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Carta ao leitor

Governo Federal
Secretaria de Assuntos Estratégicos
da Presidência da República
MINISTRO Welling ton Moreira Franco

Esta é uma edição especial de Desafios do Desenvolvimento. A pauta


é quase toda voltada para as atividades do Ipea. Não se trata de um
exercício de autoproclamação, mas de uma prestação de contas.

PRESIDENTE Marcio Pochmann


Ao longo dos últimos anos, o Instituto vem abrindo seu foco de estudos
e publicações. Era algo já esboçado anteriormente, pois é impossível
http://www.Ipea.gov.br/ouvidoria
realizar pesquisa econômica aplicada, como nosso nome indica, sem
nos voltarmos à investigação sobre o funcionamento da sociedade, suas
instituições, entidades e órgãos de representação. E não é factível analisar
a sociedade sem ter em mente sua história, sua cultura e sua inserção no
www.desafios.ipea.gov.br mundo. Projetos de desenvolvimento, como o Ipea e o governo federal
perseguem, são iniciativas plurais, interdisciplinares e amplas.
DIRETOR-GERAL Daniel Castro
CONSELHO EDITORIAL André Gustavo de Miranda Pineli Alves,
Nas páginas a seguir, há um pouco dessa saudável pretensão que nos
Antonio Semeraro Rito Cardoso, Daniel Gonçalves Oliveira, Fernanda Cristine move. Começamos com um bloco de três entrevistas com personalidades
Carneiro, Guilherme Dias, Isabela Vilar, João Cláudio Garcia,
Jorge Abrahão de Castro, José Aparecido Carlos Ribeiro, importantes para o Instituto.
José Carlos dos Santos, Júnia Cristina Perez Conceição, Luciana Acioly da Silva, Em primeiro lugar, temos o ministro Wellington Moreira Franco,
Márcio Bruno Ribeiro, Maria da Piedade Morais, Marina Nery,
Murilo José de Souza Pires, Pérsio Marco Antônio Davison titular da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
Ele fala aos repórteres Fernanda Carneiro e Pedro Cavalcanti sobre as
Redação principais metas governamentais: a eliminação da miséria e a ampliação
EDITOR-CHEFE Gilberto Maringoni
EDITORA DE ARTE Ana Caroline de Bassi Padilha
do mercado interno brasileiro.
EDITOR DE ARTE/FINALIZAÇÃO Diogo Félix Em seguida, o ex-ministro João Paulo dos Reis Veloso, fundador
REVISOR Max Gimenes
BRASÍLIA Cora Dias do Ipea, relata ao repórter Gilberto Gonçalves Costa detalhes sobre a
JORNALISTA RESPONSÁVEL Gilberto Maringoni
construção de um centro de pensamento econômico durante a ditadura,
CAPA Maringoni
a partir de 1964.
Colaboração Completando essa primeira parte da revista, o escritor, dramaturgo
George da Guia
e membro da Academia Brasileira de Letras, Ariano Suassuna, em uma
Cartas para a redação entrevista cheia de inquietações concedida a João Claudio Garcia Rodri-
SBS Quadra 01, Bloco J, Edifício BNDES, sala 1517
CEP 70076-900 - Brasília, DF gues e Douglas Portari, chama atenção para a articulação existente entre
desafios@ipea.gov.br cultura e desenvolvimento.

Impressão
Várias matérias traçam painéis sobre as atividades do Ipea. Uma
Gráfica Art Printer reportagem de Cora Dias mostra a estrutura da instituição, suas dire-
torias, os trabalhos realizados e as inúmeras publicações e iniciativas
que se espalham pelo país. Outras duas matérias dão conta das diversas
parcerias estabelecidas pelo Instituto junto a instâncias de governo e da
sociedade e como se formaram os organismos de assessoria e pesquisa
AS OPINIÕES EMITIDAS NESTA PUBLICAÇÃO SÃO DE EXCLUSIVA E
DE INTEIRA RESPONSABILIDADE DOS AUTORES, NÃO EXPRIMINDO, voltados para demandas do Estado ao longo do século XX. Além disso, três
NECESSARIAMENTE, O PONTO DE VISTA DO INSTITUTO DE PESQUISA
diretores do Ipea e seu presidente traçam metas para os próximos anos.
ECONÔMICA APLICADA (Ipea).
Artigos de Carlos Lessa, Dércio Garcia Munhoz, Candido Mendes e
É PERMITIDA A REPRODUÇÃO DA REVISTA,
Pedro Demo, conselheiros do Instituto, completam a edição, situando
DESDE QUE CITADA A FONTE.
o país diante das incertezas da crise mundial.
DESAFIOS (ISSN 1806-9363) É UMA PUBLICAÇÃO DO Ipea
PRODUZIDA PELA VIRTUAL PUBLICIDADE LTDA.

Boa Leitura!

virtual publicidade ltda


Rua Desembargador Westphalen, 868, Curitiba-PR
Cep. 808230-100 – Fone: (41) 3018-9695
Daniel Castro, diretor geral da
e-mail: virtualpublicidade@virtualp.com.br revista Desafios do Desenvolvimento

4 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


Sumário
Pág. 6 Entrevista – Wellington Moreira Franco
Ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos fala da erradicação da miséria, das iniciativas de desenvolvimento e da
ampliação do mercado interno
6
Pág. 18 Entrevista – João Paulo dos Reis Velloso
Fundador do Ipea conta detalhes dos primeiros anos do órgão e comenta a criação do II PND, no início dos anos 1970

Pág. 26 Entrevista – Ariano Suassuna


Autor do Auto da compadecida e membro da Academia Brasileira de Letras fala das relações entre cultura e desenvolvimento

Pág. 38 Ipea – O aniversário de uma instituição plural


Instituto comemora 47 anos abrindo seu leque de estudos. Festa contou com palestras, homenagens a iniciativas
regionais e mostrou aumento das demandas da sociedade por pesquisas aplicadas

Pág. 46 O que é o Ipea – O Instituto que pesquisa e planeja o futuro do país


Uma radiografia do mais importante centro de pesquisas da América Latina. Diretores traçam quadro
para os próximos anos

Pág. 52 Questões do desevolvimento – Muito além da Esplanada


As parcerias que o Ipea estabelece com universidades e institutos de pesquisa e as demandas do Estado em suas
várias áreas de atuação 38
Pág. 58 Perspectiva – A estratégia do planejamento nacional
A volta do Estado como indutor e planejador do desenvolvimento e a percepção de que o mercado por si só não conduz
ao desenvolvimento valoriza o papel do Ipea

Pág. 66 História – Pesquisa aplicada antes do Ipea


Como o Estado brasileiro planejava o desenvolvimento entre os anos 1930 e 1960. País só conseguiu se industrializar
graças a projetos estratégicos bem definidos

Pág. 94 Humanizando o desenvolvimento


Um programa de microcrédito no Zimbábue

Artigos
Pág. 82 O Brasil (ainda) precisa planejar
46
Carlos Lessa

Pág. 84 Planejamento nacional e consciência histórica


Candido Mendes

Pág. 86 Mito do aumento de aula


Pedro Demo

Pág. 88 A Europa se endividou para salvar os bancos


Dércio Garcia Munhoz

Pág. 90 Ouvidoria do Ipea: valorizando a cidadania e o processo de


democratização da sociedade
Antonio Semeraro Rito Cardoso

52
ENTREVISTA
João Viana

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Wellington
Moreira Franco
Pedro Cavalcanti e Fernanda Carneiro – de Brasília

“O Estado tem que


estimular a atividade
econômica”

Ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da


República comenta as transformações ocorridas no Brasil na última
década. As marcas desse período, segundo ele, são a ascensão social
de milhões de pessoas e a ampliação do mercado interno. Para Moreira
Franco, o Ipea terá atuação decisiva no planejamento do desenvolvimento
dos próximos anos

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 7


Desafios do Desenvolvimento - Como tem sido a Moreira Franco - O órgão público exige da SAE é a formulação de política, seja
atuação da SAE e quais os planos da sua gestão? isso, não dá para você deixar que o social, seja na área econômica, seja
Wellington Moreira Franco - A SAE foi criada produto do trabalho dele seja estritamente agora na área de defesa. Essas são as três
na época em que o presidente do Brasil dependente dos impulsos intelectuais áreas nas quais a SAE está organizada
era Fernando Collor de Mello. Com o daquele que está, eventualmente, no para atuar, pensar e produzir. Fez-se
fim dos órgãos de investigação, como o comando. Segundo ponto, a SAE é um um esforço, na área social, econômica e

SNI, entendeu o governo brasileiro que órgão do Poder Executivo, então, em agora na área de defesa para saber quais

que pese o Ipea estar vinculado à SAE, os desafios para que possamos ter o país
precisava reorganizar na administração
que queremos no futuro.
a apuração, o manejo e a reflexão sobre ela é diferente do Instituto. O Ipea é um
informações estratégicas e um planejamento órgão de pesquisa aplicada, que tem não
estratégico. Foi criada a SAE, com outro só demandas do governo, como também O Ipea é um órgão de pesquisa
nome na época. Tiveram vários titulares, perguntas a serem respondidas pelo seu aplicada, que tem não só
todos muito ilustres, o Eliezer Batista, o quadro técnico. Ele busca fazer pesquisas demandas do governo, como
Almirante Mário César Flores, o Ronaldo para servir à administração pública também perguntas a serem
Mota Sardenberg e o Luiz Gushiken. e que sustentem políticas públicas,
respondidas pelo seu quadro
Finalmente, no governo do presidente Lula, diferentemente da universidade que,
técnico. Ele busca fazer pesquisa
ele resolveu transformar a Secretaria em quando define um tema de pesquisa,
para servir à administração
Ministério. E vieram outros dois ilustres não há nenhum compromisso com a
aplicação na realidade. Ela tem sim valores
pública e que sustentem políticas
pensadores. O professor Mangabeira
Unger e o embaixador Samuel Pinheiro e medidas no plano teórico, com nível públicas, diferentemente da
Guimarães. A Secretaria tem uma história de abstração alto. A lógica de avaliação universidade que, quando define
antiga, mas o nível de institucionalização acadêmica é diferente da avaliação dos um tema de pesquisa, não há
ainda é muito precário. trabalhos do Ipea e da SAE. Um órgão do nenhum compromisso com a
Poder Executivo tem que produzir, tem aplicação na realidade.
Desenvolvimento - O senhor falou em dar mais que ter nos seus desafios o compromisso
institucionalidade à SAE. Como será feito isso? em apresentar um produto. O produto

Desenvolvimento - Que país a SAE vislumbra?


Moreira Franco - Um país que seja justo,
que seja democrático, que seja rico e
Perfil que, como a presidenta Dilma diz, seja
a quinta economia do mundo. Isso
Wellington Moreira Franco nasceu em Fluminense, na Faculdade de Economia implica mudanças de qualidade. Não
Teresina, Piauí, em 1944, e mudou-se ainda e Administração”, conta ele. Em 1974, foi chegaremos a ser a quinta economia do
jovem com a família para o Rio de Janeiro. eleito deputado federal pelo MDB. Dois mundo com a qualidade de educação que
Aos 15 anos de idade, iniciou-se na política anos depois, venceu as eleições para a é oferecida, com o ambiente de inovação
estudantil secundarista e seguiu o mesmo prefeitura de Niterói. Exerceu no total e empreendedorismo que existe no país,
caminho quando entrou na universidade. três mandatos de deputado federal e foi ainda muito limitado e muito acanhado
Em 1964, ingressou na Faculdade de eleito governador do Rio, em 1986. Mais para esse desafio.
Ciências Econômicas da Universidade tarde, foi assessor especial do presidente
do Brasil. Três anos depois transferiu-se Fernando Henrique Cardoso. Em 2002, Desenvolvimento - Como a SAE se articula com o
para o curso de Sociologia da Pontifícia elegeu-se novamente deputado federal demais ministérios?
Universidade Católica do Rio de Janeiro. e, em 2007, foi vice-presidente da Caixa Moreira Franco - Temos duas linhas de
Doutorou-se na França pela Sorbonne. Econômica Federal. Agora é ministro respostas. Uma são aquelas feitas aqui
“Voltei e dei aula na Universidade Federal da Secretaria de Assuntos Estratégicos. dentro, são os nossos produtos. Por
exemplo, na área social, temos colocado

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João Viana
cinco pontos sobre os quais estamos qualificação de transformação em bairro?

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trabalhando. Um é no programa de O poder público, as lideranças políticas,
erradicação da miséria. A SAE, com o pensamento político brasileiro não
os técnicos que tem, vem participando fez uma opção clara. O próprio Favela-
junto ao Ministério do Desenvolvi- -Bairro, de alguma maneira, contorna o
mento Social na formulação do plano,
nos levantamentos e nas avaliações das anos problema. Para resolver, para remover,
tem de fazer o que Negrão de Lima fez,
políticas. Nós temos um programa para é a expectativa de vida em algumas Lacerda fazia, etc. Para fazer a melhoria
a primeira infância, de zero a três anos. áreas do Rio de Janeiro do bairro, nós temos que enfrentar um
Pretendemos, no máximo, até o começo grande desafio que é a regularização
do ano que vem, oferecer uma política fundiária na área urbana. Hoje é mais
estruturada e colocar à disposição dos grave que na área rural.
Estados, municípios e da própria União. em vilas operárias, conjuntos residenciais,
Vamos testar essa política na cidade do Rio grandes, pequenos, médios, programas Desenvolvimento - Qual é a dimensão do problema?
de Janeiro e na cidade de Niterói. Estamos de melhorias em áreas de favela, mas a Moreira Franco - Se você vai às áreas
iniciando um trabalho sobre favela, um questão central não está enfrentada ainda metropolitanas, sobretudo nas regiões
grande desafio que se tem. Há mais de pelo poder público no Brasil. A política é periféricas, essa questão imobiliária
um século se pensa em habitação popular, de remoção ou a política é de melhoria, de é um problema gravíssimo. Você tem

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 9


volume brutal de ativos. Pessoas traba-

João Viana
lham, investem e melhoram suas casas,
e aquilo não tem dono. Quer dizer, se
houver qualquer problema, ele não
tem os instrumentos legais para ir ao
Poder Judiciário e arbitrar conflito
nenhum. Se a política é de melhoria,
e a experiência internacional mostra
que essa linha é melhor que a outra,
certamente vamos ter de enfrentar a
questão da legalização fundiária. Na
cidade do Rio de Janeiro, mais de 50%
das residências não são legais.

O produto da SAE é a
formulação de política, seja
social, seja na área econômica,
seja agora na área de defesa.
Essas são as três áreas nas
quais a SAE está organizada
para atuar, pensar e produzir

Desenvolvimento - É um problema social, mas também


econômico..
Moreira Franco - Exatamente. Você trabalha, com morte violenta, o valor que você os próprios setores que o compõem
investe e aquilo não tem valor nenhum, dá à vida é nenhum. Aquilo passa a ser a compreenderem a crise. Quando o
valor econômico, é um ativo morto. E nós uma coisa absolutamente frugal. presidente Lula disse “nós temos que
não conseguimos, no Brasil, até agora, consumir”, o Conselho trouxe quais as
uma política adequada para a questão Desenvolvimento - A SAE é uma instituição proposi- dificuldades que naquela época existiam
da juventude, duramente falando, nas tiva, talvez seja por isso que o “conselhão”, Conselho de lá embaixo para o trabalhador, para a
áreas de periferia, das grandes cidades. Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), tenha sido dona de casa e para a família aumentar
Se o jovem não vai ser jogador de integrado à Secretaria. Qual a importância desse conselho? seu consumo. Foi criado um ambiente no
futebol ou funkeiro, a probabilidade de Moreira Franco - O Conselho é um qual se colocam ao redor de uma mesa
ele ser absorvido pelo tráfico é imensa. órgão político da maior importância. pessoas que tem interesses divergentes
Você pega todos os índices, são muito Ele é sobretudo eficaz em momento e que discutem e formulam.
ruins. A educação formal, a educação de crise, por reunir lideranças de
profissionalizante, o acesso à cultura, a diversos setores da sociedade: empre- Desenvolvimento - O que deve pautar as discussões
qualificação pro emprego, é tudo muito sários, trabalhadores, movimentos do Conselho?
ruim. A expectativa de vida é muito sociais, intelectuais, personalidades Moreira Franco - Temos uma pauta muito
baixa, tem áreas na cidade do Rio de que formam opinião. Essas pessoas comprometida com a questão tributária.
Janeiro em que a expectativa de vida são convidadas a discutir as questões Ou seja, temos de enfrentar os gargalos
chega a 22 anos. Você tendo seu irmão, que afligem, que mobilizam, que estão para que tenhamos um país com um
seu vizinho, seu amigo, seu colega, ao presentes. O Conselho, nesse período ambiente estimulante para o empreen-
seu lado, morrendo e, normalmente, de crise, ajudou o presidente Lula e dedorismo, para a inovação e em que

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possamos sonhar em ter as mesmas sobretudo em áreas que você não tem a a necessidade de termos um sistema de
facilidades que o inventor do Facebook presença do setor privado. O Estado tem avaliação de política pública. A avaliação
teve. Se aquele rapaz estivesse aqui hoje que estimular e criar condições para que evidentemente não pode ser feita por
no Brasil, ele jamais conseguiria ter uma o país cresça. quem executa. É necessário montar uma
empresa com o patrimônio que tem, governança desse processo que permita
porque o ambiente institucional não é Desenvolvimento - Sobre a presença do Estado, o que as políticas sejam elaboradas, execu-
favorável. Vai ter que se mudar tanto senhor não acha que ainda temos muito a avançar na tadas e acompanhadas pelos órgãos de
a parte tributária, parte fiscal, parte de gestão pública? controle e que elas sejam avaliadas. Os
organização e da engenharia legal. Moreira Franco - Este é outro problema. programas têm que ter foco. Não adianta
Acho que, hoje, tanto o pensamento você ter programas que tenham vários
Desenvolvimento - Alguns setores criticam o Estado econômico, político, social quanto a objetivos, porque você perde o foco.
planejador e interventor como uma limitação à democracia. prática governamental estão muito
O que o senhor acha dessa questão? mais voltados para o micro, para a

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Moreira Franco - Velha, já passou... O microeconomia e para os problemas
grande avanço que nós tivemos é que concretos, do que propriamente para
algumas questões tanto macroeconômicas as grandes questões. Os fundamentos
como macropolíticas, macroideológicas, macroeconômicos já estão dados, vamos
já foram superadas. Nós temos a questão resolver o problema da infraestrutura,
macroeconômica resolvida. A sociedade vamos resolver o problema do crédito, milhões
brasileira não quer inflação. A presi- vamos resolver o problema do sistema
de pessoas chegaram ao sistema de crédito
denta Dilma entendeu claramente esse bancário, que está sendo pressionado
sentimento, tanto que tem mantido uma por uma clientela nova de 49 milhões
posição muito atenta e muito rigorosa, de pessoas que chegaram e que têm
para evitar que a inflação volte. Diante operações financeiras com seus créditos.
desse quadro, eu creio que o Estado Outra coisa é a qualidade das políticas Desenvolvimento - Quais devem ser as prioridades
tem que ter presença, o Estado tem que públicas, tanto sociais quanto econômicas do Brasil para os investimentos, para o longo prazo, o
fazer e estimular a atividade econômica, etc. Isso é um grande desafio. Agora há desenvolvimento sustentável?

João Viana
O Conselho é um órgão
político da maior
importância. Ele é sobretudo
eficaz em momento de
crise, por reunir lideranças
de diversos setores da
sociedade: empresários,
trabalhadores, movimentos
sociais, intelectuais,
personalidades que
formam opinião

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Moreira Franco - Acho que temos três competência pelo tempo que ela estava

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problemas. Precisamos melhorar o ambiente no mesmo trabalho. Do jeito como as
institucional para o empreendimento. coisas são hoje, esse tempo que você está
Criar ou fechar uma empresa no Brasil no mesmo trabalho é visto ao contrário
é muito complicado. Isso desestimula de antes. A pessoa boa está numa rotação
você a se organizar, a exercitar sua capa-
cidade criativa. O mundo hoje mudou
que muda não só de trabalho, de empresa,
mas muda de cidade, de país. A mobilidade milhões
muito, valores como permanência em é muito grande. Você precisa mudar o de novos empregos foram criados
emprego hoje é uma coisa que tem bolor, ambiente. A segunda coisa que eu acho na última década
é bolorento. Antigamente você media a é que a poupança privada e pública no
eficácia de uma pessoa, sua referência e Brasil é muito baixa. Consequentemente,

o investimento passa a ser baixo.Temos


João Viana

que aumentar a nossa capacidade de


poupar, se nós quisermos ser a quinta
economia do mundo.

Desenvolvimento - Há muita dificuldade do Estado


para planejar o investimento e efetivar esse investimento.
O País ainda precisa superar o problema, para conseguir
avançar na infraestrutura? Há muita polêmica envolvendo
a preparação para Copa e Olimpíadas, por exemplo....
Moreira Franco - A questão está vinculada
diretamente ao custo Brasil. É muito caro
viver no Brasil, tudo é muito caro. A cidade
do Rio de Janeiro chega a ser uma coisa
afrontosa. É cara a comida, é caro o vestu-
ário, é caro o transporte. É caro o metro
quadrado do apartamento. E evidentemente
isso é consequência de uma debilidade na
nossa capacidade de infraestrutura. Para
diminuir o custo Brasil nós precisamos
investir em infraestrutura. O sistema
portuário é totalmente ineficaz, o sistema
de acesso aos portos. Nós destruímos nosso
sistema ferroviário há quase um século e
não conseguimos remontar. Não temos aqui
sistema fluvial. Nós vemos na imprensa,
porque vamos ter os Jogos Olímpicos e
a Copa do Mundo, os aeroportos. Isso é
uma bobagem total. São três milhões de
pessoas a mais durante um pequeno espaço
de tempo que vão demandar a nossa rede
de aeroportos. Mas o problema não são
os três milhões, o problema são os trinta
milhões de brasileiros que entraram no

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sistema e que usam aviões e aeroportos. Em janeiro de 2010, pela primeira vez Desenvolvimento - As desigualdades regionais
Você toma um café no aeroporto, há tivemos a população economicamente também têm diminuído. Como o país pode intensificar
uma fila, uma coisa complicada. O avião ativa majoritariamente formalizada. essa mudança?
atrasa, não respeita, ninguém sabe, muda Tivemos uma política de salário mínimo Moreira Franco - Outra coisa é o regional.
de finger. Esse problema também é uma que deu ganho real, efetivo. Isso tudo Eu acho que esse é um grande desafio
questão de cultura. A relação do poder gerou um ambiente de muita confiança. que nós temos. O presidente do Ipea,
público com o cidadão no Brasil melhorou As pessoas saíram das aflições da luta o Marcio Pochmann, me trouxe aqui
muito depois da Constituição de 1988. Mas pela sobrevivência para aspirarem a uma ideia pela qual, segundo ele, vem
o Estado trata muito mal o cidadão. No ter seu apartamento, a dar uma melhor lutando há algum tempo. Nós precisamos
fundo, quando nos livramos de Portugal, qualidade de vida aos próprios filhos... de planejamento regional. Até o Sudeste
na Independência, nós pensávamos que precisa. O problema do Sudeste não é
estávamos rompendo um laço colonial, o problema do Nordeste. Temos uma
A política social
mas na realidade o Estado brasileiro se região que vai de Campos até São Paulo,
sem crescimento
transformou na corte, em Portugal. O pega um pouco de Minas Gerais, que é
cidadão continuou colonizado.
econômico não existe. o maior PIB da América do Sul. Lá há
O que existe é um uma concentração de centros de pesquisa
Desenvolvimento - O senhor citou essa nova classe assistencialismo que você e universidades, onde a inovação, mesmo
consumidora. Qual deve ser a atuação do governo federal dá diretamente porque baixa, se dá de forma mais elevada na
nesse sentido, para intensificar o processo de ascensão não tem nada, só aquele América do Sul. É onde você tem a mais
dessas pessoas? complexa infraestrutura, os mais diversos
dinheiro que o Estado
Moreira Franco - Nós não sabemos quem equipamentos culturais. E que as decisões
dá. É a única política
é a nova classe média. Quais os valores tomadas ali influem, não só no Brasil, mas
da nova classe média? Segundo, por que que tem. Ela tendo um em todas as capitais. Aquilo precisa ser
uns conseguiram entrar e outros não. Foi ambiente de movimentação pensado como uma unidade. Da mesma
deficiência da política social? Ou é um econômica, você então maneira que você precisa no Nordeste,
problema da pessoa? Se é uma deficiência dá uma ferramenta para você precisa na Amazônia e você precisa
da política social, vamos mudá-la. Se é que o cidadão aproveite no Centro-Oeste. E no Sul. Todo o esforço
um problema das pessoas, vamos saber que os governos estaduais e o próprio
aquele ambiente e
que problema é, para ver como ajudá-las governo federal fizeram para a montagem
vá em busca da sua
a superar isso. Nem todos foram para a de organismos que aglutinassem pessoas
nova classe média. A política social é uma
realização
com capacidade intelectual, teórica e
ferramenta que o Estado coloca à disposição acadêmica para pensar o planejamento
do cidadão para ele aproveitar o ambiente regional, caiu. Não foi bem sucedido,
de crescimento econômico. A política Desenvolvimento - Mas a volta de uma crise pode por diversas razões. Eu creio que seria
social sem crescimento econômico não comprometer a confiança. Como nos prepararemos? útil nós pensarmos, e é o que ele propõe,
existe. O que existe é um assistencialismo Moreira Franco - Hoje há um personagem você começar a pegar o que sobrou de
que você dá diretamente porque não tem político novo no cenário político e eleitoral experiência do Ipea. O Ipea foi criado
nada, só aquele dinheiro que o Estado dá. brasileiro. Na eleição futura, de 2014, para ser o órgão nacional. E o próprio
É a única política que tem. Ela tendo um provavelmente o número de jovens da governo federal estimulava os Estados a
ambiente de movimentação econômica, nova classe média será um eleitorado terem seus órgãos de pesquisa aplicada.
você então dá uma ferramenta para que maior que a soma da A e da B. Há uma E não deu certo. Nós temos que pegar o
o cidadão aproveite aquele ambiente e vá demonstração de pujança nisso. Nós que deu certo e tentar levar esse gérmen
em busca da sua realização. Tivemos na queremos preservar esse ativo. Para sermos para esses locais, para aglutinar esse
última década uma situação extremamente a quinta economia do mundo, precisamos pensamento. Com o tempo, cada um se
favorável. Criaram-se 15 milhões de novos ter uma classe média sustentando isso. E forma, vai ter sua personalidade, vai ter
empregos. Há permanência do emprego. que seja a ampla maioria do país. seu caráter e sua organização própria.

