Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
E Vipassana?
O que é a Alayavijnana?
xxxxx
O que é "realidade vajra"?
O que é deidade?
Para uma coisa "existir" mesmo, ela não pode ser temporária.
Tudo que é temporário, é como um sonho. Existir como
sonhos, como nós e nossa realidade existem, sim. Na verdade
as deidades iradas (e as pacíficas, e os budas e bodisatvas) são
até um pouquinho mais existentes que nós, na medida em que
nós estamos embasados em circunstâncias ainda mais frágeis.
Nosso sono é um pouquinho mais leve, explode como uma
bolha a qualquer momento. A compaixão (irada e pacífica) é
um sonho mais estável.
Não creio que existam bons livros sobre o assunto. Mas, por
outro lado, qualquer ensinamento budista pode ser aplicado a
qualquer aspecto da existência. Portanto, se falta alguma
coisa na percepção da pessoa, ela precisa buscar isso com um
professor qualificado.
O que é Mahakala?
O que é dzogchen?
O que é Rigpa?
Bom coração
O que é compaixão? Como praticar?
Compaixão é querer aliviar o sofrimento dos outros. Você
pratica aliviando o sofrimento dos outros, ou treinando para
ter mais empatia, atenção e meios para ajudar os outros.
O que é bodicita?
Durante um longo tempo temos abordado os ensinamentos aqui no Caminho do Meio dentro da
perspectiva Mahayana, pensei em falar hoje os ensinamentos em uma abordagem
complementar. A abordagem Mahayana é toda lógica, estruturada, ligada à nossa vida
cotidiana, portanto, ela não tem nenhum aspecto místico. Todas as religiões têm algum ponto
místico, mas na abordagem Mahayana não encontraremos nenhum traço místico.
Seis Bardos
Os aspectos místicos se apresentam também em outra dimensão. Especialmente os tibetanos
vão dizer que temos os seis bardos. Temos não apenas essa experiência lúcida durante a vida,
como temos também o sonho. O sonho é uma região interessante porque dentro dele muitas
coisas acontecem. Várias tradições budistas e não budistas valorizam muito os sonhos. Os
jungianos e diversas tradições xamânicas, por exemplo, consideram os sonhos muito
importante. No budismo há duas vertentes: uma que não valoriza o sonho, porque se a
realidade comum é vacuidade, o sonho seria supervacuidade, é um sonho dentro da própria
vacuidade. E há uma corrente que vai atribuir certo significado ao sonho. Um significado muito
hábil, muito interessante que está ligado à noção de vacuidade, porém, enquanto eu posso
criticar o sonho e dizer que se reduz a vacuidade, posso também reconhecer o sonho como
vacuidade não pela inexistência da forma, mas enquanto forma, ainda assim, ele é vacuidade.
Com isso podemos pensar: já que essa forma é vacuidade, como ela surge? Qual é a origem
dela?
Observo o conteúdo do sonho e vejo que ele corresponde a uma estrutura cármica que está
presente. Não preciso atribuir uma estrutura sólida ao sonho para considerar que tem valor a
análise de que ele está indicando uma determinada estrutura cármica. Não preciso negar que
todas as coisas surgem por vacuidade e luminosidade, mas ainda assim, vejo que tem uma
estrutura cármica que o sonho está revelando. Essa é uma forma mais profunda de examinar o
conteúdo do sonho. Mas para muitos de nós o sonho é algo importante, sonhamos com
pessoas falecidas, com situações que não vivemos ou aspiramos viver; encontramos pessoas
à distância e aquilo parece que diz alguma coisa. Se dissermos que o sonho simplesmente não
diz nada, isso não satisfaz porque sentimos que ele diz alguma coisa.
Também no nosso cotidiano temos uma dimensão mística que está ligada aos nossos próprios
pensamentos. Temos uma habilidade de sonharmos acordados, vemos situações futuras ou
sonhamos acordados com o futuro. Temos aspirações. Os quadros que sonhamos e aspiramos
nos tocam e surgem energias que nos deixam mais vivos, mais felizes, ou, por vezes,
assustados. Ainda que a gente passe por aquela situação de forma concreta, esse sobrevoo
nos leva a essas regiões. Se simplesmente dissermos “os sonhos são sonhos, as imaginações
são imaginações”, isso não satisfaz completamente. Sabemos que há regiões que nos tocam,
regiões que penetramos por sonhos, dormindo ou acordados. Eventualmente, o fato de
penetrarmos nessas regiões, afeta a nossa direção no cotidiano. Deveríamos ter algum tipo de
lucidez para saber como aproveitar essas experiências, que significados podemos dar e como
lidamos com elas.
