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Plano Espiritual
pelo espírito
Adamastor
Outubro d€ 2006
Dedicado àqueles que renegaram
a bênção da vida.
Agradecimentos
1 - Em Portais do Vale, 23
2 - Ovoidização, 27
4 - Rumo às Cavernas, 43
6 - Fisiopatologia da Autodestruição, 58
7 - No Departamento de Embrioterapia, 71
9 - Catherine Lyot, 88
10 - A Bênção do Recomeço, 98
ícaro Redimido - 9
22 - Em Busca de Soluções, 226
Apresento ao leitor uma obra que não pode ser considerada simplesmente uma
ficção. É fruto de uma estranha parceria com uma inteligência livre da matéria. Sei
que lhe dar tão exótica origem coloca- a no rol das literaturas questionadas quanto
à sua veracidade e levanta a suspeita de tratar-se apenas de um produto da
imaginação aguçada de alguém capaz de se conceber dominado por forças
estranhas, conduzindo o relato dos escritos aqui apresentados. Por isso ela está
estritamente endereçada àquele que aceita a possibilidade da existência da vida em
ura outro plano que não o da carne e admite a viabilidade de trocas de informações
através das correntes de pensamentos que trafegam entre os dois mundos.
Este livro, no entanto, não foi desenvolvido pelas vias da psicografia mecânica
na qual o medianeiro pouco interfere em seu trabalho, mas através de um
envolvimento ativo e direto de inspiração consciente. Escrevi-o bastante cônscio
de mim mesmo e com clara percepção das idéias que entretecia na mente. Apenas
as sentia brotarem com uma profusão inusitadamente rápida e com uma clareza tão
cristalina que não me deixavam a mínima dúvida quanto à sua origem. Imagens
nítidas se formavam em minha tela mental sem o mínimo esforço imaginativo e eu
apenas cuidava de lhes dar corpo, vestindo-as com minhas próprias palavras,
enquanto me sentia enlevado e envolvido por um halo de vibrações de difícil
definição. O tempo parecia-me estacionado, ainda que a sucessão das idéias fosse
muito superior à minha reduzida capacidade de composição e habilidade de
escrita. Embora já ciente do corpo do trabalho, não tinha a menor noção do que
iria escrever, até o momento em que penetrava naquele mágico fluxo de idéias. A
presença nítida de alguém que não pertence a este plano de vida era evidente e
incontestável e sua influência bastante poderosa para que me curvasse diante dele
com sentimento de simpatia, admiração e respeito. Eu o seguia em pensamento,
ícaro Redimido • 1 1
em pleno comando de minhas funções orgânicas, mesmo sentindo, naquele
inusitado clima de enlevo, a sensação de estar flutuando ou como se meu corpo
estivesse leve e estendido na posição horizontal, atado apenas pelo cérebro.
A vivência dos fatos relatados era de tamanha magnitude que muitas vezes me
atirava em lágrimas por senti-los com surpreendente realidade, como se estivesse
presente neles, tal a nitidez com que os quadros se formavam em minha mente.
Essas sensações são as únicas provas, ainda que restritas ao meu próprio
testemunho, de que lidei com forças fora da normalidade e além de mim mesmo.
Outras comprovações para certificar-lhes que os relatos desta obra são verídicos
não posso apresentar, a não ser minha própria sinceridade. Explicações diferentes,
tampouco seria capaz de lhes dar, embora os descrentes do espírito se apressem em
recorrer aos mistérios do inconsciente para travestir tais fenômenos de um racional
ismo coerente com suas doutrinas materialistas, crenças que já não podem nem
mesmo se sustentar diante da imponderabilidade da própria matéria.
Durante um ano, antes de iniciar este trabalho, fui invadido, no momento do
sono, por uma profusão de sonhos muito reais e que entreteciam todo o enredo da
história que iria escrever mais tarde. No entanto eu não estava ciente do fato e não
podia compreender a razão daquilo. Passava os dias acompanhado por aquelas
imagens inquietantes e guardava a estranha sensação de trazer a mente invadida por
pensamentos que não me pertenciam, pressionando-me as paredes do cérebro para
evadir-se. De certa forma me perturbavam, dificultando-me o trabalho diurno,
causando-me uma íntima inquietude e a inexplicável impressão de não estar
completamente desperto e integrado ao nosso mundo. Hoje compreendo que se
tratava realmente de uma gestação de idéias, um preparo necessário para o perfeito
desenvolvimento da obra. Embora incômodas, exerciam uma forma de pressão
como se exigissem para serem escritas. Essa sensação desaparecia por completo no
instante em que as transferia para o papel, proporcionando-me agradável alívio.
Enquanto o enredo se estendia, minhas noites continuaram sendo enriquecidas pelos
mesmos sonhos vividos e ricos de detalhes das imagens e dos ambientes que depois
se desdobravam na dissertação da história narrada. Por isso, além de escrevê-la, eu
a vivi intensamente ao longo dos três anos, tempo consumido em sua composição.
Uma entidade que não pertence a este mundo esteve presente junto a mim,
inspirando-me no seu relato. Responde pelo nome de Adamastor e
ícaro Redimido • 13
apresentadas, por parecer desmerecê-lo das glórias e feitos que lhe atribuímos. Creio
que a intenção da espiritualidade superior não é diminuir o valor de quem quer que
seja, mas apenas nos revelar fatos que possam nos instruir e nos tornar mais felizes.
Acredito ainda que se a vida de todos os grandes homens da história universal,
excetuando-se o Cristo e seus santos mensageiros, fosse-nos apresentada sob a ótica
do espírito, falhas de caráter e fraquezas incontestáveis lhes seriam imputadas, não
sendo o nosso herói em particular uma exceção à regra. Nossos ídolos, quase
sempre, encarnam nossa pretensão de hegemonia, representam nossos mais genuínos
anseios de perfeição e realizam nossos sonhos de audácia, por isso,
costumeiramente, vê-los desqualificados pela realidade, ofende-nos os próprios
brios.
Ao perceber o alcance da obra e sua possível relevância para a nossa história,
senti-me incapaz de desenvolvê-la com a envergadura de que se fazia necessária.
Porém não me foi dada a opção de negar o trabalho e tive que executá-lo a despeito
de minha insuficiência, pois não guardo dotes de literato, não conheço o idioma o
bastante para evitar grandes erros e muito menos trago cabedal de intelectualismo
satisfatório para ser aquele que a encabeçasse no mundo físico. Senti-me
fortemente conduzido e tenho certeza de que a espiritualidade desprendeu enormes
esforços na superação dos óbices que minha ignorância lhe contrapunha, por isso
espero contar com a compreensão daqueles que, conhecendo minhas parcas
possibilidades e inquestionáveis limitações, assistem-me projetado em tal patamar
de realização, ainda mais por tratar-se de assunto distanciado do meu âmbito de
atuação profissional.
As notas foram todas elas colocadas posteriormente a fim de auxiliar o leitor e
pode-se considerá-las como de minha própria autoria. Algumas, contudo,
demonstravam-me nitidamente tratarem-se de sugestões do autor espiritual e as
registrei como tais. Um glossário foi inserido no final do livro, com a intenção
ainda de se facilitar a revisão de neologismos próprios do texto.
As lições que se depreendem de seu enredo, como as considerações sobre a
ovoidização, a energética do psiquismo e as ponderações sobre a doença depressiva
do homem podem ser julgadas inéditas e questionadas quanto ao seu real valor
doutrinário, se para alguns parecerem não guardar perfeita identidade com as
revelações que até então nos foram apresentadas como integrantes dos preceitos
espíritas. Contudo, reservando-me o direito de co-autor da obra, deixo claro que se
trata de opiniões pessoais, tanto minhas quanto da entidade que as ditou, pois se
lhes dei guarida é porque
ícaro Redimido - 15
ícaro e Dédalo
Pintura de Cario Saraceni Museu de
Capodimonte, Nápoles, Itália
A História de Um ícaro
2 Lucas 14:11
3 Lucas 9:48
ícaro Redimido • 17
espiritual, julgou ter a genialidade dos grandes sábios, sendo que, na verdade,
apenas copiava o que lhe ditavam à intuição nobres entidades do invisível, desejosas
de auxiliar o progresso humano. Acreditando que unicamente a sua inteligência
sustinha suas frágeis máquinas, imaginou- se incapaz de falir, enquanto que o
mundo espiritual trabalhava ativamente para instruí-lo e orientá-lo, a fim de que
seus arriscados projetos não se precipitassem em graves fracassos. Os jornais o
focalizavam como o herói do novo século e, apesar de sua minguada aparência, era
tido como um grande homem, aquele que competia com as águias e ousava desafiar
as grandes altitudes. O mundo espiritual, ao programar a tarefa necessária ao
progresso humano, sabia dos riscos que tal missão acarretaria para aqueles que se
empenhassem em sua execução. Era preciso uma alma muito humilde para realizá-
la com a resistência precisa, a ponto de não se deixar abrasar pelas ostentações
humanas. Ao mesmo tempo, o malfadado desejo de glórias precisava ser utilizado
como um pretexto para o bom êxito da incumbência, pois a alma, que ainda não
atingiu a maioridade, não sabe se mover sem que a jactância lhe dirija o
personalismo rumo ao enaltecimento doentio. A empreitada era delicada e difícil,
mas era preciso correr os riscos em prol das necessidades do progresso. Para os
escolhidos que iriam voar tão alto e experimentar o sabor das maiores vaidades
humanas, o perigo da queda moral era uma ameaça altamente provável, superando
certamente a possibilidade de precipitarem-se no solo.
O inventor não estava livre dessas ameaças. Conquistou glórias momentâneas
no seio dos povos, mas se viu um invencioneiro ao se dar conta de que outros
homens, em outras terras, também ouviram e responderam aos apelos do mundo
espiritual, que tinha pressa na execução de seus projetos, e semeava idéias em
qualquer campo em que pudessem florescer. E estes irmãos disputavam-lhe os
mesmos méritos pela primazia do fabuloso invento, como patrimônio exclusivo de
suas vaidades. Alimentara a falsa ilusão de ter possuído a maior das genialidades e
ter sido o único mortal a vencer as alturas. Mas suas glórias eram falsas tanto
quanto eram falsos seus inventos. Com desespero, descobriu-se tão falível quanto
qualquer outro mortal. Viu seu nome ser preterido na galeria da História por outros
que lhe requisitaram o primado do eloqüente feito. Medalhas, títulos, monumentos
e honras caíram, desfeitos de um dia para o outro, tais quais castelos construídos
nas movediças areias das ilusões egóicas. Não bastaram seus feitos por demais
insignes para uma alma em curso na Terra. Ele precisava dessa primazia para
alimentar o seu orgulho, que já experimentara o sabor dos louros humanos. Depois
Bezerra de Menezes
Belo Horizonte, setembro de 2000
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* Em Portais do Vale
ícaro Redimido - 23
despertavam no Vale dos Suicidas. Já de alguns anos dedicava-me a esta tarefa,
pois, por minha vez, havia sido também socorrido naquele mesmo local e ali
permanecia em trabalho de minha recomposição pelas pesadas dívidas contraídas
para com a vida. Sim, forçoso é declarar que eu fazia parte daquelas tristes
paisagens, porque fora também um suicida. Por tempo prolongado estive
inconsciente naquele Vale de amarguras, um dos mais pesarosos e lúgubres lugares
que a mente do homem comum pode imaginar existir. Perdera, de certa forma, os
laços familiares que me entretinham na crosta pelo elevado tempo despendido na
recuperação de mim mesmo, e a maioria de meus antigos entes queridos seguia em
avançados passos na jornada evolutiva, envolvidos em conquistas outras,
distanciadas de minhas necessidades. Eu me retive na retaguarda, por obra de meus
próprios desatinos e não me sentia mais encorajado a voltar ao seio da família
dileta, exigindo tolerância para as contingências de minha penúria espiritual.
Naturalmente que um coração de mãe jamais esquece um filho, e de minha
amorosa genitora recebia sempre apelos de afetividade que me sustentavam no
espinhoso caminho que seguira. Recebera dela todo tipo de socorro e carinho e a
ela devo minha condição atual. Mas, por força das circunstâncias, permaneci como
trabalhador do Vale, vendo nisso uma maneira de saldar parte de meus pesados
débitos para com a vida. Sim, eu era um caravaneiro do Vale das Trevas e
orgulhava-me de não me contar mais entre as fileiras dos seus degenerados. Porém,
não convém contar a minha história particular que nada traz de surpreendente aos
homens da Terra. Devo relatar-lhes o enredo de outro homem, daquele a quem
neste instante iniciávamos o socorro. Por que a sua história? Porque aprendi a amá-
lo e me afeiçoei ao seu coração por razões que ainda ignoro. Ademais, conheci sua
vida como nenhum outro, acompanhei-a com toda a sua dura realidade e tenho a
sua devida autorização para discorrer sobre os seus dramas. Outro enredo também
não lhes poderia entretecer, pois não trago dotes de intelectualismo ou aptidões
literárias para deliciá-los ou instruí-los com outros contos da vida do lado de cá.
O Vale dos Suicidas já é conhecido daqueles que têm acesso às informações do
Mundo Espiritual. Dele trataram autores habilitados na arte da escrita, de modo
que poucas informações posso acrescentar. Ali é o triste lugar em que se reúnem
aqueles que são vítimas de si mesmos e lutam desesperadamente para a
recuperação de suas consciências perdidas, desfeitas no desbaratado ato de
destruírem a si próprios. Vale de lágrimas e dores das mais pungentes da alma
desencarnada é também local onde se pode presenciar os mais abnegados esforços
daqueles que
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de modo que aqui encontramos os maiores dramas humanos e os mais pungentes
tormentos a que pode se resvalar o espírito em trânsito na evolução. Grande e
imenso abismo de dores, onde aquele que caiu na desgraça, vítima de si mesmo,
lamenta e chora a maior das desditas humanas: o haver negado a vida, o dom mais
precioso que herdamos do Criador.
Abnegados monges portugueses, desencarnados no início da formação do
Vale dos Suicidas, imbuídos do sagrado propósito de amparar as infelizes almas
que se ajuntavam nestas paragens de dores, fundaram Portais do Vale, uma
colônia dedicada à tarefa de socorro, sob a égide do Cordeiro. Seus grandes
portões, limitando a sua entrada, conferiram- lhe logo o seu conhecido nome.
Nesse local residem almas nobres, possuídas de imensa dedicação ao sofrimento
humano. Almas que poderiam estar desfrutando ambientes espirituais felizes,
permanecem suportando as tristes e pesadas vibrações que daí promanam. Grande
parte de seus habitantes, no entanto, é formada entre aqueles que, como eu, são
recuperados do Vale e se reintegram nas atividades da vida espiritual como
colaboradores, ajudando os que ficam e os que chegam constantemente nesse
fosso de lágrimas. Assim, nada fazemos de mais e apenas devolvemos à colônia e
à vida o mesmo que recebemos. E isso faz a nossa felicidade.
ícaro Redimido - 27
e condoía-me sobremaneira assistir a esta bizarra e grave dismorfia, própria do
mundo espiritual, tão diferente de tudo que se conhece na Terra, em prol da qual
pouco se pode fazer. Passei assim a atender especialmente àqueles suicidas
ameaçados por essa penosa patologia da alma, atuando sobretudo na sua
prevenção.
A ovoidização é uma das mais pungentes enfermidades que pode acometer o
espírito depois da morte. Consiste na perda da consciência ativa, quando o eu
consciente desmorona-se completamente, em decorrência de atrozes e
insuportáveis sofrimentos, voltando-se sobre si mesmo, anulando-se e perdendo
todo o contato com a realidade. A atividade consciente da alma entra em letargia,
refugiando-se nas camadas do subconsciente. O pensamento contínuo se
fragmenta, perdendo seu fio de condução, e a estrutura perispiritual se desfigura
completamente, desfazendo sua natural conformação humana, adquirindo o
formato aproximado de um ovo, cujas dimensões se aproximam de um crânio
infantil. O processo é em tudo semelhante ao das bactérias que se encistam diante
de condições adversas de vida, aguardando novas oportunidades para retornarem à
atividade normal. A ovoidização é processo incurável no Plano Espiritual, sendo
uma das mais graves enfermidades de nosso mundo, e somente pode ser revertido
em reencarnações expiatórias, quando o espírito reencontra-se com novo ambiente
de manifestação e pode refazer o metabolismo do seu consciente. Várias
reencarnações, porém, se consomem em tentativas frustradas, de modo que a perda
evolutiva é imensa para estes infelizes seres. Muitos regridem a condições tão
primárias da vida humana que necessitam reencarnar entre povos primitivos, a fim
de que a rudeza dos organismos ainda involuídos possam suportar-lhes a grave
patologia, sem se desfazerem em malformações congênitas4 incompatíveis com a
biologia humana. Por isso, existe em Portais do Vale um departamento de serviços
que se empenha em estudar e tratar preventivamente a ovoidização, onde eu
situava naquela época os meus singelos esforços de serviços e pesquisas.
