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EDUCAÇÃO DO CAMPO:

AS INTERFACES ENTRE
DIFERENTES CONTEXTOS,
SUJEITOS E TERRITÓRIOS
Elmo de Souza Lima
Keylla Rejane Almeida Melo
Organização

EDUCAÇÃO DO CAMPO:
AS INTERFACES ENTRE
DIFERENTES CONTEXTOS,
SUJEITOS E TERRITÓRIOS

2020
Conselho Editorial
Dr. Clívio Pimentel Júnior - UFOB (BA)
Dra. Edméa Santos - UFRRJ (RJ)
Dr. Valdriano Ferreira do Nascimento - UECE (CE)
Drª. Ana Lúcia Gomes da Silva - UNEB (BA)
Drª. Eliana de Souza Alencar Marques - UFPI (PI)
Dr. Francisco Antonio Machado Araujo – UFDPar (PI)
Drª. Marta Gouveia de Oliveira Rovai – UNIFAL (MG)
Dr. Raimundo Dutra de Araujo – UESPI (PI)
Dr. Raimundo Nonato Moura Oliveira - UEMA (MA)
Dra. Antonia Almeida Silva - UEFS (BA)

EDUCAÇÃO DO CAMPO: as interfaces entre diferentes contextos,


sujeitos e territórios
© Elmo de Souza Lima - Keylla Rejane Almeida Melo
1ª edição: 2020

Editoração
Acadêmica Editorial
Diagramação
Danilo Silva
Capa
Acadêmica Editorial
Reprodução e Distribuição
CAJU: Educação, Tecnologia e Editora

Ficha Catalográfica elaborada de acordo com os padrões estabelecidos no


Código de Catalogação Anglo – Americano (AACR2)

E21 Educação do campo: as interfaces entre diferentes contextos, sujeitos


e territórios / Elmo de Souza Lima, Keylla Rejane Almeida Melo,
organizadores. – Parnaíba, PI: Acadêmica Editorial, 2020.
E-book.

ISBN: 978-65-88307-22-9

1. Educação. 2. Educação do campo. 3. Práticas educativas.


I. Lima, Elmo de Souza (Org.). II. Melo, Keylla Rejane Almeida (Org.).
III. Título.

CDD: 371.04

Bibliotecária Responsável:
Nayla Kedma de Carvalho Santos – CRB 3ª Região/1188

DOI: 10.29327/522732
Link de acesso: https://doi.org/10.29327/522732
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .............................................................. 9
PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR:
DIÁLOGOS POSSÍVEIS ..................................................... 17
Elson Silva Sousa
Elmo de Souza Lima
EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO:
ALTERNATIVAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS QUE
PERMEIAM A PRÁTICA EDUCATIVA DA ECOESCOLA
THOMAS A KEMPIS ........................................................ 49
Patrícia da Conceição Lima Torres
Elmo de Souza Lima
PRÁTICAS EDUCATIVAS NAS ESCOLAS DO CAMPO:
FOMENTANDO O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE CAMPONESA DOS/AS EDUCANDOS/AS ....
....75
75
Maria Sueleuda Pereira da Silva
OS PRINCÍPIOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS
QUE NORTEIAM AS PRÁTICAS EDUCATIVAS NOS
ASSENTAMENTOS DO MST ............................................ 99
Lorena Raquel de Alencar Sales de Morais
Elmo de Souza Lima
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E ADAPTAÇÕES
CURRICULARES PARA ALUNOS COM TRANSTORNO
DO ESPECTRO AUTISTA EM ESCOLAS DO CAMPO DO
PIAUÍ .............................................................................. 129
Keyla Cristina da Silva Machado
DIÁLOGOS COM CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL
EM ESCOLA DO/NO CAMPO........................................... 153
Keylla Rejane Almeida Melo
Iara Vieira Guimarães
PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E OS SABERES DO
COTIDIANO DO CAMPO ................................................ 183
Maria Raquel Barros Lima
Carmen Lúcia de Oliveira Cabral
Luana Vieira de Sousa
RESSIGNIFICAÇÃO DE SABERES E PRÁTICAS
EDUCATIVAS NO SEMIÁRIDO POTIGUAR A PARTIR DA
LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO
CAMPO DA UFERSA .......................................................203
....................................................... 203
Linconly Jesus Alencar Pereira
Maria do Socorro Xavier Batista
Luciélio Marinho da Costa
OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO EM UMA LICENCIATURA
EM EDUCAÇÃO DO CAMPO: A AVALIAÇÃO DOS
EDUCANDOS, MONITORES DE ESCOLAS FAMÍLIA
AGRÍCOLA .....................................................................235
..................................................................... 235
Diego Gonzaga Duarte da Silva
Lourdes Helena da Silva
Élida Lopes Miranda
O PRONERA NO ESTADO DO PIAUÍ: UMA ANÁLISE A
PARTIR DA II PESQUISA NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA
REFORMA AGRÁRIA (PNERA) ....................................... 257
Jullyane Frazão Santana
Maria Clara de Sousa Costa
Marli Clementino Gonçalves
SOBRE O(A)S AUTORE(A)S ............................................. 277
ÍNDICE REMISSIVO .......................................................287
....................................................... 287
8
APRESENTAÇÃO
“...porque a vida é mutirão de todos,
por todos remexida e temperada”
Guimaraes Rosa

Caro leitor e cara leitora,


Com alegria, temos o prazer de apresentar o
livro Educação do Campo: as interfaces entre diferentes
contextos, sujeitos e territórios, organizado pelos
professores Elmo de Souza Lima e Keylla Rejane Almeida
Melo, como resultado das pesquisas de mestrandos/
as e doutorandos/as de Núcleo de Estudos e Pesquisas
em Educação do Campo (Nupecampo) da UFPI, num
diálogo com pesquisadoras e pesquisadores de outras
Instituições de Ensino Superior vinculados aos estudos,
pesquisa e militância na Educação do Campo e Educação
Contextualizada.
Em tempos de ataques à Educação Pública
e aos sujeitos e territórios campesinos, indígenas e
quilombolas, as várias formas de ação educativa e
política não podem prescindir do conhecimento crítico
que contribui para visibilizar o que foi escondido e
negado durante décadas – o direito destes sujeitos a uma

APRESENTAÇÃO
9
educação contextualizada na sua vida, no seu trabalho,
na sua cultura – e, principalmente, como nos diz Paulo
Freire, uma formação humana e emancipadora.
Os artigos reunidos nesta publicação provêm
de uma variedade de práticas sociais e educativas que
colocaram em diálogo o ensino superior e a educação
básica, a partir do olhar investigador de sujeitos
comprometidos e vinculados às lutas, organizações
e práticas educativas que geraram questionamentos,
curiosidades e saberes de um fazer político e educacional
que foi “sendo aprendido no caminho”, na interação
com os diversos sujeitos da Educação do Campo e das
contradições existentes nos seus contextos sociais,
econômicos e políticos. Principalmente, no momento
atual no qual o sistema capital se torna tão violento no
aniquilamento de direitos e expropriação do trabalho
humano, dentre estes o trabalho docente.
Estes são alguns dos embates teóricos e políticos
que estão postos para a produção do conhecimento
em Educação do Campo. Neste caso, a identificação
e o compromisso com o Movimento da Educação do
Campo, dos autores e autoras, somente contribuiu para
uma construção teórica, que buscou situar no tempo
e no espaço, os diversos objetos estudados, que foram
apresentando as singularidades de cada experiência
educativa a partir do contexto da convivência com o
semiárido, da educação na reforma agrária, na vivência
da alternância e nas questões postas com a chegada das
camponesas e camponeses na Universidade.

EDUCAÇÃO DO CAMPO:
10 as interfaces entre diferentes contextos, sujeitos e territórios
Elmo de Souza Lima e Elson Silva Sousa abrem
a coletânea com um artigo no qual argumentam sobre
os possíveis diálogos entre a Pedagogia da Alternância
e a Educação Popular, com o acesso dos camponeses à
educação. Para isto, remontam a história da Educação
Rural e da Educação do Campo, utilizando a belíssima
metáfora “o joio e o trigo” para caracterizar cada
paradigma. Ao situarem o surgimento da Pedagogia
da Alternância, na França, e sua chegada ao Brasil,
na década de 1960, período histórico que também se
constituía a Educação Popular, evidenciam como esta
trouxe mudanças na prática da alternância, e como
estas duas matrizes vão contribuir para década de 1990
se constituir o Movimento da Educação do Campo, com
sua ênfase numa práxis que articule tempos, espaços
e saberes populares e escolares de forma crítica e
emancipadora.
Patrícia da Conceição e Elmo de Sousa Lima
nos apresentam no artigo seguinte, uma pesquisa
realizada com professores/as, estudantes e gestores da
Ecoescola Thomas a Kempis, localizada no Município
de Pedro II, no Piauí. E de como os fundamentos da
Convivência com o Semiárido e da Agroecologia têm
possibilitado formulações teóricas e metodológicas, que
tomam as vivências campesinas para organização de
um trabalho pedagógico interdisciplinar e crítico entre
docentes, discentes e comunidade, fortalecendo a auto-
organização e o trabalho coletivo na escola.
Maria Sueleuda Pereira da Silva convida-nos
a refletir sobre como os territórios camponeses, com
seus símbolos, saberes e lutas, podem fomentar nas

APRESENTAÇÃO
11
práticas educativas processos de afirmação identitária
desta população e, consequentemente, contribuir
para a formação dos/as educadores/as do campo e
para que os/as educandos/as possam internalizar as
especificidades e singularidades dos seus contextos,
valores e as contradições sociais e econômicas, bem
como compreender as mudanças e permanências que
simultaneamente acontecem no campo.
A pesquisa de Mestrado em Educação realizada
por Raquel de Alencar Sales de Morais e Elmo de Souza
Lima buscou refletir sobre as contradições enfrentadas
pelos/as educadores/as e movimentos sociais para
materialização dos princípios políticos e pedagógicos
defendidos para a educação nos assentamentos da
reforma agrária, pelo Movimento dos Trabalhadores/as
Sem Terra. A construção de um novo projeto social exige
muita luta e resistência contra as forças conservadoras
propagadas pelo capitalismo, visto que os contextos,
as demandas e as lutas sociais vivenciadas nos
assentamentos tornam-se referências importantes para
a organização do trabalho pedagógico na escola, o que
impõe uma permanente luta e resistência para assegurar
este direito e a sua proposta político-pedagógica.
A pesquisa documental e bibliográfica realizada
por Keyla Cristina da Silva Machado colocou-nos o desafio
de pensar a escola do campo a partir das singularidades
dos sujeitos sociais e dos direitos da educação inclusiva
conquistados na legislação. Dentre a diversidade das
deficiências, a autora destaca os alunos com transtorno
do espectro autista, os desafios que colocam para
as práticas pedagógicas e adaptações curriculares,

EDUCAÇÃO DO CAMPO:
12 as interfaces entre diferentes contextos, sujeitos e territórios
considerando a infraestrutura das escolas existentes
no campo, a precarização dos seus equipamentos,
mobiliários e materiais didáticos, bem como a formação
inicial e continuada dos docentes para uma prática
educativa com estes sujeitos.
Keylla Rejane Almeida Melo e Iara Vieira
Guimarães mostram-nos um diálogo construído com
crianças dos anos iniciais do ensino fundamental sobre
a oferta da educação infantil em escola no/do campo,
amparadas por uma análise documental da legislação
brasileira que trata dos direitos das crianças pequenas
à Educação Infantil. Esta pesquisa, que parte de um
trabalho de doutoramento, realizou-se com diferentes
procedimentos: grupos focais, fotografias, desenhos
produzidos por 20 crianças com idades que entre 08
e 10 anos, escuta de suas narrativas com o objetivo de
compreender a necessidade de (re) organização dos
espaços/tempos educativos de escolas do campo para o
atendimento às crianças pequenas. A fragilidade no que
se refere às três dimensões do cotidiano escolar–espaços,
materiais e tempos – é enfatizada nas narrativas como
fundamentais para dificultar este acesso e permanência.
O artigo de Maria Raquel Barros de Lima, Carmem
Lucia de Oliveira Cabral e Luana Vieira de Sousa é
resultado de uma pesquisa bibliográfica sobre como
a Pedagogia da Alternância incorpora os saberes do
cotidiano do campo como um dos fundamentos de sua
proposta pedagógica. O protagonismo das famílias nas
escolas famílias agrícolas, os diferentes instrumentos
pedagógicos utilizados para assegurar a articulação entre
teoria e prática, escola e comunidade são fundamentais

APRESENTAÇÃO
13
para que os conhecimentos, sabedorias e experiências
produzidas no cotidiano circule na escola e seja refletido
a partir das áreas de conhecimento, construindo novos
saberes e relações com as comunidades.
Linconly Jesus Alencar Pereira, Maria do Socorro
Xavier e Lucielio Marinho da Costa trazem no seu
artigo o contexto do surgimento da Licenciatura em
Educação do Campo- Ledoc, na Universidade Federal
Rural do Semiárido – Ufersa, e como esta formação tem
contribuído para a ressignificação de saberes e práticas
educativas no semiárido Potiguar. A partir da concepção
dos estudantes da Licenciatura e de agriculturores/
as deste território, destacam como os fundamentos
da Educação Contextualizada têm contribuído para o
fortalecimento das ações coletivas nas comunidades,
enfatizando o trabalho do movimento das mulheres com
práticas de economia solidária, soberania alimentar e a
discussão sobre as relações sociais de gênero.
Diego Gonzaga Duarte da Silva, Lourdes Helena da
Silva e Elida Lopes de Miranda trazem também no seu artigo
uma pesquisa sobre as contribuições da Licenciatura em
Educação do Campo – Licena, da Universidade Federal de
Viçosa, na formação de monitores de Escolas Famílias
Agrícola. Estas práticas da Pedagogia da Alternância,
na região mineira, possuíam um número de monitores-
educadores sem formação superior. O estudo evidencia
que, além de assegurar o direito destes profissionais à
sua formação inicial, a prática possibilitou também uma
reflexão crítica sobre a articulação entre os diferentes
saberes – profissionais, curriculares e disciplinares – que

EDUCAÇÃO DO CAMPO:
14 as interfaces entre diferentes contextos, sujeitos e territórios
compõem a prática docente e como estes se referenciam
na vida, no trabalho e nas expressões culturais das
comunidades campesinas.
Jullyane Frazão Santana, Maria Clara de Sousa
Costa e Marli Clementino Gonçalves resgatam, no último
artigo do livro, como o Programa Nacional de Educação
na Reforma Agrária – Pronera se efetivou no Piauí, como
resultado do diagnóstico de exclusão da escolarização
dos assentados/as e acampados/as e das lutas
empreendidas pelos movimentos sociais e sindicais, a
partir da década de 1980, na região. Destacam a parceria
construída entre a Universidade, os movimentos sociais e
sindicais na construção e gestão desta prática educativa
nos assentamentos e acampamentos, para efetivação
de uma interlocução com o mundo acadêmico e para
desencadear outras lutas pelo direito à Educação do
Campo no Brasil.
De modo específico, este conjunto de textos
nos evidencia um tensionamento na materialização das
diferentes políticas educacionais para as populações
campesinas, para o contexto do semiárido, que é do eixo
da ação consentida, posta pelos governos, para a arena
da disputa do direito, posta pelos sujeitos sociais e suas
necessidades, o que gera novas práticas, reflexões e
indagações nas comunidades rurais, no poder público e
na Universidade.
A criação de novas práticas educativas, a
entrada de sujeitos diversos na escola e na Universidade
enfrentam uma arraigada cultura política elitista e
urbanocêntrica que não se transforma da noite para
o dia, portanto, desafia ainda mais a função social

APRESENTAÇÃO
15
da Universidade, a autonomia e a organização dos
movimentos sociais e sindicais para intervirem em
contextos tão adversos, como o que vivemos atualmente.
Para intervir, é necessário conhecer. Conforme nos coloca
Paulo Freire, para construir uma educação com e a favor
dos esfarrapados do mundo, precisamos compartilhar os
aprendizados por uma outra educação possível. Instigar
a reflexão, aprofundar o debate e os nossos referenciais
analíticos numa perspectiva ético-política e prática.
Acredito ser este o convite feito pelas autoras e
autores deste livro! Vamos à leitura!

Sumé, 19 de setembro de 2020 (99 anos de Paulo Freire!)

Profa Dra. Maria do Socorro Silva


UFCG/CDSA/NUPEFORP/RESAB

EDUCAÇÃO DO CAMPO:
16 as interfaces entre diferentes contextos, sujeitos e territórios
PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA
E EDUCAÇÃO POPULAR:
DIÁLOGOS POSSÍVEIS
Elson Silva Sousa
Elmo de Souza Lima

Introdução
Nas discussões sobre o acesso dos camponeses
às políticas públicas, entre elas a garantia do direito
a educação, é possível identificamos que, ao longo da
história do Brasil, os governos trataram a oferta da
educação no meio rural como uma pauta de menor valor.
Os projetos educacionais propostos pelos governos se
limitaram a reforçar a Educação Rural, associada ao
modelo de escola tradicional, conservadora e excludente,
centrada no ensino de conteúdos desconectados da
realidade camponesa.
Este modelo de ensino está ligado ao ideário
capitalista de modernidade social, voltado ao contexto
produtivo da industrialização do meio rural. Contrapondo-
se ao modelo de Educação Rural, a partir da década de
1990, os movimentos sociais assumiram o desafio de
lutar por outro projeto de educação, associado a uma
perspectiva de sociedade mais justa, democrática e
popular, em que o trabalhador é sujeito desse processo
e não o objeto dele, um projeto pautado nos ideais da
Educação Popular.

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS


17
A Educação Popular é um fenômeno educativo
ligado às pedagogias críticas, um projeto de ações
político-educacionais que coloca a educação na
perspectiva da emancipação humana, e constitui uma
demanda dos movimentos sociais, sujeitos centrais
desta construção. Estes levantam a luta do ser humano
como sujeito histórico, defendendo um projeto de
sociedade contra-hegemônico, e de desenvolvimento
econômico alternativo; encontra sua maior expressão
na experiência de Paulo Freire, na década de 1960, que
ganha força no Brasil tendo como principais elementos
teórico-metodológicos o diálogo, a problematização
da realidade, a formação crítica, a conscientização e a
transformação social.
Este artigo tem como objetivo refletir sobre os
diálogos possíveis entre a Pedagogia da Alternância e
a Educação Popular, suas aproximações e contribuições
à produção do conhecimento no contexto da Educação
do Campo. O texto está organizado em três partes: na
primeira, discutimos sobre “Educação Rural” e “Educação
do Campo”, destacando os dois modelos educativos
que se contrapõem e representarem projetos sociais
e educacionais política e ideologicamente distintos.
Em seguida, tratamos das aproximações teóricas e
metodológicas da “Pedagogia da Alternância” e da
“Educação Popular” no contexto histórico da educação do
campo no Brasil. Nas considerações finais, destacamos
os diálogos construídos dentro das duas pedagogias em
suas esferas de ação, bem como as aproximações entre
os princípios teóricos e metodológicos, enfatizando

Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima


18
suas contribuições para a compreensão dos processos
educativos que se desenvolvem a partir dessas
concepções.

Educação Rural e Educação do Campo: o “joio” e o


“trigo” crescem na mesma terra
Utilizaremos neste texto as metáforas “joio”
e “trigo” para caracterizar dois modelos educacionais
– “Educação Rural” e “Educação Campo” – como
projetos educativos distintos; o primeiro, como produto
governamental, sintetizado e “plantado” no campo pelas
instâncias oficiais, legalmente constituídas; e o segundo,
como demanda dos movimentos sociais do campo,
“cultivado” na resistência à “erva daninha” representada
pela Educação Rural.
Em se tratando da Educação Rural (o “joio”),
esta nunca foi uma proposta democrática, pois sempre
esteve aparelhada ideologicamente pelas classes
dominantes para consecução eficiente e eficaz da tarefa
de escravizar, destruir sujeitos livres e produzir operários
alienados. Neste caso,
Ao contrário da Educação do Campo, a
educação rural sempre foi instituída pelos
organismos oficiais e teve como propósito
a escolarização como instrumento de
adaptação do homem ao produtivismo e
à idealização de um mundo de trabalho
urbano, tendo sido um elemento que
contribuiu ideologicamente para provocar
a saída dos sujeitos do campo para se
tornarem operários na cidade (OLIVEIRA;
CAMPOS, 2012, p. 240).

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS


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A trajetória da Educação Rural no Brasil tem
início na década de 1930, no contexto social e econômico
pautado pela industrialização e urbanização do país,
“terreno” social adequado para sua “germinação”, tendo
em vista a demanda pela formação de mão de obra no
campo e a contenção do êxodo rural. Neste contexto, a
Educação Rural foi oferecida como saída redentora para
o problema do atraso econômico e da “ignorância” dos
trabalhadores do campo.
A proposta de Educação Rural, preservada
durante muito tempo nas políticas educacionais
do Brasil, ainda mantém suas “raízes” na estrutura
educacional de muitos municípios brasileiros, através
da Escola Tradicional Rural, uma espécie de escola
pautada no modelo da cidade. Em muitos municípios
do Nordeste brasileiro, estas escolas são mantidas
com infraestrutura precária, transporte escolar sem
qualidade e organizadas no formato multisseriado com
um único/a professor/a, que absorve também as funções
de gestor/a, coordenador/a pedagógico/a, secretário/a
escolar, zelador/a e merendeiro/a. Estas escolas são
mantidas muitas vezes com as sobras dos livros e
materiais didáticos da cidade, e ainda são subordinadas
às ordens de latifundiários, fazendeiros que mantêm
aquelas comunidades sob o domínio econômico e político.
A Educação Rural se desenvolve nas
perspectivas de controle e adaptação das populações
rurais ao modo de produção capitalista, atuando
mais na precarização do trabalho e proletarização do
camponês. Essa educação, subordinada ao modo de
produção capitalista e ao projeto de modernização do

Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima


20
campo, desenvolveu-se pelo processo de Extensão
Rural, mediante acordos e parcerias com organismos
de cooperação com os Estados Unidos. Esses acordos
dispunham para o campo no Brasil os “pacotes” prontos
de assistência técnica, que terminaram por criar uma
dependência dos trabalhadores do campo aos insumos
agrícolas fornecidos. A adoção destes pacotes resultou
na destruição dos saberes tradicionais passados de uma
geração a outra, conhecimentos sobre o trabalho com a
terra e a produção de alimentos, que configura o modo
de vida no campo.
Num outro polo desta disputa política, econômica
e social estão os movimentos sociais, com suas lutas
históricas pelo direito a terra, melhores condições de
trabalho e pelo direito à educação no campo. Neste
contexto, a educação foi ganhando um papel relevante
dentro dos movimentos sociais, diante da necessidade de
formação política dos camponeses para o enfrentamento
nas lutas contra as elites agrárias e os interesses do
capital, representado pelo latifúndio e o agronegócio.
Neste cenário, as experiências de
Educação Popular foram importantes no processo
de desenvolvimento da consciência crítica dos
trabalhadores, despertando-os para a condição de
opressão e exploração que estavam submetidos. Este
trabalho despertou os camponeses para a importância
da organização comunitária, que resultou no surgimento
e fortalecimento dos movimentos sociais do campo.
Pensar a Educação do Campo (o “trigo”) é
concebê-la dentro de um projeto politico e social mais
amplo, associado a um modelo de sociedade forjado

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS


21
pelas classes populares. Nesse sentido, a Educação do
Campo nasce no “chão” de luta, a partir das experiências
de Educação Popular, desenvolvida pelos movimentos
sociais no começo da década de 1960, que ganhou
força a partir da década de 1980 com o processo de
redemocratização do país.
A partir das experiências da Educação Popular, os
movimentos sociais passaram a questionar o modelo de
educação que tinha como interesse maior a adaptação e
o ajustamento social das camadas populares. Os projetos
de Educação Popular iniciados da década de 1960,
contrários à lógica de educação bancária, tornaram-
se um marco importante para avanço da educação
libertadora concebida a partir dos ideais pedagógicos
de Paulo Freire. Naquele momento, a maior parte da
população brasileira que vivia no campo era analfabeta e
estava impedida de participar das decisões políticas do
país, pois não podia exercer o direito de votar.
Nesta perspectiva, a educação assumiu um
caráter político importante, constituindo-se num ato
político e instrumento de força na compreensão e na
luta pela transformação da estrutura social brasileira,
herdeira das decisões no campo da politica e da
economia. Sendo assim, a Educação Popular surge com o
compromisso de assumir a defesa do trabalhador, numa
luta contra qualquer lógica de injustiça e opressão.
A Educação Popular ganhou destaque através
do Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos
desenvolvido no município de Angicos, cidade localizada
no Sertão do Rio Grande do Norte. Em 1963, Paulo Freire
pôs em prática seu método, que tinha como objetivo ler

Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima


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e escrever sobre o mundo, preparando os trabalhadores
para o contexto político do país. Essa experiência ficou
conhecida nacional e internacionalmente como “as
quarenta horas de Angicos”, um trabalho que contou com
a ajuda de estudantes universitários que realizaram um
levantamento prévio do universo vocabular da população
local e formaram os Círculos de Cultura, rompendo uma
série de “tabus metodológicos” (LYRA, 1996). O Círculo
de Cultura, em sua conceituação original, “se constitui
assim em um grupo de trabalho e debate” (FREIRE, 1967,
p. 7), e tinha o propósito de dialogar sobre a realidade
dos sujeitos, buscando fomentar o desenvolvimento da
consciência crítica destes sujeitos acerca do mundo.
Diante deste contexto, a Educação do Campo
foi forjada a partir do acúmulo político, teórico e
metodológico obtido pelos movimentos sociais e seus
intelectuais orgânicos, por meio das experiências de
Educação Popular construídas no seio do movimento
camponês. Neste caso, é oportuno destacar que a
Educação do Campo e a Educação Popular estabelecem
ricos diálogos na construção de um projeto voltado
às questões centrais das políticas públicas ofertadas
aos povos do campo no Brasil. Esses diálogos e/ou
aproximações se dão também pelo encontro das pautas
dos movimentos sociais do campo na defesa dos direitos
políticos e sociais. No centro dessas pautas, a educação
é um direito que é o alicerce para organização e luta dos
movimentos sociais contra a conjuntura política que se
mantinha há décadas negando uma educação centrada
no modo de vida do camponês, capaz de produzir as
mudanças que os trabalhadores almejavam. Esse cenário

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS


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provocava tensão e insatisfação entre os movimentos
sociais e as decisões governamentais em seu campo de
interesses.
Diante da insatisfação dos movimentos sociais,
com relação ao modelo de educação oferecidos aos
camponeses, foram organizados eventos para discutir
sobre as alternativas viáveis a uma mudança real do
projeto educativo em curso no campo. O novo projeto
não deveria ser mais produto do governo e sim uma
construção dos movimentos sociais, como resultados de
seus ideais, caminhada, anseios e lutas.
Os debates produzidos pelos movimentos sociais
culminaram na realização do I Encontro de Educadores
e Educadoras da Reforma Agraria (ENERA), evento
organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
(MST) e primordial para suscitar novas reflexões sobre a
educação desenvolvida no meio rural. Em agosto de 1997,
ocorreram as discussões de preparação da I Conferência
Nacional por uma Educação Básica do Campo. Com base
nas discussões e reivindicações desta I Conferência, em
abril de 1998, o governo Federal instituiu o Programa
Nacional de Educação na Reforma Agraria (Pronera).
Em maio do mesmo ano, concluem–se as discussões que
preparam o documento base da I Conferência, trazendo
um contraponto entre a nova proposta (Educação do
Campo) frente à Educação Rural.
A Educação do Campo (o “trigo”), como
modelo educativo alicerçado em um projeto popular
de sociedade, é fruto das demandas dos movimentos
sociais como expressão de luta pela garantia dos direitos
historicamente negados aos povos do campo: os direitos

Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima


24
a terra e à educação. Esta mantém o foco de sua luta no
desenvolvimento econômico sustentável, na valorização
da agricultura camponesa e no desenvolvimento de uma
educação que respeita os saberes e o modo de vida do
trabalhador rural, atuando na transformação de sua
realidade, pela conscientização política e emancipação
dos trabalhadores.
Os movimentos sociais protagonizam a
constituição de um novo paradigma educacional, fazendo
parte do Movimento “Por uma Educação do Campo”, que
vai iniciar um novo referencial e fazer surgir um esforço
organizado na defesa desse direito negado, e aos poucos
vai lançando seus fundamentos. De acordo com o
parecer do Conselho Nacional de Educação, n. 36/2001,
que aprovou das Diretrizes Operacionais para Educação
Básica das Escolas do Campo:
A educação do campo, tratada como
educação rural na legislação brasileira, tem
um significado que incorpora os espaços
da floresta, da pecuária, das minas e da
agricultura, mas os ultrapassa ao acolher
em si os espaços pesqueiros, caiçaras,
ribeirinhos e extrativistas. O campo, nesse
sentido, mais do que um perímetro não
urbano, é um campo de possibilidades que
dinamizam a ligação dos seres humanos
com a própria produção das condições da
existência social e com as realizações da
sociedade humana. (BRASIL, 2001, p.1).

A concepção de Educação do Campo é reforçada


por Caldart (2012) como aquela que se engaja num
movimento em busca de uma transformação política
e pedagógica mais ampla que perpassa pela luta dos
movimentos do campo, contrariando a concepção

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS


25
de campo incrustrada na lógica capitalista de
desenvolvimento. Uma educação comprometida com
o fortalecimento da agricultura camponesa, alinhada
à concepção de trabalho voltada ao desenvolvimento
humano, à valorização dos sujeitos do campo, seus
tempos e espaços de produção de vida e relações sociais
democráticas, colaborativas, visando à construção de
outro projeto social enraizado nas questões populares,
em busca de uma democracia participativa desses
sujeitos, na formação de valores, e de uma cultura que
produz processos que envolvem crianças e adultos.
Nessa perspectiva, compreende-se o campo
como um lugar de produção de vida e cultura por
seus sujeitos, que são capazes de gestar sua própria
pedagogia, ligada ao trabalho por eles desenvolvido na
agricultura camponesa, do conhecimento fruto dessas
relações, uma formação humana. Em síntese, pode-se
entender a educação do campo como aquela em que:
[...] nos processos educativos escolares,
busca cultivar um conjunto de princípios
que devem orientar as práticas educativas
que promovem – com a perspectiva de
oportunizar a ligação da formação escolar
à formação para uma postura na vida,
na comunidade – o desenvolvimento do
território rural, compreendido este como
espaço de vida dos sujeitos camponeses
(MOLINA; SÁ, 2012, p.329).

Lima e Melo (2016) apontam dois dos principais


desafios para sua efetivação como um direito dos
camponeses: primeiro, as dificuldades relacionadas ao
acesso às escolas, que se acentuou pelo fechamento
de instituições, que de certo modo obrigam crianças e

Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima


26
adolescentes a se deslocarem de suas comunidades de
origem para os centros urbanos ou para comunidades
polos. Segundo, são as propostas pedagógicas que
ignoram o espaço camponês como lugar de construção
de conhecimentos, cultura e saberes, não vendo os
educandos como sujeitos históricos nem como produtores
de saberes relacionados às suas vivências e práticas
culturais. Essas barreiras encontradas nas escolas
tornam o caminho mais desafiador para efetivação da
educação do campo.
Neste contexto de luta em defesa da Educação
do Campo, inúmeras experiências vêm sendo construídas
nas várias regiões do país a partir de diferentes matrizes
teóricas e epistemológicas. Dentre estas experiências,
os projetos educativos desenvolvidos pelos Centros
Familiares de Formação por Alternância (CEFFAs), com
base na Pedagogia da Alternância, trazem contribuições
importantes, tanto para a formação dos jovens do campo
quanto para a construção das alternativas políticas e
pedagógicas que fortaleçam os debates em torno da
Educação do Campo.

Pedagogia da Alternância e Educação Popular:


aproximações
A Pedagogia da Alternância nasceu na França,
em 1935, durante uma grave crise política e econômica
que afetava a vida dos camponeses, devido ao processo
de reconstrução social e econômica vivenciado no país
naquele período entre a Primeira e Segunda Guerra
Mundial, situação que afetou vários setores da economia
e da vida social. Com uma realidade agrária marcada pelo

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS


27
grande número de pequenas propriedades, com base na
agricultura familiar, os agricultores viviam em situação
de abandono do estado, que se mostrava desinteressado
com os problemas do homem do campo e a igreja não
apresentava uma saída educacional para o campo (SILVA,
2012).
Diante deste contexto, as famílias dos
agricultores uniram-se em torno de uma preocupação em
comum: conciliar a educação dos filhos com o trabalho
na agricultura desenvolvida nas comunidades, atividade
de trabalho vital à sobrevivência das famílias no campo.
Naquele momento, o modelo de escola em funcionamento
não atendia aos anseios das comunidades, pois se
pautava num modelo de escola tradicional que ensinava
conteúdos desvinculados da vida do campo.
Provocado pela insatisfação de seu filho (Yves), o
agricultor Jean Pyerat, junto com um pároco da aldeia de
Serignac Pebodou (I’abbé Granereau), propuseram uma
alternativa que combinava trabalho e educação numa
dinâmica que se dividia em dois momentos (Tempo-
Escola/TE e Tempo-Comunidade/TC). Essa sistemática
foi aperfeiçoada e tornou-se mais tarde um Sistema
de Alternância, que culminou na criação da primeira
Maison Familiale Rurale – MFR, em Lot-et-Garone, região
sudoeste da França (RIBEIRO, 2013).
De acordo com Estevam (2003), essa experiência
é o marco que inaugura as Maisons Familiales Rurales,
embora sua constituição, em termos de referência
estrutural, tenha ocorrido após um processo de muitos
esforços e luta para tal; sua criação não foi materializada
por si só, mas foi ocorrendo em função da necessidade de

Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima


28
mudar a realidade excludente em termos educacionais.
O modelo de escola oferecido aos filhos dos agricultores
da França, na década de 1930, apontava para uma
organização curricular que mantinha uma “distância”
entre os conhecimentos escolares e o trabalho das
famílias. Diante da necessidade de aprofundar a relação
entre escola e família, educação e trabalho, a alternância
pedagógica tornou-se uma alternativa educacional capaz
de garantir aos jovens a possibilidade de estudar sem
perder o vínculo com o trabalho do campo, sua identidade
cultural e as relações sociais em suas comunidades.
A Pedagogia da Alternância se firmou como
alternativa para o problema do abandono e miséria
no campo, bem como da relação dissociada entre
trabalho e educação favorecida pela escola rural
francesa. Neste caso, “a Pedagogia da Alternância
foi um projeto de educação que nasce e se consolida
no bojo dos movimentos, em meio às reivindicações e
reflexões dos trabalhadores” (JESUS, 2011, p. 53). Esse
projeto que começou com a família e a associação dos
agricultores e acabou tornando-se uma referência
para outras experiências pela Europa e pelo mundo.
Conforme Jesus (2011, p. 55), “a partir dos anos 50
esse modelo pedagógico passou a ser propagado
a diversos países e continentes: Itália, Espanha, Portugal,
continente africano, continente asiático, América do
Norte, Canadá”. No Brasil, a Pedagogia da Alternância
chagou na década de 1960, com o padre jesuíta Humberto
Pietrogrande, sob a influência italiana da Scuole Della
Famiglia Rurale, da região de Veneto.

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS


29
Na década de 1960, o Brasil enfrentava forte crise
econômica e política que intensificava o êxodo rural,
pois os camponeses deixavam o campo em busca de
melhores condições de vida nas cidades. Os agricultores
do Sul do Espírito Santo viviam em situação de abandono
e pobreza, com pouco incentivo à agricultura local e a
crescente erradicação da monocultura cafeeira. Foi neste
contexto que a Pedagogia da Alternância se instalou em
solo brasileiro, como uma alternativa à formação dos
filhos dos agricultores como uma saída para superação
das condições de abandono dos trabalhadores do campo.
Ao chegar ao Brasil, a Pedagogia da Alternância
sofreu as influências do Movimento de Educação Popular,
instituído a partir da década de 1950, com o intuito de forjar
um movimento político e educativo voltado à formação
crítica e a emancipação dos excluídos. Neste período,
as experiências de Educação Popular contaram com o
apoio de setores da Igreja Católica ligados à Teologia da
Libertação1, principalmente através das Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs), que atuavam nas periferias
das grandes cidades e no campo, conscientizando a
população pobre sobre as condições de exclusão em
que viviam e da necessidade de fortalecer a organização
social, visando à garantia dos direitos sociais e à
dignidade da população marginalizada.

1 A Teologia da Libertação surgiu a partir de 1960 na América Latina,


através de padres progressistas ligados aos movimentos sociais
que atuavam contra as injustiças sociais e, portanto, buscavam
desenvolver um processo de evangelização que fomentasse o
desenvolvimento da consciência crítica do povo oprimido acerca dos
problemas sociais (LUIZ, 2016).

Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima


30
Nessa direção, a Pedagogia da Alternância foi
inserida no Brasil através da ação de padres progressistas
que atuavam inspirados pela Teologia da Libertação,
portanto, apostavam num projeto de educação que
pudesse contribuir com a luta pela libertação do povo
pobre que vivia em condição de injustiça e opressão.
A Pedagogia da Alternância é caracterizada
por períodos que se alternam em Tempos e Espaços
de vivências, estudos e aprendizagens na escola e na
família, chamada também de meio socioprofissional,
permitindo uma formação mais global que une teoria e
prática, numa ação-reflexão-ação permanente e inerente
à própria vida.
Na formação por alternância, os princípios
visam ao desenvolvimento de ações educativas nos
períodos de aprendizagem no meio socioprofissional, na
família e na escola. Para o desenvolvimento e efetivação
dessas ações, a alternância faz uso de instrumentos
pedagógicos bem específicos, os mais conhecidos são:
o Plano de Estudos (PE), a Colocação em Comum (CC),
o Caderno da Realidade (CR), as Visitas e Viagens de
Estudo (VVE), o Estágio, as Visitas as Famílias (VF), o
Caderno de Acompanhamento (CA), a Tutoria, o Projeto
Profissional do Jovem (PPJ), a Atividade de Retorno (AR)
e a Avaliação.
A Pedagogia da Alternância, como metodologia,
trouxe em seus princípios políticos-educacionais
concepções teóricas e estratégias metodológicas que se
assemelham aos princípios políticos e pedagógicos que
fundamentam as práticas de Educação Popular.

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS


31
Neste caso, compreendemos que a Educação
Popular e a Pedagogia da Alternância são propostas
educativas que surgem como alternativas ao modelo
educacional em curso nas escolas situadas no campo e,
como projetos alternativos, apresentam também em seu
bojo um projeto social e político que visa à transformação
das estruturas sociais.
Dessa forma, a Educação Popular e a Pedagogia
da Alternância são propostas educativas contra-
hegemônicas que apresentam concepções de homem e
de mundo contrárias à lógica capitalista, apresentando
alternativas políticas e educativas na perspectiva
de outro projeto de sociedade. Dentre as dimensões
políticas e pedagógicas comuns aos dois projetos
educativos (Pedagogia da Alternância e Educação
Popular), podemos destacar: a) a investigação crítica
e a problematização da realidade; b) O diálogo entre
diferentes saberes e práticas sociais e c) a construção de
alternativas de transformação social.
a. A investigação crítica e a problematização da realidade
A investigação crítica da realidade é uma
dimensão pedagógica importante nos projetos
educativos críticos, pois possibilita que os educandos
desenvolvam uma releitura da realidade vivenciada pelos
camponeses, carregada de concepções produzidas nas
relações de trabalho construídas no e sobre o campo,
provenientes das lidas com a terra, nas experiências de
cultivo, criação, produção social e cultural.

Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima


32
Nesta perspectiva, a investigação constitui-se
numa etapa importante do processo formativo associada,
inicialmente, ao levantamento de informações prévias
realizada pelo educando, na tentativa de compreender
a realidade do campo, buscando problematizá-la. Todo
esse processo desenvolve no educando uma criticidade e
a tomada de consciência acerca dos problemas políticos
e sociais vivenciados no campo. A investigação crítica da
realidade “é um processo construído por momentos onde
se caminha do nível espontâneo e ingênuo, que ocorre
quando a pessoa se aproxima da realidade, para uma
tomada de consciência” (GOHN, 2013, p. 35).
A alternância pedagógica desenvolvida a partir
da Pedagogia da Alternância favorece este processo
de imersão dos estudantes na realidade, por meio de
atividades que fomentem a observação, a investigação
e a análise da realidade pelos educandos. Portanto, a
investigação crítica da realidade é o ponto de partida
na produção do conhecimento em alternância. Da
investigação e problematização da realidade, os
educandos têm a oportunidade de formularem “novos
saberes” que auxiliem nos processos de compreensão e
transformadora do meio.
Os projetos educativos desenvolvidos nestes
diferentes espaços/tempos buscam instigar os
educandos a mergulharem na realidade do campo com
o propósito de compreendê-la em sua complexidade e
contradições. Neste processo, diversas atividades de
estudos e pesquisas são desenvolvidas com a intenção

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS


33
de auxiliá-los neste percurso de problematização do
mundo, com a contribuição dos conhecimentos oriundos
das diferentes disciplinas escolares.
Na Pedagogia da Alternância, a imersão na
realidade ocorre antes mesmo de iniciar as atividades
educativas, a partir da pesquisa participante desenvolvida
pelos educadores e gestores das escolas, junto com as
organizações sociais e as famílias para a definição dos
temas geradores que irão nortear os projetos educativos.
Os temas geradores se inserem dentro da
perspectiva de uma educação problematizadora,
formando a base das discussões que contribuem para
estruturação dos programas de estudos voltados
ao desvelamento da realidade. Nesse processo, os
educandos vão desenvolvendo o poder de captação
e compreensão do mundo em suas relações com ele,
não mais como uma realidade estática, mas como uma
realidade em transformação (FREIRE, 2005).
Este processo de imersão se intensifica com o
desenvolvimento dos Planos de Estudos, concebidos
como um instrumento pedagógico que estabelece um
diálogo entre os saberes populares e o conhecimento
dos conteúdos disciplinares. Para Gimonet (2007,
p.82), “é através dele que se decifram as atividades da
vida quotidiana, seus saberes, seus problemas e seus
questionamentos”. Esses saberes entram em cena no
ambiente escolar, não para serem submetidos à validação
da ciência, mas para serem aproximados e aprofundados
pelas diferentes áreas do conhecimento que compõem o
currículo escolar e, posteriormente, retornarem à prática
(JESUS, 2011). Através dos Planos de Estudos, abre-se a

Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima


34
possibilidade de aprofundar as pesquisas e os estudos
sobre os temas geradores, com o intuito de expandir o
olhar dos educandos sobre a realidade.
Com o processo de investigação da realidade,
desenvolvido a partir do Plano de Estudos, ocorre a
Colocação em Comum, momento em que os educandos
socializam as informações obtidas com o trabalho de
investigação desenvolvido na comunidade. “A Colocação
em Comum representa a atividade de junção entre os dois
espaços-tempos do processo de formação” (GIMONET,
2007, p. 65). Neste momento, discute-se coletivamente
sobre as informações levantadas pelos educandos
sobre a realidade e preparam-se as estratégias de
aprofundamento dos estudos nas áreas de conhecimento.
Outro instrumento pedagógico importante neste
processo de inserção crítica da realidade são as Viagens
e Visitas de Estudos desenvolvidas com o objetivo de
aprofundar o estudo da realidade. Para Jesus (2011, p.
84):
é um momento de conhecer, perceber
contradições, confirmar hipóteses,
estabelecer intercâmbios, superar dúvidas.
As visitas e as viagens de estudo estão
garantidas pelo plano de formação dos
educandos como propostas vivenciais de
formação (JESUS, 2011, p. 84).

Esse processo “favorece a materialização da


teoria com práticas diversas” (CALIARI, 2002, p.84). Essa
construção é realizada pelos educandos e acompanhado
pelo monitor, que com ajuda de alguns pais deve preparar

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS


35
esse momento que, além de ajudar na escolha do local,
desenvolve a função de estimular o educando a se
apropriar de tudo que pode favorecer sua formação.
Nesse sentido, os processos educativos
desenvolvidos, tanto na Pedagogia da Alternância quanto
a Educação Popular, proporcionam um reencontro do
educando com a sua realidade. E o conhecimento que
se produz dessa imersão na realidade é primordial para
compreensão das estruturas de organização social,
politica, econômica e cultural, contribuindo diretamente
com processo de construção coletiva do conhecimento,
e isso em diferentes prismas vivenciais, em contextos,
tempos e espaços diferentes.
b. O diálogo entre diferentes saberes e práticas sociais
O diálogo é sem dúvida um dispositivo político
pedagógico importante nos projetos educativos
desenvolvidos na educação do campo. É através do
diálogo que se torna possível a mediação entre os
diferentes saberes e práticas sociais dos camponeses (as)
e que diferentes conhecimentos se encontram e buscam
a compreensão dos seus determinantes e possibilidades
teóricas e práticas. É no diálogo que os diferentes
sujeitos se encontram e estabelecem comunicação
entre “mundos”. Neste caso, o diálogo constitui-se
num mediador pedagógico que dinamiza o processo de
produção do conhecimento dentro das duas pedagogias
(Educação Popular e Pedagogia da Alternância).
Para Freire (2005, p. 91), o “diálogo é este encontro
dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-
lo, não se esgotando na relação eu-tu”. O diálogo é esse

Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima


36
elemento capaz de estabelecer as linhas de comunicação
com o “mundo”, nessas múltiplas relações que envolvem
sujeitos, suas linguagens, saberes da cultura popular, do
campo, da cidade, da comunidade com o conhecimento
científico e, acima de tudo, com respeito ao ser humano,
sujeito da sua “vocação de ser mais”.
Nessa perspectiva, o diálogo torna-se uma
ferramenta importante para que os educadores
e educandos estabeleçam a comunicação com a
comunidade e as organizações sociais na leitura
preliminar da realidade social, política e econômica do
campo, bem como no levantamento dos temas geradores
que irão orientar o projeto de formação dos jovens,
visando a sua inserção crítica no mundo. Esse diálogo
também se faz necessário nas trocas de experiências
desenvolvidas entre educando e educadores durante a
Colocação em Comum.
Na Pedagogia da Alternância, a Colocação em
Comum constitui-se neste espaço estratégico de diálogo
acerca dos conhecimentos dos educandos sobre o
mundo, oriundos de sua leitura sobre mundo e sobre a
vida. Estas atividades são permeadas por momentos de
problematização que permitem o avanço da leitura dos
jovens sobre a realidade do campo.
Desse modo, compreendemos que há uma
semelhança entre o trabalho educativo desenvolvido por
meio da Colocação em Comum e os Círculos de Cultura
proposto por Freire (1967), no contexto das experiências
de Educação Popular. Nestes espaços, os sujeitos têm
a oportunidade de estabelecer novas relações e trocas
entre as pessoas e a sociedade, buscando construir uma

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS


37
educação como um sistema político de conscientização.
Nos Círculos de Cultura e na Colocação em Comum se
desenvolve uma forma de extrair dos sujeitos sua visão
de mundo, buscando, por meio da problematização, um
meio de ampliar a visão crítica sobre a realidade.
Os serões são outro espaço educativo,
instituído no contexto da Pedagogia da Alternância,
que oportunizam aos jovens do campo momentos de
diálogos acerca da vida camponesa e dos problemas
vivenciados neste contexto, como forma de visualizar
as possibilidades de transformação social. “Os serões
são espaços/tempos de reflexão, integração, atividades
artísticas e debates que ocorrem em sessões noturnas e
que favorecem a realização de diversas atividades com
os alunos” (JESUS, 2011, p. 86).
Nos Serões, os educandos e educadores têm a
possibilidade de ampliarem o diálogo com os movimentos
sociais, as universidades e outros setores da sociedade,
através dos convidados externos que fazem a discussão
de temáticas específicas relevantes para a formação dos
jovens e a compreensão da realidade.
As Visitas às Famílias e Comunidades são
outra atividade utilizada para ampliação dos diálogos
e as trocas de experiência com a comunidade. São
espaços/tempos importantes para o reconhecimento e a
valorização dos saberes dos camponeses, pois “[...] trata-
se de um momento de troca de ideias sobre questões
sociais, pedagógicas, agrícolas, ligadas diretamente ao
meio familiar e escolar do aluno. Elas possuem ainda um
caráter de acompanhamento e de integração do aluno
com sua família” (JESUS, 2011, p.86).

Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima


38
A Tutoria também se constitui num instrumento
pedagógico que favorece o diálogo entre educador/
educando acerca dos temas em discussão nos planos
de estudos, dentre outros aspectos da realidade dos
jovens. Por meio da tutoria, é possível realizar um
acompanhamento personalizado do desenvolvimento
dos educandos. É nesse momento que “cada monitor
tem o papel de incentivar, acompanhar, orientar seus
educandos na realização de seus projetos profissionais,
vivência em grupo e no engajamento comunitário”
(JESUS, 2011, p. 87).
c. A construção de alternativas de transformação social
Diante do contexto de exclusão em que vive a
população do campo no Brasil, situação que vem se
agravando ao longo dos anos por causa das políticas
governamentais implantadas no meio rural, que valorizam
um projeto de desenvolvimento focando na lógica do
capitalismo, modelo econômico que se instala no campo
através do agronegócio, a educação do campo surge
com o propósito de contribuir na geração de alternativas
de transformação social, pela produção de um novo
projeto educativo, com outra concepção de campo que
possibilite a construção de outro projeto de sociedade,
mais humano, solidário e democrático.
O compromisso da educação do campo é o
de contribuir com os diversos sujeitos, através de
suas bases teórico-metodológicas, e seus princípios
político-educacionais, na produção de alternativas de
desenvolvimento, capaz de manter em curso o projeto

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS


39
popular da transformação da sociedade brasileira,
construindo com os sujeitos do campo projetos de
transformação do meio, em cada comunidade.
A transformação social perpassa pela educação
de crianças, jovens e adultos do campo que problematizam
e compreendem as realidades sociais locais e avançam
na construção de projetos viáveis de desenvolvimento
das comunidades e culmina na transformação global
das estruturas sociais opressoras. Essa transformação é
construção coletiva, um compromisso de todo o coletivo
de oprimidos.
No processo de transformação social, um dos
pilares da Pedagogia da Alternância que não pode
ser esquecido é o desenvolvimento do meio. Ele é um
fundamento sustentador do modelo educativo na
formação dos jovens, pois se preocupa com as condições
sociais, humanas, econômicas, culturais e ambientais
do lugar onde está situado o CEFFA, e onde os diversos
sujeitos do campo moram. O meio é o lugar em que os
educandos, educadores, monitores e famílias estão
envolvidos na mudança das condições locais. Nesse
processo de desenvolvimento “trata-se primeiro de partir
dos recursos locais e valorizá-los [...] tomar consciência
da situação e agir na busca de soluções” (FORGEARD,
1999, p. 64).
Para a construção deste projeto de
desenvolvimento ou transformação social, existem
alguns fatores que são essenciais. Um deles é manter
um bom diálogo com os diferentes sujeitos do campo,
associações, instituições parceiras, educadores,
educandos, pesquisadores e demais profissionais de

Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima


40
áreas técnicas que acreditam no projeto. Os diálogos
acontecem nos espaços mediados pelos instrumentos
pedagógicos.
Os diálogos estabelecidos com os movimentos
sociais e outros parceiros externos, por meio dos Serões,
intervenções externas e das Visitas de Estudos trazem
contribuições importantes para que os jovens possam
visualizar as possibilidades de transformação social. Além
disso, os Estágios desenvolvidos em projetos agrícolas
de cunho associativo e/ou cooperativo, bem como em
organizações sociais comprometidas com a construção
de outro projeto de sociabilidade que se contraponha
ao modelo de sociedade injusto e excludente imposto
pelo projeto neoliberal, também trazem aprendizados e
experiências importantes para a atuação destes jovens
na construção das alternativas de transformação de
suas comunidades por meio do trabalho coletivo e do
fortalecimento da organização social das famílias.
A construção dos Projetos Profissionais dos
Jovens–PPJ também se configura como uma oportunidade
para os jovens se debruçarem sobre as alternativas
políticas, econômicas e sociais que contribuem para a
construção de projetos de vida como viabilidade para
a melhoria da qualidade de vida das famílias. Esse é
um trabalho realizado no último ano do Ensino Médio,
quando o educando discutirá e escolherá em conjunto
com a equipe escolar e com sua família uma alternativa
de renda e profissionalização. Essas discussões são o
resultado de um processo que se desenvolveu ao longo
de sua formação (JESUS, 2011).

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS


41
Diante desse contexto, compreendemos que os
princípios da Pedagogia da Alternância, em conjunto
com os ideais defendidos pela Educação Popular,
proporcionam uma mudança de visão sobre o campo, as
condições de trabalho e as concepções desenvolvidas
no meio rural, bem como sobre as relações educativas
dentro desse contexto, o compromisso da educação
com a transformação do meio, e da sociedade de modo
mais amplo, em outra perspectiva de sociabilidade e
o reconhecimento do homem do campo como sujeito
histórico e político, autor de sua libertação.
A transformação da sociedade será feita pela
defesa da agricultura camponesa como modelo de
desenvolvimento econômico mais adequado à produção
da vida no campo e à luta contra o agronegócio; a
construção de projetos integrados às vivências do
trabalho como desenvolvimento humano em lugar do
trabalho como produção mercadológica e escravização
do trabalhador; a promoção de educação de qualidade
como direito de todos e a defesa da escola do campo
que valoriza as relações entre os conhecimentos
científicos e os saberes populares em seu currículo e
práticas; a conscientização do trabalhador do campo e
sua introdução nas decisões do cenário político. Estas
são práticas sociais e alternativas que podem produzir
formas mais conscientes de intervir no mundo, atuando
na sua transformação social. “Se a educação sozinha não
transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade
muda” (FREIRE, 2000, p.67).

Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima


42
Neste projeto de educação reside uma
preocupação com a construção de novos conhecimentos
e tecnologias sociais e agroecológicos que possibilitem o
desenvolvimento de alternativas viáveis à construção de
outro projeto de sociedade, de desenvolvimento humano
e de participação social, política e econômica de homens
e mulheres conscientes como sujeitos históricos, agentes
de transformação.

Considerações finais
As reflexões desenvolvidas ao longo do texto
apontam que a Educação Popular e a Pedagogia da
Alternância surgiram num contexto de resistência contra
a exclusão social e educacional dos povos do campo,
portanto, estão vinculadas às lutas sociais em torno de
outro projeto de campo e de sociedade. São propostas
educativas que se colocam em contraposição aos projetos
educacionais hegemônicos que ignoram os sujeitos do
campo, seus saberes e fazeres, cultura e identidade.
Educação Popular e Pedagogia da Alternância
caminham no sentido de pensar outro projeto educativo,
no qual os sujeitos do campo são protagonistas. Para isto,
buscam construir alternativas políticas e pedagógicas
que favoreçam a construção coletiva do conhecimento,
pela problematização da realidade, conscientização e
formação crítica dos camponeses, assumindo um caráter
progressista e transformador.
Na construção destes dois projetos educativos
fica evidente o protagonismo dos movimentos sociais do
campo na garantia do direito à educação dos povos do
campo, associada à luta pela democratização da terra,

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS


43
por meio da reforma agrária, no fortalecendo à agricultura
camponesa e na construção de um novo paradigma
educacional comprometido com a formação crítica, a
emancipação social e a construção de um projeto social
popular, democrático e mais justo para todos.
As reflexões demonstram que há alguns
pontos confluentes entre a Pedagogia da Alternância
e a Educação Popular; primeiro, são projetos políticos
e pedagógicos vinculados aos movimentos sociais
que se contrapõem ao modelo de educação ofertado
pelo sistema oficial, atrelado aos ideais capitalistas e
neoliberais, que ignora as lutas e os anseios dos povos
do campo; segundo, há um diálogo entre os princípios
que fundamentam os projetos educativos da Pedagogia
da Alternância e da Educação Popular na medida em que
propõem uma educação para formação da consciência
crítica dos educandos, através da construção da
autonomia dos sujeitos na problematização da realidade,
por meio dos “temas geradores”.
Ainda é possível ver nas duas propostas o
desejo de gestar outra sociedade, outro modelo de
desenvolvimento, que tenha agricultura camponesa
agroecológica como alternativa de produção da vida no
campo que fomente práticas organizativas pautadas na
solidariedade, na cooperação e fraternidade entre os
povos, bem como na sustentabilidade socioambiental,
econômica e cultural.
Nessa perspectiva, compreendemos que
tanto a Pedagogia da Alternância quanto a Educação
Popular trazem contribuições políticas e pedagógicas
importantes para a consolidação do paradigma da

Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima


44
educação do campo na medida em que apontam diferentes
alternativas pedagógicas e teórico-metodológicos que
podem ser trilhados na construção de outro projeto de
educação e de escola do campo capaz de estabelecer
uma diálogo entre os conhecimentos historicamente
construídos pela humanidade com aqueles tecidos nas
lutas e experiências dos camponeses.

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PUC-Rio, 2016, p. 6. Tese (Doutorado em Teologia)-
Programa de Pós- Graduação em Teologia, Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016

MOLINA, M. C.; S., L. M.. Escola do Campo. In: CALDART,


R. et. al. (Org.). Dicionário da Educação do Campo. Rio de
Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio, Expressão Popular, 2012, p. 326 – 332

OLIVEIRA, L. M. T. de.; CAMPOS, M. Educação Básica


do Campo. In: CALDART, R. et. al. (Org.). Dicionário da
Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola
Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular,
2012, p. 239 – 246

Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima


46
RIBEIRO, M.. Movimento camponês, trabalho e educação:
princípios/fins da formação humana. 2. ed. São Paulo:
Expressão Popular, 2013

SILVA, L. H.. As experiências de formação de jovens do


campo: alternância ou alternâncias? Curitiba-PR: CRV, 2012

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS


47
48
EDUCAÇÃO DO CAMPO NO
CONTEXTO DO SEMIÁRIDO:
ALTERNATIVAS TEÓRICAS
E METODOLÓGICAS QUE
PERMEIAM A PRÁTICA
EDUCATIVA DA ECOESCOLA
THOMAS A KEMPIS
Patrícia da Conceição Lima Torres
Elmo de Souza Lima

Introdução
A educação no meio rural nunca foi prioridade
na agenda das políticas públicas brasileiras. Este
descaso do Estado com a educação dos povos do campo
deixou marcas de precariedade no funcionamento das
escolas, como a infraestrutura inadequada, organização
curricular descontextualizada, fragilidade na formação
inicial e continuada dos/as educadores/as, condições
salariais defasadas, dentre outros.
Neste contexto, a Educação Rural foi marcada
pela subordinação do campo à cidade, em que as práticas
educativas e os materiais didáticos valorizavam o espaço
urbano e ignoravam a realidade do campo e dos seus
sujeitos. Diante deste cenário, os movimentos sociais do
campo assumiram o desafio de pensar num projeto de

EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: alternativas teóricas e


metodológicas que permeiam a prática educativa da Ecoescola Thomas a Kempis 49
educação construído a partir da realidade do campo, no
qual homens e mulheres assumam-se enquanto sujeitos
de sua própria história.
Com os esforços empreendidos pelos/as
educadores/as e movimentos sociais na construção deste
novo paradigma educacional vinculado à concepção de
Educação do Campo, muitas experiências foram forjadas
no sentido de garantir aos povos do campo o direito à
educação de qualidade. No Piauí, a Ecoescola Thomas a
Kempis, vinculada ao Centro de Formação Mandacaru,
no município de Pedro II, foi se constituindo como uma
referência no estado devido ao seu trabalho pedagógico
voltado à contextualização das práticas educativas com
a realidade ambiental, política, social, econômica e
cultural do campo.
Os projetos educativos desenvolvidos na
Ecoescola buscam articular os saberes construídos
a partir das vivências dos/as camponeses/as aos
conteúdos científicos trabalhados nas diferentes áreas
do conhecimento, tendo a agroecologia como foco de
produção interdisciplinar do conhecimento e da leitura
crítica da realidade (ECOESCOLA, 2016).
Neste texto, apresentamos algumas reflexões
oriundas da pesquisa desenvolvida no Mestrado em
Educação da Universidade Federal do Piauí (2017-2018),
que teve como objetivo discutir sobre as contribuições
da prática educativa desenvolvida pela Ecoescola para a
formação crítica dos/as educandos/as, bem como para o
debate em torno da Educação do Campo no Piauí.

Patrícia da Conceição Lima Torres - Elmo de Souza Lima


50
A referida pesquisa foi desenvolvida com base na
abordagem crítico-dialética, que permite compreender
os fenômenos históricos e sociais dentro de um contexto
de permanentes mudanças, permeadas por contradições,
disputas e dominações ideológicas. Desse modo, os
processos educativos foram analisados considerando
que os projetos educacionais das instituições de ensino
são implicados pelas transformações sociais, políticas
e econômicas inerentes ao modelo de sociedade
capitalista. A pesquisa contou com a contribuição de
10 participantes (entre professores/as, alunos/as e
gestores/as) e os dados foram construídos a partir da
pesquisa documental, da observação sistemática e da
entrevista semiestruturada.

Da Educação Rural à Educação do Campo: uma trajetória


de lutas
A estrutura de um sistema educacional reflete
as condições políticas, econômicas e sociais na qual
a sociedade está inserida. Historicamente, a escola
brasileira serviu para atender aos interesses da elite,
sendo negligenciada aos povos do campo. Embora o Brasil
seja um país de origem agrária, a educação destinada
às comunidades rurais foi marcada pela precariedade e
pelo descaso governamental.
A Educação Rural teve caráter de direito social
a partir da Constituição de 1934 com a trama ideológica
do ruralismo pedagógico1. De 1930 a 1950, os programas

1 O termo ruralismo pedagógico foi cunhado para definir uma


proposta de educação do trabalhador rural que tinha como
fundamento básico a ideia de fixação do homem do campo por meio

EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: alternativas teóricas e


metodológicas que permeiam a prática educativa da Ecoescola Thomas a Kempis 51
de Educação Rural tinham o objetivo de propagar uma
escolarização capaz de controlar o movimento migratório
rural e elevar a produtividade no campo. A influência do
ruralismo pedagógico contribuiu para o debate sobre
a educação e deu início a uma série de campanhas
educativas nacionais. Porém, estas iniciativas delineavam
a subordinação do campo à cidade, uma vez que as
práticas educativas e os materiais didáticos valorizavam
o espaço urbano e ignoravam os saberes dos sujeitos do
campo.
Desse modo, uma pequena parcela da população
camponesa recebia as sobras da educação da cidade,
ou seja, um ensino elementar – de leitura, escrita e
matemática básica –, instrumental e descontextualizado,
no qual se reverberam os conhecimentos escolares a
partir da negação dos saberes construídos pelos povos
do campo.
Essa falta de investimento na educação
camponesa provocou uma situação de precariedade no
funcionamento das escolas, evidenciada na estrutura
física inadequada, falta de recursos pedagógicos,
currículo descontextualizado, professores/as com pouca
qualificação, condições salariais defasadas, dentre
outros, conforme foi destacado no caderno de subsídios
“Referências para uma Política Nacional de Educação do
Campo”, construído pelo Ministério da Educação:

da pedagogia. Ou seja, um grupo de intelectuais, pedagogos ou


livres pensadores defendiam que deveria haver uma pedagogia que
ajudasse a fixar o homem do campo, ou, pelo menos, dificultasse,
quando não impedisse, sua saída desse habitat, considerado natural
para as populações que o habitaram ao longo de muito tempo
(BEZERRA NETO, 2013, p.11).

Patrícia da Conceição Lima Torres - Elmo de Souza Lima


52
Embora os problemas da educação não
estejam localizados apenas no meio
rural, no campo a situação é mais grave,
pois, além de não considerar a realidade
socioambiental onde a escola está inserida,
esta foi tratada sistematicamente,
pelo poder público, com políticas
compensatórias, programas e projetos
emergenciais e, muitas vezes, ratificou o
discurso da cidadania e, portanto, de uma
vida digna reduzida aos limites geográficos
e culturais da cidade, negando o campo
como espaço de vida e de constituição de
sujeitos cidadãos (BRASIL, 2004, p.7).

O modelo de Educação Rural, ao invés de


possibilitar uma compreensão crítica da realidade dos/
as camponeses/as, empreende uma visível hegemonia
cultural que, na concepção de Freire (1987, p. 86),
“é a penetração que fazem os invasores no contexto
cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão de
mundo, enquanto lhes freia a criatividade, ao inibirem
sua expansão”. Este projeto de educação inviabiliza
o desenvolvimento de uma consciência crítica e da
afirmação da identidade camponesa, pois ignora os
valores e as práticas culturais presentes no seu contexto.
É um modelo de educação que, na concepção de Baptista
(2003, p.20-21),
Não se faz relação com a vida dos alunos e
de sua família, com o trabalho agrícola nem
com o meio ambiente em que a escola está
inserida. Não se conhece, não se respeita,
nem se valoriza a cultura das famílias e da
comunidade onde a escola se encontra e aí
se excluem os pais do processo educacional
e ignoram-se os conhecimentos que as
crianças já trazem consigo para a escola.

EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: alternativas teóricas e


metodológicas que permeiam a prática educativa da Ecoescola Thomas a Kempis 53
Segundo Fernandes e Molina (2004), a origem da
Educação Rural está na base do pensamento latifundista
empresarial, do assistencialismo, do controle político
sobre a terra e as pessoas que nela vivem; portanto,
está associada a uma educação precária, atrasada, com
pouca qualidade e poucos recursos. Nessa perspectiva, a
Educação Rural é subsidiada pelo paradigma tradicional,
hegemônico e elitista que inferioriza o campo,
concebendo-o como um espaço arcaico.
Diante desse contexto, a partir da década de 1980,
os movimentos sociais passaram a questionar as práticas
educativas excludentes que se desenvolviam nas escolas
do campo. Em virtude disso, o modelo de Educação Rural
passou a ser contestado pelos/as camponeses/as, devido
a sua vinculação com os objetivos políticos e econômicos
das oligarquias rurais, distanciando-se dos interesses e
das lutas dos povos do campo.
Como consequência, propõe-se um novo modelo
de educação construído a partir da realidade do campo,
uma educação libertadora na qual homens e mulheres
deixam de ser objetos para serem sujeitos da sua própria
história. De acordo com Freire (1987), esta educação é
entendida como um processo político no qual o diálogo
e a problematização da realidade são a essência da ação
educativa.
A concepção de Educação do Campo emerge
das experiências dos movimentos sociais vinculadas ao
pensamento marxista e, principalmente, dos projetos
de educação popular desenvolvidos pelas organizações
sociais, sob a influência do pensamento pedagógico de
Paulo Freire (1987), que compreendia a educação popular

Patrícia da Conceição Lima Torres - Elmo de Souza Lima


54
como uma educação feita com o povo oprimido, na
produção cooperativa, na ação sindical, na organização
comunitária e no desenvolvimento da consciência crítica.
Na visão de Paludo (2012, p. 286),
A educação popular, em sua origem,
indica a necessidade de reconhecer o
movimento do povo em busca de direitos
como formador, e também de voltar a
reconhecer que a vivência organizativa
e de luta é formadora. Para a educação
popular, o trabalho educativo, tanto na
escola quanto nos espaços não formais,
visa formar sujeitos que interfiram para
transformar a realidade. Ela se constituiu,
ao mesmo tempo, como uma ação cultural,
um movimento de educação popular e uma
teoria da educação.

A partir das experiências da educação popular, os


movimentos sociais do campo perceberam a importância
de construir um projeto de educação comprometido
com as lutas dos/as camponeses/as, capaz de superar
o paradigma tradicional, hegemônico e elitista que
fundamentava o projeto de Educação Rural.
A Educação do Campo diferencia-se da Educação
Rural em seus pressupostos políticos, epistemológicos
e teórico-metodológicos, bem como em relação à
compreensão do campo e da atuação dos sujeitos neste
território. Para Fernandes e Molina (2004), o paradigma
da Educação Rural tem como referência o produtivismo,
no qual o campo é visto apenas como lugar da produção
de mercadorias e não como espaço de vida.
Na contramão deste processo, o paradigma
da Educação do Campo caracteriza-se, de acordo com
Fernandes e Molina (2004, p.32), como “uma construção

EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: alternativas teóricas e


metodológicas que permeiam a prática educativa da Ecoescola Thomas a Kempis 55
teórica que se consolida na comunidade científica, é
incorporada por diferentes instituições e se transforma
em um projeto de desenvolvimento territorial”.
Em síntese, os movimentos sociais reivindicavam
uma educação “no” e “do” campo que, para Caldart
(2004, p. 149-150), tem uma significação: “No: o povo
tem direito a ser educado onde vive; Do: o povo tem
direito a uma educação pensada desde o seu lugar e
com a sua participação, vinculada a sua cultura e às suas
necessidades humanas e sociais”.
O termo Educação do Campo é recente, surgiu
a partir da I Conferência Nacional por uma Educação
Básica do Campo, em julho de 1998 em Luziânia (GO),
promovida pelo MST, a Confederação Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), o Fundo das Nações Unidas
para a Infância (UNICEF), a Organização das Nações
Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e a
Universidade de Brasília (UNB). Tal Conferência foi um
momento significativo de discussões acerca questão
da educação dos/as camponeses/as, na qual o campo
foi reafirmado como um espaço de vida, formação de
identidades, cultura e de aprendizagens na interação
entre os sujeitos e a natureza.
Esse movimento legitimou a luta por políticas
educacionais e denunciou as condições precárias
da educação desenvolvida no campo, como falta de
escolas, de infraestrutura adequada, de financiamento,
de formação de professores/as, currículos deslocados,
dentre outros. Desse modo, foi um movimento

Patrícia da Conceição Lima Torres - Elmo de Souza Lima


56
propício para discussão de propostas, socialização de
experiências e de afirmação de que outro projeto de
educação é possível.
Esta nova concepção de escola e de campo,
concebida a partir das experiências dos movimentos
sociais, contrapõe-se ao modelo de educação dominante
e procura articular os conhecimentos científicos com a
realidade cultural da população camponesa na intenção
de promover uma formação crítica voltada à emancipação
política. Nela, os povos do campo tornam-se sujeitos do
próprio conhecimento.
Nessa direção, Paulo Freire (1983, p. 38) afirma
que “o destino do homem deve ser criar e transformar
o mundo, sendo sujeito de sua ação”. Para o autor, a
educação deve ser compreendida como um processo
eminentemente político, vinculado ao projeto de
emancipação do ser humano. Com base nisso, Freire
(1987) fez duras críticas ao modelo tradicional e
hegemônico de educação, definindo-o como “educação
bancária”.
Na visão “bancária” da educação, o “saber”
é uma doação dos que se julgam sábios aos
que julgam nada saber. Doação que se funda
numa das manifestações instrumentais da
ideologia da opressão – a absolutização da
ignorância, que constitui o que chamamos
de alienação da ignorância, segundo o qual
esta se encontra sempre no outro” (FREIRE,
1987, p. 58-59).

O processo de consolidação de uma educação


libertadora, capaz de superar a lógica da educação
bancária, vem sendo construído coletivamente no chão
das escolas pelos diferentes sujeitos que atuam no

EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: alternativas teóricas e


metodológicas que permeiam a prática educativa da Ecoescola Thomas a Kempis 57
sentido de transformar suas experiências de luta por
outro projeto de sociedade, numa busca pela construção
de outro projeto de educação que se constitua enquanto
prática de liberdade (LIMA, 2015).
Os pressupostos teórico-metodológicos que
fundamentam a Educação do Campo têm sustentação
na tradição do pensamento Pedagógico Socialista, ao
tratar da relação entre educação e trabalho, da formação
de indivíduos ativos e participantes da vida social,
representado por Pistrak (2018), com os Fundamentos
da Escola do Trabalho. Outra referência é a Pedagogia
do Oprimido, concebida pelo educador brasileiro Paulo
Freire, que propõe uma educação crítica e libertadora.
Na visão deste autor,
A Pedagogia do Oprimido, como pedagogia
humanista e libertadora, terá, pois, dois
momentos distintos ainda que relacionados.
O primeiro, no qual os oprimidos vão
desvelando o mundo da opressão e vão
se comprometendo, na práxis, com sua
transformação e, o segundo, no qual uma
vez transformada a realidade opressora,
essa pedagogia deixa de ser do oprimido
e passa a ser a pedagogia dos homens
no processo de permanente libertação
(FREIRE, 1987, p.40).

Desse modo, Freire compreendia a educação


a partir dos polos da dominação e emancipação. Para
ele, a Pedagogia do Oprimido é a pedagogia dos povos
na luta por sua libertação. No entendimento de Caldart
(2004), a Educação do Campo pode ser considerada uma
das realizações práticas da Pedagogia do Oprimido na

Patrícia da Conceição Lima Torres - Elmo de Souza Lima


58
medida em que afirma os pobres do campo como sujeitos
legítimos de um projeto emancipatório e, por isso mesmo,
educativo.
Na visão de Caldart (2004), foi a partir das
experiências vivenciadas pelos movimentos sociais,
no contexto da educação popular e da luta da terra e
pela vida no campo que estes movimentos forjaram um
novo jeito de fazer educação, que autora denominou de
“Pedagogia do Movimento”.
Para Caldart, esta pedagogia, tecida nas lutas
dos movimentos sociais do campo, faz um resgate
das matrizes críticas da Pedagogia Socialista e da
Pedagogia do Oprimido, buscando dar um novo sentido
político e pedagógico a estes projetos educativos a partir
da práxis transformadora, alimentada no seio das lutas
sociais. Em virtude disso, Caldart (2004) compreende
que a Pedagogia do Movimento constitui uma importante
referência política e teórico-metodológica para a
Educação do Campo, principalmente no âmbito das
escolas dos assentamentos da reforma agrária.
A partir das contribuições políticas e pedagógicas
dessas três matrizes teóricas, o movimento de Educação
do Campo buscou sistematizar alguns princípios
políticos e pedagógicos que devem nortear os debates
e as práticas desenvolvidas no contexto da Educação
do Campo. Estes princípios que norteiam a Educação
do Campo estão presentes no documento “Referências
para uma política nacional de Educação do Campo”
(BRASIL, 2004), estabelecido a partir do diálogo entre os

EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: alternativas teóricas e


metodológicas que permeiam a prática educativa da Ecoescola Thomas a Kempis 59
movimentos sociais com o Ministério da Educação, por
meio do Grupo Permanente de Trabalho de Educação do
Campo.
O documento apresenta seis princípios
pedagógicos que devem fundamentar a política e a
identidade das escolas do campo no Brasil:
a) O princípio pedagógico do papel da escola
enquanto formadora de sujeitos articulada a um projeto de
emancipação humana discute a importância de incorporar,
nos currículos e nas práticas cotidianas das escolas do
campo, uma proposta pedagógica que problematize
as questões inerentes à realidade e que compreenda a
formação humana como “um processo educativo que
possibilita ao sujeito constituir-se enquanto ser social,
responsável e livre, capaz de refletir sua atividade”
(BRASIL, 2004, p.37).
b) O princípio pedagógico da valorização dos
diferentes saberes no processo educativo defende que
a escola leve em conta os conhecimentos que os/as
pais/mães, os/as alunos/as, as comunidades possuem,
buscando resgatá-los dentro da sala de aula num diálogo
permanente com os saberes produzidos nas diferentes
áreas de conhecimento (BRASIL, 2004).
c) O princípio pedagógico dos espaços e tempos
de formação dos sujeitos da aprendizagem está associado
ao reconhecimento de que a “Educação do Campo
ocorre tanto em espaços escolares quanto fora deles.
Envolve saberes, métodos, tempos e espaços físicos
diferenciados”, considerando as diferentes possibilidades
de aprendizagem e produção do conhecimento (BRASIL,
2004, p.38).

Patrícia da Conceição Lima Torres - Elmo de Souza Lima


60
d) O princípio pedagógico do lugar da escola
vinculado à realidade dos sujeitos reconhece que a escola
do campo deve estar vinculada à realidade dos sujeitos,
compreendendo que esta realidade não se limita ao
espaço geográfico, pois engloba, principalmente, os
“elementos socioculturais que desenham os modos de
vida desses sujeitos” (BRASIL, 2004, p.39).
e) O princípio pedagógico da educação como
estratégia para o desenvolvimento sustentável defende
que “as escolas do campo precisam se estruturar a
partir de uma lógica de desenvolvimento que privilegie
o ser humano na sua integralidade”, a fim de possibilitar
a inclusão social por meio de uma política que favoreça
o processo produtivo com justiça, bem-estar social e
econômico (BRASIL, 2004, p.39).
f) O princípio pedagógico da autonomia e
colaboração entre os sujeitos do campo e o sistema nacional
de ensino defende que haja uma maior participação
dos movimentos sociais, e integração de Estados e
Municípios, na definição e gestão coletiva das políticas
públicas, contemplando a construção dos Planos
Estaduais e Municipais que contemplem a identidade e a
diversidade do campo.
A partir destes princípios pedagógicos, os
movimentos sociais procuram desenvolver uma educação
emancipadora, comprometida com as lutas dos povos do
campo. Nesse sentido, busca-se estabelecer o diálogo
e a parceria com as universidades e os municípios para
que as práticas educativas desenvolvidas nas escolas
considerem os aspectos abordados nos princípios
pedagógicos da Educação do Campo.

EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: alternativas teóricas e


metodológicas que permeiam a prática educativa da Ecoescola Thomas a Kempis 61
Os esforços empreendidos pelos movimentos
sociais trouxeram avanços significativos no campo da
legislação e da proposição de algumas políticas públicas
específicas para o campo. No entanto, a Educação do
Campo está imersa em um contexto político que necessita
de mudanças estruturais no sistema educacional, pois
as políticas educacionais propostas a partir de 2016
vêm contribuindo para o desmonte e sucateamento do
sistema educacional brasileiro.

As contribuições da Ecoescola Thomas a Kempis para a


construção do projeto de Educação do Campo no Piauí
Neste processo de construção do paradigma da
Educação do Campo, os movimentos sociais têm exercido
um papel preponderante na definição dos rumos políticos
e pedagógicos que serão trilhados no desenvolvimento
dos projetos educativos que buscam a formação crítica
dos sujeitos do campo. O Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) tem exercido certo protagonismo
neste contexto, considerando os esforços dedicados aos
estudos e às reflexões teórico-práticas, bem como à
sistematização das diretrizes políticas que fundamentam
os projetos educativos em construção nos vários
assentamentos rurais, na perspectiva da concepção da
Educação do Campo no Brasil.
Diante deste contexto, outras organizações
e movimentos sociais, a exemplo do Movimento dos
Pequenos Agricultores (MPA), da Rede de Educação
no Semiárido Brasileiro (RESAB), da União das Escolas
Famílias Agrícolas do Brasil (UNEFAB), dentre outras,

Patrícia da Conceição Lima Torres - Elmo de Souza Lima


62
também vêm assumindo o compromisso de potencializar
o debate e fomentar a construção de novas experiências
na área Educação do Campo nos estados brasileiros.
No Piauí, inspirados nas experiências de Educação
Popular, desenvolvidas pelas Comunidades Eclesiais
de Base (CEBs) e nas Escolas Famílias Agrícolas (EFAs)
vinculadas à UNEFAB, o Centro de Formação Mandacaru,
organização não governamental comprometida com a
formação e a mobilização social dos/as agricultores/as
familiares, criou em 2001 a Ecoescola Thomas a Kempis,
que atende cerca de 140 estudantes, no município de
Pedro II - PI, provenientes de 30 comunidades rurais e
bairros periféricos da zona urbana. A Ecoescola está
situada no Sítio Revedor, aproximadamente 2,5 km de
distância da sede do município e dispõe de uma área de 19
hectares, em sua maior parte constituída por vegetação
nativa, o que a diferencia da maioria das escolas do
campo no Piauí.
De acordo com o Projeto Político Pedagógico da
Ecoescola Thomas a Kempis, a escola é concebida como
“um espaço educacional que contempla a perspectiva
de conexão entre o que se aprende na escola e aquilo
que se vivencia (teoria e prática), levando-se em conta,
fundamentalmente, uma relação de sustentabilidade
com o meio ambiente”. Além disso, defende um modelo
de educação que “pretende formar um sujeito de direitos
que atue em consonância com uma cultura de respeito
ao outro, baseada nos princípios e valores que dignificam
o ser humano” (ECOESCOLA, 2016, p.20).

EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: alternativas teóricas e


metodológicas que permeiam a prática educativa da Ecoescola Thomas a Kempis 63
Durante a pesquisa, observamos que as práticas
educativas da Ecoescola contemplam um conjunto de
aspectos organizativos, políticos e pedagógicos que
dialogam com os referencias teóricos da Educação
do Campo, permeados pela construção coletiva do
conhecimento, a problematização da realidade, a troca de
experiências e saberes entre educadores/as, educandos/
as e a comunidade. Além disso, verificamos há três
dimensões políticas e pedagógicas que se destacam
nos projetos educativos desenvolvidos na Ecoescola:
a) a articulação teoria/prática numa perspectiva
interdisciplinar; b) a formação crítica e a inserção dos/
as educandos/as na comunidade; e c) a auto-organização
dos/as educandos/as.
Com relação ao processo de articulação teoria
e prática, a Ecoescola procura desenvolver um trabalho
coletivo entre educadores/as e educandos/as que
permita a superação da dicotomia entre saberes teóricos
e práticos, com o desenvolvimento de projetos educativos
interdisciplinares, utilizando-se de uma metodologia que
contempla a pesquisa, a problematização da realidade
e a valorização dos diferentes saberes no processo de
produção do conhecimento.
Nesta perspectiva, as práticas educativas são
desenvolvidas com o intuito de promover uma maior
articulação entre teoria e prática, tendo o contexto dos/as
educandos/as e os diferentes espaços educativos como
meio de superar a fragmentação e a descontextualização
do conhecimento. Desse modo, a Ecoescola disponibiliza

Patrícia da Conceição Lima Torres - Elmo de Souza Lima


64
de espaços de criação de animais, hortas, pomares, viveiro
de mudas, dentre outros, que possibilitam momentos de
relacionar teoria e prática.
Além disso, os processos educativos são
concebidos a partir da multiplicidade de espaços e
tempos pedagógicos que contemplam, além daqueles
existentes na própria escola, os momentos de formação
constituídos através dos diálogos com os movimentos
sociais, as comunidades e os espaços familiares.
As experiências desenvolvidas em parceria com os
movimentos sociais assumem um caráter político com
vistas à emancipação e à transformação social. São
experiências construídas a partir das lutas políticas
empreendidas pelos sujeitos do campo neste processo
de autoafirmação enquanto sujeitos históricos, que
fazem emergir e manter viva a utopia de construção de
outro mundo possível, alicerçado nos valores da justiça e
da igualdade social.
Dessa forma, a sala de aula é compreendida
como um lugar de sistematização dos conhecimentos
adquiridos nos diversos contextos de aprendizagem.
Sendo assim, a Ecoescola compreende que a educação
não acontece e não se esgota apenas na escola. As
práticas educativas da Ecoescola contemplam atividades
como: eventos socioambientais, atividades de campo,
palestras, feiras culturais e agroecológicas, debates,
seminários, atividades culturais, atividades esportivas,
lazer e rodas de diálogo. Além disso, prioriza também
outras atividades no campo das artes e suas diferentes
linguagens, nas quais são trabalhadas questões

EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: alternativas teóricas e


metodológicas que permeiam a prática educativa da Ecoescola Thomas a Kempis 65
relacionadas com as tradições culturais, a história da
comunidade e dos povos, a literatura, a poesia, a música
regional, dentre outros aspectos.
Este trabalho na área da arte e da cultura
assume um papel importante na formação crítica dos/
as educandos/as, na medida em que as atividades
artísticas e culturais desenvolvidas nas oficinas (teatro,
música, dança, etc) são voltadas para a reflexão dos
problemas sociais, políticos e econômicos vivenciados
nas comunidades. Nestas atividades, os/as educandos/
as assumem o protagonismo na construção do
conhecimento e na organização das diferentes ações,
com o auxílio de educadores/as e da equipe pedagógica
da instituição.
Vale ressaltar que estas iniciativas buscam
promover uma articulação entre os conteúdos das
diversas áreas do conhecimento com outras temáticas
oriundas do contexto social e político, incluindo práticas
em áreas específicas para o desenvolvimento sustentável
no campo. Desse modo, compreendemos que o conjunto
de atividades que compõem as práticas educativas
da Ecoescola articulam-se aos princípios políticos e
pedagógicos da Educação do Campo, buscando, acima de
tudo, possibilitar uma inserção crítica dos/as educandos/
as no mundo.
Neste sentido, os projetos educativos
interdisciplinares desenvolvidos no âmbito da
Educação do Campo trazem as questões sociais
vivenciadas pelos/as camponeses/as para serem
problematizadas e compreendidas a partir do confronto
com os conhecimentos construídos historicamente

Patrícia da Conceição Lima Torres - Elmo de Souza Lima


66
pela humanidade. Este processo traz contribuições
importantes para a formação crítica e a emancipação
dos/as jovens camponeses/as.
Durante a investigação, notamos também que
há um esforço da instituição na construção de novos
conhecimentos que favoreçam a construção de outro
projeto de desenvolvimento do campo, pautado nos
princípios da sustentabilidade e da justiça social, tendo
a agroecologia2 como alternativa política de produção da
vida.
Em virtude disso, nas áreas de produção são
utilizadas diferentes técnicas e práticas de manejo
associadas à agroecologia, tanto na área da agricultura
quanto na agropecuária. Como, por exemplo as roças
orgânicas e hortas sobreadas que são desenvolvidas na
escola e compartilhadas com as famílias como forma
de disseminar os conhecimentos construídos a partir
destes experimentos agroecológicos, constituindo-se
numa alternativa de democratização dos conhecimentos
produzidos na escola, bem como num meio de fomentar a
melhoria da qualidade de vida nas comunidades.
Nesta perspectiva, verificamos que a
agroecologia vem se configurando, tanto na Ecoescola
quanto em outras experiências de Educação do
Campo, como uma alternativa de desenvolvimento que
potencializa a organização social e o fortalecimento da

2 A agroecologia constitui um conjunto de conhecimentos


sistematizados, baseados em saberes técnicos tradicionais que
são utilizados há milênios por povos indígenas e camponeses nos
vários continentes. Adota princípios ecológicos e valores culturais
às práticas agrícolas que, com o tempo, foram desecologizadas e
desculturalizadas pela capitalização e tecnificação da agricultura.

EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: alternativas teóricas e


metodológicas que permeiam a prática educativa da Ecoescola Thomas a Kempis 67
agricultura familiar, assim como fomenta a construção de
novas estratégias políticas e epistemológicas voltadas à
construção interdisciplinar do conhecimento.
Um aspecto relevante identificado nas atividades
da Ecoescola foi o trabalho de auto-organização dos/
as educandos/as. Durante o processo de observação,
constatamos que a instituição desenvolve ações que
fomentam a organização dos/as estudantes e promovem
sua autonomia e criticidade. Dentre estas atividades, a
auto-organização e o envolvimento dos/as educandos/as
nas atividades das áreas de produção foram os aspectos
que mais nos chamaram atenção. Eles/as cuidam da
alimentação e da separação das cabras no aprisco,
fazem a limpeza do chiqueiro e cuidam da alimentação
dos porcos, alimentam as galinhas e recolhem os ovos
que são destinados à alimentação escolar, dentre outras
tarefas. Durante a realização destas, os/as educandos/
as demonstram autonomia, experiência, cooperação e
bom humor.
Outra dimensão do trabalho na Ecoescola diz
respeito à organização e à limpeza do espaço escolar.
Os/as próprios/as educandos/as são responsáveis pela
limpeza dos espaços coletivos da escola e de seus
objetos de uso pessoal, como os utensílios usados nas
refeições. De acordo com o Projeto Político Pedagógico
(2016, p. 32), “estas práticas visam incentivar o trabalho
em equipe, a autonomia, despertar a prática do cuidado
e a preservação dos espaços coletivos”.
De acordo com Pistrak (2018, p. 53), a auto-
organização dos/as educandos/as “deve ser uma
questão séria, grande e verdadeira, com obrigações e

Patrícia da Conceição Lima Torres - Elmo de Souza Lima


68
responsabilidades sérias”. Acrescenta, ainda, que exige o
desenvolvimento de três questões básicas: “1) habilidade
para trabalhar coletivamente – habilidade de encontrar o
seu lugar no trabalho coletivo; 2) capacidade de abarcar
organizadamente cada tarefa; 3) capacidade para a
criatividade organizativa” (idem, p. 52).
Com base nas observações desenvolvidas acerca
da organização dos espaços educativos, verificamos
que há, por parte da equipe pedagógica da escola, uma
preocupação com o processo de auto-organização dos/
as estudantes. Nessa perspectiva, os/as educandos/as
contribuem no desenvolvimento e gestão das atividades
realizadas nos espaços educativos da instituição.
No período de observação da prática educativa,
percebemos que há uma auto-organização dos/as alunos/
as para realizar diversas ações como estas citadas por
Pistrak (2018). Partindo desse pressuposto, acreditamos
na capacidade organizativa dos/as educandos/as para
que, eles/as mesmos/as, organizem sua escala de
trabalho para a realização das atividades nas áreas de
produção e nas tarefas de limpeza e conservação da
escola.
É importante que a Ecoescola avance no sentido
de estimular os/as educandos/as para que possam
desenvolver uma maior autonomia e liberdade no processo
de auto-organização e desenvolvimento das atividades
educativas, tendo em vista que tanto a instituição quanto
eles/as têm condições de criar mecanismos capazes
de fortalecer a autogestão dos/as educandos/as na
condução dessas e de outras atividades.

EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: alternativas teóricas e


metodológicas que permeiam a prática educativa da Ecoescola Thomas a Kempis 69
Diante das diversas experiências desenvolvidas
pela Ecoescola, compreendemos que esta instituição
traz importantes contribuições para a consolidação
deste campo de estudo, uma vez que suas experiências
educativas dialogam com os princípios da Educação do
Campo, bem como trazem inúmeras alternativas teórico-
metodológicas que apontam diferentes perspectivas
didático-pedagógicas para a materialização deste
projeto de educação que tem os sujeitos do campo como
protagonistas do processo de produção do conhecimento
e da construção das alternativas de outro projeto de
campo.

Considerações finais
As práticas educativas desenvolvidas na
perspectiva da Educação Rural negam os saberes e a
vivência sociocultural dos/as camponeses/as. A partir
da luta dos movimentos sociais, houve um avanço na
elaboração de documentos e na formulação de políticas
públicas que assegurem o direito a uma educação crítica
no e do campo.
A Educação do Campo, ao denunciar o
pensamento pedagógico hegemônico conservador,
constitui-se como um novo paradigma de educação
que problematiza as questões sociais, busca construir
coletivamente os saberes, conscientiza e liberta. Nesse
contexto, os movimentos sociais do campo defendem um
modelo de desenvolvimento que atenda aos interesses
políticos, econômicos e culturais da agricultura familiar.
De modo consequente, busca-se desenvolver práticas
educativas que valorizem os conhecimentos e saberes

Patrícia da Conceição Lima Torres - Elmo de Souza Lima


70
dos povos do campo, na perspectiva da problematização,
da dialogicidade, da formação crítica e da autonomia dos
seus sujeitos históricos.
A prática educativa da Ecoescola é referenciada
numa metodologia que se fundamenta nos pressupostos
teórico-metodológicos da pedagogia freireana, na qual
a educação visa à formação crítica e à transformação
social. No trabalho pedagógico da referida instituição,
prevalece o estudo crítico da realidade, a troca de
experiências, o espírito de cooperação e solidariedade
entre os seus membros, tal como a inserção dos/as
educandos/as na comunidade, no sentido fortalecer
sua organização social e os projetos alternativos de
desenvolvimento comunitário.
Durante o processo de investigação, procuramos
compreender como os pressupostos teórico-
metodológicos utilizados no desenvolvimento da prática
educativa favorecem a articulação teoria/prática numa
perspectiva interdisciplinar. A pesquisa nos confirmou
que as práticas de planejamento coletivo contribuem
na construção de projetos interdisciplinares voltados
à articulação teoria e prática e ao diálogo entre os
diferentes conhecimentos (escolares e populares),
visando ampliar a compreensão da realidade do campo.
Destacamos que os princípios políticos e
pedagógicos da Educação do Campo são incorporados
na prática educativa da Ecoescola através de atividades
vinculadas à realidade dos/as educandos/as; no
reconhecimento dos saberes dos povos do campo e na
articulação destes saberes aos conteúdos escolares;

EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: alternativas teóricas e


metodológicas que permeiam a prática educativa da Ecoescola Thomas a Kempis 71
no compromisso com o desenvolvimento sustentável da
região do semiárido, por meio de práticas agroecológicas,
dentre outras ações.
Para consolidar uma prática educativa em
consonância com os princípios da Educação do Campo,
a Ecoescola enfrenta alguns desafios. Dentre eles,
destacamos a autonomia financeira; as condições do
transporte escolar de alunos/as; a escassez de material
didático contextualizado com a realidade do campo;
a rotatividade dos/as educadores/as e a ausência de
projetos de formação continuada destes/as profissionais,
na área Educação do Campo.
Ao analisarmos as contribuições da prática
educativa da Ecoescola, constatamos que a referida
instituição desenvolve diversas atividades educativas
articuladas à problematização da realidade sociopolítica,
econômica e cultural do campo. Estas ações trazem
contribuições significativas para a formação crítica e a
emancipação política dos/as educandos/as.
Nesse sentido, a Educação do Campo configura-
se como uma estratégia de luta política na construção de
um novo modelo de sociedade, mais justo e democrático.
Em vista disso, compreendemos que a experiência
desenvolvida pela Ecoescola Thomas a Kempis fortalece
essa luta e contribui na construção de um projeto
educativo pautado na valorização dos saberes e modos
de vida dos povos do campo.

Referências

BAPTISTA, Francisca M. C. Educação rural: das experiências à


política pública. Brasília: NEAD/MDA, Editorial Abaré, 2003.

Patrícia da Conceição Lima Torres - Elmo de Souza Lima


72
BEZERRA NETO, Luiz. Avanços e retrocessos da educação
rural no Brasil. Doutorado em Educação. Campinas:
UNICAMP, 2003.

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educação do campo: caderno de subsídios. Brasília:
Secretaria de Educação Média e Tecnológica, Grupo
Permanente de Trabalho de Educação do Campo, 2004.

CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem


Terra. 3.ed. São Paulo. Expressão Popular, 2004.

ECOESCOLA, Thomas a. Kempis. Projeto Político


Pedagógico. Pedro II, PI: ECOESCOLA, 2016.

FERNANDES, Bernardo Maçano; MOLINA, Mônica


Castagna. O campo da Educação do Campo. In: MOLINA,
Mônica Castagna; JESUS, Sônia Meire Santos Azevedo
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de Educação do Campo. Coleção Por Uma Educação do
Campo, nº 5. Brasília, DF:2004. p. 32-53.

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 7. ed. Rio de Janeiro:


Paz e Terra, 1983.

________.Pedagogia do Oprimido.17 ed. Rio de Janeiro: Paz e


Terra,1987.

LIMA, Elmo de Souza. Formação continuada de


educadores/as: as possibilidades de reorientação do
currículo. Curitiba: CRV, 2015.

PALUDO, Conceição. “Educação Popular”. In: CALDART,


Roseli Salete et al. (Org.). Dicionário da Educação do
Campo. Rio de Janeiro: Expressão Popular, 2012. p. 282-287.
PISTRAK, Moisey M. Fundamentos da Escola do Trabalho.
São Paulo: Expressão Popular, 2018.

EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: alternativas teóricas e


metodológicas que permeiam a prática educativa da Ecoescola Thomas a Kempis 73
74
PRÁTICAS EDUCATIVAS
NAS ESCOLAS DO CAMPO:
FOMENTANDO O PROCESSO DE
CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE
CAMPONESA DOS/AS
EDUCANDOS/AS
Maria Sueleuda Pereira da Silva

Introdução
As práticas educativas desenvolvidas na
Educação do Campo têm possibilitado aos sujeitos que
vivem nesse lugar uma reflexão constante sobre as
contradições sociais e econômicas, bem sobre como
as mudanças e permanências que simultaneamente
acontecem no campo. Dessa forma, faz-se necessário
forjar educadores que tenham a sensibilidade de
compreender essas contradições e a partir daí sejam
capazes de ampliar elementos das práticas educativas
que os instrumentalizem no enfrentamento e superação
dessas dicotomias.
Nesse intuito, entendemos que potencializar
práticas educativas na Educação do Campo, através
dos saberes e fazeres, bem como das lutas dos povos
do campo, é uma forma de ampliar as possibilidades de
intervenção na realidade na qual os educandos estão
inseridos e de desencadear mudanças no processo
político-pedagógico e métodos de organização, no

PRÁTICAS EDUCATIVAS NAS ESCOLAS DO CAMPO: FOMENTANDO O PROCESSO


DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CAMPONESA DOS/AS EDUCANDOS/AS 75
sentido de construir práticas que contribuam para
romper com as cercas dos latifúndios de terra e do
conhecimento, fundamental para fortalecer as lutas de
transformação social almejada por aqueles que apontam
na possibilidade da construção de um projeto popular de
desenvolvimento.
A prática cotidiana construída pelas populações
campesinas e a valorização da cultura do campo
precisam estar em uma relação dialógica na construção
do conhecimento e no desenvolvimento de práticas
educativas, que se fazem imprescindíveis para construção
de novos paradigmas de educação que garantam aos
povos do campo a oportunidade de acessar e se apropriar
de conhecimentos necessários para atender aos anseios
de seus povos.
Neste sentido, as práticas educativas
desenvolvidas na Educação do Campo têm um papel
fundamental no processo de conscientização de suas
populações, pois quando compreendemos que a educação
é, acima de tudo, um ato político (FREIRE, 1987), a prática
deixa de ser uma ação realizada na base da neutralidade
e passa a ser ressignificada através da formação política
e dos processos de luta e de organização campesina.
Para tanto, é fundamental priorizar a execução
de projetos de formação de educadores que buscam nas
lutas dos povos do campo a articulação com elementos
dos saberes das comunidades e com a intencionalidade de
construir conhecimentos que favoreçam o entendimento
acerca dos territórios camponeses, considerando estes
espaços fomentadores de propostas metodológicas

Maria Sueleuda Pereira da Silva


76
e conceituais capazes de oferecer instrumentos de
fortalecimento e expansão das práticas educativas
comprometidas com a emancipação.
Desta forma, apresentamos este estudo que
tem como propósito analisar as contribuições da prática
educativa desenvolvida no contexto da Educação do
Campo para construção da identidade camponesa dos/
as educandos/as.