Ouvimos também experiências sobre o pós morte. Talvez alguém tenha lembrança ou tenha
lido sobre isso. Talvez vocês tenham passado por essa experiência, estiveram em coma ou
acidentaram-se, estiveram em situações muito próximos da morte e retornaram por alguma
razão. Essas regiões podem surgir como lembranças enevoadas, inexplicáveis, e enquanto
estamos vivos, lúcidos, tentamos acessar novamente a experiência e não conseguimos. De
novo, essas experiências povoam a sensação de que há algo que não acessamos
propriamente durante a vida, são regiões místicas. Através de regressões, de sonhos e outros
processos, talvez vocês tenham lembranças de terem chegado a sensações antes do
nascimento, de encontrarem os pais, ou de terem uma conexão com mestres em outras vidas.
Perguntamos “Isso significa o quê? Essas dimensões são reais ou estou apenas sonhando?”
Mesmo durante a vida podemos ter sensações místicas mais superficiais que estão ligadas às
pessoas com as quais convivemos e, eventualmente, podemos imaginar que já vimos aquela
pessoa que estamos encontrando pela primeira vez. Brota a sensação de que já vimos aquele
ser. Olhamos no rosto e pensamos “Nossa! Eu falo alguma coisa e o ser entende! É
extraordinário! Outras pessoas não entendem, mas ele entende. Não só entende como
concorda e diz: sim, vamos fazer juntos”. Pelo menos nos primeiros três meses ele concorda
com tudo… Temos essa sensação de uma identidade de outras vidas, tudo isso povoa esse
universo místico. Mesmo que se pratique o prajnaparamita, a compreensão da vacuidade de
todas as coisas, ficamos com certa dúvida: não haveria uma região em que
o prajnaparamita não funciona tão bem?
Depois temos um ser com mil braços e um olho em cada braço, com onze cabeças, todas
pensando para o bem, o que é extraordinário. Os mil braços de Cherenzig simbolizam os mil
budas que virão, é a visão de mil budas. Estamos no quarto buda dessa era, é como se o Buda
Sakiamuni fosse a emanação do quarto desses braços. Muitos budas ainda virão para nos dar
suporte e nos ajudar nesse processo todo, muitos “braços” virão.
A seguir temos o Buda Sakiamuni, que é o fundador do budismo nessa era, ele está sentado,
está com uma mão no chão e a outra segurando a tigela. Ao lado temos Guru Rinpoche que é
o Buda do Tibete: extraordinário, nascido do lótus, glorioso, poderoso. Ele se manifestou no
mundo de várias formas e isso é traduzido por diferentes roupas que ele usa, uma sobre a
outra.
Um pouco adiante vamos ver Vajrasatva. Olhamos e não percebemos que ele está abraçado
com a consorte. Se fixarmos o olho, vemos que tem uma figura apaixonada olhando para ele, é
a consorte. É um ensinamento muito importante sobre a inseparatividade do observador e do
mundo como ele vê. Consorte é o mundo. Estamos o tempo todo inseparável de consorte,
podemos não vê-la, mas estamos inseparáveis o tempo todo.
Depois tem outro ser poderoso, envolto em chamas e cores terríveis, que é o devorador de
demônios. Coisa pouca, um ser tranquilizador.
Vocês vão ver um pouco abaixo outras imagens tridimensionais. Existem muitas imagens,
todas elas significam também deidades, qualidades específicas. Acima, estão os cinco Diani
Budas, cada um com uma sabedoria e uma forma específica. Nos armários do altar podemos
ver imagens representando outras características, todas elas apelam para alguma coisa dentro
de nós. Surge algo místico: onde é que eles vivem? Quem são eles? O que fazem? No
budismo não há um único Buda? Há uma variedade de budas? O que isso significa? Dizemos
que prajnaparamita e vacuidade é tudo, mas se prajnaparamita e vacuidade é tudo por
que tantas imagens? Por que tantos mantras? Os tibetanos têm diferentes imagens e isso nos
permite perguntar onde eles residem. Eu mesmo perguntei para Chagdud Rinpoche:
“Rinpoche, em que lugar eles estão?”