Os suicidas que dormem nas Cavernas do Sono são os candidatos naturais à
ovoidização. Permanecem em sono reparador, em baixíssima atividade
consciencial, por anos a fio. Ao iniciarem, no entanto, o despertamento, a rápida
percepção da amarga realidade que lhes assedia pode deflagrar, de imediato,
mediante reflexo de defesa, a retirada apressada para camadas ainda mais
profundas do inconsciente inferior. Esse reflexo não somente inibe totalmente o
despertar, como retrai o
28 - Gilson T. Freire/Adamastor
metabolismo mental, motivado por novo impulso de contração, estabelecendo-se a
ovoidização de forma incondicional. Por isso, quando o serviço de vigilância de
nossa colônia identifica almas em tais condições, com indícios de ovoidização,
somos convocados em regime de urgência. Neste instante ainda podemos atuar,
antes que o suicida deflagre a contração do “eu”, tornando o processo tardio demais
para ser revertido em nosso mundo.
O suicídio é possível também no Plano do Espírito e não somente na carne.
Quando encarnado, pode o ser danificar sua veste orgânica de tal modo a torná-la
incompatível com a vida na matéria. Na Esfera Espiritual, no entanto, o perispírito
possui mecanismos regeneradores muito mais eficazes, de modo que destruí-lo por
dano físico é praticamente impossível. Mediante a contração da atividade
consciente, no entanto, é permitido ao ser continuar negando a sua existência,
fugindo de si mesmo. Desta forma, podemos considerar de fato a contração ovoidal
como um autocídio espiritual. Como se vê, temos também nossos suicidas. Suicídio
que, naturalmente, pressupõe mera tentativa de fuga da realidade que envolve o
espírito depois do túmulo e não a destituição da individualidade, pois tal não é
possível no plano em que nos projetamos.
As causas do encistamento da alma são as mesmas que motivam o auto-
extermínio na carne: o desespero diante de sofrimentos intoleráveis, somados à
falta de preparo para a existência no Plano Espiritual. Sofrimentos, a bem da
verdade, aparentemente intoleráveis, pois a sabedoria das Leis divinas não nos
proporciona nunca dores que sobrepassem nossa capacidade de suportá-las. Se
parecem aniquilar-nos, é porque nossa revolta diante delas é incomensurável e
indevida. O mais forte indutor de tais barbaridades, no entanto, está na falta de
preparo para a vida espiritual, sendo o materialismo o seu mais poderoso
protagonista. Materialismo que se desenvolve diante do enfraquecimento do
pensamento religioso do homem moderno, desgastado na ideação de fórmulas
mentais arcaicas, não lhe proporcionando mais subsídios para a crença no espírito.
Os apelos de um ser que aprendeu a raciocinar e a crer na razão não podem mais ser
satisfeitos por uma fé cega que macula o conhecimento, genuína conquista da
Ciência. Como se vê, urge lutarmos contra tal situação a fim de que a penúria do
espírito seja desterrada do Planeta e banidos os riscos do mergulho na
inconsciência. Não destituindo as conquistas modernas que representam valores
reais e não podem ser questionadas, mas renovando o pensamento religioso do
homem terreno, para que o seu frio racionalismo não sufoque a alma que anseia
pelos
(caro Redimido - 29
genuínos bens da eternidade. Semeemos novamente as verdades que consolam,
verdades que nos foram reveladas desde que aprendemos a pensar, mas que
acabaram esquecidas e que precisam ser relembradas e reestruturadas,
compatibilizando-se com o nosso avanço intelectual. Por isso a implantação do
Espiritismo na Terra, protagonizando a fé alicerçada na razão, pode ser vista como
uma das maiores vitórias do Plano Espiritual Superior na atualidade.
Os ovóides, espíritos em fuga de si mesmos, como se pode deduzir, aumentam
assustadoramente nos dias atuais. Permanecem espalhados pelo Vale dos
inconscientes, atados a rochas ou troncos de árvores, pois podem segregar
substância pegajosa que os fixam a qualquer superfície. No entanto,
preferencialmente, aderem-se a outros seres vivos, encarnados ou não. Tristemente
temos que considerar que o ovóide se torna, na verdade, um parasita. Como todo
ser vivo, seu metabolismo, embora baixíssimo devido às suas reduzidas
necessidades, precisa da absorção de seivas vitais para a sua subsistência. Não
dispondo de meios para produzi-las, a manutenção de sua exígua vitalidade
somente pode ser levada a efeito mediante a aquisição de recursos vitais externos,
provenientes de outros seres. A anatomia e a fisiologia dos ovóides adquirem assim
todas as características próprias dos parasitas da Terra, especializados na
assimilação e metabolismo de forças vitais roubadas de outros seres vivos. Embora
qualquer tipo de energia vital possa servir- lhes para este fim, aquelas que melhor
se adaptam às suas necessidades e para as quais eles se especializaram são as
energias do psiquismo. Por isso, o hospedeiro natural do ovóide é a mente humana.
Devido a esta característica, os ovóides comumente são colhidos por espíritos
dedicados ao mal, que os utilizam como instrumentos de torturas humanas. Eles
podem atá-los aos cérebros de inditosos obsediados, minando suas forças e
deteriorando suas resistências psíquicas através do escoamento de suas forças
mentais. Induzem assim, não somente a depressões, mas à demência e à loucura,
desequilíbrios de difícil remissão, tanto na carne quanto no mundo espiritual. Sendo
os ovóides joguetes nas mãos desses infelizes, natural que este seja outro motivo
para se lhes evitar, a qualquer custo, a proliferação no Vale dos Suicidas.
Muitos poderão se perguntar por que a Lei de Deus, que é sobretudo bondade,
permite a existência desse estranho parasitismo, infectando a intimidade
consciencial de espíritos de consideráveis conquistas evolutivas, deixando-os
expostos a esta cruel e aparentemente injusta espoliação. Podemos apenas
responder que tal regime de desamor é o mesmo que
30 - Gilson T. Freire/Adamastor
impera no mundo da carne, com sua dura realidade, onde o parasitismo subsiste
como norma de vida entre criaturas de diferenciados níveis evolutivos. Seres
aparentemente involuídos, dotados de hábeis e intrigantes mecanismos de
exploração de recursos vitais, subjugam hospedeiros, chamados naturais, aos seus
caprichos e egoísticas necessidades de subsistência. Regime de vida que nos faz
questionar se tal comportamento é de fato natural e representa apenas a obediência
à vontade de Deus. Se nosso Pai é amor, por que a vida em suas primitivas bases se
apóia neste consórcio de iníquas explorações? Como nada no âmbito da criação
pode estar fora do domínio de Sua Lei, temos que encontrar razões que justifiquem
esse estranho comportamento. Lucubramos que todos, sem exceção, mantemos um
ambiente de disputas pela supremacia da vida, e ainda somos parasitas de seres que
nos sucedem na jornada evolutiva, pois nos damos à exploração de seus recursos
vitais, com o sacrifício mesmo de suas vidas, quando na carne. Justo é assim
estarmos, por nossa vez, sujeitos ao roubo exploratório de nossos valores orgânicos
por outros seres, mesmo sendo menos evoluídos do que nós. Porém, somente o
afastamento da bondade pode justificar tais aparentes barbaridades no seio de uma
criação que é feita essencialmente de amor. Tais inquirições, no entanto, não
podem aqui ser respondidas e as deixamos como suscitantes de questionamentos
das razões do viver e do evoluir.
A ovoidização, contudo, não é uma adulteração das leis perispirituais, pois está
subordinada aos mesmos princípios da miniaturização ou restringimento, fenômeno
a que está submetido o espírito no processo reencarnatório, quando a tessitura
plasmática do perispírito, antecedendo nova descida à carne, sofre uma contração
involutiva, retornando aos patamares da evolução biológica, para abraçar um novo
óvulo fecundado e elevá-lo, rapidamente, à condição das últimas conquistas no
campo da vida carnal, através do milagre do desenvolvimento embrionário. Este
impulso de contração é o mesmo que deposita a potência de um carvalho em uma
semente, fazendo-a explodir depois, num anseio incontido de crescimento. O
perispírito, ricocheteando suas forças contraídas, atira-se ao rápido refazimento,
expandindo-se e confeccionando seu futuro corpo na recapitulação embrionária,
quando, em apenas nove meses de gestação, refaz todas as etapas por que já
passou. Sem esta precedente contração involutiva não se veria tal explosão
evolutiva que lhe surge como uma reação imediata. É assim que temos aprendido
que o perispírito está sujeito, como todo fenômeno da criação, às forças de
contração e de expansão. A ovoidização, portanto, em última análise, é apenas uma
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contração ou miniaturização patológica, pois ocorre distante do momento
reencarnatório. Não encontrando o reservatório uterino, meio indutor, mantenedor e
protetor de tal processo, o ser, em franco processo de contração, estaciona-se na
fase ovóide deste percurso, restringindo sua consciência às etapas mais elementares
da vida biológica.
Alguns observadores do nosso plano referem-se ao ovóide como sendo a
segunda morte do espírito. Fenômeno este muito pouco divulgado na literatura dos
espíritos, dirigida aos homens, por tratar-se de tema de natureza ainda muito
complexa e que poderia causar maiores dúvidas e questionamentos entre os
pesquisadores da Terra. De fato, a morte ovoidal pode ser considerada a segunda
morte, porém, para o perfeito esclarecimento do estudioso, devemos compreender
que se trata apenas de um dos patamares onde pode estacionar a contração
perispiritual. O ovóide ainda traz um metabolismo vital, embora bastante reduzido,
mostrando, ademais, resíduos de atividade consciencial, sendo portanto apenas um
dos limiares em que estagia o ser rumo à segunda morte. Na realidade, esta é o
resultado de aprofundamento em nível ainda mais inferior da condensação
involutiva, acometendo espíritos com alto quilate de rebeldia e maldade, levando-os
à completa estagnação da consciência, com a total perda da atividade vital,
fenômeno raríssimo e conhecido também como a petrificação perispiritual. Isto,
entretanto, pressupõe apenas o limiar do mergulho do ser no abismo da
inconsciência e não a anulação de sua individualidade.
Naturalmente, trabalhando nos ambientes espirituais onde se recolhem as almas
embaladas por estes impulsos autodestrutivos iniciados na carne, na ação suicida,
achávamo-nos envolvidos por esta exótica e triste patologia do espírito e a ela
dedicávamos nossos estudos, abordando-a em toda sua dura realidade, a fim de
encontrar meios eficazes de auxílio, interferindo como possível e como nos permite
o Senhor da Vida.
À guisa de esclarecimentos para o estudioso, é preciso considerar que, além da
exaltação do impulso contrativo no suicídio, o perispírito está sujeito ainda à
alteração do movimento contrário, ou seja, a expansão inadequada. A hipertrofia
perispiritual é patologia que guarda igualmente a sua gravidade, sendo também
identificada e estudada no plano do espírito em que nos achamos. As forças
perispirituais hipertônicas se responsabilizam pelos crescimentos celulares
exagerados, quais os tumores de qualquer natureza e a hiperatividade de qualquer
função orgânica identificada pela medicina terrena. Guardam sua origem nos
estímulos do psiquismo doentio que se apóiam no exagero do “eu”, como os
5 Nos capítulos 6 e 20 o assunto iniciado aqui encontrará o seu desenvolvimento mais abrangente.
ícaro Redimido - 35
ao baixo ambiente em que servem. Daí a necessidade de promoverem a
condensação perispiritual cada vez que retornam a ele. Esta condensação é feita
mediante a absorção dos eflúvios atmosféricos do meio pela respiração, mas o
processo requer adestramento, para que não se transforme em prejuízos e
incômodos para o trabalhador, pois, se não for subordinado a um controle, pode
ultrapassar determinado limiar de tolerância, desencadeando nele os mesmos
sintomas do “mal do caminhante das Trevas”, indispondo-o à viagem. Contudo,
chega um ponto que o servidor, pelo esforço próprio, atinge nível evolutivo tal em
que a condensação se lhe torna dificultosa e até mesmo impossibilitada. É, assim,
preciso que um recrutamento constante de novos elementos, dispostos à penosa
tarefa, renove freqüentemente o acervo de caravaneiros das Sombras.
Além de uma primorosa conduta íntima, requer-se ainda do tarefeiro uma
apresentação pessoal discreta e simples, de modo a não chamar atenção sobre si.
Cores alegres e vivas não são recomendadas, naturalmente. Para aqueles,
entretanto, que se sentem incomodados com a idéia de que os desencarnados usam
vestes, somente podemos asseverar que a vida e as necessidades no mundo
extrafísico não diferem sobremaneira daquelas encontradas na Terra.
Outro imperativo para o mergulho nas Trevas é o pleno controle do medo.
Como o trabalhador se acha adensado, sua presença torna-se perceptível não
somente aos sofredores, mas também aos seres malignos que as habitam, quase
sempre dispostos a recebê-los com animosidades. A simples visão destas entidades,
comumente transfiguradas em formas monstruosas em franca exibição de
agressividade, pode paralisar o servidor bem intencionado, porém não adestrado à
tarefa, aniquilando-lhe toda a capacidade de serviço e criando dificuldades para os
demais membros da equipe. Por isso desenvolvem-se em Portais do Vale longas
sessões de treinos especializados com o propósito de dominar o medo com
eficiência. E preciso estar habituado à visão das mais terríveis mazelas do homem e
suas desfigurações perispirituais sem se deixar aniquilar pelo pavor. Como todos já
passamos pelas Trevas, não é difícil, ao encarnado, imaginar as horripilantes
figuras e as lúgubres paisagens que podem nos paralisar de terror pela sua simples
visão.
Não obstante a boa vontade de servir nas Sombras, é necessário ainda estar
habilitado a lidar com suas ameaças. Ameaças que são mais ilusórias do que reais e
que mais despertam pavor do que realmente significam algum dano à nossa
integridade. Se não trazemos a consciência ultrajada
ícaro Redimido - 3 7
Enfim chegava Heitor, a quem esperávamos para a prece antes da partida.
— A paz esteja convosco, irmãos — saudou-nos com discrição o novo amigo.
— Só posso pedir aos Céus que os recompensem por esta hora de serviços em prol
dos que sofrem. Sou Heitor e apresento-me como o mais humilde de seus
companheiros. Trago do Alto a recomendação para resgatar um espírito amigo que
jaz neste abrigo de dores. Sua hora chegou. Portanto, partamos sem demora.
Heitor irradiava tal aura de simpatia que não tínhamos a menor dúvida de que se
tratava de um espírito de escol, vindo de esferas mais elevadas do Plano Espiritual.
Uma barba grisalha lhe emoldurava a feição de bondade e sabedoria, exalando paz
e convidando-nos à entrega confiante e imediata ao seu afeto. Suas vestes e sua
aura nos diziam tratar-se de uma alma religiosa, talvez algum monge, amadurecido
na dedicação ao próximo e na renúncia de si mesmo. Se não divisávamos sua luz,
certamente era porque sua humildade lhe inibira o fulgor a fim de não nos
constranger e não despertar a atenção dos infelizes seres de nossos escuros
caminhos. Há muito não presenciávamos no Vale um espírito de tão elevada estirpe
a nos acompanhar, de modo que fomos imediatamente invadidos por confortante
alegria e indizível sentimento de paz.
Convocando a imagem de Jesus para nos abrigar as intenções e exorando a
presença Divina, proferia o amigo:
— Recordemos a palavra do Mestre que, na parábola da ovelha desgarrada nos
dizia: “Qual de vós é o homem que, possuindo cem ovelhas e perdendo uma delas,
não deixa as noventa e nove no deserto e não vai atrás da perdida até que a
encontre? E achando-a, põe-na sobre os ombros, cheio de júbilo e, chegando em
casa, reúne os amigos e vizinhos e lhes diz: Alegrai-vos comigo porque achei a
minha ovelha que se havia perdido. Digo-vos que assim haverá maior alegria no
céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não
necessitam de arrependimento”6. É verdade, meus amigos, o céu não é lugar para se
desfrutar de felicidades solitárias, por isso o pastor que perdeu a sua ovelha é tão
infeliz quanto ela mesma, e não descansará enquanto não a recuperar.
