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Clarificando

O Estado Natural
Clarificando
O Estado Natural

Um Manual de Orientação Essencial


para o Mahamudra

de

Dakpo Tashi Namgyal

Prefácio de
KHENCHEN THRANGU RINPOCHE

Traduzido do tibetano por


ERIK PEMA KUNSANG

Editado por
MICHAEL TWEED

Adaptado para o português por


MARCOS PAULO SOUSA
As Etapas de Orientação para o
Mahamudra do Significado Definitivo
Intitulado
Clarificando o Estado Natural

Presto respeitosa homenagem ao glorioso Vajradara.

Da natureza não construída, a vacuidade do darmadhatu,


Aparecem os cenários mágicos dos mundos e seres,
profundos e brilhantes.
Para a identidade indivisível de êxtase vazio deles, espontaneamente
presente desde o início,
Para a mente original onipresente, eu respeitosamente me curvo.

A verdadeira realização da mente, a identidade onipresente do


segredo definitivo,
É difícil de realizar por outros caminhos de longa duração;
Ainda assim, você a revela sem esforço, como apontar para ela
com o dedo –
Ao o ilustre Gampopa e aos mestres da Linhagem de Prática,
eu me curvo

Sua tradição de prática conhecida como o Mahamudra,


Celebrada como o sol e a lua, iluminou esta Terra das Neves.
Mesmo assim, colocarei aqui os argumentos intelectuais de lado
e a clarificarei mais uma vez,
Adornado com as instruções essenciais da experiência pessoal.

Este manual de orientação para o Mahamudra do significado definitivo é destinado a


pessoas dignas que estão completamente exaustas de todas as misérias do samsara, que
possuem a intensa renúncia de desejar alcançar rapidamente a iluminação e que têm
confiança e segurança nos mestres realizados e no caminho das bênçãos. Para
estabelecê-los diretamente no significado do estado natural, existem quatro partes:

Etapas preliminares de orientação


A parte principal dos estágios de meditação
Formas subsequentes de continuar o treinamento
A maneira de percorrer os caminhos e bhumis por meio
do treinamento na meditação

Parte um
Etapas Preliminares de Orientação
Isso tem duas etapas:
Preliminares gerais
Preliminares específicas

Preliminares Gerais

Conforme explicado em outro lugar, os praticantes devem treinar exaustivamente nos


estágios graduais do caminho para os três tipos de indivíduo 1. Isso inclui as reflexões
sobre as liberdades e riquezas difíceis de adquirir, a impermanência e assim por diante.
Desta forma, é essencial desenvolver uma atitude firme de renúncia.
1
Os estágios graduais do caminho para os três tipos de indivíduos estão incorporados no Ornamento
da Joia da Liberação. Portanto, é aconselhável ter estudado esses ensinamentos antes deste livro.

Se os alunos não fizerem isso com entusiasmo, mas em vez disso considerarem esses
tópicos como triviais, eles irão, depois de ouvir os quatro pensamentos que transformam
a mente* algumas vezes, deixá-los para trás como mera informação. Tendo feito isso,
eles não se empenharão na prática e ficarão presos nas oito preocupações mundanas.

* As preliminares externas gerais: as reflexões sobre o corpo humano precioso, impermanência e


morte, causa e efeito do carma e as deficiências ou defeitos da existência samsárica.

Preliminares Específicas

Em segundo lugar, os praticantes devem ser levados à maturação, seja recebendo o


empoderamento de amadurecimento dentro das mandalas do Anuttara do Mantra
Secreto ou por meio do empoderamento simbólico das bênçãos.

Em seguida, como explicado em outro lugar, para afastar a preguiça reflita sobre a
impermanência; para dissipar os obstáculos tome refugio e forme a resolução do
bodisatva; para reunir as acumulações ofereça mandalas; para purificar os
obscurecimentos, faça a meditação e recitação de Vajrasatva; e para receber bênçãos
treine na ioga do guru. Receba orientação em todos esses pontos um após o outro e se
esforce em cada um deles por um número adequado de dias, como cinco ou sete. No
final de cada uma dessas práticas, ganhe alguma experiência relaxando sua mente e
permanecendo livre e tranquilo o máximo que puder.
Parte dois
A parte principal dos estágios de meditação

Isso tem duas partes:


Etapas de orientação
Etapas da instrução de apontar

Etapas de Orientação

Isso tem dois pontos:


Orientação através de shamata
Orientação através de vipashyana

Orientação através de Shamata

Isso tem duas etapas:


Shamata com atributos
Shamata sem atributos

Shamata com atributos

Isso tem duas partes:


Shamata com suporte
Shamata sem suporte

Shamata com suporte

Em suas quatro sessões, continue com as práticas preliminares, não tão extensivamente
quanto antes, mas sem nunca perder um dia. Na hora da ioga do guru, faça súplicas
particularmente profundas para que o samadi possa nascer.

Depois disso, coloque as pernas na postura vajra ou, se não conseguir, na postura sattva
(postura do conforto real, como a de tara vermelha). Junte as mãos quatro dedos abaixo
do umbigo no gesto da equanimidade. Alinhe sua coluna vertebral e endireite todo o seu
corpo; estenda os ombros e os cotovelos até que também fiquem retos. Incline
ligeiramente o pescoço.2 Conecte a ponta da língua ao palato e feche os lábios deixando
um pequeno espaço entre os dentes. Seus olhos devem assumir um olhar calmo dirigido
ao nível da ponta do nariz. Desta forma, sente-se na postura de sete pontos de
Vairochana.
2
Contraia ligeiramente o queixo.

De um modo geral, a postura do corpo é importante em todas as práticas de meditação.


Especificamente, os pontos-chave físicos são essenciais para aquietar a mente. É por
isso que, quando é enfatizada, algumas pessoas encontram a calma simplesmente por
meio dessa postura e também por que seria excelente treinar vários dias para
simplesmente manter a postura do corpo.

Em seguida, durante o dia, coloque um suporte, como uma pedra ou um pedaço de pau
que não seja muito brilhante, diretamente na linha do seu olhar. De uma forma relaxada,
dirija sua atenção para ele, sem se fixar nele ou examiná-lo. Permita que sua atenção
permaneça no objeto de apoio simplesmente para evitar divagar ou se distrair.

Em seguida, mantenha a atenção, como acima, em um pequeno objeto que foi colocado
na fronteira entre a sombra e a luz do sol. À noite, concentre a atenção em uma esfera
branca do tamanho de uma ervilha entre as sobrancelhas. Às vezes, direcione a mente,
como antes, para uma esfera preta do tamanho de uma ervilha abaixo de você.

Certos tipos de pessoas terão dificuldade em obter calma e se cansarão dessas formas de
focar a atenção. Eles devem imaginar a forma corporal do Tatagata, do tamanho de uma
polegada, bem no céu diante deles. Embora uma variedade de outras maneiras de
concentrar a atenção sejam ensinadas, para a maioria das pessoas isso será suficiente.

Depois de ter alcançado uma sensação natural de calma, interrompa a prática e faça uma
pequena pausa. Faça sessões curtas, mas repetidas muitas vezes.

Entre as sessões, evite entretenimento, atividades extenuantes e muita conversa.


Mantenha o corpo e a mente quietos.

Shamata sem suporte

Isso tem duas partes:

Com prática de respiração


Sem prática de respiração

Shamata com prática de respiração

Primeiro, para focar a atenção contando a respiração, permaneça consciente da


inspiração e da expiração o suficiente para evitar se desviar para outras coisas. Comece
concentrando-se em três ciclos de respiração, depois em sete e assim por diante – o que
for apropriado. Se a sua atenção se agitar, descanse um pouco de vez em quando e
depois continue o treinamento para ganhar experiência.

Em seguida, para centrar a atenção prendendo a respiração, expulse o ar viciado três ou


nove vezes. Inspire suavemente pelas duas narinas. Juntamente com a ingestão da
saliva, pressione o estômago para baixo com alguma força, mas não com muita força.
Enquanto você puder, simplesmente evite vagar; não se distraia. Quando você não for
mais capaz de segurar, expire suavemente pelo nariz. Ao expirar e inspirar como antes,
fique atento à respiração pelo menos o suficiente para não se desviar para outras coisas.

Quando estiver cansado, inspire e expire livremente pelo nariz. Mantenha sua atenção
relaxada e clara, com presença de consciência o suficiente para não se distrair com mais
nada. De vez em quando, descanse um pouco. Continue treinando dessa forma até
ganhar alguma experiência.

Se sua atenção ficar mais agitada enquanto faz isso, é porque você está focando de
forma demasiada, então relaxe interiormente.

Se você ficar repetidamente entediado e muito inquieto, é porque está cansado, então se
revigore por alguns dias.

Se você ficar tonto ou zonzo, é devido à influência do vento, então ingira alimentos e
bebidas mais nutritivos e faça massagem.3
3
Vento (rlung) aqui se refere aos desequilíbrios das correntes de energia no corpo.

As etapas até este ponto são conhecidas como capturar a mente que não foi capturada.
Elas são necessárias para alcançar a calma mental.

Se, durante essas etapas, você sentir que os movimentos mentais aumentaram e você
está menos calmo, é porque antes não percebia toda a sucessão de pensamentos sendo
projetada. Agora, você percebe um pensamento surgindo após o outro. Você se tornou
consciente e ganhou um pouco de calma, então não considere isso uma deficiência. Não
direcione o pensamento e não o siga. Em vez disso, repouse livremente e continue a
aplicar-se. Ao fazer isso, a calma surgirá.

Se sua atenção estiver dispersa, não estabelecida e sem um senso de calma, exclame o
poderoso som PHAT ou dê um grito vigoroso. Nesse momento, o pensamento anterior é
interrompido e o próximo ainda não surgiu. A atenção nessa lacuna é um estado de
calma livre de pensamentos.

Em seguida, entenda claramente que noções como “isso precisa ser feito para aquilo”
são projeções de pensamento. Usando vários métodos, prossiga habilmente, alternando
entre estar concentrado e relaxado. Tenha autoconfiança. Persevere no treinamento, pois
assim você descobrirá o estado de calma.

Shamata sem prática de respiração

Quando você tiver alcançado algum grau de calma mental pelo método anterior, assuma
a mesma postura corporal de antes. Não coloque sua atenção em objetos visuais
externos, sons ou semelhantes, nem no movimento para dentro e para fora da respiração.
Não pense no passado, no que você fez ou no que aconteceu anteriormente. Não pense
no futuro, no que você fará ou no que acontecerá depois. Também não crie pensamentos
sobre o presente, sobre o que aparece ou o que está acontecendo agora. Em vez disso,
permita-se permanecer relaxado e claro, lúcido e à vontade. Enquanto permanece assim,
interrompa a prática. Em seguida, continue como antes. Não mantenha isso por muito
tempo; em vez disso, repita várias vezes.
Em todos os casos onde buscamos um estado de calma, fazê-lo com muita concentração
e intensidade pode criar um obstáculo para permanecermos lucidamente atentos. Na
maioria das vezes, é mais adequado simplesmente relaxar.

Ao colocar sua atenção dessa maneira, se você ficar agitado ou disperso, sente-se em
um lugar mais quente, ingira alimentos e bebidas mais nutritivos, faça massagem e
baixe o olhar. Concentre sua atenção abaixo do umbigo e suprima a respiração na
barriga com alguma força.

Se sua mente estiver embotada e letárgica, sente-se em um lugar mais fresco, jogue água
no rosto, expulse o ar viciado e levante o olhar. Revigore sua atenção com uma
vigilância aguçada. Se você ainda se sentir sonolento, se revigore movimentando-se.

Se você se sentir obscuro e estúpido, curve-se diante de objetos sagrados e ande ao


redor deles. Faça oferendas e dê esmolas, peça desculpas pelos erros cometidos e assim
por diante com profunda sinceridade. Faça preces fervorosas para que o samadi possa
surgir dentro de você. Em seguida, continue a prática.

Essas etapas são conhecidas como estabilizar a mente capturada. A menos que você se
treine para que a calma adquirida possa se estabelecer facilmente livre de suporte e
ponto de referência, você não encontrará nenhum aprimoramento na prática sem
atributos. Portanto, o treinamento é essencial.

É um erro permitir que seu senso de calma se torne distraído ou entorpecido; portanto,
fique alerta e continue por períodos curtos e repetidos.

Se você se sentir indolente ou embotado, apenas com a presença de mente mais nua,
você deve purgar energeticamente essa deficiência, então treine exclusivamente para
purificá-la por um tempo. Alternativamente, você pode treinar enquanto gera uma leve
agudeza de atenção. Use o método que achar mais adequado.

Shamata sem atributos

Isso tem dois pontos:


Aperto
Soltura
Aperto

Mantenha a mesma postura de antes, mas mantenha o olhar um pouco mais alto e o
repouse diretamente à sua frente. Aguce sua atenção e concentre-se para não se distrair
nem por um segundo. Permaneça unifocadamente claro e lúcido, sem o ponto de
referência de algo particular a ser cultivado pela meditação.

Depois de um tempo, interrompa (a meditação); faça sessões curtas. Mais uma vez,
concentre-se escrupulosamente. Permaneça com um senso de precisão que não divaga
nem por um instante. Treine assim e ganhe alguma experiência pessoal.
Ao fazer isso, em vez do tipo anterior de calma embotada, sua mente se ilumina e se
torna clara e lúcida. Você progrediu quando sua presença consciente se manteve
lucidamente clara.

Algumas pessoas do tipo perspicaz podem achar que se iluminam, mas os períodos de
estar calmo tornam-se mais curtos. Não considere isso uma falha. Continue treinando
em curtos períodos muitas vezes e, ao fazê-lo, a calma e a lucidez se expandirão.

Soltura

Assuma a mesma postura e mantenha o mesmo olhar como descrito acima. Não nutra
nenhuma ambição sobre o que deve ou não deve ser cultivado pela meditação. Não
fique feliz quando estiver calmo ou infeliz quando os pensamentos se moverem; em vez
disso, relaxe sua atenção livremente. Não iniba uma coisa enquanto promove outra. Não
faça ajustes. Deixe sua atenção como ela é naturalmente – relaxada e livre. De dentro
desse estado, mantenha uma presença de mente que simplesmente não se distrai. Não se
inquiete; seja expansivo e claro. Treine em ser aberto e vividamente presente.

Ao treinar dessa forma, quando um pensamento intrusivo entrometer-se, você não


precisa começar a bloqueá-lo nem persegui-lo. Em vez disso, mantenha uma presença
mental firme e inabalável.

Você também não precisa bloquear ou encorajar a vibração sutil de pensamentos.


Permaneça claro, lúcido e quieto. Em seguida, interrompa para fazer uma pequena
pausa. Mais uma vez, continue treinando como antes para ver a experiência que você
ganha.

Anteriormente, você tinha que se concentrar de forma unifocada, moldando sua mente
consciente para ser clara e aberta, enquanto quase reprimia pensamentos grosseiros e
sutis. Isso foi um pouco incômodo (para sustentar). Portanto, agora, em vez disso, é
suficiente sustentar a maneira natural de simplesmente não se distrair.

Quando os pensamentos ocorrerem, sejam eles grosseiros ou sutis, abrace-os com uma
presença atenta. Ao fazer isso, os pensamentos são incapazes de funcionar como
pensamentos. Eles se apaziguam completamente e você chega a um estado de calma.

Depois de abraçar um pensamento com esta presença de mente, você não precisa manter
nenhum outro objetivo, de modo que terá a sensação de se sentir muito livre. Durante
esse tipo de liberação e relaxamento, você aprecia o ponto vital de permanecer em um
estado de mente livre e tranquilo. Você obteve progresso uma vez que isso se tornou
simples de manter.

No entanto, se você se distrair ao se perder na subcorrente do pensamento ou se deixa


levar de forma inconsciente, sem perceber no que está pensando, então sua presença
mental está muito fraca.

