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Universidade Federal do Piauí

Centro de Educação Aberta e a Distância

ADMINISTRAÇÃO NO
SETOR PÚBLICO

Carlos Antônio Mendes de Carvalho Buenos Ayres


Ministério da Educação - MEC
Universidade Aberta do Brasil - UAB
Universidade Federal do Piauí - UFPI
Universidade Aberta do Piauí - UAPI
Centro de Educação Aberta e a Distância - CEAD

ADMINISTRAÇÃO
NO SETOR PÚBLICO

Carlos Antônio Mendes de Carvalho Buenos Ayres


PRESIDENTE DA REPÚBLICA Dilma Vana Rousseff Linhares
MINISTRO DA EDUCAÇÃO Aloizio Mercadante
GOVERNADOR DO ESTADO Wilson Nunes Martins
REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ José Arimatéia Dantas Lopes
PRESIDENTE DA CAPES Jorge Almeida Guimarães
COORDENADOR GERAL DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL João Carlos Teatini de S. Clímaco
DIRETOR DO CENTRO DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA DA UFPI Gildásio Guedes Fernandes

COORDENADORES DE CURSOS
ADMINISTRAÇÃO Antonella Maria das Chagas Sousa
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Fabiana Rodrigues de Almeida Castro
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS Maria da Conceição Prado de Oliveira
FILOSOFIA Zoraida Maria Lopes Feitosa
FÍSICA Miguel Arcanjo Costa
LETRAS PORTUGUÊS José Vanderlei Carneiro
LETRAS INGLÊS Lívia Fernanda Nery da Silva
MATEMÁTICA João Benício de Melo Neto
PEDAGOGIA Vera Lúcia Costa Oliveira
QUÍMICA Davi da Silva
SISTEMAS DE INFORMAÇÃO Leonardo Ramon Nunes de Sousa

EQUIPE DE DESENVOLVIMENTO CONSELHO EDITORIAL DA EDUFPI


TÉCNICOS EM ASSUNTOS EDUCACIONAIS Zilda Vieira Chaves Prof. Dr. Ricardo Alaggio Ribeiro ( Presidente )
Ubirajara Santana Assunção Des. Tomaz Gomes Campelo
Djane Oliveira de Brito Prof. Dr. José Renato de Araújo Sousa
EDIÇÃO Roberto Denes Quaresma Rêgo Profª. Drª. Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz
PROJETO GRÁFICO Samuel Falcão Silva Profª. Francisca Maria Soares Mendes
DIAGRAMAÇÃO Antônio Kerignaldo Moura Júnior Profª. Iracildes Maria de Moura Fé Lima
REVISÃO ORTOGRÁFICA José Barbosa da Silva Prof. Dr. João Renór Ferreira de Carvalho
REVISÃO GRÁFICA José Barbosa da Silva

B928a Buenos Ayres, Carlos Antônio Mendes de Carvalho


Administração no setor público. / Carlos Antônio Mendes de
Carvalho
Buenos Ayres - Teresina: EDUFPI/UAPI, 2013
128p.

ISBN: 978-85-7463-621-4

1.Educação a Distância. 2. Política Pública. 3. Administração


Pública I. Título.

C.D.D. - 371.33

© 2013. Universidade Federal do Piauí - UFPI. Todos os direitos reservados.


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propriedade intelectual, com sansões previstas no Código Penal. É proibida a venda ou distribuição deste material.
O texto que ora apresentamos aos alunos do curso de Administração
do Programa de Educação a Distância da Universidade Aberta do Piauí
(UAPI) versa exclusivamente sobre a concepção da atividade administrativa
circunscrita ao setor público, ou seja, ao setor de atividades administrativas
cuja dinâmica é orientada pelo interesse de toda uma coletividade, em
conformidade com os princípios que regem a forma de governo republicana.
O tema administração no setor público aponta para a importância do
conhecimento acerca da gestão pública na compreensão global da evolução
das sociedades locais, regionais, nacionais e internacionais, enfim, do mundo
em transformação em que vivemos; e cada vez mais interligado. A disciplina
administração no setor público, portanto, foi concebida para tratar de
assuntos que desde o início busca identificar as suas caracterizações mais
evidentes em comparação com a administração no setor privado. Contudo,
não se pretende diferenciar esses dois setores de forma dicotômica, mas de
compreender as formas de interação em que eles são submetidos no curso
real das relações comerciais, industriais e financeiras, por um lado, e das
relações sociais e políticas, por outro, que se verificam entre as civilizações,
nações, uniões monetárias e aduaneiras, coletividades, grupos e indivíduos.
Daí a importância em se compreender o papel que a administração
pública desempenha no controle social, na distribuição de renda, na
prestação de serviços, atos administrativos e legais e na ofertas de bens
coletivos. Esse papel, no entanto, carece de maiores explanações, uma
vez que é necessário situar a administração pública no âmbito sócio-
político do Estado e do governo. Significar dizer que qualquer tentativa de
compreender a administração pública de forma isolada resultará em fracasso
de compreensão de sua dinâmica interdependente em relação ao instituto do
Estado e ao instituto do Governo.
Além do mais, a conjuntura sócio-política e econômica atual do país,
em plena fase de expansão de sua economia, assim como a sua posição como
player global no mercado transnacionalizado, tem compelido o governo federal
a abrir concursos para o preenchimento de cargos vagos e/ou especialmente
criados para dar conta das novas exigências administrativas ditadas pelo
Estado, em resposta às demandas internas e externas da nação brasileira.
Assim sendo, procuraremos retratar o quadro estrutural e funcional da gestão
pública no país, sem perder de vista, no entanto, o momento de transição nos
fundamentos do próprio sistema capitalista e as condições gerais das nações
em vista da grande crise financeira e econômica mundial e seus subsequentes
desdobramentos históricos. O alcance desses objetivos explanatórios
obrigatoriamente passa por uma abordagem eclética, transdisciplinar, que
contemple a articulação entre distintas áreas do conhecimento: a economia
(geral e do setor público), a história, a sociologia, a ciência política, a ciência
administrativa e o direito público interno (constitucional e administrativo).
A título de indicações gerais sobre o assunto em tela, seguem-se
as temáticas gerais que a disciplina em apreço exige, distribuídas em três
unidades, a saber:
Unidade 1 – Fundamentos históricos-conceituais da administração;
Unidade 2 – Fundamentos técnico-operacionais do setor público;
Unidade 3 – Setor Público: gestão pública, políticas públicas e os
desafios da construção da nova ordem social mundial.
UNIDADE 1
11 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS DA ADMINISTRAÇÃO

Conceito de administração............................................................ ..... 11