A produção de novos conhecimentos políticos e


pedagógicos no contexto da Educação do Campo
Existe a intencionalidade de que formação de
educadores seja desenvolvida a partir dos paradigmas
da Educação do campo, para que se entendam as
especificidades e os desafios que incidem no ato de
compreender e intervir sobre a realidade na qual se insere
as escolas do campo, bem como de seus educandos.
Nessa perspectiva, Molina (2014) recomenda que,
na formação dos educadores que atuarão nas escolas do
campo, haja um reforço no que concerne ao entendimento
de que a existência e a permanência tanto das escolas,
quanto de seus sujeitos, passam, necessariamente,
pelos caminhos a percorrer a partir dos desdobramentos
da luta de classes, do resultado das forças em disputa
na construção dos antagônicos projetos de campo na
sociedade brasileira.
Desta forma, o Movimento da Educação do
Campo entende que a escola do campo se constitui como
instrumento de aliança com os sujeitos sociais em luta,

PRÁTICAS EDUCATIVAS NAS ESCOLAS DO CAMPO: FOMENTANDO O PROCESSO


DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CAMPONESA DOS/AS EDUCANDOS/AS 77
como forma de garantir que a população campesina
continue existindo, bem como a reprodução material da
vida a partir do trabalho na terra.
Nesse sentido, o Movimento da Educação do
Campo emprega esforços na formação de educadores/
as camponeses/as com o intuito de que estes possam
desenvolver suas atividades nas escolas do campo,
como intelectuais orgânicos1 da classe trabalhadora,
fomentando a formação crítica dos educandos,
proporcionando a eles condições de compreender
os projetos opostos de desenvolvimento do campo
atualmente em disputa entre a classe trabalhadora e a
capitalista (MOLINA, 2014).
Vale ressaltar que as práticas educativas
desenvolvidas na Educação do Campo vêm fomentando
a produção de novos saberes políticos-pedagógicos,
bem como novos processos de ensino-aprendizagem
que favorecem o rompimento da fragmentação do
conhecimento, possibilitando uma maior compreensão
da realidade camponesa e dos processos sociais que
decorrem das lutas contra-hegemônicas do projeto de
sociedade capitalista.
Não obstante, as práticas educativas forjadas a
partir das vivências, nos modos e no jeito de ser da vida
campesina e experimentada em algumas escolas do
campo, reflexo dos processos permanentes de educação
popular, vem superando a visão dicotômica de educação

1 Intelectual orgânico é um tipo de intelectual que está ligado


direta e intimamente à sua classe social de origem, atuando como
mediador de um grupo. É um conceito criado pelo italiano Antonio
Gramsci (1891-1937).

Maria Sueleuda Pereira da Silva


78
que ao longo dos anos foi oferecida às populações
do campo. Nesse sentido, existe a necessidade de
desconstrução constante dos princípios pedagógicos
que não consideram os educandos, seus territórios e os
seus modos de vida como protagonistas na construção
do conhecimento.
Vale ressaltar que a Educação do Campo surge
com o comprometimento de mudanças das condições de
vida da população campesina, a partir da preocupação e
da necessidade de aumentar os níveis de escolarização
dos sujeitos do campo, bem como de contribuir para
fomentar transformações estruturais no espaço aos
quais estes estão vinculados.
Neste sentido, o contexto no qual se desenvolvem
os processos formativos tem vínculo direto com os graves
conflitos que ocorrem no campo, e isso acontece em
função dos diferentes interesses econômicos, políticos
e sociais por parte daqueles que ocupam esse campo
(MOLINA, 2011). Desse modo, o processo de formação
desenvolvido para os educadores do campo deve partir da
necessidade que estes têm de compreender as diversas
e distintas realidade que ocorrem no campo, assim como
os variados tempos, espaços e situações a vivenciarem
no desenvolvimento de sua ação.
Dessa maneira, a Educação do Campo, a partir
de sua concepção, compreende os processos culturais,
as estratégias de socialização, as relações de trabalho
vividas pelos povos do campo na sua rotina diária
para manterem sua identidade com o seu lugar, como
elementos essenciais para este processo formativo
(MOLINA, 2011).

PRÁTICAS EDUCATIVAS NAS ESCOLAS DO CAMPO: FOMENTANDO O PROCESSO


DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CAMPONESA DOS/AS EDUCANDOS/AS 79
Nesse contexto, a prática educativa que
temos como referencial é aquela que está imbuída de
comprometimento com a vida plena dos povos do campo,
suas lutas, seus anseios, seus modos e saberes, ou seja,
nela estão agregadas todas as reflexões necessárias
para que a negação dos direitos e a consequente exclusão
ocorrida no território camponês venha fortalecer o
movimento de luta contra a hegemonia dos valores da
sociedade capitalista.
Entendemos que as práticas educativas
favorecem aos educandos processos de reflexão capazes
de desencadear o interesse constante de contestação
às desigualdades sociais e econômicas existentes no
campo brasileiro e, também, de perceber a necessidade
de se inserir na luta contra a exclusão e dominação de
um modelo econômico perverso, que ao longo dos anos
disseminou a compreensão generalizada e fragmentada
de conhecimento e educação para o povo camponês.
Esse entendimento nos leva a crer que a escola é
um espaço importante para fortalecer práticas educativas
comprometidas com a compreensão da realidade e nela
se converge às relações entre os saberes populares
e saberes científicos, necessários para ampliar as
reflexões que favorecem o diálogo coletivo entre aqueles
que protagonizam as práticas educativas da Educação
do Campo.
Entendemos que se faz necessário oferecer às
escolas do campo, além das possibilidades de apropriação
do conhecimento historicamente e culturalmente
elaborado, também conhecer e vivenciar as dinâmicas
de formação desenvolvidas pelos movimentos sociais do

Maria Sueleuda Pereira da Silva


80
campo nas suas diversas formas, assim como as vivências
da população camponesa como forma de ampliar os
conhecimentos oferecidos aos educandos, propiciando
a estes elementos mais consistentes à reflexão das
relações complexas que se instituíram na educação
oferecida aos povos do campo, bem como dos distintos
projetos que estão em disputas.
Portanto, acreditamos que seja compromisso
de todos/as aqueles/as que acreditam numa educação
emancipadora e transformadora para o povo camponês
fazer adentrar nas escolas do campo os debates
acerca das questões que historicamente fizeram das
comunidades camponesas lugar de resistência à
colonização, à estrutura escravista, às diversas formas
de dominação, exploração, assim como a desvalorização
do espaço e da auto-organização de seus povos. Para
Charlot (2014, p. 128):
A comunidade é lugar de resistência, de
memória, de dignidade. Sendo assim, é
socialmente legítimo preconizar o vínculo
entre a escola e a comunidade. Vinculada
à comunidade, a escola é “nossa” escola
e não “a escola deles”, dos dominantes.
Conhecer novos mundos, ter acesso
a formas ideais, objetivar o mundo e
distanciar-se da experiência cotidiana,
perceber-se a si mesmo como ser de Razão
e de Imaginação, tudo isso só vale quando
diz algo, indiretamente, a respeito da minha
vida, do meu mundo, da minha experiência,
de quem eu sou e posso vir a ser.

Não obstante, a tendência na lógica neoliberal da


concorrência é simplificar a educação a uma mercadoria,
um serviço escolar que favoreça rentabilidade no

PRÁTICAS EDUCATIVAS NAS ESCOLAS DO CAMPO: FOMENTANDO O PROCESSO


DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CAMPONESA DOS/AS EDUCANDOS/AS 81
mercado dos empregos e das posições sociais; como
consequência, as formas de aprendizagem mecânicas e
superficiais, desconectadas do sentido do saber e de uma
verdadeira atividade intelectual, têm sido predominantes
(CHARLOT, 2014).
Corroboramos a ideia de que as escolas do/no
campo são espaços na comunidade que convergem às
práticas educativas que contribuem para compartilhar os
modos de vida, os saberes, as vivências, oportunizando
o despertar de desejos, vontades, interesses comuns
e de maior sentido na vida da comunidade, sobretudo
dos educandos, o que possibilita maior prazer no ato de
aprender. Daí a luta dos movimentos para que a educação
não seja considerada como uma mercadoria, um serviço
como outro qualquer, indo de encontro com a lógica
hegemônica perversa, que só tem o capital como moeda
que lhes garante o acesso aos bens necessários à vida.
Desse modo, o movimento da Educação do Campo
traz no bojo de suas vivências contribuições fundamentais
para fortalecer as práticas educativas, imprescindíveis
para superar a lógica capitalista de escola, em que a
educação que historicamente foi oferecida aos filhos e
filhas de camponeses e aos demais trabalhadores tinha
como principal finalidade a preparação para o trabalho
braçal, desenvolver comportamentos conformistas,
devendo contentar-se com uma escolarização precária,
que inviabiliza os/as educandos/as perceberem
problemas que são decorrentes da estrutura social,
distanciando daquela que acreditamos ser necessária
para intervir e transformar sua realidade.

Maria Sueleuda Pereira da Silva


82
Vale ressaltar que atualmente a estrutura social
se apresenta dividida em classes e grupos sociais com
interesses distintos e antagônicos, sobretudo no campo
brasileiro, em que temos de um lado o agronegócio,
modelo perverso que exclui e que coloca em risco a
soberania do país, e, do outro, o modelo do povo camponês
que garante, em boa parte, alimentos para sustentação
do povo brasileiro, através da Agricultura familiar (SILVA,
2012). Isso repercute tanto na organização econômica e
política quanto na prática educativa. Consequentemente,
as finalidades e os meios da educação subordinam-se à
estrutura dinâmica das relações entre as classes sociais,
ou seja, são socialmente determinadas (LIBÂNEO, 1994).
A prática educativa integra as dinâmicas das
relações e formas da organização social; a sua finalidade
e processos são determinados por interesses distintos
e antagônicos das classes sociais. Dessa forma, no
trabalho docente, se manifesta interesses de toda ordem
e que precisam ser compreendidos pelos educadores.
Nessa perspectiva, a Educação do Campo requer
que os/as educadores/as sejam capazes de compreender
o trabalho docente, parte integral do processo educativo
mais global pelos quais os educandos precisam
ser preparados para a participação ativa na vida da
comunidade, potencializando as práticas educativas
que estimulam o desenvolvimento de capacidade para o
enfrentamento e superação das dicotomias estabelecidas
no campo.
Da mesma forma, os/as educadores/as precisam
protagonizar as práticas educativas que instigam a
transformação das relações hegemônicas estabelecidas

PRÁTICAS EDUCATIVAS NAS ESCOLAS DO CAMPO: FOMENTANDO O PROCESSO


DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CAMPONESA DOS/AS EDUCANDOS/AS 83
no campo brasileiro, através da elaboração e da
organização dos interesses da comunidade, assim como
de alinhar o processo educativo aos objetivos das lutas
que preconizam novas políticas culturais, econômicas,
sociais e ambientais para o campo.
Considerando que as relações sociais não são
estáticas e imutáveis, faz-se necessário perceber a
dinamicidade e a capacidade que os educandos têm
de transformar sua realidade. Assim, é imprescindível
reconhecer o papel político do trabalho docente na
luta pela modificação das relações de poder impostas
à sociedade e a necessidade de que os educadores
tenham comprometimento com as lutas dos povos do
campo, fundamentada em uma concepção de vida e
de sociedade que contribua para o fortalecimento do
movimento de luta pela Educação do Campo.
Entendemos que as práticas educativas
desenvolvidas na Educação do Campo devem está
imbuídas de significados sociais, e, portanto, a vida
cotidiana da comunidade, as relações estabelecidas entre
educador/a e educandos/as, a clareza e o compromisso
com os objetivos da educação, o trabalho docente e sua
percepção de educando/a, são alguns elementos que
constituem na dinâmica das relações entre classes, entre
raças, entre grupos religiosos, entre homens e mulheres,
jovens e adultos e que, quando vinculadas à ação
educativa, determinam maior qualidade na formação
dos/as educandos/as.
Cabe aos/às educadores/as potencializar as
práticas educativas, percebendo a intencionalidade das
práticas sociais, uma vez que a dinâmica dos movimentos

Maria Sueleuda Pereira da Silva


84
sociais está impregnada das diversas influências
educativas, pois estão constantemente participando,
interagindo, intervindo no seu contexto cultural,
requalificando suas ações e intervenções, estabelecendo
condições para tornar os sujeitos emancipados e
protagonistas.
Não obstante, o que evidenciamos é que existe
um modelo de Educação que está sendo desenvolvido
no campo brasileiro, que transforma o fazer da
prática pedagógica previsível, linear e mecânico e,
consequentemente, de repetição e não mudança,
incompatíveis com o desenvolvimento das práticas
educativas que se manifestam a partir das vivencias, dos
modos e dos saberes dos sujeitos que protagonizam a
ação educativa e que desenvolveram mecanismos para
aprender e ou reaprender, a produzir conhecimento de
forma coletiva, crítica e transformadora.
É importante ressaltar que existe uma tensão
permanente entre a educação, com enfoque tecnicista,
urbanocêntrico, que foi historicamente pensada
e oferecida aos filhos e filhas dos camponeses, e
a Educação do Campo, pensada e defendida pela
diversidade de sujeitos que protagonizam e vivenciam
os projetos inovadores de educação desenvolvidos
a partir das experiências da população do campo e
que tem provocado o rompimento da concepção de
“educação bancária”, valorizando os saberes construídos
no cotidiano dos povos no processo de construção do
conhecimento, gerando a possibilidade de ressignificar
conhecimentos a partir da relação que se estabelece
entre a escola e a dinâmica da vida campesina.

PRÁTICAS EDUCATIVAS NAS ESCOLAS DO CAMPO: FOMENTANDO O PROCESSO


DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CAMPONESA DOS/AS EDUCANDOS/AS 85
Desenvolver práticas educativas na Educação
do Campo significa pensar numa escola que tem como
premissa a ética, a valorização humana e o respeito aos
diferentes elementos essenciais no enriquecimento
das experiências e reconstrução dos modos de vida,
que proporcionam aos educadores/as e educandos/as
condições de refletir criticamente como sujeitos de sua
práxis.
Neste sentido, precisamos enraizar as práticas
educativas que têm, através do seu dinamismo, favorecido
vida à escola, que têm feito das tensões e contradições
o movimento dialético que potencializa os espaços
de construção coletiva, de novas vivências e novos
saberes, proporcionando aos educandos a capacidade
de compreender, explicitar e intervir na sua realidade,
mediante um processo de conscientização da práxis.
Segundo Vásquez (2011), podemos afirmar que
a práxis se apresenta como uma atividade material,
transformadora e adequada para esse fim, ou seja,
proporciona o protagonismo dos sujeitos desse projeto
de educação libertadora e popular, ao designarmos como
práxis a atividade prática material, adequada a fins, que
transforma o mundo natural e humano.

A dinamicidade do campo e os processos formativos na


construção da identidade camponesa
Conforme já enfatizado por alguns autores,
as práticas educativas desenvolvidas no contexto da
Educação do Campo ocorrem tanto nos espaços da
escola quanto nas mais variadas formas de organização
e espaços que fazem parte da vida da comunidade. Desta

Maria Sueleuda Pereira da Silva


86
forma, a escola do campo deve estar diretamente ligada
à realidade dos sujeitos, não limitando o campo a área
geográfica, mas, sobretudo, aos aspectos socioculturais
que expressam os modos de vida destes sujeitos.
As práticas educativas desenvolvidas no
campo têm nos mostrado que o campo está vivo e nele
encontramos possibilidades reais de vida e isso tem
contribuído para desmistificar a visão negativa de campo
e de escola que, ao longo dos anos, foi disseminada e que
provocaram o olhar deturpado da realidade camponesa,
exaltando a cidade como único lugar com viabilidade de
prosperar vidas.
Para Caldart (2002), fortalecer as práticas
educativas na Educação do Campo significa fomentar
reflexões que acumulem força e espaço no sentido de
contribuir na desconstrução coletiva do imaginário
acerca da relação hierárquica que existe entre campo
e cidade, e que sempre coloca o campo como lugar do
atraso.
A questão que se impõe é compreender que as
relações de pertença dos/as educandos/as com o campo
estão intrinsecamente ligadas aos processos educativos
que devem ter como premissa os saberes, as vivências, os
valores e as identidades do povo camponês e que estão
em jogo nessa dinâmica tensa e complexa do campo.
Os movimentos sociais, assim como diferentes
educadores/as e pesquisadores/as, através da realização
de práticas educativas têm nos revelado um campo
como espaço fecundo e de desenvolvimento de ações

PRÁTICAS EDUCATIVAS NAS ESCOLAS DO CAMPO: FOMENTANDO O PROCESSO


DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CAMPONESA DOS/AS EDUCANDOS/AS 87
que instigam a emancipação de homens e mulheres, a
solidariedade e a democracia, sobretudo a superação da
dicotomia entre a cidade e o campo.
Uma das lutas travadas pelo movimento da
Educação do Campo é pela implementação de políticas
públicas que considerem que a vida no campo e na
cidade se tece de formas distintas e que se pautar no
parâmetro urbano, que distancia os sujeitos de suas reais
necessidades, potencial, saberes e desejos dos que vivem
no campo, contribui para “reproduzir a desigualdade e a
exclusão social, distanciando cada vez mais os sujeitos
do campo do exercício de sua cidadania” (BRASIL, 2004,
p.36).
Daí a importância de situamos que, tanto no
campo prático quanto no teórico da Educação do Campo,
se faz necessário algumas reflexões e posicionamentos
no aspecto que trata de uma educação que afirme as
relações e o sentimento de pertença dos educandos/as
com o campo:
Pertencer significa se reconhecer como
integrante de uma comunidade e um
sentimento que move os sujeitos a defender
suas ideias, recriar formas de convivência e
transmitir valores de geração a geração. O
sentimento de pertença é o que cria o mundo
para que os sujeitos possam existir, uma
vez que a condição para o desenvolvimento
das suas competências e dos seus valores
é a pertença a um lugar. É a partir dele que
o ser humano elabora a sua consciência e
o seu existir neste mundo (BRASIL, 2004,
p.36).

Maria Sueleuda Pereira da Silva


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À medida que as práticas educativas se
entrelaçam com a luta pelo direito a terra, à água, à
soberania alimentar e à educação, os/as educandos/as
recriam os vínculos de pertença e reconstroem a sua
identidade com o campo e com a sua comunidade. Esta
é uma referência não de exclusão, mas de afirmação do
povo camponês, pois se trata do sentimento dos que têm
relação direta com a terra e com os demais elementos que
compõem todo ecossistema, diferentemente daqueles
que vivem na cidade.
Não obstante, as práticas educativas
desenvolvidas na Educação do Campo têm a
intencionalidade no fortalecimento da identidade dos/
as educandos/as, fomentando o enraizamento social,
compreendendo a história de vida de cada sujeito e o seu
envolvimento nas lutas sociais e entendendo que “cada
sujeito individual e coletivamente se forma na relação de
pertença a terra e nas formas de organização solidária”
(BRASIL, 2004, p.37).
Segundo Caldart (2002), a Educação do Campo
identifica uma reflexão pedagógica que surge das variadas
práticas educativas que vêm sendo desenvolvidas no
campo e pelos sujeitos que protagonizam o cotidiano do
povo camponês. Essa reflexão reconhece o campo não
apenas como lugar de reprodução, mas, sobretudo, de
produção de pedagogia.
Trata-se de combinar pedagogias de
modo a fazer uma educação que forme e
cultive identidades, autoestima, valores,
memórias, saberes, sabedoria; que
enraíze sem necessariamente fixar as
pessoas em sua cultura, seu lugar, seu

PRÁTICAS EDUCATIVAS NAS ESCOLAS DO CAMPO: FOMENTANDO O PROCESSO


DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CAMPONESA DOS/AS EDUCANDOS/AS 89
modo de pensar, de agir, de produzir; uma
educação que projete movimento, relações,
transformações... (CALDART, 2002, p.33).

Nessa perspectiva, a Educação do Campo, na


relação dialética de movimento e transformação, oferece
elementos que fortalecem a identidade e a autonomia das
populações do campo, contribuindo com a reflexão sobre
a importância do território camponês na construção de
um novo modelo de desenvolvimento.
Para compreender melhor as questões que se
entrelaçam em torno da categoria que definimos como
identidade campesina/camponesa e que converge com a
identidade sertaneja/catingueira, entendemos que se faz
necessário recorrer a alguns teóricos que desenvolvem
estudos acerca da temática e que convergimos com suas
abordagens.
De acordo com a perspectiva de Bauman
(2005), tornamo-nos conscientes de que a identidade
e o pertencimento não são garantidos para toda vida,
“são bastante negociáveis e renegociáveis”, e que as
tomadas de decisões que envolvem os sujeitos, as trilhas
percorridas, a forma de agir e a decisão de se manter
seguro a tudo isso, são fatores decisivos tanto para o
pertencimento, quanto para a identidade. Segundo o
autor, “a ideia de ter uma identidade não vai ocorrer às
pessoas enquanto o pertencimento continuar sendo o
seu destino, uma condição sem alternativa” (BAUMAN,
2005, p.17).
Tomando como referencia o pensamento do
autor, ressaltamos, novamente, a existência de uma visão
distorcida de campo/nordeste que ao longo dos anos nos

Maria Sueleuda Pereira da Silva


90
foi imposta e que esse desvio de olhar nos coloca diante
de um espaço onde prevalecem as relações de poder e
do saber. Assim, a proposta da Educação do Campo luta
pelo rompimento desse estereótipo que potencializa
essa discriminação. Isso não significa simplesmente
combater os discursos de invisibilidade do campo e do
camponês/a, mas ressignificar e apresentar, através de
suas práticas, um território possível de ser reinventado
e reinterpretado à luz da construção/desconstrução da
identidade camponesa.
Woodward (2000, p.09) afirma que a “identidade é
marcada pela diferença” e que a “diferença é sustentada
pela exclusão”. Esta concepção dá embasamento aos
movimentos sociais na defesa de uma Educação no/
do Campo como um direito social do povo camponês e
não deve ser encarada como uma questão de mercado,
potencializando a lógica capitalista de exclusão do
direito à educação de qualidade para todos e todas.
A partir da concepção de que a identidade se
forma na diferença, inferimos os estereótipos construídos
e enraizados em torno do campo e de suas populações,
sobretudo na exaltação dos grandes centros urbanos
como única alternativa na busca por melhores condições
de vida. Podemos dizer que essa diferença ajudou na
construção da identidade camponesa, sendo esta “um
elemento central dos sistemas classificatórios por meio
dos quais os significados são produzidos” (WOODWARD,
2009, p. 67).
A autora afirma ainda que a identidade é marcada
por meio de símbolos, elemento importante da identidade
e da diferença, enfatizando que “a construção da

PRÁTICAS EDUCATIVAS NAS ESCOLAS DO CAMPO: FOMENTANDO O PROCESSO


DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CAMPONESA DOS/AS EDUCANDOS/AS 91
identidade é tanto simbólica quanto social” (WOODWARD,
2000, p.10). Com isso, podemos afirmar que a defesa por
uma Educação no/do Campo se faz também na luta para
afirmar as diferentes identidades dos povos que habitam
esse território.
Quando nos referimos à identidade dos sujeitos
do campo, direcionamo-nos aos/às camponeses/as, os/
as quilombolas, os/as indígenas, os/as pescadores/as,
os/as caiçaras, os/as caboclos/as, os/as boias-frias, os/
as seringueiros/as, os povos da floresta, os/as caipiras,
os/as lavradores/as, os/as posseiros/as, os/as sem-
terra, os/as roceiros/as, os/as sertanejos/as, etc. É nessa
perspectiva que o campo brasileiro precisa ser visto, a
partir das especificidades que singularizam cada lugar
e das diferenças diversas que existem entre seus povos,
pois o campo compreende uma infinidade de povos com
várias identidades.
É nessa perspectiva que compreendemos a
identidade camponesa, mais do que uma categoria ou
uma classe, é, sobretudo, uma cultura que se estrutura em
torno do trabalho e carrega em si, pela própria natureza,
a “radicalidade da luta porque lida com a radicalidade da
vida” (BOGO, 2010, p. 92).
Assim, os elementos que compõem os modos
de vida e a dinâmica de cada povo têm sido um dos
argumentos utilizados para garantir uma política de
educação que fortaleça a identidade camponesa dos/
as educandos/as na sua complexidade e diversidade
e que as especificidades e singularidades dos povos
sejam respeitadas, pois é nela que suas populações se

Maria Sueleuda Pereira da Silva


92
reconhecem e se projetam nas suas identidades culturais,
ao mesmo tempo em que internalizam seus significados
e valores.
As práticas educativas que se referenciam
na dinâmica da vida camponesa, valorizando suas
experiências na construção de saberes e conhecimentos,
contribuem, decisivamente, no fortalecimento da
identidade dos/as educandos/as, bem como reafirmam
sua relação de pertença com a terra, com o campo. E
quando agregamos o saber técnico e acadêmico a essas
práticas resultará na libertação e emancipação humanas.
Acreditamos que tudo começa pelo
reconhecimento da identidade, ou seja, “o primeiro ato
educativo é o reconhecimento ou o resgate da entidade
do educador/a e do educando/a, como existência própria”
(GADOTTI, 1995. p. 274). Desse modo, as práticas
educativas contribuem para esse resgate de identidades,
assim como para ressignificar os elementos da cultura
do campo, recriando por meio dela novas dinâmicas
que potencializam atitudes, renovando valores,
conhecimentos e práticas de pertença a terra.
Segundo Gadotti (1995), a identidade pressupõe
uma “relação de igualdade e diferença que pode ser
antagônica ou não”. No entanto, o diálogo e as parcerias
só se alinham quando a diferença não é antagônica,
“o diálogo é uma relação de unidade de contrários
não antagônicos” (GADOTTI,1995, p. 275). Portanto, a
condição de reconhecer a diferença, parte da aceitação
do contraste e da igualdade, ou seja, para me conhecer,
é fundamental que eu reconheça a outra pessoa como
parceiro/a.

PRÁTICAS EDUCATIVAS NAS ESCOLAS DO CAMPO: FOMENTANDO O PROCESSO


DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CAMPONESA DOS/AS EDUCANDOS/AS 93
Partimos do pressuposto que a tarefa da
educação é contribuir para estabelecer a igualdade de
direitos e o respeito mútuo, superando todas as formas
de preconceitos, sobretudo o preconceito de pobreza e de
raça, já que os excluídos da sociedade são principalmente
os negros e os pobres. Sem essa premissa, não podemos
afirmar que a educação de qualidade é para todos direito
universal, conforme garantido na legislação (GADOTTI,
1995).
Reiterando o que já foi exposto, afirmamos que
se torna, indiscutivelmente, necessário romper como o
modelo urbanocêntrico imposto aos filhos e filhas dos
camponeses e potencializar as práticas educativas que se
pauta nos modos de vida, nos saberes, nos valores e nas
práticas culturais e, assim, contribuir para reconfigurar
a história da educação brasileira que traz a marca da
exclusão e da negação dos povos do campo ao direito
básico à educação.

Algumas considerações
A Educação do Campo, ao contrário da educação
rural, tem estimulado a recriação da identidade dos
sujeitos na luta e em luta, como um direito social, porque
fomenta a reflexão na práxis da vida e da organização
social do campo, apontando saídas e alternativas ao
modelo hegemônico de desenvolvimento rural vigente.
Assim, a política de educação do campo
que pressupõe a equidade precisa conceber que a
cidade não se sobrepõe ao campo, e, a partir dessa
compreensão, impõem-se novas dinâmicas baseadas na
“horizontalidade e solidariedade entre campo e cidade,

Maria Sueleuda Pereira da Silva


94
seja nas formas de poder, de gestão das políticas, de
produção econômica e de conhecimento” (BRASIL, 2004,
p.35).
Reiterando e acrescentando, diríamos que
equidade em educação significa igualdade de
oportunidades para que os filhos e filhas de camponeses
possam desenvolver suas habilidades e conhecimentos
a partir de suas potencialidades, que se configuram nos
seus modos, saberes, enfim, naquilo que contribui para
fortalecer seu vínculo com as dinâmicas de um povo,
bem como seu sentimento de pertença com o espaço em
que habita.
Entretanto, equidade na educação só pode ser
alcançada quando as classes populares adentrarem e
permanecerem numa escola que converge com os seus
desejos e, por que não dizer, quando o latifúndio do
conhecimento for ocupado pelos povos do campo.
Consideramos oportuno reiterar que a Educação
do Campo concebe a educação enquanto organizadora e
produtora da cultura de um povo. Aqui nos referimos mais
especificamente à cultura dos povos do campo, dessa
forma é inadmissível permanecer seguindo a lógica
capitalista de educação como produto de mercado. Em
contraposição a essa lógica, juntamo-nos na defesa por
uma Educação do Campo que fomenta a mobilização
das comunidades e que possibilita a resistência de um
povo às desigualdades produzidas historicamente e que
o colocou à margem das políticas educacionais.
Assim, torna-se essencial que o currículo e
a prática educativa estejam imbuídos de elementos
que permitam aos filhos e filhas do campo confrontar

PRÁTICAS EDUCATIVAS NAS ESCOLAS DO CAMPO: FOMENTANDO O PROCESSO


DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CAMPONESA DOS/AS EDUCANDOS/AS 95
esse modelo hegemônico, imposto ao campo, que
fragmenta as comunidades e impossibilita-os tanto de
desenvolver sua autonomia individual e coletiva como
também a consciência de si nesse processo de interação
e de constatações das diferenças e semelhanças,
fundamentais na construção da identidade.
Nessa perspectiva, a Educação do Campo tem
um papel estratégico na transformação desse cenário,
pois nela converge a luta de um povo detentor de
aprendizados e de saberes próprios, capaz de elaborar
a sua própria cultura, fortalecendo a sua identidade e
adquirindo a consciência necessária à sua organização.

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PRÁTICAS EDUCATIVAS NAS ESCOLAS DO CAMPO: FOMENTANDO O PROCESSO


DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CAMPONESA DOS/AS EDUCANDOS/AS 97
98
OS PRINCÍPIOS POLÍTICOS E
PEDAGÓGICOS QUE NORTEIAM
AS PRÁTICAS EDUCATIVAS NOS
ASSENTAMENTOS DO MST
Lorena Raquel de Alencar Sales de Morais
Elmo de Souza Lima

Introdução
O presente artigo tem como objetivo discutir
sobre os princípios políticos e pedagógicos que orientam
as práticas educativas desenvolvidas nas escolas do
Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST),
evidenciando as contradições enfrentadas pelos
educadores e movimentos sociais na materialização
de uma educação transformadora diante do projeto
de sociabilidade imposto pelo modelo de sociedade
capitalista. O trabalho é fruto da pesquisa desenvolvida
durante Mestrado em Educação do Programa de Pós-
Graduação da Universidade Federal do Piauí.
O texto está estruturado em duas seções,
na primeira parte, é feita uma discussão sobre a
contextualização do campo e das lutas dos movimentos
sociais, tendo como foco a Reforma Agrária e a Educação
do Campo como instrumento de emancipação da classe
trabalhadora. Discutimos ainda sobre o processo a
constituição de uma política de Educação do Campo
crítica ao modelo de educação rural, concebida a partir da

OS PRINCÍPIOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS QUE NORTEIAM AS PRÁTICAS


EDUCATIVAS NOS ASSENTAMENTOS DO MST 99
Conferência de Educação do Campo e das experiências
do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
– PRONERA.
No segundo momento, destacamos os princípios
e as formas de organização do trabalho pedagógico nas
escolas de assentamentos com o intuito de construir
projetos educativos que se articulem com as demandas
dos assentamentos e as lutas sociais, tendo em vista a
construção de uma sociedade justa e democrática.
Durante as discussões, concluímos que não é
fácil construir uma educação com base nos princípios
pedagógicos adotados pela Educação do campo, pois
esta vai na contramão do projeto social que o capitalismo
defende. A luta associada a educação e a transformação
social encontra-se imbricada com o trabalho coletivo,
na não exploração da classe trabalhadora e ainda
na superação da divisão de classes, ou seja, está
comprometida com a construção de um novo projeto
social pautado na reforma agrária.

Breve contextualização do campo e das lutas dos


movimentos sociais
O contexto histórico em que a Educação do Campo
se construiu no Brasil é marcado por muitas dificuldades
e conflitos, surgindo em concomitância com as lutas dos
movimentos sociais por uma melhor qualidade de vida no
campo.
O modelo de desenvolvimento do país,
especificamente nas áreas rurais, estimula o
fortalecimento do agronegócio, trazendo consigo
consequências desastrosas para as lutas que defendem

Lorena Raquel de Alencar Sales de Morais - Elmo de Souza Lima


100
a reforma agrária com uma economia baseada na
sustentabilidade. O agronegócio ganha força com
utilização dos recursos naturais sem racionalização,
exploração da mão de obra que barateia o serviço
prestado, concentração de terra, favorecendo assim
ao quadro de miséria das famílias sobrevivem da terra,
forçando muitas vezes o deslocamento desses sujeitos
do campo para a cidade. Estes fatores intensificaram o
processo de favelização, pobreza e violência nas zonas
urbanizadas.
Diante deste contexto, os camponeses começam
a se organizar em movimentos sociais com o propósito
de se contraporem a este modelo de desenvolvimento
instituído historicamente no campo, baseado na
concentração da terra e na acumulação de riquezas a
partir da degradação da natureza e da exploração do
trabalho dos povos do campo.
A partir da iniciativa de organização dos
movimentos sociais se construiu um legado de luta por
uma vida digna no campo, marcado pelo fortalecimento
de ações e articulações políticas, que resultou no
surgimentos de novos movimentos sociais do campo com
atuação em nível nacional, a exemplo do Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST), que “teve sua gestação
no período de 1979 a 1984, e foi criado formalmente
no Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Sem
Terra, realizado janeiro de 1984, em Cascavel - Paraná”.
(CALDART, 2001, p. 207).
Outros movimentos como a Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG,
a Rede de Educação do Semiárido Brasileiro – RESAB,

OS PRINCÍPIOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS QUE NORTEIAM AS PRÁTICAS


EDUCATIVAS NOS ASSENTAMENTOS DO MST 101
Articulação no Semiárido Brasileiro (Asa Brasil), etc.,
que contribuem com a discussão bem como com ações
diretas para melhoria da qualidade de vida no campo.
A história do MST está imbrincada com o
processo histórico de resistência do movimento
camponês brasileiro pela terra no Brasil. O Movimento
está comprometido com a luta por terra através da
reforma agrária, buscando transcender ao acesso
da terra, chegando a um conjunto de ações políticas
socioeconômicas, lutas que vão além do campo, visando
à uma mudança estrutural na sociedade envolvendo os
indivíduos, sejam eles do campo ou da cidade.
Nessa perspectiva, o MST começa a se
preocupar com as condições básicas necessárias a
serem materializadas através de políticas públicas
nos assentamentos da reforma agrária. Visando a
ampliar suas pautas de lutas, o movimento percebeu a
importância do acesso à educação para assentados na
busca de conscientizá-los da necessidade de mudanças
estruturais na sociedade, assim como do manejo na
produção agrícola, como alternativas para seu trabalho.
Neste contexto, o movimento passou a lutar pela
formação dos agricultores e agricultoras e contribuir
decisivamente na construção do movimento por uma
educação do campo que ganhou respaldo e força também
na década de 1990.
Diante dessa preocupação com a formação dos
camponeses, o MST colocou a educação como uma
pauta estratégica de luta do movimento, com a definição
de um conjunto de ações políticas que favorecessem
a garantia do direito à educação dos assentamentos

Lorena Raquel de Alencar Sales de Morais - Elmo de Souza Lima


102
e acampamentos da reforma agrária. Neste contexto,
Caldart (2012) destaca os principais passos concebidos
pelo MST para a concretização desta luta pelo direito à
educação do campo:
1. ) A luta pela escola na luta pela terra - nesse
primeiro momento as famílias assentadas e
acampadas começam a sentir a necessidade
de uma escola para seus filhos, e exigem como
pauta de luta a existência da instituição escolas
nos assentamentos;
2. ) A inserção da escola em uma organização
social de massa, ter escolas não atendia a todas
as necessidades dos assentados, o MST junto às
famílias sentiu a necessidade de uma educação
singular, que considerasse as peculiaridades da
luta e do movimento na busca de melhorias no
campo, através de uma escola para os sem-terra;
e por fim;
3. ) a escola do MST e a formação dos sujeitos
de um projeto popular de educação e de país.
A educação, a instituição escolar e o próprio
movimento são vistos como um conjunto de
elementos pedagógicos na formação do sem-
terra. Valorizam os estudos sobre as questões
políticas, sociais e econômicas do Brasil e do
mundo, compreendendo a história de constituição
do movimento na busca de melhorias na vida dos
trabalhadores e trabalhadoras do campo. No
entanto, para se construir uma educação com

OS PRINCÍPIOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS QUE NORTEIAM AS PRÁTICAS


EDUCATIVAS NOS ASSENTAMENTOS DO MST 103
base nessas etapas o movimento precisou lutar
contra a educação rural.
O modelo de educação rural construído
historicamente no campo esteve associado ao
pensamento tradicional, a partir de métodos e objetivo
de encher os indivíduos de informações, considerando
apenas a assimilação e a transmissão de conteúdo.
Uma educação que tem o professor como figura central,
aquele detentor do conhecimento, enquanto o aluno era
considerado um mero receptor passivo, que escutava
sem participar e reproduzia as informações transmitidas
pelo professor. Essa educação, de caráter tecnicista e
acrítico, é pautada na lógica da sociedade capitalista,
que precisava preencher a necessidade da mão de obra
nas fábricas e indústrias, por tanto, como meio para
impulsionar o desenvolvimento econômico.
Dentre outras questões, o paradigma da
educação rural construiu nas últimas décadas inúmeras
necessidades para os povos que vivem no campo,
os fazendo acreditar, por exemplo, que só é possível
concorrer com o capitalismo com a produção baseada
em um sistema de informação e de tecnologia, que exige
volumoso investimento financeiro sendo, portanto, uma
realidade executável por poucos sujeitos, enfatizando
e fortalecendo a divisão de classe na sociedade onde
capital sobrepõe a ser humano. Dessa forma,
Esse paradigma que procurou destituir o
campo como território, tratou as pessoas
como improdutivas porque não produzem
para a exportação ou agronegócio e
desqualificou os conhecimentos e saberes
da tradição dos que vivem no campo como

Lorena Raquel de Alencar Sales de Morais - Elmo de Souza Lima


104
atrasados, porque não funcionam na mesma
lógica racionalizante de expropriação e
extorsão dos conhecimentos para acúmulo
de poucos em detrimento de muitos.
(JESUS, 2004, p. 65)

O paradigma da educação rural, apesar de deixar


frechas para mudanças sociais, deixa também cicatrizes
na construção de uma transformação significativa no
processo de luta e aprendizagem dos camponeses, pois
se encontrava na base do pensamento latifundiário
assistencialista, no qual havia um controle político sobre
a terra e as pessoas que vivem nela, contemplando uma
formação em que os sujeitos continuassem a acreditar
no conformismo das suas condições econômicas, não
necessitando de estudos críticos-reflexivos para garantir
sua sobrevivência. Essa discussão trouxe enraizada
consigo o pensamento da cidade como desenvolvimento
e do campo o atraso social.
Nesta perspectiva, o modelo de educação rural
construído a partir dos ideais capitalistas e da pedagogia
tradicional, configurava-se como um modelo de
educação aligeirado, mecânico e acrítico oferecido aos
povos campesinos, com o intuito de formar apenas para
execução de atividades braçais, tendo em vista que para
o modelo de desenvolvimento proposto para o campo, o
sujeito deveria permanecer na passividade, na exploração
da sua mão de obra e na submissão da estrutura fundiária
que se fortalecia a cada período histórico no Brasil. Na
contramão desse modelo tradicional, surgiu o debate
empreendido pelos movimentos sociais na construção
de outro paradigma de educação do campo.

OS PRINCÍPIOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS QUE NORTEIAM AS PRÁTICAS


EDUCATIVAS NOS ASSENTAMENTOS DO MST 105
A luta pela educação do campo está enraizada
na luta pela reforma agrária no Brasil e culminou com o
surgimento do Movimento por uma Educação do Campo e
a socialização do Manifesto de educadores e educadoras
da reforma agrária ao povo brasileiro. O manifesto
afirmava “Somos educadoras e educadores de crianças,
jovens e adultos de Acampamentos e Assentamentos de
todo o Brasil, e colocamos o nosso trabalho a serviço da
luta pela Reforma Agrária e das transformações sociais”.
(MST, 1997). Dando ênfase ao trabalho na educação
e na luta pela reforma agrária como transformação
social voltada aos sujeitos do campo. Assim, é possível
compreendermos a chave central da luta que modela a
construção do movimento por uma a educação do campo.
Tal discussão trouxe à tona a necessidade
de fortalecimento das lutas pela superação de uma
educação baseada nos moldes do paradigma rural,
pensada dentro de uma lógica urbanocêntrica que
não considera as de seguridades dos povos do campo.
Neste caso, os movimentos sociais assumiram a tarefa
de pensar na construção de uma educação singular,
concebida junto com os sujeitos, uma educação no e do
campo, uma pedagogia do movimento, com o movimento
e em movimento coletivo.
A partir da década de 1990, a política de
educação do campo ganhou força com a articulação
dos movimentos sociais e, principalmente, a partir da
realização do I Encontro Nacional das Educadoras e
Educadores da Reforma Agrária (ENERA), realizado em
julho de 1997, no qual seus participantes discutiram a
necessidade de articulação e multiplicação das ideias,

Lorena Raquel de Alencar Sales de Morais - Elmo de Souza Lima


106
trabalhos e ações na área da educação do campo, visto
que a demanda por educação no meio rural encontrava-
se em situação deficitária.
Com o ENERA foi eleito um conjunto de pessoas
para coordenarem o processo de construção de ações
voltadas aos assentamentos da Reforma Agrária e
elaborado um documento no III Fórum de Conselhos
de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB)
aprovando e reafirmando a parceria entre ministério
extraordinário da política fundiária, o Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e o próprio
CRUB. No ENERA foram examinadas as possíveis linhas
de ação relacionadas à educação do campo, priorizando
a alfabetização de jovens e adultos, bem como a melhoria
da qualidade de vida dos sujeitos que vivem no campo.
Contrapondo-se ao paradigma da Educação
Rural desenvolvido no campo, alicerçados nos interesses
do capitalismo agrário, começou-se a construir novas
ideias e valores por uma educação do campo, que se
fortaleceu como movimento. A 1ª Conferência Nacional
Por Uma Educação Básica do Campo, realizada em 1998,
revelou-se como o momento do batismo coletivo de “um
novo jeito de lutar e de pensar a educação para o povo
brasileiro que trabalha e vive no e do campo”. (CALDART,
2004, p. 11).
A construção das Diretrizes da Educação do
Campo (BRASIL, 2019) foi mais um passo importante
para implementação da concepção de educação que
considera as singularidades que constituem os sujeitos

OS PRINCÍPIOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS QUE NORTEIAM AS PRÁTICAS


EDUCATIVAS NOS ASSENTAMENTOS DO MST 107
do campo, uma educação que procura torna-se cada vez
mais próxima da realidade dos camponeses, colocando-
os na condição de protagonista do processo educacional.
De acordo com os estudos de Caldart (2004,
p.14), a concepção de educação do campo vem sendo
construída a partir das contribuições de três bases
teóricas: “A primeira delas é a tradição do pensamente
pedagógico socialista, que pode nos ajudar a pensar a
relação entre educação e produção desde a realidade
particular dos sujeitos do campo”, que vai trazer uma
base para discussão da produção e do trabalho coletivo
na formação humana. A segunda referência para esta
interlocução é a Pedagogia do Oprimido e a tradição
pedagógica que surgiu a partir das experiências da
Educação Popular, baseada na valorização da cultura e
no desenvolvimento da consciência de uma sociedade de
classe. E por fim “[...] a terceira referência pedagógica
para a Educação do Campo vem de uma reflexão teórica
mais recente, que estamos chamando de Pedagogia
do Movimento”, considerando uma visão de se chegar
a produzir uma tradição pedagógica que tenha como
bases referências o campo e as lutas sociais. (CALDART,
2004, p.14).
Neste processo de construção de outro projeto
de educação para os povos camponeses, que busque
fortalecer a luta pela terra e o trabalho, o MST tornou-
se uma referência para o “Movimento por uma Educação
do Campo”, na medida em que ampliou suas parcerias
com as escolas e as universidades com o propósito de
construir coletivamente um modelo de educação que
refletisse os anseios de luta do Movimento. Associado as

Lorena Raquel de Alencar Sales de Morais - Elmo de Souza Lima


108
lutas pela reforma agrária e a construção de um projeto
social popular, o MST buscou articular um projeto de
educação que garantisse aos trabalhadores sem terra o
acesso à cultura e ao conhecimento científicos, dentro
de um processo de valorização dos saberes populares.
(MST, 2014). Nessa perspectiva, o projeto de educação
concebido pelo MST fundamenta-se num conjunto de
princípios pedagógicos e filosóficos que deverão nortear
a formação dos sujeitos que vivem no e do campo.

Os princípios pedagógicos que fundamentam as


práticas educativas do MST e da Educação do Campo
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) deu uma contribuição na construção
do paradigma da educação do campo pensada com
os povos campesinos, devido o reconhecimento que
este movimento tem sobre o papel e a importância
da educação na formação crítica dos camponeses e,
consequentemente, na construção das lutas em torno
da democratização da terra. Neste caso, o MST vê a
educação como um instrumento político importante
na formação da militância para o enfrentamento do
processo de dominação política, econômica e ideológica
instituído pelas oligarquias no meio rural.
A partir das lutas políticas do MST pela educação
foi possível a conquista de projetos e programas
governamentais para educação dos trabalhadores do
campo, como o PRONERA e, posteriormente, o Programa
de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em

OS PRINCÍPIOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS QUE NORTEIAM AS PRÁTICAS


EDUCATIVAS NOS ASSENTAMENTOS DO MST 109
Educação do Campo (PROCAMPO), bem como, um
conjunto de leis e decretos que reafirmaram o direito dos
povos do campo à uma Educação no e do Campo.
Além da luta por uma educação que favoreça
a transformação social, o MST também tem dedicado
esforços no sentido de refletir sobre as experiências
de educação desenvolvidas nos assentamentos, com
o intuito de consolidar uma proposta pedagógica que
reflita os interesses políticos do Movimento. Neste
processo, o MST definiu um conjunto de princípios
filosóficos e pedagógicos que devem orientar o trabalho
pedagógico nas escolas acompanhadas pelo movimento
nos assentamentos da reforma agrária. Conforme estão
descritos no quadro abaixo:
Quadro 1 – Resumo dos Princípios Filosófico e pedagógicos
para Educação do MST
1) Educação para o trabalho e a cooperação.
2) Educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana.
Princípios 3) Educação com/para valores humanistas e socialistas.
Filosóficos 4) Educação como um processo permanente de
formação/transformação humana.
1) Relação entre teoria e prática.
2) Combinação metodológica entre processo de ensino e de
capacitação.
3) A realidade como base da produção do conhecimento.
4) Conteúdos formativos socialmente úteis.
5) Educação para o trabalho e pelo trabalho.
6) Vínculo orgânico entre processos educativos e processos
políticos.
Princípios 7) Vínculo orgânico entre processos educativos e processos
pedagógicos econômicos.
8) Vínculo orgânico entre educação e cultura.
9) Gestão democrática.
10) Auto-organização dos/das estudantes.
11) Criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos
educadores/das educadoras.
12) Atitude e habilidades de pesquisa.
13) Combinação entre processos pedagógicos coletivos e
individuais.

Fonte: MST (1996).


Fonte: MST (1996).

Lorena Raquel de Alencar Sales de Morais - Elmo de Souza Lima


110
Desse modo, os projetos educativos
desenvolvidos pelo MST buscado articular os princípios
filosóficos e pedagógicos, tendo como foco central
a “relação teoria e prática”, com base da “produção
do conhecimento socialmente útil”, considerando os
processos pedagógicos coletivos e individuais. (MST,
1996).
De maneira geral, os princípios da Educação do
MST visam uma formação contínua do sujeito envolvido
no movimento social, buscando através desta formação
construir a consciência de classe que leve à transformação
da Sociedade e do modo de produção que a estrutura.
Os princípios que norteiam as práticas educativas
estão, dessa forma, articulados às concepções gerais
relacionados às pessoas, à sociedade e aos aspectos
que envolvem as questões filosóficas e pedagógicas
da formação pensado pelo Movimento, assim como, o
fazer e pensar a educação para concretizar os aspectos
“filosóficos-pedagógicos”.
Na visão de Caldart (2000, p. 205), o processo
educativo no MST está associado às diferentes atividades
e lutas desenvolvidas pelo Movimento, em um contexto
de formação na e pela ação. Neste caso, os sujeitos
se formam também através de sua inserção nas lutas
sociais,
[...] seja em uma ocupação, um
acampamento, um assentamento, uma
marcha, uma escola. Os sem-terra se
educam como sem terra (sujeito social,
pessoa humana, nome próprio) sendo
do MST, o que quer dizer construindo o

OS PRINCÍPIOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS QUE NORTEIAM AS PRÁTICAS


EDUCATIVAS NOS ASSENTAMENTOS DO MST 111
Movimento que produz e reproduz sua
própria identidade ou conformação humana
e histórica. (CALDART, 2000, p. 205).