Se sua calma parece inquieta, instável ou agitada, seu senso de soltura é inadequado ou
você está demasiadamente atento. Dissipe essas deficiências e continue o treinamento.
Se a atenção parecer embotada, desenvolva uma presença consciente mais vigorosa. Se
estiver agitada, diminua ligeiramente sua força para aprofundar a qualidade relaxada.
Continuando assim, sua atenção permanecerá totalmente lúcida.

Shamata nasce quando as percepções de imagens, sons e assim por diante são
experimentadas como vívidas e serenas, lúcidas e sem restrições. Portanto, mesmo que
ocorra um dos vários humores de meditação, não se deixe envolver por ele. Em vez
disso, treine por um tempo no estado que é tanto lúcido quanto livre de pensamentos.

A menos que você tenha uma base firme nisso, seu treinamento de meditação se tornará
esporádico. Estabeleça uma base estável.

No início, você ganha um leve grau de calma livre de pensamentos em meio à


turbulência de muitos pensamentos densos e sutis. Este é o primeiro estágio de shamata,
semelhante a um riacho de montanha rolando por um desfiladeiro.

Em seguida, o pensamento, na maioria das vezes, desaparece; de modo que o seu estado
de shamata permanece serenamente bem-aventurado. No entanto, sempre que ocorrer
um forte movimento de pensamento, você não conseguirá contê-lo. De vez em quando,
você se envolve em ficar disperso e agitado. Este é o estágio intermediário de shamata,
semelhante ao fluxo plácido de um rio.

Então, os pensamentos grosseiros e sutis não surgem mais. Enquanto você se pacifica
nesse estado livre de pensamentos, poderá permanecer serenamente bem-aventurado.
Mesmo que surja um resquício de um pensamento sutil, ele é incapaz de funcionar
como um pensamento real; em vez disso, ele se dissolve naturalmente em um estado de
ausência de pensamento. Este é o estágio final de shamata, como a mãe oceano
encontrando seu filho rio.

Embora este tipo de shamata não seja suficiente como a substância real do treinamento
Mahamudra, é extremamente importante tê-lo como base para o treinamento. Visto que
é a estabilidade mental que cria carma virtuoso ilimitado, você deve realizar um estado
de shamata perfeito e estável.

Orientação por meio de Vipashyana


Isso tem duas partes:
Estabelecendo a identidade da mente e as várias percepções
Dissipando as incertezas sobre a base e a expressão

Estabelecendo a identidade da mente e as várias percepções

Isso tem dois pontos:


Estabelecendo a identidade da mente – a base
Estabelecendo a identidade de pensamentos e percepções – a expressão

Estabelecendo a identidade da mente – a base


Para o primeiro ponto, assuma a mesma postura corporal de antes. Além disso, olhe
para a frente sem piscar ou se mover. Mantenha sua atenção vividamente presente no
estado livre de pensamentos e lúcido de shamata. Durante este estado, olhe diretamente
para esta mente atenta para ver que forma, cor, etc., ela tem. Em que local ela
permanece e o que a apoia? Que tipo de identidade e aparência definíveis ela tem?
Examine e investigue gradualmente esses pontos.

Em outras palavras, ela tem uma forma redonda, quadrada ou semelhante? Ela tem a
forma de terra, rochas, montanhas, arbustos, árvores ou algo parecido? Tem uma forma
que se parece com um ser humano, um animal ou o quê? Tem uma cor como o branco
ou preto, etc.? Examine cada instância até chegar a uma conclusão definitiva.

Da mesma forma, examine se a mente vive em coisas externas do mundo ou nos seres,
ou em seu corpo de amadurecimento cármico. Se ela vive neste corpo, ela permanece
em um determinado local ou parte do corpo, do topo da cabeça às solas dos pés, ou
permanece de uma forma pervasiva? Se ela permanece de uma forma pervasiva, ela
habita de uma forma que tem um dentro e um fora, ou permanece de uma forma que é
difusa? Se for difusa, examine como sua mente se move e assim por diante quando é
ocupada por objetos e coisas externas.

Do mesmo modo, sua mente é uma entidade que pode ser identificada como vazia ou
consciente?4 Em relação à qualidade vazia, isso significa ser vazia como o nada ou vazia
como o espaço? A qualidade lucidamente consciente é radiante como a luz do sol e da
lua ou como a chama de uma lamparina? Examine como é essa lucidez. Investigue isso
até que seja determinado com certeza completa e conclusiva.

4 A palavra tibetana para “consciente” aqui é gsal ba. Ela é muitas vezes traduzida como luminosa,
cognoscente, clara, lúcida, desperta, etc.

Se você se apegar a boatos e teorias e negligenciar a investigação, não sentirá que isso
foi determinado de forma conclusiva. Portanto, examine isso profundamente.

Se um entendimento incorreto for mantido, contra-argumentos devem ser aplicados e a


investigação continuada.

É fácil determinar que (esta mente consciente) não consiste de qualquer forma, cor,
localização, apoio ou substância material. No entanto, se você a considerar uma
entidade definível que é consciente e vazia e permanecer calmamente nesse estado, você
ainda estará irresoluto, uma vez que esse é o humor meditativo da quietude. Portanto,
faça oferendas de mandala, implore com profunda devoção e investigue cada instância
de como ela é consciente, como ela é vazia e qual é o seu modo real.

Com isso, você pode descobrir que a mente não é composta de uma substância concreta
ou material e, portanto, não tem forma ou cor, não tem morada ou apoio. Você também
pode entender que ela é uma vaziez consciente que desafia qualquer descrição de ser
isso ou aquilo – é inexprimível e, no entanto, pode ser experimentada.

Quando for esse o caso, o lama deve tentar apresentar declarações confusas. Se a
compreensão do meditador for meramente teoria ou boato, ela será inconsistente e não
resistirá à análise. Se for experiência pessoal, convergirá para um ponto, mesmo quando
ele não consegue se articular com palavras tradicionais. Quando isso acontecer, o
meditador alcançou a experiência pessoal.

Mesmo assim, há meditadores eloquentes e articulados que carecem de experiência


pessoal. Existem também meditadores experientes e com a língua presa que são
incapazes de explicar. O lama deve, portanto, deixá-los investigar completamente e
determinar isso completamente por meio da experiência real.

Enquanto estiver no estado anterior da shamata lúcida e livre de pensamentos, como


antes, olhe diretamente para a sua mente consciente. É um estado desperto para a qual
nenhuma palavra é suficiente. Não é uma entidade definível, 5 mas, ao mesmo tempo, é
uma vacuidade consciente autoconhecedora que é clara, lúcida e desperta. Sustente isso
sem distração.
5
No texto a seguir, este princípio de “não ser uma entidade definível” também é referido como
intangível, indescritível, não localizável ou não identificável.

Estabelecendo a identidade dos pensamentos e das percepções


– a expressão

Assuma a mesma postura mencionada acima. Agora, permita que um estado de


pensamento forte e grosseiro, como a raiva, ocorra dentro do estado vazio e consciente
da mente não identificável. Quando ele tiver surgido vividamente, olhe diretamente para
ele e investigue, como antes, sua cor e forma exatas, sua localização e apoio, sua
identidade e aparência, e assim por diante. Da mesma forma, deixe um estado de
pensamento sutil surgir ou projete um, e então olhe e examine sua identidade.

Da mesma maneira, deixe surgir ou produza uma variedade de percepções sutis e


grosseiras – do mundo e seus seres, inimigos e amigos, alegrias e tristezas, e assim por
diante. Examine a identidade de cada uma. Investigue e analise-a.

Antes, quando você olhou, talvez você tenha feito isso generalizando a ausência de
entidade definível, ou você não examinou e deixou de obter uma experiência precisa.
Nesse caso, você apenas ganhou a teoria de que pensamentos e percepções sutis e
grosseiros são não identificáveis. Você, portanto, não terá encontrado a experiência
contínua e estável da liberação que é ser capaz de reconhecer diretamente sua identidade
ao se deparar com eles ou deixar que sua falsidade entre em colapso. Portanto, vista a
armadura da perseverança e continue examinando até que você tenha resolvido este
ponto decisivamente.

Ao fazer isso, uma certeza profunda será alcançada, seja a pessoa de maior ou menor
perspicácia. Este tópico não deve, portanto, ser deixado vago ou como uma idéia geral.

Em seguida, para continuar a ganhar experiência pessoal, examine um pensamento ou


percepção particular. Você pode agora dizer: “Ela não tem forma, cor ou identidade
definível. A identidade da mente é simplesmente uma vacuidade consciente!” Ou você
pode fornecer algum outro fragmento de compreensão teórica.
No entanto, não é certo o que você entende por vacuidade consciente. Você quer dizer
uma vacuidade consciente que acontece depois que um evento de pensamento cessa ou
se dissolve? Ou é uma vacuidade consciente enquanto o pensamento está presente? No
último caso, você pode dizer que o estado é consciente, mas não faz sentido dizer que
ele é vazio. Investigue dessa forma e continue examinando.

Não importa que tipo de pensamento ocorra, a experiência dele é, em si, algo não
identificável – é uma experiência desobstruídamente consciente e ainda assim sem
conceitualização. Quanto às percepções, elas são uma mera impressão da presença
desobstruída, que é insubstancial e não um apego a uma realidade sólida. Elas são
difíceis de descrever como sendo isso e aquilo, e quando você as entende assim, você
alcança a experiência pessoal.

Sem se distrair, então, simplesmente sustente essa vaziez consciente que é uma
consciência não identificável, também referida como uma vacuidade percebedora que é
a percepção desprovida de uma auto-natureza.

Alguém pode dizer: “Quando olho diretamente para um pensamento ou percepção, ele
se dissolve e se torna uma vaziez consciente.” Esse é o caso de não ter estabelecido a
certeza sobre a natureza dos pensamentos e percepções, mas de usar a ideia de
vacuidade consciente como um antídoto contra eles.

Dissipando as Incertezas
sobre a Base e a Expressão

Isso tem quatro pontos:

Determinando que os pensamentos são a mente


Determinando que as percepções são a mente
Investigando a calma e a mente em movimento
Determinando que toda experiência é não surgida

Determinando que os pensamentos são a mente

Assuma a mesma postura de antes. Deixe sua mente ficar uniformemente calma como
uma vaziez consciente. De dentro desse estado, projete um pensamento vívido, como a
raiva. Olhe diretamente para ele e investigue completamente de que tipo de substância
ou base ele surgiu.

Talvez você suponha que ele surgiu desse estado mental vazio e consciente. Em caso
afirmativo, examine se ele é como uma criança nascida de sua mãe ou como a luz que
brilha a partir do sol. Ou é a mente que se torna o pensamento?

Em seguida, observe o modo como ele permanece. Quando ele aparecer na forma de
raiva, examine se essa raiva é acompanhada pelo grilhão do intenso apego às coisas
como sendo reais ou se é simplesmente uma aparência de raiva, uma abertura na qual
não há identidade para se apoderar.
Finalmente, observe como um pensamento parte. O pensamento é interrompido ou se
dissolve? Se for interrompido, quem o interrompeu ou que circunstância o fez parar? Se
ele se dissolver, examine se ele se dissolve devido a alguma circunstância ou se ele se
dissolve por si mesmo.

Da mesma forma, uma variedade de pensamentos grosseiros e sutis devem ser


examinados para ganhar alguma experiência. Se o meditador mantiver um entendimento
errôneo, ele deve ser eliminado com um contra-argumento e uma sugestão deve ser
oferecida. Depois disso, o meditador deve continuar examinando mais uma vez.

Você pode não ter descoberto que o pensamento surgiu de um determinado local de uma
maneira particular, que ele permanece em uma forma ou configuração particular ou que
parte para um lugar específico. No entanto, seus conceitos sobre se o pensamento e a
mente são diferentes, se eles estão relacionados como dentro e fora, ou como o corpo e
seus membros e assim por diante, devem ser destruídos. Você deve experimentar que os
vários pensamentos, em qualquer forma que surjam, são uma aparência vazia e não uma
entidade definível. Você deve reconhecer que eles surgem de você e se dissolvem em
você. Uma vez que a mente é irrestrita, você deve ter certeza de que é a mente que
meramente aparece ou é vista como sendo pensamentos. Você deve determinar que os
pensamentos e a mente são indivisíveis.

Tome a metáfora de uma onda na água. A onda nada mais é do que a água e, ainda
assim, ela é vista como uma onda. Embora ela apareça como uma onda, sua natureza de
ser água nunca mudou. Da mesma forma, com os vários tipos de pensamentos, desde o
primeiro momento em que aparecem, eles nada mais são do que a vacuidade consciente
da mente não identificável.

Além disso, uma vez que essa mente é irrestrita, não confinada, ela aparece como uma
variedade de pensamentos. Mesmo que ela apareça como eles, ela não deixou de ser a
vacuidade consciente da mente que não é uma entidade definível. Você deve determinar
este ponto de forma decisiva. Você deve obter a experiência da certeza no fato de que os
vários tipos de pensamentos são a mente. Da mesma forma, dê origem a um pensamento
feliz ou triste e investigue se há alguma diferença em sua identidade. Desta forma,
também tenha certeza em relação aos tipos opostos de pensamentos.

Determinando que as percepções são a mente

Assuma a postura física como antes e, de dentro do estado da mente consciente e vazia,
permita que o surgimento de qualquer forma visual seja experienciado vividamente.
Investigue sua chegada, permanência e partida, conforme acima.

Agora investigue os seguintes pontos. A percepção visual é diferente ou idêntica à


mente? Se forem diferentes, elas estão uma em frente à outra, uma dentro da outra ou
uma acima da outra? Se for esse o caso, elas existem como entidades separadas que
podem ser independentes?

Ou ela é apenas uma instância da mente vista como uma percepção visual? No caso de
ela ser apenas a mente que aparece como tal, não há nada mais do que uma única mente,
e isso as contrapõe em serem diferentes.
Se a percepção visual é idêntica à mente, elas são idênticas porque é a mente que se
transforma na percepção visual, ou são idênticas porque é a percepção visual que se
torna a mente? Investigue desta forma para ganhar experiência pessoal. Se houver um
entendimento incorreto, ele deve ser combatido e uma sugestão oferecida.

Desta forma, não importa a percepção visual que você vê, você deve ter certeza de que
ela é apenas a qualidade percebedora da mente. Não importa qual dos vários tipos de
formas visuais você veja, você deve experimentar pessoalmente que ela não tem
identidade definível, mas é uma vacuidade percebida. Uma vez que o poder expressivo
da mente é irrestrito, você deve reconhecer que ele simplesmente aparece como a forma
visual e assim por diante. Não mantenha a percepção visual e a mente separadas como
fora e dentro; determine decisivamente que as percepções e a mente são indivisíveis.

Assim como o exemplo e o significado explicados acima, ou como as várias formas


visuais que podem parecer externas em um sonho, embora não sejam nada além da
mente sonhadora, também as formas oníricas e a mente sonhadora são indivisíveis.

A miríade de diferentes tipos de coisas que são experienciadas atualmente, devido à


incidência de objetos que aparecem pelo poder do “carma compartilhado”, são como o
exemplo de um espelho claro que só é percebido como azul quando encontra a
circunstância de um objeto azul e assim por diante. Na verdade, o espelho não se
transformou em outra coisa senão em sua identidade de ser um espelho claro.

Da mesma forma, enquanto essa mente irrestrita não tenha sido purificada do carma, ela
aparece de várias maneiras quando se depara com as circunstâncias de diferentes tipos
de objetos. Na verdade, a mente não se transformou em nada além da própria mente.
Tendo determinado isso, você deve obter a experiência da certeza no fato de que os
vários tipos de percepções são a mente.

De forma semelhante à anterior, investigue as percepções opostas de coisas belas e


feias. Conforme exemplificado pelas formas visuais, examine também sons, odores,
sabores e texturas e certifique-se de obter certeza.

Investigando a calma e a mente em movimento

Mantenha a mesma postura física mencionada anteriormente. Deixe sua mente ficar
serenamente calma no estado da vacuidade consciente. Agora, investigue olhando
diretamente para ela.

Enquanto estiver neste estado de calma serena, permita que um pensamento se agite
vividamente. Investigue-o também olhando diretamente para ele.