Falhas do sistema de mercado e o setor público................................ 14
Componentes do setor público: Estado, União, Governo.................. 23
Administração Pública........................................................................ 52
Princípios e poderes da administração pública ................................. 57
Modelos teóricos de administração pública....................................... 63
Síntese................................................................................................ 70
Atividades........................................................................................... 71
Glossário............................................................................................. 71

UNIDADE 2
75 FUNDAMENTOS OPERACIONAIS DO SETOR PÚBLICO

Gestão pública ................................................................................... 75


Financiamento do setor público......................................................... 76
Gestão orçamentária.......................................................................... 80
Perfil do gestor público ...................................................................... 90
A Nova administração pública ............................................................ 91
Síntese ............................................................................................... 96
Atividades .......................................................................................... 97
Glossário ............................................................................................ 97

UNIDADE 3
101 SETOR PÚBLICO: GESTÃO PÚBLICA, POLÍTICAS PÚBLICAS E OS
DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DA NOVA ORDEM SOCIAL MUNDIAL

Gestão pública e gestão privada ...................................................... 101


Políticas públicas ............................................................................ 108
Estado e capitalismo global ............................................................. 106
Síntese ............................................................................................. 119
Atividades ........................................................................................ 119
Glossário .......................................................................................... 120

REFERÊNCIAS ......................................................................... 123


UNIDADE 01
FUNDAMENTOS
HISTóRICOS E
CONCEITUAIS DA
ADMINISTRAÇÃO

objetivos
1. Definição de administração
2. Conceitos básicos da política associados ao setor público
3. Apresentação das justificativas econômicas para a intervenção do Estado no mercado
4. Explicação acerca do funcionamento do poder público na sociedade: a relação dialética entre a
administração pública e os institutos do Estado e do Governo
5. Exposição dos princípios, poderes e modelos da administração Pública Brasileira
Fundamentos Históricos
e Conceituais da
Administração

Conceito de Administração

A pré-condição para a existência do homem em sociedade é o


compartilhamento de regras de conduta, pensamentos e valores, expresso
por aquilo que a sociologia positivista-funcionalista consagrou com o termo
consenso social, inspirado em August Comte. É preciso um acordo prévio
mínimo entre as pessoas em torno da necessidade de construção e estabilidade
de algum tipo de organização social e seu respectivo ordenamento jurídico
– conjunto de regras de convivência social permitidas pela coletividade,
inscrita ou não num documento, ao qual denominamos, em termos modernos,
com o vocábulo Constituição. Podemos encontrar indícios na história das
civilizações humanas de que em todas as formações socioeconômicas algum
tipo de soberania existiu, ou seja, o poder político de uma sociedade que é
exercido por um grupo de elite cujo comando garante a supremacia de uma
autoridade política que quase invariavelmente se reveste do poder religioso.
Um longo trajeto histórico vai ser percorrido pela humanidade até que o poder
político e o poder religioso se dissociem, embora ainda perdurem sociedades
teocráticas, como a República Islâmica do Irã (antiga Pérsia).
Ao nos referirmos à noção de soberania queremos na realidade
focalizar a problemática do controle social da sociedade mediante o
instrumento técnico da gestão. Pois, o exercício dessa soberania depende da
formação de um conjunto de servidores áulicos encarregados do desempenho
de atividades administrativas específicas cujo objetivo é a coordenação das
funções governamentais que, por sua vez, são voltadas para a satisfação
das inúmeras necessidades dos indivíduos em sociedade: segurança interna
e externa, sistema de proteção social, educação, saúde, promoção da

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 11


justiça etc. Para isso, impõe-se a necessidade de arrecadação de tributos,
o planejamento orçamentário, bem como a formulação, implementação e
avaliação de políticas públicas.

Mas, afinal, no que consiste a administração?

É fundamental ressaltar que as explicações acerca da noção de


administração estão indissociavelmente ligadas ao conceito de organização.
Esta pode ser definida como um agrupamento social relativamente permanente
cujos membros compartilham entre si esforços, infra-estruturas e meios
operacionais visando atingir objetivos comuns. A divisão social do trabalho,
na qual cada um dos membros da organização desempenha um papel
específico na realização de seus objetivos, e a coordenação dos esforços,
ao articular papéis funcionais e combinar recursos variados a serviço de um
objetivo em comum, constituem as características mais marcantes de uma
organização. É com base na articulação entre a realização dos objetivos e o
uso racional dos recursos disponíveis, que podemos avaliar se determinada
organização é eficaz ou eficiente. Ela é considerada eficaz apenas sob o ponto
de vista do alcance dos objetivos previamente estabelecidos a titulo de metas
de trabalho. Porém, é sob o ponto de vista do uso correto dos recursos que
uma organização pode ser caracterizada como eficiente. Assim, o diferencial
entre eficácia e eficiência resume-se à comparação da capacidade de uma
organização atingir os melhores resultados operacionais com redução de
custos com aquela que simplesmente atinge seus objetivos operacionais sem
economia de recursos. Logo, é exatamente a preocupação com a eficácia e a
eficiência de uma organização que nos conduz ao conceito de administração,
uma vez que a administração de uma organização consiste em “[...] um
processo de planejar, organizar, dirigir e controlar a aplicação de recursos
humanos, materiais, financeiros e informacionais, visando à realização de
objetivos” (MAXIMIANO, 1985, p. 23; grifo nosso).
Em outras palavras, administrar é tomar decisões no sentido
da definição de objetivos realistas aliado ao uso racional de recursos
indispensáveis para o seu alcance. Mas quais indivíduos ou grupos de
indivíduos são responsáveis pelas tomadas de decisões (os decisores)
referentes tanto aos objetivos quanto ao uso correto dos recursos para
alcançá-los, no interior de uma organização? São aqueles indivíduos que
integram uma bem definida estrutura de poder conforme sua especialidade

