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A liturgia deste dia é, toda ela, um hino ao amor de Deus. Canta a iniciativa desse Deus que, por
amor, se vestiu da nossa humanidade e “estabeleceu a sua tenda entre nós”. Em Jesus, o menino
nascido em Belém, Deus veio ter connosco e falou-nos, com palavras e gestos humanos, para nos
oferecer a Vida plena e para nos elevar à dignidade de “filhos de Deus”.
Na primeira leitura, Isaías anuncia a chegada do Deus libertador. Ele é o rei que traz a paz e a
salvação, proporcionando ao seu Povo uma era de felicidade sem fim. O profeta convida, pois, a
substituir a tristeza pela alegria, o desalento pela esperança.
A segunda leitura apresenta, em traços largos, o plano salvador de Deus. Insiste, sobretudo, que
esse projeto alcança o seu ponto mais alto com o envio de Jesus, a “Palavra” de Deus que os homens
devem escutar e acolher.
O Evangelho desenvolve o tema esboçado na segunda leitura e apresenta a “Palavra” viva de Deus,
tornada pessoa em Jesus. Sugere que a missão do Filho, “Palavra” viva de Deus, é completar a
criação primeira, eliminando tudo aquilo que se opõe à vida e criando condições para que nasça o
Homem Novo, o homem da vida em plenitude, o homem que vive uma relação filial com Deus.
resgata Jerusalém.
CONTEXTO
Entre 586 e 539 a.C., o Povo de Deus experimenta a dura prova do Exílio na Babilónia. À frustração
pela derrota e pela humilhação nacional, juntam-se as saudades de Jerusalém e o desespero por
saber a cidade de Deus – orgulho de todo o israelita – reduzida a cinzas. Aos exilados, parece que
Deus os abandonou definitivamente e que desistiu de Judá; alguns perguntam mesmo se Javé será o
Deus libertador – como anunciava a teologia de Israel – ou será um “bluff”, incapaz de proteger o
seu Povo e de salvar Judá. Rodeado de inimigos, perdido numa terra estranha, ameaçado na sua
identidade, sem perspetivas de futuro, com a fé abalada, Judá está desolado e abandonado e não vê
saída para a sua triste situação. Quando, já na fase final do Exílio, as vitórias de Ciro, rei dos Persas,
anunciam o fim da Babilónia, os exilados começam a ver uma pequenina luz ao fundo do túnel; mas,
então, a libertação aparece-lhes como o resultado da ação de um rei estrangeiro e não como
resultado da intervenção libertadora de Deus… Ora, isso agrava ainda mais a crise de confiança em
Javé por parte dos exilados.
É neste contexto que aparece o testemunho profético do Deutero-Isaías. A sua mensagem nunca
abandona o tom da consolação e da esperança (os capítulos que recolhem a palavra do Deutero-
Isaías são, precisamente, conhecidos como “Livro da Consolação” – cf. Is 40-55); garante aos exilados
que a libertação está próxima e é obra de Javé.
O texto integra a segunda parte do “Livro da Consolação” (Is 49-55). Aí, o profeta, que na primeira
parte (Is 40-48) havia, sobretudo, anunciado a libertação do cativeiro e um “novo êxodo” do Povo de
Deus rumo à Terra Prometida, fala da reconstrução e da restauração de Jerusalém. O profeta
garante que Deus não Se esqueceu da sua cidade em ruínas e vai voltar a fazer dela uma cidade bela
e cheia de vida, como uma noiva em dia de casamento.