Temos essa diversidade, logo, os tibetanos introduzem outros tantos elementos místicos.
Existem os tertons, aqueles que são detentores da visão, eles voam por dentro de todos
esses reinos e encontram os seres. Há também os delogs, que abandonam a vida dentro do
corpo. O corpo enrijece, esfria, os batimentos cardíacos cessam e eles viajam por esses reinos
todos, encontram seres, ouvem o que eles dizem, trazem recados; depois eles retomam a vida,
o corpo se aquece, a respiração volta, o coração bate. Eles dizem: “olha, o pessoal lá mandou
uns recados para vocês…”.
A mãe de Chagdud Rinpoche era uma delog, ela fez uma viagem desse tipo. Ela dizia “Vou
abandonar o corpo em meditação e viajar pelos seis reinos.” E todos os lamas diziam “Não faça
isso, você vai morrer, não faça isso.” Ela insistiu e eles se convenceram. Os lamas ficaram em
volta dela por vários dias fazendo um único puja, dia e noite. Ela abandou o corpo, esfriou,
cessou o batimento cardíaco, cessou a respiração e foi… E os lamas seguiram rezando.
Depois ela voltou, o corpo se aqueceu, respirou, bateu o coração e ela contou o que viu. Ela
encontrou Arya Tara, encontrou Tara branca que a levou pelos vários mundos; encontrou com
pessoas, trouxe recados.
Há essa dimensão toda. Vocês também vão ouvir sobre as dimensões dos sidhis. Lamas
praticaram certas coisas e desenvolveram diferentes feições de corpo, desenvolveram
transformações extraordinárias, habilidades extraordinárias. Tudo isso está dentro dos sidhis e
do aspecto místico. Vocês vão ouvir de mestres que, ao abandonar o corpo, o corpo se
dissolveu, restaram cabelos e unhas. Vocês vão ver mestres que desapareceram no céu, se
transformaram em luminosidade, em arco íris, e não deixaram nenhum traço, sumiram. Vamos
encontrando todas essas categorias de coisas inexplicáveis.
Podemos ainda nos conectar com a noção das deidades mundanas. Temos um olho que
começa a ver as deidades todas. Esse olho é interessante, vocês vão começar a desenvolvê-lo
quando ao olhar os objetos perceberem a propriedade se manifestando dentro de vocês ao
invés de vir do objeto, como acontece com os meninos pré-adolescentes. Dizemos: “Agora é
hora do banho”. E está lá o menino diante do chuveiro, ele não tem a menor vontade de entrar
na água, especialmente se a água é fria. Ele poderá dizer “A água é fria, não quero entrar no
banho.” Mas se o menino for um praticante ele dirá “Tem algo profundo aqui. A água é apenas
a água, mas eu tenho dentro de mim uma dimensão energética de fuga, de sair correndo”.
Olhamos dessa forma em vez de olharmos o aspecto externo como o gerador do nosso
impulso. Não explicamos mais “A água está fria, assim, eu vou fugir”, dizemos “Há algo que
vejo surgir internamente porque a água está diante de mim”. Começo a examinar o surgimento
interno, pode haver aquilo ou não. A água, para algumas pessoas, não é uma grande coisa,
mas outras querem fugir. Começamos a olhar os objetos externos a partir desse olho e
passamos a entender, lentamente, que há uma dimensão dentro de nós, essa dimensão pode
ser repetitiva: diante de certas circunstâncias manifestamos as mesmas estruturas.
É natural, se eu estiver num espaço da natureza devo desenvolver uma capacidade de relação
com os vários elementos: água, terra, fogo, ar, éter, urso, lobo, cão, gato, tigre… É necessário
que eu desenvolva uma relação lúcida com todos os elementos. Cada um desses elementos e
animais vivem dentro de mim. Assim, na visão xamânica, todos esses processos são deidades.