12 UNIDADE 01
funcional e capacidade de gestão, independentemente de sua área de atuação
ou nível hierárquico. Trata-se do corpo dirigente ou governante (superiores
hierárquicos), que, por sua vez, implica na oposição corpo dirigido ou corpo
de governados (subordinados).
Tomando como exemplo uma família operária formada de pai, mãe
e um casal de filhos, podemos identificar os pais como o corpo dirigente
e os filhos como o corpo dirigido. Porém, no interior de cada uma dessas
classificações é possível identificar distinção de autoridade, logo, de posição
ou status. Uma variedade de formas de relação de subordinação existe entre
pai e mãe, irmão (homem) e irmã (mulher), irmão mais velho e Irmã mais
nova, com base no poder econômico, no magnetismo pessoal de cada um e
na tradição e costume.
Observa-se nela, uma singela divisão social do trabalho, expresso
por uma acanhada divisão de tarefas, responsável pela manutenção e
estabilidade da organização familiar, em que cada um dos membros exerce o
seu papel conforme a expectativa gerada pelo próprio grupo a que pertence.
Assim, cabe aos pais prover as condições que garantam o bem-estar dos
filhos, assim como a educação e formação cívica, de modo a ampliar o seu
círculo de relações sociais.
Aos filhos, por sua vez, cobra-se o respeito à autoridade dos pais. Ocorre
que no exercício da autoridade familiar os pais se convertem em responsáveis
pela coordenação dos papéis de cada um dos membros da família em torno de
um objetivo comum: a estabilidade sócio-afetiva e a harmonia organizacional,
expresso pelo bem-estar de todos. A família, enquanto organização, para
subsistir necessita interagir com outras organizações na sociedade. Pelo menos
um dos pais precisa arranjar meios de obter o sustento da família. Em troca
deste, vende sua capacidade de trabalho, uma vez que é destituído dos meios
de produção, ou seja, não é proprietário de fábrica, estabelecimento comercial
ou instituição financeira, vivendo exclusivamente de seu salário.
Em termos administrativos, os pais, ao tomarem decisões, cumprem
as funções de planejamento, organização, direção e controle dos recursos
disponíveis de modo a atingir finalidades específicas que assegurem a satisfação
das necessidades familiares – fisiológicas (fome e sede), de segurança
(procriação e proteção contra a carestia), sociais (amor/sentimento de pertencer
a grupos variados, participação social e política), de autoestima (posição
social, reconhecimento e credibilidade) e de autorrealização (maximização de
potencial próprio, enfrentamento de desafios) (MASLOW apud SANTOS, 2003;
SILVA, 2006).

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 13


Falhas do sistema de mercado e o setor público

Essa interação imperiosa entre a organização familiar e o meio


ambiente circundante constitui apenas uma simples ilustração representativa
de milhares de inter-relações entre organizações e meio ambiente. Em suma,
a sociedade é constituída de milhões de organizações interligadas, entre as
quais as mais comuns são as empresas, sejam públicas ou privadas. Nesse
caso, o seu meio ambiente é comumente reconhecido como mercado – de
produto e de consumo, de capitais e de trabalho, de moeda e de títulos ou
derivativos.
No mercado de fatores de produção, as famílias vendem seu único
recurso, a sua força de trabalho (oferta). Em troca, percebem salários que lhes
permitem obter no mercado de bens e serviços os produtos de que necessitam
(demanda). As empresas, por seu turno, adquirem no mercado de fatores de
produção a força de trabalho necessária à produção de mercadorias, que são
vendidas no mercado de bens e serviços. Essa relação de interdependência
representa, em termos econômicos, o fluxo real da economia, que só pode
ser operacionalizada graças à mediação exercida pela moeda, isto é, ao fluxo
monetário da economia – remunera-se os fatores de produção e paga-se os
bens e serviços mediante o uso de dinheiro.
Em síntese, a fusão entre o fluxo real e o fluxo monetário da
economia origina o chamado fluxo circular de renda. O preço tanto dos
fatores de produção (os salários das famílias, no nosso exemplo) quanto
dos bens e serviços dependem das forças da oferta e da demanda. E uma
vez que inclua somente demandas e ofertas de famílias e empresas, o fluxo
circular de renda é denominado por fluxo básico. Ao incluir, também, o setor
público nas transações acima descritas, temos o chamado fluxo completo
(tributos e gastos públicos, operações no mercado de câmbio, exportações
e importações, balança de pagamentos etc.). É esse fluxo completo que
nos permite entender melhor os termos da relação dinâmica entre o setor
público ou governo (primeiro Setor), as empresas privadas (segundo setor)
e as famílias (terceiro Setor) no mundo da economia real. Desse modo,
cabe, respectivamente, a cada um desses setores um modo particular de
expressão: arrecadação de tributos, realização de pagamentos ao setor
privado e transferências de recursos (governo/órgãos setoriais); realização
de pagamentos de tributos, realização de poupança para reinvestimentos
e realização de pagamentos aos fatores de produção (mercado/empresas);

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realização de consumo de bens e serviços, realização de poupança doméstica
e realização de pagamentos de tributos (sociedade/famílias).
Na Inglaterra do século XVIII, Adam Smith (1723-1790), principal
representante e criador da escola clássica e da própria Economia, contribuiu
para divulgar as idéias liberais do laissez-faire, laissez-passer (deixar fazer,
deixar passar). Em seu repúdio à interferência do setor público sobre as
atividades empresariais, fazia apenas algumas concessões à intromissão do
poder público no mercado quanto: à administração, à justiça, aos serviços
públicos, à defesa nacional e à manutenção da soberania do país, assim
como à toda empreitada que não fosse lucrativa para os donos de empresas
privadas, mas que deveriam se constituir em empreendimento do setor
público devido a sua importância para a sociedade em geral.
Tais ideias de cunho neoliberal tinham por objeto a crença na
capacidade de autorregulação do mercado, fundado na defesa da liberdade
e na crença no individualismo, em que, motivados por um egoísmo natural,
os empresários tendem a buscar vantagens ou benefício pessoais. Em assim
fazendo, eles concorrem para a estabilidade e manutenção da sociedade
via mercado. O que os motivam é o desejo de auferir lucro. Ao persegui-
lo, promovem a harmonia social. Esta forma de pensar expressa a base
teórica da escola econômica clássica, e que se escora nos pressupostos da
“harmonia de interesses” e da ordem natural e providencial – a “mão invisível”
do mercado.
Concepções e intenções que a vida moderna dos grandes centros
urbanos e os desafios trazidos por ela trata de desmoralizar, demonstrando
a importância do setor público para o exercício das funções de alocação de
recursos (nas situações em que o mecanismo de ação privada (sistema de
mercado) mostra-se ineficiente: investimentos em infra-estrutura econômica
e provisão de bens públicos (rodovia, iluminação, segurança nacional),
bens meritórios ou semi-públicos (educação, saúde e desenvolvimento)),
de distribuição da renda e da riqueza (redistribuição de renda cujo
processamento se verifica mediante transferências, impostos e subsídios
governamentais; o orçamento público constitui o mais importante instrumento
para a concretização das políticas públicas de distribuição de renda), e de
estabilização econômica (emprego de instrumentos de política econômica
(juros, taxas de câmbio, impostos e gastos públicos em geral) visando à
promoção e manutenção de elevado nível de emprego, da estabilização dos
níveis de preços, do equilíbrio da balança de pagamentos e de expressiva