Em seguida, fechando os olhos, proferiu uma prece sem palavras. Sentimos seu
tórax inflamar-se suavemente e um facho de luz, partindo das alturas caiu sobre
nós, inundando-nos de inexprimível contentamento. Tive que conter o meu impulso
de sorrir, tal o influxo de energias que
ícaro Redimido - 39
em nosso campo mental. — Estou aqui com o interesse não só de aprender a servir,
mas também para conhecer e estudar o sofrimento humano, e dessa forma adquirir
melhores condições de ajudar sem atrapalhar. Caracterizou-me a vida o grande
apego às riquezas da matéria e não pude evadir-me do desespero ao me ver privado
de todos os bens. Atirei-me na bebida até configurar o suicídio, que me trouxe para
este Vale lúgubre. Aqui permaneci por muitos anos, consumindo minha
inferioridade nas Cavernas do Sono até ser socorrido pelos samaritanos de Portais
do Vale. Como se vê, não faço nada de mais a não ser dar minha cota de
pagamento a tudo que recebi dos amigos que hoje compõem praticamente a minha
família. Depois de muito tempo fui elevado à condição de médico socorrista, título
para o qual não guardo méritos, mas trato de desempenhar o melhor que posso.
E, indicando-lhe Olegário, continuei:
— Este é meu fiel companheiro de incursões no Vale. Foi militar quando
encarnado e precisa adestrar-se no trato com os delinqüentes, pois exercera sua
atividade sem a necessária benevolência para com os malfeitores. Também foi
socorrido do Vale, através de nossa modesta ajuda, onde uma grande decepção
amorosa o conduziu ao auto- aniquilamento. Aproveitamos a sua aparência robusta
de soldado para intimidar os espíritos delinqüentes que nos ameaçam nas incursões
nestes sombrios caminhos.
— Ademais, alimentei o ódio nas guerras e preciso purificar minha alma —
acrescentou Olegário, com sinceridade nas palavras.
Realmente, Olegário era prestimoso companheiro, indispensável em minhas
excursões pelo Vale. Fora designado para servir ao meu lado pela direção de
Portais do Vale, por termos tecido sincera amizade ao longo de alguns anos em que
me empenhara no seu reequilíbrio. Dedicava- me tamanha amizade que suplantava
minha capacidade de merecê-la, sendo que não fizera por ele mais do que minha
sincera obrigação. Embora guardasse a distinção e o respeito, impostos pela
disciplina militar, na verdade servia-me como um enfermeiro, além de encarregar-
se de nossa defesa quando necessária. Sua presença assegurava-nos confiança e
tranqüilidade ao serviço.
Caminhando ao nosso lado, silente e humilde, Adelaide apenas sorria e nos
fitava com sua expressão meiga, despertando de imediato o interesse de Heitor, que
suscitava, com o olhar inquiridor, o que justificava aquela delicada presença
feminina em nossa pequena caravana. Adiantei-me então a apresentá-la:
ícaro Redimido - 41
um pouco nauseada, porém, já ciente dos procedimentos, não tardou para que
obtivesse os resultados esperados.
“Não é da vontade de vosso Pai que está nos céus que venha a perecer um só destes
pequeninos. ”
Jesus - Mateus, 18:14
ícaro Redimido - 43
mais distantes, este sinal atrai a direção de aparelhos rastreadores, instrumentos
indispensáveis aos caminhantes inexperientes, que ainda não conseguem se orientar
pela percepção das correntes mentais. Trazíamos também nosso rastreador, à feição
de bússola orientadora, embora não necessitássemos dele, pois Olegário e eu
freqüentemente efetuávamos incursões nestas áreas, onde exercíamos o socorro aos
ovóides e as conhecíamos muito bem.
Heitor trazia um mapa com a localização de Alberto, o infeliz amigo que
iríamos resgatar e deixamo-nos conduzir por ele, que mostrava segurança em sua
orientação e não necessitava de nossa singela ajuda. Rumando para as Cavernas do
Leste a passos decididos e firmes, descemos uma das trilhas que corta o caminho
para as Escarpas. Devíamos evitar, propositadamente, o trajeto mais largo, porém
mais freqüentado pelos errantes do Vale, a fim de evadirmo-nos de encontros
desagradáveis e desnecessários. Afinal, se ali é o domínio dos atormentados, é
também o reino dos malignos e eles se acham inteiramente no direito de o
defenderem como se realmente lhes fosse herdade particular, tratando-nos como
invasores de suas propriedades.
A paisagem progressivamente se transforma à medida que descemos rumo aos
grandes Abismos. A atmosfera se torna pesada, opressiva, imprimindo-nos certa
dificuldade na respiração. Uma angústia, lembrando os pesares da morte física,
estreita-nos o coração. Um odor lamoso invade- nos as narinas com desagradável
impressão. Uma névoa fria e úmida nos veste paulatinamente de sombras,
esmaecendo a já fraca luz solar. O solo, pedregoso e irregular, cobre-se de uma
umidade lutulenta, escorregadia, irradiando um frio penetrante e gélido. A escassa
vegetação torna-se paulatinamente definhada, retorcida e espinhosa, parecendo
agredir o visitante incauto. Troncos ressequidos, tortuosos, sem folhas, traçam
retoques lúgubres na paisagem, emprestando-lhe um matiz de ruína e desolação.
Nuvens umbrosas e ameaçadoras rematam o sombrio quadro, emoldurando-o de
angustiosos presságios. Pedras volumosas, cavadas de reentrâncias e saliências,
mostrando farpas pontiagudas, ameaçadoras, interrompem freqüentemente a trilha
estreita e íngreme, obrigando-a a curvas acentuadas. Freqüentemente a pequena
estrada é entrecortada por outras trilhas que dão em todos os sentidos, emprestando
ao visitante a impressão de estar penetrando verdadeiro labirinto. Estas são as
“estradas de ninguém”, como são conhecidas aqui. Não levam a lugar algum e por
elas perambulam os espíritos verdadeiramente errantes, dementados, cujo único
passatempo consiste em caminhar incansavelmente
ícaro Redimido • 45
formas animalescas esgueirando-se sorrateiramente entre as sombras ou passando ao
léu por não perceber-nos ou por não se verem atraídas pelos nossos eflúvios, em
nada condizentes com os seus interesses. Sintonizam- se especialmente com o ódio,
as emanações do pavor ou as vibrações das grandes culpas como se pudessem ver
essas projeções mentais, tal a acuidade que desenvolveram em percebê-las, de modo
que, se o transeunte não as exala, não se deixa ameaçar por tais criaturas infelizes.
As efluências que carreiam propósitos superiores do bem exercem ainda uma
barreira natural, afastando esses seres pela simples dissonância vibracional. Além
desses monstros errantes e solitários, encontram-se no Vale, freqüentemente, hordas
de espíritos malignos em busca de presas fáceis para seus propósitos de dominação
ou simplesmente para darem vazão aos seus instintos agressivos. São aqueles que
realmente podem molestar- nos, perturbando-nos o trabalho.
Formam’acampamentos provisórios, quais caçadores nômades e se apresentam como
antigos guerreiros e bárbaros dos tempos medievais, munidos, inclusive, de armas
semelhantes. Organizam-se em base a éticas involuídas, próximas daquelas que
imperam entre os animais, onde os mais fortes preponderam sobre os mais fracos,
subjugando-os segundo seus interesses. Poderosos chefes dominam largos territórios
e comumente batalhas selvagens são desencadeadas entre rivais por interesses
antagônicos ou disputas territoriais, formando um palco de agressões e alucinações
coletivas que o homem encarnado dificilmente poderia imaginar existir. O Plano
Espiritual superior, que orienta a evolução planetária, tolera esses círculos de
selvagerias, ciente das necessidades de redenção da alma humana, cerceando-lhes os
limites com desvelo e amor, enquanto aguarda a urgente evangelização do Orbe para
que possam ser saneados e a maldade banida definitivamente de nossas paisagens.
Ao atingirmos pequena clareira entre as rochas pontudas, Heitor estacou-se de
pronto, solicitando um minuto de concentração. Pressentia um bando de entidades
mal intencionadas aproximando-se, sorrateiramente. Sem dúvida perceberam nossa
presença e vinham ao nosso encalce. Naturalmente que nos achávamos providos de
meios naturais de defesa e os Senhores das Sombras não podiam nos infligir
sofrimentos. Mas o bom senso nos convidava a evitar altercações desnecessárias.
Assim, era melhor nos ocultar a fim de passarmos desapercebidos. Procuramos,
então, por uma reentrância mais próxima nas rochas, escondendo-nos bem ao fundo
de uma pequena gruta, em completa escuridão. Um forte odor de putrefação de
pronto agrediu-nos o olfato, repugnando-nos os
ícaro Redimido - 4 7
suas carcaças para as devorar mais tarde, com paciência. Hostes rivais de
entidades vampirescas disputam essas presas imprevidentes com sofreguidão,
cobiçadas por serem fontes de energias vitais preciosas para seus sustentos. Quais
espantalhos vivos, são lânguidos joguetes nas mãos destes flibusteiros que lhes
sugam todas as forças, abandonando-os em estado lastimável.
Cautelosamente, para não provocar sobressaltos e intensificar os pesadelos que
vivenciava, acomodamos o infeliz em nossa padiola, a fim de transportá-lo para um
local mais seguro e aprazível. Nada pode nos comover tanto os sentimentos de
fraternidade do que a vista de um ser tão desvalido. Não podemos nos evadir de um
pensamento condoído de compaixão e meditar nas razões que levam um ser
racional a atirar-se em tamanha desgraça. Comoção que lança um brado de
interrogação rumo ao Senhor da Vida, como se Ele, Pai magnânimo e de Amor
infinito, fosse capaz de abandonar completamente os seus filhos. Um ser em
frangalhos, desfeito em nauseabunda e repugnante substância, mas um filho Seu,
que guarda uma alma feita da mesma essência que nos forma, tão sagrado quanto
qualquer ser vivo, como pode ser assim esquecido da criação? É necessário grande
entendimento dos mecanismos da vida para se compreender isso, pois do contrário
colocamo-nos, por nossa vez, revoltados contra a Sabedoria Divina que deveria
cuidar dos ignorantes como vela pelos animais inconscientes, nunca deixados ao
léu na natureza. Se Deus cuida das feras e lhes dá as covas para se protegerem, por
que não zela com maior desvelo pelos seus filhos caídos? Naturalmente que tais
inquirições não podem ser respondidas aqui. Guardemos a certeza, contudo, de que
o Senhor, com Sua infinita bondade e misericórdia, sabe o que faz, não podendo ser
questionado em momento algum e, muito menos, condenado por estas aparentes
atrocidades da vida.
A visão do infeliz nos cortava o coração, enchendo-nos de piedosos
sentimentos. Adelaide não podia conter o pranto silente e lutava entre a
repugnância e a extremada comiseração. Somente quem já esteve perto de um
destes seres consegue aquilatar até onde pode chegar a desventura da revolta
humana e a importância da ciência do espírito que, preparando- nos para as
realidades da vida depois da morte, protege-nos contra tais lamentáveis situações.
Comovido pela caridade inibo-me de descrever com minúcias a deplorável situação
orgânica do infeliz, detalhando-lhe a grave patologia perispiritual. Transportamo-lo
sem delongas, com toda a suavidade possível, continuando nossa caminhada,
silenciosos, rumo ao nosso objetivo.
ícaro Redimido - 49
muito mais infelizes do que más. De fato, muitos são levados para as Câmaras de
Retificação, acomodações mais aprazíveis, em colônias mais iluminadas. No
entanto, a maioria deles pode sofrer choques vibratórios em ambientes elevados, à
semelhança da luz que, quando muito intensa, pode cegar. A necessidade de
permanecer em sombras traduz-se assim numa obrigatoriedade para quem não pode
suportar o brilho das regiões superiores sem se perturbar. Estas cavernas oferecem
o meio adequado para estas almas, em obediência à Lei de Deus, que situa cada um
no devido lugar de suas reais necessidades. E como nossa colônia, há outras que
cuidam dos desvalidos dessas cavernas, como quem zela por crianças abandonadas.
Mantendo vigilância constante, nossos dirigentes procuram retirar o mais depressa
possível aqueles que dão mostra de poder suportar sítios mais elevados.
Tochas pendentes projetam pálidas luzes nos recortes de rochas, tecendo
sombras tremulantes nas paredes do macambúzio salão. Uma atmosfera adensada
emanando mofo e exalando melancolia e morte nos envolve de imediato ao
penetrarmos o local. O trabalhador que ali adentra necessita de equilíbrio
emocional para não se deixar abater pelas agonias reinantes, paralisando sua
capacidade de servir. Pelo menos as Cavernas do Leste se conservam mais secas
pela temperatura que ali se mantém um pouco mais elevada, embora ainda muito
frias. A maioria delas, no entanto, são muito mais geladas e úmidas, tornando-se
ainda mais desagradável a permanência nelas.
Depositamos o infeliz suicida recolhido em nosso caminho sobre uma campa, a
fim de socorrê-lo como possível. Heitor o examinou mais detidamente, enquanto
guardas se aproximavam para observar. Não havia muito a fazer por ele no
momento, a não ser tentar induzi-lo ao sono profundo, bloqueando-lhe os pálidos
resíduos de consciência, a fim de que se desligasse definitivamente de suas vestes
cadavéricas. Entretecendo delicadas operações magnéticas, Heitor, adestrado no
hipnagogismo7 , operava o tronco encefálico, anestesiando a região talâmica,
bloqueando assim o tráfego dos impulsos que ainda provinham do que lhe restava
do distante corpo físico e cortou-lhe, finalmente, o laço fluídico de retenção
perispiritual. Um forte tremor o sacudiu de chofree, em breve, assistíamos a sua
respiração estertorosa acalmar-se, adquirindo ritmo lento, bastante irregular,
denotando que o amigo, graças a Deus, entrava em letargia profunda. Seus olhos
esbugalhados finalmente se cerraram, mostrando que o terrível pesadelo que o
perseguia, pelo menos momentaneamente,
50 - Gilson! Freire/Adamastor
lhe daria sossego. Talvez assim pudesse ambientar-se nas Cavernas, caso não
voltasse a apresentar seus terrificantes delírios, condição então que lhe exigiria
outro tipo de socorro. Por ora, seria deixado ali, aguardando identificação e o
auxílio que demandasse. Olegário tomava as providências, encaminhando-o para a
assistência devida. Adelaide, comovida, mostrava interesse em conhecer-lhe a
história, para melhor ajudá-lo, alegando que se ele chegou a nossas mãos por vias
tão especiais, aparentando obra do acaso, era porque lhe devíamos assistência. De
fato, poderíamos penetrar em seus registros mnemônicos8 , identificando-lhe o
drama particular, mas não convinha determo-nos nesta tarefa, enquanto tínhamos
outra mais urgente para cumprir. Infelizmente, justificava Heitor, não era este o
momento e o que podíamos e devíamos fazer por ele havia terminado.
Cumpríramos essa missão e nosso outro socorrido, motivo de nossa jornada, corria
o risco da ovoidização, exigindo-nos maior urgência em seu atendimento. Cada
minuto era precioso naquele instante e entregamos o amigo aos cuidados dos
guardas da Caverna que zelariam por ele até que se tomassem as providências
cabíveis, pois esta era uma tarefa corriqueira para eles.
8 Relativo à memória
ícaro Redimido - 51
O Socorro no Tempo
Devido
ícaro Redimido - 53
espiritual. A sensação de estar caindo em um abismo sem fim caracteriza a mente
que se aprofunda rumo à morte da razão. Aí estava patente o risco de ovoidização
iminente, única defesa possível para um ser que não encontra o bem-estar
almejado a todo custo.
— Depois de longo período de inconsciência absoluta, nosso amigo despertou
para vivenciar afinal o seu traumático desfecho — explicava Heitor, embargando
as emoções. — Para ele, é como se a morte se desse neste instante. Vejamos nisso
a providência divina que acoberta a alma das dores que não pode tolerar, adiando-
as para o momento em que possam ser suportadas da melhor maneira possível,
resguardando-a do desespero intolerável e da ruína da revolta.
