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Artigo de Pesquisa Valle ARMC, Moura MEB, Nunes BMVT, Figueiredo MLF

Original Research
Artículo de Investigación

A BIOSSEGURANÇA SOB O OLHAR DE ENFERMEIROS

BIOSECURITY IN THE VIEW OF NURSES


BIOSEGURIDAD BAJO LA MIRADA DE ENFERMEROS

Andréia Rodrigues Moura da Costa ValleI


Maria Eliete Batista MouraII
Benevina Maria Vilar Teixeira NunesIII
Maria do Livramento Fortes FigueiredoIV

RESUMO: O estudo objetivou conhecer as representações sociais da biossegurança elaboradas por enfermeiros e analisar
como essas representações influem na prática e na qualidade da assistência de enfermagem em áreas críticas. Pesquisa
exploratória realizada com 18 enfermeiros de um hospital público de Teresina, Piauí, no período de junho a setembro de 2009.
Os dados foram produzidos por meio de entrevista, processados no software Alceste 4.8 e feita análise lexical por meio da
classificação hierárquica descendente. Os resultados foram apresentados em cinco classes semânticas: Medidas de biossegurança
utilizadas pelos enfermeiros; Conhecimento de biossegurança; Relação da biossegurança com a prática profissional; Relação da
biossegurança com o controle das infecções; Biossegurança e a qualidade da assistência. Essas representações sociais revelaram
sentimentos de impotência quanto ao uso efetivo das medidas de biossegurança e a necessidade da implantação de programas
de educação permanente que contemplem ações práticas de biossegurança para proporcionar uma assistência de qualidade.
Palavras-chave: Enfermagem; biossegurança; infecção hospitalar; psicologia social.

ABSTRACT
ABSTRACT:: The study aimed to discover the social representations of bio-safety developed by nurses and to examine how
representations affect the practice and the quality of nursing care in critical areas. This exploratory survey was conducted with
18 nurses from a public hospital of Teresina, Piauí, from June to September 2009. Data were collected through interviews,
processed in Alceste 4.8 software and subjected to lexical analysis by descending hierarchical classification. The results were
presented in five semantic classes: bio-safety measures used by nurses; knowledge of bio-safety; value of bio-safety in
professional practice; relationship of bio-safety with control of infections; and bio-safety and quality of care. These social
representations revealed feelings of powerlessness regarding the effective use of bio-safety measures and the need to implement
continuing education programs that address practical bio-safety actions to provide quality care.
Keywords: Nursing; bio-safety; cross infection; social psychology.

RESUMEN: El estudio tuvo como objetivo conocer las representaciones sociales de la bioseguridad elaboradas por enfermeros
y analizar como esas representaciones influyen en la práctica y en la calidad de la asistencia de enfermería en áreas críticas.
Encuesta exploratoria hecha con 18 enfermeros de un hospital público de Teresina, Piauí-Brasil, en el período de junio a
septiembre de 2009. Los datos fueron recolectados por entrevistas, procesados en el software Alceste 4.8 y análisis léxical
realizado por la clasificación jerárquica descendente. Los resultados se presentaron en cinco clases semánticas: Medidas de
bioseguridad utilizadas por los enfermeros; Conocimiento de bioseguridad; Relación de la bioseguridad con la práctica profesional;
Relación de la bioseguridad con el control de infecciones; Bioseguridad y la calidad de la atención. Esas representaciones
sociales revelaron sentimientos de impotencia sobre el uso de medidas de bioseguridad y la necesidad de implementar progra-
mas de educación continuada que incluyan acciones prácticas de bioseguridad para brindar una atención de calidad.
Palabras clave: Enfermería; bioseguridad; infección hospitalaria; psicología social.