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 15


taxa de crescimento econômico, em face da eventual incapacidade do
setor privado em dar conta de tais objetivos, no processo de autorregulação
do mercado), objetivos indispensáveis à política orçamentária de qualquer
governo, segundo Musgrave (apud RIANI, 2002).
Embutidas em tais pressupostos, encontra-se a ideia da situação
ótima do mercado ou mercado perfeito, que se refere a uma situação em que
os bens e os recursos no mercado são perfeitamente alocados - em economia,
dá-se o nome de Teoria do Equilíbrio Geral. Originalmente elaborado por
Léon Walras (1834-1910), no século XIX, o conceito de teoria do equilíbrio
geral mais tarde foi desenvolvido por Vilfredo Pareto (1848-1923), passando
a ser conhecido também como Ótimo de Pareto. Trata-se de uma tentativa
de justificar a desnecessidade da intervenção do poder público (Estado e/ou
Governo) na economia, uma vez que a livre concorrência levaria ao perfeito
funcionamento do mercado, logo, de seu equilíbrio. Acontece, contudo, que
esse modelo de equilíbrio geral apresenta problemas ao ser aplicado no
mundo da economia real, já que ele fracassa em garantir a maximização e
a eficiência da alocação de recursos no mercado e, consequentemente, o
bem-estar da sociedade. É aqui que nos defrontamos com a presença do
setor público no sistema de mercado, graças às falhas deste na obtenção
da produção ótima de bens e serviços via setor privado. São exatamente
tais falhas que permitem a intervenção do setor público no mercado, visando
garantir a satisfação das necessidades da sociedade.
Uma vez que o Ótimo de Pareto não é alcançado em virtude de que
no mercado não existe concorrência perfeita, o setor público é obrigado a
intervir na alocação de recursos, paralelamente à atuação do setor privado,
como via de superação das falhas do sistema de mercado no alcance de uma
situação ótima. Pelo menos quatro características da economia real podem
ser destacadas para demonstrar as dificuldades do sistema de mercado em
garantir o equilíbrio na oferta e demanda de bens e serviços na sociedade,
a saber: indivisibilidade do produto, externalidades, custo de produção
decrescente e mercados imperfeitos, riscos e incertezas na oferta de
bens.
Como primeira característica do mundo da economia real que justifica
a intervenção governamental, em função das próprias falhas do mercado
enquanto agente distributivo e autorregulador, temos a indivisibilidade do
produto. Ela se refere à situação em que a produção e a oferta de determinados
bens e serviços por parte do setor privado é economicamente inviável ou

16 UNIDADE 01
proibitiva (custos de produção mais elevados do que as expectativas de lucro).
Mas, como a sociedade necessita de tais bens e serviços, e o setor privado
não tem interesse em produzi-los e ofertá-los, caberá tal responsabilidade
ao setor público. Quando este último, então, se encarrega de produzi-los
e ofertá-los para todos os indivíduos, independentemente daqueles que
têm condições de pagar por eles, chamamos a tais bens e serviços de
bens públicos puros (bens sociais, coletivos ou indivisíveis). Assim são
denominados devido ao fato de que os seus preços não são formados através
do sistema de mercado. Logo, a eles não se aplica o direito de propriedade
nem o princípio da exclusão, e por essa razão são caracterizados como bens
não exclusivos. Isto é, o seu consumo por vários indivíduos não implica na
diminuição da quantidade de consumo para os demais nem no impedimento
de consumo por parte do consumidor, seja ele rico ou pobre.
Além do mais, os bens públicos também são caracterizados
como bens não rivais – o aumento de consumo pelos indivíduos não tem
influência no aumento dos custos de produção. É o caso da defesa nacional.
Somente o Estado tem condições de arcar com o custeio das operações
de segurança nacional, e o crescimento vegetativo da população não se
traduz necessariamente em aumento de despesa para o erário público. Os
indivíduos, por sua vez, não têm renda suficiente para arcar com tal serviço,
ou mesmo não estaria disposto a pagar para obtê-lo.
Os bens privados (econômicos ou visíveis), por sua vez, em oposição
aos bens públicos, são exclusivos e rivais. São exclusivos por que a eles
se aplica o direito de propriedade (os bens ou serviços adquiridos pelos
indivíduos mediante o pagamento de um preço qualquer lhes asseguram a
propriedade destes) e o princípio de exclusão (a carência de dinheiro para a
aquisição de bens e serviços exclui os indivíduos no mercado).
Além do mais, seus preços são fixados pelo sistema de mercado,
sendo chamados de bens privados puros quando a iniciativa privada constitui
a única fornecedora desses bens. Ocorre o mesmo com os bens públicos
puros, assim considerados por terem como seu único fornecedor o setor
público. De modo que cada vez mais assistimos no âmbito do mercado a
concorrência entre bens privados e bens públicos. Quando o setor privado
e o setor público ofertam no mercado, simultaneamente, serviços tais
como a educação e a saúde, por exemplo, temos, em ambos os casos,
respectivamente, os chamados bens privado impuros e bens públicos impuros
– são também chamados de bens mistos. Enfim, o que determina se os bens

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 17


e serviços ofertados na economia são considerados puros é a exclusividade
em sua oferta por um ou outro setor isoladamente.
Como podemos depreender, a partir do conteúdo explicativo
acima exposto, o conjunto de empresas que fornecem os suprimentos,
equipamentos, máquinas e serviços no mercado (a simples quitanda, a feira,
os supermercados, os shopping centers) somente o fazem porque em troca
do que a ele destinam percebem uma compensação racionalmente visada – o
lucro, sob a forma de dinheiro. Parte deste será transformado em capital, à
proporção que essa parte ou excedente do lucro for reintroduzida no ciclo de
produção econômica – produção, distribuição, comercialização e consumo
(investimento planejado ou formação bruta de capital fixo).
Os estudos relativos à implementação do Plano Nacional de Banda
Larga pelo Governo atual são um indicativo da necessidade da atuação
governamental de maneira a suprir as carências de informação e educação
da sociedade, além de ser instrumento de viabilização de procedimentos
administrativos cujo escopo é a aceleração da ação do poder público na oferta
de atos legais e administrativos; sem o auxílio do Governo não se garante a
universalização da internet rápida no país, com a brevidade e a celeridade
requeridas pelo desenvolvimento nacional. Assim, quando a satisfação das
carências da sociedade não é plenamente realizada pelo setor privado, devido
ao fato de a relação de custo-benefício ser economicamente inviável para as
empresas, criam-se lacunas de oferta. Ora, é exatamente para preencher tais
lacunas que surge o setor público enquanto produtor de bens públicos puros,
ou impuros; e a existência destes últimos está relacionada à impossibilidade
(ou fracasso) de o sistema de mercado em dar conta das demandas por bens
e serviços por parte da sociedade.
As externalidades se apresentam como uma das características
da economia real que justifica a intervenção do poder público no mercado.
Ocorrem nas situações em que as atividades produtivas desenvolvidas
pelas empresas resultam em perdas ou ganhos nas atividades de outras
empresas. Trata-se dos efeitos internos e externos inerentes à ação das
empresas no mercado. Um estado de calamidade pública decorrente de um
desmoronamento de uma barragem de uma fábrica de fertilizantes contendo
dejetos ou resíduos químicos de grande poder de corrosão e contaminação
de mananciais e de rios, tornando-os inadequados para o consumo humano,
e mesmo industrial, é um exemplo bem simples do que é externalidade
negativa.