Dessa forma, os sujeitos que fazem parte do


movimento, que vivenciam a singularidade do campo, a
militância, a história de vida do camponês e a formação
humana, são quem ajudam a construir o MST. Para a
autora, compreender os próprios sujeitos que fazem
parte do movimento é também compreender as práticas
e princípios que norteiam o MST. (CALDART, 2000).
Ao estudar as práticas educativas das escolas
do campo, mais especificamente nas escolas dos
assentamentos, é necessário compreender a priori a
luta pela terra, bem como, a situação agrária no país,
pois os princípios que norteiam as práticas educativas
nas escolas do MST buscam articulares os processos
educativos desenvolvidos nas escolas do campo às lutas
pela terra e à construção de outro projeto de sociabilidade
no meio rural. Neste caso, “Para compreendermos e
discutirmos a educação do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) e em suas escolas, é fundamental
entendermos o que causa a necessidade de sua
existência, ou seja, a questão agrária e a luta pela terra
no Brasil. ” (D’ANGOSTINI, 2011, p. 161).
De acordo com Dalmagro (2011, p. 47-48, grifo
nosso), as práticas educativas desenvolvidas nas escolas
do MST são organizadas a partir de três pilares em que
se pode destacar no trecho a seguir: “Do conjunto do
trabalho com a educação escolar no MST, destacamos
três aspectos que aparecem como “pilares” ou grandes

Lorena Raquel de Alencar Sales de Morais - Elmo de Souza Lima


112
objetivos do movimento para escola: a) a formação para
novas formas de trabalho; b) para o reconhecimento
elaborado e à ciência; e c) a formação de militantes”.
No primeiro pilar, “a formação para novas formas
de trabalho” está diretamente relacionada às atividades
no campo, incluindo a diversidade de profissões e
atividades advindas da formação para o trabalho,
considerando as diversas atividades desenvolvidas
no campo “superação da dicotomia teoria e prática na
escola, e a busca do entendimento da atualidade”. Já no
segundo pilar “O acesso ao conhecimento elaborado
e científico no MST” constitui-se num “[...] instrumento
imprescindível na compreensão e transformação da
realidade [...] estabelecendo-se como um movimento
‘prático-teórico-prático’”. A ciência se torna importante
nesse processo de formação para escola do Movimento,
pois é vista como relevante na compreensão da realidade e
consequentemente na transformação dela. (DALMAGRO,
2011)
No contexto da Educação do Campo, a escola
pretende formar os sujeitos considerando também a
importância da ciência na compreensão da realidade,
dentro de um processo no qual a teoria e a prática são
indissociáveis na formação dos sujeitos. Dessa forma,
é relevante a apropriação das discussões teóricas sem
esquecer o chão e a prática dessa luta na busca de
melhores condições de vida no campo. O sujeito que
vivencia também constrói a sua Educação, o MST traz nos
seus princípios políticos pedagógicos uma verdadeira
construção da identidade do camponês.

OS PRINCÍPIOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS QUE NORTEIAM AS PRÁTICAS


EDUCATIVAS NOS ASSENTAMENTOS DO MST 113
A partir das lutas do Movimento de Educação
do Campo, foram promulgadas em 2001, as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas
do Campo (acrescidas da Resolução CNE/CEB em
2002), representando um importante passo para a
implementação da concepção de educação, considerando
as singularidades que constituem os sujeitos que vivem
nas áreas rurais. As Diretrizes auxiliam os professores
que atuam nas áreas rurais de maneira que organizem
e planejem suas práticas educativas contemplando os
diversos aspectos da realidade dos seus alunos.
O objetivo das Diretrizes da educação do campo
é contribuir para a gestão e as práticas pedagógicas
nas escolas do campo sendo, portanto, direcionado
aos educadores que atuam nas áreas campesinas. De
acordo com as Diretrizes Operacionais da Educação do
Campo a definição de escola do campo somente tem
sentido quando considera as singularidades dos povos
do campo, conforme previsto no parágrafo único do art.
2.º das Diretrizes Operacionais:
A identidade da escola do campo é
definida pela sua vinculação às questões
inerentes a sua realidade, ancorando-se
na sua temporalidade e saberes próprios
dos estudantes, na memória coletiva
que sinaliza futuros, na rede de Ciência
e Tecnologia disponível na Sociedade e
nos Movimentos Sociais em defesa de
projetos que associem as soluções por
essas questões à qualidade social da vida
coletiva no país (BRASIL, 2004a, p.37).

Lorena Raquel de Alencar Sales de Morais - Elmo de Souza Lima


114
O artigo 6º das Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do Campo prevê ainda que
a escola do campo contemple a realidade dos educandos.
Neste caso, faz-se necessário, a priori, garantir o acesso
a todos os níveis e modalidades de ensino e não somente
aos anos iniciais do Ensino Fundamental, como acorre
na maioria dos casos. Com a luta por uma educação
do campo efetiva das Diretrizes foi uma das grandes
conquistas, norteando as práticas pedagógicas das
escolas que antes, apesar de estarem no campo não
compreendia a sua identidade.
A partir de 2013, o MEC instituiu um Grupo
Permanente de Trabalho (GPT de Educação do Campo1)
com o intuito de discutir sobre os fundamentos políticos
e legais da educação do campo e contribuir com a
articulação das ações do Ministério da Educação e
Cultura (MEC) pertinentes à Educação do Campo. A
partir dos documentos produzidos nas Conferências
Nacionais por uma Educação Básica do Campo e das
determinações das Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do Campo, o GPT produziu
o documento, denominado de um “Caderno de Subsídio:
Referências para uma política nacional de educação do

1 O Grupo Permanente de Trabalho – GPT de Educação do


Campo foi instituído no âmbito do Ministério da Educação pela
Portaria nº. 1374 de 03/06/03. Foi fundamental nesse processo de
discussão a contribuição de entidades como o MST – Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra, Contag – Confederação Nacional
de Trabalhadores na Agricultura, CPT - Comissão Pastoral da Terra
e CEFFAs - Centros Familiares de Formação por Alternância - entre
outras, que construíram ao longo dos últimos anos ricas experiências
de Educação do Campo tanto fora como dentro do sistema oficial.
(BRASIL, 2019, p. 5).

OS PRINCÍPIOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS QUE NORTEIAM AS PRÁTICAS


EDUCATIVAS NOS ASSENTAMENTOS DO MST 115
campo” (BRASIL, 2004), com a definição dos Princípios
pedagógicos da educação do campo. Dessa forma, são
descritos no Caderno de Subsídio seis princípios que
acompanham a discussão da identidade da escola do
campo.
O primeiro princípio pedagógico é papel da
escola enquanto formadora de sujeitos articulada a um
projeto de emancipação humana compreendendo que
os sujeitos possuem uma história, que participam dos
movimentos sociais e das lutas, possuindo sonhos,
nomes, rostos, memória, gêneros, raças e etnias em uma
diversidade tamanha necessitando serem consideradas
nos processos educativos desse sujeito. Sendo assim,
Os currículos precisam se desenvolver
a partir das formas mais variadas de
construção e reconstrução do espaço físico
e simbólico, do território, dos sujeitos, do
meio ambiente [...] precisa incorporar essa
diversidade, assim como precisa tratar dos
antagonismos que envolvem os modelos de
agricultura. (BRASIL, 2004b, p. 37).

Dentro da diversidade dos povos campesinos,


é importante considerar a construção dos processos
educativos, sobretudo no currículo, as diferenças
existentes na história individual e coletiva dos
camponeses, sem deixar de apresentar e problematizar
as questões antagônicas que determinam as ações
sociais no campo, envolvendo principalmente o modelo
de agricultura do país.
Outro aspecto relevante no primeiro princípio
pedagógico da educação do campo está relacionado
à formação humana que considera todo o processo

Lorena Raquel de Alencar Sales de Morais - Elmo de Souza Lima


116
educativo, possibilitando aos povos campesinos
constituir-se enquanto ser social responsável e livre, em
que reflete sobre suas atividades, possa ver e corrigir os
erros, cooperando e relacionando-se eticamente, ara que
não se torne um sujeito “esquecido” nas suas relações
com o outro. (BRASIL, 2004b).
O segundo Princípio Pedagógico consiste na
valorização dos diferentes saberes no processo educativo,
considera que o conhecimento é algo que todas as
pessoas possuem e podem construir e a escola não pode
desconsiderar os saberes populares que os pais, os/
as alunos/as, as comunidades possuem. Neste caso, é
necessário o desenvolvimento de propostas pedagógicas
que possibilitem o resgate e estabeleçam um diálogo
contínuo com os saberes produzidos nas diversas áreas
de conhecimento.
Dessa forma, o segundo princípio pedagógico da
educação do campo defende que os sujeitos do campo
tenham as condições de refletir e construir uma educação
que valorize suas especificidades como referência para
que ocorra sua inclusão na sociedade como sujeito de
transformação. Para isso “o projeto educativo que se
realiza na escola precisa ser do campo e no campo e não
para o campo”. (BRASIL, 2004b, p. 38).
O terceiro Princípio Pedagógico está nos espaços
e tempos de formação dos sujeitos da aprendizagem,
em que a Educação pensada No e Do Campo ocorre em
diversos espaços, sejam eles escolares ou não, pois se
realiza também na organização das comunidades e
dos seus territórios, para o distanciamento da ideia de
mero “produtivismo” da terra e do trabalho nela. Assim,

OS PRINCÍPIOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS QUE NORTEIAM AS PRÁTICAS


EDUCATIVAS NOS ASSENTAMENTOS DO MST 117
na educação do campo “não são apenas os saberes
construídos na sala de aula, mas também aqueles
construídos na produção, na família, na convivência
social, na cultura, no lazer e nos movimentos sociais”.
(BRASIL, 2004b, p.39)
O quarto Princípio Pedagógico da educação do
campo consiste em discutir o lugar da escola vinculado
à realidade dos sujeitos. Nessa discussão, a escola do
campo tem a concepção de vincular-se com a realidade
dos sujeitos, que não se limita ao espaço geográfico, mas
que se reporta, sobretudo, aos elementos socioculturais
que moldam os modos de vida dos sujeitos que vivem
no campo. Dessa forma, se faz necessária “Uma escola
que proporcione aos seus alunos e alunas condições de
optarem, como cidadãos e cidadãs, sobre o lugar onde
desejam viver. Isso significa, em última análise, inverter
a lógica de que apenas se estuda para sair do campo”.
(BRASIL, 2004b, p. 39).
O quinto Princípio Pedagógico está relacionado
à educação como estratégia para o desenvolvimento
Sustentável em que refletir a educação entrelaçada ao
desenvolvimento sustentável é pensar na perspectiva
do local, do território, podendo ser reinventado
através das suas potencialidades. Sendo relevante o
desenvolvimento levando em conta a situação histórica
particular das diferentes comunidades, assim como dos
recursos disponíveis, das expectativas, dos anseios e
necessidades dos que vivem no campo.
Nessa perspectiva, o currículo das escolas do
campo precisa ser organizado a partir do desenvolvimento
do ser humano na sua integralidade que possibilite “a

Lorena Raquel de Alencar Sales de Morais - Elmo de Souza Lima


118
construção da sua cidadania e inclusão social, colocando
os sujeitos do campo de volta ao processo produtivo
com justiça, bem-estar social e econômico”, levando em
consideração “[...]a sustentabilidade ambiental, agrícola,
agrária, econômica, social, política, cultural, a equidade
de gênero, racial, étnica e Inter geracional”. (BRASIL,
2004b, p. 39).
O sexto e último Princípio Pedagógico da
educação do campo está voltada a autonomia e
colaboração entre os sujeitos do campo e o sistema
nacional de ensino, referindo-se a questão da colaboração
e o respeito a autonomia dos grupos sociais, nos
processos de aprendizagem: sendo importante ter a
cooperação entre as diversas entidades que envolve a
educação, assim como os sujeitos que constroem mais
diretamente esse processo, e além disso é necessário
considerar que dentro das diversas características que os
povos do campo possuem, a autonomia é imprescindível
na aprendizagem de cada sujeito e suas diferenças. Pois o
campo é heterogêneo e caracteriza-se pela singularidade
dos seus povos que nele vivem. Assim, ao considerar a
diversidade do campo e dos sujeitos que vivem nele é
importante discorrer sobre duas implicações onde,
[...] a primeira é que não se pode construir
uma política de educação idêntica para
todos os povos do campo; a segunda, por
ser heterogênea, deve ser articulada às
políticas nacionais e estas às demandas
e às especificidades de cada região ou de
cada espaço ou território que se diferencia
dos demais. (BRASIL, 2004, p. 39, grifo
nosso)

OS PRINCÍPIOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS QUE NORTEIAM AS PRÁTICAS


EDUCATIVAS NOS ASSENTAMENTOS DO MST 119
Portanto, embora seja crucial a criação de
políticas educacionais para os povos do campo articulada
as ações nacionais, esta não pode ser pensada na
perspectiva de um projeto único de Educação do Campo.
O campo é heterogêneo, portanto, precisa se levar em
consideração a singularidade dos diferentes grupos
sociais e das especificidades de cada região e espaço.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) teve uma participação importante na construção
do projeto de educação do campo e dos desafios
enfrentados na construção deste novo paradigma de
educação, devido à sua força político e organizativa em
nível nacional, bem como, pelo trabalho desenvolvido
no âmbito da formação crítica dos camponeses e,
consequentemente, na construção das lutas em torno
da democratização da terra. Vale destacar que o MST vê
a educação como um instrumento político importante
na formação da militância para o enfrentamento do
processo de dominação política, econômica e ideológica
instituído pelas oligarquias no meio rural.
A partir das lutas políticas instituídas pelo MST no
campo da educação foi possível a conquista de projetos
e programas governamentais voltados à formação dos
trabalhadores do campo, como o Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrário (PRONERA), o Programa
Nacional da Educação do Campo (PROCAMPO), servindo
de base legal para reafirmação do direito dos povos
do campo a uma Educação no e do Campo. Além de
contribuir com a luta por uma educação que favoreça a
transformação social, o movimento também demostrou
esforços no sentido de refletir sobre as experiências

Lorena Raquel de Alencar Sales de Morais - Elmo de Souza Lima


120
de educação desenvolvidas nos assentamentos com
o intuito de consolidar uma proposta pedagógica que
reflita os interesses políticos do Movimento, definindo
um conjunto de princípios filosóficos e pedagógicos que
orientam o trabalho pedagógico nas escolas coordenadas
pelo movimento nos assentamentos da reforma agrária.
Muitos são os obstáculos e os desafios
enfrentados na construção de um novo paradigma para os
processos educacionais do campo, dentro desse desafio
de construção do novo paradigma. Diante do contexto
político e econômico imposto pela sociedade capitalista,
marcado pela concentração de renda, a exploração do
trabalho e o controle do Estado e das políticas públicas
em favor dos interesses do capital, a construção de
um projeto de educação contra hegemônico enfrenta
inúmeros desafios e contradições.
Em virtude disso, o desenvolvimento de práticas
educativas em uma escola de assentamento, não se
encontra isenta destes desafios tais como: ausência das
políticas públicas, que considere a singularidade dos
povos camponeses; a imposição curricular por parte das
secretarias de educação que acabam deixando de lado as
especificidades do campo; contratação de professores
temporários, o que não permite o fortalecimento de uma
equipe docente com base nos princípios da educação
do campo e do MST; a formação de professores que não
discutem aspetos relacionados a educação do campo,
entre outros. São muitos os desafios no desenvolvimento
de suas práticas educativas voltadas a materialização
de uma educação pensada pelo MST, assim como pelo
Movimento por uma Educação do Campo.

OS PRINCÍPIOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS QUE NORTEIAM AS PRÁTICAS


EDUCATIVAS NOS ASSENTAMENTOS DO MST 121
Considerações Finais
Os movimentos sociais foram de suma
importância na construção de um projeto de educação
do campo que pudesse fortalecer as bandeiras de lutas
e potencializar as conquistas no campo da reforma
agrária e de políticas públicas que possibilitem uma vida
digna no campo. Nessa perspectiva, o MST junto com um
conjunto de educadores/as e outros movimentos sociais
assumiram o desafio de promover diversas atividades
no campo da educação que resultou na organização do
“Movimento por uma Educação do Campo”.
Desse modo, o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) teve uma participação
importante na construção do projeto de educação do
campo e dos desafios enfrentados na construção deste
novo paradigma de educação, devido sua força político
e organizativa em nível nacional, bem como, pelo
trabalho desenvolvido no âmbito da formação crítica
dos camponeses e, consequentemente, na construção
das lutas em torno da democratização da terra. Vale
destacar que o MST vê a educação como um instrumento
político importante na formação da militância para
o enfrentamento do processo de dominação política,
econômica e ideológica instituído pelas oligarquias no
meio rural.
Em virtude disso, o movimento social se
constitui numa ferramenta imprescindível na formação
pedagógica dos sujeitos que participam nos processos de
organização e atuação na busca de uma transformação
social. Assim, a organização é elemento essencial para
que haja entrelaçamento entre escola, comunidade

Lorena Raquel de Alencar Sales de Morais - Elmo de Souza Lima


122
e MST, pois este é compreendido como a gênese das
contribuições do movimento no desenvolvimento de
práticas educativas, formativas e pedagógicas, servindo
como ponte para o estreitamento da relação entre a
realidade, conteúdo, luta militância, transformação
social, dentre outros aspectos relevantes na construção
dos princípios pedagógicas nas escolas de assentamento.
As práticas educativas construídas nas escolas
do campo, em parceria com os movimentos sociais,
têm sua base fundamentada na formação integral
do ser humano e volta-se à construção de processos
formativos que permitam aos trabalhadores do campo
à compreensão crítica das estruturas de dominação da
sociedade capitalista e a visualização das possibilidades
de transformação social.
Neste cenário, os profissionais da educação, as
lideranças dos movimentos sociais e as comunidades
tem dedicando esforços na construção de um projeto
diferenciado de educação com base nos princípios
filosóficos e pedagógicos do MST e da Educação do
campo. As práticas educativas construídas na parceria
com o movimento fundamentam-se nos seguintes
princípios: a relação teoria e prática; a realidade como
base de produção do conhecimento; a atitude e habilidade
de pesquisa; e, a combinação entre processos coletivos e
individuais, sobretudo em relação a construção de coletivo
educacional e da auto-organização dos educandos.
Nesta perspectiva, a escola concebida pelo
Movimento pretende formar os sujeitos considerando
a importância da ciência na compreensão da realidade,
buscando promover uma articulação a teoria e a pratica,

OS PRINCÍPIOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS QUE NORTEIAM AS PRÁTICAS


EDUCATIVAS NOS ASSENTAMENTOS DO MST 123
concebendo-as como indissociáveis no processo
de construção do conhecimento e desvelamento da
realidade. Desse modo, não convém valorizarmos uma
ou a outro, ao contrário, devemos vivenciar as duas de
maneira conjunta, se apropriando das discussões teórica
sem esquecer o chão e a prática dessa luta na busca de
melhores condições de vida no campo.
Dentre os desafios enfrentados pelas escolas
de assentamentos destacamos: a ausência das políticas
públicas resultante do descanso do Governo com a da
educação do campo, bem como a contradição existe
entre os objetivos e fins da educação para o MST e para
o Estado, ou seja, a formação humana proposta pelos
movimentos socais e a formação para o mercado de
trabalho que atende os interesses do capitalismo. No
entanto, é relevante destacar que diante desses desafios,
é necessário compreender que a desatenção por parte do
Governo em relação a imposição curricular nas escolas
do campo, permite que o Estado Burguês dê força a
estrutura macrossocial do capitalismo, contribuindo com
a despolitização das massas, forçando-lhes a aprender
conteúdos distante da sua realidade. (GHEDIN, 2012).
A construção de um novo projeto social exige
muita luta e resistência contra as forças conservadoras
propagadas pelo capitalismo. Dessa forma, a educação
passa a ser considerada um instrumento de mudanças
desse cenário que possa fortalecer o projeto da reforma
agrária no Brasil. Neste contexto de luta, as ações que
visam mudanças estruturais na sociedade despertam
atitudes e sentimentos entre os sujeitos que fazem parte
desse processo, pois estes ocupam, choram, vibram,

Lorena Raquel de Alencar Sales de Morais - Elmo de Souza Lima


124
lutam, estudam, e ainda, semeiam sonhos de lutar
coletivamente pela terra. São estes sonhos coletivos que
dão forças aos povos do campo, levando-os a resistirem e
enfrentarem as adversidades importas pelas oligarquias
rurais e a colherem grandes conquistas. A educação com
base nos princípios pedagógicos do MST e da Educação
do campo é uma destas conquistas.

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OS PRINCÍPIOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS QUE NORTEIAM AS PRÁTICAS


EDUCATIVAS NOS ASSENTAMENTOS DO MST 127
128
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E
ADAPTAÇÕES CURRICULARES
PARA ALUNOS COM
TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA EM ESCOLAS DO CAMPO
DO PIAUÍ
Keyla Cristina da Silva Machado

Introdução
O ensino de crianças com deficiência na
educação básica vem sofrendo constantes mudanças
no decorrer dos tempos. Tais variações são oriundas das
transformações sociais, as quais perpassam os aspectos
políticos, econômicos e culturais, que se entrelaçam e
movem a engrenagem social.
As escolas do campo, por sua vez, vêm tentando
adequar-se às singularidades dos sujeitos, na intenção de
superar uma visão uniforme de massificação de ensino,
baseados em currículos e práticas voltados a paradigmas
tradicionais. Dessa forma, faz-se urgente a superação
da lógica da homogeneidade, pela compreensão da
diversidade em uma perspectiva inclusiva, voltada à
escolarização no ensino comum para todos.

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E ADAPTAÇÕES CURRICULARES PARA ALUNOS COM


TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA EM ESCOLAS DO CAMPO DO PIAUÍ 129
Neste sentido, este escrito tem o objetivo de
refletir sobre as práticas pedagógicas e os paradigmas
da educação inclusiva, buscando o desenvolvimento da
aprendizagem de alunos nas salas de aulas regulares/
comuns em escolas do campo.
Diante desta realidade, a Política Nacional
de Educação Especial destaca que “na perspectiva
da educação inclusiva, a educação especial passa a
integrar a proposta pedagógica da escola regular,
promovendo o atendimento aos estudantes com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades/superdotação” (BRASIL, 1997). Com
esta gama de especificidades que agrega a Educação
Especial, destacamos os alunos com Transtornos
Globais do Desenvolvimento, os quais, segundo a DSM- V
(2013), estão dentro de um espectro que abarca grandes
diversidades e características motoras, cognitivas e
comportamentais. Entre eles, destaca-se os que estão
dentro do Transtorno do Espectro Autista-TEA.
Para os alunos que estão dentro dessa
condição, são apresentados vários estudos que tratam
do desenvolvimento da linguagem e das interações
sociais, porém poucas discussões estão direcionadas
para aquisição do repertório acadêmico. Portanto, as
condições específicas de aprendizagem dos autistas
requerem adequações variadas no currículo, no
planejamento da aula, nas atividades e nos materiais de
apoio visual, em prol de seu desenvolvimento efetivo.
É nesta perspectiva que descrevemos estas
considerações, analisando os diferentes desafios e
inquietações que perpassam a escola do campo para

Keyla Cristina da Silva Machado


130
assegurar os direitos propostos nas legislações vigentes
aos alunos com algum tipo de deficiência, levando
em consideração as especificidades existentes nas
comunidades que atendem.
É basilar, portanto, a necessidade de discussão
para embasar as práticas pedagógicas inclusivas, que
garantam o direito à aprendizagem dos alunos, no
que se refere às adequações necessárias não só à sua
permanência em sala de aula regular, mas também que
primem pelo desenvolvimento efetivo do educando com
TEA.
Assim, realizamos uma pesquisa de cunho
bibliográfico e documental, discorrendo sobre leis,
inclusão e autismo, embasando-nos em Brasil (1996, 2001,
2007, 2012), Orrú (2012), Cunha (2013), Cavaco (2014);
no que se refere às práticas pedagógicas inclusivas e
às adaptações curriculares nas escolas, no trabalho de
crianças com TEA, foram elencados os trabalhos Freire
(1979), Lopes (2010), Caiado e Meletti (2011), Censo
Escolar (2016, 2017, 2018, 2019), por serem, a priori, os
que melhor atendem à proposta deste trabalho.
Dessa forma, dialogando com estes aspectos
apresentados, pretendemos contribuir com as discussões
inclusão de pessoas com deficiência, pontuando alguns
aspectos da legislação que asseguram a permanência
e desenvolvimento na escola regular. Colocamos em
destaque dados colhidos no Censo escolar sobre as
matrículas no estado no Piauí, e retomamos, ainda, a
discussão sobre as práticas pedagogias e a necessidade
de adaptação no currículo de crianças com TEA. Por

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E ADAPTAÇÕES CURRICULARES PARA ALUNOS COM


TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA EM ESCOLAS DO CAMPO DO PIAUÍ 131
fim, concluímos retomando os aspectos que favorecem
o aprofundamento nas discussões sobre as práticas
pedagógicas inclusivas nas escolas do campo.

Caminhos para o desvelar uma prática inclusiva


A educação inclusiva é um tema bastante
discutido na atualidade, especialmente após os
documentos que visam assegurar as Políticas para
educação inclusiva no Brasil. Nesta perspectiva de
universalizar o acesso ao ensino, oportunizando a todos os
discentes a inclusão efetiva nos processos educacionais,
tem sido desafio a mais proposto às escolas do campo.
De acordo com a Resolução 2/2008, que
estabelece Diretrizes complementares, normas e
princípios para o desenvolvimento de políticas públicas
de atendimento da Educação Básica do Campo, destaca-
se o dever de os sistemas de ensino promoverem o acesso
e permanência das pessoas com deficiência que moram
no campo a modalidade de ensino Educação Especial na
Educação Básica, preferentemente em escolas comuns
da rede de ensino regular (BRASIL, 2008).
As práticas pedagógicas tornam-se mais
complexas, levando em consideração a diversidade
do educando com Deficiência, Transtorno global do
desenvolvimento e altas habilidades em sala de aula e
as especificidades impostas historicamente às escolas
do campo. Então, para pensar a educação especial e
a educação do campo neste contexto, retomamos a
fala de Caiado (2008, p.02) ao retratar que em “suas
particularidades e complexidades revelam-se duas
áreas marcadas pelo histórico descaso de ações na área

Keyla Cristina da Silva Machado


132
de políticas públicas”. Devemos, assim, atentarmos às
especificidades impostas pelo campo de discussão,
seguindo nossas reflexões.
Dialogamos em um primeiro momento com as
ideias de Vygotsky (2001), ao salientar que a evolução
e o desenvolvimento de alguém com deficiência segue
o padrão evolutivo de qualquer pessoa, destacando
suas especificidades, claro, visto que, em determinadas
situações, têm um quadro evolutivo específico, mas
apresentam evolução, mesmo que de forma diferente
do esperado. Ter a concepção que uma pessoa com
deficiência evolui, mesmo que de forma diferente e
subjetiva, é muito importante no processo educativo,
pois oportuniza a escola olhar este aluno como alguém
que pode superar suas dificuldades, sendo capaz de
aprender, apesar de suas limitações.
Frente a esta demanda educativa, a Lei de
Diretrizes e Bases da educação nacional, nº 9394/96,
em seu artigo nº 59, assegura aos educandos com
deficiência: I - currículos, métodos, técnicas, recursos
educativos e organização específicos, para atender às
suas necessidades (BRASIL, 1996).
Dessa forma, salienta-se que as demandas
relacionadas a escolas campesinas estão cada vez mais
diversificadas, voltando-se para abraçarmos, cada vez
mais, a ideia de escola inclusiva. Para Cavaco (2014),
“incluir é aceitar, é sentir a educação além do contexto
físico do espaço sala ou escola, é, sobretudo, uma forma
de estar e de ser dos pais, dos docentes e não docentes,
das escolas, da sociedade e do mundo em geral. Isto é
inclusão” (2014, p. 36). Para tanto, a ação docente deve

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E ADAPTAÇÕES CURRICULARES PARA ALUNOS COM


TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA EM ESCOLAS DO CAMPO DO PIAUÍ 133
estar alinhada às questões propostas pelas necessidades
sociais e individuais dos alunos, e pelos conteúdos e
metodologias trabalhados em sala de aula.
No que se refere ao campo de estudo do
Autismo, pesquisas apontam a explanação acerca das
suas diversas descrições e concepções clínicas, embora
tomem caminhos distintos para tal apresentação. Em
consonância com Orrú (2012), a palavra Autismo vem
do grego autós, “por si mesmo”, significado que faz
alusão ao comportamento característico introspectivo,
centralizado em si mesmo.
A relevância dos estudos, no que se refere à
historicidade e evolução sobre os aspectos que envolvem
a pessoa com TEA, são de extrema importância para a
compreensão dos avanços da temática. Adentrando
em uma perspectiva mais recente, destaca-se a Lei
nº 12.764/12, da Política Nacional de Proteção dos
Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista,
mais conhecida como a “Lei Berenice Piana”, que
esclarece, em seu artigo 1º, quem pode ser considerado
dentro do quadro de TEA: pessoas com deficiência
persistente na comunicação, ausência de reciprocidade
e interação social, padrões repetitivos e estereotipados,
comportamentos sensoriais incomuns, ritualizados,
entre outros (BRASIL, 2012).
A lei destaca, ainda, que as pessoas
diagnosticadas dentro dessa condição são consideradas
deficientes, sendo-lhes resguardados todos os
direitos legais de amparo e proteção, assegurando-
lhes práticas inclusivas que garantam a permanência e
desenvolvimento de suas habilidades. Cabe esclarecer

Keyla Cristina da Silva Machado


134
que a expressão “prática inclusivas”, como destacada,
está relacionada às práticas pedagógicas relacionadas às
adaptações curriculares presentes na escola, tais como
adaptações curriculares, planejamentos, metodologias
e ações docentes nas escolas regulares, as quais se
pretende estudar nesta pesquisa.
Realidade diferente encontrada por Sousa
(2011), que relata a realidade vivida pelos estudantes
na escola após o diagnóstico de TEA em Teresina. O
autor chega a considerar tal situação como homicídio
pedagógico, “tendo em vista a crença absoluta no
diagnóstico emitido, a criança é vista não mais como
um indivíduo que está na escola para aprender, mas sim
como o aluno que é autista, e que, portanto, não é capaz
de aprender, coisificando assim o indivíduo” (SOUSA,
2011, p. 75-76).
Assim, os profissionais da educação devem estar
cada vez mais preparados para inclusão de práticas
pedagógicas voltadas a atender casos de autismo nas
instituições escolares regulares, não apenas na sala de
aula, mas assegurando-lhes o seu desenvolvimento.

Dados estatísticos da Educação Especial no Piauí


Neste momento do texto, resgatamos os
indicadores educacionais da Educação Especial no
campo a partir de uma análise do Censo da Educação
Básica, disponibilizados pelo Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacional Anísio Teixeira – INEP,
do Ministério da Educação.

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E ADAPTAÇÕES CURRICULARES PARA ALUNOS COM


TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA EM ESCOLAS DO CAMPO DO PIAUÍ 135
Iniciaremos essa sessão apresentando os
dados de alunos matriculados na educação especial na
educação básica em salas regulares ou classes comuns.
Optamos por fazer um paralelo entre os dados do Brasil e
Piauí, no recorte de tempo de 2016 a 2019, como monstra
a Tabela 1:
Gráfico 1: Crescimento de matrículas na Educação Especial
em classes comuns
1.500.000 12,6% 13,1% 7,5%
0
896.809 1.014.661 1.090.805
Habitantes

796.486
1.000.000
0 28,3% 19,0% 2,1%
500.000
13.870 17.795 21.171 21.611
0
2016 2017 2018 2019
Título do Eixo

Brasil Piaui

Fonte: MEC/INEP. Censo Escolar da Educação Básica: 2016, 2017,


2018, 2019

Analisando os dados apresentados no Gráfico 1,


inferimos que tudo se coaduna em uma trajetória marcada
por fases, das quais o primeiro momento dos dados
simula um crescente aumento no número de matrículas
de alunos com deficiência em escolas regulares.
Tratando-se do estado do Piauí, este número chega a um
percentual significativo durante esses 4 anos, tomados
como recorte de análise dessa pesquisa. Notamos um
salto de 28.3% no número de matrículas entre os anos
de 2016 e 2017 em nível estadual, índice bem elevado,
comparado à média de crescimento nacional de 12,6 %
no mesmo período, fato que destacamos também no ano
de 2018.

Keyla Cristina da Silva Machado


136
Acreditamos que os índices em evolução são
reflexos das ações provenientes dos movimentos sociais
em prol da educação inclusiva na rede regular, em todo
o país. Ações que tiveram reforço com o Decreto Nº
6.949, de 25 de agosto de 2009, revalidando o direito
à educação da pessoa com deficiência, partindo do
princípio de igualdade de oportunidades. Pontuamos
entre outros aspectos do referido documento, [...] o
pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso
de dignidade e autoestima, além do fortalecimento
do respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades
fundamentais e pela diversidade humana (BRASIL,
2010, p.47). Já o ano de 2019 apresenta-nos um pequeno
crescimento, apenas de 2,1% do ano anterior. Cabe
aqui um questionamento: todos os nossos alunos já se
encontram matriculados?
Os dados aparecem em um período controverso
para educação especial. O cenário político mudou
e as atuais propostas oriundas do governo anseiam
por uma reformulação da atual Política Nacional de
Educação Especial. Em entrevista com um representante
do ministério, o jornalista Bilches (2019) detalha na
reportagem que, no teor na nova proposta, caberá a
cada família, junto a equipe multidisciplinar que atende
à criança, o direito de escolha para permanência na
instituição de ensino regular ou se transferi-lo “para uma
escola especial ou ainda se ficará na mesma unidade
escolar, mas em uma classe especial que poderá ser
criada.”

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E ADAPTAÇÕES CURRICULARES PARA ALUNOS COM


TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA EM ESCOLAS DO CAMPO DO PIAUÍ 137
As mudanças previstas no novo documento
refletem claramente um retrocesso ao que este escrito
vem defendendo como escola inclusiva, que deve adaptar
e flexibilizar suas práticas pedagógicas às necessidades
do estudante. O que nota-se é a defesa camuflada, de
classes especiais para crianças com deficiência.
Seguindo a análise de dados, achamos por bem
destacar o número de matrículas em nível nacional e
estadual, destacando os alunos das escolas do campo,
como demonstra a Tabela 1:
Tabela 1: Matrículas da Educação Especial em Classes Comum
UNIDADE TOTAL DE MATRÍCULA PERCENTUAL
FEDERATIVA MATRÍCULA INICIAL /RURAL
INICIAL
BRASIL 1.090.805 126.970 11,6%
PIAUI 21.611 4.284 20%
Fonte: MEC/INEP. Censo Escolar da Educação Básica: 2019

Podemos observar, nos dados supracitados,


os números gerais de matrícula de alunos que vivem e
estudam na zona rural (denominação dada pelo INEP e
que iremos adotar aqui neste texto) e em escolas comuns.
No Brasil, há um quantitativo de 11,6% comparado com as
matrículas totais no país.
Ressaltamos que, em nível estatual, este
percentual chega a 20% no Piauí, dado relevante se
comparado com o mesmo percentual nacional. Outros
fatores permeiam estes dados, tal como a forte política
de nucleação das escolas, transferindo grande parte
das escolas do campo para as cidades ou em únicas
comunidades, resultando em um número elevado de
fechamento de escolas campesinas. Ainda falando do

Keyla Cristina da Silva Machado


138
estado, encaminhamos a análise para as matrículas
dos municípios que apresentam os maiores números
de matrículas de crianças especiais, como demonstra o
gráfico 2:
Gráfico 2. Maior quantitativo de matrículas na Educação
Especial no Piauí
7.000

6.000

5.000
Matriculas

4.000
6375
3.000

2.000

1.000
1250
630 511 490 406 383 378 376 305 305 304
-

Fonte: MEC/INEP. Censo Escolar da Educação Básica:2019

Temos uma quantidade considerável de


alunos com deficiência distribuídos em escolas do
campo do Piauí. Selecionados os 12 municípios que
apresentaram os maiores números de matrículas em
educação especial do estado, e destacamos a capital,
com o maior quantitativo de matrículas – 6.375 alunos,
o que já era esperado, tendo em vista que as clínicas
de tratamento e acompanhamentos especializados
estarem centralizados neste local, seguido por Parnaíba
com 1250 alunos.
Em relação às escolas do campo no estado,
selecionamos com parâmetros as 12 maiores quantidades
de matrículas de municípios do Piauí. Vejamos o que os
dados nos mostram:

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E ADAPTAÇÕES CURRICULARES PARA ALUNOS COM


TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA EM ESCOLAS DO CAMPO DO PIAUÍ 139
Gráfico 3: Matrículas na Educação Especial em escolas
do campo no Piauí

600
510
500

400

300

200 160 154


134 122 111 103 91 87
100
72 70 69

Fonte: MEC/INEP. Censo Escolar da Educação Básica:2019

Os dados do Gráfico 3 revelam a demanda


de alunos com deficiência nas escolas do campo,
concentrados em maior número da capital, mas
distribuídos em grandes números em todo o Piauí. Revela,
ainda, que a cidade de Cocal (27. 787 habitantes), apesar
de possuir a metade da população da cidade de Barras
(47066 habitantes), apresenta 60% de matrículas de
crianças com deficiência, ainda localizados no campo, se
comparado ao índice de 41% de Barras.
Os dados municipais reforçam a necessidade de
ampliar os investimentos em políticas públicas para as
escolas do campo, que abarquem as adaptações físicas,
mais investimentos em materiais didático-pedagógicos
e na formação de professores para trabalhar com
essas crianças nas salas comuns, as quais os dados
se referem, e não apenas em salas multifuncionais.
Deve-se ainda intensificar o diálogo com as políticas
de educação inclusiva, as adaptações no que tangem

Keyla Cristina da Silva Machado


140
aos aspectos curriculares e metodológicos das práticas
educativas adotadas nas instituições, para que possam
garantir a efetividade do direito à educação dos povos
com deficiência no/do campo. Relatamos, a seguir, as
matriculas de alunos por deficiência em nosso estado:
Tabela 2: Tipo de deficiência matriculados em classes comuns
Tabela 2: Tipo de deficiência matriculados em classes comuns
Número de Matrículas da Educação Especial em Classes Comuns – Tipo de deficiência, transtorno global do desenvolvimento ou altas
habilidades/superdotação

Baixa Deficiência Deficiência Deficiência Deficiência A.


TOTAL Cegueira Surdez Surdocegueira Autismo
Visão Auditiva Física Intelectual Múltipla H/Superdotação

BRASIL 1.090.805 6.252 73.839 20.087 36.314 474 127.693 709.683 61.796 166.620 48.133

PIAUÍ 21.611 170 1.999 466 623 18 3.093 12.661 2.039 4.966 634

Fonte: MEC/INEP. Censo Escolar da Educação Básica:2019


Fonte: MEC/INEP. Censo Escolar da Educação Básica:2019

Os dados da Tabela 2 mostram o total


significativo de alunos por deficiência, no Brasil e no
Piauí, campo e cidade. Desses alunos com deficiência
visual, auditiva, intelectual e física, Altas habilidades
-A.H/ superdotação e autistas, constata-se uma
diversidade latente de modificações na escola, na prática
dos professores e dos demais profissionais da educação,
para receber e ampliar com um ensino de qualidade
todas as habilidades deste grupo de alunos, no âmbito
da escola comum.
É importante ressaltar a importância das escolas,
em especial as escolas do campo, as quais já possuem
uma concepção de educação diferenciada do ideário
urbano. Reforçando a ideia da necessidade de um corpo
docente preparado para refletir e criar estratégias de
ensino que promovam a inclusão de todos os alunos,
independente de sua condição e dificuldade, buscando

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E ADAPTAÇÕES CURRICULARES PARA ALUNOS COM


TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA EM ESCOLAS DO CAMPO DO PIAUÍ 141
metodologias flexíveis e diversificadas de aprendizagem.
Estes dados remetem às pontuações descritas por
Mantoan (2006), ao tratar das mudanças necessárias à
educação, com relação a novos paradigmas e ferramentas
indispensáveis, a inovações e mudanças que as escolas
inclusivas demandam em seu cotidiano.
Diante das diversidades de crianças de tipologias
de deficiências apresentadas, procurou-se aprofundar a
discussão no TEA, onde destacamos um total de 166.620
matrículas nacionais e 4.966 matrículas estaduais.
Um número elevado de crianças, considerando que
dentro deste espectro encontram-se uma gama de
singularidades em áreas de domínio específicas, tais
como: área social, linguagem e comunicação, pensamento
e comportamento, com intensidades diferentes em cada
indivíduo.
Encontramos um panorama de subjetividades
dos sujeitos com TEA, e por acreditar que este transtorno
requer uma atenção especial, por apresentar múltiplas
formas e níveis de comprometimento da criança,
colocamos em relevo os dados coletados dentro deste
espectro. No Piauí, destacamos um recorte de algumas
cidades, pela quantificação de matrículas de crianças
com TEA no ano da pesquisa, e obtivemos:

Keyla Cristina da Silva Machado


142
Gráfico 4: Matrículas de estudantes com TEA em classes
comuns no Piauí
2.500

2.141
2.000

1.500

1.000

500 338
244
112 97 93 92 67 66 63 47 47 46 45 44 38 36 36 33 33 32 29 28 28
-

Fonte: MEC/INEP. Censo Escolar da Educação Básica:2019

Os dados apresentados no gráfico anterior nos


remetem a informações gerais das classes comuns nos
municípios. Podemos inferir que os índices da capital
se apresentam em destaque, se comparado à segunda,
na ordem de matrículas. É notória a grande procura no
ensino na capital, refletindo em toda a rotina da família,
podendo ser um indicador de mudança de residência.
Silva (2007) destaca que a forma como a família reage
ao tratamento da criança será decisiva na evolução e na
retomada do desenvolvimento dela.
Pensando nisso, as famílias recorrem a
profissionais de saúde, composta muitas vezes por uma
equipe multidisciplinar com psicólogos, fonoaudiólogos,
psicopedagogos, terapeutas ocupacionais,
psicomotricistas e demais profissionais que a criança
necessitar, tendo que reestruturar a família muitas vezes
em outras localidades, como aponta Machado (2014,
p.20):

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E ADAPTAÇÕES CURRICULARES PARA ALUNOS COM


TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA EM ESCOLAS DO CAMPO DO PIAUÍ 143
É significativo o abandono de
carreiras, estudos e empregos por
parte dos genitores em razão dos
múltiplos aspectos que envolvem as
tentativas de encontrar e suprir ao
menos as necessidades de saúde e
educação para autistas, tendo em
vista a inexistência em suas cidades
dos serviços públicos com qualidade,
número e localização compatíveis com
a demanda e as especificidades do
autista. Nos casos raros de haver na
cidade instituições que preenchemos
quesitos necessários, há que esperar
uma vaga.
A presença destes profissionais nos pequenos
municípios piauienses ainda não é uma realidade
generalizada. Estes profissionais têm grande importância
para orientar e apoiar as famílias durante todo o processo
para concretização evolutiva da pessoa com TEA,
revelando a relevância da ampliação nos investimentos
para efetivação de todos os direitos da pessoa com
deficiência, no que se refere à saúde e educação próxima
a sua residência.
Concordamos com Caiado e Meletti (2011, p.102),
ao destacarem que “na ausência de políticas públicas
para a população do campo, seja em educação, saúde,
transporte, moradia e trabalho, revela-se o impedimento
de pessoas com deficiência viverem com dignidade e
participarem da vida social”.
A falta investimentos que assegurem os reais
direitos para que as pessoas com deficiência permaneçam
no campo ainda é visivelmente frágil. Somente com
o cumprimento das leis que amparam este leque da

Keyla Cristina da Silva Machado


144
população acreditamos em uma maior possibilidade de
inclusão real e efetiva dos alunos com TEA em salas de
aulas regulares.

A implementação de práticas pedagógicas inclusivas no


que se refere à organização curricular e metodológicas
nas escolas do campo
A Resolução CNE/CEB Nº 2, de 11 de setembro
de 2001, institui Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica. Em seu artigo 8.° aponta
questões sobre as flexibilizações e adaptações
curriculares os quais podemos considerar como
“significado prático e instrumental dos conteúdos
básicos, metodologias de ensino e recursos didáticos
diferenciados e processos de avaliação adequados
ao desenvolvimento dos alunos que apresentam
necessidades educacionais especiais” (BRASIL, 2001).
Todos esses indicativos devem estar de acordo com o
projeto pedagógico da escola e a frequência regular do
aluno.
No que tange à Educação do campo, as Diretrizes
Nacionais, em seu Art. 7º, aponta a responsabilidade
dos órgãos normativos, através das instituições
correspondentes, em “regulamentar as estratégias
específicas de atendimento escolar do campo e a
flexibilização da organização do calendário escolar,
salvaguardando, nos diversos espaços pedagógicos e
tempos de aprendizagem, os princípios da política de
igualdade” (BRASIL, 2010, p. 35).

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E ADAPTAÇÕES CURRICULARES PARA ALUNOS COM


TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA EM ESCOLAS DO CAMPO DO PIAUÍ 145
No que se refere ao currículo na atualidade, temos
várias discussões alinhadas a diferentes concepções de
cultura, sociedade e educação. São vários os aspectos que
os influenciam, dentre eles os de ordem social, política e
cultural. O currículo ainda pode ser compreendido como:
os conteúdos; as experiências de aprendizagem; os
planos pedagógicos, escolas e sistemas educacionais;
os objetivos a serem alcançados por meio do processo de
ensino; os processos de avaliação (MOREIRA e CANDAU,
2007). Enfim, diversos fatores que se apresentam
interligados e que embasam a prática pedagógica do
professor.
Entretanto, apontamos entre várias dificuldades
que estão alinhadas ao currículo, como as condições
físicas e estruturais das instituições escolares no
campo e, ainda, aspectos que remetem à capacitação
profissional em relação às especificidades do campo,
bem como práticas inclusivas. Some-se ainda a
implementação de programas de intervenção adaptados
às habilidades apresentadas pelos alunos, levando em
consideração os pré-requisitos necessários à construção
de novos repertórios de conhecimento de cada criança.
Neste sentido, o educador tem uma função de
destaque no processo curricular na escola e na sala de
aula, promovendo a disseminação das questões sociais
e políticas da contemporaneidade, necessitando de
formação continuada para poder dialogar com suas as
práticas e as teorias que embasam a educação inclusiva.
Sendo assim, é importante alinhar os conhecimentos
teóricos e as vivencias do mundo prático, a fim de que
os docentes possam pensar em suas vivências e nas do

Keyla Cristina da Silva Machado


146
alunado para a construção de suas práticas pedagógicas
na cultura escolar. Este é um “[...] momento vivo da
organização histórica da subjetividade e está implicado
de forma constante nos diversos espaços sociais dentro
dos quais organiza suas diferentes práticas” (GONZÁLEZ
REY, 2003, p. 241)
As adequações curriculares apresentam-se de
formas variadas, oferecendo possibilidades de pensar a
aprendizagem dos alunos frente as suas necessidades
educativas, tornando-a apropriada às especificidades
dos alunos com TEA. Não por simplificar ou torná-la
mais “fácil”, como aponta Lopes (2010), mas garantindo
não só a permanência deste aluno em sala de aula como
também assegurando seu desenvolvimento como o dos
demais discentes da sala.

Considerações finais
O objetivo deste escrito foi apresentar reflexões
através de discussões teóricas que elucidassem a
importância de ampliar os investimentos para efetivação
com qualidade na educação inclusiva das crianças e
adolescentes que residem nas comunidades campesinas.
Para tanto, é indissociável a ampliação de políticas
públicas que resguardem os direitos da pessoa com
deficiência de estudar e ter seu pleno desenvolvimento
a partir de suas habilidades e possibilidades cognitivas.
Dito isso, acreditamos que a história de luta para
assegurar os direitos à educação da população
campesina é uma constante em face das conjunturas

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E ADAPTAÇÕES CURRICULARES PARA ALUNOS COM


TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA EM ESCOLAS DO CAMPO DO PIAUÍ 147
políticas apresentadas no país, configurando-se em um
caminho marcado por fases e momentos associados por
determinantes sociais, econômicas, políticos.
No âmbito das questões legais, é notório a
preservação dos direitos a educação inclusiva nas
escolas do campo. Mas, na realidade escolar, são grandes
as dificuldades em trabalhar com crianças especiais na
sala regular. Pontua-se os obstáculos na elaboração de
estratégias para atender a uma diversidade tão grande
em sala de aula. Vale ressaltar a grande relevância social
do tema, tendo em vista as dificuldades apresentadas
pelas instituições educacionais em garantir a legislação
vigente, especialmente no tocante às adaptações
curriculares, metodológicas, e uma real inclusão do aluno
com TEA em sala de aula.
Tomando como partida o entendimento de que
as adequações curriculares e metodológicas são pontos
base para o desenvolvimento dos alunos com TEA,
ressaltamos que, observando habilidades adquiridas por
cada aluno, são requisitos importantes para que sejam
planejadas as flexibilizações nos aspectos curriculares,
propondo uma discussão entre as práticas pedagógicas,
por ser uma prática mais específica, intencional e
planejada, articulando-as às adequações curriculares.
Tendo em vista essa demanda, é importante
ressaltar a importância de o corpo docente está preparado
para enfrentar os dilemas da profissão docente,
de forma a refletir sobre estratégias de ensino que
promovam a inclusão de todos os alunos, independente
de sua condição e dificuldades, através de metodologias
flexíveis e diversificadas de aprendizagem, tendo aliada

Keyla Cristina da Silva Machado


148
as formações continuadas para que possam (re) pensar
suas práticas pedagógicas na escola. Pois, à luz de Freire,
a humanização implica necessariamente uma tomada de
consciência da realidade e do “agir consciente sobre a
realidade objetivada” (FREIRE, 1979, p. 15).

