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O sofrimento do cristão nesta vida (Mt. 5.

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Introdução

Uma frase antiga diz que “não existe vida sem dor, mas não existe dor que
dure a vida toda”.

O Sermão do Monte já começa com as pinceladas da dor. Philip Yancey,


escrevendo sobre isso, diz que no Sermão do Monte só aparecem os retorcidos, tanto
que é até possível traduzi-lo como “felizes os infelizes”.

A Bíblia é o livro de todos os gemidos, de todos os ais. Nem Jesus escapou da


dor. Jesus é Deus sentindo dor. Você não encontra na Bíblia nenhuma imagem que
descreva explicitamente Jesus sorrindo, gargalhando, mas encontra um versículo
inteiro registrando que ele chorou - e de dor! (Jo. 11.35).

“Bem aventurados os que choram” É a glória das lágrimas. A abertura da


alma. Quem não chora morre seco, árido, sem a leveza necessária para encarar a
dureza de viver.

Todos nós somos filhos da crise, desenhados para existir entre a estabilidade e
o caos. Vivemos na fronteira entre a glória e a vergonha. Todo e qualquer ser humano
que já botou a cara no universo foi marcado pela realidade implacável da dor.
Ninguém escapa.

C. S. Lewis, numa de suas frases mais famosas, destacou que “Deus sussurra
em nossos ouvidos por meio de nosso prazer, fala-nos mediante nossa consciência,
mas clama em alta voz por intermédio de nossa dor; a dor é seu megafone para
despertar um mundo surdo”.

O que Deus procura em nós são os frutos da aflição: paciência, simpatia,


caráter ajustado às dificuldades, esperança. William Cowper escreveu: “O botão pode
ter um gosto amargo, mas a flor será doce”.

Analisemos algumas verdades revolucionárias sobre Deus na dor:

1. Deus participa da nossa dor

Ele não conhece a apatia, a insensibilidade. Um hino cantado em Gana, na


África, diz: “Não cremos na dor sem Deus”.

Deus sofre junto com o seu povo. A Bíblia mostra Deus armando sua tenda
entre os nômades do Sinai. Ele aparece no exílio, cativeiro, fornalha, sepultura (II Re.
13.21). Em Jesus, Deus chora Lázaro. Seu envolvimento vai além das palavras.
É o Deus dos retorcidos. O Deus que sente as perdas e o afastamento (Mt.
23.37: “Quantas vezes eu quis ajuntar teus filhos, como a galinha ajunta seus filhotes
debaixo das asas, e não quiseste!”).

Deus abraça a experiência humana. Em Cristo, como dizia Dietrich


Bonhoeffer, Deus “entra no tempo”. Jesus passa pela experiência do limite: dormir,
caminhar com amigos, desfrutar das pausas, dos sonhos dos meros mortais. Percebe,
in loco, o que é viver aqui, conosco, do nosso ponto de vista - a perspectiva da
fragilidade.

Ele experimentou as fragilidades da infância. Chesterton escreveu: “As mãos


que fizeram o sol e as estrelas eram muito pequenas para trocar as próprias roupas, ou
para alcançar as grandes cabeças do gado”.

Não temos um Deus distante, apático, insensível. Não! Temos o Deus que se
importa!

Nossa vitória está quando entendemos o poder dessa verdade: Deus não se
isola da dor. Jesus e a viúva de Naim é um belo exemplo do Deus que se importa (Lc.
7.11-17).

2. Na cruz, Deus mudou a natureza da dor

O Salmo 22 põe na boca de Jesus uma das piores dores da experiência


humana, a dor do desamparo: “Por que me desamparaste?” Em Cristo, Deus sabe,
pela própria experiência, como nos sentimos. Lutero, dizia que na cruz vemos “Deus
lutando com Deus”.

Para o problema do sofrimento Deus não nos deu uma explicação - Ele nos
deu seu filho!

John Piper escreveu: “Deus, por vezes, retira o descanso de nossas almas, não
para nos fazer infelizes, mas para que o desassossego nos lance em seu peito”.

