para
libertá-lo daquele sentimento negativo, esquece que ele porta em si suas soluções.

“Na Terapia Comunitária, precisamos romper com esse modelo que valoriza o
negativo, a falha, o pecado, pois ele nutre o salvador da pátria”. Ele gera dependência,
uma vez que o indivíduo está sempre à procura de um iluminado, de um “guru”, de um
doutor, enfim, de um “salvador da pátria” para resolver seu problema.

Muitas pessoas, no intuito de se identificarem com Cristo, querem imitá-lo,


acreditam ser o salvador da humanidade. Esse sacrifício já foi feito por Ele. Ele morreu
para nos dar a vida, e vida em abundância. Se desejarmos imitar a Jesus Cristo, o
façamos sendo solidários, caridosos, amorosos, disponíveis e companheiros.

As Conseqüências desse tipo de conduta, que privilegia a atenção no que vai


mal, são verdadeiras entraves ao crescimento e à autonomia humana e comunitária.
Desencadeiam uma tendência de cada querer ser o “Salvador” do outro, e então

5 Carta de OMS
começam os conselhos, os sermões, os discursos, em que cada um quer mudar o outro:
esposa quer que o marido mude; pais querem que os filhos mudem. Há sempre um
querendo mudar o outro, embora saibamos que ninguém muda ninguém.

Nessa perspectiva, há uma nova concentração de informação na mão de uma


pessoa considerada iluminada, sábia, e a geração de uma ilusão que se estabelece na
dominação. Por isso, esse tipo de abordagem tende a fazer exortações, agindo como se
de fato, detivesse as resposta e as soluções para os problemas dos indivíduos. A pessoa
que age segundo essa perspectiva termina por viver uma ilusão – acreditar que, de fato,
ela tem o poder de comandar os outros.

O mais dramático dessa visão negativista é que a solução é vista como vinda de
fora, de longe, e é centrada no unitário, deixando indivíduos, famílias e comunidades na
dependência total dos outro indivíduo – políticos, religiosos, cientistas – na tentativa de
superar seus problemas e dificuldades. Se as respostas para nosso problema dependem
de alguém, o que o indivíduo, sua família e a comunidade podem fazer? Será sempre
objeto, e, jamais, sujeito de sua história.

II) O modelo co-participativo de terapia comunitária:

Esse modelo se apóia na competência das pessoas. Quem tem problemas tem,
também, soluções. O fato de estarmos todos vivos e termos superado as dificuldades, ao
longo da vida, nos mostra que temos uma grande bagagem de experiências e sabedoria.

Cada pessoa tem uma experiência de vida e deve ser suscitada a ser co-
responsável diante do sofrimento do outro. Não como um “salvador da pátria”, dando
conselhos e fazendo exortações, mas partilhando sua dor, suas dificuldades, suas
descobertas, de forma simples, abrindo seu coração, sendo solidário aos apelos dos
outros.

Nesse tipo de abordagem, é sabido que se alguém vive hoje uma depressão,
outra pessoa já pode ter passado por situação semelhante e convivido com esse mesmo
tipo de sofrimento, e, assim, pode falar de suas dificuldades e, sobretudo, de como as
superou. Ou ainda, se alguém nunca viveu algo parecido, pode informar-se prevenir-se
caso algum dia, conviva com este problema.

Ao agir dessa forma, promove-se uma circulação de informação, pois cada


pessoa sempre tem algo a dizer sobre o problema debatido, como o superou, quais as
descobertas que fez. Na Terapia Comunitária, cada pessoa é chamada a participar,
falando da sua experiência, sem querer colocar-se como “salvador”, sem querer ser
“doutor-sabe-tudo”.

Permitindo que as informações circulem, a Terapia Comunitária rompe com o


modelo que privilegia a informação concentrada num único indivíduo, portador de
soluções, pois reconhece as competências individuais, evidenciando que se o grupo tem
problemas, tem, também, suas próprias soluções. Nesse caso, o terapeuta comunitário

5 Carta de OMS
tem apenas a função de suscitar essa capacidade terapêutica que emerge do próprio
grupo.

Em nossa experiência de cerca de vinte e um anos, temos testemunhado o


surgimento de auto-soluções e auto-inovações. Nesse sentido, a Terapia Comunitária
torna-se um espaço privilegiado para se resgatar e partilhar o conhecimento e a
sabedoria produzidos ao longo de uma vida de sofrimentos e vitórias.

Valorizando as experiências individuais, estamos reconhecendo a contribuição


de cada pessoa e reforçando a auto-estima dos que partilham suas competências. A
consciência que se tem de que cada um é parte do problema e parte da solução.

Mudando o olhar:

De Para

Salvador da Pátria Soluções Participativas

Carência/ Deficiência Competências/Potenciais

Unitário (Técnico) Comunitário

Concentração na Informação Circulação da Informação

O outro é um objeto passivo O outro é um parceiro

A solução vem de fora As soluções vêm das famílias

Gera dependência Suscita co-responsabilidade

Descrença no outro Crença na capacidade do outro

Clientelismo Cidadania

Síntese:

Terapia Comunitária:

Entre nessa roda

A TC é um instrumento que nos permite construir redes sociais solidárias de


promoção da vida e mobilizar os recursos e as competências dos indivíduos, das
5 Carta de OMS
famílias e das comunidades. Procuram-se suscitar a dimensão terapêutica do próprio
grupo valorizando a herança cultural dos nossos antepassados indígenas, africanos,
orientais e europeus, bem como o saber produzido pela experiência de vida de cada um.

É essa diversidade cultural que faz a grandeza deste país. Possibilitar cada um
agregar novos valores é uma riqueza inestimável no processo de empoderamento e na
construção da cidadania.

Enquanto muitos modelos centram suas atenções na patologia, nas relações


individuais, privadas, a TC nos convida a uma mudança de olhar, de enfoque, sem
querer desqualificar as contribuições de outras abordagens, mas ampliar seu ângulo de
ação. Vejamos:

1-Ir além do unitário para atingir o comunitário:

Com a globalização, se avolumaram os desafios: drogas, estresse, violência,


conflitos e insegurança. A superação desses problemas já não pode mais ser obra
exclusiva de um indivíduo, de um especialista, de um líder e, sim, de uma coletividade.
A própria comunidade de quem tem problemas, dispõe também de soluções e, por
conseqüência, torna-se instância terapêutica no tratamento e prevenção de seus males.

2-Sair da dependência para a autonomia e a co-responsabilidade.

Modelos que geram dependência são através de todo desenvolvimento são


entraves a todo desenvolvimento pessoal e comunitário. Estimular a autonomia é uma
forma de estimular o crescimento pessoal e o desenvolvimento familiar e comunitário.
A consciência de que as soluções para os problemas provêm da própria comunidade
reforça a autoconfiança.

3-Ver além da carência para ressaltar a competência.

O sofrimento vivenciado é uma grande fonte geradora de competência que


precisa ser valorizado e resgatado no seio da própria comunidade, como uma forma de
reconhecer o saber construído pela vida. Poder mobilizá-la no sentido da promoção de
vínculos solidários é uma forma de consolidar a rede de apoio aos que vivem em
situações de conflitos e sofrimento psíquico.

4-Sair da verticalidade das relações para horizontalidade:

Essa circularidade deve permitir acolher, reconhecer e dar o suporte necessário a


quem vive situações de sofrimento. Isso proporciona maior humanização nas relações.

5-Da descrença na capacidade do outro, passar a acreditar no potencial de


cada um.

5 Carta de OMS
Aprender coletivamente gera uma dinâmica de inclusão e empoderamento.
Precisamos deixar de apenas pedir a adesão do outro às nossas propostas, para
podermos estar a serviço das competências dos outros, sem negarmos a contribuição da
ciência.

6- Ir além do privativo para o público.

A reflexão dos problemas sociais que atingem os indivíduos sai do campo


privado para a partilha pública, coletiva, comunitária. A ênfase no trabalho de grupo,
para que juntos partilhem problemas e soluções e possam funcionar como escudo
protetor para os mais vulneráveis, sendo instrumentos de agregações e inserção social.
Nós afirmamos que a solução está no coletivo e em suas interações, no compartilhar,
nas identificações com o outro, no respeito às diferenças. Os profissionais devem ser
parte desta construção. Ambos se beneficiam – a comunidade gerando autonomia e
inserção social e os profissionais se curando do “autismo institucional e profissional”,
bem como de sua alienação universitária.

7- Romper com o clientelismo para chegarmos à cidadania:

O indivíduo deixa de ser objeto passivo de intervenção para se tornar um


parceiro ativo e sujeito de sua história.

8- Romper com o modelo que concentra informação para fazê-la circular:

Resgatar o capital sócio-cultural do grupo e torná-lo autor das decisões e das


políticas públicas.

CAP 2

Desenvolvendo a Terapia Comunitária:

Preparando o terreno:

A Terapia Comunitária pode ser aplicada em qualquer espaço comunitário:


igreja, sindicato, escola, pátio e salão de espera de posto ou centro de saúde, hospital,
em outros espaços institucionais e, até mesmo, à sombra de uma árvore. Esses espaços
devem ser definidos com a própria comunidade. Para tanto, é necessário visitar as
lideranças comunitárias e pedir apoio às pessoas-chave da comunidade. Uma vez
escolhido o local, deve-se divulgar local e hora utilizando os meios de comunicação:
rádio, painéis e avisos.

O terapeuta deve ainda estar atento para ações importantes na mobilização da


comunidade. São as seguintes:

5 Carta de OMS
1-Cada terapeuta deve procurar envolver a comunidade. A participação da
comunidade é decisiva para a implantação deste programa.

2- É importante identificar e convidar pessoas para formar uma equipe de


animação, com violeiros, tocadores de violão, sanfoneiros e/ou grupos musicais e
folclóricos, além de catequistas que podem enriquecer a terapia com música, alegria e
momentos de espiritualidade.

3- A consolidação da participação comunitária feita através de uma equipe


de apoio encarregada de divulgar o trabalho, convidar novas pessoas, responsabilizar-se
pela merenda que será servida na terapia, arrumar o local para torná-lo agradável e
funcional, e homenagear os aniversariantes da semana.

4-Os agentes de saúde, em visita às famílias que acompanham, podem falar


sobre o assunto, convidar as pessoas e animá-las a participarem da terapia.

A Terapia Comunitária, com local e horário definidos, desenvolve-se em seis


etapas, a saber:

1-Acolhimento

2-Escolha do tema

3-Contextualização

4-Problematização

5-Rituais de agregação e conotação positiva

6- Avaliação

1- O acolhimento: dirigido pelo co-terapeuta

O co-terapeuta deve ambientar o grupo, deixar os participantes à vontade,


contribuir para que estejam, confortavelmente, acomodados. De preferência, em um
grande círculo para que todos possam olhar para a pessoa que está falando.

A terapia deve ser iniciada com uma música conhecida da comunidade, pois
contribui para criar um clima de amor, companheirismo e amizade no grupo. É
importante que seja uma música interativa, dinâmica, para “quebrar o gelo” e criar um
clima de grupo.

O co-terapeuta acolhe o grupo, dá as boas-vindas, pergunta quem está


aniversariando naquele mês, e canta os parabéns. É um gesto de valorização e
celebração da vida da pessoa. Depois dá as seguintes informações de vital importância
para o sucesso da terapia.

Estamos reunidos aqui para participarmos da nossa terapia comunitária. A terapia

5 Carta de OMS
comunitária é um espaço onde a comunidade se reúne para falar suas soluções, desde
que nós nos reunamos para escutarmos uns aos outros. Cada um tem um saber, seja
construído com sua experiência de vida ou vindo dos antepassados. É disto que a
Terapia Comunitária se constitui. A qualidade da escuta. Mas, para que a terapia possa
acontecer, é necessário seguirmos algumas regras.

1-A regra principal é fazer silêncio, isto é, enquanto o outro fala, devemos
ficar calados para não intimidar quem está falando e respeitar sua fala.

2-Nós devemos falar da própria experiência, daquilo que vivenciamos, do que


nos faz sofrer, bem como daquilo que nos ajudou a superar as dificuldades. Por isto,
todos, quando forem falar, devem usar o verbo na primeira pessoa do singular: “eu
fiquei abalado”, “eu sinto assim”, “eu sempre sou muito impulsivo”, e, nunca: “nós
devemos lutar pelo que queremos”, “você deve fazer assim”.

3-Não devemos nos esquecer de que não estamos no grupo para dar
conselhos, fazer discursos ou sermões, ou ainda julgar, mas, sim, para falarmos de
nossas vivências e aprendermos com as experiências dos outros.

4-Entre uma fala e outra, qualquer participante do grupo pode interromper a


reunião para sugerir uma música, seja de alguma religião ou popular, que tenha
alguma ligação com o tema em discussão, ou lembrar um provérbio que ilustre a
situação, ou até mesmo, contar uma piada que esteja no contexto.

5-Devemos respeitar a história de cada pessoa, pois o lugar da Terapia


Comunitária é um espaço de escuta, de compreensão do sofrimento do outro. Ao
participarmos da terapia temos a chance de criar amizades, melhorar nossos laços
afetivos e nossa auto-estima.

O co-terapeuta deverá propor uma dinâmica interativa. É sempre aconselhável


finalizar o acolhimento propondo uma atividade recreativa com música, gestos e
movimentos que possibilitem as pessoas se falarem, se abraçarem. É interessante incluir
e adaptar elementos da cultura local. Esta atividade é para deixar o grupo bem à
vontade, descontraído. Procurar sempre recorrer ao próprio GRUPO para sugerir esta
dinâmica. Após a dinâmica, o co-terapeuta passa a palavra para o terapeuta que vai
dirigir a Terapia Comunitária.

O co-terapeuta deve dar apoio ao colega e, jamais, intrometer-se discordando ou


propondo outros temas, motes, gerando um clima de competição e desqualificação.
Caso haja alguma discordância, esta deve ser falada na avaliação. É importante lembrar
que quem está dirigindo pode ficar um pouco inseguro, por isso precisa sentir que não
está só, que tem um colega ao lado para ajudá-lo, quando ele solicitar. Ao receber esta
incumbência, o terapeuta pode complementar alguma regra que foi esquecida pelo
colega que fez o acolhimento.

5 Carta de OMS
2-Escolha do tema:

Estando todos os participantes à vontade, o terapeuta pergunta ao grupo se


alguém gostaria de começar a falar sobre o que está fazendo-lhe sofrer.

Por que falar?

O terapeuta pode iniciar esta etapa fazendo apelo ao provérbio:

“Quando a boca cala,

Os órgãos falam,

Quando a boca fala,

“Os órgãos saram”.

Ou ainda a este outro:

“Quem guarda azeda,

Quando azeda, estoura,

“E quando estoura, fede”.

O que falar?

Muitas vezes, precisamos desabafar dividir uma preocupação e terminamos por


escolher a pessoa errada, e aquele desabafo vira fofoca e ficamos ainda mais sofridos e
bloqueados. Portanto, se alguém quiser, pode falar de algo que o atormenta, que lhe tira
o sono. O terapeuta poderá, no momento, encorajá-lo, dizendo: Você pode confiar nesta
comunidade que, aqui, você não será julgado, e tenha certeza de que irá receber ajuda e
apoio de todos. O momento é de falarmos do que nos angustia, falarmos com nossa
boca, para não termos que falar com nosso corpo.

Na TC as pessoas devem falar de suas preocupações do cotidiano e não trazer


seus segredos.

Tudo se torna mais fácil quando a terapia é feita numa comunidade que já tem o
hábito de se reunir. Por isso, é importante que a terapia aconteça em espaços públicos.

A comunidade precisa, ou melhor, exige mais do que uma presença na terapia:


ela exige um envolvimento da equipe de terapeutas em todas as atividades necessárias a
sua realização. Dessa forma, o terapeuta precisa estar comprometido com o processo de
crescimento das pessoas e da comunidade e, por isso, deve fazer alianças com as
pessoas envolvidas com as diversas atividades.

5 Carta de OMS
O terapeuta, então, solicita às pessoas que fiquem atentas aos temas
apresentados, pois será o grupo que irá escolher o tema para ser compartilhado.

Enquanto cada pessoa vai falando de seus problemas, o terapeuta deve anotar o
nome e qual o problema que ela traz para, quando as pessoas terminarem de apresentar
seus temas, pode fazer uma síntese de cada um antes de perguntar ao grupo qual
daqueles temas deverá ser o escolhido.

Para melhor compreensão, tomemos um exemplo de síntese de um participante:

“Esta senhora foi a primeira a se colocar. Como vimos, esta mulher trouxe seu filho na
esperança de encontrar alguma luz que a ajuda a exercer seu papel de mãe de uma
criança de risco”.

Muitas vezes, várias pessoas sugerem muitos temas. Será preciso escolher
apenas um deles para ser trabalhado por Roda de Terapia Comunitária. Nesse caso, o
terapeuta submete ao grupo a escolha do problema que pareça de maior gravidade,
perguntando: “Qual destes casos você acha que é mais urgente, com qual você mais se
identifica e poderia ser escolhido para nossa terapia de hoje?” Após as pessoas se
pronunciarem, o terapeuta comunitário pode propor uma votação.

Precisamos estar atentos para deixar o grupo escolher o tema, evitando


influenciar o grupo a escolher aquilo que o terapeuta acha importante. Na realidade não
se trata de uma escolha objetiva em função de temas considerados como urgentes ou
mais relevantes do que os outros. Considerando que só se reconhece no outro aquilo que
se conhece de si, na realidade as pessoas se escolhem ao escolherem o tema. O voto da
maioria é a garantia de que o tema escolhido já começou a mobilizar as pessoas para a
partilha. Caso o terapeuta influencie na escolha de um determinado tema, ele corre o
risco de, na hora da problematização , da partilha da experiência, encontrar-se diante de
um grande silêncio.

É importante valorizar aqueles que não tiveram seus temas escolhidos pelo
grupo, pedindo sua opinião e perguntando se eles concordam com a escolha de outro
tema que não o seu; se eles não vão ficar chateados e sugerir que, nas próximas sessões
de terapia comunitária, esses temas possam ser representados, ou ainda colocar-se à
disposição deles, após a Terapia Comunitária, para algum encaminhamento ou
orientação individual.

Quando houver sugestões, o terapeuta deve pedir para as pessoas enunciarem


seu tema, de forma sucinta (por exemplo: alcoolismo de meu marido ou problema com
meu filho) e, em seguida, acrescentarem, em poucas palavras, seu sofrimento evitando
longas apresentações, o que deixaria pouco tempo para aprofundar o tema escolhido.

Após ter sido escolhido o tema, o terapeuta passa a palavra à pessoa cujo
problema foi o escolhido para ela falar sobre seu sofrimento e solicita ao grupo fazer

5 Carta de OMS
perguntas, a fim de que se compreenda melhor a dificuldade apresentada. A discussão
para a escolha do tema do dia é muito importante, pois oferece uma oportunidade de
cunho educativo: aprender a estabelecer critérios para priorizar aquilo que é mais
urgentes, mais graves.

Lembrete

O terapeuta deverá seguir sempre a decisão do grupo, mesmo que julgue outro caso
mais interessante. A escolha pelo grupo é feita porque os participantes se identificam
com o problema. Isso será garantia da participação. Na realidade, as pessoas se
escolhem ao escolher o tema que as toca, pois só reconhecemos no outro aquilo que
conhecemos em nós mesmos.

Passemos para o terceiro momento que é a contextualização.

3-Contextualização

“Um fenômeno torna-se incompreensível, enquanto o campo de observação não for,


suficientemente, amplo para que, nele, esteja incluído o contexto.”
Watzlawick (1967)

Contextualizar é pedir mais informações sobre o assunto, para que se possa


compreender o problema no seu contexto. É ver além do dedo que aponta a estrela.

Para ilustrar a etapa da contextualização, vamos partir da seguinte história.

Certo dia, durante uma sessão de Terapia Comunitária, uma mãe trouxe o seu
filho e disse:

“Eu trouxe o meu filho hoje, aqui, para vocês fazerem alguma coisa por ele. Ontem, eu
dei nele uma surra muito grande (mostra as costas La peadas da criança). Eu não sei
mais o que fazer. Estou desesperada. Ontem, meu filho foi chegando, e dizendo:
“_Mamãe, vai ser a última vez que eu vou dormir sem jantar e acordar sem tomar o
café da manhã. Eu vou fazer como os outros. Vou roubar!”Nessa hora, eu me
desesperei, bati, açoitei, porque eu não admito que se roube que se mexa naquilo que é
dos outros.”

5 Carta de OMS
O terapeuta e a comunidade escutam, então, a mãe aflita, e, em seguida,
contextualizam o problema, isto é, lançam questões para compreender o sofrimento da
mãe, bem como o sentido do comportamento do filho. Nesta hora, são colocadas
questões que ajudam a esclarecer o ocorrido, a situar melhor os acontecimentos,
permitindo, assim, que se compreenda o problema em seu contexto global e, ao mesmo
tempo, possibilitem à pessoa que fala organizar melhor suas idéias, sentimentos e
emoções.

A contextualização se dá em duas perspectivas: na da mãe e na do filho. Na


perspectiva da mãe, podem ser levantadas as seguintes questões:

Quantos filhos a senhora têm?

A senhora sempre morou aqui ou veio do interior?

Por que a senhora deixou a sua terra?

De onde vêm essa força e energia que a senhora transmite?

Por que a senhora bateu no seu filho?

Como a senhora está se sentindo?

O que mais dói?

A senhora recebe apoio do seu marido?

Ao tentar responder a essas perguntas, a mulher apresenta os elementos que


permitem conhecer melhor a sua história, a sua força, os seus valores, os seus sonhos e
as suas dificuldades.

Para desencadear uma reflexão é necessário estimular a mãe a falar. As


perguntas vão ajudando na reordenação da idéias e na possibilidade de dar sentido às
atitudes de seu filho e à forma de agir de sua família. Uma pergunta que enseja, então, a
reflexão é:

A senhora se sente culpada pelo fato de seu filho demonstrar vontade de entrar numa
gangue?”

Na hora em que a mãe capta do grupo a mensagem de que os pais seriam


culpados pelo fato de as crianças e adolescentes entrarem em gangues, ela, como mãe
que cuida do filho, reage e posiciona-se:

“Mas eu cuido. Olha! Eu trabalho. Eu faço as coisas. Eu sou sozinha. Eu não


posso fazer mais do que faço. Não tenho marido. Não tenho emprego.”

5 Carta de OMS
Cada pessoa vem participar da Roda de Terapia Comunitária com uma certeza,
com uma visão de mundo, e sai enriquecida porque se confronta com outras visões de
mundo. Por isso, é importante que haja uma atitude de escuta e respeito. O terapeuta
comunitário deve estar atento para ver se todos estão escutando o que o outro diz,
evitando conversas paralelas. Havendo conversas paralelas, o terapeuta comunitário
interrompe, dizendo:

“Como é que nós podemos ajudar uma pessoa, se nós não a estamos escutando? Nós
temos que ouvi-la e respeitá-la.”

Na perspectiva da criança, a contextualização parte da seguinte questão:

O que levou você a dizer isso?

“É porque lá em casa tem dia que a gente não janta, tem dia que a gente não come!...
Eu vejo aí os meus colegas na rua, tudo com dinheiro, comprando as coisas... Aí eu
fico triste quando vejo isso. Por que os outros têm e eu não tenho? E quando eu vejo a
mamãe só rezando, só pedindo a Deus pra resolver, ou trabalhando, eu tenho vontade
de fazer alguma coisa. Eu sou pequeno, eu não trabalho, ninguém me dá emprego...
Dizem que menino não trabalha. E eu quero ajudar minha mãe. Uma forma de ajudar é
tirar de quem tem. Eu não estou pensando em matar ninguém. Eu vou tirar é de quem
tem, porque o que eu quero mesmo é ajudar a mamãe”.

Vejamos. A própria criança dá sua justificativa. É ela quem vai devolvendo e


ampliando a discussão para todo o grupo. Nem sempre é preciso que o terapeuta
comunitário se manifeste. Às vezes, ele até fica calado. O grupo vai interagindo, vai se
colocando, vai fazendo perguntas:

“Meu filho, você fez um negócio desses?! Você não sabe que isto é pecado?”

A criança responde:

“Sim. E a gente que não tem nada pra comer em casa!? Como é que fica? E aí ?
(Dirige-se à mãe) “ A senhora vai morrer de fome?”

O terapeuta comunitário vai confrontando todas as leituras possíveis, mesmo que


não se chegue a um consenso, aliás, é bom que não se chegue mesmo a um consenso. O
importante é que as perguntas façam as pessoas refletirem, pensarem, colocarem
dúvidas nas suas certezas e nas suas convicções (verdadeiras prisões). É a dúvida que
abre os indivíduos ao diálogo. Pedagogicamente, é importante aprofundar a dúvida, pois
toda convicção é uma prisão.

5 Carta de OMS
Aquela pessoa que chegou à sessão convicta da maldade em cada menino de
gangue pode perceber que aquele menino é alguém que, de alguma maneira, queria
ajudar sua mãe, mas não estava encontrando outro caminho para fazê-lo.

Faz parte de a Terapia Comunitária tentar ver o que há de positivo em cada gesto
ou atitude, tanto da parte da mãe, quanto da parte do filho, pois é gestos que indicam
uma busca desesperada, uma vontade, uma tentativa de o sistema familiar encontrar
soluções.

Não é só este menino, nesta comunidade, que pensa em roubar porque vê que o
dinheiro que entra em casa não dá para sustentar o sistema da familiar. Os meninos
escolhem este caminho por falta de opções, assim como outro poderia escolher a droga.
Escolhem este caminho não porque haja maldade em seu coração, mas, sim, porque não
conseguem ver outra forma de resolver seus problemas, para satisfazer suas
necessidades. A intenção é boa, embora possa trazer conseqüências graves para ele, para
o sistema familiar e para a sociedade como, por exemplo, sua prisão e os mais variados
tipos de violência a que poderá estar submetido.

Para o grupo, o terapeuta aponta para o fato de este caso não ser único na
comunidade, e ser preocupante o descanso das autoridades para com essa situação.

O terapeuta comunitário deve estar preparado para ouvir mil e uma respostas, e
para evitar que seu discurso seja uma condenação moral.

Cada um deve falar de sua vivência, de seus sentimentos e, não, simplesmente,


do que pensa, sem avaliar o impacto que suas expressões poderão causar.

Ao colocar a sua situação-problema, a família ou o indivíduo oferece a todo o


grupo a possibilidade de uma reflexão mais ampla, em que estão incluídos os diversos
fatores e os diversos elementos do contexto do sistema econômico e social brasileiro,
como o desemprego, a migração etc. Daí ser impossível eleger uma só resposta, um só
lado da questão, quando a questão tem inúmeras possibilidades.

A criança foi valorizada na sua sensibilidade de perceber que a sua família


precisava de ajuda e de querer ajudá-la. Com o acolhimento demonstrado, ela ficou
mais à vontade para falar, ouvir e para buscar novas estratégias de sobrevivência.

Enfim, ambos, mãe e filho, se reanimam ao descobrir que a sua problemática é


comum, e a solução passa, sobretudo, pelas transformações sociais. Isso põe fim ao
preconceito e aos estereótipos (rótulos) que impedem a reflexão, a criatividade, o
restabelecimento dos vínculos que geram a compreensão, necessária à mudança.

As pessoas saem da sessão com elementos novos, por isso não são mais as
mesmas. A química nos lembra que a água (H²O), ao receber um novo elemento, uma
nova informação, uma nova partícula, transforma-se em água oxigenada (H²O²). Deixou
de ser simplesmente água, como vinha sendo. Ocorreu o SALTO QUALITATIVO.

5 Carta de OMS
Com o que se ouve na TC algo muda na vida dessas pessoas. E essa mudança é
tão significativa que permite ver o mundo de uma forma nova. Assim, depois dessa
terapia, ninguém é mais o mesmo ou a mesma. A comunidade também mudou.

A terapia não cria caminhos novos, mas ensina uma maneira nova de ver as
coisas e de caminhar juntos.

São Paulo diz que os homens só condenam quando não compreendem (Romanos
14,23). Então, o que buscamos é a compreensão. O terapeuta comunitário não é juiz, ele
não está nessa posição para julgar, condenar ou dar conselhos. Ele não vai ao grupo para
dizer o que está certo, nem o que está errado. Ele está lá para despertar questões, abrir
essas questões para o entendimento para que as pessoas compreendam a situação.

A preocupação central não é classificar como certo ou errado, mas lançar


perguntas que tragam uma luz de entendimento. Relembramos que só há mudança e
crescimento quando as pessoas são capazes de transformar as sensações (gastura,
aflição, dor de barriga...) em emoções (medo, raiva, alegria, tristeza...). Essas emoções
podem ser pensadas. O pensamento gera consciência e a consciência permite a
transformação.

No caso específico, quem é essa mãe?

É uma mulher sofrida, largada, pobre, vinda do interior, que mora em um bairro
pobre e discriminado. Quando chegou à cidade grande, o marido a abandonou e ela
ficou sozinho com os quatro filhos. Tinha que sair para trabalhar. Trabalhava o dia todo
para conseguir comida. Não tinha quem ficasse com os filhos. Muitas vezes, chegava ao
final do mês, e o patrão não lhe pagava. Inventava qualquer desculpa e não dava
dinheiro. Ela era obrigada a voltar pra casa sem nada. É este o contexto familiar: uma
mulher que lava roupas, que faz tudo, mas que o patrão não paga; ou paga, porém,
quando vinha para casa, o ladrão roubou seu dinheiro. Ficou sem dinheiro...

Não se trata, portanto, de uma mãe malvada que espanca seus filhos, ou de uma
mãe irresponsável. Esta mãe tem o direito de dizer:

“Mais responsável do que eu?! Eu trabalho, eu acordo de madrugada, eu lavo


roupa, eu lavo tudo! Faço tudo pro meu filho não roubar, e o meu filho dizer um
negócio desses...!”

Trata-se de uma mãe responsável e comprometida que se preocupa com os


filhos. Pesam sobre ela inúmeras pressões e exigências: sozinha, tem o encargo de
prover a família de “um tudo”, do alimento ao vestir, além da árdua tarefa de promover
a educação de todos os membros. Sabe-se que, para uma família pobre, a esperança de
dias melhores está na possibilidade de educar os filhos, principalmente na “escola da
vida”.

De um lado, vê-se uma família tradicional. Uma mãe cheia dos valores cristãos,
como “não roubar”, “respeitar os outros”, “respeitar os mais velhos”, “viver a

5 Carta de OMS
obediência”, enfim, com todos os tradicionais valores e familiares. Do outro lado,
observa-se uma família em transição.

Uma vez vivendo na favela, na periferia, surge desta família uma nova geração,
uma geração que não acredita mais nos velhos valores, que está comprometida com o
“aqui e agora”, com a sobrevivência, com o “eu quero comer, eu quero dormir, eu quero
isso, eu quero aquilo!”

Toda essa situação revela, ainda, o que significa, para as famílias pobres terem
que enfrentar as conseqüências do desemprego, da falta de escola, de vida, de espaços
de lazer para os filhos. Entregues à própria sorte, ao total desamparo, fragmentam-se
como famílias e como seres humanos. Santo Thomas de Aquino (1995) advertia:

“Não se pode exigir as virtudes de uma pessoa quando as necessidades básicas não são
preenchidas.”

O terapeuta comunitário está diante de um problema de família que não somente


afeta seus membros, mas afeta também a vizinhança, os amigos, os parentes, enfim,
toda a comunidade.

Como nada está isolado, mas, ao contrário, tudo está ligado, a família não pode
viver sozinha como se fosse uma ilha. Nada ou ninguém é uma ilha. Se sua família não
é uma ilha, ela é um continente, um sistema. É o que chamamos de Sistema familiar. Se
nós entendermos bem como funciona o Sistema Familiar (ver capítulo 6), teremos muito
mais condições de ajudar àquela família, e outras tantas, a encontrar luzes para seus
problemas.

Após a pessoa ter exposto seu problema, geralmente, em torno de 15 minutos, o


terapeuta agradece:

„Eu queria agradecer a senhora (ou o senhor) pela confiança depositada no


grupo, por ter aberto o seu coração, o que nos permitiu perceber o seu sofrimento, a sua
dificuldade que, com certeza, mexeu com os nossos sentimentos. Agora eu pediria que a
senhora (ou o senhor) ficasse observando e escutando o que o grupo vai falar, pois, com
certeza, alguma idéia pode trazer uma pista a superação de suas dificuldades.”

Dito isto, o terapeuta passa para a próxima etapa, que é a problematização.

Lembretes:

1-Durante a contextualização, o terapeuta deve estar atento à fala e às respostas, e ir


anotando as palavras-chave, pois elas irão ajudar a construir os motes (ver explicação a
seguir). Só quando o terapeuta houver formulado o mote, é que poderá passar para a
quarta etapa.

2-Muitas pessoas, por não serem escutadas, nem valorizadas, têm uma tendência a não

5 Carta de OMS
escutar. Por isso, temos que estar atentos para a qualidade da escuta. Às vezes, vale a
pena ressaltar uma fala importante, dita por alguém lançando ao grupo uma pergunta:
“Vocês ouviram o que ela disse? Quem poderia dizer para o grupo o que entendeu
dessa fala? Ou vocês preferem que ela diga de novo?”

3-Antes de o terapeuta sugerir o mote para a reflexão do grupo, deve, primeiro,


agradecer à pessoa que falou de sua dificuldade. Se possível, fazer uma pequena
síntese, como: “Sr. Raimundo, permita-me, interrompê-lo para agradecer pela riqueza
de sua história. Ela traz à tona uma série de temas, tão comuns a cada um de nós, como
a questão das perdas, da traição, da intriga etc. obrigado, pelo que o senhor nos contou.
Agora, graças à história do Sr Raimundo, eu gostaria de propor ao grupo que
escolhamos um destes temas para refletirmos juntos, cada um, a partir de sua própria
experiência, ok?”

4-uma vez escolhido o tema pelo grupo, o terapeuta lança o mote. É importante sempre
repetir o mote, para que as pessoas possam se fixar no tema proposto. É importante,
também, trabalhar os dois pólos do mote. Por exemplo: se o tema é infidelidade destrói,
como também trabalhar a fidelidade ( o que eu tenho feito para me manter fiel0. Se o
tema for a perda, a morte, trabalhar também a vida ( o que a perda traz como ganho) ou
ainda o que a morte não destruiu, naquele que partiu?

5-deve-se trabalhar, também, a questão simbólica para não se restringir a ficar apenas
olhando para o dedo que aponta a estrela. É preciso olhar para além do dedo. Por
exemplo, se o tema for aborto, suas dificuldades e perigos, deve-se procurar elaborar
um mote que permita refletir, também, sobre os perigos do aborto social, sobre o valor
da vida, sobre a co-responsabilidade social pelo dom da vida.

Das sensações às emoções... Mudança

O primeiro impacto diante de um acontecimento trágico gera SENSAÇÕES


como agonia, mal-estar, tontura, farnesi, crises de choro, entre outras. Precisamos
ultrapassar este estágio de sofrimento que, muitas vezes, se atenua com a catarse, com o
choro ou lamentações. Nossos questionamentos devem ajudar a pessoa a sair desse
estado de sensações para identificar EMOÇÕES como medo, culpa, raiva... As emoções
podem ser pensadas: Por que o medo? Culpa de quê? Já as sensações só podem ser
gemidas, lamentadas.

O PENSAMENTO possibilita a tomada de consciência do real problema ou


conflito e a consciência nos permite fazer MUDANÇAS.

5 Carta de OMS
MUDANÇA:

CONSCIÊNCIA

PENSAMENTO

Racionalização:

EMOÇÕES

(medo culpa raiva)

SENSAÇÕES

(agonia, mal-estar, falta


de ar)

Adição Somatização Dramatização

A respeito das emoções:

No imaginário popular nordestino, quando a pessoa sofre um grande susto,


uma forte agressão a alma, o corpo emocional se desloca do corpo físico e o indivíduo
fica descentralizado. Fica desconectado, perde o seu eixo central formado pelo corpo e
pela mente. Estabelece-se um divórcio entre o corpo emocional físico, material e o
corpo mental, emocional. O corpo emocional (a alma) fica ao lado, encostada no corpo
físico, dando a falsa sensação que existe outro ser, um “encosto” que paralisa, influencia
e dificulta a caminhada. Ora, quem seria este “encosto” senão este outro eu assustado e
que saiu do corpo para evitar o sofrimento? Há até quem diga que este “encosto” é um
espírito de outro mundo. Em nossa experiência, trata-se do “Espírito de Vivências
Traumáticas” que nos acompanha, esperando ser exorcizado ou reintegrado como parte
legítima do nosso ser.

Se com o centra mento corpo/mente o indivíduo dispunha de 100% de sua


atenção, com a saída, o deslocamento do corpo emocional, o corpo físico dispõe de no
máximo 50% de energia para enfrentar dificuldades do cotidiano. Estas pessoas tendem
a acumular fracassos e guardar um sentimento de não ser capaz de obter sucesso.

Muitas pessoas temem assumir suas emoções. Entrar em contato com elas seria
revisitar uma antiga dor traumática insuportável. Essas condutas são muito freqüentes

5 Carta de OMS
nas pessoas resistentes a toda e qualquer abordagem psicoterapêutica. Surgem, então,
inúmeras estratégias de evita mento.

Vejamos:

1-Racionalização do Sofrimento: as pessoas tentam justificar suas emoções,


seu mal-estar através de explicações teóricas, leituras explicativas, sem passar pela
emoção. Sabem tudo de sua problemática, mas não mudam nada.

2-Dramatização do Sofrimento: Ao ter início uma dinâmica em que se


trabalhem as emoções, as pessoas começam a chorar gritar de forma histérica,
exagerada. Uma maneira de ajudá-la seria lembrar que dramatizar é uma maneira de
fugir das emoções e pedir para que tenham confiança, continuem respirando. Esta é a
única forma de superação do sofrimento.

3-Somatização do sofrimento: as pessoas, para evitar o surgimento da emoção,


desmaiam no corpo...

4-Condutas de Adicção: as pessoas se refugiam nas drogas licitas e ilícitas,


muitas vezes, como uma forma de anestesiar um grande sofrimento.

4-Problematização:

Nesta etapa, a pessoa que expôs seu problema fica em silêncio. O terapeuta
deixa de lado sua história, não faz perguntas a ela e apresenta, então, um MOTE que vai
permitir a reflexão do grupo. A partir da situação apresentada, o terapeuta então se
dirige ao grupo dizendo:

“Ouvimos a história dessa mãe que, com certeza, nos fez lembrar nossas histórias e
mexeu com as nossas emoções. Vamos agora falar de nós, daquilo que nos tocou e que
nos chamou a atenção.”

4.1-A escolha do mote:

O mote é uma pergunta-chave que vai permitir a reflexão do grupo durante a


terapia.

O terapeuta comunitário, ao identificar e definir a situação-problema, cria um


ou mais notes para promover a reflexão coletiva sobre um tema, trazido por quem citou
o problema. Os motes vão permitir ao grupo refletir sobre o sentido do comportamento
da pessoa que apresentou o problema, no caso, a criança e a mãe.

4.2-A construção do mote:

5 Carta de OMS
O mote, ou seja, o tema que será discutido é a alma da terapia. Ele promoverá
a reflexão coletiva capaz de trazer à tona os elementos fundamentais que permitem a
cada um rever os seus esquemas mentais, seus preconceitos e reconstruir a realidade. É
a qualidade da escuta que vai determinar a escolha de um bom mote. E para isso não
podemos ter muita pressa.

Vejamos outro exemplo: em outra sessão de terapia, foi escolhida a situação


trazida por um homem de 63 anos:

“Sinto-me arrasado. Acabo de perder meu único filho. Ele estava doente, o médico
queria operá-lo, mas eu era contra essa operação, porque tinha medo que ele morresse.
O que mais me dói é que minha nora me enganou, levou ele escondido de mim, e ele
não resistiu à operação. Se eu soubesse que ele ia se operar, eu não tinha deixado. Oh,
meu deus! Perdi meu filho e fui trado pela nora que me enganou e, agora, estamos
intrigados.”

Ao ouvir, o relato o terapeuta tem duas opções a seguir:

1-Mote coringa:

Consiste em lançar um questionamento que possibilite a identificação de


outras pessoas com o problema apresentado, como em: Quem já viveu uma situação
parecida com a do Sr Raimundo e o que fez para resolvê-la? Ou conviveu com melhor
com ela?

Várias pessoas vão se manifestar, cada uma pode ter se identificado com
um aspecto do problema trazido.

Esse tipo de mote é chamado de coringa. Aconselhamos que ele seja


aplicado durante as dez primeiras sessões realizadas pelo terapeuta comunitário em
formação, por ser de mais fácil elaboração.

2-Mote simbólico ou específico:

Durante o relato do Sr. Raimundo, o terapeuta vai anotando as palavras-


chave que servem de temas para serem refletidos, através de motes mais específicos.
Cada palavra-chave sugere um tema.

5 Carta de OMS
Vejamos uma relação entre palavras-chave e motes possíveis;

Palavras-Chave Motes Possíveis:

1-Culpa Quem já se sentiu culpado?

O que fez para superar a culpa?

2-Engano Quem já se sentiu enganado?

Que lições tirou para sua vida depois de


ter sido enganado?

O que fez para não ser enganado outra


vez?

3-Depressão/perda Qual a sua maior perda? Como a superou?

4-Traição O que mais dói em uma traição?

O que fez para não ser traído?

5-Relações familiares Qual a sua dificuldade no seu


relacionamento com a sua sogra
(sogro,nora, genro, cunhado)?

6-Intriga O que a intriga destrói em você?

O que tem feito para superá-la?

7-Desamparo Quem já se sentiu desamparado na vida?

Como superou o desamparo?

Durante a problematização, o terapeuta deve ir anotando as possibilidades de


mote para escolher um.

O quadro da página anterior apresenta muitos temas que podem ser passíveis
de reflexão com a comunidade. No entanto, seria impossível refletir sobre tudo isso.
Para melhor proceder, uma vez identificados todos os temas, o terapeuta, comentando as
diversas palavras-chave, propõe ao grupo a escolha de um deles, para ser objeto de
reflexão.

5 Carta de OMS
Enquanto as pessoas vão partilhando as experiências, alguém da equipe vai
anotando as falas que julga significativas para poder finalizar a terapia, isto é, fazer o
fechamento.

Quando o terapeuta percebe que a problematização atingiu seu objetivo


(geralmente ela dura 45 minutos), pede então para que todos fiquem de pé, formando
um círculo com as mãos nos ombros uns dos outros e passa para a etapa seguinte: o
encerramento.

5-Encerramento: rituais de agregação e conotação positiva:

O término da terapia caracteriza-se pela conotação positiva que o terapeuta


comunitário deve dar ao caso que foi trabalhado na reunião. Trata-se de reconhecer,
valorizar e agradecer o esforço, a coragem, a determinação e a sensibilidade de cada um
que, em muitas outras circunstâncias, tenta ofuscar a dor e o sofrimento. Não se trata de
valorizar o sofrimento em si,, mas reconhecer o esforço e a vontade de superar as
dificuldades.

A conotação positiva permite, igualmente, que os indivíduos repensem seu


sofrimento de forma mais ampla, ultrapassando os efeitos imediatos da dor e da tristeza,
para dar um sentido mais profundo à crise, e poder melhor identificar os recursos
pessoais e, portanto, reforçar sua auto-estima. O terapeuta deve proporcionar um
ambiente de intimidade, procurando criar um clima afetivo, onde as pessoas se sintam
próximas umas das outras e apoiadas pelo grupo. Ele pede para as pessoas se
levantarem, fazerem um círculo (teia), que cada um se apóie no ombro do outro e fique
se balançando. Isso ajuda o grupo a sentir-se coeso e unido, em um mesmo movimento,
em busca de equilíbrio. Criado o clima, o terapeuta sugere uma música e, depois,
procura dar uma conotação positiva, isto é, ressaltar o que foi de positivo na história
contada no grupo. Assim, a fala do terapeuta deve sempre valorizar a pessoa, como ser
humano que é.

Vejamos um exemplo para ilustrar a etapa de encerramento.

O terapeuta diz:

“Eu queria parabenizar a senhora, pelo seu senso de responsabilidade como mãe. Só
uma mãe consciente de seu dever, e que, de fato, ama seu filho, é capaz deste gesto, de
se expor, diante da comunidade...”

5 Carta de OMS
Ou ainda:

“Graças à história de vocês, nós podemos refletir e compreender melhor o


comportamento de nossos filhos e, assim, nos prevenir. Obrigado pela confiança que
vocês depositaram na comunidade e pelas lições de vida que nos deram.”

O terapeuta pede aos participantes que digam à senhora que fez o depoimento
algo que os tenha colocado, ou algo que tenham admirado na senhora. O mesmo
procedimento deve ser feito com a criança. O terapeuta, então, pode dizer:

“Joãozinho, eu queria lhe dizer que fiquei admirado com a sua sensibilidade e com a
sua vontade de querer ajudar a sua mãe, e lhe dizer que eu tenho certeza de que você
vai saber encontrar uma maneira de ajudar a sua família, sem se arriscar tanto...”

O encerramento é sempre um momento muito especial. As pessoas sugerem


músicas, recitam poemas, falam do que aprenderam. É um momento espiritual
emocionante, quando as pessoas referem-se aos seus valores, às crenças, entoam seus
cânticos religiosos.

5.1 A importância dos rituais de agregação:

É importante que os indivíduos, ao regressarem às suas casas, sintam-se parte


de um grupo, de uma comunidade. Muitos vieram pela primeira vez, outros se sentem
deslocados de suas famílias e comunidades. A Terapia Comunitária devem também
suscitar a consciência e o sentimento de pertencer a uma comunidade. Fazer os
indivíduos descobrirem e se beneficiarem do valor de estar juntos. É nesse contexto que
devemos utilizar os rituais de agregação, ou seja, sugerir técnicas (cânticos, fazer
correntes, entre outras) que permitem suscitar e reforçar a dimensão coletiva.

É importante, ainda, descobrir e sentir que a comunidade é um recurso


indispensável nos momentos difíceis. É neste momento final que a dimensão espiritual
se manifesta de maneira significativa. Muitos expressam seus valores, suas crenças,
recorrem a Deus, seja em forma de orações e cânticos. São, pois, os valores espirituais
que reforçam a identidade de cada um. Esse clima de introspecção, interiorização, pode
estimular as pessoas a quererem manifestar seu ato de fé.

Aquele que dirige em terapia deve estar aberto e ser tolerante à diversidade.
No entanto, deve coibir todo proselitismo, evitando que alguém use seu credo para
humilhar os outros ou fazer sermões.

Uma coisa é falar da fé, do que ela significa para a vida; outra, é querer impor
às pessoas valores e uma visão de mundo. È preciso ter cuidado com aqueles que
costumam falar como “senhores da verdade” e aparecem como alguém que nada tem
para aprender.

5 Carta de OMS
A espiritualidade só é fator de crescimento pessoal e comunitário quando
vem reforçar a solidariedade e permitir sentir o pertencimento a uma família, na qual se
é valorizado, aceito. Uma família que se constitui espaço onde se vê nutridos os laços de
reciprocidade, onde se aprende e se ensina se escuta e se é escutado, se respeita e se é
respeitado.

Apresentamos a seguir um exemplo de um ritual de agregação.

O terapeuta pede às pessoas que falaram de seus sofrimentos, que se acham


cansadas e necessitando de apoio para formarem um círculo central, com as mãos
abertas, as palmas para cima, enquanto o restante do grupo forma outro círculo maior,
com as mãos levantadas para cima, às palmas voltadas para baixo, em um gesto de
transmissão de energia para o grupo central. Depois, sugere que todos juntos cantem:
“nossos amigos serão abençoados porque o senhor vai derramar o seu amor...”

Após o canto, o terapeuta pede, para aqueles que receberam a energia, a


benção de Deus através do apelo e do gesto comunitário, e sugere que troquem de
posição com os outros. Assim, quem estava com as mãos postas para receber, agora as
coloca na posição para dar energia, invertendo a situação para gerar a reciprocidade.

Em seguida, pede para que todos formem uma teia, uma corrente de apoio,
ombro a ombro e fiquem se balançando lentamente com os olhos fechados para que
cada pessoa sinta-se ligada ao grupo. O terapeuta pode comentar:

“A vida é uma eterna tentativa de equilíbrio, mas, quando pensamos que


vamos cair, um vizinho nos apóia nos segura. Vamos, agora, cantar uma música e tocar
nosso vizinho, para que ele se sinta membro, como você, desta comunidade.”

Lembretes:

1-O terapeuta deve sempre repetir a pergunta, após cada fala, para evitar que as pessoas
recomecem a contar novas histórias de vida. Um exemplo de pergunta seria: “O que
aprendi hoje nesta terapia? ou ainda: “O que vou levando de aprendizado?”

2-No final, o terapeuta lembra ao grupo a data da próxima sessão. Pode-se dirigir o
grupo e dizer: “Existem várias maneiras de se apoiar alguém. Uma delas é falando,
outra é dando um abraço fraterno. Por isso, eu faço um convite à fraternidade. Vamos
todos nos abraçarem.” E encerra a terapia.

5 Carta de OMS
6-Apreciação da condução da terapia:

É o momento em que se procura avaliar a condução da Terapia e o impacto


da sessão sobre cada um, a fim de se verificar o processo de formação do terapeuta e o
reconhecimento do grupo como fonte de conhecimentos. Pode ser conduzida através de
perguntas referentes às diversas etapas de condução da Terapia.

Acolhimento

Escolha do tema

Contextualização

Problematização

Encerramento

Tira-Dúvidas sobre a prática da TC:

1-Como lidar com os fanáticos?

R. Às vezes, acontece de cada pessoa dizer o que fez para superar seu
problema: um chá, uma massagem, um esporte etc. e logo em seguida alguém,
geralmente “bitolado” por uma visão religiosa, faz uma observação do tipo.

“Tudo isso que foi dito até agora é besteira. O verdadeiro remédio para
superarmos nossos problemas é Jesus. É ele que é o nosso médico, nosso Salvador”.

Ao dizer isso, esta pessoa está desqualificando o esforço do grupo,


esquecendo-se que o próprio Cristo diz que onde estiver mais de duas pessoas reunidas
em seu nome, ele estará no meio delas. Esse tipo de conduta visa abafar todo esforço
comunitário para a superação de suas dificuldades. É como se ninguém pudesse fazer
nada , como se tudo dependesse de um pastor, de um líder. Nestes casos, o terapeuta
pode interromper e dizer o seguinte:

5 Carta de OMS
Ouvindo a senhora (ou senhor), eu me lembrei de outra história, que eu vou contar para
vocês. Havia um homem que era devoto de São Francisco. Tudo que ele queria era São
Francisco quem dava. Certo dia, houve uma grande enchente por conta das chuvas
torrenciais, e cada pessoa tentou fazer um esforço para se salvar. O devoto subiu num
coqueiro e ficou esperando por São Francisco. Mais, tarde, chegou uma canoeira e
disse: “Aqui tem um lugar para o senhor. Pode descer”. Ele respondeu: “Pode ir
embora, quem vai me salvar é São Francisco”. “Mais, “tarde, chegou um senhor, com
um barco a motor e insistiu:” Desça que vem muita água por aí”. O homem recusou o
auxílio e disse: “Só tenho confiança em São Francisco”. Já bem tarde, quando a água já
estava quase sufocando o homem, apareceu um helicóptero. Logo depois, o homem foi
arrastado pelas águas e morreu. Indignado, quando chegou ao céu , foi tomar satisfação
com São Francisco e disse: “mas, meu são Francisco, eu tinha tanta confiança no
senhor e o senhor me deixou morrer? São Francisco respondeu: “Eu mandei a canoeira,
e você não quis. Providenciei um barco a motor, e até um helicóptero mandei para
você. O que você queria que eu fizesse que eu descesse daqui do céu para te salvar?
“Eu tenho muito que fazer e do que me ocupar”. Moral da história: DEUS AJUDA O
HOMEM, ATRAVÉS DO HOMEM. Quem garante que não foi Jesus que mandou a
senhora vir hoje, aqui na terapia, exatamente, para que a senhora ouvisse o que cada
um tem para lhe dizer? Pense nisso.

E continua a terapia.

O terapeuta pode contar outras histórias parecidas com esta. É melhor


contar uma história do que interpelar a pessoa, gerando conflito e mal-estar.

2-O que fazer com os que falam demais?

R. Muitas vezes, a sede de expressão é tão grande que, se o terapeuta não


tiver cuidado, a terapia fica restrita a uma ou duas pessoas falando, desestimulando
outras pessoas que terminam por se retirar. Nesses casos, vale refletir.

O tamanho da sede se mede pelos copos d‟água bebidos. A conversa longa


e repetitiva reflete uma angústia e um medo de não ser ouvido, além de um desejo de ser
compreendido. É importante, então, intervir, de um lado, para assegurarmos ao
interlocutor que estamos ouvindo sua história e de outro, para salvaguardar a
contribuição de todos. A intervenção poderia ser esta: “Desculpe-me interrompê-lo,
deixe-me ver se entendi o que o Sr. (ou a sra) está querendo nos dizer. Por favor,
corrija-me se eu estiver enganado.” O terapeuta faz, então, um pequeno resumo e

5 Carta de OMS
pergunta: “É isto?” E retoma em seguida: “Ok! Foi registrado, entendemos seu
sofrimento.”

Às vezes, acontece que a pessoa confirma que você entendeu, mas assinala
logo: “Esta é apenas uma parte do problema”. Nesse caso, o terapeuta pode dizer: “ até
agora o que o senhor ( ou a senhora) falou já é muito rico de elementos que nós vamos
refletir. O restante da história o(a) senhor(a) poderá colocar, em outra ocasião.” Caso a
pessoa tente, mais tarde, retornar ao mesmo problema, o terapeuta pode, educadamente,
dizer-lhe: “Não se preocupe, nós anotamos o que o(a) senhor(a) disse.” Geralmente, a
pessoa se satisfaz.

Por trás de um discurso tem sempre uma vivência. Portanto, quando


alguém começar a falar de forma impessoal, o terapeuta deve dirigir-se à pessoa e
perguntar: “O (a) senhor (a), então, já viveu algo parecido? Então, fale-nos do que
aconteceu.” Habitualmente, a pessoa deixa o discurso e as admoestações e passa a falar
de si. Caso a pessoa diga que nunca passou por aquela situação, gentilmente, o terapeuta
deverá lembrar a essa pessoa uma das regras da terapia: nós só devemos falar de nossas
experiências. Mas, se a pessoa desejar dar sua contribuição, poderá, por exemplo, disser
o que tem feito para se prevenir da situação apresentada. Se o tema discutido for o
ciúme, o terapeuta poderia perguntar: “O que o (a) senhor (a) tem feito para evitar
situações de ciúme com sua (seu) esposa (o)?” Dessa forma, com certeza, a resposta
trará uma grande contribuição para o grupo.

3-Como proceder com os participantes que chegam atrasados?

R. Precisamos entender que a TC é um meio de inclusão. Precisamos estar


atentos a acolhida de todos independente de raça, credo, religião ou do momento em que
a pessoa chega. Não podemos impedir que as pessoas se retirem quando desejarem ou
cheguem quando puderem. É sempre desejável, quando possível, aproveitar a chegada
dos atrasados para acolhê-los e fazer uma síntese do que está sendo discutido e em que
fase da terapia está.

4-Para o mesmo grupo temos que seguir todas as etapas da TC?

R. Com certeza. Precisamos lembrar que o espaço em que estamos em


etapas a seguir e regras a cumprir. A repetição faz parte da interiorização de um modelo
de conversar.

5-Existe alta em TC?

R. “dar alta” é uma terminologia do campo dos que lidam com a patologia.
A TC tenta resgatar o saber produzido pela experiência. Ela se situa no campo do
suporte, do apoio aos que sofrem. Sendo a TC um espaço de partilha de experiências e
uma aprendizagem coletiva, ninguém é tão sadio que não possa aprender e nem tão
sofrido que não possa superar a dor. Nossa experiência tem demonstrado que não possa
superar sua dor. Nossa experiência tem demonstrado que aqueles que já superaram seu

5 Carta de OMS
sofrimento são os mais assíduos e terminam tornando-se futuros terapeutas
comunitários e nossos colaboradores mais fiéis.

6- O terapeuta comunitário e o co-terapeuta podem colocar seus


problemas para serem votados?

R. Conduzir uma sessão de TC exige estar centrado sobre si e atento ao


conjunto dos que participam. Ele não pode ao mesmo tempo conduzir uma sessão
enquanto está emocionalmente envolvido com sua própria história. Ele deve pedir ajuda
à supervisão para expor seu sofrimento. Já o co-terapeuta, se desejar, pode apresentar
também seu problema. Caso o terapeuta esteja vivendo algo de muito sofrido e precise
partilhar seu sofrimento que, neste dia, ele passe para o co-terapeuta a direção da sessão.

7- o que os terapeutas podem ou não podem fazer?

R. Os que conduzem a TC não podem agir como se estivessem diante de


uma receita de bolo que devem milimetricamente misturar os ingredientes. Eles devem
ser criativos, inovadores e seguir um pouco sua intuição. Santo Agostinho diz: “Ama e
tudo podes”. Nossa conduta deve ser conduzida pelo amor, pela compaixão e pelo
contexto, jamais pelo julgamento, condenação, culpabilização ou padronização de
comportamentos. Uma vez seguida as regras que estruturaram a TC, devemos estar
abertos, sermos criativos e guardar o bom senso. Se achar que participando da votação
pode dar a impressão de estar a favor de um e contra os outros, seria melhor se abster e
apenas conduzir o processo. O que o terapeuta nunca deve fazer é tentar influenciar para
que um tema específico seja escolhido. A escolha bem conduzida vai proporcionar uma
boa participação na problematização. Nunca esqueçamos que os participantes se
escolhem através da história do outro. Quando há um empate é melhor repetir a votação
(com os dois casos empatados) e pedir para que o grupo escolha um dos dois.

8-o que dizer do terapeuta comunitário que demonstra sua emoção na


condução da TC?

R. O terapeuta comunitário é um com outros e não um para os outros.


Ninguém está ali para ser o terapeuta do outro e sim para garantir que o grupo seja
acolhedor, cuidador e respeitador. A TC que conduzimos é também nossa terapia. A
gente se emociona, ri com os que riem, chora com os que choram, canta com os que
cantam e se cura com a escuta dos outros. Quando certos temas escolhidos mexem
muito com nossas emoções, é interessante falar nas supervisões para o terapeuta poder
trabalhar melhor aquelas situações mal resolvidas.

9-Como realizar a prática quando a instituição não libera o


profissional?

R: as resistências são males necessários, já que nos possibilitam rever


constantemente nossos valores e nossos métodos. É muito importante não querer
convencer os outros de que a TC é o remédio para todos os males. Nem todos têm
vocação para trabalhar com a coletividade. Alguns se sentem tão inseguros e mal em

5 Carta de OMS
uma reunião, quantos outros se sentiriam presos a uma cadeira atrás de um birô. Muitas
pessoas não aceitam porque não conhecem a proposta da TC, ou porque não acreditam
que alguém, que não passou pela academia, seja capaz de ter uma ação eficiente em um
trabalho comunitário. O terapeuta deve estar atento para que a resistência ao método não
se torne um complô contra ele, ou em rejeição por parte de alguém que não o aceito, ou
“mais um doutor que não o aceito só porque o terapeuta não tem um diploma também”.

11-Após o primeiro módulo, o participante já é um terapeuta


comunitário?

R. Ele é um terapeuta comunitário em formação. Será a prática


supervisionada que vai lhe dar a competência necessária para ser um bom terapeuta
comunitário. O que ele não pode é, antes de terminar sua formação, ser um
multiplicador.

12-o que é ser um bom terapeuta comunitário?

R. o bom terapeuta comunitário não é aquele que nunca comete erros ou


falhas e sim, aquele que é capaz de admitir suas fraquezas, insuficiências e tenta superá-
las.

13-quando na sessão de TC ninguém afirma ter superado o problema,


a TC fracassou?

R. Não, pois permitiu abordar um problema comum e perceber o quanto


tem sido difícil superá-lo. A exposição do problema já permitiu um grupo de pessoas
criarem vínculos de identificação e, após a sessão, com certeza, retomarão a discussão.
Quando ocorrer situações como essa o terapeuta poderá partir para outros motes para
tentar trazer a reflexão sobre o porquê de ter sido tão difícil superar este problema. Por
exemplo: “Parece que este problema é realmente difícil de superá-lo. Talvez agora
juntos pudéssemos refletir o porquê dessa dificuldade. Por que é tão difícil encontrar
uma solução?” Ou ainda inverter a discussão saindo do negativo para o positivo. Por
exemplo: “O que eu tenho feito para evitar situações como esta?” Se a discussão for em
torno do que fazer para superar o ciúme, o novo mote seria: “O que você tem feito para
não deixar que em sua relação conjugal ocorram situações de ciúme?”

14- O que fazer com o silêncio do grupo?

R. Quando o acolhimento é muito formal é sempre mais difícil as pessoas


falarem. Mas quando o acolhimento é bem feito, com músicas de boas-vindas,
dinâmicas interativas, as pessoas vão quebrando o gelo e se preparando para abrir seu
coração. O terapeuta não deve temer o silêncio. Este, muitas vezes, é um momento de
introspecção e reflexão. Caso ele seja de mais de três minutos, o terapeuta poderá
interrompê-lo e dizer para o grupo:

“Para começar esta terapia de hoje, eu perguntaria a cada um de vocês: o que


passou pela minha cabeça durante estes momentos de silêncio?”

5 Carta de OMS
Com certeza, algumas pessoas vão trazer temas interessantes (Até o
terapeuta poderá expor o que passou em sua cabeça nestes momentos). Eu lembro que,
na escolha do tema, é muito importante o terapeuta falar um pouco do por que é
importante falar com a boca, lembrando o já citado ditado popular.

Síntese:

Essa síntese é de grande utilidade para o terapeuta que vai conduzir as


primeiras terapias.

A) Acolhimento: (co-terapeuta, + ou – 7 min.) é composto de seis


procedimentos:

1-Dar as boas-vindas

O co-terapeuta cumprimenta ou convida o grupo para cantar uma música


conhecida da comunidade.

2-Celebração da vida dos aniversariantes do mês

Parabeniza os aniversariantes que estão presentes na terapia, bem como


parentes, amigos e vizinhos dos participantes que não estão presentes no momento, ou
ainda, uma data significativa como o dia das mães, do trabalhador... Por exemplo: “Tem
alguém aqui hoje que está aniversariando este mês? Levante o braço. Diga seu nome e o
dia do mês.” Em seguida, pergunta: “Tem alguém que tem um parente, um vizinho ou
amigo que também está aniversariando este mês/ Levante o braço. Diga o nome e o
dia.” Convida o grupo para se levantar e cantar parabéns para o José, a Francisca, o
João, que é amigo da D. Maria...

3-Objetivo da Terapia Comunitária

A Terapia é um espaço de partilha de sofrimento e preocupações daquilo


que está tirando o sono, trazendo tristeza e inquietação com a certeza de que o grupo
que está presente vai ouvir as pessoas, e acolher a sua dor. Porém, para que isto
aconteça algumas regras são necessárias.

4- Regras:

Fazer silêncio para poder ouvir quem está falando.

Falar da própria experiência utilizando a primeira pessoa do


singular: EU

Evitar dar conselhos, como também fazer discursos ou sermões.

Cantar músicas conhecidas, contar piadas, histórias ou citar


provérbios relacionados ao tema em discussão.

5-Aquecer o grupo para trabalhar

5 Carta de OMS
O co-terapeuta convida o grupo para fazer algum exercício ou brincadeira.
Neste momento, ele pode recorrer aos participantes perguntando: “Alguém conhece
algum exercício ou brincadeira e gostaria de propor?” Após a dinâmica interativa
apresenta o terapeuta.

6-Apresentar o terapeuta

Passar a condução do trabalho para que o terapeuta possa dar continuidade


à Terapia Comunitária. Por exemplo: “Então, agora eu passo a palavra ao terapeuta
comunitário, Sr Zequinha, que dará continuidade à Terapia Comunitária.”

B) Escolha do tema: (terapeuta, + ou – 10min)

1-Palavra do terapeuta comunitário

Inicia cumprimentando o grupo (bom dia, boa tarde ou boa noite) e


anuncia que chegou a hora de falar do que está tirando o sono, trazendo inquietação,
preocupação enquanto pai/mãe de família ou na vida profissional, amorosa. O terapeuta
diz: “Lembramos que quando a boca cala, os órgãos falam (a cabeça, o estômago doem,
por exemplo), mas quando a boca fala os órgãos saram. Muitas vezes, abrimos o nosso
coração na hora errada com a pessoa errada e ficamos arrependidos, porque não houve
acolhimento nem compreensão. Mas aqui você pode falar sem medo que o grupo não
vai julgar. Nós estamos aqui para compreendê-lo. Também lembramos que a Terapia
Comunitária não é um lugar para se contar grandes segredos, mas um lugar para se falar
das inquietações do cotidiano. Como nós somos muitos, pediria a quem quisesse falar
que levante a mão, diga o seu nome e qual é seu problema, em poucas palavras, depois o
grupo vai escolher apenas um problema para ser trabalhado hoje.”

2-Apresentação dos temas

Após estas explicações, o terapeuta comunitário pergunta aos


participantes. “Quem gostaria de falar?” E à medida que estes vão se manifestando, o
terapeuta comunitário anota o nome e o problema apresentado e, antes de dar a palavra
ao próximo, faz a restituição: „Deixe-me ver se compreendi o seu problema. “Se não
estiver correto, por favor, me corrija.”

3-Identificação do grupo com os temas apresentados

Neste momento, o terapeuta comunitário pergunta aos participantes:


“Quem gostaria de falar?” E à medida que estes vão se manifestando, o terapeuta
comunitário anota o nome e o problema apresentado e, antes de dar a palavra ao
próximo, faz a restituição: “Deixe-me ver se compreendi o seu problema. Se não estiver
correto, por favor, me corrija.”

5 Carta de OMS
4-Votação

É sempre bom começar a votação por aquele problema que não apresentou
muita identificação com o grupo, bem como lembrar às pessoas que só podem votar
uma vez. Vejamos um exemplo: “Chegou o momento da votação e cada um só pode
votar uma vez. Então, hoje, nós temos o problema da dona Maria que está se separando,
mas fica muita preocupada com o filho de três anos que gosta muito do pai. Quem vota
no tema da Dona Maria, levante o braço. “ O terapeuta conta com os votos e repete o
procedimento com todos os temas apresentados. Caso ocorra empate entre dois temas, o
terapeuta comunitário repete o procedimento de votação somente com os mais votados.

5- Agradecimento

Após o resultado da votação, o terapeuta comunitário agradece a todos que


apresentam o seu problema e se coloca à disposição para recebê-los no final da terapia.
Por exemplo: “Agradeço a todos que falaram dos seus problemas e espero que vocês
compreendam e respeitem a decisão do grupo. Sintam-se à vontade para apresentarem
novamente seus problemas nas próximas terapias. No final da terapia se alguém quiser
conversar, estarei à disposição.”

C) Contextualização: (terapeuta, +ou- 15min) é composto de dois


procedimentos:

1- Informações:

É o momento do participante que teve o seu tema escolhido dar mais


informações sobre o seu problema. O terapeuta e os demais participantes, neste
momento, vão poder fazer perguntas para compreender o problema apresentado. Por
exemplo: “ o tema escolhido foi o da dona Maria que está se separando, mas fica muito
preocupada com o filho de três anos que gosta muito do pai. Dona Maria, a senhora
poderia falar um pouco mais sobre o que está acontecendo? Quem no grupo quiser fazer
alguma pergunta para a dona Maria para compreender melhor o que está acontecendo,
pode fazer.”

2- Mote

Enquanto o procedimento da coleta de informações estiver sendo


desenvolvido, o terapeuta comunitário deve estar atento à fala e às respostas e anotar as
palavras-chave, pois elas irão ajudar a construir o mote (pergunta-chave que vai permitir
a reflexão coletiva). Só quando o terapeuta houver formulado o mote, é que poderá
passar para a próxima etapa. Mas antes o terapeuta comunitário agradece ao
participante: por exemplo: „Gostaria de agradecer à senhora por ter confiado no grupo e
ter aberto o seu coração. “Agora, pediria para a senhora ficar atenta à fala do grupo.”

D) Problematização (terapeuta, + ou – 45min) é composto de um


procedimento:

5 Carta de OMS
1-Lançar o mote

Pode ser o coringa: Quem já viveu algo parecido... Ou simbólico/


específico: Quem já sofreu uma grande perda...

Mote coringa: “Quem já vivenciou algo parecido com o problema


da dona Maria, e o que fez para superar ou conviver melhor?”

Mote simbólico/específico: “ O que você tem feito para não viver


preocupado(a)?”

E) Conclusão: (co-terapeuta, + ou – 10 min.) é composto de dois


procedimentos:

1-Formação da roda

Convida o grupo para se levantar e formar uma grande roda fazendo um


movimento suave de um lado para o outro.

2- Conotação positiva

O terapeuta comunitário verbaliza o que mais lhe tocou no tema escolhido e abre
para o grupo verbalizar o que aprendeu com as histórias de vida verbalizadas. Por
exemplo: “O que aprendi hoje nesta Terapia?” Ou: “ o que mais admirei nas histórias
contadas aqui?”

F) apreciação: O grupo reflete sobre o seu desempenho na condução da terapia,


considerando as diferentes etapas que visam ao aprimoramento da prática: aprende-se a
nadar, nadando, (apreciação interna)

CAP. 3

Resiliência:

Quando a Carência Gera Competência

O conceito de resiliência ultrapassa uma visão de mundo que exclui outras


fontes produtoras de SABER. Não podemos negar que os indivíduos e grupos sociais
dispõem de mecanismos próprios para superar as adversidades contextuais. Mas, antes,
vamos entende o que é, de fato, a resiliência com o exemplo a seguir.

5 Carta de OMS
Várias crianças tomavam banho em um rio. De repente, uma delas foi levada por uma
correnteza na direção de uma grande cachoeira. A criança, desesperada, com medo da,
morte, na luta contra a força da água, procurou lembrar do seu pai tinha-lhe ensinando
sobre como fugir das grandes correntezas. Apegando-se a deus e a São Francisco, ficou
atenta procurando se agarrar a algum galho. De repente, um pescador joga uma bóia e
ala consegue escapar da queda d‟água fatal.

Vemos nesse que o que salvou a criança foi o fato de ela fazer apelo a sua
memória, procurando seguir tudo aquilo que tinha aprendido com seus pais e de ter
recebido um apoio externo: a bóia lançada pelo pescador. Essa bóia representa todo tipo
de apoio externo: uma instituição, um grupo de jovens, uma escola, um amigo.

Portanto, a resiliência é um processo, é um caminho a seguir, o qual o indivíduo,


levado pelas torrentes da vida, pode vencer, graças ao seu esforço resiliente. As pessoas
resilientes valorizam muito os vínculos de apoio e estímulo, o que lhes permitem
alimentar sua autoconfiança e auto-estima. A Terapia comunitária é um espaço de
promoção da resiliência, pois pela partilha de experiências de vida, os indivíduos
reforçam a auto-estima, fortalecem os vínculos interpessoais, bem como estimulam a
autonomia.

Muitas pessoas que partilharam seus sofrimentos em terapias comunitárias nunca


esqueceram a bóia que lhes foi jogada. Ela nos deixa inúmeros depoimentos.

“meus pais me abandonaram e eu fiquei sozinha com meus dois irmãos. A gente vivia
triste. No dia em que eu encontrei o Aírton e ele me disse: “ a partir de hoje eu vou
cuidar de vocês. “Vocês serão parte de minha família, esse sentimento de abandono
desapareceu da minha vida”.
“No dia em que o Dr. Adalberto olhou para mim e me disse: “Dona Francisca, a
senhora não está só, a senhora pode contar comigo”, eu me senti acolhida e segura. E
hoje, quando a situação fica preta, eu me lembro daquelas palavras e tudo fica tranqüilo
novamente”.