Em seguida, investigue as duas instâncias de calma e movimento de pensamento para


ver se há alguma diferença em sua chegada, permanência e partida ou em sua identidade
definível.

Se há diferença entre permanecer calmamente e um movimento abrupto de pensamento,


examine para ver se a diferença deles consiste em ser melhor ou pior, vazio ou não
vazio, ter ou não ter identidade, e ser ou não identificável.
Se não houver diferença, investigue para ver se sua falta de disparidade consiste em ser
idêntico ou em ser semelhante enquanto diferente.

Se forem idênticos, investigue como eles são idênticos no início, meio e fim. Se forem
semelhantes, examine como eles são semelhantes. Investigue desta forma para ganhar
alguma experiência.

No caso de haver um entendimento incorreto, ele deve ser contido com um contra-
argumento, uma sugestão deve ser dada e a investigação retomada.

Afastando-se da crença de que esses dois – a calma serena e o movimento abrupto de


pensamento – possuem substâncias totalmente diferentes, você deve experimentar que
eles são a mesma mente, a mente que é idêntica em ser sem raiz e intangível, e em ser
uma vacuidade consciente que é autoconhecedora e naturalmente pura.

Sendo assim, seja qual for o caso, não há necessidade de aceitar ou rejeitar, reprimir ou
encorajar. Em vez disso, você deve se tornar confiante de que essa vacuidade consciente
é naturalmente livre – na própria quietude quando está calma e no próprio surgimento
quando pensamentos ocorrem.

Determinar que todas as experiências são não surgidas

Enquanto estiver no estado da mente vazia e consciente, como antes, os vários tipos de
pensamentos e percepções são as expressões ilimitadas da própria mente. Agora,
pergunte: “Qual é o estado natural desta mente?” Olhe diretamente e investigue bem o
que a fez surgir, como ela permanece e como ela finalmente parte.

No caso de haver um entendimento incorreto, ele deve ser eliminado com um contra-
argumento, uma sugestão deve ser dada e mais uma vez a investigação deve continuar.

No início, essa mente não foi produzida de nenhuma causa ou condição, e não surgiu de
nenhuma base, nem de qualquer maneira que seja; em vez disso, ela é sem raiz desde o
início. No presente, ela não permanece como qualquer forma ou configuração, mas é
não identificável. No final, sem ser interrompida por ninguém, ela se auto-dissolve,
auto-dissipa e auto-libera.

Você deve experimentar o modo real dessa mente: uma vaziez autoconhecedora que
desde o início não pode ser identificada como surgindo, habitando ou cessando. E, tendo
feito isso, você deve determinar que esta mente, como quer que apareça no presente,
não pode ser melhorada por algo bom ou piorada por algo ruim. E assim sendo,
determine que ela é um estado autoaclarador, autoconhecedor e autoliberado que não
precisa ser ajustado ou corrigido.

Ao examinar e observar na postura de meditação e dentro da serenidade da mente vazia


e consciente, todos esses tipos de investigações e considerações da vipashyana são
experienciadas por meio do insight da vipashyana. Por outro lado, se os exames forem
feitos com uma atitude de rotulagem conceitual, é possível ter uma ideia geral, mas não
produzir uma experiência real.
A menos que os meditadores tenham determinado isso com certeza, é muito cedo para
receber a instrução de apontar, uma vez que eles deixarão de confiar nela e buscarão
outra coisa. Ou, mesmo que pratiquem com tenacidade, permanecerão nos estados
comuns de shamata. O apego aos estados e humores meditativos de shamata não os
levará efetivamente à iluminação, embora possam se esforçar por muitos anos.

Diz-se que a pessoa da mais alta perspicácia deve atingir a realização, a mediana ganhar
experiência e o tipo inferior deve alcançar um entendimento estável. No entanto, não é
suficiente apenas compreender. Existem aqueles que são bons em explicar, mas não têm
experiência pessoal, e aqueles que têm experiência, mas não conseguem explicar. O
lama deve, portanto, guiar habilmente por contra-argumentos e sugestões, e fazer
perguntas inteligentes enquanto esconde a verdade deles.6
6. Thrangu Rinpoche mencionou aqui que às vezes é necessário que o instrutor diga o contrário da
verdade para ver se o aluno vai “morder a isca”. Isso irá expor a compreensão intelectual.

Mesmo quando uma experiência consistente tenha ocorrido, é minha opinião que a
instrução de apontar definitivamente não deve ser dada de forma muito liberal. Por um
tempo, os meditadores devem ganhar mais experiência.

Parece que há alguns que alternam a orientação de vipashyana com a instrução de


apontar e alguns que empregam investigações durante a instrução de apontar. Embora
haja uma variedade de tais meios, nesses contextos, o melhor é simplesmente usar a
investigação para determinar e trazer à tona a experiência pessoal. Assim, no momento
da instrução de apontar, o lama pode apontar o que é a experiência e lançar o meditador
em seu treinamento.

Se, entretanto, alguma experiência pessoal claramente não for estabelecida, o meditador
deve, por um tempo, treinar para trazer à tona a qualidade desperta dentro do estado de
shamata. Isso será, em certo ponto, alcançado por meio de orientação adequada, após a
qual uma experiência estável ocorrerá.

Etapas das instruções de apontar

Isso tem duas partes:


O apontamento real do inato
Erradicando as falhas e identificando a prática de meditação

O apontamento real do inato

Isso tem três aspectos:


Apontando a essência da mente inata
Apontando o pensamento inato
Apontando a percepção inata

Apontando a essência da mente inata

Primeiro, ao dar a instrução de apontar, ninguém mais deve estar presente além do
mestre e do discípulo. Se preferir, assuma a postura de antes. Então o mestre diz:
“Deixe sua mente ser como é naturalmente, sem tentar corrigi-la. Agora, não é verdade
que todos os seus pensamentos, tanto sutis quanto densos, diminuem e cessam em si
mesmos? Repouse uniformemente e veja se esta mente não permanece calma em seu
próprio estado natural.”

O mestre deixa o discípulo olhar.


“Isso se chama shamata.”

“Durante este estado, não se torne embotado, distraído ou apático. Não é verdade que
você não pode formular verbalmente que a identidade desta mente seja isso ou aquilo,
nem pode mentalmente formar um pensamento sobre ela? Em vez disso, ela não é um
estado desperto totalmente não identificável, consciente, irrestrito e lúcido que conhece
a si mesmo por si mesmo?”

“Dentro do estado de uniformidade, veja se não é uma experiência sem qualquer


‘coisa’ experienciada.”

O mestre então deixa o discípulo olhar.

“Isso se chama vipashyana.”

“Aqui, essas duas são mencionadas sequencialmente, mas na realidade esse tipo de
shamata e vipashyana não são separadas. Em vez disso, veja se essa shamata não é a
vipashyana que é uma consciência natural não identificável e autoconhecedora. Veja
também se esta vipashyana não é a shamata de permanecer no estado natural despida de
atributos conceituais. Repouse uniformemente e olhe!”

O mestre deixa o discípulo olhar.

“Isso é chamado da unidade de shamata e vipashyana.”

“Ambas estão contidas em sua mente presente. Experimentar e reconhecer isso é


chamado de o nascimento da prática de meditação.

“É isso que recebe muitos nomes, como mente búdica, a essência da mente dos seres
sencientes, o darmakaya não surgido, o estado natural básico, mente inata, estado
desperto original, Mahamudra e assim por diante. E é a isso que todos os sutras e
tantras, os verdadeiros tratados e instruções visam e levam.”

Tendo dito isso, se o mestre preferir, ele pode inspirar mais confiança dando citações
relevantes das escrituras. Caso contrário, pode não ser necessário dizer mais do que o
seguinte, uma vez que algumas pessoas de menor inteligência podem ficar confusas
quando a explicação é muito longa.

“O significado em poucas palavras é este: permita que sua mente seja como é
naturalmente, e deixe os pensamentos se dissolverem em si mesmos. Esta é a sua mente
inata, que é uma consciência natural não identificável e autoconhecedora. Permaneça de
forma unifocada em sua continuidade e não se distraia.”
“Também durante as atividades diárias entre os intervalos, tente manter esse tipo de
presença de consciência (mindfulness) sem distração, tanto quanto possível.”

“É importante continuar treinando persistentemente por alguns dias. Caso contrário,


pode haver o perigo de essa visão da essência da mente, que você buscou por vários
meios, desaparecer.”

O meditador deve, portanto, treinar focando nisso por alguns dias.

Apontando o pensamento inato

Em segundo lugar, o meditador deve agora assumir a postura correta na frente [do
mestre, e ser informado do seguinte]:

“Deixe sua mente permanecer em seu modo natural. Quando os pensamentos diminuem
e cessam, sua mente é uma vaziez consciente intangível. Não se distraia e olhe
diretamente para a identidade desse estado nu!”

“Neste momento, permita que um pensamento animado, como o deleite, tome forma.
No exato momento em que ele ocorrer vividamente, olhe diretamente para sua
identidade de dentro do estado de vacuidade consciente.”

“Agora, esse pensamento é o estado intangível e nu da vacuidade consciente? Ou não é


de forma alguma diferente da identidade da própria essência da mente inata? Veja!”

Deixe o meditador observar por um momento.

O meditador pode dizer: “É a vacuidade consciente. Parece não haver diferença.” Se


sim, pergunte:

“É uma vacuidade consciente depois que o pensamento se dissolve? Ou é uma


vacuidade consciente ao afastar o pensamento pela meditação? Ou a vivacidade do
próprio pensamento é uma vacuidade consciente?”

Se o meditador disser que é como um dos primeiros dois casos, ele não dissipou as
incertezas anteriores e, portanto, deve ser colocado para determinar isso por alguns dias.

Por outro lado, se ele pessoalmente o experimenta como o último caso, ele viu a
identidade do pensamento e pode, portanto, receber a seguinte instrução de apontar:

“Quando você olha para a identidade de um pensamento, sem ter que dissolver o
pensamento e sem ter que forçá-lo a desaparecer pela meditação, a vivacidade do
pensamento é em si o estado indescritível e nu da vacuidade consciente. Chamamos isso
de ver a face natural do pensamento inato ou o pensamento que surge como o
darmakaya.”

“Anteriormente, quando você determinou a identidade do pensamento e quando


investigou a calma e a mente em movimento, você descobriu que não havia nada além
dessa mente única intangível que é uma consciência natural autoconhecedora. É como a
analogia da água e as ondas.”
“Sendo assim, há alguma diferença entre calma e movimento?”

“Há alguma diferença entre pensar e não pensar?”

“É melhor ficar serenamente calmo? Você precisa ficar exultante com isso?”

“É pior quando um pensamento surge abruptamente? Você precisa ficar infeliz com
isso?”

“A menos que você perceba este engano oculto, você sofrerá a penúria da meditação.7
Portanto, a partir de agora, quando um pensamento não surgir, você não precisa fazer
com que um surja deliberadamente para treinar no estado de seu surgimento e quando o
pensamento surgir, você não precisa impedi-lo deliberadamente, a fim de treinar no
estado de seu não surgimento. Portanto, não seja tendencioso para a calma ou
movimento.”
7
Thrangu Rinpoche mencionou que a penúria da meditação significa um tipo de prática fraca e
instável, sem base para o progresso.

O princípio para este pensamento pode ser aplicado a todos os pensamentos. No


entanto, o meditador deve treinar por um tempo em simplesmente fazer uso dos
pensamentos, então, quando nenhum pensamento surgir, invoque um propositalmente e
mantenha sua essência. Caso contrário, corre-se o risco de perder de vista a identidade
dos pensamentos.

O meditador deve, portanto, ser instruído a continuar praticando diligentemente por


vários dias. Se for preferível, apresente algumas citações para incutir certeza.

Apontando a percepção inata

Terceiro, a postura física e assim por diante deve ser mantida como antes. Então
pergunte:

“Enquanto estiver na serenidade do estado natural, permita que uma percepção visual,
como a de uma montanha ou uma casa, seja experienciada vividamente. Ao olhar
diretamente para a experiência, essa percepção em si é uma vacuidade consciente
intangível? Ou, é a natureza consciente e vazia da mente? Olhe por um tempo para ver
qual é a diferença entre elas.”

Deixe o meditador olhar. Ele pode dizer: “Não há diferença. É uma vacuidade
consciente intangível.” Se assim for, pergunte:

“É uma vacuidade consciente após o desaparecimento da imagem percebida? Ou a


imagem é uma vacuidade consciente por meio do cultivo da vacuidade consciente? Ou a
própria imagem percebida é uma vacuidade consciente?”

Se vier a resposta de que se trata de um dos dois primeiros casos, o meditador não
investigou completamente o que foi exposto acima e, portanto, ele deve ser enviado
mais uma vez para meditar e determinar isso.
Se ele experimentar que a própria imagem visual vividamente percebida – não
identificável de nenhuma maneira que não como uma mera presença de percepção não
confinada – é uma vacuidade consciente, o mestre deve então dar esta instrução de
apontar:

Quando você percebe vividamente uma montanha ou uma casa, não importa como essa
percepção apareça, ela não precisa desaparecer ou ser interrompida. Em vez disso,
enquanto essa percepção é experimentada, ela mesma é uma consciência vazia
intangível. Isso é chamado de ver a identidade da percepção.

Anteriormente, você dissipou as incertezas quando olhou para a identidade de uma


percepção e determinou que as percepções são a mente. Consequentemente, a percepção
não está fora e a mente não está dentro. Ela é meramente e nada mais do que esta mente
vazia e consciente que aparece como uma percepção. É exatamente como o exemplo de
um objeto de sonho e a mente que sonha.

Desde o primeiro momento em que ocorre uma percepção, ela é uma vacuidade
percebedora naturalmente liberada e intangível. Este estado percebedor, mas intangível
e nu de percepção vazia, é chamado de ver a face natural da percepção inata ou a
percepção que desponta como o darmakaya.

Sendo assim, “vazio” não é algo melhor e “perceber” não é algo pior, e perceber e ser
vazio não são entidades separadas. Portanto, você pode continuar treinando em tudo o
que é experienciado. Quando estiver percebendo, a fim de treinar deliberadamente na
percepção, não há necessidade de detê-la. Quando vazio, a fim treinar deliberadamente
na vacuidade, você não precisa produzi-la.

Sempre que você se lembrar da presença consciente da prática, toda aparência e


existência será o Mahamudra do darmakaya, sem a necessidade de ajustar, aceitar ou
rejeitar. E assim, a partir de agora, continue o treinamento sem se inclinar para a
percepção ou para a vacuidade, reprimindo ou encorajando qualquer uma delas.

No entanto, por um tempo, permita que vários tipos de percepções ocorram. Enquanto
percebemos, é essencial não se distrair de sustentar a essência não identificável.

Portanto, deixe o meditador treinar por vários dias. Se for preferível, apresente algumas
citações para incutir certeza.

Erradicando as falhas e identificando


a prática de meditação

Isso tem duas partes:


Descrevendo os erros e a meditação defeituosa
Explicando a prática de meditação perfeita

Descrevendo os erros e a meditação defeituosa


É conhecido, tanto quanto o sol e a lua, que na tradição Dakpo Kagyu a prática de
meditação é o Mahamudra. Aparentemente, há uma variedade de noções sobre o
Mahamudra devido às formas individuais de compreensão. Eu não vou a refutar as
outras. Vou, no entanto, explicar um pouco para encorajar a compreensão daqueles que
confiam em mim.

Especificamente, quando as pessoas colocam ênfase exclusiva na calma mental, sua


mente calma se torna como um lago congelado, de modo que todas as percepções
grosseiras e sutis dos seis sentidos cessam. Ou, mesmo que não cessem, tornam-se
pouco claras e nebulosas. Acreditando ser este o estado de meditação, a primeira
incidência é uma falha grave, enquanto a última é a deficiência conhecida como estado
inerte.

Existem também alguns que consideram o estado de meditação como o permanecer de


uma maneira estúpida que não percebe o que é ou o que não é. Isso é se perder no
esquecimento, sem nenhuma ideia do que está acontecendo.