Sua maior aflição, sem dúvida, era motivada pela impossibilidade de respirar,
encontrando-se a glote completamente estrangulada. O enforcamento estava
patente com sua realidade, estampada nas lesões típicas. Alguns espíritos, nestas
condições, trazem até mesmo a corda de que se serviram no ato ignominioso,
porém Alberto não a aparentava, mostrando apenas a região cervical
completamente macerada. Era imperioso, então, a introdução de uma cânula para
que pudesse respirar, encontrando maior conforto e assim nutrir alguma
possibilidade de recuperação. Iniciamos, sem delongas o procedimento, em tudo
idêntico à traqueostomia9 realizada pela medicina terrena. Qual ambulatório
aparelhado no socorro aos doentes a que se serve, mantínhamos nas Cavernas
recursos para estas intervenções. Em breve um prolongado sibilo deu mostras de
que Alberto podia respirar, enchendo a longos haustos os pulmões arfantes. De
imediato sua musculatura relaxou-se pela veiculação de maior taxa de oxigênio na
circulação. Sua mente enfim se embriagava de ar, após muitos anos de escassez,
fazendo-o finalmente desfalecer. Heitor manipulou recursos magnéticos a seu
favor, tranqüilizando-o por completo, acomodando-o em um sono repousante, sem
sonhos, ativando as conexões ascendentes dos núcleos da rafe e os neurônios do
locus ceruleus10. Seus precários centros vitais, esmaecidos, revitalizaram-se
momentaneamente de pálida luz azulada, provocando- lhe o afrouxamento dos
membros. Agora podia ser transportado com segurança para um atendimento mais
eficaz em nossas enfermarias, em Portais do Vale. A ameaça de ovoidização fora
superada de imediato e, com tratamentos mais adequados, tínhamos chances de
trazê-lo à nossa
9 Procedimento médico que consiste em abrir e introduzir uma pequena cânula na traquéia, a fim de se
permitir a livre respiração.
10 Estruturas cerebrais responsáveis pela ativação do sono.
54 - Gilson T. Freire/Adamastor
realidade, embora muito ainda se necessitasse fazer a seu favor. Agradecendo ao
Senhor a oportunidade do serviço e, deitando-o em nossa maca, iniciamos a viagem
de volta à nossa colônia.
Não era ainda o momento para conhecermos mais de perto o drama desse
infeliz. Sequer sabia se o teríamos sob nossos cuidados, de modo que me calei no
interesse de adentrar em sua história. Adelaide, naturalmente, endereçava-me
mudos questionamentos, mas sinalava-lhe com o olhar que aguardasse com
paciência. Heitor apenas nos informava que há aproximadamente três anos, ajudara
a depositar Alberto naquela mesma gruta, quando ainda participava das caravanas
de socorro em atividade no Vale. Ali permanecera em sono profundo, na mais
completa inconsciência durante esse tempo e somente agora entrava, de fato, na
vivência traumática da morte. Período até mesmo curto se comparado à média dos
que permaneciam ali, pois os espíritos submetidos a este tipo de patologia podem
estacionar por décadas, atados ao sono restaurador da consciência perdida. E
sabidamente, tratava-se de um tutelado seu ou de outros espíritos superiores, pois
sua prontidão em socorrê-lo parecia corresponder aos interesses de esferas mais
altas. Importante considerar que se as inter-relações no Mundo dos Espíritos
baseia-se em favores e intervenções facilitadas, como no plano dos encarnados,
esses favores obedecem sempre à Lei do merecimento e não atendem aos
propósitos ilícitos dos valores humanos, comumente fundamentados em
desideratos egoísticos, de natureza política ou monetária. Não se atiram pérolas
aos porcos, ensina-nos o Evangelho, por isso, antes de acionar as benesses de uma
assistência espiritual orientada, é preciso resguardar a condição de merecimento do
socorrido que, se não as detiver, não será objeto delas. Assim é que seguíamos
transportando nosso amigo, cientes de que chegara a sua vez, embora uma
multidão de necessitados agonizasse ao nosso derredor sem que pudéssemos
atendê-los prontamente, antes que os seus dias fossem contados.
Percebíamos ainda que Alberto não maculara seu destino com grandes feitos de
maldades e por isso não contava com perseguidores implacáveis atormentando-lhe
o coração na requisição de vinganças. Dava mostras de ter sido vítima apenas de si
mesmo, o que lhe facultava facilidades no atendimento. Quando os laços do ódio
se imiscuem nas grandes tramas humanas, as enfermidades que geram na alma são
de tamanha gravidade que não encontram solução na Erraticidade, requisitando a
contribuição de sucessivas reencarnações para que a real cura se instale no campo
do espírito. Há uma lei que confere benefícios segundo méritos, funcionando
ícaro Redimido - 55
inexoravelmente em todas as paisagens da alma humana e diante dela temos que
submeter nossos interesses exclusivistas, sempre prontos a burlar todos os limites.
Por isso, muitas vezes, em operações de resgates, temos que entregar à própria
sorte desventurados companheiros, atados pelas recíprocas inimizades, até que as
exigências de vingança das vítimas do ontem, vertidas em verdugos do hoje, se
esgotem no tédio dos dissabores ou na inconsciência de seus protagonistas.
Somente as grandes dores sanam os grandes males e, nestes casos, os sofrimentos
atrozes são os únicos recursos da misericórdia divina em favor dos
inconseqüentes.
Não havia tempo para o repouso, mesmo breve, pois devíamos voltar antes que
anoitecesse. No retorno, nossos passos seriam mais lentos e à noite as dificuldades
no Vale são maiores. Os malévolos, habituados às sombras intensas, colocam-se
mais à vontade e dispostos a perturbar aqueles que trabalham, exigindo-nos maior
vigilância. Ademais, transportando socorridos, temos que tomar cuidados
redobrados para não chamar a atenção de espíritos levianos, que se aproximam para
averiguar se o que levamos representa para eles algum interesse. Caso suspeitem
que sim, podem se dispor a disputar conosco o assistido, como se tratasse de mera
carga de interesses mercantilistas. Naturalmente que caravanas como a nossa
contam com defesas seguras para óbices desses, mas é preferível evitar a todo custo
altercações desagradáveis com seres inconseqüentes e sem outros propósitos que
não perturbar a ordem. Seres também dignos de piedade, os quais somente o tempo
e a dor podem convencer de alterar a jornada de revoltas em que se comprazem. É
preciso considerar que a dura lei de relações que impera neste reino de maldades se
assemelha ainda à ética primitiva dos guerreiros, baseada na imposição pela força e
em interesses egoísticos em que todos menosprezam a piedade e ignoram o mínimo
respeito ao bem-estar alheio.
Avançamos silenciosos pelo caminho de volta. Heitor redobrara sua acuidade
espiritual a fim de perceber a presença de entidades mal intencionadas antes que
nos notassem. Apenas por duas vezes tivemos que nos ocultar de transeuntes
errantes e, felizmente, nosso trajeto se fez sem maiores incidentes. Em breve
podíamos respirar aliviados ao avistarmos de longe o sinalizador que marcava a
presença dos portões de nossa colônia.
Atingindo os pórticos que sustentam os enormes muros de Portais do Vale,
ponto mais alto de nossa caminhada, fomos surpreendidos por uma imagem
inusitada, raramente vista naquelas paragens. Não pudemos deixar de nos deter,
extasiados diante do inesperado. Naquele instante o sol
56 - Gilson T. Freire/Adamastor
poente penetrava um de seus raios avermelhado e fugidio por uma fresta de nuvem,
invadindo as eternas brumas do Vale, iluminando-as por um raro momento. Sua
larga extensão, sempre enevoada, deixou-se embeber pelos matizes pálidos da
diáfana luz, permitindo-nos entrever sua exótica paisagem. Picos íngremes, como
farpas imensas, vestidos de névoas esbranquiçadas e planícies estiradas ao longe,
cobertas de mantos leitosos, desdobravam-se diante de nossos atônitos olhos, como
nunca havíamos visto. Um cenário exótico, porém profundamente melancólico
ecoava dor e lamento, estampando em nossas almas pesar e espanto. Extasiados,
não sabíamos o que dizer diante daquela singular visão, gota de piedade da
natureza que, apenas por um instante, libertava o Vale de dores das eternas
sombras como a lembrar aos seus infelizes habitantes que a alegria ainda é possível
para aquele que sabe esperar. Um sentimento de esperança nos invadiu na certeza
de que um dia o Planeta se verá livre deste imenso fosso de amarguras. A visão se
perdia nas névoas mais distantes, incendiadas por evanescente vermelho, que
rapidamente se desfazia em tons rosados, vazadas por cumes elevados que, como
mãos postas, afiguravam suplicar misericórdia aos Céus. Seguramente ali deve ser
o fim do mundo e, embora tácito, parecíamos ouvir o som de mil vozes clamando
por compaixão.
A nostalgia própria desta mágica ocasião fecundou-nos do mais genuíno e
sagrado sentimento da presença do Divino e nos detivemos em breve oração de
louvor e gratidão ao Senhor da vida, arrancando-nos as mais recônditas lágrimas
das almas doridas e carentes da paz verdadeira.
ícaro Redimido - 57
Fisiopatologia da
Autodestru ição
“Em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é escravo do pecado. ”
Jesus - João, 8:34
ícaro Redimido - 59
ser desencarnado, mencionando detalhes da fisiologia comum à carne. A estes
lembramos que o espírito, no plano em que nos manifestamos, ainda se serve de
um organismo em tudo semelhante ao corpo físico, possuindo a mesma tessitura
celular e o mesmo arranjo de órgãos com funcionamento exatamente idêntico. Os
detalhes da conhecida anatomia humana se aplicam perfeitamente à anatomia
perispiritual, por serem em tudo análogos. Estas estruturas funcionam em íntima
conexão com o espírito, formando com ele uma unidade indissolúvel e, por isso,
irão refletir sempre, em forma de desorganizações estruturais ou funcionais os
mínimos desequilíbrios. Desorganizações estas, no entanto, muito mais evidentes
e consistentes no perispírito, por ser este um veículo de maior maleabilidade do
que o corpo físico. O cérebro, sede de nossa unidade substancial, a mente, sendo a
estrutura mais importante e mais complexa da nossa organização é o palco
imediato destes desequilíbrios, onde se manifestam de forma mais incisiva e mais
drástica. O perispírito, por isso, trabalha sabiamente a fim de desviar dele estas
perturbações, depositando-as, como possível, em regiões mais superficiais de
nossa unidade. Faz assim adoecer a periferia a fim de se resguardar o máximo de
equilíbrio para o psiquismo e seus apurados instrumentos de manifestação. Desse
modo, toda enfermidade superficial é uma defesa da mente e, se o corpo adoece, o
faz sempre para proteger a integridade do espírito. Quando, no entanto, o processo
mental se avulta sobremaneira, não há como impedir que os próprios pensamentos
desalinhados firam a delicada tessitura do encéfalo em forma de distúrbios
funcionais e lesões neuronais. Transtornos estes que, por sua vez, irão obstaculizar
o perfeito funcionamento da mente, devido à íntima unidade com que funcionam.
Não digamos, entretanto, com isso, que as desordens mentais se devam às
alterações de sua estrutura, como o faz a equivocada visão materialista da
medicina terrena.
Heitor operou novamente delicadas intervenções no campo mental de Alberto
de onde na verdade partiam as excitações nocivas para a manutenção de seu
mórbido estado orgânico, mas com poucos resultados atenuantes. Era preciso
empregar outros meios de alívio, pois, do contrário, nosso assistido iria iniciar,
sem dúvida o processo de encistamento da consciência.
O nobre amigo, no entanto, necessitava deixar-nos e nos confiou a guarda do
tutelado. Estava convencido de que a misericórdia divina se faria presente através
de nossos modestos recursos e despediu-se agradecido e contente pelos resultados
até então alcançados, não antes, naturalmente, de comprometer-se a nos ajudar no
que fosse possível, pois estaria
ícaro Redimido - 61
a fim de compreendermos com mais detalhes a sua fisiopatologia. Sei que são
velhos hábitos da nossa medicina, que parecem atender muito mais à curiosidade
do que ao sincero desejo de ajudar, mas certamente conhecer primeiro é o caminho
para se melhor interferir depois.
A autodestruição opera graves danos à organização perispiritual, sobretudo nas
delicadas estruturas encefálicas, onde induz suas lesões mais importantes. Para se
compreender esta patologia da alma, conhecida em nosso meio por Psicólise15 ou
Autocatálise, é preciso entender o comportamento das forças que operam no
perispírito e identificar as etapas do processo desencarnatório, momento em que se
estabelecem as suas perturbações.
Em nosso plano, o perispírito, também chamado psicossoma, é entendido como
um organismo energético, impulsionado por duas forças básicas: uma de expansão
e outra de contração. O primeiro impulso, caracterizado como hiperdinâmico, tem
caráter construtivo, operando crescimento, atividade e aumento do metabolismo. O
segundo, o hipodinâmico, gera repouso, diminuição de metabolismo e degeneração.
A contração faz decrescer o tônus vital e a expansão o dinamiza, portanto não são
movimentos necessariamente espaciais, porém dinâmicos e vibracionais. A
expansão promove construções de órgãos para atender às necessidades do espírito,
impulsionando a vida, enquanto que a contração os destrói, protagonizando a
morte. Morte que nunca é fim, mas apenas mudança de plano de manifestação,
permitindo-se com isso a constante renovação do organismo. Do equilíbrio e
alternância entre estas duas pulsões nascem todas as atividades operacionais do
perispírito e, conseqüentemente, do corpo físico. A diminuição de um deles
condiciona o impulso para o aumento do outro, de tal forma que o psicossoma
funciona qual mola que, se contraída, tende a esse expandir e, se estendida,
propende a se contrair, dentro dos princípios de ação e reação que embalam todos
os fenômenos do universo, sejam físicos, químicos, biológicos ou espirituais.
A elaboração evolutiva, desta forma, se faz pela alternância entre ciclos de
retração e de expansão, com resultados efetivos no desenvolvimento constante do
espírito. Por esta razão, crescimento e destruição, vida e morte devem se alternar
no palco da evolução onde uma é apenas condição que propicia o desenvolvimento
da outra. Isso faz ainda da evolução, qual onda de fases opostas, uma trajetória de
ascensão,
15 Palavra composta de psyché, termo grego que significa espírito ou mente, e lysis, ruptura, destruição.
ícaro Redimido - 63
e se apaga momentaneamente, e na fase de expansão ela se exalta e se desenvolve,
de forma que o espírito, assim como a matéria e a energia, é também uma
elaboração baseada em uma síntese cíclica. E sempre que se inicia uma nova fase
de expansão, tanto a consciência quanto a forma passam por período de
refazimento na qual se reconstroem, recapitulando as etapas já percorridas em seu
processo de desenvolvimento. Assim é que o crescimento embrionário refaz, em
curto espaço de nove meses, os milhões de anos que já perpassou na evolução. E o
mesmo se verifica na morte física, quando a consciência, após breve período de
contração, novamente se expande, reconstruindo-se quase que imediatamente e
recapitulando todas as etapas vividas em sua última reencarnação. Tal fenômeno,
chamado de revivência mnemônica ou recapitulação panorâmica, é assistido
como uma projeção cinematográfica tridimensional e se passa em fugazes
minutos, embora seja percebido em uma outra realidade, parecendo demandar
longo período de tempo.
Apoiados nestas considerações teóricas recordemos agora, com mais detalhes,
as etapas do processo desencarnatório para melhor compreendermos os fenômenos
em jogo na patologia da autodestruição. O Plano Espiritual, com muita propriedade,
compara o momento da morte com a metamorfose dos insetos, pois em tudo lhe é
semelhante. Uma vez cessada a vida física, o desencarnante, embalado pela
contração perispiritual, inicia também a retração do metabolismo consciencial,
entrando na fase de crisálida, onde a atividade consciente se recolhe e se apaga
completa e momentaneamente. Nesse momento o perispírito, acelerando a fase
destrutiva e contrativa, promove a quebra de suas malhas teciduais, movimento
conhecido em nosso mundo por histólise16 perispiritual. Ainda sob o império do
impulso de contração, irá então intensificar a absorção dos remanescentes
energéticos que moviam o corpo físico, a fim de reciclá-los dentro da sábia
economia da natureza que procura tudo aproveitar. Terminada essa fase, dá-se lugar
a histogênese17 perispiritual, quando o psicossoma, expandindo-se, processa
rapidamente a sua auto-reconstrução, seguindo o mesmo molde previamente
desfeito, em base aos registros morfológicos retidos em suas malhas energéticas.
Nesse mesmo momento a consciência desperta
16 Palavra composta do grego histós, que significa tecido, e lysis, quebra. Portanto histólise perispiritual é a
dissolução dos tecidos orgânicos e perispirituais.
17 Do grego histós, tecido e gênesis, formação, portanto na histogênese o perispírito reconstrói os seus novos
tecidos, preparando-se para a nova vida no mundo espiritual.