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Mas, neste momento, eu concordo com O Ipea foi uma referência de foi a semente que nos fez chegar à Cons-
ele que é preciso haver um certo estímulo pensamento, de reflexão e de tituição de 1988. Sem falar de questões
protecionista, e acho que a melhor estudos para várias gerações, como a qualidade da produção acadêmica,
maneira seria dar ao Ipea a condição da qualidade da produção científica, da
mesmo sendo um órgão de
organizacional regional, para que ele qualidade da produção das políticas
aglutine economistas, pesquisadores,
governo. Acho que temos uma
públicas, da qualidade dos quadros
engenheiros e cientistas de boa qualidade dívida com o ministro [João que ao longo desses 47 anos entraram e
para pensar o desenvolvimento regional. Paulo dos Reis] Velloso. Ele, saíram do Ipea para os diversos órgãos da
em plena ditadura, preservou administração pública, esse simples fato
Desenvolvimento - O Ipea tem 47 anos. Qual é a sua
o Ipea de o Ipea ter sido uma força motriz do
avaliação sobre o Instituto?
processo de se pensar o Brasil e mudar
Moreira Franco - O Ipea foi uma referência
o Brasil é um legado que esses 47 anos
de pensamento, de reflexão e de estudos se disse “mas que tipo de cidadão, de
deixa para a sociedade.
para várias gerações, mesmo sendo um brasileiro, nós estamos produzindo com
órgão de governo. Acho que temos uma esse milagre?”. Que distribuição, qual Desenvolvimento - A questão dos royalties do pré-sal
dívida com o ministro [João Paulo dos Reis] estrutura social do País? E veio do Ipea, trouxe para a discussão a estrutura federativa do País.
Velloso. Ele, em plena ditadura, preservou do governo, e incendiou a sociedade Nosso federalismo é competitivo? É um obstáculo ao
o Ipea. E isso permitiu o debate sobre a brasileira inteira, todas as universidades desenvolvimento do país?
distribuição de renda. O grande ponto e centros de pesquisa. Os pensadores Moreira Franco - O pré-sal nos coloca
de inflexão foi o tal milagre econômico. todos passaram a nutrir a pergunta de tantos problemas... Os Estados brigam.
Ele começou a ser questionado quando que país nós estamos construindo. Isso Esse modelo tributário brasileiro é um
João Viana

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Brasil. Um caso concreto: é mais barato centralizamos. A Constituição de 1988

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produzir gás no Golfo do México, trazer colocou mais recursos no município. O
pro Brasil, vender no Brasil e pagar todos bolo foi distribuído numa proporção menor
os custos de importação, do que produzir para os Estados e menor para a União.
no Brasil, por causa do preço da energia. Em plena democracia, com o Congresso

anos Como pode uma coisa dessas? Eu creio


que temos de começar a questionar esse
funcionando, com o País crescendo, o que
a União fez com apoio do Congresso? Foi
é o tempo de legado do Ipea grande arcabouço legal, institucional, mudando a legislação, criando espantalhos,
para a sociedade que estamos vivendo. Ele já dá sinais de monstros, que fizeram, ao longo do tempo,
exaustão. Ele já não atende a necessidade a inversão desse sistema. Então a federação

modelo equivocado. Ele tem de ser

João Viana
repensado. Primeiro porque o Estado
não é dono de dinheiro, é um equívoco
o governador falar do “meu orçamento”,
do “meu dinheiro”, “eu estou perdendo”,
“o Estado está perdendo”. O dinheiro não É mais barato
é dele, você só perde o que é seu. O que é produzir gás no Golfo
de todos é de todos. Isso é de todos. Eis aí do México, trazer
uma questão federativa. É absolutamente pro Brasil, vender no
incompreensível que a energia você pague Brasil e pagar todos os
na origem e o petróleo você pague na
custos de importação,
boca, no consumidor, no destino. Por
do que produzir no
que ter dois critérios? Por que a energia
elétrica é uma sistemática e o petróleo é
Brasil, por causa do
outra? Além disso, o ganho que o pré-sal preço da energia
desenha é um ganho do País. E olha que
sou do estado do Rio de Janeiro e acho
que, no ambiente em que nós estamos
vivendo, o Rio fez bem em brigar como
brigou, pois essa é a regra do jogo.

Desenvolvimento - Há um estímulo à competição


entre os Estados? do povo brasileiro. No caso dos royalties é uma ficção teórica porque o pressuposto
Moreira Franco - Exatamente. Acho que do pré-sal, o dinheiro é da nação. O primeiro dela é o recurso. Aqui não, aqui
essa regra tem de ser questionada. Não orçamento dos Estados não é dinheiro do nem sei qual é o pressuposto primeiro.
acho que ela seja a regra que mereça Estado, no fundo o caixa é um só. Nosso Creio que a discussão sobre a federação,
existir num país que nós queremos que federalismo é muito conceitual. Se você em algum momento terá que vir. Acho
seja a quinta economia do mundo. A regra pega a história do Brasil até agora, você que não há ambiente ainda para ela ser
que obriga você a pagar 25% de ICMS na vê momentos de abertura e momentos de discutida. Mas não tenho dúvida de que
telefonia e é um absurdo total. Não tem centralização. O que não corresponde a em algum momento vai haver, porque é
cabimento. Nós pagamos o imposto mais práticas democráticas. Também tivemos impossível um país deste tamanho, com
caro do mundo: 25% na eletricidade que momentos de ditaduras e de democracia, a diversidade regional que tem, viver com
você usa... E aí o custo da eletricidade mas esses períodos não são coincidentes. os recursos concentrados na União. Não
está provocando a desindustrialização do Não é porque estamos na ditadura que nós dá. A gente vive e mora no município.

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 15


ENTREVISTA

João Paulo
dos Reis Velloso
Gilberto Costa – de Brasília

O encontro de
formações diversas

Fundador do Ipea e ex-Ministro dos governos Médici e Geisel


conta detalhes do surgimento do Instituto e da formulação do
II Plano Nacional de Desenvolvimento, no início dos anos 1970.
Para ele, o desenvolvimento é a única maneira de tirar as
pessoas da pobreza

18 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


Sidney Murrieta

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 19


E
m julho de 1964, três meses após o inspirada nos escritos do economista espa- Desenvolvimento (PND), criados em 1972
golpe militar, João Paulo dos Reis nhol Salvador de Madariaga (1886-1978), era e 1974, respectivamente. Os PNDs visavam
Velloso recebeu um telegrama do fazer um “planejamento para impulsionar criar no país uma indústria de bens de
então ministro do Planejamento, as forças criativas do mercado”, recorda produção moderna, completando a cadeia
Roberto Campos, chamando-o para conversar. Velloso. Segundo ele, isso nada tinha a ver, produtiva instalada no país. A concepção
Um convite foi feito: organizar um novo em tempo de perseguição a comunistas, dos planos baseava-se em diagnósticos do
órgão, chamado Escritório de Pesquisa com a Gopslan, sigla russa para o comitê Ipea, que, entre outras coisas, antecipava
Econômica Aplicada (Epea). Velloso era um soviético de economia planificada. a grande chance de o País se converter
jovem economista que acabara de voltar de O Epea logo deixaria de ser um escritório de importador a competitivo fornecedor
um mestrado de dois anos na Universidade e, com aumento da equipe, se transfor- mundial de insumos industrias básicos
de Yale, nos Estados Unidos. maria em um instituto, o Ipea. A ideia de nas áreas siderúrgica, petroquímica, de
Auxiliado apenas por uma secretária, ele planejamento sempre norteou a atividade celulose e papel e de metais não ferrosos.
logo começou a trabalhar. A primeira tarefa pública de Reis Velloso, que completou 80 Na entrevista publicada a seguir, o
do órgão, lembra ele, era razoavelmente anos em julho. Além do Paeg, ele esteve fundador do Ipea fala da história do insti-
complexa: revisar o Programa de Ação à frente da elaboração da primeira e da tuto e das perspectivas para a economia
Econômica do Governo (Paeg). A ideia, segunda edição do Plano Nacional de brasileira.

Sidney Murrieta

20 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


Desafios - Como foi o início do Ipea como centro de Reis Velloso - O Ipea era como um ímã, Porque tinham liberdade de pensamento
excelência, nos anos 1960, apesar da inexistência no Brasil tinha poder de atração, mostrava as e porque ganhavam bem.
de cursos de pós-graduação em Economia? oportunidades que existiam para quem
Reis Velloso - As dificuldades iniciais foram fizesse pós-graduação. As pessoas inicial- Desafios - Mas não houve momentos em que a situação
superadas com alguns economistas brasi- mente iam para o exterior. Com a reforma de restrições políticas atrapalhou o Ipea? O Albert Fishlow,
leiros que estavam voltando de universidades universitária de 1978, foram criados os por exemplo, volta para os Estados Unidos depois do AI-5.
do exterior, como eu. Sempre tivemos a centros regionais de pós-graduação. Não Reis Velloso - Já estava terminado o convênio
ideia de que economia aplicada não era a fazia sentido mais mandar para o exterior. que tínhamos com a Universidade de
reprodução de uma instituição acadêmica. Berkeley. Ele depois escreveu um artigo
As pessoas vinham para cá já sabendo que que deu origem à grande discussão sobre

10%
tínhamos de preparar documentos para distribuição de renda no Brasil. O [Carlos]
o planejamento. Tínhamos dois valores: Langoni escreveu um livro contra o ponto
liberdade de criação e de pensamento. de vista do Fishlow. Na verdade, os dois
Assim, fizemos diagnósticos da economia estavam com razão. Porque tinha havido
achatamento de salários sim. O Langoni
foi o
brasileira. O levantamento da indústria foi
feito por Arthur Candal e dois assistentes tinha razão por causa da importância do
recém-formados, Pedro Malan e Regis capital humano. A última palavra coube
crescimento da indústria brasileira
Bonelli, todos de esquerda. Não havia medo ao Samuel Morley, também do grupo de
entre 1929 e 1932
de ideias. Outra diretriz era “nós temos Berkeley [autor de Poverty and Inequa-
que recrutar onde for possível”. Fizemos lity in Latin America]. Ele escreveu que
um convênio com a Universidade de o problema não era propriamente de
Berkeley [EUA]. Chegaram cinco ou seis educação. O Brasil fez sua industriali-
Desafios - O senhor se considera fiador da liberdade interna zação com os analfabetos que vinham do
economistas e ficaram no Ipea. O Albert
do Ipea em um momento em que não havia liberdade no país? Nordeste para o Rio e para São Paulo...
Fishlow veio para o Brasil dessa forma.
Reis Velloso - Eu sempre fui franco atirador, Quando saiu o I PND, o primeiro artigo
Ao mesmo tempo, nós íamos caçando os
nunca me filiei a correntes nem dentro contra era de dois economistas do Ipea,
brasileiros e mandando para o exterior
da economia, e nem na área política. Pedro Malan e Regis Bonelli. Eu não dei
para fazer pós-graduação e voltar para
Nós não tínhamos medo de ideias. resposta, poderia parecer que eu estava
trabalhar no Ipea.
Tudo que se desejava funcionou, isso o querendo prevalecer da minha condição.
Desafios - O que os estrangeiros achavam de interessante [Roberto] Campos segurou e depois eu
no Brasil, a ponto de deixarem seus países? também garanti. O pensamento era o Desafios - O fato de estar sob um regime fechado favo-
Reis Velloso - Eles ficavam algum tempo seguinte: nós só tínhamos que prestar recia o planejamento? Se o momento fosse de normalidade
aqui porque sabiam que virariam brasi- contas ao presidente da República. O democrática, o Ipea seria o mesmo?
lianistas, como foi o caso do Fishlow. Ele Ipea foi transformado em fundação e Reis Velloso - Acho que sim, porque o
acabou de publicar um livro sobre o país. tinha carreira própria. Eu me lembro que [Roberto] Campos era um liberal. Ele já
Havia um interesse pelo Brasil e o Ipea era o chefe de gabinete militar do governo tinha trabalhado no governo Juscelino
o lugar onde eles podiam fazer pesquisa Geisel [general Hugo Abreu] veio falar com o Lucas Lopes [equipe que elaborou
e escrever, na ideia de trabalhar para o comigo, pois havia ciumeiras e reclama- o Plano de Metas], fez um plano de esta-
planejamento. Naqueles diagnósticos ções na área militar. O motivo era que bilização que JK jogou na lata do lixo...
setoriais todos atuaram, cada um na sua o Ipea tinha carreira própria, aprovada Ele teve a ideia e eu executei no meu
especialidade. Eles davam expediente no por portaria do presidente da República. estilo. Para saber do Planejamento sob o
Ipea, aprendiam a língua e ensinavam Eu respondi ao general, “se o senhor Roberto Campos leia a síntese do Paeg.
jovens economistas brasileiros a fazer quiser o senhor fala com o presidente Não tem coisa mais liberal. Foi escrita
pesquisa. da República. Mas tem o seguinte: ou o pelo Og Leme, que fez pós-graduação na
Ipea mantém a carreira própria ou eu não Universidade de Chicago, onde tinha um
Desafios - Que importância teve a existência do Ipea para sou mais ministro”. Todos os economistas pessoal monetarista. A minha universidade,
a formação do campo acadêmico de Economia no Brasil? do MDB trabalhavam no Ipea. Por quê? de Yale, estava de outro lado. Para mim,

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 21


Sidney Murrieta
o grande mestre era o [James] Tobin, um A concepção dos no Brasil quer saber de ter altas taxas de
liberal no sentido americano, que quer dizer planos baseava-se em inflação. O combate à inflação é um valor
progressista avançado. No Ipea, pessoas social. Eu acho que o desenvolvimento e o
diagnósticos do Ipea, que,
com formação diversa se encontravam. planejamento também devem ser valores
entre outras coisas,
sociais. Nós precisamos de crescimento
Desafios - Na sua opinião esse tipo de embate ainda existe? antecipava a grande
e desenvolvimento econômico, para ter
Reis Velloso - Muito atenuado, mas chance de o País se converter
um modelo que seja grande gerador
existe sim. Hoje não há mais as high de importador a competitivo
de emprego, que evite o subemprego, o
ideologies, só existem as soft ideologies, fornecedor mundial de
mercado informal. Essa é a única forma
tudo amenizado.
insumos industrias básicos de tirar as pessoas da pobreza.
Desafios - Há quem aponte que no momento da rede-
nas áreas siderúrgica,
mocratização o planejamento perdeu importância. Por que petroquímica, de celulose Desafios - Isso está acontecendo?
isso aconteceu? e papel e de metais não Reis Velloso – Nós temos de ter a preocupação com
Reis Velloso - Nós temos que ver a coisa ferrosos a geração de bons empregos para que as pessoas não
da perspectiva histórica. Há duas coisas: precisem recorrer ao mercado informal, que ainda é muito
planejamento e desenvolvimento, ou liberal. O Brasil teve uma geração que nunca grande no Brasil.
planejamento para o desenvolvimento. É viu o país crescer em termos de renda per
por isso que eu cito sempre Salvador de capita, mas houve transformação. Fez-se o Desafios - O senhor avalia que a inflação esvaziou o
Madariaga naquele livro Planejamento para Plano Real, que transformou o combate à planejamento nos anos 1980? Ou seja, não havia como fazer
a Liberdade. Ele é reconhecido como um inflação em um valor social. Hoje ninguém planejamento naquelas condições?

22 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


Reis Velloso - Aquela inflação bárbara de apartamentos funcionais em Brasília]. Desafios - O senhor no ano passado escreveu a introdução
desconstruiu todo o modelo de planeja- Eu passava lá os fins de semana, escre- do livro editado pelo Ipea sobre a controvérsia do planejamento
mento, programação e investimento que vendo o plano com base em ideias da economia brasileira. O debate dos anos 1940 entre o
havia no Brasil e destruiu instituições. Até minhas, mas usando os documentos engenheiro e ex-ministro da Fazenda Eugênio Gudin e o também
o know-how de crescimento nós perdemos. que tinha recebido do Ipea e com alguns engenheiro e empresário Roberto Simonsen, sobre qual seria a
Nós anos 1990, houve transformações subsídios do BNDES [Banco Nacional vocação brasileira: aproveitar o potencial agrícola ou ter uma
como a adoção de métodos gerenciais, de Desenvolvimento Econômico e indústria que produzisse para substituir a importação. Hoje o
a abertura econômica, a entrada de mais Social]. O Ipea tinha duas funções. A Brasil tem o seu crescimento capitaneado pelo agronegócio e,
capital estrangeiro. Apesar disso, ficamos primeira, na pesquisa que era aplicada, segundo alguns empresários e economistas, sofre um processo
na dúvida hamletiana “podemos ou o pessoal às vezes dizia horrores do de desindustrialização. Olhando de 2011, quem o senhor acha
não ter política de competitividade?”; governo. Ninguém estabeleceu limites. que estava certo?
“podemos ou não ter política industrial E havia ainda um pedaço do Ipea que Reis Velloso - O Eugênio Gudin era muito
ativa?”. Assim chegamos aos anos 2000 recebia algumas encomendas de trabalho melhor economista do que o Roberto
sem crescer a uma taxa razoável. sabendo que isso era um subsídio para Simonsen. Simonsen era muito melhor
algum planejamento, também com total estrategista do que o Gudin, que não acre-
Desafios - Qual a contribuição do Ipea para o II PND? liberdade. Eu acho que assim deve ser. ditava em estratégia de desenvolvimento...
Reis Velloso - O II PND foi escrito por Ainda hoje, eu leio os trabalhos do Ipea O Brasil já tinha enveredado nos anos 1930
mim lá na SQS 114 [então uma quadra para escrever sobre alguns assuntos. pelo caminho da industrialização, o que
nos salvou de ter uma grande depressão
verde e amarela. A indústria brasileira
Sidney Murrieta

cresceu 10% ao ano de 1932 a 1939,


enquanto que o PIB americano de 1939
era mais baixo que o de 1929. Teria sido
um erro trágico o Brasil ter recuado. Pelo
contrário, avançou graças a posições como
as do Roberto Simonsen. Trazendo para os
dias de hoje, a minha opinião é que temos
que por o pingo no i. O Brasil tem uma
grande dependência em relação às commo-
dities agrícolas e também às commodities
industriais. Mas a nossa agricultura não
é um setor primário. Ela tem conteúdo
médio ou alto de tecnologia. Usamos algo
extremamente sofisticado chamado de
agricultura de precisão. É o uso de ciências
agroespaciais para os empreendimentos
agrícolas. Quanto à industrialização, nós
precisamos ter uma política industrial
que inclusive abranja a competitividade
interna. A indústria nos últimos anos
cresceu menos que a agricultura, menos
que os serviços. Perdeu participação no
PIB. Em 1980, a participação da indústria
de transformação era de 30%, hoje é de
18%. O País não está fazendo com que o
a indústria se comporte como corredor
de Olimpíada.

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 23


ENTREVISTA

Ariano Suassuna
O arauto dos
compadecidos

Douglas Portari e João Claudio Garcia Rodrigues – de Brasília

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Hesíodo Góes
Escritor, membro da Academia Brasileira de Letras, autor de Auto da compadecida e Romance d’a
pedra do reino, Ariano Suassuna fala sobre globalização, manifestações populares, literatura e das
relações entre cultura e desenvolvimento. E ressalta: “Eu faço uma distinção entre o sucesso e êxito.
Eu não acredito que nenhum artista verdadeiro procure o sucesso”.

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 27


A
riano Suassuna é enfático. As palavras de teatro, cinco livros de prosa – entre os 1990, Ariano sintetizou as lições do episódio:
saem de sua boca como um texto quais se destaca Romance d’A Pedra do Reino “O que houve em Canudos, e continua a
já copidescado e revisado. Mas (1971) – além de vários volumes de poesia. acontecer hoje, no campo como nas grandes
não se trata de uma fala formal, ao Entre 1975 e 1978 foi Secretário de Educação cidades brasileiras, foi o choque do Brasil
contrário. As entonações e a espontaneidade e Cultura do município do Recife e entre 1994 oficial e mais claro contra o Brasil real e mais
de suas frases exaltam a paixão de quem vê e 1998, foi Secretário de Cultura do Estado escuro”. Mais adiante, completou: “Na história
nas manifestações populares a afirmação do de Pernambuco, no Governo Miguel Arraes. recente, existem povos que souberam fazer
que o Brasil tem de melhor. O vínculo com a alma popular o levou a de suas respectivas culturas instrumentos de
Nascido em João Pessoa (PB), em 1927, estudar profundamente a Guerra de Canudos luta e de resistência, como aconteceu, entre
Ariano Villar Suassuna perdeu o pai, assassinado (1896-97). O arraial, construído por camponeses outros, com o Vietnã e a Argélia”.
por motivos políticos, aos nove anos de idade. pobres liderados por Antonio Conselheiro, Ariano Suassuna proferiu uma palestra na
João Suassuna havia sido presidente – cargo foi arrasado por forças federais, temerosas abertura das comemorações do aniversário
equivalente ao de governador – da Paraíba de uma organização popular autônoma. do Ipea, em setembro último. Pouco depois,
e foi figura de destaque nos acontecimentos ele concedeu a entrevista que se pode ler nas
que desembocaram na Revolução de 1930. próximas páginas.

1947
Ariano viveu até os 15 anos na fazenda
Acahuan, de propriedade de sua família, Desafios do Desenvolvimento - O senhor diz que globalização
no sertão. Ainda adolescente, foi morar no é um novo tipo de colonialismo. Outros países têm políticas mais
Recife (PE), onde se formou em direito. direcionadas para proteção da cultura nacional, como França, outras
A carreira literária começou cedo, em nações europeias e Estados Unidos. No Brasil, falta política pública
1947, com o lançamento de sua primeira foi o ano para defender a cultura nacional face à globalização?
peça, Uma mulher vestida de sol. Oito anos Ariano Suassuna - Olha, está melhor que
de sua primeira peça, Uma mulher vestida de
depois seria encenado o espetáculo que lhe sol, oito anos antes de Auto da Compadecida quando eu era jovem. Hoje, ainda há uma
deu projeção nacional, Auto da compadecida. certa preocupação. Com a criação do
Professor de estética na Universidade Ministério da Cultura, ele tem exercido
Federal de Pernambuco entre 1956 e 1994, um certo papel nesse caminho. Eu destaco
Ariano Suassuna construiu uma sólida Em seu discurso de posse na Academia no Ministério da Cultura um dado que me
carreira literária, materializada em 19 peças Brasileira de Letras, proferido em agosto de parece muito positivo, o estabelecimento
Sidney Murrieta

Quem escreve somente


com os elementos de seu
tempo, nas suas
circunstâncias, que são
acidentais, está desgraçado,
liquidado, fadado a ser
esquecido e deixado
de lado

28 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


Sidney Murrieta

dos chamados Pontos de Cultura, que Michael Jackson e Madonna é feita hoje. Desse ponto de vista, é um
serviram muito para a interiorização da e Lady Gaga, têm mais mal terrível, porque é uma tentativa de
cultura. Antigamente, pensava-se em cultura uniformização das culturas, niveladas pelo
sucesso que Euclides
como uma espécie de perfumaria, quer gosto médio, que é uma das coisas piores
dizer, algo que permanecia nas capitais.
da Cunha, Cervantes,
que pode acontecer à cultura. Vou falar de
As poucas iniciativas do poder público, no Dante ou Nero. E levando um artista verdadeiro, como Villa-Lobos.
sentido de fomentar e defender a cultura pro campo da música, têm Você está para me apresentar um artista
eram tomadas mais no litoral. Isso vem mais sucesso que Mozart. de fora que tenha a importância de Villa-
de um historiador baiano do século XVI, Agora, a música de -Lobos. Eu tenho grande admiração por
frei Vicente do Salvador, que dizia que Mozart foi um êxito e vai ser dois músicos franceses, Débussy e Erik
os portugueses chegaram aqui e ficaram Satie, que representam para a França o que
assim daqui a três séculos,
como caranguejos, arranhando a costa. Villa-Lobos representou e representa para
quando ninguém mais vai
nós. Você tem de fazer diferença entre um
saber quem foi Lady Gaga
Desafios do Desenvolvimento - O Brasil hoje é um artista desse e um que atinge o sucesso,
país com projeção maior no mundo. Do ponto de vista da que é outra distinção fundamental para se
cultura, não há benefício na globalização? isso que chamam de globalização e a entender o que há comigo. Eu faço uma
Ariano Suassuna - Para conversar comigo, universalidade da cultura. Veja bem, falo distinção entre sucesso e êxito. Eu não
você precisa fazer uma distinção entre da globalização nos termos em que ela acredito que nenhum artista verdadeiro

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 29


Sidney Murrieta
A juventude brasileira
está ansiosa para
ouvir falar do Brasil.
Ela corre aos montes,
a grande maioria das
pessoas que vão me ouvir é
constituída por jovens

procure o sucesso. O sucesso é efêmero escrevendo a peça Auto da Compadecida, sentido literário, e não religioso. São João
por natureza. Outro dia, eu estava falando muita gente me perguntava se era uma e o profeta Ezequiel são, para mim, os
da época em que Michael Jackson ainda peça regionalista. Eu dizia que era, porque maiores autores da Bíblia, aqueles com
era vivo. Eu dizia que Michael Jackson não tinha nem como explicar na época. os quais eu mais simpatizo. São grandes
e Madonna, e hoje eu diria Lady Gaga, Mas eu sabia desde logo que haveria uma poetas e grandes escritores. Repare em
têm mais sucesso que Euclides da Cunha, distinção fundamental. Porque eu não São João, que coisa linda: “E viu-se um
Cervantes, Dante ou Nero. E levando sou um escritor naturalista. Existe no grande sinal do céu. Uma mulher vestida
pro campo da música, têm mais sucesso de sol e a lua estava sob seus pés, e uma
que Mozart. Agora, a música de Mozart coroa de doze estrelas sobre sua cabeça”.