18 UNIDADE 01
O fenômeno das externalidades negativas constitui um produto,
esperado ou não, da operação de uma cadeia (ou rede) de atividades
produtivas que extrapolam os mecanismos de controle de segurança,
gerando consequências ambientais nefastas que atingem o nível de bem
estar da população. Como o acidente tende a provocar prejuízos ecológicos,
econômicos, de saúde pública etc., e a responsabilidade pelo prejuízo
é imputada à empresa poluidora, esta pode fraquejar diante da perda de
patrimônio e preferir furtar-se às suas responsabilidades. É neste contexto
que intervém o Governo, em nome do Estado (União, Estados, Distrito
Federal ou Municípios). E para isso lança mão do poder de polícia, ou seja,
da prerrogativa constitucional de ação coercitiva, fiscalizadora e investigativa,
baseado no princípio da legalidade. A pré-condição para a ação incisiva e
legal do Estado no sentido de coibir práticas e condutas de risco é a vigência
de legislação ambiental que tipifique e discipline os casos de transgressão às
suas cláusulas.
A economia de escala determina a redução dos custos de produção
dos bens e serviços, resultando na aplicação da alta tecnologia articulada
à especialização e à divisibilidade (produção de bens privados puros que
são rivais e exclusivos, pois a ela se aplicam tanto os direito de propriedade
quanto o princípio de exclusão: o consumo simultâneo de vários indivíduos
implica na redução da quantidade disponível de consumo para terceiros e na
majoração dos custos dos bens e serviços consumidos).
Assim, as empresas que obtém ganhos de produtividade em função
da adoção de novas tecnologias conseguem decréscimos nos custos de
produção dos bens e serviços demandados pela sociedade, levando à
concentração do mercado. A concentração do mercado, por sua vez - seja
enquanto monopólio/monopsônio (um único vendedor/um único comprador)
ou oligopólio/oligopsônio (poucos vendedores /poucos compradores) -, leva à
exclusão das empresas que não conseguiram se manter no mercado, ou seja,
à sua falência. Mas como o mercado é imperfeito, a ingerência do poder
público no sentido da sua regulação é inteiramente justificável, pois busca
impedir, através de mecanismos legais associados ao direito econômico, que
haja uma competição selvagem entre os agentes econômicos e financeiros.
No Brasil, é o caso do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, do
Ministério da Justiça – CADE/MJ, por exemplo, ao examinar e emitir parecer
acerca da efetivação de fusões, aquisições e joint ventures de empresas. A
sua função no sistema econômico é orientar, fiscalizar, prevenir e apurar os

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 19


abusos do poder econômico, agindo como instituto de tutela à prevenção e
à repressão dos referidos abusos; e o faz em respeito ao princípio da livre
concorrência, que o próprio CADE assim define:

O princípio da livre concorrência está previsto na


Constituição Federal, em seu artigo 170, inciso IV e
baseia-se no pressuposto de que a concorrência não pode
ser restringida por agentes econômicos com poder de
mercado. Em um mercado em que há concorrência entre
os produtores de um bem ou serviço, os preços praticados
tendem a se manter nos menores níveis possíveis e as
empresas devem constantemente buscar formas de se
tornarem mais eficientes, a fim de aumentarem seus
lucros. Na medida em que tais ganhos de eficiência
são conquistados e difundidos entre os produtores,
ocorre uma readequação dos preços que beneficia o
consumidor. Assim, a livre concorrência garante, de um
lado, os menores preços para os consumidores e, de
outro, o estímulo à criatividade e inovação das empresas
(www,cade.gov.br; Conceitos Básicos).

Os riscos e incertezas na oferta de bens verificados no âmbito do


mercado capitalista rechaçam a utópica crença na capacidade do sistema de
economia de mercado de, por si mesmo, determinar as exatas quantidades
de bens e serviços em relação à demanda por eles, o chamado Ótimo de
Pareto, como vimos lá atrás.
Há uma diversidade de características do fluxo real da economia no
mundo empírico que assinalam as situações em que a produção ótima dos
bens econômicos – o Ótimo de Pareto – não se realiza, a saber: ausência
de conhecimento perfeito associado aos riscos do mercado por parte de
vendedores e compradores (efeito: indisposição do mercado em produzir
bens econômicos apesar de eles serem necessários e desejáveis); mobilidade
deficiente dos recursos; dificuldade das firmas em calcular adequadamente
suas perspectivas quanto à maximização dos lucros (incerteza quanto à
lucratividade de certas atividades); assim como a escassez de certos recursos
produtivos, tal como os recursos naturais. Eis explicitados, pois, alguns dos
muitos obstáculos à produção ótima de Pareto. Bem se constata como a
intervenção do Governo na economia é necessária, uma vez que fornece
o suporte legal, político, jurídico, administrativo, financeiro e econômico da
estrutura da sociedade.
As áreas de jurisdição entre o setor público e o setor privado
nem sempre são bem demarcadas. O sistema econômico cada vez mais