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Keyla Cristina da Silva Machado


152
DIÁLOGOS COM CRIANÇAS
DOS ANOS INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL SOBRE
EDUCAÇÃO INFANTIL EM ESCOLA
DO/NO CAMPO
Keylla Rejane Almeida Melo
Iara Vieira Guimarães

Introdução
O meio rural brasileiro é território de vida de quase
seis milhões de crianças (IBGE, 2018), isto é, 16,5% das
crianças que habitam o Brasil vivem no campo. A forma
de viver a infância por esses sujeitos ora se aproxima
ora se distancia daquelas que vivem nos grandes
centros urbanos. Sarmento (2003) apresenta como
características universais desse grupo etário a fantasia,
a criatividade, a interatividade, a ludicidade, ao tempo
em que chama atenção para condições existenciais que
diferenciam as formas de viver a infância.
Este artigo discute Educação Infantil do/no
campo, um dos muitos aspectos explorados na Tese
de Doutoramento intitulada “Protagonismo infantil na
Escola do Campo: caminhos para a (re)organização das
práticas pedagógicas e do espaço/tempo escolares”
(MELO, 2019), resultante de pesquisa desenvolvida com
o objetivo geral de compreender a (re)organização dos

DIÁLOGOS COM CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL


SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL EM ESCOLA DO/NO CAMPO 153
espaços/tempos educativos de escolas do campo a partir
dos sentidos produzidos pelas crianças camponesas
sobre o campo e a escola do campo.
Foi realizada investigação com/sobre crianças,
por meio de uma pesquisa com narrativas, de abordagem
qualitativa, tendo os grupos focais como técnica de
produção de dados. Fotografias e desenhos feitos pelas
vinte crianças interlocutoras do estudo foram dispositivos
utilizados para o desencadeamento das conversas.
Nossos coparticipantes tinham idades entre 08 e 10
anos, alunos dos anos iniciais do ensino fundamental,
em escolas localizadas em duas comunidades rurais do
Estado do Piauí: uma constituía-se de um Assentamento
da Reforma Agrária e a outra de ocupação contingente,
isto é, ao longo dos anos as pessoas foram chegando
para morar, primeiramente, como arrendatários, e depois
conseguiram a posse da terra.
Neste artigo, limitar-nos-emos a explorar
diálogos tecidos com as crianças do Assentamento, tendo
em vista terem apresentado, em suas interlocuções,
diversos apontamentos que permitem um olhar reflexivo
sobre a educação que é oferecida a crianças da pré-
escola, evidenciando contradições no atendimento.
Para a feitura deste trabalho, além dos dados
produzidos na pesquisa de campo, conforme explicitado
anteriormente, levantamos informações estatísticas em
sites oficiais. Serviram como aportes teóricos os estudos
de Leal e Ramos (2012); Martins, Sternberg e Rozek
(2019); Oliveira (2012); Silva e Luz (2012); Silva e Pasuch
(2010), dentre outros, bem como a legislação educacional
para subsidiar as discussões travadas, pois acreditamos

Keylla Rejane Almeida Melo - Iara Vieira Guimarães


154
que as garantias legais são conquistas importantes na
trajetória de lutas dos movimentos sociais do campo em
prol dos direitos das populações camponesas.

Educação Infantil: aportes legais e dados oficiais


Desde o período de redemocratização do Brasil,
nos anos 1980, o país tem avançado consideravelmente
no sentido de garantir, legalmente, direitos sociais a todo
cidadão brasileiro. A educação e a proteção à infância
constituem-se partes desses direitos, assegurados pela
Constituição Federal de 1988, inclusive determinando-
os como competência comum dos três entes federados
(União, Estados e Municípios).
O texto legal atribui aos Municípios a manutenção
de programas de Educação Infantil e de Ensino
Fundamental, com a cooperação técnica e financeira
da União e do Estado. Além disso, institui como um dos
princípios basilares do ensino ministrado a igualdade de
condições para o acesso e permanência na escola (Art.
205 - I).
Apenas em 1996, oito anos após a promulgação
da Constituição Federal vigente, é que se instituiu
um ordenamento legal específico que estabelece
as diretrizes e bases da educação nacional, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei nº
9394, visando disciplinar “a educação escolar, que se
desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em
instituições próprias” (BRASIL, 1996, Art. 1º, §1º).
Esta Lei passou por diversas atualizações ao
longo dos anos, inclusive no que se refere às prescrições
relacionadas à Educação Infantil, como a redefinição

DIÁLOGOS COM CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL


SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL EM ESCOLA DO/NO CAMPO 155
da faixa etária, em 2013, por força da Lei n. 12.796,
por meio da qual se determinou que é dever do Estado
assegurar esta etapa da educação, de forma gratuita,
a todas as crianças até os 5(cinco) anos de idade; e
garantia de vagas em escolas públicas mais próximas
de suas residências para crianças a partir do dia em que
completarem 4 (quatro) anos de idade (incluída pela Lei
nº 11.700, de 2008) (BRASIL, 1996, Art. 4º, II e X).
No bojo dessa questão relativa à garantia de
educação das crianças no seu espaço de vida e moradia,
algumas regulamentações específicas à educação do/
no campo foram instituídas, a saber: Resolução CNE/
CEB nº 01/2002; Resolução CNE/CEB nº 02/2008; Lei nº
12.960/2014. Por estas prescrições legais, a Educação
Infantil deve ser oferecida pelos municípios, nas próprias
comunidades rurais, evitando-se os processos de
nucleação de escolas e de deslocamento das crianças,
admitindo-se esses processos para os anos iniciais
do ensino fundamental, mas, preferencialmente, que
ocorram intracampo.
Até mesmo as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Infantil (DNEI) – Resolução n. 05, de
17/12/2009 (BRASIL, 2009) reiteram a importância de tal
regulamentação, ao definir em seu Art. 5º, §5º: “As vagas
em creches e pré-escolas devem ser oferecidas próximas
às residências das crianças”.
Dados oficiais revelam que os municípios têm
agido à revelia dessas prescrições legais, pois tem sido
drástica a redução no número de escolas públicas rurais
que atendem a crianças da Educação Infantil, conforme
pode ser constatado na Tabela 01.

Keylla Rejane Almeida Melo - Iara Vieira Guimarães


156
Tabela 01- Dados de atendimento à Educação Infantil em escolas
públicas rurais (Brasil e Piauí – 2010 a 2018)
(Brasil e Piauí – 2010 a 2018)
Ano Quantidade de escolas Quantidade de
Matrículas

Brasil Piauí

Brasil Piauí Creche Pré-escola Creche Pré-escola

2010 78.776 4.285 122.867 717.615 7.271 30.882

2011 75.678 4.071 129.830 715.060 7.262 31.072

2012 73.584 3.910 137.185 705.325 7.476 30.522

2013 70.219 3.492 152.716 703.081 7.665 30.961

2014 66.904 3.138 162.643 697.963 9.073 28.817

2015 64.091 2.867 173.091 676.610 8.945 27.993

2016 62.369 2.725 177.674 685.061 9.463 27.156

2017 60.064 2.519 207.234 686.100 11.289 26.349

2018 56.954 2.261 225.420 677.124 12.247 25.001

Fonte: https://www.qedu.org.br/. Acesso em 06/04/2020.


Fonte: https://www.qedu.org.br/. Acesso em 06/04/2020.

Analisando os dados da Tabela 01, podemos


afirmar que há, no meio rural brasileiro, um intenso
deslocamento de crianças da Educação Infantil para
o acesso à escola, seguindo o Piauí o mesmo curso do
cenário nacional. Esta afirmação se deve ao fato de a
redução no número de escolas rurais ser acompanhada
de um movimento ascendente nos quantitativos de
matrículas em creches, sendo significativo esse aumento.
Na pré-escola, a quantidade de matrículas vai oscilando
ao longo dos anos, podendo-se, inclusive, identificar
uma queda considerável nesses oito anos, tanto no

DIÁLOGOS COM CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL


SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL EM ESCOLA DO/NO CAMPO 157
Brasil quanto no Piauí, o que pode ser interpretado
como mudança na localização de tais matrículas,
isto é, do campo para a cidade. Silva e Pasuch (2010,
p.4), em documento suplementar às DCNEI, intitulado
“Orientações curriculares para a Educação Infantil
do Campo”, asseveram que “o país precisa avançar no
sentido do oferecimento de vagas no próprio campo,
adequando-se às orientações e definições legais que
proíbem o transporte das crianças do campo para as
cidades”. Importante, também, a análise das condições
que estão sendo oferecidas às crianças de 0 a 3 anos nas
instituições escolares rurais.
Cumpre ressaltar que a legislação determina
apenas a matrícula na pré-escola como obrigatória, isto
é, o atendimento às crianças de 4 e 5 anos, definindo,
inclusive, que tal matrícula não se configura como pré-
requisito para o acesso ao ensino fundamental. Portanto,
é preciso uma detida investigação sobre os motivos pelos
quais os municípios estão ampliando o atendimento em
creches, de modo que a quantidade não se sobressaia
sobre a qualidade de tal atendimento. O Decreto n. 7.352,
de 4 de novembro de 2010, que dispõe sobre a Política
de Educação do Campo, logo em seu primeiro Artigo, §4º,
determina:
A educação do campo concretizar-se-á
mediante a oferta de formação inicial e
continuada de profissionais da educação,
a garantia de condições de infraestrutura
e transporte escolar, bem como de
materiais e livros didáticos, equipamentos,
laboratórios, biblioteca e áreas de lazer e
desporto adequados ao projeto político-

Keylla Rejane Almeida Melo - Iara Vieira Guimarães


158
pedagógico e em conformidade com
a realidade local e a diversidade das
populações do campo (BRASIL, 2010).

Ao analisarmos os dados do Censo Escolar 20181,


no quesito Infraestrutura, podemos comprovar que, no
Brasil, de uma forma geral, há uma grande precariedade
em termos de dependências existentes nos prédios
escolares. Há biblioteca em apenas 37% das escolas;
quadra de esportes em somente 35%; e sala de leitura
em 25%. Verificando a situação das escolas no Piauí, os
dados apresentam-se ainda mais precários: biblioteca,
25%; quadra de esportes, 21%; e sala de leitura, 17%.
Filtrando ainda mais os critérios de busca, deparamo-
nos com uma quase ausência dessas dependências nas
escolas rurais piauienses, pois apenas 7% possuem
biblioteca; 8% quadra de esportes; e 6% sala de leitura.
Podemos afirmar, portanto, que as escolas do campo
ainda não convivem com condições mínimas para um
atendimento de qualidade aos estudantes.
Compreendemos que as DCNEI são um
importante marco regulatório para a Educação Infantil,
na medida em que partem de concepções e princípios
defendidos pelos movimentos de luta pelos direitos
das crianças, orientando a organização das propostas
pedagógicas e do currículo e, consequentemente, das
práticas pedagógicas em creches e pré-escolas, dando
atenção especial a especificidades étnicas e contextuais,

1 Dados disponíveis em: https://www.qedu.org.br/. Acesso em


07/04/2020.

DIÁLOGOS COM CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL


SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL EM ESCOLA DO/NO CAMPO 159
como indígenas e camponesas. Porém, as condições de
precariedade das escolas do campo é um obstáculo à
materialização do que prescrevem as referidas Diretrizes.
As DCNEI reiteram que “é dever do Estado
garantir a oferta de Educação Infantil pública, gratuita
e de qualidade, sem requisito de seleção” (BRASIL, 2010,
p. 12). Portanto, é direito de toda criança, na faixa etária
de 0 a 5 anos de idade, a frequência a uma instituição
de Educação Infantil, de modo que possam ser cuidadas/
educadas para um adequado desenvolvimento e
construção de aprendizagens múltiplas. Nessa
perspectiva, o Documento (BRASIL, 2010, p. 24), de
forma a contemplar a diversidade de infâncias existentes
no país, reconhecendo as especificidades inerentes à
educação de crianças camponesas, define:
As propostas pedagógicas da Educação
Infantil das crianças filhas de agricultores
familiares, extrativistas, pescadores
artesanais, ribeirinhos, assentados
e acampados da reforma agrária,
quilombolas, caiçaras, povos da floresta,
devem:

• Reconhecer os modos próprios de vida


no campo como fundamentais para a
constituição da identidade das crianças
moradoras em territórios rurais;

• Ter vinculação inerente à realidade


dessas populações, suas culturas,
tradições e identidades, assim como a
práticas ambientalmente sustentáveis;

• Flexibilizar, se necessário, calendário,


rotinas e atividades respeitando
as diferenças quanto à atividade
econômica dessas populações;

Keylla Rejane Almeida Melo - Iara Vieira Guimarães


160
• Valorizar e evidenciar os saberes e o
papel dessas populações na produção
de conhecimentos sobre o mundo e
sobre o ambiente natural;

• Prever a oferta de brinquedos


e equipamentos que respeitem
as características ambientais e
socioculturais da comunidade.

Compreendemos que atender a tais prescrições


é um desafio para as escolas, mais especificamente
para os professores, pois além da ausência de espaços,
materiais e recursos didático-pedagógicos, a formação
inicial e continuada dos profissionais da educação
ainda não contemplam tais especificidades, apesar
de o Decreto n. 7.352/2010, em seu Art.2º, inciso III,
determinar como um dos princípios da Educação do
Campo o “desenvolvimento de políticas de formação
de profissionais da educação para o atendimento da
especificidade das escolas do campo, considerando-se
as condições concretas da produção e reprodução social
da vida no campo” (BRASIL, 2010).
Além das especificidades do contexto camponês,
a formação docente para a Educação Infantil deve propiciar
uma base sólida de conhecimentos sobre a criança, seus
processos de aprendizagem e de desenvolvimento. Silva
e Pasuch (2010, p.12) recomendam:
Ser professor da educação infantil do campo
requer planejamento, pesquisa dos modos
de vida da criança e das comunidades, as
brincadeiras, as construções dos objetos
brinquedos, o criar e o recriar os artefatos
de sua cultura, os conhecimentos sobre a
riqueza natural e cultural do campo e de seus
povos. Aprofundar na cultura, investigar os

DIÁLOGOS COM CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL


SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL EM ESCOLA DO/NO CAMPO 161
saberes locais, ser profundo conhecedor
nos conhecimentos da comunidade para
poder articular esses conhecimentos aos
conhecimentos gerais.

É, portanto, exigido do profissional de Educação


Infantil do Campo um comprometimento com a escola, com
as crianças e com a comunidade. As práticas pedagógicas
planejadas e desenvolvidas devem estar coadunadas com
os modos de existência das crianças camponesas, numa
relação intrínseca entre o local e o global, o singular e
o universal. Silva e Pasuch (2010, p.1) ressaltam que “as
crianças do campo possuem seus próprios encantos,
modos de ser, de brincar e de se relacionar. As crianças
do campo têm rotinas, experiências estéticas e éticas,
ambientais, políticas, sensoriais, afetivas e sociais
próprias”. Assim, defendemos que é preciso que sejam
ouvidas, que possam falar de sua realidade, dos seus
sonhos, das suas experiências, que sejam chamadas a
participar da organização da escola e de suas práticas,
junto com suas famílias e outras pessoas da comunidade.

A Educação Infantil na perspectiva das crianças maiores


O arcabouço legal até aqui exposto revela
importantes conquistas no âmbito jurídico no
tocante à Educação Infantil, porém, vale ainda
ressaltar a promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), no Brasil, em 1990, que pressionou
o reconhecimento do estatuto social e político da
população infantil, impulsionando alguns estudiosos a
voltarem seus interesses de pesquisa para as crianças,
procurando compreender aspectos do mundo infantil a
partir do ponto de vista delas, “no intuito de ampliar a

Keylla Rejane Almeida Melo - Iara Vieira Guimarães


162
compreensão sobre os [seus] pensares, sentires, dizeres,
saberes e fazeres específicos” (MARTINS FILHO, 2011, p.
82).
Foi nesse mesmo direcionamento que seguiu
a pesquisa da qual analisamos, nesta seção, dados
produzidos, coadunados com uma concepção de criança
como sujeito de experiências, apto à participação
social. Acreditamos que esta é uma concepção que
também possibilita um redirecionamento das práticas
pedagógicas na Educação Infantil. As análises aqui
apresentadas comprovam empiricamente que têm as
crianças um olhar sensível e escrutinador que lhes
possibilita (re)pensar criticamente a escola e o trabalho
pedagógico que nela se desenvolve.
Visando contextualizar o cenário institucional
do qual nossos dez interlocutores fazem parte, a escola
do Assentamento, apresentamos, inicialmente, algumas
informações breves, que possibilitam uma melhor
compreensão do local, já incluindo falas das crianças.
Segundo dados do QEdu (2018)2, a escola, no ano
de 2018, atendia a 195 alunos em doze turmas, sendo
29 crianças da Educação Infantil, 72 alunos dos anos
iniciais e 56 dos anos finais do Ensino Fundamental,
além de 38 alunos de Ensino de Jovens e Adultos (EJA),
tendo como horários de funcionamento: a manhã com a
Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental;
a tarde com os anos finais do Ensino Fundamental e Mais

2 Dados disponíveis em:<http://www.qedu.org.br/escola/48916>.


Acesso em 06/06/2018.

DIÁLOGOS COM CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL


SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL EM ESCOLA DO/NO CAMPO 163
Educação3; e a noite com o EJA. No primeiro semestre
de 2018, eram multisseriadas as turmas de Educação
Infantil, 3º e 4º anos, 8º e 9º anos.
Muitos alunos da escola fazem uso do transporte
escolar, pois residem em outro núcleo do Assentamento,
que fica a cerca de 9 km da escola. Durante muitos
anos, o transporte desses alunos era feito em caminhão
“pau-de-arara”, mas, no ano de 2018, a direção da escola
conseguiu um ônibus escolar através da SEMED. No
entanto, no mês de março, este veículo incendiou por
falta de manutenção, quando transportava os alunos do
turno da tarde para suas comunidades. Devido a esse
acontecimento, esses alunos ficaram sem transporte,
muitos tiveram que utilizar motocicletas particulares,
outros perderam aulas, sobretudo as crianças da
Educação Infantil, até a chegada de um veículo (van)
para transportá-los. Vê-se, portanto, que o princípio da
igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola, determinado na Carta Magna, está muito distante
de ser materializado.
A Escola possui uma boa infraestrutura física
se comparada com a maioria das escolas do meio rural,
pois o prédio dispõe de um pátio, seis salas de aula, uma

3 O Programa Mais Educação é uma iniciativa do Ministério


da Educação, “que tem como objetivo melhorar a aprendizagem
em língua portuguesa e matemática no ensino fundamental, por
meio da ampliação da jornada escolar de crianças e adolescentes,
otimizando o tempo de permanência dos estudantes na escola”
(Informações retiradas do site: http://portal.mec.gov.br/programa-
mais-educacao. Acesso em 16/04/2020). Na escola pesquisada,
as crianças dos anos iniciais do ensino fundamental, ao finalizar o
turno de aulas regulares (manhã), são dispensadas para o almoço
em suas residências, depois retornam para atividades de reforço e
esporte no contra turno.

Keylla Rejane Almeida Melo - Iara Vieira Guimarães


164
cozinha, uma diretoria, uma sala para os professores
e um laboratório de informática, onde funcionavam
apenas dois computadores dos cinco existentes, e duas
impressoras. Possui, ainda, uma quadra de areia onde
os alunos praticavam atividade física, e três banheiros,
todavia, apenas um estava funcionando devido à fossa
séptica estar cheia. As crianças reiteraram esse problema
em suas falas
Há disponibilidade de energia elétrica e água
encanada, embora as instalações elétrica e hidráulica
estivessem bastante comprometidas, na época da
pesquisa, por falta de manutenção, aspecto ressaltado
pelas crianças. Outro problema por elas apontado foi a
pouca ventilação das salas de aula, já que não possuem
janelas, apenas pequenas aberturas nas paredes, fato
preocupante na Educação Infantil, em que a contemplação
do mundo exterior é um aspecto fundamental para seu
desenvolvimento. Sobre isso, Silva e Pasuch (2010, p.
8) pontuam que é preciso “garantir janelas em altura
que permita às crianças, mesmo as bem pequenas, a
visibilidade para a área externa”.
Nem as dependências físicas nem os sanitários
eram acessíveis a pessoas com deficiência e nem às
crianças da Educação Infantil, no período da pesquisa.
As crianças não contavam com área de lazer, como
parquinho, e não havia um espaço apropriado para servir
as refeições nem biblioteca, sala de leitura e laboratórios.

DIÁLOGOS COM CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL


SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL EM ESCOLA DO/NO CAMPO 165
Em um dos grupos focais realizado na escola,
Kelly (8)4 sugere: “- A gente deveria ter uma sala com
mesas só para a gente merendar”; ao que Marina (10)
complementa: “- Deveria ter um refeitório, porque os
meninos sentam no chão para comer e, às vezes, o chão
está sujo”; e, em seguida, Flávia (10) relembra: “- Em uma
época a escola tinha uns banquinhos no pátio para a gente
sentar na hora do recreio”.
O pátio não serve à sua função principal, que é de
convivência, socialização entre pares, mas para os alunos
permanecerem enquanto lancham, e sem uma adaptação
para atender com condições mínimas essa função de
refeitório. Peripolli (2010) chama a atenção para a relação
direta entre a imagem negativa, estigmatizada do campo,
e a oferta de políticas compensatórias, materializadas
em uma educação de baixa qualidade, em decorrência,
dentre outros aspectos, de estruturas físicas precárias
nas escolas.
Em relação à disponibilidade de materiais,
recursos e equipamentos, no período da pesquisa,
havia um bebedouro, TV por assinatura, um aparelho
de DVD, duas caixas amplificadas, um notebook, um
data show, dois computadores funcionando, um freezer,
duas impressoras, internet, telefone, armários, quadros
de acrílicos, ventiladores, mesas e cadeiras para salas
de aula, instrumentos musicais (sem uso no período
da pesquisa por falta de professor de música), jogos
educativos, mesas e cadeiras para eventos escolares,
caixas d’água.

4 O numeral entre parênteses é uma referência à idade da criança


que se expressa.

Keylla Rejane Almeida Melo - Iara Vieira Guimarães


166
Mais uma vez, reiteramos que a situação da
escola nesse quesito é razoável em relação a outras
realidades educacionais que conhecemos no meio rural
piauiense, embora saibamos que os agentes escolares
têm dificuldade de organizar o uso de alguns desses
materiais/recursos. Por exemplo, a escola possui livros
infantojuvenis recebidos através do Projeto Arca da
Leitura, de iniciativa do Ministério da Educação (MEC),
mas sem organização do material que permita o uso
pelos alunos. Além desses livros, as crianças denunciam
jogos guardados aos quais não têm acesso: Milane (8): “-
Tem vários jogos lá na sala do diretor e a gente não pode
brincar”. Ao que Raíssa (9) complementa: “-É. Muitos jogos
lá na sala dele, e a gente vai pedir para brincar, mas ele não
dá não. Tem xadrez, dama, quebra-cabeça...”.
Diversos outros problemas foram apontados
pelas crianças na infraestrutura da escola, como
banheiros pequenos, com chuveiros e vasos sanitários
disputando o mesmo espaço; vasos sanitários e pias que
não funcionam e não se adequam à altura das crianças
da Educação Infantil, como mostra o diálogo a seguir.
Mediadora: Então, há algo a ser feito para melhorar essa
parte dos banheiros?

[Muito alvoroço]

Kelly (8): O banheiro é fedorento, não tem papel higiênico.

Ravi (9): E qual não é fedorento? Nem energia tem no nosso.

Flávia (10): A minha ideia é colocar azulejo lá. Também fazer


banheiros só para as crianças pequenas...

DIÁLOGOS COM CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL


SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL EM ESCOLA DO/NO CAMPO 167
Jeane (9): Com pias baixinhas e aqueles vasos
pequenininhos...

Milane (8): Tem três banheiros lá: um já não funciona; o outro


foi trancado; aí só ficou um para a gente.

Marina (10): São duas pias no banheiro. Apenas uma funciona


e essa, quando a gente lava as mãos, a água cai lá do outro
lado.

Flávia (10): Têm que ser reformados os banheiros dessa


escola

Janine (8): Urgentemente.

Daniel (8): Tem que limpar o banheiro, colocar cimento para


melhorar o piso.

Milane (8): Tem gente que faz suas necessidades lá atrás da


escola. Principalmente os meninos pequenos [referindo-se
às crianças da Educação Infantil].

Pelas falas das crianças, é notório que não há


condições mínimas de funcionamento dos banheiros:
falta limpeza, energia, papel higiênico, os vasos e pias
estão quebrados, etc. Se este local não é adequado às
crianças maiores, o que dizer do atendimento às crianças
da Educação Infantil, como bem ressaltam nossos
interlocutores? Como assevera Melo (2019, p. 167), “na
Educação do Campo, é preciso questionar o espaço
concebido, marcado pela precariedade”.
O cuidado com a organização do ambiente
educativo constitui-se importante dimensão da qualidade
da educação oferecida às crianças. Conforme estudos
de Silva e Luz (2012, p. 189), a configuração desses
ambientes “pode favorecer ou desfavorecer o sentimento

Keylla Rejane Almeida Melo - Iara Vieira Guimarães


168
de segurança, o desenvolvimento da autonomia das
crianças, valorizando suas práticas e as interações
criança-criança e entre as crianças e os adultos”.
Por isso destacamos a importância de se planejar
pedagogicamente5 a organização dos espaços e materiais
visando à construção de um ambiente efetivamente
educativo na escola. No entanto, a disponibilidade
dos espaços e dos materiais interferem diretamente
na riqueza ou escassez desse ambiente. Em pesquisa
realizada sobre oferta e demanda de Educação Infantil
no campo, Leal e Ramos (2012, p. 174) constatam:
Em geral, as escolas necessitam de
mobiliário adequado às crianças de 0 a 6
anos, já que, na maioria delas, não foram
observadas mesas, cadeiras e estantes
que permitam o conforto e a interação
das crianças umas com as outras e com
materiais pedagógicos, como livros de
literatura infantil e brinquedos, entre
outros. Dessa forma, a ausência desses
equipamentos apropriados não favorece
um trabalho pedagógico que permita, à
criança, o seu desenvolvimento integral.

É preciso destacar que a simples existência do


material não favorece o desenvolvimento das crianças,
sendo necessário que seja realmente posto à disposição
delas, a partir de um planejamento que materialize
a intencionalidade educativa. Imaginemos a riqueza
pedagógica que traz a utilização de instrumentos musicais
na educação de crianças! Todavia, esses recursos estão
na escola, mas não são viabilizadas as estratégias para
que seu uso possa incrementar o processo educativo.

5 Pedagógico no sentido de sistemática e intencionalmente


planejado.

DIÁLOGOS COM CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL


SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL EM ESCOLA DO/NO CAMPO 169
Nossos interlocutores apontaram, reiteradamente, a
desorganização dos espaços e materiais existentes na
escola. Inclusive, pensam num tipo de ambiente educativo
que assista melhor as crianças da Educação Infantil,
conforme pode ser contatado no excerto a seguir.
Flávia (10): - Para essa escola aqui melhorar precisa mudar
muita coisa. Precisa de reforma. Aqui tem que ter lugar
apropriado para as crianças pequenas brincarem. Meu
primo, um dia, bebeu um suco aqui com abelha dentro. Foi
um menino grande que mandou ele beber. Aí o pequeno tem
medo dele e bebeu.

Mediadora: - E como é que a gente podia organizar para não


ter problemas na hora do recreio?

Crianças: - Tem!

Erlon (8): - As crianças pequenas caem.

Kelly (8): - Um dia, um menino pegou uma garrafa, tacou no


chão e se cortou.

Janine (8): - Cortou a cabeça e ficou um buracão.

Mediadora: - E como a gente poderia organizar isso?

Marina (10): - Deveria ter um intervalo só para as crianças


pequenas [referindo-se as da Educação Infanil].

[Muitas crianças falando ao mesmo tempo]

[...]

Milane (8): - Poderia organizar esta sala, reformar e colocar


mais jogos só para os meninos grandes ficarem no recreio.
Aí, fazia outra maior, organizava com brinquedos só para
os meninos pequenos. E ornamentava a sala para eles.

Flávia (10): - Colocava outras coisas novas.

Keylla Rejane Almeida Melo - Iara Vieira Guimarães


170
Sônia (8): - Eu tive uma ideia ótima! Essa sala bem aqui, tirava
todos esses livros e organizava nas prateleiras desse lado, e
organizava os jogos daquele lado...

Ravi (9): - Ou então pegava essas cadeiras e botava para fora.


E botava esses cones ali em cima. E colocava esse jogo de
dama organizado nas caixas, caixas plásticas.

Milane (8): - Também eles poderiam colocar aqueles livros


de historinha para os meninos pequenininhos para eles
verem os desenhos.

Ravi (9): - Ou então poderia levar esses livros todos para a


biblioteca e colocava os jogos de dama aí.

Kelly (8): - É. Aqui seria a sala de jogos. Eu conheço uma


escola que tem uma sala separada que é só para os jogos.
Tudo arrumadinho.

Ravi (9): - Lá na sala do diretor tem um jogo de roleta.

Kelly (8): - Tem mesmo, tem?

Erlon (8) (que estava desatento entra na conversa): - Mas


rapaz, tem mesmo?

Ravi (9): - Tem. [Ele explica como funciona o jogo]. E diz: - Mas
ele não deixa nós brincarmos, só se a professora for pedir.

É notório o incômodo das crianças em relação à


desorganização do espaço e dos materiais. Em diversos
momentos do grupo focal, elas traziam a necessidade de
organização do espaço da sala onde trabalhávamos. Elas
compreendem que o ambiente educativo bem elaborado é
condição para o bom funcionamento da escola. Inclusive,
entendem que os espaços, materiais, tempos devem ser
diferenciados para atender às crianças da Educação
Infantil. Algumas sugerem que o recreio das crianças
dessa etapa da educação seja em um tempo diferente do

DIÁLOGOS COM CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL


SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL EM ESCOLA DO/NO CAMPO 171
recreio dos alunos do Ensino Fundamental ou, então, que
haja espaços diferentes para cada grupo de alunos, de
acordo com o nível de ensino.
Horn (2004 apud SILVA; LUZ, 2012, p. 189)
pontua: “Os espaços integram a dimensão pedagógica
da escola, e sua adequação relaciona-se com as
possibilidades que ele oferece de ser transformado,
de modo a proporcionar os meios para as experiências
de crianças e adultos”. Em suas narrativas, as crianças
parecem compreender bem a dimensão pedagógica
da escola. Assim, mesmo possuindo estrutura física
insuficiente, elas sugerem que os espaços físicos
institucionais podem ser reorganizados para permitir
diversas possibilidades, configurando-se como espaço
pedagógico, isto é, pensado sistematicamente para que
ocorra aprendizagem e desenvolvimento.
Dados da pesquisa sobre oferta e demanda
de Educação Infantil no campo revelam, em todos os
municípios pesquisados no Nordeste, insuficiência ou
ausência completa de parques infantis, brinquedos e
materiais pedagógicos nas escolas rurais (LEAL; RAMOS,
2012). Em suas interlocuções, as crianças relacionam
diretamente essa insuficiência/ausência a problemas
de relacionamento aluno-aluno no âmbito escolar, como
pode ser constatado pelo excerto que segue.

Jeane (9): - Na hora do recreio sempre tem muita briga. Dois


meninos da minha sala brigaram, ficaram com a cara toda
arranhada.

Mediadora: - Por que será que tem essas brigas na hora do


recreio?

Keylla Rejane Almeida Melo - Iara Vieira Guimarães


172
Erlon (8): - Sei lá. Os meninos botam o pé para a gente cair...

Mediadora: - O que falta? Será que não dá para melhorar a


escola nesse sentido?

Kelly (8): - Eu estava andando com uma amiga minha e os


meninos disseram: “Podem brigar, podem brigar”. E nós só
dissemos: “- Não, nós não vamos brigar porque nós somos
amigas”. Aí eles jogaram a gente dentro dos matos e nós
ficamos nos coçando.

Mediadora: - O que vocês acham disso?

Marina (10): - O problema é que aqui na escola não tem um


lugar para as crianças se divertirem. Então a maneira que
as crianças se divertem é correndo. Às vezes, bate num
colega, o colega já parte para cima, zangado. Aqui não tem
um parquinho, era isso que deveria ter. A única ideia é
correr, correr, correr. Deveria ter, pelo menos, um parquinho.

Algumas crianças: - Eu acho ótimo!

Daniel (8): - Ah, isso sim!

Raíssa (9): - Legal!

Para nossos coparticipantes da pesquisa,


as interações negativas6 acontecem porque faltam
alternativas interessantes para o envolvimento das
crianças, como um parquinho. Os interlocutores
expressam, portanto, um desejo de transformação
do ambiente educativo que promova outras relações
interpessoais – mais harmônicas, interativas, dialógicas
com seus pares. Flávia (10) narra: “- Quando não tem
pessoas para a gente brincar, amigos nossos, a gente fica
correndo atrás da escola, e é arriscado quebrar alguma

6 Denominamos “interações negativas” as situações conflituosas


entre as crianças.

DIÁLOGOS COM CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL


SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL EM ESCOLA DO/NO CAMPO 173
coisa. Tem meninos pequenos, e aí tem acidentes.
O diretor diz para os pequenos ficarem sentados no
pátio, sem correr, mas eles não ficam. Então os grandes
esbarram neles, eles caem... Seria muito bom se todos
caminhassem devagar, com calma, não correndo”.
Não apenas espaços, mas também tempos devem
ser pedagogicamente planejados. Pelas narrativas de
Marina e Flávia, é possível inferir que é indiscutível
que o mesmo tempo do recreio para todos os alunos é
inapropriado, pois desconsidera as diferentes demandas
dos grupos etários. Conforme sugere Oliveira (2012, p.
72):
O período de 0 a 5 anos é repleto de
momentos importantes para as crianças.
A construção de uma identidade pessoal,
a aquisição da marcha, a aprendizagem
da fala, o controle dos esfíncteres, o
desenvolvimento das primeiras amizades
e o faz de conta são apenas algumas
delas. Isso sem falar nas experiências de
aproximação da cultura: a leitura, a escrita,
o contato com a literatura e com as artes.

Diante do exposto, é fundamental que a escola


saiba e considere a forma como as crianças aprendem e se
devolvem para que a organização do ambiente educativo
propicie tal aprendizagem e desenvolvimento. Conforme
Martins, Sternberg e Rozek (2019, p. 23), a aprendizagem,
como um processo humano, ocorre nas interações entre
os sujeitos, entre os pares e entre crianças e adultos,
sendo que a qualidade pode inibir ou viabilizar o aprender.
Então, não é proibido que as crianças menores interajam
com crianças maiores, mas esse tempo de interação deve

Keylla Rejane Almeida Melo - Iara Vieira Guimarães


174
ser sistematicamente pensado para que não gere riscos
à integridade dos menores mas, ao contrário, favoreça a
troca de experiências.
Silva e Pasuch (2010, p. 7) reconhecem a
importância de se promover interação entre crianças
da mesma idade e crianças de diferentes idades na
Educação Infantil, apontando para a necessidade de
que sejam respeitadas “as singularidades e demandas
diferenciadas entre as crianças de diferentes idades sem,
contudo, isolá-las ou restringir as ricas oportunidades
que as interações entre as crianças promovem, de mesma
idade ou idade diferente”.
Nesse sentido, o que é inadmissível é deixar
as crianças menores entregues à própria sorte, sem
supervisão e na ociosidade, num mesmo ambiente que
outras maiores, desconsiderando as necessidades
de apoio que têm essas crianças no seu processo de
desenvolvimento. Tal argumentação nos leva a colocar em
evidência outro momento do grupo focal em que nossos
interlocutores dialogam sobre a Educação Infantil.
[Duas crianças conversam sussurrando]

Sônia (8): - Deveria ter, além da professora, outra cuidadora


para as crianças pequenas.

[Depois, Marina pede para falar]

Marina (10): - Eu também acho que não dá para uma


professora ficar sozinha na sala com os pequenininhos.
Deveria ter, pelo menos, duas professoras.

Milane (8): - Olha, a [nome da professora], às vezes as mães


deixam as crianças dentro da sala e quando vão embora as
crianças ficam chorando. Tem vez que até as crianças correm

DIÁLOGOS COM CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL


SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL EM ESCOLA DO/NO CAMPO 175
atrás das mães, chorando. Se tivesse outra pessoa, poderia
ficar cuidando dessas crianças enquanto ela ficava com as
outras.

Na análise desse excerto, retomamos dados


de matrícula da escola pesquisada. São 29 crianças,
de diversas idades até os 5 anos, numa mesma turma.
Apenas uma professora para desenvolver o trabalho. As
crianças coparticipantes do estudo já deixaram claro
que o clima institucional em momentos externos à sala
de aula (como no recreio) talvez seja mais inibidor do
que favorecedor do aprender, da socialização, funções
principais da escola. Agora, elas trazem elementos que
nos fazem refletir sobre o ambiente interno da sala de
atividades. É preciso aprofundar as investigações no
tocante à prática docente nessas condições narradas.
Interessante como as interlocuções de nossos
colaboradores do estudo levam-nos a pensar sobre as
funções indissociáveis que integram o trabalho com
as crianças na Educação Infantil: cuidar/educar, bem
como aos eixos norteadores das práticas pedagógicas:
brincadeiras e interações. Desconfiamos que a
organização dos espaços, materiais, tempos, recursos
humanos na escola em evidência, podem não favorecer o
planejamento e execução de atividades que possibilitem
às crianças viverem/ampliarem suas experiências de
“exploração corporal, ética, estética e política do mundo”
(SILVA; PASUCH, 2010, p. 11). É preciso, portanto, ouvir
as crianças, suas perspectivas de desenvolvimento
e aprendizagem, de modo que, junto a elas, a escola
promova “[...] a criação de espaços, materiais, programas

Keylla Rejane Almeida Melo - Iara Vieira Guimarães


176
e atividades capazes de constituir as creches e pré-
escolas como gostoso lugar para a criança do campo
viver a sua infância!” (SILVA; PASUCH, 2010, p. 5).

Considerações Finais
O diálogo com as crianças do Ensino Fundamental
sobre o atendimento das crianças de Educação Infantil na
escola do campo pesquisada, enfatiza, veementemente,
três dimensões do cotidiano escolar - espaços, materiais
e tempos. Observamos que as crianças deixam
transparecer a ideia de que essas dimensões devem ser
sistematicamente pensadas para proporcionar a vivência
e ampliação de experiências. Inclusive, advogam que às
crianças da Educação Infantil devem ser promovidos
espaços, tempos e materiais diferenciados das crianças
do Ensino Fundamental.
Na visão das crianças, é necessário que a escola
investigada reelabore o ambiente institucional para
que sejam disponibilizados locais/tempos adequados
e específicos para as refeições; para o acesso a livros,
jogos, brinquedos; para a livre movimentação das
crianças; para a ludicidade, etc. Potencializar os espaços
lúdicos existentes (o campo de futebol, o pátio, o quintal)
e os de ampliação do saber (biblioteca, sala de jogos e
de leitura) é demanda urgente apontada pelas crianças
para que se estabeleçam relações interpessoais mais
harmônicas, mesmo que não sejam livres de conflitos.
Estes, acredita-se, podem ao menos ser minimizados.
Para a organização do trabalho educativo com
crianças camponesas de 0 a 5 anos, a escola e o poder
público precisam considerar tanto o arcabouço teórico

DIÁLOGOS COM CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL


SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL EM ESCOLA DO/NO CAMPO 177
e legal que sustenta a Educação Infantil quanto aquele
que fundamenta a Educação do Campo, de modo
que as especificidades etárias e contextuais sejam
consideradas no planejamento, execução e avaliação das
práticas pedagógicas.
Não deixamos de reconhecer as condicionantes
macros que perpassam o trabalho pedagógico em creches
e pré-escolas, como as condições de infraestrutura,
materiais, recursos humanos, formação e valorização
dos profissionais da educação, porém, acreditamos que
diversas providências podem ser tomadas no nível micro
(contexto escolar), visando à melhoria da qualidade da
educação oferecida às crianças da Educação Infantil em
escolas do campo.

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DIÁLOGOS COM CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL


SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL EM ESCOLA DO/NO CAMPO 181
182
PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA
E OS SABERES DO COTIDIANO
DO CAMPO
Maria Raquel Barros Lima
Carmen Lúcia de Oliveira Cabral
Luana Vieira de Sousa

Introdução
A Pedagogia da Alternância (PA) põe em relevo, no
processo formativo, os saberes cotidianos experienciados
e vivenciados pelos/as jovens educandos/as em suas
famílias e comunidades. Estes saberes constituem um
dos princípios fundamentais da ação formativa realizada
nas Escolas Famílias Agrícola – EFAs1. Ancoradas
pela Pedagogia da Alternância, as EFAs piauienses
materializam a ação educativa pautada pela inserção dos
saberes cotidianos dos jovens camponeses constituídos
em suas famílias (propriedade), comunidade e território.

1 As Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) são instituições de


Formação que atuam no meio rural. Surgiram como uma alternativa
de educação para os jovens do campo que visam continuar as
atividades no próprio espaço rural, ao mesmo tempo em que buscam
melhores condições de vida. Estas Escolas utilizam a Pedagogia
da Alternância (PA) como metodologia de formação juntos aos
educandos.

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E OS SABERES DO COTIDIANO DO CAMPO


183
Contudo, esse jeito de conceber e materializar
a formação no ambiente escolar que as EFAs dispõem
denuncia e visibiliza os processos educacionais
pensados pela agencia pública municipal e estadual para
as escolas situadas no campo. Acerca da concepção de
educação, os gestores continuamente se pautam através
do modelo urbano, possuindo como direcionamento
formativo conteúdos escolares desarticulados do
cotidiano sociocultural dos sujeitos camponeses.
Contextualizar e respeitar os saberes culturais
produzidos pela vivência das populações camponesas
implica uma condição intrínseca à historiografia da
Pedagogia da Alternância na década de 1930 na França,
bem como no Brasil na década de 1960.
A perspectiva histórica da gênese da Pedagogia
da Alternância fundamenta-se principalmente pela
dimensão problematizadora dos processos de formação
ofertados pelo sistema educacional vigente na época de
1930 para os jovens camponeses.
Interessante estabelecer relação aproximadas
entre Pedagogia da Alternância e Movimento de
Educação do Campo na perspectiva problematizadora
dos processos formativos. Vale ressaltar a existência de
simetrias comuns no que se refere à reivindicação por
processos formativos alicerçados nas especificidades
dos saberes cotidianos camponeses. Nesse sentido,
mesmo situados em tempos e espaços distintos, a
Pedagogia da Alternância (1930) e o Movimento de
Educação do Campo (1990) colocam-se na contramão do
projeto urbanocêntrico de educação disponibilizada para
os jovens camponeses.

Maria Raquel Barros Lima - Carmen Lúcia de Oliveira Cabral - Luana Vieira de Sousa
184
O modelo de ação formativa pensado pelos
camponeses articula a realidade vivenciada no cotidiano
de trabalho produtivo das famílias dos jovens que residem
no campo. Elementos como organização política e cultural,
as lutas pela terra no enfrentamento contra políticas
neoliberais de descaracterização do campo e desrespeito
aos sujeitos do campo possuem papel relevante na ação
formativa seja para o Movimento de Educação do Campo,
seja na materialização da formação dos jovens nas EFAs
piauienses. Aspecto interessante a pontuar é o fato de a
Pedagogia da Alternância representar para o Movimento
de Educação do Campo uma das alternativas viáveis para
consubstanciar a ação educativa nas escolas do campo.
A viabilidade que o Movimento de Educação do Campo
observa é justamente um dos princípios fundamentais
da Pedagogia, a valorização e inserção dos saberes
cotidianos das famílias no ambiente escolar como forma
de significar a ação formativa dos jovens.
Os processos educacionais perspectivados
pela Pedagogia da Alternância versam sobre outros
elementos que transpassam a proposta formativa
das políticas educacionais organizadas com base no
paradigma urbano. As Medicações Pedagógicas2 da
Alternância traduzem a conduta diferenciada da ação

2 Constituem dispositivos de ação que possibilitam aos educandos


relacionar-se com os atores que fazem parte da formação, dentre
eles a família, monitores, associações de maneira ativa, buscando
uma formação integral e o desenvolvimento do meio, conforme
princípios norteadores da PA. São também “[...] relações mediadas
pelos sujeitos e seus contextos sócio-histórico” (JESUS, 2011, p. 80),
que se dinamizam por meio de atividades como: plano de estudo,
folha de observação, caderno da realidade, o serão de estudo, visitas
e viagens de estudo e caderno de acompanhamento.

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E OS SABERES DO COTIDIANO DO CAMPO


185
educativa efetivada nas EFAs no Piauí. Basicamente,
a dinamização do Plano de Estudo (PE), Colocação em
Comum, Tutoria, Serões, Visita às Famílias, Caderno da
Realidade e Caderno de Acompanhamento atribuem
ao fazer pedagógico da formação nas EFAs o caráter
contextualizado e significativo da ação formativa dos
jovens.
Nesse sentido, a Pedagogia da Alternância
como modelo pedagógico no campo, efetivado nas
EFAs, torna-se viável para a proposta pleiteada pelo
Movimento de Educação do Campo, pois dinamiza a ação
formativa sustentada na dimensão problematizadora da
realidade camponesa, na medida em que insere, através
das Mediações Pedagógicas, a realidade cotidiana dos
jovens no ambiente escolar. A objetividade dessa inserção
da realidade das famílias nas EFAs visa à construção
do protagonismo dos educandos/as e das famílias. Em
síntese, o fazer pedagógico da alternância nas EFAs
piauienses propicia a problematização da realidade,
articulando saberes cotidianos e saberes escolares. A
dimensão problematizadora é inerente à ação educativa
nas EFAs, visto ser através da dimensão problematizadora
que as possibilidades de transformação social se
aproximam da concretude.
Mediante a tal discussão, é válido frisar que este
trabalho possui o seguinte problema: como os saberes
do cotidiano do campo interferem de forma significativa
nos processos formativos das EFAs piauienses? Temos
como objetivo investigar a relevância dos saberes do
cotidiano dos jovens no contexto formativo da Pedagogia
da Alternância materializado nas EFAs.

Maria Raquel Barros Lima - Carmen Lúcia de Oliveira Cabral - Luana Vieira de Sousa
186
A reflexão sobre os saberes do cotidiano
no contexto da Pedagogia da Alternância encontra
sua relevância ao questionar as finalidades e
intencionalidades do uso desses saberes nas EFAs, visto
ser uma ação pedagógica voltada para construção da
educação emancipatória e problematizadora. Trabalhar
a ação formativa na perspectiva de fomentar entre
os educandos/as a desconstrução das desigualdades
existentes na sociedade remete à necessidade de
comprometimento com uma ação educativa pautada
pelo viés emancipador e problematizador no processo
de ensino aprendizagem de forma contínua. Nas EFAs,
o ensino/aprendizagem perpassa pala articulação
entre tempos/espaços distintos (15 dias no espaço
escolar e 15 dias na família), processo facilitado
através das Mediações Pedagógicas da Alternância.
Esta performance atribui à Pedagogia da Alternância
importância na articulação dos saberes cotidianos dos/
as educandos/as aos conteúdos científicos.
Este estudo se caracteriza como uma pesquisa
bibliográfica que tem como justificativa aprofundar o
debate em torno das temáticas relacionadas à Pedagogia
da Alternância e suas relações com o campo, em seu
processo de formação junto ao educando nas EFAs.