19
foi um êxito e vai ser assim daqui a três Jamais um naturalista escreveria isso. E o
séculos, quando ninguém mais vai saber fundamento poético da minha primeira
quem foi Lady Gaga. Mozart continuará peça são esses versos de São João. Então,
sendo um dos músicos mais importantes eu sabia que não era regionalista, mas
que já existiu. Quando eu falo contra a entre o regionalismo e o modernismo,
globalização, é essa globalização de Lady peças eu me ligo mais ao regionalismo.
Gaga, e não o valor universal de Mozart.
de teatro, cinco livros de prosa, além de
Desenvolvimento - Mas, como Tolstói dizia: “Se queres
vários volumes de poesia, compõem sua obra
Desenvolvimento - Apesar de o movimento regionalista ser universal, pinta a tua aldeia”...
de literatura ser anterior ao século XX, ele ganhou força no Suassuna - Isso aí já é outra coisa,
século XX, meio que como resposta ao movimento modernista. você está discutindo a oposição local e
O movimento modernista, essa coisa de tentar deglutir o que escrevo uma dose de fantástico e de universal. Na minha opinião, não existe
que vem de fora, estaria mais como uma aceitação da poético que vem da literatura de cordel obra que seja universal, obra importante.
globalização ou uma universalização? e de outros tipos de escritos pelos quais Todas as obras que eu conheço, e das
Suassuna - Naquele tempo não se cuidava eu tenho muita admiração. Eu gosto quais eu gosto, de início são locais,
muito de globalização porque não existia muito do Apocalipse de São João, eu nem regionais, nem nacionais. Dom
ainda. Mas eu não me considero um regio- o considero uma obra prima literária. Quixote é um livro que só poderia ter
nalista e, se você olhar bem, há distinções Eu acho a Bíblia, como um conjunto, sido escrito na Espanha, em Castela
fundamentais. Eu considero regionalismo a epopeia mais importante que já foi e na Mancha. Quer dizer, Cervantes
um neonaturalismo. Quando eu estava escrita. Superior à Odisseia, à Ilíada, no é um autor que só poderia surgir na

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Espanha. Dostoiévski é um escritor Suassuna - Está começando a melhorar e era muito pior no meu tempo. Eu
que só poderia nascer na Rússia. Eles e a ser superada. Eu assisti a duas, três estou com 84 anos, eu já recebi gente
são profundamente locais, mas eles são ou quatro fases de desenvolvimento do na minha casa. E tenho muita falta de
universais por causa da quantidade de sorte quanto a isso, porque tem gente que
sonho humano que eles conseguiram Eu não acredito em vai para dizer o que eu devo pensar e o
captar em seus livros. Eu não acredito em grande obra universal, que devo ler. Foi uma pessoa que disse:
grande obra universal, mas em grande mas em grande obra “Se você continuar com essas posições,
obra universalizada, pela qualidade você vai ser execrado pela juventude”. E
universalizada, pela
e pela grande quantidade de sonho eu disse: “Paciência, eu vou dizer o que
qualidade e pela
humano que ela recebe. penso, que é o que gosto e sei fazer. Se
quantidade de sonho a juventude gostar, para mim tá ótimo,
Desenvolvimento - Professor, uma expressão bastante humano que ela recebe se não gostar, paciência. Eu não vou
comentada no Brasil recentemente é o complexo de vira-lata, mentir”. Eu já posso dizer que percorri o
que Nelson Rodrigues já mencionava. Essa mania de desprezar Brasil. O pessoal da minha idade costuma Brasil inteiro, eu tenho ido do Amazonas
o que é nacional e exaltar o que é estrangeiro continua bastante dizer: “No meu tempo, era melhor”. ao Rio Grande do Sul, do Nordeste ao
forte e arraigada no Brasil? Mas é mentira deles, eu sou testemunha Centro-Oeste, Mato Grosso e Goiás, e
Sidney Murrieta

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 31


Sidney Murrieta

em todos os lugares eu tenho dito isso, “E você precisa levar em conta que o de Cervantes, você sabe o nome de Lope
porque para mim a juventude brasileira homem que anda a cavalo é o mesmo de Vega, Calderón de La Barca e Góngora.
está ansiosa para ouvir falar do Brasil. Ela que anda de moto”. E quantas centenas de escritores não têm
corre aos montes, a grande maioria das hoje? Já desapareceram, e o Dom Quixote
pessoas que vão me ouvir é constituída Desenvolvimento - Mudou a ferramenta, não mudou vai ficar. E a obrigação de Cervantes era
por jovens. o homem... recriar, na literatura, a Espanha de sempre,
Suassuna - É claro. O ser humano é o o espanhol de sempre, pelo espanhol de
Desenvolvimento - Isso nos leva à próxima pergunta, mesmo, em todos os lugares e em todas suas circunstâncias. Então, se Cervantes
exatamente sobre essas influências de infância. Sua as épocas. Os problemas do ser humano escrevesse hoje, o Dom Quixote teria a
infância foi bastante marcada pelo circo, pelo mamulengo, são os mesmos: fome, injustiça, ciúme, mesma grandeza.
pela criança que brinca no campo, na terra. A criança de amor, paixão, morte, que é o principal
hoje é muito levada pelas novas tecnologias, brinca mais problema de todos e o mais democrático, Desenvolvimento - O que o senhor disse agora é uma
dentro de casa, em contato remoto com outras crianças. que atinge todo o mundo. Esses problemas, resposta àqueles que atacam a defesa que o senhor faz da
Haveria uma forma de as novas tecnologias recuperarem enquanto existir o ser humano, eles vão cultura brasileira, afirmando que é a defesa de uma cultura
esse passado? valer. Já que eu falei no Dom Quixote, estática e fossilizada...
Suassuna - Essa é uma mudança inevitável. hoje não é mais o tempo de Cervantes. Suassuna - Eu escrevo sobre a fase que eu
Nunca houve um tempo que se congelasse. Acontece que, quem escreve somente conheci. Minha obra está praticamente
Outro dia um jornalista escreveu um com os elementos de seu tempo, nas completa, estou agora escrevendo meu
artigo e disse: “Ariano Suassuna precisa suas circunstâncias, que são acidentais, último livro. Então, ainda não aparece
levar em conta que o homem que andava está desgraçado, liquidado, fadado a ser moto, mas aparece uma bicicleta. E podia
a cavalo hoje anda de moto”. Aí eu disse: esquecido e deixado de lado. Do tempo aparecer uma moto. Se ela for boa, ela

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fica, se for ruim, não tem cavalo que literatura é o que gosto. Eu acho que o Suassuna - É uma boa notícia. Eu acho
a sustente. Nem moto. Eu acho muita problema do desenvolvimento do país não que o sonho é o fundador da arte e da
graça disso, do povo que ficou vaidoso. pode ser olhado estritamente do ponto literatura. Então, eu falo do Brasil que
Porque além de antipáticos, eles são de vista econômico ou político, ele tem sonho e do Brasil que há de vir. Fiquei
burros. Nenhum escritor pode saber da que ser visto como um todo, e eu acho muito satisfeito porque um escritor
importância de sua obra, se ela vai ficar que a cultura tem um papel fundamental português falou que A pedra do reino era
ou não, enquanto ele é vivo. O passar do nisso. Eu acho que a cultura é a ponta de o apocalipse do sertão do Brasil que há
tempo é que decanta isso. Tanto que eu lança, até do desenvolvimento. A gente de vir. “Que está a vir”, como uma força
tenho grande admiração por Guimarães tem que colocar um sonho na frente. cósmica, semelhante à da Rússia. Do
Rosa, fui amigo pessoal e tenho grande Porque se você for contar somente com ponto de vista político, meu sonho é esse.
admiração por ele como escritor. Mas a razão e com a ciência, você fica quieto
quando eu vou falar de um escritor que num canto e isso pode te levar para um Desenvolvimento - Como profundo conhecedor do sertão,
falou sobre o sertão, que apresentou os bom caminho ou para os piores cantos como admirador de Euclides da Cunha, como escritor que
jagunços e o messianismo, eu prefiro falar do mundo. Basta dizer que o progresso viajou o país inteiro: o que avançou do sertão que o senhor
de Euclides da Cunha. Por um motivo científico do século XX levou para a conheceu na infância e na juventude, que o inspirou em A pedra
muito simples: já se passaram mais de bomba atômica. do reino, até hoje?
100 anos da publicação de Os Sertões, Suassuna - Avançou muito. Primeiro, as
e Rosa foi meu contemporâneo. Tanto Desenvolvimento - O Ipea assumiu isso, que o desen- telecomunicações avançaram muito, hoje
eu quanto ele temos de esperar, apelar volvimento não é uma questão só econômica... você não encontra mais aquele homem do
para o tempo.

Eu acho que a
cultura é a ponta
de lança do desenvolvimento.
A gente tem que colocar
um sonho na frente.
Porque se você for contar
somente com a razão e com
a ciência, você fica quieto
num canto e isso pode
te levar para um bom caminho
ou para os piores cantos
do mundo

Desenvolvimento - O senhor disse que a juventude


brasileira tem sede de conhecer o Brasil, que ela quer
conhecer o verdadeiro Brasil. Qual é o caminho para
facilitar esse conhecimento? Depende de uma ação da
própria juventude, do governo?
Allan Patrick

Suassuna - Isso eu não sei. Vocês estão me


chamando de professor, mas eu não sou
sociólogo, nem antropólogo. Eu sou um
escritor, eu estou fazendo o meu, porque

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 33


sertão isolado, como Euclides da Cunha de favelas. Favela é o nome de um vegetal chamado de morro da favela. Canudos foi
viu, como se fosse um país estranho. sertanejo. Estava escrito em Os Sertões. o momento em que o Brasil real tentou
Não foi defeito dele não. Machado de É um vegetal sertanejo, espinhoso. Aí eu levantar a cabeça e o Brasil oficial foi lá
Assis já dizia que existiam dois países disse: esse negócio só pode ter relação e cortou essa cabeça. E veja como isso
no Brasil, o oficial e o real. Euclides da se tornou importante.
Cunha foi, como eu, nascido, criado, Eu acho a Bíblia
formado e deformado pelo Brasil oficial, Desenvolvimento - O tema do Sebastianismo, na obra
a epopeia mais
mas ele teve a grandeza de perceber o do senhor, é bem recorrente. O senhor acha que o povo
importante que já brasileiro tem muito disso, de esperar o salvador da pátria?
Brasil real e se converteu para o Brasil
foi escrita. Superior à Suassuna - Teve e tem. Veja bem, eu tive
real. Mas a conversão foi rápida demais,
e ele ficou meio perturbado. Tanto que Odisseia, à Ilíada, de fazer uma reflexão crítica sobre mim
ele não conseguiu encarar e perceber o no sentido literário, e mesmo. Eu tenho grande admiração pela
Brasil real das cidades. A favela é o sertão não religioso figura de Dom Sebastião. O que me seduz
das cidades. Ele passou a identificar nele é isso: o homem que procurou, além
como Brasil real apenas o sertanejo. com a Guerra de Canudos. Fui pesquisar de si mesmo, ir atrás de um sonho. Mas
E para mim era até bom, porque eu e é mesmo. Canudos era situado em uma hoje eu noto uma coisa que me desagrada

Sidney Murrieta

sou sertanejo. Mas eu acho que, sem zona baixa. Euclides descreve: Canudos muito: ele é um integrante privilegiado e
querer, ele foi até injusto com o Brasil era uma tapera situada dentro de uma diferenciado, mas é um integrante dessas
das cidades. Inclusive ele não percebeu furna, era cercada por um cinturão de pessoas que atacam o chamado terceiro
que, em Canudos, havia uma parcela do serras. No lugar dessa serra que circunda mundo. Ele não é um bruxo, que ficou
Brasil real recrutada pelo Brasil oficial a cidade, havia um chamado morro trancado lá, encastelado, e mandou os
para tirar dos seus irmãos. Existe uma da favela, porque tinha muita favela outros morrerem. Mas ele procurou alçar-se
coisa certa, uma coisa do símbolo, que nele. Então, quando acabou a guerra, acima de si mesmo e, apesar de seus erros
para mim, como escritor, me toca muito. os soldados e oficiais voltaram para as e de tudo que ele fez, a morte bela sagra a
Eu não sei se você sabe, mas pra mim cidades, para o Rio inclusive. E, quando inteira. Então, como ele morreu belamente,
sempre chamou atenção, que eu não voltaram, os oficiais ficaram nas casas depois de adulto eu notei que lá estava ele
sei por que se chamam os aglomerados de baixo, como sempre. E os soldados assaltando Canudos também. Eu, quando
urbanos das grandes cidades brasileiras subiram para o morro, que começou a ser menino, peguei os fragmentos de uma

34 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


concordo, porque aí eu torno mais eficaz a
Sidney Murrieta

minha atuação de escritor. Eu tenho uma


pena de político. O político decente – que
existe, vocês sabem –, porque eles ficam
no meio de um bombardeio e eles têm de
ser astuciosos porque os do mal são mais
astuciosos. Então, se eles forem ingênuos,
como eu sou... Qualquer vereador de uma
cidade menor de Pernambuco ou da Paraíba
me enrola em dois minutos. Então, eu não
posso. O doutor Arraes queria me fazer
prefeito do Recife. Eu disse: me desculpe,
mas um compromisso desse eu não aceito
não. Eu gosto muito do Recife e não ia fazer
um mal desses. E eu poderia inclusive ser
atingido na minha reputação, porque que
eu não ia roubar eu sei, porque não sou
ladrão, mas se eu descobrisse que estão
Quem escreve somente passar/ Este cavaleiro, amigo, diz-me tu, que roubando... Eu vi Getúlio Vargas, e eu
com os elementos de sinal traz/ Brancas eram suas armas, seu tenho grande admiração por ele. Ele tinha
cavalo é Tremedal/ Na ponta de sua lança
seu tempo, nas suas uma parte ruim que era o autoritarismo,
levava um branco sedal/ Que lhe bordou mas também tinha projeto para o país e
circunstâncias, que são
sua noiva, bordado a ponto real/ Este
uma preocupação com os mais pobres.
acidentais, está cavaleiro amigo, morto está nesse pragal/
Isso ficou evidente, tanto que Fernando
desgraçado, liquidado, Com as pernas dentro d’água e o corpo no
Henrique Cardoso se jactou, quando estava
fadado a ser esquecido areal/ Sete feridas no peito, cada uma mais
perto de terminar o governo, e disse que
e deixado de lado mortal/ Por uma lhe entra o sol, pela outra
tirou os últimos vestígios do getulismo
o luar/ Pela mais pequena delas, um gavião
no Brasil, que era a legislação trabalhista,
a voar”. Esse gavião, para mim, é o símbolo
cantiga sebastianista e decorei. Já depois avançadíssima. E outra coisa, ele foi deposto
da morte. O jovem rei morto ali, com sete
de adulto, eu chamei meu amigo Antônio não por causa do que ele tinha de ruim não,
feridas – olha o número mágico. Aí dizia
Madureira e passei para ele a música, fiz mas do que ele tinha de bom. Por causa
lá: “Mas é mentira do mouro, seu desejo
uma reconstituição literária da cantiga, da exatamente dessa preocupação nacional
é me enganar/ O nosso rei encantou-se,
qual eu só tinha fragmentos esparsos. Fiz e da preocupação com os mais pobres. A
nas terras do mal passar/ E um dia, no seu
uma versão integral e dei a ele, que musicou. embaixada americana liderou a derrubada
cavalo, nosso rei há de voltar”.
E esse romance de cantiga sebastianista dele, articulou. Então eu vi Getúlio, que
está no romance A Pedra do Reino. E eu Desenvolvimento - O senhor está como secretário era honesto, honrado, e quando ele se
vou dizer para vocês a cantiga, porque especial da Cultura, e o senhor já teve outras experiências viu cercado de ladrões e acuado pelos
ela é linda: “Nosso rei foi se perder nas na administração pública. É mais difícil promover a cultura adversários, disse: “nunca pensei que
terras do mal passar”, é o Dom Sebastião; como intelectual ou como gestor público? estivesse cercado por esse mar de lama”.
“deitam sortes aventura quem o havia de ir Suassuna - Para mim, o ideal seria perma- Aí deu um tiro no peito. Eu até falei em
buscar/ O cavaleiro escolhido não se cansa necer como escritor. Eu sempre adverti as uma entrevista que, se os adversários do
de chorar/ Vai andando, vai andando sem pessoas que me chamaram: olha, vocês Lula pensam que vai ser igual, eles estão
nunca desanimar/ Até que encontrou um estão convidando uma pessoa que não tem enganados, porque Getúlio Vargas não
mouro num areal a velar/ Por Deus te peço, vocação, eu não tenho vocação adminis- tinha, como Lula tem, a sabedoria, a astúcia
bom mouro, me diga sem me enganar/ trativa. Ou seja, se vocês querem me pegar e a paciência do povo brasileiro, porque
Cavaleiro de armas brancas, se o viste aqui como uma espécie de bandeira, então eu ele não vai dar tiro no peito nenhum.

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 35


IPEA
Sidney Murrieta

Diante de uma plateia de 300 pessoas, Suassuna contou de sua preocupação com a invasão cultural estrangeira:
“Quando eu era jovem, os brasileiros tinham complexo de inferioridade. Hoje estou notando uma mudança”.

38 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


O aniversário de uma
instituição plural
Fernanda Carneiro – de Brasília

No aniversário do Ipea, Ariano Suassuna elogiou iniciativas de disseminação do conhecimento e a presidenta


Dilma Rousseff enviou nota ressaltando compromisso do Instituto com o país e seu povo. Ato contou ainda
com a presença de Danilo Bezerra Vieira, 16 anos, que montou biblioteca comunitária, no município de
Almino Afonso (RN).

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 39


“C
omo presidenta da Repú- “Eu meti na cabeça que o povo brasileiro disso. Quis mostrar, então, que temos uma
blica e como brasileira, tinha me encarregado de uma missão: que arte, uma dança, uma música de qualidade”,
me orgulho do trabalho assegurou.
feito por esse Instituto. “Eu meti na cabeça A plateia era composta por cerca de 300
Em quase meio século de atividade, o que o povo brasileiro pessoas entre servidores e colaboradores da
Ipea atingiu padrões inquestionáveis de tinha me encarregado de casa, além de representantes de vários órgãos
credibilidade, transparência e seriedade.” do governo e da sociedade. A palestra, que
uma missão: que era
A leitura da nota enviada pela presidenta foi transmitida ao vivo pelo Portal Ipea
defender a cultura brasileira
Dilma Rousseff abriu a comemoração dos (www.ipea.gov.br) e está disponível no
47 anos do Instituto de Pesquisa Econômica em todo canto. sítio, teve patrocínio do Banco do Nordeste
Aplicada (Ipea), na tarde de 13 de setembro. O povo brasileiro, coitado, nem do Brasil (BNB). Antes, o público assistiu a
Mais adiante, ela afirma: “O Ipea pensa o sabe disso. Quis mostrar, então, uma apresentação do Coral do Ipea, que
Brasil, tem compromisso com o país e o que temos uma abriu a cerimônia.
povo brasileiro, e suas pesquisas e análises arte, uma dança, uma
são referência para o debate das grandes
música de qualidade”
questões nacionais”. A celebração teve como InvaSãO e maSSIFICaçãO O membro da
convidado especial Ariano Suassuna (veja ariano Suassuna, Academia Brasileira de Letras disse estar
entrevista na página 30). escritor preocupado com a massificação da cultura
O escritor paraibano mostrou sua admi- estrangeira e criticou a invasão cultural
ração pelo Brasil e seu povo, em sua exposição era defender a cultura brasileira em todo baseada no gosto médio. “Minha preo-
denominada Cultura e Desenvolvimento. canto. O povo brasileiro, coitado, nem sabe cupação é antiga. Hoje está até mais fácil,
Sidney Murrieta

“eu gosto de contar história e na minha vida não acontece nada. O que é que eu vou fazer, se eu não inventar?
eu minto. Todo escritor mente. O auto da Compadecida é uma mentira enorme. na literatura, a gente faz esse acordo”

40 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


vocês é descendente de suíço, não me leve a
Sidney Murrieta

mal. Pode até ser um país bem organizado,


mas aquilo é um país chato”.

300
pessoas
entre servidores e colaboradores, além de
representantes do governo e da sociedade
compareceram à exposição de Suassuna

na plateia havia servidores e colaboradores da casa, além de representantes de vários órgãos Aos 84 anos, Suassuna disse que a morte
do governo e da sociedade não está nas suas previsões. “Mas eu não
sei se a morte aceita minha teoria. Eu digo
estou notando uma mudança. Mas quando pelo povo brasileiro. Os próprios brasileiros sempre que toda morte é uma coisa de
eu era jovem, e olha que faz muito tempo, tinham complexo de inferioridade.” Ao final, suicídio. A pessoa começa a se conformar
havia um desprezo generalizado pelo Brasil e o romancista brincou: “Olhe, se algum de e ela vem e dá o bote. Mas, se a gente não

“Eu sou um formador


de opiniões e para eu
formar tenho que ter bases
confiáveis. Quando eu
busquei o Ipea, que é uma
instituição de credibilidade,
eu procurava inserir na
minha comunidade
informações que geralmente
ficam retidas a acadêmicos.
O conhecimento deve
estar ao alcance de todos,
inclusive na realidade rural”

Danilo Bezerra vieira,


estudante
Sidney Murrieta

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 41


marcio Pochmann: “Temos feito um esforço muito grande para tornar o Ipea uma instituição
de pesquisa, de acompanhamento de políticas públicas e de planejamento à altura do nosso país”

se conformar, a morte cansa. A morte no prometeu defender a cultura brasileira novo reposicionamento do nosso país”. O
sertão da Paraíba é personalizada, ela se até o fim. presidente indicou que o Brasil vive um
chama Caetana”, contou. momento singular de enfrentamento de
O dramaturgo, que escreveu clássicos mazelas, de heranças seculares como a
como O Auto da Compadecida, Uma mulher PlanO avançaDO O presidente do Instituto, fome e a desigualdade. Ao mesmo tempo,
vestida de Sol e Romance d’A Pedra do Reino, Marcio Pochmann, participou da abertura é um país que dá passos mais largos, tendo
confessa que mente para criar suas obras. do evento e destacou o Ipea como a maior condições de liderar outro projeto de
“Eu gosto de contar história e na minha instituição pública de produção de conheci- desenvolvimento para o mundo.
vida não acontece nada. O que é que eu vou mento sobre o desenvolvimento brasileiro. “O planejamento estratégico do Instituto,
fazer, se eu não inventar? Eu minto. Todo “É a única voltada para o Estado brasileiro, o concurso do Ipea, que permitiu a criação
escritor mente. O Auto da Compadecida é porque o Ipea não é apenas uma instituição de duas novas diretorias (Diretoria de
uma mentira enorme. Na literatura, a gente que assessora, que produz conhecimento para Estudos e Relações Econômicas e Políticas
faz esse acordo”. o poder Executivo, tal como foi criada em Internacionais e Diretoria de Estudos e
Suassuna é o criador do Movimento 1964; mas também está conectada ao poder Políticas do Estado, das Instituições e da
Armorial, voltado ao desenvolvimento e Legislativo e Judiciário”, afirmou. Democracia, e o fortalecimento institucional
ao conhecimento das formas de expressão Pochmann recordou que, nestas quase nos colocaram em um plano mais avançado,
populares tradicionais brasileiras. A cinco décadas, o Instituto tem se iden- em um esforço imprescindível de repensar
iniciativa, que teve início na década de 70, tificado com as trajetórias do Brasil. o Brasil em uma perspectiva não unidis-
busca ir contra o ritmo industrial imposto “Nós todos temos feito um esforço muito ciplinar”, constatou. Pochmann apontou
pela cultura de consumo. “O Movimento grande nesse período recente para tornar que a unidisciplinaridade talvez seja uma
pretende realizar uma arte brasileira o Ipea uma instituição de pesquisa, de das grandes vulnerabilidades da produção
erudita, a partir das raízes populares da acompanhamento de políticas públicas, do conhecimento. “O especialista é cada
nossa cultura”, explica o fundador, que do planejamento brasileiro à altura do vez mais alguém que sabe muitas coisas de