Também os homens, por exemplo, ao olharem as mulheres surge uma energia dentro deles; as
mulheres olham os homens e surge uma energia dentro delas. Podemos olhar homens e
mulheres como deidades também. Essas deidades ultrapassam o fato de que a mulher se
chama Maria ou o nome que ela tiver, vemos uma dimensão feminina. Do mesmo sentido que
eu posso ter uma chama no chão hoje, amanhã vou ter outra fogueira, outra chama, mas é o
fogo; posso ter uma água que encontro hoje, uma água que encontro amanhã, mas é água.
Vou encontrando esses elementos que podemos chamar arquetípicos, mas é preferível não
usarmos essa noção, essa é uma noção psicológica. É mais que isso. Assim, podemos
encontrar vários ursos, mas todos são ursos. Vários lobos, mas todos são lobos. Temos essa
dimensão. Do mesmo modo encontramos várias deidades, como Cherenzig, Arya Tara,
Manjushri, todos eles simbolizam estruturas dentro de nós, porém, a nossa linguagem agora é
diferente. Quando vejo os objetos, vejo essa linguagem dentro mim, é uma linguagem
particular, vamos nos relacionar com o mundo a partir dessa linguagem que é totalmente
mágica. É outra linguagem, outro processo. Não lido mais com processos externos, vejo em
todas as dimensões aspectos mágicos. Porque estou vendo essas deidades, vejo o objeto e a
energia do objeto, vejo a ação da energia dentro de mim. Dessa forma, sei que estou na
relação com tal deidade.
Isso é outra forma de inteligência, outra forma de dar conta de tudo, muito mais sofisticada do
que a usual, ainda assim, é menos sofisticada que o budismo. É uma forma xamânica. O
budismo também entra nisso, ele decompõe e ultrapassa com prajna, que é o
próprio prajnaparamita. Pode-se usar essa linguagem, mas o prajnaparamita olha essa
linguagem não no sentido do que o fogo faz sobre mim, do que o aspecto masculino/feminino,
ou o aspecto etéreo opera sobre nós, mas no sentido de que podemos olhar os aspectos
variados, entendemos como eles operam, utilizamos isso e, ainda assim, somos
completamente independentes, livres de todas as energias que atuam sobre nós através
desses próprios processos; enquanto esse mestre xamã vai compor os elementos como um
médico administra princípios ativos químicos para nos curar. O xamã usa isso e reequilibra o
nosso funcionamento porque ele pega um elemento, combina com o outro e nos ajuda a fazer
isso. O mestre Xamã é capaz de entrar no nosso sonho e transformar a base do conteúdo do
sonho. É capaz de nos levar a ter um sonho específico que resignifica as nossas estruturas e
nos deixa, por exemplo, imunes a elementos desse tipo. No budismo, ainda que isso seja visto
como muito favorável, não estamos aqui compondo elementos como se fosse uma medicina,
vamos nos tornar imunes pelo poder de prajna e não por uma combinação de elementos.
Vocês veem que todos esses universos são xamânicos, mágicos. Se pensarmos que não
existe, estamos nos enganando, porque isso opera o tempo todo. Dentro do mundo da
racionalidade convencional não percebemos, mas há essa presença incessante operando
dentro de nós, quer a gente entenda ou não. O mundo místico, extraordinário, está presente
onde estamos, o tempo todo. Os xamãs entendem de observar os pássaros e os animais
todos, eles entendem como os vários elementos atuam dentro desses animais. Do mesmo
modo, ouvimos um cachorro latindo porque há algo sobre o qual o cachorro está sensível,
existe um mundo interno no cachorro que dá significado às aparências. Ao perceber o
comportamento das plantas, dos cursos d’água, dos animais, eles estão sempre olhando isso e
eles se tornam muito hábeis em perceber que em pequenas variações há uma teia de
respostas, de significados e de sonhos. A natureza inteira sonha e os xamãs veem os sonhos
da natureza. Quando eles veem os sonhos da natureza, eles entendem os sinais, as
transformações, entendem o que está acontecendo. Essa é uma visão muito mais profunda
que a do caçador. Ele não está olhando isso porque quer caçar os animais, quer enriquecer ou
quer poder. O xamã é um contemplador desses fatos todos. Essa contemplação do mestre
xamânico já tem uma compreensão de vacuidade que pode ser real ou parcial, mas há essa
dimensão toda que temos que admitir que exista.