Algumas pessoas consideram a meditação um estado vazio no qual o pensamento


anterior cessou e o pensamento seguinte ainda não surgiu.

Essas formas não são abraçadas pela vipashyana e, portanto, são falhas graves. Mesmo
ao abraçar tais estados com a vipashyana, essas pessoas sentem que devem permanecer
impassíveis nesta manutenção do Mahamudra. Assim, isso se torna uma fome de
meditação.

Além disso, alguns identificam o estado de meditação como meramente permanecer em


um estado cheio de êxtase. Nesse caso, eles não o abraçaram com a vipashyana. Ou,
mesmo que o façam, eles sentem que devem bloquear todas as experiências perceptivas.
Mesmo ao não bloquear, considerar as percepções como oponentes ainda não é correto.

Se um estado de ser totalmente vazio, livre de manter qualquer pensamento dos três
tempos em mente, é considerado o estado de meditação, isso também não é abraçado
pela vipashyana e tem o grave defeito de bloquear a experiência perceptiva. Mesmo
quando abraçado, ele ainda não é correto, uma vez que há uma aversão à experiência e à
percepção.

Ou, se a meditação é considerada como manter constantemente a postura conceitual de


que todas as percepções – tudo o que aparece e é experienciado – são insubstanciais,
esse apego à inconcretude é uma falha grave.

Além disso, se a meditação é considerada como abster-se distraidamente de aceitar ou


rejeitar a totalidade da experiência perceptiva, essa é uma calma indiferente e é
simplesmente um estado comum.

Não vejo nenhuma dessas posturas como sendo o treinamento no Mahamudra, mas elas
existem como várias maneiras de certos indivíduos criarem carma.

Novamente, um estado de mente lúcido e livre de pensamentos pode ser considerado


exclusivamente como a meditação. A consciência lúcida e indescritível, depois que um
pensamento cessa, é de fato o treinamento de meditação. No entanto, se você sente que
deve estar livre de pensamentos, isso ainda é imperfeito.

Da mesma forma, quando um pensamento se agita, também é imperfeito sentir que você
deve interrompê-lo e então permanecer lúcido e livre de pensamentos.

Ambos são casos de ainda não ter estabelecido o movimento do pensamento e a


percepção.

Além disso, um estado totalmente desperto de mente vazia e consciente depois de se


tornar intensamente consciente, pode ser considerado a meditação. Embora esta seja de
fato a prática da meditação, ela ainda é imperfeita no sentido de não gostar de uma
presença de mente natural, livre e totalmente aberta e, em vez disso, preferir focar
excessivamente de maneira não relaxada.

É, portanto, extremamente importante não se confundir sobre as formas erradas de


prática de meditação.

As formas imperfeitas de treinamento ainda têm a possibilidade de progresso, mas são


difíceis de sustentar e, portanto, envolvem o risco de se fartar da prática. Por meio de
várias formas de se focar e relaxar em todas as instâncias – percebendo ou estando
vazio, pensando ou estando calmo – você deve investigar e reconhecer minuciosamente,
a fim de encontrar uma maneira confortável de sustentar isso.

Explicando a prática de meditação perfeita

Em segundo lugar, a prática da meditação é conhecida como a mente comum sem


distração. Mente comum significa simplesmente o estado natural de sua mente. Quando
você tenta corrigi-la julgando, aceitando ou rejeitando, não será mais sua mente comum.

Portanto, mantenha sem distração o estado natural de sua mente com uma presença
naturalmente consciente, não importa como ela seja ou o que é percebido ou sentido.
Isso é chamado simplesmente de “meditação”. 8 Fora isso, não há sequer uma ponta de
cabelo para ajustar mentalmente ao meditar.
8
A palavra para “meditar” (sgom skyong ba) também pode ser traduzida como manter a prática ou
continuar o treinamento.

É explicado desta forma: “Embora não haja sequer um átomo para cultivar pela
meditação, você não deve se distrair nem por um instante.” Em outras palavras, a mente
comum sem distração significa manter a forma como sua mente é naturalmente, sem se
distrair.

Sendo assim, enquanto a sua presença atenta naturalmente consciente não se desviar,
ainda será o treinamento de meditação, quer o seu estado mental esteja totalmente vazio,
permaneça serenamente bem-aventurado ou os pensamentos fluam rapidamente e as
percepções múltiplas apareçam vividamente. Portanto, você não precisa ter dúvidas
sobre essas expressões do estado natural. Em lugar de manter uma sensação de
tranquilidade natural, não há sentido em tentar interromper ou bloquear o fluxo de
pensamento ou percepção para permanecer livre de pensamento.
A razão é esta: assim como antes, quando você dissipou as incertezas e durante a
instrução de apontar, várias entidades, como a essência da mente, o pensamento, a
experiência perceptiva e assim por diante, não existem. Em vez disso, elas são as
expressões ilimitadas dessa mente única, assim como o próprio oceano é o que é visto
como ondas. Portanto, esse fluxo natural da mente não difere em qualidade, não importa
como ele apareça.

Sendo assim, você deve manter a presença mental na quietude quando estiver calmo, ao
pensar quando os pensamentos ocorrerem e ao perceber quando as percepções
ocorrerem. Não tente pensar deliberadamente quando estiver quieto ou impedir um
pensamento quando ele ocorrer. Não importa qual seja o seu estado – lucidamente claro,
totalmente vazio, cheio de êxtase ou completamente inquieto – simplesmente
permaneça sem distração. Você não precisa modificar ou corrigir nada.

Em suma, tudo é treinamento de meditação quando você tem presença de mente


naturalmente consciente e nada é meditação quando você está distraído. Portanto,
entenda a grande importância de manter essa atenção plena. Em algum ponto, quando a
atenção plena e sua mente não são mais entidades diferentes, tudo se transforma na
natureza da presença consciente e daí em diante é uma “viagem suave”.9
9
Em outras palavras: “sua prática de meditação é simples e fácil de manter.”

Você pode agora se perguntar: “Bem, não seria suficiente simplesmente abraçar tudo o
que é experimentado com atenção plena desde o início, sem ter que seguir etapas
graduais de orientação?” Sim, pode ser o suficiente para algumas raras pessoas
carmicamente destinadas do tipo instantâneo. Para outros, a menos que sigam as etapas
graduais de orientação para investigar e dissipar as incertezas sobre as percepções e a
mente, não obterão a certeza que acompanha a experiência de ver a essência. Pode-se ter
outros tipos de atenção plena, mas estes não serão suficientes, a menos que seja a
presença atenta naturalmente consciente.

Consequentemente, o ponto central aqui depende das palavras e do significado da mente


comum e da mente natural sem artifícios. Todos os sutras, tantras e ensinamentos dos
sidas da Índia e do Tibete que expressam a verdadeira visão conduzem a este ponto
também.
Parte Três
Formas subsequentes de continuar
o treinamento

Isso tem seis pontos:


Razões gerais para o treinamento de meditação
O treinamento especial que não separa a meditação
da pós-meditação
Atravessando obstáculos e desvios
Aprimorando ao transcender para o não surgido
Desenvolvendo força por meio da utilização de condutas
Como a realização surge e as práticas de aprimoramento

Razões gerais para o treinamento de meditação

Não é suficiente que a prática de meditação tenha nascido; você deve sustentá-la
perfeitamente. A menos que você a sustente depois que ela surgiu, você continuará
sendo uma pessoa comum ou se empenhará em outros tipos de práticas conceituais para
coletar e purificar.10 Isso seria se desviar do verdadeiro significado, assim como se o rei
se comportasse como seus súditos ou se um leão se juntasse a uma matilha de cães.
10
O envolvimento em práticas para reunir a acumulação de mérito e purificar os obscurecimentos do
carma negativo em vez de treinar no Mahamudra também é conhecido como perder a visão na
conduta.

Para lidar com isso, uma vez que a repulsa [ao samsara] é como os pés ou o guardião de
sua prática de meditação, você deve contemplar o sofrimento que o permeia. Mantendo
em sua mente mais profunda que esta vida é impermanente e sem substância duradoura,
corte os laços mundanos e decida equalizar a vida com a prática.

Uma vez que a devoção é como a cabeça ou o aprimoramento de sua prática de


meditação, se entregue totalmente e faça súplicas sinceras ao seu guru e aos mestres da
linhagem Kagyu, nunca deixando de vê-los como budas em pessoa.

Uma vez que a atenção plena é a sentinela ou o coração de sua prática de meditação,
nunca a abandone, não apenas durante as sessões, mas treine em mantê-la como uma
companhia constante, lembrando-se do estado natural em todos os momentos e em todas
as situações.

Faça da compaixão a atividade de sua prática de meditação, de modo que você cultive a
bondade amorosa, a compaixão e a boditchita por todos os seres sencientes e os traga
sob sua proteção com dedicação e aspirações.

Até que você tenha alcançado a perfeição em seu treinamento de meditação, mantenha-
se em lugares isolados e considere como obstáculos de Mara os atos superficiais de
“beneficiar os outros”, ensinando e propagando o Darma a eles.
Faça da modéstia e da consciência a armadura de sua prática de meditação, de modo que
internamente você tome sua própria mente como testemunha, enquanto externamente
não crie nenhuma causa para desagradar seu precioso professor ou amigos do Darma.
Esforce-se na prática da meditação permanecendo em um retiro estrito na montanha,
isolando seu quarto, mantendo-se em silêncio e assim por diante.

O treinamento especial que não separa


a meditação da pós-meditação

Desde o momento em que você se apodera da meditação até a Unidirecionalidade


superior, é ensinado que você só tem um tipo comum de estado de meditação e pós-
meditação, não o tipo autêntico. No entanto, tudo é treinamento de meditação se sua
presença de mente naturalmente consciente não vaguear enquanto pratica.

Portanto, embora você possa estar livre de aceitar e rejeitar, até conseguir misturar a
meditação e a pós-meditação da realização, você deve fazer do estado de meditação a
parte principal de sua sessão e manter sua essência de forma unifocada. 11 Durante os
intervalos, concentre-se na pós-meditação e faça uso de pensamentos e percepções.
Entenda que essa é a intenção da maioria das Linhagens de Prática. É assim também que
ela aparece para a maioria das pessoas, mesmo que elas possam ter dado à luz a
meditação; então é assim que deve ser ensinado.12
11
Nesse contexto, essência é sinônimo de estado natural.
12
Thrangu Rinpoche mencionou que as quatro iogas neste contexto devem ser praticadas com o
reconhecimento da natureza da mente.

Quanto a sustentar a essência, é ensinado que você deve permanecer conforme essas três
maneiras: renovado, simples e solto.

Para permanecer renovado, o ponto-chave do corpo é relaxar de forma profunda


interiormente. O ponto principal da fala é não forçar a respiração. O ponto chave da
mente é permanecer despreocupado e sem tomar nada como suporte.

Para ser simples, deixe sua mente como ela é naturalmente, deixe-a sem ser uma
entidade definível e permaneça sem distração.

Para ser solto ou sem restrições, permaneça livre de aceitar e rejeitar, permaneça sem
esforço e deixe as seis impressões dos sentidos na naturalidade.

Desta forma, nove pontos essenciais são listados. Em outras palavras, você deve possuir
estes três pontos-chave:

Permaneça renovado na naturalidade despreocupada.


Permaneça simples, sem artifícios e livre de julgamentos.
Permaneça solto e sem envolvimento com o esforço.

Aqui estão cinco analogias para isso:

Eleve sua experiência e permaneça totalmente aberto como o céu.


Expanda sua presença de consciência e permaneça pervasivo como
a terra.
Estabilize sua atenção e permaneça inabalável como uma montanha.
Ilumine sua consciência e permaneça brilhando como uma chama.
Clarifique seu estado desperto livre de pensamento e permaneça lúcido
como um cristal.

Além disso, permaneça sereno como nestes três exemplos:

Não obscurecido como um céu sem nuvens, permaneça em uma abertura


lúcida e intangível.
Imóvel como o oceano livre de ondas, permaneça na completa tranquilidade,
sem se distrair com os pensamentos.
Imutável e brilhante como uma chama que não é perturbada pelo vento,
permanece totalmente claro e luminoso.

Eis aqui como é ensinado: primeiro, suspenda todos os esforços para relaxar
profundamente o corpo e a mente. A seguir, deixe ser no frescor da consciência presente
sem artifícios e sem indecisão. Finalmente, mantenha a prática depois de determinar que
todas as percepções são não surgidas e naturalmente livres.

“Relaxar profundamente o corpo” significa simplesmente liberar o esforço de contrair


ou tensionar excessivamente o corpo, mas não abandonar todos os pontos-chave da
postura física. A naturalidade, portanto, é o ponto-chave mais importante do corpo.

“Deixar ser sem artifícios e solto” significa simplesmente abster-se de um julgamento


ambicioso e orientado para objetivos, sem se tornar apático ou obscurecido por um
humor de meditação nebuloso. Portanto, mantenha o estado nu de uma presença de
mente lúcida.

“Determinar que as percepções são não surgidas” significa simplesmente que toda
percepção se dissolve – no sentido de serem livres de uma identidade que surge,
permanece ou cessa – no exato momento em que é abraçada por sua presença de mente
naturalmente consciente. Isso não significa rotulá-la com o conceito de “autoliberação
não surgida”. Portanto, treine em não identificar nada.13
13
Não identificar ou localizar significa permanecer aberto, não se identificando, rotulando ou se
fixando.

Se o embotamento e a agitação tornam difícil manter sua mente serena, ajuste-os com
seus respectivos pontos-chave. Por um tempo, treine para ser unifocado, tão firme
quanto uma estaca cravada no chão.

Quando você se cansar disso, mantenha uma presença de mente constante e


naturalmente consciente durante os intervalos e durante todas as instâncias da pós-
meditação, e mantenha-a sem distração, não importa qual pensamento ou percepção
ocorra.

É como o exemplo de um pastor competente cuidando de seu gado. Eles podem circular
livremente. Ele não tem que mantê-los juntos. Basta simplesmente não perdê-los de
vista. Da mesma forma, não importa qual pensamento ou percepção ocorra, você não
precisa bloqueá-lo ou mantê-lo sob controle. Em vez disso, promova uma presença de
mente naturalmente consciente e, assim, continue a prática com uma naturalidade sem
restrições, sem identificar o que quer que seja experimentado.

Para explicar melhor, durante os quatro tipos de atividades diárias e assim por diante,
mantenha continuamente uma presença de mente lúcida e sem distração. Ao fazer isso,
embora a distração seja convincente no início, uma presença mental espontânea se
expande gradualmente, de modo que você experimenta quase todos os pensamentos e
percepções como um estado vívido de vacuidade consciente.

Se isso for absolutamente difícil de manter, deixe um pensamento ou percepção se


desdobrar dentro do estado de calma e examine sua identidade para determiná-lo. Em
seguida, continue da maneira acima.

Quando você persevera nesse treinamento durante a serenidade e a pós-meditação,


chegará um ponto em que tudo será abraçado pela presença de mente naturalmente
consciente. É aqui que pensamentos e percepções, não importa como ocorram, são todos
experimentados, no exato momento em que são pensados ou percebidos, como uma
vacuidade consciente em que nada pode ser identificado ou localizado.

Esses dois – manter a essência de forma unifocada durante a serenidade e cuidar dos
pensamentos e percepções com presença de consciência durante a pós-meditação – não
são essencialmente diferentes. Você também terá uma variedade de humores de
meditação intensos e leves de êxtase, clareza e não-pensamento.

Se você se mantiver na companhia desses humores, eles obscurecerão o estado natural.


Portanto, mantenha uma presença consciente aguçada e alerta. Repetidamente, liberte
sua mente quando ela estiver imersa nos humores de meditação. Mantenha o estado
fresco e nu.

Atravessando obstáculos, desvios e extravios

Terceiro, para pessoas com pouco aprendizado, que passaram pouco tempo seguindo
seu mestre, há um grande risco de se envolverem em desvios devido à compreensão
intelectual e humores meditativos.