42 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


Sidney Murrieta
quase nada. A matricialidade é um desafio O Ipea quer se na perspectiva de ouvir a sociedade, visitar
de todos nós”, defendeu. transformar em um outras instituições, conhecer o brasileiro tal
como ele se apresenta e ter uma orientação
grande gestor dos bancos
técnico-científica plural, diversificada e cada
de dados da República
InTegraçãO De aCervOS O economista vez maior à altura do Brasil”, comemorou.
adiantou que o Ipea quer se transformar brasileira. Por acessar O presidente do Ipea finalizou sua fala
em um grande gestor dos bancos de dados acervos complexos de ao lembrar que, apesar dos grandes desafios,
da República brasileira. Por acessar acervos informações, o Instituto tem os últimos 47 anos demonstram que toda
complexos de informações, o Instituto a oportunidade de integrá-los vez que houve esforço conjunto, o Instituto
tem a oportunidade de integrá-los a partir a partir de um software deu passos adicionais. “A única coisa que
de um software comum. Além da recons- pode nos impedir é a nossa incapacidade de
comum. Além da reconstrução
trução dos bancos de dados, a instituição construir pela convergência. Mas o diálogo
dos bancos de dados,
quer reforçar sua presença nas diferentes e a pluralidade são uma marca dessa casa
regiões brasileiras. “Estar presente em a instituição quer reforçar e continuarão sendo nos próximos anos,
diferentes estados é um sonho do Ipea. A sua presença nas diferentes independente da direção, fundamentados
regionalização é absolutamente necessária, regiões brasileiras pelo corpo aqui constituído”, acredita.
porque sabemos da nossa incapacidade de
trabalhar o planejamento a partir somente
de Brasília. Queremos fortalecer também a Pochmann observou que há pouco tempo alCanCe DO COnHeCImenTO No início da
nossa participação no âmbito do Mercosul a instituição realizava sessenta eventos cerimônia, a plateia assistiu ao documen-
e dos países asiáticos, buscando uma coope- por ano e hoje são mais de mil, em um tário Rotas do Ipea que conta a história de
ração do desenvolvimento para além do esforço que expressa toda a produção do Danilo Bezerra Vieira, um jovem de 16 anos
Brasil”, garantiu. Instituto. “Nesse sentido, estamos felizes que montou uma biblioteca comunitária na

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 43


“O planejamento estratégico do
Instituto; o concurso do Ipea,
que permitiu a criação de duas
novas diretorias (Diretoria de
Estudos e Relações Econômicas
e Políticas Internacionais e
Diretoria de Estudos e Políticas
do Estado, das Instituições
e da Democracia); e o
fortalecimento institucional
nos colocou em um plano
mais avançado, em um esforço
imprescindível de repensar o
Brasil em uma perspectiva não
unidisciplinar”

marcio Pochmann,
presidente do Ipea

sala de sua casa, no município de Almino


Afonso, no interior do Rio Grande do Norte.
O estudante escreveu ao Ipea pedindo livros
e recebeu as publicações em sua casa.
Após o filme, para a surpresa do público,
Danilo foi chamado ao palco e defendeu:
“Eu sou um formador de opiniões e para
eu formar tenho que ter bases confiáveis.
Quando eu busquei o Ipea, que é uma
instituição de credibilidade, eu procurava
Sidney Murrieta

inserir na minha comunidade informações


que geralmente ficam retidas a acadêmicos.
O conhecimento deve estar ao alcance de
todos, inclusive na realidade rural”.
O estudante disse que reafirma o
compromisso com o país ao manter a
biblioteca comunitária e acrescentou
que um Brasil desenvolvido começa pela
educação. “Hoje é muito fácil dizer que a
educação está ruim, mas muito mais difícil
é achar pessoas que tenham vontade de
mudar. Eu dei o pontapé com a biblioteca.
Espero também que muitas pessoas ajudem
e continuem essa que é a minha missão,
que é a missão do Ipea, que é a missão
de todos nós”.

44 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


o que é o
IPEA

O Instituto que
pesquisa e planeja o
futuro do país
Cora Dias – de Brasília

Como funciona, o que produz, como produz e quem trabalha na principal instituição de pesquisa
brasileira e uma das mais importantes do mundo. Com um leque de atividades cada vez mais amplo,
o órgão começa a instalar escritórios em várias regiões do país e a se internacionalizar. Aos 47
anos, o Ipea tem diante de si novos desafios: o de assessorar o Estado e a sociedade brasileira na
construção da quinta economia global nos próximos anos.

46 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


Adenilson Nunes/Secom

Debate sobre a Dimensão e a Medida da Pobreza Extrema no Brasil - O Caso da Bahia.


Na foto, Jorge Abrahão de Castro, diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 47


O
Instituto de Pesquisa Econô- CRIAçãO E CRESCIMENTO Criado como Orientação, formado por nomes impor-
mica Aplicada (Ipea) completa Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada tantes do pensamento social brasileiro (ver
47 anos em 2011. Fundação (Epea), em 1964, o Instituto recebeu o quadro na página 17). Desde a criação,
pública federal, vinculada nome atual três anos depois. Hoje, o órgão busca contribuir para o planejamento do
à Secretaria de Assuntos Estratégicos possui sete diretorias e um Conselho de desenvolvimento nacional, assim como
da Presidência da República, o Ipea é
reconhecido por “pensar o Brasil” e por
funcionar como um organismo de plane-
jamento, pesquisa e assessoria do Estado Estrutura da SAE
brasileiro, no dizer de seu presidente,
Marcio Pochmann. O Instituto fornece
suporte técnico e institucional às ações Secretaria de Assuntos Estratégicos
governamentais para a formulação e o SAE
acompanhamento de políticas públicas
e programas de desenvolvimento.
Gabinete Chefia Executiva

A vinculação do
Instituto à Secretaria rgãos Específicos e Singulares Entidade Vinculada
e Assuntos Estratégicos
da Presidência da República
deu início a um amplo Subsecretaria de Ações Estratégicas
processo de revitalização
institucional. Essa qualificação
Subsecretaria de Desenvolvimento Sustentável Conselho de Desenvolvimento
busca potencializar Econômico e Social – CDES
suas capacidades, sua
missão e coloca diante
dele novos desafios e Estrutura organizacional do Ipea
estratégias de ação

DISET
Sua importância cresceu nos últimos Diretoria de Estudos e
Políticas Setoriais de
anos, com a redefinição do papel do Estado Inovação, Regulação e
DIDES Infraestrutura DIRUR
como agente decisivo do desenvolvi- Diretoria de Diretoria de Estudos
Desenvolvimento e Políticas Regionais,
mento. Juntamente com várias iniciativas Institucional Urbanas e Ambientais
oficiais – da qual o Programa de Acele-
ração do Crescimento (PAC) é uma das
DIEST PRESIDÊNCIA
mais importantes – o Ipea tem crescido Diretoria de DISOC
Estudos e Políticas Diretoria de
e diversificado seu leque de atuação. A do Estado, das Estudos e
perspectiva de o Brasil tornar-se a quinta Instituições e da Políticas Sociais
Democracia
economia do mundo nos próximos anos DINTE
cria a necessidade de um organismo mais Diretoria de Estudos DIMAC
e Relações Econômicas Diretoria de
atuante, mais sofisticado e cada vez mais e Políticas Estudos e Políticas
Internacionais Macroeconômicas
plural, democrático e atento às demandas
da sociedade.

48 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


para o melhor desenho e avaliação das gerado pela instituição. A maior parte República, desde setembro de 2007, deu início
políticas públicas. desses produtos pode ser acessada em a um amplo processo de revitalização institu-
Através de publicações, seminários, www.ipea.gov.br cional. Essa qualificação busca potencializar
assessoramento técnico e cursos, a socie- A vinculação do Instituto à Secretaria suas capacidades, sua missão institucional e
dade pode ter acesso ao conhecimento de Assuntos Estratégicos da Presidência da coloca novos desafios e estratégias de ação.

Integrantes do Conselho de Orientação do Ipea

Antônio Delfim Neto João Paulo dos Reis Velloso Rubens Ricupero

Cândido Mendes de Almeida Luiz Carlos Bresser-Pereira Tânia Bacelar de Araújo

Carlos Francisco Lessa Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo Walter Barelli

Dércio Garcia Munhoz Marcio Pochmann Wanderley Guilherme dos Santos

Eliezer Batista da Silva Maria da Conceição Tavares Wilson Cano

João Manoel Cardoso de Mello Pedro Demo

João Paulo de Almeida Magalhães Roberto Cavalcanti de Albuquerque

Eixos Temáticos para o Desenvolvimento

1. Inserção Internacional Soberana 2. Macroeconomia para o Desenvolvimento

7. Sustentabilidade Ambiental

Eixos Temáticos para o Desenvolvimento 3. Fortalecimento do Estado, das Instituições e da Democracia


6. Proteção Social, Garantia de Direitos
e Geração de Oportunidades

5. Infraestrutura Econômica, Social e Urbana 4. Estrutura Tecnoprodutiva Integrada e Regionalmente Articulada

O Ipea mantém atualmente 1.176 instituiu de forma inédita o Plano de servidores. Após autorização do Ministério
cargos efetivos em seu quadro de servi- Carreira e Cargos do instituto. do Planejamento, o quantitativo de vagas
dores, dos quais 714 estão ocupados. No mesmo ano, o Instituto realizou o autorizado para o processo seletivo teve
Para regularizar esse corpo funcional, a maior concurso público de sua história. ampliação de 50%. As provas resultaram
Lei 11.890, de 24 de dezembro de 2008, Foram convocados, em primeira chamada, 80 no ingresso de 117 concursados altamente

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 49


Cargos Cargos ocupados
A perspectiva de o
Brasil tornar-se a quinta
Analista de Sistemas - AN 36
economia do mundo nos
Assessor Especializado - AS 10 próximos anos cria a
Médico - MD 2 necessidade de um organismo
Superior

Técnico de Desenvolvimento e Administração - TDA 46 cada vez mais atuante, mais


sofisticado e cada vez mais
Técnico Especializado - TE* 1
plural e mais democrático
Técnico de Planejamento e Pesquisa - TPP 382

Total Nível Superior 477 As novas exigências do desenvolvimento


brasileirio demandaria a ampliação da
Auxiliar Técnico - AT 94
estrutura institucional do órgão. Para uma
Secretária - SE 23 maior proximidade com a sociedade, no
Auxiliar Administrativo - AA 55 ano de 2004 foi criada a Ouvidoria do Ipea.
Médio

A Comissão de Ética (www.ipea.gov.br/


Motorista - MT* 10
etica), instituída em 2008, tem como objetivo
Auxiliar de Serviços Gerais - AX* 50 cooperar para o desenvolvimento correto do
bem comum nas políticas públicas.
Auxiliar de Manutenção - AM* 5

Total Nível Médio 237

1176
Total do órgão 714
* Cargos em extinção
Sidney Murrieta

cargos
efetivos fazem parte do quadro
de servidores do Ipea

A partir de 2009, o Ipea iniciou um


processo de descentralização de sua estru-
tura e de seu raio de ação para além da
representação no Rio de Janeiro. Já estão
funcionando escritórios em Belém (PA) e
João Pessoa (PB). O objetivo é promover
Em junho de 2011, o presidente do Senado, José Sarney, e o presidente do Ipea, Márcio Pochmann, assinaram uma aproximação com instituições de
acordo de cooperação técnica entre as duas instituições pesquisa regionais e, com isso, empreender
troca de informações e projetos conjuntos
qualificados: 74,1% dos empossados no não atingia 15% dos ingressantes. Além nos marcos das grandes regiões geográficas
cargo de técnico de planejamento e pesquisa disso, houve uma maior variedade de áreas do País. Além disso, em 2010, o Instituto
detinham a condição de doutor ou douto- de formação, como sociologia, relações iniciou um processo de internacionalização
rando. Até então, esse nível de qualificação internacionais e engenharia. ao inaugurar um escritório na Venezuela.

50 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


questões do
DEsEnvolvimEnto

Muito além da
Esplanada
ipea reforça parcerias com universidades, órgãos públicos e entidades, amplia leque de pesquisa
aplicada e consolida posição de articulação na rede de planejamento de todo o país

Gilberto Gonçalves Costa – de Brasília


Helder da Rocha

52 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 53
O
Ipea tem buscado ampliar o de escala” e abriram o “leque variado de associações e sociedades de pesquisa, desde
universo de cooperação técnica projetos”. De acordo com o técnico, a a Associação Nacional dos Centros de Pós-
dentro e fora do governo, junto articulação do Ipea reforça o sistema de -Graduação em Economia (Anpec), parceira
a todos os poderes, em toda planejamento nacional com a participação do Instituto desde sua criação no começo
a Federação e até em outros países. A de órgãos regionais e locais, e ajuda a dos anos 1970, até a Sociedade Brasileira de
estratégia acentua a vocação do Instituto disseminar a atenção do Instituto por todo Estudos Interdisciplinares em Comunicação
como articulador da rede de planejamento o território nacional. É o que acontece, (Intercom).
nacional, aproxima as universidades da por exemplo, com as parcerias por meio
discussão sobre as políticas públicas e apoia do Ministério do Desenvolvimento Social
imagem do Brasil junto a think tanks de (MDS). A cooperação tem sido no sentido PrOblEMas rEais De acordo com Luciana
todo o mundo. de procurar os Estados e discutir individu- Acioly, o interesse pela cooperação entre Ipea
A busca de parceria aumentou a capa- almente as características e demandas da e entidades de pesquisadores é mútuo: “o que
cidade de pesquisa do Instituto, ampliou o população em extrema pobreza em cada puxa a parceria é o problema real enfrentado
sidney murrieta

“O que puxa a parceria é o


problema real enfrentado
pelas políticas públicas.
Estamos trabalhando com
pesquisa aplicada no sentido
de que o que venha a ser
feito ajudará a resolver um
problema concreto,
fornecendo um parâmetro
para a decisão”

luciana acioly da silva,


chefe da Assessoria técnica da Presidência do ipea

repertório de problemas sob investigação, região. A reversão do quadro é compromisso pelas políticas públicas. Estamos trabalhando
trouxe elementos para a criação de novas governamental. com pesquisa aplicada no sentido de que o
políticas públicas e aproximou o órgão da Em sua opinião, as diversas cooperações que venha a ser feito ajudará a resolver um
sociedade. dão um “radar” ao Ipea, que consegue mapear problema concreto, fornecendo um parâmetro
“Não fazemos mais um debate para trabalhos em andamento e identificar especialistas para a decisão”.
cinquenta pessoas na sala”, avalia Luciana em diversas áreas de conhecimento. “Podemos Conforme a chefe da Assessoria Técnica,
Acioly da Silva, chefe da Assessoria Técnica olhar se já há uma discussão importante, nos as diversas parcerias são o “pulo do gato”, pois
da Presidência do Ipea, ao dizer que cada apropriar dela e chamarmos as pessoas”, diz ele. trazem informações ainda não trabalhadas,
vez mais os assuntos de pesquisa despertam Um mapeamento sobre as pesquisas aproxima pesquisadores do Instituto e das
interesse social muito além da Esplanada nas ciências humanas de todo o país será universidades de questões urgentes e soma
dos Ministérios. desenhado na II Conferência de Desen- inteligências, “mobilizado conhecimento
Para Aristides Monteiro Neto, da Asses- volvimento, a Code 2011, que acontece em para decisões políticas”.
soria de Planejamento e Articulação Insti- Brasília, entre 23 e 25 de novembro. Para Aristides Monteiro concorda com a
tucional, as parcerias trouxeram “ganhos realizar a conferência, o Ipea mobilizou 11 avaliação. “Eu vi muito descasamento entre

54 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


a academia e a política pública. Entre o que sEM PrECOnCEitOs Monteiro Neto assinala que Luciana Acioly também enxerga “ativismo
a Universidade oferecia, o que ela estava a articulação das parcerias e o interesse por intelectual” provocado pelas cooperações
pensado em fazer, e aquilo que a sociedade, problemas reais são sinais dos tempos. “Nos com profissionais e pesquisadores de diversas
governos e as políticas públicas, estavam anos 2000, o setor público recuperou ativismo disciplinas. As parcerias fazem com que os
demandando”. Aristides, que já foi secretário estudiosos “saiam das caixinhas dos grupos
de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de trabalho”, algo fundamental, pois política
de Pernambuco, pondera que os governos pública é algo “transdisciplinar”, segundo ela.

11
“ainda não disseram exatamente à academia Além de não ter preconceito quanto ao
onde quer que ela deposite mais energia”. conhecimento, o Ipea não assume posição
O técnico não defende que os governos em disputas políticas e econômicas. Capital
interfiram nas iniciativas dos pesquisadores. e trabalho são parceiros do Instituto. É
“Não é preciso ofuscar as ofertas individuais,
mas é necessário nuclear algumas coisas”,
associações o caso, por exemplo, do Departamento
Intersindical de Estatística e Estudo Socio-
esclarece. Para ele, as fundações de amparo à e sociedades de pesquisa foram mobilizadas econômicos (Dieese), que já firmou com
pesquisa já entenderam isso. “O governador
pelo ipea para a realização da Code 2011 o Ipea termo de cooperação para estudos
reclama que a Universidade não dá resposta sobre inclusão no mercado de trabalho; e
para a política pública”, é uma frase que diz também é o caso da Federação das Indús-
já ter ouvido de representantes de mais de em torno da ideia do desenvolvimento”. O trias do Estado de São Paulo (Fiesp), com
uma das 25 fundações com as quais o Ipea interesse comum facilita a comunicação, pois quem o órgão pesquisa a cadeia produtiva
mantém convênio. “a linguagem é a mesma”, em suas palavras. da indústria da defesa.

Roberto stuckert Filho

Presidenta Dilma rousseff durante a cerimônia de abertura do diálogo de alto nível brasil China em Ciência, tecnologia e inovação em Pequim, em abril de 2011

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 55


Luciana Acioly explica que o trabalho referência para quem concorda ou discorda Luciana Acioly ressalta que esse contato é
com entidades de classe tem demandas “em do desmembramento. fundamental. “O jogo é global”, afirma. “O país
problemas bem definidos”. Ocorre, porém, Além do Congresso Nacional, o Ipea tem que se ver em relação aos outros e buscar
que alguns temas em debate têm interesse transpôs a linha do Poder Executivo ao fazer ir para além”, diz ela após comentar sobre um
controverso, como, por exemplo, a aposenta- parceria, em 2008 e por prazo indeterminado, extenso documento elaborado em parceria
doria complementar para servidores públicos, com o Tribunal de Contas da União (TCU) e
com o Itamaraty sobre as empresas brasileiras
que mobiliza a categoria, as entidades de ao realizar em 2010 com o Conselho Nacional
na China. O texto original, que gerou uma
representação e partidos de espectro variado. de Justiça (CNJ) pesquisa para calcular o custo
publicação mais enxuta em um Comunicado do
Em casos assim, o Ipea convida públicos unitário do processo de execução fiscal da União.
Ipea, foi levado para o país asiático na viagem
diferenciados para participar dos grupos
presidencial em abril deste ano.
de discussão, salienta.
A estratégia é “lidar com pluralidade, ParCErias intErnaCiOnais Além dos parceiros Vale reparar que a grande maioria dos

problematizando coisas”, explica ela. “Não nacionais, o Ipea mantém trabalhos com convênios e acordos de cooperação (nacionais
ou internacionais) não envolvem transferência
de recursos. Um levantamento sobre os
projetos em andamento em outubro de 2010
Divulgação

“Eu vi muito descasamento (disponível na página do Ipea na internet)


entre a academia e a mostra que apenas 10% das parcerias (13 em

política pública. 132) envolviam tais operações. O dinheiro


é usado para contratação de pesquisadores,
Entre o que a Universidade
pagamento do deslocamento e da logística de
oferecia, o que ela estava
pesquisa, custo de realização de seminários
pensado em fazer, e aquilo
e gastos com a publicação.
que a sociedade,
governos e as políticas
públicas estavam

10%
demandando”

aristides Monteiro neto,


Assessoria de Planejamento e Articulação institucional
das parcerias
de projetos em andamento em outubro de
2010 envolviam transferência de recursos
é dizendo o que é certo, mas dispondo de institutos de pesquisa de outros países como
informações para a tomada de decisões”. Rússia, China, Índia e África do Sul. Foram
O mesmo cuidado é observado também realizados seminários específicos em 2010
Para Aristides Monteiro, mais importante que
nos trabalhos feitos em parceria com o para tratar das economias dos chamados
a transferência de recursos é a potencialização
“Brics”. Há ainda trabalhos em conjunto
Poder Legislativo, como a análise sobre a das pesquisas e a realização e a disseminação
com a Coreia, com os Estados Unidos
mudança no Código Florestal e a redivisão de resultados. O que permite “sair dos endo-
(incluindo a Universidade de Berkeley, uma
de Estados. Dia 11 de dezembro, haverá genismos” e “perder o provincianismo”, ter
das primeiras instituições com que o Ipea
um plebiscito para consultar a população novos olhares sobre a política pública com a
estabeleceu convênio) e com a União Europeia
paraense sobre a criação dos estados de (convênio com a Fundación El Monte, da participação de novos pesquisadores e atores
Carajás e Tapajós no atual território do Espanha, sobre regionalização econômica). sociais. Ele acredita que, com as parcerias, o
Pará. O texto para discussão, escrito pelo Há ainda forte intercâmbio com os vizinhos, Ipea atende a demanda da sociedade: “Fomos
economista do Ipea Rogério Boueri, é como a Argentina e a Venezuela. provocados pela realidade”, diz.

56 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


PERSPECTIVA

A estratégia do
planejamento nacional
Cora Dias – de Brasília

Stock

Como o Ipea se reinsere no contexto atual do País, para auxiliar o


governo a planejar e informar a sociedade sobre a realidade brasileira

58 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


O
planejamento de longo prazo

Divulgação
para o desenvolvimento do
Brasil é assunto em pauta nos
“O momento é de retomada do
dias atuais. Os brasileiros já
papel do Estado como indutor
se habituaram, por exemplo, aos planos
de governo que duram, em média, quatro
do desenvolvimento”
anos. Sabe-se que um plano é responsa-
Pérsio marco Antônio Davison,
bilidade da administração que se inicia, e Técnico de Planejamento e Pesquisa
o seguinte será concebido pela equipe de
um futuro presidente da República. Afinal,
resultados de eleições são imprevisíveis,
e também são cheias de idas e voltas as
alianças partidárias que permitirão a futura
escolha de candidatos.
FerrAmentA essenCiAl Para José Celso projeto Perspectivas de Desenvolvimento
No entanto, certas atividades de impor-
Cardoso Jr. e Pérsio Marco Antônio Davison, Brasileiro expressa o objetivo do Ipea
tância para o país exigem sequências de
técnico de Planejamento e Pesquisa do de servir como plataforma de sistema-
ações que continuem ao longo de várias
Ipea, o poder público vive uma fase em tização e reflexão acerca dos entraves
administrações. Grandes obras, em virtude de
que o planejamento é ferramenta essencial e oportunidades do desenvolvimento
sua escala e complexidade, requerem longo
para a atividade econômica. “O momento nacional (ver box abaixo). Contudo, para
período de maturação e atividade, desde a
é de retomada do papel do Estado como entender melhor o momento em que o
implantação até o início das operações. A
indutor do desenvolvimento”, explica País se encontra, é preciso realizar uma
própria confecção de projetos, sem falar
Pérsio. Atualmente o Instituto discute uma recuperação histórica sobre o papel do
das licitações em todas as fases, demanda
requalificação dos conceitos de desenvol- planejamento em diferentes contextos
meses de preparação, avaliações e decisões
vimento e de planejamento público. O políticos e econômicos.
preliminares.
No caso da energia elétrica, por exemplo,
antes mesmo da eleição presidencial de 2010
já se preparava a implantação de projetos
de geração, transmissão e distribuição Dimensões do planejamento para o Ipea
relativos aos anos seguintes. A natureza
de certos investimentos obriga alguns Este é o conjunto de ações e iniciativas sistemantizadas no projeto Perspectivas do
segmentos do governo e do setor privado Desenvolvimento Brasileiro. São quatro grandes dimensões:
■ Estudos e pesquisas aplicadas em torno de eixos estratégicos para o
a se comprometerem com horizontes mais
desenvolvimento nacional;
amplos que um ou mais períodos admi- ■ Assessoramento governamental, acompanhamento e avaliação de
nistrativos. Sabe-se que grandes desafios políticas públicas;
ambientais de nossos tempos, de caráter ■ Treinamento e capacitação;
global, precisam ser enfrentados mirando-se ■ Oficinas, entrevistas, seminários e debates.
as próximas décadas.