20 UNIDADE 01
globalizado em que vivemos é descrito como sistema capitalista global –
ou modo de produção capitalista, ou mesmo formação socioeconômica
capitalista –, que, por sua vez, é fundado nos direitos de propriedade e no
livre mercado.
Assim sendo, numa economia de livre mercado o grosso da oferta de
bens e serviços aos consumidores no mercado de consumo é realizado pelas
empresas do setor privado. No entanto, dada a complexidade da produção
econômica, o setor público logo é convocado para influir no jogo livre do
mercado, devido a uma série de distorções operacionais, concorrenciais e
distributivas que se manifestam na sociedade. E quando busca influir na
atividade econômica, de modo a impulsioná-la, o faz a partir das seguintes
funções governamentais: produção de bens e serviços públicos; promoção
do desenvolvimento socioeconômico; redistribuição da renda e da riqueza
nacional; estabilização da atividade econômica; e regulamentação e controle
da atividade econômica.
A economia do século XX tem como uma de suas características mais
destacadas o crescente aumento das despesas públicas. Várias correntes
do pensamento econômico dedicaram-se ao tema das despesas públicas e,
por extensão, ao tema do aumento da participação do Estado na economia.
Adolf Wagner, economista alemão, por ocasião da década de 1880, elaborou
a Lei do Crescimento Incessante das Atividades Estatais, cujo enunciado
básico expõe que à proporção que o nível de renda dos países industrializados
cresce, o setor público, por seu turno, cresce a taxas incomparavelmente mais
altas, de sorte que a participação relativa do Governo no sistema de mercado
cresce à medida em que é incrementado o ritmo de crescimento da economia
nacional. A supracitada Lei, também conhecida como Lei de Wagner, foi
comprovada por Richard Bird, que distingue três causas determinantes
da tese postulada por Wagner com relação ao crescimento das despesas
públicas, a saber: o crescimento das funções de administração e de
segurança; as crescentes demandas por um maior nível de bem-estar
social, com destaque para a educação e para a saúde; e maior intervenção,
direta e indireta, do Governo, no âmbito do processo produtivo.
O crescimento das despesas do setor público é resultante do
aumento das intervenções governamentais no sistema de mercado,
concebidas de modo a prevenir eventuais excessos de monopolização de
algumas parcelas do setor privado. Assim, a amplitude da ação do Estado
na economia serve como um eventual antídoto à concentração do mercado,

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 21


maximizando a concorrência entre as empresas (públicas e privadas), de
maneira a disponibilizar aos consumidores um maior leque de escolha frente
à diversidade dos produtos ou mercadorias produzidos pelas empresas.
Musgrave e Musgrave (apud GIACOMONI, 2007) seleciona alguns
fatores explicativos para a emergência da profusão das funções do Estado
na economia: crescimento da renda per capita associado ao aumento da
demanda por bens e serviços públicos; mudanças tecnológicas; mudanças
populacionais; custos relativos dos serviços públicos; mudança na cobertura
das transferências; disponibilidades de alternativas para a tributação; efeito
limite e finanças de guerra; e fatores políticos e sociais.
Uma vez debatidas as causas do crescimento constante das despesas
públicas, com a consequente proliferação das funções do Estado, convém
agora explicitar o impacto das compras governamentais sobre a economia
como um todo. De antemão, sabe-se que o Governo detém o controle direto
sobre o nível da tributação e das compras públicas. Assim, o emprego
dos tributos e dos gastos públicos como instrumentos da regulação das
atividades econômicas é denominada de política fiscal – o mais importante
instrumento de política do setor público, cuja atuação busca assegurar um
razoável nível de estabilização econômica e de emprego. Dependendo
das necessidades de expansão ou contração da economia, a política fiscal
manifesta-se como um movimento anticíclico com fins de controle do nível
da renda. Assim, no primeiro caso, a política fiscal é aplicada para expandir
o nível de renda através dos seguintes procedimentos macroeconômicos:
aumento dos gastos governamentais, diminuição dos tributos e o emprego
concomitante e combinado de tais instrumentos. No segundo caso, a política
fiscal, ao ser confrontada com a pressão inflacionária, comanda uma política
de contração da renda, mediante a diminuição dos gastos governamentais,
a majoração dos tributos e o emprego concomitante e combinado desses
mesmos instrumentos.
Em suma, os dispêndios ou gastos públicos constituem o segundo
componente da política fiscal, ao lado da função tributação; revelam-se como
o principal instrumento de execução das políticas governamentais; e perfilam-
se como um poderoso instrumento de estabilização, a curto prazo, dos níveis
de renda e do emprego. Logo, a sua manipulação pelo Governo é altamente
estratégica. Mais adiante (Unidade 2) trataremos do tema tributação.
O setor público é estranho às motivações e à lógica das relações
comerciais, porém é visceralmente ligado ao poder político e seus princípios

22 UNIDADE 01
de base: legitimidade política e legalidade jurídica. Assim, o Estado é a
instância do poder soberano; o Governo, a instância de planejamento e
decisão estratégicos; e a Administração Pública, a instância de execução e
planejamento tático e operacional das diretrizes governamentais, sejam elas
políticas de Estado ou políticas de Governo. É o que veremos a seguir.

Componentes do setor público: Estado, União, Governo e Administração


Pública

A política é o fundamento da existência humana. Esta é plural e


expressa um modo de ser particular que se realiza através da convivência
social, sobretudo através da ação coletiva de satisfazer certas necessidades
(necessidades fisiológicas de alimentação, de segurança, sociais, de auto-
estima e de auto-realização) e interesses, ou seja, da ação de busca pelas
condições materiais e espirituais de existência, que é totalmente coletiva e
somente é concretizada através da colaboração entre os indivíduos, grupos
e coletividades. Nesse sentido, a existência humana ‘termina’ por ser o
fundamento da política. Mas em que medida a inversão dessa proposição é
tão verdadeira quanto à original? Na medida em que elas se retroalimentam
ao formar uma relação de auxílio-mútuo (relação simbiótica). Ou seja, na
medida em que ação política e existência humana se equivalem e se implicam,
pois desenvolver uma é desenvolver a outra. Mas o que é política? Qual é o
elemento central do fenômeno político?
O conceito de política é diverso, mas tem um suporte comum: a
existência do fenômeno social do poder. Para uns, a Política é o conjunto
das relações de poder que os indivíduos, grupos e coletividades inteiras
desenvolvem no curso de uma competição permanente por bens e serviços
escassos, propriedades, riquezas materiais, posição social, prestígio, honra
etc. Porém, tal conjunto de relações de poder se desenvolve - às vezes de
forma precária - sob o signo da ordem e do poder estabilizado (autoridade:
dos pais, sacerdotes, agentes do Estado etc.).
Logo, a política tem um fim mínimo, a saber, a manutenção da ordem
pública interna e a proteção territorial em relação aos demais Estados
nacionais. Para outros, como para Smith (apud MARRAMAO, 1995), a política
diz respeito à relação amigo/inimigo, em que tudo se resume na dinâmica de
agregar e proteger os amigos e desagregar e combater os inimigos. Assim, a
política abrange a arena em que se desenvolve a oposição entre grupos, os
chamados conflitos antagonísticos.

