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https://www.youtube.com/watch?v=sgxm6eCt1oA
A Outra
(Marcelo Camelo)
Eu quero paz
Quero dançar com outro par
Pra variar, amor
Não dá mais pra fingir que ainda não vi
As cicatrizes que ela fez
Se desta vez
Ela é senhora deste amor
Pois vá embora, por favor
Que não demora pra essa dor
Sangra
https://www.youtube.com/watch?v=7axYx0wJovU
Do Lado de Dentro
(Marcelo Camelo)
A anciã...
Cinco da manhã. Mais uma vez me vejo sentada no sofá da sala esperando por um fio de luz. A música vem do relógio que
desenha uma imagem na minha cabeça. Como ela será? Certamente mais graciosa e ousada. Atlética e vigorosa? Ah não. Não.
Não quero pensar nisso. Paz. Eu quero paz.... Será que trafega as mesmas curvas que eu? Dança no mesmo palco e galopa o
corcel que fiz senhor? Cansei. Cansei de imaginar você com ela. Agora que visito o quadro das imagens armazenadas vejo o
quanto fui inocente nas primeiras acolhidas do ciúme que me cercou. Devia ter dado brecha a esse fiapo que mais angustia a
alma. Nele poderia me acercar do olhar discreto e sutil a navegar nas curvas de um outro oceano que não fosse o meu. Seu barco
ancorou em outra ilha. E agora me encontro aqui. Náufraga e submersa no mar que criei. E ainda por cima a última a saber.
Inferno! Por que sempre a última a saber? Eu sei o quanto ele é amante e motivador de sensações indescritíveis. Desgraçada!
Mas, não. Ele, sim. Ele devia se apoderar dessa ânsia de sorver outro fluido. Que me batesse o rabo, me lançasse nas nuvens, me
causasse rubras mordidas, me penetrasse às entranhas. E de tudo faria para que ainda fosse meu. Mas alguém o faz chegar mais
tarde. E deixa cicatrizes.
Meu Deus e essas horas que não passam. Essa tortura de prolongar uma dor que já existe e isso já deveria bastar. Ela já existe. É
a senhora desse amor. E eu não consigo encontrar um recanto, um refúgio para de lá desenvolver outras formas de viver. Vejo
que essas cicatrizes fazem uma ponte entre minha alma e a dele. Uma obsessão que me acende a vontade de matar. Quero sim.
Quero matar os dois. A sangue frio. Sentir a vida se esvaindo nas minhas mãos. Saber que nunca mais os corpos gozaram eretos
e úmidos. Mas, o que seria de mim? Viver sem ele não faz parte dos meus planos. Vingança estúpida que nos deixa no ar uma
gota de arrependimento suspensa uma vida inteira.
Um carro estaciona na porta. A eternidade nos trinta minutos que se passou. Meu Deus! É ele? A luz invade a sala e a taquicardia
toma conta do meu corpo. Não. Não é ele. No fundo eu sei. Ele não vai voltar. Aquele que um dia, no altar da vida, me cobriu de
juras de amor se foi. É o fim. Chega. É hora de dançar com um outro par. Agora saia. Vai embora e não volte nunca mais. Agora já
percebi que sempre houve um outro alguém em seu lugar. A solidão é meu par para passar os dias ruins.
.... A outra
Droga. Quem é que perturba meu sono reparador a esta hora da manhã? Espera. Não vou sair daqui correndo só para dá adeus a
você invasor. Abre essa porta. Que direito você tem de me deixar do lado de cá? Eu sou teu rei, teu pintor, amo e senhor. Já se
esqueceu de tudo que deixei para construir nosso recanto de amor? Das tantas que deixei para trás para ser você a minha
senhora? Que não há ninguém em seu lugar? Sei que você está me ouvindo. Não se faça de morta. Me deixe entrar e me diz o
que está acontecendo. Vamos lá. Me diz o que é que foi? Não se esqueça que sou seu primeiro e que de lá te fiz mulher. Abre
essa porta que eu sou teu homem viu. Eu sou teu homem.
Vê se cala essa boca suja que bebeu o mel de outras. Eu aguentei tudo que podia para ter você ao meu lado. Lavei as tuas roupas
sujas do calor de outros amores. Suportei os olhares de ironia e os telefonemas mudos todos esses anos. Eu sei. Estava tão
desarmada que não pude me defender. Você me trouxe flores. Me lançava olhares de perdão e novos tempos. Eu acreditava e nos
braços ninava a esperança em meu coração. Refazia a minha alma. Punha uma maquiagem e seguia remoçando por acreditar no
amor que dizias. Você destruiu tudo. Pôs tudo a perder por um rabo de saia. Uma vagabunda qualquer. Eu sempre estive aqui.
Mas, você não. O que sobra é o eco de uma relação que tudo tinha para dá certo. Agora, só escombros. Sai daqui. Não quero
guardar nada. De tudo que restou me basta as lições que aprendi. Diz para sua irmã passar aqui que vou mandar tudo que é seu.
Nada quero guardar. Você diz que construiu um castelo. Clausura se tornou. Que para sempre iria viver comigo. Na solidão me
deixou. Vá embora e apague o rastro dos passos que fizeram chegar onde chegou.
Silêncio. Não acredito que tive a coragem de dizer tudo que disse. Não me importa se é o que sinto. Agora é lutar contra a força
que me empurra ao passado. Quero me desvencilhar. Uma amiga me disse que nos acostumamos até com o que não presta.
Acho que ela tem razão. Antes que a fase de abstinência se faça presente vou me acercar de tudo que construir a meu favor
nesses últimos anos. Talvez eu faça Yoga. Volte a caminhar pelo jardim. Aceite, de bom grado, um olhar ganancioso e ávido de
prazer, mesmo que casual. Quero me permitir. Depois? Só o tempo dirá o que vai sobrar de tudo que passou. E daqui de dentro?
A porta se abriu.