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 59


FAses DO PlAnejAmentO Pérsio e José Celso Poucas décadas após o fim da escravidão, Público (Dasp), criado em 1938, como pelos
explicam que o País passou por três importantes ao longo do período que vai de 1930 até os militares, por meio do Plano de Ação Econô-
fases de planejamento: auge (décadas de 1940 primeiros anos do pós-guerra, a ação proativa mica do Governo (Paeg), entre 1964 e 1967, ou,
a 1970), declínio (décadas de 1980 e 1990) e do Estado brasileiro e de suas instituições ainda, pelas inovações contidas na Constituição
retomada (primeira década do século XXI) foram fundamentais para a redução dos Federal de 1998 (ver box abaixo).
da função planejamento estatal (ver quadros laços de dependência externa. Contribuíram
1, 2 e 3 sobre os planos governamentais e a também para um relativo rearranjo da estru-
história do planejamento no país). tura de classes sociais, para a sofisticação
De acordo com o terceiro volume do livro da estrutura estatal e para a construção de
O planejamento na
Diálogos para o Desenvolvimento, do Ipea, o uma sociedade industrial moderna, ainda Constituição de 1988
planejamento, em especial o planejamento de que regionalmente concentrada e desigual.
A Carta Magna assim define as ações
longo prazo, foi uma estratégia central para a
de planejamento econômico:
reinserção do Brasil no cenário internacional
■ “Art. 21. Compete à União:

1938
na passagem da primeira para a segunda
metade do século XX. IX – elaborar e executar planos
nacionais e regionais de ordenação
do território e de desenvolvimento
econômico e social (...).
é o ano ■ Art. 174. Como agente normativo e
regulador da atividade econômica,
em que foi criado o Departamento
o Estado exercerá, na forma da lei,
Administrativo de Serviço Público, o Dasp
as funções de fiscalização, incentivo
e planejamento, sendo este deter-
minante para o setor público e
A estruturação das instituições – isto é, indicativo para o setor privado.
estruturação das instâncias, das organizações, ■ § 1º – A lei estabelecerá as dire-
dos instrumentos e dos procedimentos – trizes e bases do planejamento
necessárias à administração e à gestão pública do desenvolvimento nacional
cotidiana do Estado foi realizada especialmente equilibrado, o qual incorporará e
após 1930. Isso ocorreu através das iniciativas compatibilizará os planos nacionais
deflagradas tanto por Getúlio Vargas, com e regionais de desenvolvimento.”
o Departamento Administrativo de Serviço

Quadro 1: tipos de planos econômicos e principais características no Brasil


O DeClíniO DO PlAnejAmentO Ao longo das
tipos de planos Principais características
décadas de 1980 e 1990, as práticas de
Planos setoriais e de metas: Plano Salte, Plano de Metas de Planejamento burocrático, discricionário, vertical e de médio
JK e Plano Trienal (previsto na Constituição Federal de 1988 a longo prazo planejamento sofreram severas críticas.
Este passou a ser visto por certos setores
Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg) e Planos Nacionais Planejamento burocrático, autoritário, impositivo, vertical e
de Desenvolvimento (PNDs) ao longo dos anos 1970 de médio a longo prazo como uma prática de intervenção num

Planos de estabilização monetária: Plano Cruzado (1986), Plano espaço que deveria ser regido pelo mercado,
Planejamento burocrático, de curto prazo, focalizado, conjuntural considerado como o único mecanismo
Bresser (1987), Plano Verão (1988), Plano Maílson (1989),
e vertical, em meio a uma profunda instabilidade econômica
Plano Collor (1990) e Plano Real (1994) capaz de gerar autorregulação e equilíbrio
PPAs: PPA 1991-1995, 1996-1999, 2000-2003, 2004-2007 Planejamento burocrático, de médio prazo, amplo e de transição quase naturais, ou seja, não mediados pelo
e 2008-2011 vertical-horizontal que consideram uma ação artificial do
Fonte: Elaboração dos autores. Estado. “O período de redemocratização
foi marcado pelo conceito de Estado

60 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


mínimo difundido pelos governos de Grandes obras, em virtude de visão. O rápido declínio das versões
Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e da sua escala e complexidade, mais ortodoxas do liberalismo do fim do
primeira-ministra Margaret Thatcher, da século XX ofereceu oportunidade para a
requerem longo período de
Grã Bretanha”, explica Pérsio. revalorização da importância do papel da
Nesse período, alinhada ao pacote mais
maturação e atividade, desde regulação estatal.
geral de recomendações emanadas pelo a implantação até o início das No Brasil, a recuperação da capacidade
Consenso de Washington (1989), surge operações. A própria confecção de investimento público na primeira década
e ganha força uma agenda de reforma do de projetos, sem falar das deste século e a atualização de sua estrutura
Estado que tem na primazia da livre-iniciativa licitações em todas as fases, administrativa revitalizaram o campo do
sobre o planejamento um de seus traços demanda meses de preparação, planejamento e lhe deram novos objetivos.
mais evidentes. Com isso, o Ipea também passa por período
avaliações e decisões
“No contexto de liberalismo econômico de reconstituição, agora exercendo seu papel
da época, de fato, o planejamento, no sentido
preliminares
fundamental, de pensar e projetar o Brasil
forte do termo, passa a ser algo não só no longo prazo.
desnecessário à ideia de Estado mínimo, mercado, ambas reguladas privadamente”,
mas também prejudicial à nova compreensão avalia José Celso.
de desenvolvimento que se instaura. Essa Somente ao fim das décadas de 1990 e nOvOs COnCeitOs, nOvOs DesAFiOs Como
concepção define que desenvolvimento de 2000, com as sucessivas crises econô- repensar o projeto de futuro nesse novo
é algo que acontece a um país quando micas que abalaram o mundo, é que se contexto? Como, ao mesmo tempo, organizar
este é movido por suas forças sociais e de percebeu a excessiva ideologização dessa a experiência passada do planejamento e

Quadro 2: Periodização para o estudo conjunto do planejamento governamental e da gestão pública no Brasil (1889-2010)

Contexto Dimensões do planejamento Contexto Dimensões da


Ciclos econômicos Padrão de estado
econômico-estrutural governamental político-institucional gestão pública

1889-1930: Primeira Ausência de planejamento.


Dominância Economia cafeeira voltada para Montagem do aparato
República – desenvolvimento Exceções: Convênio de Taubaté Patrimonialista
liberal-oligárquica o exterior estatal-burocrático
para fora e Crise de 1929

Industrialização restringida;
1933-1955: Era Getúlio Planejamento não sistêmico.
Dominância nacional- produção de bens de consumo Montagem do sistema Patrimonial burocrática
Vargas – nacional- Exceções: primeiras estatais e
desenvolvimentista não duráveis e dependência corporativista. – Dasp (1938)
desenvolvimentismo Plano Salte
financeiro-tecnológica

Industrialização pesada I, Planejamento discricionário.


1956-1964: Era
Dominância produção de bens de consumo Cepal: ideologia Acomodação e crise do
Juscelino Kubitschek – Patrimonial-burocrática
estatal-democrática duráveis e montagem do tripé desenvolvimentista. Plano de modelo.
internacionalização econômica
do desenvolvimento. Metas de JK (1956-1961)

Industrialização pesada Planejamento burocrático-


1964-1979: Regime militar – Dominância II, milagre econômico autoritário. ESG: ideologia Consolidação Patrimonial-burocrátca –
estatização econômica estatal-autoritária (1968-1973) e endividamento Brasil-potência. Paeg (1964- institucional-autoritária Paeg (1967)
externo (1974-1989) 1967) e II PND (1974-1979)

Planos de estabilização: Plano


1980-1989: Estagnação, inflação e
Dominância Cruzado (1986), Plano Bresser Redemocratização e Patrimonial-burocrática
Redemocratização – crise endividamento externo
liberal-democrática (1987), Plano Verão (1988) e reconstitucionalização – CF/88
do desenvolvimentismo (1974-1989)
Plano Maílson (1989)

1990-2006: Consolidação Estagnação, estabilização e Planos de estabilização: Plano Consolidação democrática,


Dominância Patrimonial-burocrática,
da democracia – reformas endividamento interno (1995 Collor (1990), Plano Real reforma gerencialista,
liberal-democrática gerencialista e societal
estruturais em diante). (1994) e PPAs (2000-2011) experimentalismo societal

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 61


renovar as competências requeridas pelo Quadro 3: Cronologia básica do planejamento estatal no Brasil
presente? Essas indagações expressam bem
1890 Rui Barbosa reorganiza as finanças nacionais com a nova legislação financeira
a reestruturação do Ipea.
1909 Nilo Peçanha cria a Inspetoria de Obras contras as Secas (IOCS)
É preciso ressaltar que o conceito de
desenvolvimento também mudou ao longo 1920 Bulhões Carvalho realiza o primeiro censo nacional com valor real
do tempo. Desde o final da Segunda Guerra 1934 Getúlio Vargas cria o Conselho Nacional de Comércio Exterior
Mundial até aproximadamente o começo dos 1936 Macedo Soares é o primeiro presidente do Instituto Nacional de Estatística
anos 1970, a palavra “desenvolvimento” se Vargas cria o Conselho Nacional do Petróleo e o Departamento Administrativo do Serviço Público
1938
confundia com o conceito de “crescimento (Dasp)
econômico”, pois era entendido, funda- 1939 Vargas lança o Plano Especial, marco inicial do planejamento no Brasil
mentalmente, como o processo pelo qual 1943 Vargas estabelece o Plano de Obras e Equipamentos
o sistema econômico criava e incorporava
1947-1948 Eurico Dutra lança o Plano Salte e cria a comissão do Vale do São Francisco
progresso técnico e ganhos de produtividade
Vargas cria o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), atual Banco Nacional de
ao nível, sobretudo, das firmas. 1952
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
1953 Criação da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA)
1956 Juscelino Kubitschek (JK) cria o Conselho de Desenvolvimento e lança o Plano de Metas

1964
1962 Celso Furtado torna-se o primeiro ministro do Planejamento do Brasil
1962 João Goulart lança o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social
1964 João Goulart cria a Associação Nacional de Programação Econômica e Social (Anpes)

é o ano 1964
1964
Castelo Branco lança o Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg)
Criação do Ipea
de criação do Instituto de Pesquisa 1967 Formulação do primeiro planejamento de longo prazo no Brasil, o Plano Decenal
Econômica Aplicada
1968 Arthur da Costa e Silva lança o Programa Estratégico de Desenvolvimento
1970 Emílio Garrastazu Médici lança o Programa de Metas e Bases para a Ação de Governo
1972, 1974 e 1979 PNDs I, II e III
Entretanto, constatou-se que os projetos 1975-1976 Planos regionais brasileiros
de industrialização haviam sido insufi-
1990 Fernando Collor de Mello cria a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR)
cientes para garantir processos socialmente
1988 A Constituição Federal (Art. 165) torna obrigatório o planejamento plurianual
includentes, capazes de eliminar a pobreza
1991-2011 PPAs
estrutural e combater as desigualdades. De
acordo com José Celso, foi-se buscando – 2007 e 2010 Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) I e II

teórica e politicamente – diferenciações Luiz Inácio Lula da Silva cria o Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (NAE/PR) e
2004
Projeto Brasil 3 Tempos
entre crescimento e desenvolvimento
2008 Lula restabelece a SAE/PR
e, ao mesmo tempo, a incorporação de
qualificativos que pudessem dar conta das 2010 Projeto Brasil 2022
ausências ou lacunas para o conceito. No
Brasil, um exemplo claro desse movimento
foi a inclusão do “S” na sigla do Banco Quanto aos qualificativos que agora pelo mundo, está posta para as nações a
Nacional de Desenvolvimento Econômico adjetivam a palavra desenvolvimento, é questão dos espaços possíveis e adequados
(BNDE), fundado em 1952, que passou preciso ter clareza da dinâmica do conceito. de soberania (econômica, política, militar,
então a se chamar Banco Nacional de Em primeiro lugar, num contexto de cres- cultural etc.) em suas respectivas inserções
Desenvolvimento Econômico e Social cente internacionalização dos fluxos de e relações externas. Em segundo, fala-se
(BNDES) a partir de 1982. bens, serviços, pessoas, símbolos e ideias também dos aspectos microeconômicos do

62 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


que garantir direitos, promover a proteção
Gustavo Granata

“No contexto de liberalismo


social e gerar oportunidades de inclusão
econômico da época, de fato, são não apenas objetivos plausíveis, mas
o planejamento, no sentido também condições necessárias a qualquer
forte do termo, passa a ser algo projeto nacional de envergadura.
não só desnecessário à ideia de
Estado mínimo, mas também
DeBAte PúBliCO Nas palavras de José Celso,
prejudicial à nova compreensão
compreender o desenvolvimento de maneira
de desenvolvimento que se
ordenada e sistemática é, portanto, algo que
instaura. Essa concepção define busca gerar acúmulo de conhecimento e
que desenvolvimento é algo massa crítica qualificada para um debate
que acontece a um país quando público bastante caro e cada vez mais
este é movido por suas forças urgente às diversas esferas de governo no
sociais e de mercado, ambas Brasil (e ao próprio Ipea em particular).
Pérsio explica que cabe também ao Estado
reguladas privadamente”
subsidiar a população com informações
josé Celso Cardoso jr. decisivas para a garantia e a definição de
Técnico de Planejamento e Pesquisa direitos. Este também é um dos objetivos
do Ipea. “Precisamos dar instrumentos à
sociedade para que ela possa exercer sua
crescimento, ligados às esferas da produção que temáticas ligadas à territorialização e à cidadania”, afirma.
(primária, secundária e terciária), da regionalização do desenvolvimento tenham Nesse novo contexto, a atividade de
inovação e da competitividade sistêmica maior centralidade na agenda produtiva. planejamento estatal também deve ser
e dinâmica das firmas e do próprio País. Finalmente, há uma quarta questão, de reformulada. Para José Celso e Pérsio, há
Em terceiro lugar, está a compreensão de extrema relevância na discussão: a ideia de a evidente questão de que, em contextos
democráticos, o planejamento não pode ser
nem concebido nem executado de forma
externa e coercitiva aos diversos interesses,
Sidney Murrieta

atores e arenas sociopolíticas em disputa no


cotidiano. Além disso, com a multiplicação
e a complexidade das sociedades contem-
porâneas e com a aparente sofisticação e
tecnificação dos métodos e procedimentos
de análise, houve uma tendência geral de
se pulverizar o planejamento como algo
que precede, condiciona e orienta a ação
pública. Isso aconteceu também no Brasil,
sobretudo na década de 1990,

eixOs estruturAntes Ao longo do processo de


planejamento estratégico em curso no Ipea,
identificaram-se sete grandes dimensões ou
eixos estruturantes para o desenvolvimento
brasileiro: i) inserção internacional soberana;
visita de delegação da república Popular da China ao ipea ii) macroeconomia para o desenvolvimento ;

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 63


iii) infraestrutura econômica, social e urbana;
Diretrizes para projetos de desenvolvimento iv) estrutura tecnoprodutiva avançada e
regionalmente articulada; v) sustentabilidade
De acordo com o livro Diálogos para o Desenvolvimento, são estas as linhas mestras ambiental; vi) proteção social, garantia de
para a elaboração de planos públicos de desenvolvimento: direitos e geração de oportunidades; e vii)
■ Dotar a função planejamento de forte conteúdo estratégico: trata-se fortalecimento do Estado, das instituições
de fazer da função planejamento governamental o campo aglutinador
e da democracia.
de propostas, diretrizes e projetos, enfim, de estratégias de ação que
anunciem, em seus conteúdos, as trajetórias possíveis e/ou desejáveis
para a atividade ordenada e planejada do Estado, em busca do
desenvolvimento nacional.
Há a evidente questão de que,
■ Dotar a função planejamento de forte capacidade de articulação e de em contextos democráticos,
coordenação institucional: grande parte das novas funções que qualquer o planejamento não pode ser
atividade ou iniciativa de planejamento governamental deve assumir
está ligada, de um lado, a um esforço grande e muito complexo de nem concebido nem executado
articulação institucional e, de outro, a outro esforço igualmente grande de forma externa e coercitiva
de coordenação geral das ações de planejamento.
■ Dotar a função planejamento de fortes conteúdos prospectivos e aos diversos interesses, atores e
propositivos: trata-se, fundamentalmente, de dotar o planejamento arenas sociopolíticas em disputa
de instrumentos e técnicas de apreensão e interpretação de cenários e
tendências, ao mesmo tempo que de teor propositivo para reorientar e
no cotidiano. Além disso, com a
redirecionar, quando pertinente, as políticas, os programas e as ações multiplicação e a complexidade
de governo.
das sociedades contemporâneas
■ Dotar a função planejamento de forte componente participativo: hoje,
qualquer iniciativa ou atividade de planejamento governamental que se e com a aparente sofisticação
pretenda eficaz precisa contar com certo nível de engajamento público dos e tecnificação dos métodos
atores diretamente envolvidos com a questão, sejam estes da burocracia
estatal, políticos e acadêmicos, sejam os próprios beneficiários da ação e procedimentos de análise,
que se pretende realizar. houve uma tendência geral de se
■ Dotar a função planejamento de fortes conteúdos éticos: trata-se, cada
vez mais, de introduzir princípios da república e da democracia como pulverizar o planejamento como
referências fundamentais à organização institucional do Estado e à algo que precede, condiciona e
própria ação estatal.
orienta a ação pública

Nessa tarefa de tratar o planejamento


Sidney Murrieta

como fato novo, o livro Diálogos para o


Desenvolvimento, do Ipea, apresenta cinco
diretrizes para conceituar o planejamento
(ver box acima). Em linhas gerais, é preciso
construir um novo estilo de elaboração de
projetos dessa natureza, que incorpore a diver-
sidade brasileira em suas várias dimensões.
Nesse sentido, Pérsio explica que o
Ipea é uma instituição ideal para gerar
conhecimento sobre a realidade brasi-
leira: “O Instituto tem capacidade de se
reconstruir, pois é uma instituição plural,
com diversidade de pensamentos. Isso
reflete a nossa habilidade de perceber
a realidade brasileira. Se não for plural
na sua essência, como se vai entender a
servidores e colaboradores do ipea na comemoração do aniversário do instituto, em setembro sociedade?”, pergunta ele.

64 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


HIST RIA

Pesquisa aplicada
antes do Ipea
Gilberto Maringoni – de São Paulo

66 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


A complexidade adquirida pelo processo de industrialização a partir de 1930 colocou na ordem do dia a
intervenção estatal e o planejamento na economia brasileira. Incentivos, subsídios e alocações de recursos se
combinaram com a livre iniciativa em meio a períodos de bonança e turbulências. Para realizar tais tarefas,
vários órgãos públicos foram criados. Golpe de 1964 interrompeu um rico debate sobre rumos para o país.

A
ntes do surgimento do Ipea, a partir da Revolução de 1930 e tornou-se hegemônico em uma república oligárquica,
em 1967, já existia no Brasil a premente no auge do período nacional- com dinâmica agroexportadora.
ideia da criação de centros de -desenvolvimentista (1955-64). Entre as últimas décadas do século XIX
pesquisa aplicada, destinados a Antes disso, embora houvessem incentivos e as primeiras do século seguinte, o Brasil
subsidiar o Estado com dados, informações estatais localizados, o planejamento econô- tornou-se o maior exportador mundial de
e reflexões para a formulação de políticas mico não se colocava como algo necessário. café. A produção nacional determinava
públicas. A necessidade começou a se esboçar O liberalismo econômico era francamente os preços internacionais. A economia do

Dreamstime

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 67


café não apenas era o motor da economia, pelo primeiro governo Vargas (1930-45): o apenas em 1938, através da Faculdade de
como tinha a característica de irrigar todo o de indutor e planejador do desenvolvimento, Ciências Econômicas e Administrativas,
sistema produtivo com um formidável poder com poderes para alocar recursos e incentivos uma instituição de ensino privada. Seria
multiplicador, impulsionando o mercado de em setores tidos como estratégicos para o federalizada em 1946 e se tornaria o atual
trabalho, a malha de transportes, as finanças, País. Num momento inicial, os fomentos Instituto de Economia da Universidade
o comércio, a distribuição, a armazenagem e se dirigiram principalmente para obras Federal do Rio de Janeiro.
o sistema portuário. Exportávamos produtos de infraestrutura (energia e transportes) e
primários e importávamos produtos industriais. siderurgia nas regiões Sul e Sudeste.
AssessorIA e coordenAção A reordenação
do papel do Estado, na gestão Vargas,
Paul Simpson

materializou-se em várias iniciativas. Dois


importantes órgãos de pesquisa e coordenação
foram criados nessa época.

“A civilização ocidental
se desenvolveu invariavelmente
fora da zona tropical.
Os países que dispuseram
de carvão de boa qualidade
e de petróleo fácil
encontraram nesses
atributos físicos preciosos
elementos de prosperidade.
Não há como negar que o
“Fila do pão”, escultura do artista plástico George segal (1924-2000) representando desempregados em busca de
alimentos durante a Grande depressão, em Washington desenvolvimento econômico
A intervenção do Estado se tornou
é primordialmente função
do clima, dos recursos da

1929
imperiosa após a quebra de 1929. A partir
daí, ficou claro que a reativação econômica Natureza e do relevo do solo”
não se daria pelas mãos da iniciativa
privada. Somente o poder público poderia eugenio Gudin,
economista e ex-ministro da Fazenda durante o
dar conta de duas tarefas gigantescas:
atacar as raízes da crise e alterar a base foi o ano governo de Café Filho
produtiva nacional. em que a reativação econômica mostrou-se
possível somente através do poder público O primeiro foi o Instituto Nacional de
Estatística, criado em 1934. Quatro anos
novo PAPel do estAdo Até 1930, a indústria depois, receberia a denominação de Instituto
brasileira estava centrada na produção de Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
bens de consumo leves, especialmente nos Havia pelo menos duas limitações obje- Seria responsável por coletar, sistematizar
setores de siderurgia e tecelagem. A produção, tivas para a realização de um planejamento e cadastrar dados e estatísticas de várias
localizada em sua maior parte no centro-sul, efetivo. A primeira delas residia na carência áreas – economia, demografia, sociedade
possibilitou a formação de uma diminuta de dados e estatísticas confiáveis sobre o etc. – nas três esferas de governo. Além
classe operária, composta em sua maioria País. Uma segunda questão dizia respeito à disso, logo assumiu a tarefa de realizar os
por imigrantes europeus. falta de pessoal técnico especializado para recenseamentos do país. Nos anos 1930-40
Em meio a diversos embates políticos, realizar a tarefa. O primeiro curso regular de tornou-se o principal órgão de assessoria
um novo papel foi definido para o Estado Economia começaria a funcionar no Brasil do governo federal.