ícaro Redimido - 65
trabalhadores do desligamento sejam bem sucedidos nesta separação, estaciona-se a
histogênese na conformação do momento da morte, retendo por isso, de modo vivo,
todos os processos traumáticos a que o corpo físico fora submetido. De acordo com
a fixação do suicida em um desses momentos, determina-se o tipo de patologia
perispiritual predominante. Alberto fixara-se na paralisia da histogênese
perispiritual e não efetivara o despertarrtento da consciência. A histólise não se
detivera e ainda operava- se a retração perispiritual. Seu psicossoma, por isso,
mostrava-se completamente desvitalizado, moldado na aparência física do momento
da desencarnação e com a consciência completamente bloqueada. A revivência
mnemônica não se estabelecera e o impulso de reconstrução fora completamente
inibido, revolvendo-se o infeliz em adiantado contra- impulso vital, embalado pela
doentia vontade de não viver. Permanecera em completa inconsciência, sem dar
mostras de nenhuma atividade mental por longo período, até que finalmente
despertara para a vivência de pesadelos, não conseguindo manter-se desperto na
dura realidade em que se projetara.
Apreciando a complexa patologia da psicólise, o homem encarnado poderá
melhor ajuizar-se quanto à gravidade de suas levianas ações ao acelerar as forças
destrutivas de sua alma. Não somente engendrando o suicídio consciente, mas se
permitindo agredir de forma insciente e inconseqüente pelo abuso de substâncias
tóxicas de toda natureza que lhe facultem, nos prazeres fugazes, a fuga de suas
insatisfações. Em que pesem todas as condições adversas que obstaculizem a plena
concretização da felicidade na Terra, nada justifica a louca desventura de se auto-
aniquilar, pois as drásticas conseqüências do ato perdurarão por prolongados
períodos, quando o autocida terá que conduzir a reconstrução de si mesmo em
longa jornada de dores e refazimentos, perturbando sobremaneira a sua carreira
evolutiva, entretecendo-a de agruras ainda maiores do que aquelas de que
intencionou fugir.
Tocamos a fronte do moribundo com nossas destras, a fim de ouvirmos os seus
pensamentos e inteirarmo-nos de suas necessidades imediatas. A desorganização da
estrutura mental era assustadora e, de imediato, percebemos vibrações enegrecidas
alargando-se como um manto lamacento, recobrindo toda a delicada tessitura
neuronal dos lobos frontais, estendendo-se pelo sistema límbico18. As meninges,
delicadas lâminas
18 Complexo sistema neuronal formado por diversas regiões do cérebro que fazem a integração entre a
emoção e o corpo físico, através do sistema nervoso autônomo. Por meio dele a vida emocional interfere,
positiva ou negativamente no funcionamento visceral e na regulamentação metabólica de todo o
organismo. Dele fazem parte o giro hipocampal, o hipocampo, o tálamo, o corpo amigdalóide e o giro do
cíngulo, dentre outras estruturas.
19 Assim é chamada a área da fala no cérebro, que na verdade não a gera, mas apenas coordena as
estruturas físicas que propiciam ao pensamento escoar-se pelas vias da comunicação sonora.
20 Hormônios produzidos pela hipófise que estimulam a produção de adrenalina pela glândula
supra-renal, substância esta necessária nos momentos em que o organismo está submetido a
alguma ameaça.
21 Região do cérebro responsável pela sensibilidade.
22 Estrutura cerebral situada nos lobos temporais, considerada a principal sede da memória e
importante componente do sistema límbico.
23 Uma das circunvoluções cerebrais, as saliências sinuosas situadas em sua superfície, localizada
em sua parte inferior e interior. Faz parte do sistema límbico, além de ser sede da olfação.
24 O nome não se refere às amígdalas propriamente ditas, os órgãos defensivos da orofaringe, mas
sim às massas de neurônios situadas internamente no cérebro que fazem parte do sistema
límbico, sendo importante centro regulador do comportamento sexual e da agressividade.
ícaro Redimido ■ 67
ablação bilateral dos lobos temporais25. Além disso, a interrupção do círculo de
Papez26 se impunha como uma necessidade defensiva contra a grave depressão e a
ansiedade desmedida.
Numa desesperada tentativa de evacuar essas energias degradadas, as células da
glia27 trabalhavam intensamente, defendendo a integridade da delicada tessitura
neuronal, com o sacrifício de seus próprios metabolismos. Captavam as emanações
pestilentas drenando-as nos vasos que se dirigem à pia-máter28, onde se
acumulavam de modo assustador. As meninges se intumesciam prenunciando os
mecanismos que levam, em etapas posteriores, ao aparecimento de processos
infecciosos, quando os bacilos patogênicos, verdadeiros lixeiros dos sistemas
biológicos, são chamados também para colaborar com a drenagem vibratória, em
suas etapas derradeiras. As energias mais sutis, no entanto, escapam a este
processo mais grosseiro de limpeza e derivam-se para os sonhos, onde são
escoadas na geração de correntes mentais atordoantes, mas capazes de lhes
consumirem parte do potencial destruidor. Por isso os pesadelos, quando não se
trata de ideações induzidas por entidades malévolas, são mecanismos automáticos
de defesa da mente ao se ver ameaçada de desorganização pelos próprios impulsos
destrutivos.
Sua consciência se enchia assim de sensações desesperantes e imagens
aterradoras, fazendo-o experimentar todas as emoções primitivas da alma humana:
uma forma de exauri-las, porém recurso de valor limitado, pois impõe ao ser uma
lamentável vivência de pânicos. Sentindo-se esmagar por situações dramáticas,
Alberto vivenciava tormentos de destruição de si mesmo, imaginando-se em meio a
tempestades, furacões e outros perigos que lhe ameaçavam o aniquilamento
completo. Um tormento mental em tudo semelhante à síndrome do pânico29,
descrito pela psiquiatria terrena. Presenciava, de fato, uma situação real de perigo
iminente e por isso todas as reações típicas do medo extremo estavam presentes,
25 Quadro conhecido na Terra como Síndrome de Klüver-Bucy, observada no homem como conseqüência
da remoção dos lobos temporais e caracterizada por alterações do comportamento, como a cegueira
psíquica e a regressão à fase oral, levando o indivíduo a colocar na boca tudo que pega, mesmo coisas
completamente inadequadas ao consumo humano. A síndrome, embora muito rara entre os encarnados,
é manifestação comum entre os suicidas em estado de consciência reduzida a limites críticos.
26 Conjunto de várias estruturas cerebrais que compõem parte do sistema límbico. Este sistema, por sua
vez, é um importante conjunto de estruturas nervosas intracerebrais que participam das emoções.
27 Ou neuróglia, conjunto de células e fibras que sustentam os neurônios no sistema nervoso central.
30 O processo de formação do ovóide, assim chamado por simular a morte para um espírito que já
adquiriu a consciência - ver glossário.
ícaro Redimido - 69
— Sim, Adelaide, somente a reencarnação — continuei-lhe o pensamento — ou
várias reencarnações em condições precárias poderão proporcionar-lhe o
refazimento do espírito. No exercício paciente de novas e dolorosas experiências de
vidas, sua trajetória evolutiva será restituída, ainda assim com graves danos às suas
conquistas atuais, que praticamente se perderão. A memória de suas últimas
experiências na carne será desfeita quase por completo, tornando-se de difícil
acesso, por se verem resvaladas para os porões ocultos do subconsciente. Pouco
proveito auferirá ele de suas últimas e preciosas lições de vida. Trata-se de um
grave dano ao espírito, minha amiga, um dos quadros mais lamentáveis que se pode
presenciar em nosso plano. Vemos, no entanto, que embora sua mente não consiga
articular palavras, seu coração irradia uma silenciosa e desesperada súplica a Deus,
seu último refugio. Esses sentimentos sustentam o seu sistema circulatório, apesar
do caos orgânico, dotando-lhe de alguma capacidade de reação. Aí reside um
pequeno potencial de resposta que temos de aproveitar, agindo rapidamente. Resta-
nos ainda um último recurso, vamos recorrer à Embrioterapia sem demora. Não há
outro caminho.
A janela deixava-nos entrever os alvores da aurora prenunciando um novo dia,
ofuscando com miríades de matizes pálidos o manto de estrelas que rapidamente se
esmaecia no veludo purpúreo da abóbada celeste. O encanto do momento ensejava-
nos a presença do Divino e recolhemo-nos em sentida prece ao Senhor da vida,
para que nos ajudasse a realizar algo em favor daquele desventurado suicida.
Nossos corações se inundaram de sentimentos elevados, que, recaindo sobre ele, o
apaziguaram momentaneamente. A fim de prepará-lo para breve incursão na carne,
acomodamo-lo na câmara de restringimento, disponível para este fim e, sem
demora, demandamos o Departamento de Embrioterapia.
70 - Gilson T. Freire/Adamastor
No Departamento de
Embrioterapia
ícaro Redimido - 71
Rumando para o outro extremo de nossa colônia, o ambiente paulatinamente se
modifica, enriquecendo-se de jardins acolhedores, árvores frondosas, fazendo-se
mais presentes as irradiações solares, tão salutares para a vida do ser, em qualquer
nível em que se manifeste em nosso orbe. A Casa de Apoio encontra-se no limiar
do Vale, recebendo ainda de forma expressiva a sua influência vibracional, pois os
enfermos ali acolhidos necessitam de uma ambientação progressiva. Poderíamos
compará-los àqueles que, vivendo nas trevas, para retornarem à luz do dia,
precisam de paulatina adaptação à claridade a fim de não se enceguecerem. Por isso
esse nosocômio não conta com proteções seguras contra as vibrações do Vale e
seus ambientes são um tanto quanto lúgubres e sombrios. Suas construções são
rudes e seus jardins, áridos, embora o ambiente se faça acolhedor e confortável em
comparação às cavernas e charcos de onde a maioria procede.
Adentrando os portões do Departamento de Embrioterapia, Adelaide admirava-
se de seus ricos e floridos jardins, uns dos mais belos de nossa colônia. Seguíamos
por uma larga passarela ornamentada de flores, onde podíamos admirar uma série
de estátuas situadas a distâncias regulares, representando as sete etapas principais
da embriogênese. A primeira delas mostra uma mórula, uma massa de 16
blastômeros, desenhada em minúcias, marco inicial do desenvolvimento
morfogênico. Seguem-se esmeradas reproduções das demais fases embrionárias, na
exata seqüência de seus desenvolvimentos, cópias perfeitas de suas congêneres
vivas, talhadas em substância vítrea, deixando entrever em seus interiores todos os
seus ricos detalhes anatômicos. Todas elas, ademais, emitem vibrações sonoras de
delicada composição musical, a se difundirem por todo o ambiente. A última, no
entanto, nos desperta especial atenção, uma das mais belas esculturas de nossa
colônia: dois vigorosos braços de mármore, saídos da rocha bruta, sustentam no
alto um bebê humano, recém-nascido, ainda com o cordão umbilical pendente,
estampando na face um meigo sorriso para a vida, no lugar da habitual expressão de
dor. Um receptáculo, à feição de uma concha uterina, envolve-a em delicado
espelho d’água, refletindo-lhe a beleza no líquido cristalino. Realmente uma linda
construção capaz de suscitar admiração a quantos dela se aproximam, despertando,
não somente os sentimentos de maternidade e paternidade, mas sobretudo a
gratidão pelas dádivas do processo reencarnatório.
Adelaide estacionou-se, extasiada, diante do magnetismo da obra. Desejava
beber-lhe as sutis emanações e fazer embalar sua alma nos doces sentimentos da
maternidade terrena, bênção incontestável do Pai, através da qual somos partícipes
de Seu sagrado ato de criar.
72 - Gilson T. Freire/Adamastor
—Esta é uma das mais famosas estátuas de Portais do Vale— expliquei ante o
emudecimento da irmã. — Chama-se Esperança e representa os sentimentos do
suicida perante a vida, que lhe brinda com novas oportunidades de refazimento,
através da bênção da reencarnação. Quase sempre o retorno à carne dentre os
suicidas se faz em estágios dolorosos, em corpos deformados e através de
embriões frustros, abortados na primeira oportunidade, quando não são cruelmente
expulsos por mães que não lhes toleram as emanações negativas. No entanto, o
sorriso desta criança guarda a esperança em futuros renascimentos saudáveis e
felizes. Diante deste monumento muitos se emocionam, ansiosos pelo retorno ao
ritmo natural da vida.
— São realmente emocionantes e nos retiram vibrações do mais fundo da alma
— respondeu, enfim, a amiga, ao lhe cessar o influxo vibracional de sadia
emotividade.
Examinando essas estatuetas nos perguntamos como pode o homem moderno
se convencer de que as formações embrionárias são meras construções de forças
casuais da carne. Absurdo igual seria afirmarmos que essas estatuetas são produtos
de encontros fortuitos das substâncias que as constituem. As estruturas
embrionárias são resultantes de cálculos precisos que prevêem com exatidão
detalhes que desconhecemos. As células germinativas não detêm um
conhecimento de conjunto para levar a efeito tamanha sabedoria. Tal não se pode
exigir de uma unidade celular ou mesmo do código da vida, o DNA, mero registro
de moldes protéicos. Há necessidade de uma fonte diretora e unificadora de
propósitos, que conheça a finalidade e o resultado final da construção levada a
efeito. Imaginar o contrário seria o mesmo que admitir que bastaria ajuntar os
materiais formativos de uma casa para se obter a sua perfeita edificação, sem a
necessidade do arquiteto e dos executores da obra. Por isso é muito mais lógico
compreendermos que as células físicas são meros tijolos posicionados pela
sabedoria formativa do espírito; este, sim, o verdadeiro artífice do edifício
orgânico sob a orientação divina.
— Estes monumentos guardam o propósito de prepararem o visitante para
adentrar-se no sagrado ambiente do Departamento, suscitando-lhe o respeito pela
magnitude da vida—prosseguia. — Entretanto, esta última funciona também como
um coletor vibracional. Todos os visitantes que por aqui passam, deixam aos seus
pés as mais santas emoções da maternidade, impossíveis de não serem suscitadas.
Energias emocionais que são colhidas a fim se servirem à reencarnação de muitos
espíritos infelizes, desprovidos de suficiente força vital para se sustentarem na
carne.
ícaro Redimido - 73
Atrás desta última estátua, abre-se um admirável e sereno lago, tendo em seu
centro as construções do Departamento. Árvores frondosas e floridas contornam
todo o lago, tecendo verdadeira coroa de flores ao seu redor.
— Aqui, Adelaide — continuei, diante da amiga ainda extasiada — estamos
em um Departamento que necessita de defesas seguras contra as emanações que se
irradiam do Vale, pois acomoda os suicidas em interregnos reencarnatórios,
quando se acham extremamente suscetíveis às emanações do mal, desguarnecidos
de suas proteções naturais. Poderíamos dizer que aqui os espíritos se encontram
quase nus, desvestidos de suas habituais roupagens. Não, não pense que os
veremos em forma pura — adiantei-me ao perceber-lhe o pensamento assustado —
o espírito puro não existe ainda no plano evolutivo em que vivemos. Na verdade
continuam revestidos de material orgânico, porém bastante tênue e instável.
Acalme-se! Vamos visitá-los e logo você compreenderá melhor.
O lago atua qual malha absorvente de eflúvios, particular propriedade da água,
como sabemos. As árvores ao redor são cerejeiras mantidas em permanente estado
de floração, cujo viço branco também guarda especial absortividade das irradiações
do pesar. As melodias, permanentemente irradiadas das estátuas, funcionam como
um manto musical abafador das emanações do desespero e da insegurança,
neutralizando com eficiência seus efeitos perturbadores. O visitante, no entanto,
que aqui chega ainda portando sentimentos pesarosos é impedido de atravessar a
ponte que leva ao interior do Departamento, devendo aguardar ou retornar desse
ponto. Espíritos lúgubres, repletos de negativismos, não podem adentrar neste
ambiente e, por isso, a vegetação aqui não lhes sofrendo as influências nefastas,
detém especial exuberância, sendo até mesmo mais expressiva do que a do nosso
Templo Central, onde todos têm natural acesso.
Três enormes edifícios em forma de cúpulas erguem-se na pequena ilha rodeada
por águas puras e mansas. No centro uma torre pontiaguda, vítrea, como uma
espícula, erige-se para o alto, emprestando à arquitetura um aspecto futurista.