Dentre os quatro tipos de desvios descritos a respeito da vacuidade, o desvio quanto à


natureza dos conhecíveis tem dois aspectos:

Em vez de reconhecer o ponto essencial do treinamento como a unidade indivisível de


percepção e vacuidade dotada com o supremo de todos os aspectos, o desvio básico é
desconsiderar o bem e o mal achando que isso se trata de um estado vazio irreal em que
as falhas e qualidades são totalmente sem importância. Embora o meditador tenha
entendido o significado exato do treinamento essencial e seja capaz de explicá-lo, o
desvio temporário é deixar de trazê-lo para a experiência pessoal.

O desvio com respeito ao caminho tem dois aspectos:


Em vez de reconhecer que o treinamento é a unidade indivisível de caminho e fruição e
que essa fruição está presente como uma posse natural, o desvio básico é acreditar que o
caminho é o treinamento, enquanto a fruição será alcançada em um outro momento.

Embora o meditador possua o treinamento exato, o desvio temporário é desconfiar dele


e procurá-lo em outro lugar na esperança de algo superior ou meditar enquanto adiciona
algo melhor.

O desvio com respeito ao remédio tem dois aspectos:

Em vez de reconhecer o treinamento como a unidade indivisível de discarte e remédio, e


que conhecendo sua face natural o descarte se torna o próprio remédio do treinamento, o
desvio básico é considerar a emoção a ser descartada e o treinamento como separados e,
assim, usar o treinamento como um remédio contra a emoção.

Sempre que um pensamento se move ou ao se deparar com uma situação difícil, o


desvio temporário é (acreditar que) a pessoa só pode se tranquilizar na meditação depois
que a dificuldade foi superada.

O desvio com respeito à generalização tem dois aspectos:

Em vez de reconhecer que o treinamento é a unidade indivisível de meios e


conhecimento e que todos os fenômenos são a própria essência, o desvio básico é
generalizar com um foco conceitual que eles são desprovidos de natureza própria.

Em vez de colocar o treinamento em prática, o desvio temporário é generalizar


querendo recriar uma experiência passada. Ou pode ser acreditar que a meditação
deveria interromper os pensamentos: “Estou insatisfeito com o estado atual. Devo criar
um melhor mais tarde!”14

Como ilustrado, esses são exemplos de desvios do treinamento de meditação. Alguns


tipos de desvio podem mandá-lo para os reinos inferiores ou transformá-lo em uma
pessoa insensível que nunca obtêm uma experiência completa na prática. Portanto, é
essencial não se desviar.
14
Literalmente, “Isso não está funcionando! É necessário algo mais!”

Extravios

De modo geral, enquanto continua o treinamento, você encontrará uma miríade de


diferentes humores de meditação como êxtase, clareza e ausência de pensamento. Em
particular, os praticantes que têm canais, energias e essências excelentes, ou se dedicam
vigorosamente à prática sem serem interrompidos pela preguiça e distrações, terão
experiências de meditação maravilhosas de uma variedade que desafia a descrição.
Aqueles que praticam enquanto mesclam sua prática com outras atividades encontrarão
apenas pequenos fragmentos de tais estados meditativos.

Apesar disso, a experiência de êxtase pode ser de muitos tipos diferentes. Isso inclui seu
corpo se sentir permeado pelo êxtase – até mesmo o calor e o frio são agradáveis; você
não nota se tem ou não um corpo; você se sente tão feliz e alegre que tem vontade de
cair na gargalhada; você se sente maravilhado e radiante, livre e tranquilo; ou você não
nota se é dia ou noite.

A experiência de clareza pode ser de vários tipos. Isso inclui ter um estado mental
lúcido, todas as percepções se tornarem cristalinas, ver coisas próximas e distantes
mesmo à noite, ver exibições de luminosidade, ter a sensação de conhecer a mente de
outras pessoas e assim por diante.

A experiência da ausência de pensamento tem uma variedade de tipos. Isso inclui ver os
vários sinais de “formas vazias”, ter a sensação de que tudo é vazio, ver as percepções
como insubstanciais e desprovidas de natureza própria, ver a si mesmo e as percepções
como vazias, sentir-se certo da vacuidade e assim por diante.

Quer seja um desses três humores meditativos – êxtase, clareza e ausência de


pensamento – em combinação ou parte de qualquer um deles, você pode se apegar a
essas experiências meditativas como sendo supremas e treinar de uma forma que é
dominada por elas, ficando feliz quando elas surgem e infeliz quando elas não surgem.
Se for esse o caso, o êxtase causará um renascimento nos Reinos do Desejo, a clareza
nos Reinos da Forma e a ausência de pensamento nos Reinos Sem Forma.

Mesmo se você não estiver se apegando a esses humores ou estados meditativos, um


treinamento de meditação que é dominado por eles fará com que você gere os estados
dos shravakas e pratiekabudas, e você não alcançará nada além de um descanso dos
sofrimentos dos reinos inferiores. E isso nem minimamente permitirá que você atinja o
estado búdico.

Além disso, pessoas cuja inteligência é fraca e que receberam poucos ensinamentos
podem interpretar mal o treinamento na essência original. Eles promoverão um
treinamento imperfeito, um tipo denso de calma, um estado de meditação nebuloso ou
um desvio para uma versão distorcida do estado natural.

Portanto, alguns desvios têm o perigo de levar ao renascimento nos reinos inferiores,
enquanto outros podem fornecer nada mais do que um estado samsárico de bem-estar.
Como o exemplo de caminhar para o oeste ou para o norte, quando se pretende ir para o
leste, o objetivo está equivocado.

Quanto às experiências meditativas, existem três tipos que estão conectadas a shamata,
vipashyana e a experiência real de realização. Entre essas três, a última não é
considerada um desvio. A segunda, quando o treinamento for sustentado com
imediatismo e livre de apego, trará progresso depois que os humores meditativos se
dissolverem naturalmente.

Não obstante, as experiências meditativas que envolvem uma imersão semelhante a um


transe são, em sua maioria, obstáculos para avançar na prática espiritual e obscurecem o
estado natural. Será mais eficaz treinar depois de destruir esses humores de meditação
com vários métodos.

Aprimorando ao transcender para o não surgido


Isso tem cinco partes:

O momento de transcender
Investigando pensamentos e percepções
Investigando a meditação e a mente que medita
A transcendência real para a abertura não surgida
Misturando a meditação e a pós-meditação, dia e noite

O momento de transcender

Isso é quando os densos humores de meditação do praticante de êxtase, clareza e


ausência de pensamento se dissolveram. Sua mente se clarificou a tal ponto que o
treinamento de meditação na vacuidade consciente semelhante ao espaço tornou-se
constante. Ou, é quando a experiência diurna em sua maior parte se torna constante. É
sempre que o movimento de um pensamento é abraçado pela presença de consciência,
então ele se torna uma vacuidade consciente lúcida, e sempre que as percepções dos seis
sentidos são abraçadas pela presença de consciência, elas se tornam percepções vazias
vívidas. Quando você encontra uma certeza decisiva dentro dos pensamentos e
percepções, é hora de transcender.

Se a transcendência ocorrer muito cedo, você perderá a experiência real e, em vez disso,
se tornará um intelectual insensível que vomita as palavras de uma “visão elevada”. Se
for tarde demais, mesmo que haja muitas pessoas afortunadas que dissolvem seu apego
às experiências e são liberadas na realização estável, outras podem intensificar seu
apego a pensamentos e convicções nobres e se envolver em vários níveis de atividades
virtuosas.

Investigando pensamentos e percepções

Durante as práticas preliminares em geral e na ioga do guru em particular, você deve se


esforçar em suplicar com devoção profunda e sincera para que tudo o que aparece e
existe possa despontar como o darmakaya. Sustente de forma unifocada o método
essencial de meditação conforme explicado anteriormente e, assim, clarifique sua
mente. Sem se distrair, permaneça totalmente aberto e lúcido. Nesse estado, deixe vários
pensamentos densos e sutis surgirem e, enquanto olha para eles sem se apegar, veja se
há alguma diferença entre o denso e o sutil. Veja se há alguma diferença entre a
identidade deles e a identidade do estado calmo da mente.

Da mesma forma, examine os vários tipos de pensamentos, como alegria e tristeza, bem
como os pensamentos dos três venenos. Crie diferentes tipos de atividade de
pensamento de modo que às vezes você olhe enquanto os interrompe, às vezes enquanto
pensa ainda mais, às vezes enquanto os persegue e assim por diante.

Examine as várias percepções das coisas externas, belas ou feias, agradáveis ou


desagradáveis. Deixe que as percepções ocorram de maneiras variadas por meio de
expressões físicas diferentes, abrindo e fechando os olhos, olhando para a direita e para
a esquerda, e veja se há alguma diferença entre elas.

Passe alguns dias investigando se há alguma diferença entre a identidade delas e a


identidade da mente, a fim de obter alguma experiência decisiva. Lembre-se por meio
da instrução de apontamento de pensamentos e percepções explicada anteriormente, de
modo a desenvolver certeza.

Investigando a meditação e a mente que medita

Não é suficiente apenas pensar que o treinamento de meditação essencial é um estado


indescritível além dos conceitos, livre de surgimento e cessação. Dentro de um estado
mental não distraído e totalmente aberto, olhe vividamente e sem se fixar para a
identidade do estado de meditação. Olhe repetidamente para ver como ele é.

Da mesma forma, olhe repetidamente para a mente que medita e para a mente que se
apega ao “eu”.

Além disso, observe se há alguma diferença entre a mente do passado, do futuro ou do


presente. Veja de onde veio a mente do passado, de onde virá a mente do futuro e como
é a mente do presente. Passe alguns dias esclarecendo qualquer incerteza que você possa
ter sobre isso e ganhe uma experiência decisiva.

O objeto de meditação, o meditador e os estados mentais do passado, presente e futuro


não possuem naturezas diferentes. Em vez disso, eles são essa mesma mente que pode
aparecer de qualquer maneira, embora não tenha absolutamente nenhuma existência
concreta.

Em sua identidade, a mente é totalmente não contaminada por tais atributos


preconcebidos de ser definível, de ter um local para ser colocada, um apoio ou lar, de
surgir, habitar e cessar, ou de distinções de ser passado, presente ou futuro. Desde o
início, ela é sem base e sem raiz, nunca esteve sujeita a confusão ou a liberação, e não é
contaminada por falhas nem melhorada por qualidades. Reconheça que ela é
autoexistente, naturalmente pura, única, totalmente aberta e pervasiva. Sem se fixar que
isso seja assim, treine alguns dias de forma natural e livre para ganhar alguma certeza
decisiva.

Se o praticante, no entanto, tiver um poder intelectual fraco, então separe as


investigações mencionadas acima na identidade dos pensamentos, percepções,
meditação, meditador e estados mentais dos três tempos. Faça com que o praticante
examine-os por alguns dias. É essencial garantir que uma certeza decisiva seja obtida.

A transcendência real para a abertura não surgida

Agora jogue fora todas as preocupações sobre o meditador e o objeto de meditação, o


experimentador e o objeto da experiência, o realizador e o que é realizado. Abandone
todos os objetivos, como manter noções sobre se “é isso” ou não e o impulso de meditar
e ter consciência. Mesmo sem a intenção de “eu não devo manter nada em mente”,
simplesmente permita que sua mente comum, pura e sem artifícios, seja como é
naturalmente.

Não importa que tipo de pensamento ou percepção normal surja habitualmente, não
tente ajustá-lo ou corrigi-lo mentalmente; simplesmente deixe-o entregue a si mesmo.
Não dê continuidade a ele com especulações. Não considere uma divagação ocasional
de sua mente como uma falha, e não a examine.

Sempre que algo for pensado, solte em simplesmente ser o seu estado não fabricado
comum, sem nenhum tipo de objeto que precise ser meditado, saboreado ou posto em
prática.

Durante as três atividades de comer, deitar ou movimentar-se, faça-as em um estado de


ser livre de conceitos e abstenha-se de qualquer outra atividade. Além de uma pequena
quantidade de oferenda de torma e súplica, deixe de lado todos os outros tipos de prática
espiritual e permaneça em silêncio. Quando estiver deitado, faça isso em um estado
comum, não artificial e aberto.

Desse modo, por alguns dias, deixe de lado todos os tipos de atividades mentais e
permaneça como você é naturalmente, e assim ganhe alguma experiência.

Em algum ponto, o apego ao bem se dissolve, a confusão dos pensamentos negativos se


esgota e você ganha a certeza definitiva de que tudo é a própria substância do
treinamento. A mente comum – exatamente como ela é e durante qualquer tipo de
experiência – deve então ser apontada como nem surgindo nem cessando, nem
precisando ser aceita ou rejeitada, nem necessitando ser alcançada nem não alcançada.
Ela deve ser apontada como sendo uma pureza natural autoexistente, uma abertura
autoliberada que nem é distraída nem não distraída, nem lembrada nem esquecida, nem
experimentada nem não experimentada, nem realizada nem não realizada. Tudo é a
substância do treinamento, tudo é o treinamento ininterrupto. Fique suspenso assim por
cerca de cinco dias e apenas ocasionalmente tente buscar um estado de mente que não
seja o treinamento de meditação.

Misturando a meditação e a pós-meditação,


dia e noite

Esse tipo de treinamento ininterrupto mistura a serenidade e a pós-meditação. Quando


há uma distração ocasional durante a pós-meditação, basta simplesmente reconhecer o
estado natural, sempre que for lembrado, com a presença de consciência da
compreensão que se segue.

Da mesma forma, é mais eminente quando a constância do dia se mistura à noite para
abarcar os estados de sono e sonho. Se não for esse o caso e você se deludir, é, no
entanto, suficiente reconhecer o estado natural imediatamente ao acordar.

Permaneça assim por cerca de cinco dias sem qualquer outro tipo de prática conceitual e
sem absolutamente qualquer ação mental.

Depois disso, descanse alguns dias da maneira que quiser. Em seguida, passe sete a dez
dias na transcendência, alternando-a com o descanso. Assim, transcenda até que sua
realização do estado natural seja ininterrupta ao longo do dia. Uma vez que ela se torne
constante durante o dia, será gradualmente experimentada durante a noite.

Essa forma de transcender também é conhecida como a instrução em treinamento


constante. É a intenção do incomparável Revelando o Oculto de Gampopa15 trazer à
tona o aprimoramento no estabelecimento do estado natural nu. Por essa razão, se você
seguir esta instrução com precisão, em questão de dias poderá cobrir uma realização
que, de outra forma, levaria muitos anos ao se apegar a algo agradável como sendo o
estado natural.
15
Revelando o Oculto é intitulado Gabpa Ngonjung.

Se este aprimoramento não for alcançado, então por um tempo a maneira de continuar
as práticas espirituais de serenidade e pós-meditação deve ser realizada como antes.

Desenvolvendo força pela utilização das condutas


Isso tem sete pontos:
O momento para a utilização e as condutas
Utilizando os pensamentos
Utilizando as emoções
Utilizando deuses e demônios
Utilizando o sofrimento
Utilizando a doença
Utilizando o processo de morrer

O momento para a utilização e as condutas

Tendo chegado à realização do reconhecimento do estado de meditação, o momento


para a utilização é quando você anseia avidamente pelas coisas desta vida, quando se
depara com graves dificuldades ou quando há pensamentos latentes cuja natureza você
não reconhece. Em suma, é para sempre que você nutrir um tipo de apego preocupado
que torne difícil continuar sua prática espiritual naturalmente.

A utilização também é para ser aplicada em retiro, quando seu treinamento de


meditação se tornou firme. Aplique-a para estabilizar e aprimorar sua prática quando
você se engajar nos vários tipos de conduta e quando encontrar as dificuldades e
preocupações mencionadas acima.

Além disso, não há razão para deixar de lado a prática soberana de utilizar tudo o que
aparece e existe sustentando o estado natural livre de atitude conceitual para treinar em
outra forma de prática orientada para remédios. O momento para a utilização é quando
sua meditação e pós-meditação se tornam firmes.