68 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


não faziam pesquisas, mas apenas assessoria
econômica. “O Dasp era uma entidade que
não tinha nada a ver com o planejamento
ou pesquisas sobre economia. Só cuidava
de racionalização de recursos humanos na
área federal”.

tendêncIA InternAcIonAl A intervenção estatal


e a criação de órgãos para concretizar tais
funções não foram características brasileiras,
nos anos 1930-40. O sucesso da economia
soviética após a Revolução de Outubro
(1917), baseada em planos quinquenais, e
as diretrizes que o economista inglês John
Maynard Keynes (1883-1946) formulou para
o Ipea lançou em 2010 dois livros sobre a mais importante polêmica de política econômica do primeiro governo vargas a recuperação do mundo capitalista após a
crise de 1929 exibiam um ponto comum,
em concepções políticas distintas.
O segundo foi o Departamento Admi- Comercial (CNPIC), de 1944, e a Comissão Ambas defendiam um Estado indutor e
nistrativo do Serviço Público (Dasp), criado de Planejamento Econômico (CNE), de 1944. planejador do desenvolvimento. No oriente,
em 1938 e subordinado à Presidência da Todos estavam vinculados ao Poder Execu- um rígido esquema de metas e investimentos
República. Suas funções envolviam planejar, tivo. Alguns eram compostos não apenas de intensivos conformava uma economia de
coordenar e racionalizar as atividades das membros do governo, mas de lideranças de comando centralizado. No ocidente, Keynes
diversas instâncias do aparelho de Estado. destaque na sociedade. e seus seguidores defendiam medidas mone-
O Dasp tinha como meta profissionalizar Segundo o economista da Cepal Ricardo tárias e fiscais com características anticíclicas
o serviço público, qualificar os servidores e Bielchowsky, os organismos do governo Vargas para reativar a demanda deprimida, balizar
promover a admissão de novos funcionários
apenas por meio de concursos. No início

Arquivo/Agência Estado/AE
dos anos 1940, o órgão ficou responsável
pela elaboração da proposta orçamentária
federal a ser enviada pelo Executivo ao
Congresso Nacional.
A partir de 1945, com o fim do governo
Vargas, o Dasp perdeu várias de suas funções.
Passou a funcionar mais como assessoria
do governo. O Dasp foi extinto em 1986.
Em seu lugar foi criada a atual Secretaria
de Administração Pública da Presidência
da República (Sedap).
Além desses, uma série de comissões
estatais de coordenação e assessoramento
foi criada na época. As principais foram
o Conselho Federal do Comércio Exterior
(CFCEX), de 1934, a Coordenação de
Mobilização Econômica (CME), de 1942, o
eugenio Gudin (1886-1986), Ministro da Fazenda, em 1955. o engenheiro e economista carioca se notabilizou como
Conselho Nacional de Política Industrial e uma das mais proeminentes vozes da ortodoxia econômica no país

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 69


Tony the Misf it
o new deal, diretriz econômica do presidente estadunidense Franklin roosevelt (1882-1945), que combinava grandes investimentos estatais em infraestrutura com políticas
de elevação de salário e emprego, serviu de modelo para várias economias nacionais no segundo pós-guerra

investimentos públicos e permitir o retorno No Brasil, as concepções forte intervenção estatal para vencer as
do crescimento e do desenvolvimento. planejadoras enfrentaram barreiras ao desenvolvimento.
As teorias de Keynes foram a base do As duas correntes de opinião travaram
pesada oposição dos setores
conjunto de intervenções estatais praticadas um embate teórico pioneiro entre 1944 e
a partir de 1933 pelo presidente Franklin
liberais. Estes últimos eram 1945. Foi protagonizado por duas figuras de
Roosevelt (1882-1945), com o objetivo partidários da supremacia proa da vida brasileira, o industrial paulista
de combater a crise nos Estados Unidos. da agricultura como polo Roberto Simonsen e o economista liberal
Estas ficariam conhecidas como New Deal dinâmico da economia. carioca Eugenio Gudin. A controvérsia se
e subverteriam as bases do ultraliberalismo Argumentavam que as leis deu no âmbito da Comissão de Desenvol-
até então praticado. Tanto as formulações de de mercado resolveriam vimento Econômico do governo Getúlio
Keynes – divulgadas inicialmente no Brasil Vargas (1930-1945), com a troca de longos
os gargalos da sociedade
por Eugenio Gudin, em 1943 – quanto o documentos, fundamentando cada ponto de
New Deal e a dinâmica soviética tiveram
brasileira, como o atraso e
vista. A Comissão era mais um dos vários
enorme impacto em todo o mundo. O debate a pobreza da população. O órgãos ditos técnicos criados pelo governo
econômico mundial focou-se cada vez mais setor industrialista, por sua para assessorar a condução política em
no papel do Estado. vez, advogava uma política várias áreas.
de planejamento econômico A íntegra desse embate teórico foi objeto
com forte intervenção estatal de dois livros lançados pelo Ipea em 2010.
PlAno e MercAdo No Brasil, as concepções São eles Desenvolvimento: o Debate Pioneiro
para vencer as barreiras ao
planejadoras enfrentaram pesada oposição de 1944-1945 e A Controvérsia do Planeja-
desenvolvimento
dos setores liberais. Estes últimos eram mento na Economia Brasileira (publicado
partidários da supremacia da agricultura originalmente em 1977), ambos disponíveis
como polo dinâmico da economia. Argu- o atraso e a pobreza da população. O setor em www.ipea.gov.br.
mentavam que as leis de mercado resolveriam industrialista, por sua vez, advogava uma Simonsen defendia o planejamento estatal
os gargalos da sociedade brasileira, como política de planejamento econômico com na alocação de recursos e incentivos para a

70 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


indústria, enquanto Gudin propugnava uma e 1980 – deixamos de ser uma imensa Criada no ambiente do pós-Guerra
ampla liberdade de mercado, que favoreceria fazenda agrícola para sermos a sétima maior e largamente influenciada pelas ideias
a agricultura, sem subsídios a indústrias tidas economia do mundo capitalista. de Keynes e pela política econômica de
como ineficientes. Roosevelt, suas diretrizes representavam
Esse debate já continha os fundamentos uma forte oposição ao liberalismo. Também
das concepções que pautariam a cena surGe A cePAl A partir de 1948, a formulação apontavam para a redefinição do papel do
econômica do País nas décadas seguintes. de políticas econômicas no continente passou Estado e à perspectiva de uma nova inserção
Ao longo do tempo, a elas foram se juntando a contar com a importante contribuição da internacional da América Latina. A solução

Secretaria de Agricultura do Estado do Paraná

no Brasil, a economia cafeeira foi o motor da economia durante mais de um século. ela tinha a característica de irrigar todo o sistema produtivo com um formidável poder
multiplicador, impulsionando o mercado de trabalho, a malha de transportes, as finanças, o comércio, a distribuição, a armazenagem e o sistema portuário

novas formulações e novos matizes, por Comissão Econômica para a América Latina proposta para os impasses continentais
conta das mudanças na economia nacional (Cepal), órgão criado pela ONU, com sede era a industrialização, através de um
e internacional. em Santiago, Chile. Seus principais dirigentes processo de substituição de importações.
Os industrialistas venceram a batalha. foram os economistas Raul Prebisch (1901- O paradigma ficaria conhecido como
O Estado brasileiro, em meio a muitos 1986), da Argentina, e Celso Furtado (1920- o nacional-desenvolvimentismo.
embates, atuou durante décadas como 2004), do Brasil. A Cepal, assinala Ricardo As ideias centrais da Cepal diziam
centro articulador do desenvolvimento. Bielschowsky, era “um órgão de pesquisa e respeito à percepção das relações centro-
Em menos de meio século – entre 1930 assessoramento de governos”. -periferia, no sistema capitalista, e a um

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 71


detalhamento maior sobre a deterioração dos fácil encontraram nesses atributos físicos

50
termos de trocas entre produtos agrícolas preciosos elementos de prosperidade”, ele
e industriais no comércio internacional. afirmava que “não há como negar que o
Por conta do crescente valor agregado aos desenvolvimento econômico é primor-
manufaturados, haveria uma assimetria dialmente função do clima, dos recursos
básica no comércio mundial, que relegaria
a periferia a uma eterna posição secundária anos da natureza e do relevo do solo”.
O período nacional-desenvolvimentista
na economia internacional. Os preços dos entre as décadas de 1930 e 1980 separam (1945-64) não foi uniforme e suas caracterís-
manufaturados seriam estruturalmente o País de ser uma imensa fazenda agrícola ticas intrínsecas conheceram várias nuanças.
crescentes em relação aos bens primários. para tornar-se a sétima maior economia Obteve-se, através dessas orientações, um
Tais barreiras somente seriam superadas modelo de modernização acelerado, que não
com forte intervenção estatal, na falta de tocava nas estruturas arcaicas de concentração
uma burguesia nacional capaz de cumprir da terra, da renda e da propriedade.
as tarefas do desenvolvimento. mente o nacional-desenvolvimentismo Este padrão assentava-se em três agentes
Para Prebisch e Furtado, o subdesenvolvi- e a Cepal. Em artigo publicado em 1952, básicos: o Estado indutor, o capital estran-
mento não seria uma etapa do desenvolvimento, ele desmentia a existência de possíveis geiro e o capital privado nacional, como
mas um estágio do capitalismo maduro, cons- relações desiguais de troca e debitava os sócio menor. O capital estrangeiro entrou
truído na divisão internacional do trabalho, problemas dos países subdesenvolvidos de forma crescente à medida que o Estado
só superável através do planejamento. aos infortúnios da natureza. Depois de brasileiro lhe oferecia condições cada vez
afirmar que “a civilização ocidental se mais vantajosas de investimento e de retorno.
desenvolveu invariavelmente fora da zona O nacional desenvolvimentismo eviden-
A dIscordâncIA lIBerAl O economista tropical” e que “os países que dispuseram ciou a carência de um núcleo formulador
liberal Eugênio Gudin atacou pesada- de carvão de boa qualidade e de petróleo de políticas de forma mais sistemática. A

Arquivo/Agência Estado/AE

Brasília, dias antes da inauguração. A construção da nova capital seria um dos símbolos do modelo
desenvolvimentista que pautou a economia brasileira durante a maior parte do período 1930-80

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lacuna foi preenchida em grande parte através A partir de 1948, Navarro de Toledo, em Iseb, fábrica de ideolo-
da criação do Instituto Social de Estudos a formulação de gias (Ática, 1977), frequentaram tais atividades
Brasileiros (Iseb), em 1955. membros de diversas áreas governamentais,
políticas econômicas
bem como empresários, líderes sindicais,
no continente passou
parlamentares, professores e estudantes. Os
uM centro PlurAlIstA Os objetivos principais a contar com a importante universitários chegaram a receber bolsas para
do Iseb eram a discussão e a formulação de contribuição da Comissão a realização de trabalhos junto ao Instituto.
políticas de desenvolvimento econômico, Econômica para a Entre outros, estavam ali aglutinados
que seriam a mola mestra da construção América Latina (Cepal), Hélio Jaguaribe, Álvaro Vieira Pinto, Alberto
nacional. Envolvia um leque plural de órgão criado pela ONU, Guerreiro Ramos, Nelson Werneck Sodré,
pesquisadores e intelectuais. Roland Corbisier, Ignácio Rangel, Carlos
com sede em Santiago,
Suas origens remontam ao segundo Estevam Martins, entre outros. A maioria
Chile
governo Vargas (1951-54), a partir de debates era oriunda do Grupo Itatiaia. Colaboravam
do Grupo Itatiaia, criado em 1952. Cons- ainda Celso Furtado, Gilberto Freyre e
tituído por intelectuais nacionalistas, esse O Ibesp tinha estrutura e funcionamento Heitor Villa-Lobos. Os departamentos do
coletivo sugeriu ao Ministério da Educação precários. Seus integrantes passaram, então, a órgão eram: Filosofia, Economia, História,
e Cultura (MEC) a necessidade de o Estado reivindicar melhores condições de trabalho e Sociologia e Ciência Política.
criar um corpo técnico de assessoria regular pesquisa. Sensível à demanda, o presidente Café O auge da atividade do Iseb aconteceu
e profissionalizado. Logo nasceria o Instituto Filho (1954-55) decidiu criar o Iseb, em 1955. durante o governo Juscelino Kubitschek (1956-
Brasileiro de Economia, Sociologia e Política Ao longo de nove anos, o Instituto promoveu 61), o ponto alto do desenvolvimentismo.
(Ibesp), que editaria a revista Cadernos do cursos e seminários e realizou pesquisas no Apesar de seu pluralismo, uma ideia mestra
Nosso Tempo, além de ministrar cursos no âmbito das ciências sociais, além de editar permeava toda a ação do órgão: a de que a
auditório do MEC, no Rio de Janeiro. vários livros e artigos. Conforme relata Caio consolidação e a soberania da nação viriam
com o desenvolvimento econômico. Este, por
sua vez, só seria possível com a industrialização.
O Iseb foi extinto em 13 de abril de 1964,
Arquivo/Agência Estado/AE

em um dos primeiros atos da ditadura. O


obscurantismo e o autoritarismo que ali se
iniciavam não permitiriam a existência de um
centro de elaboração plural e independente.
Vários dirigentes do Iseb tiveram seus direitos
cassados e foram perseguidos. Arquivos e
publicações foram incinerados. Darcy Ribeiro
chamou o ato de “repressão cultural”.
De acordo com Marcos Antonio da Silva,
professor de História da FFLCH-USP, “o Iseb
era uma instituição com linhas de debates
muito diversificadas, que iam das ideias de
Roberto Campos (1917-2001) até as de Nelson
Werneck Sodré (1911-99)”. Em suas palavras,
não era uma instituição fechada, pois havia
possibilidades tanto da esquerda quanto da
direita se expressarem. Silva lamenta o fim do
Instituto: “A experiência não teve tempo de
amadurecer. O convívio entre as diferentes

os dois governos de Getúlio vargas (1930-45 e 1951-54) foram marcados pela decisiva
correntes de pensamento foi interrompido
ação do estado na industrialização do país de forma brutal”.

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 73


Marcio Pochmann

SAEPR
“O Ipea é o
grande centro
para se pensar
o Brasil”
Presidente do Instituto fala da história do órgão, dos desafios colocados pelo atual cenário internacional,
das necessidades imediatas e dos planos de expansão diante do novo papel do Brasil no mundo

Desafios do Desenvolvimento - O que é o Ipea? visionário e executor, juntamente com externa entre 1981 e 1983 altera a agenda
Pochmann - O Ipea é uma identidade do [João Paulo dos] Reis Velloso, constroem nacional para questões conjunturais de
Brasil. Não é possível pensar o Ipea de o Ipea com inegável êxito no planejamento curto prazo. Exemplos são o pagamento
forma isolada, sem identificá-lo com as do Estado e das políticas públicas durante da dívida externa, o enfrentamento da
circunstâncias nacionais. O Instituto surge o regime militar [1964-85]. A transição inflação, a desorganização das contas
no quadro da modernização conservadora democrática abre a perspectiva para um públicas e a competitividade, entre outras.
realizada a partir do golpe de 1964, que novo Ipea, contemporâneo dos desafios Isso leva o tema do planejamento e do
internaliza um programa de estabilização colocados no final do século XX. desenvolvimento a um segundo nível de
monetária constituído fora do Brasil. Era o importância. A partir daí, a instituição
Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg), Desenvolvimento - De lá para cá, a trajetória do Ipea Ipea sofre desta circunstância e perde
realizado entre 1964 e 1967. Ele tinha como foi complexa, não? a capacidade de contribuir com uma
substrato a constituição de uma instituição Pochmann - Sim. A dissolução da maioria visão de longo prazo. Somente no início
tecnocrática para sua condução. Roberto política comprometida com o desenvolvi- do século XXI, com a reorganização de
Campos [então ministro do Planejamento], mento nacional a partir da crise da dívida uma nova maioria política comprometida

74 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


com o desenvolvimento nacional, o Ipea Desenvolvimento - Como o Ipea atende as demandas Pochmann - Temos dois movimentos. O
recupera sua capacidade de intervenção dos diversos setores? primeiro é o de descentralização do Ipea, que
junto às políticas públicas e à sociedade. Pochmann - Estamos vivendo um quadro começou com redes de cooperação técnica
Essa reorganização vem se dando gradu- de grandes transformações, preparando com instituições de pesquisas estaduais.
almente, por intermédio de um redesenho o Ipea para ser uma grande instituição de Depois se avançou para a constituição de
institucional, da ampliação orçamentária pesquisa do Brasil e do mundo. Precisamos missões em Estados como Paraíba, Pará e Rio
e do reforço de sua força de trabalho. O de um Instituto compatível com a nova de Janeiro. A meta é termos representações
Brasil deverá estar, nesta segunda década do posição do Brasil no plano internacional. nas grandes regiões geográficas do País. O
século XXI, entre as cinco economias mais Há atualmente três desafios. O primeiro outro movimento é o de internacionali-
importantes do mundo, tendo superado é termos capacidade de gerenciar os zação e de acompanhamento de diversas
problemas ainda do século XIX, como a bancos de dados da República brasileira instituições. Isso acontece, por exemplo,
miséria. Isso faz o Brasil colocar-se em (Executivo, Legislativo e Judiciário). O em relação à Embrapa e a Fiocruz. Ambas
uma posição de referência no cenário segundo é sermos uma instituição cada vez ganharam dimensão internacional dentro
internacional. Consequentemente, o Ipea mais matricial, visando uma perspectiva da política externa brasileira de cooperação
está diante de desafios que os últimos totalizante nas ciências sociais. O terceiro técnica. Há também uma missão do Ipea
quarenta anos não haviam lhe colocado. é sermos uma instituição com um plano junto ao governo venezuelano e estamos
de trabalho bianual. Atualmente temos avançando para termos presença nos países
Desenvolvimento - Quais as áreas de atuação do Ipea? um plano anual. Esse plano é construído do Mercosul e na China.
Pochmann - O Ipea teve uma trajetória de forma coletiva, combinando demandas
quase monotemática, desde sua criação, institucionais com demandas individuais. Desenvolvimento - O que falta ao Ipea para dar
voltada para a economia. Isso se deveu Essas solicitações originárias da instituição conta de tantas iniciativas?
à sua ação voltada para as demandas do se combinam com demandas do Estado e Pochmann - O ideal é termos uma conver-
Poder Executivo. Nos últimos quatro da sociedade civil. Todas as solicitações gência sobre o que se quer da instituição.
anos o Instituto ampliou seu leque de externas ao Ipea são estabelecidas através O Ipea já é o grande centro para se pensar
temas. Hoje o Ipea atende os poderes de acordos de cooperação técnica. o Brasil. Não temos outro local com essa
Executivo, Legislativo e Judiciário, capacidade de articulação. Temos acesso
transformando-se numa grande insti- Desafios - O Instituto está bem dimensionado para atender a informações que ninguém possui de
tuição de pesquisa e de assessoria do a essas tarefas? forma totalizante. Aumentou muito
Estado. Ao mesmo tempo, sua agenda de Pochmann - O Ipea sofreu um processo de nossa capacidade de publicação. Foram
atuação se ampliou, atendendo também encolhimento durante muito tempo. Havia lançados inúmeros livros e estudos. Mas
a demandas da sociedade civil, como é aqui cerca de 1,2 mil servidores em 1980. editamos apenas um terço do que a casa
próprio em um regime democrático. Hoje temos 714 funcionários. Quando produz. A maior parte do trabalho está
Temos hoje cerca de cem temas no cheguei aqui havia 470. Houve um processo voltada para o monitoramento, a avaliação
âmbito das ciências sociais que o Ipea de enxugamento nos anos 1990. As pessoas e a sistematização de políticas públicas.
tem condições de tratar. foram se aposentando e os concursos não
foram capazes de manter o quadro funcional. Desenvolvimento – Como a instituição mantém
Desenvolvimento - Quais as diferenças entre o Ipea e Esperamos realizar um novo concurso em a pluralidade de pensamento em seu interior?
outros centros de pesquisa brasileiros? 2012, para ampliar nosso quadro. A opção Pochmann - Quando chegamos aqui,
Pochmann - O diferencial principal é que tomada no concurso passado, de trabalhar a visão que tínhamos era de que o Ipea
nós somos servidores do Estado com uma com um maior número de disciplinas do estava organizado para a construção de
atividade-fim voltada para a pesquisa e conhecimento, tem se mostrado extrema- consensos. Nossa trajetória tem sido a de
o planejamento aplicado. Não somos mente favorável à instituição. fortalecer a explicitação dos dissensos. Eu
técnicos ou pesquisadores no estrito acredito que nos dissensos e na pluralidade
senso. O compromisso é aplicar nosso Desenvolvimento - O Ipea está abrindo representações em é que reside a riqueza da instituição. Isso
conhecimento em políticas públicas. alguns Estados e mesmo fora do País. Que processo é esse? fica claro em nossas publicações.

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 75


O Ipea possui, além da presidência, sete diretorias. Três concederam entrevistas à Desafios do Desenvolvimento.
São elas a Diset (Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação, Regulação e Infraestrutura), a Dinte
(Diretoria de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais) e a Diest (Diretoria de Estudos e
Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia). Acompanhe nas páginas seguintes. Em nossa próximas
edições, ouviremos os demais diretores.

Sidney Murrieta
Diset: pesquisando
inovação e aumento
de produtividade
e competitividade

Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais


de Inovação, Regulação e Infraestrutura

A
Diset realiza estudos e avalia- ções pertinentes; a avaliação de questões processos de inovação tecnológica e de
ções de políticas públicas relacionadas ao desenvolvimento produ- reestruturação produtiva e da defesa da
voltadas para o conhecimento tivo e o suporte técnico à formulação de concorrência e regulação dos setores de
das restrições e oportunidades políticas e programas de governo, no infraestrutura; e, ainda, a participação
econômicas ao desenvolvimento brasileiro âmbito das temáticas do comércio exte- em estudos sobre políticas fundiárias,
sob a ótica da produção. Suas atividades rior e da inserção da economia brasileira de reforma agrária e de estímulos à
englobam a sistematização das informa- nos fluxos globais de investimentos, dos agricultura familiar.

76 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


Nesta entrevista, o diretor Carlos Eduardo Desenvolvimento - Quais as principais publicações da Diset? pesquisa para a diretoria, como heteroge-
Fernandez da Silveira apresenta os principais Silveira - A Diset possui uma publicação neidade da estrutura produtiva brasileira,
projetos desenvolvidos pela Diretoria. periódica que é o Radar, publicado a economia da concorrência e regulação,
cada dois meses. Além disso, a diretoria cenários para o mercado de trabalho
Desafios do Desenvolvimento - Quais os objetivos lançará ainda em 2011 um livro sobre o brasileiro, enfoque na demanda das
da Diset? a Petrobras, chamado O poder de compra empresas, dinâmica do sistema produtivo
Silveira - A Diset possui oito coordena- da Petrobras. Pode-se destacar outras nacional, perspectivas da política industrial,
dorias e funciona por projetos e através publicações, como Infraestrutura econô- oportunidades e desafios para o Brasil na
de seus coordenadores. A estrutura mica do Brasil e Políticas de incentivo à economia da informação e indústria naval:
vertical da diretoria é temperada pelas inovação tecnológica no Brasil. perspectivas para os próximos 25 anos.
necessidades horizontais dos projetos.
Apenas a coordenadoria de regulação Desenvolvimento - Em que situações os trabalhos
tem objeto e pessoal mais definido.
A ênfase hoje da diretoria auxiliaram diretamente a ação ou a tomada de
é no aumento da decisões do governo?
Desenvolvimento - Como funciona a diretoria? produtividade, da Silveira - Os trabalhos sobre inovação reali-
Silveira - A principal função é produzir renda e do emprego, zados nos últimos cinco anos influenciaram
conhecimento, disseminá-lo, realizar
numa perspectiva de bastante a definição de propostas do PBM,
estudos e pesquisas e assessorar órgãos a partir do qual a diretoria desenvolveu
desenvolvimento de longo
governamentais na avaliação e propo- parceria com o Ministério de Ciência
sição de políticas públicas nas áreas que
prazo e sustentável, ao
e Tecnologia (MCT) e o Ministério do
competem à diretoria, como regulação longo de toda a economia Desenvolvimento, Indústria e Comércio
e concorrência, indústria, serviços e brasileira. A Diset precisa Exterior (Mdic). Diversas agências regula-
agricultura, infraestrutura física, atenção reforçar outras duas doras têm pautado os trabalhos da Diset,
especial aos aspectos centrais das áreas de áreas: infraestrutura como a Agência Nacional de Energia
inovação e da Tecnologia de Informação
e agricultura Elétrica (Aneel) e a Agência Nacional de
e Comunicação (TIC). Telecomunicações (Anatel). A Diset também
desenvolveu pesquisas para o Conselho
Desenvolvimento - Que tipo de parcerias a Diset tem
Administrativo de Defesa Econômica
estabelecido com universidades e outros centros de pesquisa? Desenvolvimento - Qual o foco principal de pesquisa?
(Cade), a Petrobras e a Agência Brasileira
Silveira - Através do Programa Nacional Silveira - O foco tem sido particularmente
de Desenvolvimento Industrial (ABDI).
de Pós-Doutorado (PNPD), a diretoria os aspectos da inovação relacionados à
estabeleceu vínculos com institui- perspectiva de aumento da produtivi- Desenvolvimento - Que projetos voltados diretamente ao
ções como a Universidade Federal de dade e da competitividade dos produtos desenvolvimento têm sido feitos?
Minas Gerais (UFMG), a Universidade brasileiros. A ênfase hoje é no aumento Silveira - Os projetos da Diset estão
Estadual de Campinas (Unicamp) e a da produtividade, da renda e do emprego, voltados para o desenvolvimento produtivo
Universidade Federal de Goiás (UFG). numa perspectiva de desenvolvimento de e competitivo do país, como um todo.
A parceria possibilitou a participação de longo prazo e sustentável, ao longo de toda
técnicos em seminários e publicações, a economia brasileira. A Diset precisa Desenvolvimento - Quais os principais projetos para o
o desenvolvimento de pautas comuns reforçar outras duas áreas: infraestrutura futuro imediato?
de pesquisa e estudos e o incentivo à e agricultura. Silveira - Reforçar os estudos e análises
pós-graduação dos próprios técnicos nos setores de agricultura e infraestrutura,
do Ipea. Desenvolvimento - Quais as principais pesquisas em adequar a estrutura da Diset para atender
desenvolvimento agora? às necessidades desses setores, bem como
Desenvolvimento - Quantos técnicos trabalham nela? Silveira - O Plano Brasil Maior (PBM), para oferecer um apoio mais estruturado
Silveira - A diretoria possui 33 técnicos instituído este ano pelo governo federal, com estudos e análises sobre a evolução do
atualmente. trouxe diferentes perspectivas de estudo e PBM aos órgãos governamentais envolvidos.

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 77


Sidney Murrieta
Dinte:
Acompanhando
a nova inserção
internacional do
Brasil

Diretoria de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais

A
Dinte é a mais nova diretoria do Brasília – Coordenação de Estudos em definidos cinco grandes desafios e sete eixos
Ipea. Sua criação está estreita- Relações Econômicas Internacionais temáticos. No bojo desse processo de plane-
mente vinculada à nova inserção (Corin), Coordenação de Estudos em jamento nasceu a Dinte. Acompanhamos
do Brasil no cenário mundial. Instituições e Governança Internacional e analisamos os fluxos de comércio e de
O coordenador geral da Diretoria, Marcos (Cogin), Coordenação de Intercâmbio capitais internacionais, a lógica de operação
Antonio Macedo Cintra, fala sobre as ativi- e Cooperação Internacional (Coint) – e das corporações transnacionais, o sistema
dades do setor na entrevista a seguir. uma no Rio de Janeiro – Coordenação financeiro e monetário internacional, as
de Estudos em Comércio Exterior e instituições multilaterais (Organização
Desenvolvimento - Como se organiza a Dinte? Política Comercial (Cecex). A equipe da Mundial do Comércio, Organização
Cintra - Ela está organizada em uma Dinte está composta por vinte técnicos Mundial de Propriedade Intelectual,
coordenação-geral (Coordenação-Geral em Brasília e cinco no Rio de Janeiro. Organização das Nações Unidas, Fundo
de Pesquisa em Relações Econômicas Contamos ainda com o apoio de oito Monetário Internacional, Banco Mundial,
e Políticas Internacionais – Cgint), bolsistas presenciais, três estagiários, um G20 comercial, G20 financeiro), a integração
três coordenações de pesquisas e uma estatístico, três assistentes administrativos regional, a cooperação brasileira para o
coordenação que realiza e acompanha e uma analista de sistemas. desenvolvimento internacional, a segurança
os acordos de cooperação e intercâmbio energética e territorial, a política de defesa
com órgãos e entidades públicas ou Desenvolvimento - Quais seus objetivos? nacional e segurança internacional, além
privadas internacionais de planejamento Cintra - A partir da elaboração do planeja- da reconfiguração da geoeconomia e da
e pesquisa. Três coordenações ficam em mento estratégico do Ipea em 2008, foram geopolítica global.