O que queremos ressaltar é uma palavra, um gesto de apoio pode fazer diferença
entre os que fracassam e os que vencem. Temos observado que à medida que a pessoa
vai partilhando seu sofrimento na Terapia Comunitária, vai transformando os seus
sentimentos e possibilitando uma (re) significação dos fatos traumáticos, vai tecendo
laços sociais e gerando um sentimento de pertença ao grupo. O encontro com o outro se
torna a bóia que permite escapar da morte trágica, sobretudo se o gesto, a palavra de
hoje encontram vestígios de outros gestos e atitudes positivas que no passado nos
confortou, nos apoiou, nos valorizou. Desta forma, relativa- se elementos importantes
do processo resiliente.

1- Os vários caminhos da produção de conhecimento

Vários são os caminhos que conduzem ao conhecimento e confere competência


a quem por eles caminha. A grande estrada da capacitação profissional tem sido as

5 Carta de OMS
escolas, as universidades e as academias: instituições detentoras de saber, formadoras de
profissionais, com seus rituais de iniciação, seus títulos, suas teses, suas teorias.

Outra fonte de produção do saber é a vivência pessoal ao longo da vida de


indivíduos e de grupos sociais. “Os obstáculos, os traumas, as carências e os
sofrimentos superados transformam-se em sensibilidade e competência essas
habilidades construídas a duras penas são transmitidas, de geração a geração, pela
tradição oral do “ouvi dizer” e” vi fazer”.

Por isso afirmamos, “minha primeira escola foi minha família e meu primeiro
mestre foi a criança que fui”. Geralmente atribuímos nossas competências a livros que
lemos, cursos que fizemos e jamais a algo que vivenciamos. Como poderemos nos
empoderar- se deixarmos de lado o saber produzido no contexto familiar, na escola da
vida? Seremos meros marionetes prontos para sermos manipulados, colonizados e,
portanto, alienados de nosso potencial criativo.

Só nos empoderamos, quando compreendermos e aceitamos ser sujeito ativo,


aprender com nossa história e não ter vergonha de nossas origens étnicas e dos nossos
valores culturais, construídos por nossos ancestrais.

Na academia, nós incorporamos o saber científico que nos confere um diploma


que legitima uma identidade profissional e nos garante um salário financeiro. No
entanto, muitas vezes, esta incorporação é feita em detrimento da identidade cultural.
Ela exige a morte do índio, do negro que vive em cada um de nós. Dessa forma,
reproduzimos o drama vivido no filme Robocop, onde a dimensão humana fica
eclipsada, reprimida por uma parafernália tecnológica. Tudo se passa como se a
condição para sermos um profissional eficiente, científico fosse combater a dimensão
afetiva, cultural própria do ser humano.

Na experiência de vida, as carências e os sofrimentos, quando superados,


transformam-se em sensibilidade e competência, levando-nos as ações reparadoras de
outros sofrimentos, nos conferindo um salário afetivo.

O sofrimento que vivi me anima a restaurar aquilo que já conheço. É, portanto,


minha antiga dor que se torna fonte de competência saneadora. Dessa forma, cuidando
do outro, ou restauro a minha própria história pessoal e familiar.

Podemos, assim, afirmar que a carência gera competência. Geralmente


ensinamos melhor aquilo que mais precisamos aprender e damos melhor aquilo que não
recebemos. Por exemplo: se fui rejeitado... Torno-me acolhedor.

Nós necessitamos destas duas formas de conhecimento: o técnico-científico e o


conhecimento produzido pela experiência de vida.

Usando uma metáfora para melhor compreendermos estes dois saberes, são
como duas mãos que se chocam, produzindo inicialmente barulho e sofrimento, e aos
poucos, se dá conta que podem produzir: música, ritmos, batucada, que demonstram a

5 Carta de OMS
alegria de viver. Portanto, são saberes que chocam se interpelam, num choque criativo e
jamais destrutivo, no qual um novo saber quer eliminar o outro, seguindo a lei do
mercado que faz com que o surgimento de um novo produto, sempre provoca a
destruição do outro. Seria uma perda inestimável se a diversidade dos souber não
permitisse a co-habitação, de forma respeitosa, desta diversidade. Ora, a sociedade é
composta de contextos os mais diversos e, por isso, precisamos compreender que um
modelo único, uma leitura única será sempre parcial. Um ponto de VISTA, é sempre a
VISTA de um ponto. A compreensão da realidade social exige leituras, abordagens as
mais variadas e plurais possíveis para atender a complexidade dos diversos contextos.
Um modelo é uma construção sempre provisória. Um modelo aplicado para fazer para
fazer essa leitura num determinado contexto. A realidade é uma universidade. Ela nos
ensina a cada momento a relativizarmos o nosso saber, para podermos incluir, articular
outros saberes construídos em outros contextos.

A TC, como toda abordagem integradora ou holística, sabe que é possível


transformar o choque e a dor deste confronto em ritmo, em batucada, em algo criativo
que não negue, mas integre. Na Terapia Comunitária, aprendemos a construir juntos.

A Terapia Comunitária apóia-se nas competências dos indivíduos e nos saberes


produzidos pela experiência. Seus participantes são considerados verdadeiros
especialistas na superação do sofrimento. Suas histórias de vida os têm tornado
especialistas na superação de obstáculos e na produção de um saber, geralmente,
ignorado pela academia.

Não se trata de rejeitar o saber acadêmico, mas, sim, resgatar esta outra fonte
geradora de competências. Trata-se de permitir que um método de cunho científico
possibilite ao outro método de cunho mais intuitivo e cultural tomar corpo, consciência,
consistência e reconhecimento de habilidades adquiridas por outras vias que não as
convencionadas. Trata-se de reconhecer que a cultura tem também seus processos e
métodos geradores de habilidades e competências.

2- A ostra e a pérola

“Uma ostra que não foi ferida não produz pérolas...”

Nestes 21 anos de trabalho com a Terapia Comunitária, tendo treinado mais de


12.500 pessoas, nos mais diversos contextos da multicultura brasileira, ficou
evidenciado para mim, que lá onde houve um sofrimento, um trauma, uma carência, a
pessoa a transforma em uma habilidade uma competência. Damos melhor aquilo que
não recebemos e ensinamos melhor aquilo que mais precisamos aprender. Para
melhor entendermos, basta compreender o processo em que a ostra transforma uma
agressão em uma pérola:

5 Carta de OMS
“ As pérolas são produtos da dor; resultado da entrada de uma substância estranha ou
indesejável no interior da ostra, como um parasita ou um grão de areia. Na parte interna
da concha é encontrada uma substância lustrosa chamada nácar. Quando um grão de
areia a penetra, as células do nácar começam a trabalhar e cobrem o grão de areia em
camadas e mais camadas, para proteger o corpo indefeso da ostra. Como resultado,
uma linda pérola vai se formando. Uma ostra que não foi ferida, de algum modo, não
produz pérola, pois a pérola é uma ferida cicatrizada.
Você já se sentiu ferido pelas palavras rudes de alguém? Já foi acusado de ter dito coisa
que não disse? Suas idéias foram rejeitadas ou mal interpretadas? Você já sofreu os
duros golpes do preconceito? Já recebeu o troco da indiferença?
Então, produza uma pérola!
Cubra suas mágoas com várias camadas de amor.
Infelizmente, são poucas as pessoas que se interessam por esse tipo de movimento-
atitude. A maioria aprende apenas a cultivar ressentimentos, deixando as feridas
abertas, alimentando-as com vários tipos de sentimentos mesquinhos e, portanto, não
permitindo que cicatrizem.
Assim, na prática, o que vemos são muitas. “Ostras Vazias”, não porque não tenham
sido feridas, mas, porque não souberam perdoar, compreender e transformar a dor em
amor.
“Um sorriso, um olhar, um gesto, na maioria das vezes, falam mais do que mil
palavras”

As Feridas e as pérolas

Se as feridas nos trazem dores, é compreensível que se tente fugir deste lugar,
desta lembrança e passemos para seu lado oposto. Nestes 21 anos de trabalho, de ajuda
às pessoas a garimparem suas pérolas temos observado que:

Quem foi problema... Tende a querer ser a solução.

Quem se sentiu preso... Tende a valorizar a liberdade.

Quem foi planejado... Tende a valorizar o planejamento.

Quem foi rejeitado... Tende a valorizar o acolhimento.

Quem fez sofrer... Procura ser bonzinho.

Quem nasceu após abortos... Procura trazer vida.

Pois bem, se as pérolas são as respostas às agressões, precisamos estar atentos


para não apenas reagir saindo deste lugar desconfortável para outro que pode ser ainda
mais desconfortável, pois estaríamos apenas reagindo e não agindo. Neste caso,
estaríamos apenas reagindo e não agindo. Neste caso, estaríamos apenas reagindo à dor
e não burilando nossa pérola. Temos que construir nossa própria síntese. Todo problema
gera e trás, dentro de si, sua própria solução, não de forma espontânea, mas com esforço
e coragem para superá-lo.

5 Carta de OMS
Do contrário, o sofrimento sem crescimento, sem transformação em
competência, transforma-se num fatalismo aniquilador de esperanças, gerando
comodismo. Não adianta fazer nada. “Se correr o bicho pega e se ficar o bicho come”.
E, aos poucos, vamos perdendo a confiança em nós mesmos, em nosso potencial e
vamos alimentando atitudes de fracasso, de auto desvalorização e dependências as mais
diversas, provocando o que chamo de a “síndrome da miséria psíquica”. Se, por um
lado, este adágio popular sugere conformismo, nos convida a deixar as coisas como
estão. Por outro lado, neste mesmo provérbio, podemos descobrir outra mensagem
oculta, transformadora, mobiliza Dora desde que acrescentamos uma frase. Ou seja, se a
gente se juntar, o bicho é quem corre a gente pega e mata o bicho da corrupção, da
violência, dos preconceitos...

O sofrimento é a matéria prima da TC, na medida em que podemos transformá-


lo em crescimento. Para compreendermos melhor, me permitam outra metáfora: o
sofrimento é como o “excremento”, a “merda” que pode ser transformada em estrume,
em alimento para as plantas crescerem e produzirem flores e frutos. O foco de nossa
reflexão é centrado no “sofrimento” e a pergunta chave é: O que tenho feito de meus
“excrementos” de minhas “merdas” de meus traumas? Já aprendi a transformá-los em
adubo ou apenas a exalar odores insalubres e poluentes de vidas?

Na escola da vida, os grandes especialistas do cuidado souberam lidar com esta


alquimia. Transformar sofrimento em sensibilidade, em energia reparadora,
possibilitando a construção de uma nova ordem social, o renascer das cinzas. Por isso
são cuidadores (cuida-dor).

Portanto, se as pérolas são respostas às agressões, temos que ter cuidado para
não apenas reagir, mas, sim, procurar a síntese, lapidar nossa pérola.

Para refletir:

O poeta e dramaturgo Antonio Carlos Vieira com sua poesia sobre A PEDRA,
nos convida a reflexão sobre todos os obstáculos da vida:

5 Carta de OMS
“A pedra, o distraído nela tropeçou...

O bruto a usou como projétil.

O empreendedor, usando-a construiu.

O camponês, cansado da lida, dela fez assento.

Para meninos, foi brinquedo.

Drumond a poetizou

Já David matou Golias, e Michelangelo extraiu-lhe a mais bela escultura...

E em todos os casos, a diferença não esteve na pedra, mas no homem.

Não existe pedra no seu caminho que você não possa aproveitá-la para o seu próprio
crescimento.

“Das oportunidades saiba tirar o melhor proveito, talvez não tenhamos outra chance.”

Considerando que o que eu faço hoje se insere na minha história de vida, ficam
duas perguntas para reflexão:

1- Qual é a minha pérola?

2- Qual foi a minha ferida?

3- “Só reconheço no outro aquilo que conheço em mim”

Essa lei da Psicologia permite compreender que o sofrimento que se vive é o que
anima a restaurar aquilo que já é conhecido. Como posso identificar o sofrimento do
abandono se desconheço esse cenário? Como posso identificar e combater a injustiça se
essa problemática não fazia parte da minha convivência?

O trabalho com lideranças comunitárias, constituídas de pessoas humildes que


desenvolvem uma ação voluntária com muita habilidade e dedicação, permite observar
que é justamente o gemido de outrora que se torna voz interior que vocaciona para uma
prática solidária voltada, sobretudo, para amenizar aquilo que já foi vivenciado. Um
exemplo é o de uma líder da Pastoral da Criança que seguia a formação em Terapia
Comunitária.

Certa vez, em uma vivência que possibilita um diálogo interior em contato com
a sua criança interior para consolidar o vínculo do adulto de hoje com a criança de
ontem, nos fez o relato seguinte:

5 Carta de OMS
“Durante essa dinâmica que fiz, eu revivi uma cena de minha infância. Eu tinha nada
para comer em minha casa. Minha mãe me disse: „Minha filha, fique brincando com
suas irmãzinhas menores que eu vou ver se consigo alguma coisa para nós comermos‟.
E eu me via com um prato vazio na mão e uma colher, tentando fazer uma música para
fazer meus irmãos esquecerem a fome, enquanto minha mãe chegava.”

Em lágrimas, ela confidenciou que era a primeira vez que ousava partilhar
aquele sofrimento. Foi, então, perguntado a ela:

“Qual seu trabalho hoje?”

Ela respondeu com vigor e força na voz:

“Eu trabalho com a multimistura, alimentando as crianças famintas de minha cidade do


Piauí”.

Mais outra pergunta foi dirigida a ela:

“De onde vem esta habilidade, esta sensibilidade para reconhecer que a fome precisa
ser combatida”?

Ela não respondeu:

“Foi a fome que eu passei na minha infância que me fez ver a dor do outro. Quando
vejo a dor do outro, ela reflete na minha própria dor, só que desta vez eu consigo
superá-la com alegria.”

Portanto, fica claro que o antigo sofrimento dessa pessoa tornou-se fonte de
competência saneadora. O cuidador com sua ação resgata a sua própria história. Cada
vez que essa senhora alimenta uma criança faminta, é a ela que está alimentando. Sua
ação lhe permite resgatar sua história. Nesse sentido, dizemos que a primeira escola é a
família, e o primeiro mestre que tivemos foi a criança que fomos. Permitir que cada
futuro terapeuta comunitário possa trabalhar os vínculos entre aquilo que faz hoje com
aquilo que vivenciou na sua história familiar e social, tem trazido maior consciência do
papel do cuidador.

Nunca é demais enfatizar: Eu não nasci para sofrer, mas o sofrer me faz
crescer... Desde que eu tenha a humildade necessária para aprender com ele. Esse
trabalho reflexivo sobre o papel do cuidador é fundamental para as pessoas que

5 Carta de OMS
pretendem cuidar de outras pessoas. Ele tem permitido, sobretudo, romper com falsos
conceitos de que são pessoas caridosas e bondosas. Ninguém trabalha para ninguém.
Nós trabalhamos para nós mesmos. O que fazemos aos outros estamos fazendo a nós
mesmos. Nesse sentido, ajudar o outro é prazeroso e nos permite ser solidários, sem
assistencialismos. Do contrário, iremos valorizar a carência, nos tornar salvadores da
pátria, gerando dependência. Não podemos esquecer que aquele que é objeto de nossa
ação, na realidade, é um parceiro que nos ajuda a nos conhecer e crescer.

A clareza daquilo que nos motiva a fazer o que fazemos é a bússola de nossa
ação. Desconhecer estas motivações profundas pode ser um grande risco para quem se
aventura numa ação cuidadora do outro. Sob o pretexto de ajudar os outros, acabam por
agravar o sofrimento, gerando culpabilidades e dando a falsa impressão de que estão
sendo bons e caridosos, quando, na realidade, estão provocando desastres e agravando
os problemas.

Nesse sentido, faz-se necessária uma reflexão sobre a arte do cuidar para que
possamos compreender melhor o sentido do sofrimento que nos empurra para uma ação
transformadora.

4-A arte do cuidar

A arte do cuidar é a arte de promover os valores da vida que transcendem a toda


e qualquer limitação humana. É a arte de levar a esperança e nutrir a fé em nossa
capacidade de resistir e superar as adversidades da vida.

A arte de cuidar é divina, porque permite a quem faz, superar a escuridão do


túmulo para alcançar a alegria da ressurreição.

Ao exercermos a arte de cuidar, devemos ter a consciência de que o que faço


hoje se inscreve na minha história de vida. Caso contrário, nos tornamos membros
meros tarefeiros e perdemos a chance de nos beneficiar, de nos alimentar de nossa ação.
Logo, nossa agir torna-se cansativo, desgastante. Um fardo duro para se carregar.

Para saber se o que você está fazendo hoje tem a ver com a sua história de vida,
proponho que você reflita sobre estas duas indagações:

1-Já descobri minha competência, minha pérola?

2-Sou capaz de identificar as vivências que me credenciam para fazer o que


faço? Ou seja, qual foi a minha ferida?

Não se trata de fazer uma correlação linear de causa e efeito entre o passado e o
presente e, sim, procurar identificar minhas motivações profundas, inconscientes que
me mobilizam para fazer o que faço. Conhecê-las é uma forma de me apropriar de
minha história de vida e de minha ação.

As Bem-Aventuranças (Mt 5:2-6)

5 Carta de OMS
Na minha juventude, a leitura que eu fazia das bem-aventuranças me deixava
indignado, pois parecia um hino ao conformismo. Como se o sofrimento vivido na Terra
fosse necessário para o gozo no paraíso fora da Terra. Hoje, vejo nas bem-aventuranças
um apelo dinâmico, dialético que nos impulsiona para uma ação transformadora da
própria realidade.

Nesta perspectiva, vejamos a sutileza do convite das bem-aventuranças:

“Bem-Aventurados os que choram serão consolados.”

De que forma? Quando morrerem será consolado pelos anjos? Isso é pura
alienação. Seremos saciados na medida em que nos tornarmos consoladores dos que
choram aqui e agora, na minha cidade, no meu país.

“Bem-Aventurados os que têm fome porque serão saciados”

De que maneira? Após a morte comeremos do manjar celeste? Com certeza seria
uma alienação. Seremos saciados na medida em que nos tornarmos saci adores dos
famintos de nosso país.

“Bem- Aventurados os humildes porque a eles será revelado e serão sábios”

Como assim? Na medida em que nos tornarmos educadores e valorizadores dos


humildes.

Portanto, as bem-aventuranças, longe de ser um hino ao conformismo, são


apelos dinâmicos, mobilizadores de energia, investimento e ações transformadoras. Se,
por um lado, o fato de termos sofrido em nossas vidas a dor da discriminação, a dor da
rejeição e do abandono pode produzir fatalismo, comodismo, perda da confiança em nós
mesmos, atitude de fracasso, auto desvalorização e dependência, e, por fim, provocar a
síndrome da pobreza psíquica. Por outro lado, pode se transformar em sensibilidade e
energia reparadora. Pode possibilitar construir uma nova ordem social. Para muitos,
todos esses sofrimentos lhes permitem renascer das cinzas e transformarem em
habilidosos cuidadores de seus “coleguinhas‟. Nesse sentido, podemos compreender o
que diz o adágio popular: Deus não escolhe os capacitados, e sim, capacita os
escolhidos.

Nas rodas de Terapia Comunitária, procuramos resgatar esse saber produzido


pela vivência, geralmente dolorosa e silenciada. Procuramos permitir que ela fosse
socializada, verbalizada, não com o intuito de identificar carências, mas, sobretudo,
procurando ressaltar o que foi feito para superá-las. Ou, de outra forma: qual foi o pulo
do gato? Qual o segredo do caminho das pedras?

O terapeuta comunitário deve sempre procurar valorizar o esforço, a descoberta


que cada um faz quando der o salto qualitativo. Geralmente, as próprias pessoas
desconhecem esse valor. Ignoram que foram hábeis, inteligentes, criativas. Ressaltar
essas virtudes, esses valores no grupo é uma maneira de reconhecer o esforço do

5 Carta de OMS
processo resiliente. Por isso é que, à medida que as pessoas falam de seus sofrimentos e
dizem o que têm feito para resolvê-los, procura-se ressaltar as estratégias utilizadas para
cada indivíduo e cada família. Descobre-se então, que lá onde houve um sofrimento,
uma dor, se construiu um conhecimento que permitiu sua superação. A socialização
desse saber gera um movimento dinâmico entre a leitura vertical de si mesmo e a leitura
horizontal com o outro. Ou seja, ao ouvir a experiência do outro, cada um se reporta a
sua própria experiência, permitindo a cada um fazer descobertas, tomar consciência e
descobrir que cada um tem sua trajetória, produz seu saber.

A Terapia Comunitária oferece a chance de partilhar soluções e mobilizar os


recursos socioculturais na resolução dos problemas em um clima de confiança, a pessoa
é valorizada e sua auto-estima é reforçada. Dessa forma, procura-se favorecer o
desenvolvimento comunitário, prevenir e combater as situações de desintegração dos
indivíduos e famílias, através da restauração dos laços de identificação que permite a
construção dos laços de identificação que permite a construção de uma teia solidária.

Partimos, pois, do pressuposto de que toda a comunidade constitui um sistema


de inter-relações, é auto-regulável e dispõe de mecanismos reguladores de seus
conflitos. Na Terapia Comunitária, esses mecanismos são relativos pela partilha das
diversas experiências.

O homem que sofre não pode ser visto como alguém que tem uma fragilidade ou
uma carência. Tal percepção desencadearia um tratamento voltado para repor o que
falta, além de desqualificar as relações humanas, afetivas e culturais, muito eficientes
quando mobilizadas. Precisamos compreender que um homem só pode sobreviver se
puder contar com uma teia de apoio e suporte. Nesse sentido, procuremos tanto ajudá-lo
a descobrir os seus recursos internos, quanto os recursos externos presentes em seu
contexto familiar e comunitário.

Enfim, nossa ação consiste em reativar as potencialidades da comunidade


capazes de enfrentar a fragmentação do que provoca a vida na rua, relacionadas a certos
contextos conjunturais, da mesma forma que construímos espaços de reconstituição
pessoal e de reforço dos laços sociais.

A Terapia Comunitária se apóia, pois, nas competências dos indivíduos e nos


saberes produzidos pela experiência. Seus participantes são verdadeiros especialistas do
sofrimento, cujas histórias de vida têm permitido se tornarem especialistas na superação
de obstáculos e na produção de um saber, geralmente, ignorado pela academia.

Em contextos de precariedade, ignorar os recursos internos pessoais e os


externos torna toda a ação um paliativo, que serve bem mais para aliviar nossa
consciência do que para responder a uma demanda de forma eficaz.

5 Carta de OMS
5-A arte de dar

“Pois é dando que se recebe.”(Oração de São Francisco)

Quando dou, eu reconheço e valorizo as necessidades do outro como sendo algo


que me concerne. Sinto-me chamado (a) para um olhar, uma ação que me permite a
descoberta da alteridade. E o que recebo?

Recebo o reconhecimento do meu ato de existir como co-existência. “Caim,


onde está seu irmão?” (Gn 4:9). Esta frase bíblica nos lembra que somos responsáveis
por tudo aquilo que nos cerca: o outro e a natureza, por exemplo, e que viver é conviver.
Perceber a existência do outro me possibilita aplicar minhas habilidades, minhas
competências, descobrir a alteridade, não como uma ameaça ao meu existir, mas como
parte essencial do meu existir. É esta consciência do outro, meu semelhante que me
permite:

1. Perceber o valor de uma convivência respeitosa na diversidade.

2. Reconhecer a importância de ações solidárias, colaborativas.

3. Indignar-me com as injustiças e desigualdades.

4. Participar da construção de um mundo mais solidário. “ Onde todos tenham


em abundância.” (Jô 10-10).

O dar que nos aprisiona

Quando damos sem a consciência de que somos beneficiários de nosso doar, o


gesto de dar torna a quem faz um CREDOR e a quem recebe DEVEDOR. Dar, cria,
então, uma relação de dependência, torna-se fonte de futuros desentendimentos. Como
provedor me equivoquei. Com a ajuda criei uma ilusão inconsciente de que o
beneficiado me deve algo. Duas frases revelam este equívoco:

Gosto de fulano porque ele reconhece o que faço por ele (tem
consciência da dívida)

Quanta ingratidão! Fiz isto por ele e ele foi ingrato, (não reconhece a
dívida)

Neste caso, ao devedor restam duas opções:

1)Ser prisioneiro do credor

Nesta fase, o provedor torna-se um “anjo da guarda”. Ele é santificado e passa a


ser visto como o salvador, o provedor de todas as suas carências. A expectativa é
imensa! Foi plantada a semente da revolta que logo eclodirá. É compreensível o
indivíduo reconhecer que sua vida depende de que alguém gere um sentimento de
aniquilamento, reduza a auto-estima e o faça sentir-se um objeto passivo... Depressivo.

5 Carta de OMS
2)Rebelar-se contra o credor

Uma vez que meu “salvador” não pode corresponder as minhas expectativas,
preencher minhas carências, ele é diabolizado. Invertem-se os papéis. O “devedor”
passa a acusar negar todo o benefício recebido. Uma maneira de fugir do sentimento de
aniquilação e dependência fruta de um relacionamento baseado no equívoco de que
alguém vai salvá-lo, e o faz sentir-se sujeito livre. William Shakespeare nos alerta que:
“existe uma diferença, uma sutil diferença entre dar a mão e acorrentar a alma.”

O dar que nos liberta

Quando somos muito elogiados e agradecidos de forma quase compulsiva por


algo que tenhamos feito por alguém, já é o ruído da faca sendo amolada para a próxima
apunhalada nas costas. Não nos iludamos com este som anestesiante. Chegou à hora de
nos posicionar de forma firme e clarificarmos nosso relacionamento. A fim de evitar
que todo gesto de doação se transforme em conflito de relação, urge preventivamente ao
gesto de dar, associar uma carta de alforria. Por exemplo:

“Você não me deve nada. O que faço por você é o que fizeram por mim. Espero que
você faça o mesmo, quando encontrar alguém nas mesmas condições. Esta é uma das
leis da vida. Faça o bem sem olhar a quem...”

Somente assim poderemos libertar as pessoas beneficiados por nossas ações,


para que se tornem sujeitos livres de forma natural e não pela força da agressão, da
traição. Este gesto também liberta o cuidador. Deixa-o livre para recomeçar outras ações
solidárias, sem gerar dependências e constrangimentos.

6- A arte de perdoar

A palavra perdoar engloba duas outras palavras: perder e doar. Vejamos:


perder o quê? Perder o ódio que alimenta a violência, a mágoa que envenena a vida,
perder o sofrimento, perder a possibilidade de vingar-se e, assim, alimentar o ciclo da
violência.

Doar o quê? Dá-nos a possibilidade de nos libertar do sofrimento e das doenças


decorrentes de sofrimentos indigestos como úlcera, gastrite, de ser livre no agir e no
caminhar sem o peso do ressentimento e sem a amargura do vitimizado.

Guardar mágoa é como quem toma veneno e espera que o inimigo morra.

Perdoar não é esquecer e, sim compreender que não se pode crescer ficando preso
ao sofrimento.

5 Carta de OMS
Muitas vezes a dificuldade de perdoar está relacionada ao medo de perder a
única coisa concreta que se tem: o sofrimento. Para sorrir precisamos ter a boca vazia.
Lembra-nos o adágio popular: “O cachorro que não abandona seu osso, não se nutrir”.

Quando dou liberdade ao outro de seguir seu caminho sem ressentimentos, me


dou também à possibilidade de ser livre de emoções que me paralisam, me sufocam e
tornam o caminhar ofegante sofrido e doloroso.

E o que recebo? Recebo a chance de prosseguir o meu caminho de vida sem o


peso do fardo incômodo da mágoa que torna a vida amarga.

Se a mágoa nos paralisa, torna o fardo da vida pesado, o perdão abre a


possibilidade de nos libertar de tudo que nos desvia do caminho de uma vida mais
fraterna e serena.

Só se condena o que não se compreende. E o que não é compreendido? Que o


outro não é culpado pela nossa infelicidade e, sim, a imagem que trazemos do outro
dentro de nós. Quando o outro se torna tela de projeção de nossas fantasias, ele não
existe mais enquanto ser distinto de mim, enquanto alteridade, mas como depositário de
minhas expectativas. E ai dele (a) se não corresponder! A mágoa e a vingança são a
expressão da inconsciência desse equívoco. Eu te perdôo por descobrir que você não
poderia corresponder às minhas expectativas.

Não foi você que me decepcionou, frustrou e, sim, eu que me equivoquei.


Quando desfaço o equívoco o outro emerge como sujeito livre e não mais como objeto
prisioneiro de projeção de minhas carências e fantasias. O perdão torna-se bússola do
meu caminhar consciente, atento aos equívocos tão presentes em nossos
relacionamentos. Perdoar o outro abre também a possibilidade de ser perdoado pelo
outro que participou desse equívoco. “Eu te perdôo porque compreendi que todo
conflito foi gerado inconscientemente pelos “personagens que representamos” e que
impossibilitou um relacionamento verdadeiro de sujeito a sujeito”. “Eu não fui eu e
você não foi você”. Fomos interlocutores possuídos por personagens e expectativas
geradas por nossas carências. Nesse sentido, entendemos a célebre frase que Cristo
proferiu quando estava sendo pregado na cruz: “Pai, perdoai porque não sabem o que
fazem”. (Lc. 22,34)

Cristo percebeu, na sua infinita sensibilidade de terapeuta, que todas as


agressões dirigidas a ele, não era pelo que ele era em si, mas pelo que ele representava.
Cristo era objeto de projeção de todos os pecados da humanidade e, por ter
compreendido isso, aceitou a morte para poder libertar o homem dos seus pecados.

Somente quando o conflito surge, é que aparecem estas projeções e podemos,


então, corrigir o equívoco. Somente assim, um novo relacionamento diferente,
verdadeiro, poderá nascer (ou não).

Dicas para lidá-lo com o sofrimento e o sofredor

5 Carta de OMS
A arte do cuidar é prazerosa para o cuidador, pois cuidando do outro ele tem a
grande chance de cuidar de si, de crescer juntos. Mas vale lembrar as armadilhas que
podem transformar este prazer em grandes sofrimentos e confusões. Daí porque
precisamos permanecer atentos às dimensões inconscientes presentes numa relação de
escuta, acolhimento e cuidado com o outro.

A seguir, oferecemos algumas pistas para a arte de cuidar de si e do outro. Trata-


se de conceitos retirados da Psicanálise e adaptadas para uma linguagem simples que
permita a compreensão de pessoas que tentam compreender o que uma relação implica.

Quando a reação é desproporcional ao acontecimento, (hoje) eu não


estou reagindo ao fato e sim aquilo que o fato me reenvia (ontem). O
diálogo popular nos diz a mesma coisa: Em casa de enforcado não se
fala em corda. Se em minha história familiar houve algum suicídio com
corda, cada vez que ouço a palavra corda, ela me reporta ao passado, à
cena do suicídio. Por exemplo: vejo-me criança, apavorada, indefesa,
precisando de cuidado. E minha reação de desespero denuncia que estou
ritualizando um antigo sofrimento. Uma maneira de lidar com estas
pessoas é, neste momento de dor, chamar por seu nome e pedir para abrir
os olhos e continuar a falar do que esta sentindo. Com os olhos abertos
poderá perceber que o hoje real é diferente do ontem traumático. Permite
a pessoa a perceber que a é sua criança que esta sofrendo, gritando, e que
esta criança do passado preciso ser consolada pelo adulto que a pessoa é
hoje.

Para que um trauma se estabeleça, é necessário pelo menos duas


pedradas na mesma vidraça. Freud, o pai da Psicanálise nos lembra
que a primeira martelada fixa o prego na madeira e que é a partir da
segunda pancada que o prego penetra na madeira. Lembro-me de um
caso que ilustra esta observação. Um casal desejava ter um menino e uma
menina. Compraram seu apartamento com dois quartos para cada um dos
filhos. O primogênito nasceu menina e foi festejada como a chegada de
uma rainha. O segundo esperado homem nasceu mulher. A frustração,
mesmo silenciosa, foi grande. A criança não correspondeu às
expectativas familiares. Foi uma chegada sem festejos, sem celebrações.
Assim que a criança nasceu perguntaram logo “é menino?” E a resposta
foi clara: “não, foi mais uma menina”. Foi a primeira vidraça ou o prego
foi fixado na madeira. Depois de muita elaboração, os pais decidiram
fazer uma última tentativa para gerar um menino. Dois anos depois
nasceu o varão, o príncipe. As celebrações de nascimento duraram dias.
Estas três crianças tinham características marcantes desta família. Todas
tinham orelhas salientes, grandes. Pois bem, na época de irem para a
escola, vejamos como cada uma reagiu às primeiras dificuldades da
convivência: a primeira, nascida princesa, muito amada e acolhida, chega
na escola e logo uma amiguinha diz em tom de humilhação: “olha, e

5 Carta de OMS
você tem orelho nas de elefante “e logo a garota responde” e você tem o
dedão”. E a interlocução parou por ali. Quando chegou a vez do menino
freqüentar a escola, aconteceu o mesmo com ele. Um coleguinha chama
a atenção para as orelhas de elefante que ele tinha e logo, sem demora, o
menino nascido príncipe, bem acolhido e amado responde “e você tem
um cabeçona”. A confusão acabou por ali. Mas quando a segunda
menina, nascida sem festejos, e que seu nascimento gerou certa
frustração de seus pais, chega à escola e uma coleguinha assinala que ela
tem orelhas de elefante, ela começa a chorar e se isola da classe. Foi a
segunda pedrada na vidraça ou a segunda martelada. A primeira foi
quando não correspondeu às expectativas de seus pais. Doeu, feriu, mas
não sangrou. Agora, ela pode, enfim, começar a elaborar um sentimento
de ser rejeitada, de ser inadequada.

Quando o outro se torna mero espelho mandamos cartas certas para


pessoas erradas.

Eu não vejo a pessoa, mas através dela. Há algo nela que me lembra personagens
conhecidos e fatos vivenciados. Um fato muito comum acontece em casais que se
separam de forma traumática. O filho que ficou com a mãe, muitas vezes, é tratado
como se fosse o retrato do pai. A mãe tende a ver o filho à presença insuportável do
esposo agressivo. Muitas vezes, a frase é dita de forma anedótica: “O diabo foi embora,
mas deixou seu secretário”. Quando o outro se torna espelho, meu interlocutor deixa de
existir enquanto pessoa. Ele não se reconhece em minhas palavras e atitudes. É negado
em sua existência, fica confuso. A criança fica refém de seus pais. É compreensível que
a criança pense: “Se a mamãe expulsou meu pai de casa, foi porque ele não fazia o que
ela queria. O mesmo pode expulsar e eu vou morrer de fome e de frio...” Nós podemos
imaginar o sofrimento desta criança. Existem algumas situações ainda mais dramáticas.
É comum quando a criança nasce o pai é quem vai ao cartório para registrar o filho. Já
conheci casos em que o pai deu a sua filha o nome de uma ex-noiva, frustrando sua
esposa que desejava outro nome. Quando a esposa descobriu, o conflito eclodiu.
Imaginem o sofrimento desta criança. Quando o pai olhava para ela, lembrava da ex-
noiva e quando a mãe a olhava via a ex-concorrente. E fica a grande pergunta: quem
olha para esta criança pelo que ela é?

Quando o outro se torna mero espelho, estamos mandando a carta certa


(emoções legítimas) para a pessoa errada (o outro não tem nada a ver).

Por trás de uma provação tem sempre uma dúvida

Quando duas pessoas - mãe-filho; esposo-esposa, amigos - estão em conflito, em


que um parece estar sempre provocando o outro, vale à pena perguntar a um e ao outro,
se por trás da provocação tem uma dúvida. “Qual é a sua dúvida com esta pessoa? E
qual seria a dúvida dela para com você?” Geralmente, a grande dúvida é: “Será que
minha mãe, meu pai ou meu companheiro (a) me amam?” a provocação seria uma
forma de tirar o outro do sério, seria uma forma de fazer raiva ao outro para ver se na

5 Carta de OMS
hora da raiva a pessoa diz o que outro já imaginava: “ Você quer saber a verdade? Eu te
detesto, maldita a hora que eu te gerei...”

Toda super - proteção é um ato de descrença na capacidade do outro.

Quando duas pessoas – mãe –filho; esposo-esposa, amigos - estão em conflito,


em que um parece estar sempre provocando o outro, vale à pena perguntar a um e ao
outro, se por trás da provocação tem uma dúvida. “Qual é a sua dúvida para com esta
pessoa? E qual seria a dúvida dela para com você?” Geralmente, a grande dúvida é:
“Será que minha mãe, meu pai ou meu companheiro (a) me amam?” A provocação seria
uma forma de fazer raiva ao outro para ver se na hora da raiva a pessoa diz o que outro
já imaginava: “Você quer saber a Verdade? Eu te detesto, maldita a hora que eu te
gerei...”

Toda super-proteção é um ato de descrença na capacidade do outro.

Muitos pais procuram, a todo preço, evitar que seus filhos passem pelo
sofrimento que passaram e tendem a superproteger seus filhos. Quando superprotejo
alguém, na realidade, estou dando um atestado de incapacidade ao outro. Esta é a
mensagem que passamos quando superprotegemos alguém. O beneficiado vai confiar
mais no outro do que em si mesmo, vai ficando inseguro dependente e imaturo. Terá
dificuldades de concluir suas tarefas e de consolidar sua autonomia como adulto.

Certa vez, uma senhora, mãe de uma criança de 7 anos, me procurou com uma
situação familiar bem típica. Ela dizia. “Estou muito preocupada com minha filha de 7
anos. Não deixa ela sair só nem na calçada do prédio. Sei que estou prejudicando minha
filha pelo excesso de proteção”. Quando perguntei a ela sobre sua infância ela me disse:
“Eu era a caçula de uma grande família e me sentia meio deixada de lado. Quando
completei meus 7 anos, minha mãe me mandava comprar pão na padaria e, certa vez,
eu fui abusada pelo padeiro. Nunca contei isso para ninguém. Me sentia desprotegida
por minha mãe”. Perguntei então a ela: Quando a senhora olha para a sua filha quem a
senhora vê, ou seja, a senhora vê a você, ontem, uma criança desprotegida ou vê sua
filha hoje como ela é?” Nesta hora caiu a ficha: “Ah! Quando eu olho para a minha filha
de 7 anos eu estou vendo é a mim mesma, eu estou revivendo o meu passado. Estou
querendo dar a proteção a minha filha que eu não recebi de minha família. “Por isso que
estou dando em dose dupla.” Esta descoberta abre a possibilidade de desfazer o
equívoco e uma nova relação mãe – filha poderá, enfim, começar.

Muitas vezes a super - proteção mascara um medo da solidão, do abandono.

5 Carta de OMS
CAP. 4

A IMPORTANCIA DO CONTEXTO NA CRISE

Quando a crise surge, ela está sempre querendo dizer alguma coisa, comunicar
algo que tem a ver com o seu contexto. Se não a contextualizamos, tudo parece sem
sentido. Lembre-se sempre do ditado que diz:
“Quem olha para o dedo que aponta a estrela, jamais verá a estrela.”

No caso, os dedos são sintomas que apontam para uma realidade oculta.

O Terapeuta é aquele que não se contenta em olhar para os dedos; ele olha para
onde os dedos estão apontando. Através de perguntas, ele será capaz de desvendar o
que está por trás das queixas. Por exemplo, por trás da violência praticada por uma
criança pode estar um apelo por atenção, um pedido de amor; por traz de uma
depressão, pode haver um sofrimento, alguém pedindo uma força.

O Terapeuta é capaz de ler nos gestos de um drogado um forte pedido de ajuda.


Ele é capaz de ver, na agressividade do homem em relação à mulher, a raiva por ter
perdido o emprego, por ter sido desmoralizado no ambiente de trabalho. Esse homem,
desempregado, quer ser rei da casa, afirmando-se diante de sua mulher e de seus filhos.
Acha que ser rei em casa é maltratar na mulher e bater nos filhos. O terapeuta é capaz
de entender que aquele marido encontrou, na forma de ser rei em casa, uma válvula de
escape, como se quisesse bradar com todos os pulmões: “Aqui, mando eu! Aqui, o rei
sou eu!!! Daqui, ninguém me tira!!! Daqui, ninguém me bota pra fora!!!” O terapeuta
deve possibilitar o casal e à comunidade refletir sobre essa forma insana de se auto-
afirmar, a fim de prevenir futuros atos violentos, e possibilitar, ainda, uma compreensão
acerca dos mecanismos inconscientes geradores de atos violentos.

Para tentar tratar a doença, muitas vezes a pessoa precisa do apoio de um


especialista (psiquiatra ou psicólogo). Na Terapia Comunitária, não se quer “dar uma de
especialista”, querendo explicar, analisar os fatos, ou concentrar a atenção na doença, ou
ainda, desvendar traumas secretos. Pretende-se, sim, trabalhar o sofrimento. Permitir
que a pessoa verbalizasse seu sofrimento.

Não se pode esquecer o que diz a sabedoria popular: “Quando a boca cala, os
órgãos falam, e quando a boca fala, os órgãos saram”. Poder falar num clima de
confiança já é uma grande ajuda e permite a todos refletirem sobre o sofrimento em
questão, resgatando a sabedoria dos que já passaram por aquele sofrimento e
possibilitando a outros se prevenirem.

1.
Modelo Crise Contexto
_ _

5 Carta de OMS
Modelo-Crise- Contexto: três palavras que costumam sempre estar juntas.

A crise é a exaustão de um modelo de interação, de um modelo de comunicação,


quer seja afetivo, econômico, político ou religioso, em função de um contexto, sempre
em mudança. Em outras palavras, a crise vem assinalar que um modelo interativo,
pifou, se exauriu, precisa ser reconstruído.

Toda crise é como um sinal vermelho no trânsito. Por que ele acende? O que ele
está sinalizando? Sinaliza que é preciso parar para esperar que outros passem. Parar para
não sermos atropelados, esmagados pelos que transitam em sentido contrário. Ou ainda,
pode ser um sinal pedindo para avançarmos. Quem estiver atento e fizer uma boa
interpretação do sinal da crise é capaz de compreender seu real significado e conduzir-
me na estrada da vida.

A crise é como o canto da rã que, pressentindo a chuva, der repente, sai do seu
silêncio e começa a coaxar, alertando-nos para a chegada das chuvas.

A Natureza está cheia de sinais:

No sertão nordestino, por exemplo, quando o homem olha para o chão rachado
da secura, ele vê os sinais da seca. Mas, se olha mais para cima e vê uma flor no
mandacaru, ele sabe que a chuva está perto de chegar:

Através dos sinais, podemos entender a natureza e sua ligação com as pessoas. Na
sabedoria popular, que vem do índio, do negro e do colono, existem muitos desses
sinais. Vejamos alguns:

- Círculo em volta da lua cheia: sinal de chuva.

- Círculo com as cores do arco-íris, em torno do sol: sinal de verão forte.

- O canto do “vem-vem”: anúncio da chegada de visita.

- O sino muda o tom: sinal de chuva certa, sinal de inverno

- Urubus circulando a área: sinal de carniça.

- O coaxar das rãs: prenúncio de chuva.

- Formigas saindo da toca: sinal de chuva.

- Formigas de asa (tanajuras) aparecendo: sinal de chuva.

- Muita ventania: sinal de que o tempo de chuva ainda vai demorar a chegar.

Como entender e valorizar os sinais que a vida nos aponta?

5 Carta de OMS
Todo o terapeuta deve estar atento aos sinais que a natureza (os animais, as
pessoas e os grupos) oferece à nossa leitura e compreensão.

Ler os sinais ajuda a compreender melhor o ambiente, o contexto, o sistema


onde vivem as pessoas, as famílias e suas comunidades. Ler de diversas maneiras: ler
para baixo, para cima, para os lados. Ler o todo, esforçando-se para não ficar somente
na leitura de uma parte.

Cada região do Brasil apresenta diferenças nas formas como se constroem os


sinais. Por isso é importante que o terapeuta comunitário anote no seu caderno o que é
próprio da sabedoria popular local.

Como o Nordeste sofre o problema da seca (escassez de chuva), e a seca


determina muito a vida das pessoas, muitos dos sinais aqui apresentados referem-se a
esse problema. Se na região Sul existe o problema das geadas, por exemplo, o povo
deve ter os seus próprios sinais e esquemas de leitura para poder enfrentar seus
principais problemas.

Os ditados populares e os provérbios ajudam o indivíduo a entender melhor o


contexto em que as pessoas estão inseridas ou situadas. A maneira como as pessoas
recorrem aos ditados e os explicam facilita muito a compreensão do problema discutido,
já que eles comunicam uma sabedoria.

É oportuno esclarecer que o valor dos ditados ou provérbios não está no uso
terapêutico que se pode fazer deles. Está, principalmente, no que eles representam em
si: a cultura, a história, a memória, enfim, a sabedoria de um povo fruta de sua longa
experiência de vida.

Os ditados ou provérbios também são ditos e entendidos de acordo com cada


região do país. Vamos aqui apresentar alguns exemplos que devem ser enriquecidos no
dia-a-dia do trabalho.

Deus ajuda quem cedo madruga.

Quem disso usa, disso cuida.

O pouco com Deus são muitos; o muito sem Deus é nada.

A cuia de farinha do pobre só cai emborcada.

Quem corre atrás de dois, perde um, ou todos dois.

Costume de casa vai à praça.

A justiça pra ser boa começa em casa.

5 Carta de OMS
Quem cala, consente.

Em velório de pobre, a família chora; em velório de rico, a família briga.

Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come; mas se agente se juntar o bicho corre, a
gente pega, mata e come.

Esses dizeres são típicos da cultura nordestina, mais especificamente do Ceará.


Há outros exemplos de ditados populares, próprios de outras regiões do país, que devem
ser utilizados nas sessões de Terapia Comunitária, como o exemplo seguinte:

“Em rio que tem piranha jacaré nada de costas”.

Exemplos como esses os ajudam a entender que a nossa cultura é rica de


significados; ajudam-nos, também, a não nos enganar com as aparências e acharmos que
tudo o que o povo simples diz é besteira ou é por acaso. Pelo contrário, o povo, através
dos ditados e de outros sinais, ensina-nos que é preciso procurar enxergar além das
aparências.

2.Compreendendo a crise

Toda a crise é como um dedo apontando para uma estrela perdida no céu. Quem
olha só para o dedo, jamais verá a estrela.

Crise e Transformação

“Antes de um ato de criação existe um ato de destruição”

Pablo Picasso.

5 Carta de OMS
O caos é a matéria-prima de toda construção.

“No princípio Deus criou o céu e a terra. A terra estava sem forma e vazia; as trevas
cobriam o abismo e um vento impetuoso soprava sobre as águas.

No sétimo dia, fez o homem a sua imagem e semelhança: “E Deus criou o homem à
sua imagem de Deus ele o criou; e os criou homem e mulher”. “No sétimo dia, Deus
terminou todo o seu trabalho; e no sétimo dia, ele descansou de todo o seu trabalho.”

(Gn. 1,2)

O que essas passagens bíblicas nos mostram? No início era a crise, o caos, e
Deus pôs em ordem no caos pelo trabalho e criou o mundo. Da lama, da argila construiu
o homem. O caos foi, portanto, a matéria-prima da construção do universo. E o homem
foi feito à imagem e semelhança de Deus. Em que somos semelhantes à Deus? Somos
semelhantes, porque como ser pode transformar o caos pelo esforço, pelo trabalho, e
não pelo milagre. Hoje, cada um de nós é chamado a transformar o caos familiar, social,
econômico pelo esforço coletivo.

Muitas são as coisas da natureza que, para serem criadas, passam por um
processo de destruição e transformação. Para se produzir uma obra de arte, ou escrever
um poema, muitos atos de destruição foram precedentes à criação. Para se fabricar
papéis precisa-se sacrificar árvores. Para se obter tintas é preciso triturar minérios (
como o lápis-lazúli e a azurita para se conseguir o azul; ou moer frutinhas como o
sanguinheiro, para se obter a laca amarela; ou insetos como a cochonilha, para obter o
carmim) Para se fazer tijolos é preciso bater e amassar muito barro e depois levá-lo ao
fogo intenso. Para se produzir um medicamento é preciso arrancar a planta da terra,
triturar, moer, ferver, fazer surgir uma nova fórmula.

A crise será sempre eterna companheira no nosso processo evolutivo. Ela é um


mal necessário, pois nos possibilita deixar para trás aquilo de que não necessitamos
mais. Muitas crises podem ser superadas sozinhas. Quando as pessoas não conseguem
por si mesmas, em meio à tempestade, encontrar uma saída, o apoio de um amigo ou da
comunidade pode ser de grande valia.

A Terapia Comunitária é um instrumento transformador do sofrimento, das


dores da alma. Partilhando nossos sofrimentos e descobertas, estamos coletivamente
possibilitando trazer a clareza para nossos sentimentos e a luz para nossa caminhada
solidária.

Poder falar da dor pode ser um fator importante para a reconstrução da vida.
Uma crise bem aproveitada pode transformar o caos em matéria-prima para o
crescimento humano, para o crescimento do próprio grupo e de toda a comunidade.

5 Carta de OMS
As crises não acontecem por acaso. Elas sempre fazem parte de um cenário, de
um contexto familiar, comunitário me social.

As crises vividas por um indivíduo, de uma forma ou de outra, vão ter eco, vão
repercutir entre seus familiares, entre seus amigos e colegas e em sua comunidade. Por
isso, é importante considerar a crise não como um fato isolado, mas como parte de um
determinado contexto. A crise se nos manifesta diversos sistemas de relações.

Quadro 1: As crises em seus contextos diversos – adaptado de Slaifeu(1988)

SISTEMAS RELACIONAIS:

Variáveis (aspectos que devem ser considerados ou para mais ou para menos, de
acordo com cada caso).

Pessoa

Aspectos de conduta, do afeto, dos relacionamentos corporais e intelectuais.

Família e grupo social

Família, amigos, vizinhos e natureza das relações com pessoa em crise (coesão,
padrões de comunicação, papéis e responsabilidades, flexibilidades e franqueza,
valores).

Comunidade

Localização geográfica, recursos econômicos e materiais; estruturas e políticas


governamentais; local de trabalho do indivíduo, negócios, escolas, serviços de saúde,
indústrias, igrejas, movimentos pastorais e associação de moradores.

Cultura ou sociedade

Valores predominantes, tradicionais, normas e costumes

Quando a crise chega:

As crises são transtornos e desorganizações que acontecem em determinados


períodos da vida de pessoas, famílias, grupos sociais, instituições e da sociedade.
Podem apresentar os seguintes sinais:

- Incapacidade do indivíduo, família ou grupo social em resolver seus


problemas. A verdade é que as velhas formas não servem mais, pois o contexto é outro.
Veja quanta mudança: uma sociedade que começou o século andando a cavalo terminou
fazendo viagens interplanetárias.

5 Carta de OMS
- Falta de criatividade. Quando este presente nas crises, a falta de criatividade
faz com que as pessoas tentem resolver seus problemas utilizando as mesmas soluções
de sempre.

- Tendência a apelar para as atitudes extremistas: tudo ou nada, ou é oito ou


oitenta. Parece que não existe nunca um caminho intermediário, uma disposição para
negociar, ceder para ganhar. A situação é vista em branco e preto. Esquece-se de que
existem a cor e os tons cinza.

- Perda da direção. Na crise, geralmente a pessoa fica como se estivesse cega,


tonta, sem uma direção a tomar. Não sabe o que fazer. É que quando a emoção é grande
nosso raciocínio fica comprometido. Há uma tendência maior a reagir, fugir. Por isso,
dizemos que em época de crises não se tomam decisões. Se um fato nos atinge,
causando desequilíbrio e tensão, logo imaginamos que estamos diante de algo sem
solução, que não adianta insistir, que não adianta nem tentar. Naquele momento, o
problema parece não ter solução porque as maneiras que sempre usávamos antes
serviam, mas agora não servem mais. Nossos pais as usavam e dava certo; nós as
usamos e não dá mais certo. Ou então: já usamos certa vez e deu certo, mas agora não
dá mais. Quando sentimos que está tudo escuro mesmo, que já tentamos tudo e nada
funcionou, estamos permitindo que a tensão, causada por uma necessidade não
satisfeita, tome conta de todo o nosso organismo, sem nunca parar e sempre
aumentando, sempre aumentando...

Tanto a crise quanto a sua solução dependerão de vários esforços


combinados:

a)da força e da intensidade da reação desencadeada. Existe crises que deixam


os indivíduos desnorteados, incapazes de poder refletir. As grandes perdas podem
desencadear muito sofrimento e dor. Já outras crises não abalam tanto;

b) das condições pessoais e do grupo (saúde, auto-estima, flexibilidade).


Muitas vezes, as crises nos pegam de surpresa e nos atacam quando ainda estamos
caídos ou fragilizados por alguma perda, doença ou baixa auto-estima. A falta de
flexibilidade e aceitação pode tornar seus efeitos mais dramáticos;

c) (do vigor do sistema de crenças e valores espiritualidade, fé). A


espiritualidade pode ser um grande recurso para nos confortar nos momentos de crise. É
sempre mais fácil atravessarmos os precipícios quando estamos confortados pela fé em
Deus;

d) da variedade e diversidade dos recursos sociais e culturais

É muito importante ter em quem se apoiar nos momentos difíceis. Poder contar
com os amigos e vizinhos atenciosos e solidários. Receber visitas de membros da igreja
ou sindicato, sentir que não se está só na dor em si já é um grande conforto. Nesse
ponto, os massoterapeutas têm uma grande importância para a comunidade. Poder
receber uma massagem nos momentos de muito estresse é um recurso valioso.

5 Carta de OMS
O perigo ou risco surgem quando a crise paralisa as pessoas, as famílias e as
comunidades, fazendo com que se perca a confiança uns nos outros. Quando se chega a
esse ponto todos se isolam e ninguém mais assume responsabilidade por causa alguma,
nem por si mesmo, nem pelos outros.

Por outro lado, a grande oportunidade que a crise nos traz é poder refletir sobre o
que erramos. Ela nos possibilita rever nossos relacionamentos, buscar novas formas de
agir e de nos relacionar. As crises nos forçam as mudanças, rompem nossa acomodação
e nos fazem avançar na caminhada. Para tento, temos que ter humildade e reconhecer
nossas falhas, nossos equívocos. É a queda da água de uma cachoeira que dá forças ao
rio.

A OPORTUNIDADE DO SALTO QUALITATIVO NUMA CRISE

“É NAS QUEDAS QUE O RIO CRIA ENERGIAS.”

GANDHI

Tudo que se manifestam todos os sinais que surgem, por exemplo, o choro de
uma criança, a depressão que chega e fica são formas de comunicar, de dizer que
alguma coisa não vai bem, que a situação não está mais dando pé. São sinais de uma
crise e apontam para uma oportunidade de mudar para melhor. Mudar para melhor é o
que chamamos de salto qualitativo!

Como a vida é dinâmica, sempre vamos passar por várias crises. Daí a
necessidade de descobrirmos maneiras criativas de lidarmos com elas, de criarmos uma
pedagogia para a crise.

Os tempos mudaram e o que antes levar muitos anos para se transformar, hoje
muda em um piscar de olhos. Como o contexto social e cultural é mais dinâmico, nossos
modelos têm que ter rodas, isto é, têm que ter mecanismos que nos permitam
acompanhar as mudanças. Precisamos desenvolver nossa capacidade de adaptação às
mudanças e às crises. Quando nossos modelos de tratamento das crises e das mudanças
não correspondem às novas exigências do contexto, nos perdemos diante das crises.

A crise sempre nasce em uma situação em que um modelo, ou uma forma de


lidar com a vida, pifou, se esgotou. É como um sapato que ficou encharcado com a água
da chuva. No dia seguinte, ele não entra mais no pé. Ora, o sapato é um modelo, eu
tento calçar e ele não cabem mais no pé. A crise foi gerada. A situação não se encaixa
mais no velho modelo.

E logo surgem as perguntas e os questionamentos: “mas por que este sapato não
entra mais no meu pé? O que aconteceu? Encolheu! Mas esse sapato me foi dado pelo
Papa! Foi-me dado pelo Santo! Foi-me dado pelo Freud!”

5 Carta de OMS
Mesmo assim, que tristeza! Não serve mais para o pé...

As pessoas que insistem em manter no pé o sapato que encolheu vão andar


mancando e com o pé cheio de calos. Vão ficar irritadas consigo mesmas e com os
outros. Vão agredir a todos porque seu pé está doendo.

Se continuarem insistindo: “Ah! Jamais jogarei meu sapato fora!, terão que
perceber que só há uma maneira de continuar usando o sapato: cortando os dedos para
que o pé caiba no sapato! O jeito, então, é partir para a multiplicação. Mas como o pé é
mais importante que o sapato, o que a gente deveria fazer? Jogar o sapato fora e
comprar um que nos deixe confortáveis.

O meu pé é como se fosse o contexto. O sapato é como se fosse o modelo. A


crise veio demonstrar que o meu modelo de sapato não se ajusta mais ao contexto que é
o meu pé. No momento em que aparecem os calos, não adianta querer ficar tomando
decisões precipitadas, impensadas. Primeiro, precisamos refletir, pensar, avaliar,
entender o que está produzindo o calo, o que está produzindo incômodo e dor. E aí
provamos,, mais uma vez, que as crises sinalizadas pelo incômodo, pela dor, pela
insatisfação são positivas e férteis. Temos a oportunidade de perceber que o que está
pifando, o que não está funcionando é o modelo. Precisamos de um modelo novo. Já
imaginou o transtorno se tentássemos usar o mesmo sapato de criança na adolescência,
na idade adulta e na velhice?

A consciência da passagem de um modelo que não funciona mais para um novo


modelo é o ponto crítico de todo o processo.

Vamos lembrar mais uma vez: o que determina o contexto é o processo


histórico, um processo que envolve a economia, a política, a educação, as relações
humanas. Enfim, toda a realidade.

No caso da mudança de moeda, por exemplo, do cruzeiro para o real, tivemos a


mudança de um elemento do contexto e não de todo o contexto. Para que fosse possível
uma mudança global, seria necessário que ocorressem mudanças nas estruturas sociais e
econômicas que hoje geram tantas desigualdades e injustiças.

A mudança da moeda não é suficiente para que haja alteração na qualidade de


vida das pessoas. Se Paulo está ganhando pouco, não vai comprar o alimento suficiente.
Então, os filhos começam a reclamar em casa. Eles não percebem que, para os pais
ganharem mais e poder comprar mais alimentos, não basta substituir o cruzeiro pelo
real, porque o contexto é mais amplo e mais complexo.

Para que haja melhoria na qualidade de vida, políticas públicas deveriam ser
implementadas como a da reforma agrária e outras que possam aumentar a renda da
família e combater o desemprego. Os filhos precisam entender o contexto porque, caso
não entendam, vão culpar os pais pela falta de alimentos.

5 Carta de OMS
Um novo contexto pode ser imposto de cima para baixo, junto com o modelo
correspondente, sem levar em conta a cultura e as referências importantes para a
identidade das pessoas.

O que somos passa pelo que acreditamos pelo que gostamos de comer, pelo que
gostamos de ouvir, pelo que gostamos de vestir, pelo que admiramos e amamos.

O modelo único destrói aquilo que é fundamental: a diversidade cultural, e traz


uma grave repercussão nas estruturas sociais e mentais de indivíduos e grupos sociais.
O modelo único da globalização tecnológica e econômica destrói os valores existentes
nas várias culturas. Onde antes havia partilha, hoje existe exclusão. Onde antes havia
orgulho do modo de ser, no sentido de fazer sobressair a dignidade humana, hoje existe
vergonha.

Toda cultura possui seus próprios sistemas de controle. A virgindade feminina,


como valor, poderia ser vista como uma forma de controle para preservar o respeito, a
dignidade e a responsabilidade pessoal. Se um valor é destruído e não surge outro em
seu lugar capaz de preservar o mesmo respeito, a mesma dignidade, a mesma
responsabilidade pessoal, tendo uma referência ética, as relações humanas caem na
banalização.

Um exemplo da destruição dos valores culturais pode ser verificado em nossa


relação com o meio ambiente. Baseado nos mitos herdados das culturas indígena e
negra ouvia dos mais velhos a lição: “Olhe, meu filho, quando você for andando na
mata, não quebre os galhos, não destrua as árvores, não mate os animais com filhotes e
as fêmeas, se não o Saci Pererê ou a Caipora vêm te pegar e te dar uma surra!” Os mais
novos escutavam e todo mundo respeitava a mata e seus animais, e assim se preservava
o futuro.

Hoje, a tecnologia diz que o Saci Pererê e a Caipora, ou qualquer outro mito da
floresta, não existem mais. O respeito à sabedoria dos mais velhos, à tradição
desapareceu ou foi desvalorizado.

Isso tem sido o sinal verde para a depredação e a destruição. Mesmo que se diga
que a floresta é o pulmão da humanidade, não se deu uma explicação que tivesse uma
relação com a cultura.

Se os poderosos não respeitam e exploram a natureza para dela extrair todo o


lucro possível, qual a resposta a esperar dos excluídos e marginalização?

Não faz muito tempo, as casas dos pobres eram cheias de santos de madeira, de
baús velhos, de ferros de engomar a carvão. As casas dos ricos eram todas modernas: os
santos eram de gesso, pintados recentemente e tudo era elétrico. E, der repente, houve
uma intervisão de valores: tudo que era pobre e velho foi parar na casa do rico. Hoje em
dia, você chega na casa do rico e encontra o oratório de madeira e seus santinhos, o
velho ferro de engomar de carvão agora é peça de decoração! O que dizer da antiga
máquina de costura de pés de ferro bordados que o pobre jogou no lixo porque achava

5 Carta de OMS
feia, ultrapassava e sentia vergonha de possuir? Como explicar o lugar de honra que
agora ocupa na nobre sala de estar da burguesia?

Símbolos da cultura popular foram transformados em objetos de valor estético e


promovem o status econômico e social dos mais ricos. O pobre só se dará conta dessa
situação se um dia ele for visitar a casa do rico e descobrir que fizeram com que ele
sentisse vergonha daquilo que um dia fez parte de sua cultura.

É muito prático e cômodo, em uma crise, nos sentirmos vítimas, achando que o
satanás é o responsável pelo nosso sofrimento, ou ainda, que tem alguém nos
perseguindo. Se formos vítima sempre pode esperar pelo surgimento do Salvador.

3.No final do túnel uma luz

Nós só enxergamos a luz porque existe a escuridão. Só desejamos aprender,


porque existe a ignorância. Só temos coragem, porque existe medo. Só existe a resposta,
porque existiu a pergunta.

Tomemos a imagem dos apóstolos no Cenáculo. O Espírito Santo surge aos


apóstolos na forma de uma língua de fogo, o simbolismo que revela o banimento da
escuridão e o domínio de uma fé corajosa para aqueles que crêem.

Quando chegou o dia de Pentecostes, todos eles estavam reunidos no mesmo


lugar. De repente, veio do céu um barulho como o sopro de um forte vendaval e encheu
a casa onde eles se encontravam. Apareceram línguas de fogo, que se espalharam e
foram pousar sobre cada um deles. Todos ficaram repletos do Espírito Santo e
começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que falassem.
(At.2, 1-4)

3.1 O simbolismo do fogo

Vamos refletir sobre o simbolismo do fogo. O que é o fogo? Primeiramente, o


fogo é a luz e o calor. Como ele pode ser produzido? Pode ser produzido pela ficção,
pelo atrito entre dois corpos que se batem como acontece quando batemos pedra com
pedra. Então, conseguimos produzir a luz. Sem luz, não, podemos ver o mundo. Sem
calor, morremos de frio.

Antes da luz era a escuridão. O frio eterno. Da insatisfação com a escuridão e


com o frio, ou seja, desta crise nasceram a luz e o calor. Crise é atrito, é conflito, é
fricção entre dois corpos, entre duas vontades. A luz e o calor, em um momento de
crise, de dúvida, de desespero, de incerteza. A luz ilumina e aquece nosso caminho e
nos traz a resposta.

O Evangelho nos diz que, como conseqüência da ação do Espírito Santo, os


apóstolos falaram línguas diferentes. Isto não quer dizer que, se um apóstolo não sabia
grego, falou grego; que se outro não sabia latim, ou hebraico ou outra língua como
identidade, como personalidade, como cultura, como história, memória, compromisso.

5 Carta de OMS
Se forem doze idiomas porque eram doze apóstolos, não importa. O que importa
é que, mesmo falando línguas diferentes, falavam sobre a mesma coisa, o mesmo
conteúdo, a mesma referência, que é o amor libertador de Deus.

A noção da diversidade, da divergência como valor necessário é fundamental


para se ter a luz, o esclarecimento. Nesse sentido, a crise é sempre algo positivo. Por
isso dizemos: “Há males que vêm para o bem”, “Bendita cruz que carregamos”.
Dizemos isso, porque, apesar do peso e do mal, a cruz nos protege e nos impulsiona
para a frente.

4.A mediação dos conflitos: evitando a triangulação vitimizadora;

É aqui que ressaltamos a importância de uma atitude clara e firme do terapeuta


comunitário. Ele nunca deverá assumir o papel de salvador, aquele que, procurando pela
suposta vítima, responde: “Ah! Deixa comigo que eu resolvo”.

Por que devemos evitar a atitude de salvador, de herói? Porque se o terapeuta


entrar no jogo de vítima-perseguidora, ele terá que destinar seu trabalho e sua energia na
busca desse perseguidor: Ora, ao agir assim, ele se transformará, por sua vez, em um
perseguidor e estará criando outra vítima. Ou seja, criando um triângulo que repete sem
fim as situações e desvia o grupo da verdadeira superação do problema. E, assim, a
relação triangular se multiplica da seguinte forma: Hoje sou salvador; amanhã serei
vítima e acabo por me tornar o perseguidor.

Como já vimos no decorrer deste manual, para nós não existe uma relação
causa-efeito entre o fator precipitante - gota d‟água - e a crise. Diante de uma mesma
situação – problema, algumas pessoas ou famílias se sentem emocionalmente
ameaçadas e entram em crise, outras não.

O educador é aquele que transforma criativamente o caos em ordem, a


desesperança em esperança. É aquele que respeita os valores e a autonomia do outro e
tem consciência do valor de escutar mais do que falar; já que ele sabe que quem mais
fala é quem mais domina. O educador acompanha de perto as mudanças mentais que
ocorrem impulsionadas pela própria dinâmica da vida e ajuda as pessoas a atualizarem
suas fichas mentais. As pessoas mudam e, se não se atualizarem, o descaso
desencadeará conflitos e alimentará crises intermináveis.

5.Aprendendo a lidar com a crise: exercício prático em duas etapas:

5 Carta de OMS
1º etapa: Cada pessoa escolhe um problema e 2º etapa: Cada pessoa apresenta sua ficha
segue as orientações a seguir. para o grupo. O grupo ajudará lançando
perguntas (motes) e completando informações
que irão facilitar na resolução da crise.

Quadro 1: Quadro 6:

Qual é o sofrimento? Lições que tirei?

Procure explicar o problema de forma Pergunte: o que aprendi com a crise? De


sintética, seguindo as perguntas: Qual é o que forma os erros cometidos se
problema? O que aconteceu de fato? Quando transformaram em conteúdo de
aconteceu? aprendizagem? Ampliei minhas relações
sociais? Aperfeiçoei minha capacidade de
superação? Que limitações me alertaram?

Quadro 2 Quadro 5

Repercussão em mim? Minha participação inconsciente?

O que eu senti? Raiva? Medo? Decepção? Este quadro é o mais difícil. Pergunte: Sem
Tristeza? É importante identificar as emoções. dar-me conta, alimentei ou contribui para
desenrolá-lo do problema? Geralmente, as
pessoas se colocam como meras vítimas.

Quadro 3 Quadro 4

Repercussões externas? Estratégias pessoais

Enumere a repercussão na sua família, na sua Busque na sua própria experiência: Quais
comunidade, na sua instituição. as estratégias que utilizei para superar a crise?
Isolei-me? Agi com indiferença? Adoeci?
Agredi?

5 Carta de OMS
Síntese:

1. A crise e o caos são a matéria-prima de todo o crescimento e transformação.

2. A crise só pode ser entendida quando entendemos o contexto em que ela se


insere. O contexto é fruto de um processo histórico e cultural que envolve a
economia, a política, a educação, as relações sociais, enfim, toda a realidade
que nos circunda.

3. A crise surge depois de várias tentativas frustradas de resolução do


problema. Contudo, é, portanto observar que nem o organismo da pessoa,
nem o sistema familiar, ao que parece, toleram níveis altos de
desorganização por longos períodos de tempo.

4. A crise, geralmente, obedece a padrões contínuos em seu desenvolvimento.


Por isso, as crises se parecem muito umas com outras, sejam quais forem às
tensões que as provoquem.

5. As crises provocam questionamentos sobre os valores pessoais e sociais. As


pessoas em crise se perguntam: que sentido tem a vida? Por que isso
acontece logo comigo? Por que Deus permite que isso aconteça? Vale à pena
continuar vivendo?

6. Durante as crises não devemos tomar decisões.

É importante perceber que sempre podemos sair fortalecidos após as crises. Para
que isso ocorra, vamos procurar problematizar o contexto. Vamos questionar nossos
modelos, identificar os sinais, tentar entender nossas atitudes. Vamos tentar decifrar os
símbolos, os sentidos e os pensamentos que estão presentes em nossa forma de nos
comunicar com os outros. Lembre-se de que toda convicção pode ser uma prisão. As
emoções fortes, as paixões podem diminuir nossa capacidade de reflexão.

Transformar sensações em emoções e estas em pensamentos pode ser o fator


determinante para as transformações. Como uma ocasião única para avaliarmos certezas
e hábitos, a crise transforma o caos em matéria-prima de criação, crescimento e
desenvolvimento humano e social. No entanto, devemos estar atentos para o fato de que
os estereótipos e preconceitos impedem a reflexão sobre a responsabilidade de cada um
e a descoberta dos valores pessoais e éticos.

5 Carta de OMS
CAP. 5

A Força da comunidade:

1-O Conceito de Comunidade:

Quando falamos em comunidade, estamos nos referindo a pessoas ou grupos de


pessoas que partilham condições semelhantes de vida- econômica, social, cultural,
política, religiosa e espiritual – mesmo percebendo que na comunidade existem
diferentes níveis e formas de viver essas condições. A comunidade não é, pois, um todo
homogêneo, uma vez que existe diversidade em seu seio. Mas existe um aspecto
fundamental na formação de uma comunidade: para que uma comunidade se constitua é
muito importante que as pessoas e grupos estejam em permanente interação, isto é, que
exista um fluxo de relações entre as pessoas, podendo haver reciprocidade entre elas.

Devido à forma como a nossa está organizada, raramente, os grupos agem como
um todo. Mas uma parte consegue defender interesses comuns, amplos, complexos,
abrangentes, buscando o bem-estar social.

As comunidades partilham, também, um mesmo espaço geográfico.

Vamos, então, compreender o conceito de comunidade.

Comunidade é um grupo de pessoas que vivem, não deste ou daquele interesse


em particular, mas de um complexo conjunto de interesses, de modo a viabilizar suas
vidas, dando-lhes um significado de pertencimento e identificação.

A comunidade, ou melhor, dizendo, as pequenas comunidades são um espaço de


construção e reconstrução social. Elas conseguem integrar, numa dinâmica de
esperança, vidas desesperadas e desvinculadas. Podem, até, assumir o caráter de
“família substituta”, conforme já vimos. Vivendo em comunidade, as pessoas
descobrem e redescobrem sua identidade social, cultural e histórica.

A comunidade só é consciente quando ela consegue estabelecer uma base


concreta de relações entre pessoas. Sem isso, ela não passará de um simples esboço de
comunidade.