Na cruz, a natureza da dor passa a ser de Deus: Jesus assume cada sensação de
tal forma que elas se tornam suas. Em Atos 9.4, Ele assume a dor da perseguição: “por
que vocês me perseguem?”

Na linguagem de Isaías: “Ele levou sobre si as nossas dores”, no plural! (Is.


53.4).

Tomé pode nos ensinar uma poderosa lição sobre Deus e a dor: “Por que Jesus
manteve suas feridas?” Ele guardou consigo uma representação eterna de sua
humanidade ferida. Ele entende, respeita e conhece a nossa dor.
3. Na dor, nossa relação com o Espírito Santo é intensificada

Uma frase da antiguidade dizia: “Das crises nascem os santos”.

O Espírito Santo é Deus nas nossas dores. Por isso ele “intercede com
gemidos inexprimíveis” (Rm. 8.26) - porque dor não se explica, se sente!

O Espírito Santo tem um nome pelo qual o próprio Senhor Jesus o designou:
“Consolador” (Jo. 14.16) - aquele que consola-a-dor.

John Bunyan, que passou 12 anos preso, mas escreveu um dos livros mais
impactante da história da igreja - “O Peregrino” - escreveu: “Santos sofredores são
borrifados por Deus sobre a terra para evitar que ela cheire mal”.

Toda gestação implica em adaptação, mudanças, novidade e dor. A Dor faz seu
espetáculo nos ensinando a valorizar o abraço da graça no caos das circunstâncias. A
frase de Jesus a Paulo ainda serve para nós: “A minha graça te basta” (II Co. 12.9).

Philip Yancey conta, em seu livro “A dádiva da dor”, a história de Sadan,


indiano leproso que assistiu ao casamento da filha sozinho dentro de um carro para
que sua presença não assustasse os convidados. Mesmo assim, Sadan disse:
“Agradeço a Deus por ter me dado essa dor, pois sem ela não teria conhecido a
Cristo”.

Conclusão

Quando entendemos essas verdades revolucionárias, nossa concepção de dor


muda, e passamos a enxergar o sorriso de Deus em cada lágrima. Como dizia William
Cowper, “Por trás de uma providência carrancuda, ele esconde uma face sorridente”.

Aqueles que vivenciarem o que Jesus falou no Sermão do Monte, “bem-


aventurados os que choram”, também serão alcançados pela promessa que só faz
sentido para quem tem o rosto molhado: “Ele enxugará dos olhos toda lágrima” (Ap.
21.4).

Nunca despreze o seu lenço.

Bibliografia

BRIZOTTI, Alan. Quando a vida dói. Goiânia: Estação da Fé, 2013


LLOYD-JONES, Martin. Estudos no Sermão do Monte. São José dos Campos:
Editora Fiel, 2008
KELLER, Timothy. Caminhando com Deus em meio à dor e ao sofrimento. São
Paulo: Vida Nova, 2016
LEWIS, C. S. A anatomia de uma dor. São Paulo: Editora Vida, 2006
PIPER, John. O sorriso escondido de Deus. São Paulo: Shedd Publicações, 2002
YANCEY, Philip; BRAND, Paul. A dádiva da dor. São Paulo: Mundo Cristão, 2005

Bíblias

Bíblia Brasileira de Estudo. Ed. Luis Alberto Sayão. São Paulo: Hagnos, 2016
Bíblia de Estudo de Genebra. 2ª edição. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil. São
Paulo: Cultura Cristã, 2009
LOURENÇO, Frederico. Bíblia, volume I: Novo Testamento: os quatro evangelhos.
São Paulo: Companhia das Letras, 2017
PETERSON, Eugene. Bíblia de Estudo A Mensagem: Bíblia em Linguagem
Contemporânea. São Paulo: Editora Vida, 2014

Alan Brizotti Escritor com 20 livros publicados. Teólogo e psicanalista. Pesquisador


das áreas de teologia, filosofia e psicanálise. Palestrante e mentor com grande atuação
no Brasil e exterior. Casado com Mari Brizotti e pai de Eduardo Brizotti. Fundador da
Escola Líder Mais, a escola on-line da liderança: www.escolalidermais.com.br

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