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 23


O poder é a questão central da política. Ao tê-lo como foco, a política
promove o estudo da capacidade que tem alguns atores individuais, coletivos
ou institucionais de impor sua vontade a terceiros. E parte dessa capacidade
de submeter vontades individuais ou coletivas resulta da diferença entre ter
ou não ter propriedade. Daí decorre, também, a distinção entre governantes e
governados, reis e súditos, até finalmente chegar à dicotomia contemporânea
autoridades e cidadãos, cujo critério de construção baseia-se na cartilha
político-constitucional de deveres e obrigações (a Lei), assim como a idéia
de dominação do homem pelo homem.
Desse modo, a principal temática das obras humanas associada à
vida política é aquele das relações assimétricas de poder entre o Estado
e a sociedade, em que o primeiro detém a supremacia sobre o segundo.
Paradoxalmente, mesmo o próprio poder e seu exercício têm de ser
submetidos às leis e aos costumes das nações. E é exatamente a natureza
desse poder que perpassa o Estado, a União, o Governo e a administração
pública que interessa à nossa disciplina.

Conceitos preliminares

Para fins de apresentação desta unidade, convém introduzir alguns


conceitos preliminares que são centrais na compreensão dos fenômenos
políticos institucionais que ordenam a ativação dos papéis do Estado, do
Governo e da administração pública. São o que podemos chamar de
categorias analíticas, ou seja, instrumentos teóricos que se apresentam sob
a forma ideal-típica e que é construída a partir da seleção das principais
características dominantes de algo que se pretende definir. São os pares:
consenso e conflito, força e poder, autoridade e dominação, legitimidade e
soberania. Estes conceitos terminam tendo ponto de contato ou conteúdo
comum. Resta-nos identificar, no entanto, os princípios que regulam a
pertinente relação entre eles.

24 UNIDADE 01
Stock.XCHNG
Nem sempre o poder se manifesta claramente. No mais das vezes o poder
é latente, oculto. A imagem acima alude à manipulação das pessoas como se estas
fossem marionetes (fantoches), que são animadas e por cordões (visíveis e invisíveis)
que prendem às pessoas (através de influência, chantagem, opressão etc.) de modo
a induzir-lhes a adoção de certos comportamentos dirigidos (condutas ou atitudes
impostas uns aos outros, institucionalmente ou não).

A dupla consenso/conflito equivale à dupla acordo/desacordo. Elas


representam dois momentos sociais distintos: o da convergência de pontos
de vista e interesses, fundamento de estabilidade da vida em grupo (coesão
grupal); e seu oposto, o da divergência, fundamento de mudança da vida
coletiva (desagregação de institutos, costumes, valores). O consenso baseia-
se em processo sociais associativos, tais como a cooperação (condutas de
auxílio-mútuo), a acomodação (predisposição a seguir regras) e a assimilação
(conscientização de valores e concepções morais típicos da cultura de uma
dada sociedade). O conflito, por seu turno, baseia-se em processo sociais
dissociativos, tais como a oposição (cisão de interesses) e a competição
(concorrência pelos bens escassos na sociedade), que, levada às últimas
conseqüências, pode resultar num fenômeno de ruptura de tecido social e
subseqüentes desdobramentos em cadeia.
No geral, o que se observa é a combinação e/ou alternância desses
momentos no próprio seio da sociedade – momentos de consenso são
combinados e alternados com momentos de conflito, como num pêndulo. Mas
existem os consensos de base, tais como o consenso explícito de uma nação

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 25


em torno do direito de governar segundo os limites constitucionais.
É nessa busca de equilíbrio da relação dialética consenso/conflito
que somos confrontados com o fenômeno do poder e seus subprodutos (a
construção da ordem social, econômica e política; regulação de conflitos
entre os grupos de interesse, regime de circulação das elites etc.). O poder,
enquanto fenômeno político típico da ação humana, somente existe e se
mantém no curso das relações sociais gerais que se estabelecem entre
os indivíduos, e que vão se ampliando a ponto de constituir uma rede de
relações sociais ou rede social. Em cada uma dessas relações é possível de
se constatar manifestações do poder. São as chamadas relações de poder:
entre marido e mulher, entre pai e filho, entre dois adversários, entre professor
e aluno, entre sindicatos patronais e laborais, entre os partidos políticos etc.
Força significa o uso de meios que nos permitam influenciar a conduta
de outrem. A força é a canalização da potência (algo potente em suspenso);
é o fator que determina esta última. A força é um componente que pode ou
não ser acionado por ocasião do exercício do poder, seja privado ou público,
institucional ou não.
O poder, por seu turno, não é tangível e encontra-se distribuído por
várias arenas e sítios da estrutura da sociedade. Mas é sentido e percebido
como algo dinâmico que de algum modo impacta positiva ou negativamente
os indivíduos em interação rumo à persecução de objetivos estratégicos. E o
lugar mais apropriado para acomodar e perseguir tais objetivos estratégicos,
de modo a demonstrar como o poder é operacionalizado, é a organização,
particularmente aquelas de natureza governamental. Stock.XCHNG

O exercício do poder, ao desenvolver-se no seio de uma realidade social,


econômica, política e cultural, deixa-se transparecer como um jogo, cuja movimentação

26 UNIDADE 01
dá-se segundo regras sócio-históricas específicas e seu objetivo é controlar e regular a
disputa pelos bens escassos (riqueza e/ou renda) na sociedade. Daí que a busca pelo
poder somente existe em função da valorização, quase invariavelmente excessiva, de
tais bens escassos.

A respeito do fenômeno do poder, Weber (1991, p. 33; grifo nosso)


formula uma definição bem precisa e completa: “Poder significa toda
probabilidade [ou oportunidade] de impor a própria vontade numa relação
social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa
probabilidade [ou oportunidade]”. Esse fundamento de probabilidade, ou
de oportunidade, significa os meios (econômicos, financeiros, psicológicos,
emocionais, coercitivos etc.) de que se dispõe para impor uma vontade
específica a terceiros. O que importa nesse caso é a eficácia do poder como
elemento regulador de vontades.
O poder, para Foucault (2000), encontra-se disseminado por todo
o tecido social, na condição de uma forma de exercício que flui entre os
indivíduos, ao contrário do que propugnava as abordagens clássicas da
Ciência Política, que centrava no Estado o melhor de suas análises acerca
do poder – a vinculação do fenômeno do poder ao Estado. Logo, para ele,
poder e Estado não são sinônimos. O poder não é um objeto, uma coisa,
mas uma relação, algo que se exerce e que funciona. Por isso dizemos que o
poder é um fenômeno sócio-político que somente existe num meio social de
desigualdade em termos de capital político.
Em termos espaciais, o poder situa-se no centro (instituições políticas)
e na periferia (relações de poder vigente em quase todas as relações
sociais), no âmbito macro (as grandes organizações do Estado, as relações
Estado/sociedade civil, as relações internacionais, o mercado mundial etc.)
e no âmbito micro (as pressões sociais pela realização de políticas públicas
em conformidade com suas reivindicações por recompensa; as relações de
trabalho no chão da fábrica ou no interior de um organismo governamental,
por exemplo). Mas aqui o que nos interessa é o poder associado ao Estado,
ao Governo e à administração pública, logo, considerar o poder a partir do
centro e no curso de uma análise estrutural (macro perspectiva).
É nesse ponto que os fenômenos associados ao poder desembocam
nos conceitos de autoridade e de dominação. A autoridade é um atributo
institucional que supõe a dominação, posto que o subalterno, sob o comando
daquele que se situa em posição hierárquica superior, vê-se obrigado ao
exercício de suas funções administrativas. É a essa relação administrativa