INTRODUÇÃO
Atualmente, o tema biossegurança tem pro- V
ultrapasse as barreiras de sua dimensão estritamente
vocado muitas discussões no seio da comunidade biológica, voltada para o controle e produção de or-
cientifica brasileira, resultando na ampliação dos co- ganismos geneticamente modificados. Dessa forma,
nhecimentos a respeito dessa questão, de maneira que é fundamental que o debate entre os estudiosos esteja

I
Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal do Piauí. Doutoranda em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-Universidade de São
Paulo. Professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Piauí. Teresina, Piauí, Brasil. E-mail: andreiarmcvalle@hotmail.com.
II
Pós-Doutora pela Universidade Aberta de Lisboa – Portugal. Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Piauí. Professora do Programa de Mestrado em Saúde da Família da Faculdade
de Saúde, Ciências Humanas e Tecnológicas do Piauí. Teresina, Piauí, Brasil. E-mail: programadinterenf@ufpi.edu.br.
III
Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora do Departamento de Enfermagem da
Universidade Federal do Piauí. Professora do Programa de Mestrado em Saúde da Família da Faculdade de Saúde, Ciências Humanas e Tecnológicas do Piauí.
Teresina, Piauí, Brasil. E-mail: benevina@ufpi.edu.br.
IV
Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora do Departamento de Enfermagem da
Universidade Federal do Piauí. Teresina, Piauí, Brasil. E-mail: liff@ufpi.edu.br.
V
Texto extraído da Dissertação de Mestrado intitulada A biossegurança no olhar de enfermeiros defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da
Universidade Federal do Piauí.

Recebido em: 16.04.2011


26.01.2012 –– Aprovado
Aprovado em:
em: 08.09.2011
04.04.2012 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2012 jul/set; 20(3):361-7. • p.361
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relacionado também à promoção da saúde no ambi- to de normas de conduta e procedimentos que garan-
ente de trabalho, na tentativa de despertar uma cons- tam um atendimento sem risco de contaminação.
ciência maior por parte dos profissionais para o peri- Dessa forma, biossegurança é definida como:
go da transmissão de agentes infecciosos tanto para Um conjunto de ações voltadas para a prevenção,
si mesmos como para os pacientes e o ambiente. minimização ou eliminação de riscos inerentes às
A garantia de uma efetiva segurança nos servi- atividades de pesquisa, produção, ensino, desenvol-
ços de saúde tem sido um desafio pela exposição cons- vimento tecnológico e prestação de serviços, riscos
tante aos riscos ocupacionais, além dos riscos de in- que podem comprometer a saúde do homem, dos
fecções cruzadas. Apesar das dificuldades apresenta- animais, do meio ambiente ou a qualidade dos tra-
das e de todas as opiniões e imagens negativas que balhos desenvolvidos5:13.
envolvem as instituições públicas de saúde, é possí- O grande problema da biossegurança não está
vel enfrentar essa problemática modificando a situa- nas tecnologias disponíveis para eliminar ou
ção, se gestores e profissionais adotarem as normas minimizar os riscos e, sim, no comportamento e nas
de biossegurança de forma integrada, envolvendo práticas cotidianas dos profissionais, pois de nada
também paciente e família no processo de cuidar. adianta usar equipamento de proteção individual
O conceito de biossegurança começou a ser abor- (EPI) de boa qualidade e não adotar também uma
dado no meio científico na Califórnia, na década de postura preventiva, como não atender ao telefone ou
setenta, quando a comunidade científica iniciou a abrir a porta usando luvas de procedimento, pois ou-