As relações entre as pessoas podem ser comparadas a um bordado em que as


linhas de vida de cada uma se cruzam e entrecruzam formando um desenho. Podem ser
comparadas às teias que se cruzam para dar sustentação à aranha. Essas teias, linhas ou
relações, ora se ampliam, se sobressaem, ora se fundem, se ligam ou se separam.

O fio, com o qual se tecem as relações sociais, vem do que somos, do que
pensamos da forma como agimos. Vem da nossa identidade construída a partir de toda
nossa bagagem de vivências, sejam elas afetivas, sociais, profissionais ou espirituais.
Como as aranhas, em comunidade, somos capazes de construir novas teias, novas

5 Carta de OMS
relações, tecendo os fios do nada, ou, aparentemente, do nada. Porque tecemos a partir
de algo invisível que existe dentro de nós. Algo que, mesmo não sendo palpável,
constrói e dá forma ao nosso viver. Tecendo as teias usando nossas linhas da vida como
um ato de amor ao próximo.

1.1Conhecer para atuar:

Precisamos conhecer alguns aspectos importantes da vida comunitária. Somente


conhecendo nossa comunidade, seremos capazes de construir nossa teia e atuar com
maior segurança.

Para que possamos ir resgatando a história da nossa comunidade, devemos


procurar puxar em cada um, inclusive em nós mesmos, os fios que tecem a nossa trama
comunitária, sob vários aspectos.

I. (Re) construindo a história da comunidade:

_Você conhece a história de sua comunidade?

_Quais os acontecimentos que contribuíram para a construção de sua


comunidade?

_Quais as pessoas que participaram dessa construção?

_Atualmente, essas pessoas continuam participando?

_Que opinião elas guardam sobre o trabalho comunitário?

_Somente conhecendo a comunidade é que seremos capazes de construir esta


teia e atuar com maior segurança.

II- Levantando os recursos/ serviços disponíveis:

_Posto Médico e Agentes de Saúde.

_Centro Social e Pastoral da Criança

_Grupos Esportivos.

_Grupos de Mães, de Jovens, de Crianças, de Pais, de Idosos.

_Grupos Religiosos (católicos, protestantes, espíritas, umbandistas, rezadeiras,


curandeiras, benzedeiras) e/ou Igrejas.

_Áreas de Lazer

_Escolinhas e Creches Comunitárias.

_Hortas Comunitárias

_Delegacias

5 Carta de OMS
_Organização Sindical.

_Movimentos Populares Organizados.

_Partidos Políticos.

_Liderança (incluindo parteiras).

_Transportes coletivos.

_Infra-Estrutura de água, luz, telefone, saneamento etc.

É importante que seja observada a forma como os equipamentos são


conservados e mantidos, e, ainda, quem participou de conquistas e vitórias ligadas à
comunidade, pois tudo isso faz parte da história.

III- Conhecendo a situação profissional e financeira:

_De que vivem as pessoas?

_Quais as profissões de seus moradores?

_Qual a renda familiar?

_Quais as fontes de renda possíveis?

_O que é produzido?

IV- Conhecendo os problemas mais recorrentes:

_Quais as doenças mais comuns na população? Verminose? Desidratação?


Doença de nervos? Outras? Quais?

_As pessoas são bem atendidas nos postos de saúde?

_O atendimento de saúde e hospitalar é de boa qualidade?

_Quais os conflitos mais freqüentes?

_De que o povo mais se queixa?

V- Verificando a escolaridade e a cultura popular:

_Quantas pessoas sabem ler e escrever?

_Quantas crianças freqüentam a escola?

_Há abandono escolar? Por quê?

_Existe motivação e interesse dos pais para mandarem os filhos à escola?

_Existe biblioteca nas escolas?

5 Carta de OMS
_As pessoas lêem jornais ou outro material de leitura?

_Quais os programas de TV preferidos?

_Como é visto o conhecimento dos mais velhos?

_De que forma é utilizada a sabedoria que não é adquirida na escola, mas na
tradição e na experiência de vida?

VI- Informando-se sobre oportunidades e criatividades:

_Quando as instituições formais /oficiais como hospitais, escolas, creches,


indústrias, órgãos de Governo etc., não atendem às necessidades da população, existem
formas alternativas para a solução dos problemas?

_A comunidade tem refletido sobre novas maneiras de exigir melhorias do Poder


Público?

_Como a comunidade lida com o resgate de seus valores?

Esses questionamentos são importantes porque, todos sabem, em muitos lugares,


as mães voltaram a amamentar seus filhos. A própria comunidade preparou lideranças
comunidades e agentes de saúde, junto às rezadeiras, para estimular as pessoas,
sobretudo as mães, para prepararem o soro caseiro e reidratar as crianças, curando
várias doenças. Sabemos, também, que já existe um bom número de comunidades
organizadas trabalhando em convênio com Universidade e Serviços de Saúde para
desenvolver as Farmácias Vivas (farmácias de remédios caseiros, utilizando-se as
plantas medicinais)

Já são muitos os exemplos de comunidades que formaram grupos de pintura,


desenho, artesanato, bordado. Nesses trabalhos são retratadas as belezas e as riquezas
regionais, demonstrando, para a sociedade, que são conscientes de seu valor e
capacidade.

Grande parte das pessoas que mora nas favelas e bairros periféricos veio (ou é
descendente) do interior, do sertão, da roça e teve que deixar sua terra por necessidade
de sobrevivência. Essas pessoas foram forçadas a romper, bruscamente, com seu quadro
de valores, com sua forma de vida, sonhos e aspirações.

A vida em comunidade pode resgatar essas origens como referência de novas


ações transformadoras.

2- A força da participação:

Participação é um processo dinâmico que envolve as pessoas na conquista de um


objetivo. A participação dá-se em diversos níveis: em nível de subsistema, de sistema e
de supra- sistema. Esse processo começa com a pessoa tomando decisões sobre a sua
própria vida.

5 Carta de OMS
Um espaço apropriado para iniciar a prática da participação, junto com outras
pessoas, é a família. Da família para a comunidade é um salto. Participar das grandes
decisões da sociedade é uma exigência posta para nós, cidadãos, todos os dias.

Assim como o carro não anda sem gasolina, não existe comunidade sem
participação. A participação é a alma do trabalho comunitário e de toda a transformação
social.

O insucesso de muitas atividades comunitárias deve-se ao fato de que as


decisões estão limitadas ao poder de um líder ou de um pequeno grupo que, algumas
vezes, é o único a planejar e decidir. Quanto isso acontece, os colaboradores tornam-se
incapazes de “levar o barco adiante” no momento em que o líder se ausenta.

Somente a participação efetiva pode garantir o sucesso de um trabalho e o


assumir das conquistas.

Muitas vezes, a participação é confundida com mão-de-obra disponível, pronta a


seguir e obedecer às decisões de um líder ou de um técnico. Não se trata de utilizar
pessoas dinâmicas e disponíveis da comunidade para executar decisões que são tomadas
por um grupo de iluminados. A dinâmica comunitária exige muito mais do que uma
simples aceitação de realização de tarefas. É preciso considerar que a participação não
cai do céu. Ela precisa ser construída.

Conseguir motivar um grupo a agir junto não é uma tarefa tão fácil e exige
habilidade. Não se pode agir apressadamente. Quem não conhece a expressão que diz
ser a pressa inimiga da perfeição?!

Só se aprende a nadar, nadando; só se vai para frente, andando, seguindo todo


um caminho com seus altos e baixos. Da mesma forma, aprende-se a participar,
participando. Esse processo exige muita determinação e a participação ativa de todos.

Devemos motivar a comunidade a envolverem-se, a organizar-se, sempre, no


sentido de dinamizar as ações existentes e suscitar outras. As pessoas só permanecerão
juntas se perceberem que suas idéias, seus gestos e sua presença foram respeitados e
levados em consideração.

Qualquer que seja nossa luta (por moradia, saúde, educação etc.), deveu buscar o
desenvolvimento global, sistêmico, da família e da comunidade. O que nos dirá se tal
desenvolvimento está acontecendo é o estado em que se encontra a pessoa humana. O
seu desenvolvimento integral é a medida de todas as coisas.

Uma parada para reflexão:

O trabalho comunitário é envolvente e apaixonante. Mas, atenção: sem


percebermos, podemos estar criando, com esse trabalho, novos tipos de dependência.
Caso isto ocorra, com certeza, estaremos retardando toda a transformação social.

Vamos examinar esse ponto?

5 Carta de OMS
De que maneira o trabalho comunitário pode correr o risco de criar novas
dependências? Se estiver acontecendo, que medidas precisam ser tomadas com a
participação de todos?

Vejamos as oito razões, elencadas por Alastair (1982), que justificam a


importância da participação.

1. “A participação permite a adoção de métodos de organização e de técnicas


mais simples e eficientes, além de mais apropriadas à cultura e ao meio
ambiente local”.

Vejamos o exemplo:

Na tentativa de dinamizar o sistema de saúde de uma comunidade, será mais


interessante trabalhar com os recursos da própria comunidade, lançando mão de ações,
tais como;

*criação de hortas de plantas medicinais;

*envolvimento do raizeiros;

*capacitação de pessoas que já trabalham na área de saúde, habilitando-as a


preparar remédio caseiro, inclusive o soro caseiro, em um trabalho conjunto com as
rezadeiras;

*produção de alimentação enriquecida na base da multimistura.

2- “O fato de agirmos juntos, com participação, fará de nós uma comunidade


mais unida”.

O agir comunitário possibilita maior convivência e proximidade entre as


pessoas. A convivência na ação nos permite descobrir as qualidades de cada um, suas
aptidões e valores, para ressaltá-los, sempre que for oportuno.

O agir comunitário nos torna ainda mais atentos, dando-nos condições de olhar o
contexto, as relações humanas de forma mais questionadora, mais crítica. Quando
formos capazes de sentir que sozinhos não realizaremos grandes coisas, perceberemos a
importância que tem a nossa participação.

3- “A participação é ponto de partida e é estímulo para novos esforços de


desenvolvimento”.

Como exemplo pode citar o que ocorreu na comunidade de Bonito, município de


Canindé, no Ceará. O próprio povo conta que foi a vontade de participar, de decidir em
conjunto, que o levou a proteger a água do açude com a construção de uma grande
cerca. Essa ação logo desencadeou outra, que foi a construção de uma grande cerca.
Essa ação logo desencadeou outra, que foi a construção de um cemitério, e, em seguida,
a construção de cisternas (recipientes fechados que colhem a água da chuva do telhado,
por meio de uma bica, durante o inverno.

5 Carta de OMS
4- “A participação desperta o senso de responsabilidade pelo projeto”.

Com a participação, a comunidade faz o seu projeto e dele se apropria. Os


jovens engajados no Projeto Arte Terapia na Favela, pertence à comunidade de Quatro
Varas, em Fortaleza (CE) decidiram construir uma oficina de pintura. São eles os
dirigentes da oficina. Quando surgem problemas, o que é natural são eles mesmos que
tomam a iniciativa de solucioná-los.

Na dinâmica da participação, a presença do terapeuta comunitário, assim como a


do líder comunitário, significa apoio, incentivo, reforço, transmitindo o sentimento de
que eles não estão sozinhos nas dificuldades.

5- “A participação garante uma ação que atende a necessidades reais”

Muitos projetos fracassam porque a comunidade está ausente nas horas em que
as decisões são tomadas. Nesse caso, ela sofre muito mais as conseqüências das ações
dos técnicos ou lideranças do que se beneficia de seus resultados.

A participação nos mantém com os pés no chão e evita que troquemos a


realidade por nossos desejos e fantasias.

6- “A participação permite valorizar os conhecimentos e as competências locais:

Participando, a comunidade sente-se estimulada a fazer uso de seus


conhecimentos, procurando adaptá-los às novas exigências. A união do saber técnico
com o saber popular engrandece a vida comunitária.

Um dos exemplos dessa união é a atuação do Departamento de Saúde


Comunitária da Universidade Federal do Ceará (UFC), que, em conjunto com o
Hospital de Canindé, desenvolveu, na década de 1980, um trabalho de saúde
comunitária, envolvendo as rezadeiras locais no combate à desidratação infantil. Elas
trabalham em parceria com os médicos do hospital.

A comunidade é a grande beneficiada com esse tipo de articulação, pois, além de


ter o reconhecimento profissional, recebe um atendimento mais qualificado.

Há um provérbio árabe que bem ilustra a necessidade de tornarmos consciência


de nossas limitações e buscarmos a união:

“Existem pessoas que sabem, e sabem, e sabem que sabem. Existem outras que
sabem, e não sabem que sabem. E existem aquelas que não sabem, e não sabem que não
sabem.”

7- “A participação torna as pessoas mais confiantes e menos dependentes da


ação dos técnicos.”

As pessoas tornam-se mais confiantes e menos dependentes da ação dos técnicos


se forem co-responsáveis, assumindo cada uma das suas responsabilidades. Afinal, são

5 Carta de OMS
elas que vivem os problemas e as soluções. Por essa razão, precisam dispor de
autonomia para tomar decisões.

8- “A participação é fator de conscientização”

O grande desafio para as lideranças e técnicos, em todo o programa de


participação comunitária, é saber como envolver as pessoas, com seus problemas, suas
contradições e adversidades, para agirem, juntas, na tentativa de melhorar o quadro de
vida da comunidade.

Numa sociedade, onde os conflitos se multiplicam e seus valores são


questionados, é comum surgirem os salvadores da pátria, como se eles fossem resolver
todos os problemas. Esses salvadores dão a falsa impressão de que são amigos do
homem. É nesse contexto que as manipulações assumem um papel central.

Diante de uma situação dessas, como evitar que a organização comunitária sirva
de trampolim aos pára-quedistas em busca de autopromoção?

Como demarcar este tipo de atitude? De que forma a comunidade pode libertar-
se de um líder ávido de poder pessoal? Como desarmar esses mecanismos de
manipulação do outro?

As Terapias Comunitárias são um importante espaço de participação, pois


oferecem ao indivíduo a oportunidade de ouvir e ser ouvido, de refletir e de agir. É um
momento em que se pode examinar, em profundidade, a vida e as motivações; em que
se pode aprender com as experiências do outro e, assim, encontrar soluções para os
próprios problemas.

Por vezes, esses espaços de integração são ocupados com discurso de chefes,
que têm facilidade de falar e manipular pessoas que ficam impressionadas com o que
ouvem. Se isto acontece, o espaço terapêutico, criado para ser espaço de palavra e
escuta, vai reproduzir o ambiente das fábricas, onde o barulho das máquinas e a
dominação dos chefes anulam a vez e a voz do humilde e do operário. Esta é uma ótima
oportunidade de reconhecer o líder manipulador e o chefe opressor que agem como
máquina barulhenta e que reduzem ao silêncio a voz dos que são por eles desvalorizados
e que, na maioria das vezes, são os que mais necessitam falar.

As lideranças, isto é, o conjunto de líderes e o terapeuta comunitário devem se


preocupar com o desenvolvimento de sua comunidade, procurando favorecer a
expressão dos sem vez e sem voz da sociedade.

O terapeuta comunitário deve silenciar. Ele silencia para que outros possam
exprimir suas inquietações, frustrações, realizações e descobertas. Aquele que conduz
uma Terapia Comunitária precisa ter consciência da dificuldade dos outros. Deve, ainda,
estar sempre atento ao seu papel de facilitador de expressões, pois ele assume,
permanentemente, a figura do parteiro de soluções, parteiro de um parto coletivo que
desperta o desejo e a oportunidade de participar.

5 Carta de OMS
Não é difícil perceber que nosso modelo social é baseado em uma hierarquia de
valores. Essa hierarquia determina uma escala, onde estão por cima os que sabem os que
devem falar ensinar, mandar. Embaixo ficam aqueles que “sabem, ou muito pouco
sabem”, e por isso deve limitar-se a ouvir, a seguir os ensinamentos e as ordens.

O líder educador ou técnico educador que queira romper com esse modelo e
libertar as pessoas precisa submeter-se a uma verdadeira reeducação e redescoberta do
seu papel, de sua função, bem como, do valor do outro. É de fundamental importância
reconhecer que mesmo o calado possui experiências e vivências, também importantes,
para o seu aprendizado e libertação.

É preciso ter humildade e consciência para verificar que o poder não está
naqueles que sabem manipular as palavras e as pessoas, mas nas mãos dos que sabem
escutar, dividir, estimular, integrar e que querem participar.

2.1. Trabalhando com a participação:

A fim de se trabalhar a participação, costuma-se recorrer ao que chamamos de


pretexto pedagógico. Pretexto é um instrumento utilizado para fazer passar uma
mensagem educativa. Por exemplo: no programa Cabra de Corda, da Universidade
Federal do Ceará, aproveitou-se a distribuição de cabras leiteiras para promover a
participação das famílias pobres. A partir dessa base, desenvolveu-se um trabalho no
qual as pessoas iam aprender a criar laços comunitários criando cabras. Elas se valeram
de critérios de participação e de partilha criadores de vínculos entre as pessoas.

Como, na prática, utilizou-se o Pretexto Pedagógico?

Durante os treinamentos, cursos e reuniões nas comunidades, estas foram as


questões mais refletidas:

_O que fazer se o Programa só dispõe de vinte cabras e a comunidade, estas


foram as questões mais refletidas:

_O que fazer se o Programa só dispõe de vinte cabras e a comunidade é formada


por duzentas famílias?

As respostas que surgiram foram às seguintes:

Devem-se levar em conta os seguintes critérios: o tamanho das famílias, o nível


socioeconômico, a constituição familiar, a participação nas reuniões, o espaço físico
suficiente para os animais, a disposição para repassar as primeiras crias para outras
famílias e, assim, aumentar a rede de relacionamentos social.

A prioridade era estabelecida em função da existência de um maior número de


crianças na família, a presença de doentes, de idosos etc.

Na condução de todo esse processo, os erros cometidos também foram utilizados


como Pretexto Pedagógico. Isso significou aproveitar o erro para a construção do saber.

5 Carta de OMS
Significou, também, fazer de uma experiência que não alcançou o objetivo desejado
numa oportunidade de aprendizado.

Sabe-se que a aprendizagem é um evento pessoal. Cada pessoa tem a sua forma
própria de aprender, seu ritmo, sua percepção e a sua forma própria de dar retorno
daquilo que foi aprendido. A noção de erro ganha, assim, uma nova conotação nesse
contexto de valorização das experiências. Todas as ações e atitudes podem ser
aproveitadas com o objetivo de enriquecimento pessoal e coletivo.

3- A avaliação:

Sem avaliação a participação fica comprometida. O trabalho comunitário exige


mais do que boa vontade e dedicação. É preciso estar atento para não perder de vista os
objetivos, as metas. Do contrário, corre-se o risco de se trabalhar muito, sem chegar a
resultados satisfatórios.

A avaliação está intimamente ligada à participação, porque permite corrigir


erros, superar obstáculos, tirar lições e, sobretudo, nortear futuras ações.

A avaliação é um dos momentos mais importantes do trabalho.

É necessário parar, de vez em quanto, e preparar novas retomadas. É


compreensível que as tarefas do dia-a-dia conduzam a um ativismo que impeça muitas e
muitas vezes, visualizar, com clareza, o que está realmente fazendo e para onde se está
indo. Nesse momento, é importante que cada um se interrogue:

*Será que os objetivos, propostas inicialmente, estão sendo atingidos?

*Há pontos de estrangulamento em minhas ações?

*Que fatores internos e/ou externos estão impedindo ou facilitando o desenrolar


das atividades?

*O que fazer para corrigir possíveis distorções?

“O homem que não tem presente sua história na memória, arrisca repeti-la várias
vezes”.

4- A Comunidade da favela: o contexto dos excluídos:

As primeiras favelas apareceram no Rio de janeiro logo depois de Lei Áurea.


Libertos da escravidão e sem saber para onde ir, nem o que fazer, os negros acharam
melhor ir em direção à capital do Império, onde estaria sob a proteção da Redentora, a
Princesa Isabel.

Frustrados com a indiferença da Redentora, os ex-escravos foram acampando


nos morros em torno da cidade. Esses morros possuíam uma vegetação espinhosa
chamada favela. O nome, então, tornou-se a referência, a carteira de identidade daqueles
excluídos. Esses processos migratórios foram intensificados com final da guerra de

5 Carta de OMS
Canudos. O mesmo fenômeno de ocupação desordenada, miséria e abandono se nos
repetiu outros dois centros fornecedores de escravos: Bahia e Minas Gerais.

Com o passar do tempo, desastres naturais, como as secas intermitentes, as


inconstantes políticas agrícolas, a inexistência de políticas sociais adequadas, à falta de
escolas e de perspectivas de futuro em cada região obrigaram muitos agricultores a
abandonar sua terra natal, em busca desesperada pela sobrevivência. Outros fugiam das
dívidas, da falência e da seca crônica do sertão.

Nas últimas décadas, as condições socioeconômicas e políticas obrigaram


milhares de brasileiros do interior (campo, sertão) a migrar para as grandes cidades,
formando um enorme contingente de homens, mulheres e crianças que constituem a
população das favelas e dos bairros de periferia, consolidando uma população paralela.

Como conseqüência dessa política, a sociedade brasileira se divide entre o


capitalismo selvagem, cuja característica é a acumulação de riquezas e cujo poder social
é medido por conta dos diferentes bens supérfluos a que cada um venha possuir,
formando, assim, uma população sedentária e outra população nômade. Nômade porque
nada tem e perambula de lá para cá, na periferia do espaço, movendo-se de acordo com
a fome, com as necessidades de abrigo e as urgências do sobreviver. Estas duas
populações coexistem no mesmo espaço e quase nunca se encontram.

As sucessivas crises econômicas no país agravaram as condições de vida dos


habitantes das favelas e bairros de periferia. Fortaleza, por exemplo, a quinta cidade
brasileira em termos de população (mais de dois milhões de habitantes), possui mais de
300 núcleos de pobreza e miséria, contando com mais de 700.000 pessoas, ou seja, 1/3
da população total da cidade.

A favela do Pirambu, a mais importante de Fortaleza, é considerada uma área de


risco devido ao seu quadro social, que é de miséria e êxodo. A População, na sua quase
totalidade, foi transplantada do interior para a metrópole, devido ao castigo das secas
periódicas, agravadas por uma política econômica excludente. Essa triste configuração
urbana e social se repete na maior parte das cidades de grande, médio e pequeno porte,
de todo o país.

As favelas e os bairros pobres têm uma população constituída por indivíduos


arrancados de sua terra natal, desvinculados da sociedade e, por isso, sem laços que
permitam que eles se fixem em algo que lhes dê segurança e sentimento de pertença.

O lote que ocupam não é deles. Eles ocupam, procurando algo em que se fixar.
Seu desejo e sonho é o da integração à sociedade. Sua primeira tentativa, nesse sentido,
é fixar-se na terra, construir um barraco. Começa, então, uma verdadeira via crucis.
Aqueles que possuem algum laço de amizade são recebidos, provisoriamente, na casa de
amigos. Por isso é comum, em favelas e bairros pobres, num espaço de 12 m², viverem
cerca de 17pessoas, pertencentes a mais de três famílias. A casa é pequena, mas de três

5 Carta de OMS
famílias. A casa é pequena, mas o coração e a necessidade são grandes. A grande
maioria, contudo, ocupa terrenos destinados à especulação imobiliária.

A configuração espacial das favelas e bairros pobres é basicamente a mesma em


qualquer região ou estado brasileiro. As ruelas são estreitas, com habitações grudadas
umas na outras; os esgotos correm a céu aberto; as casas são construídas inicialmente
com pedaços de madeira, papelões, retalhos de construções. As casas, feitas com
pedaços de tudo, são a representação material, a exteriorização dos pedaços de vidas
individuais e familiares.

Tal como os pedaços de que são feitas as moradias, as favelas constituem


construções aglomeradas e desconexas, nas quais sobrevivem punhados de indivíduos
sofridos e aflitos, sem perspectivas em suas regiões de origem, pois chegaram à cidade
grande carregando suas últimas esperanças. Essa população de indivíduos, cortados de
suas raízes, repete de maneira mais civilizada, e de outra forma, o processo histórico da
captura e escravização de negros e índios.

Vamos examinar alguns dos maiores dramas dessas populações periféricas.

4.1- Habitação

A primeira preocupação dos que vivem nas cidades é conseguir um lugar para
morar, um pedacinho de terra, um lote mínimo, mas que permita a construção de um
barraco. Mas a terra, como vimos, está reservada à especulação imobiliária. Mesmo
quando se consegue levantar o sonhado barraco, surge uma nova ameaça: a chuva, que
na roça era motivo de alegria e esperança, na cidade, torna-se um inferno, podendo
inundar e destruir a precária construção. Soma-se a tudo isso a violência dos desejos e
expulsões, e seus moradores acabam descobrindo que na cidade não existe espaço para a
vida, resta, somente, a opção de resistir, recomeçar, talvez, em outra favela, sempre
perseguidos pelo fantasma do medo, da repressão e da expulsão.

Nesse clima de expectativa e medo, o sono, longe de proporcionar a recuperação


das energias, torna-se momento de insônia ou pesadelo insuportável.

Dessa forma, esses indivíduos compreendem logo que o novo contexto tem suas
regras e exigências. Tentam improvisar tudo: casas, respostas, relacionamentos, tudo na
expectativa de superação desse novo desafio.

4.2- Emprego

Num contexto de sobrevivência, a busca por um emprego torna-se, pois,


imperativa. Ninguém vive sem um meio de sobrevivência. É preciso colocar comida na
mesa todos os dias. As portas das fábricas e das empresas raramente aceitam os
excluídos, nem os recebem: nunca há vagas. E a razão para isso é simples: eles não
possuem qualificação profissional.

5 Carta de OMS
A cada dia, eles seguem o mesmo ritual: acordar cedo, com as esperança no
coração; caminhar pela cidade, em busca de uma oportunidade; bater em portas
fechadas e voltar, à noite, com fome, cansaço e sem trabalho. Mas a barriga não pode
esperar, ela precisa de alimento. A prioridade passa a ser “procurar o que comer”.

O que resta de energia e força é gasto à procura de comida. Os pais são capazes
de se submeter a tudo para conseguir comida para seus filhos. Na busca de ocupação
para conseguir o pão, pai e mãe deixam, diariamente, sua casa. Cada um, seguindo um
caminho diferente. E os filhos? Estes, quando não ficam sob cuidados de uma irmã mais
velha, são deixados na casa de vizinhos, em creches, quando há vagas, ou então,
também vão à luta, à procura do que comer, seja mendigando ou limpando pára-brisas
de carros nos sinais e esquinas da cidade.

Às vezes, nem vale a pena voltar para casa. Meninos e meninas acabam
dormindo pelas ruas, cada um procurando “se virar”, sobreviver. As crianças
abandonam muito cedo a infância. Assim, nascem os meninos de (na) rua.

É a família que agoniza, é a família que se despedaça, com cada um indo para
um lado. E a sociedade assiste indiferente, à desagregação daquilo que considera sua
célula mãe.

4.3- Saúde

A fome tem pressa e a barriga não pode esperar. Viver nas piores condições de
moradia, falta de saneamento das comunidades, tensão emocional provocada pela
insegurança constante e violência urbana fragilizam a saúde do corpo e da mente.

O alcoolismo e as outras drogas passam a ser um problema de saúde pública.


Homens e mulheres, jovens e adultos, sem esperança, entregam-se ao consumo das
drogas. Através do vício, inserisse na economia globalizada, gerando renda aos
empresários do narcotráfico. Completa-se outro ciclo: o da violência urbana. Hoje, a
principal causa de morte de jovens e adultos, em toda parte, são as chamadas causas
externas: assassinatos e acidentes de trânsito. Os relatos de crimes, nas periferias
urbanas, estão associados ao consumo do álcool e outras drogas.

4.4- Violência:

As favelas e os bairros pobres são palcos de constante violência. Na falta de


outras formas e instrumentos para resolução dos problemas, mas, a tendência é resolver
os conflitos e diferenças pela força, pela ação violenta, pela ação violenta, pela coerção.

Pequenos conflitos evoluem, rapidamente, para a violência verbal e física: os


conflitos com os vizinhos transformam-se em um inferno, com brigas corporais e,
algumas vezes, com mortes. Como o diálogo não é valorizado, as disputas logo
provocam a violência, a única linguagem disponível e compreendida em certos
contextos.

5 Carta de OMS
Nos conflitos conjugais, a violência física entre homens e mulheres (apesar de
não ser um privilégio dos pobres e excluídos) é muito freqüente. Além de vítimas
freqüentes da violência, as crianças sofrem por estarem imersas nessas situações de
conflitos e tensões.

4.5- Frustrações:

Muitos deixam suas casas, suas terras, em busca da cidade grande sonhando com
grandes oportunidades. Pouco a pouco, descobrem que os seus sonhos, as suas ilusões,
transformaram-se em miragens, no grande deserto das grandes cidades. E, assim, as
expectativas não correspondidas desencadeiam um sentimento de frustração que
conduz, facilmente, o homem para a violência, para as tentativas de suicídio ou, ainda,
para a busca de compensações no álcool e nas drogas.

Os jovens também são vítimas da falta de oportunidades, pois a eles é negado


um futuro digno. O mercado de trabalho mal dá conta de receber alguns escolhidos.
Sem emprego, sem estudo, sem habilitação profissional e sem oportunidades de lazer,
restam-lhe as gangues, a violência e o tráfico de drogas.

Em cada família uma história, uma seqüência de sofrimentos, um sentimento de


exploração, de abandono e de justiça. Cada um parece prisioneiro dos acontecimentos e,
na maioria das vezes, emprega toda energia disponível para defender-se da impressão de
estar sendo possuído por forças ocultas, por espíritos. Talvez o encosto. Essa forma de
possessão popular, fale-nos do sentimento de perda de liberdade e de autonomia, bem
como, do estado de dominação pelo outro, de imposição social.

5- O mundo dos excluídos

O que é mais dramático é o sofrimento da família dos excluídos em seu


cotidiano, um sofrimento que atinge violentamente, as almas destas pessoas.

A guerra pela sobrevivência, neste mundo hostil e ameaçador, desperta uma


guerra interior entre duas identidades: aquela que tem como referência os valores
culturais de seu grupo e outra resultante da visão do dominador.

Uma luta entre EU em que me reconheço como sendo portador de valores


positivos e da capacidade de luta, e o outro EU que corresponde à forma como me vêem
os de fora, os que têm o poder, os que me enxergam como marginais os que levantam os
vidros de seus carros quando me aproximo deles nos cruzamentos e esquinas da cidade.

É neste contexto que muitos se mobilizam para não perder esta guerra interior,
para manter viva a esperança, a crença em seus valores, para poder salvaguardar uma
identidade ameaçada.

Neste contexto, profundamente diferente, a vida social e política e as atividades


econômicas funcionam como elementos que agridem a identidade cultural e atingem a
identidade pessoal, provocando desagregação, desajuste e desequilíbrio. Apesar disso,

5 Carta de OMS
esta crise desperta um esforço criativo e um desejo de integração social muito grande
sejam através de inúmeros cultos religiosos ou movimentos associativos.

5.1- Culturas dos excluídos

Citaremos alguns elementos que permitem compreender determinada maneira de


viver; com atitudes e comportamentos que diferem de outros contextos sociais.

“1-Tua culpa, minha salvação”.

Ao centralizar as emoções, os sentimentos na culpabilidade, algumas pessoas


encontram uma forma de se relacionar. Por exemplo: uma pessoa distribui cinqüenta
velhinhas, num gesto paternalista. Dias depois, uma velhinha veio falar com o tal
doador e este, em vez de um agradecimento, recebeu o seguinte comentário:

“Eu não deveria ter recebido aquela cesta. Só trouxe confusão lá em casa e você
é o culpado disso. Depois da cesta entrar lá, minha filha vive brigando comigo porque
ela não recebeu também”.

Na realidade, esse exemplo ilustra uma forma de lucrar com a miséria. Fazer da
carência um meio de conseguir mais, culpado a pessoa que deu e obrigando-a a dar mais
para não sentir culpada.

No campo da saúde, nas doenças de crianças, surge o “quebranto”. Alguém


botou. Foi o “mal olhado”, alguém olhou com inveja e má intenção. O “susto” foi
provocado por alguém com o objetivo de causar o malefício.

A explicação dada a essas situações insinua que a origem do sofrimento, da


doença, está sempre no outro, no que ou quem provocou a suposta doença ou mal.
Gerado o clima de cumplicidade, as pessoas se mobilizam na busca de uma reparação
(solução). A própria busca dos remédios ditados pela cultura, um aqui, um ali, outro
acolá, integra aquele problema, antes isolado e solitário, na problemática social.

Esta estratégia de sobrevivência, baseada na culpabilidade, deve nos ensinar a


refletir sobre nossas motivações quando realizamos um trabalho social. Se for verdade
que a culpa mobiliza, ela também aprisiona e gera sofrimento. É importante situar nossa
ação na perspectiva da solidariedade, no resgate da cidadania, na valorização da vida e
dentro de uma opção baseada na liberdade e no desejo profundo de combater a injustiça,
as ilegalidades e jamais para expiarmos culpas que nos habitam.

2- A internalizarão da miséria

Se durante toda a vida uma criança ouviu que ela por ser cabocla, negra, pobre,
favelada – é preguiçosa, vagabunda, feia, desajeitada, não serve pra nada – acaba
acreditando em todos estes preconceitos produzidos por uma educação repressora e por
uma sociedade preconceituosa.

5 Carta de OMS
O resultado desse processo de desvalorização do outro pode ser visto quando
encontramos pessoas sem auto-estima, pessoas que não acreditam em seu valor e em sua
capacidade de ser gente e, assim, poder contribuir com as transformações sociais.

Quando aparece uma chance dessa pessoa arrumar um emprego, por exemplo,
ela inconscientemente, sofre com as inseguranças e as dúvidas sobre sua capacidade e
desempenho.

Gera-se, assim, a Síndrome da Pobreza Psíquica, resultado da perda de confiança


em si, levando ao isolamento, a uma atitude de fracasso, à auto - desvalorização e à
dependência.

Não é pequeno o número de pessoas que, na mesma situação, tenta diminuir a


angústia e insegurança tomando umas “biritas” a mais. Chegando ao novo emprego, por
ter bebido, o indivíduo perde sua capacidade. Esse fato só reforça o sentimento de
incapacidade e incompetência.

Toda essa situação de crer-se incapaz, o “medo de ser feliz”, é de fato a


verdadeira e única miséria, a verdadeira pobreza pessoal. É ela a responsável pela
destruição de vidas que nasceram e logo depois foram abordadas pela sociedade.

É impossível estimular o crescimento e a transformação de indivíduos e de


grupos sociais enquanto não concentramos nossa ação sobre esta praga dizima Dora de
vidas que é a interiorização da incapacidade reforçada pelos preconceitos e pela
educação. Precisamos reforçar no outro tudo que ele tem de belo, de positivo e de
admirável.

Celebrar o aniversário, elogiar, dar presentes, realizar passeios, fazer


fotos... São gestos tão simples, mas que tem um grande poder para reforçar a auto-
estima e a autoconfiança de nosso irmão e semelhante. Não podemos esquecer que é a
parte sadia que fica ao redor da ferida que vai ajudar na cicatrização. Temos que
fortalecer o EU de nosso irmão para que ele volte a acreditar em si e em seu potencial.

3- A Violência

Sabemos que a lei da violência impera em nossa sociedade: “Se bate, se quebra,
se grita, se mata...” Faz-se valer a lei do mais forte: “Dente por dente. Olho por olho.”

A violência ocupa os espaços da comunicação, abandona-se a expressão que


permitiria o diálogo, a escuta e a reflexão. O argumento cede seu lugar ao porrete, à
faca, ao revólver. Onde o diálogo falta, impera a violência. Trata-se de uma dinâmica
baseada na relação: “Se baterem em mim, eu desconto!” Há, portanto, uma necessidade
de agir mais e reagir menos.

A violência, aparentemente corriqueira e banal, expressa o sentimento de


frustração decorrente das expectativas não realizadas quando as pessoas se sentem
esmagadas pelo poder do mais forte pela falta de oportunidades e pela injustiça.

5 Carta de OMS
O combate à violência precisa ser feito em vários níveis:

Na comunidade – criando esforços de expressão verbal, artística, cultural que


envolva os grupos de jovens, grupos de mulheres, pais, pessoas da terceira idade, grupos
de trabalhadores e artesãos. A promoção de jornadas sobre a violência pode ser boa
ocasião para refletirmos sobre suas causas e soluções.

Na instituição – denunciando todas as formas de violência, daquela que vai do


mau atendimento nos serviços públicos àquela que é expressa pela inexistência de
políticas públicas de apoio e assistência às necessidades individuais, familiares e
coletivas.

A fofoca

A fofoca existe onde a informação é negada, apesar das evidências. A mulher


deu um grito: “Ai”! Logo todo mundo diz: “Bateram nela! As pessoas vão até aquela
mulher e perguntam: “Ele bateu em você? Ela responde: “Em mim, não!... Ele nem é
doido pra bater em mim...”

Então, surge a fofoca. Surge quando a informação é truncada, deformada,


bloqueada, escondida para que ninguém saiba a verdade da qual “eu tenho vergonha”.
Isto virá fofoca.

No momento em que a pessoa que negou a informação resolve dizer a verdade,


resolve dizer o que de fato aconteceu, acaba a fofoca. O fato passa a ser de domínio
público e a mulher vai descobrir que não é a única que apanha do marido. A circulação
da informação, nestas comunidades, é intensa e veloz.

No momento em que a informação é um belo partilhado pela comunidade, como


no caso da TC, quando ela passa a ser domínio de todos, suscita nas pessoas o
sentimento de indignação, de piedade, de compaixão, amor e solidariedade.

Até chegam a dizer: “Eu entendo o teu sofrimento... meu marido também é
assim”. Dá uma vontade de abraçar, de dirigir uma palavra... De dizer uma frase... “De
fazer alguma coisa por aquela pessoa.”

Gera-se um sentimento de partilha que permite que a dor do outro nos lembre de
nossas próprias dores, de nossas próprias chagas. Este sentimento partilhado vai criando
um cimento que une o grupo, até que surja uma emoção positiva, uma emoção que tem
valor de cura para o indivíduo e para o grupo.

Quando um acontecimento deixa de ser fofoca, surgem as pessoas se abrindo e


revelando suas feridas em busca de apoio, de ajuda. Se abrir, se revelar e confessar seus
problemas são um preço que se tem a pagar: Quando a questão da fofoca ou da calúnia é
lançada para reflexão do grupo, na hora em que a própria pessoa conta, com as suas
lágrimas, com a sua emoção, ela revela muito mais do seu sofrimento. Desaparece,

5 Carta de OMS
então, o suposto lado pitoresco e anedótico da fofoca. A graça e a piada desaparecem.
Resta somente o lado humano.

Quando fazemos ou participamos das fofocas, revelamos nosso lado solitário,


nosso desejo de fazer parte do grupo, de construir vínculos. Só que devemos avaliar os
danos que esse nosso desejo pode trazer para os outros.

5- quando se esperava nascer uma tragédia se viu nascer à solidariedade...

Nas favelas e bairros pobres a noção de privado, de privacidade, é muito


diferente da que nós, da classe média, vivenciamos.

Como ter privacidade individual em uma casa sem divisórias e portas internas
onde convivem 12 pessoas? Onde a proximidade com os vizinhos nos obriga a partilhar
os sons, os cheiros e as visões? Onde, sem que queira, sabemos tudo o que se passa na
casa ao lado/ Os vizinhos está tão próximo que ouvem os gemidos uns dos outros;
sabem se brigaram se deixaram de brigar... Todo mundo sabe da vida dos outros.

Quando um menino briga, ouvem-se logo os gritos: “Meu filho!”. Todo mundo
logo entende o que esta se passando.

Nas casas não existe o direito individual ao espaço, ele é comum e deve ser
dividido de forma pacífica. O que nem sempre acaba ocorrendo. A proximidade física
também implica numa proximidade emocional, não se podem esconder os sentimentos e
as emoções. É tudo muito aberto e está ao alcance dos olhos e ouvidos.

Isso não quer dizer que as pessoas de comunidades pobres não tenham seus
momentos de privacidade e deles necessitem para recuperar o espírito.

Per esse motivo é que a Terapia Comunitária utiliza a forma individual. A


massagem individual integra a terapia corporal, juntamente com a conversa
complementar.

Apesar de tudo, é interessante observar que 80% dos problemas pessoais podem
ser discutidos com o grupo. No grupo temos uma excelente ocasião para socializar as
perguntas e as respostas. O problema trazido por alguém pode ajudar o grupo a se
consolidar e a se transformar. Não se trata de ter uma terapia (individual) destinada ao
rico e uma terapia pública (comunitária) destinada ao pobre.

O que muda na Terapia Comunitária é a forma de ver o mundo e o processo de


cura e de crescimento pessoal. Nossa forma de ver o mundo é comunitária e sistêmica.
Se algumas pessoas precisam de um complemento e não como alternativa de terapia.
Portanto, a TC é um instrumento que permite se trabalhar a saúde em espaços coletivos.

6- A imprevisibilidade:

O tempo das pessoas excluídas é vivido um dia por vez. Não dá para se prever o
dia de amanhã. Vive-se o dia-a-dia com aquilo que se tem.

5 Carta de OMS
A preocupação maior é com o presente, com o aqui e agora: “O futuro? Esse a
Deus pertence”.

Talvez este investimento com o presente siga uma espécie de “lógica do agir
cotidiano”. Se hoje se dispõe de dinheiro para comprar vinte tijolos para levantar uma
casa, compram-se os tijolos. O cimento fica para quando aparecer mais dinheiro.

Quem pode planejar e controlar o tempo pode achar insensato que se comprem
os tijolos se não se tem com que comprar o cimento.

É que a lógica do excluído está baseada na dificuldade de previsão do futuro, as


conquista de cada dia se limitam àquele dia. Quem vive de biscate, de faxina, de
lavagem de roupa como pode garantir que terá sustento garantido no dia seguinte? Se
der esse passo é porque acredita, sonha que um dia irá construir seu barraco.

Dar passos, no sentido de concretização de um desejo, é abrir-se e contar com o


imprevisível que permite a realização do sonho, que transforma o desejo em realidade.
Esta atitude contrasta com a noção de planejamento que nós, técnicos, assumimos e que
só nos permitem iniciar um trabalho quando temos assegurado sua viabilidade, graças à
confirmação de que os recursos necessários estão garantidos. Esquecemos o ditado:
“Caminhante, o caminho se faz ao caminhar!”

A noção de tempo para estas populações é bem diferente da noção de tempo para
as classes médias e altas. Se pensarmos nos meses que virão, nos anos futuros, eles
pensam no dia seguinte, na hora presente.

7- A capacidade de resistir sem perder o rumo – a resiliência:

Resiliência é a capacidade de vencer apesar das dificuldades e circunstâncias


difíceis. É a famosa capacidade de “sacudir, levantar a poeira e dar a volta por cima!”

Muitos indivíduos, famílias e grupos sociais nos surpreendem por sua


capacidade de resistir ao aniquilamento constante a que são submetidos. Eles
conseguem proteger sua integridade, mesmo sob forte pressão e constroem uma vida
digna apesar das circunstâncias difíceis. Chama a atenção, a capacidade que as pessoas
humildes têm de se recuperar de um baque, de uma queda, de uma dificuldade e dar a
volta por cima. É nessas situações que a espiritualidade emerge como escudo protetor da
existência, dando um sentindo profundo e atribuindo um grande valor à vida.

A alegria e o senso de humor também são um grande recurso diante das


adversidades. Esta capacidade de transformar o trágico em cômico, a tristeza em alegria
torna-se um bálsamo e um estimulante para suportar a carga dramática de certos
acontecimentos. Estes valores se constituem em uma riqueza que precisa ser explorada
pelo terapeuta comunitário.

“Certos elementos da personalidade, em interação permanente com os elementos


do meio ambiente, podem reforçar a dupla capacidade de resistência e de construção.

5 Carta de OMS
Esta capacidade pode existir em estado latente. Mas, conforme a história de cada um,
ela pode se transformar em um processo ativo de resistência à destruição e de
construção de uma vida contra a diversidade.” (Vanistendael, 1995).

8- A história da comunidade de Quatro Varas: o fio de uma teia.

A comunidade de Quatro Varas, uma das cem comunidades que compõe a


imensa favela do Pirambu, em Fortaleza, já foi palco de violência e despejos.

Os nomes das ruas evidenciavam as histórias dos excluídos e das lutas que
condicionavam novas casas e lembrava que a luta deveria continuar, que a resistência
não deveria ser destruída como as casas. “Rua Grito de Alerta”, de onde partiam os
alertas: “Lá vem a polícia vamos resistir...”

Quando fui convidado a intervir como psiquiatra nesta favela, me dei conta de
que o arsenal de medicamentos da psiquiatria moderna não poderia ser a única arma na
luta contra os efeitos de um contexto social e político desagregador e mutilador de
indivíduos.

O uso indiscriminado de medicamentos tornaria ainda mais caótico o estado


psíquico de muitos usuários. O psicotrópico, conhecidos como remédios controlados
eram usados indiscriminadamente para controlar o nervoso das mulheres, as insônias
rebeldes, desequilíbrios emocionais e os choros das crianças famintas.

Em meus primeiros contatos com a comunidade foi preciso explicar que eu não
estava ali para passar remédios para os nervos, mas para, junto com as pessoas, refletir
sobre seus sofrimentos, suas causas e possíveis soluções.

Criamos o Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária, nome jurídico


da entidade que atua na comunidade de Quatro Varas e que se expandiu para todo o
país, inicialmente, através da Pastoral da Criança. Em 2005, a Prefeitura de Fortaleza
implantou como política pública a Terapia Comunitária e suas ações complementares
que são a massoterapia, a oca de saúde comunitária e o cuidando dos cuidadores.

Em 2006 e 2007 como apoio da SECRETARIA NACIONAL ANTE –


DROGAS *SENAD- Universidade Federal do Ceará e o Movimento Integrado de
Saúde Comunitária, realizamos um projeto de capacidade profissional em terapia
Comunitária com ênfase em questões de álcool e outras drogas, para 900 terapeutas
comunitários em 12 estados do Brasil. Os elementos que emergiram deste trabalho estão
contemplados no capítulo sobre o impacto da TC. (Ver cap. 12).

Em 2005, foi criada, a ASSOCIAÇÃO EUROPÉIA DE TERAPIA


COMUNITÁRIA que organiza formações em vários países europeus dentre eles França,
Suíça, Itália. (www.aect.romandie.ch).

Em 2007, tivemos a grande satisfação de receber a visita da Dra. Margareth


Chan, diretora da ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS), em vista ao

5 Carta de OMS
Brasil. Foi um momento muito significativo para todos nos. Após 21 anos de trabalho,
com muita dedicação e esforço, recebemos este reconhecimento inestimável. Foi um
estímulo a continuarmos nesta perspectiva.

Em 2008, a pedido do ministro da Saúde José Gomes Temporão e com apoio da


Universidade Federal do Ceará, teve início uma capacitação cerca de 1.100 terapeutas
comunitários na rede de Assistência a Saúde, contemplando todas as regiões do país.
Atualmente, existem 29 pólos formadores em terapia comunitária atuante e motivada,
capaz de atuar em todo o território nacional que está federado junto à ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE TERAPIA COMUNITÁRIA – ABRATECOM.
(www.abratcom.org.br).

Esta situação é semelhante ao trabalho da aranha que tece teias invisíveis, porém
fortíssimas. Este trabalho tem se tornado referência para os deslocados da sociedade,
porque permite agregar os sem - rumo e perdidos, abre um espaço de expressão para os
que sofrem, é um suporte e apoio que permitem a muitos nutrirem-se do que ali se
constrói.

A minha ação e presença de médico e professor universitário tem se firmado na


convicção de que o futuro da psiquiatria não será mais um investimento nos asilos e
hospícios que isolam os que sofrem que colocam guetos os doentes mentais. Esse
isolamento exclui os doentes mentais da participação nos valores culturais de seu grupo
social, dos vínculos interpessoais e sociais que unem, fortalecem e fazem o homem
descobrir o sentido de pertencimento à humanidade.

A cultura é como uma teia invisível que integra e une os indivíduos. Se assim
agi foi por acreditar que a melhor prevenção é manter o indivíduo ligado a seu universo
cultural e relacional, pois é através da identificação com valores culturais e relacionais,
pois é através da identificação com os valores culturais de seu grupo que o indivíduo
nutre-se e constrói sua identidade. A cultura para o indivíduo é como a teia para a
aranha.

Síntese:

Comunidade é um grupo de pessoas que partilham certas condições de vida:


economia, cultura, religião, migração, exclusão, proximidade, e que mantém vínculos
entre si, ou seja, interage em vários planos, como social, o familiar, o cultural, o
religioso, entre outros.

É importante conhecermos a comunidade em que vivemos e atuamos.


Precisamos conhecer a sua história, a sua cultura, os recursos disponíveis, os problemas
mais comuns, as alternativas construídas. Conhecendo a história da nossa comunidade
estamos conhecendo a nossa própria história.

5 Carta de OMS
A participação é a alma do trabalho comunitário e de toda transformação
social.
A participação:
Permite a adoção de técnicas adaptadas culturalmente

Estimula novos esforços

Desperta o senso de responsabilidade

Garante que as necessidades reais sejam atendidas

Valoriza as competências locais

Torna as pessoas mais confiantes e menos dependentes da ação externa

É fator de conscientização

1. Agir juntos
2. Ponto de partida
3. Senso de responsabilidade
4. Garantia de atendimento às necessidades
5. Valorização de conhecimentos e competência
6. Mais confiança. Menos dependência
7. A consciência em participar
Pretexto pedagógico - quando e como utilizar
Quais os efeitos na comunidade de uma avaliação participativa?

CAP 6

Pensamento Sistêmico:

Este capítulo tem como ponto de partida as seguintes questões norteadoras:

_ O que é um sistema?

_Como um sistema é formado?

_Quais são as partes de um sistema?

_Como as partes de um sistema?

_Como as partes estão unidas umas às outras?

_Como o pensamento sistêmico pode ser um referencial teórico útil para


fundamentar a Terapia Comunitária.

5 Carta de OMS
1-Uma pequena explicação:

O pólen é uma espécie de um fino pó que existe nas flores. É trocado entre os
órgãos genitais femininos e masculinos das plantas e permite sua reprodução. O Pólen
tem a função de fecundar as flores e produzir os frutos. O vento, as abelhas e outros
insetos, alem dos morcegos, são importantes veículos de pólen entre as flores de várias
plantas.

Existem muitos exemplos de sistemas. Vamos começar com um exemplo bem


simples. Todas as pessoas já ouviram falar do mundo das abelhas. A vida das abelhas é
um exemplo de sistema, pois elas trabalham, vivem em conjunto e dependem de várias
coisas da natureza para viver. Mas a natureza também precisa delas, pois além de
produzirem mel, as abelhas transportam o pólen dentro de uma mesma flor ou entre
flores diferentes e, até para as plantas distantes umas das outras. Por isto, elas são
chamadas de polinizadoras, ou seja, transportadoras de pólen. Assim, há uma íntima
relação de interdependência entre as abelhas, as plantas e as condições climáticas.

E o que dizer dos sistemas humanos?

Os sistemas humanos são complexos, geradores de significados diversos e


decorrentes de diferentes tradições lingüísticas, culturais, familiares, étnicas, sociais e
econômicas. Portanto, pensarmos em uma comunidade sistemicamente, implica em
pensar em uma teia de inter relações que tecem e se entretecem constantemente em um
movimento dinâmico e constante. Sistemas humanos são sistemas abertos e
transformações vindas de sua própria história e dos múltiplos contextos da vida. Temos
diferentes organizações sociais e o pensamento sistêmico mostra que existe uma
interdependência, não só entre os membros de uma mesma comunidade, como também
entre comunidades diferentes. O pensamento sistêmico nos convida a olhar para as
interações que se dão num contexto de vida pessoal, num processo que está sempre
mudando. Então, pensar sistemicamente implica um exercício de substituir o verbo ser
pelo estar, conforme nos propõe Cecchin (1992). Uma simples mudança como esta faz
muita diferença, pois evidencia que sempre existe uma possibilidade de mudança.

A partir de tudo isso, um sistema pode ser definido como um complexo de


elementos em interações interdependentes que organiza um todo e que tem um
funcionamento próprio. Uma família, uma comunidade pode ser pensada
sistemicamente. Embora uma família possa ser vista como um sistema, as relações que
seus membros mantém entre si e com outras organizações humanas favorecem outras
configurações a que chamamos de subsistemas. Por exemplo, subsistemas parental,
fraternal; subsistemas dos homens da família. Da mesma forma, uma família nuclear
pode ser vista como um subsistema da família extensa, formada pelas avós, tios, tias e
primos, por exemplo. As relações dos membros de um sistema e dos subsistemas que
formam se dão dentro da comunidade e em um determinado contexto. E o contexto é tão

5 Carta de OMS
importante que o comportamento de qualquer pessoa ou dos sistemas que ela forma só
pode ser compreendido a partir dos contextos nos quais se dão.

1.1- Os subsistemas de um sistema

A comunidade em que vivemos é formada por vários subsistemas. Por exemplo:


a escola, a igreja, as associações de moradores. Cada sistema ou subsistema tem
organização e funcionamento próprios, resultado das interações das pessoas envolvidas.

Vimos que existem sistemas que são formados por vários subsistemas. Será que
a explicação pára Por aí mesmo? Não! Além do subsistema e do sistema, temos o supra-
sistema ou sistema de sistema. Como o exemplo a seguir, fica fácil entender o que seja
supra- sistema. Mas, não podemos perder de vista a ligação entre uma coisa e outra, de
acordo com o objetivo que queremos alcançar. Isto porque, na vida, nada está separado.

Se quisermos compreender o indivíduo, ele deve ser visto como um sistema.


Mas, se o nosso objetivo final não é só o indivíduo, mas, engloba a família, então, o
indivíduo passa a ser um subsistema e a família passa a ser vista como um sistema. O
mesmo vai acontecer com a família em relação à comunidade, a família deixa de ser o
sistema, passa ser o subsistema da comunidade.

Se quisermos chegar ao supra – sistema o raciocínio é o mesmo: a comunidade


de moradores de uma favela, por exemplo, que em si pode ser compreendida como um
sistema passa a ser subsistema do bairro. O bairro passa a ser o subsistema da cidade; a
cidade passa a ser o subsistema do país; o país passa a ser o subsistema do mundo.
Então, o mundo será o que consideramos como supra – sistemas ou sistema – mundo.

Tudo vai depender do nosso objetivo ou enfoque. O importante é entender que


qualquer que seja o problema, ele está inserido num contexto complexo do qual fazem
parte todos os envolvidos na situação em questão.

Será que isso é importante para o nosso trabalho? Claro que sim! Saber
reconhecer, identificar cada nível vai ter repercussão na forma como vamos abordar o
problema que queremos resolver. Por isto, devemos sempre perguntar:

Em que contexto se dá o problema?

Quem faz parte do sistema-problema? (a mãe, a criança, a família, a


comunidade).

No entanto, não podemos esquecer que toda organização humana pode ser
considerada como um sistema. Se adotarmos essa forma de compreender o
comportamento humano, toda situação-problema deve ser vista e tratada como inserida
em um dado contexto. Se não percebemos a questão dessa forma, nosso trabalho dar-se-
á de forma mecânica, uma vez que desconsiderará as três dimensões presentes em todo
sistema: relações, contexto e processo.

5 Carta de OMS
De que adianta cuidar dos filhos sem cuidar da mãe, do pai, da família, da
comunidade, da sociedade, sem cuidar do mundo que partilhamos com o resto da
humanidade?

É importante observar que o nosso corpo é um sistema que tem quatro


dimensões. Só podemos nos considerar saudáveis se essas quatro dimensões estiverem
funcionando bem e de forma interligadas e harmônicas. Enquanto ser biológico, temos
um corpo que necessita de cuidados, uma mente que precisa ter clareza para
compreender nossas emoções, um espírito livre que precisa ser nutrido por uma
espiritualidade libertadora de preconceitos e somos, também, um ser social que precisa
aprender a conviver com a diversidade social.

De que adianta cuidar só do corpo, sem cuidar da mente, do espírito e do ser


social que todos nas somos? A supervalorização de apenas um desses aspectos, em
detrimento dos outros, é uma mutilação da grandeza do ser humano e um empecilho à
convivência em sociedade.

1.2- O contexto:

Anteriormente, fizemos referências à palavra contexto. Você está lembrado em


que momento nos referiu a ela? Um deles foi quando falamos sobre as distintas
organizações em volta do subsistema, sistema e supra-sistema. Fizemos até o desenho
do nosso bairro como exemplo de um sistema e das coisas que nele se encontram. O que
queremos dizer agora, é que, quando definimos o nível em que queremos intervir, em
que queremos atuar, quando definimos o nosso campo de intervenção, ele passa a ser
considerado um contexto.

Assim, se escolhemos trabalhar no bairro, o bairro será o nosso contexto.


Embora aqui o contexto se confunda com o território, nunca podemos esquecer que
contexto refere-se, sobretudo, ao inter jogo das relações entre os membros de um
sistema e a dinâmica das relações. Por exemplo, uma frase dita em um ambiente
amistoso é uma brincadeira, porém, a mesma frase dita em um contexto com pessoas de
pouca intimidade pode ser considerada ofensiva.

Se, por outro lado, o nosso campo de trabalho é a família, o contexto será a
família. Em nossas Terapias Comunitárias, seja qual for o contexto escolhido, ou
surgido da própria realidade, e ele será sempre tratado como parte de um sistema.

O contexto, seja ele qual for, deve sempre ser considerado se quisermos
compreender o funcionamento de um sistema. Desta forma, o contexto compreende o
conjunto das circunstâncias e sistemas que estão ligadas umas às outras e que dão
sentido ao funcionamento do sistema.

Toda situação-problema deve ser vista em seu contexto, caso contrário, nos
perderemos, ficaremos desorientados. Por exemplo: no caso de alguém que fala de seu
sofrimento, nós só seremos capazes de compreender sua dor, se formos capazes de
visualizar o contexto em que esta pessoa se situa.

5 Carta de OMS
Qual é o seu contexto? De uma comunidade rica ou de uma comunidade de
excluídos de todos os direitos sociais? Quem faz parte dele? Como se relacionam?
Como se organiza a sua comunicação? Em que momento de seu ciclo vital essas
pessoas se encontram? Quais os significados dos seus sofrimentos?

O texto das comunidades pobres é marcado pelas perdas. Esta é uma referência
que nós temos para compreender a situação das pessoas (nossos companheiros)
marginalizada.

1.3 – Abordagem Sistêmica:

Compreendendo o que é contexto, podemos dizer que a abordagem sistêmica é


uma maneira de abordar, de ver, de situar, de pensar um problema em relação ao seu
contexto, como no exemplo da mulher e seu filho.

Abordar quer dizer achegar-se, aproximar-se. Abordar um problema é chegar até


ele, aproximar-se dele. É, também, adquirir intimidade com o problema, penetrar nele,
estudá-lo em seus mínimos detalhes e ligações com seu contexto.

Uma questão importante surge em nosso trabalho. De que forma devemos


abordar uma situação-problema? Fazemos uma abordagem desvinculada do contexto,
isolando os vários sistemas que a compõem?

Isso não é possível de acordo com o pensamento sistêmico. Em nosso trabalho,


três aspectos caminham sempre juntos. Ou até poderíamos dizer que existem três
palavras que nunca se separam; abordagem – problema – contexto.

O problema se dá em um contexto, envolvendo a inter- relação entre os que


fazem parte de sua dinamicidade, e a maneira de compreendê-lo depende da abordagem
do terapeuta.

A abordagem sistêmica permite-nos visualizar uma situação problema de uma


forma diferente da tradicional. A situação- problema é abordado de forma sistêmica a
partir da visão e compreensão do contexto. Permite que a situação-problema seja
refletida de baixo para cima, de cima para baixo, de lado, de frente, de costas, sob todos
os ângulos e pontos de vista.

Vejamos um exemplo: o de um padre em um confessionário.

Um rapaz disse-lhe que havia roubado uma corda. Se o padre tivesse procurado
saber em que contexto ocorreu o furto, ele não teria dito, simplesmente, que roubar uma
corda “não é tão grave”. Na verdade, o rapaz havia roubado uma corda que tinha atrás
um cavalo, e, atrás do cavalo, uma carroça com a mudança do Seu Manoel. Se tivesse
abordado todo o contexto, teria percebido que não se tratava apenas de uma corda.

A abordagem sistêmica nos ensina a perceber a pessoa humana imersa no


conjunto de suas “relações” com a família, a comunidade, a sociedade e com seus
valores e suas crenças. Mas, atenção: a abordagem sistêmica é sempre interativa. Não

5 Carta de OMS
somos só nós que estamos atentos para compreender os contextos. O grupo que
participa das terapias, também, precisa entender o contexto em que estamos inseridos e
nossas motivações.

1- Características:

De acordo co Bertalanffy (1975, [1968]), um dos primeiros teóricos que abordou


o tema, podemos identificar no sistema algumas características básicas.

2.1- Os sistemas são totalizantes ou globalizantes

Mesmo que o sistema seja composto de vários elementos ou de várias partes, ele
funciona como um todo, com total independência. O comportamento de cada elemento
ou de cada parte de um sistema tem influência no conjunto, no todo, e vice-versa: o
comportamento de todo irá influenciar modificar e alterar cada parte componente deste
todo. Como entender a situação de uma família, se não somos capazes de enxergar o
problema de desemprego do pai, do subemprego da mãe, da desesperança dos filhos...

Só podemos compreender um elemento do sistema, ou uma de suas partes, se


olharmos e compreendermos o sistema como um todo. Por isto, é importante
compreender como funciona a sociedade para entender o comportamento das pessoas e
dos grupos sociais.

2.2- O todo é mais do que a soma das partes

É muito importante saber que o sistema não se resume á soma das partes.
Para se compreender um sistema, não basta conhecer as partes isoladamente. A
sociedade brasileira não é a soma de suas favelas, bairros de periferia, vilas
rurais, bairros chiques. O bairro não é a soma da escola, da creche, da
associação, da igreja, da fábrica. Esses elementos não se somam. Do mesmo
modo, o nosso corpo não é a soma do aparelho digestivo, do aparelho
respiratório etc.; o sistema solar também não é a soma dos vários planetas, das
várias estrelas.

Por que o sistema não é a soma das partes? Seria a família a soma do pai,
da mãe, dos filhos? Isto é um absurdo, não é? Mas, cada filho herdou
características importantes de sua mãe e de seu pai e avós e mantém, com eles, a
relação de vínculos de afeto. No entanto, a família é muito mais do que as
relações de parentesco, ela é a toda a globalidade. Cada membro da família (pai,
mãe irmãos) é um elemento, é parte desse sistema integrado e globalizante, cujas
relações apresentam uma dinâmica própria.

No sistema, tanto a parte faz parte do todo, como o todo faz parte de cada
parte, ou melhor, o todo está presente nas partes. Parece até um jogo de palavras,
mas não é. O que define um sistema é a relação das partes com o todo e de todo
com as partes, por isto, dizemos que um sistema é mais do que a soma das
partes.

5 Carta de OMS
Vejamos três exemplos para melhor compreensão.

O exemplo da água

Qual a fórmula da água? A química expressa a composição da água


através da seguinte fórmula: H²O. ou seja, a água é constituída por duas
moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio. Mas, se entrar mais de uma
molécula de oxigênio, terá água oxigenada – H²O². O que isto quer dizer? Que a
entrada ou saída de um simples elemento modifica o todo, como, por exemplo,
no caso humano, do nascimento de um filho ou da morte de um pai.

A mesma água potável (H²O) quando recebe mais uma molécula d


oxigênio (O) transforma-se em água que corre.

O exemplo da multiplicação dos pães

Na época de Cristo, quando as pessoas promoviam encontros, festas,


tinham que alimentar as pessoas que vinham de muito longe. Certa vez, Jesus
Cristo estava numa montanha e começou a falar das bem-aventuranças e logo se
juntou muita gente para escutar suas palavras. Os apóstolos ficaram
preocupados, pois não tinham preparado nada para o povo comer e pediram para
Jesus fazer mais um milagre: alimentar toda aquela multidão. Jesus recusou-se a
solucionar sozinho o problema e disse aos apóstolos: “Dêem comida vocês
mesmos”. E eles disseram: “Senhor, não trouxemos nada para vocês mesmos”. E
eles disseram: “Senhor, não trouxemos nada para alimentar o povo”. Jesus disse:
“Perguntem a eles o que eles mesmos trouxeram”. E então, os apóstolos
perguntaram ao povo: “O que vocês trouxeram”? E logo apareceram pães,
peixes, maças, bananas, mandioca, tapioca e muitas outras coisas. E quando
juntaram o alimento trazido por cada um Jesus o abençoou. O Evangelho diz que
todos comeram muito bem e ainda sobrou muita comida.

Eis aí o segredo da multiplicação: quando cada um coloca sua


contribuição o resultado é surpreendente e todos se beneficiam. Cristo, com sua
sabedoria, queriam que seus discípulos compreendessem que se o povo tem
problemas, ele também tem soluções. Se o povo tem fome, ele também tem
alimentos. Nós devemos confiar neste potencial adormecido dentro de cada um.
Basta que cada um participe com o que tem que transporemos montanhas. O
segredo da multiplicação vem da partilha.

O exemplo do filho que tinha uma mãe perversa

Numa das sessões de terapia comunitária que realizamos o tema


escolhido foi sobre mães perversas. Um senhor falou de sua mãe nos seguintes
termos:

5 Carta de OMS
“Minha mãe foi à pior mãe do mundo. Ela batia na gente. Certa vez ela
amarrou meu irmão mais novo pelos pés e deixou toda uma noite pendurado
numa mangueira e no dia seguinte ainda deu uma paulada na cabeça dele que
cortou, mais tarde a ferida virou uma bicheira. Hoje ela morreu e o inferno é
pouco pra ela pelo que ela fez com a gente”.

Nesse momento, levanta-se do grupo um homem médium que se intitula


profeta, que sempre fala coisas desconexas e que é objeto de riso para muitas
pessoas. Ele dirige-se para o senhor que acabara de falar de sua mãe e diz:

“Eu sou sua mãe.”

O grupo foi tomado de um silêncio e o senhor que falara de sua mãe


começa a chorar. Uma semana depois, antes mesmo de a terapia ser iniciada, ele
fala:

“Eu queria agradecer a você, domingos, que todos consideram louco,


você me disse uma coisa que eu nunca havia pensado. Que minha mãe não me
deu amor porque ela nunca recebeu. Saí da terapia e fui pensar no sofrimento
dela. Ela perdeu sua mãe com três meses de idade e teve várias madrastas muito
duras com ela. Ela nunca teve colo nem carinho e cuidado da gente como ela foi
cuidada.

Eu queria hoje dizer para vocês que lamento que ela tenha morrido sem
que eu tenha dito para ela que compreendia seu sofrimento e sua maneira de
cuidar da gente. Eu não sou mais o mesmo desde a semana passada. Percebi que
estou fazendo com meus filhos o mesmo que ela fez comigo. Vou reunir meus
filhos casados e pedir perdão pela minha dureza na maneira de educá-la.

Aqui podemos observar que esse senhor tinha uma convicção de que sua
mãe era má a partir das informações que ela tinha. Quando ele acolheu outra
leitura, “minha mãe não podia dar o que desconhecia” veio a dúvida que
permitiu a mudança. Esta nova informação foi à molécula de oxigênio que a fez
mudar da água para o vinho. Quando acolhemos uma nova informação, ela
provoca uma mudança bem maior do que se espera. É por isso que, muitas
vezes, uma só terapia pode desencadear um processo de descobertas e
superações.

Na Terapia Comunitária acontece muito isso. Cada pessoa chega com sua
convicção, com uma visão do problema e sai com cinco, seis ou sete leituras
possíveis. E essas visões ou opiniões, que nasceram da participação de cada um,
podem resultar em uma nova forma de ver o problema, podem, até, apontar para
uma nova solução.

5 Carta de OMS
Mais do que a simples soma, ocorreu uma transformação, uma
multiplicação, como se dois mais dois resultassem em dezoito.

A Terapia Comunitária não pretende que as pessoas saiam com todas as


questões resolvidas, com todas as perguntas respondidas, com tudo tranqüilo. A
Terapia Comunitária oferece às pessoas a oportunidade de questionamento, de
crescimento e de transformação permanentes.

O segredo da abordagem sistêmica está no estabelecimento de relações.


Tudo é relação. Tudo está relacionado entre si. Nada tem sentido ou significado
visto isoladamente.

2.3- Os membros de um sistema se organizam em torno de


significados comuns e das relações de interdependência.

A união dos elementos de um sistema não é feita por acaso. Esta união
segue uma lógica própria.

No sistema, cada elemento se reconhece pertencente ao mesmo sistema.


É como diz o ditado nordestino: “Um boi ronceiro conhece outro”.

A escolha do parceiro, por exemplo, segue uma lógica quase sempre


inconsciente. Não é por acaso que as pessoas escolhem seus namorados ou
namoradas, esposos ou esposas. Há uma espécie de afinidade, de identificação. É
isto que faz as pessoas se gostarem, se casarem. É , neste sentido, que se diz que
um boi ronceiro conhece outro, isto é, existe algo que os identifica, os atrai entre
si.

Quem de nós já não experimentou repulsa na presença de uma pessoa


que nos fez mal? Nosso corpo se contrai. E quem, também, não já experimentou
o contrário? A presença de uma pessoa nos trazer a paz, serenidade, confiança. E
por que tudo isso? É que nosso corpo e nossa mente estão impregnados de
memórias inconscientes que provocam essas reações, seja de repulsa, atração,
simpatia ou antipatia.

2.4- O sistema é dotado de uma capacidade de auto proteção, auto-


equilíbrio, desenvolvimento próprio e auto transcendência.

Todo sistema tem a capacidade de proteger-se, de reequilibrar-se e de


crescer em uma ação interna que chamamos de auto proteção, de auto- equilíbrio
e de desenvolvimento próprio. É próprio de o sistema lutar para manter sua
organização e autonomia, protegendo-se de agressões internas e externas e
buscando a auto preservação. Toda a sociedade cria seus meios para se manter
protegida, equilibrada e em permanente crescimento. A comunidade é assim. A
família e o indivíduo, também.

5 Carta de OMS
Quando a situação esta “pegando fogo”, esta ruim mesmo, o sistema
tenta, de imediato, auto - regular-se. Todo sistema tem vários atributos e, um
deles é a capacidade de autocontrole, ou seja, de regular as interferências e de
ajustar-se às demandas do meio, garantido a sua continuidade e homeostasia.
Isto quer dizer que um sistema como, por exemplo, uma família, dadas as
devidas condições, tem capacidade de gerar recursos para fazer frente aos
desafios do cotidiano mantendo a sua integridade como família.

Na prática, o que temos visto é que os desafios colocados pelas condições


degradantes decorrentes da miséria, desigualdade e injustiça social requerem a
geração de recursos, muitas vezes, tão além das suas possibilidades de auto-
organização que a família sucumbe. Contudo, se o grupo for uma associação de
bairro diante de um problema e se os seus membros fizerem circular as
informações necessárias, certamente poderão gerar as suas soluções. No
entanto, é preciso que uma condição esteja satisfeita: que seus membros se
escutem, uns aos outros e reflitam em conjunto, trocando informações e
energias.

Como pedra com pedra, em atrito, produz, trazendo luz e calor, trazendo
esclarecimento, permitindo enxergar longe, também, idéia com idéia traz
claridade, traz iluminação e as pessoas começam a compreender seu contexto e
as soluções para seus problemas. Toda comunidade, grupo, família ou pessoa é
capaz de encontrar soluções para os seus problemas. Por quê? Porque nós temos
certeza, pela abordagem sistêmica, que todo sistema tem essa capacidade de
autocontrole, de auto- organização, de autoconhecimento, de auto crescimento,
de autotransformação.