MENSAGEM
Para revitalizar a esperança dos exilados, o profeta põe-nos a contemplar um quadro, fictício, mas
sugestivo quanto ao significado: à Jerusalém desolada e em ruínas, chega um mensageiro com uma
“boa notícia”. Qual é essa “boa notícia”? Ele anuncia “a paz” (“shalom”: paz, bem-estar, harmonia,
felicidade), proclama a “salvação” e promete o “reinado de Deus”. Deus assume-Se, portanto, como
“rei” de Judá… Ele não reinará à maneira daqueles reis que conduziram o Povo por caminhos de
egoísmo e de morte, de desgraça em desgraça até à catástrofe final do Exílio; mas Javé exercerá a
realeza de forma a proporcionar a “salvação” ao seu Povo, isto é, inaugurando uma era de paz, de
bem-estar, de felicidade sem fim.
Num desenvolvimento muito belo, o profeta/poeta põe as sentinelas da cidade (alertadas pelo
anúncio do “mensageiro”) a olhar na direção em que deve chegar o Senhor. De repente, soa o grito
dessas sentinelas… Não é um grito de alarme, mas de alegria contagiante: elas veem o próprio Javé
chegar e apresentar-se às portas da cidade, preparado para entrar. Com Deus, Jerusalém voltará a
ser uma cidade bela e harmoniosa, cheia de alegria e de festa. Finalmente, o profeta/poeta convida
as próprias pedras da cidade em ruínas a cantar em coro, porque a libertação chegou. E a salvação
que Deus oferece à sua cidade e ao seu Povo será testemunhada por toda a terra, como se o mundo
estivesse de olhos postos na ação vitoriosa de Deus em favor de Judá.
INTERPELAÇÕES
A alegria pela libertação do cativeiro da Babilónia e pela “salvação” que Deus oferece ao seu Povo
anuncia essa outra libertação, plena e total, que Deus vai oferecer ao seu Povo através de Jesus. É
isso que celebramos hoje: o nascimento de Jesus significa que a opressão terminou, que chegou a
paz definitiva, que o “reinado de Deus” alcançou a nossa história. Para que essa “boa notícia” se
cumpra é, no entanto, necessário que nos disponibilizemos para acolher Jesus e para aderir ao
“Reino” que Ele veio propor.
A alegria contagiante das sentinelas e os brados de contentamento das próprias pedras da cidade
convidam-nos a acolher em festa o Deus que veio libertar-nos… Se temos consciência da opressão
que, dia a dia, nos rouba a vida e nos impede de ser livres e felizes, certamente sentiremos um
grande contentamento ao deparar com essa proposta de liberdade e de vida nova que Jesus veio
trazer. Neste dia de Natal, a alegria que me enche o coração resulta da presença de Jesus na minha
vida, ou resulta de valores mais efémeros e mais fúteis, ligados à vertigem consumista que alguns
colam a esta festa?
As sentinelas atentas que, nas montanhas em redor de Jerusalém, identificam a chegada do Deus
libertador são um modelo para nós: convidam-nos a ler atentamente os sinais da presença
libertadora de Deus no mundo e a anunciar a todos os homens que Deus aí está, para reinar sobre
nós e para nos oferecer a salvação e a paz. Somos sentinelas atentas que descobrem os sinais do
Senhor nos caminhos da história e anunciam o seu “reinado”, ou somos sentinelas negligentes que
não vigiam nem alertam e que, com a sua “demissão”, deixam que o Deus libertador seja acolhido
com indiferença pelo povo da “cidade”?
E de novo,
CONTEXTO
O texto que nos é hoje proposto pertence ao prólogo do sermão. Nesse prólogo, o pregador
apresenta a visão global e as coordenadas fundamentais que ele vai, depois, desenvolver ao longo
da obra.
MENSAGEM
Temos aqui esboçadas, em traços largos, as coordenadas fundamentais da história da salvação. Deus
é o protagonista principal dessa história…
O texto alude ao projeto salvador de Deus. Esse projeto manifestou-se, numa primeira fase, através
dos porta-vozes de Deus – os profetas; eles transmitiram aos homens a proposta salvadora e
libertadora de Deus.