Os tipos de conduta a serem utilizados são os três tipos de conduta elaborada, não
elaborada e extremamente não elaborada pertencentes ao caminho do Mantra Secreto –
ou, a conduta sempre excelente, a conduta secreta, a conduta da consciência da
disciplina ióguica, a conduta de grupo, a conduta da vitória completa e assim por diante.

Muitos desses tipos foram ensinados, mas neste caso, como uma conduta para aprimorar
o treinamento de meditação, aplique a conduta sempre excelente que não está em
conflito com os treinamentos monásticos. Também, de acordo com a conduta não
elaborada, a muito não elaborada e a conduta da vitória completa, vá a lugares como o
topo de uma montanha, um lugar assombrado, um cemitério a céu aberto, sob uma
grande árvore ou em uma encruzilhada e faça a oferenda e a doação do kusulu enquanto
evita a conversa.16 Além disso, faça uso de um destes cinco tipos: a conduta do cervo
ferido de não estar envolvido com o mundo, a conduta do leão de não ter medo do que
quer que aconteça, a conduta do vento de não estar apegado a nada, a conduta do espaço
de não depender de absolutamente nada, ou a conduta do louco de ser livre de
julgamento e ponto de referência. Por meio desses cinco tipos, utilize todas as situações
difíceis para aprimorar o reconhecimento do estado natural.
16
A oferenda e doação do kusulu refere-se à prática de Chö.

Utilizando pensamentos

Quando você começar a se preocupar com o surgimento de vários pensamentos bons e


ruins, reconheça o pensamento e sustente a naturalidade não fabricada em tudo o que
surgir. Isso não significa que você deva se concentrar na tentativa de não pensar o
pensamento enquanto usa o estado desperto original como remédio para ele. Também
não significa que você deva tentar analisar a identidade do pensamento para estabelecer
sua ausência de natureza real. Nem significa que você deve tentar perseguir o
pensamento enquanto mantém a atenção plena.

O que isso significa é: reconheça a natureza do pensamento e simplesmente faça disso a


essência do seu treinamento de meditação. Não importa como seja, não considere o
pensamento como uma falha. Não tente suprimi-lo deliberadamente. Não se envolva
com ele. Em vez disso, sem tentar mudá-lo, simplesmente deixo-o em paz, de uma
forma que seja nua e clara, relaxada, espaçosa e livre.

Desta forma, o surgimento de qualquer pensamento não precisa ser confirmado ou


negado, aceito ou rejeitado, ajustado ou corrigido, mas torna-se vividamente o próprio
treinamento de meditação. Isso é conhecido como a utilização dos pensamentos.

Por não ter dominado esse princípio, movimentos turbulentos de pensamento parecem, a
principio, terrivelmente problemáticos. Agora, mergulhe direto na utilização deles.
Gradualmente, você os dominará, de modo que, eventualmente, eles serão utilizados no
mesmo momento em que você os reconhecer.

Utilizando as emoções

Quando você sentir uma emoção como qualquer um dos cinco tipos – apego, raiva,
embotamento, orgulho ou inveja – simplesmente a reconheça. Não tente suprimi-la. Não
se entregue a ela. Não tente alterá-la mentalmente. Em vez disso, deixe a própria
emoção sem nada para fazer, de uma forma que seja lucidamente presente e com uma
abertura espaçosa.

De vez em quando, tente criar uma emoção mais intensa, trazendo à mente algo ainda
mais provocativo do que os objetos anteriores, como os objetos de apego ou raiva,
sejam eles quais forem – coisas materiais externas ou seres sencientes. Assim que a
emoção for criada, continue a prática como antes.
Com relação ao embotamento, reconheça a atitude de adormecer. Quando estiver
prestes a cochilar, sem tentar alterar isso mentalmente, sustente o estado de
simplesmente estar nisso. Essa será uma forma de deixar o sono despontar como
luminosidade. Continue como acima até que isso seja dominado.

Utilizando deuses e demônios

Quando estiver cheio de pavor e terror causado por exibições mágicas de deuses,
demônios ou coisas do tipo, reconheça esse pensamento aterrador. Não o suprima nem
se entregue a ele. Em vez de tentar corrigi-lo, treine em simplesmente estar nesse
pensamento assustador de uma forma que seja clara, nua e desperta. Ao fazer isso, o
pensamento é experimentado como o treinamento de meditação.

Se a exibição mágica diminuir, imagine que uma exibição mágica ainda mais
aterrorizante e alucinante se desdobra. Aumente ainda mais o medo e continue a prática
como antes.

Utilizando o sofrimento

Ao ver, em geral, que o samsara é doloroso ou, em particular, um ser senciente que está
sofrendo, em vez de sentir compaixão, a atitude Hinayana é inspirar-se a praticar por
medo de sofrer. A atitude Mahayana é sentir bondade amorosa e amor por aquele único
ser e, assim exemplificado, por todos os seres sencientes.

Seja qual for o caso, utilize essa atitude particular, reconhecendo-a e, sem tentar alterá-
la mentalmente, deixe-a sem nada para fazer em um estado lúcido de estar desperto.

Sem perder a continuidade dessa experiência, gere bondade amorosa, compaixão e


boditchita para todos os seres sencientes e faça aspirações.

Utilizando a doença

Quando for acometido por uma doença, não se preocupe com suas causas,
circunstâncias, etc. Não se envolva em suprimi-la ou encorajá-la. Use a sensação aguda
de dor e desconforto como a própria substância do treinamento e, sem tentar alterá-la,
deixe-a em paz sendo vividamente presente.

Continuando dessa forma, você encontra progresso na medida em que a dor se torna o
treinamento de meditação sem ter que ser rejeitada. Se a doença diminuir, pratique
como mencionado acima.17
17
Imagine ser atingido por uma doença ainda mais terrível.

Além disso, investigue o apego ao ego dentro daquele que se sente doente, daquele que
se dói e daquele que experiencia, e deixo-o em paz sem artifício no estado que é livre de
qualquer identidade definível.

Os praticantes do Igual Sabor, Ro-Nyom, podem sustentar que agora se deve abandonar
o tratamento médico. Aqui, neste contexto, é mais uma questão de usar sua doença para
o treinamento espiritual, ao invés de presumir tolamente que não importa se o suporte
físico para atingir a iluminação morra ou não.

Utilizando o processo de morrer

Desta forma, deve-se treinar utilizando o que quer que aconteça e qualquer
circunstância que se encontre. Quando a hora da morte chegar, não importa o que
aconteça, incluindo a sequência gradual dos estágios de dissolução e assim por diante,
simplesmente reconheça-os. Não se envolva na preocupação de esperança ou medo, de
reprimir ou encorajar. Em vez disso, mantenha a prática na lucidez do estado desperto
nu, exatamente no que quer que se desdobre, sem tentar corrigi-lo.

No final, após o término dos estágios de dissolução, é ensinado que mãe e filho se
misturam – o despontar da luminosidade natural e a luminosidade do caminho que você
treinou – e que através disso você desperta para a iluminação, como água derramada na
água ou como o espaço se misturando com o espaço.

Se, por outro lado, você não despertar porque sua familiaridade é fraca, é ensinado que,
por meio de seu treinamento anterior na utilização, você pode atingir a maestria no
bardo ou em seu próximo renascimento.

Essas formas de utilização são encontradas nos vários escritos do incomparável


Gampopa. O princípio fundamental está contido em utilizar tudo o que acontece em
qualquer situação como sendo o Mahamudra e, assim, igualizar seu “sabor”. Os mestres
da Linhagem de Prática nas idades seguintes, entretanto, especificaram seis maneiras de
utilização e, portanto, temos esses treinamentos excelentes. A adequação delas parece
variar para diferentes tipos de pessoas e, portanto, devem ser usadas de acordo. Sob
outro nome, elas são conhecidas como Igual Sabor.

Como a realização surge e


as práticas de aprimoramento

Isso tem cinco pontos:


As várias maneiras pelas quais a realização surge
Unidirecionalidade e seu aprimoramento
Simplicidade e seu aprimoramento
Um só sabor e seu aprimoramento
Não-meditação e seu aprimoramento

As várias maneiras pelas quais a realização surge

Para a pessoa do tipo instantâneo, desde o início da quietude, da Unidirecionalidade ter


sido apontada, desde a Simplicidade ou do Um Só Sabor, o progresso até a Não-
meditação pode ocorrer de uma vez, etc., e este progresso é estável.
Para a pessoa do tipo que pula níveis, a próxima das quatro iogas acontece
repentinamente antes que a anterior seja estabilizada, e esse progresso é instável e irá
flutuar consideravelmente. Se tal pessoa permanecer continuamente em retiro e treinar
de forma unifocada, alcançará estabilidade. Se seu período de prática durante esta vida
durar apenas um curto período, é ensinado que ela obterá a realização verdadeira no
bardo.

Para a pessoa do tipo gradual, as quatro iogas ocorrem em uma sequência em que a
seguinte acontece gradualmente depois que a anterior foi estabilizada, e essa ocorrência
é constante. Portanto, é essencial perseverar.

É ensinado que quando as pessoas do tipo que pula níveis e do tipo gradual treinam na
devoção ao guru e são resolutas, não terão grande dificuldade em ser como o tipo
instantâneo.

Há uma série de variáveis sobre como essas iogas ocorrem, uma vez que cada um dos
três tipos de pessoas pode ser dividido de acordo com seu grau de aptidão mental.
Portanto, não parece possível sistematizar uma descrição exata da sequência das quatro
iogas. Não obstante, explicarei aqui a ordem progressiva bem definida para o tipo
gradual de pessoa, uma vez que inclui tanto as práticas espirituais quanto os pontos a
serem aceitos e rejeitados que pertencem às formas indefinidas pelas quais a realização
surge.

Unidirecionalidade e seu aprimoramento

Para a ioga da Unidirecionalidade, existem três estágios devido à diferença em graus


superior, médio e inferior de proficiência.

A Unidirecionalidade inferior se dá a partir do momento em que o samádi da vacuidade


consciente dotada da experiência de êxtase é um tanto difícil de manter até quando o
estado de meditação acontece sempre que você treina.

A Unidirecionalidade média é quando, de tempos em tempos, você chega ao samádi


mesmo sem praticar e, ao praticar, ele se torna estável.

A Unidirecionalidade superior é quando você chega totalmente ao estado de vacuidade


consciente – incessantemente durante o estado de meditação e pós-meditação, durante
as quatro atividades diárias e ao longo do dia e da noite.

Além disso, existem essas seis distinções quanto a se a perfeição foi ou não alcançada:

Você terá visto a essência da Unidirecionalidade se alcançou um conhecimento natural e


uma certeza confiante na vacuidade consciente de sua mente. Você não terá visto a
essência se não possuir essa certeza confiante, mesmo que possa permanecer nos
estados de êxtase, clareza e ausência de pensamento.

Você terá aperfeiçoado a força da Unidirecionalidade se este estado de vacuidade


consciente se tornar constante durante o dia e a noite. Você não terá aperfeiçoado sua
força se for um descanso ocasional.
Seus pensamentos terão se tornado meditação se qualquer pensamento ou percepção que
ocorrer, sem terem de ser abandonados, se transformam no treinamento de meditação
simplesmente ao abraçá-los com atenção plena. Eles não terão se tornado meditação se
você precisar meditar retendo-os.

As qualidades terão surgido em você se você atingir os sinais, como afastar-se das oito
preocupações mundanas. Elas não terão surgido se sua mente não for flexível.

Você terá plantado a semente dos corpos da forma se durante a certeza que se seguiu
sentir compaixão pelos seres sencientes e fizer aspirações para beneficiar os outros.
Você não terá as plantado se parecer difícil ser compassivo.

Você terá alcançado a maestria sobre o estado relativo se, durante a certeza que se
seguiu, você estiver certo sobre os detalhes infalíveis da causalidade. Você não terá a
alcançado se não obtiver certeza na dependência da causalidade.

No momento da Unidirecionalidade inferior, você tem um estado mental meditativo


definido, que é uma vacuidade consciente dotada da experiência de êxtase. Quando um
pensamento ou percepção ocorre dentro dessa experiência, ele se dissolve e é liberado
por si mesmo. Você pode ter a certeza intelectualmente fabricada de pensar: “Esta é a
meditação!”

Durante as percepções que se seguem, você as percebe com uma sensação de deleite,
mas na maioria das vezes elas são uma realidade sólida.

Durante a certeza que se segue, sempre que você a abraça com uma presença atenta,
você tem uma experiência de vacuidade consciente, mas ela é acompanhada pela atitude
de pensar: “Isso é vazio! Esta é uma experiência mental!”

Durante o estado de sonho, além de um grau ligeiramente superior de lucidez, não há


muita diferença. Algumas pessoas têm um número maior de sonhos, mas não muito
específicos.

Às vezes você acha difícil permanecer na serenidade e pensa: “Minha meditação não
está funcionando!” Existem flutuações consideráveis e você sente devoção, percepção
pura e compaixão.

No momento da Unidirecionalidade média, seu treinamento na vacuidade consciente,


acompanhado por uma sensação de êxtase, fica estável sempre que você pratica. Às
vezes você chega de repente nela, mesmo sem praticar.

Nesse estado de experiência, surgem menos pensamentos e percepções do que antes, e


eles são liberados por si mesmos.

Durante as percepções que se seguem, elas são acompanhadas pela experiência da


vacuidade consciente e parecem abertas e livres. Às vezes, elas também são sentidas
como uma realidade sólida.
Durante a certeza que se segue, você chega totalmente ao treinamento de meditação
sempre que se lembra.

Durante o estado de sonho, às vezes os humores ou estados de meditação acontecem, às


vezes não. Para algumas pessoas, os sonhos diminuem em número.

Você começa a se deleitar com seu treinamento de meditação. No momento da


Unidirecionalidade superior, a vacuidade consciente acompanhada pela experiência de
êxtase torna-se constante, e todos os seus pensamentos se dissolvem nesse estado. Todas
as percepções que se seguem ocorrem dentro disso. Os sonhos, em sua maioria, também
são incluídos nesse estado.

Você ganha uma certeza que conserva um gosto ou apreço pela eminência. Você
também pode ter vários humores meditativos de vacuidade: que a mente é uma
vacuidade bem-aventurada, uma cognoscência vazia, que os pensamentos são uma
vacuidade consciente e que as aparências são uma vacuidade percebida. Ou você pode
ter a experiência de que tudo é como um sonho e uma ilusão mágica. Você também
pode manifestar algumas virtudes condicionadas. Você pode começar a pensar: “Não há
estado de meditação superior a este!” Você também sente devoção e assim por diante.

Durante esses três estágios de Unidirecionalidade, esforce-se para ficar em retiros nas
montanhas, isolando o seu quarto e mantendo o silêncio. Cuidado para não se
contaminar e realize os rituais de purificação das contaminações caso entre em contato
com elas.

Quando você se sentir embotado ou agitado, remova essas falhas e olhe para a essência
da mente. Quando você se sentir obscurecido, peça desculpas pelas más ações e peça
empoderamento ao seu mestre. Receba os empoderamentos do samádi repetidamente.
Ofereça festins, faça oferendas e dê esmolas. Peça conselhos ao seu mestre e amigos do
Darma e corrija sua prática.

Se acontecer de sua falta ser tão grave que você não queira pedir conselho a seu mestre
ou amigos do Darma e você comece a fomentar visões errôneas, uma vez que este é um
obstáculo de Mara, você deve tomar refugio.

Continue sua prática enquanto gera um cansaço, uma renúncia, uma devoção, uma
percepção pura e uma compaixão ainda mais profundas. Por alguns dias descanse,
corrija as falhas e continue. Faça quaisquer exercícios físicos apropriados. Desse modo,
prossiga unifocadamente de acordo com a maneira de sustentar o samádi explicada
acima, com uma atenção plena vigorosa ou uma presença atenta tenaz.

Tome cuidado para não se perder na análise intelectual, na calma sem pensamentos, no
saboreio de uma experiência meditativa ou em ansiar pela certeza que se segue.