Vejamos um exemplo. Quando o casal está brigando muito, o filho


adoece e o casal pára de brigar para cuidar do filho. O filho, com sua doença,
vieram proteger seu sistema familiar ameaçado de destruição.

Quando a comunidade está brigando demais, alguém convoca uma


reunião, faz uma avaliação, tudo volta a se ajustar e a vida continua. Cada
membro da comunidade quer proteger-se e proteger a comunidade. Equilíbrio e
proteção andam juntos. Os mecanismos de equilíbrio e de proteção são
essenciais para a sobrevivência dos sistemas.

A informação tem um papel muito importante no equilíbrio e na auto


proteção dos sistemas. A mesma importância tem a energia, a disposição, a força
que circula entre as pessoas. Por exemplo: numa família, toda vez que o marido
chega a casa embriagado e ouve o rádio ligado, quer logo bater em todo mundo.
Claro que a solução definitiva do problema não é, simplesmente, desligar o
rádio. Mas, não custa nada que alguém sabendo disso, e vendo que o tal marido
se aproxima de casa, bêbado, avise à mulher e os filhos da sua chegada, para que
eles se protejam da agressão desligando o rádio.

5 Carta de OMS
As informações recebidas do meio externo pelo sistema (no caso, o
familiar), e conduzidas por toda uma energia que flui, permitem que a mulher
prepare o ambiente, acalme os filhos, desligue o rádio, e, assim, mantenha o
equilíbrio.

Saber trabalhar a informação e, ao mesmo tempo, concentrar a energia


presente nos elementos do sistema, como neste caso, desencadeará uma reação
de proteção que fará o sistema voltar ao seu equilíbrio ou a um novo equilíbrio.

É muito importante guardar essa informação para evitarmos ser o


salvador da pátria, aquele que traz a solução dos problemas dos outros. É sempre
bom lembrarmos que cada pessoa, família, comunidade têm seus próprios
mecanismos para resolver os problemas. Nosso papel, como terapeuta
comunitário, é apenas ajudar a despertar, a relembrar o que eles já sabem e a
despertar o que já possuem. Nossas perguntas devem ajudá-los a clarificar os nós
cegos, a compreender os enlinhamentos da convivência humana. Jamais
devemos propor mudanças, trazer soluções prontas e construídas em outros
contextos. “Não adianta colocar remendo novo em pano velho”.

2.5- A casualidade circular:

A casualidade circular parece uma expressão difícil de compreender.


Parece, mas não é. O pensamento sistêmico, à medida que postula as relações de
interdependência entre seus membros, ao compreender um problema, considera-
o também no contexto das inter-relações. Sendo assim, dada a existência de um
problema, todos os envolvidos participam dele de alguma forma e, portanto, não
se pode atribuir a sua existência a apenas um dos participantes.

Veja bem: muitos de nós já ouvimos falar em círculo vicioso. E o que é


isto? É relacionar, achando que todo problema tem uma causa, e que toda causa
tem um efeito. Esta relação causa-efeito é, hoje, muito questionada na tentativa
de compreender o comportamento humano.

A relação causa-efeito é própria do pensamento linear. Este pensamento


raciocina com a idéia de que o problema segue sempre uma linha reta, sem
desvios, sem curvas, sem complicações, sem complexidade. É como se tudo na
vida fosse simples, direto e superficial.

O pensamento linear é fruto da relação causa-efeito que acha que para


tudo existe uma explicação, uma resposta, uma solução, ali, na ponta da língua.

O pensamento linear não questiona o contexto, os processos, as inter-


relações. Não duvida de nada, porque já tem a resposta pronta.

5 Carta de OMS
Ora, é muito fácil dizer: “Mauro é alcoólatra porque a mulher o traiu.”
Qual a causa do alcoolismo de Mauro? De acordo com o pensamento linear, a
causa foi a traição da mulher. O efeito seria o alcoolismo de Mauro e ponto final.

O pensamento linear pára por aí. Não questiona, não apronta, não procura
ver as relações de Mauro com a família, de sua família com a comunidade, da
comunidade com a sociedade. O raciocínio linear vai e finda, voltando para o
mesmo ponto de partida. Não transforma nada, não estabelece ligação entre os
vários planos e sistemas. O que faz é isolar, delimitado a suposta causa.

Na abordagem linear sistêmica a relação entre os efeitos e a causa é


distinta. A casualidade circular, que está presente no pensamento sistêmico,
transforma porque sua lógica é outra. A abordagem sistêmica não atribui, por
exemplo, a queda de várias pedras morro abaixo a uma única pedra que rolou
primeiro. A abordagem sistêmica não se preocupa em encontrar um culpado,
“um bode expiatório”. Não se preocupa em identificar uma causa única e isolada
para um fato ou problema. Na relação entre causas e efeitos, de acordo com um
pensamento linear, poderíamos estar raciocinando a partir da seguinte situação:
uma fileira de dominós, um atrás do outro, a queda do primeiro provoca a queda
do segundo, que provoca a queda do terceiro, e assim por diante.

Na abordagem sistêmica, substituímos a relação de causa-efeito linear


pela “casualidade circular” ou circularidade.

A casualidade é vista como um processo circular que tem mão dupla:


uma vai e outra vem. Assim, se o comportamento de um marido ou de uma
esposa afeta também o do marido, numa dinâmica de interdependência.

Vejamos o exemplo.

Exemplo 1: Mauro foi traído pela mulher:

O alcoolismo de Mauro e a traição da mulher refletem dificuldades na


vida do casal. Duas atitudes diferentes para expressar a mesma dificuldade
relacional. Na visão sistêmica, não vamos nos deter, procurando uma causa
específica, mas, sim, causas contextuais.

Nós questionamos a função destes comportamentos. O que eles estão


sinalizando? O que Mauro está querendo comunicar à sua esposa? Estaria ele
querendo protegê-la. Teria Mauro perdido o interesse por sua esposa e
encontrou, no álcool, uma justificativa para escapar do compromisso de esposo e
pai? Até que ponto, sua fuga, no álcool deixa sua esposa solitária e, portanto,
vulnerável à busca de novos relacionamentos? Quando sua esposa procura outro
relacionamento, o que ela está comunicando a Mauro? Que precisa de um
companheiro? Seria sua maneira de provocar o marido, para alertá-los dos
perigos em que vive o casal? Seria uma forma de testar o nível de amizade e
compromisso do marido para com ela?

5 Carta de OMS
Exemplo 2: Conflito entre vizinhos

Pesquisando a cura na umbanda, pude observar e acompanhar o seguinte


caso: durante as consultas, em uma sessão de umbanda, chega uma moça de 18
anos e se dirige ao pai-de-santo nos seguintes termos: “Me pai, eu queria que o
senhor botasse uma macumba bem forte numa vizinha minha. Ela é muito
invejosa e já tomou mais de três namorados meus...” O pai-de-santo, em transe,
escuta com atenção e pergunta à moça: “Minha filha, se sua vizinha estivesse
aqui, o que ela diria de você?” A moça responde: “Ela não poderia dizer nada de
mim, pois é ela que é ruim e anda tomando o namorado das outras.” O pai-de-
santo tenta em vão fazer outras perguntas, tentando fazê-la perceber que ela
também estava implicada naquela história, que ele estava sem se dar conta,
alimentando aquela situação.

E por fim o pai-de-santo, já meio aborrecido lhe diz: “Minha filha, eu


vou lhe fazer três vezes a mesma pergunta e você pense bem no que vai
responder.” Pergunta a moça: “E por que, meu pai?” Ele responde: “Porque se
ela não merecer tudo que você está pedindo para eu fazer, vai voltar dez vezes
mais forte em cima de você”.

E sem que o pai-de-santo ouse começar a fazer a pergunta, ela


acrescenta: “Eu também não sou uma santa, eu ando muito nervosa e insegura...”
Vendo sua cliente com muitas dúvidas, o pai-de-santo diz: “Minha filha, vamos
parar nossa conversa por hoje, você vai pensar com calma e na próxima semana
a gente volta a falar deste assunto.”

Passados quinze dias, chega à sessão de umbanda a moça acompanhada


de outra um pouco mais jovem e bem mais bonita e diz ao pai-de-santo: “Meu
pai, eu vim hoje com minha vizinha que demonstrou muito interesse em
conhecer o senhor e trouxe para o senhor dar uma benção para nós duas.”

Graças às perguntas do pai-de-santo a moça pôde repensar o problema.


Lá onde havia convicção de ser uma pobre vítima, surge uma nova dúvida: “Será
que estou alimentando este problema?” Dando prosseguimento a minha
pesquisa, pude compreender o mecanismo do conflito. A moça que pedia
punição para sua vizinha era muito feia e fazia dos namorados que arranjava
uma maneira de demonstrar a sua vizinha que esta poderia ser mais bonita do
que ela, mas não arranjava nenhum “gato”. Namorando na janela de seu quarto,
que dava para o quarto da vizinha, instigava-a a olhar para o casal barulhento.
Isto permitia ao rapaz descobrir outra moça, bem mais bonita e simpática, e,
logo mais, desinteressar-se da primeira e passar a namorar a segunda. Ao perder
o namorado, a moça tinha a convicção de que sua vizinha o tomara e não
percebia que ela de fato “oferecia”, montava, inconscientemente, um cenário
onde ela sempre saía perdendo. Na realidade, ela arranjava os namorados muito
mais para provar à vizinha que ela era mais capaz do que a outra, do que de fato
para curtir os “gatos”, como ela falava.

5 Carta de OMS
Nesse caso, nós vemos muito bem a noção de casualidade circular. Cada
uma com seu comportamento reforçavam na outra a convicção de ser vítima.

Enfim, a casualidade circular permite-nos refletir seguindo outra lógica.


De frente para trás, e de trás para frente, de uma ponta para outra. Para cada
ângulo, um questionamento e, assim, nossas perguntas circulam, procurando
compreender a riqueza, a diversidade, do que aquele fato, aparentemente
simples, está querendo comunicar por trás daquele sofrimento. Somente assim,
poderemos oferecer tanto ao casal em conflito como às vizinhas, a oportunidade
para repensar a maneira como eles vêm se relacionando e ajudá-los a descobrir
que ambos são co-responsáveis pelo que está acontecendo em suas vidas. Tanto
no conflito conjugal, como no conflito entre vizinhas, a título de exemplo, não
há uma vítima. Todos são co-responsáveis. “É o sujo falando do mal lavado”.
Ninguém está de mãos limpas nestes conflitos.

A casualidade é baseada em acontecimentos do aqui e agora e em suas


múltiplas relações.

A casualidade alimenta-se de informações e energias que circulam com a


noção de que tudo e todos, envolvidos num mesmo contexto, se relacionam e
com o compromisso na mudança do conjunto dos elementos pela transformação
do todo sistêmico.

Na casualidade circular, o sintoma não tem uma causa e, sim, um


significado co-construído pelos envolvidos em uma relação e dentro de um
contexto, tendo, portanto, um valor de comunicação.

O que não pode ser verbalizado é expresso em atitudes, em


comportamentos, muitas vezes, inconsciente. Ao passo que, no pensamento
linear, de causa e efeito, o sintoma é confundido como sendo a causa ou o efeito
do problema. Um sábio já nos dizia:

“Quem fixa o olhar no dedo que aponta a estrela, perde a chance de


descobrir a grandeza da estrela”.

2.6- A finalidade

Aí está talvez o ponto mais importante da abordagem sistêmica. Os


elementos de um sistema interagem por um objetivo comum. O objetivo comum
une os elementos. É a argamassa que garante a segurança do sistema. Sem um
objetivo comum, a saúde do sistema está comprometida, seja o sistema do
indivíduo, o familiar, o comunitário, o social ou qualquer outro.

A complexidade do sistema humano é o grande desafio para o terapeuta


comunitário, pois exige a compreensão dos significados que organizam as
relações. Isso se explica quando lidamos com as competências. Qual os
significou que organizam as relações de uma família em sofrimento? Da mesma

5 Carta de OMS
forma, quais os significados presentes nas relações que definem as suas
competências?

Os elementos de um sistema interagem em torno de significados


compartilhados. O significado dá sentindo às relações, construindo um mundo
que só pode ser compreendido a partir dos contextos de vida dos envolvidos.

3-A família pode ser compreendida como um sistema.

Já sabemos que a família pode ser pensada como um sistema, o chamado


“sistema familiar”.

A família, como organização social e sistema social, tem uma história.


Ao longo dessa história, foram surgindo vários modelos e tipos de família.
Independentemente de qual seja a configuração das famílias, podemos pensá-las
em dois territórios mais comuns: a família extensa e a família nuclear.

Vamos imaginar que estamos vivendo no Brasil - Colônia. Naquela


época, quando as pessoas iam pedir emprego nas fazendas, o fazendeiro logo
perguntava: “Quantas enxadas o senhor tem?” com essa pergunta, o fazendeiro
queria saber quantas pessoas da família estavam preparadas para o trabalho. Para
o fazendeiro, quanto mais filhos prontos para o trabalho uma família tivesse,
melhor.

A família extensa envolvia outras pessoas além dos pais e dos filhos.
Envolvia as avós, tios, primos, afilhados e aderentes. As grandes famílias eram
valorizadas porque representam mais mão-de-obra e mais eleitores. Com o
passar do tempo, as condições de trabalho, principalmente no meio rural, foram
sendo modificadas e as famílias não precisavam mais ser tão numerosas.

Atualmente, a família extensa está cedendo lugar à família nuclear, ou


seja, à família pequena, constituída somente pelos pais e poucos filhos. Isso
prova que a família também se transforma, também muda. Embora pareça uma
instituição estável, a família é uma instituição dinâmica que se modifica de
acordo com as novas situações e exigências sociais, culturais e econômicas.

Antigamente, nossos avôs já gostavam de falar dos velhos tempos, dos


tempos das famílias numerosas. Davam trabalho, mas não tinham que enfrentar
os problemas que as famílias enfrentam hoje em dia. Os problemas eram outros.
Pelo menos de uma coisa eles dizem que sente falta: da obediência. Os filhos
eram educados para respeitar e obedecer aos mais velhos. Hoje, a coisa está
meio complicada!

3.1-Mudanças históricas X Mudanças dentro da família:

O sistema família passa por alterações em vários momentos de sua


existência, não apenas em relação ao seu tamanho, mas, também, em seu modo

5 Carta de OMS
de funcionar, tendo que se adaptar, de acordo com as circunstâncias internas e
externas. Entende-se por circunstâncias internas o nascimento de um filho, a
morte do pai, da mãe, dos avôs, abandono, bem como o contexto específico em
que se dão as relações entre seus membros. E por circunstâncias externas o
desemprego, um acidente grave com um dos seus membros ou algum tipo de
violência.

As circunstâncias internas e externas interferem muito na vida familiar.


Mexem tanto que a família pode ficar até desorientada. Entre a situação anterior
e a nova situação, a família vive um momento de transição, até se adaptar
novamente. Isto leva a um período de crise.

Citemos o seguinte exemplo: o sistema familiar foi pego de surpresa,


quando o pai, a única pessoa que trabalhava, foi demitido do emprego. Foi um
“Deus nos acuda”.

“E agora? As crianças vão parar de estudar? Como vamos pagar o


aluguel, a água, a luz e o transporte? E se alguém adoecer?”

A crise foi instalada. A crise é uma condição que está presente em todos
os sistemas, inclusive, no sistema familiar.

O conhecimento que a família tem de si própria facilita muito as coisas.


Seus membros precisam saber que pertencem a um sistema. E que a família, por
ser um sistema:

_ é dinâmica;

_ todos os seus membros se relacionam entre si;

_ todos necessitam de ajuda, precisam ser ajudados;

_ é dotada de finalidade, orientando-se por objetivos;

_ protege-se das ameaças e de tudo que tenta desestruturá-la ou


desorganizá-la;

_ é capaz de criar, renovar, transformar-se e ser feliz.

Observemos como duas crianças mostram a fotografia de suas


respectivas famílias.

Vimos que os retratos da família são como o corpo humano: com cabeça,
tronco e membros. Mas, não é somente o aspecto físico que faz o ser humano. É,
sobretudo, a energia vital, a alma que anima que o vivifica a partir das crenças,
dos valores, da ética, da religião, da postura assumida no mundo. A alma dá vida
ao corpo e o integra, como um todo ao infinito.

5 Carta de OMS
A Terapia Comunitária tem como objetivo revitalizar a família. A crise
da família, hoje, é o reflexo direto da crise da sociedade que concentra a renda,
gera injustiças, condena à miséria e à exclusão populações inteiras.

Os conflitos da família de classe média com o antigo modelo de família,


provocados por esta não se enquadrar nas formas tradicionais de arranjo
familiar, também se expressa nas famílias das camadas pobres que têm como
referência estes padrões.

Noção de reciprocidade: dar e receber ou receber e dar:

Reciprocidade significa dar e receber e respeito, afeto e atenção. Trocar


serviços, trocar energia, trocar informações. Participar, de forma igualitária, da
circulação dos bens materiais e culturais do seu grupo.

Se uma pessoa acumula saber, dinheiro e informações, e não faz nada


disso circular, é como uma pessoa que fica com a perna inchada, dolorida,
porque a circulação do sangue está parada. Todo o corpo sofre e a pessoa
caminha com dificuldade. A falta de partilha gera doença, sofrimento para o
indivíduo e seu grupo.

A família é um sistema constituído, não somente por pessoas, mas,


também, por algo muito importante que são as relações entre essas pessoas. Por
isto, é necessário estar sempre atento para o que está acontecendo nas famílias:

_ As pessoas gostam ou se detestam?

_ há respeito entre elas ou não?

_ todos colaboram nas tarefas da casa?

- Existe muita briga muita discussão, muitos conflitos?

_ Existe alguém que quer seu melhor?

_ Quem não quer fazer nada?

_ Quem quer controlar a situação?

_ Quem contribui ou não com as despesas?

_ Como cada um expressa aquilo que é?

_ Como é que cada vê a maneira de ser do outro?

_ Como as pessoas se comunicam?

_ Como dividem as funções domésticas e afetivas?

_ Como expressam os sentimentos?

5 Carta de OMS
_ Como se distribui o poder dentro da família?

A família é uma unidade social ou um sistema formado por um grupo de


pessoas, não só com redes de parentesco, mas, fundamentalmente, com laços de
afinidade, afeto e solidariedade, que vivem juntos e trabalham para satisfazer
suas necessidades comuns e solucionar os seus problemas.

A importância da família, para cada um dos seus membros, está, não só,
nas funções que ela desempenha na sociedade, mas na intermediação entre o
indivíduo e a sociedade.

3.2- Funções da família:

Organizar a reprodução. Estabelecer relações de paternidades e


maternidade, definição do papel de pai, mãe, irmãos, avós, outro e preservação
do patrimônio biológico e social.

Organizar a vida econômica. À procura de alimento mobiliza a maior


parte da energia da família. A aprendizagem relativa ao planejamento econômico
familiar dos gastos, em relação aos ganhos da família.

Valorizar a vida profissional. Participação dos membros nas decisões


econômicas. A relação de apoio e aprendizado acontece quando existem
participação e divisão de papéis sociais, todos importantes. As tarefas
distribuídas e vivências favorecem à formação de regras de comportamento,
sendo, uma delas, o aprendizado dos limites e da importância dos valores. As
ações conjuntas, os mutirões familiares são alternativos para potencializar as
funções da família numa sociedade em transformação.

Conferir uma identidade social. Dá um nome a seus membros. Na


sociedade judaico-cristã, o nome dado a uma pessoa traz uma missão, expressa
um desejo, um projeto, por isso é muito importante sabermos a origem de nosso
nome. Sabermos quem foi esse personagem, qual sua condição socioeconômica.
Enfim, também, o lugar que cada um ocupa nas relações sociais (status).

Promover a socialização. Troca de aprendizagens e estímulos dos


potenciais de cada um. Integração dos filhos no mundo e relacionamento afetivo
e troca de carinho, tão necessários ao desenvolvimento de todo o ser humano.
Aprendizagem de critérios de avaliação das relações sociais, bem como
preparação para a vida em sociedade.

Questões que surgem:

O que você acha do ditado que diz:

“Filho de peixe, peixinho é”?

5 Carta de OMS
Esse ditado tanto pode ter uma conotação positiva, quanto negativa. Em
ambos os casos, é preciso considerar que, em determinados ambientes sociais, o
nome da família chega a ser mais importante do que as qualidades pessoais do
indivíduo. Antigamente, isto era mais forte do que é hoje em dia. De qualquer
maneira, até que ponto essa pré-condição imposta, dificulta a descoberta dos
valores individuais?

Veja este outro ditado:

“Pau que nasce torto, morre torto”.

Esse ditado abre uma expectativa negativa sobre a família e seus


membros. É como se a „herança social‟ pré-determinasse o futuro das pessoas.
Ora, a Terapia Comunitária, valorizando mais a herança cultural, serão capazes
de transformar aquilo que parecia depender do destino, da sorte, da fatalidade,
do nome em matéria-prima de mudanças.

Aprofundemos mais:

-De onde, portanto, deverá vir a força da família e de cada um dos seus
membros?

- qual deve ser o tipo de apoio que a família precisa receber da sociedade
e do Estado?

3.3- A criança, a família e a sociedade:

Desde o primeiro instante em que passamos a existir, passamos a


depender dos outros. Nossa vida está ligada a outra, dela nos nutriu com ela nos
movimentamos e, através dela, viemos ao mundo.

O nosso primeiro universo é o útero materno. Um espaço pequeno,


aconchegante, elástico. É neste órgão que a vida esboça seus primeiros
movimentos e, lá, permanece o tempo necessário para desenvolver suas células,
seus órgãos e sistemas, ou seja, tudo o que vai garantir a autonomia biológica do
novo ser em gestação. Tudo é direcionado para que o novo for tenha sua
autonomia. Uma autonomia que fará dele, em um futuro próximo, um ser
independente e livre.

O útero é um canteiro de vidas. Ele recebe, nutre, mas jamais, guarda a


vida para si, jamais toma posse dela. No momento oportuno, quando a vida já
dispõe de meios que garantam sua autonomia, em um trabalho de parto, o útero
empurra-o para uma nova etapa.

O parto é um dos momentos mais críticos da vida. É o momento de saída


do mundo intra-uterino e de entrada no mundo das interações entre os seres.
Nele, o recém-nascido deve ensaiar seus primeiros gestos de autonomia pela
respiração, pela amamentação e, desta forma, garantir sua própria vida. Algum

5 Carta de OMS
tempo depois, procura caminhar com seus próprios pés e movimentar-se pelos
seus próprios meios. É a nova vida que se ergue. Apoiando-se nos dois pés,
procura o equilíbrio entre esses dois pontos móveis que buscam fixar o homem
na terra e fazê-lo caminhar, em um constante movimento, oscilando entre o
equilíbrio, e o desequilíbrio, e que se expressa na forma do caminhar humano.

Mover-se com seus próprios pés é, sobretudo, um ato que expressa a


natureza da nova vida que chega ao mundo. Caminhar para conviver, em um
mundo de muitas relações, sem perder de vista seu desejo, suas aptidões e sua
identidade.

Com o nascimento, o indivíduo entra no mundo marcado pelas interações


humanas, comandadas por exigências e regras de um sistema que garante a
harmonia do conjunto, através da convivência, na diferença. Este universo é a
família. Nela, a criança deve encontrar o que dispunha no seu mundo intra-
uterino: a segurança para se desenvolver, a flexibilidade para se mover e
exercitar sua liberdade. Tudo isso só pode ser viabilizado pela comunicação com
os outros, no seu sentido amplo, em que cada um procura a confirmação de sua
própria existência.

Cada criança, no seio da sua família, necessita de oportunidades para


descobrir-se como pessoa, pertencente a um grupo e, assim, poder desenvolver
suas aptidões e potencialidades para nortear suas interações e participar da
construção do mundo.

A família, este útero social, é quem fornecerá ao indivíduo os primeiros


elementos que podem contribuir para fazer dele um ser realizado ou frustrado. A
família poderá ser um espaço de prazer ou de sofrimento.

3.4-Família espaço de prazer

Nada mais gratificante do que sentir que a nossa chegada suscita um


sentimento de alegria, expresso na forma como somos recebidos. Quando o
indivíduo chega ao seu primeiro grupo social, que é a família, e descobre que
sua chegada faz parte de um projeto mais amplo que envolve aqueles que o
geraram e aqueles com quem vai viver, ele se sente objeto de prazer, alegria e
realização. Desde então, começa a germinar em si um sentimento de estar no
lugar certo, na sua casa, na sua família, e um desejo de retribuir, criando, assim,
um clima de reciprocidade.

A nossa maior alegria é descobrir que somos amados, aceitos, que


fazemos parte de uma FAMÍLIA. E cada criança dispõe d inúmera mecanismos
para perceber o clima emocional que a envolve.

As crianças não falam, mas estão atentas a tudo: ao tom de voz, aos
gestos, às cores e aos odores de seu ambiente físico e humano. Para elas, tudo é
comunicação e tudo deve ser decodificado, descoberto e compreendido.

5 Carta de OMS
Elas precisam explorar seu contexto para terem certeza de que,
realmente, chegaram ao lugar certo, que são amadas pelo que são que podem
expressar seus desejos e intenções, sem risco de serem rejeitadas ou excluídas.

Logo, elas perceberão que as relações interpessoais seguem determinadas


regras e normas. Se estas garantem a harmonia do conjunto, elas aprenderão a
respeitá-las e a integrá-las, como a bússola que norteia seus passos nas relações
pessoais e sociais. Se as crianças percebem que estas regras estão a serviço de
convivência, ou não deixam espaço para o prazer e a alegria, elas as rejeitarão ou
as verão com restrições.

Estes princípios, regras e normas serão de fundamental importância, pois


permitirão superar os conflitos inevitáveis para quem vive em sociedade. Daí,
porque estas regras precisam ter coerência, precisam ser claras e evidentes para
que todos as conheçam e possam se referir a elas, quando necessário.

O grande desafio da família é receber um ser dependente, frágil, que


necessita de proteção, e torná-lo um ser independente e autônomo, um ser capaz
de dar forma a seus projetos, mesmo que sejam diferentes do que sonham
aqueles que criam.

Os pais precisam entender que sua família é, apenas, um espaço de


nutrição, de formação da criança dependente e insegura, que, um dia, será um
homem ou uma mulher adulto (a), capaz de amar e ser amado e de estabelecer
uma comunicação satisfatória com seus parceiros.

3.5-Família espaço de sofrimento

Algumas famílias, com a chegada de um filho, agem como se não


entendessem que o ser vivo que acabam de receber, necessita de afeto e carinho
para se sentir em segurança.

Esta estrutura familiar não possui flexibilidade suficiente para aceitar e


integrar o novo, o diferente, o filho que deseja fazer parte daquela família: a sua
família. A estrutura destas relações familiares é baseada em funções fixas, em
tarefas a serem aceitas, no dever a ser cumprido, nas obrigações a serem
seguidas. Nela, não existe espaço para a criatividade, para a improvisação. Tudo
funciona como se só existisse uma lógica eficiente que não deseja modificações.
Toda modificação tentada pelo filho, logo é vista como uma ameaça ao
equilíbrio familiar.

Esta atitude é sentida pela criança como uma rejeição a sua existência,
uma vez que não se levam em conta as suas opiniões. Ela começa, então, a
sentir-se como um corpo estranho e o ambiente familiar passa a ser um espaço
de asfixia, de muita frustração e sofrimento.

5 Carta de OMS
Nestas famílias, não há espaço para desabrochá-lo de uma vida. O filho
que chega não é visto como um ser diferente com seus próprios desejos e
projetos. Ele deve se conformar com as regras da família, embora essas regras
estejam a serviço do crescimento de cada um.

As interações entre os membros desta família estão marcadas pelo:

“Você está como somos bons para você, faça o mesmo conosco, faça o
que nós estamos lhe pedindo e tudo funcionará muito bem”.

Nestes sistemas, as regras passam a ser a prioridade número um. Os


indivíduos estão a serviço delas, e não elas a serviço do conjunto. Todos se
tornam prisioneiros de regras.

O maior sofrimento de um indivíduo em uma família dominada pelas


regras é não ser reconhecido como um ser diferente; é viver sem ser percebido
como alguém original; é ter que se violentar para poder ser aceito.

Estes sistemas familiares costumam viver na total dependência de fatos


externos. Todo o problema é visto como sendo algo pessoal, como uma doença
que precisa ser tratada. Ninguém quer se comprometer com a resolução dos
problemas. As pessoas estão entregues à sua própria sorte, perdidas em sua
solidão.

Famílias assim, na dependência do mundo exterior, não ensinam a seus


membros o caminho da autonomia, do crescimento que se conquista com o
exercício da reciprocidade. Nelas, não há espaço para o prazer e a alegria. A
alegria de um é a tristeza do outro e, assim, eles nunca conseguem ter prazer
juntos. O sentimento que predomina nestas famílias é a tristeza e a frustração de
não se poder ser livre para crescer e se desenvolver.

Quando o outro deixa de ser nosso companheiro, nosso colaborador no


processo de crescimento e torna-se o juiz, o tirano, o inimigo; quando o clima de
desconfiança reina entre seus membros, nós ficamos com medo, nos sentimos
desvalorizados e confusos, nos fechamos, nos tornamos indiferentes.

O contrario do amor não é o ódio, mas a indiferença.

Em um clima assim, não pode haver crescimento. Permanecemos


imaturos, reagindo de forma passiva a todas as oportunidades de reflexão e
estímulo, passamos, também, a rotular os outros, ficamos na defensiva. Nesta
situação, muitas pessoas gastam sua energia para sobreviver e se proteger, o que
gera uma sensação de incapacidade e frustração.

Outras pessoas, mais sensíveis, estabelecem como objetivo de vida a


solução dos problemas familiares. Para isto, sacrificam seus sonhos, seus ideais
e destinam todas as energias para tentar corrigir os rumos das relações familiares

5 Carta de OMS
fragmentadas. Convertem-se no pára-raios das tempestades afetivas que
acometem o sistema familiar.

Neste contexto de muita frustração e sofrimento, o indivíduo não


consegue realizar a metamorfose de sua existência, não consegue passar da
dependência que o aprisiona, à independência que o torna livre. Como resposta,
faz a opção pelo uso das drogas, na esperança de chegar a um mundo onde ele
passa sentir-se sujeito participante e ativo.

Nas drogas, busca aquilo que não consegue receber de sua família, de seu
grupo e, assim, a vida torna-se uma busca incessante do prazer e da ilusão
passageira.

Quando a educação é um desastre

A sexualidade é parte de nossa vida, é através da expressão de nossa


sexualidade que geramos novas vidas. Mas, é através da educação que os
homens se tornam pessoas, seres sociais e políticos. A vida social se reproduz
através da educação, ou melhor, das várias formas de educação em que estamos
inseridos, ao longo de nossas vidas. Daí, sua importância como instrumento a
serviço da transformação do animal homem em pessoa homem.

Toda educação que não visa a esta transformação fundamental, que não
capacite o indivíduo para que ele explore suas potencialidades, descubra seus
valores, é anti-educação. Mas, por que existem tantos partidários desta anti-
educação? Por que a verdadeira educação, aquela que transforma o homem em
sujeito livre, consciente de seus direitos, participativo e questionador assusta e
ameaça? Por que ameaça? E a quem ameaça? Aos que não se interessam pela
liberdade e pela emancipação dos que estão à margem da vida. Isto porque a
educação transformadora desperta a inteligência do homem, aguça seu senso
crítico e torna o homem dependente e escravo, em um homem independente e
livre. E, este homem transformado, torna-se ameaça para as instituições,
baseadas na exploração do outro, na defesa de interesses privados ou de grupos
minoritários que se enriquecem a custa do suor e do trabalho deste homem,
amordaçado pela ignorância e por uma educação conformista. É sempre mais
difícil manipular pessoas conscientes e inteligentes.

Todo aquele que ensina, aprende. A transformação educativa é, portanto,


ação de mão de dupla. A educação que não contempla esta dualidade é, sempre,
um ato de dominação e de opressão das pessoas e grupos sociais. Ela não garante
a transformação e o desenvolvimento das potencialidades do povo. Talvez, todos
estes desmandos que existem no Brasil, a concentração de renda e de poder, por
exemplo, aconteçam porque as elites não admitem críticas a seus erros e não
permitem que o povo brasileiro seja educado.

5 Carta de OMS
A família é o primeiro espaço educativo, local em que se desenvolve o
que chamamos de EDUCAÇÃO ESSENCIAL. É na família que a criança
experimenta as primeiras alegrias e frustrações da convivência humana. É na
família que ela deve descobrir que não é o centro do mundo e que é parte de um
grupo. É onde ela aprende que seus direitos terminam, onde começam os direitos
do outro e, assim, pouco a pouco, ela aprende a viver em sociedade.

No dia em que a família se tornar um espaço de solidariedade, um local


onde cada um possa desenvolver suas potencialidades, o respeito ao outro e o
sentido de respeito ao bem público; no dia em que nossas escolas tornarem-se
espaço a serviço do desenvolvimento das inteligências e da transformação social,
começaremos a construir uma sociedade nova no lugar do bicho-homem,
teremos a pessoa-humana.

Da dependência à autonomia

O bebê é dependente de sua mãe. A educação deve dar-lhe autonomia,


independência com responsabilidade para que ele adquira as bases necessárias
ao seu equilíbrio pessoal e social.

O fracasso escolar dos jovens, a fuga pelo vício das drogas, o apelo à
violência, a depressão, o suicídio, assim como a incapacidade de inserção social
deve nos levar a um questionamento profundo sobre a natureza e a qualidade da
educação que está sendo dada aos nossos filhos.

Mas, atenção! O caminho para mudar o contexto e os processos


educativos dominantes, nos sistemas familiares e educacionais, não passa pelo
autoritarismo, nem por seu extremo, a permissividade.

Nós, pessoas com valores cristãos, não podemos deixar que os jovens e
adultos tenham, como base de referência, apenas os valores da sociedade de
consumo e competição, no lugar de cooperação. Ter no lugar do ser;
individualismo, no lugar do coletivismo; egoísmo, no lugar de solidariedade e de
partilha. Cabe-nos oferecer outros valores, outros princípios de vida que
permitam romper com a falta de perspectivas, para que possamos ter outras
opções e formas de vida social.

A educação familiar e escolar deve estar nos valores humanos,


estimulando princípios de vida, não mais orientados para a seleção, para a
competição, mas para estimular o esforço de cada um em benefício de todos.

Citaremos alguns princípios básicos que garantem o crescimento sem


dependência nem de pessoas, nem de drogas.

5 Carta de OMS
A autoconfiança para responder às necessidades de segurança

Cada criança precisa ser encorajada e estimulada a tomar suas próprias


decisões. Somente um clima de confiança pode ajudar uma criança a
desenvolver sua segurança interior, espontaneidade e capacidade de adaptação
aos vários contextos, para que, assim, possa estabelecer relações positivas com
outros.

Um clima de desconfiança, mentira e falsidade gera medo, angústia e


inquietação. Como a criança pode se livrar desse mal-estar? Não será este futuro
adulto, um sério candidato a optar pelas fugas mais diversas, talvez a trilhar o
caminho das drogas?

O direito de ser diferente para responder às necessidades de


identidade

Toda criança tem uma necessidade profunda de ser reconhecida,


compreendida no seu ritmo, na sua singularidade. Ela espera que as pessoas
aceitem a sua forma única de ser e agir. Como poderão aceitar os outros com
suas diferenças se ela mesma não for aceita?

A aceitação da diferença, geralmente, favorece a confrontação sem


violências, o autocontrole e a construção de uma identidade baseada na auto-
estima e autoconfiança. Trata-se de buscar superar seus próprios limites e, não,
superar, competir e destruir os outros. Caso contrário, predominarão a
competição e a negação constante do valor do outro. Cada um tentará dominar o
outro, como forma de se impor, de ser aceito.

A necessidade de duvidar e questionar, para responder às


necessidades de curiosidade e de saber

Toda criança sente uma grande necessidade de questionar, de perguntar


como forma de satisfazer sua curiosidade e seu desejo de aprender. Temos que
estimular as crianças quando elas querem compreender o que passa em torno
delas. É através de perguntas e respostas que cada uma começa a compreender o
mundo em que vive a família com quem convive e, sobretudo, a se conhecer.
Desenvolver a capacidade de perguntar e questionar é o principal estímulo que
podemos oferecer a uma criança. Este estímulo desafia a criança a querer
observar e escutar criticamente os outros. Devemos estimular o esforço da
criança, e não apenas o resultado.

O serviço como forma de responder às necessidades de ser útil

Toda criança sente necessidade de prestar serviços, de ser útil como


forma de dar um sentido a sua vida. Somente assim, descobre o outro e
reconhece as regras da reciprocidade. Só com o sentido do serviço ela pode amar
os mais fracos e apoiar os mais sensíveis. Este estímulo ao serviço favorece o

5 Carta de OMS
altruísmo, a solidariedade, a abertura de espírito e a formação do sentido do
público, do universal.

Estes princípios são a melhor maneira de prevenir a intolerância, as fugas


através das drogas e a violência.

3.6- Os sistemas familiares

A família fechada: à troca de informações com o meio, fechada,


portanto, a transformação está limitada por uma estrutura rígida, marcada pela
indisponibilidade para fazer frente às demandas da vida que apresenta um
desafio novo a cada dia. É autoritária nas formas de tomar decisões, de controlar
o poder. Mantém-se assim, para não aceitar a diferença. As regras são
inadequadas, exageradas e injustas. Alguns assuntos são proibidos de se abordar.
Certas expressões não são permitidas. Uma determinada forma de se comportar
é obrigatória ou proibida para todos, ou ainda, para certos membros da família
(de acordo com a idade, sexo, etc.). As pessoas se reprimem, enganando a si
mesma e aos outros, ou mantém relações somente entre certas pessoas, tornando-
se incapazes de viver em comunidade.

Esse tipo de família determina, com rigidez, os papéis dos filhos,


impondo-lhes diretrizes e normas coercitivamente, principalmente no que se
refere aos papéis sexuais, masculino e/ou feminino, nas relações sociais. Além
disto, o indivíduo vive se protegendo das coisas do mundo, vendo-as como uma
constante ameaça que pode destruir a família.

Vejamos um exemplo:

Maria, desde pequena, seguia as regras impostas pelos pais. Ela só podia
brincar com os irmãos ou primos. Só saía acompanhada por alguém, mesmo
depois de crescida. Suas roupas eram compradas pela mãe. Ela não tinha direito
de se vestir como alguém da sua de sua idade e época.

Toda desobediência era castigada, exemplarmente. Assistir TV, só a


filmes e programas aprovados pelos pais. O mundo era visto como perigoso
Hostil e ameaçador ao equilíbrio familiar.

Aos 22 anos, Maria perde os pais em um acidente. Ela entrou em


profunda crise quando descobriu os efeitos da rigidez obcecada, da educação
recebida. Acostumada à só obedecer, sentia-se incapaz de tomar decisões,
incapaz de ter uma visão crítica da realidade. Habituada a viver isolado dos
“estranhos”, sentia-se só, desamparada, como uma criança imatura à procura do
consolo dos pais.

Família fechada demais favorece a geração de filhos imaturos e


“bitolados”.

5 Carta de OMS
A família aberta demais, por sua vez, pode gerar indivíduos frágeis,
inseguros, sem raízes, o que os impede de desenvolver uma visão pessoal e,
posteriormente, uma visão familiar e comunitária. Alguns de seus membros
desenvolvem uma personalidade “anarquista”. Já outros, devido à carência de
modelos de liderança e de noção de limites, caem, facilmente, nas garras das
pessoas autoritárias. Só agem se receberem ordens específicas.

Essas pessoas tornam-se presas fáceis dos sistemas políticos, sociais,


econômicos e religiosos autoritários e, sem perceber, contribuem para que eles
existam.

Sem a condição para desenvolver o senso crítico, terminam se


acostumando com o chicote. O indivíduo que está acostumado a obedecer a
quem segura o chicote, quando o chicote muda de mão, continua obedecendo,
cegamente, da mesma maneira.

Por exemplo:

Na família de Pedro ninguém obrigou a ninguém a fazer nada. Tudo era


liberal, não tinha hora pra dormir, nem para comer e, muito menos, para brincar.
Cada um vivia no seu mundo. O Pai viajava muito, e a mãe, sempre ocupada
com os afazeres da casa, deixava Pedro muito inseguro e sem saber que rumo
seguir.

Certa vez, já na adolescência, ele passou três dias na casa de amigos e,


quando voltou, ninguém tinha sentido sua falta. Tudo isso o revoltava, pois não
se sentia amado. Pedro sentia necessidade de que alguém demonstrasse interesse
e se se importa com ele. Aos 18 anos, ele ingressou em uma seita religiosa, que
passou a ditar que atitudes e pensamentos Pedro teria que ter. Ele saíra de um
sistema anárquico, escancarado sem estruturas, e entrou em outro sistema, agora
autoritário, controlador e super-estruturante. Pedro, tal qual uma lesma,
encontrou uma carapaça que o protegia, mas que, também, o aprisionava,
tirando-lhe a liberdade de movimentos.

Família aberta demais favorece à geração de Filhos inseguros e


desestruturados.

A família sadia é aquela que pode atender à dupla demanda de dar


pertencimento e, ao mesmo tempo, favorecer a autonomia de seus membros. É
aquela sabe preparar-se para enfrentar qualquer desafio. Enriquece-se com as
contribuições positivas da sociedade, ao mesmo tempo em que desenvolve
defesas no seu organismo (critérios, senso crítico), impedindo que os valores
negativos possam ter influências decisivas.

As pessoas formadas neste tipo de família aprendem a discutir qualquer


assunto e qualquer problema, de forma clara e transparente. Isto, porque estão

5 Carta de OMS
enraizadas em valores partilhados, não confusos, que permitem a expressão da
identidade individual e grupal.

Sabem, também, resolver situações críticas, sabem interagir com o


mundo exterior. Seu senso de justiça é muito forte e todos os preocupam com a
construção de um mundo mais justo e fraterno.

Desde crianças, essas pessoas aprendem a exercitar a democracia,


buscando construir normas justas e flexíveis (no lugar de normas rígidas) que
sejam entendidas por todos e que tenham um sentido prático e libertador.

Mantém um ambiente aberto, de diálogo constante, onde a reflexão é


bastante valorizada, tornando-se o instrumento de avaliação. Todos estão
dispostos a mudar, se for preciso, não ficando ninguém de fora. Os tabus são
discutidos, avaliados e desmontados. As funções e os papéis dos membros de
uma família equilibrada são flexíveis e compartilhados. Por exemplo:

Jorge e Francisca foram criados com muito carinho. Desde pequenos,


aprenderam a superar os conflitos através do diálogo. Seus pais, apesar dos
afazeres, acompanhavam de perto os momentos importantes de suas vidas. Os
aniversários eram comemorados com festa e com a participação dos amigos.
Quando cometiam erros, eram repreendidos, mas também, eram elogiados
quando faziam por merecer. Ninguém ficava indiferente ao sofrimento do outro.
Toda família se unia, seja para apoiar os seus, seja para auxiliar os vizinhos e
pessoas da comunidade.

Hoje, Jorge é líder comunitário e, mesmo já tendo sua família, ainda


encontra tempo para ajudar as famílias que precisam de solidariedade.

Família acolhedora e nutritiva, filhos responsáveis e solidários.

PONTOS PARA REFLEXÂO:

Qual a sua opinião sobre a afirmação?

“O maior sofrimento de um indivíduo é não ser reconhecido como um ser


diferente, é viver, sem ser percebido como alguém original, é ter que se
violentar, para poder ser notado”. (Buber, 1979)

Vale salientar que mesmo nos modelos familiares mais rígidos e cruéis,
surgem crianças que criaram defesas e alternativas para sua sobrevivência.
Crianças que, apesar de terem vivido em meio às adversidades dos contextos, se
desenvolveram como pessoas emocionalmente bem estruturadas, tendo
conseguido transformar os sofrimentos em competência. Conhece, na pele, a
dureza da vida e tentam sobreviver à sua maneira. No nosso dia-a-dia, nós as
encontramos defendendo seus interesses, fazendo alianças com outros
oprimidos, tentando superar as dificuldades, pedindo esmolas no cruzamento,

5 Carta de OMS
lavando pára-brisas de carro nos sinais ou organizando gangues e arrastões.
(Aprofundamos esse aspecto no capítulo 5).

Você conhece casos semelhantes? O que permite a superação do


sofrimento e a transformação da pessoa, apesar de tanto sofrimento e violência?

Você conhece alguém que seja sensível a ponto de dar tudo de si, de
sacrificar a própria vida, de sacrificar seus sonhos, seus ideais, para tentar salvar
o sistema familiar?

Os filhos, desde cedo, participam de uma escola de vida, na qual


vivenciam disputas conjugais, conflitos e dramas.

De que forma isso vai repercutir na vida futura dessas crianças?

Leia esta afirmação:

Para muitos, o casamento parece deixar de ser um projeto de vida a dois,


destinado a constituir uma família, para tornar-se uma garantia imediata de
segurança, para ser a possibilidade de sobrevivência. É uma forma de se ter casa,
comida, cama, roupa lavada e passada. Já não é família preparando os filhos para
transformar a sociedade. É a sociedade impondo normas para a família seguir.

Qual seu ponto de vista sobre esta situação?

A comunidade age onde falham as famílias e as políticas sociais.

A comunidade participativa não será a alternativa para as famílias?

“Com vocês, encontrei a família que eu não tive!

“Foi na comunidade que eu encontrei apoio, reconhecimento e estímulo


para viver!”

“Não consigo mais imaginar minha vida sem vocês. Aqui, eu encontrei
uma família!”

Algumas comunidades ou grupos que se formam reunindo pessoas com


objetivos comuns podem ser vistos como uma família substituta (alternativa). É
neste contexto que muitas pessoas vivenciam as normas e regras de uma família:
experiências que só podem ser apreendidas nas relações familiares normais. Isto
permite que, pela experiência de vida comunitária, sejam restabelecidos os
vínculos afetivos e culturais, até mesmo, em novas bases. Já existem inúmeros
casos de pessoas que readquiram, na vida comunitária, o sentido de
pertencimento o seu grupo cultural.

É no contexto substituto que muitas pessoas (crianças, jovens, adultos –


mulheres ou homens) têm experiências comuns às vividas no seio familiar,
enquanto lhes é conferida uma nova identidade. É aí que o exercício de parceria

5 Carta de OMS
tem um papel de aprendizado fundamental: estas pessoas aprendem a repartir, a
compartilhar a ser cooperativas.

Na comunidade, quando a divisão de papéis e tarefas é realizada através


de participação, planejamento e avaliação, há uma maior probabilidade da
formação de regras de comportamento e de aprendizado dos limites, isto é: “Só
posso chegar até aqui, porque, se eu for além, tanto me prejudico como posso
prejudicar os outros.” É o senso de responsabilidade e de parceria que passa a
guiar a vida das pessoas.

Quando a comunidade se reúne para decidir, ela está, também,


favorecendo a formação de uma consciência que valoriza as ações coletivas
articuladas com as ações individuais, sabendo estabelecer a diferença e a
complementaridade entre esses dois tipos de ação.

Lembrete:

As pessoas que vivem em grupos, mesmo as que passam ou já passaram


por uma experiência familiar de desagregação e sofrimento, tendem a adaptar-se
à vida em comunidade, para salvaguardar a sua própria existência. É o princípio
da busca do equilíbrio.

No seu trabalho de terapeuta comunitário, como você analisa essa


questão?

Em nossa sociedade, são inúmeros os exemplos de desestruturação


familiar. Podemos observar que existem formas criativas de substituição da
família, reforçando, assim, a necessidade que as pessoas têm de viver em
comunhão com o seu semelhante.

Síntese:

Os sistemas humanos são formados por pessoas em interação intensa de


modo tal que o comportamento de um membro afeta e é afetado pelo
comportamento do outro. Todo sistema favorece outros arranjos, organizando o
que chamamos de subsistemas. Por exemplo, os pais podem ser vistos como
formando o subsistema parental e a família compreendida como um sistema.

Toda situação-problema deve ser compreendida a partir do contexto em


que acontece. Do ponto de vista sistêmico, fazem parte do problema todos
àqueles que estão envolvidos na situação, não apenas o membro sintomático. A
abordagem sistêmica é sempre interativa, enfatizando relação, processo e
contexto.

São características de um sistema:

_Ser globalizante;

5 Carta de OMS
_o todo é mais do que a soma das partes que o constituem;

_ter a capacidade de se auto-proteger e transcender;

_a relação entre a causa e seu efeito é circular. É sempre um caminho de


mão dupla, constituído na interdependência;

_os elementos de um sistema têm um objetivo em comum. Tendo uma


família, necessito aprender coisas novas para responder a seus desafios.

A família vive as mudanças históricas e sociais de seu tempo. Vive crises


e busca soluções.

*Reciprocidade é dar e receber.

*Na família, existem diversos papéis e funções.

A visão sistêmica coloca sob suspeita as afirmações categóricas e


determinísticas que desconsideram os contextos do tipo: “Filho de peixe,
peixinho é”? Ou, “Pau que nasce torto, morre torto...”

*A criança, a família e a sociedade são entidades dinâmicas.

*A família pode ser espaço de sofrimento, prisão e opressão.

*A educação pode ser libertadora ou opressiva.

*A educação pode favorecer à dependência ou à autonomia.

*A confiança nutre a segurança e a auto-estima.

*O direito de ser diferente ajuda a construir a identidade.

* A curiosidade e o questionamento são o núcleo do aprender e do saber.

*A atitude de servir integra as pessoas à comunidade.

*Família fechada demais às demandas do meio podem gerar filhos


despreparados para a complexidade dos contextos da vida.

*Família aberta demais pode gerar filhos inseguros e sem referências


para o enfrentamento dos desafios que a vida apresenta...

* Família aberta às diferenças e consistente dos seus acordos de


convivência favorece a criação de filhos emocionalmente seguros, responsáveis
e solidários.

* A comunidade participativa é uma alternativa nos contextos em que as


famílias falham.

5 Carta de OMS
Capitulo 7

A teoria da comunicação

Muitas vezes, nós não nos saímos melhor na vida por problemas de
comunicação, isto é, ou não soubemos nos comunicar, ou não soubemos entender bem
a comunicação da outra pessoa, do grupo, da comunidade ou, até mesmo, da natureza.

Para que possamos nos comunicar bem, precisamos observar algumas regras
básicas. Aliás, estas regras nós já as conhecemos na pratica. Talvez, não as conheçamos
de forma organizada.

REGRAS BÁSICAS DA COMUNICAÇÃO

Em seu livro intitulado Programática da Comunicação Humana, Watzlawick


(1967) evidencia as regras básicas da comunicação.

Regra 1. Todo comportamento é comunicação

Regra 2. Toda comunicação tem dois componentes: a mensagem (ou conteúdo) e a


relação entre os interlocutores

Regra 3. Toda comunicação depende da pontuação

Regra 4. Toda comunicação tem duas formas de expressão: a comunicação verbal (a


linguagem falada e escrita) e a comunicação não-verbal (analógica ou gestual).

Regra 5. A comunicação pode ser: simétrica, baseada na semelhança e complementar,


baseada no que é diferente.

5 Carta de OMS
Vamos agora especificar um pouco mais cada uma dessas regras.

Regra 1. Todo comportamento é comunicação

Na maioria das vezes, a comunicação feita por gestos e atitudes ocorre de forma
inconsciente e não intencional.Acontece sem que percebamos.Com atitudes silenciosas,
nós comunicamos mensagens sutis como, por exemplo, “não estou de acordo”, “eu te
detesto”, “não agüento mais”, “se continuar assim, vou explodir”, e tantas outras.Como
a mensagem não é confirmada com palavras firmes e claras, permitidos que o outro
interprete como quiser.Então, perdemos a chance de expressar nossa opinião, de
esclarecer mal-entendidos, pensamentos e sentimentos, indispensáveis á vida em grupo,
á vida comunitária.

Algumas pessoas não participam das reuniões, dos mutirões etc., alegando estar
com dor de cabeça ou apelando para outra desculpa. Qualquer desculpa que seja dada
significa que o individuo esta querendo livrar-se da responsabilidade, do engajamento,
ou sinalizar outra coisa.

Neste caso, a pessoa fez uso de um problema como a surdez, o sono a dor de
cabeça para evitar a comunicação. É por isso que nós dizemos que todo sinal ou sintonia
tem valor de comunicação e sempre esconde alguma coisa que é importante. O terapeuta
comunitário pode criar condições para aprofundar uma situação parecida com as que
exemplificamos, principalmente, quando acontece negação da comunicação. Essa ação
pode ser decisiva para o desenvolvimento do processo terapêutico.

Problemas familiares como alcoolismo, baixo rendimento escolar, atos de


delinqüência, crises nervosas são sintomas ou sinais que comunicam algo, que dizem o
que não esta sendo verbalizado. O ditado popular que diz: ”Quando a boca cala o corpo
fala”, representa bem essa situação.

Você já percebeu que muitos sintomas e sinais são formas de comunicação de


algo inconsciente ou de que nos envergonhamos?

Se todo comportamento tem valor de comunicação, o que estariam querendo comunicar


a sociedade, as crianças que cheiram cola e que usam drogas? Como líder comunitário
ou terapeuta, o que você costuma fazer quando se depara com certos
problemas/sintomas?Dá uma explicação ou tenta decifrar a comunicação escondida
nesse tipo de altitude, aparentemente, sem sentido?

Muitas vezes, a família usa o sintoma como mecanismo para voltar ao equilíbrio.
Vamos explicar de outra forma. Vejamos: Junior esta desinteressado nos estudos, mas
esse desinteresse pode querer dizer algo mais: pode sinalizar um conflito entre seus pais.

5 Carta de OMS
É como se ele tivesse dizendo: ”Professora, ajude meus pais!...” ou “Minha família
precisa de apoio”.

Junior esta sendo o paciente identificado, mas o problema é do sistema familiar


que esta em conflito. Dai a importância de o terapeuta comunitário abordar as situações
com uma visão de circularidade: das pessoas para a origem do sintoma e voltando á
pessoa.

É sempre bom lembrarmos que paciente identificado ou paciente designado é a


mesma coisa que bode expiatório.

REFLEXÃO

No seu trabalho de liderança comunitária, você:

Já se deparou com as reações que você já identificou no seu trabalho?


Como pensa lidar com cada um dos casos que se apresentarão no seu trabalho,
no trabalho da comunidade?
Como é possível se valer de cada caso sugerido, das reações que se expressam
na comunicação entre as pessoas, para proporcionar maior amadurecimento ao
grupo e á própria comunidade?

Regra 2. Toda comunicação tem dois elementos: o conteúdo e a relação entre as


pessoas que se comunicam.

Conteúdo ou mensagem é tudo aquilo que dizemos com palavras e


gestos; é a informação que passamos para a outra pessoa, informação que deve ser
confirmada com os nossos olhares, com o tom de voz e outras formas de
expressão.

Quando uma pessoa se comunica com outra, esta oferecendo uma


definição de si mesma a interlocutor e espera uma resposta. Dai porque a resposta,
seja ela verbal ou gestual, será como um espelho que permite á pessoa reconhecer-
se.

Vejamos:

Quando o individuo A comunica-se com o individuo B, oferece uma


definição de si, da seguinte maneira: O individuo A passa a seguinte mensagem:

5 Carta de OMS
”É assim que eu me vejo”. E quer saber: ”Como é que você me vê?” O individuo
B com sua resposta indica: ”Eu te vejo assim”.

Por isto é que se afirma: As pessoas não se comunicam somente para


transmitir informações, mas, principalmente, para ganhar consciência do seu
próprio eu.

“A consciência que tenho de mim, nasce de mim, nasce de uma relação


de comunicação com o outro.” (Watzlawick, 1967)

O individuo B pode me responder de três maneiras possíveis: através da


confirmação, da rejeição ou da renegação. Vejamos cada uma:

1. A confirmação equivale a dizer: ”você tem razão de se definir assim.” Por


exemplo: quando a criança chega a casa diz: ”Mamãe, tirei dez na prova”, ela
esta querendo comunicar: “É assim que eu me vejo uma criança inteligente e
responsável”. Se a resposta da mãe for: ”Que ótimo! Parabéns! Vamos mostrar
suas notas pro seu pai”, ela esta confirmando a imagem que o filho tem de si,
ou seja, “Você esta certo, em se considerar inteligente e responsável”.
2. A rejeição equivale a dizer:
“Você não tem razão de se definir como pensa que é.”

Tomando o exemplo anterior, a mãe diria: “Você nada fez que seu
dever”. “E “falando assim, a mãe esta querendo dizer:” Você não tem o direito
de se considerar inteligente e responsável”. Esta atitude gera muito sofrimento
na criança que fica confusa, não se sente aceita e passa a duvidar de si mesma.
Ela não se sentira confiante e valorizada diante de si e dos outros.

Em determinadas situações, a rejeição pode ser positiva. É, por exemplo,


quando alguém se define como incapaz, e nós rejeitamos essa idéia de
incapacidade, encarando a rejeição como um desafio. Por exemplo: quando
alguém diz: “Eu não sou capaz de passar no concurso”. “E “a outra pessoa
responde:” Eu sei que você é capaz, você sempre foi bom aluno, sempre tirou
media alta”.

Nesse caso, rejeitamos a definição negativa e assumimos uma postura de


fé na capacidade do outro. Nós rejeitamos a definição negativa, permitindo ao
outro corrigir sua auto-imagem.

3. A denegação equivale a dizer: “Você não existe”

5 Carta de OMS
Nesse caso, nega-se a existência do próprio individuo. É como se ele não
existisse. Onde impera a renegação, o individuo tem dificuldade de saber que ele é. Por
exemplo: uma pessoa decide “dar um gelo no outro”, agindo como o outro não existisse.
É por isso que se diz: O pior sofrimento é viver sem ser percebido pelos outros.

REFLEXÃO

Confirmar, rejeitar e denegar. Essas três atitudes fazem a diferença na qualidade


de nossos relacionamentos. Vamos refletir um pouco sobre estas três opções em nossos
relacionamentos familiares e profissionais.

1- Você tem confirmado a definição que seus familiares estão dando de você a
cada momento?
2- Você se lembra da ultima vez m que foi confirmado? O que você sentiu?
3- Você já se sentiu renegado? O que sentiu?
4- O que você poderia fazer para estar mais atento ás pessoas que estão
procurando ser confirmadas?

Regra 3: Toda comunicação depende da pontuação

Analisemos a seguinte situação: Claudio é casado com Joana. Claudio


define-se como chefe de família, como aquele que manda. Joana, pelo contrario,
aceita ser mandada. Ela simplesmente obedece. A comunicação entre os dois
esta pontuada dessa forma.

No dia em que Joana não estiver mais de acordo com a situação de


dominação, instala-se o conflito entre os dois, pois passarão a agir em desacordo
com a pontuação que vinha sendo dada na comunidade entre os dois.

Claudio  manda  em  Joana  Joana  obedece

A indicação do ponto de partida da seqüência da comunicação é a


seguinte:

Claudio  manda

Joana  obedece

A seqüência é: mandar e obedecer.

5 Carta de OMS
A comunicação entre eles esta sendo pontuada de tal forma que Claudio
da as ordens e Joana as obedece.Até que certo dia há uma mudança.

Joana  manda  em... Claudio  não obedece, reclama

Epâ! O que é isto? A pontuação esta mudando? Esta sendo, agora, ao contrario?

É Joana quem esta querendo mandar em Claudio?

A indicação do ponto de partida não era esta. O conflito esta instalado. A


discordância na pontuação da seqüência dos fatos leva seus interlocutores (no
caso, Claudio e Joana) a entrarem num verdadeiro impasse.

Qual dos dois está provocando o impasse?

Claudio ou Joana?

Quem quebrou a pontuação da seqüência dos fatos?

O que é característico desta seqüência (e é por isso que há um problema


da pontuação) é que o interlocutor fica convencido de que ele (ou ela) nada mais
se da conta de que, talvez, esteja provocando essa reação.

Na raiz de conflitos de pontuação semelhantes a este existe a sólida


convicção de que há somente uma visão correta do mundo: ou a do Claudio, ao a
da Joana. Os dois precisam acertar-se na pontuação das seqüências de
comunicação, do contrario... Instala-se a crise.

Vejamos outro exemplo: a do labirinto.

O labirinto é um tipo de bordado vai ter uma flor, uma rosa, ou ramos de
flores, tudo isto tem que ficar assegurado, no inicio. Caso o ponto de partida não
fique determinado, o resultado vai ser uma peça de bordado confusa e de difícil
compreensão. O ponto de partida vai definir a seqüência do bordado.

Os exemplos dados servem para mostrar que, no relacionamento entre as


pessoas, é fundamental pontuar a comunicação para se evitar uma convivência
confusa e cheia de conflitos.

Vamos pensar um pouco:

Os dois (Claudio e Joana) podem acertar uma nova pontuação nas


seqüências de comunicação?

Para que isto aconteça, o que os dois devem fazer?

5 Carta de OMS
Na comunicação entre os dois, poderá haver um novo ponto de partido.
Porém, para que haja conflitos, os dois precisam dialogar, previamente,
estabelecendo um novo acordo.

REFLEXÃO

Você conhece casos parecidos, em que uma pessoa fica acusando a outra,
e esta outra não entende o que esta acontecendo?

O que poderia ser feito para superar o impasse do conflito de pontuação?

Regra 4.Toda comunicação tem duas formas de expressão: a comunicação verbal


(palavras) e a comunicação não-verbal (analógica ou gestual)

Veja o encontro de duas pessoas:

“Como eu gosto de você!”

Pela cara do rapaz, da para ver que ele não é sincero. Será que a pessoa
esta recebendo o abraço esta percebendo a falta de sinceridade?

“Neste contexto, temos exemplo de duas formas de comunicação: a


comunicação verbal, quando um diz ao outro:” Eu gosto de você!”e a
comunicação não-verbal, expressa, neste exemplo, através da fisionomia da
pessoa que da o braço, demonstrando, claramente, que suas palavras não são
verdadeiras.

Durante abraço, ele piscou o olho e mexeu com a cabeça, e alguém notou
que o abraço não passava de fingimento. Algo foi comunicado, sem ser utilizada
a linguagem verbal. Entretanto, a coisa pode ser mais seria e profunda. A pessoa
que recebeu o abraço, também poderá ter sentido que o outro não era verdadeiro.
As vezes, não é preciso que o outro se valha de sinais verbais para sentirmos que
não esta sendo verdadeiro.

A forma de comunicação não-verbal baseia-se na analogia, na


comparação entre os quadros visuais, entre as imagens que captamos com nossos
olhos. Baseia-se na analise e interpretação dos gestos e sentimentos que fluem
entre as pessoas. Neste exemplo, a linguagem baseada na fala ou na escrita foi
menos forte, não correspondeu a um sentimento verdadeiro. Se não fosse o
aspecto analógico, comparativo, do sentir a relação, a frase dita, durante o
abraço, “Como eu gosto de você”, poderia ter ser sido interpretada como sincera.

5 Carta de OMS
Na comunicação entre s pessoas, o conteúdo é transmitido na forma de
um enunciado, de uma fala, enquanto os sentimentos envolvidos na relação entre
elas serão, sempre, transmitidos de forma analógica, não verbal. Todas as vezes
que o sentir esta no centro da comunicação, a linguagem falada é menos forte,
menos expressiva.

É muito fácil dizer alguma coisa verdadeira oralmente, mas é difícil


mentir no domínio do analógico. Uma comunicação, para ser completa,
necessita, então, da combinação das duas linguagens; a verbal e a não-verbal. É
muito importante que um modo de linguagem tenha correspondência com o
outro. Por vezes, as palavras dizem, exatamente, o contrario do que exprime a
comunicação não-verbal.

Quando em uma família, o pai diz algo, mas sinaliza, exatamente, o


oposto do que esta sendo dito, isto ocasiona o que chamamos de dupla
comunicação.

Na dupla comunicação, aparecem dois conteúdos ou duas mensagens,


sendo que uma contradiz ou anula a outra: verbaliza-se algo, mas se expressa
exatamente, o contrario.

Como já vimos, só pode haver crescimento onde a comunicação é clara,


sem duplicidade, sem contradição, sem duplo sentido. Para que haja
crescimento, a comunicação precisa confirmar, sem ambigüidade, a identidade
de cada um. O terapeuta comunitário, muitas vezes, precisa assinalar a existência
da dupla comunicação e fazê-lo claramente.

Para ilustrar, tomemos o exemplo de um momento de terapia, quando as


pessoas falavam de perdas e uma senhora diz: “Meu marido morreu atropelado”,
mas falou sorrindo. “Este foi o momento de o terapeuta assinalar:” Eu fiquei
confuso ao vê-la falar. “Sua boca falou de um fato triste, uma perda, mas seu
rosto, sorrindo, expressava alegria e alivio”. Afinal, perguntou o terapeuta:
”Qual foi seu sentimento com essa perda?”. Traída pelo sorriso, ela, então,
confessou: ”Para mim foi mais um alivio, pois ele era muito violento em casa”.

Regra 5.A comunicação pode ser simétrica – baseada na semelhança, ou


complementar – baseada no que é diferente.

Vejamos este exemplo.

Uma mulher diz a outra: “Ora essa! Se ele arranjar uma mulher, eu
arranjo um homem. Vai ser olho por olho, dente por dente! ”Temos ai um
exemplo de comunicação simétrica. As duas partes envolvidas, no caso, o

5 Carta de OMS
marido e a mulher, agem, imitando um ao outro. É como se ele olhasse no
espelho, e ao invés de ver a si próprio, visse a imagem da sua mulher. É também
como se ela se olhasse no espelho e o que visse fosse a imagem projetada do
marido. O que um faz, o outro também faz, para se parecerem iguais.

Vamos pensar um pouco sobre a comunicação?

Na comunicação simétrica não ha risco de alimentar no sistema um clima


de rivalidade?

Sabemos que esta forma de relacionar-se, de comunicar-se, não acontece


só entre marido e mulher. Acontece entre pessoas que convivem juntas. Dois
irmãos podem comunicar-se simetricamente.

Depois que se instala a relação simétrica, o processo não para mais. A


rivalidade é crescente, em uma verdadeira escala simétrica.

Ninguém se da por vencido. Quando os dois cansam, surge uma trégua.


Mas, depois, recomeçam os conflitos.

Uma comunicação simétrica não corre o risco de se tornar uma relação


doentia, pelo fato de um rejeitar o outro sem parar?

Essa forma de relação torna-se doentia, quando um rejeita o outro sem


parar, impedindo o seu crescimento.

Um fator importante, no crescimento das pessoas, chama-se confirmação.


Isto quer dizer que todo individuo precisa ser confirmado, aceito pelo outro.
Mas, no esquema da comunicação simétrica, não existe confirmação, apena,
competição, rivalidade e sofrimento.

Na comunicação complementar, o par cio, apesar de terem papéis


diferentes, procura complementar o comportamento um do outro. Quando uma
esta falando e esquece qualquer detalhe, o outro logo complementa o que ficou
faltando no raciocínio do parceiro.

O outro é meu I, eu sou o pingo do I do outro.

Eu sou o pingo do I do outro, o outro é meu I.

Já imaginou o que será do pingo do I, quando o I desaparecer?

Quando não soubemos se somos pingo, vírgula, ou qualquer outra coisa,


em uma relação, em processo comunicativo, pode atrapalhar o outro ou a outra.

5 Carta de OMS
Se o homem é o I, a mulher tem que ser outra letra complementar da
relação, podendo ser, por exemplo, o R, formando o I + R = IR, isto é, IR juntos,
para algum lugar, para construir uma vida juntos.

Tanto a comunicação simétrica quanto a comunicação complementar


constituem formas fundamentais de trocas na comunicação. As duas são
importantes mecanismos para o equilíbrio dos parceiros. No entanto, as duas
formas de comunicação podem apresentar problemas, como acabamos de ver.
Portanto, não devemos qualificar essas formas de relação como sendo uma boa e
a outra ruim.Não se trata de simples rotulação.Não devemos utilizar apenas
umas das formas de comunicação, mas, sim, alternar as duas, a depender da
ocasião.

Síntese:

A consciência que se tem de si é fruto de uma relação de comunicação com o


outro.

Teoria da comunicação – as cinco regras:

Regra 1. Todo comportamento é comunicação

Regra 2. Toda comunicação tem dois componentes: a mensagem (ou conteúdo) e


a relação entre os interlocutores

Regra 3. Toda comunicação depende da pontuação

Regra 4. Toda comunicação tem duas formas de expressão: a comunicação


verbal (a linguagem falada e escrita) e a comunicação não-verbal (analógica ou gestual).

Regra 5. A comunicação pode ser: simétrica, baseada na semelhança e


complementar, baseada no que é diferente.

5 Carta de OMS
CAP 8

Nossas Raízes Culturais:

Na Terapia Comunitária, a cura passa pelo resgate das raízes e dos valores culturais
que despertam n o homem o valor e o sentido da pertença.

1- Raízes culturais comuns a toda humanidade

Do ponto de vista cultural, existe uma diversidade de explicações sobre a origem da


humanidade na Terra. Explicações sobre origem do homem, do seu aparecimento. São
tantas quantas são as raças e culturas espalhadas pela Terra. Os judeus falam de Jaweh,
o Deus que criou Adão e Eva. Os índios amazônicos da nação Dessana reverenciam a
um Deus criador, cujo nome é Enela Pantamim. Entre os Tupis, a criação é obra de
Tupã.

Do ponto de vista histórico, porém, foi a África o berço da humanidade. Foram lá


que se descobriram os vestígios dos primeiros humanos, os primatas. Sob a luz da
história, portanto, o homem surgiu na África e, de lá, ao longo dos tempos, irradiou-se
por outros espaços físicos. Com o crescimento da população humana e o esgotamento
das fontes de alimento, o homem foi precisando de novos espaços para morar e viver: os
grupos da Ásia e Europa procuraram a direção dos grandes rios. Assim, grandes
civilizações e culturas cresceram e morreram ao longo dos rios: o Nilo, no Egito, o
Ganges, na Índia e o Tibre na Europa.

Esta descoberta histórica mostrou que a grandeza desta busca pela vida e pela
preservação da espécie humana nunca se deixou limitar por nenhuma fronteira, seja ela
geográfica, política, ideológica ou religiosa. Para sobreviver, o homem viu-se desafiado
a ultrapassar fronteiras, a superar seus próprios limites, sempre. Esse homem foi sempre
um peregrino que andou em busca de novas terras, de melhores climas e de novas
alternativas de alimentação. Assim, foram-se espalhando pela Ásia, Europa, Américas.

No começo, movido pela fome e pela escassez de alimentos, o homem foi à caça.
Em seguida, descobriu o cultivo das plantas e, assim, criou a agricultura. Muito tempo
depois, dedicou-se ao comércio e, mais recentemente, à indústria.

Nesta caminhada que começou na África e espalhou-se pela Ásia, geração após
geração, o homem descobriu e povoou novas terras, adaptou-se a diferentes climas,
mesclou-se a outros povos, criou novos grupos sociais. Vencendo as distâncias,
superando obstáculos naturais como o deserto, as altas montanhas, os rios e os mares,
sobrevivendo à neve ou ao calor, resistindo ao ataque das feras, chegaram àquela parte
do mundo que, mais tarde, seria a Europa.

Por força do destino, movido por um incontrolável, movido desejo interior, o


homem é um desbravador. Impelido pela necessidade do alimento, foi à caça, descobriu
as artes do plantio, buscou a comunicação, desenhou nas paredes das cavernas, dominou
o fogo, aprendeu a construir abrigos, criou as línguas, descobriu e inventou os objetos

5 Carta de OMS
para seu uso pessoal. A adaptação às diferenças climáticas, os hábitos alimentares, as
uniões matrimoniais e outros fatores foram decisivos nas transformações fizeram a
diferença essencial entre sobreviver ou desaparecer.