Pedagogia da Alternância: saberes do cotidiano como


princípio fundamental
Transformações e mudanças experimentadas
pela sociedade exigem da escola, como agencia
responsabilizada pela educação dos sujeitos, o
envolvimento com problemáticas concretas do cotidiano

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E OS SABERES DO COTIDIANO DO CAMPO


187
vivenciado por esses sujeitos em formação. Ao fazer uma
abordagem acerca das responsabilidades da instituição
escolar como ambiente cuja função é mediar a construção
do conhecimento sistematizado e fundamentado na
articulação com outros saberes, e das contradições que
se apresentam nas relações sociais, Libâneo (2005)
denuncia:
As escolas e as salas de aula têm
contribuído pouco para superação dessas
contradições, especialmente estão
falhando em sua missão primordial de
promover o desenvolvimento cognitivo
dos alunos, correndo o risco de terem que
assumir o ônus de estarem ampliando a
exclusão com medidas aparentemente
bem-intencionadas [...]. (LIBÂNEO, 2005, p.
2)

Nessa mesma direção, Mészáros (2005) sustenta


que os variados modismos empregados nos sistemas
educacionais representam somente uma situação de
ajuste, seguindo os ditames do metabolismo capitalista
em sua política neoliberal, que concebe a educação como
mercadoria a ser ofertada segundo as leis de mercado. A
exclusão ocorre de forma desordenada na medida em que
às camadas populares são disponibilizados processos
educacionais de base fundamentalmente tecnicista,
visando à preparação de mão de obra especializada para
inserção no mercado de trabalho.
Por esse motivo, a Base Nacional Curricular
Comum (BNCC) sofre críticas severas dos movimentos
que defendem projetos populares de educação.
As insatisfações se apresentam justamente na
constatação de processos formativos voltados para

Maria Raquel Barros Lima - Carmen Lúcia de Oliveira Cabral - Luana Vieira de Sousa
188
aspectos educativos pautados pelo viés mais tecnicista.
Nessa compreensão, a dimensão problematizadora
e emancipatória dos sujeitos fica excluída desses
processos educacionais mediados pela BNCC.
Atualmente, encontra-se em discussão a
magnitude da inserção do contexto social como elemento
fomentador da dinamicidade educacional no âmbito
escolar. Este é um atributo conferido à atuação dos
movimentos sociais ligados à educação.
A função da escola, como espaço responsável
pela aquisição de saberes mais sistematizados, é
conhecer a vida cotidiana dos sujeitos que se encontram
inseridos nela. As EFAs, através da inserção dos saberes
cotidianos dos educandos/as na ação formativa no
tempo/espaço escolar, possibilitam aos/às educandos/
as uma “[...] leitura do mundo [...], fazer a leitura do mundo
da vida, construído cotidianamente [...]”. (CALLAI, 2005,
p.228). A Pedagogia da Alternância considera os saberes
dos educandos/as construídos no meio socioprofissional
como diretriz básica na ação formativa desses sujeitos.
As EFAs instigam o comprometimento com a construção
de sujeitos problematizadores de sua realidade a partir da
problematização da realidade vivenciada pelos sujeitos
inseridos nessas escolas. Por esse ângulo, a escola como
espaço de formação formal cumpre com a função social
de potencializar ação educativa que gere transformações
protagonizadas pelos/as educandos/as. Libâneo (2005),
referindo-se ao espaço escolar, é enfático:
Não haverá mudanças efetivas enquanto
a elite intelectual do campo científico da
educação e os educadores profissionais

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E OS SABERES DO COTIDIANO DO CAMPO


189
não se derem conta de algo muito
simples: escola existe para formar
sujeitos preparados para sobreviver nessa
sociedade e, para isso, precisam da ciência,
da cultura, da arte, precisam saber coisas,
saber resolver dilemas, ter autonomia e
responsabilidade, saber dos seus direitos
e deveres, construir sua dignidade
humana, ter uma autoimagem positiva,
desenvolver capacidades cognitivas para
apropriar-se criticamente dos benefícios
da ciência e da tecnologia em favor do
seu trabalho, da sua vida cotidiana, do seu
crescimento pessoal. Mesmo sabendo-
se que essas aprendizagens impliquem
saberes originados nas relações cotidianas
e experienciais socioculturais, isto é, a
cultura da vida cotidiana. (LIBÂNEO, 2005,
p. 2)

Nesta perspectiva, a Pedagogia da Alternância


apresenta-se como alternativa pedagógica para escolas
que se situam no território camponês. A PA aponta
oportunidades de retomada histórica dos processos
formativos nas escolas do campo, na medida em que se
encontra voltada para considerar os saberes cotidianos
dos sujeitos que chegam às Escolas Famílias Agrícolas
(EFAs) como um dos princípios fundamentais da ação
educativa.
A história de constituição da Pedagogia da
Alternância encontra-se ligada ao modo de produção em
pequenas propriedades. A importância desse fato remete
ao modo como se produz a cultura das famílias que
dividem território produtivo. Os saberes construídos por
essas famílias encontram-se geralmente atravessados
por relações de produção voltadas para o respeito aos
ciclos naturais da terra, às festividades coletivas, entre
outros elementos.

Maria Raquel Barros Lima - Carmen Lúcia de Oliveira Cabral - Luana Vieira de Sousa
190
Neste sentido, a Pedagogia da Alternância
como alternativa viável para o campo articula, em sua
ação educativa, o trabalho realizado na propriedade
e a formação no espaço escolar. Segundo Gnoatto et
al. (2006), o envolvimento com a realidade dos jovens e
suas famílias, bem como com a comunidade, garante o
sucesso desse paradigma pedagógico.
A Pedagogia da Alternância é um modelo de ação
educativa que se contrapõe às práticas de transferência
dos conhecimentos pautados pelo modo de vida
urbano para as escolas do campo. Nessa perspectiva,
a observância dos saberes culturais produzidos pelos
sujeitos camponeses no cotidiano de trabalho produtivo
confirma a existência do jovem-estudante-trabalhador/a.
Acerca dessa realidade camponesa no que se refere
à realidade de educação desses sujeitos, percebe-se
haver, por força da materialidade, a necessidade de
processos educativos que respeitem as especificidades
existentes no contexto camponês. A Pedagogia da
Alternância assume, neste viés, a relevância para
adentrar no território educativo desses sujeitos na
medida em que possui como princípio basilar a inserção
dos saberes cotidianos dos jovens no meio escolar, como
já mencionado anteriormente.
Assim, o projeto de formação dos sujeitos
camponeses em conformidade com a Pedagogia da
Alternância, segundo Gnoatto et al. (2006),
[...] vincula o conhecimento empírico dos
agricultores com o conhecimento científico,
alternando períodos em casa (propriedade)
durante duas semanas, e períodos na
Casa Familiar Rural (escola) durante

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E OS SABERES DO COTIDIANO DO CAMPO


191
uma semana. A metodologia de ensino
não desvincula o estudante da família e
nem da escola, pois dentro da estrutura
metodológica prevista, as atividades
curriculares têm parte desenvolvida na
escola e parte na família. No tempo em
que o aluno permanece na escola ocorre
um aprofundamento do que acontece
no meio familiar e, consequentemente,
ampliado os conhecimentos e relacionado
a acontecimentos mais globais, esta
metodologia de ensino busca superar a
dicotomia entre a teoria e prática, o saber
intelectual e saber popular. (GNOATTO et
al., 2006, p. 6)

É sempre relevante retomar que em sua origem,


na França em 1935, a Pedagogia da Alternância
constituiu um projeto formativo permeado pela
problematização de sistemas educacionais distanciados
da realidade campesina, no caso das experiências dos
agricultores franceses. A metodologia diferenciada da
tradicional, predominante na época, visa à superação da
dicotomia entre a teoria e a prática, próprio dos modelos
educacionais direcionados com base em paradigmas
tradicionais. Quanto a esse fato, Texeira et al. (2006) nos
aponta:
Um pequeno grupo de agricultores
franceses insatisfeitos com o sistema
educacional de seu país, o qual não
atendia, a seu ver, as especificidades de
uma Educação para o meio rural, iniciou
em 1935 um movimento que culminou no
surgimento da Pedagogia da Alternância
[...].Esse grupo enfatizava a necessidade
de uma educação escolar que atendesse
às particularidades psicossociais dos
adolescentes e que também propiciasse,
além da profissionalização em

Maria Raquel Barros Lima - Carmen Lúcia de Oliveira Cabral - Luana Vieira de Sousa
192
atividades agrícolas, elementos para o
desenvolvimento social e econômico da sua
região. (TEXEIRA et al., 2006, p. 229)

Como se pode perceber, a dimensão


problematizadora encontra-se presente nas origens da
Pedagogia da Alternância. O descaso com os processos
formativos dos jovens camponeses já na década de 1930
impulsiona insatisfações entre os povos camponeses
organizados em sindicatos e movimentos cristãos de
ação social. Significativo na trajetória de constituição
desse projeto pedagógico inovador, que é a Pedagogia
da Alternância, é o envolvimento efetivo dos camponeses
na primeira geração de organização da ação educativa
em alternância.
Em relação a essa circunstância, percebe-se a
necessidade de implementação de novas escolas que
respondessem às especificidades dos sujeitos situados
no campo. Quanto a essa necessidade, Nosella (2012),
referindo-se às origens da Pedagogia da Alternância na
França em 1935, pontua que significou “[...] uma ideia de
uma escola realmente para o meio rural e do meio rural;
uma escola que rompesse radicalmente com o modelo
urbano, não nascida de um estudo teórico, nem de uma
tese pedagógica, nem de um levantamento sociológico”.
Portanto, já se identifica, nas origens da Pedagogia da
Alternância, o aspecto problematizador como um dos
elementos diretrizes dessa pedagogia.

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E OS SABERES DO COTIDIANO DO CAMPO


193
Os saberes do cotidiano enquanto mediação pedagógica
Dentre os princípios de sustentação da Pedagogia
da Alternância está o respeito, bem como a inserção
dos saberes cotidianos consubstanciados pelos jovens
e famílias em comunidade. Por saberes cotidianos, na
perspectiva da ação formativa efetivada nas Escolas
Famílias Agrícolas (EFAs), entende-se que se trata de
conhecimentos, sabedorias, experiências produzidas na
tessitura cotidiana, em interação com o meio e com os
outros sujeitos que formam o tecido social camponês. Na
perspectiva dos sujeitos inseridos nas EFAs, como jovens
que geralmente possuem vínculo com o campo bastante
significativo, os saberes cotidianos se configuram como
[...] manejo do solo, época de plantio,
cuidados com as sementes, proteção às
larvas, rotatividade de culturas, criação
de animais, envolvendo a preparação e
conservação das carnes, leites e seus
derivados, as vivências comunitárias,
crenças religiosas e culturais [...] festas
comunitárias, cultos dominicais, bingos,
rodas de carteado [...] causos contados
nos encontros de amigos e familiares,
preparação de receitas culinárias,
entre outros tantos tipos de saberes.
(SCHWABENLAND et al., 2015, p. 11804)

A Pedagogia da Alternância possui Mediações


Pedagógicas (JESUS, 2011) cuja função crucial é articular
os saberes cotidianos aos saberes escolares. A efetivação
da interação entre tempos/espaços torna o projeto
educativo mediado pela Pedagogia da Alternância nas
EFAs significativo e diferente dos modelos de ensino
historicamente direcionados para o campo. Mediações
como o Caderno da Realidade, instrumental de registro da

Maria Raquel Barros Lima - Carmen Lúcia de Oliveira Cabral - Luana Vieira de Sousa
194
vida cotidiana dos jovens nos tempos/espaços distintos
(sessão familiar/sessão escolar);o Plano de Estudo
(PE); Colocação em Comum, entre outras mediações
pedagógicas3 da Pedagogia da Alternância, possuem
a função em propiciar ação educativa embasada pelos
saberes tecidos no dia a dia dos jovens.
Como projeto pedagógico formativo inovador
nas escolas situadas no campo, as EFAs se fortalecem
como modelo viável para educação na realidade rural, na
medida em que
[...] atribui grande importância à
articulação entre momentos de atividade
no meio sócio profissional do jovem
e momentos de atividade escolar
propriamente dita, nos quais se focaliza o
conhecimento acumulado, considerando
sempre as experiências concretas dos
educandos. Por isso, além das disciplinas
escolares básicas, a educação nesse
contexto engloba temáticas relativas à
vida associativa e comunitária, ao meio
ambiente e à formação integral nos meios
profissional, social, político e econômico.
(TEIXEIRA, 2008, p. 229)

A formação integral compõe um dos quatro


pilares de sustentação da ação educativa da Pedagogia
da Alternância efetivada nas EFAs. Os aspectos
éticos, ecológicos, intelectuais, técnicos, científicos,
profissionais, artísticos, filosóficos e espirituais
são inerentes à ação educativa nessas escolas. O

3 LIMA, Maria Raquel Barros. Instrumento Pedagógico Plano de


Estudo da Pedagogia da Alternância: experiência na escola família
agrícola dos Cocais no município de São João do Arraial/PI. 2019.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do
Piauí, Teresina, 2019.

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E OS SABERES DO COTIDIANO DO CAMPO


195
desenvolvimento do meio, a associação de pais e a
própria alternância completam os pilares estruturais da
Pedagogia da Alternância. Pode-se questionar: quais as
prerrogativas que tornam a Pedagogia da Alternância
efetivamente necessária aos processos formativos dos
sujeitos camponeses?
É uma questão relevante e indispensável,
tendo em vista que Gimonet (2007) chama atenção
para necessidade de retomada constante da trajetória
constitutiva dessa pedagogia. Essa preocupação
do pedagogo francês remete à necessidade de
fortalecimento do projeto pedagógico que é a alternância
sem, contudo, perder o vínculo com as bases históricas
de surgimento desta.
A Pedagogia da Alternância torna-se necessária
como alternativa aos processos formativos dos
camponeses na medida em que se fundamenta em
princípios cuja inserção dos saberes cotidianos incide
concretamente na ação educativa dos jovens.
Figura 1 - Dinamização dos processos formativos em Alternância

O chão da Agora é o momento da

É o chão da articulação
entre os saberes
vivências.

estruturação,
conceitualização.

Fonte: Baseado em Gimonet (2007).

Maria Raquel Barros Lima - Carmen Lúcia de Oliveira Cabral - Luana Vieira de Sousa
196
Percebe-se, na Figura 1, a dimensão interativa
entre os saberes cotidianos e os saberes escolares
apresentados no espaço da EFA, resultando na
ressignificação dos saberes cotidianos. Didaticamente
explicada, essa dinâmica pode parecer linear, todavia
as complexidades próprias do tempo/espaço educativos
(sessão escolar/sessão familiar) desconstroem qualquer
perspectiva de linearidade na desenvoltura dos
processos formativos em alternância. A heterogeneidade
dos sujeitos e suas relações experienciais cotidianas, de
trabalho, estudo, a lida com a terra, o envolvimento com
outros espaços como sindicatos e associações, tornam
essa dinamicidade vivaz e desafiadora.
Todavia, a Pedagogia da Alternância possui a
expertise de adequar-se a situações diversas em que se
insere, provocando dessa forma a riqueza de experiências
formativas em alternâncias, conforme pontua Silva
(2012, p. 169), de “[...] mosaicos de contornos variados e
de formas multifacetadas”.
Outro aspecto que se deve salientar é o princípio
da inserção das famílias no espaço escolar, extrapolando
o comumente admissível. As famílias possuem aparato
legal no cenário organizacional das EFAs. Cada EFA
possui associação das famílias juridicamente registrada.
Entre outras funções dessa associação, uma delas é o
acompanhamento do rendimento escolar dos jovens.
O protagonismo das famílias para o movimento
das EFAs incide na coformação que, segundo Gimonet
(2007), é condição sine qua non para efetivar de forma
significativa a ação formativa dos educandos/as nas EFAs.
Exercitar o protagonismo das famílias nos processos

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E OS SABERES DO COTIDIANO DO CAMPO


197
educativos de seus filhos e filhas, assumindo dessa
forma a coformação juntamente como os monitores/
professores, é um componente diferenciador do jeito de
educar das EFAs.

Considerações finais
De uma maneira geral, a prática escolar impõe
certos modelos educacionais fundamentados ainda em
práticas escassamente problematizadoras da realidade
cotidiana dos sujeitos em formação. A urgência sobre
o respeito dos saberes cotidianos como elementos
imprescindíveis à ação formativa desses sujeitos, sejam
esses urbanos ou camponeses, visibiliza a necessidade
de avaliação de políticas educacionais historicamente
constituídas a partir do viés unilateral, o urbano.
O fazer pedagógico das EFAs envereda pela
descolonização do modelo educacional de transposição
do modelo urbanocêntrico da ação formativa. As EFAs,
através das Mediações Pedagógicas da Alternância,
inserem os saberes cotidianos no ambiente escolar,
no intuito de realizar a problematização e fomentar a
transformação da realidade, promovendo e oportunizando
o protagonismo dos/as educandos/as.
A inserção dos saberes cotidianos desses/as
educandos/as no tempo/espaço escolar oportuniza a
participação das famílias nos processos de organização
e direcionamentos formativos em conformidade com as
diretrizes da Pedagogia da Alternância. A observância
dos saberes cotidianos na ação educativa dos jovens nas
EFAs propicia a educação significativa e contextualizada,

Maria Raquel Barros Lima - Carmen Lúcia de Oliveira Cabral - Luana Vieira de Sousa
198
além de fomentar o comprometimento com práticas
de transformação social protagonizada pelos próprios
educandos/as e famílias.
As transformações da realidade dos jovens é um
aspecto que as Mediações Pedagógicas da Alternância
possuem como meta a ser alcançada, através do
envolvimento com as demandas cotidianas, bem como
a construção de saberes culturalmente construídos. A
articulação entre saberes cotidianos e saberes escolares
remete à ressignificação de saberes dos educandos/
as, tendo como referência a dinamicidade da formação
em alternância cuja ação-reflexão-ação é a trajetória
imbricada na ação educativa nas EFAs.
De fato, os saberes cotidianos dos educandos/
as é um aspecto bastante relevante na ação formativa
das EFAs. Saberes, principalmente, voltados para os
conhecimentos acerca da área produtiva no campo.
Assim, a ação formativa em alternância se dinamiza
através dos conhecimentos prévios que os estudantes
trazem quando chegam às EFAs. Neste sentido, o Plano
de Estudo, uma das mediações mais relevantes do
processo de formação nessas escolas, cumpre com a
função de viabilizar essa prática de inserção.
A formação das EFAs faz-se pelo viés produtivo
no campo, visto que essas escolas assumem a formação
técnica profissionalizante geralmente em agropecuária
e agroindústria, entre outros cursos nessa linha de
preparação dos jovens para o mundo do trabalho. Neste
sentido, os saberes previamente constituídos de lida com
a terra, plantio e colheita favorecem que a articulação

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E OS SABERES DO COTIDIANO DO CAMPO


199
entre saberes cotidianos e saberes escolares aconteça
sem muitos esforços, não significando, contudo, que os
desafios nesta articulação se tornem superados.

Referências

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TEIXEIRA Edival Sebastião; BERNARTT, Maria de Lourdes;


TRINDADE, Glademir Alves. Estudos sobre Pedagogia da
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para a pesquisa. Educação e Pesquisa. São Paulo, v.34, n.2,
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scielo.br/pdf/ep/v34n2/02.pdf>. Acesso: 12 jan. 2020

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E OS SABERES DO COTIDIANO DO CAMPO


201
202
RESSIGNIFICAÇÃO DE SABERES
E PRÁTICAS EDUCATIVAS
NO SEMIÁRIDO POTIGUAR A
PARTIR DA LICENCIATURA
INTERDISCIPLINAR EM
EDUCAÇÃO DO CAMPO
DA UFERSA
Linconly Jesus Alencar Pereira
Maria do Socorro Xavier Batista
Luciélio Marinho da Costa

Introdução
Este artigo apresenta reflexões resultantes de
uma pesquisa que teve como objetivo compreender
as percepções de agricultores/as e estudantes do
curso de Licenciatura Interdisciplinar em Educação
do Campo (Ledoc), da Universidade Federal Rural do
Semiárido (Ufersa), acerca dos saberes e práticas de
convivência com o semiárido potiguar da região do
Apodi e as ressignificações que esses saberes tiveram
a partir do acesso ao conhecimento sobre a educação
contextualizada.1 A proposta política, educacional e

1 Esse artigo foi estruturado a partir de um recorte da pesquisa de


doutorado, intitulada Educação do Campo para Convivência com o
Semiárido Potiguar: semeando possibilidades através de práticas
contra- hegemônicas da licenciatura interdisciplinar em educação

RESSIGNIFICAÇÃO DE SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO SEMIÁRIDO


POTIGUAR A PARTIR DA LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO 203
CAMPO DA UFERSA
curricular diferenciada que a Ledoc assume insere-se
no projeto de Educação do Campo, que defende políticas
públicas de educação em todos os níveis para os
sujeitos do campo e tem um compromisso no tocante ao
atendimento qualificado à escolarização dos anos finais
do Ensino Fundamental e do Ensino Médio nas escolas
das áreas rurais, que forjou e desafiou as instituições de
ensino superior responsáveis por essas experiências a
inovar, buscando dar conta de pensar novos pressupostos
na formação de professores, promovendo uma nova
organização curricular para esse contexto.
A Ledoc da Ufersa tem sua prática curricular
estabelecida e pautada por áreas de conhecimento
concentradas em Ciências Humanas, Sociais e da
Natureza, direcionadas ao percurso formativo, aos
saberes e vivências da realidade do campo e em específico
o semiárido potiguar, mas obediente, sobremaneira, ao
Edital de Convocação nº 09, de 29 de abril de 2009, que
impeliu as universidades a construírem esta proposta de
educação diferenciada.
Este olhar direcionado para a realidade e
as necessidades das populações das áreas rurais,
historicamente invisibilizadas, nos possibilitou refletir, e
com isso compreendermos, a partir dos estudos de Molina
e Fernandes (2004, p. 3), que os indivíduos pensam, agem
e transformam-se conforme paradigmas inscritos em
sua cultura. Essa proposta de Educação do Campo vem
sendo construída pelos seus sujeitos coletivos a partir

do campo na Ufersa, desenvolvida no Programa de Pós-graduação


em Educação da Universidade Federal da Paraíba(UFPB).

Linconly Jesus Alencar Pereira - Maria do Socorro Xavier Batista -


204 Luciélio Marinho da Costa
dos princípios da autonomia dos territórios materiais
e imateriais, da emancipação humana, da segurança e
soberania alimentar.
No contexto específico da luta dos movimentos
sociais e das populações camponesas, evidenciamos a
construção de experiências educacionais que buscam
inspiração na educação popular, que subsidiam outro
paradigma educacional em uma perspectiva de
autonomia e emancipação dos sujeitos, buscando, a
partir do diálogo como processo e método de educação,
refletir sobre a realidade e os processos de opressão
encetados pelo sistema capitalista, visando à libertação
dos sujeitos e acesso ao conhecimento, por meio de uma
epistemologia da práxis.
Essa perspectiva busca se constituir como
política pública que garanta os direitos das populações
que vivem em diferentes territórios (quilombolas,
assentados e acampados da reforma agrária, ribeirinhos,
caiçaras, povos do mar, povos da floresta, sitiantes,
extrativistas, seringueiros, indígenas, entre outros),
respeitando suas diversidades de modos de produção
da vida, tendo em vista que tratamos de processos
educacionais diferenciados para as populações
camponesas, e dos povos e comunidades tradicionais
(PCTS). Essa perspectiva foi contemplada no artigo 3°,
no inciso I do Decreto nº 6.040 de 7 de fevereiro de 2007,
uma vez que tratamos de:
“[...] grupos culturalmente diferenciados
e que se reconhecem como tais, que
possuem formas próprias de organização
social, que ocupam e usam territórios e
recursos naturais como condição para

RESSIGNIFICAÇÃO DE SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO SEMIÁRIDO


POTIGUAR A PARTIR DA LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO 205
CAMPO DA UFERSA
sua reprodução cultural, social, religiosa,
ancestral e econômica, utilizando
conhecimentos, inovações e práticas
gerados e transmitidos pela tradição”
(BRASIL,2007).

Atendendo às reivindicações dos Movimentos


Sociais do Campo por uma política de formação docente
que possa contribuir para inserção da Educação do
Campo nas escolas situadas em área rural, o Governo
Federal, por meio do Ministério da Educação e por
intermédio da Secretaria de Educação Superior (Sesu),
Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
(Setec) e da Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), a partir
do Edital n° 2, de 31/08/2012 – Sesu /Setec /Secadi/MEC,
criou 42 cursos de Licenciatura em Educação do Campo
como parte do Programa de Apoio à Formação Superior
em Licenciatura em Educação do Campo (Procampo), em
cumprimento à Resolução CNE/CEB n° 1, de 3/4/2002, e
ao Decreto nº 7.352, de 04/11/2010, foi desenvolvido em
consonância com o Programa Nacional de Educação do
Campo (Pronacampo).
No percurso da luta dos movimentos campesinos
estrutura-se o Movimento por uma Educação do Campo
o qual tenciona o Estado e conquista uma política
educacional através do Decreto nº 7.352, de 4 de
novembro de 2010, que, no seu Art. 1o institui que:
A política de educação do campo destina-
se à ampliação e qualificação da oferta de
educação básica e superior às populações
do campo, e será desenvolvida pela União
em regime de colaboração com os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios, de acordo

Linconly Jesus Alencar Pereira - Maria do Socorro Xavier Batista -


206 Luciélio Marinho da Costa
com as diretrizes e metas estabelecidas no
Plano Nacional de Educação e o disposto
neste Decreto (BRASIL, 2010, p. 1).

Nessa perspectiva, a Ufersa criou a Ledoc com


o intuito de subsidiar a formação de professores/as com
um olhar específico no contexto do semiárido potiguar.
Dessa forma, atendendo às especificidades das
populações campesinas, conforme o Art. 2o do referido
decreto, explicita os princípios da educação do campo:
I - respeito à diversidade do campo em seus
aspectos sociais, culturais, ambientais,
políticos, econômicos, de gênero,
geracional e de raça e etnia;

II - incentivo à formulação de projetos


político-pedagógicos específicos para
as escolas do campo, estimulando o
desenvolvimento das unidades escolares
como espaços públicos de investigação
e articulação de experiências e estudos
direcionados para o desenvolvimento social,
economicamente justo e ambientalmente
sustentável, em articulação com o mundo
do trabalho;

III - desenvolvimento de políticas de


formação de profissionais da educação
para o atendimento da especificidade
das escolas do campo, considerando-se
as condições concretas da produção e
reprodução social da vida no campo;

IV - valorização da identidade da escola do


campo por meio de projetos pedagógicos
com conteúdos curriculares e metodologias
adequadas às reais necessidades dos
alunos do campo, bem como flexibilidade na
organização escolar, incluindo adequação
do calendário escolar às fases do ciclo
agrícola e às condições climáticas;

RESSIGNIFICAÇÃO DE SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO SEMIÁRIDO


POTIGUAR A PARTIR DA LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO 207
CAMPO DA UFERSA
V - controle social da qualidade da educação
escolar, mediante a efetiva participação da
comunidade e dos movimentos sociais do
campo (BRASIL, 2010).

O artigo 2o embasa a materialização dos princípios


da educação do campo, nos possibilitando compreender
que nesse projeto educativo desenvolvimento e educação
são indissociáveis. Isso nos leva a buscar perceber
as especificidades, culturas, saberes e tradições das
comunidades, elementos fundamentais para uma
educação contextualizada e engajada na transformação
dos sujeitos presentes nessa realidade.

Percepções sobre os territórios do Semiárido Potiguar


O semiárido brasileiro sofreu e sofre, até hoje,
as consequências da barbárie que foi a colonização
brasileira, a dizimação de centenas de etnias indígenas,
que nessas terras habitaram, a extinção de centenas de
espécies de animais e vegetais nativas dessa região, a
destruição, envenenamento e desertificação do seu solo.
As monoculturas da cana e do algodão, a criação de
gado, a extração de minérios e a expropriação de terras
indígenas e quilombolas marcam as primeiras investidas
do capitalismo e do patriarcado, que moldaram a cultura
nordestina, primeiro da submissão colonial e, em
instantes seguintes, ao sul e sudeste do país. Homens e
mulheres nordestinos eram induzidos a migrar de suas
regiões para os grandes centros urbanos, primeiro pela
dor causada pela fome e, em seguida, pela ilusão de vidas
melhores com a grande alienação criada pelo imaginário
social brasileiro.

Linconly Jesus Alencar Pereira - Maria do Socorro Xavier Batista -


208 Luciélio Marinho da Costa
Nesse cenário, percebemos que, para reordenar
os rumos dessa investigação, precisaríamos traçar novos
caminhos para compreender um espaço que antes era
visto apenas como lugar de sofrimento, dor e desolação
devido às suas condições climáticas e fenômenos
naturais.
A compreensão de Malvezzi (2007) explicita
que não se pode compreender o território do semiárido
brasileiro e o do semiárido potiguar sem refletir acerca
das especificidades regionais e climáticas (levando-
se em consideração que esse semiárido apresenta
características diferenciadas, pois se estende até a região
litorânea), os diversos povos e grupos étnicos presentes,
suas religiosidades, identidades, subjetividades e suas
relações sociais.
Tratamos, então, de Um lócus de investigação
que apresenta características próprias, que não apenas
se classifica pelo índice médio anual de precipitação
inferior a 800 milímetros ou o índice de aridez de até
0,5, embora o risco de seca seja, na grande maioria
dos anos, superior a 60%, características essas que se
estendem até o litoral. Essa área abrange 980.133,079
mil quilômetros quadrados,2 e nela vivem cerca de 22
milhões de pessoas, representando 46% da população
nordestina e 13% do povo brasileiro. Essa região tem

2 Sinopse do Censo Demográfico para o semiárido brasileiro,


publicada no ano de 2012 pelo Instituto Nacional do Semiárido (Insa),
produzido com o objetivo precípuo de disponibilizar informações
atualizadas acerca das principais características da população da
região semiárida. Disponível em: https://portal.insa.gov.br/acervo-
livros/198-sinopse-do-censo-demografico-para-o-semiarido-
brasileiro. Acesso em: 20 mar. 2018.

RESSIGNIFICAÇÃO DE SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO SEMIÁRIDO


POTIGUAR A PARTIR DA LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO 209
CAMPO DA UFERSA
uma extensão territorial na qual estão situados 1.135
municípios distribuídos assimetricamente, no espaço
geográfico de nove unidades da Federação: Pernambuco
(87,60%), Ceará (86,74%), Paraíba (86,20%), Bahia
(69,31%), Piauí (59,41%), Sergipe (50,67%), Alagoas
(45,28%) e Minas Gerais (17,49%). Porém, considerando
a dimensão territorial das grandes regiões, o Nordeste
apresenta 56,46% de seu território na porção semiárida,
o Sudeste apresenta 11,09% e o Brasil alcança os 11,53%.
Direcionando nossa análise para os territórios
camponeses, constatamos que pouco mais de 55% dos
habitantes dos estados do Ceará, Paraíba e Rio Grande
do Norte residem na porção semiárida de seus estados.
Na Bahia, o percentual alcança 48,09%; Pernambuco,
41,56%; Piauí, 33,53%; Alagoas, 28,86%; Sergipe,
21,35%; e Minas Gerais, 6,29%. Todos estes territórios
apresentam a necessidade de uma educação direcionada
para essas populações e suas especificidades,
especialmente uma educação contextualizada que
promova o fortalecimento das identidades campesinas
de forma a trabalhar a emancipação humana.
Daí a necessidade de superar a base estabelecida
pela categoria região e, com isso, alicerçar a ideia de
que o território vai além da demarcação regional, pois,
como nos afirma Batista (2006, p. 171), “os territórios são
reivindicados, contestados, e passam a assumir novas
configurações. De espaços de relações de poder e de
força”. Nesse passo, os sujeitos que os ocupam e vivem
da terra impõem novos significados que compreendemos
como territorialidades e, dessa forma, chegamos
ao entendimento de que os processos subjetivos de

Linconly Jesus Alencar Pereira - Maria do Socorro Xavier Batista -


210 Luciélio Marinho da Costa
conscientização da população estão estreitamente
ligados à ideia de fazer parte de um território, de
reconhecer seu tempo histórico, de integrar-se em um
estado com consciência de participação e integração,
como no caso do estado do Rio Grande do Norte e, mais
especificamente, do município de Apodi. Direcionamos
nosso olhar para a especificidade do contexto do
semiárido potiguar, onde encontramos 92,97% do
território do Estado do Rio Grande do Norte como zona
semiárida, segundo Medeiros (2012, p. 30), para onde
voltamos toda a nossa atenção.
Falamos a respeito de uma realidade de 88,02%
dos municípios desse estado, que compreende 147
municípios, totalizando 55% da população. Esses
dados nos tencionam a desconstrução das imagens
negativas referentes a esse território, tão fortes ainda
no imaginário popular, tão presentes no ideário coletivo
dessas populações3 e que remetem ao atraso, o qual
persiste nas desigualdades sociais, na fome e na miséria.
O estado do Rio Grande do Norte é dividido em
quatro grandes regiões: Mesorregião do Leste Potiguar,
Mesorregião do Agreste Potiguar, Mesorregião Central
Potiguar e Mesorregião do Oeste Potiguar4, mas
desenvolvemos a investigação que compôs esse trabalho

3 Nessa perspectiva, a educação do campo vem a contemplar


as especificidades dos diversos atores sociais do campo, que são:
pequenos agricultores, quilombolas, indígenas, povos do mar,
camponeses, assentados e reassentados, ribeirinhos, caipiras,
lavradores, roceiros, sem-terra, agregados, caboclos, meeiros,
boias-frias e povos da floresta.
4 Dados retirados do Projeto Pedagógico de Curso da Ledoc
(UFERSA, 2013, p. 20).

RESSIGNIFICAÇÃO DE SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO SEMIÁRIDO


POTIGUAR A PARTIR DA LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO 211
CAMPO DA UFERSA
na Mesorregião do Oeste Potiguar5 e, especificamente,
com estudantes da Ledoc que residem no município de
Apodi, devido ao maior número de estudantes oriundos
dessa localidade.
Nesse território se apresenta um processo de
enfrentamento constante entre os interesses do capital
do agronegócio e os camponeses que explicita o paradoxo
das contradições e das desigualdades do sistema
capitalista, nos possibilitando refletir a necessidade
de um debate permanente, nos planos teórico e da
materialidade, fazendo-nos pensar emergencialmente
a respeito do controle político e dos modelos de
desenvolvimento do campo. É o que podemos perceber
na fala de um dos sujeitos desta pesquisa, que evidencia
as ações desenvolvidas por uma empresa de exportação
de melão no município de Apodi:
[...] Isso, se entrar mais pra Chapada,
depois do São Francisco, vai estar a
Agrícola Famosa, na divisa com o estado
do Ceará, que já desmatou mais de 6 mil
hectares de terra, tem mais de 50 poços
perfurados, poços de grande profundidade,
com a capacidade imensa de sugar água no
aquífero. Então, esse é o conflito. O conflito
está dado, a gente pensou que tinha se
livrado, uma destruição tremenda, a gente
pedia ao Incra vistoria nas terras pra saber
quem tinha grande propriedade aqui pra
nós continuar no processo de ocupação
de terras, que tinha muita gente sem-terra
ainda em Apodi. O Incra dizia que não tinha
mais terra em Apodi, de repente a empresa
vem e desmata mais de 5 mil hectares de

5 A Mesorregião do Oeste Potiguar reúne as microrregiões de


Mossoró, Chapada do Apodi, Vale do Açu, Serra de São Miguel, Pau
dos Ferros e Umarizal.

Linconly Jesus Alencar Pereira - Maria do Socorro Xavier Batista -


212 Luciélio Marinho da Costa
terra. Então, a grilagem, que tinha outras
pessoas com nome na terra que não era
delas, passou pra empresa, é uma violação
tremenda. A questão do acesso à água...
é próximo às áreas de assentamento. Isso
que eu tô relatando pra você, tá arrodeando
as áreas de assentamento. Porque, a área
do Incra, eles não podem comprar, então,
se lá em Sítio do Góis tem um poço com
profundidade de 120 metros e ele consegue
perfurar outro por 400 metros, ele vai
secar primeiro que o de 120 metros, e nem
se compara à água usada pelas casas de
Sítio do Góis com a água que é usada para
produzir melão (CARCARÁ, 2016).

A globalização vem acelerando a expansão


do capitalismo, buscando estruturar as estratégias
nefastas do capital, que se evidenciam na realidade da
agroindústria no Brasil e na realidade de trabalho na
Ledoc /Ufersa e no município de Apodi, onde se percebe
a materialização de projetos capitalistas de exploração,
com empresas ocupando o território de forma a degenerar
a terra e a água, como fica evidente na fala de “Carcará”,
que nos relata o poder aniquilador do agronegócio e as
estratégias utilizadas pelos grileiros de terras para a
implantação das fazendas do agronegócio.
Nesse cenário, destacamos a composição da
população camponesa, que vive nesse território do
semiárido, a partir de dados fornecidos por Medeiros
(2012, p. 34), nos quais constatamos que a população
feminina predomina em relação à masculina,
acompanhando a tendência das demais regiões do País
– exceto para a região Norte, onde o número de homens é
superior ao de mulheres. Nos 1.135 municípios da região
semiárida, constata-se que em 44,93% o número de

RESSIGNIFICAÇÃO DE SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO SEMIÁRIDO


POTIGUAR A PARTIR DA LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO 213
CAMPO DA UFERSA
mulheres foi superior ao de homens e, em 9,43% dos
municípios, o número de mulheres e homens se igualou,
mas em 45,64% o número de mulheres ficou abaixo do de
homens. Especificamente nas áreas urbanas, em 89,43%
dos municípios, predominam pessoas do sexo feminino,
enquanto nas áreas rurais elas predominam em 92,16%.
No que tange ao quesito raça ou cor, na
composição racial da população do semiárido, registrou-
se que 59,60% de seus habitantes se declararam de
cor parda; 31,75% de cor branca; 7,15% de cor preta;
1,09% de cor amarela; e 0,41% se declararam indígenas,
nos ajudando a compreender que a maior parte dessa
população, ou seja, 66,75% do total, se autodeclarou
negra. Traçamos, então, o perfil dessas populações,
levando em consideração que falamos de camponeses,
em sua grande maioria mulheres negras, que durante
séculos foram invisíveis em uma cultura urbanocêntrica,
machista e misógina, o que nos possibilitam apontar
também, a partir dos dados acima, o racismo estrutural
presente na sociedade brasileira.
Dessa forma, as reflexões sobre o contexto do
semiárido potiguar nos remetem a pensar um território em
que a disputa por projetos de campo entre o agronegócio
e a agricultura camponesa se reflete na luta de classes
que é travada e ameaça o processo de produção de
existência dos camponeses.
Além do conflito diretamente ligado à luta de
classes, é mister olhar as contradições das relações
sociais com outros significantes que dão mais densidade,
conforme suscitam Santos (2005) e Malvezzi (2007),
realçando a necessidade de se olhar outras nuances

Linconly Jesus Alencar Pereira - Maria do Socorro Xavier Batista -


214 Luciélio Marinho da Costa
como as relações de gênero, de classe, étnico-raciais,
culturais, educacionais, o que nos leva a questionar a
base hegemônica que o capital impõe como modelo
dominante.
Na labuta do trabalho com a terra, tanto os homens
quanto as mulheres cuidam das plantações e dos animais
de médio e grande porte. E, em todas essas atividades
da terra, em conjunto a outros elementos, são essenciais
para garantir uma boa produção, especialmente o acesso
à água. As dificuldades se intensificam quando a água
está distante a mais de mil metros da casa. Por isso, a
importância de se facilitar o acesso à água.
Essas questões afetam as mulheres e suas lutas,
seja pela subsistência, na vida doméstica, nos quintais
produtivos, com suas atividades diárias, na busca do
sustento da família, pois as mulheres têm um importante
papel no fortalecimento da agricultura familiar.
Entende-se, conforme Malvezzi (2007), Neves
(2012) e Pereira (2015), que as organizações de
agricultura familiar são aquelas que ao mesmo tempo
são proprietárias dos meios de produção e executoras
das atividades produtivas, atendendo às especificidades
da gestão dos negócios e estabelecimentos familiares
e criando redes com padrões de sociabilidade entre
famílias de produtores e o atendimento de múltiplos
objetivos socioeconômicos.
O fortalecimento da agricultura familiar passa
necessariamente pela distribuição de terras que
beneficiam as populações de baixa renda e implica
diretamente na potencialização da geração de renda,
na elevação dos índices sociais e econômicos, tendo em

RESSIGNIFICAÇÃO DE SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO SEMIÁRIDO


POTIGUAR A PARTIR DA LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO 215
CAMPO DA UFERSA
vista geração de ocupação, de possibilidades de elevação
da qualidade de vida desses sujeitos e de emancipação.
Além disso, assume um papel importante na soberania
alimentar do país e na conservação do meio ambiente
uma vez que a produção da agricultura familiar (PEREIRA,
2015) abastece diretamente o mercado nacional de
alimentos, possuindo uma relação direta de equilíbrio
com a natureza, fruto de sua prática da policultura
orgânica, nos possibilitando compreender com uma
maior profundidade, a partir das reflexões apresentadas
por Neves (2012, p. 36-37), que as concepções acerca da
agricultura familiar se configuram como:
[...] uma prática de atividades no meio rural,
deve apoiar-se predominantemente em
mão de obra da própria família e na gestão
imediata das atividades econômicas
do estabelecimento, atividades essas
que devem assegurar o maior volume
de rendimentos do grupo doméstico.
[...]Práticas produtivas não predatórias,
tais como agroecologia, agricultura
orgânica, sistemas agroflorestais etc.[...]
Reconhecem-se diversas posições sociais
e situacionais: agricultores, silvicultores,
agricultores, extrativistas e pescadores.

O modelo de agricultura familiar compreende a


produção diversificada de alimentos, criação de animais
de pequeno, médio e grande porte, que integram de
forma harmônica a sustentabilidade do grupo familiar,
fortalecendo a soberania alimentar, transformando
a natureza com respeito e preservação, de forma a
manter uma convivência com o habitat que garanta a
convivência com as espécies. Ainda se destaca pelo
trabalho familiar, cooperativo e solidário diferenciado

Linconly Jesus Alencar Pereira - Maria do Socorro Xavier Batista -


216 Luciélio Marinho da Costa
da forma mercadológica de produção do capital. Diante
dessa realidade, os sujeitos desta pesquisa nos ajudam a
refletir sobre o percurso histórico de enfrentamento, luta
e resistência dos/as agricultores/as:
Tem vários companheiros ali no vale que têm
mais propriedade pra falar disso, porque
viveram disso. Eu sou um aprendiz também,
todos nós somos, mas eu, pela idade, gosto
muito de escutar também, pra repassar as
informações e entender um pouco como
foi que se deu essa organização que é hoje
em Apodi. Às vezes, a gente acha que pode
analisar e achar que foi uma coisa natural,
e fica até difícil de compreender, mas foi
por causa desses abusos, da violação dos
direitos. Quando o pessoal começou a ter
consciência, a primeira coisa que viu é que
tinha que estar unido pra enfrentar isso
aí, e formaram a Associação de Água Fria,
que tinha os agricultores de Água Fria, os
agricultores da Comunidade de Sororoca,
agricultores da Comunidade de Queimadas
e, se eu não me engano, agricultores de
Lagoa Rasa, essas quatro comunidades se
reuniam ali, começaram a discutir, né? Com
apoio da igreja, as CEBs naquele tempo. O
pessoal da Holanda vinha lá e trouxeram
alguns projetos pra furar poço, bomba
d’água, dando autonomia pra comunidade
gerir o abastecimento, o acesso à água.
Era muito precário naquele tempo, mas já
era um avanço significativo, e o sindicato
no assistencialismo. E aí, quando foi lá pra
89/90, os companheiros, isso de Água Fria,
se espalharam em outras comunidades, por
exemplo, Baixa Feixada, Melancias, outras
comunidades, o Córrego, Associação do
Córrego, também foram formando outros
núcleos de organização dos trabalhadores.
E os agricultores nesses núcleos foram
entendendo também que, além de ter a
associação, era importante o sindicato. Eles
vinham aqui e o sindicato não escutava...
(CARCARÁ, 2016).

RESSIGNIFICAÇÃO DE SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO SEMIÁRIDO


POTIGUAR A PARTIR DA LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO 217
CAMPO DA UFERSA
Por isso, as formas de produção da agricultura
familiar e as dos povos tradicionais do campo entram
diretamente em embate com o modelo hegemônico do
agronegócio, apoiado no tripé latifúndio-monocultura-
exportadora, que foi fortalecido a partir da Revolução
Verde na década de 1960, como marco de desenvolvimento
no campo, seguindo as prerrogativas estabelecidas pelo
capital transnacional, subsidiado pelo Estado, e difundido
pelas mídias, especialmente pelos canais de televisão
que disseminam propagandas que enfatizam aspectos
positivos desse modelo produtivo e não divulgam os
efeitos deletérios para o meio ambiente e para a saúde
humana com o uso abusivo de agrotóxicos.
O agronegócio veio com a promessa de
industrializar e modernizar a agricultura, com a
perspectiva de aumentar a quantidade de produtos
produzidos através do uso intensivo de tecnologias como
tratores, técnicas de irrigação que drenam e secam os
lençóis freáticos, pesticidas que matam e envenenam
o solo e os animais, uma variedade de sementes
transgênicas substituindo as sementes crioulas, aviação
agrícola, uso de equipamentos pesados, computadores
que substituem a mão de obra humana.
Daí a importância de se discutir e disseminar
informações que possibilitem um novo olhar sobre
as imagens que sempre se buscou cristalizar sobre
o semiárido nordestino, possibilitando enxergar as
inúmeras potencialidades de estratégias de convivência
com o semiárido, que poderão ser desenvolvidas em sala
de aula, como práticas pedagógicas fundamentadas
na educação para a convivência com o semiárido, que

Linconly Jesus Alencar Pereira - Maria do Socorro Xavier Batista -


218 Luciélio Marinho da Costa
promovam o conhecimento sobre as características
e particularmente do bioma caatinga, a cultura e
religiosidade popular tão forte nas comunidades rurais,
a forma de viver e pensar/refletir nordestina, que antes
não eram valorizadas e sim estereotipadas na educação
urbanocêntrica.
Esse cenário torna-se propício para propostas
que promovam reflexões que não fragmentem a formação
de professores/as e potencializam a construção pelos/as
estudantes dos seus próprios conhecimentos, tais como:
como articular o mundo do trabalho com as práticas
educativas ou pedagógicas para o contexto do semiárido
potiguar, como desenvolver práticas educativas e
pedagógicas contra-hegemônicas de enfrentamento ao
agronegócio da fruticultura irrigada em expansão no RN,
como fortalecer as práticas educativas e pedagógicas,
de convivência com o semiárido, desenvolvidas pela
agricultura familiar e como torná-las efetivas nas escolas.
Convergindo com essas reflexões, a educação
para a convivência com o semiárido traz proposições que
contribuem para se pensar o contexto, os modos de vida
e produção mais apropriados para que seres humanos
convivam de forma mais harmônica com a natureza nesse
território, como afirma Reis (2010) quando nos convida
para o diálogo, quando nos diz que a educação para a
convivência com o semiárido:
[...] precisa fazer sentido na realidade vivida
pelas pessoas, no lugar onde elas vivem,
pois, se a educação não está a favor de um
modelo de desenvolvimento sustentável
e integrado, ela desconsidera todas essas
particularidades locais. Mas, se ela está a

RESSIGNIFICAÇÃO DE SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO SEMIÁRIDO


POTIGUAR A PARTIR DA LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO 219
CAMPO DA UFERSA
favor desse modelo de desenvolvimento,
ela tem de tornar-se uma ferramenta
fundamental para que as pessoas se
libertem, se emancipem, que, a partir do
local, elas saibam atuar melhor sobre o
meio em que vivem e possam, assim, viver
mais felizes (REIS, 2010, p.123).

A Educação do Campo nos lança o desafio de


pensarmos a construção de novas epistemologias, novas
práticas pedagógicas e novas estruturas curriculares.
Esse processo começa a ser forjado pela luta dos
movimentos sociais camponeses, na busca da construção
de processos educacionais emancipatórios, diretamente
dialogando com o Estado, as universidades, os demais
atores sociais, com o viés de construir processos
sociopolíticos e pedagógicos dialógicos para a realidade
do campo.
Compreendemos que esse projeto educativo que
parte de trabalhadores/as do campo é uma necessidade
urgente para fazer um contraponto diante das
transformações da sociedade do capital que apontam
perspectivas homogeneizadoras e inevitáveis sobre
o destino planetário da humanidade. A educação do
campo para a convivência com o semiárido se reveste de
paradigma pedagógico que afirma o campo como parte
indispensável de um novo projeto societário que contempla
uma relação mais saudável, equilibrada e sustentável
entre o mundo das coisas, da natureza e o dos homens
e mulheres. A necessidade apontada por agricultores/
as de promover a formação inicial de educadores/as que
atuem nas áreas rurais do semiárido potiguar, de forma
contextualizada, materializa-se no projeto desenvolvido

Linconly Jesus Alencar Pereira - Maria do Socorro Xavier Batista -


220 Luciélio Marinho da Costa
pela Ledoc/UFERSA, proporcionando uma nova forma
de construção de epistemologias a partir da realidade
camponesa.

O olhar dos/das estudantes da Ledoc/UFERSA, acerca


dos saberes e práticas de convivência com o semiárido.
Os/as estudantes da Ledoc /Ufersa são
trabalhadores ou filhos de trabalhadores camponeses
ingressam no curso através de um processo seletivo
específico, o que os/as diferenciam dos/as demais
alunos/as dessa instituição, pois o curso atende às
exigências do MEC no que tange à necessidade de
formação trabalhadores professores/as para educação
na área rural e que nela já habitem.
Nessa perspectiva, buscamos evidenciar,
inicialmente, na segunda parte deste artigo, as
contradições referentes à categoria trabalho, a qual se de
um lado é uma dimensão ontológica do ser humano que
demarca sua relação com a natureza e como força capaz
de produzir suas formas de sobrevivência, de outro, na
sociedade do capital ele se caracteriza pela exploração e
pela alienação, como aponta Pires (1997) nos ajudando a
compreender e dialogar com os sujeitos que nos auxiliam
a construir esse trabalho, levando a perceber que:
[...]o trabalho (atividade vital, essencial) é
explorado (comprado por um preço sempre
menor do que produz), definindo, assim, um
processo de alienação (expropriação da
atividade essencial em sua plenitude). Se
o trabalho, como atividade essencial e vital
traz a possibilidade de realização plena
do homem enquanto tal (humanização),
a exploração do trabalho determina um

RESSIGNIFICAÇÃO DE SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO SEMIÁRIDO


POTIGUAR A PARTIR DA LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO 221
CAMPO DA UFERSA
processo inverso, de alienação. Sob a
exploração do trabalho, os homens tornam-
se menos homens, há uma quebra na
possibilidade de, pelo trabalho, promover
a humanização dos homens (PIRES, 1997,
p. 89).