Não se apegue afetuosamente a experiências agradáveis, enquanto considera as


experiências desagradáveis como defeitos indesejáveis. Não aceite nem rejeite, aconteça
o que acontecer, mas treine para ser livre da fixação e da tentativa de corrigir.
Se o humor meditativo for denso, desconecte-se dele aguçando sua atenção e treine
repetidamente no estado desperto presente e fresco.

Às vezes, leia as histórias de vida sobre como os antepassados da Linhagem de Prática


mantiveram sua prática de meditação, suas canções vajra e assim por diante, e assim
desenvolva a coragem para imitá-los.

Continuando sua prática desta forma, você experimenta e então percebe que o êxtase, a
clareza e a ausência de pensamento são indivisíveis como a natureza vazia e consciente
da mente. Você percebe que os pensamentos são a vacuidade consciente, que as
percepções são a vacuidade percebida e, assim, você determina que tudo é a mente.
Percebendo que essa mente é uma autocognoscência não surgida que é autoliberada,
você completa a realização da Unidirecionalidade.

Se por algum motivo você não progredir, você deve treinar para abandonar os três tipos
de apego:

Abandonando o apego ao eu. Deixe de lado todas as preocupações com esta vida. Seja
um pária da sociedade humana. Corte os laços mundanos. Jogue fora o apego aos
amigos e a hostilidade aos inimigos. Ofereça seu corpo ao seu guru. Abandone a estima
pelos agregados físicos. Faça a oferenda do kusulu.

Abandonando o apego às posses. Faça uma bela oferenda ao seu mestre de todas as suas
riquezas e pertences. Faça uma bela torma e oferendas de festim ao yidam e assim por
diante. Dê belos presentes aos seus irmãos e irmãs vajra. Desista de esperar tempos
felizes, boas refeições e coisas boas. Abandone comida, roupas e boa reputação.
Mantenha a conduta acima mencionada de um cervo da montanha e assim por diante, e
abandone sua terra natal e outros lugares que promovem distração, apego e agressão. Se
por algum motivo você não puder abandonar esses lugares, fique em silêncio por alguns
anos.

Abandonando o apego ao samádi. Descarte o deleitar-se, o prazer ou a confiança em


todas as experiências “boas”. Transcenda para o estado natural determinando que tudo o
que ocorre não é bom nem ruim. Mantenha um estado desperto que é natural e nu,
despido de qualquer humor meditativo.

Ao fazer isso, você progride gradualmente e, em algum ponto, seus humores de


meditação se dissolvem. A fixação dualista ao sujeito e ao objeto se desfaz. Você
percebe que a essência da mente é livre das construções de surgir e cessar. Assim, a
realização da Simplicidade alvorece.18
18
É por isso que Simplicidade significa literalmente ausência de construções.

Simplicidade e seu aprimoramento

A Simplicidade também possui três estágios. A Simplicidade inferior é quando você


percebe que a identidade da mente que pensa e percebe é desprovida de construções
como surgir e cessar. No entanto, você não está livre do grilhão de saborear a convicção
que se apega a ela como sendo vazia. Você também ainda nutre esperanças e medos em
relação ao samsara e ao nirvana.

A Simplicidade média é quando o grilhão de saborear essa convicção que se apega a ela
como sendo vazia se dissolve. Mas, você ainda tem esperanças e medos durante as
percepções e não dissipou as incertezas.

A Simplicidade superior é quando você dissolve a fixação na convicção de que todo o


samsara e nirvana – tudo o que aparece e existe – é vazio. Você está livre de esperança e
medo e dissipou as incertezas.

Estas são as distinções para saber se a perfeição da Simplicidade foi alcançada ou não:

Para ver a essência da mente como sendo livre de construções – a simplicidade – seu
apego à convicção deve se dissolver. Você terá visto a essência da Simplicidade se,
depois de investigar minuciosamente a natureza do experimentador, chegar totalmente a
um estado em que todas as construções se dissolveram. Você não terá visto a essência se
não tiver dissolvido a mácula da convicção, que é a experiência de se apegar à
vacuidade.

Você terá aperfeiçoado a força da Simplicidade se tiver dissipado as incertezas sobre a


mente comum como sendo desprovida de construções, sem mesmo o menor resquício
de apego à vacuidade, esperança ou medo. Você não terá aperfeiçoado sua força se
nutrir esperança e medo durante as percepções, mesmo sabendo que a natureza delas é
não surgida e também se não tiver dissolvido o apego à vacuidade.

Seus pensamentos terão se tornado meditação se, para todos os pensamentos e


percepções, você reconhecer que eles são instâncias de pensamento vazio e percepção
vazia. Durante as percepções que se seguem, você tem uma realização que é como a do
estado de meditação. Seus pensamentos não terão se tornado meditação se isso não tiver
acontecido.

As qualidades terão surgido se, aplicando os pontos-chave do caminho dos meios, você
conectar os sinais de realização com a realização. As qualidades não terão surgido se
você não manifestar sinais visíveis de realização.

Você terá plantado a semente dos corpos da forma se a compaixão não conceitual surgir
da expressão desobstruída da vacuidade e se a coincidência da resolução e da aspiração
for formada durante a certeza que se seguiu. Você não terá plantado as sementes se
parecer difícil ser compassivo e se a coincidência dos meios hábeis não estiver sido
formada.

Você terá alcançado a maestria sobre o estado relativo se a vacuidade surgir como causa
e efeito e se compreender que, embora a essência seja desprovida de construções, ela
pode se transformar em absolutamente qualquer coisa através das circunstâncias. Você
não terá alcançado a maestria se, sem compreender a coincidência de causa e efeito,
você a menosprezar enquanto se fixa na vacuidade.
No momento da Simplicidade inferior, você percebe que a identidade de todos os
fenômenos é desprovida das construções de surgir, habitar e cessar. No entanto, você
mantém uma ligeira fixação a tudo ser vazio. Quando você deixa de abraçar a certeza
que se segue com uma presença atenta, você se envolve em uma fixação sólida no amor
e no ódio por amigos e inimigos. Além disso, seus estados de sono profundo e sonho, na
maioria das vezes, ainda são deludidos.

Existem flutuações consideráveis em sua prática espiritual, e é possível que às vezes


você confie em seu mestre, nos amigos do Darma e na prática, e às vezes sinta dúvidas.

No momento da Simplicidade média, a mácula meditativa da fixação à vacuidade se


dissolve e você está totalmente livre do apego. Tendo investigado os pensamentos a
fundo, você pode ter dissipado as incertezas sobre o movimento do pensamento, mas
ainda mantém algum grau de se apegar rigidamente à esperança e ao medo durante as
percepções.

Durante a certeza e os sonhos que se seguem, você experimenta variedades de delusão e


não-delusão. Em relação ao seu guru, amigos do Darma e a prática, você também passa
por vários tipos de altos e baixos em termos de confiança, dúvida e assim por diante. Às
vezes você até tem pensamentos como: “Será que há realmente um estado búdico para
atingir ou um inferno para renascer?”.

No momento da simplicidade superior, você investigou minuciosamente todos os


fenômenos do samsara e do nirvana, de modo que não nutre esperanças nem medos
sobre nada. Tendo dissipado as incertezas, você está totalmente livre de se sentir à
vontade ou não quanto aos fenômenos externos e internos serem vazios ou não. Todas
as percepções são experimentadas como vazias e desprovidas de uma entidade própria.

Durante a certeza que se segue, todas as percepções ainda não são um estado exclusivo
de mente transparente no qual os pensamentos se dissolveram. Seu treinamento de
meditação diurno é, no entanto, constante, pois é acompanhado pelos bons estados
meditativos do conhecer vazio e do perceber vazio.

Mesmo assim, uma vez que a presença consciente ainda não se tornou ininterrupta no
sentido literal, você ocasionalmente precisa depender de uma atenção plena rigorosa.
Durante os sonhos, você ainda tem algum grau de delusão comum.

De vez em quando, você pode até se perguntar: “Será que realmente existe um estado
búdico para atingir ou um reino do inferno para ir? Será que esta não é a realização do
estado natural?!”

Você compreende até mesmo os ensinamentos mais profundos, experimenta a essência


da mente como sendo seu guru e as percepções se tornam ajudantes em sua prática
espiritual. Você se sente menos apegado a qualquer coisa e se afasta das oito
preocupações mundanas. No entanto, você corre o risco de ser vítima da presunção, da
arrogância, de depreciar os outros e de pensar: “Agora não preciso mais de um
professor!”
Durante esses três estágios da Simplicidade, abandone os três tipos de apego, mantenha-
se em áreas montanhosas extremamente isoladas e esforce-se para manter o silêncio e
permanecer em retiro fechado.

Além de oferendas de torma e súplicas ao seu guru, é essencial que, por algum tempo,
você deixe de lado todos os tipos de prática com atributos conceituais enquanto se
concentra na presença consciente e no treinamento sem distração.

Às vezes, crie virtude condicionada fazendo oferendas e dando esmolas, treinamento na


devoção ao seu guru, na apreciação pura de seus amigos do Darma, na compaixão pelos
seres sencientes e refletindo sobre a conexão entre causa e efeito. Discuta o profundo
significado da realização com seu guru e amigos do Darma, leia as canções vajra da
linhagem dos sidas, cante-as como canções e assim por diante.

Na maioria das vezes, o ponto importante é manter-se sem distração a partir de uma
presença atenta contínua. Frequentemente, as pessoas não gostam de foco conceitual em
demasia.

Às vezes acontece de a sensação bem-aventurada diminuir e você querer seguir em


frente, querer comer ou se sentir infeliz e assim por diante. Você deve então fazer uso
de uma prática adequada ligada ao caminho dos meios, como o resplandecer e o gotejar,
o supremo tummo, um exercício físico ou algo semelhante.

Se você não progrediu no nível da Simplicidade superior, mesmo depois de praticar por
anos, você deve abandonar os três tipos de apego, pedir por empoderamento, desculpar-
se por violações de samaya e assim por diante e orar para aprofundar sua compreensão.

Imagine o sofrimento do inferno enquanto se visualiza como seu yidam. Determine que
é a mente e repouse na simplicidade. Da mesma forma, lembre-se do prazer dos deuses,
dos estados do samsara e da natureza do nirvana, e repouse na simplicidade.

Às vezes, vá ao topo de uma montanha e relaxe no estado de simplicidade. Às vezes, vá


a um lugar onde muitas pessoas se reúnem e relaxe na simplicidade. Retenha os ventos
numa sessão, olhe para as aparências com os olhos bem abertos e relaxe na
simplicidade. Diz-se que continuando assim, você terá progresso.

Em algum ponto depois disso, você experimentará a ioga pura e não contaminada de
perceber todos os fenômenos do samsara e do nirvana como sendo de Um Só Sabor, o
Mahamudra de estar livre de aceitá-los e rejeitá-los como tendo ou não as construções
conceituais de surgimento e cessação, vazio ou não vazio e assim por diante.

Um Só Sabor e seu aprimoramento

O Um Só Sabor também tem três etapas. O Um Só Sabor inferior é quando você


percebe que todos os pensamentos e percepções têm um sabor único em ser o
Mahamudra da essência da mente. No entanto, você ainda mantém uma amarra: a
convicção de saborear e se apegar a isso.

O Um Só Sabor médio é quando essa mácula se dissolve: a convicção de saborear e se


apegar à multiplicidade como sendo de um só sabor. Você efetivou a resplandecente
indivisibilidade das percepções e da mente, na qual o percebido não é considerado como
estando fora e a mente não é considerada como estando dentro.

O Um Só Sabor superior é quando você percebe a multiplicidade como sendo de um só


sabor e experimenta o um só sabor como sendo a multiplicidade. Assim, tudo se
apazigua no estado original de igualdade.

Aqui estão as distinções sobre se a perfeição no Um Só Sabor foi alcançada ou não:

Você terá visto a essência do Um Só Sabor se, livre de aceitar ou rejeitar, confirmar ou
negar qualquer coisa percebida, você reconhece o estado original de igualdade como
uma consciência natural sem objeto. Você não terá visto a essência se ainda se apegar à
convicção de que saboreia essa igualdade em termos de algo a ser misturado e uma
mistura com ela.

Você terá aperfeiçoado a força do Um Só Sabor se tudo o que encontrar for


experimentado como a expressão desse estado original de igualdade. Você não terá
aperfeiçoado sua força se o um só sabor não for experimentado como a multiplicidade
por manter a associação com um remédio.

Seus pensamentos terão se tornado meditação se todo o apego dualista, incluindo a


mente, o percebido e etc. se dissolveram. Portanto – livre da sensação de estar atado ou
liberado dos seis tipos de impressões – está tudo bem deixar o que quer que apareça
aparecer. Eles não terão se tornado meditação se você precisar liberar as impressões
com um lembrete para reconhecer.

As qualidades terão surgido se, depois de misturar a mente e as percepções, você atinge
poderes milagrosos, como ser capaz de conjurar e multiplicar. As qualidades não terão
surgido se os sinais deixarem de aparecer devido às circunstâncias indutoras do caminho
serem débeis.19
19
Entre as “circunstâncias indutoras” estão a compaixão, a devoção, a perseverança e a inteligência.

Você terá plantado a semente dos corpos da forma se a compaixão que tudo abarca
ocorrer sem esforço e a mina de tesouro de beneficiar os outros tiver se abrido. Você
não terá plantado isso se o poder dos meios, como a compaixão, for fraco e se você não
realiza o benefício dos outros.

Você terá alcançado a maestria sobre o estado relativo se tiver se tornado hábil na
causalidade. Isso significa que você pode separar o samsara e o nirvana experimentando
o imediatismo da consciência por perceber claramente a conexão dependente entre
causas e efeitos. Você não terá alcançado essa maestria se não experimentar o um só
sabor como sendo a causação da multiplicidade.

Em todos os momentos durante o Um Só Sabor inferior, você percebe a essência do


estado original, mas ainda retém uma leve sensação de que ele é algo a ser saboreado e
mantido.
Durante a certeza que se segue, você encontra dificuldade em continuar suas práticas
espirituais enquanto encontra percepções perturbadas por objetos e circunstâncias
intensas, e você, em um grau menor, experimenta uma fixação sólida à dualidade.

Durante o estado de sonho, existe uma ligeira confusão e apego.

Às vezes, você tem a experiência de que todos os três – seu corpo, as percepções e a
mente – são indivisíveis. No entanto, é possível que sua consideração pela causalidade,
sua devoção e sua compaixão diminuam.

No momento do Um Só Sabor médio, o apego ao sujeito e ao objeto de realização, o


experimentador e o experimentado, se dissolvem. A fixação à dualidade de mente e
percepções é cortada pela raiz.

Durante a certeza que se segue e o estado de sonho, sua confusão é ainda menor do que
antes, e você não tem apego perceptível à realidade sólida.

No momento do Um Só Sabor superior, sua compreensão da não-dualidade torna-se


constante ao longo do dia e da noite, e está livre de se apegar às múltiplas expressões
desobstruídas do estado original de igualdade como sendo reais.

A experiência da ausência de pensamento, como simplesmente uma qualidade


consciente que percebe, mas não julga, ocorre com um leve saborear.

Durante a certeza que se segue, você percebe com uma dualidade sutil e aprecia as
aparências como sendo uma ilusão mágica, uma vacuidade consciente na qual não há
nada a ser mantido.

Os sonhos livres de apego ocorrem como desobstruídos e efêmeros. Também é ensinado


que às vezes não há nenhum sonho.

Durante esses três estágios do Um Só Sabor, na maior parte, mantenha-se em lugares


isolados. De vez em quando, participe de reuniões de grupo e você progredirá.

Mesmo que você pense que não faz diferença se você medita ou não, é essencial manter
a reclusão e treinar na verdadeira presença consciente.

Mesmo que você tenha alcançado a realização do Um Só Sabor superior, se você não
manifestar algum grau de clarividência e receber sinais das dakinis, você deve estar
contaminado por samayas danificados. Portanto, faça, por exemplo, mil tsa-tsas ou algo
semelhante e ofereça uma flor para cada uma delas. Faça o pedido: “Que minha
contaminação desapareça totalmente!” Realize o ritual dharani para purificar a
contaminação, bem como qualquer outra prática virtuosa adequada.

