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Educação integral

Como colocar em prática a concepção de ensino que desenvolve o


estudante por completo

PorRaissa PascoalRosi RicoJacqueline Hamine


04/12/2015

Quando se fala em Educação integral, o que vem à sua mente? A primeira


aposta é a ideia de que o tempo de permanência na escola se estende. Em vez
de quatro, os alunos ficam, pelo menos, sete horas diárias tendo aulas que
contribuem com a sua formação. No entanto, na cabeça de pesquisadores,
professores, secretarias e gestores esse é apenas um dos aspectos. Para essas
pessoas e instituições, trata-se de uma concepção de ensino apoiada em um
tripé: ampliar o tempo, é claro, mas, principalmente, repensar as
aprendizagens oferecidas e estender os espaços onde elas acontecem.

Marta Scarpato, professora convidada da pós-graduação em Educação na


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e avaliadora do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep), do Ministério da Educação (MEC), buscou apoio em clássicos
da literatura, como o suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e o francês
Célestin Freinet (1896-1966), para alargar esse conceito. Em sua pesquisa de
doutorado, ela destacou que, desde o século 18, já se acreditava e defendia que
o ser humano deveria ser formado integralmente. "Nessa perspectiva, a escola
teria o papel de propiciar um processo de ensino e aprendizagem visando
não apenas o desenvolvimento cognitivo mas também o social, o físico e o
afetivo do aluno e de todos os atores envolvidos na Educação", afirma.
E o que isso quer dizer na prática? É simples: conceber uma instituição de
ensino integral é ir além da ideia redutora de que os estudantes
podem aprender e desenvolver, durante mais tempo, habilidades e
competências em disciplinas como Língua Portuguesa, História, Ciências
etc. Amplificando a compreensão, esse tipo de escola vem para reafirmar o
direito de todas as crianças e todos os adolescentes à Educação e ao acesso
a diferentes conhecimentos. "Aumentar o leque de aprendizagens ajuda a
reduzir as desigualdades entre os alunos do país", diz Patricia Mota
Guedes, gerente de Educação da Fundação Itaú Social.
O tema está no Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado em 2014. A
Meta 6 prevê que essa modalidade chegue a, pelo menos, 50% das escolas
públicas e a 25% dos estudantes nos próximos dez anos. Hoje, o indutor desse
conceito é o Programa Mais Educação, criado em 2007 pelo governo federal.
Ele oferta às unidades aderentes recursos para realizar atividades depois das
aulas, como acompanhamento pedagógico, esporte, cultura e arte. No entanto,
segundo Leandro da Costa Fialho, coordenador-geral de Educação integral do
MEC, o programa nunca teve a pretensão de ser a única política para
desenvolver essa concepção de ensino e já cumpriu seu papel de fomentar a
discussão e colocá-la nas agendas estaduais e municipais. Agora, é preciso dar
passos à frente. Mais especificamente, cinco: integrar o currículo, construir
instituições adaptadas para o atendimento por mais tempo, garantir
professores com dedicação de 40 horas semanais num mesmo local, formá-los
para trabalhar nesse formato e melhorar a gestão e o financiamento.
Todo saber tem seu valor
Para Katharine Pinto Silva, professora adjunta da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), um dos principais cuidados que se deve ter ao implantar
essa concepção é com o potencial de restrição do conhecimento que ela tem,
por mais incoerente que essa afirmação pareça. "Algumas políticas de ensino
integral focam naquilo que, hoje, é considerado a qualidade da Educação,
ou seja, bons resultados em Língua Portuguesa e Matemática. Por isso, as
instituições concentram os esforços nessas disciplinas" Elas, então,
apenas dobram a carga de estudos dos conteúdos regulares. "Temos que nos
questionar: qual o significado de participar de um grupo de xadrez, por
exemplo? É se dar bem em Matemática? Não necessariamente. Existe um
valor nessa experiência em si e a escola deve reconhecer isso, sem pensar
que esses saberes estão a serviço daqueles que são medidos em avaliações de
desempenho", diz Patricia.

A Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre está atenta a isso e


propõe à rede, com base no Projeto Cidade Escola, o trabalho com
diferentes áreas. "Nosso objetivo é o desenvolvimento dos alunos de maneira
global, ampliada por campos como música, robótica, esportes, arte e línguas
estrangeiras", diz Maria Cristina Garavelo, coordenadora de Educação integral
da secretaria.
A política, ainda em implantação no município, teve adesão da EMEF Mario
Quintana, que, inicialmente, aumentou a jornada de duas turmas do 2º ano do
Fundamental para dez horas. "Defendo uma escola com qualidade. A
instituição não pode ser um depósito de crianças, onde elas ficam enquanto os
pais trabalham. Por isso, a equipe debateu para elaborar o projeto político-
pedagógico (PPP), que se reflete no que é planejado", diz a diretora Solange
Roland de Jesus.
No período da manhã, os professores de referência, com dedicação de 40
horas, dão aulas de alfabetização, Matemática e Ciências. Das 12 às 15 horas,
eles descansam enquanto os alunos almoçam, relaxam e participam de
oficinas em parceria com uma fundação da cidade, sempre de acordo com a
filosofia da escola. Depois desse horário, os docentes efetivos voltam a atuar
em atividades como teatro, produção textual, dança e capoeira. "Dos eixos
sugeridos pelo projeto da prefeitura, avaliamos que o mais conveniente aos
nossos estudantes era o ligado ao desenvolvimento físico. Por isso,
propusemos várias ações nessa linha", diz Solange. O papel da secretaria é
repassar verbas, ajudar com recursos humanos e materiais e
realizar formações com os educadores e os oficineiros, garantindo a sintonia
do trabalho.
Mais tempo, mais responsabilidade
Em Feira de Santana, a 117 quilômetros de Salvador, os alunos do 6º ano do
Ensino Fundamental ao 1º ano do Ensino Médio chegam ao CE Juiz Jorge
Farias Góes às 7h20. Depois de tomar café, dão início à rotina de oito aulas
diárias, cada uma com 50 minutos, conforme exigência da rede. Até as 16
horas, são distribuídos, de maneira intercalada, momentos de trabalho com o
currículo regular e oficinas como dança, teatro, luta, diferentes modalidades
esportivas e leitura. A diretora Flávia Araújo garante que a rotina é
pensada pedagogicamente. "Montamos nossa grade horária e planejamos tudo
de maneira articulada, sem blocos de aulas semelhantes, porque não
queremos que os alunos achem que as atividades do núcleo comum são mais
importantes do que as diversificadas. Ou que um período é mais relevante do
que o outro", explica.
A experiência deste ano, o primeiro com essa concepção, fez a equipe querer
planejar aulas casadas no ano seguinte, como Biologia e Educação Científica,
por exemplo, no caso do Ensino Médio. "Assim, ganharemos mais tempo para
desenvolver tudo e concretizaremos a conversa entre as disciplinas, um sonho
para nós", diz a diretora.
Além da organização da rotina extensa, outro ponto de atenção é a comida a
ser servida. Na instituição baiana, são três refeições diárias. "Estamos num
processo difícil para dar conta da demanda devido às verbas escassas, mas
garantimos toda a alimentação, porque isso também é fazer Educação integral
de maneira correta", diz Flávia.Depois do almoço, os estudantes têm tempo
e espaço reservados ao descanso.
Múltiplas opções
Em Palmas, antes de implantar essa política pública, um grupo da Secretaria
Municipal da Educação visitou redes de outros estados que já
tinham experiências na área. "Vimos, pelo país, escolas que ofereciam muitas
atividades no bairro, devido à falta de espaço dentro da instituição. Mas, aqui,
a mobilidade é complexa por causa da geografia da cidade e das altas
temperaturas", explica Roneidi Pereira de Sá Alves, diretora do núcleo de
recursos humanos da secretaria. Por essa razão, a proposta da capital
tocantinense foi construir unidades com um projeto arquitetônico especial,
prevendo a existência de diferentes ambientes educativos dentro da mesma
estrutura.

Em 2007, foi erguido, do zero e com o dinheiro do município, o complexo de


8 mil metros quadrados de área construída da EMTI Padre Josimo Moraes
Tavares. Cada detalhe foi pensado para atender os alunos de 1º ao 9º ano.
Além das salas tradicionais, há piscina, quadra, laboratórios de informática e
de Ciências, salas de dança e de música, auditório, campo de futebol e
biblioteca. "Nesses locais acontecem as aulas regulares e as atividades
diversificadas", conta a diretora Cleudemar Abreu Lopes. Ao longo das nove
horas e 30 minutos que permanecem na escola, as crianças e os jovens
transitam bastante pelas áreas. "Em outras escolas, o aluno fica sentado por
horas nas classes. Numa proposta em que ele circula pelos espaços, se dá
atenção também à dimensão física do estudante", defende Patricia.

Mas são poucas as unidades ou municípios que têm condições de oferecer


uma estrutura tão completa como a de Palmas. A instituição feirense, por
exemplo, conta apenas com salas de aula, laboratório de Ciências, miniteatro,
quadra e biblioteca para os 539 alunos. "Apesar de reduzida, a área física não
é um complicador, porque é possível fazer a Educação que queremos com o
que temos. Basta administrar os horários. Se eu esperasse pela escola dos
sonhos, não faria nada", diz Flávia. A gestora também sugere aos
professores que realizem atividades em museus e espaços de arte próximos e
de municípios vizinhos. "As saídas pedagógicas envolvem pesquisas para
várias disciplinas. Nessas oportunidades, também trabalhamos a convivência
entre os colegas", conta.

O conceito de Educação integral, portanto, envolve muitas questões. Não à


toa, a avaliação de uma instituição ou de uma rede que o adota
deveria contemplar toda essa complexidade. "Temos sido muito oprimidos
pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), mas
precisamos criar outros indicadores para avaliar os impactos no repertório dos
alunos", defende Leandro. Para Antonio Bara Bresolin, coordenador da área
de Avaliação Econômica de Projetos Sociais da Fundação Itaú Social, o
importante é que essas políticas tenham continuidade. "Elas não geram
resultados rápidos. Mas quanto mais abrangente a participação da escola na
vida desses estudantes, maior será o benefício", afirma.
Fotos: Marcelo Curia, Murilo Mascarenhas, Vinnie Parente e Arquivo
pessoal/Flávia Araújo. Ilustrações: Melissa Lagôa

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