Fontes de refúgio | Ensinamentos de Jamgon
Kongtrul Rinpoche
Iniciamos olhando esses aspectos místicos e, aparentemente, eles seriam poucos. Mas agora
já estamos vendo que há um universo místico enorme. Como o budismo lida com isso? Qual é
a abordagem do budismo nesse sentido? Como vamos olhar esses fatos todos tão complexos?
Jamgon Kongtrul Rinpoche foi o primeiro mestre que eu ouvi falar. Curiosamente, é uma
conexão interessante porque eu continuo vendo os ensinamentos dele, por uma razão ou outra
ocorre esse fato. Jamgon Kongtrul Rinpoche é Jamgon Kongtrul III. Encontrei-o em 1989 no
Rio de Janeiro, alguns amigos da tradição Shambala de Trungpa Rinpoche, que eram aqui do
sul, sabiam o que se fazia no Cebb e disseram “você tem que conhecer Jamgon Kongtrul”.
Jamgon Kongtrul veio ao Rio de Janeiro, eles pagaram a passagem e me levaram para assistir
o retiro com ele. Ele era um jovem, deveria ter em torno de 36 anos. Fiquei muito feliz com os
ensinamentos sobre a vacuidade, sobre a natureza da realidade, especialmente sobre a
compaixão. É muito bonito ver um grande mestre dizer “Não se sintam bobos ao praticar amor,
alegria, equanimidade, entendam que isso é lucidez.” É muito bom, porque temos poucas
oportunidades de ouvir sobre isso. Na nossa vida ouvimos muitas coisas, mas pouco sobre a
necessidade de praticarmos essas qualidades. Lembro da minha felicidade, voltando de ônibus
de uma longa viagem do Rio de Janeiro, olhando todos aqueles ensinamentos que
reafirmavam o que já estávamos fazendo. É maravilhoso poder ouvir os grandes mestres e
dizer: esta é a linhagem dos mestres budistas.
Na época eu estava conectado ao Zen, a palavra compaixão é muito pouco usada no Zen.
Compaixão e amor, se vocês ouvirem alguma vez num centro Zen, realmente é alguma coisa
extraordinária, porque eles não falam sobre isso. Nesse retiro, lembro que Jamgon Kongtrul
falou sobre seis reinos e sobre refúgio. Falou sobre várias coisas, sobre a natureza da
realidade também, mas me chamou a atenção essa questão dos seis reinos e dos refúgios, ele
analisou as fontes de refúgio. Assim, vou iniciar a abordagem desse tema místico através das
fontes de refúgio, que é um critério especial que podemos imediatamente aproveitar.
Citei muitas diferentes deidades, muitos diferentes processos místicos. Jamgon Kongtrul
Rinpoche dizia: “O refúgio é alguma coisa que está além da impermanência. Vocês não tomem
refúgio em seres poderosos, forças da natureza, manifestações mediúnicas, pessoas famosas,
pessoas de poder, ou pessoas que tenham morrido. Não tomem refúgio em pedras,
montanhas, cursos d’água. Não percam tempo, todos esses aspectos são impermanentes, não
têm a lucidez da natureza última.” A natureza última não tem origem e não tem fim. Se
pensarmos assim: urso, lobo, cão, águia, fogo, água, terra, ar, todas essas coisas têm um
comportamento relacional, elas pertencem ao mundo, são forças reais, mas não são fontes de
refúgio.
Quando buscarmos apoio nos aspectos místicos que não representam a natureza ilimitada,
sem origem e sem fim, sem espaço e tempo, sem nome e forma, estaremos nos fixando a
fontes de refúgio que nos levam a perpetuar o comportamento de equilibristas. Se estiver
doente, eu tomo um remédio e esse remédio equilibra a minha febre, por exemplo. É muito
importante que eu saiba tomar um remédio e baixar a febre, isso é muito útil, mas esse remédio
que baixa a febre não é a saúde; ele é um remédio que baixa a febre, não podemos comparar
isso com a saúde. Chegamos numa farmácia e temos milhares de substâncias a nossa
disposição, cada uma delas nos arrasta numa direção. Nenhuma delas é um frasco que eu
abro e digo “isso é saúde”. Todos eles são processos hábeis que nós, como se tivéssemos um
bambu, estamos equilibrando e em nenhum momento vamos poder parar, se parar o bambu
cai. Todas as fontes de refúgio que vêm do movimento do meu braço são importantes, por isso
o bambu está equilibrado, mas tenho um movimento incessante. Ele está equilibrado, mas com
uma sucessão de movimentos desequilibrados, uma sucessão de posições em desequilíbrio. É
necessário que eu esteja constantemente focado para equilibrar isso.