discussão sobre os impactos da engenharia genética tras pessoas tocarão nesses objetos sem proteção al-
na sociedade e os aspectos de proteção dos pesquisa- guma. É fundamental que os trabalhadores envolvi-
dores e demais profissionais envolvidos nas áreas em dos em atividades que representem algum tipo de ris-
que se realiza um projeto de pesquisa, destacando-se co inerente à sua saúde e à saúde de outras pessoas
nessa época uma maior atenção aos riscos biológicos estejam preparados e dispostos a enxergar e apontar
para a saúde ocupacional do trabalhador1. os problemas6.
Na área da saúde, a biossegurança suscita refle- Dessa forma, torna-se importante a compreensão
xões por parte dos profissionais, especialmente dos da influência do universo cultural na tomada de decisão
que trabalham nas áreas críticas dos hospitais, uma do ser humano, em que a percepção por parte dos pro-
vez que estão mais suscetíveis a contrair doenças fissionais de saúde acerca da relação existente entre a
advindas de acidentes de trabalho, por procedimen- ocorrência tanto de acidentes ocupacionais como de
tos que envolvem riscos biológicos, químicos, físicos, infecções cruzadas, com as atitudes e comportamentos
ergonômicos e psicossociais. adotados durante a prática, é imprescindível para me-
lhorar a qualidade da assistência prestada por eles.
Após o reconhecimento do primeiro caso de aqui-
sição do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) em Para compreender aspectos subjetivos associados
decorrência do exercício profissional2 e do risco à biossegurança e sua importância no dimen-
ocupacional de aquisição dos Vírus da Hepatite B (HBV) sionamento dos diferentes comportamentos dos en-
e da Hepatite C (HCV), essa temática tornou-se um fermeiros, este estudo tem como objetivos conhecer as
grande desafio para os profissionais que atuam no con- representações sociais da biossegurança elaboradas por
trole de infecções relacionadas à assistência à saúde enfermeiros e analisar como essas representações in-
(IRAS), bem como aos da área de saúde do trabalhador. fluenciam a prática e a qualidade da assistência de en-
fermagem nas áreas críticas.
Quanto ao risco de aquisição do HBV, apesar da
indicação de uma vacina preventiva, com eficácia
entre 90 a 95%, para os profissionais e estudantes da REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
área da saúde antes de sua admissão, considera-se um
desafio para os setores que atuam com a prevenção de Conhecer as representações sociais da biosse-
acidentes e IRAS devido às baixas taxas de adesão à gurança, portanto, as quais são possuidoras de concep-
mesma por parte dos mesmos3. ções legitimadas socialmente que orientam e justificam
Na prática, nem todos os profissionais de enfer- as tomadas de posições dos enfermeiros, permite aos
magem que atuam em ambientes críticos adotam as mesmos o compartilhamento desse contexto histórico
medidas de biossegurança necessárias à sua proteção e psicossocial, além da possibilidade de apreender, a par-
durante a assistência que realizam, o que pode ocasionar tir das representações sociais, diferentes conhecimen-
agravos à sua saúde e à do cliente sob seus cuidados4. tos sobre a biossegurança.
Contudo, o emprego de práticas seguras e o uso de equi- É importante enfatizar que a compreensão das
pamentos de proteção adequados reduzem significati- práticas dos enfermeiros, desenvolvidas a partir das
vamente o risco de acidente ocupacional, fazendo-se representações sociais, pode possibilitar novas pos-
necessário, também, a conscientização dos profissionais turas investigativas. Uma nova visão buscará com-
para utilização de técnicas assépticas e o estabelecimen- preender a complexidade que envolve a biossegurança