Nesta sua caminhada através dos tempos e dos continentes, as diferenças de clima,
localização geográfica, alimentação e hábitos culturais fizeram surgir diferentes raças.
Os povos que vivem em clima quente, como o da África tinha pele escura e grandes
narinas, pois o ar da região em que viviam era quente e não precisava ser aquecido,
podendo entrar, livremente, nos pulmões pelas narinas mais abertas. Já os povos em que
viviam em clima frio, como os da Europa, com menos sol e calor, precisaram adaptar-se
de forma diferente. Sua pele era branca e, para aquecer o ar que entraria nos pulmões,
desenvolveram narinas finas, que dificultavam a entrada desse ar, aquecendo-o por
fricção. Essas mudanças físicas, fundamentais para a preservação das espécies,
manifestaram-se como diferenças na cor da pele, no tipo de cabelo, na formação dos
traços do rosto. Diferenças físicas como mo cabelo loiro, ruivo, preto ou pixaim, a pele
branca, preta, parda ou amarela foram a natural expressão da capacidade do homem
para se adaptar ao meio, para assegurar sua sobrevivência. Desta maneira, surgiram os
diferentes padrões raciais ou etnias, que costumamos chamar de raças. Assim é que, a
raça dos negros, a raça dos de cor amarelada, a raça dos brancos, a raça dos pardos
representam respostas da natureza a favor da perpetuação da vida. A prepotência, a
arrogância e a ignorância quanto a estes fatores criaram a ilusão de que só os brancos
são superiores.

Por esta via de conhecimento, fica fácil compreender que não existe uma raça cuja
forma física seja inferior ou decadente. O que há são apenas diferenças. A estas
diferenças, quando se manifestam na natureza, damos o nome de beleza. Se todas as
flores fossem como as rosas, se todas as borboletas fossem brancas, se todas as árvores,
os rios, os pássaros e as cascatas fossem iguais, enfim, se tudo tivesse uma mesma cor,
o mundo seria monótono. A beleza é o resultado do aprimoramento das leis naturais
para fazer com que cada rosa, cada borboleta, árvore, rio, pássaro e cascata apresentem
sua maneira própria e pessoal de ser. Na natureza humana esse aprimoramento tem um
nome: raça

2-A vida em grupo

A necessidade de sobreviver levou o homem a viver em grupo e propiciou o


aparecimento das diferentes etnias. Somente junto ao outro, o ser humano foi capaz de
controlar as forças da natureza, de superar as dificuldades, de armazenar água, de
garantir o alimento, de trabalhar em comunidade, e de enfrentar seus inimigos.

A procura por alimentos, por meios para se preservar das intempéries e para se
defender dos inimigos, o desejo incessante de melhorar fez do homem um peregrino,
um buscador, um caminhante fazendo o seu próprio caminho. As condições climáticas
adversas obrigaram-no a usar a pele dos animais para se proteger, a descobrir o fogo
para se aquecer. Dividiu tarefas na caça, no plantio, na guerra, no cuidado com os filhos,
enfim, foi contado com a ajuda de outras pessoas que o homem tornou a vida mais fácil.

5 Carta de OMS
Com a ajuda do outro, fabricou utensílios e objetos necessários à manutenção da vida.
Aperfeiçoando o trabalho das mãos, criou ferramentas e instrumentos próprios para o
trabalho, fabricando bens e conseguindo, através da troca, aquilo que não possuía,
iniciou o comércio e, mais tarde, muito mais tarde, criou a indústria. Em grupos, tornou-
se mais forte. Em grupos, foi procurando novos lugares para morar.

“Sem o indivíduo não há comunidade.

“Sem a comunidade, mesmo um indivíduo livre e seguro de si, não pode prosperar
ao longo do tempo.”

3-Como surgiram os índios

Outros grupos, porém, preferiram ir em direção do sol nascente. Estes se fixaram


na Américas há mais de dez mil anos antes de Cristo. Assim, surgiram as civilizações
Maia, na América Central, Asteca, no atual México, e as culturas Incas, Aimara e
Mapuche, ao longo da Cordilheira dos Andes, na América do Sul. Isto, sem falar das
culturas que surgiram ao longo do rio Amazonas e em outras áreas do continente Sul-
americano (Tupis –Guaranis, Gês, Caribes).

As marcas da presença dessas civilizações, altamente desenvolvidas em técnicas


agrícolas, matemática, astronomia e nas artes podem ser vistas, ainda hoje, em ruínas
muito antigas que mostram que não foram os espanhóis ou portugueses os
descobridores das Américas, como aprendemos na escola. As Américas já eram
povoadas por estas etnias, que já estavam aqui muito antes da chegada do colonizador
europeu.

No Brasil, as pinturas gravadas nas cavernas de São Raimundo Nonato, no Estado


do Piauí, provam a existência de grupos humanos na América do Sul, há mais de 30 mil
anos.

Na América do Sul, originários das planícies colombianas e venezuelanas, os


índios, que ainda hoje, sobrevivem no Brasil, são descendentes das nações Aruk e
Macro–Jê. Estes caminhantes chegaram ao lugar que um dia seria o Brasil, por duas vias
de acesso.

1-Águas do rio negro no atual Estado do amazonas- provavelmente navegando


pelas águas do rio Negro. Esta corrente migratória deu início aos povos Tupi. São da
grande nação Tupi os índios terenas – no Mato Grosso do sul; Perecis-no Mato Grosso;
Apurinãs – Acre e parte do Amazonas e Waipixonas – no Paraná.

2-Atravessando o Oceano Pacífico- penetrando nos cerrados e descampados do


Brasil, chegaram os índios Macro-Jê. São eles: o Timbira – no Maranhão; os Kaingang
– Sul do Brasil e o Cariri – no Nordeste.

A mescla entre Cariri, Potiguara e Tremembé, no Nordeste, formou a etnia dos


índios ta peba.

5 Carta de OMS
Os índios do tronco Macro-Jê trouxeram como hábito, alimentação básica do
milho e do feijão, hábitos que herdaram das nações ancestrais, andinas e mexicanas,
com as quais conviveram.

4- As raízes culturais do Brasil

Os naturais da terra à época do descobrimento

Quando o Brasil foi descoberto, em meados do século dezesseis, os portugueses


encontraram, aqui, centenas de nações indígenas, como os Tupinambá e Tupiniquim, na
faixa litorânea da Bahia; os Caeté e os Tabajara, no litoral de Pernambuco; os Potiguara,
no ceará do Rio Grande do Norte; os Tamoios, no Rio de Janeiro e São Vicente e os
Guaranis, mais no Sul. Estas etnias viviam da caça, do plantio da mandioca, milho,
inhame, banana e outras plantas. Dependendo da nação, viviam em pequenos grupos ou
mesmo em enormes aldeias, com mais de 1.500 habitantes. Não viviam isolados uns dos
outros, pois mantinham constante contato entre si para a troca de bens materiais e
culturais.

Cada uma destas nações já tinha sua cultura: língua, religião, mitos, rituais, sua
maneira de trabalhar, de viver e de ser. Enfim, uma identidade própria, da qual se
orgulhavam muito.

A estes habitantes naturais do Brasil, os descobridores portugueses, que pensavam


ter chegado às Índias, deram o nome de índios. No contato com tantos índios, com
tantas etnias de hábitos e maneiras de serem tão diversos entre si, os portugueses
precisaram aprender a língua para se comunicar. Duas eram as correntes lingüísticas
faladas pelos indígenas – a língua Tupi e a língua Tapuia. A compreensão da língua
Tapuia era tão difícil para os portugueses que eles a chamavam de “língua travam”.
Tapuia era a denominação genérica dada a todos os índios que não falavam a língua
Tupi eram muito numerosas, os recém- chegados – missionários religiosos, judeus
novos, aventureiros, exploradores e colonizadores – aprenderam a língua dos nativos e
com isso, muitas palavras de origem Tupi enriqueceram a língua portuguesa falada na
Europa surgindo, assim, sotaques e maneiras de falar. Mandioca, tapera, maloca tatu,
guaraná, jacaré, caatinga, tucano, cuia, guará, e muitas outras palavras e expressões da
língua Tupi, hoje, fazem parte do nosso dialeto. Mescladas de palavras do Tupi e do
Português, estas expressões deram origem a histórias muito interessantes sobre a vida
brasileira, ou deram nome a regiões, cidades e estados.

Embora o português seja a língua oficial do país, há pelo menos 200 outras línguas
que são faladas regularmente. Quando os europeus chegaram ao Brasil, existiam mais
de 1.300 línguas indígenas. Hoje, são pouco mais de 180. Apesar do violento processo
de destruição por que passaram, ainda há, hoje, grupos inteiros que só falam sua língua
materna – a indígena.

Os índios da nação Tupi eram grandes nadadores e pescadores. Dormiam em redes


e com troncos faziam jangadas. A jangada indígena era usada na pesca nos rios, e no

5 Carta de OMS
mar, antes mesmo da chegada do europeu. Com as naus portuguesas, aprenderam o uso
das velas que, acrescentadas à jangada indígena, deu origem às jangadas usadas até hoje
pelos pescadores nordestinos. Tal espécie de integração entre as culturas deu-se também
em vários outros contextos, o que foi muito útil para a humanidade.

Para os Xavantes, a água, símbolo da vida, era guardado como o mais precioso dos
tesouros. Dentro dela, realizam-se as lutas e a disputa de forças nas brincadeiras
infantis, preparando-se, assim, os meninos para os rituais de iniciação à adolescência.
Para eles, preservar os rios dentro de suas reservas é proteger a própria vida. Foram os
índios os pioneiros na preservação ambiental em nosso país.

Os índios Botocudos dormiam em estrados de madeira e usavam como coberta as


cascas macias das árvores.

Os Tucanos, da Amazônia, excelentes artesões na utilização de ossos de animais e


sementes coloridas, faziam belos colares e pulseiras. A este aproveitamento de objeto da
natureza hoje chamamos reciclagem. A riqueza dos usos e os costumes indígenas
resistem até hoje. Mesclados á nossa cultura está os hábitos do banho diário, cultivado
por todas as nações indígenas e que não fazia parte da cultura européia, a depilação das
sobrancelhas e dos pêlos do rosto e do corpo, bem como, o parto de cócoras, são
heranças da cultura indígena.

Inúmeros foram os traços e complexos de culturas deixados pelos indígenas e


incorporados à vida dos novos brasileiros, tais como: tipos de construção, hábitos
alimentares, técnicas agrícolas, a caça e a pesca, a tecelagem, o fabrico de cestas, de
canoas e de instrumentos musicais.

A convivência acontecia em comum, pois, a maioria dos índios habitava em casas


coletivas onde tudo era dividido.

O mutirão ou muxirão, como era chamado o trabalho coletivo, era a forma que os
índios utilizavam para construírem as casas, prepararem a terra, colherem, praticando
uma lição de solidariedade e de ajuda a terra, colherem, praticando uma lição de
solidariedade e de ajuda mútua. Havia a troca de experiências, serviços e curas, prática
que persiste até hoje nas comunidades.

Objetos como a rede de dormir e a de pescar; o alçapão, a arapuca, o badogue (na


caça aos passarinhos), o puçá, a linha, o anzol (feito de ossos ou espinha de peixe), o
arpão, o arco e a flecha são heranças da civilização indígena em nossa cultura.

O uso do milho e da mandioca na alimentação é, também, de origem indígena. Sua


forma de cultivar a terra consistia em derrubar a mata, para depois, fazer a coivara ou
queimada. Quando o solo enfraquecia, os índios escolhiam outra mata para derrubar,
fizer outra coivara e plantar, enquanto o antigo solo se recuperava. Repetindo as práticas
indígenas, tempos depois, os portugueses fizeram das queimadas uma prática aleatória,
que destrói a terra e mata os animais. Sem a visão ecológica e o respeito à natureza,
próprios da civilização indígena, os portugueses praticavam uma agricultura predatória,

5 Carta de OMS
na qual as matas são queimadas para se fazer carvão, lenha, muitas vezes, em terras que
são próprias para o plantio.

Com a domesticação dos animais e a prática da agricultura (plantação de


mandioca, milho, batata, feijão) nas proximidades das aldeias, os índios foram mudando
de costume, hábitos, crenças e até a sua organização social. Mesmo assim, sua história,
mitos e lendas mantiveram, por muito tempo, sua riqueza cultural. Periodicamente, em
geral no período de abundância, organizavam grandes festas, incluindo mitos religiosos,
muito semelhantes às grandes romarias de hoje, tais como as de Nossa Senhora
Aparecida (São Paulo), São Francisco de Canindé (Ceará) e muitas outras.

Os índios Aruaques, que usavam tangas de barro cozido, davam ao Sol e à Lua o
papel de orientadores ou chefes, deles recebendo ensinamentos, quando vinham à terra
em forma humana ou sob o aspecto de uma aranha. Já os índios Kaxinawás, no Acre,
contam que a aranha é a dona do algodão.

Antigamente, era a aranha quem tecia as roupas dos kaxinawás. Certo dia, uma
mulher reclamou da aranha pela demora em fazer as roupas encomendadas. A aranha
ficou aborrecida e resolveu, daquele dia em diante, não trabalhar mais para as mulheres.
Mesmo assim, ela ensinou à mulher Kaxinawás a fiar e tecer o algodão.

Se os elementos culturais que fazem do índio, um índio, do negro, um negro, do


branco, um branco, do amarelo, um amarelo, do pardo, pardo, do francês... Forem
destruídos, acontecerá o mesmo que aconteceria se destruíssemos a teia que sustenta a
aranha. Da mesma forma que a aranha precisa de sua teia para se alimentar, se
multiplicar e viver, os indivíduos precisam do apoio e suporte de sua cultura, precisam
se reconhecer nela precisa amá-la e defendê-la. Sem a teia que lhes dá suporte, eles não
têm como viver.

Veja o exemplo da aranha: sem teia, ela é como o índio sem a terra e sem sua
cultura. Um índio, sem sua terra e sua cultura, é como uma aranha sem sua teia. As
pessoas que perdem a sua cultura, que desconhecem suas raízes, não têm mais a rede
que dá valor e significado à vida para se apoiar. Pessoas sem uma família, sem uma
comunidade e quase sem identidade, pessoas tomadas pelas melancolias, pelo
desespero, pelo abandono, mais cedo ou mais tarde, podem vir a adoecer.

Dito isso, vale ressaltar a capacidade resilience de muitas culturas, como brasileira,
de reconstruir novas teias sincréticas, complexas que têm permitido a convivência dos
contrários.

5-A chegada dos colonizadores portugueses ao Brasil índio

A chegada dos colonizadores foi desastrosa para os índios.

O primeiro equívoco foi o de julgarem que, havendo chegado às índias, o povo que
nela habitava era índio. O segundo, que durou um longo tempo, foi que, tendo os

5 Carta de OMS
colonizadores vindos até aqui para encontrar ouro e outras riquezas, levaram tudo o que
encontraram de valor para Portugal.

O processo de dominação portuguesa seguiu o modelo de exploração, que exauria


nossa terra, não só no campo das riquezas minerais e florestais, mas também no campo
da espiritualidade e da cultura. Os colonizadores sabiam que a destruição dos elementos
culturais indígenas enfraqueceria a resistência delas contra a dominação. Através da
escravidão e dos aldeamentos, às populações indígenas foram sendo deslocadas de seus
domínios. Escravidão, maus tratos e doenças ajudaram a destruir milhares de índios.
Aos poucos, os próprios índios, privados de sua cultura, foram internalizando os valores
da cultura branca e passaram a considerar que tudo aquilo que possuíam em termos de
cultura, conhecimento e costume era feio e não prestava. A vergonha tomou o lugar do
orgulho.

Abalados espiritualmente, foi fácil o abate físico. Muitos índios e nações foram
mortos, mas muitos, até os dias atuais, chamam por justiça e pelo resgate de sua cultura.
Em nossa vida cotidiana, ainda que não estejamos conscientes disso, estão muitas das
sementes de sua cultura. Esta herança indígena, guardada no campo do inconsciente, na
forma de sementes guardadas em hábitos e costumes que praticamos até hoje, ainda
podem brotar, e quem sabe, um dia, ser novamente uma poderosa nação.

6- A mescla de raças e culturas após o descobrimento

Em sua busca incessante, outro caminhante – o homem europeu, de pele clara –


saíra abrindo novos caminhos pelo mundo. Milênios depois da chegada dos povos
Aruak e Macro-Jê povos dos quais se originaram nossos índios, em abril de 1500, os
portugueses chegaram ao Brasil atravessando o Atlântico em suas grandes naus.
Originário da Europa, mais uma vez, o homem enfrentou os vastos oceanos em sua
peregrinação, e, atravessando o imenso e perigoso caminho das águas, veio continuar
sua busca por uma vida melhor na América.

Nessa época, as comunidades européias estavam estruturadas em três camadas


sociais: os nobres, os religiosos e os trabalhadores. Os nobres tinham como assumida a
de governar e dirigir o destino do povo, mantendo o sistema vigente; não trabalhavam,
nem proviam seu próprio sustento. O clero era composto pelos religiosos que tinham
como função salvar as almas e convencer os pobres de que a felicidade não é deste
mundo, e que a pobreza na terra significava riqueza no reino dos céus. Os religiosos
recebiam dos nobres esmolas para aliviar a miséria do povo. Assim, começou
assistência social aos mais necessitados. Os trabalhadores, que formavam a classe pobre
e dominada, faziam todo o trabalho e produziam os bens de consumo.

Para reforçar o conformismo do povo, as imagens dos santos eram ornamentadas


com ouro e pedras preciosas, a fim de que todos os suplicantes ficassem convencidos de
que, sofrendo calados aqui na terra, teriam as recompensas eternas no céu. Como o
consumo e as exigências dos nobres europeus eram muitos, os bens e as riquezas
exauriam-se rapidamente e, era necessário encontrar novas fontes fornecedoras fora da

5 Carta de OMS
Europa. Foi com este espírito de exploração das riquezas que os portugueses chegaram
ao Brasil.

_ A vinda dos jesuítas e sua proposta de catequese nas novas terras, cria uma força
centralizada que reúnem, num só espaço, indígenas de tradições e culturas diferentes.
Todo o modo de ser e de viver do índio é, abruptamente, substituído por uma nova
realidade que, misturando códigos culturais, impõe o código do colonizador. A cultura
do europeu, diante do índio ou gentio desenvolve-se sem sofrer grandes rupturas. E é o
seu modelo, a sua forma de viver e de enxergar o mundo que prevalece sobre a dos
naturais habitantes da terra Brasil is. Esta dominação cultural do branco carrega a
intensidade de uma mensagem, cujo significado é: “minha é a verdade, porque sou
branco, europeu...”

A chegada dos portugueses inicia, porém, uma inevitável troca de culturas entre os
nativos e os europeus. Se, por um lado, o choque de civilizações provocou estragos de
ambos os lados, por outro, propiciou o nascimento de uma nova raça, a dos morenos
mais ou menos claros permitindo a co-habitação de velhos e novos valores.

Quando os portugueses chegaram ao Brasil, a princípio, fixaram-se nas areias da


praia, onde a colonização aconteceu.

Desde o desembarque, no litoral da Bahia, os brancos assustaram-se ao ver os


índios, pois estes andavam nus e não possuíam pêlos. Já os índios ficaram intrigados
diante daquela tribo tão estranha, recoberta por panos multicoloridos, utilizando
adereços chamativos, e quase não podiam suportar o cheiro ruim que vinha deles, pois
não tomavam banho, e seus braços e pernas cheios de pêlos assemelhavam-se aos dos
macacos. Cuidadosos com o corpo, os índios depilavam-se, banhavam-se nos rios todos
os dias, enfeitavam e perfumavam o corpo com essências tiradas da natureza e não
sentiam vergonha do próprio corpo. Já os portugueses, para quem olhar o próprio corpo
sem roupas era pecado, não gostavam de banho tanto assim.

Preocupados com a salvação das almas pecaminosas, os portugueses cobriam os


índios com roupas, ergueram uma cruz rezaram uma missa. Preocupados com a
salvação do corpo, os índios ensinaram aos brancos o prazer dos banhos de rios e a
higiene diária. Entretanto na mata, mostrando caminho para o interior, ensinaram o
invasor a sobreviver.

“Estou pela trilha que leva à aldeia, carregando a cesta nas costas. Os galhos dos
arbustos acariciam levemente meu corpo nu sem deixar sinal na pele. Os brancos são
fracos e tontos. Cada vez que passam pelos arbustos, saem com riscos e sangue na pele,
porque não querem ceder às pontas dos galhos. Não se desviam dos espinhos, parecem
que nem os percebem. Eles não vêem a parte do corpo na qual o galho toca. Forçam
seus movimentos como se estivessem no limpo e, com isso, os espinhos saem vencendo.
Caminho na mata com prazer e vou percebendo as semelhanças das partes de meu corpo
com as plantas. Passo pelo bambuzal e me lembro da história contada pela minha avó de
que a alma de um menino de nossa aldeia se transformou num sopro de música e foi

5 Carta de OMS
morar numa flauta de bambu. Cada vez que esta flauta toca, o menino sai de dentro
dela, livre e feliz, voando por toda parte. Quando a música pára, ele vem descansar
dentro dela. Estou cansada de carregar este cesto cheio de frutos que vim colher no
mato, mas logo, ali adiante, vou descansar o corpo e banhar-me. Atravesso o mato alto e
chego ao riacho. Entro na água e nado um pouco. Nós, índios, nadamos de forma
natural, como os animais costumam nadar. Saindo da água, esfrego meu corpo inteiro
com folhas verdes dos arbustos que crescem à beira do riacho, ponho o cesto nas costas
e vou caminhando na direção da aldeia. Perto, esfrego um pouco de fuligem de carvão
no nariz, na face e perto das orelhas. Vou passar no meio da aldeia e não quero que os
outros digam que não cuido de minha aparência”.

Este relato do cotidiano de uma índia nos dá uma idéia da visão dos índios sobre o
homem branco.

7-Os Brancos

Vindos de uma cultura na qual a nobreza, cada vez mais, precisava de ouro para se
manter no poder absoluto, os recém-chegados, cuja coragem e bravura tinham sido
suficientes para levá-los a atravessar um oceano inteiro, ávidos por riquezas e poder,
sentiam-se fracos, diante dos obstáculos naturais de um país primitivo, exuberante e
desafiador. Depois de passada a euforia da descoberta, quando os barcos que chegavam
do Brasil não levaram nem o ouro, nem a prata tão cobiçada, mas, somente comidas
desconhecidas e frutos exóticos, além de papagaios e outros e outros animais curiosos, a
metrópole perdeu o interesse pela nova terra. Assim foi que, depois de descoberto, o
Brasil foi, por muito tempo, abandonado a cupidez dos aventureiros, que vinham atrás
da tinta do pau-brasil, e aos cristãos novos – judeus convertidos, à força, ao catolicismo
pela inquisição – que vinham trocar miçangas e fazendas coloridas. Não demorou muito
para que o modelo social europeu começasse a se repetir na nova terra, com a seguinte
diferença: nobre aqui era qualquer europeu que chegasse, enquanto a classe trabalhadora
era composta pelas tribos indígenas. Livres e altaneiros, os índios não aceitaram o
trabalho imposto pelo novo dono da terra. Daí, à escravidão do indígena, foi um pulo.

O clero, constituído de missionários cheios de ardor pela purificação das almas,


tinha agora, um novo desafio: o de moralizar e salvar os selvagens habitantes do Brasil.
Neste primeiro período, que se pode chamar de pré-história do Brasil, os portugueses
ouviam, mas não conseguiam compreender muito bem a fala do gentio. Era possível
distinguir as palavras, reconhecer os sons, freqüentemente repetidos, mas, a grande
dificuldade era compreender-lhes o significado. Pessoas atentas e dispostas a observar
outras formas de comunicação, que não apenas a verbal. Gestos que apontavam coisas,
palavras repetidas, trocadas, movimentos, mímicas, tudo foi útil à compreensão entre o
índio e o branco, nesta primeira fase de troca de culturas. Assim, foi possível
estabelecer uma relação entre sons e significados. Desta forma, a riqueza do vocabulário
Tupi começou a mesclar-se com a língua portuguesa, criando um português ultramar, só
falado no Brasil.

5 Carta de OMS
Abandonado pela metrópole, o Brasil passou a ser motivado de cobiça por outras
nações européias, como por exemplo, a Holanda e a França. Para não perder o direito
sobre a terra descoberta, a corte passou a oferecer vastas extensões de terra a fidalgos
portugueses, que se tornariam seus verdadeiros donos, com a condição de que a
cultivassem e fizessem benfeitorias, com mão-de-obra local. É o período de
colonização, durante a qual, começam as caçadas aos índios, para que, trabalhando
como escravos, eles garantissem a posse da terra – que era deles – para o invasor.
Passando de invasor a subjugador, o europeu obrigava o índio a fazer um trabalho de
exploração extrativa que roubava da terra sua força, suas riquezas.

8-Os índios

Usos e costumes indígenas fazem parte do cotidiano de nossas vidas, e, muitas


vezes, não temos consciência disso. Muitos alimentos que, hoje, estão presentes nas
mesas européias, tiveram nas culturas indígenas e foram levadas, pela primeira vez, à
Europa, no retorno das naus portuguesas ao velho continente. O milho, a batata, o
cacau, o tomate, a pimenta, a abóbora, o abacate, o amendoim, a goiaba e o abacaxi são
alguns desses alimentos.

Desde o desembarque das primeiras naus portuguesas, a cultura indígena não foi
mais a mesma. Espantados, os índios viram sair, do enorme barco dos brancos, animais
ainda desconhecidos, como o boi, a vaca, o porco, a galinha. Intrigados com a
proximidade dos brancos, os índios que, a princípio, eram caçadores e nômades, pouco
a pouco, foram desenvolvendo habilidades na agricultura e se tornando sedentários. De
caçadores, passaram a ser agricultares. Fixando-se nos lugares, formaram grupamentos
e aldeias. Na falta de mulheres, o europeu, de cabelos claros, pele branca e nariz afilado,
mesclaram-se com as índias. Dessa mistura nasceu o mulato.

Na organização social indígena, entretanto, todos eram igualmente respeitados,


destacando-se, apenas, as duas figuras mais importantes: o cacique e o pajé. O cacique
era o chefe supremo da organização social indígena. O pajé, chefe religioso, era a um só
tempo, a aquele que curava e o feiticeiro que expulsava os males.

A vida indígena era cheia de beleza, alegria, liberdade e festividade. Com os


índios, os colonizadores aprenderam a dançar e a se divertir de outras maneiras que não
os cerimoniosos bailes da pátria distante. Os índios eram pessoas alegres. Gostavam de
prosar, de brincar para reanimar as pessoas,, para acabar com o cansaço das lidas do dia.
Instrumentos como a flauta de taquara e os berrantes, feitos de casca de tatu, davam um
toque especial a estes momentos. O fabrico das flautas de bambu e sua influência na
música podem ser sentidos nos tempos de hoje, como na famosa Banda de pífaros da
cidade de Caruaru, em Pernambuco. No nordeste, os brancos viram os índios Cariri,
descendentes do tronco Jê, dançando o forrobodó, ou forró, dança muito popular, até os
dias de hoje, no Norte e Nordeste do país.

No Sul, ensinados pelos jesuítas, foram os índios guaranis, os primeiros fabricantes


de tecido. Com os jesuítas, aprenderam a usar o tear manual e, fiando a lã dos carneiros,

5 Carta de OMS
teceram cobertores e mantas e criaram o pala, com o qual se protegiam do frio. O pala,
ainda hoje, é usado pelos gaúchos, habitantes do rio Grande do Sul, durante o inverno.
Ainda assim, muitas verdades do gentio foram assimiladas pelos estrangeiros que aqui
chegaram para conquistar a nova terra. As mudanças de hábito – de uma vida itinerante
para uma vida sedentária – produziram mudanças nos costumes, hábitos, crenças
religiosas e na organização social indígena. Festas da colheita, misturadas às tradições
do catolicismo, ensinadas pelos jesuítas que vieram salvar a alma do gentio, mesclaram-
se e surgiram as festas e procissões católicas.

Os índios nos ensinaram sábias lições sobre direitos e deveres de cada indivíduo.
Na tribo, o respeito à velhice, o cuidado com os jovens e as crianças, a preservação da
natureza eram normas importantes. Considerava a terra a mãe que alimenta os filhos e,
por isto, não a destruía, nem a poluíam. Antes da chegada dos brancos, viviam em
comunidades nas quais o trabalho era dividido.

Os homens encarregavam-se do feitio das casas, das canoas e das armas; caçavam,
pescavam e faziam queimadas para as roças. O que eles produziam era dividido entre
todos. As mulheres cozinhavam, plantavam e colhiam. Elas domesticavam pequenos
animais selvagens, e, se preciso fosse, os amamentava no próprio seio, junto ao filho
recém-nascido. Faziam as panelas, vasos, cestos, redes e esteiras de que a tribo
precisava.

Os portugueses e espanhóis aprenderam o uso do chimarrão com os Guaranis,


índios do sul; com os do Norte, o uso do guaraná, bebida energética e estimulante.
Foram também através da cultura indígena que os brancos aprenderam a doma r os
cavalos selvagens, nos pampas gaúchos; a reunir, pastorear e conduzir o gado, ou seja, a
aboiar. Quando dorme em esteiras, se deita na rede, carrega os frutos da colheita em
cestos de palha, planta a mandioca, joga uma rede de pesca no rio ou no mar, o homem
de hoje está repetindo os velhos hábitos dos índios.

Os índios sempre souberam valorizar e aproveitar os recursos que estavam o seu


alcance. Com a folha do buriti e da carnaúba (espécies de palmeira), produziam cobertas
para suas casas, redes, cestos e cordões para os seus colares. Nas sociedades indígenas,
a arte é um elemento que perpassa todas as esferas. O artesão índio é, sobretudo, um
artista; grande é a sua capacidade de aproveitar os recursos oferecidos pela natureza,
como a folha das palmeiras do buriti e da carnaúba, com as quais produz cestos e
cordões para colares.

O maracá, espécie de chocalho feito de cabeça, sementes e penas e utilizado como


instrumento musical sagrado, nas cerimônias religiosas, é uma das muitas peças de um
artesanato indígena rico e criativo.

Como as nações Tupis eram numerosas, os missionários e portugueses aprenderam


logo a sua língua para facilitar os contatos e a doutrinação que planejavam exercer. Este
fato que inicia a mescla cultural entre esses dois povos continuou a se desenvolver ao
longo dos séculos.

5 Carta de OMS
Para refrescar-se do calor intenso, os povoadores aprenderam o costume dos índios
de uma região próxima a Dourados. Eles costumavam descansar do sol quente embaixo
do caarapó ou do pé de erva-mate. Caarapó é, hoje, o nome de uma pequena cidade no
mato Grosso do Sul. No contexto da vida destes índios, por causa do calor, o chimarrão
é bebido frio.

A capital do mato Grosso do Sul, Cuiabá, deve seu nome, segundo dizem, a
antigos rituais indígenas da região, durante os quais a cuia, onde se bebia o líquido
místico, era um objeto precioso e sagrado. Os índios estavam mudando seu
acampamento e confiaram a um jovem guerreiro a guarda e o transporte da cuia
sagrada. Ao atravessar as águas caudalosas de um rio, o índio deixou cair a cuia e, tão
logo chegou à outra margem, pôs-se a gritar desesperado: “a cuia bá, a cuia bá...”
Segundo a tradição oral, deve-se a este fato o nome dado àquele rio,e, mais tarde, à
cidade de Cuiabá erguida junto ao rio. Outros nomes próprios de cidades, locais ou
pessoas, são também de origem indígena, como: Beberibe-rio que sobe e desce;
Jericoacoara – rio das borboletas...

No oeste do estado do Paraná, duas cidades devem seus nomes a belas histórias
indígenas; uma delas leva o nome do cacique Condoí. Eles preferiram a morte, à
submissão.

Próximo a Condoí, a cidade de Guarapuava reverencia o cacique Guaiaca, bravo


índio caingangue que, durante sua juventude, enquanto caçava, encontrou um filhote de
lobo abandonado e o criou como se fosse um cãozinho. Afeiçoado a seu dono, o filhote
de lobo ou guará, na língua Tupi, passou a ser seu guardião, atacando até a morte,
qualquer inimigo que se aproximasse de Guaiaca. Enquanto o lobo viveu, dizem que o
índio nunca precisou usar suas flechas em combate com o inimigo, pois o lobo bravo, o
guará, era sua força, seu escudo e proteção. Guaiaca uniu doze caciques e cerca de
100.000índios guaranis e caingangues, em uma luta contra os espanhóis escraviza dores,
depois da destruição da aldeia de Guairá (Guaiaca). Nesta luta, que duraram três anos,
os índios destruíram todos os espanhóis que ousaram invadir a região.

A herança cultural deixada pelos índios foi a adoção do nome de Guarapuava, para
o pequeno povoado, planejado pelos arquitetos de D. João VI, e que foi erigido pelos
portugueses, tempos depois.

No início, nossos índios eram caçadores e nômades. Pouco a pouco, eles foram
desenvolvendo a agricultura e foram ficando sedentários, fixando-se, formando aldeias.

Agricultores de mão cheia cultivavam a mandioca – desconhecida dos portugueses


– a batata-doce, a pimenta e outros vegetais (legumes). Entre eles, os idosos eram muito
respeitados e valorizados. Os velhos eram os educadores dos mais novos e aprendiam
todo o seu saber, através da convivência e de longas conversa. Até a chegada da morte,
os velhos da tribo tinham seu valor e o seu lugar assegurado na sociedade indígena.

9-A herança indígenas: lendas, mitos e ritos indígenas

5 Carta de OMS
Assim como os brancos, os índios possuem a sua própria religião, tem seus mitos
de criação do mundo e da humanidade, o seu Gênese. O dilúvio era a explicação para as
diferenças físicas entre os índios do Paraná.

“Um dia começou a chover. E choveu, choveu por muitas luas... Gente de todos os
lados, amigos e inimigos, fugindo das águas foram andando e só parou nos altos do
Morumbi. Na escuridão, na tormenta, todos eram iguais, lutando para sobreviver.
Kaingamgues e Canés, Curutons e não mais guerreavam entre si.

“Um dia, o sol se pôs a brilhar, as águas começaram a baixar, e cada, nação foi
para o seu lado. Kaingangues escravizaram os Curutons e foram embora com eles pela
mata. Alguns poucos Curutons que escaparão da escravidão, para não serem apanhados,
passaram a andar por sobre as árvores e acabaram se transformando em grandes e feios,
os bugios, que gritam feito os homens. Os Caiurucrês voltaram para a sua terra, que não
era muito longe, acompanhando a trilha d um pequeno e sinuoso rio, em terra plana e
sem pedras, e, por isso, ficaram com os pés pequenos. Mas os Canés, como tiveram que
enfrentar uma longa caminhada por sobre um terreno difícil e pedregoso, incharam os
pés, que ficaram grandes para sempre.”

Mito Caingangue sobre o dilúvio – Colhido no Estado do Paraná pelo historiador


Romário Martins.

Em muitos mitos, existem narrativas muito semelhantes às narrativas cristãs, tais


como: o dilúvio, a criação do primeiro homem e da primeira mulher, o pecado original...

Em suas crenças, o espírito está na essência de todas as coisas: nas plantas, na


água, no fogo, nos animais. Acreditam na vida após a morte e nos espíritos que habitam
a floresta, para proteger a todos, e para evitar que nunca ocorra o desequilíbrio entre os
seres humanos, a natureza e o mundo espiritual.

As histórias e as lendas, contadas ao redor da fogueira, alimentavam a escola da


vida, onde os conhecimentos eram passados de maneira simples e espontânea. Para
ensinar as crianças o cuidado com as coisas sagradas, como a terra, a água, o fogo, o ar
e sobre a preservação da natureza inventaram muitas lendas.

A passagem da vida nômade para um lugar fixo, em função da agricultura, foi


reverenciada com histórias ricas em misticismo e fé, como esta, ouvida de índios da
região Centro-Oeste.

“Um menino foi a o mato com o pai e não quis mais voltar. Por um pouco de
tempo, o pai o deixou só, dentro do mato. Quando voltou, não encontrou mais seu filho,
pois este tinha rebentado seu corpo em pedaços. Com esses pedaços, formou muitas
plantas. De suas mãos, fez a folha da mandioca, que parecem dedos. De seus dentes, fez
os grãos de milho. De suas unhas, as brancas sementes grandes, brancas e redondas das
favas, que têm uma mancha preta no meio – as pupilas do menino. O sulco de sangue
formou o sulco vermelho do urucum. A alma do menino foi morar dentro das flautas

5 Carta de OMS
sagradas de bambu, de onde sai, cada vez que os homens tocam a música sagrada, na
cabana das flautas.

9.1- A criança indígena

Meninos e meninas indígenas adoravam a dança e a música. Os meninos lutavam,


medindo forças e caçavam passarinhos com seus arcos de brinquedo. As meninas
brincavam com panelinhas de barro e faziam bonecas de espigas de milho ou pedaços
de mandioca enfeitados com cabelos de milho, contas e penas.

A criança indígena era, e ainda é, muito valorizada. Para conversar com ela, o
índio abaixava-se, procurando ficar na exata altura da criança, olhando direto em seus
olhos.

A sabedoria indígena compreendia que as crianças representavam seu maior


tesouro, pois garantiram a continuação de sua tribo. Assim, escolhiam as melhores e
mais sábias pessoas da aldeia para a preciosa função de passar os conhecimentos maios
importantes da tribo, através de histórias contadas em ocasiões especiais. Na visão
indígena, as crianças são seus maiores tesouros. Por isto, são filhas de todos os adultos
da aldeia, circulando, livremente e com segurança, por entre os adultos que cuidam
delas e as protegem com o mesmo carinho como se fossem seus próprios filhos. Quando
alguma desgraça acontece à criança indígena, o abalo atinge a todos os membros da
tribo.

Na aldeia, a tarefa de educar é responsabilidade de toda a família, os meninos


aprendem com o pai os serviços dos homens, e as aprendem com a mãe o serviço das
mulheres. O modo de ensinar é fazer junto, assim, tudo pode ser ensinado, passo a
passo, sem pressa. Uma avó conta histórias, um tio ensina a pescar, uma tia desvenda os
segredos da arte do cozinhar. O artesão permite que a criança toque na palha, trance o
cipó, mexa a tinta. Na educação indígena, as crianças aprendem a fazer, fazendo.

As brincadeiras das crianças são imitações da vida dos adultos. Em suas


brincadeiras infantis, é difícil separar o prazer de brincar, com o trabalhar. Iniciando-se
nas brincadeiras de caça, de pesca, nas divertidas lutas, fazendo arco e flecha,
preparando caniços e arpões, está se preparando para a própria vida. Por isto, quando foi
levar seu filho, Dabê para o primeiro dia de aula, na escola da aldeia, a mãe, Panzerepê,
índia da tribo de Zoró, encheu a professora de perguntas sem respostas:

“A escola de vocês ensina a cantar? Ensina a criança a servir-se dos pés e das
mãos? Ensina a escolher uma comida sadia, a cuidar de um bebê, de uma criança
doente? Ensina a salvar alguém picado de cobra, de aranha? Ensina a ser um índio
verdadeiro? Escrever é bom? Para que ler?”

Vivendo com seus ancestrais, há milênios, uma índia, pertencente a uma tribo
situada entre Mato Grosso e Rondônia, recebeu uma educação passada, exclusivamente,
por meio da fala e do corpo, educação mantida e transmitida como fecunda, notável e
rica herança cultural, geração após geração.

5 Carta de OMS
Para nós, habitantes da cidade, qual o interesse em cantar se podem comprar discos
de cantores profissionais, que cantam por nós e bem melhor do que nós?

Para que educar nossos filhos, ensiná-los a cuidar da própria alimentação, se


podem comprar tudo pronto, pagar uma educadora, ir ao médico e à farmácia para
corrigir os erros de uma má alimentação? Na maioria das sociedades tribais, e nenhuma
delas é igual à outra, há uma visão mais unitária do mundo. A vida é captada é uma
tarefa coletiva. Todas as pessoas da aldeia estão comprometidas com tarefa de educar
seus descendentes, herdeiros do seu saber e das riquezas de sua cultura. Brincando de
arco e flecha, a criança aprende a caçar, a pescar, lutando na água, prepara-se para os
rituais de iniciação da puberdade, pintando abóboras e pedaços de pau, vai treinando as
artes sagradas da pintura.

“O canto, meu canto, o canto de todos é uma das coisas mais fortes do mundo...
Sem ele, não poderemos curar os doentes. Canto tem força. O canto pode curar qualquer
doença. Sem o canto e a dança, nem seríamos povo. O grupo ia se dispersar.

No mato, tem aquela sensação de irmandade que a música nos dá. Não duvido do
poder do canto. Nunca canto ou falo sem motivo. Eu não posso negar o que vou contar,
porque vi com meus próprios olhos.

Um velho, de outro grupo, estava viajando a dois dias quando foi mordido por uma
cascavel, um pouco antes de chegar aqui. O velho ficou cego por três luas. Cantamos
tanto que ele sarou. “Acho que a planta que esfregamos na ferida também ajudou, mas o
canto tem mais poder do que qualquer remédio.”

(Witisu, índia da Serra Azul)

A maneira indígena de educar não deixa nada a desejar às pedagogias européias


mais modernas, hoje em dia. O grande educador francês Celestin Freinet (1998), que é
seguido por educadores do mundo todo, define, em uma só frase: “A vida se prepara
pela vida”. É, exatamente assim, que os índios brasileiros educam seus filhos. Tudo o
que a moderna teoria construtivista utiliza como forma de educar pode ser observada de
maneira natural, na educação da criança indígena é um patrimônio cultural a ser
resgatado, pois, a sabedoria indígena nos revela o valor do relacionamento baseado na
horizontalidade, em contraste com a pedagogia da verticalidade européia que domina
nosso universo educativo.

Os mesmos conceitos sobre a cura, dados pela índia Witisu, são, hoje, confirmados
por estudos da etno-medicina. Recentes pesquisas nesta área comprovaram que a dança,
o som, a cor, a música, a forma, a mímica, a representação dos dramas individuais e
coletivos da cultura indígena foram efetivamente aplicados como medicamento, de
maneira eficaz, durante milênios, em todas as culturas.

5 Carta de OMS
Entre os índios da tribo de Witisu, os rituais curativos, envolvendo cânticos e
danças, são uma forma de medicina que passa de pai para filho.

Os índios tratam das doenças de indivíduos e grupos de diversas formas. Eles o


fazem através de danças, cantos ervam medicinais e representações ritualísticas. Sempre
deram muito valor aos sonhos e às profecias. Para eles, os sonhos oferecem
possibilidades para se encontrar o bom caminho, não só do seu mundo interior, mas,
também, do exterior, da Natureza. Segundo a cultura indígena, os sonhos ajudam-nos a
entender o futuro e nos dão inestimáveis conselhos, dos quais, muitas vezes, depende
nossa vida. Entre os índios, o pajé é muito respeitado. Ele conhece os segredos das
ervas medicinais e os rituais de cura que têm merecido o reconhecimento e o respeito de
outras culturas.

Os índios tinham muitas crenças. Acreditavam na vida após a morte e nos espíritos
da floresta que protegiam a todos, zelando pelo equilíbrio entre o homem, a natureza e
os espíritos que nela habitavam.

Graças a rituais nos quais celebravam a vida, os Xavantes ensinam, de forma


dramática, entre cantos e danças, a luta entre o bem e o mal. Neste ritual sempre se do
ganho aos espíritos bons, enterrando-se os maus espíritos. Com este ritual, chamando
Way‟a, fazem renascer a esperança e reforçam a idéia de que a nação Xavante será
sempre forte e vitoriosa contra o mal.

Os Kaiapó têm como costume usar uma rodela de madeira fixada no lábio interior
e nas orelhas. Isto serve para destacar as partes do corpo mais importantes na resolução
de conflitos, na tomada das decisões vitais para a tribo. A boca é assim marcada, para
que se possa bem falar, e os ouvidos para escutar melhor. Esta é a maneira Kaiapó de
alertar para o valor do diálogo e da escuta na vida de um homem e de seu grupo social.
Estes adereços corporais, de grande significado entre eles, são usados em momentos
cruciais, de forma oficial e pomposa, para a resolução de conflitos sérios e em momento
de extrema gravidade. Como muitos outros índios, os Kaiapó usam as pinturas coloridas
como instrumento de comunicação, de forma não verbal, mas visual, que pode dizer
muitas coisas a um simples olhar. Cada cor tem um significado, seja para demonstrar
sentimentos, como alegria, a tristeza, a dor, o desespero, a raiva, ou, até mesmo, para
indicar sua posição social, sua situação familiar, se é casado, solteiro, jovem ou
guerreiro.

O pajé, a quem eram confiadas as artes da cura, tem um papel central em três
domínios: na saúde do corpo, como uma espécie de médico, prescrevia remédios e
mezinhas. Nos conflitos interpessoais, na resolução de conflitos, como uma espécie de
sacerdote, conduzindo rituais religiosos e nos distúrbios espirituais.

Para os índios, a saúde não era separada do social e do religioso. Toda tentativa de
separar estas dimensões esvazia os esforços feitos na direção da saúde dos indivíduos.

5 Carta de OMS
As populações indígenas vivem uma forte espiritualidade. O pajé ou xamã é uma
pessoa muita respeitada. Ele é o elo entre o mundo dos homens e o mundo espiritual.
Por este motivo, ele conhece os rituais de cura, os segredos das ervas medicinais e
possui o conhecimento da cultura e das histórias de seu povo. Tais conhecimentos e
seus rituais têm um profundo significado diante das ameaças e perigos, e, sobretudo,
quando a harmonia e a integridade do grupo encontram-se em questão. Nestes
momentos de solenidade, nos quais todos os membros da tribo se unem, acontecem os
rituais.

9.2-Os rituais indígenas

As curas indígenas, individuais e grupais, acontecem em rituais que se constituem,


sobretudo, em rituais de agregação. Um ritual é como uma peça teatral, uma
representação de impulsos carregada de afetos, sentimentos, visões do inconsciente e
fantasias. O ritual indígena nada fica a dever às clássicas representações teatrais gregas.

Um ritual pode conter toda a energia espiritual, mítica individual ou grupal, a ser
representado como em um teatro. Isso acontece, também, no ritual indígena como
acontece em muitas outras sociedades tradicionais. Nestas sociedades, a vida de um
indivíduo era representada em público e assistida por muitos espectadores, como no
Theatron dos gregos. Nas peças gregas, a catarse vivida pelo ator era repetida, de modo
idêntico, pelos espectadores na platéia de forma coletiva. As pessoas dramáticas ali
representadas tinham como função terapêutica, a de espelho da alma, de reflexo da vida
de homens e mulheres que, embora assistindo ao drama do outro, viam, nele, a
manifestação pública de sua própria luta contra seus próprios destinos. Entre os índios
brasileiros esta representação coletiva do sofrimento individual não é diferente.

Rituais de cura, na tribo dos índios do sul do Pará, podem nos dar uma dimensão
mais clara dos conceitos indígenas, e de como são tratadas as doenças de fundo mental.
Se a santidade de um de seus integrantes for ameaçada, a tribo toda se sente atingida.
Vendo seu sofrimento, os membros da tribo param todas as suas atividades e, enquanto
durar o combate do homem contra os inimigos invisíveis, rituais mágicos, ricos em
canto, danças e orações, nos quais todos estão envolvidos, devidamente pintados, serão
feitos em benefício do guerreiro em crise que luta enfrentando as forças contidas do
próprio inconsciente, nos embates entre o bem e o mal, dentro de si mesmo, e que
precisa enfrentar. Vendo-se subjugado por convulsões internas, desordem mental,
visões e delírios, o guerreiro Xicrim vai retirar de uma palmeira já consagrada para usos
sagrados às palhas com as quais tecerá um artefato qualquer. Traçando a palha,
enfrentará cada um de seus medos, tentações e visões, com firmeza, repelindo, com
todas as suas forças, as sugestões destas visões, infernais para fazer o mal. A cada
vitória, a cada etapa vencida, mais um pedaço do artesanato é tecido. Quando as forças
do mal são, finalmente, vencidas, o índio ostenta, vencedor, uma cesta, esteira ou rede
que conseguiu tecer, durante o combate, como se fosse um troféu. Enquanto durou o
embate, o canto, a dança, as preces não pararam. Agora, entre gritos de júbilo e abraços,
o índio é festejado como herói. Começa, então, uma grande festa na qual o protagonista

5 Carta de OMS
principal é o mais novo herói da tribo. Chamado daqui para ali, ele vai contar minúcias
de seu combate a uma platéia atenta, que o ouve e admira. Deste dia em diante, até o
fim de seus dias, contará sua história para as novas gerações da aldeia. Após a morte,
seu nome, seus grandes feitos serão perpetuados entre os de sua raça e transmitidos, pela
tradição oral, às novas gerações.

9.3 A arte indígena

A arte é o elo que fortalece o senso de grupo e a solidariedade na tribo Xicrim. Ao


longo de toda uma vida, as mulheres Xicrins vão se aperfeiçoando na arte e na técnica
de pintar o corpo, uma atividade de grande interesse e importância na sociedade em que
vivem. Crianças pequenas pintam abóboras e bonecas de plástico que são levadas para a
aldeia. Quando atingem os dez ou doze anos, suas mães permitem que pintem seus
irmãos menores. Assim , quando, uma moça tem o seu primeiro filho, ela já sabe se
pintar. Em sua casa, longe do olhar crítico das mulheres mais velhas, ela embala seu
bebê ao som de cantigas de seu povo e de pinceladas de tinta. É pintando o filho e
observando as mulheres mais velhas pintando outras mulheres da mesma categoria de
idade que uma Xicrim vai se aperfeiçoando no domínio da técnica de pintar. Isso exige
muito tempo e prática. É preciso adquirir segurança no uso do pincel e aprender noções
de proporção. Pintando regularmente seus filhos, as mulheres vão treinando a mão e
aprendendo que, para os Xicrins, gastar horas pintando o filho é uma demonstração de
carinho e interesse.

Na casa da mulher do chefe, as mulheres conversam. O momento da pintura é


sempre de descontração, prazer, divertimento e, também, de fofocas, quando se colocam
os assuntos em dia. Elas discutem vários desenhos possíveis, e, então, decidem sobre o
motivo da pintura que farão. A pintura é igual para todas e o desenho é o mesmo no
rosto e corpo.

Em uma pequena cuia de cabaça está a tinta preparada por algumas mulheres, com
a mistura de jenipapo mascado, carvão e um pouco de água. O corpo todo é coberto com
tinta passada com a mão e, em seguida, passa-se um pente para formar as listas. A
pintura seca com a ajuda de um abano de palha. Terminada a sessão de pintura, as
mulheres voltam para suas casas, enquanto os jovens trazem folhas de buriti, bem
verdes, colocadas no meio da praça, onde se sentam os rapazes e os homens mais
velhos, formando o conselho da aldeia ou o clube dos homens, no qual, as mulheres não
podem entrar. Ali, eles se reúnem todo o final de tarde para ouvir os feitos e as bravuras
de seus guerreiros, jovens e velhos. Ao passarem por eles, pintadas, as mulheres
sentem-se orgulhosas, pois exerceram uma das atividades mais importantes da tribo: a
arte de pintar-se.

9.4 A luta e a resistência indígena

Apesar de ser uma história que não se estuda em livros didáticos, as nações
indígenas brasileiras não aceitaram sem luta e resistência a dominação branca e
ocidental. De ponta a ponta de nosso continente e de nosso país, existem relatos de

5 Carta de OMS
revoltas e rebeliões indígenas. Muitas vezes, esse sentido de resistência foi orientado
através de práticas religiosas, como entre os Baniwa no rio Negro. Os índios também
têm seus mártires na luta pela liberdade e contra a opressão: Sepe Tiarajú, no Rio
Grande do Sul, Tupac Amaru, e o próprio povo Mapuche que lutou até o final do século
passado contra a ocupação de seu território pelos chilenos. O Tupi-guarani, ainda hoje,
busca uma terra sem mal; com a queda de resoluções de Guairá, 20.000 guaranis foram
escravizados pelos espanhóis; dos outros tantos que fugiram 8.000 morreram na fuga.
Os sobreviventes que fugiram em direção ao sul fundaram Sete Povos das Missões, no
Rio Grande do Sul, onde ainda se podem ver alguns vestígios de sua civilização. Dos
sobreviventes que fugiram em direção ao leste, alguns ficaram em Guarapuava, no
Paraná, outros andaram até São Paulo, onde vive na região da Represa e próxima a
Bertioga.

9.5 O mito da terra sem mal

Os padres jesuítas espanhóis saíam da Europa e chegavam ao Brasil para


catequizar e apaziguar as tribos indígenas entre si. Padres, arquitetos, médicos,
professores, botânicos oriundos das mais tradicionais famílias européias, cheios de
sonhos, ergueram aldeias, nas quais, depois de contatados, os índios eram cristianizados
segundo o modelo europeu. Quando vieram, tinham o objetivo de salvar as almas do
povo ateu que aqui habitava, mas a corte espanhola os enviara com o objetivo, não
declarado, de ocupar a terra e descobrir tesouros, com os quais pudessem manter o
poder real. Sua chegada foi uma forma de ocupar as terras que, teoricamente, pelo
Tratado de Tordesilhas, pertenciam à Espanha.

Os jesuítas planejaram e construíram seus aldeamentos em áreas estratégicas,


como na Redução Jesuítas De Guairá, nas proximidades das Cataratas do rio Iguaçu. As
aldeias foram planejadas em formas arquitetônicas que lembravam uma colméia de
abelhas. As casas eram construídas de tal forma que se podia ir de uma casa à outra,
sem tomar sol ou chuva. Nas aldeias jesuítas espanhóis todos viviam em paz. Ninguém
vivia abandonado, pois todas as crianças eram filhas de todos os adultos, e os velhos,
patrimônio de todas as famílias. Não havia miséria ou fome, nem faltavam alimentos, já
que o plantio era feito sob a orientação de padres agrônomos, conhecedores da
agricultura planejada.

Toda a produção era dividida igualmente, e o excedente enviado à capital do


Paraguai, sede da dominação espanhola, na América do Sul. Dali, tudo o que se
produzia nas aldeias chegava, de navio, ao reino espanhol.

Junto à igreja, ficava a área destinada ao plantio para o sustento dos velhos, dos
doentes, das viúvas e dos órfãos. Aos domingos e dias santos, cada habitante da aldeia,
índio ou religioso, dava duas horas de seu trabalho na lavoura deste campo, o campo
santo, para garantir o sustento dos desamparados. Nas escolas e oficinas, crianças e
jovens aprendiam, além da catequese, a ler e escrever, na sua e em outras línguas. Artes,
História, Cultura, Ciências, Matemática, Música e ofícios eram matérias oferecidas às
crianças índias, educadas como nos melhores colégios da Europa. Os índios aprenderam

5 Carta de OMS
arte e ofícios tais, que eram capazes de entrar na mata, escolher e cortar a árvore certa,
preparar a madeira, fazer com ela instrumentos musicais e tocá-las.

Durante um bom tempo, os índios de várias tribos viveram em paz, sob a proteção
dos jesuítas, até que o sucesso de seu sistema educacional e os progressos alcançados
por eles despertou a cobiça do reino distante e da Espanha. Vieram ordens para que os
padres enviassem os tesouros encontrados para a Europa. Como não havia tesouros em
forma de ouro e pedras preciosas, como sonhava a corte espanhola, convencida de que
estava sendo ludibriada, a realeza ordenou aos soldados sediados em Assunción Del
Paraguai que descobrissem, de qualquer maneira, onde estavam as riquezas descobertas
pelos espanhóis. Começaram, então, os ataques às aldeias em busca de tesouros
imaginários. Destruição, saques, escravidão, morte... As batalhas iam acontecendo, no
meio daquela gente aturdida, que não sabiam mais lutar para se defender. Fuga luta
reconstrução das aldeias em lugares distantes das primeiras batalhas foram os
resultados. Índios e jesuítas sobreviventes ergueram as aldeias dos Sete Povos das
Missões, no Rio Grande do Sul, onde os sobreviventes pareciam estar a salvo. Mas, a
notícia de tais tesouros se espalhara, e novos ataques aconteceram. De São Paulo,
desceram os bandeirantes; do Uruguai, subiram os soldados gananciosos... as lutas
pareciam não ter fim. Fugir, encaminhar, vagar, esta passou a ser a sina desta gente, de
cuja civilização nada restou, a não ser, algumas ruínas e um povo, também, em ruínas.
Os poucos índios famintos, confusos e maltrapilhos que restaram, carregam consigo as
lembranças de lutas ferozes pelo direito de viver em paz, em sua própria terra, e as
lembranças do tempo em que os guaranis viviam em uma Terra Sem mal. Ainda hoje,
como seus ancestrais, eles perambulam de lá para cá no Brasil, em busca da Terra sem
mal.

“Caminhante, não há caminho...

“O caminho se faz ao andar.”

(Ditado guarani colhido no Uruguai)

Atualmente, o nível de organização indígena é muito grande. Existem mais de 100


organizações, federações indígenas. (Coordenação das Organizações Indígenas da
Amazônia Brasileira, Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, Associação
das Mulheres de Assunção do Issana, União dos Povos Caingangues- que vai do Paraná
ao Rio Grande Do Sul e é dirigida pelo cacique Pedrinho-Segue-Segue, além de outras,
que lutam pelo direito à terra e em defesa de sua cultura.

Dentre as minhas importantes conquistas dos povos indígenas brasileiros,


encontra-se a do direito a uma educação em sua própria língua. Esse direito é
reconhecido pelo Ministério da Educação, conforme a Constituição da República
Federativa do Brasil, Art. 215, parágrafo primeiro.

10.Os Negros

5 Carta de OMS
Depois de escravizar e destruir muitas nações indígenas, com a mão-de-obra
escassa e as dificuldades de domar a imensa e bravia terra, começaram a chegar ao
Brasil escravos vindos da África. O projeto colonizador de acumulação de riquezas,
desbravando continentes e mais continentes, estava baseado na utilização de mão-de-
obra escrava. Com o cultivo da cana-de-açúcar, a criação de animais e a extração de
ouro, havia urgência de uso intensivo de mão-de-obra escrava. Os negros foram trazidos
da África, à força, a partir de 1538. Este comércio de vidas humanas, durou mais de três
séculos, calcula-se que tenham sido trazidos, às Américas, mais de 3 milhões de
escravos. Esse número refere-se, somente, aos que sobreviveram às duras condições de
transporte nos navios negreiros.

Bahia, Maranhão e Pernambuco foram os centros que mais receberam escravos


negros, tornando-se centros distribuidores para todos os recantos do país. Para esse tipo
de trabalho, os africanos preferidos eram os que pertenciam às nações Iorubas, Jeje,
Haússa, Rebolo, Mina, Angola, Bantu, Congo e Fulas que se destacavam por sua força e
coragem.

A cana-de-açúcar e o algodão eram comprados na Inglaterra e cultivados aqui. A


lavoura do café, no século XIX, deslocou outros escravos para o Rio de janeiro e São
Paulo.

Na sociedade da escravidão, possuir um dos escravos era o sonho da riqueza do


colonizador europeu. Quase todas as famílias possuíam escravos para a mão-de-obra
auxiliar. Quanto mais jovem, saudável e forte fosse o escravo, mais ele vali. Após os
trinta anos de idade, o seu preço caía bastante, pois, a escravidão debilitava e, muitas
vezes, aleijava o negro bem cedo.

Símbolo de riqueza, o negro era “a peça da África” e como um objeto, uma peça,
foi motivo de compra, venda, empréstimo, aluguel, hipoteca, enfim, foi um bem
transmitido por herança de pai para filho. No dia do casamento, no batizado ou no dia
do aniversário ganhar um negro era ganhar um excelente presente. Crianças brancas
ganhavam crianças negras que, separadas das mães, serviriam de brinquedo, distração e
pajem ao seu dono. Nenhum negro podia andar calçado, entrar em uma igreja ou ser
enterrado em um cemitério. Brincar, só se fosse para distrair seu amo. Ao escravo, não
era permitido amar e nem ter família. As crianças eram afastadas de suas mães e
vendidas bem cedo, para que as mães servissem de amas de leite para as crianças
brancas.

Não tinham identidade nem estado civil, pois não podiam casar nem criar laços
afetivos. Muitos não tinham nome, somente apelidos, aos quais adicionavam o
sobrenome dos senhores.

Trabalhando na roça, eram obrigados pelo feitor a cantar, cadenciando o ritmo das
batidas da enxada com o ritmo da música. Grande foi a contribuição africana para nossa
civilização. A cadência da enxada, bem como o látego do chicote, excitou a
musicalidade desta gente, influenciando a música, criando o frevo, o coco, o maracatu e

5 Carta de OMS
o batuque que originou o samba. A necessidade de defender-se e a proibição do uso de
armas fizeram com que criassem a capoeira. A sedução que a mulher negra exerceu
sobre branco facilitou a mestiçagem, em um enlace de culturas entre pessoas de origem,
cor e hábitos diferentes.

A cultura negra influenciou a religião e o folclore. Herdamos a dança do coco, a


capoeira, os bailes pastoris, o reisado, os pastoris, o afoxé e o maracatu. Assim como, as
procissões rituais do candomblé, o ritmo marcado pelos tambores, a comida feita pela
cozinheira negra, também os cantos, os risos e as danças. Palavras como babá, neném,
bumbum, pipi, sunga foram aprendidas no convívio com os africanos, também o gosto
pelas rendas, babados, pulseiras e balangandãs foi absorvido da cultura negra. Com os
restos de carne suína, desprezados pelo patrão, os negros faziam a feijoada. Misturando
o culto dos brancos à macumba, às crendices e superstições africanas, o escravo criou
sua própria religião. Convertido ao catolicismo à força, não deixou de cultivar a Oxalá,
Ogum, Iansã...

Quando a liberdade veio, porém, alguns negros permaneceram junto a seus ex-
donos, como agregados, trabalhando gratuitamente em troca de um pedacinho de terra,
que lhe seria dado, legalmente, depois de muitos anos de serviço prestados. Outros
serviam como criados, em troca de casa e comida. Os mais corajosos saíram em direção
às cidades, em busca de familiares, na esperança de um reencontro. Foram em direção
ao Rio de Janeiro, onde acreditavam estar sob a proteção da Princesa Isabel, a
Redentora, que os tornara livres. Chegando ao Rio em grandes grupos, acomodaram-se
como puderam, nas encostas dos morros, começando, assim, as primeiras favelas
brasileiras. Sem saber ler nem escrever, sem qualificação profissional, sem família e
sem raízes, foram assim que o negro conheceu “a liberdade”.

O homem brasileiro, resultante destas mesclas culturais, ainda é aquele peregrino


que caminha em busca de uma vida melhor. Morando na periferia das grandes cidades,
em bairros pobres, ocupações ou favelas, o homem sofre os efeitos desta exclusão
social, o que faz de sua vida uma difícil caminhada. Vive como um estrangeiro em seu
próprio país, pois precisa peregrinar e lutar por seus direitos mínimos que não são
respeitados.

O Grande Desafio

O modo de vida dos índios, dos negros e dos europeus representava três modelos
de sociedade. Três diferentes projetos de vida estavam em jogo. Para um dos modelos
prevalecia a dimensão individual, a privatização da terra, dos bens naturais e das
pessoas, enquanto para outros, a dimensão comunitária e o aspecto coletivo da
propriedade.

Para os mais fracos o enorme desafio: como conviver com o poder dominante, sem
perder suas características próprias? A intransigência absoluta era tão perigosa quanto a
servidão doentia.

5 Carta de OMS
Os conflitos, que surgiram por toda parte, eram sinais de que ninguém estava
disposto a abdicar de seus direitos e interesses. A resistência era a única forma de cada
um demonstrar e defender sua identidade, conferida pelo conjunto de valores, práticas e
crenças. Em se tratando de povos transplantados, como os escravos trazidos da África,
os elementos do contexto natural que permitiria a eles uma estruturação desta
identidade, estavam ausentes, ficaram na pátria distante. A todo o momento, eles
estavam ameaçados de invasão e possessão da própria individualidade, por estarem
esvaziados de suas crenças, e de sua espiritualidade, de seus valores básicos. Por isto,
são tão manifestas as formas de expressão cultural da possessão, do encosto em nosso
contexto. Esta forma de construção de uma realidade que pressupõe o apagamento da
própria individualidade para que o outro tome conta do espaço vazio dentro do
indivíduo, que se ausenta de si mesmo. Esta forma de possessão, com certeza, nos fala
muito mais desta dominação e da posse do outro, que invade existências, violenta vidas
e penetra um espaço de vida que não é seu. Mas, quem é este outro que invade o espaço
alheio, senão imposições sociais de toda ordem e natureza.

Neste universo ameaçador e tão cheio de conflitos, enfrentá-los sempre foi um


desafio. Coisa possível de ser feita somente com o apelo ao “transcendente”, ao
“sobrenatural”. Somente com a ajuda das forças espirituais, das forças ancestrais poder-
se-ia estar a salvo da dominação imposta aos excluídos – negros mestiços e índios.
Neste universo, cada procura contar com seu amuleto, com a sua oração forte, com seu
santo protetor ou orixá. Se precisar, pode-se também “fechar o corpo”, que significa
contar com a proteção contra aquele que representa a exclusão, a desagregação, a
negação de sua identidade e de seus valores. Em um mundo de confrontos, injustiças e
maldades, cada esquina, cada encruzilhada é um ponto de morte, de tocaia. Mas era
muito cansativo ficar a vida toda “com o corpo fechado”, uma vez que na vida
precisamos interagir com os outros, em um clima de lealdade e mútua confiança.

Somente o “corpo fechado” pode garantir uma interação construtiva, um espaço


onde se podem trocar informações, afetos e bens simbólicos. Mas, “abrir o corpo”,
dependendo da situação, poderia significar a perda da identidade individual e de grupo.
Se isto ocorresse, o indivíduo tornar-se-ia prisioneiro de um encosto, de um espírito
invasor. A chave protetora que regula a abertura e fechamento dos corpos está nas mãos
dos santos protetores, invocados pelos sacerdotes do povo.

Algumas medidas legais foram adotadas pelas classes dominantes que


ensurdeceram, esvaziaram e desorganizaram a cultura de resistência africana foram elas:

A Constituição Brasileira de 1824, com seu Decreto 1.331, art.693: proibia ao


negro o acesso à escola. Tal legislação deixou, no Brasil, graves seqüelas; dos 23
milhões de crianças sem acesso à escola hoje, aproximadamente, 18 milhões são negras.

A lei da Terra, de 1850, proibia aos negros criarem seus espaços de resistência –
os quilombos. Por esta lei, os negros não podiam ser proprietários de terras. Quando
desobedeciam, suas plantações eram queimadas pelo exército, a mando do Governo.

5 Carta de OMS
A lei do ventre livre, de 1871, trazia, em si, uma grande ilusão: por trás da
aparente vontade de libertar os negros nascidos a partir daquela data, estava o propósito
de fragmentar a família negra, pois, de cada 100 crianças libertadas, 70 morriam de
fome, antes de completar o primeiro ano de vida. O fazendeiro estava, portanto, isento
de qualquer responsabilidade social sobre o jovem escravo que nascera livre. Em
conseqüência, quando a criança livre completava doze anos de idade, testemunhando
ainda a escravidão dos pais, o caminho a seguir era abandonar a família. Estava, pois,
oficializadas a delinqüência com a “fabricação” dos primeiros menores de rua, crianças
abandonadas a cumprir uma “sina”, e, continuada pelos excluídos, até hoje.

A lei do Sexagenário, de 1885, libertava o escravo já velho, cansado e doente, ao


completar 60 anos de idade. Sem ter para onde ir, nem forças para trabalhar, foi para as
ruas, e, assim, surgiram os primeiros mendigos do Brasil.

As correntes que continham os seus corpos, mantendo-os escravizados, não


conseguiram, porém, aprisionar a força interior do povo africano, a sua liberdade de
consciência e as esperanças que nutriam: esperanças de libertação, de reconquista e de
resgate. Não podiam, também, impedir o orgulho e altivez, sentimentos que pertenciam
a uma raça forte e heróica – a raça negra.

O opressor branco, certamente, não suspeitava que o saber dos antepassados


africanos estivesse latente nas muitas formas de manifestações cultural, incorporadas
por duas vias: a) uma ostensiva, para agradar ao branco, b) outra secreta, que não sendo
percebida manteve suas origens. Do saber incorporado pelos excluídos, ressurge o
terreiro como espaço e símbolo da nova família, do novo grupo social. Um espaço, até
certo ponto, invisível aos olhos dos dominadores e, no qual era possível estar à vontade.
No terreiro, com a ajuda de “mães e pais-de-santo”, reunia-se a família racial,
acolhedora, pronta para aliviar os sofrimentos físicos e espirituais de seus filhos
desagregados. O terreiro era, e ainda é, o lugar onde se busca a cura e a paz de espírito
para os sofredores.

Este lugar de culto tornava-se, também, espaço de ajuda social aos desvalidos. Já
não era somente o sangue e a raça que os unia, mas o espírito de humanidade, daquela
humanidade nascida na África de Deus, e que fora espalhado, no mundo, pelos
caminhos dolorosos da escravidão e da humilhação social.

Abertos para acolher a todos os excluídos: índios, caboclos, cafuzos, mulatos e


mamelucos, os cultos diversificaram-se e enriqueceram-se, acolhendo, em seus altares,
todos os tipos de santos e forças espirituais originárias dos negros, indígenas, brancos,
amarelos, enfim, de todas as cores e de todos os tipos de cabelo. O terreiro foi um ponto
importante da resistência do escravo.

Na luta de resistência dos negros, além dos terreiros e dos quilombos, tiveram
importância fundamental na reconstrução da dignidade africana as Irmandades dos
pobres, do período colonial até o início do século XX. Estas Irmandades davam
assistência dos excluídos da partilha e da vida social, assumindo, muitas vezes, o papel

5 Carta de OMS
que caberia aos governos estaduais e federais. Como os negros não podiam pertencer às
Irmandades dos brancos, já que estas não aceitavam o “sangue sujo” do negro, do índio,
do mestiço e do judeu, eles criaram as suas próprias, sob a proteção de santos, tais
como: São Gonçalo, São Benedito, Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora da Boa
Morte e outros. A devoção aos santos, tão peculiar à religiosidade popular, tem sido um
forte componente e contínua, entre as populações marginalizadas.

O homem recorre sempre ao santo com quem mais se identifica em suas


necessidades. A relação estabelecida chega a ser tão forte, a ponto de transformar-se o
santo em um substituto do patrão, do fazendeiro, do político e, até mesmo, das políticas
públicas que o Estado deveria implementar para solucionar os problemas de saúde,
educação, moradia, desemprego, saneamento e transporte para a população. Os santos
escolhidos para esta substituição são, justamente, aqueles cujos corpos estão marcados,
assim como o povo sofredor está, pelas “chagas”. Mártires e excluídos em seu próprio
tempo, muitos destes santos foram perseguidos em decorrência de suas idéias e, até
mesmo, mortos por suas convicções, tais como São Francisco das Chagas e São
Sebastião.

Esta devoção aos santos leva à descoberta de uma identidade entre o peregrino e o
santo que, quando homem vivendo nesta terra, sofreu como ele sofre. Esta ligação
pessoal entre o homem e o santo confere uma identidade religiosa e cultural, uma
espécie de carteira de identidade pela qual ele é conhecido diante de seu santo protetor,
identidade que lhe foi negada, enquanto pessoa do povo. “Ser “devoto do santo”, “filho
de um orixá”, “ ser incorporado por um espírito de luz” dá às pessoas e aos grupos
sociais a sensação de segurança e o sentimento de pertença, ou seja, de pertencer a uma
cultura que foi negada pela sociedade, mas que, no templo, na procissão, na romaria,
nos cultos religiosos pode ser vivenciada. Ao optar pela aliança com os santos de sua
devoção, os excluídos – aqueles que não conseguiram fazer suas alianças terrenas –
estão criando suas próprias alternativas de luta e resistência mesmo correndo riscos. Um
dos riscos desta aliança extraterrena é o de ver este impulso de agregação transformar-se
em uma forma de acomodação, de aceitação passiva da realidade.