Há uma única posição que, enfim, há o equilíbrio, chamamos essa posição de fonte de refúgio.
Essa fonte de refúgio é a origem de todas as manifestações, não é um movimento
desequilibrado. Essa origem de todas as manifestações é a própria natureza de Buda dentro de
nós, está fora da roda da vida. Quando estamos dentro da roda da vida oscilamos com isso.
Essa é a resposta parcial, isso não encerra a nossa conversa. Mas, dentro de toda essa
diversidade mística, ela nos oferece um elemento. Dentro dessa diversidade toda de influências
há uma fonte de refúgio que é a natureza ilimitada que não tem início e não tem fim, não tem
nome e forma. Nossa natureza é incessante, luminosa, onisciente, compassiva, amorosa. Ela
não é assim porque certo evento surge, é assim incessantemente. Começamos a comparar as
fontes de refúgio verdadeiras com as fontes de refúgio que são remédio, elas têm qualidades,
mas são remédios, são fontes de refúgio parciais. Por exemplo, a nossa conta bancária é uma
fonte de refúgio parcial. Não posso pensar que ela vai durar para sempre. A nossa conta
bancária pode ser roubada, podemos ter vários problemas. Mas se eu disser que ela não tem
nenhum valor, isso também não é verdade, ela tem um valor, a conta bancária é algo
extraordinário.
Assim, vem a pergunta: essa diversidade de budas, como fica? O que veremos agora já é algo
mais sofisticado ainda. Por exemplo, dentro desse olho extraordinário onde vemos todas as
coisas aparentes como inseparáveis da natureza de Buda, vamos reconhecer todas as coisas
como vacuidade, isso é o prajnaparamita. Todos os darmas são vacuidade, são surgidos,
são expressões dessa natureza luminosa e vazia. Os ursos são assim, os lobos são assim,
todas as formas são surgidas dessa manifestação.
Agora fizemos um up grade na nossa visão. Não estamos dizendo: os lobos são lobos. Os
lobos são manifestação da natureza última, por isso são lobos. Olhamos os ursos, os animais
todos, olhamos cada vegetação. Ao olhar para uma roseira observe o que acontece dentro de
você, com a rosa e com a planta. Capture essa energia da roseira, ela está presente dentro de
você. Ela está ali, mas tem uma presença luminosa que produz a aparência da roseira como
ela é. É uma manifestação da natureza ilimitada que se fez roseira, outra natureza ilimitada se
fez pinheiro, outra se fez pedra, se fez as várias coisas, tem uma energia correndo por dentro
dela, tem uma liberdade se manifestando assim. Todos esses seres são aquela aparência, mas
aquela aparência está em contínua mutação, portanto elas são essencialmente uma energia de
vacuidade e luminosidade em constante transformação, em constante busca de equilíbrio,
como nós também. As folhas vêm, as folhas caem, a seiva sobe, a seiva diminui, a chuva vem,
o sol vem e tem mudanças incessantes. Tem uma presença viva ali dentro, uma presença
cósmica, extraordinária, não há nada na natureza que não tenha essa energia circulando, essa
energia viva operando. Olhamos desse modo e vemos budas com diferentes faces, com todas
as manifestações. Vemos a energia de budas se manifestando e produzindo aquelas faces
todas. Desse modo, estamos contemplando a vacuidade e luminosidade, porque essa energia
de Buda é a própria vacuidade e luminosidade, incessantemente se manifestando em todas as
aparências.