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e não apenas a concepção fornecida por uma legisla- nesses setores.


ção ou programa, com normas e procedimentos pre- A coleta dos dados foi realizada após assinatura do
conizados para assegurar a manutenção da saúde do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos su-
profissional em atividades de risco, sem, no entanto, jeitos e aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa
intervir nos aspectos psicossociológicos que levam à através do Protocolo no 0232.0045.000-08.
inobservância dessas precauções.
Para a produção dos dados foi utilizada a técnica
Cabe, então, ressaltar o conceito de representa- de entrevista, por meio de um instrumento do tipo ro-
ção social como sendo: teiro semiestrututado, o qual, além de caracterizar os
Um sistema de valores, noções e de práticas tendo sujeitos por meio das variáveis fixas, abordou também
uma dupla tendência: antes de tudo, instaurar uma aspectos como: conhecimento sobre biossegurança, o
ordem que permite aos indivíduos a possibilidade de uso de EPIs, a relação da biossegurança com o controle e
se orientar no meio-ambiente social, material e de prevenção das infecções hospitalares, com a prática pro-
dominá-lo. Em seguida, de assegurar a comunicação fissional e com a qualidade da assistência prestada aos
entre membros de uma comunidade, propondo-lhes
pacientes. Foi atribuído aos entrevistados nome fictício
um código para suas trocas e um código para nomear
e classificar de maneira unívoca as partes de seu mun-
por meio da letra E, seguida de numeração de 1 a 18, de
do, de sua história individual ou coletiva7:70. acordo com a sequência das entrevistas, sendo que o
primeiro entrevistado recebeu a denominação E1, o se-
Assim, realizar este estudo justifica-se pela im- gundo E2, e assim sucessivamente.
portância da temática para a enfermagem, por serem
O tratamento dos dados e análise lexical por
os profissionais dessa área os que permanecem mais
meio da classificação hierárquica descendente foi re-
tempo com os pacientes, realizando a maioria dos
alizado pelo software Alceste 4.8 (Analyse des Lexèmes
procedimentos, muitos deles invasivos, ultrapassan- Cooccurrents dans les Enoncés d’ un Texte), que recorre
do as barreiras naturais do organismo. Esses procedi- à co-ocorrências das palavras nos enunciados que
mentos, se realizados sem o uso das medidas de constituem o texto, de forma a organizar e sumariar
biossegurança necessárias para evitar uma infecção informações consideradas mais relevantes, e possui
cruzada, podem trazer sérias complicações, resultan- como referência, em sua base metodológica, a abor-
do no aumento da permanência hospitalar, no custo dagem conceitual lógica e dos mundos lexicais8.
com a internação e, especialmente, muito sofrimen-
to e insegurança para o paciente.
É importante salientar que este estudo, cujo tema RESULTADOS E DISCUSSÃO
está revestido de preocupação e relevância entre ór-
gãos mundiais de atenção à saúde, principalmente dos Por meio da classificação hierárquica descenden-
trabalhadores, produzirá conhecimentos que servirão te, as representações sociais da biossegurança foram
de caminho norteador para a enfermagem e demais reveladas em cinco classes semânticas, conforme
profissionais da área da saúde, em abordagens relacio- mostra a Figura 1.
nadas à criação de uma cultura de biossegurança, em Medidas de biossegurança utilizadas pelos en-
que os riscos à saúde e à vida devam estar relacionados
às práticas individuais e/ou coletivas dentro do ambi- fermeiros
ente de trabalho, além de apontar contribuições na A classe 1, constituída por 11 unidades de con-
área do ensino, pesquisa e extensão. texto elementares (UCEs), concentra apenas 9,82%
das UCEs do corpus e é o contexto temático menos
significativo do conjunto apurado. A mesma apre-
MÉTODO senta-se diretamente relacionada à classe 4 e indire-
tamente relacionada às classes 5, 3 e 2, de conformi-
Trata-se de um estudo exploratório desenvol- dade com a Figura 1.
vido nas áreas críticas de um hospital público de
Teresina, Piauí, no período de junho a setembro de Os enfermeiros do estudo expressam a impor-
2009, quais foram: unidade de terapia intensiva I, tância da biossegurança tanto para sua proteção como
unidade de terapia intensiva II e a clínica de a do cliente sob seus cuidados e da equipe sob sua
nefrologia. supervisão durante as atividades que realizam no seu
cotidiano de trabalho, na medida em que relacionam
Teve como sujeitos 18 enfermeiros. Vale ressal-
as medidas de biossegurança mais utilizadas por eles
tar que esse quantitativo de enfermeiros corresponde
durante a assistência, como podemos verificar nas
à totalidade de profissionais das áreas críticas da re-
UCEs seguintes:
ferida instituição, considerando que os critérios de
inclusão dos sujeitos na pesquisa foram: ser enfer- [...] proteção para o profissional, toda a equipe sob
meiro, pertencer ao quadro efetivo do hospital e ter o minha supervisão e para o paciente. A lavagem das
mãos, a separação do lixo contaminado e o destino
tempo mínimo de um ano de assistência ao paciente

Recebido em: 16.04.2011 – Aprovado em: 08.09.2011 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2012 jul/set; 20(3):361-7. • p.363
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FIGURA 1: Dendograma das classes de Representações Sociais da Biossegurança elaborado por enfermeiros. Teresina-PI –
2009.