Essa contradição intrínseca da categoria


trabalho nos fornece elementos para pensar o trabalho,
na realidade dos homens e das mulheres que moram na
região semiárida e nesse território trabalham, exercem
seus meios de produção e buscam condições dignas de
existência, está imerso em um cenário de alienação e
exploração pelo capital internacional. No que concerne
ao município de Apodi, onde vivem os/as estudantes da
Ledoc/UFERSA e suas famílias, estão os projetos de
grandes empresas internacionais, ligadas à fruticultura
irrigada que expropriam suas terras e não garantem
as condições de vida digna para a existência dessas
populações.
Nesse cenário, percebemos que a expansão
do agronegócio é cada vez mais evidente, e a luta dos
movimentos sociais campesinos é cada vez mais acirrada,
na perspectiva de barrá-los e avançar no fortalecimento
da agricultura familiar para a convivência com o
semiárido. Refletimos com Pires (1997, p.90) acerca da
urgente necessidade de se impulsionar “um movimento
contraditório humanização/alienação” que converge com
os reais interesses da educação do campo, distanciando-
se do modelo de educação rural e urbanocêntrica.

Linconly Jesus Alencar Pereira - Maria do Socorro Xavier Batista -


222 Luciélio Marinho da Costa
Essa é a realidade da Chapada do Apodi,
onde residem os/as estudantes da Ledoc, que foram
sujeitos6 desta investigação e moram nas áreas de
assentamentos. Os/as trabalhadores/as que atuam
nas empresas do agronegócio são seus parentes, os/as
amigos/as, os/as vizinhos/as e cônjuges, o que nos fez
propor o seguinte questionamento para empreendermos
essa discussão: a educação do campo, desenvolvida pela
Ledoc, possibilita às/aos estudantes do município de
Apodi a compreensão de um projeto societário contra-
hegemônico de fortalecimento da agricultura familiar
através das práticas educativas para a convivência com
o semiárido, embasada pela educação popular e pela
educação do campo?
Iniciamos, com Aroeira, a reflexão acerca da
sua compreensão sobre a construção de um projeto
de sociedade contra hegemônico, que potencialize o
desenvolvimento da agricultura familiar, lançando seu
olhar de antes e depois do seu ingresso na universidade:
“Antes, alguns ainda não tinham uma conscientização
de reivindicações de direitos, depois que ingressaram na
Ledoc houve uma mudança, e hoje foram transformados
e agora são formadores de opinião”.
Revela-se uma questão fundamental para a
educação popular e as estratégias de convivência com
o semiárido, a reflexão e a crítica no que concerne
à alienação em que estão imersas as populações
camponesas, além da humanização que essa educação

6 Os/as estudantes participantes da pesquisa receberam nomes


fictícios de plantas e pássaros típicos da região semiárida.

RESSIGNIFICAÇÃO DE SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO SEMIÁRIDO


POTIGUAR A PARTIR DA LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO 223
CAMPO DA UFERSA
pode desenvolver rumo à autonomia e emancipação.
Nessa perspectiva, trazemos a voz de Palma, que nos
aponta que:
Todas as técnicas de convivência com o
semiárido eu já conhecia antes do curso. Já
fazíamos uso delas. Acho que aqui está a
resposta: todas as “percepções de práticas
educativas” foram formadas na Ledoc,
porque eu não tinha um olhar diferente
para essa possibilidade de que se poderiam
usar essas técnicas como para se trabalhar
de forma contextualizada em uma sala
de aula. Antes da Ledoc, elas estavam lá,
mas eu não dava a mínima importância
para elas. Não nesse sentido. Graças à
oportunidade de estar no curso, minha
visão mudou radicalmente em relação às
nossas práticas (PALMA).

A experiência de vida que os/as estudantes da


Ledoc trazem para a universidade durante o tempo-
escola, a valorização dos conhecimentos populares,
o perfil diferenciado de ingresso na instituição e o
investigar, refletir e transformar o contexto em que estão
inseridos durante o tempo-comunidade7 possibilita a
construção da autonomia deles/as. No caso de Palma,
analisamos o seu contexto de vida como mulher, negra,
agricultora e filha de agricultores, que vivem em Apodi
no assentamento Paulo Canapun. Dessa terra, retira seu
alimento e é filiada ao sindicato dos/as trabalhadores/
as rurais deste município. Palma nos relatou que
sua militância era exercida, quando necessária, nos

7 Durante o tempo-escola ou tempo universidade, as atividades


letivas são desenvolvidas na UFERSA e no tempo comunidade,
os/as estudantes desenvolvem suas atividades de intervenção,
investigação e pesquisas nas comunidades rurais que residem.

Linconly Jesus Alencar Pereira - Maria do Socorro Xavier Batista -


224 Luciélio Marinho da Costa
movimentos sociais camponeses, não sendo muito
ativa, mas sempre participando de projetos sociais que
contavam com a assistência técnica e acompanhava
as reuniões mensais no sindicato. Como discente da
Ledoc, no decorrer das aulas, sempre apresentou uma
grande criticidade referente às análises do contexto
que elencamos, evidenciando o seu empoderamento,
sua experiência de vida e opiniões que concordavam
ou discordavam diante da construção do conhecimento
coletivamente, produzindo novas epistemologias.
O saber popular, construído durante a sua vida
como agricultora, o acompanhamento da assistência
técnica referente aos projetos dos quais participou,
que envolviam as estratégias de convivência com o
semiárido para melhoramento da produção animal/
vegetal e sua vivência nos movimentos sociais, nos
fazem analisar e constatar que, durante o processo
de formação dos/as estudantes da Ledoc, acontece a
promoção e o reconhecimento de práticas educativas
para a convivência com o semiárido, promovendo a
autonomia dos/as estudantes a partir do seu contexto.
Segundo Freire (1996, p.55), “a autonomia, enquanto
amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser.
Não ocorre em data marcada”, abrindo caminho para
afirmarmos que esse processo é construído na própria
dinâmica em que os estudantes se reconhecem como
atores e autores sociais.
A fala de Angico corrobora com o pensamento de
Freire, possibilitando reforçar nossa afirmação anterior.
Dessa forma, a estudante nos relata, com base na sua
experiência de vida, que:

RESSIGNIFICAÇÃO DE SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO SEMIÁRIDO


POTIGUAR A PARTIR DA LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO 225
CAMPO DA UFERSA
[...] alguns estudantes da Ledoc não
tinham ainda essa leitura de práticas
educativas de convivência com o
semiárido, eu particularmente tinha esse
entendimento, pois já tinha participação
dentro dos movimentos de assentamentos
e do sindicato e também do programa
do EJA Mova Brasil e outros colegas que
participavam de outros movimentos sociais
também tinham esse entendimento sobre
essa temática (ANGICO).

Angico esclarece rapidamente, a partir de sua


fala acima, que, pelo perfil exigido para ingresso na
Ledoc, através do PSV, os/as estudantes que já trabalham
com educação do campo ou moram nas áreas rurais e
nela produzem ou militam em movimentos sociais podem
ter uma maior aproximação com as práticas educativas
para a convivência com o semiárido, como é o seu caso.
Ela reside no assentamento Tabuleiro Grande e compõe
um coletivo de mulheres agricultoras que atuam na
produção agrícola a partir de quintais produtivos, através
da organização em mandala, associado à produção de
aves para o consumo das famílias.
Constatamos em diversos momentos, durante
o percurso de construção desta pesquisa, que o
fortalecimento das comunidades rurais do município de
Apodi estrutura-se a partir do movimento de mulheres.
Esses coletivos atuam basicamente em potencializar
o protagonismo das ações coletivas desenvolvidas
pelas mulheres agricultoras, estruturando o trabalho, a
economia solidária, as questões de gênero, a segurança
e as soberanias alimentares em consonância à
emancipação humana.

Linconly Jesus Alencar Pereira - Maria do Socorro Xavier Batista -


226 Luciélio Marinho da Costa
Com Marx (1979) buscamos um diálogo, com
o intuito de buscar um melhor aprofundamento e
entendimento acerca da realidade em que as populações
campesinas estão imersas, no que concerne à apropriação
da totalidade dos instrumentos de produção em que
estão inseridos. Nesse contexto,
[...] dos instrumentos de produção é,
precisamente por isso, o desenvolvimento
de uma totalidade de capacidades nos
próprios indivíduos. Essa apropriação é,
além disso, condicionada pelos indivíduos
que apropriam. Somente os proletários
atuais, inteiramente excluídos de toda auto
atividade, estão em condições de impor sua
capacidade plena, não mais limitada, que
consiste na apropriação de uma totalidade
de forças produtivas e no decorrente
desenvolvimento de uma totalidade de
capacidades (MARX, 1979, p.73).

Diante da apropriação dos/as trabalhadores/


as rurais dos meios de produção, compreendemos, a
partir de Marx (1979), o quão significativo pode ser o
entendimento da totalidade no contexto de expansão do
agronegócio em Apodi, na luta dos movimentos sociais
do campo pelo fortalecimento da agricultura familiar e
as contradições que compõem esse processo, ventilando
a voz desses sujeitos para a educação do campo
desenvolvida pela Ledoc.
Refletir sobre a vida dos/as estudantes da Ledoc
que residem nos assentamentos de Apodi, visualizando
não de forma fatalista, mas sim esse território como
um celeiro de possibilidades, nos dá margem para
compreender o quão significativas podem ser as
estratégias de fortalecimento da agricultura familiar

RESSIGNIFICAÇÃO DE SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO SEMIÁRIDO


POTIGUAR A PARTIR DA LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO 227
CAMPO DA UFERSA
despertadas pela Ledoc a partir das práticas educativas
de convivência com o semiárido e como essas práticas
educativas podem ser inseridas na educação formal,
transformando-se em práticas pedagógicas.
Segundo Freire (1996, p.74), essa percepção
da realidade do homem e da mulher do campo como
seres “programados, mas para aprender” e, em seu
contexto, a partir da sua leitura de mundo, para ensinar,
para conhecer, para intervir, nos faz entender a prática
educativa como um exercício constante em favor
da produção e do desenvolvimento da autonomia de
educadores/as e estudantes, com a perspectiva de
potencializar o protagonismo desses sujeitos.
Como prática estritamente humana, jamais
pude entender a educação como uma
experiência fria e sem alma, em que os
sentimentos, emoções, desejos e sonhos
devessem ser reprimidos por uma ditadura
racionalista. Nem tampouco compreendi a
prática educativa como uma experiência
que faltasse o rigor em que se gera a
necessária disciplina intelectual (FREIRE,
1996, p. 74).

Diante dessa conjuntura, Pires (1997, p.91) alerta


que a humanização é um “instrumento particular do
processo educacional” e pode ser tratado de forma
a descortinar a alienação e contribuir diretamente
para a potencialização do processo de produção de
novas epistemologias para os/as estudantes da Ledoc.
Pajeú exemplifica como a construção dessas novas
epistemologias pode ser evidenciada no contexto do
semiárido potiguar a partir de práticas educativas para a
convivência com o semiárido.

Linconly Jesus Alencar Pereira - Maria do Socorro Xavier Batista -


228 Luciélio Marinho da Costa
Acreditamos que a prática educativa tem
que estar condicionada primeiramente ao
diálogo com os educandos, as rodas de
conversas, as aulas de campo, o tempo-
comunidade, e nos permitiu identificar
aspectos que podem ser contextualizados
com a vivência desses. Antes, não fazia
ideia do que seriam essas práticas
educativas, e como poderia ser trabalhado
algo novo em uma escola do campo ou
algo que relacionasse o semiárido. Depois
da Ledoc, os olhares se expandiram, e um
novo senso crítico passou a ser fomentado
nos educadores/as que hoje compreendem
que não se constitui uma prática educativa
de qualidade sem contextualizar com a
realidade dos discentes e da comunidade
escolar (PAJEÚ).

É possível perceber, na fala de Pajeú, a


demarcação da drástica diferença entre o antes de
ingressar na universidade, o durante e o depois de
concluir a Ledoc, evidenciando, emblematicamente,
os processos educativos que potencializaram o seu
desenvolvimento profissional. Nesse sentido, verificamos
que há um valor significativo no aprender coletivo,
com a leitura de mundo, elementos cruciais para o
desenvolvimento da educação contextualizada, gerando
um deslocamento do pensar via aprendizagem na
educação popular. Torna-se imprescindível salientarmos
a importância de proporcionar oportunidades para as
populações camponesas do semiárido, que antes eram
apenas oprimidas e estavam fadadas ao insucesso,
permanecendo presas no sistema de dominação
eurocêntrico, branco, heterossexual e cristão. Assim,
continuamos nos questionando, a partir das ideias de

RESSIGNIFICAÇÃO DE SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO SEMIÁRIDO


POTIGUAR A PARTIR DA LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO 229
CAMPO DA UFERSA
Gohn (2002), no que tange às possibilidades de práticas
educativas contra-hegemônicas, semeadas pela Ledoc
no semiárido potiguar.

Considerações finais
Compreendemos o semiárido como um espaço
de conflitos e contradições em que nele, com suas
diversas especificidades, tentamos evidenciar a luta e
resistência das populações campesinas e em específico
os agricultores e estudantes da Ledoc/UFERSA, que
residem nos assentamentos rurais do município de
Apodi/RN. Esse panorama traçado, nos ajuda a perceber
o quão significativa é a experiência de formação inicial
de professores/as desenvolvida no contexto do semiárido
potiguar, e como vem tecendo a construção de novos
saberes e práticas pedagógicas contextualizadas e que
irão promover processos de autonomia referentes à
educação nas comunidades rurais.
Evidenciamos, a partir das percepções dos/
das estudantes, a contribuição dos movimentos sociais
do campo na luta e nas estratégias de enfrentamento/
resistência da agricultura familiar nos territórios do
município de Apodi-RN, o que nos levou a compreender,
que o processo formativo na Ledoc realmente potencializa
a autonomia dos/as estudantes, pois ser agricultor/a
ou filho/a de agricultor/a, o que antes era motivo de
vergonha, torna-se motivo de luta para a transformação
da sua realidade a partir do contexto educacional, de
resistência frente à grande expansão do agronegócio
da fruticultura irrigada, orgulho da trajetória de vida dos
homens e mulheres que vivem no semiárido.

Linconly Jesus Alencar Pereira - Maria do Socorro Xavier Batista -


230 Luciélio Marinho da Costa
Apontamos, com base na pesquisa desenvolvida
e que nos deu suporte para estruturarmos esse artigo,
a necessidade de lançarmos olhares específicos no
que concerne à educação contextualizada, sejam
nos momentos de formação inicial e continuada de
professores/as, na produção de materiais didáticos
para os municípios e nas práticas pedagógicas nas
salas de aula, nas comunidades rurais, com o intuito de
desconstruirmos imagens negativas e estereotipadas
no que diz respeito ao semiárido, o que continuaremos
desenvolvendo e abrindo caminhos para novos/as
pesquisadores/as.

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Linconly Jesus Alencar Pereira - Maria do Socorro Xavier Batista -


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Linconly Jesus Alencar Pereira - Maria do Socorro Xavier Batista -


234 Luciélio Marinho da Costa
OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO
EM UMA LICENCIATURA
EM EDUCAÇÃO DO CAMPO:
A AVALIAÇÃO DOS EDUCANDOS,
MONITORES DE ESCOLAS
FAMÍLIA AGRÍCOLA
Diego Gonzaga Duarte da Silva
Lourdes Helena da Silva
Élida Lopes Miranda

Introdução
O presente capítulo é oriundo da pesquisa
sobre as contribuições da Licenciatura em Educação
do Campo da Universidade Federal de Viçosa (Licena)
para a formação dos estudantes que atuam como
monitores de Escolas Família Agrícola (EFAs) que, por
sua vez, integram o Programa de estudos intitulado “A
Licenciatura em Educação do Campo na Universidade
Federal de Viçosa: Sujeitos, Representações e Práticas
Pedagógicas” , cujo objetivo geral é analisar os sujeitos,
as representações sociais, os processos e as práticas
pedagógicas construídas pela Licena.
É importante destacar que as Licenciaturas em
Educação do Campo (LEdoCs) são conquistas recentes
dos movimentos sociais e sindicais camponeses que, em
nossa sociedade, têm realizado nos últimos vinte anos um

OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO EM UMA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO


CAMPO: A AVALIAÇÃO DOS EDUCANDOS, MONITORES DE ESCOLAS 235
FAMÍLIA AGRÍCOLA
conjunto de mobilizações e lutas por políticas públicas
para a educação dos povos camponeses (MOLINA;
SÁ, 2012). Criadas no âmbito do Programa de Apoio
à Formação Superior em Licenciatura em Educação
do Campo (Procampo), as LEdoCs se expandiram por
meio do edital MEC/SESU/SETEC/SECADI nº. 02/2012,
que viabilizou a criação de 42 cursos de graduação em
diversas Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras
(MOLINA, 2015). No contexto de criação dos cursos de
formação de educadores do campo criados pelo referido
edital, destacamos a Licenciatura em Educação do
Campo da Universidade Federal de Viçosa.
Em seu processo de criação e institucionalização,
a Licena contou com a parceria de movimentos sociais
e sindicais diversos, a exemplo das Escolas Família
Agrícola (EFAs); os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais;
do Movimento Agroecológico da Zona da Mata de Minas
Gerais - com destaque para o Centro de Tecnologias
Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM); o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); a Comissão
Pastoral da Terra (CPT); a Rede Quilombola, o Fórum pela
Promoção da Igualdade Racial (FOPPIR); a Rede Mineira
de Educação do Campo; a Escola Nacional de Energia
Popular (ENEP); o Núcleo de Educação do Campo e
Agroecologia (ECOA), o Observatório da Educação do
Campo (OBEDUC/CAPES/UFV/UEMG/UFSJ), o Programa
de Extensão Universitária Teia/UFV, o Grupo de pesquisa
Educação do Campo, Alternância e Reforma Agrária
(ECARA), entre outros. Das parcerias mencionadas,
destacamos as EFAs que, com a participação de seus
egressos, monitores4 e ex-monitores, contribuiram com

Diego Gonzaga Duarte da Silva - Lourdes Helena da Silva -


236 Élida Lopes Miranda
a construção dos processos de formação da Licena,
tanto pela experiência acumulada com formação por
alternância (KÖLL, 2016); quanto pela necessidade da
formação inicial dos seus monitores, a fim de promover
avanços e melhorias nas práticas pedagógicas destes
educadores (SILVA, 2018).
Além disso, o processo de formação na Licena
assume importância para os monitores das EFAs pelo
fato de que muitos deles não possuem formação superior
e/ou, quando possuem, não serem cursos voltados para
a prática docente. Sob essa perspectiva, cabe ressaltar
que a Pedagogia da Alternância -um dos pilares das EFAs,
busca promover processos educativos capazes de vincular
nas dinâmicas educativas os conhecimentos oriundos da
realidade de vida e de trabalho dos educandos, com os
conhecimentos construídos no âmbito escolar (SILVA,
2003). Para isso, é necessário o desenvolvimento de um
processo de formação dos monitores que, favorecendo
uma compreensão da dinâmica pedagógica da
alternância, possibilite aos educadores o desenvolvimento
de habilidades e conhecimentos que extrapolem as
atividades realizadas no interior das salas de aula
(BEGNAMI, 2003). Isso porque, além de ministrarem os
conteúdos curriculares obrigatórios, os monitores são
responsáveis pela orientação e acompanhamento dos
educandos nos processos educativos realizados tanto
no âmbito das EFAs durante o Tempo Escola, quanto
em suas comunidades e territórios de origem durante o
Tempo Comunidade.

OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO EM UMA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO


CAMPO: A AVALIAÇÃO DOS EDUCANDOS, MONITORES DE ESCOLAS 237
FAMÍLIA AGRÍCOLA
Na proposta educativa das EFAs, uma das
atribuições dos monitores é a mediação dos processos
formativos, realizada em uma dinâmica capaz de
reconhecer e valorizar os saberes e as práticas de vida
e de trabalho dos jovens educandos, de suas famílias
e de suas comunidades e territórios (SOUSA, 2014).
Além disso, conforme análises de Begnami (2003),
os monitores têm a função de viabilizar a animação
da vida associativa da escola, a animação da vida em
grupo e a mobilização de parceiros institucionais para
contribuição no processo formativo das EFAs. A animação
da vida associativa, segundo Begnami (2003), exige dos
monitores a articulação, o planejamento e a realização
de assembleias e reuniões da equipe pedagógica e
das associações mantenedoras das EFAs. A animação
da vida em grupo, por sua vez, exige dos monitores o
desenvolvimento de atividades para animação da vida
em internato que ocorre nas EFAs, tornando esse espaço
vivenciado pelos jovens propício ao processo de ensino-
aprendizagem; enquanto a mobilização de parceiros
exige dos monitores a identificação e envolvimento
de colaboradores - como mestres de estágio, famílias,
lideranças, etc., para contribuírem com o processo
formativo das EFAs.
Portanto, ao reconhecer as múltiplas atribuições
desempenhadas pelos monitores no contexto de
uma formação por alternância, no presente capítulo
apresentaremos as contribuições do processo de
formação da Licena para a atuação destes educadores no
âmbito das EFAs. É importante ressaltar que esta pesquisa
analisou as avaliações construídas pelos monitores de

Diego Gonzaga Duarte da Silva - Lourdes Helena da Silva -


238 Élida Lopes Miranda
EFAs sobre as contribuições do curso de Licenciatura
em Educação do Campo para o desenvolvimento de
suas práticas pedagógicas. Em termos metodológicos,
a pesquisa realizou entrevistas com nove educandos
da turma de 2014 da Licena, intitulada como Sementes
do Amanhã, que atuavam como monitores de EFAs.
Posterioremente, as entrevistas foram submetidas aos
procedimentos técnicos do método Análise de Conteúdo,
na perspectiva teórica-metodológica de Bardin (1977).
Assim, no âmbito de uma pesquisa que analisa as
contribuições da formação da Licena para atuação dos
monitores de EFAs, o presente capítulo foi organizado em
três seções, além desta introdução: na primeira seção,
destacamos os processos de constituição e os princípios
políticos e pedagógicos que orientam as Licenciaturas
em Educação do Campo no Brasil; na segunda seção,
descrevemos e analisamos as avaliações dos monitores
sobre as contribuições da Licena para suas práticas
pedagógicas nas EFAs; e na terceira seção, apresentamos
nossas considerações finais.

As Licenciaturas em Educação do Campo


O percurso que culminou com a criação dos
cursos de Licenciaturas em Educação do Campo (LEdoCs)
foi caracterizado por inúmeras mobilizações dos
movimentos sociais e sindicais camponeses buscando
garantir um modelo educacional de qualidade para os
povos do campo, seja pela criação de novas escolas no
campo e/ou pelo não fechamento das existentes, seja
pela ampliação do nível de escolarização das escolas em

OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO EM UMA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO


CAMPO: A AVALIAÇÃO DOS EDUCANDOS, MONITORES DE ESCOLAS 239
FAMÍLIA AGRÍCOLA
funcionamento e, principalmente, pela criação de cursos
de formação de educadores do campo (MOLINA; SÁ,
2012).
A partir das inúmeras reivindicações realizadas
pelos movimentos sociais do campo para garantir
o cumprimento das pautas elaboradas durante a “II
Conferência Nacional: Por uma educação Básica do
Campo” é criado, no ano de 2005, um Grupo de Trabalho
(GT) responsável por auxiliar a Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
(SECADI) a negociar em parceria com o Ministério da
Educação (MEC) a criação de uma política pública de
formação de educadores do Campo (MOLINA; SÁ, 2012).
Esse GT, constituído por diversos movimentos
sociais e sindicais camponeses, criou em parceria com
MEC, no ano de 2006, o Programa de Apoio à Formação
Superior em Licenciatura em Educação do Campo
(Procampo) com o objetivo de promover a formação de
educadores para atuarem nos anos finais do ensino
fundamental e ensino médio das escolas de educação
básica do campo (SANTOS, 2012). O Procampo possibilitou
a criação das LEdoCs em caráter experimental, a partir
de 2007, em quatro Universidades brasileiras que haviam
sido indicadas pelos movimentos sociais e sindicais:
Universidade Federal de Minas Gerais; Universidade de
Brasília; Universidade Federal da Bahia e Universidade
Federal de Sergipe (MOLINA, 2015; MOLINA; ANTUNES-
ROCHA, 2014). As experiências destas universidades
possibilitaram que a SECADI ampliasse a oferta desses
cursos por meio de Editais Públicos nos anos de 2008
e 2009, nos quais convocavam as IES a ofertarem esse

Diego Gonzaga Duarte da Silva - Lourdes Helena da Silva -


240 Élida Lopes Miranda
novo curso de graduação. Os Editais de 2008 e 2009
possibilitaram que, até o ano de 2010, outras 30 IES
ofertassem o curso de Licenciatura em Educação do
Campo (MOLINA; SÁ, 2012). Posteriormente, com a
criação do Programa Nacional de Educação do Campo
(Pronacampo) em março de 2012 e com a incorporação
do Procampo nesse mesmo ano, foi publicado o edital
MEC/SESU/SETEC/SECADI nº 02/2012, que possibilitou
a criação de 42 novas LEdoCs no Brasil (MOLINA, 2015).
A Licenciatura em Educação do Campo é uma
nova modalidade de graduação presente nas IES
brasileiras voltada à formação inicial de educadores
para “uma atuação profissional que vai além da docência,
que tenham condições de trabalhar também na gestão
dos processos educativos que acontecem na escola e
no seu entorno” (MOLINA; SÁ, 2011, p. 36). As LEdoCs
buscam garantir a formação inicial de educadores
comprometidos com as lutas dos movimentos sociais e
sindicais do campo e que sejam capazes de desenvolver
práticas e teorias que contribuam para a organização de
um modelo educacional que se articule aos modos de
vida dos povos do campo (MOLINA; SÁ, 2011).
As LEdoCs buscam formar a nível superior os
educadores que já atuam em escolas do campo e que
não têm curso superior, como os monitores das EFAs;
as lideranças vinculadas aos movimentos sociais e
sindicais e os sujeitos que desenvolvem atividades
educativas em instituições não escolares em parceria
com os movimentos sociais e sindicais do campo
(SANTOS, 2012). Nesse sentido, conforme explicado
e analisado por Molina e Sá (2011), é proposta uma

OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO EM UMA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO


CAMPO: A AVALIAÇÃO DOS EDUCANDOS, MONITORES DE ESCOLAS 241
FAMÍLIA AGRÍCOLA
formação que habilite os sujeitos para uma atuação
profissional capaz de articular os processos educativos
escolares aos comunitários, a fim de integrar a vida
cotidiana à vida escolar. Buscando a articulação da vida
cotidiana à vida escolar, a organização curricular desses
cursos ocorre em regime de alternância, divididos
entre Tempo Universidade e Tempo Comunidade. Isso
contribui, dentre outros aspectos, para a permanência
e atuação dos futuros educadores no campo (MOLINA;
SÁ, 2012). Nesse sentido, a alternância nas LEdoCs
tem como objetivo, a partir da articulação entre escola-
comunidade e teoria-prática, fornecer mecanismos aos
seus educandos, através de suas atividades acadêmicas,
para que estes possam perceber e intervir sobre os
problemas vivenciados nas escolas em que atuam e
nos meios sociais em que vivem (MOLINA; ANTUNES-
ROCHA, 2014).
Acrescente-se, ainda, que essa busca de
uma maior articulação entre escola e território nas
Licenciaturas em Educação do Campo visa também a
“construção de um modelo de desenvolvimento para o
campo comprometido com a sustentabilidade econômica,
social, política e cultural da terra e dos sujeitos que nela
trabalham” (ANTUNES-ROCHA; DINIZ; OLIVEIRA, 2011,
p. 22). Explicita-se, assim, uma concepção de campo e de
sociedade que - em oposição aos princípios capitalistas
que reconhecem o campo apenas como mercadoria e
desqualificam os seus sujeitos e modos de vida e trabalho,
reconhece e valoriza as práticas culturais e sociais
construídas pelos povos do campo e suas organizações.
Sob essa perspectiva, os processos formativos das

Diego Gonzaga Duarte da Silva - Lourdes Helena da Silva -


242 Élida Lopes Miranda
LEdoCs, construídos em articulação com as condições de
vida e trabalho dos povos do campo, visam potencializar
as escolas do campo e contribuir com os processos de
valorização dos modos de vida, cultura e trabalho dos
sujeitos do campo (MOLINA; ANTUNES-ROCHA, 2014).
A proposta de formação das LEdoCs pode, assim, ser
considerada como uma proposta que se apresenta em
uma perspectiva contra-hegemônica e que, contando
com o protagonismo dos movimentos sociais e sindicais
camponeses nas Instituições de Ensino Superior, visa
implementar um trabalho pedagógico comprometido
com os modos de vida, trabalho e cultura dos povos do
campo.

Licenciatura em Educação do Campo & A Perspectiva


dos Monitores de EFAs
Em nossa pesquisa, especificamente em relação
às contribuições da Licena para as práticas pedagógicas
desenvolvidas pelos monitores de EFAs, os entrevistados
em sua maioria (8/9) avaliaram positivamente o processo
de formação vivenciado, destacando como dimensões que
contribuíram para avanços em suas práticas pedagógicas
a apropriação dos saberes didático-pedagógicos (4/8)
e a vivência de práticas interdisciplinares (3/8). Um dos
entrevistados (1/8), a despeito de sua avaliação positiva
sobre a formação vivenciada na LICENA, não justificou
sua avaliação.
Especificamente em relação aos monitores (4/8)
que associaram a melhoria das suas práticas pedagógicas
à apropriação dos saberes didático-pedagógicos, a

OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO EM UMA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO


CAMPO: A AVALIAÇÃO DOS EDUCANDOS, MONITORES DE ESCOLAS 243
FAMÍLIA AGRÍCOLA
tendência entre eles é destacar que o acesso a esses
saberes possibilitou a apropriação de novas metodologias
de ensino, assim como novas estratégias didáticas para
o desenvolvimento dos conteúdos vinculados às Ciências
da Natureza no cotidiano das salas de aula. Ressaltam
ainda que, anteriormente ao ingresso no curso, eles
possuíam uma carência de formação didático-pedagógica
que limitava a atuação profissional em relação ao uso
de metodologias de ensino; ao desenvolvimento de
práticas pedagógicas articuladas à realidade de vida
dos educandos das EFAs; e ao aprofundamento teórico
nas disciplinas ministradas. Essa carência, por sua vez,
estará associada ao reconhecimento da necessidade de
formação pedagógica específica para atuação docente
no contexto das escolas do campo.
É, portanto, no reconhecimento dessas carências
e limitações que os monitores entrevistados ressaltam
a apropriação dos saberes didático-pedagógicos como
condição que possibilitou a utilização de metodologias
de ensino e de estratégias didáticas no desenvolvimento
de práticas pedagógicas que favorecem, entre outros
aspectos, uma maior motivação e participação dos
educandos das EFAs no cotidiano de suas aulas. Além
das metodologias e estratégias didáticas, os monitores
destacaram que a apropriação dos saberes didático-
pedagógicos também possibilitou maior aprofundamento
dos conteúdos acadêmicos, auxiliando-os na condução
de debates e discussões sobre temas diversos que
emergem no âmbito do processo de formação das EFAs.

Diego Gonzaga Duarte da Silva - Lourdes Helena da Silva -


244 Élida Lopes Miranda
[...] Eu vejo que eu sou muito diferente de
quando eu entrei no sentido de bagagem, de
conteúdo, daquelas carências que eu dizia.
Muitas coisas foram respondidas e outras
perguntas surgiram. Mas acredito que
sou educador em construção. Eu acho que
não estou pronto e nem vou ficar quando
terminar o curso. Estamos em constante
aprendizagem (MONITOR 3).

Eu avalio isso como bom demais, porque


dentro da sala de aula você precisa ter uma
relação mais próxima com os estudantes
para você conseguir aproximar melhor da
realidade vivenciada por eles. E quando
você conhece metodologias e formas
de se trabalhar, facilita esse processo.
O como trabalhar no campo, as próprias
visitas, dentro da sala de aula, porque
não é simplesmente o quadro, o giz ou o
datashow. Tem várias outras formas que
o curso ensinou que ao mesmo tempo
motivou a gente a buscar isso também
(MONITORA 5).

Essa dimensão das contribuições dos saberes


didático-pedagógicos para as práticas pedagógicas
dos professores oriundos de um processo de formação
inicial é analisado por Nez e Silva (2010), em um estudo
sobre o curso de Licenciatura em Computação da
Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), que
destacam que a utilização de metodologias de ensino
diversas no cotidiano docente tanto potencializa as
práticas pedagógicas dos professores, tornando as
aulas mais interessantes, quanto favorece uma melhor
compreensão dos estudantes sobre os conteúdos das
disciplinas, contribuindo para melhorias nos processos
de ensino e aprendizagem (NEZ; SILVA, 2010).

OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO EM UMA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO


CAMPO: A AVALIAÇÃO DOS EDUCANDOS, MONITORES DE ESCOLAS 245
FAMÍLIA AGRÍCOLA
É interessante ressaltar, conforme reconhecem
Queiroz e Maia (2014), que os saberes didático-
pedagógicos abrangem um conjunto de outros saberes:
saberes profissionais, curriculares e disciplinares. A
distinção desses saberes é analisada por Tardif (2007),
que considera os saberes profissionais como sendo
aqueles construídos ao longo dos processos de formação
dos professores nas IES; os saberes disciplinares como
aqueles relacionados às disciplinas específicas das
licenciaturas, tais como da Geografia, Física, Matemática,
Português, História, dentre outros; enquanto os saberes
curriculares são aqueles que, prescritos nos currículos,
orientam a ação pedagógica dos educadores.
Sob essa perspectiva, podemos compreender
a apropriação dos saberes didático- pedagógicos como
sendo uma das contribuições da Licena aos monitores
das EFAs. Dentre outros aspectos, os entrevistados
revelam que a formação teórica vivenciada no curso tem
possibilitado a compreensão e utilização de diferentes
recursos e estratégias didáticas que, por sua vez,
contribuem tanto para estimular a participação dos
educandos das EFAs nas aulas, quanto para uma melhor
condução dos temas de estudos e atividades realizadas
no Tempo Escola. Associada a essa ideia, acrescente-
se a valorização da formação inicial realizada para uma
atuação docente específica nas escolas do campo, já que
a maioria dos entrevistados (5/9) atuavam nas EFAs sem
formação para o exercício docente.
Em relação aos entrevistados que relacionam os
avanços em suas práticas pedagógicas após o ingresso
na Licena à utilização de dinâmicas interdisciplinares

Diego Gonzaga Duarte da Silva - Lourdes Helena da Silva -


246 Élida Lopes Miranda
(3/8), eles reconhecem que os processos formativos
vivenciados no curso melhoraram a sua atuação como
monitor, estimulando-os para o desenvolvimento de
estratégias didáticas e pedagógicas promotoras de
articulações e diálogos entre os conteúdos teóricos
das diferentes disciplinas e os saberes oriundos das
experiências, tradições e cultura dos educandos das
EFAs. Em seus relatos, os entrevistados destacam,
recorrentemente, a importância dessa articulação entre
os diferentes conhecimentos, considerada como uma
das estratégias de valorização dos povos do campo, em
suas formas de vida, de trabalho e em suas expressões
culturais. A formação interdisciplinar vivenciada na
Licena também é reconhecida e valorizada pelas
possibilidades oferecidas aos estudantes do curso de
transitarem entre diferentes áreas do conhecimento,
favorecendo a compreensão das distintas disciplinas
escolares e a articulação entre os diferentes conteúdos.
Eu não sei como os estudantes veem isso,
mas eu achei que foi muito bom. Foi muito
bom porque eu acho que melhorei em
relação a minha postura de monitor. Em
todos os aspectos eu adquiri conhecimento.
Mas, o fato de eu conseguir articular entre
vários conteúdos sem ficar fechado em
um só, eu acho que isso foi a melhor coisa
que eu consegui. Eu não sei Geografia
totalmente, eu não sei Física, Química, mas
eu sou capaz de trabalhar essas matérias.
Por exemplo, se você precisar, em uma
emergência, que eu te substitua em uma
aula, eu consigo articular com os meninos
[...] (MONITORA 2).

OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO EM UMA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO


CAMPO: A AVALIAÇÃO DOS EDUCANDOS, MONITORES DE ESCOLAS 247
FAMÍLIA AGRÍCOLA
Minha prática atual hoje é muito de ouvir o
que os alunos têm a me dizer. É muito mais
de ouvir eles hoje e questionar o porquê
disso, o porquê daquilo, para que eles
possam se sentir mais valorizados. Aí você
tem que ter algumas dinâmicas. Tem que
ter algumas cartas na manga para você
fazer com que aqueles educandos que têm
dificuldades possam expressar as suas
ideias. Então, com isso, eu faço com que o
educando expresse o sentimento dele, o
que ele pensa, o que ele pode trabalhar na
comunidade. Você não pode desvincular.
Igual eu trabalho com agroecologia, mas
eu posso lincar isso com outras disciplinas
e com o mundo atual [...] (MONITOR 7).

Segundo Carvalho (2015), práticas


interdisciplinares são aquelas que ocorrem quando os
professores, no desenvolvimento de um processo
formativo mais amplo, utilizam e integram dialogicamente
em suas disciplinas os saberes de outras áreas do
conhecimento, de maneira a tornar os conteúdos mais
compreensíveis para os estudantes. Segundo a autora,
um dos aspectos que contribuem efetivamente para
o desenvolvimento de práticas interdisciplinares é a
contextualização e busca de articulação dos saberes
dos estudantes - oriundos de suas experiências, práticas
sociais e formas de trabalho, ao conteúdo das disciplinas
ministradas. Essa contextualização é reconhecida como
potencializadora de uma atuação docente orientada
para a superação de práticas pedagógicas tradicionais,
orientadas para uma simples transferência de
conhecimentos de professores para estudantes.
É sob essa perspectiva que, na avaliação dos
entrevistados, as experiências interdisciplinares
vivenciadas na Licena contribuíram para a construção

Diego Gonzaga Duarte da Silva - Lourdes Helena da Silva -


248 Élida Lopes Miranda
de práticas interdisciplinares no contexto das EFAs de
atuação, favorecendo a implementação de dinâmicas
orientadas tanto para construção de diálogos entre
as disciplinas ministradas e outras disciplinas, quanto
para uma articulação entre as disciplinas e os saberes
e experiências dos educandos. Nesse aspecto, a
formação na Licena é reconhecida e valorizada pelos
monitores, dentre outros aspectos, pelas contribuições
ao desenvolvimento de práticas pedagógicas que
possibilitam uma compreensão crítica e ampliada dos
estudantes sobre suas realidades de vida, trabalho e
lutas, superando, assim, modelos e práticas de produção
de conhecimentos fragmentadas.
E nesse sentido, assim como Carvalho (2015),
cabe ressaltar que processos formativos realizados
sob essa lógica integradora não são comuns nos cursos
regulares de formação de professores existentes em
nossa sociedade. A tendência dominante nos cursos de
formação de professores é a presença de um “currículo
segmentado como modelo habitual nos cursos de
licenciatura, inviabilizando ao futuro professor o
desenvolvimento de uma visão sistêmica, na qual o
conhecimento se relaciona com as necessidades sociais”
(CARVALHO, 2015, p. 103).
A despeito dos monitores majoritariamente
(8/9) avaliarem positivamente os processos formativos
da Licena para o desenvolvimento de suas práticas
pedagógicas, um dos entrevistados (1/9) destacou uma
dimensão negativa do processo de formação vivenciado:
a intensificação do trabalho docente enfrentada no
cotidiano da EFA, após sua inserção na Licenciatura

OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO EM UMA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO


CAMPO: A AVALIAÇÃO DOS EDUCANDOS, MONITORES DE ESCOLAS 249
FAMÍLIA AGRÍCOLA
em Educação do Campo. Em seu relato, destaca-se
que, devido ao acúmulo de funções e demandas do
mundo acadêmico, o entrevistado enfrenta a falta de
condições e de tempo necessários para o planejamento
e preparação das atividades docentes, como realizava
anteriormente ao seu ingresso no curso. Nessa avaliação
emergem, ainda, questões relacionadas à elevada
demanda de atividades acadêmicas pelo curso que, além
de comprometer o planejamento de suas aulas, também
tem inviabilizado a construção de parcerias, a realização
de visitas de estudo, além da busca por alternativas para
melhorias e avanços em sua prática pedagógica.
Minha prática, hoje, eu sinto que está com
bastante deficiência. Se for para eu dar
uma nota para as minhas práticas, antes eu
daria 8 ou 9. Hoje, se for para eu dar nota
para minhas práticas, eu daria 6 na prática
na EFA por causa desse tempo, essa falta
de preparação e bastante modificação no
espaço. Antes tínhamos espaços, outros
lugares para recorrer e hoje estamos com
bastante dificuldades em relação a isso
(MONITOR 9).

É interessante destacar que dificuldades e


desafios como esses relatados pelo entrevistado,
especialmente a sobrecarga de atividades acadêmicas
existente no curso, também foram identificados no estudo
de Carvalho (2017) sobre a Licena. Especificamente,
o volume elevado de atividades acadêmicas durante o
Tempo Universidade, aliado ao excesso de atividades no
Tempo Comunidade, foram considerados pelos educandos
como fatores de desgastes físicos e mentais, prejudiciais
tanto ao rendimento acadêmico no curso quanto ao

Diego Gonzaga Duarte da Silva - Lourdes Helena da Silva -


250 Élida Lopes Miranda
desenvolvimento de suas atividades profissionais. Em
comum, são avaliações que revelam alguns dos desafios
enfrentados pelos educandos da Licena na conciliação
do processo de formação no curso com a atuação docente
nas escolas e, ainda, no desenvolvimento de uma prática
pedagógica que possibilite um melhor acompanhamento
e orientação aos educandos das EFAs, que podem
comprometer os processos de ensino-aprendizagem nas
escolas do campo.
Todavia, de uma maneira mais expressiva e
compartilhada, as avaliações construídas pelos monitores
revelam uma compreensão da Licena como um curso de
formação de educadores do campo que, orientado pela
busca de interdisciplinaridade e de articulação entre os
diferentes saberes envolvidos na dinâmica educativa,
tem contribuído para o desenvolvimento nas EFAs de
reflexões e de práticas pedagógicas comprometidas
com os princípios da Educação do Campo.

Considerações Finais
As Licenciaturas em Educação do Campo,
presentes em diferentes regiões da sociedade
brasileira, objetivam a formação inicial de educadores
comprometidos com as lutas dos povos do campo, bem
como o desenvolvimento de práticas que contribuam
para uma organização educacional que, articulando
dimensões do mundo da vida e do trabalho dos povos do
campo, contribua para a formação dos seus educandos
(MOLINA; SÁ, 2011). São cursos que buscam superar
modelos e práticas de ensino fragmentadas em áreas
do conhecimento, propondo o desenvolvimento de

OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO EM UMA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO


CAMPO: A AVALIAÇÃO DOS EDUCANDOS, MONITORES DE ESCOLAS 251
FAMÍLIA AGRÍCOLA
processos e práticas de formação comprometidos política
e socialmente com os povos camponeses, seus modos
de vida, suas culturas e saberes, de maneira a contribuir
para as melhorias que se fazem necessárias nas escolas
de educação básica do campo (MOLINA, 2017).
É sob essa perspectiva que nossas análises
revelam que a Licena, apesar de enfrentar desafios como
a intensificação do trabalho docente dos monitores
que atuam nas EFAs, tem realizado esforços na
implementação de um processo de formação orientado
para articular os saberes e as práticas sociais construídas
pelos educandos nos seus espaços de vida, trabalho e
lutas sociais, visando a valorização e o fortalecimento do
campo, dos camponeses e de suas reivindicações por uma
educação de qualidade. Em seus relatos, os monitores
entrevistados evidenciam que a formação de educadores
do campo vivenciada na Licena tem contribuído para a
constituição de profissionais reflexivos, capazes de
desenvolver práticas pedagógicas nas escolas básicas do
campo articuladas às realidades de vida, trabalho e lutas
de seus educandos. Assim, a Licena é valorizada enquanto
processo de formação de educadores que, além de uma
compreensão da complexidade do campo brasileiro e
das disputas ali existentes, favorece com que os seus
educandos possam implementar processos e práticas
pedagógicas comprometidas com a consolidação do
movimento da Educação do Campo. Neste sentido,
nossas análises sobre as contribuições da Licena para
as práticas pedagógicas dos monitores de EFAs revelam,
dentre outros aspectos, que o curso tem contribuído para
uma atuação docente comprometida com os princípios da

Diego Gonzaga Duarte da Silva - Lourdes Helena da Silva -


252 Élida Lopes Miranda
Educação do Campo, tanto pela dimensão de apropriação
dos saberes didático-pedagógicos, quanto pelo estímulo
à realização de práticas pedagógicas interdisciplinares.
Em relação à apropriação dos saberes didático-
pedagógicos, os monitores indicam que o processo
de formação vivenciado na Licena contribui para a
utilização de recursos e estratégias didáticas que,
estimuladores da participação dos seus educandos
nas aulas, tem possibilitado discussões sobre diversos
temas emergentes no cotidiano das EFAs e favorecido
o desenvolvimento de práticas pedagógicas articuladas
às realidades de vida, de trabalho e de luta dos seus
educandos.
Em relação às práticas interdisciplinares, os
monitores revelam que as práticas vivenciadas na
Licena contribuem para a construção de relações
horizontalizadas no cotidiano das salas de aula das
EFAs, sobretudo estimulando diálogos e favorecendo
interações entre educandos e monitores das diferentes
áreas do conhecimento. Revelam, ainda, que a
implementação dessas práticas tem contribuído para
um esforço sistemático e constante de valorização
e incorporação dos saberes e práticas sociais dos
educandos nas dinâmicas de formação nas EFAs. Além
disso, as práticas interdisciplinares vivenciadas no
processo de formação do curso favorecem e estimulam
a construção de diálogos com outros monitores,
promovendo o trabalho coletivo nas EFAs de atuação.
Em síntese, os processos e dinâmicas de formação
vivenciados na Licena são reconhecidos e valorizados
pelos monitores como oportunidades de avanços em suas

OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO EM UMA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO


CAMPO: A AVALIAÇÃO DOS EDUCANDOS, MONITORES DE ESCOLAS 253
FAMÍLIA AGRÍCOLA
práticas, que contribuem para a formação de sujeitos
críticos e comprometidos com o movimento da Educação
do Campo.

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2003.

SOUSA, Andrêssa Paula Fadini de. Práticas Pedagógicas em


Alternância: contribuição ao estudo do trabalho docente
na Escola Família Agrícola de São João do Garrafão, Espírito
Santo. Viçosa, 2014. 135 p. Dissertação (Mestrado em
Educação) - Universidade Federal de Viçosa.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA. Projeto Político


Pedagógico: Curso de Licenciatura em Educação do Campo.
Viçosa, Minas Gerais, 2013.

Diego Gonzaga Duarte da Silva - Lourdes Helena da Silva -


256 Élida Lopes Miranda
O PRONERA NO ESTADO DO
PIAUÍ: UMA ANÁLISE A PARTIR
DA II PESQUISA NACIONAL
DE EDUCAÇÃO NA REFORMA
AGRÁRIA (PNERA)
Jullyane Frazão Santana
Maria Clara de Sousa Costa
Marli Clementino Gonçalves

Introdução
No Brasil, na década de 1990, com a adoção ao
neoliberalismo como modelo de desenvolvimento do
Estado, as questões sociais passam a se configurar a
partir desse modo de organização das ações públicas.
No que concerne à educação escolar, a perspectiva
neoliberal aponta como problemas a ineficiência,
ineficácia e improdutividade do Estado, o protecionismo
dos sindicatos aos docentes e o comodismo da sociedade
de modo geral na busca pela ampliação da escolaridade.
No ideário neoliberal, a questão se assenta em culpar a
sociedade, os indivíduos, pelo não acesso à educação
escolar (GENTILLI, 1997).
Entretanto, a educação escolar no país está
vinculada à oferta, qualidade e condições de acesso
desiguais. O número de analfabetos nesse período
chegou à marca dos 48 milhões de brasileiros, com maior

O PRONERA NO ESTADO DO PIAUÍ: UMA ANÁLISE A PARTIR DA II PESQUISA


NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA (PNERA) 257
índice de concentração nos bolsões de pobreza e no meio
rural (COUTINHO, 2009). Esse dado é uma expressão da
negligência histórica do Estado para com a educação
da classe trabalhadora, com isso a ação do Estado ficou
restrita a programas e projetos ofertados para os povos
do campo ao longo do século XX. Assim, a Educação de
Jovens e Adultos para os camponeses e mesmo para os
citadinos foi ofertada a partir de programas, e não de
uma política educacional estruturante, estes podem
não ter contribuído com a escolarização dos mesmos,
reforçando tanto a negação do direito à educação quanto
outros processos de exclusão.
Nesse mesmo período, como um desdobramento
das ações de trabalhadores rurais organizados em
torno da luta por terra e condições dignas de viver e
trabalhar, o que inclui a luta pelo direito à educação,
institucionaliza-se, em 1998, o Programa Nacional
de Educação na Reforma Agrária (Pronera). É válido
pontuar que a institucionalização desse Programa não
se resumiu apenas à luta dos movimentos sociais e
sindicais, mas também da conjunção de um emaranhado
de fatores de ordem política, econômica e social. Dentre
estes se destacam os conflitos no campo e as chacinas,
como a ocorrida em Eldorado dos Carajás em 1996, e a
pressão internacional da Unesco sobre os altos índices
de evasão, repetência, analfabetismo e baixo tempo de
escolarização dos brasileiros.
No contexto dos programas que vinham sendo
ofertados no meio rural, o Pronera representa um avanço
no que concerne à garantia do direito à educação para
os povos do campo, constituindo-se ao mesmo tempo

Jullyane Frazão Santana - Maria Clara de Sousa Costa -


258 Marli Clementino Gonçalves
ponto de chegada e de partida. Desse modo, ele é
a materialização das lutas pelo direito à educação,
iniciadas na década de 1980, em áreas de assentamento
e acampamento, ao passo que corresponde, também, à
primeira experiência de Educação do Campo no âmbito
do Estado, dando início a novas lutas e contextos de
expansão da oferta educacional no meio rural.
Em 2010, com a assinatura do Decreto n° 7.352,
o Pronera assume a condição de política educacional
enquanto parte integrante da política de Educação
do Campo. De acordo com o relatório da II Pesquisa
Nacional de Educação na Reforma Agrária (II PNERA),
publicado no ano de 2015, “no período de 1998 a 2011,
foram realizados 320 cursos do Pronera por meio de 82
instituições de ensino em todo o país, sendo 167 de EJA
fundamental, 99 de nível médio e 54 de nível superior”
(BRASIL, 2015, p.22). Isso demostra uma ampliação
significativa da oferta educacional no meio rural.
Tomando como base os dados disponibilizados
no relatório da II PNERA, este artigo objetiva analisar
como se configurou a oferta de cursos pelo Pronera no
Estado do Piauí no período que antecedeu a publicação
do referido decreto. Ademais, a pesquisa terá como base
os estudos de Ribeiro (2013; 2015), Coutinho (2009),
Molina (2003), Ferraro (2012), entre outros, buscando
a problematização dos aspectos referentes à negação
histórica do direito à educação para os povos do campo
e a luta dos movimentos sociais e sindicais pela garantia
deste direito na década de 1990. Por fim, espera-se
contribuir com a construção do conhecimento acerca

O PRONERA NO ESTADO DO PIAUÍ: UMA ANÁLISE A PARTIR DA II PESQUISA


NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA (PNERA) 259
das experiências de Educação do Campo no Estado do
Piauí, fomentando o desenvolvimento de novas lutas,
pesquisas e problematizações na área.