Veremos que há aparências mais sutis, extraordinárias, como a bondade dentro de nós, por
exemplo. Vemos surgir bondade, compaixão, amor, alegria, mas não sabemos de onde
surgem. Surge amor, mas vem de onde mesmo? Com isso, começamos a intuir as deidades,
localizamos esse amor como manifestação dos budas, do mesmo modo que as pedras, as
plantas, os ursos, os lobos, as minhocas, os cachorros, os gatos, nós, os seres. Há um nível
mais sutil, vamos chamar isso, nos níveis das deidades, de Buda. Veremos os grandes
meditantes em retiros, parados, sem piscar, eles localizam a natureza última. Eles vêm que
dessa natureza última surge a meditação, da meditação surgem os cinco Diani Budas, dos
cinco Diani Budas surgem outras expressões mais sutis que não são propriamente humanas ou
físicas, são manifestações que vão se traduzir dentro de nós e dos seres. A compaixão não é
uma qualidade apenas dos seres humanos, ela já é uma manifestação extraordinária porque a
compaixão não é uma manifestação de autoproteção, é um mecanismo de proteção mais
amplo. É uma deidade, isso é Buda se manifestando. E assim vamos ver diferenças que vão
ser representadas, enfim, por deidades, com corpo antropomórfico, com corpo com aparência
humana, humanóides.
Vocês olhem Dorje Drolo, que pode ser mal interpretado, porque aquela aparência dele está
mais ou menos. Dorje Drolo significa o devorador de demônios, um nome também não muito
tranquilizador. Dorje Drolo representa a capacidade de nos defrontarmos com tudo aquilo que é
negativo e ultrapassarmos esse aspecto de negatividade. Quando entendemos a natureza da
vacuidade dentro de nós, imediatamente sabemos que nada resiste a essa vacuidade. Todas
as coisas ultrapassam as aparências, todas as aparências são transitórias. Quando nos
valemos dessa vacuidade, olhamos os aspectos atemorizadores diante de nós e dizemos “Isso
é construído.” A sua essência é vacuidade e luminosidade, não tenho porque temer. Mas é
Dordje Drolo o protetor, porque é apenas o aspecto externo que é tocado, a nossa essência
não pode ser tocada. Então, devorador de demônios é aquele que olha para os demônios, ele
não tem medo. Na verdade, revelando a natureza aparente do demônio como uma construção,
ele dissolve o demônio, todos os demônios se assustam.
Ao olharmos para Dorje Drolo o que é que treme dentro de nós? Quando vemos uma figura
assustadora, o que é que treme dentro de nós? Vocês acham que a nossa natureza ilimitada
treme? Ou é a nossa natureza de fragilidade, são as nossas construções que tremem? São
elas que tremem! Quando vocês olham uma figura assustadora e tremem, Dorje Drolo está
presente ali, por que ele fez tremer o que? Aquilo que não somos. Dorje Drolo apareceu e
olhou para nós e vimos que fomos olhados, a nossa fragilidade viu Dorje Drolo. Dorje Drolo
está ali. Tudo isso é o aspecto místico. Vemos uma imagem e trememos, porque dentro de nós
o aspecto de fragilidade, de engano que queremos sustentar de qualquer jeito tremeu. Dorje
Drolo está vivo e faz um contato direto com os demônios que acalentamos como se fossem nós
mesmos , carcereiros, que prendem a nossa mente. Dordje Drolo faz um contato direto, é a
habilidade dessa linguagem. Quando vocês olharem uma imagem desse tipo, que é um buda
irado, e vocês tremerem dentro ou sentirem respeito, vocês agradeçam, vocês receberam uma
transmissão, vocês foram tocados por esse Buda. Ofereçam pelo menos um incenso e
guardem isso porque é muito importante. Essa é uma linguagem não verbal, uma linguagem
extraordinária. Vocês não pensem que isso é por acaso, todos esses elementos foram
desenvolvidos pelos budas.
Qual foi a inteligência que gerou esse procedimento para nos ajudar a localizar isso? Quem foi
que gerou isso? É uma inteligência búdica, uma inteligência como Manjushri, como Cherenzig,
Avalokitesvara, que olha para os seres atrapalhados e tenta gerar um mecanismo de ajudá-los,
mesmo que não tenham capacidade de entender, com dificuldade de raciocínio, que não sejam
alfabetizados, eles olham para Dorje Drolo e entendem alguma coisa. Essa é uma linguagem
extraordinária, assim surgem as várias deidades. Vocês respeitem cada um dos protetores
porque eles estão trabalhando nessa dimensão.