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correto do mesmo, o destino correto de todos os resídu- negativos relacionados à biossegurança, conforme
os da UTI, o uso dos EPIs [...](E3) mostra a Figura 1.
Os enfermeiros fundamentam-se no conhecimen- Junto ao material analisado evidenciam-se ex-
to científico e acreditam que medidas simples de plicações sobre o conhecimento que os enfermeiros
biossegurança, como a lavagem das mãos e o uso de EPIs, têm acerca da relação direta da biossegurança com a
são fundamentais para a realização dos procedimentos9, prática profissional desenvolvida por esses sujeitos,
haja vista que essas medidas eliminam a maioria dos micro- demonstrando que não há como realizar uma assis-
organismos causadores de infecções e ao mesmo tempo tência de enfermagem sem a consciência e
protegem o profissional contra os riscos químicos, físicos envolvimento dos profissionais com a biossegurança
e biológicos existentes no ambiente hospitalar. na realização das atividades cotidianas do cuidar.
A lavagem das mãos deve ser realizada antes e após Como se pode verificar nas UCEs seguintes:
a realização de todos os procedimentos, como: o prepa- [...] então, é fundamental que tenhamos consciência de
ro e a administração de medicamentos injetáveis e orais, que nossa prática só é possível com o uso da
preparo de materiais e equipamentos, o manuseio de biossegurança, pois ela faz parte do nosso trabalho,
cada paciente, higienização e troca de roupa de pacien- está presente em todos os momentos do nosso serviço,
tes, preparo de nebulização e aspiração, da coleta de es- pois ela evita a contaminação do profissional, [...]. (E2)
pécimes e dos atos e funções fisiológicas pessoais10. O conteúdo das narrativas compreende aspec-
tos como, o fato de muitas vezes negligenciarem as
Conhecimento frente à biossegurança medidas de biossegurança, ou fazerem uso correto das
Nesta classe, o conteúdo das 14 UCEs (que mesmas apenas quando sabem da sorologia positiva
corresponde a 12,5% do corpus total) reforça a impor- dos pacientes para alguma doença infectocontagiosa.
tância do uso da biossegurança para proteção tanto do Como elucidado nas seguintes UCEs:
profissional como do paciente, além dos aspectos soci- [...] É uma preocupação constante porque eu lido com
ais resultantes do processo de interação dos profissio- pessoas de todo tipo, onde eu desconheço as suas
nais no ambiente de trabalho em que se relacionam. sorologias e eu tenho que me proteger com todos eles,
Estes vocábulos, no conjunto das UCEs a se- independente desse paciente ter uma sorologia positiva
guir, são indicativos de que os enfermeiros conside- ou negativa para alguma doença como HIV e Hepati-
tes B e C.(E12)
ram a biossegurança importantíssima para a realiza-
ção de suas atividades profissionais. Dessa forma, re- [...] aí então nós temos todo cuidado de usar estes equi-
lacionam-se à proteção dos pacientes e profissionais pamentos e fazer as técnicas corretas, mas não deveria
contra os agentes causadores de infecções: ser assim, deveríamos fazer isso sempre, com todos os
pacientes. (E8)
[...] muitíssimo importante. A biossegurança para mim
significa proteção, ou seja, você se cercar de equipa- No entanto, no atendimento ao paciente, mui-
mentos que lhe deixe seguro contra micro-organismos, tas vezes, é difícil identificar o seu possível estado de
de secreções, de maneira geral alguma coisa que possa portador e as probabilidades de transmissão de doen-
levar para você ou para o paciente algum foco ças, evidenciando que, no momento da assistência,
infeccioso.(E5) qualquer pessoa deve ser vista como potencialmente
Nesse sentido, é fundamental que a instituição, infectada, o que demanda a adoção de medidas espe-
por meio dos gestores, proporcione aos profissionais, ciais para a proteção dos trabalhadores da saúde, pois
além de condições para um trabalho seguro, a oportu- o risco de contaminação poderá estar presente9.
nidade para reflexões, discussões críticas e atualiza- Estudos realizados mostram que os profissio-
ções para que esses trabalhadores possam se nais de enfermagem foram os que mais sofreram aci-
conscientizar da adoção de medidas preventivas cor- dentes com material biológico e consideram a
retas11. Para tanto, é imprescindível que a biossegurança autoconfiança, o descuido/desinteresse, a falta de
seja entendida pelos profissionais, principalmente os credibilidade da eficácia das medidas de proteção in-
enfermeiros, como instrumento de proteção da vida, dividual e a pressa como fatores que contribuem para
em qualquer que seja o ambiente de trabalho. a omissão/negligência quanto ao uso das medidas de
proteção9,12,13. Muitos profissionais ainda acreditam
Relação da biossegurança com a prática pro- que alguns EPIs podem atrapalhar o bom desenvolvi-
fissional mento de suas atividades laborais13.
A classe 5 apresenta-se diretamente relaciona- A garantia da redução dos riscos ocupacionais
da às classes 1 e 4 e indiretamente à classe 3, compos- e, consequentemente, a segurança no trabalho está
ta por 44 UCEs, sendo a classe de maior contribuição visivelmente refletida no uso de medidas de preven-
no corpus, correspondendo a 39.29% e que evidencia ção e práticas de cuidado seguras desenvolvidas pelos
os conteúdos cognitivos e psicossociais positivos e profissionais de saúde. Nesse sentido, os acidentes de
trabalho com material biológico não podem ser vis-