78 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


Desenvolvimento - Que tipo de parcerias a Dinte Cintra - A Dinte tem entre suas atribuições e Rússia); d) diferentes aspectos das
tem estabelecido com universidades e outros principais a agenda do primeiro eixo negociações comerciais no âmbito da
centros de pesquisa? temático do desenvolvimento: inserção Organização Mundial do Comércio, com
Cintra - Pela natureza de suas pesquisas, internacional soberana. Nessa perspec- destaque para as relações entre as taxas
a Dinte tem estabelecido parcerias com tiva, foram definidas cinco grandes áreas de câmbio e o comércio internacional e
diferentes órgãos da administração federal, de estudos e pesquisas: a) investimento e) um panorama sobre as propostas de
tais como o Ministério das Relações Exte- estrangeiro direto e corporações multi- mudanças da arquitetura financeira e
riores, o Ministério do Desenvolvimento, nacionais; b) comércio internacional e monetária internacional
Indústria e Comércio Exterior e o Exército integração econômica; c) instituições
e governança global; d) defesa, política Desenvolvimento - Que projetos voltados diretamente ao
brasileiro. A equipe tem aprofundado os
externa e cooperação internacional; desenvolvimento têm sido realizados?
vínculos com diversas universidades e
e) arquitetura financeira e monetária Cintra - A Dinte cumpre missão de pesquisa
centros de pesquisas de economia e rela-
internacional. em Caracas (Venezuela), no âmbito do
ções internacionais, tais como: Instituto de
projeto “Cooperação Brasileira para o
Relações Internacionais da Universidade de
Desenvolvimento - Quais as principais publicações da Dinte? Desenvolvimento Internacional”. Tal
Brasília, Instituto de Relações Internacionais
Cintra - As principais publicações da Dinte missão tem como objetivo promover a
da PUC do Rio de Janeiro e de São Paulo,
são os periódicos Boletim de Economia e cooperação internacional com foco no
Programa de Pós-graduação em Relações
Política Internacional, Monitor da Percepção estreitamento das relações entre os pesqui-
Internacionais San Tiago Dantas (Unesp,
Internacional do Brasil e a Revista Tempo sadores nacionais e estrangeiros, voltada
Unicamp e PUC-SP), Instituto de Economia
do Mundo. Lançamos 24 livros no último à realização de estudos e pesquisas que
da Universidade Estadual de Campinas
ano, entre eles Inserção Internacional visam contribuir para o desenvolvimento
(Unicamp), Instituto de Economia da
Brasileira, Cooperação Brasileira para o dos países envolvidos diretamente na
UFRJ, Programa de Pós-graduação em
Desenvolvimento Internacional (2005- melhoria das condições socioeconômicas
Relações Internacionais da Universidade
2009), Comércio internacional: aspectos de suas populações.
Federal de Santa Catarina (UFSC), Centro
teóricos e as experiências indiana e chinesa,
de Estudos de Cultura Contemporânea Desenvolvimento - Quais os principais projetos para o
Globalização para todos: taxação solidária
(Cedec) de São Paulo, Fundação de futuro imediato?
sobre os fluxos financeiros internacionais,
Economia e Estatística Siegfried Emanuel Crise financeira global: mudanças estrutu- Cintra - Os principais projetos procuram
Heuser (Porto Alegre), Departamento de rais e os impactos sobre os emergentes e o ampliar os conhecimentos – em comércio,
Relações Internacionais da Universidade Brasil, Uma longa transição: vinte anos de investimento, finanças, moedas, cooperação
Federal de Roraima (UFRR) e Associação transformação na Rússia e Traçando novos política e militar – sobre os países da América
Brasileira de Relações Internacionais (ABRI). rumos: o Brasil em um mundo multipolar. Latina, dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China
Temos ainda ampliado as conexões com e África do Sul) e do Sudeste Asiático (China,
diversas instituições internacionais, em Desenvolvimento - Que pesquisas atuais o senhor destacaria? Coreia do Sul, Indonésia, Malásia, Tailândia,
particular na América Latina, com destaque Cintra - Há cinco grandes projetos sendo Cingapura, Hong Kong, Taiwan, Filipinas,
para órgãos e instituições da Argentina, concluídos no segundo semestre de 2011. Índia, Japão). Procuramos também apro-
Paraguai, Peru e México. A Dinte também São eles: a) um panorama sobre o papel fundar os estudos sobre o papel da defesa
estabeleceu vínculos com instituições da desempenhado pela China nas relações na inserção internacional brasileira, com
China, da Coréia do Sul, da Inglaterra, do econômicas e políticas internacionais; b) destaque para o entendimento do complexo
Vietnã, além da Organização Mundial de um panorama sobre diferentes aspectos do industrial-militar, sobre a Cooperação Brasi-
Propriedade Intelectual e da Conferência processo de integração latino-americano; leira para o Desenvolvimento Internacional
das Nações Unidas para Comércio e c) experiências internacionais comparadas e sobre experiências comparadas em torno
Desenvolvimento (Unctad). sobre o processo de internacionalização da propriedade intelectual (Trips – acordo
de empresas (África do Sul, China, sobre aspectos dos direitos de propriedade
Desenvolvimento - Quais os focos centrais de pesquisa? Coréia do Sul, Espanha, Índia, Malásia intelectual relacionados ao comércio).

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 79


Diest: Pensando
o papel do Estado
brasileiro na
promoção do
desenvolvimento

João Viana
Diretoria de Estudos e Políticas do Estado,
das Instituições e da Democracia

À
Diest compete realizar e promover, Desenvolvimento - Quais os objetivos da Diest? Desenvolvimento - Como funciona a Diretoria?
de forma integrada às demais dire- Gomide - A Diest é uma das mais novas Gomide - Desde a sua criação, a Diest vem
torias e em conformidade com o diretorias do Ipea. Ela foi formalmente trabalhando na realização e difusão de
planejamento estratégico, estudos criada em março de 2010. Seu objetivo estudos e pesquisas que visam compre-
e pesquisas aplicadas em temas relacionados é realizar estudos e pesquisas ligadas à ender a dimensão político-institucional
ao fortalecimento do Estado, das Instituições estrutura, organização e funcionamento do desenvolvimento. O atual Plano de
e da Democracia, primordialmente voltados à do Estado brasileiro e de seus arranjos Trabalho da Diretoria está organizado
modernização e à melhoria da gestão pública. institucionais, bem como às relações em três linhas: Estado e Desenvolvimento,
O diretor, Alexandre de Ávila Gomide, entre o Estado e a sociedade, no que Democracia e Participação Social e Justiça
concedeu entrevista à Desafios do Desenvolvimento se refere às políticas para o desenvolvi- e Segurança Pública. Também está na
para contar melhor sobre os projetos da Diest. mento do País. Diest a coordenação-técnica do grupo de

80 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


trabalho sobre o federalismo brasileiro. Desenvolvimento - Quantos técnicos trabalham nela? brasileiro tem assumido na promoção do
Vamos incluir ainda novos temas de Gomide - A Diest é uma diretoria pequena, desenvolvimento nacional, no contexto do
pesquisa, como os da gestão e capacidade com uma equipe qualificada e altamente aprofundamento de nossa ordem democrática.
do Estado para formulação e execução de produtiva. Contamos atualmente com
políticas, do sistema político nacional, e do 19 técnicos da carreira de Planejamento Desenvolvimento - Em que situações os trabalhos
Direito e da regulação como instrumentos e Pesquisa do Ipea, além do quadro de da diretoria auxiliaram diretamente a ação ou a tomada de

de política pública. Preocupa-nos também bolsistas presenciais. decisões do governo?

avaliar em que medida os poderes Execu- Gomide - Fazemos assessoramento direto


Desenvolvimento - Quais as principais publicações da Diest? a várias áreas do governo federal, com
tivo, Legislativo e Judiciário têm avançado
Gomide - Destaco a trilogia República, destaque para a Presidência da Repú-
em sua atuação para o fortalecimento de
Democracia e Desenvolvimento, respecti- blica e ministérios setoriais, como o do
nossas instituições democráticas.
vamente, os volumes 1, 2 e 3 do livro 9 do Planejamento e da Justiça. Para dar um
Desenvolvimento - Que tipo de parcerias a Diest tem projeto Perspectivas do Desenvolvimento exemplo concreto, a Procuradoria Geral
estabelecido com universidades e outros centros de pesquisa? Brasileiro. Além disso, sete livros da série da Fazenda Nacional está refazendo o seu
Gomide - A Diest trabalha em articulação Diálogos para o Desenvolvimento. Vários de manual de procedimentos em função do
com uma rede de pesquisadores, por nossos trabalhos resultaram em Textos para resultado da pesquisa que realizamos
meio do Programa de Mobilização da Discussão e Relatórios de Pesquisa publicados sobre o custo unitário do processo de
Competência Nacional para Estudos sobre pelo Ipea. Ainda em 2011, lançaremos o execução fiscal da União.

o Desenvolvimento (Promob/Ipea), e em primeiro número do nosso periódico, o


Boletim de Análise Político-Institucional. Desenvolvimento - Quais os principais projetos para o
parceria com organizações governamen-
futuro imediato?
tais e da sociedade civil, na realização de
Desenvolvimento - Qual o foco principal de pesquisa? Gomide - Estamos trabalhando na formulação
pesquisas, debates e análises de políticas
Gomide - Nosso objeto de pesquisa são as de um projeto estruturante e integrador
públicas. Entre as organizações públicas
instituições, o Estado e seu aparelho admi- que visa enfrentar o desafio do desenvol-
com as quais mantemos cooperação técnica
nistrativo, bem como as relações entre o vimento nacional da perspectiva político-
destacam-se: a Secretaria Geral e a Secretaria
Estado, a sociedade e o mercado. Deve-se -institucional, ou seja, dos obstáculos que
de Relações Institucionais da Presidência
lembrar que Estado e mercado não são impedem o desenvolvimento do País em
da República, os conselhos nacionais de
entidades antagônicas, mas mutuamente sua acepção ampla. Sabemos que para o
Justiça e Segurança Pública, a Secretaria de
constitutivas. Nosso trabalho é orientado Estado poder atuar de forma efetiva sobre
Gestão do Ministério do Planejamento, a
para analisar se o país e suas instituições o processo de desenvolvimento ele deve
Procuradoria Geral da Fazenda Nacional
caminham na construção de um Estado possuir certo grau de autonomia em relação
e o Senado Federal. Entre as organizações aos interesses estabelecidos e considerável
democrático capaz de promover o desen-
da sociedade civil, o Cebrap, o Instituto capacidade, credibilidade e legitimidade
volvimento em sua acepção mais ampla.
Pólis, o Fórum Brasileiro de Segurança para poder formular e executar suas polí-
Pública, entre outras. Não podemos nos Desenvolvimento - Quais as principais pesquisas em ticas e programas. É também necessária a
esquecer da nossa parceria com a Frente desenvolvimento agora? existência de instituições aptas a construir
Nacional de Prefeitos. Com relação às Gomide - Neste ano temos cerca de 20 projetos consensos mínimos, coordenar atores
universidades, temos parcerias formali- em andamento, divididos nas três linhas já sociais para consecução de metas coletivas
zadas com núcleos de pesquisa na UFMG, mencionadas, além dos projetos integradores, e gerir conflitos de interesses. Mas não
UFRJ, UFSC e UnB. Estamos também em de cunho transversal. Podemos destacar existe receita única para isso acontecer. São
conversação com a Secretaria Especial do os projetos nas áreas da gestão pública, muitas as formas que as instituições podem
PAC, no Ministério do Planejamento, com da coordenação federativa de políticas, da tomar para promover o desenvolvimento.
a Secretaria de Direitos Humanos, com a representação política, da participação social, Queremos nos aprofundar nessas questões
Escola Nacional de Administração Pública do acesso à justiça e da segurança pública. e, assim, poder contribuir para a renovação
e com a Câmara dos Deputados, para a Tais projetos se articulam sob uma reflexão da ação estatal comprometida com o desen-
realização de trabalhos conjuntos. mais ampla do “novo” papel que o Estado volvimento brasileiro no século XXI.

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 81


conselheiro do
IPEA Carlos Lessa

O Brasil (ainda) precisa planejar

A
expressão “plano” esteve, assep- atuação discriminatória. Houve um presidente assim, o historicismo francês justificou a
ticamente, livre de qualquer chileno, Barros Lugo, que afirmou ser “muito França de Napoleão e seu esforço de amplifi-
viés ideológico, até que, após fácil” seu cargo, pois os problemas ou eram cação colonial. O Japão fez uma “reciclagem”,
a Revolução Comunista Sovié- auto-solucionáveis, ou não tinham solução preservando o xintoísmo e atribuindo ao
tica, foi utilizada como horizonte e guia e ele não tinha com o que se preocupar - e imperador – aceito como divino – o poder
político-econômico do Estado nacional. passou à história como nome de saboroso absoluto, implantador da Revolução Meiji.
Ali teve início a formulação do I Plano sanduíche local. A Rússia czarista aboliu a servidão e
Quinquenal Soviético e foi instalada uma fomentou, pelo Estado, a instalação de
equipe encarregada de planificar a trajetória núcleos industriais; o poder absoluto foi
A partir de 1980,
futura da União Soviética. A partir desse acionado em nome da preservação nacional
momento, as expressões “plano” e “planifi-
o Brasil mergulha russa. Entretanto, todos esses países,
cação” passaram a ser identificadas como o na mediocridade uma vez industrializados, abandonaram,
modo pelo qual o Estado socialista poderia macroeconômica. Há ideologicamente, seus discursos pró-
dispensar as regras do jogo capitalista e um repúdio ao sonho da -industrialização como projeto nacional e
atuar de forma organizada para a evolução industrialização nacional e passaram a defender, ideologicamente, os
da nova sociedade. princípios da economia liberal. Chutaram,
incorporamos o neologismo
Em sentido amplo, propor fazer um pragmaticamente, o andaime teórico
“globalização”, como versão
plano nacional e instalar um processo de anterior e, como potências, expandiram
planificação marcavam uma posição de
atualizada do neoliberalismo, cosmicamente suas ambições geopolíticas.
esquerda, e o debate ideológico passou a agora sob hegemonia A I Guerra Mundial desmoralizou o
repudiar essas expressões como sínteses ideológica do epicentro sonho da belle époque e deslocou o epicentro
de uma prática hostil ao capitalismo, que dos EUA industrial da Inglaterra para os EUA, que se
buscavam a transformação e o desenvol- converteram em campeões do livre-mercado.
vimento econômico de uma nova ordem A evolução da II Revolução Industrial, iniciada
social e política. Como é sabido, as industrializações antes da I Guerra Mundial, foi pontilhada
As imperfeições microeconômicas da nacionais que se sucederam à Revolução de desajustes monetários-fiscais que, como
economia de mercado já haviam sido mapeadas Industrial no século XIX haviam recusado tremores sísmicos, antecederam o terremoto
pela análise neoclássica. As visões teóricas de o corpo de princípios da economia liberal e macroeconômico da Grande Crise de 1929 e
um monopólio bilateral entre as relações do praticado reformas institucionais, operado mergulharam as potências nas preliminares
capital patronal e o trabalho assalariado já instrumentos discriminatórios, realizado de um segundo conflito mundial.
insinuavam ajustes institucionais em direção subsídios e investimentos e ampliado, prag- Do ponto de vista latinoamericano, o
ao que se denominou economia social de maticamente, o âmbito e a profundidade das sonho de uma economia industrializada
mercado. O receituário político-econômico políticas públicas. Cometeram heresias e tinha ficado circunscrito a escassos pensa-
da economia política clássica liberal inglesa praticaram pecados mortais para o liberalismo dores. Entretanto, a filosofia alemã hegeliana
e as derivações da teoria do equilíbrio geral de mercado. Contestaram, teoricamente, a e a economia nacional de List haviam
neoclássico haviam feito evoluir da ideia de capacidade da livre-economia de mercado de se instalado no espaço universitário. No
Estado gendarme, guardião de contratos e conduzi-los ao desenvolvimento industrial Brasil, houve a Escola de Recife; no Chile,
do livre jogo de mercado e decantado como e de fortalecimento geopolítico. Assim fez com dois ou três anos de diferença, foi
paradigma liberal à figura do Estado mínimo, a teoria da nacional economia sustentando impresso o livro de List. Após a I Guerra
com os mais reduzidos instrumentos de o projeto industrializante nacional alemão; Mundial, o romeno Manoilesco formulou a

82 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


teoria da “indústria nascente” e de “sistema a referência crítica, a visão ricardiana do flação e na desaceleração do crescimento.
industrial”; seu livro foi impresso no Brasil livre comércio liberal e da organização de A partir de 1980, o Brasil mergulha na
em 1931 (dois anos após sua edição em um plano de investimentos público-privado, mediocridade macroeconômica. Há um
romeno), por Roberto Simonsen, campeão substituindo a expressão “planificação” pelo repúdio ao sonho da industrialização
do projeto de industrialização e liderança neologismo político-econômico “programação”. nacional e incorporamos o neologismo
empresarial brasileira. “globalização”, como versão atualizada
A filosofia positivista sublinhava a ideia do neoliberalismo, agora sob hegemonia

7%
da sociologia como o ápice da engenharia ideológica do epicentro dos EUA. O Brasil
racional humana; teve enorme passagem passou a não discutir projeto nacional e
pela América Latina, no final do século afirmou que, se integrando à economia
XIX e décadas iniciais do século XX. O mundial, chegaria, à la Pangloss, ao melhor
sucesso do desenvolvimento decimonô- dos mundos possíveis.
nico da economia norteamericana já havia ao ano A vitória norteamericana na Guerra Fria,
gerado o discurso bolivariano, convocando com a queda do Muro de Berlin, marca a
foi o crescimento do PIB brasileiro entre o
a Iberoamérica a reproduzir a experiência período da defesa varguista da economia do hegemonia e a superimposição político-
das treze repúblicas. café até o projeto Brasil-potência -econômica do Consenso de Washington.
No Brasil, abandonamos a discussão de
desenvolvimento alternativo apoiado no
A II Guerra Mundial mercado interno e nos propusemos a ser
abriu caminho, O Brasil – que, com Getúlio Vargas, “celeiro do mundo” (apesar da fome dos
na América Latina, havia sido keynesiano antes de Keynes, brasileiros) e fornecedores de matérias primas
para a ideia de planificação que havia desenhado o sonho da indus- para as potências industrializadas e para a
nacional como modo trialização desde matrizes positivistas até China em industrialização. No entanto, a
a literatura infantil de Monteiro Lobato foi crise mundial iniciada em 2008 promete
de operar a política econômica,
quem apoiou, diplomaticamente, Prebish e vicissitudes que recolocarão o debate sobre
segundo uma trajetória de
a Cepal. A frustração com a não-inclusão o futuro brasileiro. Necessariamente, será a
crescimento e com vistas à do país no Plano Marshall leva o Brasil, nos ideia de planejar a reativação de um projeto
transformação estrutural da anos 1950, a praticar, pragmaticamente, nacional brasileiro. O Estado terá de ser
economia nacional do país infrações frontais ao neoliberalismo, ao reformado e reequipado com instrumentos
latinoamericano adotar, explicitamente, o Plano de Metas e de ação discriminatória, muitos dos quais
consagrar a industrialização e a urbanização abriu mão em nome da “integração compe-
como núcleos estratégicos de um projeto titiva” à globalização e de uma privatização
Entretanto, foi a II Guerra Mundial que nacional desenvolvimentista. desnacionalizante do sistema produtivo.
abriu caminho, na América Latina, para a Da defesa varguista da economia do
ideia de planificação nacional como modo café no “terremoto” de 1929, até o projeto
de operar a política econômica, segundo de Brasil-potência, o país fez crescer o PIB
uma trajetória de crescimento e com vistas em torno de 7% ao ano.
à transformação estrutural da economia Com a crise da dívida externa e a insta-
nacional do país latinoamericano. Com lação do Estado de Direito da Constituição Carlos Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento
temor da patrulha ideológica, a Cepal virou de 1988, houve um mergulho na hiperin- Econômico e Social (BNDES). É membro do Conselho de Orientação do Ipea.

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 83


conselheiro do
IPEA Candido Mendes

Planejamento nacional e consciência histórica

O
conceito de planejamento e sua Envolve a tarefa de alocabilidade de recursos novo, de par com o carreamento da iniciativa
vigência são a marca intrínseca e prioridades objetivamente definidas e privada para complementá-lo. Desenhava-se
do advento da racionalidade da geradoras intrínsecas da mudança. Tal o imperativo da inversão na infraestrutura,
ação pública e da organização implica, ao mesmo tempo, a garantia da sua a permitir o suporte da atividade produtiva
contemporânea do Estado como agente da sustentabilidade, no reenvio permanente do país na produção de energia, no avanço
mudança coletiva. Remete, por aí mesmo, destas interações, sob pena de regressões dos sistemas de transporte e comunicação
ao imperativo da modernidade, em que do processo, senão, inclusive, a própria e do reforço do parque industrial.
a realização do “bem comum” passa a se inversão dos seus rumos. O governo Quadros, não obstante o
referir ao processo social do nosso tempo. confronto político com seu antecessor,
E, dentro dele, à capacidade das nações manteve as alocações prioritárias no orça-
É com o governo
para maximizar as condições de vida de mento para a mudança, abrindo-se ao
Lula que o planejamento
suas populações. planejamento, a partir de seus imperativos
Em países como o Brasil a percepção
volta à tona, dentro regionais, tal como propôs, então, Celso
vem de par com a consciência do desen- do empenho global Furtado para a Sudene. A ideia ganharia a
volvimento e a réplica ao velho status quo, de ampliação maciça dimensão nacional sobre o próprio Celso,
todo subordinado à situação colonial e ao do nosso mercado interno, já como ministro dessa pasta, nos governos
regime de exploração-limite, em bem da com a crescente eliminação Goulart. A nova década, entretanto, retor-
prosperidade inteiramente extrínseca ao da marginalidade, o reforço naria à dominância externa da economia
território. Não é outro o “fato social total”, de que se liberara o governo Juscelino no
do intervencionismo do Estado
marcado pela maciça concentração da pós-guerra, do peso do mercado interno,
riqueza, redução da mobilidade e completa
e a primeira política efetiva, em nossos termos de troca.
expropriação do poder decisório da coleti- direta, de redistribuição de O governo militar, significativamente,
vidade. O status quo confrontava todo um renda, com vistas à expansão beneficiou-se de uma configuração autô-
progressismo e sua ideologia, apoiada na do poder de compra interno e noma dos atores de um estado de desen-
crença de um curso histórico que sempre ao fortalecimento dos setores volvimento, no destaque que o estamento
implicasse a melhoria coletiva. O desen- intermediários da nossa armado logrou, frente ao status quo da
volvimento é, exatamente, a réplica a este sociedade civil e sua dependência inter-
mobilidade social
“fato social total”, marcado pelo advento nacional. Despontaria uma tecnocracia,
da funcionalidade do regime e expresso assentada no planejamento estratégico na
pela política da mudança, na garantia da O despontar do imperativo da racionali- inspiração de Golbery do Couto e Silva,
desconcentração da renda, no advento dade na ação do Estado, entre nós, foi o da a pressupor a neutralidade de uma ação
generalizado da mobilidade coletiva e, consciência do desenvolvimento. Afirmou- racional de princípio, desprovida da agenda
sobretudo, da eliminação da marginalidade -se pela ação pública, a partir do aparelho de interesses em que todo o status quo se
extrema de segmentos inteiros da popu- público, contra a mantença generalizada do alinha numa democracia. O ministério
lação, de par com o advento da autodecisão status quo, e neste arranque da inércia, em de planejamento se emancipa dentro
democrática na sua vida política. termos de bem-estar e justiça coletiva. Surge, da máquina pública, no empenho dos
O planejamento, historicamente, pois, no governo Kubitschek, a partir do “Plano de ministros Delfim Neto, Roberto Campos
é indissociável deste intrínseco interven- Metas” e na ação conjunta de Lucas Lopes e e Mário Henrique Simonsen.
cionismo do Estado na sociedade para Roberto de Campos, na definição dos pontos O governo dos generais, retomando a
além da simples gestão da ordem pública. de ataque para este intervencionismo ex prioridade do mercado interno na desti-

84 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


nação dos resultados do nosso desempenho É com o governo Lula que o planejamento social, somando o subsídio econômico
econômico, permitia-se decisões drásticas, volta à tona, dentro do empenho global de aos antigos setores marginalizados à sua
fora dos condicionamentos externos ampliação maciça do nosso mercado interno, direta e forçosa integração na economia de
esperados, no implante da energia nuclear com a crescente eliminação da margina- serviços do país, a partir da educação e da
do país e no reforço da ação do Estado lidade, o reforço do intervencionismo do saúde. Depararíamos, numa diversificação
frente aos grandes consórcios privados, Estado e a primeira política efetiva, direta, acelerada do terciário, de par com a indução
no perfil internacional do mercado, na de redistribuição de renda, com vistas à de uma indústria de consumo, liberada do
última trintena do século. Marchávamos expansão do poder de compra interno e ao “efeito de demonstração”, que estruturava
para o dito Consenso de Washington, na o antigo dispêndio, num inevitável mime-
presunção do mais amplo e liberado circuito tismo da antiga concentração de riqueza de
O governo Fernando Henrique,
de capitais e investimentos. A redemocra- subdesenvolvimento.
no auge do Consenso de
tização, significativamente, empalidecia a A atuação dos ministérios do planejamento
vigência da ideia de planejamento, nesta
Washington e da ampla do governo Lula, a partir do comando de
torna à crença do dinamismo natural das liberação do mercado Paulo Bernardo, dava-se conta, ao mesmo
forças de produção e da melhor repartição internacional de trocas, tempo, da dificuldade que a Carta de 1988
de suas oportunidades. Esmaecia a ideia exprimiria os “anos criava para um planejamento centrado sobre
do planejamento, e o intervencionismo de ouro” do capitalismo do a específica política social. Com efeito,
público abandonava a visão de controle educação, saúde e habitação permaneceram
pós-guerra e das prioridades
global, por ações pontuais sobre a direta no plano das competências estaduais do
do mercado exportador, e na
dinâmica do capital e de sua orientação governo, risco constante de dispersão e
produtiva. Foi o que levou, por exemplo, o
tentativa de abolição, inclusive, do aparelhamento do dispêndio. A exigir,
governo Collor a identificar a ação econô- do monopólio da exploração possivelmente, uma reforma constitu-
mica pública ao confisco da poupança do petróleo. É com o governo cional, o grande horizonte do governo
privada, na justificativa de assegurar-lhe, Lula que o planejamento volta Dilma é, de vez, instaurar a política do
consequentemente, seu caminho ao processo à tona, dentro do empenho planejamento brasileiro como garantia do
de produção, mas numa diretriz tão ampla desenvolvimento sustentado, na conjunção
global de ampliação maciça
quanto indeterminada. da iniciativa federal das novas prioridades
do nosso mercado interno,
O governo Fernando Henrique, no auge do bem-estar coletivo com o imperativo
do Consenso de Washington e da ampla
com a crescente eliminação da de efetiva justiça social na repartição, de
liberação do mercado internacional de trocas, marginalidade, o reforço do logo, de seus benefícios.
exprimiria os “anos de ouro” do capitalismo intervencionismo do Estado
do pós-guerra e das prioridades do mercado
exportador, e na tentativa de abolição, inclusive,
do monopólio da exploração do petróleo. fortalecimento dos setores intermediários
Aceleraria o governo tucano, entretanto, a da nossa mobilidade social. O programa
garantia da aplicação produtiva dos recursos Bolsa Família seria o seu marco, caracte-
públicos na disciplina da nossa regulação, rizado pelas novas e ambiciosas diretrizes
contrariando o dispêndio público estéril e do desenvolvimento sustentado, a depender Candido Mendes é membro da Academia Brasileira de Letras e da Comissão
favorecendo o incentivo fiscal generalizado da interação, ao mesmo tempo, entre o de Justiça e Paz e presidente do “senior Board” do Conselho Internacional de
Ciências Sociais da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação,
à produção. aumento do produto e a diversificação a Ciência e a Cultura). É também membro do Conselho de Orientação do Ipea.