Veio, depois, uma segunda etapa da história da salvação: “nestes dias que são os últimos”, Deus
manifestou-Se através do próprio “Filho” – Jesus Cristo, o “menino de Belém”, a Palavra plena,
definitiva, perfeita, através da qual Deus vem ao nosso encontro para nos “dizer” o caminho da
salvação e da vida nova. O nosso texto reflete então – sem, contudo, desenvolver uma lógica muito
ordenada – sobre a relação de Jesus com o Pai, com os homens e com os anjos (o que nos situa no
ambiente de uma comunidade que dava importância significativa ao culto dos “anjos” e que lhes
concedia um papel preponderante na salvação do homem).
Como é que se define a relação de Jesus com o Pai? Para o autor da Carta aos Hebreus, Jesus, o
“Filho”, identifica-Se plenamente com o Pai. Ele é o esplendor da glória do Pai, a imagem do ser do
Pai, a reprodução exata e perfeita da substância do Pai: desta forma, o autor da carta afirma que
Jesus procede do Pai e é igual ao Pai. N’Ele manifesta-Se o Pai; quem olha para Ele, encontra o Pai.
Definida a relação de Jesus com Deus, o autor reflete sobre a relação de Jesus com o mundo… O
Filho está na origem do universo e, portanto, também do homem; por isso, Ele tem um senhorio
pleno sobre toda a criação. Essa soberania expressa-se, inclusive, na incarnação e redenção: Ele veio
ao encontro do homem e purificou-o do pecado: dessa forma, completou a obra começada pela
Palavra criadora de Deus, no início. É como “o Senhor” – isto é, Aquele que possui soberania sobre
os homens e sobre o mundo – que os homens O devem ver e acolher.
A igualdade fundamental do “Filho” com o Pai fá-lo muito superior aos anjos: os anjos não são
“filhos”; mas Jesus é “o Filho” e o próprio Deus proclamou essa relação de filiação plena, real,
perfeita. Não são os anjos que salvam, mas sim “o Filho”.
Sendo a Palavra última e definitiva de Deus, Ele deve ser escutado pelos homens como o caminho
mais seguro para chegar a essa Vida nova que o Pai nos quer propor. É tendo consciência desse facto
que devemos acolher o “menino de Belém”.
INTERPELAÇÕES
No dia de Natal faz todo o sentido revisitarmos a história da salvação… Ao mergulhar nessa
extraordinária história percebemos que, desde os primeiros passos da humanidade, Deus Se
mostrou interessado em romper as distâncias, em aproximar-Se dos homens, em estabelecer com
eles um diálogo, em mostrar-lhes o caminho que conduz à Vida verdadeira. Só o amor – o amor
infinito que dedica aos seus filhos e filhas – explica esse envolvimento de Deus. É bom saber que não
andamos sozinhos e sem rumo neste caminho nem sempre linear por onde peregrinamos. Deus vai
connosco; Deus, com a criatividade do amor, está sempre a inventar formas de vir ao nosso
encontro e de nos abraçar. Hoje é dia de nos sentirmos profundamente agradecidos pela sua
presença amorosa de Deus nas nossas vidas.
Jesus Cristo é a Palavra viva e definitiva de Deus, que revela aos homens o verdadeiro caminho para
chegar à salvação. Celebrar o seu nascimento é acolher essa Palavra viva de Deus… “Escutar” essa
Palavra é acolher o projeto que Jesus veio apresentar e fazer dele a nossa referência, o critério
fundamental que orienta as nossas atitudes e as nossas opções. A Palavra viva de Deus (Jesus) é, de
facto, a nossa referência? O que Ele diz orienta e condiciona as minhas atitudes, os meus valores, as
minhas tomadas de posição? Os valores do Evangelho são os meus valores? Vejo no Evangelho de
Jesus a Palavra viva de Deus, a Palavra plena e definitiva através da qual Deus me diz como chegar à
salvação, à vida definitiva?
Aleluia. Aleluia.
Estava no mundo,
mas de Deus.