Recebido em: 16.04.2011 – Aprovado em: 08.09.2011 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2012 jul/set; 20(3):361-7. • p.365
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tos como fenômenos fortuitos ou casuais, pois seu ção entre o uso das medidas de biossegurança e a di-
entendimento e prevenção necessitam de abordagem minuição no tempo de permanência dos pacientes
mais ampla que perpasse pelos trabalhadores, insti- na instituição, na medida em que diminuem os riscos
tuições de saúde e relações sociais14. de adquirir infecções hospitalares, consequentemente
tornando melhor a recuperação dos mesmos. Como
Relação da biossegurança com a prevenção e se pode verificar nas UCEs seguintes:
o controle das infecções [...] consequentemente melhorando a qualidade da as-
Esta classe, fortemente associada à segunda e sistência e de vida daquele paciente. A biossegurança
indiretamente associada à classes 4 e 5, com 16 UCEs também garante que o paciente permaneça menos tem-
po internado, pois quando conseguimos que ele dê en-
extraídas do discurso dos enfermeiros, aprofunda o
trada aqui e tenha alta sem uma infecção hospitalar,
conhecimento desses profissionais sobre a importân- com certeza ele vai passar menos tempo internado. (E2)
cia da biossegurança no controle e prevenção das
IRAS, ainda relacionadas ao uso das medidas de pro- O alcance da qualidade da assistência de enfer-
teção, como os EPIs, como estratégia fundamental magem, no sentido de atingir a excelência, não dife-
para reduzir as taxas de morbimortalidade relaciona- rentemente, é um processo dinâmico e exaustivo de
das a esse problema. identificação dos fatores que influenciam o processo
de trabalho e requer do enfermeiro implementação de
As representações sociais que os enfermeiros ações e a elaboração de instrumentos que possibilitem
têm sobre a biossegurança apresentam-se no conhe- avaliar os níveis de qualidade dos cuidados prestados17.
cimento prévio da existência de microorganismos
causadores de infecções e que o fato de serem micros- Para que isso ocorra é necessário que a institui-
cópicos e não detectados a olho nu facilita o ção promova um programa de educação permanente,
negligenciamento das medidas de biossegurança por com estratégias que possibilitem a abordagem de con-
parte dos profissionais para a prevenção e o controle teúdos relacionados à biossegurança 9,18 , como
das IRAS. Assim mostram as UCEs: elucidado nas seguintes UCEs:
[...] máscara, gorro, luva, avental, pró-pés. [...] só se [...] então, se houvesse um treinamento constante des-
consegue prevenir as infecções hospitalares com o uso ses profissionais, com cursos de educação permanente e
efetivo da biossegurança, porque a gente previne as in- isso fosse cobrado deles diariamente, com certeza iria
fecções justamente evitando contaminação entre paci- melhorar a qualidade da assistência, porque eles iriam
entes, evitando a contaminação do material durante os se atualizar sobre as medidas de biossegurança. (E3)
procedimentos de caráter estéril, e ás vezes, porque a Nesse sentido, é fundamental que um novo
gente não vê os micro-organismos que causam essas paradigma de educação em biossegurança16 seja
infecções a gente negligencia essas medidas. (E1) implementado, no sentido de desenvolver compe-
Dessa forma, é de fundamental importância a tências técnicas, teóricas e éticas dos profissionais,
sensibilização e mudanças de atitudes, tanto dos tra- de modo a garantir equipes que desenvolvam uma
balhadores como dos gestores e administradores de assistência com qualidade, com novos conhecimen-
instituições de saúde, no que se refere à adoção das tos, manejo adequado dos recursos materiais e reali-
precauções padrão, com vistas a minimizar o quanti- zação dos procedimentos com a técnica correta, ele-
tativo das infecções hospitalares e dos acidentes com vando assim o nível de eficiência do trabalho.
material biológico9,15,16.