Aspectos históricos da oferta educacional no meio


rural: uma breve contextualização
Ao longo dos séculos, o direito à educação escolar
no Brasil vem sendo negado à classe trabalhadora do
campo e da cidade, entretanto, a negação é intensificada
no meio rural. Exemplo disso, dentre outros aspectos, são
os altos índices de analfabetismo e a média de anos de
estudos da população residente no meio rural. De acordo
com os dados do Censo 2000, apresentados por Ferraro
(2012, p. 944-945), tem-se que “em termos relativos,
a taxa de analfabetismo entre as pessoas de 10 anos
ou mais continuava sendo quase três (2,9) vezes mais
elevada no meio rural (26%) do que no meio urbano (9%),
sendo de 12% a taxa para o conjunto do país”. Andrade e
Di Pierro (2004, p.19) asseveram que,
O analfabetismo absoluto era a condição
à qual estavam submetidos três em cada
10 jovens ou adultos habitantes de zonas
rurais, em uma população cuja escolaridade
média não alcançava sequer quatro anos
de estudos, tidos como patamar mínimo
para uma alfabetização funcional.

A negação do direito à educação para os povos


rurais tem relação com outros processos de exclusão
vivenciados pelos mesmos, dentre os quais se destacam
a negação do direito à terra e às condições materiais
de viver e trabalhar no campo. Tais fatores decorrem,
do modelo agroexportador pautado na concentração

Jullyane Frazão Santana - Maria Clara de Sousa Costa -


260 Marli Clementino Gonçalves
fundiária e na escravização, pilares essenciais da
economia brasileira. Conforme problematiza Ferraro
(2012), para os donos das grandes propriedades de
terra a educação dos camponeses era considerada uma
ameaça à manutenção da ordem social vigente, fator que
justifica a “estreita relação que o analfabetismo mantém
com o latifúndio enquanto seu determinante estrutural
mais importante” (FERRARO, 2012, p. 953).
O interesse do Estado pela escolarização dos
povos rurais nasce enquanto um desdobramento das
problemáticas de ordem social manifestas no meio
urbano em decorrência da intensificação dos processos
migratórios (COUTINHO, 2009; FREITAS, 2011; FERRARO,
2012). De acordo com Freitas (2011, p.36), “a trajetória da
Educação rural, no Brasil, inicia-se na década de 1930 do
século 20, paralelamente ao início da industrialização,
que gerou um processo de intenso êxodo rural e crescente
urbanização da população”. Tal afirmação sugere que a
oferta da educação rural não parte de uma preocupação
do Estado para com as condições de viver e trabalhar
no campo, mas como uma medida de enfrentamento
dos problemas ocasionados pela grande quantidade de
migrantes rurais que chegavam às cidades.
No Brasil, até meados da década de 1930, a
oferta da educação rural vinculava-se aos pressupostos
do “ruralismo pedagógico”. Esse termo, segundo
Bezerra Neto (2016, p. 15), “foi cunhado para definir uma
proposta de educação do trabalhador rural que tinha
como fundamento básico a ideia de fixação do homem
no campo por meio da pedagogia”. Nesse primeiro
momento, as ações voltadas para a educação rural não

O PRONERA NO ESTADO DO PIAUÍ: UMA ANÁLISE A PARTIR DA II PESQUISA


NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA (PNERA) 261
tinham uma relação direta com os interesses econômicos
e desenvolvimentistas do Estado, assumindo uma
perspectiva de caráter assistencialista (RIBEIRO, 2015).
No entanto, com a instauração do Estado Novo
(1937) e a consolidação do processo de transição do
modelo agroexportador para o urbano-industrial, houve
um reposicionamento na concepção de educação rural
do Estado. Esta passa a assumir a preparação das
“populações rurais para adaptarem-se ao processo
de subordinação ao modo de produção capitalista,
que assume contornos mais definidos, combinando a
expulsão da terra com a formação de mão de obra para as
indústrias nascentes” (RIBEIRO, 2013, p.166-167). Além
do mais, contando com um apoio direto do governo e das
instituições estadunidenses, as ações educacionais para
o campo se ocupavam de fomentar o ensino de novas
técnicas agrícolas com o objetivo de tornar o pequeno
produtor rural um consumidor dos produtos americanos
(CALAZANS, 1993; RIBEIRO, 2013, 2015).
Em síntese, a oferta da educação rural atendia
tanto a demandas desenvolvimentistas do país (formação
de mão de obra) quanto aos interesses expansionistas
do mercado agrícola norte-americano (formação de um
mercado consumidor com ênfase no pequeno produtor
rural). Sua justificativa pautava-se no entendimento do
campo enquanto o lugar do atraso, sendo a educação
o instrumento de caráter salvacionista que iria tirar os
camponeses da condição de atrasados mediante o ensino
de novas técnicas agrícolas (RIBEIRO, 2013). As políticas,
ações e programas alinhados com essa concepção
de educação rural não consideravam os saberes e

Jullyane Frazão Santana - Maria Clara de Sousa Costa -


262 Marli Clementino Gonçalves
as necessidades do homem e da mulher do campo,
contribuindo, na maioria das vezes, com o acirramento
das desigualdades sociais e a intensificação do êxodo
rural.
Para Calazans (1993), em decorrência dos
resultados e do contexto econômico que se desenhava
na época, os investidores norte-americanos, objetivando
dar continuidade à formação de um mercado consumidor,
começaram um processo de transferência do eixo de
investimento, que até então estava centrado no pequeno
produtor rural para a modernização do latifúndio. Neste
sentido, Ribeiro (2013, p.174) afirma que,
A indústria estadunidense de produtos
agropecuários (máquinas, adubos,
defensivos agrícolas) se interessa
pela educação rural, no Brasil, como
uma estratégia de formar um mercado
consumidor, gerando a dependência
desses produtos e desviando ou até mesmo
bloqueando interesses de pesquisa nessa
área ou, ainda, acolhendo pesquisadores
brasileiros em universidades
estadunidenses. Esse interesse materializa-
se na Criação da Comissão Brasileiro-
Americana de Educação das Populações
rurais – Cbar, em 1945 e mantém-se nos
anos de 1960 e 1970, principalmente após
o golpe militar de 1964.

Ademais, as ações voltadas para a educação


rural traziam em seu bojo a necessidade de aquecer
a economia mediante o alargamento dos padrões de
consumo da população, fomentando a aquisição de
materiais e bens de consumo produzidos nacional e
internacionalmente. Até então, não existia, em nível de

O PRONERA NO ESTADO DO PIAUÍ: UMA ANÁLISE A PARTIR DA II PESQUISA


NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA (PNERA) 263
governo, uma ação que dialogasse com o modo de vida
do campo, sendo conservada nos currículos questões
tipicamente urbanas.
Em vista do exposto, compreende-se que na
medida em que os objetivos de modernização do campo,
profissionalização precária dos rurais e formação
de um mercado consumidor se corporificavam nos
programas e ações voltados para o meio rural, acirravam-
se os processos de exclusão daquela população.
Consequentemente, isso fomentou a organização de
movimentos sociais e sindicais que, em diferentes
contextos históricos, tanto tensionaram o sistema quanto
foram delineando concepções e práticas educacionais
que contribuíram para levar para dentro do Estado um
Programa que representava um avanço no que concerne
aos aspectos que caracterizaram a oferta educacional
para os povos rurais ao longo do século XX.
O Pronera, voltado inicialmente para a
alfabetização de jovens e adultos residentes nos
Assentamentos de Reforma Agrária, vinculados ao
Incra, foi sendo ampliado no que se refere a formação
de professores e outros cursos de graduação e pós-
graduação. Entretanto, é necessário fazer um recuo
histórico pra situar a construção do Pronera e da
Educação do Campo no Brasil. Nesta direção, o próximo
tópico trata rapidamente dessa construção.

Jullyane Frazão Santana - Maria Clara de Sousa Costa -


264 Marli Clementino Gonçalves
A Educação do Campo e o Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária (Pronera)
A partir dos anos de 1980, com a organização
do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a
luta em torno do direito à educação delineou-se como
uma demanda da realidade concreta vivenciada nos
assentamentos e acampamentos. De modo geral, as
críticas relacionavam-se com as perspectivas de negação
do direito à educação tanto pela via da oferta quanto do
currículo, visto que, ao longo da história, os interesses
e demandas dos povos rurais foram negligenciados em
detrimento dos projetos da classe dominante.
De acordo com Caldart (2010, p.106), inicialmente
houve uma mobilização em torno de uma crítica prática
pautada nas “lutas sociais pelo direito à educação,
configuradas a partir da realidade da luta pela terra,
pelo trabalho, pela igualdade social, por condições de
uma vida digna de seres humanos no lugar em que ela
aconteça”. Nesse sentido, a luta pela educação se inseria
dentro de um movimento maior de fortalecimento do meio
rural, entendido enquanto um espaço de vida, cultura e
saberes.
No que concerne à relação destas lutas com a
Educação do Campo, Munarim (2008, p.59), pontua que,
Antes de tudo, é bom afirmar que a
luta pela Reforma Agrária constitui a
materialidade histórica maior de seu
berço nascedouro, uma espécie de pano
de fundo, de maternidade. A experiência
acumulada pelo Movimento Sem Terra
(MST) com as escolas de assentamentos
e dos acampamentos, bem como a própria
existência do MST como movimento pela

O PRONERA NO ESTADO DO PIAUÍ: UMA ANÁLISE A PARTIR DA II PESQUISA


NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA (PNERA) 265
terra e por direitos correlatos, pode ser
entendida como um processo histórico
mais amplo de onde deriva o nascente
Movimento de Educação do Campo.

As contribuições do MST para a materialização


da Educação do Campo têm expressões tanto teóricas
quanto práticas, dentre as quais se destaca o processo de
gestação do Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária (Pronera). Nas palavras de Molina (2003, p. 51),
foi no âmbito do I Encontro Nacional de Educadores/as da
Reforma Agrária (I ENERA), em 1997, que o MST “lançou o
desafio às instituições de ensino superior presentes para
que assumissem a tarefa de construir uma rede nacional
entre as universidades visando enfrentar o problema do
analfabetismo nos assentamentos”. Logo se iniciaram
as discussões acerca do que se constituiria a primeira
experiência de Educação do Campo no âmbito do Estado,
o Pronera.
As discussões em torno da institucionalização
do referido Programa estavam inseridas dentro de
um contexto político, econômico e social dotado
de contradições. Em primeiro lugar, destaca-se o
acirramento do discurso neoliberal e o processo de
enxugamento da máquina estatal, o que significava um
menor investimento nas áreas sociais. Por outro lado,
apresentavam-se as denúncias acerca dos massacres
de Corumbiara (1995) e El dourado dos Carajás (1996),
que somados aos baixíssimos índices de escolarização
revelados pelo I Censo Nacional da Reforma Agrária
(1996), contribuíram para que o presidente Fernando
Henrique Cardoso fosse pressionado por diferentes
esferas.

Jullyane Frazão Santana - Maria Clara de Sousa Costa -


266 Marli Clementino Gonçalves
Desse modo, em 16 de abril de 1998, foi
institucionalizado o Pronera, como resultado da
correlação de forças entre o Estado e os membros da
sociedade civil, por meio da Portaria nº 10 do extinto
Ministério Extraordinário de Política Fundiária, a fim
de “fortalecer a educação nos assentamentos de
Reforma Agrária, utilizando metodologias específicas
para o campo, que contribuam para o desenvolvimento
rural sustentável do Brasil” (INCRA, 1998, p.10). Tal
objetivo, expresso no primeiro Manual de Operações do
Programa, apontava que o Pronera não se resumia a um
programa de escolarização, mas constituía-se enquanto
parte integrante da política de Reforma Agrária. Esse
fato justifica a sua vinculação ao Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra).
No que concerne à oferta dos cursos, Molina e
Jesus (2010, p.36) assinalam que, devido aos altos índices
de analfabetismo no campo, iniciou-se com
A prioridade de ofertar alfabetização
a jovens e adultos e, simultaneamente,
formar educadores das próprias áreas
de Reforma Agrária, para atuar nestes
processos de escolarização com mais
qualidade e regularidade. A partir daí, foram
se desenvolvendo ações de alfabetização e
formação de educadores; oferta dos anos
finais do ensino fundamental e médio para
os jovens e adultos que se alfabetizavam; e
também foram se construindo formas para
atender as demandas de cursos técnicos
profissionalizantes e superiores para os
assentados.

O PRONERA NO ESTADO DO PIAUÍ: UMA ANÁLISE A PARTIR DA II PESQUISA


NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA (PNERA) 267
No geral, a diversificação dos cursos do Pronera,
em termos de nível e modalidade, deve-se, dentre outros
fatores, à ampliação do acesso por parte de uma parcela
significativa da população jovem e adulta residente no
meio rural a níveis cada vez mais altos de escolarização.
No tópico seguinte é analisado como se deu esse
processo especificamente no estado do Piauí, a fim de
compreender melhor os desdobramentos dessa política
na Educação do Campo no estado.

O Pronera no Estado do Piauí (1999-2010)


No Piauí, conforme os dados da II PNERA (2015),
entre os anos de 1999 e 2010, foram financiados 07 cursos
pelo Pronera, 05 na modalidade de EJA, com etapas de
alfabetização e primeira etapa do Ensino Fundamental,
e 02 em nível médio concomitante com o técnico
profissionalizante. Ao todo, matricularam-se nos cursos
8.570 educandos, com o maior índice de concentração
nos projetos de alfabetização e escolarização – anos
iniciais do Ensino Fundamental (98%). Do total de
ingressantes, uma média de 52% dos educandos concluiu
os cursos, correspondendo a 4.346 na modalidade
de EJA e 133 na de Nível médio concomitante com o
técnico profissionalizante (BRASIL, 2015). De acordo
com o relatório da II PNRA, dos educandos concluintes,
4.252 residiam em áreas de assentamento, 250 em
acampamentos, três em comunidade rurais e 18 não
haviam informado.
Entre os anos de 1999 e 2003, a Universidade
Federal do Piauí – UFPI, juntamente com o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST/PI e a

Jullyane Frazão Santana - Maria Clara de Sousa Costa -


268 Marli Clementino Gonçalves
Federação dos Trabalhadores na Agricultura – FETAG/
PI, foram responsáveis pela execução de três cursos no
âmbito do Projeto de Educação de Jovens e Adultos dos
Assentamentos de Reforma Agrária do Piauí – Proejapi,
dois de alfabetização e um de escolarização. Entre os
anos de 2004 e 2010, a Secretaria de Educação do Estado
do Piauí –SEDUC, ofertou dois cursos de Escolarização de
Jovens e Adultos, um curso de Magistério Nível Médio e
um curso de Técnico em Agropecuária em Concomitância
com o Ensino Médio – TAG. O Quadro 01 sintetiza as
informações sobre os cursos ofertados no período de
1999 a 2010:
Quadro 1 – Cursos do Pronera concluídos no Piauí (1999 – 2010)
Curso Meta Instituição de Duração
Ensino

Projeto de Educação de Alfabetizar 2.280 jovens Universidade 1999-2001


Jovens e Adultos do e adultos Federal do Piauí
Estado do Piauí –
Proejapi

Projeto de Educação de Escolarizar


Jovens e Adultos dos 2080 jovens e adultos Universidade 2001-2003
Assentamentos de (séries iniciais do E.F) Federal do Piauí
Reforma Agrária do Piauí
– Proejapi (Escolarização)

Projeto de Educação de Alfabetização de 1200 Universidade 2001-2003


Jovens e Adultos dos jovens e adultos Federal do Piauí
Assentamentos de
Reforma Agrária do Piauí
– Proejapi (alfabetização)
Projeto de Escolarização Escolarizar 1.219 jovens e Instituto Superior
de Jovens e Adultos adultos (séries iniciais do de Educação 2004-2005
Assentados e E.F); e 850 (séries finais Antonino Freire
Acampados do Estado do do E.F).
Piauí

Curso de Formação de Formar 100 jovens e Instituto Superior


Educadores e adultos para o trabalho de Educação 2004- 2007
Educadoras da Reforma educacional nos Antonino Freire
Agrária do Piauí Assentamentos e
Magistério Nível Médio Acampamentos.

O PRONERA NO ESTADO DO PIAUÍ: UMA ANÁLISE A PARTIR DA II PESQUISA


NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA (PNERA) 269
Projeto de Escolarização Escolarizar de 2.080 Centro De
de Ensino Fundamental – jovens e adultos (séries Educação de 2005- 2007
1°Segmento de Jovens e iniciais do E.F); e 920 Jovens e Adultos
Adultos dos (séries finais do E.F). Professor Claudio
Assentamentos de Ferreira
Reforma Agrária do Piauí
Centro Estadual
Curso Técnico em Capacitar 60 técnicos de Educação 2006-2010
Agropecuária em agropecuários a nível Profissional
Concomitância com o médio. Francisca
Ensino Médio – TAG Trindade
Fonte: Compilado pelas autoras a partir das informações coletadas sobre o programa no
Fonte: Compilado pelas autoras a partir das informações coletadas
sobre o programa no INCRA/PI e no relatório da II PNERA (2015).

No Estado do Piauí, os projetos/cursos foram


desenvolvidos em quatro (04) Instituições de Ensino. A
oferta dos dois projetos de alfabetização ocorreu em uma
única instituição, a UFPI, sendo a primeira experiência em
1999 e a segunda oferta de alfabetização em um segundo
projeto em 2001. Os projetos de EJA – anos iniciais, foram
desenvolvidos em três instituições. O primeiro com a
UFPI, o segundo com a ISEAF e o terceiro com o CEJA –
Claudio Ferreira, todos situados na Capital do Estado. Os
Cursos de Nível Médio foram realizados com instituições
habilitadas para este fim. O ISEAF ofertou o magistério
médio e o Centro Estadual de Educação Profissional
Francisca Trindade, o técnico em agropecuária. Este
centro está situado a 3 km de São João do Piauí.
Embora o ISEAF seja localizado em Teresina,
capital do Estado, as atividades pedagógicas do Curso
de Magistério ocorreram no Centro de Educação
Profissional, localizado em São João do Piauí, tendo
sido uma estratégia para a reabertura da escola. Todas
as instituições que ofertaram os cursos são públicas,
sendo uma federal e as demais estaduais, vinculadas
diretamente à SEDUC. Os cursos atenderam a um total

Jullyane Frazão Santana - Maria Clara de Sousa Costa -


270 Marli Clementino Gonçalves
de 49 municípios situados em todas as regiões do Estado
do Piauí. Embora a indicação das comunidades fosse
realizada pelos Movimentos Sociais e Sindicais, era feita
a observância das questões relacionadas aos índices de
analfabetismo e baixa escolaridade.
Os projetos/cursos que desenvolveram ações de
alfabetização (1.271 alunos ingressantes) e EJA séries
iniciais (7.138 alunos) foram os que apresentaram mais
sujeitos envolvidos. As ações iniciais desencadearam a
continuidade para a ampliação da escolaridade, de modo
que os assentamentos/acampamentos/comunidades
em que haviam sido desenvolvidos processos de
alfabetização da primeira ação do PRONERA continuaram
o processo de oferta de turmas de escolarização em
ensino fundamental. Há, dessa forma, um predomínio de
alunos nos anos iniciais de EJA.
As organizações demandantes das ações
do PRONERA foram movimentos sociais e sindicais
organizados em nível nacional, possuindo sedes
estaduais. As três organizações pleitearam projetos/
cursos de Alfabetização e Escolarização séries iniciais.
Duas organizações demandaram também cursos de
nível médio técnico. Nos três primeiros projetos houve
uma confluência de esforços entre as duas principais
organizações de trabalhadores rurais no sentido de
garantir a implantação dos projetos.
O Quadro 1 também apresenta as organizações
demandantes. Assim, na demanda por EJA–Alfabetização,
as mesmas organizações demandaram duas vezes cada
uma por esta modalidade. Na demanda por escolarização
EJA anos iniciais duas organizações pleitearam dois

O PRONERA NO ESTADO DO PIAUÍ: UMA ANÁLISE A PARTIR DA II PESQUISA


NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA (PNERA) 271
projetos e uma organização demandou um projeto
específico. Tal aspecto pode indicar a necessidade das
organizações demandantes por educação formal, mas
também indica a ação coletiva desses movimentos na
luta pela garantia do direito à educação.
Esse aspecto pode, inclusive, indicar que no
processo de construção do Pronera, pleitear ações
conjuntas possibilitava que as organizações pudessem
também articular outras ações na conquista do direito
à educação escolar. Quanto ao período de realização
dos projetos/cursos, é possível inferir que houve relativa
continuidade temporal nas ações do Programa no estado
do Piauí, o que não significa a ausência de problemas na
execução e/ou cumprimento dos prazos estabelecidos
nos convênios.
A Figura 1 apresenta a ocorrência dos cursos do
Pronera no Piauí, evidenciando que houve a realização
de mais de um projeto/curso num mesmo município e
mesmo assentamento, sinalizando a necessidade de
oferta de processos de alfabetização e ao mesmo tempo
de formação em nível médio.

Jullyane Frazão Santana - Maria Clara de Sousa Costa -


272 Marli Clementino Gonçalves
Figura 1: Ocorrência dos cursos do Pronera por município

Fonte: Microdados do Relatório Nacional da II PNERA.

A Figura 1 apresenta múltiplas possibilidades de


análise sobre a ocorrência dos cursos em suas diferentes
etapas e modalidades. A incidência em algumas regiões,
conforme explicitado, pode indicar a continuidade de
processos educativos iniciados na oferta de alfabetização
e continuidade no ensino fundamental. Pode indicar
também que o curso de formação de educadores
foi ofertado nesses assentamentos, considerando a
necessidade de profissionais para atuação nas ações do
Pronera no Piauí.

O PRONERA NO ESTADO DO PIAUÍ: UMA ANÁLISE A PARTIR DA II PESQUISA


NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA (PNERA) 273
Considerações finais
Ante o exposto sobre a construção do Pronera no
Brasil em 1998 e suas ações educativas até o ano de 2010,
quando do recorte para a II Pnera, é possível evidenciar
um avanço quantitativo na oferta de projetos/cursos.
Assim também, o processo de construção das parcerias
firmadas indica a possibilidade de abertura de diálogo
entre os movimentos sociais demandantes, e, sobretudo,
traz a potência de inserção no universo acadêmico e a
troca e construção de outras práticas educativas.
Indica ainda um avanço com relação ao que
vinha sendo ofertado para o campo, especialmente nos
assentamentos e acampamentos de reforma agrária,
e em muitas comunidades cumpriu uma lacuna na
garantia do direito à educação escolar. Outro aspecto
importante a reiterar é que o Pronera é a materialização
de uma concepção educacional que vinha sendo gestada
no interior dos acampamentos e assentamentos. Isso
indica que a Educação do Campo é um conceito que não
foi planejado, mas que nasceu da potência educativa e
reivindicatória dos movimentos sociais.

Referências

ANDRADE, Marcia Regina; DI PIERRO, Maria Clara. As


aprendizagens e os desafios na implementação do
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária.
In: ANDRADE, M. R.; DI PIERRO, M. C.; MOLINA, M.C.; DE
JESUS, S.M.S.A. (Org.). A Educação na Reforma Agrária
em Perspectiva: Uma Avaliação do Programa nacional
de Educação na Reforma Agrária. 1. ed. São Paulo: Ação
Educativa, v. 1, 2004. p. 37-57.

Jullyane Frazão Santana - Maria Clara de Sousa Costa -


274 Marli Clementino Gonçalves
BEZERRA NETO, Luiz. Educação rural no Brasil: do ruralismo
pedagógico ao movimento por uma educação do
campo. Uberlândia: Navegando Publicações, 2016. 192 p.

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Agrária. Portaria n° 10, de 16 de abril de 1998, institui o
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COUTINHO, Adelaide Ferreira. As políticas educacionais


do estado brasileiro ou de como negaram a educação
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histórico. EccoS Revista Científica, v, 11, n. 2, p. 393-412,
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O PRONERA NO ESTADO DO PIAUÍ: UMA ANÁLISE A PARTIR DA II PESQUISA


NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA (PNERA) 275
FREITAS, Helena Célia de Abreu. Rumos da educação do
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GENTILI, Pablo. El consenso de Washington y la crisis de la


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Brasil: reflexões a partir da tríade: campo-política pública-
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MUNARIM, Antonio. Trajetória do movimento nacional de


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RIBEIRO, Marlene. Movimento Camponês, Trabalho e
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RIBEIRO, Marlene. Reforma agrária, trabalho agrícola


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educação do campo. Educação e pesquisa, v. 41, n. 1, p. 79-
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Jullyane Frazão Santana - Maria Clara de Sousa Costa -


276 Marli Clementino Gonçalves
SOBRE O(A)S AUTORE(A)S

Carmem Lucia de Oliveira Cabral


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN). Pós-Doutora pela Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP). Mestra em Educação
e Licenciada em Filosofia e Pedagogia pela Universidade
Federal do Piauí (UFPI). Professora Titular da Universidade
Federal do Piauí, atuando no Pós-Graduação em Educação
(PPGEd) e no Mestrado Profissional em Ensino de Filosofia
(PROFILO). Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre
Formação e Profissionalização docente em Pedagogia
(NUPPEd). Desenvolve estudos na área de Educação e
Filosofia da Educação. Participação na organização das
coletâneas: As práticas na docência: ensino, pesquisa
e construção de saberes (2017); A formação docente e a
prática educativa: mediações pelos saberes da pesquisa
(2018); Práticas investigativas em educação: correlações
entre formação e ensino (2019). E-mail: carmen.cabral@
ufpi.edu.br

Diego Gonzaga Duarte da Silva


Mestre em Educação (2018) e Licenciado em Geografia
(2015) pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). É
Pedagogo pela Universidade de Franca (2019). Atualmente
é professor da Universidade do Estado de Minas Gerais
(UEMG), Unidade Carangola. É membro dos Grupos de

SOBRE O(A)S AUTORE(A)S


277
Pesquisa Educação do Campo, Alternância e Reforma
Agrária (ECARA) e Educação do Campo do Território dos
Inconfidentes (GIRACAMPO).

Élida Lopes Miranda


Pedagoga e Mestre em Educação pela Universidade
Federal de Viçosa. Professora do Curso de Licenciatura em
Educação do Campo (Licena) da Universidade Federal de
Viçosa. Co-líder do Grupo de Pesquisa do CNPq Educação do
Campo, Alternância e Reforma Agrária (ECARA) e membro
do Fórum Nacional da Educação do Campo (FONEC). Atua
na área de Educação, com ênfase em Educação do Campo,
Pedagogia da Alternância, Formação de Educadores do
Campo, Educação em Agroecologia.

Elmo de Souza Lima


Pós-doutor em Ciências Sociais na Universidade de
Coimbra. Doutor em Educação pela Universidade Federal
do Piauí (UFPI), com Doutorado Sanduíche na Università
degli Studi di Verona (Itália). Professor do Programa de
Pós-Graduação em Educação da UFPI, atuando na área
de Educação Popular, Educação do Campo e Pedagogia
da Alternância. É autor dos livros Formação Continuada
de Professores no Semiárido: ressignificando saberes
e práticas e Formação Continuada de Educadores/as:
as possibilidades de reorientação do currículo. Coautor
dos livros Semiárido Piauiense: educação e contexto,
Diálogos sobre Educação do Campo. É coordenador do
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo
(NUPECAMPO). E-mail: elmolima@gmail.com

EDUCAÇÃO DO CAMPO:
278 as interfaces entre diferentes contextos, sujeitos e territórios
Elson Silva Sousa
Mestrando em Educação pela Universidade Federal do
Piauí (UFPI) e Licenciado em Pedagogia pela Universidades
Estadual do Maranhão - UEMA; Especialista em Currículo
e Avaliação da Educação Básica (2018) na Universidade
Estadual do Maranhão. Atualmente, é professor Efetivo
da Educação Básica em Aldeias Altas-MA, atuando
na coordenação de Ensino da Zona Rural, e professor
substituto do Departamento de Educação da UEMA –
Caxias/MA. É pesquisador vinculado ao Núcleo de Estudo
e Pesquisa em Educação do Campo (NUPECAMPO). E-mail:
elsonssousa@hotmail.com

Iara Vieira Guimarães


Professora Associada da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e do Programa de
Pós-Graduação em Educação (PPGED). Possui graduação
em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia
(1992), mestrado em Geografia Humana pela Universidade
de São Paulo (1998), doutorado em Educação pela
Universidade de São Paulo (2006) e estágio pós-doutoral
em Educação pela Universidade Federal Fluminense (2015).
Possui experiência nas áreas de Educação e Geografia e
desenvolve trabalhos de ensino, pesquisa e extensão em
Ensino e Aprendizagem de Geografia, Metodologias e
Práticas Pedagógicas, Formação de Professores, Artefatos
Midiáticos e Ensino de Geografia. E-mail: iaravg@ufu.br

SOBRE O(A)S AUTORE(A)S


279
Jullyane Frazão Santana
Professora na Faculdade do Baixo Parnaíba (Fap); Mestre
em Educação pela Universidade Federal do Piauí. Possui
Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade
Federal do Piauí- Campus Ministro Reis Veloso (UFPI).
Participa do Núcleo de Políticas e Gestão Educacional
(NUPPEGE); Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em
Educação do Campo (NUPECAMPO) e Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Educação e Emancipação Humana
(NESPEM). Membro da Campanha Nacional pelo Direito
à Educação comitê Piauí. Membro do Fórum Piauiense
da Educação do Campo (FOPEC). E-mail: jullyanefrazao@
hotmail.com

Keyla Cristina da Silva Machado


Doutoranda e Mestre em Educação pelo Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
do Piauí. Graduada em Pedagogia e Letras/Português
pela Universidade Estadual do Piauí. Especialista em
Psicopedagogia pela Faculdade Santo Agostinho,
Mídias na Educação pela Universidade Federal do Piauí
e Tecnologias na Educação pela Pontifícia Universidade
Católica - Rio de Janeiro. Professora do Departamento de
Educação do Campo -UFPI. É membro do Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Educação do Campo (NUPECAMPO) e
Grupo de Estudos e Pesquisa em Ensino e Formação e
Profissionalização docente em Pedagogia (NUPPEd).
E-mail: keylacrissmachado@gmail.com

EDUCAÇÃO DO CAMPO:
280 as interfaces entre diferentes contextos, sujeitos e territórios
Keylla Rejane Almeida Melo
Professora Adjunta da Universidade Federal do Piauí,
vinculada ao Curso de Licenciatura em Educação do
Campo/CCE. Doutora em Educação pela Universidade
Federal de Uberlândia – UFU. Mestre em Educação pela
Universidade Federal do Piauí. Graduada em Pedagogia
pela Universidade Estadual do Piauí. Possui experiência
na área da educação, com ênfase em Educação do Campo,
Educação Infantil, Infâncias, Prática Pedagógica e
Formação de Professores. E-mail: keyllamelo@ufpi.edu.br.

Linconly Jesus Alencar Pereira


Professor Adjunto da Universidade da Integração
Internacional da Lusofonia Afro-brasileira, vinculada
ao Curso de Licenciatura em Pedagogia. Doutor em
Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará
– UFC. Licenciado em Física (UFC) e em Pedagogia pela
Universidade Estadual Vale do Acaraú. Possui experiência
na área de educação, com ênfase em manifestações
culturais e religiosas africanas e afro-brasileiras, Formação
de Professores/as, Práticas Pedagógicas, Movimentos
Sociais, Educação Popular e Educação do Campo. E-mail:
linconly@unilab.edu.br

Lorena Raquel de A. S. de Morais


Mestre em Educação e Graduada em Pedagogia pela
Universidade Federal do Piauí (UFPI). É professora efetiva
da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Campus
cerrados do alto Parnaíba/Uruçuí-PI. Membra do Núcleo de

SOBRE O(A)S AUTORE(A)S


281
Estudos e Pesquisa em Educação do Campo (NUPECAMPO/
UFPI) e do Núcleo de Pesquisa em Educação Popular e
Educação do Campo – (EPEC/UESPI). E-mail: raquelvi16@
hotmail.com

Lourdes Helena da Silva


Professora Titular da Universidade Federal de Viçosa,
vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação.
Possui Doutorado em Educação pela PUC-SP (2000), Pós-
Doutorado em Ciências da Educação pela Universidade de
Lisboa (2007-2008) e Estagio Sênior, como Visiting Scholar,
na UCLA/EUA (2013-2014). Lidera o Grupo de Pesquisa
Educação do Campo, Alternância e Reforma Agrária
(ECARA); é membro da Câmara de Ciências Humanas,
Sociais e Educação da FAPEMIG; Pesquisadora Associada
do Centro Internacional de Estudos em Representações
Sociais e Subjetividade da Fundação Carlos Chagas;
Bolsista do Programa Pesquisador Mineiro da FAPEMIG e
Bolsista Produtividade do CNPq.

Luana Vieira de Sousa


Licenciada em Pedagogia, pela Universidade Estadual
do Piauí (2012) – Mestre em Educação (2019), pela
Universidade Federal do Piauí (UFPI) - Especialista em
Gestão Educacional: espaços escolares e não escolares -
UESPI/NEAD (2016). É participante do Núcleo de Estudos e
Pesquisas sobre Formação e Profissionalização docente em
Pedagogia (NUPPEd) e do Núcleo de Estudos, Pesquisas e
Extensão em Educação do Campo (NUPECAMPO) da UFPI.
E-mail: luana.v.sousa@hotmail.com

EDUCAÇÃO DO CAMPO:
282 as interfaces entre diferentes contextos, sujeitos e territórios
Luciélio Marinho da Costa
Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal da Paraíba - PPGE/
UFPB, com estágio doutoral na Universidade de Barcelona,
Barcelona/Espanha. Possui Mestrado em Educação/
PPGE/UFPB (2010). Graduado em Letras e em Pedagogia.
É professor adjunto da Universidade Federal da Paraíba.
Integrante do Grupo de Estudos Educação Popular e
Movimentos Sociais do Campo (PPGE/UFPB); Currículo e
Práticas Educativas (UFPB). E-mail: leomarinhosufpb@
gmail.com

Maria Clara De Sousa Costa


Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal
do Piauí - UFPI, bolsista de Iniciação Científica na área
de Educação do Campo. Membro do Fórum Piauiense da
Educação do Campo (FOPEC). Participa do Núcleo de
Estudos, Pesquisas e Extensão em Educação do Campo
(NUPECAMPO), do Núcleo de Estudos e Pesquisa em
Políticas e Gestão da Educação (NUPPEGE) e Núcleo de
Estudos e Pesquisas em Educação e Emancipação Humana
(NESPEM). Desenvolve pesquisas na área de Educação do
Campo e Políticas Educacionais.
E-mail: mcsousa.co@gmail.com

Maria do Socorro Xavier Batista


Professora Titular da Universidade Federal da
Paraíba, vinculada ao curso de Pedagogia com área de
aprofundamento em Educação do Campo. Doutora em
Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco.

SOBRE O(A)S AUTORE(A)S


283
Mestra em educação e licenciada em Pedagogia pela
UFPB. Possui experiência na área de Educação, com ênfase
em Sociologia da Educação, Educação Popular, Educação
e Movimentos Sociais e Educação do Campo.
E-mail: socorroxbatista@gmail.com

Maria Raquel Barros Lima


Mestre em Educação pela Universidade Federal do Piauí
(UFPI) e licenciada em Letras - Espanhol pela Universidade
Estadual do Piauí - UESPI. Atualmente, é professora
substituta da Universidade Federal do Maranhão - UFMA.
Tem experiência na área Educação do Campo e Pedagogia
da Alternância, Formação de Professores e Prática
Educativa. É membro do Núcleo de Estudos, Pesquisas
e Extensão em Educação do Campo (NUPECAMPO) e do
Fórum Piauiense da Educação do Campo (FOPEC). E-mail:
raquelgandhi@yahoo.com.br

Maria Sueleuda Pereira da Silva


Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual
do Piauí (UESPI); Especialista em Educação do Campo e
Desenvolvimento Territorial do Semiárido Brasileiro pela
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB);
Técnica em Agropecuária pelo Colégio Agrícola de
Teresina/UFPI e Mestre em Educação pela Universidade
Federal do Piauí (UFPI). Desenvolve atividades de
educação popular, assessoria, formação e coordenação de
projetos sociais pela Cooperativa de Produção e Serviços
dos Técnicos Agrícolas do Piauí & Associados. Atualmente
exerce a função de Técnica em Agropecuária na Agência

EDUCAÇÃO DO CAMPO:
284 as interfaces entre diferentes contextos, sujeitos e territórios
de Defesa Agropecuária do Piauí (ADAPI) e consultoria
na área da educação do campo no contexto do semiárido.
E-mail: msuele@gmail.com

Marli Clementino Gonçalves


É graduada em Pedagogia pela Universidade Federal
do Piauí (2003), Especialista em Educação do Campo e
Desenvolvimento pela Universidade de Brasília (2005) e
Mestre e Doutora em Educação pela Universidade Federal
do Piauí. É Professora Adjunta I da Universidade Federal do
Piauí, na área de Fundamentos Políticos e Administrativos
da Educação. Membro do Núcleo de Estudos, Pesquisas
e Extensão em Educação do Campo (NUPECAMPO) e do
Núcleo de Políticas e Gestão Educacional (NUPPEGE).
É membro do Fórum Piauiense da Educação do Campo
(FOPEC). Presidente da ADUFPI 2020/2022. Têm
experiência na área de Educação do Campo, Juventudes
e Movimentos Sociais do Campo e Política Educacional.
E-mail: marliclementino@yahoo.com.br

Patrícia da Conceição Lima Torres


Mestra em Educação pela Universidade Federal do Piauí
(UFPI), Especialista em Administração e Supervisão
Educacional pela Faculdade de Ensino Superior do Piauí
(FAESPI), Graduada em Pedagogia pela Universidade
Estadual do Piauí (UESPI). Membro do Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Educação do Campo (NUPECAMPO- UFPI).
Tem experiência docente no Ensino Superior e desenvolve
atividades de formação na área Educação Popular,
Educação do Campo e Educação Contextualizada no
Semiárido. E-mail: patriciacacto@hotmail.com

SOBRE O(A)S AUTORE(A)S


285
286
ÍNDICE REMISSIVO

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO


POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS
Agronegócio (16, 34, 37.)
Diálogo(s) (12, 13, 18, 27, 31, 32, 33, 34, 36, 40.)
Educação do Campo (13, 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 31, 35.)
Educação Rural (12, 13, 14, 15,19.)
Educação Popular (12, 13, 16, 17, 18, 23, 25, 27, 31, 32, 33,
37, 38, 39, 40.)
Instrumento(s) Pedagógico(s) (26,29, 30, 36.)
Latifúndio (s) (15, 16.).
Movimentos Sociais ( 12, 13, 14, 16, 18, 19, 20, 39.)
Mediações (31.)
Pedagogia da Alternância (12, 13, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28,
29, 31, 32, 33, 35, 38, 39, 40.)

EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO:


ALTERNATIVAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS QUE
PERMEIAM A PRÁTICA EDUCATIVA DA ECOESCOLA
THOMAS A KEMPIS
Agroecologia (62)
Auto-organização (64)
Educação do Campo (51)
Educação Popular (50)
Educação Rural (47)
Emancipação . (60)
Formação crítica (62)
Pedagogia do Movimento (54)

ÍNDICE REMISSIVO
287
Prática Educativa (61)
Princípios Pedagógicos (55)

PRÁTICAS EDUCATIVAS NAS ESCOLAS DO CAMPO:


FOMENTANDO O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE CAMPONESA DOS/AS EDUCANDOS/AS
Educação Do Campo: 71,72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79.80, 81,
82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92
Práticas Educativas: 71,72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79.80, 81,
82, 83, 84, 85, 89, 90, 92
Educandos: 71,72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79.80, 81, 82, 84,
85, 89, 90, 91, 92
Identidade camponesa: 73, 76, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89,
90
Modos de Vida: 75, 76, 78, 82, 83, 89, 90, 91
Saberes: 74, 76, 77, 78, 84, 89, 90, 91
Escolas do campo: 73, 74, 77, 78, 83.
Camponeses: 74, 75, 76, 77, 83
Território: 76, 86, 87, 88
Povos do campo: 76, 77, 79, 80

OS PRINCÍPIOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS


QUE NORTEIAM AS PRÁTICAS EDUCATIVAS NOS
ASSENTAMENTOS DO MST
Educação do Campo (95, 96, 97,98, 99, 102, 103, 104,
105,106,107, 108,109,110,111, 112, 113,114,105,116,117,118,119
,120,121.)
Movimentos Sociais (95,97, 98,102, 103,110, 112, 114, 118,
119,133,151, 185, 201, 202, 204, 216, 219, 221, 222, 223.)
Princípios: (95, 96, 97, 99, 101, 103, 105, 106, 107, 108, 109,
110, 112, 117,0119, 121.)

EDUCAÇÃO DO CAMPO:
288 as interfaces entre diferentes contextos, sujeitos e territórios
Camponeses (97, 99, 101, 104, 105, 112, 116, 117, 118.)
Luta (96, 97, 98, 99, 101, 102, 106, 108, 105, 111, 116, 120.)
Políticas (98, 99, 100, 106, 115, 116, 118, 120.)
Reforma Agrária (96, 97, 98, 99, 102, 103, 105, 117, 118, 120.)
MST (95, 97, 98, 99, 101, 102, 103, 105, 106, 107, 108, 109,
110, 111, 113, 115, 116, 118, 119, 120, 121.)
Formativo (107, 119.)
Agronegócio (97, 101, 208, 209, 210, 214, 215, 219.)

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E ADAPTAÇÕES


CURRICULARES PARA ALUNOS COM TRANSTORNO DO
ESPECTRO AUTISTA EM ESCOLAS DO CAMPO DO PIAUÍ
Educação Especial (126,128, 131,132,133,134,135,
136,137,141, 145)
Práticas pedagógicas (125,127,128,131,134, 145,147,)
Inclusão (127,128,130,131,138,141,144,147)
Currículo (125,126,128,129,141,142)
Transtorno do Espectro Autista-TEA (126,130,146,)
Escolas do campo (125,126,134,135,136,137,139,146,147)
Adaptações curriculares (125, 127,131,141,144)
Deficiência(125,126,127,128,129,130,132,133,134,135,
136,137,140,141,143,147)
Autismo (127, 130, 131)
Crianças especiais (135, 144)

DIÁLOGOS COM CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO


ENSINO FUNDAMENTAL SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL
EM ESCOLA DO/NO CAMPO
Direito à Educação (151, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 158)
Direitos da Criança (151, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 158,
159, 160, 161, 165)

ÍNDICE REMISSIVO
289
Educação Infantil do/no campo (152, 153, 154, 155, 156,
157, 158, 159, 160, 161, 164)
Participação Infantil (158, 159, 162, 163, 164, 165, 166, 167,
168, 169, 170, 172, )
Escola do/no campo (159, 160, 161, 164, 172)
Espaços, materiais e tempos na Educação Infantil (161,
162, 163, 164, 165, 168, 169, 170, 171, 173)
Aprendizagem e desenvolvimento infantil (165, 168, 171,
172)
Interações e brincadeiras (170, 171, 172, 173)
Práticas pedagógicas (156, 157, 158, 159, 165, 173, 174)
Formação Docente (155, 157, 158)

PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E OS SABERES DO


COTIDIANO DO CAMPO
Pedagogia da Alternância (179, 180, 181, 182, 183, 185, 186,
187, 188, 189, 190, 191, 192, 193, 195)
Escolas Famílias Agrícola – EFAs (179, 180, 181, 182, 183,
185, 186, 190, 191, 192, 193, 194, 195, 196)
Processos formativos (179, 180, 183, 186, 189, 192, 193)
Educação do Campo (180, 181, 182)
Saberes cotidianos (179, 180, 181, 183, 185, 188, 190, 192,
193, 194, 19)
Medicações Pedagógicas (181, 182, 183, 190, 191, 195)
Problematização (180, 182, 183, 185, 188, 195)
Ação Formativa (179, 181, 182, 183, 185, 190, 194, 195, 196)
Escolas do campo (180, 186)
Saberes culturais (180, 187)

EDUCAÇÃO DO CAMPO:
290 as interfaces entre diferentes contextos, sujeitos e territórios
RESSIGNIFICAÇÃO DE SABERES E PRÁTICAS
EDUCATIVAS NO SEMIÁRIDO POTIGUAR A PARTIR DA
LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO
CAMPO DA UFERSA
Práticas Educativas: (199,215, 219, 220,
221,222,224,225,226).
Semiárido Potiguar: (199, 200, 203, 204, 205, 207, 210, 215,
217, 225, 226).
Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo: (199,
200).
Educação do Campo: (199, 200, 201, 202, 203, 204, 207,
216, 217, 219, 222, 224, 228, 229, 230, 231).
Saberes: (199, 200, 204, 217, 226, 229).
Semiárido Potiguar: (204, 205, 207, 210, 215, 217, 225, 226).
Convivência com o Semiárido: (199, 200, 200, 215, 216, 217,
219, 220, 221, 222, 224, 225).
Agricultura Familiar: (211, 212, 213, 214, 215, 219,224, 226,
230).
Educação Contextualizada: (199, 204, 206, 226,227).
Universidade Federal Rural do Semiárido: (199, 231).

OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO EM UMA LICENCIATURA


EM EDUCAÇÃO DO CAMPO: A AVALIAÇÃO DOS
EDUCANDOS, MONITORES DE ESCOLAS FAMÍLIA
AGRÍCOLA
Alternância: 235, 237, 240.
Educação do Campo:233, 234, 235, 237, 238, 239, 240,
241, 248, 249, 251, 252,
Escolas Família Agrícola: 233, 234.
Formação de educadores: 234, 238, 249, 250.

ÍNDICE REMISSIVO
291
Licena: 233, 234, 235, 237, 241, 242, 244, 245, 247, 248,
249, 250, 251, 252.
Licenciaturas em Educação do Campo: 234, 237, 238, 240,
249.
Monitores: 233, 235, 236, 237, 240, 241, 242, 243, 244,
247, 248, 249, 250, 251, 252.
Movimentos Sociais: 234, 238, 239, 240, 241.
Práticas Pedagógicas: 244, 245, 247, 248, 249, 250, 251.
Saberes: 236, 242, 243, 244, 245, 246, 247, 249, 250, 251.

O PRONERA NO ESTADO DO PIAUÍ: UMA ANÁLISE A


PARTIR DA II PESQUISA NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA
REFORMA AGRÁRIA (PNERA)
Pronera (255; 256; 257; 262; 263; 264; 265; 266; 268; 270;
271; 272).
Educação do Campo (257; 258; 263; 264; 266; 273).
Educação rural (259; 260; 261; 262).
Piauí (255; 257; 258; 266; 267; 268; 269; 271; 272).
PNERA (255; 257; 266; 268; 272).
Meio rural (257; 258; 262; 263; 266).
Reforma Agrária (255; 256; 257; 262; 263; 264; 265; 267;
268; 272).
Direito à educação (256; 257; 258; 259; 263; 270; 272).
Estado (255; 256; 257; 258; 259; 260; 262; 264; 265; 266;
267; 268; 269; 270).
Movimentos sociais (256; 258; 262; 269; 270; 272; 273).

EDUCAÇÃO DO CAMPO:
292 as interfaces entre diferentes contextos, sujeitos e territórios

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