Essa dimensão não é mais sutil que a dimensão do silêncio, da decomposição das aparências
e a compreensão da natureza ilimitada dentro do silêncio. Se pudermos avançar assim,
estamos andando num caminho direto muito rápido. Com essa forma do silêncio que usamos
aqui avançamos diretamente no ponto. Não precisamos palmilhar todos os nossos medos. Nos
reforçamos no contato com a natureza última e quando encontramos os medos, nós sorrimos
para eles, é mais fácil. Se não temos essa compreensão, no início olhamos as várias deidades
e nos assustamos. Talvez não seja no início, durante um longo tempo nós desenvolvemos uma
relação de susto e de incompreensão. Vamos recitar muitas vezes os mantras, vamos ouvir
ensinamentos, receber iniciações para poder operar dentro disso, até que a gente tenha uma
realização. Mas se temos o caminho direto e olhamos de forma nua, direta, com a perfeição da
sabedoria avançamos mais rápido.
Há esse universo místico, essa linguagem maravilhosa. Espero com o tempo que a gente
também tenha templos aqui dentro para a água, para o ar, para o fogo, para as várias
deidades. Temos uma área aqui no Cebb Caminho do Meio onde podemos ter pequenos
templos, pequenos recantos, que nos permitirão ter contato com essas deidades, podemos
senti-las todas como representando a natureza ilimitada. Isso seria um avanço, algo
maravilhoso podermos nos relacionar a partir dessa noção de prajnaparamita. Temos a
noção de luminosidade e vacuidade, não precisamos virar os olhos, abandonar, podemos olhar
e ver que todas as deidades se curvam a Guru Rinpoche. Guru Rinpoche entra no Tibete,
todas as deidades fazem prostrações, todas as imagens, todos os yidans fazem prostrações
para Guru Rinpoche. Dizemos que quando o Buda Sakiamuni entra na sala todas as deidades
se curvam ao Buda. Por mais poderosas e gigantescas, por mais maravilhosas que sejam, elas
se curvam a Cherenzig, se curvam a Buda Sakiamuni, a Guru Rinpoche. Quando Guru
Rinpoche entrou no Tibete, as montanhas se curvaram a Guru Rinpoche, os cursos d’água,
todas as deidades comuns se tornaram protetores do Darma.
A linguagem mística existe, existe o mundo místico, existe o olho místico, mas a primeira
transição que fazemos quando acessamos esse ponto místico é observar: as deidades são
permanentes ou não? Estão submetidas à roda da vida ou não? Vocês vão ver que todas as
deidades estão submetidas à roda da vida, exceto às manifestações dos budas. As
manifestações dos budas não têm origem e não têm fim, elas são a natureza ilimitada, são as
fontes verdadeiras de refúgio. Agora, quando vemos as fontes verdadeiras de refúgio, podemos
entender que todas as manifestações comuns, todas as aparências da roda da vida, têm por
essência a natureza ilimitada. Somos capazes de converter qualquer linguagem comum na
manifestação da sabedoria de todos os budas e desse modo podemos olhar os ursos, os lobos,
as plantas, os cursos d’água, os cinco elementos, podemos vê-los como expressões da
natureza última também. Assim, a visão xamânica se funde com a visão búdica. Esse é o
diálogo que aconteceu dentro do Tibete quando vêm os budas, se defrontam com as tradições
xamânicas antigas e se fundem com o budismo tibetano, olhando tudo isso de forma mística e,
além disso, transcendo o aspecto místico, mas usando a própria linguagem.
Desse modo, vocês não tenham medo e procurem compreender as várias manifestações
dessa maneira. A forma como trabalhamos no Cebb é, especialmente, com essa dimensão do
silêncio e da lucidez, que é a dimensão que usei para explicar isso hoje. Passeamos por dentro
do universo místico, mas usamos uma linguagem Mahayana, uma linguagem que explica,
examina, vê exemplos, compreende e traz a perfeição da sabedoria; linguagem pela qual
entendemos que todos os fenômenos, portanto, todas as deidades, fontes de refúgio, todo o
samsara, todos os seis reinos são expressões da mesma natureza ilimitada. E, assim, vamos
chamar tudo isso de Grande Perfeição, de Kadag. Tudo isso tem uma pureza natural. Quando
os budas olham as coisas eles não acham que estão erradas, eles olham e sorriem porque
veem a perfeição em todas as coisas.