Biossegurança e a qualidade da assistência


CONCLUSÃO
Prosseguindo a análise, a classe 2 está associada No que concerne às representações sociais dos
diretamente à classe 3 e indiretamente às classes 5, 4 enfermeiros sobre a biossegurança, percebe-se que exis-
e 1 e apresenta a segunda maior contribuição, com 27 tem ao mesmo tempo, modalidades de conteúdo favo-
UCEs, correspondendo a um percentual de 24,11% rável ao reconhecerem a importância do uso das medi-
do corpus total, segundo a Figura 1. Assim, ela se ca- das de biossegurança para a prevenção tanto de infec-
racteriza como a de maior abrangência por estar rela- ções hospitalares quanto de acidentes ocupacionais;
cionada direta ou indiretamente a todas as outras clas- em contrapartida, demonstram neutralidade e adotam
ses deste estudo, trazendo evidências da presença de parcialmente essas medidas durante a realização de suas
elementos sociocognitivos ancorados nos aspectos atividades, devido às dificuldades enfrentadas no coti-
socioculturais e psicológicos relacionados à diano do trabalho.
biossegurança, focalizando a importância do uso das Evidencia-se que o conhecimento elaborado e
medidas de biossegurança para a melhoria da quali- compartilhado socialmente pelos enfermeiros vin-
dade da assistência à saúde. cula-se às construções sociais resultantes das suas
Os elementos extraídos das falas dos sujeitos culturas expressas nas opiniões, atitudes e histórias
trazem evidências de que os profissionais fazem liga- pessoais desse grupo social, permitindo, assim, que as