O perigo reside no fato de que muitas igrejas e seitas, adotando esta forma de
vivenciar a espiritualidade, reforçam a idéia de que os problemas humanos só podem ser
resolvidos por uma única e singular via de comunicação: a fé e a devoção a Deus.
Assim sendo, o homem desiste de lutar pelos seus direitos, de buscar soluções, de fazer
algum esforço em direção a organizar-se enquanto grupo, de formar novas
comunidades, de construir sua própria cidadania.

O fato de as pessoas, dentro das igrejas, sentar-se em bancos de maneira e só


verem as costas umas das outras, demonstra que, mesmo na religião, atribuímos mais
valor a uma relação privilegiada com Deus, do que em relação às outras pessoas.

A história religiosa dos povos cristãos conta que todos os homens são
descendentes de um só homem, e que este, por sua vez, nasceu da terra: “Tu és pó, e ao
pó voltarás...” Embora esta seja uma expressão relativa ao início e ao final da vida

5 Carta de OMS
biológica do homem, ao seu nascer e morrer, comparativamente, ela, também, refere-se
ao processo social, cuja ação leva o homem a constantes altos e baixos, marcados por
uma permanente opressão e uma constante busca pela libertação.

Herdamos tanto saber haurido da luta de nossos antepassados, experimentamos


tantos contratempos, tantas derrotas, que a esperança da libertação nos faz buscar e
construir novos caminhos, alternativas para a liberdade de ser e de crescer do homem.

Estamos sempre abertos para aprender, sobretudo, uns com os outros. A sensação
de pertencer à humanidade, ao nosso grupo social, à nossa raça, à nossa cultura, nos faz
resistir e, em um crescendo, vai-se forte, além das fronteiras do eu, acabando por
contaminar, por tomar conta de todo o tecido social, levantando e fortalecendo outros
homens.

Os excluídos não se entregaram, passivamente, à dominação, mas, criaram suas


redes afetivas, uniram-se formaram grupos, tornaram-se fortes. Cada grupo social
elaborou suas próprias formas de resistência no âmbito da religião, da cultura, da vida
material, para, com elas, fazer frente às ameaças do dominador e manter sua identidade
cultural. Por outro lado, a força da dominação e da exclusão lançou mão de todos os
recursos disponíveis para dobrar os marginalizados: a imposição de modelos e normas,
a violência, as leis arbitrárias, a egoística posse da terra por uns poucos, o caos
econômico.

Quando uma sociedade exige demais de seus membros, não corresponde às


necessidades de seus cidadãos, impõe renúncias demasiadas e pede o impossível ao
homem, obriga muitas pessoas a renunciarem a si próprias em nome do prazer e do
bem-estar de poucos, esta sociedade está ultrapassando os limites da própria tolerância,
cria frustrações e traumatismo irreparáveis que acabam em detrimento do próprio
homem a quem deveria servir.

Sociedades que servem apenas ao processo de autofagia, como aconteceu à


sociedade romana ou à sociedade nazista da Alemanha.

Os romanos conseguiram manter o poder por muitos séculos, tinham tanto poder,
riqueza e terras, quando escravos de todas as nações sob seu jugo. Enquanto seus
escravos trabalhavam até a morte, em todos os recantos do mundo, os patrícios ( a
nobreza romana) viviam em busca de prazeres, em festas intermináveis. Milhares de
pessoas foram impedidas de plantar alimentos e obrigadas a cultivar rosas para que suas
pétalas fossem usadas como tapetes macios e perfumados durante os banquetes
romanos. Como nunca trabalhavam, não praticavam qualquer atividade física, os
patrícios romanos, que não usavam as mãos para nada, nem mesmo para pentear os
próprios cabelos, foi enfraquecendo, de tal maneira corrompida pelo excesso de lazer e
de prazeres, que não foi muito difícil para os povos bárbaros – os únicos ainda não
dominados pelos exércitos romanos – acabarem com a civilização romana.

5 Carta de OMS
A sociedade nazista, cujos princípios de higienização da humanidade pretendiam
eliminar da face da Terra todo ser humano que não estivesse dentro dos padrões da raça
ariana – pele, cabelo e olhos claríssimos levantaram tal clamor mundial que foi
combatida e destruída após duas violentas guerras.

Para fugir desta ameaça, muitos europeus, descendentes de judeus, de ciganos ou


dissidentes do nazismo vieram refazer suas vidas no sul do Brasil. Italianos, espanhóis,
poloneses, iugoslavos, ucranianos, alemães, romenos e austríacos escolheram o Brasil
como seu porto seguro.

Guerras e conflitos localizados fizeram chegar os turcos, os sírios, os japoneses e


os chineses. A mescla de raças e culturas ainda não acabou. Talvez, por isto, o Brasil
seja citado por muita gente como “o coração do mundo”.

Todo o futuro e toda a história do mundo brotam de fontes ocultas nos indivíduos,
em nossas vidas mais privadas e mais subjetivas.

Somos nós, não as testemunhas passivas de nossa época e seus sofredores, mas,
principalmente, seus autores. O Brasil, que hoje somos, nasceu desse encontro de
diferenças culturais. No início, choques traumáticos, barulhentos como duas mãos que
se chocam provocando barulho e dor. Ao longo da história, esse barulho e a energia
produzida pelo choque da diferenças foram se transformando em ritmos e batucadas
criativas, transformando gemidos em melodias.

O brasileiro hoje é bem mais consciente de que a diversidade cultural é sua maior
riqueza e que o melhor do Brasil é o brasileiro. Ser brasileiro é ser índio, negro, europeu
ou oriental. Somos frutos desta mistura bem sucedida que conseguiu pegar o melhor de
cada cultura. Nosso maior mérito e também nosso maior desafio tem sido saber
conviver com os contrários, as diferenças nesse universo tão complexo da convivência
humana.

O nosso tempo somos nós.

Síntese:

Diante de um mundo desconhecido que o atemoriza o homem branco aprende com


o índio a sua cultura, troca a cama pela rede, a comida portuguesa pela mandioca e o
beiju, mas, também, queimadas, que arrasam a floresta. A falta de mulheres brancas
facilita a miscigenação, o enlace de raças, culturas... Nascem os mulatos. Mas, em uma
terra tão vasta e extensa, conquistar a floresta, preparar e cultivar a terra são trabalhos
exaustivos. Na falta da mão-de-obra, o colonizador escravizou o indígena. Na escassez
deste, foi buscar o africano.

O mesmo desejo de desbravar terras, de ocupar e povoar novas terras que levou o
homem a caminhar por todos os continentes levou os portugueses e espanhóis no século
XV, a querer desbravar novo continentes, espoliando e escravizando populações

5 Carta de OMS
inteiras. A descoberta de uma rota marítima para as Índias e a produção de açúcar nas
ilhas do Oceânico Atlântico fizeram reaparecer o comércio de escravos na Europa.

A África foi o berço da humanidade.

Da África, o homem expandiu-se para a Ásia, a Europa e as Américas.

Fatores ambientais e sociais influenciaram ao longo do tempo a formação das


etnias.

Por necessidade o ser humano aprendeu a viver em grupo.

O modo de vida dos índios, dos negros e dos brancos representa distintos modelos
de vida social.

A integração e a articulação desses modelos abrem um enorme desafio: Conviver


com as diferenças e construir uma sociedade mais tolerante com sua pluralidade, mas
justa com aqueles que derramaram suor e sangue para construir o Brasil de hoje

CAPITULO 9:

A pedagogia de Paulo Freire e a Terapia Comunitária

1.Homenagem a Paulo Freire

Este capítulo, inteiramente dedicado a Paulo Freire, nosso grande mestre, é um


reconhecimento, nunca tardio, do muito que o espírito de sua obra esta e esteve presente
na criação e na pratica da Terapia Comunitária. Posso não ter explicitado, como faço
agora sua pedagogia do oprimido dentro do meu trabalho, mas quem pode duvidar de
que a pedagogia da TC seja a pedagogia do oprimido?

2. Fundamentos Educacionais

O educador e o terapeuta comunitário

A situação de ensino-aprendizagem em que a TC se coloca requer um


fundamento pedagógico para a prática terapêutica comunitário. A nossa referencia nesse
aspecto é a pedagogia de Paulo Freire, para quem ensinar não é apenas uma
transferência de conhecimentos acumulados por um educador experiente que sabe tudo

5 Carta de OMS
para um educando inexperiente que não sabe nada. Ensinar é um exercício de dialogo,
de troca, de reciprocidade.

Para ser funcional, essa troca exige uma associação pertinente entre teoria e
pratica. Aprendizagem só se efetiva quando o educando relaciona os conteúdos
programáticos á sua realidade (familiar, comunitária, eclesial, escolar, etc.) A relação
com a realidade passa pelo plano de expressão dos educandos, através da explicitação
do seu saber e da apreensão dos novos saberes, de modo que educandos e educadores se
assumam como sujeito sócio-historico-culturais.

Em relação ao educador, é necessário que haja, conforme Freire (2000): respeito


aos saberes dos educandos; criticidade; estética e ética; corporeificação das palavras
pelo exemplo; risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação;
reflexão crítica sobre a prática; reconhecimento e assunção da identidade cultural;
consciência do inacabamento; reconhecimento de ser condicionado; respeito á
autonomia do ser do educando; bom senso; humildade, tolerância e luta em defesa dos
direitos dos educadores; apreensão da realidade; alegria e esperança; convicção de que a
mudança é possível; curiosidade; segurança, competência profissional e generosidade;
comprometimento; compreensão de que a educação é uma forma de intervenção no
mundo; liberdade e autoridade; tomada consciente de decisões, reconhecimento de que a
educação é ideológica; disponibilidade para o dialogo; saber escutar e querer bem aos
educandos.

O perfil acima aproxima a função do educador da função terapeuta comunitário


e convida ambos a um continuo fazer e refazer, agir e refletir.

A construção identitária do terapeuta comunitário

Paulo Freire, em seu livro Pedagogia da Autonomia (2000), afirma que:

Não há docência sem discência;


A educação tem mão dupla: quem ensina aprende;
Toda educação que visa apenas ensinar é um ato de dominação.

Na TC nós afirmamos que é cuidando do outro que cuidamos de nós mesmos. É


curando o outro que curamos a nós mesmos. É escutando o outro que escutamos a nós
mesmos. Não fazemos terapia comunitária para a comunidade, mas fazemos a nossa
terapia com a comunidade. Trata-se de um processo dialógico, interpelamos e somos
interpelados. Ouvimos e somos ouvidos. As historias que ouvimos nos reenvia á nossa
própria historia. Passamos a rever nossos esquemas mentais, a relativizar nossas
dificuldades, a nos descobrirmos seres inacabados e sobretudo a nos curarmos de nossa
alienação universitária.

O terapeuta comunitário é um com a comunidade e não um para a comunidade.


Estou na terapia para mim, para me conhecer mais, para aprender a conviver com as
diferenças, com as contradições inerentes aos contextos diversos. Estou na terapia para

5 Carta de OMS
aprender com a coletividade. Não estou lá para resolver os problemas da comunidade,
como se isso fosse possível sem gerar dependências. Estou lá para aprofundar meus
dilemas, compreender melhor meus impasses, sofrimentos e dificuldades. Descubro que
a melhor maneira de me ajudar, de resolver minhas inquietações, se faz numa relação de
comunicação com s outros.

Não estou blefando quando digo, de forma anedótica, que o curso de formação em
TC é um curso que a gente faz para acabar com a mania de querer curar os outros.

Para sermos bons terapeutas comunitários, precisamos compreender este processo


de aprendizagem que faz da TC um espaço de aprendizagem coletiva. Na escuta ativa,
aprendo. Quando falo de mim, estou ensinando e quando ouço o outro, estou
aprendendo. Somos todos co-terapeutas – terapeutas e terapeutizados, docentes e
discentes.

Paulo Freire nos lembra da importância do bom senso, da humildade e da tolerância.


O bom senso é guiado por nossa inteligência intuitiva. Aquele olhar que nos inspira nos
faz criativo. É a fala de nosso mestre interior, de nossa criança que reconhece no outro
aquilo que ela conhece de si. Não podemos esquecer que a carência como experiência
de vida gera competências e habilidades. Os gemidos de outrora s tornam voz interior
que nos vocaciona para uma ação solidária voltada, sobretudo, para aplacar aquilo que
já vivenciamos. Afinal, o que nos mobiliza na escuta é a nossa própria história, nossa
vivencia. Quando a dor, a ferida do passado torna-se pérola, a amorosidade emerge. E
nada é mais terapêutico do que o amor, diz Osho (1990).E quando aliamos nossa
amorosidade ao humor, á técnica, nossas intervenções são preciosas.

Quanto á humildade e a tolerância, são geralmente duas virtudes em falta entre nós
profissionais da saúde. Isso porque recebemos uma formação em que cada ciência
aparece como um todo em si, com suas bases epistemológicas que definem seus
métodos específicos. Ora, cada ciência especifica se constrói no combate sistemático de
conhecimentos construídos por outras ciências.

A construção identitária ocorre pelo combate e exclusão do diferente em nome do


especifico. Por exemplo, isso não é sociologia, isso não é medicina.

No modelo biomédico, se toma como referencial teórico o modelo linear de causa-


efeito e como verdade a anatomia. Aquilo que não é detectável anatomicamente,
bioquimicamente tende a ser deixado de lado, considerado como nervosismo, como
invenção da mente dos nervosos.

Essa visão linear, que seria uma parte detectável do processo, se põe, muitas vezes,
como totalizante e excludente de outras possíveis leituras. Nasce então a intolerância ao
diferente. É neste território que são construídas as verdades quantificáveis e as técnicas
de intervenção. Uma coisa é focalizar um órgão, um individuo, outra é vê-lo imerso em
suas redes relacionais familiares e sociais.

5 Carta de OMS
Não se trata de negar a contribuição de cada área especifica, mas de articulá-las, de
passar do linear-estatistico ao dialético-circular. Cada ciência tem seu saber. Mas saber
a serviço de quem?Do objeto de sua intervenção ou da afirmação de uma identidade
profissional?

É fato para quem é sucessor dos curandeiros, pajés e sacerdotes, é difícil romper a
concepção mítica de um saber totalizante construída por nossos antepassados. Os
sacerdotes se apresentavam como porta-vozes dos deuses. Ninguém ousava questioná-
los. Falar de um lugar sagrado confere um poder imenso: “Deus disse”, “os espíritos
disseram”. Hoje se diz : “a ciência provou”, “as pesquisas comprovam...”Neste contexto
é difícil aceitar desconhecer.Não há espaço para a humildade, para duvidas, para
questionamentos, mas para afirmações categóricas, para combate ao diferente, para
imposição por parte da instituição.

No campo da ciência, cada disciplina atinge sua maturidade consolida sua


identidade quando passa a aceitar seus limites e tem a humildade de aceitar
desconhecer. É dessa consciência de sermos inacabados, de que modelos são
construções provisórias, que nasce o desejo da busca da colaboração interdisciplinar.
Não nego o que sei, mas também sei que não sei tudo, que a vida é dinâmica e exige
dinamismo no pensar e agir.”Não me envergonho de mudar porque não me envergonho
de pensar.”

É verdade que, para sairmos da rigidez do disciplinar, para termos uma ação
interdisciplinar, precisamos relativizar nossos modelos esquemas. Não tomar a parte
pelo todo. Cada disciplina tem algo a oferecer, a contribuir. Mas conhecemos apenas
parte do processo, do sistema. A educação recebida dificulta a busca da
interdisciplinaridade e da transcultural idade.

Para termos uma ação transdisciplinar precisamos:

Instalar a duvida em nossas certezas, pois toda convicção é uma prisão. Como a
realidade é dinâmica, temos que ter a mesma disposição para repensarmos
nossas certezas. O grande escritor Mark Twain (1971) diz: ”O homem mais
inteligente que encontrei em toda a minha vida foi meu alfaiate, de que o que
capto de você, da realidade de hoje, pode não ser valida para alguns dias depois,
pois muitos fatores intervem, provocam mudanças.Essa noção da
provisoriedade, da efemeridade dos acontecimentos deve nos deixar sempre
alertas;
Ter humildade para nos abrirmos as novas formas de perceber o homem. O
homem é um ser dinâmico, multifacetario.A realidade é maior do que qualquer
esquema explicativo;
Romper com os estereótipos dos outros modos de pensar e agir. As diferenças
formas de pensar e agir estão fundamentadas em percepções, em contextos
historicamente construídos. Precisamos entender que a pluralidade de
percepções e condutas enriquece o arsenal de possibilidades de intervenção. Não
existe uma melhor do que a outra, mas uma mais pertinente do que a outra em
função do contexto em que se aplica. Inclusive as contradições fazem parte da
realidade cotidiana e precisamos coabitar com elas.

5 Carta de OMS
Ousar transpassar fronteiras geográficas, conceituais. O homem é um ser
pensante que questiona, interpela e tenta superar os desafios do cotidiano com a
coragem e determinação. A realidade esta ai nos interpelando a criarmos novos
paradigmas para enfrentar os desafios da globalização. Precisamos ter a
liberdade de criar, inovar, transformar.
Neste esforço de dar uma contribuição para a transformação da realidade,
precisamos ainda romper dois obstáculos: o narcisismo individual e o neocolonialismo.

I – O narcisismo individual, que quer impor sua verdade, funciona como um


obstáculo para a ação interdisciplinar. A lenda da bruxa da Branca de Neve ainda esta
muito presente. Olhando para o espelho, pergunta: “espelho, espelho meu, existe
alguém mais bonita do que eu?”, ou seja, existe algum profissional mais inteligente do
que eu?Existe sim, existe sempre alguém que também é especial pelo que faz. E isso é
insuportável para quem tem a ilusão de ser o mais importante, o mais sabido. Discurso e
pratica excludentes de outros alimentam os estereótipos, gera feudos de poder e
intolerância e dificultam a colaboração necessária e indispensável na superação dos
conflitos;

II – o neocolonialismo quer impor a verdade única, modelo único e leitura única.


Essa visão limitada nos impede de ampliar o contexto que nos permite construir
instrumentos mais eficientes para enfrentar os desafios do cotidiano e negligencia os
recursos humanos e culturais locais, fundamentais em qualquer projeto. Essa visão de
mundo, segundo a qual os que sabem devem ensinar aos que não sabem esta na
contramão de uma educação tão bem definida por Paulo Freire, que considera que todo
tem o que aprender.

Esse discurso e pratica hegemônicos são predatórios, impositivos, controladores,


etnocêntricos e confundem educar, formar, com conformar, manter o status que.

Neste esforço de desenvolver uma ação interdisciplinar, precisamos estar


conscientes de que:

O outro discurso tem seu lugar e pertinência e refletem a diversidade da


realidade;
O respeite ás funções dos outros é uma questão ética e cidadã, em que o
outro é visto como um valor um conhecimento e não como um
empecilho, um obstáculo;
É necessário ter uma escuta respeitosa e atenta com fins solidários (não
egoístas) com vistas a substituir o saber totalitário e tirânico, o qual tenta
legitimar-se em detrimento de um saber construído pela transpiração
coletiva;
É preciso estabelecer um dialogo incessante entre os profissionais, entre
esses e a comunidade, numa verdadeira ecologia do espírito. Todos são
parceiros necessários a toda e qualquer construção coletiva.Por isso, cabe
perguntar o que fazer da contribuição de familiares, de vizinhos, da
cultura local.O que eles têm a nos dizer sobre nossa pratica.Afinal, sem a
participação comunitária, não podemos, por exemplo, avançar no
combate a dengue, á tuberculose e a outras mazelas que tanto nos

5 Carta de OMS
afligem.Precisamos de u dialogo permanente, para não tomarmos nossas
fantasias por realidade e nem nos sectarizar-mos;
É conveniente que as dobradiças da consciência sejam flexíveis para a
abertura ao desconhecido e para nosso crescimento profissional e
pessoal;
É fundamental caminhar para uma ecologia do espírito, ou seja, ser capaz
de pensar o homem na sua relação com o universo numa visão holística;
É necessário integrar as diversas formas de saber filosófico, econômico,
político, para termos uma melhor resolutividade no enfrentamento dos
desafios que se apresentam.Integrar, articular, relacionar os diferentes
conhecimentos faz com que o homem deixe de ser objeto da ciência para
ser percebido como sujeito de sofrimento;
É preciso desconstruir os modelos mentais limitantes e aproveitar a
ocasião fecunda para iniciar dialogo respeitoso entre as diversas formas
de saber.

Nesta perspectiva, deixamos o campo especifico da biologia, da psicologia e


da química do individuo, para o campo de saúde, no qual intervem os fatores
ambientais com sua imensa rede interativas. Somente assim passamos a adquirir
novos conhecimentos, novas estratégias e recursos criados no campo do marco
interdisciplinar.

Precisamos criar novos paradigmas sob os quais cada disciplina, cada


especialidade, sinta-se parte de uma construção maior, e cada saber ou
conhecimento venha integrarem-se, sem perder sua identidade, num saber maior,
caleidoscópio, multicolorido, como peças da construção de um grande quebra-
cabeça que permite á saúde ser percebida na sua dimensão relacional, interativa.

Esses novos paradigmas precisam ser construídos por todos nós. Eles serão
frutos do esforço e da transpiração coletivos e jamais da inspiração de algum
iluminado.

A orientação pedagógica na TC

A TC é um instrumento pedagógico que tem permitido a aplicabilidade das


idéias de Paulo Freire, perceptível, de forma mais expressiva, em relação a três
aspectos: a circularidade e a horizontalidade da comunicação; a problematizarão
como principio pedagógico e a valorização dos recursos pessoais e das raízes
culturais. Vamos a eles:

I – A circularidade e a horizontalidade da comunicação

5 Carta de OMS
As regras que estruturam as rodas de TC – realizar escuta respeitoso, não dar
conselhos, não fazer discursos, não julgar – asseguram a circularidade e a
horizontalidade da comunicação por considerar que cada participante possui o
seu saber, fruto de sua experiência de vida. Trata-se de uma partilha de saberes,
os mais diversos, respeitando sempre a palavra do outro, deixando-se interpelar
por uma nova leitura de uma mesma problemática.

Aprende-se a falar, escutando o que o outro diz. A fala do outra desperta em


mim a minha historia e me possibilita aproximar-me dos outros. A escuta me
ajuda a entrar em contato com minhas emoções, a nomeá-las, a pensá-las e tomar
consciência da minha humanidade, fragilidade e da força vital que me
impulsiona a sair de uma posição de passividade, de fatalismos para uma posição
de passividade, de fatalismos para uma posição de sujeito capaz de promover
mudanças tanto em mim como no contexto social.

Nesse processo de empoderamento, o silencio não pode ser confundido com


a ausência de fala, pois se trata de um silencio ativo. Escutando o outro, estou
sendo interpelado a refletir, analisar, querer compreender e me tornar consciente
de que tudo é passível de mudanças. Não se trata de impor um silencio passivo,
eclipsado pela fala do outro, mas de promover um silencio ativo, gerador de
emoções, de idéias, de falas, sempre no respeito ao ponto de vista do outro, sem
querer impor nossa visão de mundo.Para irmos em direção ao outro, precisamos
escutá-lo.Do contrario, nossa fala seria muito mais um instrumento de
dominação, de colonização do que um espaço de partilha, de descoberta se de
construção coletiva.

Paulo Freire (2004) afirma que toda educação exige a consciência do


nosso inacabamento enquanto seres humanos. Tudo é processo.

Nós nos descobrimos humanos imperfeitos, inacabados. Nesse contexto,


dialógico, cada terapeuta de si mesmo, graças a escuta da palavra do outro. A
riqueza do grupo reside nas diversas formas de ler a mesma realidade,
evidenciando que cada um percebe algo que o outro desconhecia. Cada um é
rico naquilo em que o outro é pobre.

Nas rodas de TC, tentamos estimular as falas sem impor leituras, nem
censurar e muito menos nos preocupar em transmitir informações e conteúdos
teóricos. O terapeuta comunitário que coordena a roda deve suscitar
questionamentos capazes de proporcionar uma nova leitura do sofrimento
exposto ao grupo e levar o protagonista a descobrir os caminhos a trilhar em sua
caminhada de vida. A escuta ativa me possibilita ajudar-me a reconhecer na fala
do outro e a entrar em contato comigo mesmo, com minha historia, meus
valores.

5 Carta de OMS
Costumo dizer, de forma lúdica, que a TC é mais eficiente, quando
participamos dela de forma zarolha, estrábica, ou seja, com um olho para dentro
de nós, procurando rever a nossa própria historia; e com um olho para fora,
vendo o outro. É graças ao que ouço da fala do outro que passo a ter vontade
também de falar, de me expressar e de questionar. Descubro que todos têm o
mesmo direito de se expressar.

II – A problematização como principio pedagógico

A problematização é o momento da partilha das experiências de vida


ligadas á temática escolhido pelo grupo.Veja capitulo 2, item 4, pagina 77).A
situação-problema apresentada por alguém e escolhida pelo grupo é o ponto de
partida da TC. O terapeuta procura estimular e favorecer a partilha de
experiências que possibilitam a construção de redes de apoio social, promovendo
um maior grau de autonomia, de consciência social e de co-responsabilidade.

Na roda de TC, a palavra é o bálsamo, a bússola para quem fala e para


quem houve. É a partilha entre as pessoas que dita o caminho para o alivio das
dores, do sofrimento e permite vislumbrar pistas de superação dos problemas.
A comunidade busca nela mesma as soluções para seus problemas, que
isoladamente, a pessoa, família e o poder público não são capazes de solucionar.

O mote que desencadeia a reflexão: “quem já viveu algo parecido e o que


fez para superar” A partir daí, cada um fala da sua dor ou sofrimento e da sua
estratégia de superação. A partilha de experiências possibilita as identificações
interpessoais e estas criam vínculos. É a partilha de experiências entre os
participantes que mostra as possíveis estratégias de superação do sofrimento
cotidiano e permite á comunidade encontrar nela mesma a solução para os seus
problemas que a pessoa, a família e os serviços públicos não foram capazes de
encontrar isoladamente.

A comunidade descobre que tem problemas, mas também tem soluções.


Quem chega com um problema difícil vais sair com algumas possibilidades de
solução. E, aos poucos, vai descobrindo que a superação dos problemas não é
obra particular de um individuo, de um iluminado ou de um terapeuta, mas da
coletividade.

A partir desta troca de experiência emergem as mais variadas soluções,


até mesmo contraditórias. Temos que ter cuidado para não buscar um consenso,
pois este desencadearia a luta pelo poder e destruiria a construção coletiva feita
com a colaboração de todos. Não existe a verdade, mas leituras diferentes da
realidade. E cada um leva o que pode, a partir de seu contexto socioeconômico-
cultural. Não podemos jamais esquecer que, nestes momentos de desabafos, de

5 Carta de OMS
partilhas, o mais importante é o acolhimento e a escuta sem julgamento, sem
criticas. É isso que as pessoas esperam quando abrem o seu coração.Não vieram
para pedir conselhos, mas para ser reconhecidas em seus esforços, apoiadas em
suas buscas e valorizadas como pessoas conscientes das dificuldades da
convivência humana.

Nós, profissionais, precisamos ter muito cuidado, pois temos uma


tendência centrar a escuta no problema apresentado e na busca de solucioná-lo.
O foco de nossa reflexão é ajuda a pessoa a escutar a si mesma, a descobrir suas
emoções, a nomeá-las e refletir para poder superá-las.

A pessoa, sendo apoiada em seu processo de superação, certamente vai


perceber os equívocos e logo fará suas descobertas e prosseguira seu caminho.

Gostaria de ilustrar com uma história.

Certa vez uma grande enchente fez transbordar os rios e muitas pessoas
caiu na água, tentando se salvar. Uma senhora que não sabia nadar, tentou se
agarrar em uma espécie de tronco que boiava.Ao agarrar-se a ele, disse a si
mesma: “que bom que encontrei este tronco de bananeira, liso, aquecido”.

Um individuo que estava a salvo a margem alta do rio teve outra visão da
mesma situação. Viu que o “tronco de bananeira” na qual aquela senhora se
achava salvo, apoiada, era uma grande cobra sucuri, que também tentava se
salvar da correnteza.

O que fazer então?Alertar aquela senhora que sua segurança, o “tronco”


no qual se agarrava para não morrer afogada, era uma serpente, que se não
estivesse também se salvando, poderia matá-la?

O ribeirinho, sabiamente, viu que alertá-la do outro perigo não percebido


só faria piorar a situação. O medo da serpente poderia fazê-la soltar-se da sua
segurança, do ronco e morrer afogada.

Ele então orienta a senhora da seguinte maneira: ”A senhora esta vendo


aquela árvore a sua frente? Pois bem, quando chegar perto dela deixe a sua
bananeira confortável e busque apoio naquele galho seco.”

A senhora seguiu a orientação, livrou-se da falsa segurança e quando já


estava segura, apoiada por um galho sólido, pode descobrir que a bananeira era
uma serpente.

5 Carta de OMS
Pois bem, o terapeuta é como aquele ribeirinho que esta na margem do
rio e pode, com a escuta, as perguntas e o seu ponto de vista apoiar as pessoas no
seu processo de superação, sem acrescentar outros sofrimentos desnecessários.

III – A valorização dos recursos pessoais e das raízes culturais

Paulo Freire (1979) afirma que não pode haver aprendizado libertador
onde não há respeito aos saberes socialmente construído pela experiência de vida
e que é preciso estar atento e rejeitar toda e qualquer forma de discriminação
alimentada por preconceitos de classe ou gênero. Qualquer discriminação é
imortal, pois agride o ser humano e nega a possibilidade de vivermos
democraticamente com as diferenças.

Não existe a verdade, mas leituras da realidade, e cada um lêem a partir


de seu contexto sociocultural. A realidade é uma universidade, tem seus
desafios: há os que não se sentem parte do problema e, por isso, não se
envolvem na busca de soluções coletivas. E há os que se sentem parte do
problema. Somente os que são parte do problema pode ser parte da solução.

Cada sistema só coloca as questões para as quais já tem a solução. A


solução não pode ser encarada sem os apoios dos valores culturais, herança dos
nossos antepassados: indígenas, africanos, europeus, asiáticos. A sociedade
brasileira é constituída de uma enorme pluralidade cultural, havendo, portanto
uma grande diversidade de percepções do mundo e da forma de cuidar.

O não respeito a esta diversidade mascara um neocolonialismo


insuportável, que exclui outras abordagens, outras leituras de outros saberes
construídos em outros universos culturais. D. Hélder Câmara, desde o tempo de
sua Cruzada de São Sebastião , quando pretendia erradicar as favelas do RJ, já
dizia “Ninguém é tão pobre que não tenha o que oferecer e ninguém são tão rico
que não precise de ajuda”.

Nas rodas de TC, cada um é doutor da sua experiência, da sua vivencia.


Daí a observância da regra de que todos falem na primeira pessoa, falando de si
e usando o pronome eu.

Para concluir

A necessidade de construção da identidade pessoal e coletiva, de


estreitamento da relação entre teoria e pratica e de valorização dos recursos

5 Carta de OMS
pessoais e das raízes culturais nos põem a face pedagógica da TC. E essa face de
delineia com os mesmos traços da pedagogia do oprimido e da pedagogia da
autonomia.

A TC, como a pedagogia freiriana, busca a constituição do individuo


como sujeito de seu tempo e de seu espaço e como membro de uma totalidade de
que pode e deve ser voz ativa. Parte da mesma luta contra o narcisismo
individual e o neocolonialismo, usa as mesmas armas da mediação e do dialogo
e busca o mesmo objetivo que é a construção de uma consciência critica. Tais
semelhanças se assentam na mesma atitude amorosa constitutiva do educador e
do terapeuta comunitário.

Esperamos como o grande mestre em sua obra fundamental, que as


palavras acima possam contribuir para a construção de uma comunidade mais
solidária, “na criação de um mundo em que seja menos difícil ama” (1979).

CAP. 10

Os Determinantes Sociais da Saúde e

A Terapia Comunitária

A evolução histórica das políticas de saúde está relacionada diretamente à


evolução político-social e econômica das sociedades. A realidade hoje existente no setor
saúde no mundo todo é fruto de um longo processo cujos marcos mais importante pode
ser citado a partir do movimento realizado no Canadá, em maio de 1974, do qual
resultou o Informe Lalonde, questionando a hegemonia da abordagem biomédica para
as doenças. Este documento trouxe novamente o conceito de determinantes de saúde já
empregado por Engels e pelo francês Virchoow (apud Rosen George), um dos
fundadores do movimento de Medicina Social na Europa para debater a influência das
condições de vida dos trabalhadores sobre seu estado de saúde. Em 1978, a Organização
Mundial de Saúde convocou a I Conferência Internacional sobre os Cuidados Primários
de Saúde, realizada em Alma-Ata, cidade da ex-União Soviética, cujas recomendações
vieram contribuir para a realização da I Conferência Internacional sobre os Cuidados
Primários de Saúde, no Canadá, em 1986, da qual surgiu a Carta de Ottawa com as
noções de qualidade de vida, participação e parceria, dentre outros aspectos que
mobilizam o Estado para estabelecer políticas saudáveis e estimular a participação
comunitária nas políticas públicas (Paim&Filho),1998). A II Conferência Internacional
de Promoção da realizada na Austrália, em 1988, teve como fruto a declaração de
Adelaide que propôs a equidade da promoção da saúde da população.

No seguimento dessa trajetória, hoje se compreende que a maneira como se vive


e as condições de vida e de trabalho têm uma grande influência sobre a saúde. A OMS

5 Carta de OMS
afirma que as causas comuns da mortalidade nas populações, no seu conjunto, são
influenciadas pelo meio sociais e identifica dez determinantes sociais da saúde:

1-As desigualdades sociais

2-O estresse

3-A primeira infância

4-A exclusão social

5-O ambiente de trabalho

6-O desemprego

7-O apoio social

8-As dependências

9-A alimentação

10-O transporte

Quando a esses determinantes, vejamos o que diz a OMS:

1- A desigualdade social

A OMS afirma que as condições socioeconômicas desfavoráveis atingem a


qualidade de vida, de forma que os agravantes sociais e psico-sociais são responsáveis
pela maioria das doenças e causas de mortalidade. Comprova-se hoje que as pessoas que
vivem em situação de exclusão social e que se encontram na base da pirâmide social
estão duas vezes mais expostas às doenças graves e mortes prematuras do que aquelas
situadas no alto da pirâmide.

As pessoas que passaram por situações difíceis no passado são as mais expostas
a dificuldades diante das mudanças no ciclo de vida que vai desde o nascimento, à
primeira infância, à ida para a escola, o primeiro emprego, o casamento. Daí porque se
faz necessário o apoio através de políticas de inclusão, investimentos na educação,
melhoria da habitação, segurança, valorização da cidadania e reconhecimento dos
direitos sociais.

A Terapia Comunitária atua, de maneira geral, com grupos que se encontram em


posição marginal na sociedade, ou seja, desfavorecidos socialmente. A participação na
TC oportuniza a estas pessoas a criação de mecanismos coletivos para melhor lidarem
com esta desigualdade, iniciando pelo reconhecimento e validação de si, de suas
origens, de suas fontes de saber. O reconhecimento incentivado é o interno, da própria
comunidade, e não espera de algo ou alguém externo que venha dizer que aquilo que
vivem e acreditam têm validade.

2-O estresse

5 Carta de OMS
O estresse é uma fonte de inquietação e ansiedade que interfere no
enfrentamento dos problemas existenciais, além de ter um efeito cumulativo,
aumentando a degradação da saúde. Com relação ao estresse vale ressaltar que:

*Períodos prolongados de ansiedade, sentimento de vulnerabilidade e ausência


de amigos em quem se apoiarem têm efeitos nefastos sobre a saúde mental,
comprometendo os sistemas do organismo humano, sobretudo o sistema imunológico.

* Se os períodos de tensão são excessivos e longos, estes sistemas tornam-se


vulneráveis a uma série de problemas cardiovasculares (hipertensão, crises cardíacas,
AVC), a depressão e a outros quadros psíquicos como a agressividade, por exemplo.

* O estresse mobiliza e consome a energia e os recursos normalmente utilizados


em um grande número de processos fisiológicos e psicológicos importantes para a
conservação da saúde em longo prazo.

* Um sentimento de vulnerabilidade, ansiedade, uma má percepção de si mesmo,


a solidão, a falta de domínio na vida profissional ou familiar podem repercutir
consideravelmente nos agravos à saúde.

A OMS alerta que os fatores relacionados ao estresse podem ser melhor


enfrentados na participação em grupo, no devido tempo, antes de originarem patologias,
de alto custo social. Afirma ainda que enfrentar o estresse de forma adequada é um ato
de promoção da saúde.

Daí a importância de uma política pública para apoiar as atividades associadas,


combater o isolamento, reduzir a precariedade material e financeira. Em especial, das
camadas de baixa renda da população, promovendo a reinserção social e estimulando as
capacidades desses indivíduos para enfrentar seus problemas cotidianos.

A Terapia Comunitária centra a sua ação e reflexão do sofrimento causado pelas


situações estressantes. Trata-se de criar espaços de partilha destes sofrimentos,
digerindo uma ansiedade paralisante que traz riscos para a saúde destas populações.
Procura-se prevenir, promover a saúde em espaços coletivos, e não combater a patologia
individualmente, que é da competência dos especialistas. Estes fatores estressantes só
podem ser enfrentados com a força do grupo no devido tempo, antes que degenerem em
doenças que necessitam na maioria das vezes, de tratamentos caros.

Na Terapia Comunitária, os problemas do cotidiano são discutidos,


compreendidos e ampliados as possibilidades de solução com base na realidade vivida,
nas alternativas já experimentadas. É um espaço de diálogo tanto para a partilha de
sofrimentos e possibilidades de solução como para a celebração das conquistas. As
fontes de estresse da comunidade são encaradas num contexto coletivo, no qual o apoio
mútuo, o respeito e o acolhimento são à base de sustentação para a manutenção de uma
rede social de apoio. A saúde coletiva é, portanto, permanentemente cuidada, o que
permite que exista a prevenção e a atenção. É, portanto, possível antecipar-se aos
problemas e lidar com os já existentes.

5 Carta de OMS
A pobreza e a exclusão social são ao mesmo tempo causas e efeitos de um
aumento dos riscos de divórcio, separação, invalidez, doenças relacionadas à
dependência química e isolamento social que criam círculos viciosos cada vez mais
degradantes.

Os determinantes sociais da saúde estão inter-relacionados. Ao refletirmos sobre


a exclusão social, questões relacionadas à desigualdade social, estresse, desemprego,
alimentação, entre outras temáticas, se apresentam. Questões estas que perpassam todos
os temas trabalhados nos grupos de Terapia Comunitária. A Terapia Comunitária é um
espaço para se buscar lidar com este contexto de extrema complexidade coletivamente e
nos mais diferentes níveis: individual, familiar, social, comunitário.

Há um pensamento que diz “toda exclusão é também uma auto-exclusão”. Na


Terapia Comunitária, os participantes entram em contato com a exclusão que foi
internalizada, legitimada e reconhecida como natural e que passa a não ser mais
questionada. Identificar essa exclusão em si é o primeiro passo na busca de alternativas
por uma melhor qualidade de vida. O reconhecimento de si, de sua história, de saberes e
de potencialidades tanto é benefício para o indivíduo como para a coletividade, pois
todos vivenciam esse processo de auto descoberta juntos. Todos saem fortalecidos neste
caminho.

4- A Primeira infância:

A OMS é enfática ao dizer que:

“É durante os primeiros anos que se adquire o capital biológico e humano que


determinam a saúde do indivíduo durante toda sua vida”. Se a saúde do adulto depende
do período pré-natal e da primeira infância, é decisivo o acompanhamento da gestante
durante a gravidez.

O cuidado com a gestante torna-se ainda mais imperativo quando esta vive num
contexto socioeconômico desfavorável. Todo desequilíbrio nutricional da gestante,
como também o estresse, tabagismo, dependência química, em especial, o alcoolismo,
falta de exercício físico e ausência de cuidados, aliados ao não acompanhamento do pré-
natal podem acarretar graves prejuízos futuros para a criança tais como: dificuldades
cognitivas, emocionais e sensoriais, que levam à limitação da capacidade de
aprendizagem na escola, problemas de comportamento e propensão à marginalização na
idade adulta.

A Terapia Comunitária é um espaço plural. Gestantes e crianças também têm seu


espaço. Contribuem e se beneficiam deste contexto de acolhimento e da ajuda mútua, na
qual os diversos saberes têm validade. Gestar e crescer num contexto de respeito e de
partilha é por si só, preventivo de muitas mazelas, sejam elas da ordem da saúde física,
psíquica ou social.

5- O Trabalho:

5 Carta de OMS
Não basta ter um trabalho. É preciso se sentir seguro nele, ser valorizado, ter
autonomia. A insegurança no trabalho, como o medo de perdê-lo, é um fator que
desencadeia uma série de problemas como a ansiedade, o estresse e a insônia. O estresse
do trabalho é um componente importante que influi na constituição da saúde.

As más condições de trabalho aumentam os riscos de doenças. O contexto psico-


social do trabalho constitui um determinante social importante da saúde e, quando
inadequado, contribui para o aumento do estresse, ponto de partida da grande incidência
de doenças cardiovasculares, absenteísmo e acidentes.

A participação na Terapia Comunitária permite aos indivíduos partilharem


problemas existentes no seu contexto de trabalho, aliviando o estresse e oportunizando o
conhecimento de soluções vivenciadas por outras pessoas que enfrentaram situações
semelhantes.

6- O desemprego:

Deixar um homem ou uma mulher sem emprego é privá-los da utilização de suas


competências e tratá-los como inúteis. Isto gera um sentimento de menos valia e de
baixa auto-estima.

Estudos realizados em vários países demonstraram que um a taxa elevada de


desemprego está associadas a doenças e mortes prematuras. A preocupação com o
sustento da família, a ansiedade suscitada pelo desemprego, à falta de capacitação
profissional e a incerteza do amanhã, atingem gravemente a saúde.

Dentre os temas trabalhados nas rodas de Terapia Comunitária um que se


destaca é o trabalho. Questões relativas ao trabalho (ou a falta dele) são mencionadas
com freqüência e apontadas como mobiliza dores para outras questões (saúde, descrença
na própria capacidade, violência, uso abusivo de drogas, entre outros). Participar das
rodas de Terapia Comunitária oportuniza melhor lidar com esse tema importante. Lidar
pelo diálogo, compreensão, busca de alternativas e soluções e não pela violência contra
si ou contra outros, ou mesmo por meio de estados depressivos.

7-O apoio social:

Promover a amizade, a relação social valorizou e construir redes sociais de apoio


traz melhorias para a saúde de todos. As pesquisas sobre o impacto das redes sociais
evidenciaram que:

*O apoio social e as boas relações interpessoais influenciam diretamente no


sistema imunológico, fortalecendo as defesas e melhorando a qualidade de vida do
doente crônico.

*O apoio social oferece aos indivíduos os recursos afetivos e práticos de que eles
necessitam.

5 Carta de OMS
*O sentimento de pertença a uma rede e o apoio mútuo geram um sentimento de
ser reconhecido, valorizado, amado e apreciado.

* O apoio social pode favorecer a adoção de um comportamento mais saudável.

As pessoas que têm vínculos sociais e afetivos frágeis estão mais expostas aos
agravamentos das doenças crônicas à depressão, bem como complicações na gravidez e
parto e tendência à incapacitação por ocasião de doenças crônicas.

A coesão social, a qualidade das relações sociais e a existência de confiança, de


obrigações recíprocas e de respeito mútuo numa comunidade contribuem para proteger
a saúde coletiva.

A OMS é enfática em afirmar que:


“... a amizade, boas relações sociais e sólidas redes de ajuda mútua
melhoram a saúde tanto em casa como no trabalho e na vida em geral.”

“Pertencer a uma rede de apoio, gera um sentimento de ser reconhecido, amado


a apreciado, o que produz um efeito particularmente protetor sobre a saúde.”

A TC tem como um de seus objetivos primordiais a criação de redes sociais,


mobilização dos recursos pessoais e culturais, o estabelecimento e o fortalecimento de
vínculos entre outras pessoas. A rede social é à base de sustentação de todo o trabalho
da TC, uma vez que é o no contexto social que as mazelas são estabelecidas, sejam elas
da ordem da saúde, segurança, educação, trabalho, entre outras. De igual forma, estas
questões que se estabelecem no coletivo necessitam deste para a busca de soluções ou
de alternativas para melhor lidar com elas.

9- As dependências:

As pesquisas evidenciam que as situações de dependência estão relacionadas ao


contexto sociocultural dos indivíduos, tornando-se, muitas vezes, uma forma de fugir
das adversidades e do estresse. Essas situações podem estar associadas aos indicadores
de situação econômica e social desfavorável. Para lutar contra as dependências não
bastas oferecer cuidados específicos, mas, sobretudo, é necessário intervir nas
dificuldades sociais.

As drogas, longe de ser uma alternativa para evitar o estresse e as frustrações,


tornam-se um grande problema de saúde.

Nenhuma medida de controle ou combate às drogas pode ser eficaz se os fatores


sociais que estão na origem das dependências permanecerem intocáveis. É preciso
intervir nas circunstâncias sociais complexas que geram a dependência.

Uma ação eficaz de prevenção do uso de drogas deve-se inscrever no quadro


geral da política econômica e social do país.

5 Carta de OMS
A Terapia Comunitária é uma abordagem de prevenção do uso de drogas,
trabalhando no cerne das questões que motivam o uso. Também é apoio no tratamento,
pois possibilita uma reflexão e tomada de consciência de questões importantes
relacionadas ao uso e é suporte para a reinserção social de usuários e familiares, pois o
contato com a comunidade se dá num contexto de acolhimento, valorização e não
julgamento.

10- Alimentação:

A qualidade de vida está estreitamente ligada à qualidade da alimentação, de


forma que a escassez alimentar, ou seu excesso, contribuem para as doenças
dislipidêmicas, cardiovasculares, diabetes, câncer, doenças degenerativas dos olhos,
obesidade e cáries dentárias.

As condições econômicas e sociais criam disparidades na qualidade da


alimentação e contribuem para acentuar as desigualdades na qualidade da saúde. A
OMS propõe agir preventivamente, corrigindo as principais causas sociais
determinantes da saúde, da seguinte forma:

*apoiar às famílias desde a gestação e à primeira infância; incentivar atividades


associativas para evitar o isolamento; reduzir a precariedade material e financeira
através da educação e da reinserção social; promover as próprias capacidades de
enfrentamento dos problemas cotidianos.

*Desenvolver ações que favoreçam um sentimento de pertencimento, da


participação e de valorização do indivíduo que se sente ignorado, explorado, vivendo
em contexto de exclusão.

*Melhorar o ambiente social nas escolas e no trabalho ajudando as pessoas a se


sentirem valorizadas, reconhecidas e apoiadas na sua caminhada de vida, para que a
saúde, em todas as suas dimensões, encontre um equilíbrio.

*Criar espaços de expressão, favorecendo reuniões e trocas de experiência para


propiciar a melhoria da saúde mental.

Uma política de promoção da saúde supõe interferirmos diretamente nestes


fatores determinantes. Necessitamos compreender a estreita relação entre o sofrimento,
as situações materiais desfavoráveis e a incidência dos fatores sociais. A incidência
social da pobreza, da exclusão, do desemprego ou de outros problemas desvalorizou
devem ser levadas em consideração. Neste sentido, para termos boa saúde necessitou ter
necessidades atendidas, tais como: construir redes sociais solidárias, viver uma
sociedade mais igualitária que valorize a equidade, ser útil e poder exercer uma
atividade profissional digna, que confira certo grau de autonomia. Sem isso, nós
estamos mais sujeitos à depressão, à dependência química, a violência, ao sentimento de
impotência, bem como a outros fatores que prejudicam gravemente a saúde.

5 Carta de OMS
Diante do exposto, fica claro que a saúde é o produto das complexas relações
entre os distintos determinantes sociais, sendo a doença produto deste processo que
intervêm fatores ambientais, históricos, socioeconômicos e psíquicos.

De um lado temos:

2- O sofrimento e as ações preventivas

Aqui se trabalha com a perspectiva ecológica dos fenômenos vitais. Não há


seguimentação / fragmentação entre corpo-mente-espírito.

O sofrimento, a dor da alma, as frustrações da vida são o foco do trabalho do


terapeuta comunitário.

Esta anedota ilustra muito bem esta dupla perspectiva da saúde. Dois índios
tomavam banho em um rio e, logo, apareceram duas crianças se afogando. Eles
salvaram as duas. Apareceram quatro e salvaram as quatro. Quando apareceram oito,
salvaram as oito. Quanto mais salvavam, mais apareciam. Diante do esforço sobre
humano para salvá-las e do número de crianças que se afogavam a cada instante, um dos
índios disse para o outro: “tenta salvar as crianças que puder que eu vou olhar para saber
quem está jogando estas crianças dentro do rio”. O índio que ficou salvando as crianças
achou que seu colega foi passear enquanto ele estava fazendo o trabalho mais
importante que era salvar os afogados. O outro que foi agir nos determinantes sociais
tende a considerar que seu trabalho é mais importante. Ora, estas duas dimensões
CURAR A DOENÇA e PROMOVER A SAÚDE é duas faces de uma mesma moeda.
Reduzir a saúde a um destes aspectos é uma prova de miopia intelectual. Precisamos
entender que estas atividades são complementares uma da outra.

Esta compreensão nos abre os horizontes. Faz da saúde um território público,


plural, um processo dinâmico, no qual todos são chamados a intervir preventivamente
em um conjunto de fatores, numa dialética mobiliza Dora de atores sociais e de
diferentes saberes. Esta compreensão clarifica nossa intervenção e nos impede de
querer:

Medicalizar os problemas sociais;


Socializar os problemas médicos;
Dar respostas individuais aos problemas coletivos;
Agir como salvador da pátria;
Esperar tudo das decisões governamentais.

Precisamos buscar soluções participativas, integrando saberes e ampliando redes


solidárias.

A Terapia Comunitária tem sido uma destas soluções que nasce da força/riqueza
da diversidade. A TC é uma ação cidadã que transcende classes sociais, profissões,
raças, credos, partidos... Cada um partilha seu saber, sua competência, construindo uma
grande rede solidária na multicultura brasileira. Os responsáveis por esta atividade são

5 Carta de OMS
os agentes comunitários de saúde, os agentes pastorais das diversas igrejas, as
lideranças comunitárias, os psicólogos, os assistentes sociais, os fisioterapeutas, os
advogados, os artistas, os sacerdotes, os pastores, os curandeiros, os médicos, os
educadores, os enfermeiros...

A rede da TC no Brasil

Temos:

30 pólos formadores

12.500 Terapeutas treinados

575.000 Rodas de TC Realizadas

8.625.000 Atendimentos Realizados

Em 26 Estados Brasileiros.

Onde temos atuado?

Na rede de Atenção Básica, especialmente com as equipes de Saúde da Família,


na rede de Saúde mental, através do programa Humaniza SUS, na rede de Atenção
Hospitalar, na rede pública de Educação, na Secretaria Nacional Anti-Drogas (SENAD).
Na Segurança Pública, temos atuado no Programa de Justiça Terapêutica e nos grupos
no sistema prisional. Atuamos ainda na FUNAI e em grupos de auto-ajuda.

CAP 11

Instrumentos para Avaliar o Impacto da TC:

1- Por que avaliar?

A Terapia Comunitária está sendo desenvolvida em 27 Estados do Brasil e já


conta com cerca de 12.500 terapeutas formados pelo Departamento de Saúde
Comunitária da Faculdade de Medicina e da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade
Federal do Ceará. Nós, que estamos familiarizados com esta prática, podemos sentir
seus efeitos transformadores e identificar o impacto que ela tem trazido para pessoas,
famílias e comunidades. No entanto, temos necessidade de utilizar instrumentos que nos
permitam fazer uma avaliação consistente para então podermos verificar o impacto que
a TC tem, de fato, produzido nas pessoas e nas comunidades onde ela é aplicada.
Durante estes vinte anos de experiência, fomos construindo alguns indicadores de saúde
comunitária e procuramos sistematizá-la de tal forma que nos permitissem fazer uma
avaliação das mudanças trazidas pela TC.

A avaliação vai possibilitar, também, aos terapeutas comunitários uma reflexão


sobre o que está funcionando no seu trabalho, bem como o que precisa melhorar tendo

5 Carta de OMS
como referencial aos alicerces teóricos, a metodologia e a ética da abordagem da TC.
Por isso, é importante que ela seja contínua e integral, ou seja, contemple aspectos
internos (atuação da equipe de terapeutas) e externos (impacto individual e coletivo)

Para avaliar o trabalho do terapeuta comunitário, nos diferentes espaços


coletivos em que atuam, propomos quatro indicadores de Saúde Comunitária.

1-Vínculos (Quantidade e Qualidade)

2-Auto-Estima

3-Rede de Apoio Médico-Social

4-Mudanças Coletivas

2-Por que avaliar vínculos?

Vínculo é tudo aquilo que liga os homens entre si e os homens à terra, a suas
crenças, aos seus valores, enfim, a sua cultura que lhe confere identidade, inclusão e
sentido de pertença. É importante identificar, quantificar e qualificar esses vínculos,
sobretudo quando as pessoas estão vivendo situação de crise e sofrimento psíquico.
Poder quantificá-los e, sobretudo, qualificá-los nos permite avaliar a situação vincular
em que o indivíduo se encontra e procurar sanear, reforçar e, principalmente,
desenvolver ações complementares de consolidação do tecido social, promovendo a
inclusão social.

Identificamos três tipos de vínculos:

1-Vínculos Saudáveis: são os vínculos que nos ligam aos outro de maneira
positiva, que nos deixam felizes e confiantes, pois reforçam nossa identidade pessoal e
cultural, consolidam nossa inclusão social e reforçam o sentimento de pertença do
grupo. Ter um trabalho, possuir documentos de identidade, pertencer a um grupo ou
associação, votar em dirigentes são vínculos que consolidam e promovem a vida em
sociedade. São esses vínculos que se tornam armaduras protetoras contra os choques
próprios de quem vive em família e na comunidade.

2-Vínculos frágeis: São os vínculos que nos deixam desconfortáveis. Mantemos


uma relação cuja intensidade deixa a desejar. Por exemplo, gostaríamos de poder
estabelecer um diálogo, mas este é impossibilitado por alguma razão inconsciente ou
alheia a nossa vontade. Ou ainda, quando trabalhamos sem carteira assinada, portanto,
sem garantias de segurança social que a lei nos confere. O relacionamento vai esfriando,
a confiança fica abalada e o vínculo vai ficando fraco, superficial e aos poucos vamos
perdendo nossa auto-estima.

3-Vínculo de risco: É aqueles vínculos que infernizam nossa vida, que nos
separam uns dos outros, como intriga, a ausência de diálogo. Esse tipo de vínculo

5 Carta de OMS
prejudica nossa saúde, assim como o uso de drogas que nos exclui do grupo e das
chances de inclusão. Ou ainda, quando somos privados do suporte solidário do grupo
diante das dificuldades de saúde, de busca de emprego ou em momentos de perdas.

A aplicação do questionário da Avaliação dos Vínculos nos permitirem


quantificar e qualificar os vínculos das pessoas que trazem suas dificuldades e
sofrimentos para a Terapia Comunitária. Esses dados podem dar uma justa idéia das
relações sociais que aquelas pessoas estão estabelecendo. Podemos, assim, avaliar
posteriormente o impacto da Terapia Comunitária no reforço dos vínculos e da inclusão
social. Poder consolidar os vínculos saudáveis, reforçar os vínculos frágeis e combater
os vínculos de risco é uma ação educativa e política de promoção da vida e da
construção de redes solidárias.

2- Por que avaliar a auto-estima?

“As catástrofes são obras do acaso, mas a miséria é uma construção humana.”
Todo sofrimento é uma construção humana, dizia um poeta da comunidade Quatro
Varas. De fato, compreender que cada um de nó detém a chave do próprio sucesso e do
próprio fracasso é um importante passo para nos livrarmos de um sentimento de
impotência diante de fatos produtores de sofrimento.

Esse sentimento de impotência provém do fato de não compreendermos o que


está acontecendo e, por isso, passamos a ter medo de tudo e de todos. Ficamos isolados
e bloqueados porque não dispomos de elementos que nos permitem pensar, refletir, que
é a única maneira de encontrar uma saída.

A auto-estima é a chave que nos possibilita sair dessas situações aparentemente


sem solução. Ela é a chave de nossa felicidade ou infelicidade. Ela encoraja ou
desencoraja nossos pensamentos e sentimentos.

A auto-estima nos conduz à felicidade, quando acreditamos em nós mesmos e


em nossa capacidade de superar os obstáculos. Sentimo-nos mais confiantes, mais
seguros, mais persistentes na busca do sucesso dos nossos atos. Nessa caminhada, as
quedas são atribuídas as nossas falhas. Assumimos nossos erros, nos corrigimos e
prosseguimos com maior confiança em nossa capacidade de superação. Só podemos
agir desta maneira quando compreendemos o que está acontecendo, quando nos
sentimos sujeito. Nossa preocupação é curtir a vida de forma prazerosa.

A auto-estima nutre a nossa infelicidade quando nutrimos um sentimento de


incapacidade e passividade diante das quedas; o sofrimento é visto como uma sina,
como algo ocasionado por pessoas más, por espíritos maus ou ainda por forças ocultas e
sempre externas. Nesse sentido, nos tornamos adversários de nós mesmos. Tudo se
torna ameaçador quando não acreditamos em nosso potencial e nutrimos um sentimento
de que nada mais fazemos do que sofrer as conseqüências de energias negativas,
externas que nos atacam. Nossa preocupação primeira é a de evitar o sofrimento, buscar
a acomodação e evitar todo desafio visto como ameaçador. Já dizia um filósofo oriental:

5 Carta de OMS
“O homem que não tem sua história presente em sua memória está condenado a repeti-
la”.

A base da auto-estima se constrói nas relações familiares e se consolida através


do estabelecimento ou ampliações de relações sociais saudáveis. Uma educação baseada
no amor, no respeito, na valorização e na competência e bondade do indivíduo são
adubos essenciais para o nosso crescimento. Porém, quando vivemos em um clima de
desqualificação e exposição ao ridículo e as humilhações, a maus tratos físicos e
emocionais a auto-estima atrofia-se e perdermos a bússola que pode nos conduzir à
felicidade.

Para despertar e reforçar a auto-estima precisamos conhecer os seus mecanismos


para podermos intervir no seu processo e ajudar as pessoas a explorarem seu potencial e
gozar dos benefícios geradores de felicidade.

Branden (19990 enumera seis grandes pilares que dão sustentação á auto-estima.
Vejamos:

Viver conscientemente

São muito importantes termos consciência do que está por trás dos nossos atos. É
preciso compreender os motivos que nos levam a ter atitudes geradoras de felicidade e
de sofrimento. Tudo é possível compreender, quando fazemos um esforço de
clarificação. Quando não compreendemos o que está acontecendo nos sentimos vítimas,
objetos e apenas sofremos os efeitos de causas ocultas, misteriosas, sempre vistas como
mais fortes do que nossa capacidade de resistir e superar. Poe isso, é muito importante a
reflexão, o esforço para compreender as motivações conscientes e inconscientes.
Conhecê-las é a melhor maneira de dominá-las, de transformá-las e de nos sentirmos
sujeitos e não mais objetos.

Auto-aceitação

Auto-aceitar-se é ver-se como uma pessoa que tem valor próprio. É poder dizer:
“Tenho valor, sou capaz.” É poder se afirmar, dizer “não, basta, me respeite.” Se
calamos, com certeza, o corpo vai falar através de vários sintomas: gastrites, úlceras etc.
Quem se rejeita e não se aceita não tem futuro promissor. Todo ser humano é imperfeito
e, como somos humanos, cometeu erros e, muitas vezes, somos possuídos por
sentimentos negativos. Se desejarmos nos livrar deles, temos que primeiro aceitar que
erramos. Se tivermos raiva, aceitemos ter raiva, se temos medo, aceitemos ter medo.
Como podemos aprender com um erro que não aceitamos que o cometemos?

Como podemos superar um medo que nos habilita quando negamos tê-lo? Para
superar nossas dificuldades temos que admiti-las, temos entrar em contato com nossos
sentimentos e experimentá-los, como pessoa, quando aceitamos serem amigos de nós
mesmos. A auto-aceitação exige que questionemos os porquês que nos levaram a ter
atitudes que consideramos desejáveis e apropriadas.

5 Carta de OMS
Auto-Responsabildade:

Tenho consciência de que sou arquiteto de minha própria felicidade. Sou


responsável por aquilo que faço, por meus desejos, minhas escolhas e pela maneira
como me relaciono com os outros. Se errar, reconheço que errei, pede perdão, me
desculpo, me corrijo, tiro as lições e sigo em frente. Jamais culparei os outros por meus
próprios erros e nem, muito menos, procurarei álibis para justificar meus deslizes. Já
dizia um filósofo alemão: “Não me envergonho de mudar porque não me envergonho de
pensar”. Portanto, o fato de mudar não traduz falta de personalidade, mas capacidade de
assumir falhas e corrigi-las.

Auto-afirmação:

Não pode ser confundida com intransigência, nem agressividade. É aceitar ser o
que é com qualidades e defeitos, sem precisar esconder ou falsificar a si mesmo para
poder ser aceito pelos outros. “Eu sou o que sou e não estou neste mundo para
corresponder às expectativas dos outros”. Muitas pessoas têm medo de dizer o que
pensam por medo de não serem aceitas; outras têm medo de se revelarem felizes por
medo de sofrerem a inveja. Estes pensamentos só fazem imobilizar o crescimento
humano. Submeter-se à tirania dos outro só faz adiar confrontos que são inevitáveis e
perder a chance de virar a página ou fechar o livro que terminou de ler. Precisamos
nutrir em nós a confiança e a segurança naquilo que somos sem medo de represálias.

Intencionalidade:

Diz o ditado popular: “Nenhum vento sopra favorável quando não sabemos para
onde queremos ir”. Não podemos perder de vista nossos objetivos, nossos sonhos e
nosso potencial. Um dos maiores desafios da vida é deixarmos de viver na dependência
de pessoas e de coisas para atingirmos uma autonomia que nos permita comer pão do
suor de nosso esforço. Para tanto, precisamos ter disciplina, perseverança, capacidade
de nos organizar e, sobretudo, acreditar em nós mesmos. Precisamos ser cuidadosos e
sempre nos perguntar: “O que quero de minha vida? “O que estou fazendo para
conseguir?”“, “Preciso mudar de estratégia para corrigir os desafios?”, Vale à pena
manter certos relacionamentos que já sei de antemão que não me levaram a lugar
nenhum?” temos que ir a luta, temos que ter garra. Precisamos dizer sim, quando for
necessário, e dizer não, quando for preciso.

Integridade pessoal:

Exige autenticidade e cobrar dos outro aquilo que cobramos de nós mesmos.
Precisamos ter uma vida pautada em valores e crenças e não arredamos o pé desses
valores. Temos que evitar o que deploramos e, sobretudo, procurar sermos justos com
os outros. Para restaurarmos a integridade, precisamos admitir nossas falhas, sem culpar
os outros; entender o porquê daquilo que fazemos; reconhecer nossos erros e pedir
perdão; reparar os danos causados e nos comprometer a agir no futuro de forma
diferente.

5 Carta de OMS
4-Avaliação da rede de apoio social:

É muito importante que as pessoas que participam das Terapias Comunitárias


possam se beneficiar da rede de apoio médico-psicosocial formal e informal e de
promoção da vida. Todo encaminhamento feito após a TC deve ser acompanhado para
ver se a TC está promovendo inclusão social. Se a entrada na rede apresenta problemas,
estes precisam ser removidos para que, de fato, haja uma complementaridade das ações.
Do contrário, corremos risco de termos práticas isoladas sem nenhum efeito integrador e
fortalecedor dos vínculos pessoais e sociais.

5-Avaliação do impacto no plano coletivo:

Não podemos negligenciar o impacto da TC na coletividade. Daí porque


propomos alguns indicadores macros que nos permitam fazer também uma avaliação
mais ampla do impacto da TC. Para fazer a avaliação no plano macro é importante que
se faça diagnóstico comunitário antes de iniciar a Terapia Comunitária para que, após
algum tempo, se tenha os dados para uma análise comparativa. Por exemplo: saber se
nas comunidades onde as terapias comunitárias estão sendo desenvolvidas houve
alguma modificação significativa que permita avaliar o impacto no corpo social.
Apresentamos adiante, a título de sugestões, alguns dados que podem merecer atenção
como indicadores de mudanças sociais significativas.

6-Como avaliar?

Propomos a seqüência das etapas seguintes:

1. Avaliação da atuação dos terapeutas na sessão (Ficha nº 1).

2. Coleta de dados para posterior análise (Ficha nº 2).

3. Avaliação do impacto:

3.1. Plano Individual (Ficha nº 3).

_Vínculos

_ Auto-Estima

_ Rede social

3.2. Plano coletivo (Ficha nº 4)

Ficha nº 1

Apreciação da Atuação da Equipe de Terapeutas Comunitários (as)

5 Carta de OMS
Refere-se à reflexão da equipe de terapeutas comunitários sobre o
desenvolvimento da etapa, Acolhimento, Escolha do Tema, Contextualização,
Problematização, e Encerramento (rituais de agregação)

Etapas Como foi Como podemos


desenvolvido? Assinale aprimorar?
abaixo Enumere abaixo:

1. Acolhimento: Excelente, bom,

1.1. Dar as boas-vindas regular, ruim

1.2. Definição da TC Justifique

1.3. Regras Justifique

1.4. Celebrações, Aniversários Justifique

1.5. Dinâmica de Aquecimento Justifique

1.6. Apresentação do terapeuta que Justifique

vai dar continuidade ao trabalho

Escolha do Tema Justifique

2.1. Palavra do Terapeuta

Comunitário

2.2. Apresentação dos temas e Justifique

capacidade de síntese

2.3. Identificação do grupo com os Justifique

temas apresentados

5 Carta de OMS
2.4. Votação Justifique

2.5. Agradecimento Justifique

3.Contextualização a) Justifique

informações/questionamentos sobre o

tema escolhido

b) Construção do mote Justifique

4. (Problematização a) Formação da Justifique

roda

5. (Encerramento (rituais de Justifique

agregação) a) formação da roda

b)Conotação Positiva

Providências para a próxima Terapia

Comunitária

Formação em Terapia Comunitária – Anexo 2


Ficha 2
Organização das Informações

Refere-se ao registro de temas, número de participantes, motes e estratégias


comunitárias.

Orientação: as informações devem ser preenchidas na ficha por algum membro


da equipe durante desenvolvimento de cada sessão da Terapia Comunitária.

5 Carta de OMS
Integrantes da Equipe:

Nome Etapa da Terapia Comunitária Desenvolvida

1- ( )Acolhimento

2- ( )Desenvolvimento da TC

3- ( ) Encerramento

Localização:

Endereço do local da TC Data Horário

Participantes na Terapia Comunitária:

Nº total de participantes Faixa etária Quantitativo Nº total de participantes


novatos

>12 anos 12 a 18 anos

18 a 45 anos

45 a 60 anos

+ de 60 anos

Temas/ Mote /Marque o tema escolhido

Temas apresentados Mote

(1)

(2)

(3)

(4)

(5)

(6)

Estratégias de Enfrentamento:

5 Carta de OMS
1-

2-

3-

4-

5-

6-

7-

8-

9-

10-

Bagagem – O que os participantes levam da TC

Ficha nº3

Modelo para Avaliação do Impacto

(Plano Individual)

Refere-se à melhoria ocorrida na qualidade de vida e bem-estar dos participantes


a médio e longo prazo.

Orientação: a Avaliação dos Indicadores de Saúde Comunitária deve ser


aplicada com todos os participantes que apresentarem seus problemas (anotadas na ficha
nº 2), mesmo não tendo sido escolhido, e após, no mínimo, sessenta dias, deve ser
reaplicado o mesmo questionário com os mesmos participantes. Caso o participante não
compareça à Terapia, o terapeuta deve entrar em contato por telefone ou pessoalmente
para agendar um encontro para replicar a avaliação. Não deve se esquecer de esclarecer
os objetivos destes questionários, bem como, salvaguardar o sigilo das informações.
Sugerimos utilizar um Termo de Autorização, como, por exemplo, o que segue no
anexo B. Também lembramos que as fichas devem sempre ser preenchidas pelos
terapeutas, jamais pelos próprios participantes.

5 Carta de OMS
IDENTIFICAÇÃO:

Nome Completo: ___________________________________________

Idade: _____________________ Nascimento: ___/____/____

Estado Civil: ________________ Nº de filhos (as):_____________

Profissão: _______________________________________________

Religião:________________________________________________

Endereço: ______________________________________________

Telefone:________________________________________________

E-mail: __________________________________________________

Como soube da Terapia Comunitária: __________________________

Por que a procurou:________________________________________

1-Avaliação dos Vínculos:

Procure assinalar a alternativa que mais se aproxima da situação vivida pelo (a)
entrevistado (a).

(A )Não {0 ponto} (B ) Sim {1 ponto}

1.2 Como se sente no momento 1.3 Como se sente no momento


vivendo sem família? vivendo com estas pessoas?

1.1 ( ) Muito bem. Foi minha C.1( ) Insatisfeito, com vontade de


opção me afastar.
-1( ) 1.2 ( )Sinto-me mais ou menos. B.2( ) Chateado e aborrecido, mas 1V()
Foram as circunstâncias da vida família é mesmo assim
que me levaram a viver sem a
A.3.1 ( ) Satisfeito e feliz.
família.

1.3 ( ) Detesto morar sem família

5 Carta de OMS
2 Vínculo Conjugal: ( saber se a pessoa vive atualmente um relacionamento afetivo e
como lida com o conflito, caso haja.

2.1 Vocês, neste momento, convivem com alguém maritalmente?

A) ( ) Não { 0 ponto] B) ( ) Sim {1 ponto}

2.2 por que você não convive 2.3 Quando vive um conflito
maritalmente com alguém neste com o (a) parceiro (a)?
momento?
C.2( ) Nunca conversam ou tem
2.1( )Tenho dificuldade de sempre um que se fecha e não
convivência. quer falar.

-2( ) 2.2 ( ) Ainda não encontrei A.2 ( ) conseguem conversar 2.V( )


ninguém. sobre o conflito.

2.3( ) por opção. Prefiro viver B.2 ( ) Evitam conversar sobre o


assim. que ocasionou o conflito

3) Vínculo Filial (saber se tem filhos(as) e qual a qualidade do relacionamento).

3.1. Você tem filhos (as)?

(A )Não {0 ponto} (B ) Sim {1 ponto}

3.2 Por que você tem filhos (as)? 3.3. Na relação com os (as) filhos
(as):
3.1( ) Por opção ou não quero ter
filhos(as). B.3( ) Às vezes converso, brinco
e troco idéias.
3.2( )Não gosto de criança.
-3( ) A.3( ) tenho o hábito de 3.V( )
3.3( )Tentei, mas não consegui. conversar, brincar ou trocar
idéias.

5 Carta de OMS
4) Vínculo de moradia (Saber se tem moradia e como é o tipo da habitação).

4.1 Vocês têm lugar para morar?

A) B) (
Não {0 ponto} Sim {1 ponto}
4.2 Quais o motivo para não ter 4.3 Este lugar é:
um lugar para morar?
A.4 ( ) Próprio ou da família.
4.1( )Já tive mas perdi
C.4 ( ) Ocupação ou
4.2( )Falta condição material. cedido(emprestado)
-4( ) 4.V( )
4.3( )Eu acho que nunca vou ter B.4 ( ) Alugado
a minha casa.