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 85


conselheiro do
IPEA Pedro Demo

Mito do aumento de aula

A
peça-chave da escola e mesmo Há uma confusao A Tabela 1, no entanto, poderia sugerir que
da universidade é a “aula”. nacional entre aula e aumentar aula não faz sentido, pelo menos por
Em especial, seus professores duas razões: i) na série histórica, a tendência
aprendizagem. Quando se
creem que o estudante aprende de queda do desempenho escolar é marcante,
escutando aula, e nisto são seguidos pelos
valoriza a escola de tempo bastando comparar o ponto inicial (1995) com
pais. Em greves, suspendem-se as aulas, integral, e quase automático o final (2009): com exceção da 4ª série em
postulando que é a perda mais fatal. A nova que se aponte como vantagem matemática, todos os outros casos mostram
LDB (1996/2010) de 1996, aumentou os maior um tempo maior de resultados inferiores aos de 1995; ii) em 1999
dias letivos para duzentos anuais: “A carga aula. Em Singapura, o lema e ocorreu a maior queda no desempenho, de
horária mínima anual será de oitocentas teach less, learn more: a escola modo espetacular: em língua portuguesa ficou
horas, distribuídas por um mínimo de entre 15 e 17 pontos; em matemática foi menor,
é lugar de aprendizagem, do
duzentos dias de efetivo trabalho escolar, mas também significativa. Os duzentos dias
excluído o tempo reservado aos exames
professor e do estudante.
de aula entraram em vigor em 1997, mas não
finais, quando houver” (Art. 24-I). Fala-se Aula pode acontecer desde aconteceu nada de perceptível naturalmente,
de “efetivo trabalho escolar”, que é logo que sirva para aprimorar surgindo impacto danoso em 1999.
entendido como aula, tanto assim que cursos a qualidade da Podemos apontar muitas razões para tal
e semanas pedagógicas não são aceitos, aprendizagem queda, entre elas que a entrada de novos
ainda que no Art. 67-V conste como parte alunos (em geral mais pobres) teria compro-
da valorização docente: “período reservado metido o desempenho. Creio que seja razão
a estudos, planejamento e avaliação, incluído Aumentamos o ensino fundamental para pertinente, mas não a ponto de induzir um
na carta de trabalho”. nove anos, em grande parte para dar mais tombo dessas proporções. Minha hipótese
Num livro publicado em 1997 sobre a aula. Quando se valoriza a escola de tempo é que o aumento de aula implicou estragos
Nova LDB (Demo, 1997) – na 23ª edição em integral, é quase automático que se aponte notáveis no desempenho, primeiro, porque,
2011 – coloquei como subtítulo “Ranços e como vantagem maior um tempo maior nesta série histórica, não se notou jamais
avanços”, porque, ao lado de novos horizontes, de aula. Agora o MEC reaparece com a qualquer efeito positivo do aumento de aula,
persistiram muitas velharias, entre elas a proposta de aumentar, de novo, o ano letivo e, segundo, porque, sendo aula em geral um
confusão nacional de aula com aprendizagem. para 220 dias. procedimento de marcante mediocridade

Tabela 1: Média de Proficiência em Língua Portuguesa/Matemática – Saeb/Ideb Brasil - 1995-2009


Anos 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009

4a série EF 188,3 -1.8 -15.8 -5.6 4.3 2.9 3.5 8.5(184.3)


L 8 série EF
a
256,1 -6.1 -17.1 2.3 -3.2 -0.1 2.8 9.4(244.0)

P 3a série EM 290,0 -6.1 -17.3 -4.3 4.4 -9.1 3.8 7.4(268.8)

4 série EF
a 190,6 0.2 -9.8 -4.7 0.8 5.3 11.1 10.8(204.3)

M 8a série EF 253,2 -3.2 -3.6 -3.0 1.6 -5.5 7.9 1.3(248.7)

3 série EM
a 281,9 6.8 -8.4 -3.6 2.0 -7.4 1.6 1.8(274.7)

Fonte: Inep:Saeb/Ideb. EF = Ensino Fundamental. EM = Ensino Médio. LP - Língua portuguesa; M - Matemática. Média adequada para a 4ª série: 200 pontos; para a 8ª série: 300 pontos; para a 3ª série do ensino médio: 350 pontos.

86 Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial


Tabela 2. Séries Iniciais e Finais do Ensino Fundamental, e do Ensino Médio. Ideb
Séries Iniciais (Fundamental) Séries Finais (Fundamental) Ensino Médio
IDEB 2005 2007 2009 2005 2007 2009 2005 2007 2009
Total 3,8 4,2 4,6 3,5 3,8 4,0 3,4 3,5 3,6
Pública 3,6 4,0 4,4 3,2 3,5 3,7 3,1 3,2 3,4
Estadual 3,9 4,3 4,9 3,3 3,6 3,8 3,2 3,4 3,1
Municipal 3,4 4,0 4,4 3,1 3,4 3,6 2,9 3,2 -
Privada 5,9 6,0 6,4 5,8 5,8 5,9 5,6 5,6 5,6
Fonte: Inep/Ideb.

escolar, seu aumento acarreta uma piora sistema privado tendencialmente não pratica tomada. À revelia dos dados, não percebemos
no desempenho. É difícil de engolir, mas os promoção automática, já tem um “sistema de que o sistema vigente de ensino caducou.
dados “insinuam” algo nesta direção. De modo ensino” ao estilo de testes estandardizados e Em Singapura (Darling-Hammond, 2010),
geral, esta tabela sugere que, se mantivermos aprecia ostensivamente aula, a estagnação o lema é teach less, learn more: a escola é
na escola a mesma aula, não há salvação: o verificada no ensino médio sugere que aula lugar de aprendizagem, do professor e do
tom de queda ou de difícil recuperação é sobra, enquanto aprendizagem não comparece. estudante. Aula pode acontecer – embora
notável. Como qualquer “evidência empírica” como expediente apenas supletivo – desde
é naturalmente reducionista e ambígua, não O aumento de que sirva para aprimorar a qualidade
podemos forçar os dados, razão pela qual da aprendizagem. Precisamos de outro
aula implicou estragos
não afirmo categoricamente que o aumento sistema escolar.
notáveis no desempenho,
de aula atrapalha o desempenho escolar.
Estou sugerindo uma hipótese de trabalho,
primeiro, porque, nesta
aliás muito instigante e que tem algum apoio série histórica, não se notou
empírico, em especial na queda momentosa jamais qualquer efeito Referências
em língua portuguesa. positivo do aumento de aula, AU, W. Unequal by Design – High-stakes
Na Tabela 2, vemos dados do Ideb para três e, segundo, porque, sendo testing and the standardization of inequality.
pontos no tempo e que poderiam ser inter- London, Routledge, 2009.
aula em geral um
pretados nessa mesma direção. Observando DARLING-HAMMOND, L. The Flat World
procedimento de marcante
o desempenho privado, no ensino médio and Education – How America’s commitment
constata-se uma estagnação flagrante, sem
mediocridade escolar, to equity will determine our future. London,
falar que, em 2009, houve uma queda no nível seu aumento acarreta uma Teachers College Press, 2010.
estadual público. No sistema público, as cifras piora no desempenho. DEMO, P. A Nova LDB – Ranços e avanços.
se movimentam, ainda que lentamente, mas É difícil de engolir, mas Campinas, Papirus, 1997.
pesam sobre elas inúmeras suspeitas. Elas vão os dados “insinuam” algo LDB. 1996/2010. http://bd.camara.gov.br/
desde a facilitação crescente dos testes, a pressão bd/bitstream/handle/bdcamara/2762/
nesta direção
sobre a escola para ensinar, no ano do teste, ldb_5ed.pdf.
só para o teste (existe uma grita internacional
contra isso) (Au, 2009) e mesmo o acober- Não há objeção ao aumento do tempo
Pedro Demo é professor titular aposentado e professor emérito da Universidade de
tamento da promoção automática. Como o de aprendizagem. Mas não é esta a direção Brasília (UnB) e membro do Conselho de Orientação do Ipea.

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conselheiro do
IPEA Dércio Garcia Munhoz

A Europa se endividou para salvar os bancos

A
s economias europeias passaram, justamente economias endividadas, como os preços tenham crescido mais. Não há
nas últimas décadas e desde a todas, e também as mais frágeis – Grécia, possibilidade – num sistema de moeda única
criação do Mercado Comum Itália, Portugal e Espanha, as chamadas – de compensação dos diferenciais de preços
Europeu, com o Tratado de PIGS. Todas, à exceção da Espanha, com a através do realinhamento do câmbio, como
Roma de 1961, por diferentes momentos e dívida do setor público superando 100,0% normalmente se procuraria fazer.
diferentes experiências, indo do mais fundo do PIB, em 2010. Seria cínico, por outro lado – e mesmo
das preocupações a auges de euforia. O Os problemas que põem em risco a sobre- fantasioso – dizer, como o fazem agora os
pessimismo surgiu, por exemplo, quando vivência do Euro têm como origem, no caso países ricos da Europa, o Banco Central
da crise do dólar de 1971-73, que esfacelou dos PIGS, paradoxalmente, a própria moeda Europeu (BCB) e os ávidos banqueiros, em
o sistema de paridades cambiais fixas de única. Ela surgiu como instrumento para relação aos parceiros PIGS, que o problema
Bretton Woods, ou com a crise finan- reforçar a integração econômica e ampliar se resolve simplesmente levando-se o país à
ceira de 1992, logo após o lançamento da o seu aspecto político. recessão – com mais juros, mais impostos,
futura União Monetária. E as esperanças menos gastos públicos, no melhor estilo dos
se renovaram por ocasião do Ato Único clássicos enlatados do FMI. Assim, com
As agruras que afligem
Europeu de 1986, que alargavam as bases maior desemprego, recuariam os salários e
da integração europeia, ou quando, com a União Europeia não são os preços internos, invertendo-se a posição
o Tratado de Maastricht de 1991, surgia a conjunturais ou episódicas. de moeda valorizada, mesmo negando
União Europeia, incorporando uma visão Diferentemente, existem todos os postulados da União Europeia.
política mais profunda e abrindo caminho questões estruturais, A realidade é que há diferenças cres-
para a moeda única. amenizadas em períodos centes nas taxas de inflação dentro da
Agora novamente a Europa, depois de se Zona do Euro, em desfavor das economias
de prosperidade, mas
alargar na direção das fronteiras da Rússia de menor porte. Em relação a 1998 – base
que vêm se agravando
e de festejar talvez precocemente um boom de comparação pós-Euro – e até 2010, os
imobiliário, reencontra um campo de incer-
desde que a crise do subprime preços (Deflator Implícito do Produto)
tezas, mal completada a primeira década da se alastrou na economia cresceram 10,9% na Alemanha e 22% na
nova União Econômica e Monetária, que mundial, ficando a salvo França, os carros-chefe da União Europeia.
deu vida ao Banco Central Europeu e ao talvez apenas a notável Os percentuais foram bem mais elevados
esperado Euro. máquina chinesa nos países que enfrentam dificuldades no
As agruras que afligem a União Europeia financiamento da dívida pública: 31,5%
não são conjunturais ou episódicas. Dife- na Itália, 35,6% em Portugal, 42,4% na
rentemente, existem questões estruturais, A questão fundamental é que um sistema Grécia e 45,9% na Espanha. O que, de fato,
amenizadas em períodos de prosperidade, de moeda única representa, de fato, o mesmo tem o mesmo sentido de uma valorização
mas que vêm se agravando desde que a que um sistema de paridades cambiais fixas implícita de suas moedas frente aos demais
crise do subprime se alastrou na economia – rigidamente fixas, no caso. E taxas fixas só parceiros da zona, e ainda mais intensa em
mundial, ficando a salvo talvez apenas a podem subsistir com: (a) inflação zero em relação a moedas que ao longo do tempo
notável máquina chinesa. todas as economias da área, ou (b) taxas de se desvalorizavam frente ao Euro, como o
Na análise das dificuldades que para- inflação iguais nos diferentes países. Pois caso do Dólar americano.
lisam as economias europeias – e com qualquer situação diferente tem o sentido Não surpreende, portanto, que aqueles
maior rigor os países da Zona do Euro – de uma valorização (ou desvalorização) países com preços mais instáveis venham
percebe-se que no centro do furacão estão da moeda do país – ou dos países – onde acumulando elevados déficits externos,

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Um sistema de moeda O nOvO tsunAmi que põe em riscO A ecOnOmiA enfraquecem ainda mais as economias fracas,

única representa o mesmo eurOpeiA Os problemas mais recentes, ligados empurrando-as para a moratória. Como
aos riscos de inadimplência dos PIGS – que fizeram FMI, bancos e governo americano
que um sistema de paridades
já chamusca as finanças da Grécia, estão em relação ao Brasil e outros devedores nos
cambiais fixas. E taxas fixas
mais para uma ópera-bufa. Os governos de anos 1980.
só podem subsistir com praticamente toda a OCDE aumentaram a
inflação zero em todas as dívida pública num total próximo de US$
Descartando a hipótese
economias da área, ou com 10 trilhões apenas no triênio 2008-2010,
mais plausível de que
taxas de inlação iguais nos porque tiveram de lançar fortunas em suporte
os seus bancos, evitando um caótico efeito
a maior inflação decorre
diferentes países. Qualquer
dominó. As economias mais fracas da zona de questões estruturais, as
situação diferente tem o
do Euro, agora no cadafalso – e que vinham economias mais fracas ficam
sentido de uma valorização (ou
sob pressão contínua de
desvalorização) da
restrições ditadas pelo Banco
moeda do país

10
Central Europeu, que travam
os países sob o pressuposto
de que são excessos de gastos
especialmente no caso de Grécia e Portugal, governamentais que provocam
nos quais o somatório de saldos negativos trilhões desequilíbrios e comprometem
em Contas Correntes no triênio 2008-2010
É o aumento da dívida pública dos países as metas de inflação fixadas
foi equivalente a algo como um terço do
da OCDE entre 2008 e 2010, motivado pelo para a Zona do Euro
PIB (BIRD, www.databank.worldbank). E socorro dos governos aos bancos
pior é que, descartando a hipótese mais
plausível de que a maior inflação decorre A solução, e ainda é tempo, é reduzir
de questões estruturais, as economias parte da dívida. Os bancos terão de assumir
reduzindo o peso relativo da dívida pública
perdas, trabalhar com taxas de juros fixas
mais fracas ficam sob pressão continua
ano a ano – fizeram o mesmo, abandonando civilizadas e alongar os prazos para o paga-
de restrições ditadas pelo Banco Central
o caminho do controle das finanças para mento do remanescente das dívidas. Estas
Europeu, que travam os países sob o salvar os bancos. Nada diferente da ação estão representadas por títulos comprados
pressuposto de que são excessos de gastos dos governos dos Estados Unidos, Reino ou garantidos pelo BCB e os Fundos de
governamentais que provocam desequilí- Unido, Japão, França ou Alemanha. Todos Financiamento em gestação. O resto é
brios e comprometem as metas de inflação se complicando porque a crise econômica ilusão. Inclusive quanto à possibilidade
fixadas para a Zona do Euro. fez recuar o PIB. Sofrem ainda, no caso dos de se manter sob o falso guarda-chuva do
É a maldição da Síndrome do Euro – um PIGS, com a alta dos juros, provocando, Euro países que a moeda única agride e
regime cambial arcaico que se supunha com o duplo efeito, deterioração dos indi- inviabiliza como exportadores e produtores
varrido, antes pelo esquema de Bretton cadores Divida/PIB no pós-2008. para o próprio mercado.
Woods, e posteriormente, a partir de 1979, A estratégia atual escolhida pelos líderes
pelos sábios critérios de paridades reajustáveis da União Europeia é perigosa. Além de não Dércio Garcia munhoz, economista, professor titular do Departamento de
Economia da UnB até 1996. Ex-presidente do Conselho Federal de Economia e do
do Sistema Monetário Europeu. contribuir para a superação do impasse, Conselho Nacional da Previdência Social. É membro do Conselho Orientador do Ipea.

Desenvolvimento • 2011 • Ano 8 • nº 69 • Edição Especial 89


artigo antonio Semeraro rito Cardoso

Ouvidoria do Ipea:
valorizando a cidadania e o processo
de democratização da sociedade

A
Ouvidoria do Ipea foi instituída um mandato e regras rígidas em caso de seu à presidência do Instituto, conferindo-lhe
em 2004, com o intuito de propi- afastamento, o qual somente poderá ocorrer maior estabilidade. Assim, em 29 de março
ciar ao cidadão um instrumento mediante decisão da diretoria, respaldada por de 2010 foi assinado o Decreto no 7.142, que
de defesa de seus direitos, por termo de justificação aprovado, após exame inclui a Ouvidoria no estatuto da instituição.
meio de um canal direto de comunicação e deliberação majoritária por uma comissão No que se refere aos resultados, ao longo
com o núcleo gestor. Dessa forma, procura especial. Esta será composta de um diretor de do período de 2004 a 2010, a Ouvidoria do
também aumentar o controle social das unidade técnica indicado pelo presidente, que Ipea recebeu 1.803 manifestações. Registrou-
atividades desenvolvidas pelo Instituto, a a presidirá, um servidor de cada diretoria eleito -se que a maior procura da Ouvidoria pelos
fim de subsidiar o processo de avaliação de pela totalidade dos servidores, um diretor e um usuários são as informações institucionais
desempenho e o cumprimento da sua missão. conselheiro, ambos indicados pelo Conselho relacionadas à atividade de pesquisa, tais
Nesse diapasão, a Ouvidoria busca integrar Deliberativo da Associação de Funcionários do como metodologias utilizadas em estudos,
e responsabilizar suas unidades de gestão ante Ipea (Afipea). Este arranjo normativo assegura bancos de dados, publicações, entre outras,
seus públicos-alvo, estimulando-as na busca plena autonomia às atividades do ouvidor. representando 57% das manifestações. Críticas
permanente de eficiência, eficácia e efetividade Nessa linha, é garantido o sigilo quanto e reclamações aparecem em segundo lugar,
de seus produtos e serviços, transformando-se, à autoria da manifestação quando expressa- com 21%, com maior incidência nos anos
assim, em ferramenta de melhoria de gestão. mente solicitado ou quando tal providência se de 2008 e 2009.
Para atingir sua missão a Ouvidoria do Ipea fizer necessária. É assegurado ao ouvidor, no O grau de resolubilidade da Ouvidoria
tem como principais competências receber, exercício de sua função, autonomia e indepen- do Ipea é elevado, o que se evidencia pela

apurar e dar encaminhamento a pedidos de dência de ação, sendo-lhe franqueado acesso pesquisa de satisfação do usuário dos seus

informações, reclamações, denúncias, críticas, serviços, iniciada em 2007. No que se refere à


livre a qualquer dependência ou servidor da
qualidade no atendimento dos serviços pres-
sugestões e elogios feitos por cidadãos e servi- instituição, bem como a informações, registros,
tados ao longo de quatro anos de avaliação,
dores; assegurar direito de resposta às demandas processos e documentos de qualquer natureza
a soma das pontuações excelente e boa ficou
interpostas, informando seus autores sobre as que, a seu exclusivo juízo, repute necessários
acima de 85%, tendo atingido 90% em 2010.
providências adotadas; e propor a edição, alteração ao pleno exercício de suas atribuições. Por
Finalmente, a Ouvidoria do Ipea não só tem
ou revogação de ato normativo, objetivando o fim, é dever dos dirigentes e servidores da
buscado compartilhar suas experiências com
aprimoramento técnico ou administrativo e o instituição atender, com presteza, pedidos de
outras ouvidorias, mas também contribuído
bom funcionamento da instituição. informação ou requisições formuladas pela
agregando valor a este universo. Assim, criou,
Objetivando garantir o bom desempenho Ouvidoria, observando-se que os pedidos
no seu portal na internet, o Espaço Acadêmico,
das competências atribuídas à Ouvidoria, de informação ou requisições deverão ser
com o objetivo de divulgar trabalhos acadêmicos
foram estabelecidas, na instrução normativa atendidos em até dez dias úteis, prorrogá-
sobre o tema, e encontra-se em construção
da sua criação, regras de funcionamento veis por mais cinco, mediante justificativa
uma rede de ouvidorias por intermédio de
(http://www.ipea.gov.br/ouvidoria), sendo as circunstanciada apresentada ao ouvidor.
ambiente de colaboração virtual.
principais aquelas que garantem autonomia Vale lembrar que outro importante espaço
às suas atividades. Dessa forma, vale citar, de reforço de autonomia da Ouvidoria, conquis-
em primeiro lugar, que o ouvidor é escolhido tado em 2010, foi sua inclusão no Estatuto Antonio Semeraro Rito Cardoso, é técnico de planejamento e pesquisa
da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das instituições e da Democracia
por uma diretoria colegiada, e assegurado do Ipea como órgão seccional vinculado (Diest) do ipea e ex-ouvidor do instituto.

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humanizando o
DESENVOLVIMENTO

Katharine Vincent

ParticiPantes de um Projeto de microcrédito – a proprietária desta tenda no mercado de Harare, capital do Zimbábue, é vista com
os membros de um projeto de microcrédito. o grupo foi criado no âmbito de um programa que visa reduzir a vulnerabilidade da população
economicamente ativa do país através de incentivos de vários tipos. eles recebem formação sobre como configurar e gerenciar um
empreendimento e contribuem semanalmente com um fundo coletivo que redistribui o montante arrecadado em parcelas fixas para cada
um. estes jovens empreendedores relatam ser agora possível alugar um espaço maior para a tenda e se integrarem economicamente às
suas comunidade.

Como você vê o desenvolvimento? Como cear as imagens frequentes que mostram suas histórias, e compartilharam sonhos e
retratar uma face humana do desenvolvi- desolação e desespero. Uma galeria de desafios. Nós agradecemos as instituições
mento? Como os programas e iniciativas fotos será permanentemente localizada parceiras e membros do Comitê de Seleção por
do desenvolvimento melhoram a vida das no escritório do IPC e será aberta para suas contribuições para a campanha. Todos
pessoas? A Campanha Mundial de Foto- visitação pública. Uma série de exposições vocês tornaram a campanha uma realidade
grafia Humanizando o Desenvolvimento fotográficas também será organizada em e nos ajudaram a destacar e promover o
busca mostrar e promover exemplos de diversas cidades ao redor do mundo. desenvolvimento através de novas lentes.
pessoas vencendo a luta contra a pobreza, Nós temos o prazer de anunciar as 50 fotos Parabéns aos participantes.
Ian Terney
a marginalização e a exclusão social. selecionadas pela campanha. Gostaríamos
Chamando-se a atenção para os sucessos de agradecer aos participantes de mais de
obtidos, a campanha pretende contrabalan- 100 países que nos enviaram suas fotos e

Visite o site e veja algumas das fotografias da campanha: http://www.ipc-undp.org/photo/

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