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representações sociais contribuam para a formação e M, Machado AA. Acidente com material biológico e vaci-
orientação de comportamentos. Essas representações nação contra hepatite B entre graduandos da área da saú-
puderam ser apreendidas nas principais medidas de de. Rev Latino-Am Enfermagem. 2008; 16:401-6.
biossegurança utilizadas, no conhecimento e valori- 4. Correa CF, Donato M. Biossegurança em uma unidade de
zação da biossegurança para a prática profissional do terapia intensiva: a percepção da equipe de enfermagem.
Esc Anna Nery. 2007; 11:197-204.
enfermeiro, nas dificuldades para o controle das in-
5. Teixeira P, Valle S. Biossegurança: uma abordagem
fecções e na relação da biossegurança com a qualida- multidisciplinar. Rio de Janeiro: Fio Cruz; 1996.
de da assistência prestada por eles. 6. Ministério da Saúde (Br). Agência Nacional de Vigilância
Portanto, tratar das representações sociais da Sanitária. Biossegurança. Rev Saude Publica. 2005; 39: 989-91.
biossegurança no sentido de se obter mudanças de 7. Moscovici S. A representação social da psicanálise. Rio de
postura dos enfermeiros para a efetiva adoção das Janeiro: Zahar; 1978.
medidas de prevenção e segurança, implica em se con- 8. Ribeiro ASM. Análise quantitativa de dados textuais-
siderar que estes necessitam elaborar e planejar suas manual. Brasília (DF): Instituto de Psicologia-UNB; 2004.
9. Câmara PF, Lira C, Santos Junior BJ, Vilella TAS,
estratégias comportamentais diante da decisão da
Hinrichsen SL. Investigação de acidentes biológicos entre
adesão ou não a essas mudanças. Para que isso ocorra profissionais da equipe multidisciplinar de um hospital. Rev
é necessário que as políticas de prevenção de aciden- enferm UERJ. 2011; 19:583-6.
tes ocupacionais e de controle de infecções conside- 10.Ministério da Saúde (Br). Agência Nacional de Vigilân-
rem os determinantes das práticas de biossegurança cia Sanitária. Higienização das mãos em serviços de saú-
que se encontram atreladas às crenças, valores e nor- de. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2007.
mas desse grupo social. 11 .Farias SNP, Zeitoune RCG. Riscos do trabalho de enfer-
Nesse sentido, é fundamental o incentivo à cri- magem em um centro municipal de saúde. Rev enferm
ação de uma cultura prevencionista por parte dos UERJ. 2005; 13:167-74.
12.Silva LA, Secco IAO, Dabri RCMB, Araújo AS, Romano
gestores das instituições de saúde, baseada nas nor-
CC, Silveira SE. Enfermagem do trabalho e ergonomia:
mas de biossegurança, por meio da implementação prevenção de agravos à saúde. Rev enferm UERJ. 2011;
de ações educativas, com estratégias que permitam 19:317-23.
ao profissional enfermeiro a aquisição de uma postu- 13 .Gallas SR, Fontana RT. Biossegurança e a enfermagem
ra efetiva no uso de procedimentos que garantam o nos cuidados clínicos: contribuições para a saúde do tra-
máximo de segurança não só a ele, mas também à balhador. Rev Bras Enferm. 2010; 63:786-92
equipe, ao paciente e ao ambiente de trabalho. 14.Guilarde AO, Oliveira AM, Tassara M, Oliveira B,
Desse modo, espera-se que este estudo, pautado Andrade SS. Acidentes com material biológico entre pro-
na Teoria das Representações Sociais, possa contribuir fissionais de hospital universitário em Goiânia. Rev Patol
para a formulação do conhecimento cotidiano da Tropic. 2010; 39:131-6.
15.Ribeiro LCM, Souza ACS, Neves HCC, Munari DB,
biossegurança pelos enfermeiros, complementando o
Medeiros M, Tipple AFV. Influência da exposição a ma-
seu conceito científico já consagrado, colaborando, terial biológico na adesão ao uso de equipamentos de pro-
assim, para a superação das dificuldades vivenciadas teção individual. Ciênc Cuidado Saúde. 2010; 2:325-32.
pelos mesmos, e encorajando-os a adotar uma postura 16.Costa MAF, Costa MFB. Educação em biossegurança:
crítico-reflexiva face à adoção das medidas de contribuições pedagógicas para a formação profissional em
biossegurança, de modo que se possa alcançar uma as- saúde. Ciênc saúde coletiva On Line. 2010 [citado em 25
sistência de melhor qualidade. mai 2012]. 15(Supl.1): 1741-50. Disponível em: http://
www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=
S1413-81232010000700086&lng=en.
REFERÊNCIAS 17.Fonseca AS, Yamanaka NMA, Barison THAS, Luz SFF.
Auditoria e o uso de indicadores assistenciais: uma rela-
1. Goldim JR. Conferência de Asilomar, 1997. [citado em 20 ção mais que necessária para a gestão assistencial na ativi-
nov 2009] Disponível em http://www.ufrs.br. dade hospitalar. O Mundo da Saúde. 2005; 29:161-8.
2. Needlestick transmission of HTLV-III from a patient 18.Canalli RTC, Moriya TM, Hayashida M. Prevenção de
infected in Africa. Lancet. 1984; 2:1376-7. acidentes com material biológico entre estudantes de en-
3. Gir E, Netto JC, Malaguti SE, Canini SRMS, Hayashida fermagem. Rev enferm UERJ. 2011; 19:100-6.

Recebido em: 16.04.2011 – Aprovado em: 08.09.2011 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2012 jul/set; 20(3):361-7. • p.367

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