5) Vínculo Comunitário (saber do conhecimento dos recursos da comunidade e do


nível de inserção em seu contexto)

5.1 Você conhece a comunidade, prédio ou bairro onde mora? (por ex: delegacia,
escola, associações, posto de saúde).

A) B) (
Não {0 ponto} Sim {1 ponto}
5.2 Por que você não conhece a 5.3 Como você se sente na
comunidade, prédio ou bairro comunidade, prédio ou bairro
onde mora? onde mora?

5.1 ( ) Não pretendo ou não C.5 ( ) Não me sinto bem, se eu


preciso fazer amigos aqui. pudesse mudaria dessa
comunidade ou bairro.
5.2 ( )Gostaria, mas as pessoas ou
instituições são fechadas ou B.5( )Ora satisfeito(a), ora
-5( ) apressadas. insatisfeito(a). 5.V( )

5.3( ) Tenho dificuldade. Não


gosto de incomodar as pessoas.

5 Carta de OMS
6) Vínculo com a leitura (saber sobre o uso da leitura como um recurso de inserção)

6.1 Vocês sabem ler?

A) B) (
Não {0 ponto} Sim {1 ponto}
6.2 Qual a razão para não saber 6.3 Gosta de ler?
ler?
A.6 ( ) Sempre que eu posso.
6.1( )Tenho dificuldade para
aprender. B.6( )De vez em quando.

-6 ( ) 6.2( )Não tenho interesse por C.6( )É muito difícil 6.V( )


estudo.

6.3 ( ) não tive chance, mas


gostaria.

7) Vínculo com a escrita ( saber sobre o uso da escrita como recurso de inserção).

7.1 Vocês sabem escrever?

A) B)( ) Sim {1 (
Não {0 ponto} ponto}

7.2 Qual a razão para não saber escrever? 7.3 Gosta de


escrever?
7.1( ) Tenho dificuldade para aprender.
B.7( )De vez
7.2 ( ) Não tenho interesse por estudo. em quando
-7( ) 7.3( ) Gostaria de aprender a escrever, mas não A.7( )Sempre 7.V( )
tive chance. que posso

C.7( )É muito
difícil

5 Carta de OMS
8) Vínculo Profissional (saber se houve capacitação e se trouxe benefício).

8.1. Você já fez algum curso profissionalizante?

A) B) (
Não {0 ponto} Sim {1 ponto}
8.2Por que você nunca fez um 8.3 Na prática, este curso
curso? melhor tem lhe ajudado a fazer
melhor o que você faz hoje?
8.1( 0Não acredito nesses cursos.
C.8( )Este curso não me
8.2( )Ainda não tive chance. ajudou a fazer melhor o que eu
8.3( )Não sei se um curso vai me faço.
-8( ) 8.V( )
ajudar. B.8( )mais ou menos, porque
uso muito pouco o que
aprendi.

9) Vínculo Econômico (saber sobre a disponibilidade de recursos financeiros/ou de


salário afetivo)

9.1 Estão trabalhando ou tem algum benefício: aposentadoria, auxílio?

A) B) (
Não {0 ponto} Sim {1 ponto}
9.2 Por que você está sem 9.3 No desempenho do trabalho
trabalho e sem algum tipo de ou quanto à renumeração
serviço? recebida

9.1( ) Porque só encontro vagas A.9( )Estou satisfeito(a). Sinto-


para trabalho que não sei fazer. me reconhecido (a) e valorizado
(a)
9.2( ) Porque tenho tentado, mas
não consigo. B.9 ( ) estou mais ou menos
-9( ) satisfeito(a). Nem sempre me 9.V( )
9.3( ) Porque não fico muito sinto reconhecido (a) e
tempo em um trabalho. valorizado (a).

C.9( 0Estou insatisfeito. Nunca


me sinto reconhecido(a) e
valorizado(a).

5 Carta de OMS
10) Vínculo Religioso (saber sobre o envolvimento com um grupo religioso de apoio)

10.1 Fazem parte de alguma religião ou igreja?

A) ( ) Não {0 ponto} B) Sim {1 ponto}

10.2 Por que você não participa? 10.3Como estamos suas


participações?
10.1 ( ) Já freqüentei, mas hoje
não quero ou não preciso. B.10( ) Regular, porque só
participo do que acontece na
10.2( ) Não gosto dessas coisas minha igreja/religião quando
de religião. posso.
-10( ) 10.3 Ainda não precisaram. 10.V( )
A.10( )Excelente, participo de
tudo que acontece na minha
igreja(religião), não perco nada.

C.10( )Ruim, porque eu


acredito na minha igreja/
religião, mas não participo.

11)Vínculo de Saúde Física: (saber sobre a saúde e a consciência de estar saudável).

11.1 Atualmente vocês se sentem com saúde?

A) B) (
Não {0 ponto} Sim {1 ponto}
11.2 Vocês não se sentem 11.3 Vocês atribuem a saúde:
saudável por quê?
C.11( )Aos desígnios de Deus.
11.1( )Quando tem de morrer,
morre. A.11( )Ao tipo de vida que
levo.
-11( ) 11.2( ) Sei que estou doente, 11.V( )
mas não gosto de tomar B.11( )Aos remédios que tomo.
remédio.

11.3( )Tomo remédio

5 Carta de OMS
12)Vínculo de Saúde Psíquica: (saber sobre o uso do remédio controlado).

12.1 Atualmente vocês fazem uso de remédio controlado para os nervos?

A) B) (
Não {0 ponto] Sim {1 ponto}
12.2 Por que você não toma 12.3 Quantos remédios
remédio para os nervos? controlados você faz uso por
dia?
12.1( )Não gosto de tomar
remédio. A.12( ) 1(um)

12.2( )Não acredito que o B.12( ) 2 (dois)


-12( ) remédio vai me ajudar. 12.V( )
C.12( )3 três ou mais
12.3( )Não preciso ou nunca
me receitaram.

13)Vínculo de apoio social 1( saber sobre a necessidade ao serviço de saúde).

13.1 Em caso de doença, você sabe a qual hospital ou centro de saúde se dirigir?

A) B) (
Não {o ponto} Sim {1 ponto}
13.2 Por quê? 13.3 Por quê?

13.1 ( ) Prefiro outros recursos. C.13 ( )Saio procurando até


encontrar.
13.2( ) Não sei como chegar lá.
A.13( ) Porque sou uma
-13( ) 13.3( )Nunca precisei. pessoa informada do serviço 13.V( )
de saúde da comunidade.

B.13( )Porque peço


informações até chegar lá.

5 Carta de OMS
14) Vínculo de apoio social 2: (saber a qualidade do acolhimento e o nível de
confiança no atendimento de saúde)

14.1 Vocês já precisaram ser atendidos (a) por algum profissional do Serviço de Saúde?

A) B) (
Não {0 ponto} Sim {1 ponto}
14.2 Por quê? 14.3 Durante o atendimento:

-14( ) 14.1 ( )Nunca precisei. B.14 ( ) Fiquei 14.V( )

14.2( ) Não acredito neles.

14.3 ( )Não sei esperar; tem


muita gente.

15) Vínculo de apoio social 3: (saber se ele(a) pode contar com a ajuda de alguém).

15.1 Se você precisar do serviço de saúde pode contar com alguém para chegar lá?

A) B) (
Não {0 ponto} Sim {1 ponto}
15.2 Por quê? 15.3 Quem?

15.1( )Não gosto de incomodar. A.15( ) familiares

15.2( 0Procuro resolver meus C.15( ) conhecidos e vizinhos.


problemas sozinho(a).
-15( ) B.15( )Amigos 15.V( )
15.3( )Não confio em ninguém.

16) Vínculo de amizade: (saber se a pessoa dispõe de um circulo de amizade e se sente


que é acolhida)

16.1 Quando você se sente magoado (a), ofendido(a), injustiçado(a), humilhado(a) tem
com quem desabafar?

A)( ) Não {0 ponto} B) ( ) Sim {1 ponto}

16.2 Quais o motivo por não ter 16.3 Quando você desabafa?
ninguém para desabafar?
C.16( )Nunca me escutam
16.1( ) prefiro guardar para mim
B.16( )Algumas vezes sinto-me
16.2( ) Não tenho amigo(as) escutado(a)

16.3( ) Não acredito em amizade A.16( )Sinto-me escutado(a)


-16( ) com atenção e respeito. 16.V( )

5 Carta de OMS
17) Vínculo de documentação: (saber se a pessoa possui documentos)

17.1 Vocês possuem documentos?

A) B) (
) Não { 0 ponto} ) Sim { 1 ponto}
17.2 Por que você não tem 17.3 Quais (is)?
documentos?
A.17( ) Todos (RG, CPF, C.
17.1( )Não preciso de Trabalho. Habilitação, C.
documentos para o tipo de vida Nascimento, Título de Eleitor.
-17( ) que levo. 17.V( )
B.17( ) Uns 2 ou três.
17.2( ) Nunca tive.
C.17( ) Somente um.
17.3( )Tinha, mas perdi ou
roubaram.

18) Vínculo de cidadania: (saber se a pessoa exerce sua cidadania)

18.1 Na última eleição você votou?

A) B) (
) Não {0 ponto} ) Sim {1 ponto}
18.2 Por que você não votou? 18.3 Por quê?

18.1( )Não gostei de nenhum B.18 9 ) Para garantir meu


candidato. emprego.
-18( ) 18.V( )
18.2( )Um voto não muda nada. C.18( ) por obrigação.

18.3( ) Políticos não cumprem


suas promessas.

5 Carta de OMS
19) Vínculo de segurança: saber sobre o nível de consciência de participação na
própria segurança)

19.1 Existe algum lugar onde você se sente seguro (a)?

A) B) (
) Não {0 ponto} ) Sim {1 ponto}
19.2 Por quê? 19.3 O que você tem feito para
se proteger?
19.1( 0 Quando chega a hora de
morrer não pode impedir que C.19( ) Não saio mais de casa.
aconteça.
A.19( ) Evito sair sozinho(a)
19.2( )Não adianta, quando tem para lugares perigosos.
-19( ) que acontecer, acontece. 19.V( )
B.19( )Nada, confio em Deus.
19.3( ) Hoje não existe lugar
seguro.

20) Vínculo de lazer: (saber se a pessoa participa de um lazer e qual o motivo)

20.1 Têm diversão na sua vida?

A) B) (
Não {0 ponto} Sim {1 ponto}
20.2 Por que você não se Por que você se diverte?
diverte?
B.20( ) Com a diversão esqueço
20.1( ) Não tenho tempo. um pouco as preocupações.
-20( ) 20.V( )
20.2( ) Não tenho vontade. A.20( ) Para viver com mais
alegria, disposição e felicidade.
20.3( ) Diversão é luxo.

5 Carta de OMS
21) Vínculo Alimentar: (saber se a pessoa tem recursos para se alimentar e se está
satisfeita com os alimentos que ingere)

21.1 Vocês se alimentam todos os dias?

A) B) (
Não {0 ponto} Sim {1 ponto}
21.2 Quais o motivo? 21.3 Vocês gostam de sua
alimentação?
21.1( ) Como o que me dão.
A.21( )Sim, porque como o que
21.2( ) Nem sempre posso gosto
comprar.
C.21( )Como o que dá para
21.3( ) Para economizar e pagar comprar.
-21( ) outras contas. 21.V( )
B.21( ) Mais ou menos, ou, se
eu pudesse, melhoraria a
qualidade da minha
alimentação.

22) Vínculo Ecológico: (saber se existe preocupação e consciência ecológica).

22.1 Vocês se preocupam com a preservação da natureza e dos animais.

A) B) (
Não {0 ponto} Sim {1 ponto}
22.2 Por que você não se Por que você se preocupa?
preocupa?
C.22( )Porque é importante,
22.1( ) Não tenho nada com mais é coisa do governo.
isso.
B.22( ) Porque está na moda.
-22( ) 22.V( )
22.2( )Não tenho tempo para
isso. A.22( ) Porque todos os seres
vivos têm direito à vida.
22.3( ) Não tenho interesse.

5 Carta de OMS
23)Vínculo Tecnológico 1: saber se a pessoa faz uso e reconhece o valor do aparelho
telefônico).

23.1 Vocês sabem usar o telefone?

A) B) (
Não {0 ponto} Sim {1 ponto}
23.2 Por que você não sabe 23.3 Como se sente?
usar um telefone?
A.23( )Muito bem e facilita a
23.1( ) É complicado. minha vida.
-23( ) 23.V( )
23.2( ) Não posso, pois não B.23( )Bem, mas evito usar.
tenho dinheiro para comprar.
C.23( ) Não gosto, prefiro falar
23.3( ) Não tive chance de pessoalmente.
aprender.

24) Vinculo Tecnológico 3: (saber se a pessoa faz uso e reconhece o valor do caixa
eletrônico).

24.1 Você sabe usar o caixa eletrônico?

A) B)
Não {0 ponto} Sim {1 ponto}
24.2 Por que você não sabe 24.3 Como se sente?
usar o caixa eletrônico?
C.24( )Bem, mas evito usar por
24.1( ) Não tive chance de uma questão de segurança.
aprender
B.24( ) Não gosto de ficar na
-24( ) 24.2( ) É complicado. fila esperando. 24.V( )

24.3( ) Não gosto, porque A. 24( ) Muito bem e facilita


sempre tem um defeito na minha vida.
máquina.

5 Carta de OMS
25) Vínculo da solidariedade: ( saber do nível de participação e sensibilidade com os
que estão precisando de apoio.

25.1 Quando você sabe que alguém de sua comunidade precisa de ajuda, você faz
alguma coisa?

A) B) (
Não {0 ponto} Sim {1 ponto}
25.2 Por quê? 25.3 Por quê?

25.1( )Isso é coisa para C .25 ( ) Para não ser criticado


ou mal visto.
-26( ) 25.2( ) Não gosto. 26.V( )
A.25( ) Sou sensível à dor e ao
25.3( ) Por falta de tempo. sofrimento do próximo.

B.25( ) Tenho tempo livre.

26) Vínculo Social: (saber se a pessoa dispõe de algum grupo de apoio social)

26.1 Participa de alguma associação, grupo, sindicato, pastoral?

A) B) (
Não {0 ponto} Sim {1 ponto}
26.2 Por quê? 26.3Por quê?

26.1( ) Não tenho tempo. A.26( ) Para não me sentir


inútil.
26.2( ) Isso é para quem não tem
o que fazer. B.26( ) Para me sentir integrado
-26( ) 26.V( )
26.3( ) Não gosto. C.26( ) Para não ser mal
entendido(a) pelos outros.

5 Carta de OMS
27) Vínculo de Dependência: (saber se a pessoa possui algum vício)

27.1 Vocês têm a vida livre de vícios (bebida, jogo, fumo)?

A) B) (
) Não {0 ponto} ) Sim { 1 ponto}
27.2 Por quê? 27.3 por quê?

27.1( ) Alivia o sofrimento. A.27( 0 faz mal para a saúde.

-27( ) 27.2( 0Gostaria muito de me B.27( ) Não tenho dinheiro 27.V( )


livrar, mas não consigo. para isso.

27.3( ) Porque eu gosto. C.27( ) não gosto.

28)Vínculo Espiritual: (saber se a pessoa possui algum vínculo transcendental).

28.1 Vocês acreditam em forças superiores, universo, cosmos, natureza ou Deus?

A) B) (
) Não {0 ponto} ) Sim {1 ponto}
28.2 Por que você não 28.3 Por que você precisa
acredita? dessa crença?

28.1( )Acredito só em mim A.28( ) É o que dá sentido a


minha e me estimula.
28.2( )Não acredito em nada.
-28( ) B.28( )Porque todo mundo 28.V( )
28.3( )Acredito só na precisa acreditar em algo.
humanidade ou na ciência
C.28( ) Por pressão familiar
ou social.

7- Orientações:

1) Para contabilizar a QUANTIDADE de vínculos, some todos os SIM respondidos


pelo participante nas questões ( 1.1, 2.1,3.1,4.1...28.1)

2) Utilize as respostas negativas (1.1, 2.1,3.1,4.1...28.1) como informações preciosas


para identificar os pontos críticos da desvinculação. Estes dados vai permitir
desenvolver ações preventivas nas políticas de Saúde Pública ( Saúde da Família,
Saúde Ambiental, Saúde Ocupacional, Nutrição na Saúde Pública etc).

3) Para saber QUALIDADE dos vínculos existentes (contabilizados nas questões 1.1,
2.1, 3.1, 4.1...28.1) veja a resposta:

3.1) Vínculo saudável - Letra A (A.1, A.2, A.3, A.4...A.28)

5 Carta de OMS
3.2) Vínculo frágil - Letra B (B.1, B.2, B.3, B.4...B.28)

3.3) Vínculo de Risco – Letra C (C.1, C.2, C.3, C.4... C.28)

4) Para saber a porcentagem da quantidade e/ou da qualidade dos vínculos construídos


pelos participantes utilize a regra de três.

4.1)Quantitativo – Multiplique a quantidade de vínculos apresentados pelo participante (


contabilizados nas questões 1.1, 2.1,3.1, 4.1...28.1) por 100( cem), em seguida divida
por 28 (vinte e oito) quantidade máxima de vínculos.

Ex; 100% - 12 (quantidade máxima de vínculos)

X – 12(quantidade de vínculos apresentados pelo participante)

X= 12x100% = 1200% = 42,85%

28 28

Logo: 12 vínculos é igual a 42,85%

4.2) Qualitativo – Multiplique a quantidade de Vínculos Saudáveis apresentados pelo


participante (que são as alternativas A.1, A.2, A.3, A.4,...A.28 das questões 1.3, 2.3, 3.3,
4.3, ...28.3) por 100(cem), em seguida, divida pela quantidade de vínculos apresentados
pelo participante. Repita o mesmo procedimento com os Vínculos Frágeis (que são as
alternativas B.1, B.2,B.3,B.4... B.28 das questões 1.3, 2.3,3.3, 3.4...28.3) e Vínculos de
Risco (que são as alternativas C.1, C.2, C.3, C.4,... C.28 das questões 1.3,
2.3,3.3,4.3,...28.3)

Ex: 100% - 12 (quantidade de vínculos apresentados pelo participante)

X – 4 (quant. de vínculos apresentados pelo participante)

X= 4x100% = 400% =33,33%

12 12

Logo: 4 Vínculos Saudáveis de um total de 12 é igual a 33,33%

5 Carta de OMS
Tabela:
Vínculos
existentes.
Ausência Vincular Quantitativo Qualitativo

Tipos de Alternativa 1 2 3 Alternativa V.Saudável V.Frágil V.Risco


Vínculo A B

1-Vinculo
Familiar

2-Vínculo
Conjugal

3-Vínculo
Filial

4-Vínculo de
Moradia

5-Vínculo
Comunitário

6-Vínculo
com a leitura

7-Vínculo
com a escrita

8-Vínculo
Profissional

9-Vínculo
Econômico

10-Vínculo
religioso

11-Vínculo de
Saúde Física

12-Vínculo de
Saúde
Psíquica

13-Vínculo de
Apoio Social 1

5 Carta de OMS
14- Vínculo de
Apoio Social 2

15-Vínculo de
Apoio Social 3

16-Vínculo de
Amizade

17-Vínculo de
Documentação

18-Vínculo de
Cidadania

19-Vínculo de
Segurança

20-Vínculo de
Lazer

21-Vínculo
Alimentar

22-Vínculo
Ecológico

23-Vinculo
Tecnológico 1

24-Vínculo
tecnológico 2

25-Vínculo de
Solidariedade

26-Vínculo
Social

27-Vínculo de
Dependência

28-vínculo
Espiritual

Total Pontos

5 Carta de OMS
Quantitativo Qualitativo

V. Saudável

1º aplicação V. Frágil

V. de Risco

V. Saudável

2º aplicação V. Frágil

V. de Risco

2. Avaliação da Auto-Estima

As respostas devem ser lidas na direção indicada

Responda as questões abaixo considerando a sua realidade.

1) Em um conflito com alguém você procura entender o que está


acontecendo?

B ( ) Esforço-me para entender.

A ( ) Constantemente.

C ( )Dificilmente.

D ( )Jamais procuro entender o que está acontecendo.

2) Você gosta de você e se considera uma pessoa legal sem precisar


justificar-se?

D ( )Não

5 Carta de OMS
B ( )Muitas vezes sim

C ( )Acho uma tarefa complicada.

A ( ) A todo momento.

3)Você assume as responsabilidades pelos seus atos?

A ( )Todas as vezes.

C ( ) Poucas vezes

B ( )Me empenho.

D ( ) Em tempo algum.

4) Você sente que é respeitado pelos outros?

C ( )Não.

B ( )Provavelmente, sim.

A ( )A toda hora.

D ( ) Nunca.

5) Você é capaz de perder hoje e ganhar amanhã?

B ( ) faço esforço

A ( ) Sempre.

D ( ) em tempo algum.

C ( ) Às vezes.

6) Você se considera uma pessoa autêntica?

D ( ) Não

B ( )Muitas vezes

C ( )Dificilmente

A ( ) Constantemente

7) Você vibra com sua descobertas e realizações?

A ( ) Sempre que acontece.

D ( ) jamais.

B ( )Me esforço.

5 Carta de OMS
C ( ) Raramente

8) Você é capaz de expressar e assumir seus desejos, pensamentos e


opiniões?

A ( ) A todo o momento.

D ( )Não consigo.

C ( )Às vezes consigo.

B ( )É provável que sim.

9)Você reconhece suas limitações?

B ( )Me interesso

C ( )Em algumas situações.

D ( )Não.

A ( )Constantemente.

10)Você é reconhecido e aprovado pelo que faz?

C ( )Dificilmente

D ( ) Em tempo algum.

A ( ) Sempre.

B ( ) Às vezes.

11)Você sabe e insiste no que quer?

B ( ) Me esforço para.

A ( ) Constantemente.

C ( ) Dificilmente.

D ( ) Jamais.

12)Você é justo com os outros?

D ( ) Não

B ( ) Muitas vezes sim

C ( )Acho uma tarefa complicada.

A ( ) A todo o momento.

5 Carta de OMS
13) Quando erra, você assume e pede desculpa para o outro?

A ( ) Todas as vezes.

C ( ) Poucas vezes

B ( ) Me empenho.

D ( ) Não.

14) Você consegue dizer não sem se sentir e aprender com eles?

C ( ) Muito pouco

B ( )Provavelmente sim.

A ( ) a toda hora.

D ( ) Nunca.

15) Você procura consertar seus erros e aprender com eles?

B ( )Faço esforço.

A ( )Sempre.

D ( ) Em tempo algum.

C ( ) Às vezes.

16) Você, quando pode, compra coisas pra você?

D ( ) Não

B ( ) Muitas vezes faço isso.

C ( )Dificilmente.

A ( ) Constantemente.

17) Você reflete sobre sua vida?

A ( ) Continuamente

D ( ) Jamais.

B ( ) Me esforço.

C ( )Raramente.

18)Você costuma pedir ajuda para resolver seus problemas?

A ( )A todo o momento.

5 Carta de OMS
D ( ) Não consigo.

C ( ) Às vezes consigo.

B ( ) Me empenho.

19) Você se sente capaz de começar um trabalho novo?

B ( )Me interesso.

C ( ) em algumas situações

D ( ) Não.

A ( Constantemente.

20) Você cumpre o que promete?

C ( )Dificilmente

D ( ) Em tempo algum.

A ( ) Sempre.

B ( ) Às vezes.

Tabulação:

Alternativa Pontuação

Letra A 4 pontos

Letra B 2 pontos

Letra C 1 ponto

Letra D 0 ponto

5 Carta de OMS
Resultado:

- 20 a 30 pontos: baixa auto-estima

- 31 a 50 pontos: tendência à baixa auto-estima

- 51 a 65 pontos: tendência à boa auto-estima

- 66 a 80 pontos: boa auto-estima

Ficha nº 3:

3) Encaminhamento para a Rede de Apoio Social.

1. Este (a) entrevistado(a) a algum outro serviço?

1.1( )Não

1.2( )Sim – Qual? ------------------------------------------------------------------

Por quê?

No retorno: reaplicação do questionário.

2. O (a) entrevistado (a) procurou o serviço?


2.1 ( )Não
2.2 ( )Sim

3.O(a) entrevistado(a) foi atendido(a)?

3.1( )Não

3.2( )Sim

4.O serviço ajudou a resolver o problema?

4.1( )Não

4.2( )Sim

5 Carta de OMS
Ficha nº 4

4) Indicadores para Avaliação do Impacto (Plano Coletivo)

Lá onde a terapia comunitária está sendo aplicada:

1) Houve alguma alteração significativa na fonte de renda das famílias e


comunidades?
2) Houve modificação na resolução dos conflitos tais como a diminuição da
violência.
3) Que melhorias de infra-estrutura tais como luz, água, telefone, saneamento
ocorreram na comunidade com a presença da TC?
4) Que valores culturais e/ou espirituais foram resgatados graças às Terapias
Comunitárias?
5) Houve alguma redução do uso de psicotrópicos com a aplicação das TC?
6) É possível identificar maior humanização das relações profissionais e
humanas?
7) Nas classes ou escolas que aplicam a TC com seus alunos ou familiares é
possível identificar alguma mudança como redução no número da evasão
escolar, melhora de rendimento na aprendizagem e redução dos conflitos
entre/ou família e escola?
8) Que hábitos foram modificados que sinalizam a diminuição de
discriminação, preconceitos, intolerâncias?
9) Houve diminuição da mortalidade infantil?
10) O índice de natalidade aumentou ou diminuiu?

O terapeuta devem ainda considerar todos os outros fatores que podem estar
também influenciando a melhoria das condições de vida como adoção/reforço de
programas e políticas de intervenção.

Anexo A

Termo de autorização:

Eu, ,

Aceito participar da Avaliação dos Indicadores de Saúde Comunitária realizado


(a) pelo(a)

Tendo ciência de que os dados coletados serão usados para a divulgação de


resultados da Terapia Comunitária, mas será guardado sigilo e confidencialmente, ou
seja, haverá o cuidado de resguardar a minha identidade sem constar meu nome ou
qualquer outro dado que me torne identificado para os leitores.

5 Carta de OMS
Entrevistado (a):

Entrevistador (a)

, de de 20 .

A fim de podermos sistematizar os termos mais apresentados na TC, propomos a


divisão dos temas por categoria com seus respectivos códigos.

Anexo B

Divisão dos temas por categorias.

Código 1: Tema – Estresse: angústia, medo,ansiedade, insônia, nervosismo, mágoa,


raiva, vingança, desânimo, encosto, desprezo...

Código 2: Tema – Conflitos familiares: marido e mulher, separação, pais, filhos,


irmãos, avós, netos, traição, ciúmes...

Código 3: Tema – Alcoolismo e outras drogas: tráfico, prisão, furto, dependências,


remédios, agressões...em contexto intra-familiar e comunitário.

Código 4: Tema – Trabalho: desemprego, falta de reconhecimento, insatisfação,


insegurança, agressão física/verbal e moral, dificuldades financeiras, endividamento.

Código 5:Tema- Depressão/ Perda: pai/mãe, esposo(a), companheiro(a), filho(a),


vizinho(a), parentes, animal de estimação, insucesso...

Código 6: Tema – Violência: gangues, sexual, assalto, homicídio, intra-familiar contra


mulher/homem, criança, adolescente, idoso, policial...

Código 7: Tema – Abandono/Rejeição/Discriminação(fratura dos vínculos sociais):


adoção, poder público,esposo(a), filho(a), companheiro(a), amigo(a), irmão/irmã, auto-
refeição, parente, colega de trabalho, por questões de cor, raça, gênero, doença...

Código 8: Tema – Conflitos: posse de terra, habitação, religião, vizinho, justiça,


escola, trânsito...

Código 9: Tema – Prostituição: criança, adolescente, adulto...

Código 10: Tema – Problemas escolares: aprendizagem, reprovação e outros...

5 Carta de OMS
CAP. 12

O Impacto da TC na saúde

Introdução:

Em 2005 e 2006, em convênio celebrado entre a UFC_SENADMISMEC-CE,


realizamos uma capacitação profissional em Terapia Comunitária com ênfase nas
questões relacionadas à dependência de álcool e outras drogas e atenção na comunidade.
Foram capacitados cerca de 900 terapeutas comunitários (12 estados brasileiros). Foram
coletados dados quantitativos e qualitativos relativos a 12.000 questionários, com a
finalidade de avaliar o impacto que os protagonistas das rodas de TC estabeleceram com
seu meio ambiente.

Metodologia:

Procedimentos

No final de cada roda de terapia, foram aplicados questionários com a finalidade


de quantificar e qualificar os vínculos dos protagonistas das rodas de TC em saudáveis,
frágeis e de risco, bem como catalogar as estratégias de enfrentamento das inquietações
do cotidiano conforme descrito no capítulo 11. O instrumento aplicado continha um
espaço para registro de depoimentos dos beneficiários da Terapia Comunitária.

As informações a respeito dos protagonistas foram obtidas por meio de um


questionário que foi aplicado duas vezes com a mesma pessoa. A primeira vez ocorria
quando ela apresentava seu problema na roda de terapia e, 6 a 8 semanas depois,
ocorria a sua replicação pelo fato de participar das rodas de TC.

Um dos integrantes da equipe de terapeutas convidava o protagonista da roda de


terapia para responder o questionário esclarecendo o motivo do convite e que as
informações fornecidas eram sigilosas. O participante assinava um termo de
compromisso certificando que estava ciente de que os dados fornecidos eram sigilosos e
seriam usados para avaliação do impacto da Terapia Comunitária. Considerando que
não havia uma regularidade na participação da comunidade nas rodas de TC, não foi
possível reaplicar o questionário uma segunda vez em cerca de 15% dos casos.

O resumo utilizado para análise das informações quantitativas foi o EPINFO. No


caso dos dados qualitativos, o método usado foi a análise de conteúdo baseado em
Bardin (1977), partindo do pressuposto de que o objetivo da análise de conteúdo é
compreender o sentido das comunicações explícitas e implícitas.

5 Carta de OMS
Instrumento:

Foram aplicados 12.000 questionários. O instrumento era composto de duas


partes.

A primeira parte era destinada à organização das informações sobre as rodas de


Terapia Comunitária: número de participantes, problemas apresentados, estratégias para
superar o problema escolhido,, aprendizagem ocorrida com as rodas de terapia,
depoimento espontâneo sobre os beneficiários da Terapia Comunitária.

A segunda parte tinha por finalidade identificar, quantificar e qualificar os


vínculos saudáveis, frágil e de risco para subsidiar o desenvolvimento de ações
complementares de consolidação do tecido social, promovendo a inclusão social e
prevenindo o uso e abuso de álcool e outras drogas. Além disso, também possuía um
campo para o acompanhamento dos encaminhamentos para a rede de apoio psicossocial
que foram realizados no final das rodas de TC.

Os dados transcritos dos 12.000 questionários, sistematizados, categorizados por


grupos e hierarquizados em função da freqüência apresentada.

Resultados:

1- Temas mais freqüentes nas rodas de TC:

No Gráfico 1 apresentamos os temas mais freqüentes coletados pelos 12.000


questionados realizados durante os anos de 2005 e 2006.

Temas mais freqüentes:

Estresse 26,7%

Família 19,7%

Droga e Alcoolismo 11,7%

Trabalho 9,7%

Depressão e Violência 9,3%

Fraturas dos Vínculos Sociais 9,2%

Conflitos

Outros

Dos temas analisados, vejamos por ordem de freqüência:

1.1 Estresse e emoções negativas 26,7

5 Carta de OMS
Agrupamentos sob a mesma categoria de estresse (somatizações e ansiedade
19,7%) e emoções negativas (raiva, vingança, mágoa, desânimo e desprezo 7%). Na
análise destes resultados, cumpre destacar que esta categoria foi à predominante
absoluta em todos os 12 estados.

Através da Terapia Comunitária, temos estimulado as pessoas a expressarem as


emoções e sentimentos sem risco de serem julgadas, dando evasão às tensões
decorrentes do estresse. Costuma-se lembrar, no início das rodas, o ditado popular:
“quando a boca cala, os órgãos falam e quando a boca fala os órgãos saram”. Estimula-
se a falar com a boca para não se falar com depressão, insônia, gastrites.

1.2 – Conflito nas relações familiares -19,7%:

Trata-se das relações entre filhos e pais, irmãos, esposo e esposa, em que há
separação, traição e ciúmes. A família é o lugar primordial para dar e receber apoio,
acolhimento e pertencimento aos seus membros. No entanto, esses resultados sugerem
que a família está vivendo uma crise, tendo dificuldade de assumir suas funções básicas
adequadamente. Neste sentido, a Terapia Comunitária tem sido, para muitos, o único
espaço de apoio, acolhimento e pertencimento. Dentre os depoimentos espontâneos de
participantes das rodas, a Terapia Comunitária tem sido uma família substituída, para
muitos indivíduos, evidenciando que “a comunidade age lá onde as famílias e as
instituições sociais falham” (BARRETO, 2005).

1.3- Álcool e outras drogas:

Esta categoria se encontra em terceira posição de destaque em todos os estados.


Apesar de termos categorizado, separadamente, problemas com álcool (6,60%) e outras
drogas (5,10%), optamos por uni-las, para efeito de análise, por ambas representarem
problemas de dependência e dela decorrentes. As pesquisas evidenciam que
dependências estão ligadas ao contexto social dos indivíduos, tornando-se, muitas
vezes, uma escapatória das adversidades e do estresse. Estão associadas aos indicadores
de situação desfavoráveis sobre o plano econômico e sócio. Para lutar contra as
dependências não bastas só oferecer cuidados específicos, mas, sobretudo, intervir nas
dificuldades sociais que constituem a causa profunda deste problema.

1.4- Trabalho e desemprego- 9,6%

A quarta categoria de problemas evidencia questões ligadas ao trabalho,


desemprego, insegurança, insatisfação, agressão, dificuldades financeiras, falta de
reconhecimento. A OMS alerta que o indivíduo que não trabalha fica privado da
utilização de suas competências, limitando seu poder de decisão. Estudos realizados em
vários países demonstraram que os desempregados e suas famílias correm grandes
riscos de morte prematura. A ansiedade suscitada pela insegurança profissional atinge
gravemente a saúde.

1.5- Depressão e Violência- 9,3%

5 Carta de OMS
No nosso entender, a categoria violência e a categoria depressão têm algo em
comum. A categoria violência se volta contra o entorno, ou seja, contra o outro:
mulheres, crianças, idosas são vítimas de assaltos, homicídios, gangues, violência
sexual. Já agredir, bater, matar, destruir, muitas vezes, é uma resposta às frustrações,
perdas angústias, estresses, fracassos etc.,

Na categoria depressão, a violência é voltada contra a própria pessoa, vista como


fracassada, não merecedora de alegria e vida, não reconhecida e com sentimentos de
culpa e impotência, levando muitas vezes ao suicídio.

1.6-Fraturas dos vínculos sociais -9,2%

Para efeito de análise, associamos as categorias abandono, rejeição e


discriminação por refletirem situações de fratura dos vínculos sociais, responsáveis por
situações de exclusão do convívio social e dos direitos de cidadania. Ora, a proposta da
Terapia Comunitária é, sobretudo, possibilitar a reconstrução de vínculos de apoio
social para todas as pessoas. No caso dos dependentes em processo de reinserção, o
grande risco é que continuem a não serem integradas as redes saudáveis por sofrerem
discriminações pela vida anterior. A Terapia Comunitária lhes oferece a possibilidade
de recriarem novos laços mais saudáveis por se situarem fora da rede de risco.

As fraturas dos vínculos sociais, identificadas na nossa pesquisa, evidenciam,


entre outras, que a qualidade das relações sociais e a existência de obrigações recíprocas
e de respeito mútuo nas comunidades contribuíram para proteger a saúde de indivíduos
e famílias. Portanto, promover a amizade, valorizar as relações sociais e dispor de redes
sociais de apoio trazem melhoras para a saúde de todos.

A Organização Mundial da Saúde afirma que as pessoas que têm vínculos


sociais e afetivos frágeis estão mais expostas aos riscos da gravidez indesejada, ao
agravamento das doenças crônicas, à drogadição e à depressão.

Enquanto a pobreza pode contribuir para a exclusão e a solidão, a qualidade das


relações sociais, a existência de uma confiança recíproca, o respeito mútuo no seio da
comunidade são fatores de promoção da saúde.

Durante esses vinte e um anos de trabalho, aplicando a Terapia Comunitária em


vários contextos, podemos constatar que esta metodologia é um instrumento valioso de
intervenção psicossocial na saúde pública. A Terapia Comunitária funciona como uma
primeira instância de saúde básica em saúde pública. Ela acolhe, escuta,cuida e
direciona melhor as demandas e permite que só afluam para os níveis secundários de
atendimento situações que devido a sua complexidade exigem a intervenção
complementar do especialista. Ela não tem a pretensão de ser uma panacéia, nem de
substituir os outros serviços da rede da saúde, mas complementá-los, ampliar as ações
preventivas e promocionais. Atua no nível primário, promovendo a saúde e dando
suporte, jamais trabalhando com a patologia.

2- Encaminhamento para a Rede de Apoio Social:

5 Carta de OMS
O encaminhamento para a rede social é um dos indicadores de saúde
comunitária. As pessoas que são atendidas nas rodas de Terapia
Comunitária. As pessoas que são atendidas nas rodas de Terapia
Comunitária, para trabalhar seu sofrimento, precisam se beneficiar da
rede de apoio médico-psicossocial formal e informal. Todo
encaminhamento feito após a Terapia Comunitária para os casos que
requerem os cuidados de especialistas é uma busca de articulação das
ações básicas com a rede, estes precisam ser removidos para que, de fato,
haja uma complementaridade das ações. Do contrário, corremos o risco
de termos práticas isoladas sem nenhum efeito integrador e fortalecedor
dos vínculos pessoais e sociais.

Gráfico 2: A TC reduziu a demanda por serviços especializados

Serviços Especializados 11,5%

Terapia Comunitária 88,5%

Apenas 11,5% dos 12.000 protagonistas das rodas de TC estudadas em 2005 e


2006 necessitaram de encaminhamento para os serviços de saúde: 88,5% dos
sofrimentos e dificuldades apresentados nas rodas de terapia encontraram solução na
própria Terapia Comunitária (Gráfico 2). No compartilhamento de estratégias de
soluções, emergem as pistas oriundas dos recursos comunitários, por exemplo: chá de
ervas medicinal para insônia, massagem para dores, apoio do ALANON para a família
do alcoolista... Portanto, se evidencia o fato de que a Terapia Comunitária permite
reduzir a demanda por serviços clínicos especializados. Se antes o sofrimento psíquico
ocasionado pelo estresse, a exclusão, o álcool e outras drogas, muitas vezes, terminavam
em um serviço especializado, oneroso e de difícil acesso, com o estímulo das rodas de
Terapia Comunitária, para que a comunidade use seus recursos e construa redes de
apoio social, foi possível ela se tornar mais autônoma, menos dependente dos
especialistas e das instituições.

3-Estratégias de enfrentamento dos problemas apresentados nas rodas de


TC.

Consideramos estratégia de enfrentamento as tentativas de resolução dos


problemas e conflitos apresentados nas rodas de Terapia Comunitária pelos seus
participantes.

Categorias:

Empoderamento Pessoal-31,3%

Buscar redes Solidárias e a Reciprocidade18, 60%

Buscar ajuda religiosa ou espiritual 14,55%

Cuidar e se relacionar melhor com a família-14,51

5 Carta de OMS
Buscar ajuda profissional e ações de cidadania-12,02%

Auto-cuidado- Busca de recursos da cultura- 6,15%

Participar da Terapia Comunitária- 1,24%

Outros 1,53%

Apresentamos abaixo uma coletânea das estratégias de enfrentamento dos


sofrimentos do cotidiano, encontrada nas comunidades. Os dados com seus respectivos
percentuais referem-se a uma amostragem de 10.005 terapias registradas, cujos dados
foram categorizados por grupos e hierarquizados em função da freqüência apresentada.

Empoderamento Pessoal:

Definimos o empoderamento pessoal como a capacidade de apropriar-se do seu


“poder agir”.

O que mais nos chamou a atenção foram os depoimentos que demonstraram uma
atitude positiva diante dos acontecimentos. Em face de contextos traumáticos
estressantes, as pessoas agiam como quem tem certo domínio da situação,
demonstrando uma capacidade resiliente surpreendente.

A Terapia Comunitária apresenta-se como um espaço de socialização destas


estratégias, de certa forma, legitimadora deste saber construído com a experiência do
cotidiano. As falas abaixo referidas traduzem este estado de espírito manifestado nas
rodas de Terapias Comunitárias.

Se tiver que enfrentar, enfrento


Eu me valorizo
Separei do marido e arranjei trabalho
Apesar das dificuldades não desisti
Enfrentei os medos
Nunca desesperar
Fui firme
Preservei para vencer na vida
Quando enfrento os problemas minha preocupação diminui
Superei estudando
Reconheci meus limites
Voltei a trabalhar e hoje estou mais forte
Aprendi a ter mais confiança em mim próprio
Tornei-me independente do marido
Dei um basta nas chantagens emocionais
Não deixei ele me bater, denunciei.

Nestes contextos de precariedade material e psíquica, é muito comuns duas


atitudes: uma é responsabilizar os outros e, sobretudo, ao mundo espiritual pelos

5 Carta de OMS
seus próprios fracassos. Segue a lógica de “ Tua culpa...minha salvação”. Culpar
o outro pela infelicidade e fracasso dificulta as mudanças, pois só há mudança
quando reconhecemos nossos erros.

A outra atitude é responsabilizar a si próprio como incompetente


desprovido de valor e conformando-se com seu sofrimento devido à sua
incapacidade, falta de recurso e sentimento de impotência. Tais situações
alimentam um fatalismo diante das adversidades, gerando um comodismo
alienante, levando indivíduos a perderem a confiança em si, gerando uma atitude
de fracasso, de auto-desvalorização e dependência o que provoca a “síndrome da
miséria psíquica” (BARRETO, 2005)

Há um esforço nas rodas de Terapia Comunitária para que todos possam


falar de suas estratégias e seja respeitado, o que amplia o leque de possibilidades
de soluções para o mesmo problema. Não existe uma única verdade, uma única
solução, mas várias leituras possíveis. Desta forma, as diferenças, as
contradições podem coabitar de forma respeitosa.

Redes solidárias- reciprocidade (18.60%)

Apresentamos a freqüência com que os participantes das rodas de TC


citaram a importância das redes de apoio solidário. Os valores destas redes
solidárias emergiam quando as pessoas partilhavam as suas estratégias de
superação do sofrimento. O fato disto acontecer em um contexto coletivo ao
mesmo tempo em que essas estratégias eram citadas permitia aos que não
conheciam conhecê-la e se beneficiar do seu apoio. O encaminhamento para
estas redes surgia do próprio grupo. A socialização das redes de apoio solidário
pode ser um meio de ampliar e enriquecer as estratégias de enfrentamento dos
problemas das pessoas que freqüentam as rodas de TC.

Dentre elas as que mais se destacaram foram:

Encaminhar ao AA
Procurar conversar com pessoas diferentes
Procurar ajuda de um grupo de apoio
Procurar conversar com os vizinhos e dar boas risadas
Visitar os grupos do ALANOM
Participar de grupos anônimos
Telefonar para amigos
Trocar experiências no grupo
Procurar a pastoral da sobriedade
Praticar o amor exigente para ajudar a superar o sofrimento
Procurar apoio na comunidade
Enviar para a Terapia Comunitária
Buscar lutar pelos direitos

5 Carta de OMS
O que chama a atenção é a riqueza e a adversidade dos grupos de auto-ajuda
como AA, NA, Alanom, pastorais de diversas igrejas que funcionam como redes de
apoio. Durante as rodas de Terapia Comunitária a troca de experiências ressaltando as
estratégias de resolução das dificuldades, devidamente registradas, possibilita emergir
vários recursos, sejam institucionais ou culturais. A Terapia Comunitária tem se tornado
um espaço de interconexão dessas redes. Achamos que são recursos importantes que
precisam ser reconhecidos e valorizados em todo o programa de prevenção, reinserção e
encaminhamento para a rede social. Neste sentido, constatamos o que alerta a OMS:
Quando uma pessoa reconhece no outro – vizinha, amigo – um recurso com a qual pode
contar, torna-se menos dependente das instituições, menos oprimida pelos próprios
problemas e, portanto, mais autônoma.

Buscar ajuda religioso ou espiritual (14.55%)

As frases mais freqüentes:

Alimento o espírito com oração

Busco forças na fé

Converso com Deus

Oro e leio a bíblia

Rezo e entrego meu filho a Deus e a Nossa Senhora

Tenho bastante fé

Rezo em dobro

Confio em Deus

Volto-me para a espiritualidade

Fé em Deus cura doenças grave

Oro a Deus para colocar o perdão no meu coração

Peço forças a deus para agir

O recurso ao mundo espiritual é uma das formas mais freqüentes de se nutrir a


esperança na luta contra as adversidades em todas as regiões pesquisadas. A fé emerge
como um recurso inestimável no processo de superação das dificuldades. A crença no
mundo espiritual reflete uma descrença nas instituições sociais. (BARRETO, 1999).
Portanto, ao mesmo tempo em que a espiritualidade é fonte de esperança e força, pode
ser sinal de abandono e alienação. Quanto mais falam de Deus, mais revelam suas
condições sociais. Esta compreensão nos alerta para importância das redes de apoio
solidário, possibilitando a estas pessoas e famílias, em situação de grande estresse, não
negligenciar o valor do apoio do grupo. Portanto, a prática da Terapia Comunitária,

5 Carta de OMS
respaldada pelo seu referencial teórico e por seu protocolo pautado por regras ( não dar
conselhos, não julgar, escutar com respeito, falar na primeira pessoa, ao promover a
troca de experiência entre os participantes), induz ao respeito às crenças pessoais, mas
favorece, sobretudo, a que cada pessoa possa construir suas próprias soluções sem gerar
novas dependências tanto química como religiosa.

Cuidar e se relacionar melhor com a família (14.51%)

As frases mais freqüentes foram:

O melhor é falar e conversar com o esposo

Buscar a união da família

Compreender que os filhos nascem para o mundo

Dialogar com os pais

Aproximei-me mais dos meus filhos

Converso abertamente com a minha nora

Dialogo mais com os filhos

Os dados coletados pelos terapeutas comunitários e catalogados como


depoimentos espontâneos sobre os benefícios da Terapia Comunitária evidenciam que a
TC oferece uma estrutura facilitadora do diálogo e da partilha que se expande além das
rodas para atingir as relações familiares e sociais. Por exemplo, é comum depoimentos
como: “antes da terapia, toda conversa terminava em briga, depois que comecei a
participar da TC, a gente está conseguindo conversar por que aplico as regras da TC”.

Buscar ajuda profissional (12.02%)

Dentre as ajudas profissionais mais freqüentes destacam-se

Busquei suportes nos serviços públicos

Procurei ajuda de um especialista

Fui ao CAPS – Centro de Apoio Psicossocial

Busquei suporte hospitalar

Conversei com a coordenadora e professora

Fiz denúncia policial

Fiz uma cirurgia e resolvi o problema

Fiz plano de saúde

5 Carta de OMS
Procurei a prefeitura

Pedi ajuda aos vereadores

Pedi ajuda para quem entende da lei

Participei dos cursos de geração de renda do CRAS – Centro de


Referência em Assistência Social

Procurei o conselho tutelar

Procurei um advogado

O apelo às instituições sociais reflete certa consciência das responsabilidades,


deveres e direitos dos cidadãos. Observamos uma ampliação desta rede de apoio
profissional, incluindo, além da área da saúde, áreas sociais tais como Delegacia da
Mulher, Conselho Tutelar, PSF, CAPS, Centro de Convivência, acesso à imprensa,
grupos de geração de renda, etc. Estas redes são imprescindíveis e necessitam ser
apoiadas e mantidas para consolidar a condição de cidadão.

Auto-cuidado e busca de recursos culturais ( 6,15%)

As falas mais freqüentes foram:

Toma chá e leite morno com mel

Tomar banho, deitar e ouvir hinos

Tomar chá de capim santo

Relaxar o corpo

Apanhar caju e manga

Muita poesia

Tomar remédio caseiro

Procurar sair e escutar música

Quando vem a vontade de fumar, levanto e tomo água

Nas rodas de Terapia Comunitária, cada vez mais as pessoas ousam falar de seus
recursos culturais para resolução de problemas do cotidiano. Poder falar disso no grupo,
valoriza e reconhece o saber dos antepassados. Os interlocutores sentem-se
reconhecidos, o que facilita o empoderamento e o resgate da auto-estima.

3- Estratégias de enfrentamento do alcoolismo e outras drogas

5 Carta de OMS
Apesar de termos documentado as estratégias específicas para cada problema
apresentado, decidimos apresentar, a título de exemplo, as estratégias de resolução
utilizadas pela comunidade para o uso e abuso de álcool e outras drogas.

Nas 10.005 rodas de Terapia Comunitária realizadas, o tema alcoolismo foi


apresentado 1.680 vezes (15,45%), tendo sido escolhido 765 vezes (45,54%). Enquanto
o tema drogas foi apresentado 1.382 vezes (12,71%), tendo sido escolhido 479 vezes
(34,65%).

Identificamos, na análise de enfrentamento por familiares e comunitários, nos


problemas ligados ao alcoolismo e outras drogas, TRE grandes categorias de recursos,
apresentadas na tabela abaixo:

Tabela 4: Estratégias de enfrentamento do alcoolismo e outras drogas:

Apoio Familiar Apoio Comunitário Ajuda


Profissional

Redes de Grupos de auto- Grupos de ajuda CAPS/AD


amigos e ajuda (AA, religiosa (pastorais Centros
vizinhos ALANOM, NA, de diversas especializados,
Amor exigente, igrejas) médicos,
Terapia psicólogos etc.
Comunitária)

4.1-Apoio Familiar:

O primeiro impacto dos problemas ligados ao álcool e às drogas se manifesta nas


famílias. A dependência revela muito a estrutura familiar, o seu modelo de
funcionamento, os seus valores e atitudes diante da vida. Ela mostra com profundidade
as relações familiares.

4.2- Apoios Comunitários

Pertencem a esta categoria a rede de amigos e vizinhos, os grupos de auto-ajuda


e os grupos religiosos. Vejamos:

5 Carta de OMS
a) Rede de amigos e vizinhos:

Eles agem ao mesmo tempo em que a família. A dor da família do


dependente contagia toda a vizinhança, todos se sentem interpelados na
busca das soluções. A dor da família ultrapassa rapidamente as paredes
da privacidade do lar para atingir a vizinhança que, mesmo não tendo
envolvimento com drogas, termina sofrendo as conseqüências. Cada um
tem uma palavra, uma frase, um conselho, uma sugestão a dar:

Sozinho é difícil, mas juntos é mais fácil

A dependência tem cura, pode ser enfrentada

A fraternidade e o diálogo ajudam a superar o vício

Para ajudar o viciado, é preciso falar menos, ouvir e dar mais atenção.

Ninguém pode esquecer que sem a ajuda espiritual tudo torna-se mais
difícil

Ninguém precisa de álcool para ser feliz

Precisamos uns dos outros para superar as dependências

Gente depende de gente, não de álcool e drogas

Quando o viciado está melhorando, é preciso lembrar de elogiá-lo

Evitar amigos e ambientes que têm drogas é uma boa dica para quem
quer se livrar delas

Quem tem objetos de valor, guarde-os senão o viciado leva para vender

Eu tomei chá de capim santo para parar com a vontade de beber

Quando estou com vontade de fumar, eu chupo uma bala ou tomo água
de gole em gole.

A massagem é um recurso muito poderoso para aliviar o estresse

Essa já é a décima pessoa que eu trago com problema de álcool para


Terapia Comunitária.

b) Grupos de auto-ajuda (AAA, ALANOM, NA, Amor exigente, Terapia


Comunitária...)

Este, de fato, é o grande recurso comunitário. Estes grupos tornam-se UTIS


existências. Eles são procurados a todo o momento. São grupos acessíveis, constituídos
por pessoas de grande disponibilidade e determinação. Uma frase que emerge com
muita força e que traduz o compromisso com a problemática é: “Se quiser beber, o
5 Carta de OMS
problema é seu; se quiser deixar de beber, o problema é nosso”. É nestes grupos que os
dependentes são acolhidos sem discriminação, são reconhecidos e valorizados nos seus
esforços. Nas rodas de Terapia Comunitária, se referindo a estes grupos, afirmam:

Eles ajudam atirar a pessoa do vício

Encontramos alívio por ter pessoas para nos escutar.

A força deles é transformar o pouco em muito.

Lá se aprende a falar dos problemas

Foi nos AAA que eu aprendi que o alcoolismo é uma doença e que tem
tratamento

Foi no ALANOM que eu aprendi a conviver com o alcoolista.

Eu aprendi com Amor Exigente que nada é mais terapêutico do que o amor.

Se você não abrir seu coração, ninguém pode lhe ajudar.

Melhorei muito depois que me entrosei com um grupo da terceira idade

A Terapia Comunitária virou minha família.

A Terapia Comunitária me ajudou a compreender o meu sofrimento e a


descobrir a minha força

No NA, cada um de nós tem um padrinho que nos acompanha, nos anima e nos
dá força.

c) Grupos de ajuda religiosa (pastorais de diversas igrejas)

Embora os grupos de ajuda religiosa e os grupos de auto-ajuda tenham a mesma


preocupação em cuidar dos dependentes, em geral, utilizam métodos distintos. Ou seja,
os grupos de auto-ajuda concentram suas dinâmicas e preocupações na força do próprio
indivíduo, estimulando-o a apoiar-se em seus valores e experiências pessoais. Muitos
consideram as patologias da dependência como uma doença que deve ser tratada pelos
especialistas, porém, também pela família e pela comunidade.

Outros grupos religiosos concentram sua ação na fé em Deus. Daí a utilização de


rituais, correntes de oração, vigílias e até cultos de exorcismos. Tudo parece passar pelo
mundo espiritual. A bíblia torna-se algo imperativo. Ela se torna a referência para tudo.
A evangelização torna-se o centro das preocupações (pastorais), deixando muitas vezes
o protagonista com os recursos de sua cultura em segundo plano.

No entanto, alguns grupos religiosos consideram estes distúrbios como


problemas exclusivamente espirituais, ou seja, “tendo uma origem no mundo espiritual,
somente poderão ser resolvidos pela intercessão de forças superiores”, muitas vezes,

5 Carta de OMS
excluindo outras abordagens profissionais, privando os protagonistas de acesso a outros
recursos complementares, que, com certeza, agregariam valores ao trabalho espiritual.

Dito isso, a redução desta problemática complexa a apenas um dos aspectos, seja
biológico, social ou espiritual gera intolerância a outros métodos, empobrece os
recursos necessários e indispensáveis, dificulta o tratamento e, sobretudo, a inserção
social dos indivíduos. Este reducionismo limitante não é apenas privilégio de algumas
religiões fundamentalistas, mas, também, de todos os modelos ideológicos fechados em
seus próprios conceitos, tachados de científicos, dogmas que excluem outros recursos e
abordagens complementares. Precisamos ultrapassar estes “preconceitos” para realizar
um trabalho transdisciplinar e transcultural que, com certeza, seria de grande valia tanto
para nós, profissionais, como para todos os usuários e para a própria sociedade.

Vejamos alguns depoimentos:

A fé alivia o sofrimento

A minha fé foi uma grande aliada na minha cura

Eu fiz um trato com Deus: se meu marido parasse de beber, eu pararia de fumar

Se não fosse a ajuda da Igreja, eu estava passando fome.

Depois que eu entrei na Igreja, deixei de beber.

É na oração que eu encontro força para suportar o meu sofrimento.

O Pastor me mandou para os remédios, aí voltou tudo de novo.

Eu descobri que não são só remédios que curam, mas a fé em Deus ajuda muito.

Foi no grupo de oração que encontrei forças para continuar na luta.

O espiritismo me ajudou a compreender meu sofrimento.

Depois da limpeza que fiz na Umbanda, as portas se abriram para mim.

Participar das missas nos domingos me ajudou a superar a minha dor.

As correntes de oração da Igreja Evangélica me ajudaram muito.

Tenho encontrado muita força na Pastoral da Sobriedade.

d) Ajuda Profissional (CAPS/AD, Centros especializados, médicos,


psicólogos etc)

Estes centros especializados, aos poucos, estão se fazendo presentes nestes


contextos. Tem sido reconfortante para muitos poder receber cuidados nestes centros.
Enquanto a comunidade acolhe o sofrimento, estes centros cuidam da doença, da
patologia. Eles se tornam referências para encaminhamento de soluções que a

5 Carta de OMS
comunidade não está em condições de lidar, por isso, as frases seguintes se referem ao
CAPS como um recurso importante no tratamento:

O remédio prescrito pelo CAPS me ajudou muito a sair da dependência.

Eu vou para o CAPS, participo da Terapia Comunitária e freqüento os


AAA.

A internação trouxe um grande alívio para a família.

Antes de internar, temos que usar os recursos da família e da


comunidade.

A família entendeu o problema depois que o psiquiatra explicou.

Tem casos que só uma hospitalização resolve.

A dependência é muito séria e complexa para ficar somente na mão dos


doutores.

Eu fui para o CAPS, mas fui mal recebido.

A psicoterapia familiar foi um grande auxílio para mim e minha família,


além dos meus problemas de dependência.

5-Avaliação quantitativa e qualitativa dos vínculos:

Neste item, procederemos a análise da avaliação de impacto da participação nas


rodas de TC sobre os vínculos apresentados no capítulo 11. Para isto, distinguimos duas
frentes de análise; avaliação quantitativa e qualitativa.

5.1-Avaliação quantitativa e comparativa do nº de vínculos dos dados


coletivos do pré e pós-teste.

Os dados apresentados na tabela 5 são dados coletivos que correspondem a um


universo de 1829 pessoas. Os dados de pré-teste (barra cinza) informam o número de
vínculos apresentados pelas pessoas cujo tema foi escolhido nas rodas de TC. Elas
foram entrevistadas dois meses depois com o mesmo questionário (pós-teste) e os
resultados figuram nas barras pretas.

O quadro comparativo acima agrega todos os vínculos que tiveram significativas


mudanças no sentido de sua ampliação. Todas estas mudanças são positivas. Destaca-se,
de forma mais contundente, a ampliação do vínculo de apoio sócia 3, ou seja, um terço
das pessoas passou a contar com a ajuda de alguém que pudesse acompanhá-las numa
emergência a um serviço de saúde. Como assinalamos acima, o fato de poder contar
com o apoio de terceiros para ter acesso a estes serviços não significa que eles foram
ampliados, mas uma mudança de percepção de que a pessoa não está sozinha e que pode
contar com uma rede de apoio solidário que é a proposta da Terapia Comunitária.

5 Carta de OMS
Apesar do curto intervalo entre as entrevistas, os resultados mostram uma nítida
melhoria. O intervalo de dois meses entre a primeira e a segunda entrevista é exíguo
demais para que haja uma mudança nas condições materiais. Por exemplo, não é
possível imaginar que em dois meses se adquira uma casa, se saia do analfabetismo ou
se gere um filho. Na realidade, são as percepções das pessoas que mudaram. Uma frase
que tem surgido nas avaliações, em todo o país, é bem significativa: “Lá em casa os
problemas continuam os mesmos, mas eu não sou mais a mesma”. Resignificar idéias e
acontecimentos são formas de melhor se situar em contextos caóticos, de se sentir
sujeito pensante e atuante na busca de soluções.

5.2-Avaliação qualitativa comparativa dos dados coletivos dos vínculos:


saudável, frágil e de risco de pré e pós-teste

Optamos por apresentar apenas o repertório de modo coletivo de mudança entre


o pré e o pós-teste da qualidade dos vínculos.

Seguem abaixo tabela e gráfico 6 que mostram a variação coletiva da freqüência


dos vínculos saudável, frágil e de risco no pré e pós teste.

Tabela 6.: Variação coletiva da freqüência dos vínculos saudável, frágil e de


risco no pré e pós-teste.

Vínculos Qualitativos no Geral Pré-teste Pós-teste

Vínculo Saudável 62.0% 63.7%

Vínculo frágil 25.0% 24.5%

Vínculo de Risco 13.0% 11.8%

Na comparação coletiva sobre a qualidade dos vínculos podemos observar que


os vínculos saudáveis tiveram um ligeiro aumento e consequentemente os vínculos
frágeis e de risco sofreram uma redução. Ressaltamos que a redução dos vínculos de
risco foi a mais significativa.

Parece-nos muito importante podermos identificar a qualidade dos vínculos que


as pessoas estabelecem com seu meio ambiente para podermos desenvolver programas
de fortalecimento destes vínculos. O tempo muito exíguo (de 6 a 8 semanas) entre a
aplicação de um questionário (pré-teste e pós-teste) não nos permitiu evidenciar
mudanças significativas. No entanto, eles confirmam o que observamos na análise
quantitativa dos vínculos: a Terapia Comunitária está tendo uma influência direta nas
relações interpessoais, familiares e sociais. O diálogo aberto, franco, em um clima de
respeito das expressões, sentimentos e emoções parece facilitar a construção de vínculos
de apoio. Poder falar em grupo, libertar as tensões e ser acolhido liberam as pessoas
para estabelecer um relacionamento mais saudável, sem medo de julgamentos.

5 Carta de OMS
6- Depoimentos e Aprendizados:

A partir da leitura dos depoimentos sobre os benefícios e aprendizados obtidos a


partir das vivências nas rodas de Terapia Comunitária, registrados, destacamos três
grandes categorias de benefícios.

Eis alguns fragmentos:

Criação de vínculos:

“Na Terapia Comunitária encontrei amigos”

“Fiz novas amizades”

“É bom ter amigos”

a) Partilha e Acolhimento:

“A família está sempre conosco”

“a força que o grupo tem”

“É muito bom ter com quem conversar”

“É muito bom ser acolhido”

b) Ampliação da consciência pessoal e social:

“Traz maior compreensão”

“Precisamos ser mais unidos”

“Descobri que temos problemas parecidos”

“É necessário pensar antes de decidir”

“Somos diferentes”

Na leitura geral dos depoimentos espontâneos e das partilhas, no final da terapia,


notamos a predominância marcante de depoimentos referentes ao aprendizado. No
nosso entender, tal situação reflete o sucesso da Terapia Comunitária como um contexto
gerador de reflexão. Tal situação aponta para a consciência da abordagem especialmente
trabalhada em um dos eixos teóricos da Terapia Comunitária – a pedagogia de Paulo
freire. Portanto, a prática da Terapia Comunitária, durante 21 anos, tem sido um espaço
de acolhimento do sofrimento, de construção de vínculos solidários e tem possibilitado
a ampliação da consciência pessoal e social da gênese da miséria e do sofrimento
humano. A ampliação da consciência, associada ao engajamento e pertencimento a uma
rede são condições fundamentais para o reconhecimento dos seus recursos, enquanto
protagonistas e autores da própria existência.

5 Carta de OMS
Concluindo

Durante esses dois últimos anos de trabalho, aplicando a terapia comunitária em vários
contextos, graças ao convênio entre a Secretaria Nacional Antidrogas A
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, MOVIMENTO INTEGRADO DE
SÁUDE COMUNITÁRIA DO CEARÁ E POLOS FORMADORES, podemos constatar
que esta metodologia é um instrumento valioso de intervenção psicossocial na saúde
pública. A terapia comunitária funciona como uma primeira INSTÂNCIA DE
ATENÇÃO BÁSICA em saúde pública. Ela acolhe, escuta, cuida e direciona melhor as
demandas e permite que só afluam para os níveis secundários e terciários de
atendimento as que não foram resolvidas neste primeiro nível de atenção. Ela não tem a
pretensão de ser uma panacéia, nem de substituir os outros serviços da rede de saúde e
sim complementá-los. Atua no nível primário promovendo a saúde e jamais trabalhando
com a patologia.

Os elementos que emergiram desse trabalho têm como objetivo suscitar debates
sobre importância sobre as redes de apoio social para a promoção da saúde 5, tendo a
TC como um instrumento de mobilização dos recursos pessoais e culturais na
construção de redes de apoio social, os dados coletados neste trabalho são encorajadores
e nos incitam a desenvolvermos outros instrumentos de avaliação do impacto da TC
junto a Às comunidades. Este trabalho foi um primeiro passo neste sentido e
convidamos outros profissionais a se debruçarem sobre este instrumento para que
possamos aprimorá-lo para termos maior impacto em suas ações.

A Terapia Comunitária tem tentado responder aos desafios da realidade da saúde


pública brasileira, tem ousado mobilizar os recursos da multicultura brasileira,
respeitando as diferenças e integrando saberes.

A Intervisão na Terapia Comunitária:

1. Sobre o conceito de supervisão:

Historicamente a palavra SUPERVISÃO adquiriu uma conotação marcante


tecnista, controladora, colonizadora. Isto porque existem os que pensam, sabem,
decidem, mandam e os que executam de acordo com os comandos estabelecidos, como
se só existisse uma ordem de funcionamento. Encontramos registros de controle já no
século XVI, com a presença dos jesuítas no contexto educacional brasileiro. Vejamos o
que Saviani (1999, p.21) afirma sobre a educação nesse período: “Cabe ao prefeito de

5 Carta de OMS
estudos ouvirem e observar os professores, lembrar de sua obrigação de esgotar a cada
ano a programação que lhes fora atribuída, assistir suas aulas, ler os apontamentos dos
alunos [...]”. Sobre esse viés empirista – o conhecimento vem pronto de fora e a
preocupação maior é que aprendam, decorem e executem as instruções transmitidas,
Thompson (2000) lembra que é uma estratégia de exclusão, portanto, profundamente
ideológica, ou seja, são formas simbólicas para criar, ou reproduzir relações de
dominação, não levando as relações que respeitem o diferente, pois não são
democráticas nem participativas.

Considerando, então, que a Terapia Comunitária é um ato de fé no grupo, temos


que nos questionar sobre a verdade da verticalidade como modelo para ser utilizado na
formação dos terapeutas comunitários, para que nossa orientação não seja mais um
entrave ao desenvolvimento pessoal e coletivo. Não queremos ficar aqui fazendo crítica
ao modelo vertical como abordagem didática. Reconhecemos-lhe a cota de um bom
senso. Mas, partindo do princípio de que toda prática humana é contraditória,
reconhecemos-lhes também os equívocos. Vasconcelos (2002, p .159), conforme vemos
no quadro abaixo, nos ajuda a encontrar esse núcleo de bom senso e as limitações desse
modelo.

5 Carta de OMS
Modelo Vertical Núcleo de Bom senso Por outro lado...

É papel de o professor trazer à Só que não se trata de


informação, a tradição, a cultura, simplesmente “jogá-los” aos
o valor, a norma etc. Cabe, sim, alunos, mas de favorecer –
ao professor disponibilizar por sua mediação – a
Professor transmitir
elementos novos aos alunos, dar apropriação crítica, criativa,
informações
uma visão geral, destacar os significativa e duradoura
aspectos mais relevantes, dar desses elementos.
referências para
aprofundamentos

De fato, a memória tem um Só que se trata da memória


papel muito importante no ativa e profunda, e não da
processo de conhecimento, visto memória mecânica e
que o conhecimento novo se dá a superficial.
partir do conhecimento prévio,
Memória que tem sua base na memória.

No processo do conhecimento, Mas não pode ficar só no


com certeza, o aluno precisa ouvir: a expressão é também
saber ouvir, seja o professor, o decisiva no processo de
colega, o vídeo, a realidade, etc. elaboração do
Ouvir
conhecimento.

É certo que deve haver respeito Mas isto não deve significar
por parte do aluno em relação ao uma visão ingênua; é preciso
conhecimento a que está tendo também desenvolver no
acesso, pois se trata do aluno a capacidade de se
Aluno respeitar o conhecimento
patrimônio acumulado pela perguntar sobre a validade
humanidade. dos conhecimentos
apresentados, que não
devem se tornar fetiches,
dogmas.

5 Carta de OMS
Como podemos perceber, a verticalidade como modelo didático tem
características que podem ser mantidas, são úteis, validas. A nossa tarefa é transpor os
seus limites. É ousar para superá-la e não negá-la: “gosto de ser gente, porque,
inacabado, sei que posso ir mais além dele”. (freire, 1997, p.59).

Aprender a transcender, eis aqui uma estratégia quando se quer substituir a


dominação pela democracia, que defende a vida plena para todos, ou seja, uma
democracia vista como.

Um sistema complexo de organização e de civilização políticas que nutre e se nutre da


autonomia de espírito dos indivíduos, da sua liberdade e opinião e de expressão, do seu
civismo [...], uma democracia que vive de pluralidades, concorrências e antagonismos
[...] que constitui a união entre a união e a desunião [...] que tolera e nutre-se de
conflitos que lhe conferem vitalidades (MORIN, 1999, p.108-109).
2- Na busca da dimensão horizontal: um prato de sopa quente se toma pelas
bordas

No esforço de assumirmos uma dimensão horizontal em nossa atuação como


terapeutas comunitários, facilitadores no processo de formação, estamos preferindo
chamar de INTERVISÃO os nossos momentos de reflexão sobre a nossa prática
terapêutica.

Nessa nossa busca pela horizontalidade, além da mudança de postura: fazer da


nossa ação-reflexão-ação um instrumento de aprendizado coletivo pelo exercício da
escuta e respeito pelo saber do outro, procurando exercitar o diálogo para que todos os
envolvidos na formação possam ter a liberdade de organizar suas idéias pela expressão
dos questionamentos e dúvidas, possam sentir-se valorizados na sua realidade, na
relevância da sua ação e encorajados a continuar a caminhada, de modo a suscitar o
gosto pela curiosidade, pelo estudo, pela a entre ajuda, mudança e transformação.
Lembramos aqui que a prática do diálogo, que proporciona um contexto colaborativo de
aprendizagem onde todos ensinam e aprendem, pede do facilitador intervisor muita
disposição, paciência, humildade, tolerância, ousadia, disciplina e respeito. Os aspectos
afetivos e emocionais que permeiam a dinâmica do grupo, somados à interação dos
múltiplos contextos nos quais cada um está envolvido, dão á dinâmica do diálogo uma
pluralidade de significados, que podem, por um lado, facilitar a reciprocidade e
confiança mútua, legitimando todos os presentes, mas, por outro, podem também levar à
competição a agressividade gerando sentimentos de frustração, desinteresse e baixa
auto-estima. O papel das emoções na ação-reflexão-ação é decisivo: razão e emoção não
são instâncias separadas no ser que aprende. A emoção é parte do alto de conhecer
(WALLON, 1989). Ainda nessa linha de reflexão sobre a integração do intelecto com a
afetividade, Vygotsky (1987, p.6) afirma que:

5 Carta de OMS
A separação entre intelecto e afeto enquanto objetos de estudo é uma das principais
deficiências da psicologia tradicional, uma vez que esta apresenta o processo de
pensamento como um fluxo autônomo de pensamentos que pensam a si próprios,
dissociado da plenitude da vida, das necessidades e dos interesses pessoais, das
inclinações e dos impulsos daquele que pensa. [...] Esse pensamento dissociado deve
ser considerado tanto um epifenômeno sem significado, incapaz de modificar qualquer
coisa na vida primitiva a exercer influência sobre a vida pessoal, de um modo
misterioso e inexplicável.

Sabemos que a mudança da verticalidade para a horizontalidade não ocorre de


uma vez. E isto é muito bom porque assim não corremos o risco de gerar um efeito
paralisante como afirma Vasconcelos (2002): o facilitador não faz mais o que fazia por
achar que era errado, mas também não faz o novo por não saber como. “Mudar é
difícil”, dizia Paulo Freire. “Mas é possível e urgente”.