Se você se envolver com prazer ou desprazer quando os sinais ocorrerem, você será
influenciado por Mara. Considere que ser beneficiado ou prejudicado, ajudado ou ferido
por Mara, e assim por diante, é tudo sua própria mente e que essa mente é ilimitada e
sem centro, como o espaço.
Uma vez que a realização do Um Só Sabor tenha despontado em você, não haverá mais
medo do pensamento, nenhuma preferência pelas qualidades e você não poderá ser
influenciado pelas falhas. Por outro lado, Mara terá se apoderado de sua mente se você
se tornar profundamente competitivo e tiver muitas emoções perturbadoras,
pensamentos obsessivos e preferências. Reconheça isso e se esforce em práticas
virtuosas. Em qualquer caso, entenda o significado do ditado: “Reconheça que tudo o
que se opõe ao seu treinamento de meditação é Mara.”

Também é possível menosprezar a importância dos métodos pensando: “Não há


necessidade de compaixão e devoção, pois os seres sencientes são minha própria mente
e o guru também é minha própria mente.” Em vez disso, fortaleça sua compaixão e
devoção.

Seja extremamente cuidadoso para adotar a virtude e evitar o mal. Promova todos os
tipos positivos de causalidade, evite todos os tipos negativos e vista a armadura da causa
e efeito.

Quando há benefício ou dano acontecendo aos outros, há o perigo de ser pego pelo
Mara do Filho Divino, então jogue fora os atos superficiais para beneficiar os outros.
Também é essencial permanecer desapegado de seguidores, posses e fama.

Continuando a prática desta forma, a mácula dos humores de meditação e do saborear


desaparece, e a realização do caminho e do estado natural se misturam. Assim, a
realização da Não-meditação surge além da serenidade e da pós-meditação, sendo
abraçada ou não pela atenção plena.

Não-meditação e seu aprimoramento


A Não-meditação também possui três etapas. A não-meditação inferior é quando todas
as percepções são experimentadas como o treinamento de meditação. Você não tem que
permanecer atento ou deliberadamente se acalmar no estado de meditação, e você retém
apenas o mais leve apego a elas como sendo uma ilusão mágica.

A Não-meditação média é quando você está livre até mesmo desse apego à noção de
que elas são ilusões mágicas, de modo que durante o dia e a noite você fica em um
estado ininterrupto de não-meditação. Durante a certeza que se segue, uma continuidade
sutil da consciência dualista é experimentada como a consciência natural. 20
20
A palavra “dualista” é inserida na frente de consciência (rnam shes) para distingui-la do estado
desperto original (ye shes).

A Não-meditação superior é quando até mesmo essa consciência dualista sutil se


transforma no estado desperto original, yeshe. Tudo é simplesmente um espaço
onipresente de estado desperto original.

Aqui estão as distinções sobre se a perfeição na Não-meditação foi alcançada ou não:


Você terá visto a essência da Não-meditação se a sua realização da não-meditação
estiver livre de um objeto de lembrança ou familiarização, de modo que o saborear foi
dissolvido. Você não terá visto a essência se mantiver a sensação de algo que precisa ser
lembrado ou com o qual se acostumar.

Você terá aperfeiçoado a força da Não-meditação se a percepção dualista mais sutil


tiver se dissolvido e você tiver trazido todos os fenômenos ao estado de esgotamento,
então você é sempre indivisível do estado desperto original. Você não terá aperfeiçoado
sua força se experimentar até mesmo a mais leve percepção dualista e não tiver
esgotado os fenômenos dos objetos conhecíveis.

Seus pensamentos terão se tornado meditação se cada instância da consciência da base


de tudo, sem ser rejeitada, se dissolve em ser a sabedoria do darmadhatu. Eles não terão
se tornado meditação se você mantiver um tipo sutil de propensão para o apego
conceitual e a mácula sutil de saborear uma experiência.

As qualidades terão surgido se seu corpo aparecer como o rupakaya da sabedoria do


corpo de arco-íris e sua mente como o darmakaya luminoso. Assim, o mundo é
experimentado como uma pureza que a tudo engloba. As qualidades não terão surgido
se você mantiver a menor percepção impura em relação ao corpo e à mente, ao mundo e
aos seres.

Você terá realizado as atividades dos corpos da forma se tiver alcançado a perfeição
como o darmakaya em que o espaço básico e o estado desperto original são indivisíveis,
de modo que sua roda do ornamento inesgotável de Corpo, Fala e Mente satisfaz
espontânea e incessantemente as necessidades dos seres sencientes. Você não terá
realizado essas atividades se isso não tiver acontecido e você ainda precisar depender de
reinos puros. Você terá purificado e alcançado a maestria sobre o estado relativo se tiver
aperfeiçoado todas as qualidades do estado búdico. Você não terá atingido esta pureza e
maestria se as três teias obscurecerem as qualidades do estado búdico: a teia do corpo
do amadurecimento cármico, a teia da percepção das tendências habituais e a teia da
mente da consciência dualista.

No momento da Não-meditação inferior, a percepção dualista praticamente se dissolveu.


Sem ter que meditar ou lembrar-se deliberadamente, todas as percepções são
experimentadas como o treinamento de meditação, de modo que sua meditação não
oscila.

Durante as percepções que se seguem, há um resquício de ignorância chamado de não-


reconhecimento sem pensamentos, que é a consciência da base de tudo que permanece
como um estado de indiferença sem pensamentos. Isso também é conhecido como a
contaminação das tendências negativas.

Embora você não crie carma, é ensinado que o apego, ainda não dissolvido no estado
desperto original, ainda ocorre como momentos fugidios de ilusão mágica. Durante os
sonhos, você ainda encontra um leve apego a eles como sendo reais devido ao não
reconhecimento.
No momento da Não-meditação média, mesmo essa percepção dualista mais sutil, que é
como uma ilusão mágica, se dissolve e você se torna ininterrupto no estado de não-
meditação ao longo do dia e da noite.

Durante as percepções que se seguem, o traço extremamente sutil do não-


reconhecimento sem pensamentos desponta como uma consciência natural. Isso é
chamado de perfeição de acordo com a natureza intrínseca. É ensinado que esse traço é
a contaminação mais sutil das tendências negativas e que ainda está presente à noite.

No momento da Não-meditação superior, esse traço extremamente sutil de não-


reconhecimento sem pensamentos se dissolve no estado desperto original, de modo que
as luminosidades mãe e filha se misturam. Tudo agora é a extensão todo-abrangente do
estado desperto original, de modo que – para o seu próprio benefício – você atinge o
darmakaya na completitude. Uma vez que a expressão natural do darmakaya é
dominada, livre de qualquer parcialidade, é ensinado que os reflexos dos corpos da
forma, para o benefício dos outros, irão realizar espontaneamente o bem-estar dos seres
enquanto o samsara durar.

Nesse sentido, o estado de não-meditação experimentado durante esta vida é a Não-


meditação inferior ou média, transcendendo a calma meditativa e a pós-meditação. Isso
é no sentido de alcançar a certeza profunda que é livre de objetos a serem abandonados
e de um remédio a ser aplicado, livre de um objeto a ser purificado e livre da mente que
purifica, e que está além de morrer ou não morrer. É difícil chegar mais alto do que isso.

De modo geral, um estado de não-meditação que é a mera ausência do meditador, do


objeto de meditação e do ato de meditar também ocorre durante a Simplicidade. Durante
o Um Só Sabor, há também um estado de não-meditação que consiste apenas em
experimentar o frescor dos pensamentos e percepções, seguido por um ir além da calma
meditativa e da pós-meditação. Estes não são o estado real de Não-meditação, mas sim
o humor de meditação da não-meditação.

Para o estado real de Não-meditação, é ensinado que até que o traço sutil do não-
reconhecimento sem pensamentos tenha despontado como uma consciência natural, é
essencial usar a presença atenta do estado desperto contínuo para sustentar o fluxo da
mente comum que não é fabricada nem cultivada.

Mesmo que você não crie mais carma, não importa onde você fique, não importa com
quem você esteja e não importa o que você faça, é essencial que, como um meditador,
você mantenha o aspecto externo inspirador de um praticante do Darma. Portanto,
mantenha-se em retiros nas montanhas, erga a bandeira da prática, abandone o
comportamento incorreto e lide apropriadamente com os princípios relativos do que
deve ser adotado ou evitado.

Descrevi aqui as maneiras pelas quais a calma meditativa e a pós-meditação, a certeza,


as percepções e os estados de sonho que se seguem são experimentados em termos do
tipo gradual de pessoa. Na verdade, considera-se como certo que ele ou ela mantêm o
treinamento de forma unifocada em um local isolado. Isso não segue todos os vários
caminhos com precisão, como, por exemplo, aqueles que anseiam avidamente por
aparências mundanas durante a pós-meditação. No entanto, a identidade da realização
pode ser experimentada exatamente como é.

As maneiras pelas quais os níveis de experiência e realização dessas doze iogas ocorrem
são extremamente difíceis de compreender totalmente para o tipo inferior de praticante e
não estão dentro do domínio de seu escrutínio intelectual. Ainda assim, você deve
encontrar confiança por meio dos ensinamentos de Senhor Gomtsül 21 e de alguns dos
antepassados da Linhagem de Prática.
21
Lord Gomtsül (rje sgom tshul) é sobrinho de Gampopa, também conhecido como Tsultrim
Nyingpo (tshul khrims snying po).

Quanto a mais detalhes, você deve continuar com sua prática, obter compreensão do
mestre interno que é sua própria mente e do mestre externo que são os ensinamentos e
instruções dos sidas realizados. Assim, leve a si mesmo ao nível do esgotamento dos
conceitos e fenômenos.

Há pessoas como eu que, sem terem se aperfeiçoado por meio da continuidade cármica
do treinamento anterior, ficam satisfeitas com alguns anos praticando o Darma do
conforto. Quando, posteriormente, fingem ter alcançado a realização plena, enganam a
si mesmos e aos outros com benefícios superficiais. Parece mais importante estabelecer
o verdadeiro entendimento e ser honesto.
Parte quatro
A maneira de percorrer os caminhos e os
bhumis por meio do treinamento de meditação

De modo geral, há o caminho do treinamento gradual explicado nos veículos filosóficos


que especifica as qualidades manifestas, e a prática de meditação presente, que é o
caminho de treinar instantaneamente no estado original que determina nossa essência
natural. Em última análise, os dois são semelhantes, embora sejam temporariamente
diferentes. No entanto, aqui está a descrição dos caminhos e bhumis e a maneira como
são percorridos.

Desde a entrada inicial no caminho das bênçãos até ver a essência e aperfeiçoar a força
da meditação da Unidirecionalidade corresponde à duração do nível de um iniciante e
ao caminho da acumulação.

Até e incluindo os três estágios de meditação da Simplicidade correspondem à duração


do nível da conduta devotada e ao caminho da união.

Os três estágios de meditação do Um Só Sabor e a Não-meditação inferior e média


correspondem à duração do nível do primeiro bhumi e o caminho da visão, bem como
ao caminho do cultivo do segundo ao décimo bhumi.

A Não-meditação superior corresponde ao nível do estado búdico e ao caminho da


consumação.

Atualmente, uma vez que você simplesmente sustenta o modo do estado natural e não
pratica o caminho explicado nos veículos causais, os sinais desse caminho, portanto,
também não aparecerão. No entanto, afirma-se que todas as qualidades manifestas
aparecerão simultânea e espontaneamente, uma vez que você tenha aperfeiçoado a força
da Não-meditação superior.

No entanto, se você praticar misturando-se com o caminho dos meios do Mantra


Secreto, é explicado que os sinais sucessivos do caminho do Mantra aparecem.

Existem várias maneiras de combinar de forma detalhada o treinamento de meditação


em doze passos das quatro iogas dos três tempos com os caminhos e bhumis dos
veículos filosóficos, mas é complicado organizá-los meticulosamente.

Portanto, este texto de orientação fundamental para o caminho abençoado do


Mahamudra do significado definitivo deve ser normalmente ensinado por meio da
experiência pessoal. Para aqueles que não ganharam tal experiência, usei as instruções
concisas dos antepassados da Linhagem de Prática para explicar isso de uma forma que
seja simples de entender, sem complicar com o palavreado e as estruturas acadêmicas.
Temendo sobrecarregá-lo com citações de apoio, evitei fazer isso. Você pode encontrar
esses detalhes em outro lugar.22
22
As citações dos mestres da Linhagem de Prática são encontradas em Moonbeams of Mahamudra,
(Mahamudra), Shambhala Publications, 1986.

Quando se trata de trazer isso para a sua experiência pessoal, seja gentil consigo mesmo
aplicando honestamente um método de meditação que se adapte às suas capacidades
individuais. De qualquer forma, é essencial desistir de tomar o que você entende dessas
palavras e cuspir insensivelmente visões elevadas. Por favor, evite se tornar um
“especialista do Darma” sem nenhuma experiência prática!

Versos finais
A fala vajra dos sublimes mestres realizados
É distorcida nas mentes das pessoas infantis da era
das trevas.
Os poucos textos de orientação profunda que clarificam
algumas partes
Não fornecem um suporte final sobre como ou quando as
experiências surgem.

Além daqueles que possuem a força do aprendizado


e do treinamento anterior,
Apenas algumas pessoas podem reunir os fragmentos
dos conselhos orais.
Meu texto de orientação para clarificar as etapas do caminho
É, portanto, a oferenda insuperável deste iogue.

Para os mestres raiz e de linhagem que defendem


a linhagem de prática,
Que ele seja uma mandala que concede bênçãos
e realização!

Para meditadores avançados que produziram a realização,


Que ele seja uma oferenda que lembre e inspire confiança.
Para meditadores experientes que nutrem as mudas
da experiência e realização,
Que ele seja um banquete de certeza que elimina as dúvidas.

Para meditadores aprendizes, diligentes, mas apegados


às experiências,
Que ele seja um prêmio que dissipa as visões errôneas
e a meditação defeituosa.
Para as pessoas ociosas do Darma que apenas recolhem dados
sem experiência,
Que ele seja o legado para atingir as qualidades do estado
natural.
Por todas as deficiências da minha ignorância e
incompreensão,
Peço desculpas para sempre a todos os seres sublimes.

Por meio desta virtude que todos os seres


Aperfeiçoem rapidamente a realização do Mahamudra.

Colofão

Este texto é baseado em pedidos de vários de meus discípulos meditadores para escrever
um manual de orientação decisivo e confiável sobre o Mahamudra. Aquele de Gampo
com o nome de Mangala (Tashi) o compôs durante a parte crescente do quarto mês
lunar do Ano da Ovelha no centro de retiro do grande assento, o glorioso Dakla Gampo,
com a ajuda do escriba Tashi Döndrub. Que ele traga bondade virtuosa para todos os
seres. Sarvada mangalam. Que seja virtuoso!
Colofão do tradutor

Foi um grande privilégio e alegria cumprir o desejo de Khenchen Thrangu Rinpoche de


que uma versão em inglês deste texto fosse disponibilizada. Com seus ensinamentos
orais em dois Seminários Namo Buddha e seus esclarecimentos adicionais como
orientação, esta primeira tentativa foi feita por Erik Perna Kunsang e Michael Tweed no
eremitério do Nagi Gompa, em abril de 2001.

O desejo de Rinpoche era incluir a escrita tibetana para facilitar o ensino e a


compreensão posteriores. Seu aluno Christopher B. Barstow fez a digitação. Agradeço a
Khenpo Jigmey e Khenpo Perna Gyaltsen por revisar o tibetano, e também a minha
esposa Marcia por verificar o manuscrito. E um agradecimento especial a Larry
Mermelstein, do Comitê de Tradução de Nalanda, por sua extensa revisão e sugestões.
As notas finais, assim como as imperfeições e falhas, são minhas.

Que isso ponha incontáveis seres em contato com sua natureza original.

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