Entramos em um imenso salão onde vários operários transitavam e procuramos por
Fausto, o interlocutor direto de nosso trabalho. Expusemos-lhe a situação de
Alberto e ele se prontificou a agilizar os procedimentos habituais mediante a
urgência do caso. Recorreria prontamente a informações superiores, estabelecendo
o plano de tratamento e, em breve, os contatos necessários com os envolvidos
diretamente no processo seriam levados a efeito.
Alberto foi imediatamente transferido para o Departamento a fim de se agilizar
o seu preparo, dando-se prosseguimento ao seu restringimento,
31 Termo de origem espiritual oriundo de psicólise, já definido, significando aquele que no mundo
espiritual continua se autodestruindo, o suicida do espírito - ver glossário.
32 Aquele que comete autocídio, o mesmo que suicídio.
ícaro Redimido - 75
como uma desembocadura para os seus impulsos negativos. Tudo isso faz da
embrioterapia o melhor remédio para o suicida, indispensável, na maioria das
vezes, à sua recuperação.
— Mas para isso, então, a embrioterapia deve contar sempre com mães
dispostas ao sacrifício. Será sempre possível encontrá-las receptivas, acolhendo em
suas intimidades entidades tão desequilibradas?
— Isso requer cuidadosas considerações. Na verdade, as mães nem sempre se
acham, de fato, dispostas a esse sacrifício e quase sempre a prova lhes é imposta
por deméritos. Trata-se, comumente, de mulheres que realizaram abortos em outras
existências e não detêm condições saudáveis para o pleno desenvolvimento fetal.
Trazem lesões energéticas no aparelho reprodutor, tornando-as incapazes de
saudável sustento ao embrião, servindo então para a reencarnação de espíritos
igualmente lesados, como os suicidas. Outras são mulheres levianas, que praticam
o sexo descompromissado, guardando natural aversão à gravidez, com firme
disposição à prática do aborto criminoso. Não somente mulheres, mas homens
frívolos em busca dos prazeres fáceis, que também são chamados à
responsabilidade pelos seus atos. Neste caso a prova lhes é imposta pelas Leis
Divinas, que acomodam aqueles que negaram a existência junto àqueles que
também lhes recusam o nascimento. São fatos que servem como recursos
terapêuticos para todos os envolvidos, chamando a atenção daqueles que lidam com
o sexo como se fosse mero veículo de prazeres e ensinando a outros a valorização
da vida. Assim funciona a Medicina da Lei, que a tudo condiciona de modo que
nada exista sem objetivos sublimes e até mesmo o Mal encontre realizações no
Bem.
Os protagonistas do processo, no entanto, não são escolhidos ao acaso. O
Departamento de Embrioterapia se encarrega da cuidadosa seleção daqueles que
irão receber o suicida. Normalmente exige-se a existência de relações entre os
envolvidos, pois dificilmente um espírito é aceito para a reencarnação sem o
consentimento, mesmo inconsciente, de seus pais. Essas relações são
cuidadosamente estudadas, buscadas muitas vezes no passado, para que o processo
se faça alicerçado na lei de causa e efeito e redunde em proveito para todos. Sem
que essas interações se estabeleçam, suas chances de êxito se tornam muito
reduzidas.
Importa ainda considerar que o organismo materno está, até certo ponto,
defendido do alto poder destrutivo das energias fetais degradadas, pois a natureza
lhe dotou de um dos mais qualificados mecanismos de defesa contra tal potencial
desorganizante: a placenta. Esta é, seguramente, o mais eficiente instrumento
biológico de adstringência vibracional que se conhece. Ao mesmo tempo em que
nutre o reencarnante e recolhe
ícaro Redimido - 77
aparência de fetos dismorfos36, fenômeno aqui chamado de embriomorfia.
Percebendo a extrema curiosidade da irmã, convidei-a para uma rápida visita à
Câmara dos Embrióides, como também são conhecidos os embriomorfos, a fim de
que pudesse avaliar a delicada condição desses espíritos. Mediante autorização,
penetramos assim a referida enfermaria. Enorme sala acomoda pequenas câmaras
semelhantes às estufas existentes na Terra, onde se abrigam os recém-nascidos.
Fios quase invisíveis pendem do teto, conectando-se a estes pequenos cestos.
— São todos espíritos suicidas, assistidos pela nossa colônia — explicava à
Adelaide. — Passaram por uma primeira encarnação a fim de se refazerem da
louca desventura da autodestruição. Estes embrióides, no entanto, participaram de
encarnações malogradas, pois não detiveram suficientes impulsos vitais para se
sustentarem na carne. Poucos, entretanto, evoluíram até a expulsão espontânea,
sendo a maioria vítima do aborto criminoso.
De modo geral estes espíritos desencarnam com reduzido potencial
expansionista e por isso não estabelecem adequada histogênese perispiritual,
aprisionando-se na forma física embrionária detida. Muitos trazem os sinais das
teratogenias37, impostas na carne, pelas suas vibrações deletérias e outros ainda se
deixam impregnar pelas lesões próprias do abortamento instrumental. Assim
permanecerão até que novas oportunidades reeencarnatórias os libertem do
aprisionamento da forma. Sob os cuidados de dedicados colaboradores
permanecem aqui, aguardando as bênçãos de novas reencarnações. Suas
necessidades de sustento são muitíssimo reduzidas e consistem praticamente de
calor e vibrações, principalmente aquelas oriundas da maternidade. Os fios
pendentes do teto trazem estas emanações, colhidas de diversas origens, como
pensamentos de familiares distantes, preces de entes queridos e energias colhidas
em reuniões de intensificação vibracional, sessões levadas a efeito pelo
Departamento, com este fim.
— Quer dizer que os sentimentos maternais que a estátua suscitou-me estão
sendo empregados aqui, neste momento? — Lembrou a amiga, admirada.
— Sem dúvida. E muito bem aplicados!
Convém esclarecer que o Departamento acomoda somente os embrióides
oriundos do Vale, enquanto outros, não suicidas, encontram assistência em
diferentes colônias do mundo espiritual. Existem ainda
36 Sem forma.
37 Desenvolvimento fetal em formas monstruosas.
ícaro Redimido - 79
rápido possível, se puderem, a fim de minorarem seus compromissos diante da
vida.
— Nosso Alberto corre o risco de se estacionar na embrio-morfia, neste caso?
— perguntou, preocupada, a amiga.
— Sim, não conhecemos ainda o seu potencial moral, mas mesmo que ele se
aprisione na embriomorfia, sua condição será muito melhor do que na
pseudomorte ovoidal e seu tratamento será muito facilitado. A ovoidização é
patologia muito mais grave e significa perda evolutiva muito mais expressiva do
que a embriomorfia. Os embrióides detêm mais rápido potencial curativo e muitos
conseguem se desenvolver completamente até a forma adulta, mesmo no Plano
Espiritual, sem passar por imediata reencarnação.
80 - Gilson T. Freire/Adamastor
Na Câmara dos Ovóides
ícaro Redimido - 81
em sua forma final, assemelhando-se a uma mórula embrionária agigantada, pois
guarda dimensões que variam entre as de uma laranja e as de um crânio de recém-
nascido. A alta densidade da psicosfera39 envolve-o em uma névoa, tornando-lhe os
contornos imprecisos e emprestando-lhe um aspecto gelatinoso, como os
embrióides. Sua membrana externa acinzentada, à semelhança da mórula, apresenta
desenhos losangulares arredondados.
Toquei de leve a fronte de Adelaide de modo a permitir-lhe uma visualização
mais abrangente do estranho ser sob nossa respeitosa análise. Abaixo da membrana
protetora, podíamos vislumbrar os vasos sanguíneos com pulsões quase
imperceptíveis, denotando-se-lhe a fraca atividade vital. Os órgãos internos se
apresentam reduzidos em suas formas embrionárias. A bomba cardíaca bate
fracamente em sístoles frouxas, intercaladas por longas diástoles. Sua anatomia
está regredida ao coração dos répteis, apresentando quatro câmaras incompletas,
formadas por dois átrios e um só ventrículo parcialmente dividido. O sistema
nervoso também se acha retrocedido aos primórdios de seu desenvolvimento
embrionário, mostrando-se como o arquencéfalo, o cérebro primitivo, constando de
um tubo neural dividido nas três vesículas encefálicas primordiais. Os doze pares
de nervos cranianos e suas formações ganglionares, no entanto, acham-se
presentes. Sua temperatura é instável, variando com a do ambiente, mantendo-se
menos de um grau acima deste.
— Estes cistos humanos, assistidos por dedicados enfermeiros espirituais,
estão em permanente sono estivai, quais os animais hibernantes
— disse a Adelaide. — O pensamento contínuo está neles detido
momentaneamente e não há registro sequer de sonhos. O fenômeno aos nossos
olhos demonstra, sem sombra de dúvidas, que o encistamento não é unicamente um
patrimônio dos animais inferiores. O longo letargo lhes permite a espera por
melhores condições de vida e, dessa forma, podem resistir às situações adversas do
ambiente espiritual em que se projetaram.
Importa ainda considerar, junto ao estudioso, que a ovoidização, embora pareça
exótica aos nossos olhos, não se trata de uma aberração biológica completamente
estranha à natureza do ser. Foi e continua sendo um procedimento vitorioso nos
reinos inferiores da existência, arquitetado pelo princípio inteligente com o fim
precípuo de se resguardar, diante de condições adversas de vida. Aparentemente foi
abandonado no plano carnal, à medida que este evoluiu e desenvolveu organismos
mais
ícaro Redimido - 83
quesitos que seguramente não trazemos no momento. Há necessidade de sintonia
para que a parasitose se instale em qualquer nível em que se manifeste, pois vítima e
algoz sempre se unem mediante anuência da Lei de Deus. Observe, no entanto, que
o ovóide possui um lentíssimo movimento pulsátil, que é a sua respiração, na razão
de um ciclo completo a cada dois minutos, aproximadamente, na mesma freqüência
das vibrações que está absorvendo neste instante. Este movimento cessa por
completo, uma vez que não esteja se alimentando. Ele absorve, neste momento,
nossas emissões de simpatia, como podemos notar pela ligeira sensação de frio nas
pontas de nossos dedos, ao lhe aproximarmos nossas mãos. No mundo subumano
das Trevas, no entanto, eles são temidos e usados como verdadeiras armas de
persuasão por espíritos com intenção de domínio, que podem aplicá-los tanto em
encarnados quanto em desencarnados e por isso os ovóides são muito procurados
por estes infelizes. Uma triste realidade de nosso mundo, minha amiga.
— É assustador, Adamastor, observarmos como pode degenerar a alma
humana. Um ser superior transmudado em uma massa embrionária disforme,
perdendo completamente a configuração já conquistada. Isso me deixa pasma
diante da possibilidade da regressão.
— Nossos amigos na carne costumam suscitar controvérsias diante do ovóide,
detentor de nítido processo retroativo da forma, por não terem compreendido muito
bem a revelação que parece formalmente contestá-la. Aqui o fenômeno da
degradação está patente aos nossos olhos e todos os dias o constatamos em nossos
assistidos, portanto não podemos mais lhe negar a veracidade. Sabemos, contudo,
que o patrimônio evolutivo já conquistado pelo ser continua retido como potencial
e na verdade não se perde. Porém, não há dúvidas de que as forças involutivas da
contração foram colocadas em funcionamento pela alma doente, que requererá
imenso esforço para se recuperar, retardando sobremodo o seu progresso. De forma
que não podemos mais duvidar da possibilidade de regressão, representando, sem
dúvida, o maior dano que o espírito é capaz de se infligir. As grandes quedas
morais do ser em evolução são sempre possíveis, desencadeando movimentos
retrógrados para si mesmo, até que este atinja os patamares da sublimidade, de onde
se torna improvável resvalar-se novamente para os abismos do mal e da revolta.
Enquanto isso for possível, permite o Senhor a liberdade de se rebelar contra Suas
Leis; destarte, tais graves erros recorrerão sempre em forma de prejuízos evolutivos
para quem os pratica, única forma de se coibi- los, ensinando, com isso, a não mais
exercê-los.
40 Ver glossário.
41 Gravidezes que ocorrem fora do útero, freqüentemente na tuba uterina e, mais raramente, no
ovário ou na cavidade abdominal.
42 Tumores uterinos oriundos de trofoblastos fetais defeituosos. Os trofoblastos, por sua vez são as
células que formarão a placenta.
43 Processo tumoral desenvolvido na gravidez, pela degeneração das vilosidades coriônicas, pro-
duzindo-se uma massa de cistos que lembra um cacho de uvas.
44 Defeitos na forma dos embriões.
ícaro Redimido - 85
As energias desequilibrantes da massa ovoidal são exoneradas para a carne nesses
choques biológicos, aliviando-lhes a danosa ação no perispírito. Para o espírito
nessas condições, funcionam como verdadeiros choques, quais os eletrochoques da
psiquiatria, levados a efeito com o mesmo propósito de despertamento da
consciência adormecida na loucura. Irão refletir no espírito como salutar impulso
de refazimento, invertendo, como já vimos, o impulso contrativo do encistamento
ovoidal.
Cabe ainda considerarmos que existem ovóides, tão intensamente atados aos
seus hospedeiros desencarnados, que reencarnam jungidos a eles, produzindo
estranhas enfermidades para a análise dos estudiosos do mundo, como o cisto
dermóide, uma malformação embrionária, descrita pela patologia humana, rara e
incompreensível. Esta evidente comprovação da existência do ovóide consiste num
exótico tumor cístico, que se desenvolve de forma anômala na região frontal
daquele que o transporta, formado por uma pele envolvendo uma massa de restos
embrionários em estado rudimentar, onde se nota a presença de pêlos, glândulas
sebáceas e sudoríparas, cartilagens, ossos e dentes, demonstrando que, junto com o
hospedeiro, o ovóide submeteu-se a caótico ensaio de desenvolvimento
embrionário. Nosso conhecimento da perfeição das Leis Divinas obriga- nos a
inocentar a natureza pela produção dessas estranhas patologias, sendo o próprio
espírito caído o único artífice dessas graves desarmonias.
Adelaide dava-se por satisfeita e era forçoso terminarmos nossas observações,
finalizando a proveitosa visita ao Departamento. Respeitosamente deixamos a
enfermaria com a esperança de que o homem terreno aprenda definitivamente a
valorizar a existência e a se deixar conduzir pelo amor, a fim de que as aberrações,
sob as nossas vistas, deixem definitivamente de macular as paisagens divinas da
vida.
— Não terminamos nosso trabalho, em absoluto, Adelaide — disse à amiga
que acreditava estarmos encerrando ali nossa tarefa, ao entregar Alberto aos
cuidados do Departamento. —Quando assumimos uma tutela, responsabilizamo-
nos pela sua completa execução. Podemos nos servir da ajuda de outros tarefeiros,
mas trabalhamos com um modelo de assistência integral, há muito adotado em
nossa colônia. Acompanhamos nosso enfermo até que ele se veja capaz de
caminhar por si mesmo. Enquanto não terminamos essa tarefa não passamos
adiante. Tal roteiro de serviço pressupõe o contato com várias atividades
assistência is, que nos levam à dilatação do conhecimento em um sentido unitário e
global. Afastamo-nos assim da assistência estritamente especializada ainda em
curso na Terra, forma eficaz de trabalho, mas que nos distancia da visão
86 - Gilson T. Freire/Adamastor
de conjunto, tão necessária ao nosso crescimento. É certo que, em diversas
circunstâncias, necessitamos de conhecimentos especializados, como agora, mas
somos forçados a acompanhar de perto o processo e com ele crescemos na assistência
integral. Outrora funcionávamos no modelo terreno, onde cada especialista tratava de
uma particularidade do enfermo, mas se perdia o contexto global de suas
necessidades, e ninguém terminava por se responsabilizar por ele. Por isso nossos
dirigentes nos trouxeram esta outra forma de intervenção muito mais eficiente, capaz
de nos atar aos destinos do assistido, de nos fazer envolver afetiva e efetivamente
com ele, incentivando-nos a lutar verdadeiramente pela sua recuperação. Na Terra,
com muita propriedade se diz que o doente que tem muitos médicos; na verdade, não
tem nenhum. Isso é exatamente o que conseguimos evitar. Por isso, todos estes
embrióides e ovóides, além da carinhosa assistência que aqui recebem de enfermeiros
especializados, têm todos os seus tutores zelando de perto pelos seus destinos. Assim
funciona a misericórdia de Deus, que assiste o homem através do próprio homem.
Deixamos o Departamento com o compromisso de nos encontrar, no momento
aprazado, com os encarnados que seriam envolvidos no processo de auxílio ao nosso
amigo.