Para exemplificar o que estamos falando, vejamos a seguir alguns significados


de diálogo oferecidos por jovens que participam de atividades desenvolvidas pela Dra.
Miriam Rival ta Barreto, no Projeto 4 Varas e por jovens que freqüentam uma
instituição particular de ensino, ambos situados no município de Fortaleza – CE:

Diálogo é movimento

Diálogo é insegurança

Diálogo é troca de energia

Diálogo é desconfiança

Diálogo é esclarecimento

Diálogo é castigo

Diálogo é exposição de idéias, sentimentos

Diálogo é posicionamento

Diálogo é escuta atenta

Diálogo é surpresa

Diálogo é felicidade

Diálogo é choque de idéias

Diálogo é falar e escutar

Diálogo é tira dúvidas

Diálogo é punição

5 Carta de OMS
Diálogo é alegria

Diálogo é carinho

Diálogo é transformação

Diálogo é encontro, partilha

Diálogo é confronto

Diálogo é cooperação, interação.

Aceitar que não é de uma vez que vamos conseguir transpor os limites da
verticalidade já se constitui como ação concreta na direção da nossa utopia, não no
sentido de algo impossível de ser realizado, mas como sonho possível, como afirma
Freire (1979, p.27):

Para mim o utópico é o irrealizável; a utopia não é o idealismo, é a dialética dos


atos de denunciar e anunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizou e de anunciar
a estrutura humanizaste. Por essa razão a utopia é também um compromisso histórico.

Ainda nesta direção, Góes (1997) afirma:

É lição sabida que o novo não se constrói e nem surge por passe de mágica. O novo
nasce do arcaico, mas não repete o arcaico. O novo cria outros paradigmas, mas
preserva dos arcaicos valores e práticas indispensáveis à construção da ponte para o
futuro. A transição do velho para o novo é um processo. Em uma determinada hora, os
dois convivem lado a lado [...]. Até que é chegado o momento em que o novo ganha
velocidade e ocupa o palco da história e deste se retira o arcaico para desempenhar as
funções de referências, de arquivo, de memória, de cultura. Esta concepção do processo
histórico é uma norma que é visível até mesmo nos tensos momentos de ruptura.

3-“Nem tanto ao céu nem tanto à terra”: alguns enganos na transposição


dos limites

Vasconcellos (2002, p.156) lembra que, no esforço de transpor os limites da


relação mando - obediência caracterizada pela hierarquização entre os seres humanos,
alguns equívocos estão presentes neste processo. Tais como:

a) O professor não pode mais falar: tudo tem que sair do aluno. Há aqui uma
confusão entre a necessidade de levar em conta o que o aluno sabe e a crença
de que se pode tirar todo o conhecimento do aluno;

b) O professor não percebe o seu papel que é o de fazer a crítica, sistematizar,


não deixar passar as visões equivocadas. Esta confusão acontece, sobretudo,
porque no construtivismo o que o aluno traz está bom e, assim, o professor
não pode interferir (especificamente quando é trabalho de grupo), não pode
corrigir. O aluno - cliente sempre tem razão;

5 Carta de OMS
c) Em decorrência do equívoco anterior, o que se costuma ver é a prática do
vazio, do não dar conteúdo, do deixar o achismo tomar conta;

d) Estamos todos acostumados a ouvir: “Nós já temos esta prática”, “Isto não é
novo para nós”, “Faz tempo que trabalhamos assim”, ou “Ah! Só não damos
esse nome”. Cuidado: pode ser um sutil mecanismo de resistência;

e) Outra forma de resistência é elogiar tanto a nova proposta, mas tanto, que
nem é possível colocá-la em prática;

f) Outro equívoco é diminuir o formalismo na relação com o aluno e supor seu


o professor-amigo. Mas, na hora de explicar, tudo acontece como no modelo
tradicional.

A prática transformadora é fruto de uma prática reflexiva que se constrói na


efetivação e valorização dos pequenos passos dados coletivamente. O que se contrapõe
à didática dialógica reflexiva ou ao diálogo problematiza dor é a domesticação do outro
pelo autoritarismo. Mas a frouxidão também pode ser prejudicial, pois, como lembra
Freire (1979, p. 40):

A realidade não pode ser modificada, senão quando o homem descobre que é
modificável e que ele pode fazê-lo. É preciso, portanto, fazer desta conscientização o
primeiro objetivo de toda a educação: antes de tudo, provocar uma atitude crítica, de
reflexão, que comprometa a ação.

Queremos salientar que o nosso projeto é fazer da nossa prática reflexão - ação -
reflexão grandes cirandas pedagógicas de humanização. Escolhemos colocar as pessoas
em roda em vez de colocá-las em fila (BRANDÃO, 2005). Nessa disposição, todos são
importantes e legítimos, sem lugar privilegiado. Portanto, temos que ficar atentos
porque nem sempre a estratégia vertical aparece de forma clara, pois.

Muitas vezes, pode vir precedida ou sucedida por certo “glacê construtivista”, ou seja,
por algumas atividades mais “modernas”, “diferentes”, mas onde não se altera a
postura epistemológica, já que a relação básica continua sendo de depósito de
informações na cabeça do aluno.

Nesta mesma linha de raciocínio, entra a “licenciosidade” comprometendo a


autoridade do intervisor facilitador como mais uma estratégia do que parece ser mas não
é, pois “ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira às quatro da tarde.
Ninguém nasce educador ou marcado por ser um educador. A gente se faz educador , a
gente se forma como um educador, permanentemente na prática e na reflexão prática”.
(FREIRE, 1991, p.58)

É correndo risco, caindo, levantando, aprendendo, revendo o nosso modo de


pensar e agir que vamos transpor o limite da verticalidade na formação dos terapeutas
comunitários. Sabemos que uma ousadia assumir a utopia de alterar o sistema de
crenças interiorizado pelo tempo. Mas o nosso ideal não nos impedirá de enxergar as

5 Carta de OMS
sementes, mesmo quando as rosas estiverem murchas. Parafraseando Caetano Veloso,
em Dom de iludir, é a dor e a delícia da condição humana.

4-A intervisão na formação do terapeuta comunitário: socialização de


experiências para superar barreiras.

A intervisão é uma necessidade. Por melhor que seja a formação durante os


módulos iniciais, a intervisão não será capaz de prever as nuances dos diferentes
contextos e populações que os terapeutas comunitários em formação irão encontrar,
considerando ainda a incompletude dos seres humanos e a condição de
indispensabilidade que dão a esta atividade. Nesse sentido, “identifica-se a formação
como percurso – processo – trajetória de vida pessoal e profissional, que implica em
opções, remete à necessidade de construção de patamares cada vez mais avançados de
saber ser, saber fazer, fazendo-se” (PORTO, 2000, p.13). Assim, a intervisão na Terapia
Comunitária busca, por um lado, proporcionar a sistematização do trabalho, a partir da
partilha de experiências dos obstáculos, dos problemas e soluções encontradas na
prática cotidianas, e, por outro, proporcionar uma reflexão sobre o que interpela o
terapeuta comunitário como pessoa, como cidadão, com vistas ao crescimento
profissional e humano desses novos atores sociais, bem como a melhoria na qualidade
de vida e o bem-estar da população, tendo como referencial os alicerces teóricos, a
metodologia e a ética desta abordagem.

5- Intervisão – antes, durante e depois: um trabalho participativo

Para que a intervisão construa pontes que permitam travessias para “novos
conhecimentos, emoções e ações” através da partilha de experiência reflexiva e
respeitosa com os diferentes saberes do grupo pautada nas três dimensões da nossa
proposta – sistematização do trabalho; crescimento profissional e humano; melhoria na
qualidade de vida e bem-estar da população -, lembramos que é fundamental para o
facilitador (a) alguns cuidados que devem ser tomados antes, durante e depois da
intervisão. Vejamos:

5.1 – Antes da intervisão

5.1.1 Plano de trabalho: bússola e certeza temporária

Temos propósitos claros a serem atingidos, por isso, precisamos de um plano de


ações que nos leve com sucesso aonde queremos. É por esta razão que vemos o
planejamento como um instrumento que vai nos auxiliar a concretizar os nossos
propósitos. É uma espécie de bússola nos orientando: o que fazer, para que, como fazer.
Portanto é um processo que pede tempo para organizar, sistematizar, decidir conteúdos,
métodos e apreciação do trabalho a ser desenvolvido na intervisão.

Existem aqueles que não mais planejam, talvez já tenham robotizado suas ações,
portanto, não têm a consciência do que estão fazendo, nem se ainda podem construir
alguma coisa. Alguns até dizem: “Nem preciso mais pensar, vou fazendo o que mandam
fazer... Eu não necessito planejar, já vou fazendo, porque sei onde vai dar”. E assim por

5 Carta de OMS
diante. Nesta circunstância, parece estar presente a alienação do homem como sujeito,
na medida em que assume a atitude de dominado, fazedor dócil e outras tantas
denominações que podem ser impressas ao sujeito, quando este se torna objeto nas
mãos de outrem. (LEAL, 2001). Mas, como planejar?

Vamos, neste momento, rever alguns esclarecimentos para esta ação:

a) Leve em consideração a realidade do grupo (e não a realidade em que o (a)


intervisor (a) acha que o grupo deveria se encontrar), fique atento às
necessidades do grupo. Pense o que o grupo está precisando é realismo! Pé
no chão!

b) Pergunte se o que você está pensando fazer é viável, considerando tempo,


espaço, recursos disponíveis, seus próprios conhecimentos e habilidades
enquanto intervisor, necessidades do grupo em formação, os propósitos em
questão. Lembre: Viabilidade! Planejamento não é panácia, não é jogo do
vale tudo!

c) Tenha claro onde está querendo chegar com a atividade que está
desenvolvendo. Considere: Perspectivas em relação ao futuro! Como será
o amanhã a partir do que estamos fazendo hoje?

d) Lembre-se que o Conselho Deliberativo e Científico (CDC) da


ABRATECOM – Associação Brasileira de Terapia Comunitária – estabelece
80h/a de intervisão durante a formação. Então, é o pouco que vai nos levar a
atingir nossos propósitos. O excesso de atividades faz mal. Não esqueça:
Aproximação sucessiva! Vá com calma!

e) Selecione temas ou assuntos que serão abordados nas intervisões,


considerando os propósitos definidos. Assim, incluem-se conteúdos:

a) Conceituais (saber fatos, conceitos, princípios);

b) Procedimentais (saber fazer);

c) Atitudinais (ser: valores, normas, atitudes).

Os conteúdos precisam ser abordados de maneira contextualizada. É preciso


dar sentido!

f) A forma (metodologia) como o intervisor vai trabalhar também precisa ser


pensada. É importante selecionar estratégias que viabilizem o diálogo
reflexivo. É necessário partilha!

g) Outra questão é a apreciação do encontro da intervisão. De que maneira será


feita? Aprimoramento!

h) P planejamento é uma atividade reflexiva e dinâmica que acontece antes,


durante e depois da intervisão. Portanto, saber lidar com a imprevissibildade

5 Carta de OMS
é condição para quem se dispõe a trabalhar com grupos e comunidades além
das certezas lineares. Não esqueça: flexibilidade!

Vasconcellos (1995, p. 124) apresenta alguns elementos para compor um


planejamento

Dimensão Elementos

Assunto: indicação do tema a


ser trabalhado – O quê?

Necessidade: Explicitação das


Análise da realidade
necessidades do grupo que
justificam o tema indicado –
Para quê?

Formas de mediação Como vamos fazer?

Conteúdo: Explicitação do
conteúdo a ser trabalhado

Metodologia: Como vai ser


trabalhado o conteúdo -
técnicas, estratégias; é o
caminho

Recursos: São os meios


materiais, os recursos que
serão utilizados – textos,
multimídia, livros, fotos,
filmes, exposição do
intervisor(a), entre outros.

O planejamento não é uma tarefa burocrática, mas uma ação-compromisso com


os propósitos. Para tanto planejamento deve ser: “ objetivo, verdadeiro, crítico e
comprometido” (VASCONCELLOS,2000,p.133). E flexível!

5.1.2- Cronograma: muito além de uma carga horária

Um outro ponto relevante é a sistematização da intervisão, ou seja, a intervisão


deve acontecer periodicamente (por exemplo, a cada quinze ou trinta dias). É importante
entregar ao grupo um cronograma com as datas previstas da intervisão, bem como o
horário dos encontros com antecedências. Tão relevante quanto a disponibilidade do
intervisor facilitador para cumprir a agenda e ficar atento aos propósitos a serem
alcançados pela prática reflexiva dialógica.

5 Carta de OMS
Nesse sentido, a ação do facilitador não deve ficar limitada à oferta de
informações, como se o outro fosse um depósito, muito menos assumir uma atitude
liberal, deixando o grupo sozinho e esperando que, pelo achismo e pela espontaneidade,
o conhecimento germinará. O que queremos:

Algumas coisas que eu não sei, ainda, eu posso aprender sozinho, por minha conta, mas
elas são poucas e não são as coisas mais importantes. Assim, muita coisa e as mais
importantes para minha vida eu só aprendo com a ajuda dos outros. Mas acontece que,
sem a minha participação no que aprendo as outras pessoas não podem, sozinhas, me
ensinar o que não sei. Elas só podem me ajudar a pensar e a aprender por minha conta,
com o meu esforço e com a ajuda delas, o que não sei pensar ainda porque ainda não
aprendi. (BRANDÃO, 2005, p.62)

5.1.3 Local e material: território histórico

O espaço dos encontros precisa ser adequado aos propósitos da intervisão, ou


seja, deve permitir que se façam reflexões teóricas, práticas e dinâmicas para cuidar dos
(as) cuidadores(as). A organização do material necessário – quadro, pincel, som, CD,
colchonetes, papel etc. - também é fundamental. Outra qualidade do espaço, a grandeza
relacional, deve possibilitar o intercâmbio entre os artistas que lá estão.

“O espaço é território histórico, nele se pautam as singularidades humanas e se


constroem as diversas pluralidades, ou melhor, as multipluralidades dos que ali
habitam” (CAMPOS, 2007, p.40).

O espaço é, ainda, contexto de encontro, vivência, alegria, frustração, paz, troca,


movimento, transformação, realização, prazer e passagem para se trilhar novos
caminhos.

5.2-Durante a intervisão

5.2.1- Acolhimento: nós te apoiamos e seguimos em frente

Os participantes da intervisão precisam se sentir acolhido, apoiado em sua


realidade, em suas angústias, necessidades e dificuldades, de forma a encontrar alívio
para as suas tensões e preocupações. Indiferença o culpabilização são estratégias que
não cabem em relações de apoio.

Vislumbrar saídas é o caminho para superar ou aprender a conviver melhor com


as nossas inquietações e limitações. Estamos aqui aprender. Para virar o jogo. Auxílio e
apoio são instrumentos indispensáveis, pois são eles que emitem sons e acordes que
embalam o grande espetáculo que é a opera da vida: a recuperação de forças para seguir
em frente.

5.2.2-Acreditar no potencial do terapeuta comunitário em formação:


boniteza de um sonho

5 Carta de OMS
Acreditar que o outro pode se desenvolver é o ponto de partida para fazer da
intervisão um espaço de troca, descobertas e crescimento. Paulo Freire (1996) assume
que prefere ser criticado como idealista e sonhador inveterado do que deixar de apostar
no ser humano.

O papel da intervisão não é avaliar, julgar, mas estimular o potencial de cada um


para se tornarem humanos. Paulo Freire (1989, p. 99) diz: “um horizonte de
possibilidades nos espera, a história pode ser outra, diferente da que está aí hoje”.

Muitas vezes, a realidade se apresenta diferente daquela que desejamos,


sonhamos. Mas grande boniteza do se tornar humano não é justamente construir e
reconstruir a partir do que fazemos? O que seria da humanidade se alguns idealistas, no
século XVIII, não tivessem imaginado e lutado por um mundo sem escravidão?

5.2.3- Sinceridade: convivendo com a inconclusão humana

O diálogo durante a intervisão deve ser claro e franco, possibilitando que todas
as questões pertinentes ao grupo sejam discutidas abertamente. Para que isso aconteça,
um tempo para falar e um tempo para escutar é essencial. Vejamos o que diz Freire
(1996, p.116):

No processo da fala e da escuta, a disciplina do silêncio a ser assumido com rigor e a


seu tempo pelos sujeitos que falam e escutam é um “sine que non” da comunicação
dialógica. O primeiro sinal de que o sujeito que fala sabe escutar é a demonstração de
sua capacidade de controlar não só a necessidade de dizer a palavra, que é um direito,
mas também o gosto pessoal, profundamente respeitável, de expressá-la. Quem tem o
que dizer tem igualmente o direito e o dever de dizê-lo. É preciso, porém, que quem
tem o que dizer saiba, sem sombra de dúvida, não ser único ou a única a ter o que dizer.

Aceitar o diferente com humildade é outra condição “virtude” para uma relação
dialógica permeada pela sinceridade. Se estivermos convictos de que as nossas idéias,
opiniões, pensamentos são as únicas estratégias viáveis as melhores, não podemos
escutar quem pensa diferente de nós, então, só nos resta discriminar, recusar, destratar,
proibir, evitar.

Nenhum ser humano é superior ao outro. A ausência de respeito pelo outro ser
humano na prática dialógica se expressa “na arrogância e na falsa superioridade de uma
pessoa sobre outra, de um gênero sobre o outro, de uma classe ou de uma cultura sobre
a outra, é uma transgressão da vocação humana do ser mais [...] (FREIRE, 1996, p.121-
122). Queremos ou não, somos diferentes e:

Não podemos fazer (“exigir”) com que todos dancem de acordo com a música que
tocamos [...] É evidente que temos de ter nossas idéias e não sermos caniços agitados
pelo vento. Mas devemos respeitar a opinião dos outros e com eles estabelecer um
diálogo em pé de igualdade (GUARESCHI, 2005, p. 47).

5 Carta de OMS
A sinceridade solicita de todos os presentes abertura ao mundo das muitas
indagações, das possíveis respostas e curiosidades frente ao contexto em que estão
inseridos e a aceitação da própria natureza na condição da incompletude. Conflitos estão
presentes na dinâmica do grupo que pensa, sente e age na direção dos seus propósitos e,
com certeza, são menos prejudiciais do que o disfarce, o acobertamento, o fingimento, a
hipocrisia, a simulação.

5.2.4 Criticidade: compromisso social

Criticar também é ser capaz de ver os aspectos positivos e não ficar só no


negativo e na cobrança. Por mais confusa que possa parecer uma prática, nunca se deve
desprezá-la.

O intervisor é co-responsável pelo resultado obtido no impacto da ação dos


terapeutas comunitários em formação. No exercício da reflexão sobre a ação pelo
diálogo respeitoso, o sucesso e o fracasso não estão associados a pessoas particulares,
mas ao grupo. Na prática dialógica reflexiva, a idéia é suscitar os recursos do próprio
grupo na busca por estratégias de enfrentamento para superar os entraves, e não exaltar
ou crucificar fulano ou beltrano.

A ideologia liberal marcado pelo isolamento e egoísmo, em que o esforço para


conseguir o bem-estar é individual e o outro é apenas um instrumento, se contrapõe à
estratégia de que podemos vencer juntos aos entraves ao nosso crescimento. Na
ideologia liberal. “o ser humano é definido como um indivíduo, isto é, alguém que é
um, mas não tem nada a ver com os outros” (GUARESCHI, 1999). Para Farr (1999,
p.150), na ideologia liberal, há um “endeusamento do indivíduo”.

Para nós, o ato de criticar assume o sentido de agitar o grupo para pensar
respostas aos problemas suscitados, portanto, não é falar mal dos outros, nem colocar
uns contra os outros. É fundamental que todos se dêem bem.

5.2.5 Autocrítica: fazer o melhor possível:

É fundamental para o intervisor e terapeutas comunitários em formação o


exercício de perceber a sua prática em seus aspectos positivos e negativos, enfrentando
a sua realidade sem transformar esse momento em crucificação. Como diz Dalai Lama
(2000, p.181):

A culpa excessiva pelas lembranças das nossas transgressões passadas com uma
contínua atitude de censura e ódio a nós mesmos não leva a nenhum objetivo, a não ser
o de representar uma fonte implacável de autopunição e de sofrimento induzido por nós
mesmos.

Reconstruir faz parte da aventura de quem tem sede de chegar à direção


desejada. Refazer, recomeçar: uma das mais belas lições a ser aprendida. Muitas vezes,
não nos damos conta dos avanços acumulados na nossa trajetória de vida e, com isto,
não percebemos que somos melhores que supostamente imaginamos ser.

5 Carta de OMS
É, pois, com objetivo de procurar fazermos o melhor possível que apresentamos
abaixo uma sugestão para apreciação dos encontros de intervisão, tendo como
referencial os seus propósitos.

I-Identificação

Nome: -------------------------------------------Data:- ------------------------------

II- Aprecie a intervisão considerando a sua contribuição para:

1.1 A sistematização do seu trabalho como terapeuta comunitário:

-------------------------------------------------------------------------------------------------
-----------------------------------------------------------------------------------

1.2 O seu crescimento profissional e humano:

-------------------------------------------------------------------------------------------------
-----------------------------------------------------------------------------------1.3 A
qualidade de vida e bem-estar da comunidade em que você atua:- ------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------

III- Como você aprecia a sua participação pessoal na intervisão?

-------------------------------------------------------------------------------------------------
-----------------------------------------------------------------------------------

IV- Outras considerações:

-------------------------------------------------------------------------------------------------
-----------------------------------------------------------------------------------

V- Sugestões para a próxima intervisão:

-------------------------------------------------------------------------------------------------
-----------------------------------------------------------------------------------

O intervisor precisa indagar-se sempre sobre o sentido do que está fazendo. O


processo de construção de sentido é uma tarefa constante do intervisor facilitador para
que a sua ação não se limite a uma pedagogia tecnicista, de modo a colocar em risco a
intervisão como escola de companheirismo que dá ênfase à “pedagogia do diálogo, das
trocas, do encontro, das redes solidárias” (GADOTTI, 2002, P. 130). Vale lembrar que
companheirismo vem do latim e significa “aquele que partilha o pão”. É pela partilha,
troca de experiências, cooperação, colaboração que conseguiremos superar os nossos
entraves para a construção de outro mundo possível, onde, como dizia Paulo Freire
(1979) “ninguém ensina nada a ninguém e todos aprendem em comunhão, a partir da
leitura coletiva do mundo”.

5 Carta de OMS
5.2.6 decisão coletiva; intervisor a serviço do grupo

Toda e qualquer decisão que necessita ser tomada parta que o grupo avance em
sua prática precisa ser refletida e adotada pelo grupo. O (a) intervisor(a) não deve fazer
escolhas pelo grupo, mas ajudá-lo a reconhecer a necessidade de fazer uma escolha,
tendo em vistas os propósitos a ser alcançados. O grupo é responsável pelas suas ações.
O intervisor como autoridade auxilia o grupo a crescer e para isto não precisa de
subordinados.

É muito comum no cotidiano deparar-mos com outro sentido de autoridade que é


a dominação, ou seja, com alguém que manda e o grupo obedece, do tipo “aqui quem dá
as ordens é chefe”, “o chefe falou tá faldo e pronto”.

Na busca da consciência que liberta, Guareschi (2005) nos provoca para as


relações de dominação já “institucionalizadas” e propõe uma tarefa: diariamente nos
perguntar se a nossa prática não está sendo pautada por estas relações de dominação já
cristalizadas, pois, como dizia Sartre (1998), o mais importante não é o que fizeram de
nós, mas o que vamos fazer com o que fizeram de nós.

5.2.7 Escrita

Levar o grupo a exercitar a produção da escrita, considerando a sua atuação nos


diferentes espaços coletivos, também ajuda o grupo a dar saltos qualitativos no seu fazer
terapêutico e é um verdadeiro retrato do antes e do depois, para se apreciar o que
mudou. O exercício da sistematização dos resultados, bem como das dificuldades,
emoções, descobertas e constatações também é um referencial para apresentação em
congressos, seminários, encontros. Vejamos abaixo, a título de ilustração, produções de
um grupo de Terapeutas Comunitários da Secretaria de Saúde municipal de fortaleza.

I-Rapidinhas dos terapeutas comunitários:

1. Em vez de ficar correndo atrás de criar vários grupos, busque manter o grupo
que já está feito.

2. É imprescindível para a Terapia Comunitária o acolhimento ao grupo e o


bom entrosamento entre a equipe de terapeutas;

3. Visitar outros grupos de Terapia Comunitária dá mais confiança para realizar


o trabalho; traz coragem também;

4. É preciso ter atitude, disciplina, organização e identificação para assumir um


trabalho comunitário;

5. A boa vontade é fundamental para romper os obstáculos na realização de um


trabalho comunitário;

6. Quando a comunidade confia em quem está fazendo o trabalho, ela participa;

5 Carta de OMS
7. As experiências mostram que, quando um trabalho está voltando para o
interesse particular/partidário, com registro de dificuldade para chegar ao
local, reclamações pela ausência de alguns sem a valorização dos que vieram
julgamento, centralização das ações deixando o outro sentir-se incapacitado,
o trabalho “morre na praia”;

8. Acreditar no que está fazendo é também uma força para seguir em frente;

9. Não vale a pena ficar reclamando de barriga cheia que as coisas não dão
certo. É preciso compreender que, se não fizer acontecer diferente, os
problemas só vão aumentar. É preciso romper com a dependência de que a
solução está no outro;

10. É necessário cuidar-se e se deixar cuidar para poder estar bem para cuidar do
outro.

II- Terapia Comunitária e prevenção

A Terapia Comunitária é uma estratégia na prevenção de doenças. A voz popular


que, na TC, diz “quando a boca cala, os órgãos falam; quando a boca fala os órgãos
saram” já está enunciando essa verdade.

Os participantes dispõem de um excelente espaço para exteriorizarem os seus


sentimentos e sofrimentos antes que eles se somatizem. O povo também fala que é
melhor prevenir do que remediar. E a voz do povo é a voz de Deus. E é esta voz que
também diz: “Quem guarda azeda; quando azeda estoura, e quando estoura, fede”.

A Terapia Comunitária possibilita ao serviço público economia de


medicamentos, exames e internações; para a população, economia de tempo diminuindo
o desgaste físico e mental. Imagine a quantidade de energia que poderá ser canalizada
para outras prioridades? Os participantes da TC estão, a cada dia, dando inúmeros
testemunhos dessas vantagens na sua vida. Por isso, é preciso viver a Terapia
Comunitária!

5.3- Após a intervisão

5.3.1- Visitas: aprender sempre

Acompanhar algumas terapias comunitárias também é um excelente recurso para


a intervisão, depois de certo tempo de convivência com o grupo na qual a confiança já
está estabelecida. É muito bom ter alguém para assistir a terapia e depois sentar e
refletir, visando o avanço da prática, bem como o crescimento humano e profissional do
terapeuta comunitário e o bem-estar da comunidade.

Herbert Mc Luhan (1974) diz que o planeta é a sala de aula e rompe, assim, com
a idéia de um tempo e espaço definido tradicionalmente para aprender. Em qualquer
lugar e tempo pode-se aprender, são muitas as possibilidades.

5 Carta de OMS
6. Quem sou eu? Do que sou capaz?

O diálogo reflexivo e respeitoso possibilita o intervisor(a) não precisar ter a


tarefa complicada de ter dicas e soluções para tudo, de ser infalível, além de evitar a
dependência e o assistencialismo. O diálogo possibilita tanto ao intervisor quanto ao
terapeuta comunitário em formação ensinarem e aprenderem, num processo mútuo e
constante, o exercício do aprender a aprender.

Freire (1989, p.108) afirma: “o diálogo é, portanto o indispensável caminho”. O


facilitador intervisor precisa ser competente no que faz, exercendo sua autoridade com
sabedoria. Freire (1996, p.102) lembra:

A segurança com que a autoridade docente se move implica outra, a que se funda na
sua competência profissional. Nenhuma autoridade docente se exerce ausente desta
competência. O professor que não leva a sério sua formação, que não estuda, que não
se esforça para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as
atividades de sua classe[...]. Há professores e professoras cientificamente preparados,
mas autoritários a toda prova. O que quero dizer é que a incompetência (“afetiva ou
profissional”) desqualifica a autoridade do professor.

Essas reflexões nos possibilitam uma constatação: NÃO BASTA QUERER SER
INTERVISOR (A). a dinâmica interativa exige muito mais do que a simples aceitação
para realizar um trabalho, formação técnica e tempo disponível. Exige identificação
com a ação de que o “conhecimento precisa de expressão e comunicação” (GADOTTI
2000, P.2).

Para ser um intervisor facilitador promotor da vida, do bem viver e da paz é


necessário, além da disponibilidade e saberes técnicos, gostar de aprender e amar os
seres humanos. Sem medo de parecer sentimentalmente ou nada acadêmico,
assinalamos que o alicerce da existência humana é o amor e nos valemos das palavras
de Paulo freire (2004, p.329), que diz: “ Eu gostaria de se lembrado como um sujeito
que amou profundamente o mundo e as pessoas, os bichos, as árvores, as águas, a vida”.
Também nesta direção, matura na (1999, p.67) nos mostra o amor em suas reflexões:

O amor constitui um espaço de interações recorrentes, no qual se abre um espaço de


convivência onde podem dar-se coordenações consensuais de conduta que constituem a
linguagem, que funda o homem. É para isto que amor é a emoção fundamental na
história da linhagem a que pertencemos.

O amor é essencial na transformação da realidade, assim como o ar que


respiramos, indispensável no dia-a-dia, e um desafio, visto que “as pessoas que nos
amam e a quem amamos não são necessariamente bonitas, saudáveis e agradáveis”
(LUFT, 2005, p.49). O amor como temática na prática reflexiva é compromisso, querer
bem ao outro, desejo de vida plena e abundante para todos.

Quem escolher ser um facilitador intervisor em Terapia Comunitária não está


escolhendo única e exclusivamente um trabalho,

5 Carta de OMS
“Está escolhendo com quem trabalhar, está definindo para que fazê-lo, está
pensando num sentido para a sua vida, está escolhendo um com, delimitando um
quando e onde [...] Está definindo quem vai ser, está escolhendo um papel adulto e, para
fazê-lo, não pode se basear numa outra coisa que não é o que” (BOHOSLAVSKY,
1997, p.79).

Para ser inetrvisor, exige-se uma identificação com a ação.

7-Proposta de ação; retomando os propósitos

Nestes anos de transpiração coletiva, com muita freqüência somos interpelados


sobre que atividades devem integrar um encontro de intervisão. Considerando as três
dimensões da nossa proposta – sistematização do trabalho; crescimento profissional e
humano; bem-estar comunitário -, apresentamos, abaixo, algumas idéias que podem
ajudar a atingir estes propósitos, somadas ao compromisso com as necessidades do
grupo em formação que pede atenção e respeito do intervisor facilitador para:

a) Estar atento (a) ao bem-estar do grupo, considerando o que as pessoas no


grupo dizem e fazem pela partilha de saberes;

b) Estar atento ao outro acolhendo suas inquietações, preocupações,


sofrimentos, descobertas, necessidades;

c) Garantir que todos no grupo possam ter vez e voz, que todos pensem ser
reconhecidos em sua singularidade, e as diferenças possam ser respeitadas.

ALGUMAS SUGESTÕES DE ATIVIDADES

1-Treinamento das etapas da terapia Comunitária. Na formação em Terapia


Comunitária, buscamos na prática o nosso aprender: aprendemos em ação. Acreditamos
que a ação gera saber, habilidade, conhecimento. Praticando a Terapia comunitária,
aprendemos como desenvolvê-la. É necessário treinar exaustivamente cada etapa da TC,
que é a estrutura, o esqueleto da roda. Saber fazer um síntese-restituição, elaborar um
mote, elaborar uma pergunta, fazer conotação positiva são indispensáveis para o bom
andamento das rodas.

2- Harmonia entre teórica e prática. Reflexões vinculadas à prática do grupo


em formação que fazem a relação com os eixos teóricos que sustentam a Terapia
Comunitária na perspectiva de ajudar a intervir na realidade se tornam uma exigência
sem a qual, como afirma Freire (1996, p.24), “a teoria pode vir virando blábláblá e a
prática, ativismo”. O importante não é acumular conhecimentos, mas colocar o
conhecimento a serviço da mudança da realidade. Vasconcellos (1995, p.34) lembra: “o
conhecimento tem sentido quando possibilita o compreender, o usufruir ou o
transformar a realidade”. Trata-se de um espaço para entender a realidade tendo como
mediador os eixos teóricos da TC. O intervisor facilitador, além de entender o texto,
precisa também conhecer o contexto – o significado do texto quem dá é o contexto.
Aprender o que não precisamos é desnecessário; esquecemos quando o conhecimento

5 Carta de OMS
não tem utilidade, sentido. É preciso saber pensar a realidade local e global. Nós somos
os cidadãos dessa grande nação chamada Terra.

3- Vivências. São fundamentais para a redução do estresse, o autoconhecimento


do terapeuta comunitário e a consolidação da rede afetiva entre os parceiros. Precisamos
entender a formação e o desenvolvimento humano como um todo indivisível. Educar
não é apenas aprender a ouvir com os ouvidos, a falar com a boca, sentir com o coração,
agir com as mãos e caminhar com pés. A experiência tem demonstrado que as vivências
são a alma que anima o terapeuta. O ideal seria fazer uma vivência no início e outra no
fechamento.

4-Participação efetiva da comunidade. Reflexão sobre as estratégias que o


grupo em formação está utilizando para levar a Terapia Comunitária a diferentes
contextos são extremamente relevantes, bem como o impacto do trabalho. O que tem
acontecido na comunidade com a presença da Terapia Comunitária a diferentes
contextos são extremamente relevantes, bem como o impacto do trabalho. O que tem
acontecido na comunidade com a presença da Terapia Comunitária? Diminuição da
violência? Que valores culturais foram resgatados? Conforme lembra Rifkin (1982),
citado por Barreto (1987), o problema fundamental de todo o programa de participação
comunitária é o saber estimular os membros de uma comunidade, com todos os seus
problemas, suas tradições e diversidades, a agir juntos para melhorara o quadro de vida
dessa comunidade. Tudo isso não se obtém por pesquisa e nem por decreto, mas, pelo
diálogo. Ainda de acordo com Barreto (1987), é a participação da comunidade que vai
garantir que o trabalho do terapeuta comunitário seja uma necessidade real, do
contrário, facilmente tomam-se os desejos e os fantasmas por realidade e necessidades
do outro. E para ir além das intuições e suposições de natureza ideológica, sugerimos
abaixo algumas questões para serem refletidas e respondidas pelo grupo em formação
na implantação da Terapia Comunitária, considerando o objetivo deste instrumento
terapêutico: acolher as preocupações, inquietações do cotidiano.

1) Local escolhido para implantar a TC: Definição do espaço para a TC.

2) Objetivos: O que a equipe pretende alcançar com a implantação da TC no


contexto escolhido?

3) Justificativa: Por que é importante e necessário alcançar o que a equipe


pretende?

4) Público-alvo: Qual a população que se quer atingir?

5) Duração: Qual o tempo previsto para a execução do projeto

6) Operacionalização: Quais os passos (etapas) necessários para implantação


da TC no contexto escolhido? O que é necessário para executar o projeto de
implantação da TC?

5 Carta de OMS
7) Colaboradores: Com que a equipe pode contar para a implantação do
projeto?

8) Indicadores: Quais as evidências concretas para o alcance dos objetivos?

9) Apreciação: Como será avaliado o projeto junto à instituição/outras

Qualquer atividade desenvolvida em contexto comunitário deve considerar,


como alerta Guareschi (2000, p.99): 1) “um respeito muito grande pelo saber dos
outros. Para tanto, é necessário considerar o que as pessoas dizem e o que fazem,
pedindo licença para poder participar”; 2) “que o projeto inclua, além do diálogo e a
partilha de saberes, a garantia de autonomia e autogestão das próprias comunidades”.

É a confirmação de que o saber não está apenas nas mãos de técnicos e


cientistas, que, muitas vezes, agem como se fossem os únicos a saberem, determinando
o que o outro precisa o que é melhor para a comunidade. Deixar de lado a arrogância,
ter a humildade de se abrir a outras formas de saber e se deixar interpelar por elas
viabilizam a complementaridade. Se todos participam de uma tarefa ou de um projeto e,
de repente, são impelidos de continuar a caminhada e tudo fracassa, todos os
participantes irão compreender melhor a natureza de suas limitações e os obstáculos que
os impedem de escapar da miséria e da opressão. É nesse momento que todos
descobrem os entraves ao seu próprio crescimento.

8- Recapitulando e ampliando: nunca é demais

Deixe as regras de trabalho que viabilizam o diálogo reflexivo claras para


todos. Por exemplo: estabelecer hora para começar e terminar,
oportunizar vez e voz para todos, não interromper quem estiver falando.

Evite posicionamentos típicos de um “dono da verdade”. Isto vale tanto


para o intervisor como para o terapeuta comunitário em formação.

Peça ajuda quando esgotadas as possibilidades. Se depois de várias


intervisões, algumas questões ainda permanecerem desestimulando o
grupo, não transfira o problema para outros e nem deixe o problema
crescer.

Finalize a intervisão fazendo uma síntese do que foi refletido; lembrar as


providências que foram encaminhadas e pendências/retomadas para a
próxima intervisão pode ajudar a não perder o foco e auxilia no
planejamento dos encontros futuros, além de deixar marcada a
continuidade.

Inicie a intervisão apresentando o plano de trabalho para o dia: relembre


ao grupo as pendências do encontro anterior (se for o caso), bem como as
outras atividades que vão compor o encontro, explicando a razão pela
qual estão integrando o trabalho. Também é bom indagar se o grupo tem

5 Carta de OMS
outras expectativas além do que está previsto, para juntos analisarem
como vão conciliar o tempo com a programação. O intervisor deve se
comprometer somente com o que é necessário e possível!

Para informações previstas e imprevistas, é recomendável um arquivo de


localização do grupo. Para tanto, tenha uma pasta contendo: endereço,
telefone, e-mail ou outras informações dos participantes do grupo que
julgar necessárias. Exemplo:

Nome completo Endereço Fone de contato E-mail

Procure saber qual o perfil do grupo com que está trabalhando, pois
também é relevante para o planejamento das intervisões. O desinteresse
ou mesmo a ausência física pode ser porque o participante ache que está
fácil demais ou porque é tão difícil que não dá para entender mesmo e
por isso desista de prosseguir. Exemplo:

Categoria Profissional Escolaridade Idade

Cuide também da sua formação continuada: marque encontros com


colegas para refletir sobre a própria prática, incerteza, resultados obtidos;
freqüentes cursos; leia; escreva; publique; exponha a sua experiência.

A TC é uma ação complementar a outras existentes na rede de apoio


social. Portanto, é fundamental que diferentes populações em diferentes
contextos tenham possibilidade de identificar os espaços em que ocorrem
as Rodas de Terapia Comunitária. Organizar um mapa para divulgar em
sites e cartazes espalhados em espaços públicos viabiliza a participação.

5 Carta de OMS
Exemplo:

FORMAÇÃO EM TERAPIA COMUNITÁRIA

Pólo:- ----------------------------------------------------------------

Mapa de Atuação dos Terapeutas Comunitários

Integrantes da Equipe Dia Local Endereço/Fone Horário Freqüência Público


alvo

1.

2.

3.

1.

2.

3.

9- Vinte e poucos anos: tecendo a rede

A prática de vinte e poucos anos ainda é muito recente, e, em todo o início,


costuma haver muito entusiasmo e mobilização. Outra questão é que a ação do
intervisor (a) inscreve-se em um novo paradigma, portanto, é esperado que haja
resistência a mudar práticas antes aprendidas. Não conseguimos mudar de uma vez. A
pressa é o calcanhar de Aquiles nesta transição. Para isso, acreditamos ser necessário
garantir a todos os envolvidos nesta rede um espaço de formação permanente para que
sua ação não reforce ainda mais o assistencialismo. Não estamos isentos de deslizes.
Mas, já fizemos uma opção, já sabemos qual é a “parte que nos cabe neste latifúndio”:
ser sujeito da história e não apenas um mero objeto ou vítima. Como bem lembra Passos
(1996, p.41):

Talvez não devamos lutar pela premiação final, nem mesmo pelos louros e escalpos...
Podem ser irrisórios... O que pode e certamente deve alimentar nossa luta e nossa
paixão – que não tem preço – é o sonho de que todos saibam, sobretudo os opressores,
claramente, de que lado estamos! Não arredaremos pé do nosso compromisso de
fidelidade cotidiana com a vida, com a verdade e com os massacrados e excluídos.
Manteremos nossa reserva ético-política em favor da vida.

Somos transição buscando estar com o outro e desejosos de que o outro esteja
conosco, com liberdade para pensar, sentir, desejar e criar. Raul Seixas, em
Metamorfose ambulante, expressa muito bem essa liberdade para transcender e não

5 Carta de OMS
apenas reproduzir: “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante. Do que ter aquela velha
opinião formada sobre tudo”.

10- Considerações finais com Paulo Freire

Com muito prazer, alegria e satisfação fecharam esta parte do nosso texto com o
andarilho da esperança e do amor – o querido mestre Paulo Freire:

É impossível ensinar sem esta coragem de querer bem, sem a valentia dos que insistem
mil vezes antes de uma desistência. É impossível ensinar sem a capacidade forjada,
inventada, bem cuidada de amor {...} É preciso ousar para dizer, cientificamente e não
bla-bla-blantemente, que estudamos, aprendemos, aprendemos, ensinamos,
conhecemos com o nosso corpo inteiro. Com os sentimentos, com as emoções, com os
desejos, com os medos, com as dúvidas, com a paixão e também com a razão crítica
{...}. É preciso ousar para jamais dicotomizar o cognitivo do emocional. É preciso
ousar para ficar ou permanecer ensinando ao risco de cair vencidos pelo cinismo. É
preciso ousar, aprender a ousar para dizer não à burocratização da mente a que nos
expomos diariamente. É preciso ousar para continuar quando às vezes se pode deixar
de fazê-lo, com vantagens materiais (1994, p10).

Conclusão:

Nestes vinte e um anos cuidando das pessoas em sofrimento psíquico em seus


próprios contextos, temos concentrado nosso esforço no fortalecimento dos vínculos
que ligam as pessoas entre si. Esses vínculos ligam tradição e modernidade, ligam o
homem e a cultura, articulam o saber popular e o saber científico, ligam a universidade
e a comunidade e aproximam a comunidade dos excluídos. Esse trabalho tem exigido
um esforço interdisciplinar em vista de uma ação trans disciplinar.

A interdisciplinaridade exige mais do que o somatório de profissionais especializados.


Ela tem que acontecer na perspectiva da complementaridade, uma vez que:

1. Nenhuma técnica-especialização pode apreender a totalidade da


problemática em questão.
2. Não há verdade, mas, leitura de um fato do qual cada um lê em função da
perspectiva de sua própria história pessoal.

Daí, necessitamos relativizar nossos modelos explicativos tendo em vista que


todo o modelo é uma construção provisória. Nesta perspectiva, a interdisciplinaridade
exige diálogo, interpelação entre as diferentes disciplinas para consolidar a ação e
permitir o crescimento dos profissionais. Para isso, temos que ter as dobradiças da
inteligência e da consciência flexíveis para a abertura ao desconhecido. A
interdisciplinaridade exige diálogo, interpelação pode conduzir a um impasse quando é

5 Carta de OMS
usada a serviço de uma especialidade. Nestes casos, surgem conflitos na equipe na qual
predominam questões de auto-afirmação e competição, repercutindo negativamente no
paciente que se torna peça no jogo do poder. Estamos convencidos de que toda a
interdisciplinaridade deve haver prevalência de uma especialidade sobre o objeto da
ação. A preocupação é o sujeito de quem tenho certo conhecimento e posso trazer
contribuição parcial. Isto pressupõe uma atitude de respeito a outros profissionais
porque passo a conhecer meus limites e tenho consciência da complexidade do “objeto-
sujeito” de minha ação.

Além das exigências de um diálogo incessante entre profissionais, temos que


estabelecer o mesmo diálogo com a comunidade que oferece outras variantes que
interferem decisivamente no processo de cura. Por exemplo: o que fazer da contribuição
de familiares e vizinhos? Como respeitar os valores culturais, as crenças? O que fazer
das potencialidades terapêuticas da própria comunidade?

Nossa pesquisa-ação tem se situado no cruzamento das disfunções, no fogo


cruzado dos conflitos, no processo que privilegia as interações entre diversos saberes,
adotando uma metodologia participativa, trans disciplinar e transcultural. Isto é,
tentamos ultrapassar as especialidades tanto do saber científico como do saber popular e
de seu necessário inter questionamento.

Nossa ação tem nos firmado na convicção de que o futuro da psiquiatria não será
mais no investimento de espaços asilarem que excluem os que sofrem, que guetizam os
doentes mentais e os excluem da participação dos valores culturais, mas, sobretudo, no
reforço dos vínculos interpessoais e culturais que unem, fortalecem e fazem o homem
descobrir o sentido da pertença.

A cultura é tal qual teia invisível que integra e une os indivíduos. O que
construímos tem sido fruto de um esforço coletivo, de engajamentos pessoais, de
vontade de fazer algo para amenizar o sofrimento de populações excluídas da partilha.

Nestes vinte e um anos de trabalho, formamos 12.500 terapeutas comunitários


com o apoio de Departamento de Saúde Comunitária e da Pro – Reitoria de Extensão da
UFC, espalhados em 27 estados brasileiros. São homens e mulheres leigos e
profissionais das mais diversas áreas do conhecimento e de universos culturais que
encontraram na Terapia Comunitária um instrumento de mobilização, agregação e
construção de redes solidárias. Já são 29 pólos formadores espalhados neste imenso
Brasil continental. Criamos a ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE TERAPEUTAS
COMUNITÁRIOS (WWW.abratecom.org.br) que tem oferecido aos terapeutas
comunitários um espaço virtual de troca de experiências. Há quatro anos a TC está
sendo implantado, na França, Suíça e Itália pela Associação Européia de terapia
Comunitária (WWW.aetcromandie.ch)

PÓLOS FORMADORES EM TERAPIA COMUNITÁRIA

RECONHECIDOS PELA ABRATECOM

5 Carta de OMS
Estado/ Pólo Coordenação Contato
Distrito
Federal

1.Amazonas MISC - Fátima Silva mismecam@yahoo.com.br


AM
Fátima.silva@pmm.am.gov.be

2.Bahia UCSAL Margarida margaridacrego@bol.com.br


Rego

3.Bahia MISC - Graça Farine gracafarani@yahoo.com.br


BA

4.Brasília MISMEC- Per Lucy perlucy@terra.com.br


DF Santos

5.Ceará MISMEC - Miriam miriam@baydenet.com.br


CE Barreto

6.Ceará Bom PE. Rino msmcbj@terra.com.br


jardim

7. Ceará MISMEC- Raimunda No Clarinda@sobral.com.br


SOBRAL nata

8.Maranhão MISC - Lídia Luz mis__ma@yahoo.com.br


MA
lindia-luz@yahoo.com.br

9.Minas Gerais MISC- José Galvão jgalvao@terra.com.br


MG

10.Pará SOPSI Fátima Matos sopim@ibest.com.br

11.Paraíba ASTECO Maria Djair Astecom_pb@yahoo.com.br


M/ PB Dias
mariadjair@yahoo.com.br

12.Paraná INTERCE Vera intercef@intercef.com.br


F Carvalho

13.Paraná Secretaria Graça Martini Graça.martini@sercomtel.com.br


da Saúde
Londrina

14.Pernambuco Aquarius Washington aquariusna@yahoo.com.br


Bezerra

5 Carta de OMS
15.Pernambuco Espaço Áurea Silva mabsilva@hotlink.com.br
Família
espacofamilia@yahoo@hotmail.com

16.Piauí Dialogue Narciso dialogu@gmail.com


Chagas
narcizochagas@hotmail.com

17. Rio de Instituto Selma Hinds noos@noos.org.br


Janeiro No os

18. Rio grande MISC-RS Malu Reis malureis@uol.com.br


do Sul

19. São Paulo ABCD Eliane Guerra elianeguerra@directnet.com.br

20. São Paulo Acesso- Neli e Ângela contato@assessocursos.com.br


Presidente
Prudente

21. São Paulo Associação Neide neideb@uol.com.br


Brasileira
dos
Psicólogos
Espíritas

22. São Paulo CEAF Salete Vianna adalsalete@uol.com.br

23. São Paulo CEFOR Sili Cusitano silicusitano@uol.com.br

24. São Paulo INTERFA Marlene interfaci@yahoo.com.br


CI Grandesso
mgrandesso@uol.com.br

25. São Paulo MISC - Cristiano Neto cristianoneto@power.ufscar.br


São Carlos

26. São Paulo Tecendo. Lia e Liliana liafukui@uol.com.br


SP
lbmrche@dialdata.com.br

27. São Paulo UAKTI- Maria Selma Mariaselma55@yahoo.com.br


ARA Nascimento

28. São Paulo UNESP- Mari Elaine mari@fclar.unesp.br


ARAQUA
RA

29. São Paulo UNIFESP- Ana Horta Ritaseixas@uol.com.br

5 Carta de OMS
ENFERM
AGEM

30. São Paulo UNIFESP Maria Rita ritaseixas@uol.com.br


Seixas
PROTEC/

ESOPS

31. Minas Terapia Marta Roja Marta.rojas@uniube.br


Gerais Comunitári
a

32. Paraná Hospital Tânia t.dalla@uol.com.br


das Dallalana
Clínicas-
Curitiba

33. Rio de MACAÉ Naly Almeida Naly.almeida@uol.com.br


Janeiro

34. São Paulo Associação Cecília Ayres ayrecac@yahoo.com.br


Saúde da
Família

35. São Paulo Comenius Dirce dirassis@terra.com.br

36. São Paulo Gebem Vera Pacheco veratbm@hotmail.com

A TC tem sido, portanto, um instrumento que tem permitido a tantos


redimensionar sua prática profissional e sua vida pessoal.

Apresentamos, a seguir, alguns depoimentos recolhidos ao longo das formações


que temos realizado.

Depoimentos

“A Vivência do paradigma da Terapia Comunitária na minha vida tem sido a


confirmação de que cada ser tem uma sabedoria interna, uma luz de possibilidades e
soluções. No meu caminho profissional, a Terapia Comunitária representa a capacidade
que facilita o acesso e a contribuição de pessoas sofridas aos recursos promotores da
finalidade de vida”

Henriqueta Camarote – Neuro- psiquiatra, mestre em


Psicologia Gestal, Terapeuta de Grupo e Terapeuta Comunitária no Brasil e Europa.
Integrante da Diretoria Executiva da ABRATECOM.

(GESTÃO 2007/09)

5 Carta de OMS
“Passei a entender por que eu gosto de acolher as pessoas e sou muito acolhida.
Na minha vida a frase: “eu reconheço no outro o que eu vejo em mim”, faz muito
sentido. Esse curso me deu coragem para me assumir, aceitar que sou criativa e pôr pra
fora o que penso e o que sinto sem medos. Estou me entendendo melhor, estou mais
calma tendo mais paciência, sou uma pessoa transformada. Eu era um casulo fechado,
agora sou uma borboleta voando.”

Denise – Agente Comunitária de Saúde na UBS de


Almirante Belamari.

“Uma prática de terapia popular, mambembe, que entra nas casas dos José e das
Maria e das comunidades em que lês vive, alavancando o saber popular e as
competências aprendidas na raça para fazer frente aos desafios que a vida oferece... A
Terapia Comunitária, proposta por Adalberto Barreto, tem me oferecido um contexto
eficiente, mas, acima de tudo, amoroso e humano em que, como terapeuta, tem vivido o
lugar de criadora de um contexto de mudança em que o resgate da dignidade e do
respeito pela pessoa humana são as estrelas-guia. Trabalhar de maneira simples e
popular com a complexidade desses contextos comunitários tem me trans formado
como terapeuta e como pessoa.”

Marilene Grandesso – Psicóloga/ Terapeuta Comunitária e


Terapeuta Familiar presidente da ABRATECOM na gestão (2004/5).

“A terapia me deu uma paulada na cabeça, tirou tudo do lugar, mexeu com
coisas que eu não sabia que tava amarrada na minha infância, relacionadas ao passado.
No trabalho tava muito sobrecarregada e aprendi a compartilhar responsabilidades. O
maior ganho foi isso: adquirir coragem para ver o que tá errado, mudar dar advertências.
O grande ganho foi poder exercer melhor o papel de gerente, aprendi a buscar a solução
juntos e isso foi grande ganho: confiança e compartilhar responsabilidades.”

Lúcia – Assistente Social, Gerente da Unidade de Três Corações,


no Grajaú.

“Sempre que penso em como a TC me afetou é tudo superlativo. Não sei falar
simples. Penso que poderia dizer algo como: ao entrar em contato com a TC fiquei
chocada, foi como se eu já esperasse por ela em sonhos e ela tivesse chegado me
libertando de velhas amarras. Descobri um mundo de novas possibilidades que casou
muito bem com o meu tipo de trabalhar e minha personalidade. Eu me senti autorizada
pelo Prof. Adalberto a trabalhar de maneira mais leve, mais livre e isso se refletiu na
melhora no atendimento e mais satisfação profissional. Com ele eu me senti validada,
uma sensação que já carregava e não encontrava apoio na ciência: o uso de minha
história, de minha biografia em benefício dos meus semelhantes e com isso um
sentimento de inclusão na vida e não mais de espectadora. Do ponto de vista pessoal,
refletiu-se numa melhora da saúde física e melhor equilíbrio emocional aumentando a
capacidade de trabalho.”

5 Carta de OMS
Dirce de Assis Rudge – Médica especializada em
dependência química, Terapeuta Familiar e Terapeuta Comunitária.

“Acho que a Terapia Comunitária é um recurso fantástico que a gente está


descobrindo agora, principalmente na rede pública, como promoção de saúde, porque
antes a gente tinha uma dificuldade enorme para acolher todos os usuários que vinham
procurando uma escuta, que vinham procurando um espaço para falar do seu
sofrimento, que vinham o serviço de saúde mental e a gente não tinha vaga suficiente
para todos e hoje a gente tem o recurso da Terapia Comunitária, onde todos podem
participar. A gente não tem um limite de vagas, então, isso fez uma transformação
incrível em termos do atendimento e do acolhimento. Na terapia Comunitária tem vagas
semanais pra todos, eu acho que isso NE uma transformação fantástica e que a gente
precisa reforçar em termos do atendimento em saúde pública.”

Catarina – Psicóloga da UBS – Mooca-SP

“Quando descobri a Terapia Comunitária, passei a me relacionar com as pessoas


de uma forma mais verdadeira e mais humana. Comecei a prestar mais atenção nos
outros e em mim mesma. Abri meu coração para escutar seu julgamento, a respeitar as
diferenças, admitir e tolerar minhas fraquezas e dos meus semelhantes, a aproveitar
melhor meus talentos em benefício da coletividade, buscando resgatar sua competência
e capacidade e, sobretudo, a Terapia Comunitária ajudou-me na busca do dom da
alegria que é fundamental para descobrir o amor positivo, a beleza da vida e a riqueza
de me sentir um ser humano.”

Per Lucy Santos – Terapeuta Comunitária de Brasília-


DF, Coordenadora do MISMEC-DF.

“A Terapia Comunitária me ajudou a estar resgatando e trabalhando a minha


auto-estima, me fez entender que eu não preciso só ouvir, a capacidade de ouvir eu
transmiti, mas eu não conseguia falar, não conseguia me colocar, eu tinha muitos sapos
engolidos, muita rãs presas aqui dentro. Foi ela que me possibilitou a estar me
colocando, que eu também posso tá falando, e no meu trabalho eu to me sentindo mais
útil e tenho percebido que a Terapia Comunitária é uma prevenção em saúde e que dá
resultado.”

Tatiana – Enfermeira da UBS – Vila Antonieta –


SP.

“Encontrei na Terapia Comunitária a oportunidade de resgatar meu potencial


criativo, a alegria natural, a capacidade de expressar, me integrar e envolver nas

5 Carta de OMS
relações interpessoais, me encantou o modelo do Doutor Adalberto de formar o
terapeuta comunitário e envolve-lo numa formação continuada e numa rede de
possibilidades.”

Marlene R. G. Silva- Psicanalista, Professora, Mestranda em


Ciências da Educação – Ipatinga- Minas Gerais.

“A Terapia Comunitária pra mim foi um presente, ela me proporcionou


autoconhecimento, me proporcionou a descoberta das minhas competências e isso
melhorou muito a minha relação com as pessoas, com a minha família, com meus
amigos e na minha vida profissional. Modificou o meu olhar no cuidado porque até
então eu cuidava daquela patologia, daquela doença ou a prevenção da saúde e hoje eu
tenho a impressão que a dor e o sofrimento daquela pessoa pode ser o corpo que está
falando. Então eu resigne fiquei tudo isso, eu aprendi a ver que o corpo fala também e
muita coisa. Fala porque a pessoa não pôs pra fora aquele sentimento, uma emoção. Ao
pensar nas minhas consultas como enfermeira, eu dou mais espaço para a pessoa falar,
conversar e depois eu faço a parte de enfermagem e na terapia tem sido muito bom,
porque a própria experiência está proporcionando tanto o crescimento da pessoa como
meu crescimento também como indivíduo.”

Solange – Enfermeira do Posto de saúde – Vila lobos- Penha - SP.

“Sempre estive ligada à docência e à pesquisa. A Terapia Comunitária, no


âmbito pessoal, me trouxe serenidade para enfrentar os embates da vida. Na vida
profissional, possibilitou ampliar meus horizontes, unir teoria e prática e fazer uma
síntese dos meus conhecimentos.”

Lia Fukui Tecendo. SP - menge- USP (Coordenadora e


Intervisora) – Professora e Socióloga, Integrante da Diretoria Executiva da
ABRATECOM (2007/09)

“A terapia Comunitária foi pra mim um resgate da minha auto-estima. Eu fazia o


meu trabalho, no âmbito profissional, eu me sentia insegura e me enfraquecia a cada
dia. Os recursos do grupo a que eu pertencia eram outros, sempre apontavam que o meu
trabalho tava no caminho errado, não era por ali eu acreditando, lutando e me sentia
muito sozinha. Então, hoje, pertencer ao um grupo, perceber que quando eu focava mais
no meu trabalho as emoções e sentimentos a pensar no outro, naquele que eu atendia o
potencial que ele tinha eu só vim a descobrir na Terapia Comunitária. Então, eu tava no
caminho certo, esse foi o resgate no momento que eu resgatei a mim mesma, então a
terapia me ajudou muito, no meu próprio resgate.”

Vera- Psicóloga – Sapo pemba –PSF- SP.

“Além de ter sido uma descoberta, a Terapia Comunitária fez para mim uma
síntese da minha prática profissional. Pessoalmente, me fez uma pessoa melhor, mais
respeitosa e crédula do outro.”

5 Carta de OMS
Liliana Becaro Marchete - Psicóloga Coordenadora e
Intervisora- Tecendo. SP Nenge-Sp. Coordenadora do CDC da ABRATECOM
(2007/2009).

“Logo que participei de uma rápida sessão de Terapia Comunitária, vi que ali as
pessoas podem falar livremente da sua dor e são escutadas com amor. Devido ao modo
inovador de conduzir os grupos, estes são, ao mesmo tempo, agradáveis e afetuosos,
rápidos e eficazes, as pessoas se libertam das aflições, transformam seus problemas em
soluções. Isso trouxe um grande alerta ao meu sonho que compartilhei com meus
amigos, juntos, assumimos o desafio de implantarmos a Terapia Comunitária em Minas
Gerais. A sua grande aceitação no país e no exterior é sinal do quanto ela é importante
para o nosso povo e para a humanidade, nesta época.”

José Galvão da Silva Flávio – Administrador, Psicanalista


e Terapeuta Comunitário, Estudante de Psicologia – Ipiranga-MG. Coordenadora do
MISC – MG.

“Eu aprendi na Terapia Comunitária que eu sou um burro de carga, e com o


trabalho que foi feito com a minha criança, eu não sei se vocês perceberam, mas do
último módulo para cá, já não enfrento a bronquite. Neste último módulo eu tive uma
dorzinha, mas nada de crise de bronquite e, como profissional, eu aprendi a me escutar e
entender que quando a boca cala o corpo fala. Eu trabalho com pacientes feridos e tenho
visto resultados nas terapias com os meus pacientes.”

Cleonice – Auxiliar de Enfermagem do Jardim Santa


Maria, Coordenadora de Itaquera – SP.

“Depois que comecei a participar da terapia, ocorreu uma reviravolta na minha


vida, porque antes eu queria resolver o problema de todo mundo e isso me atrapalhava
muito. Agora sinto que foi uma descoberta que eu posso, escutando a história do outro,
eu posso visitar minha própria história. Passei a ter mais fé em mim mesma. Eu vejo a
Terapia Comunitária como a solução para a humanidade, pode ser que hoje ela pareça
uma gota perto do oceano, mas pode ser que amanhã ela seja o oceano inteiro,
obrigada.”

Maria do Socorro – UBS de Iguaçu de Sapo penha – SP.

“Eu era um animalzinho feio, aquele que não aparecia e não desconhecia seu
próprio potencial e a TC me fez ver que eu tenho o meu conhecimento, o meu valor, que
as pessoas viam o que eu não enxergava. Hoje eu aprendi a delegar e a deixar que as
coisas andem quando eu não estou. A terapia funciona para muitas pessoas e também
para um grupo pequeno, e eu vejo que tem resultado, e as pessoas voltam falando dos
resultados positivos.”

Ruth – gerente da UBS de Campo Belo – SP.

5 Carta de OMS
“Eu era dona de casa, cuida Dora do meu marido e dos meus dois filhos, às
vezes eu tava cozinhando e sentia um vazio, desligava o fogão e ia cantar no quarto pra
mim. Então eu cantava e tocava para mim e já saía aliviada. Quando eu fui convidada
para a terapia, eu percebi que colocando as musiquinhas muita gente também
melhorava. Eu falei „vou parar de cantar pra mim e vou cantar para o pessoal‟, para a
minha surpresa eu to no terceiro CD e as músicas vêm assim como um presente e
quando eu vendo um CD, eu fico realizada. Então, essa terapia pra mim foi tudo, eu não
tinha profissão e agora eu tenho.

Tereza – Vi oleira – SP.

“A Terapia trouxe pra mim uma coisa que eu tinha e não conseguia transmitir e,
de repente, aqui na terapia eu descobri quem sou eu, pra quem eu devo ser eu acho que
isso foi muito legal pra mim, porque me deu mais força e a Terapia Comunitária me
fezeu descobrir realmente a minha potência como ser humano e olhar nas pessoas e
reconhecer a força que cada um tem.”

Maria Alves – Agente Comunitária de Saúde – Jardim Santa


Maria – SP.

“A Terapia Comunitária foi um caminho muito lindo que eu caminho muito


lindo que eu caminhei para dentro de mim, pra me conhecer, pra saber quem eu sou e de
onde eu vim valorizar minhas raízes negras. Nós conseguimos melhorar muito a
qualidade do atendimento profissional e a qualidade de vida do povo.”

Maria do Carmo (Cacá) – UBS de Santa Maria e Itaquera – SP.

“A Terapia Comunitária foi um renascimento. Descobri minha criança aos 65


anos e tive coragem de exportar meus sofrimentos, sentimentos e dividi-los. Cada vez
facilito o outro a compartilhar suas dores e suas alegrias e divido minha vida com ele e
assim vou renascendo, embora com os meus já 70 anos.”

Maria Salete Leite Viana (Assistente Social)

“Feliz sou eu que te descobri, Terapia Comunitária

Num tremelique, numa cuspidinha,

Num encontro com minha criança,

Na aceitação da minha

Transcultural idade e multiplicidade de papéis.

Bendita és tu, Terapia Comunitária

Que fizeste de mim

5 Carta de OMS
Um mensageiro de unidade,

Um desbravador dos medos,

Um construtor do novo,

Um agente de solidariedade.

Louvada sejas Terapia Comunitária.

Que me fazendo perceber como o Ser Humano

Possibilita-me ajudar outros seres humanos.

Perceberem-se vivos, obras divinas,

Depósitos de traumas e sofrimentos

Mas emissores de competências,

Descobridores de possibilidades.

Obrigado, Terapia Comunitária

Por me dares mais um papel social.

Pois como terapeuta comunitária

Posso confirmar-me como pequeno-grande.

Pequeno como o fio de uma teia

E grande porque consciente.

“A teia seu um fio rui, desaba”. “Eu sou Importante.”

Maria de Fátima Gonçalves Matos – Psicóloga –


SOPSI (Serviço de Orientação Primária à Saúde Integral), Belém –Pará – e-mail:
sopfm@ibest.com.br.

“O primeiro encontro com o prof. Adalberto Barreto, no Congresso Mundial de


Psiquiatria, no Rio de Janeiro, em 1993, foi marcado pela partilha de uma experiência
de saúde mental comunitária extraordinária. A técnica da Terapia Comunitária, simples,
eficaz, sistêmica chamou logo a minha atenção.

Voltei para Chicago para terminar o meu mestrado com o propósito de voltar
para Fortaleza e aprender esta nova metodologia. Em 1996, voltei para o Brasil e
trabalhamos juntos com Adalberto na formação dos primeiros terapeutas comunitários.

5 Carta de OMS
Em 1998, inspirado nas experiências de Quatro varas e no centro da família,
nasceu o Movimento de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim que, com a ajuda de
um grupo de lideranças das comunidades eclesiais de base, iniciou um trabalho de
escuta e de apoio às pessoas em crise. A partir da técnica da Terapia Comunitária
surgiram outras formas de ajuda como resposta às necessidades do povo . Grupos de
resgate da auto-estima, o projeto Sim à Vida não às Drogas, o cursinho de pré-
vestibular, a biodança, o teatro, as técnicas de mensagens, rei ki, constelação familiar,
eneagrama, a terapia ocupacional, a geração de emprego e renda, entre outras. Hoje o
movimento está no processo de transformação em Caps., para que as instituições
públicas possam continuar a garantir um serviço de saúde mental de qualidade para o
povo. Obrigado, Adalberto, o seu trabalho tem uma força transformadora que pode
ajudar a melhorar a qualidade da Saúde Mental, baseada na energia que vem da cultura
popular, resgatada e valorizada a serviço dos mais pobres e abandonados. Paz e
alegria!”

PE. Rino Bonvini, missionário comboniano

Estive em Quatro Varas e, após um dia intenso de trabalho, minha sensibilidade


poética me levou a escrever este poema.

Um ser anjo

“Um ser anjo, pioneiro de sonhos reais, inconcebíveis e convincentes do saber, do crer,
do realizar-se “SENDO” plenitude divina - humana e parte “DUM TODO” de
concretude mastigada, deglutida, refletida no leito do rio seco d‟água e imenso
enquanto celeiro de sementes raras de árvores que sombreiam o retirante e acolhem os
espíritos-vagantes nas noites de ventanias...

Escutar os gritos abafados em peitos vibrantes de filhos (as) crianças descalças, nuas de
roupas e sábias de conceber e esbanjar criatividade na luta pela vida-vivida no sertão,
agreste ou mata do Semi-Árido, pedaço de um país gigante de dimensões-matas, rios
abundantes de cara pebas e ninhos-rolinhas que gorjeiam os sonhos das minorias. Ter
asas de carcarás e pés de condor de unhas afiadas para dar sustentação-resolução, nos
vôos rasantes, onde toda potencialidade precisa desabrochar, florir, frutificar no outono
de DIAS E NOITES refeitas do amor e sabor do belo.

Usar os olhos do gavião sertanejo, clarificando o escuro de tantas pupilas opacas do


sofrimento - ungüento. Tecer relações de força e comunhão comunitário-solidária.

Tecer teias e prender “zumbis” no rodar, piar, chorar dores, dando e recebendo
“ENERGIAS” de curas-criatura, de braços e tantos abraços perdido-achados e
repartidos coletivamente.

Desarmar embiras, ciladas, pancadas, desatinos-meninos crescidos para sobrevivê-lo na


corda-bamba, entre o SER e o deixar-se tomar por ansiedades-vaiadas e exercer a fúria,
a discórdia, o dilaceramento-momento de plenitude e limite do SER-SABER e poder
discernir o bem, o mal, o amar-se, o desarmar e ferir na carne pecados impostos pelas

5 Carta de OMS
crenças e punições banidas pelos feitos do cotidiano-desumano.

Muita audácia e ousadia „Xucuru‟ de segredos da serra Orar ubá, do sertão-


pernambucano, pretender clarificar os “milagres” da comunicação de homens,
mulheres e crianças que por determinação-energética e espiritual, recriam e partem elos
milenares de grilhões afetivos, amoroso-temerosos de saber negado e opressão recebida
no quantitativo social ou mundo de relações ambíguas, ambiciosas, libertadoras e
trançadas de mistérios.

No pulo de felino “gado (a)” se aninha a ferocidade da manhã-artimanha de escolher


das diferenças-crenças e dos medos banidos, a força intricada pelo bem querer, pela
graça do reconhecimento-momento único vivenciar a luta e a criação.

Revivem “Quatro Varas”, aparição das diferenças= semelhanças de mundos de tantos


Raimundos, de Eva - Adãos do meu Ceará, do Nordeste - árido e fértil de atores
históricos de sabedoria- recriada - dada, pela pulsação do amor sem barreiras, na dança
de cores e frescor do NOVO SABER.

O belo exige ousadia ou paixão desenfreada - amarrada pelas cordas do “coração” que
glorifica ninhos de pecados e redenção da vida, daí minha convicção-danação:

Adão criador de ervas-ervas, multiplicando ENERGIAS

Dádivas de vidas criativas, crentes e sábios PRESENTES

Amor praticado nas matas densas das dores-cores e VITÓRIAS

Libertador de zumbis e caiporas antigas, criando o amanhecer LÚCIDO.

Bebendo na cumplicidade o mel sagrado que sara a fome e a sede de si.

Eternizando liberdades-verdade, ocultas abertas e LIBERTAS

Repartindo sabedorias ortodoxas mortes-vivas de esperanças e CURAS.

Tiritando espíritos na libertação de danos e perdas sem VOLTA.

Ouvindo cânticos de meias-sereias do encanto encoberto-descoberto PRAZER

Berrando forte-longes dores e gemidos paridos de LUCAS-CHEIAS

Acariciando de sons, palavras ou renascidos-vivos de DETERMINAÇÃO.

Repartindo mananciais doces - amargos de múltiplas visões experiência das


COLETIVAMENTE.

Reunificando o antigo-novo de tantos e quantos crêem na cumplicidade


VERDADES.

5 Carta de OMS
Enternecidos todos glorificam o quotidiano humano da LUZ E LOUVOR.

Tantrificando remelexos, requebros, balanços para unificar o essencial de TODO


O SER.

Ornando de ervas e flores cabeças e corações dos novos REIS E RAINHAS DO


RISO e da FESTA POPULAR.

Dra. Marialva Alcântara Poetisa, Assistente Social e


Terapeuta Comunitária.

Reunir pessoas num círculo,

Acolher a cada um...

Ouvir, ouvir atentamente,

Conversar com simplicidade.

Deixar que brotassem,

De dentro para fora,

As riquezas, as competências,

As experiências de cada um...

Dificuldades, problemas,

Partilhar soluções,

Despertar a solidariedade,

Desfrutar isto,

Por si só, já não é curativo?

Em vez de se tratar as pessoas,

Uma a uma, tratam-se dez,

Vinte cinqüenta pessoas,

Ou mais, tudo ao mesmo tempo.

5 Carta de OMS
Sair do unitário para o

Comunitário, em encontros,

Nos quais o clima que se respira

É o de amizade, da compreensão,

Da empatia, da tolerância

E da solidariedade.

Abraçados, ao final, todos cantam,

Oram se enlaçam integrados

Num círculo, no qual

Cada um é um elo.

A isto, chamo Terapia Comunitária.

(Walkere Kaminsky)

Terapeuta Comunitária

Arte Terapeuta

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