ícaro Redimido - 87
Catherine Lyot
“Aquele dentre vós que está sem pecado seja o primeiro que lhe atire uma pedra. ”
Jesus - João, 8:7
ícaro Redimido - 89
Não a tratemos com a hipocrisia dos homens, que usam de palavras condenatórias
e atitudes de menosprezo, como se lhe fossem superiores, pois não temos esse
direito. Sabemos pouco de seu passado, porém, embora identifiquemos nesse
momento a sua condição de hetera45, no exercício de execrável proxenetismo46,
estejamos cientes de que se trata de valoroso espírito, antiga monja, desviada de
suas intenções na presente encarnação. Esconde por trás desta sua aparência de
requintada mulher da vida uma alma aflita e vazia, profundamente sofrida, pois
sabe que este não é o destino para o qual renasceu. Entregou-se à prostituição ainda
na França, de onde vem. Sua família faliu nos negócios, após o falecimento de seu
pai e ela, renegando-se a viver na simplicidade, preferiu prostituir-se, explorando
seus dotes de refinada beleza. Seus entes queridos a repudiaram por isso e, para
não cair no descaso, preferiu partir para longe unicamente com o propósito de
enriquecer e reconquistar a posição social perdida em seu país de origem. E aqui já
se firmou como pessoa de prestígios e dotes de conquistas fáceis, embora,
naturalmente, desperte profunda aversão e inimizade nas pessoas que se
consideram na posição de moralistas. Especializou-se em servir os senhores mais
abastados dessa sociedade fútil e com isso acumula bens que lhe conferem
respeitável situação econômica. É a dona desta casa e arregimenta jovens para o vil
comércio do sexo, às quais explora. Eis o triste cenário tecido pela nossa
desventurada amiga, palco de nossos trabalhos, mas o Senhor está conosco do
mesmo modo que está no coração dessas infelizes. Naturalmente não podemos
apoiar esse abjeto negócio, porta para profundas dores da alma, mas como já nos
asseverou o Mestre, não temos o direito de atirar-lhes as pedras da condenação.
São apenas irmãs trêfegas, esquecidas de que são feitas de substâncias divinas,
merecedoras de nossos melhores sentimentos.
De imediato percebemos que o pensamento de Heitor, o amigo que nos
acompanhou nas Cavernas, se fazia presente em forma de ondas de reconfortante
apoio, indicando-nos que liames do coração o uniam à amiga sob nossos olhos.
Respeitosamente oramos em silêncio para que Jesus nos abençoasse a empreitada e
algo nos permitisse realizar em seu benefício.
Catherine dirigia-se aos seus aposentos a fim de se preparar para mais uma de
suas costumeiras noites. Duas entidades femininas, vestidas de
45 Termo que na Grécia antiga designava a mulher dissoluta, sendo empregado comumente para caracterizar
uma prostituta elegante e distinta.
46 Ato de servir como mediador à libidinagem alheia, favorecer a prostituição, manter prostíbulos ou ter
lugar destinado a fins libidinosos.
ícaro Redimido - 91
— São crianças inconseqüentes, meus amigos — dizia Fausto. — Deixam-se
inebriar pelas emanações das fantasias sexuais de nossa imprudente amiga, nas
quais não somente se comprazem, como também se alimentam. Não podemos
afastá-las daqui, pois estão imantadas ao ambiente. Como podem perceber, na
aparente privacidade deste quarto, pratica-se realmente um abjeto sexo em grupo.
Todos aqueles que se deixam macular pelos prazeres mundanos deste tipo de
erotismo, onde não imperam os valores da afetividade, do respeito mútuo e da
responsabilidade, vêem-se obrigados a compartilhar com seres das sombras suas
sagradas energias sexuais. Se os humanos pudessem observar esta triste realidade,
enojar-se-iam dessa prática que repugna tanto quanto a assistir a loucos
deleitarem-se em uma pocilga sem se dar conta do fato. Um dia os homens
aprenderão que o sexo deveria ser um ato tão sagrado quanto uma prece.
Fausto tocou carinhosamente a fronte de Catherine e lhe pediu o recolhimento
das idéias em jogo, sugerindo-lhe a figura paterna a quem muito se afeiçoara.
Sabia que a lembrança do genitor há muito tempo desencarnado impor-lhe-ia
salutar sentimento de culpa, chamando-lhe a atenção para as responsabilidades da
vida. A irmã, imediatamente abrindo uma das gavetas da penteadeira, pousou os
dedos sobre uma foto antiga onde se adivinhava a imagem do pai e deixou que
grossas lágrimas lhe corressem pela face ricamente maquiada, suplicando
mentalmente pelo perdão. Energias de profunda amargura lhe surgiram nos centros
cerebrais da emotividade em direção à região cardíaca. Fausto, adestrado no
manejo das forças vitais, desviou a corrente, concentrando-a em uma das têmporas
de nossa irmã. Notamos que, de imediato, aí se iniciava um processo de dilatação
das artérias temporais. No mesmo instante Catherine levou seus dedos na referida
região, sentindo que se lhe ameaçava uma de suas terríveis crises de enxaqueca.
— Aproveitemos o valor da enfermidade que os homens costumeiramente
amaldiçoam — disse o amigo. — Sentimos ter que lhe desencadear essas dores,
mas lhe são benfazejo freio aos desgastes inconseqüentes de forças que lhe roubam
preciosos recursos de equilíbrio. Embora nos pareça um estranho paradoxo, a
saúde precisa da doença para se realizar, pois é a única linguagem a que o homem
terreno sabe obedecer, ignorante ainda das leis do equilíbrio que lhe regem o bem-
estar orgânico.
Não demorou muito e víamos a decepção na face dos espíritos obsessores, ao
notarem que sua parceira de prazeres se atirava na cama, meio combalida e
desalentada.
47 Mateus 17:17
ícaro Redimido - 93
— Precisamos afastá-lo para que não nos obstaculize os serviços da noite—
pedia Fausto, que continuava a operar o plano mental de Catherine, diligenciando
adormecê-la.
Intentava, inutilmente, apaziguar o companheiro imprudente, quando um
robusto marinheiro, ciente do que se passava, reprimiu-o indignado, dizendo-lhe
que se acalmasse, pois “madame Catarina” não era propriedade dele. Foi o que
bastou para que os dois se encarassem, ameaçando se engalfinharem em
animalesca luta. Acorreram-se todos a fim de se evitar o pior, enquanto os
espíritos, sedentos de emoções vis, exasperados, procuravam excitar ainda mais os
ânimos, desejosos de presenciar os sabores dos embates humanos. Rosa ameaçou
sair para chamar a polícia, o que acalmou Abelardo que finalmente consentiu em se
retirar, não sem antes constatar que Catherine estava realmente sozinha. Ela não
tivera força sequer para levantar-se e acalmar a situação, apenas acenou de longe
para o seu preferido, serenando-o. Sendo atendido, retirou-se o jovem, contrafeito e
ofendido. Decepcionados, os espíritos levianos retornaram às motivações de seus
prazeres e a casa voltou à sua rotina. Com grande alívio agradecemos a Deus pelo
bom desfecho da situação que poderia ter prejudicado nossos planos, adiando ainda
mais o socorro a Alberto, já sem condições de aguardar mais tempo para o ingresso
na carne.
Catherine, após acessos de vômitos, sentiu esgotar suas forças físicas e
finalmente adormeceu. Os obsessores, vendo que nada mais conseguiriam,
deixaram-na sozinha e, sequiosos de prazeres, saíram em busca de outros repastos
para seus ignóbeis regalos. Finalmente o ambiente se acomodou em um pouco de
sossego e pudemos entretecer um escudo magnético em torno de seu leito,
higienizando um pouco a sua envilecida atmosfera vibracional. Desprendendo-se
do corpo físico, sentia-se envolvida por eflúvios de inefável paz jamais aspirados.
Enquanto Fausto se retirava, demandando outros afazeres, operávamos o campo
visual de Catherine para que ela pudesse nos perceber e entretivesse conosco algum
diálogo. Ao divisar-nos, prostrou-se de joelhos, acreditando-nos enviados do Céu.
— Anjos de Deus, não me mandem para o inferno — dizia, em choro
veemente, revelando sua consciência profundamente ferida pelos exaltados
sentimentos de culpa.
— Levante-se, irmã, somos apenas seus amigos, não somos enviados do Céu e
sequer estamos aqui para lhe condenar por qualquer atitude que seja — respondi-
lhe, procurando acalmá-la. — Contenha seu pranto e procure orar a Jesus para que
sua alma se refaça na paz que a envolve.
ícaro Redimido - 95
assim, difícil a oferta do perdão sincero. Promete-me que abandonarás a estrada de
devassidão em que transitas, e então moverei os Céus e a Terra para trazer-te a
felicidade que almejas.
— Dá-me forças para isso, meu pai. Não quero mais a penúria do pecado que
me sufoca o coração, mas não tenho outros caminhos por onde transitar. Ajuda-me,
pai querido... perdoa-me... — suplicava em plangente preito, domada pela comoção
intensa que lhe eclodia da alma dorida.
— Há um meio de desvencilhar-te do atoleiro em que te chafurdas, minha
querida. Vês os espíritos amigos que te amparam neste momento? Eles te trazem
um filho como dádiva preciosa do Céu, e com ele, uma esperança de redenção.
Aceita de bom grado o presente de Deus e tua vida se transformará...
— Pai, o que me pedes não posso aceitar, não sou digna da maternidade...
trago o seio enodoado de culpas e vícios...
— Teu empenho sincero na reforma íntima e a dedicação ao bem serão o
bastante para te incendiar de luzes, acendrando-te as nódoas do pecado, filha. Abre
o coração e aceita, apenas isso te pedimos.
Nesse momento, Fausto ofereceu-lhe formoso bebê, entretecido em linhas de
forças ideoplásticas, cópia viva e perfeita com a finalidade precípua, não de
ludibriá-la, mas para que se sedimentasse em sua obnubilada mente o realismo do
ato como se fazia necessário.
Diante da oferta, Catherine, desfeita em lágrimas, motivada por sublime
sentimento maternal e sentindo-se aliviada por merecer a consideração daqueles
que imaginava enviados dos anjos, abriu as portas de seu coração, estendendo os
braços para receber em seu regaço a messe divina.
Conduzimo-la ao corpo físico, a fim de permitir-lhe recuperar-se das intensas
emoções vividas e pudesse guardar reminiscências claras dos momentos vividos.
Despertando, plangia entre comovidos soluços, sentindo ainda a presença do filho
no colo e a figura do pai querido, reais e vividos na memória. Após breve intervalo
em que lhe permitimos sedimentar os ensinamentos recebidos, induzimos-lhe novo
sono reparador, a fim de encerrarmos a tarefa. Fausto, por meio de delicadas
operações magnéticas, fixava Alberto, miniaturizado em encistamento perispiritual,
na cavidade uterina de nossa amiga, onde permaneceria, ambientando-se nas
energias maternas, à espera do primeiro óvulo fecundado em processo de nidação48.
— Terminamos por ora nossa tarefa, amigos, podemos partir — disse
96 - Gilson T. Freire/Adamastor
Heitor. — Agradeçamos a Jesus a proveitosa noite de trabalho. Temos a esperança
de que nossa irmã encontre a sua redenção, mediante o processo doloroso que a
espera. Sabemos o quanto lhe custará, não somente mudar de vida, mas ainda viver
a frustração do filho que não virá. Estejamos, no entanto, felizes, confiantes e
cientes de que a sabedoria da vida opera o espírito através da dor, alavanca
indispensável ao nosso progresso, rumo à angelitude.
— E quanto ao pai, não precisamos de sua anuência no processo? —
interrogou Adelaide.
— O pai será apenas o portador dos recursos biológicos para o processo
reencarnatório e não lhe solicitaremos responsabilidades de que sabidamente não
poderá, em absoluto, dispor. Uma prostituta grávida dificilmente terá o
reconhecimento da paternidade no mundo de nossos dias, minha amiga. Não nos
iludamos. As sábias leis da vida, no entanto, registrarão o dolo e o cobrarão de seu
protagonista no momento devido, estejamos cientes disso — respondeu Heitor com
criterioso bom senso.
— Tampouco precisaremos estar presentes para a eleição da carga genética
mais conveniente ao nosso amigo em trânsito na carne? — insistia Adelaide com o
fito de se educar na ciência da assistência espiritual.
— Neste caso, o processo irá decorrer de suas próprias leis de atração, pois
nosso Alberto não precisará contar com um organismo aprimorado para dar
cumprimento às finalidades de sua reencarnação. Não pelo fato de estarmos diante
de um suicida que, por isso, desmereça maiores cuidados, mas porque sabemos que
será impossível impedir que estampe nas células embrionárias as malformações
oriundas da autodestrutividade alimentada, tornando-as inviáveis. Infelizmente foi
o que semeou o nosso amigo, e será o que irá colher — esclareceu Heitor,
prestimoso, para o aprendizado de minha pupila.
Acalmando as ansiedades da irmã, anuí:
— Não se preocupe, acompanharemos de perto a incursão de Alberto na carne,
permitindo-lhe a observação mais acurada do processo.
Heitor proferiu sentida prece, encerrando os nossos trabalhos no momento.
Solicitando licença para nos deixar, retirou-se, carregando nos braços Catherine,
adormecida em espírito, a fim de propiciar-lhe breve passeio em regiões espirituais
mais elevadas, afagando-lhe a alma dorida e fatigada das agruras terrenas.
ícaro Redimido - 97
A Bênção do Recomeço
98 ■ Gilson T. Freire/Adamastor
irmã, das quais se alimentam. Na verdade, não somente aí, mas em qualquer
departamento da economia orgânica, todo processo infeccioso guarda raízes na
esfera espiritual do homem.
Em meio a vibriões, bacilos e vírus diversos, notávamos que havia um grande
predomínio dos espiroquetas sifilíticos.
— Estão perfeitamente ambientados em seu mundo energético — mostrava à
Adelaide, assustadiça. — A qualquer momento nossa irmã iria irromper-se em um
quadro de Mal de Lues49 de graves proporções. Vemos como a Providência Divina
atuou em seu favor, devido à sua anuência no auxílio a Alberto. Quem ajuda é
ajudado, assim é da Lei. Naturalmente que aqui se alojam em decorrência do
ambiente vibracional que os atrai. Não podemos deixar de compreender que todo
contágio somente se estabelece mediante um convite ao agente infeccioso,
coadjuvante da enfermidade, Adelaide. Tratemos de evacuar a carga vibratória que
os sustenta, como nos é possível, diminuindo-lhes o potencial patogênico.
Não podíamos, no entanto, simplesmente fazer evadir essas emanações
deletérias da intimidade orgânica de nossa amiga, por estarem a ela imantadas por
laços de natureza perispiritual, que somente poderiam ser definitivamente rompidos
mediante a mudança de seu padrão vibratório. Era-nos possível somente deslocá-
las dos tecidos mais internos, carreando- as para o canal vaginal onde se
acumulavam em grande quantidade.
— As células mucosas da vagina, infatigáveis trabalhadoras, irão iniciar a
produção de abundante secreção, carreando estas impurezas energéticas para o
exterior — dizia à Adelaide, ainda intimidada. — Nossa irmã irá padecer os
incômodos de incoercível corrimento, perturbando-lhe o bem-estar por muitos dias.
Será, no entanto, recurso defensivo importante para a manutenção de seu
equilíbrio. A medicina terrena ainda não se deu conta disso e trata de inibir, com
insistência, essas importunas leucorréias50 , dificultando muitas vezes o trabalho de
drenagem dos miasmas pestilentos.
Catherine de fato, em breve se submetia ao tratamento de duchas vaginais,
devido ao fenômeno que prevíramos. Um dia os médicos compreenderão que tais
enfermidades desempenham tarefas no organismo, deixando de vê-las como meras
e injustificáveis casualidades do mundo celular que devem ser detidas a todo custo.
Segundo recomendação médica, diante da providencial enfermidade, a amiga
detivera suas atividades sexuais, propiciando-nos benfazejo período
ícaro Redimido - 99
de trabalhos assistenciais. Alberto se acomodava cada dia mais em seu organismo
e seu perispírito se reduzia a dimensões unicelulares. Adelaide, admirando-se do
fato, considerou:
— Vemos que Alberto se retrai a.cada dia que passa. Não era isso o que
queríamos a todo custo evitar?
— Não se assuste, minha amiga, o processo de miniaturização perispiritual
apenas prosseguiu o seu ritmo e está finalmente chegando ao fim. Aqui ele
encontrou o seu ambiente natural e em breve o útero desempenhará a sua função,
atuando como um refletor para as energias psicossomáticas condensadas ao
máximo, fazendo-as explodirem em nova e vertiginosa reconstituição orgânica.
Observe atentamente a nova forma de seu perispírito. Assemelha-se a um funil,
uma verdadeira formação vorticosa, cujo vértice termina na dimensão unicelular.
Este ponto tocará o óvulo fecundado, envolvendo-o e aspirando-o qual fole
poderoso, estimulando-lhe a surpreendente construção orgânica, cujo crescimento
febril supera o ritmo de todas as formas vivas existentes. Estamos diante do mesmo
processo que condensa a futura árvore em uma semente, para depois, encontrando
ela o ambiente adequado ao seu desenvolvimento no seio da terra, explodir no
inopinado crescimento. O meio uterino é, para o espírito, qual o solo fecundo que
recebe e nutre a semente com os recursos necessários à sua restituição. Eis a
maravilha do renascimento, que funciona sob o império das forças de condensação
e expansão do perispírito. A contração máxima, como a vemos, era já esperada
porque Alberto se defrontou com o meio adequado para isso, e a executou
convenientemente. Se, no entanto, ele não tivesse sido acomodado no seio uterino,
aí sim, o processo lhe seria drástico, pois terminaria, como já vimos, na
ovoidização. A expansão será deflagrada no instante em que Alberto identificar a
presença do substrato masculino, necessário ao seu desenvolvimento. No entanto, é
conveniente que esse momento seja um pouco adiado, a fim de prepararmos da
melhor forma possível o ambiente orgânico de Catherine.
Notávamos em breve que a aura de Alberto lançava laços fluídicos em direção a
um dos ovários de Catherine, abraçando-o com sofreguidão.
— Embora tenha participado por incontáveis vezes de momentos como este,
não me canso de extasiar-me diante da maravilha do processo reprodutivo —
comentava, admirado, com Adelaide. — Alberto cuida, instintivamente, de
amadurecer o óvulo mais adequado às suas necessidades neoformativas. Sem o
sabermos, trazemos na memória espiritual minuciosos conhecimentos de genética e
podemos selecionar, de modo automático, a carga hereditária que mais nos convém
ao renascimento.
52 A gravidez que, de forma anormal, ocorre na tuba uterina e não no interior do útero. Exige intervenção
cirúrgica, sendo incompatível com o desenvolvimento do feto, pois pode levar a mãe à morte.
ícaro Redimido -
111
Tempestade Vibracional
“É impossível que não venham tropeços, mas ai daquele por quem vierem!”
Jesus - Lucas, 17:1
ícaro Redimido ■
145
anterior. Os arquivos mnemônicos referentes à última existência, retidos na
memória espiritual, permanecem inalterados, pois a memória somática, ainda em
formação, não é suficientemente capaz de alterar a prévia orientação das linhas de
forças morfossomáticas das malhas perispirituais. Devido a esse fato, a maioria dos
espíritos nessa condição volta ao que era antes de reencarnar. Entretanto, suicidas
com elevado grau de autodestrutividade e baixa condição evolutiva, como já vimos,
podem ficar detidos na embriomorfia pela incapacidade de acessar a memória
profunda.
Da mesma forma, aqueles que deixam a vida na primeira infância, período
considerado até os sete anos, podem retroceder à personalidade e à forma física da
encarnação anterior ou seguir na mesma linha de desenvolvimento do corpo físico,
fenômenos dependentes da capacidade de cada um em interferir no próprio destino.
Espíritos de maior gabarito evolutivo, de modo geral, reconstroem-se obedecendo
aos registros morfológicos anteriores, enquanto que aqueles de medianas
potencialidades continuam presos à memória somática e permanecem atados à
forma física infantil com que foram surpreendidos pela morte. A maioria desses
continua desenvolvendo-se e amadurecendo como se estivesse na carne, embora de
forma muito mais acelerada, atingindo o que chamamos patamar de comodidade,
quando então o espírito se estaciona até o próximo retorno à carne. Indivíduos
inseguros e temerosos comumente encontram este patamar de comodidade na
própria infância e nela se fixam, permanecendo como crianças estacionárias no
Plano Espiritual, até que nova reencarnação os tire do sonho de insensatez que
pensam desfrutar. Estes espíritos pouco aproveitam do rico estágio de vida após a
morte e normalmente reencarnam em curto período de tempo, retornando, quando
possível, ao seio familiar que deixaram na Terra.
A memória no desencarnado é muito mais passível de lesões do que no homem
terreno em decorrência da maior instabilidade das forças psicossomáticas que a
sustentam no Mundo Espiritual, destituídas do peso que a carne lhes impõe. No
entanto, é preciso considerar que o dano à memória espiritual, patrimônio
inalienável do ser, é impossível, pois esta faz parte da substância imaterial que
entretece o espírito. Somente a memória somática, sediada no perispírito, está
sujeita a prejuízos nas diversas peripécias do ser, tanto na carne quanto fora dela. O
desfecho precipitado e infeliz dos suicidas, impedindo a realização da revisão
panorâmica a contento, assim como os abruptos choques reencarnatórios das
mortes prematuras em fase embrionária, que obstaculizam a perfeita recomposição
dos registros mnemônicos, podem propiciar danos
“Alegra-te, mancebo, da tua mocidade, anima o teu coração nos dias da tua
juventude e anda pelos caminhos do teu coração e pela vista dos teus olhos; sabe,
porém, que por todas estas coisas Deus te trará a juízo. ”
Eclesiastes, 11:9
ícaro Redimido •
151
capaz de perceber os entraves ocultos dos hábitos personalísticos do enfermo,
antevendo seus erros, pois ele corre o risco de se deixar levar por caminhos
inadequados em sua recuperação. Agrada a este, de modo geral, iludir-se de que
seja vítima de injustiças e não o artífice de suas próprias dores, o que o leva, ainda
que de forma inconsciente, a ocultar as culpas e a justificar seus erros nas
inconseqüências e maldades alheias, resguardando-se assim de denegrir a própria
imagem, exaltando-se-lhe o contumaz orgulho. Eis os riscos que a ciência da
Terra, ao empreender o mergulho no passado, precisa saber evitar. Por isso o
terapeuta, qual juiz prestimoso, deve examinar antecipadamente com cuidado os
laudos pertinentes ao caso particular que conduz, resguardando-se de se orientar
pela ética errônea de seu paciente e de assumir equivocados julgamentos das
tramas engendradas por ele.
A lei de causa e efeito deve ser chamada a justificar as dores encontradas,
mostrando ao enfermo sua real participação na semeadura dos males que sofre,
levando-o a arquivar as sábias lições da vida em favor de sua educação espiritual.
A dinâmica revivencial é empreendida no Mundo Espiritual mediante variadas
técnicas, porém todas empregam as energias adestradas do hipnotismo, capaz de
operar a orientação do pensamento do assistido. Podemos dizer que se trata de
verdadeira cirurgia psíquica, exigindo habilidade e conhecimento no manejo dos
tecidos emocionais de que se veste a alma. Serve-se ainda do auxílio de aparelhos
especiais como o projetor psicocinegráfico, espécie de espelho configurado em
matéria plástica altamente sensível que capta e dá forma às projeções da mente,
permitindo-se visualizá-las, sendo muito utilizado no plano em que atuamos.
Observando exatamente o que o enfermo vivência, o terapeuta tem melhores
condições de acompanhar o processo e interferir nele para a sua correta orientação.
Espíritos superiores mais habilitados na arte de operar a mente podem dispensar
aparelhos, sendo capazes de penetrar na intimidade do enfermo, enxergando
diretamente em sua tela mental as imagens que aí se desdobram.
O uso da psicometria é também recurso útil no processo, facilitando a muitos
espíritos o ingresso no passado, principalmente os mais resistentes à indução
hipnótica. Como sabemos, esta técnica consiste em aproximar o enfermo de objetos
que lhe foram alvo de devoção no passado e se impregnaram de suas energias
mentais. Os fetiches, de qualquer natureza, sempre exerceram poder sobre a mente
daqueles que lhes dedicaram atenção, por refletirem sobre eles as próprias energias
emocionais aí
63 Antiga locomotiva idealizada por William Baldwin, um engenheiro americano, e que pelo seu
difundido uso tomou-se sinônimo popular de trem a vapor, no final do século dezenove e início
do século vinte.
P or alguns dias o víamos um pouco mais feliz, mas ainda não dava
mostras de ter reavido suas preciosas lembranças e não comentava
nada a respeito das experiências que revivera. Seguimos então
nossas sessões de recapitulação, a fim de que ele recompusesse a memória
perdida. Agora um outro apito de um trem surgia ressoando distante,
acompanhado de latidos de cães, perdidos em uma imensidão de silêncios.
Um céu vazio se desenhava em sua tela mental, em meio a nuvens estáticas.
Como uma imensa tigela, a terra se desenrodilhava, fugindo aos poucos
embaixo, salpicada de névoas e coberta de mantos brancos. Adivinhamos
que era inverno e embora o frio fosse intenso, o momento era de grande
deleite. Ele flutuava ao sabor dos ventos, suspenso no ar.
— Que aventura é essa, Alberto?
— Aqui só chegam os apitos das locomotivas e os latidos dos cachorros. Estou
fazendo com Machuron a minha primeira ascensão em balão. É deslumbrante.
Tudo é muito bonito, limpo e calmo. Veja como os raios do sol refletidos nas
nuvens criam jatos iridescentes de fantásticas luzes! É facílimo manejá-lo. Vendo o
aeronauta conduzir-se nas manobras acho tudo muito natural e simples. Tenho a
alma sobressaltada, é verdade, a respiração parece faltar-me em certos momentos,
mas não sinto absolutamente medo algum. Não nos dá uma gostosa sensação de
estar suspenso no vazio? Parecemos livres no espaço. Olhe para cima! Não vemos
mais o balão! Ele agora se escondeu no meio de densas nuvens.
64 Nosso amigo utilizava o termo “nacelle”, como na época era costume, porém usaremos a sua
denominação mais conhecida na atualidade - nota do autor espiritual.
65 Phileas Fogg e Robur são personagens de Júlio Veme.
66 Chamado na época de “guide-rope” - nota do autor espiritual.
“Não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e
nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já
receberam a sua recompensa. ”
Jesus - Mateus, 6:2
“Todas as suas obras eles fazem a fim de serem vistos pelos homens. ”
Jesus - Mateus, 23:5
73 Ver cap. 6.
74 Questão 785 do Livro dos Espíritos e Cap. VII do Evangelho Segundo o Espiritismo.
75 Lucas 14:11
“E ele, sentando-se, chamou os doze e lhes disse: se alguém quiser ser o primeiro,
será o derradeiro e o servo de todos. ”
Jesus - Marcos, 9-35
76 Mateus 6:2
77 Marcos 9:32-35
78 Mateus 20:20-28
79 A depressão bipolar é aquela em que os momentos depressivos se alternam com instantes de euforias
impróprias. Na unipolar há um permanente estacionamento na posição de melancolia.
‘Não peques mais, para que não te suceda coisa pior Jesus - João, 5:14
‘Em verdade vos digo que, se alguém guardar a minha palavra, jamais verá a morte.
” Jesus - João, 8:51
80 Mateus 7:3
83 Rever o capítulo 17, onde há referência ao prêmio Deustch, para maiores detalhes do fato aqui
narrado.
“Se dissemos que não temos pecado nenhum, enganamo-nos a nós mesmos e a
verdade não está em nós. ”
I João, 1:8
“E suscitou-se entre eles uma discussão sobre qual deles seria o maior. ”
Lucas, 9:46
85 Termo que em francês significa ganso e que foi usado para denominar o bizarro 14-Bis, que voava
com o leme para frente, assemelhando-se à esta ave, com seu longo pescoço.
"A noite é passada e o dia é chegado, rejeitemos pois as obras das trevas e vistamo-
nos das armas da luz. ”
Paulo - Romanos, 13:12
86 Figura mitológica da tradição egípcia, em forma de um pássaro que, queimado, renascia das
próprias cinzas.
87 Doutrina criada por Luis de Molina, que pretendia conciliar a liberdade humana com a graça divina,
combatida na época pelas principais ordens do Clero dominante.
“Perdoai não sete vezes, mas setenta vezes sete ” Jesus - Mateus, 18:22
‘Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também. Jesus - João, 5:17
91 Termo comum de uso médico que designa a. coloração azulada da pele, principalmente das extremidades,
decorrente da presença de elevados teores de gases carbônicos no sangue.
92 Mateus 15:11
ícaro Redimido -3 77
embates, seja excitando-os ou servindo-se deles para execução de nefandos
propósitos. Porém, de qualquer forma, são os sentimentos ainda barbarizados dos
homens que os afinam com os Planos Umbralinos, mantendo-se-lhes o estreito
conúbio de ignóbeis escopos.
Não podemos olvidar ainda, como já consideramos que, assim como na Terra,
os desencarnados se organizam em grandes comunidades, onde mantêm os
costumes e os idiomas aprendidos na jornada da carne, configurando no espaço
espiritual os mesmos limites políticos dos países de origem, em um nível
dimensional denominado Espaço das nações. As rivalidades oriundas do Plano
Carnal atravessam a barreira da morte e prosseguem nestas regiões, pois os
homens, embora envergando nova roupagem, continuam portando os mesmos
sentimentos que os moviam na romagem física. Somente em dimensões muito
elevadas é que são suplantados esses nacionalismos, unindo-se os espíritos pelos
imperativos do amor sublimado, aplacando-se todas as desavenças, e onde os
óbices da comunicação falada são superados pelos intercâmbios puramente mentais.
O Mundo Espiritual inferior, destarte, ainda é dominado por grandes impérios
regidos por precária ética de relações, fixada na involuída moral dos tempos
medievais, na qual ainda se estacionam. Comandados por poderosas entidades
chamadas de Dragões, compõem exércitos infernais, ávidos de conquistas e práticas
de atrocidades. E também deflagram guerras, disputando territórios de influências e
massas humanas para exploração de seus baixos interesses. Dirigentes da Terra,
imprevidentes e gananciosos, pensando agir em nome de suas próprias ambições,
na verdade, afinados com esses Dragões das Sombras, respondem às suas
ignominiosas sugestões, excitando-se nos instintos aguerridos, fazendo da casa
planetária uma arena de lutas sangrentas nos dois planos da vida.
Nossos orientadores informavam que a Segunda Grande Guerra Mundial, na
verdade, era apenas uma continuação da primeira, que prosseguira sem solução na
Esfera Espiritual. Grande número de espíritos, desencarnados no conflito anterior,
reverberava no Além os ódios acumulados, ansiando por revide, acicatando os
compatriotas terrenos à vingança. Menoscabados pelo incontido orgulho ferido e
distanciados da real compreensão da vida, ainda que habitantes do Plano do
Espírito, não se conformavam com a humilhante derrota. Estimulavam pretensões
colonialistas nos companheiros da retaguarda a fim de satisfazerem seus propósitos
de dominação e crescimento desmedido. Assim, germânicos, franceses e ingleses
continuavam praticando hostilidades desde o Mundo do Além, demonstrando-nos
que a guerra, na verdade, era motivada
93 Ver glossário.
94 Alemanha, Itália e Japão formaram, nesta ocasião, uma coligação assim denominada.
Em um Campo de Luzes
‘Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque
tu estás comigo, a tua vara e o teu cajado me consolam. ”
Salmos, 23:4
97 Ver capítulo 9 para maiores detalhes sobre este personagem, cuja verdadeira identidade está
oculta sob pseudônimo - nota do autor espiritual.
“Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens de boa vontade ”
Lucas, 2:14
99 Ver capítulo 9.
100 Artista que criou a estátua de ícaro erguida na praça de Saint-Cloud, em Paris, e posteriormente
destruída pelos alemães. Ver capítulos 18 e 34.
A. Santos-Dumont
NOTA DO MEDIANEIRO:
Mensagem recebida por Francisco Cândido Xavier, em Pedro
Leopoldo, na noite de 20 de julho de 1948, em resposta à carinhosa
prece que o grupo ali reunido enviara ao grande inventor,
recordando o dia de seu aniversário.
Ela nos mostra que Santos Dumont já havia se recuperado,
embora tivessem decorrido apenas 16 anos de sua trágica morte,
tempo considerado curto, tendo em vista a habitualmente longa
recuperação dos suicidas. O teor de suas palavras nos atesta que ele
já se movia rumo à aquisição de nobilitantes conquistas, sobremodo
distanciadas dos antigos interesses que o motivaram na vida física,
comprovando-se as revelações aqui expostas.