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 27


entre chefia e subalternidade no cumprimento de seus deveres legais que
nomeamos por atividades puramente administrativas. Porém, qualquer ato
praticado por um agente público no curso de suas atividades administrativas
regulares é classificado como ato de autoridade – uso do poder institucional
para fins exclusivamente administrativos ou associados a cargos, serviços e
atividades públicas e privadas praticado por pessoa investida de parcela do
poder do Estado.
O conceito de dominação se confunde com o de poder e o de
autoridade exatamente porque o tema de que tratam (relações políticas) é,
por definição, polissêmico e limítrofe. O próprio Weber (1999) chega a utilizar
em alguns contextos explicativos o conceito de dominação como sinônimo
do conceito de poder, isto é, a dominação enquanto “sentido muito geral de
poder” ou “um caso especial de poder”. O mesmo se aplica a uma diversidade
de estudiosos (LEBRUN,1983; STOPPINO, 2000). De resto, a dominação
(herr = dominus = “senhor”) é definida como “a probabilidade de encontrar
obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas
pessoas indicáveis” (WEBER, 1999, p. 33).
Weber concebe dois tipos radicalmente antagônicos de dominação
– a dominação em virtude de uma constelação de interesses (mercado) e a
dominação em virtude da autoridade (Estado e/ou família). O primeiro tipo
radical, extremado, em sua forma mais pura, é representado pela dominação
monopolista no mercado (um único produtor, um único comprador ou um
único vendedor). Em tal circunstância de domínio de mercado, destituído
de concorrência, no qual pratica o controle artificial dos preços, qualquer
entidade com fins lucrativos (segundo setor) passa a exercer uma influência
dominadora, no sentido de impor preços aos consumidores, por exemplo. O
tipo de dominação em função da autoridade, por sua vez, está associado ao
poder de mando e ao dever de obediência, e seu tipo mais puro é o poder do
chefe de família ou da autoridade administrativa. Mas o que interessa a Weber
(1999, p. 191; grifo do autor), conhecido como o teórico da burocracia, e aos
propósitos deste estudo, é o conceito de dominação como “[...] idêntico [...]
ao poder de mando autoritário”, e não ao “poder condicionado por situações
de interesses”, típico das relações verificadas no mercado. Em outros termos,
impõe-se como meta disciplinar o emprego do tipo de dominação compatível
com a estrutura de dominação racional-legal ou burocrática, a que Weber
designa como dominação em virtude da autoridade, particularmente a
autoridade administrativa, que, no exercício de suas funções públicas, se
reveste de parcela do poder público. Afinal, “toda dominação manifesta-se

28 UNIDADE 01
e funciona como administração” (Ibidem, p.193) e toda administração para
ser eficaz necessita que alguém detenha o poder e exerça uma dominação
efetiva.
A dominação é um processo social que consiste na imposição de
vontades de um ou mais indivíduos sobre um ou mais indivíduos, de
modo a submetê-los pacificamente, ou, no limite, mediante o uso da força,
como é o caso da associação de dominação designada por weber como
associação política, cujo quadro administrativo detém o monopólio legítimo
do constrangimento físico em sua atuação institucional, uma vez que se faz
referência a uma “empresa com caráter de instituição política”, ou seja, trata-
se do Estado.
No que respeita à identidade entre dominação e autoridade, seu ponto
em comum é a noção de poder, e a diferença entre elas não é de grau (como
se uma fosse superior à outra), mas de dinâmica (o modo de ser do exercício
efetivo do poder no instante fugidio de seu uso empírico) e de racionalidade,
de caráter formal (além da competência ou qualificação compatível com o
cargo nos quais indivíduos, mediante concurso público, tomam posse, mas
não se apodera deles); refere-se, também, ao poder estabilizado na figura da
autoridade que gere, por exemplo, um centro de competência especializado,
ou órgão administrativo, formalmente instituído e mantido.
Quanto à parecença da noção de autoridade com a noção de poder,
somente nos resta dizer que a autoridade é uma prerrogativa de domínio
formal na administração pública, enquanto que o poder é um atributo de
domínio informal que se estabelece no jogo do contato entre os indivíduos no
curso de suas atividades administrativas. Não se esquecendo, no entanto, que
esse jogo de contato, ou de interesse, não é apenas regulado pela estrutura
de normas dos regimentos, estatutos e textos constitucionais (racionalidade
formal), mas também pelo magnetismo da atração e da simpatia mútuas e
pela identidade de sentimentos de pertença (racionalidade substantiva),
Em geral, a legitimidade é derivada do consenso manifesto
representado pelo apoio das massas eleitorais. Por essa razão a legitimidade
constitui um atributo do Estado que se baseia na construção política de
um consenso, fator indispensável à garantia da obediência (momento do
consenso), independentemente do uso da força (momento da coerção).
Desse modo, “a crença na legitimidade é, pois, o elemento integrador na
relação de poder que se verifica no âmbito do Estado” (LEVI, 2000, p. 675).
Ela supõe necessariamente a noção de governabilidade. A soberania, por

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 29


sua vez, é uma condição política que supõe a autodeterminação dos estados
nacionais. Sob o ponto de vista jurídico-político, o conceito de soberania é
de exclusividade dos Estados nacionais, sejam eles unitários ou federais (a
União). E em contraponto, temos o conceito de autonomia. Logo, à União
cabe a soberania indispensável para representar o Estado federal na
celebração de tratados ou acordos internacionais; aos estados federativos ou
subnacionais, resta apenas a prerrogativa da autonomia, dentro dos limites
legais inscritos na Constituição Federal.
Concluindo essa tarefa didático-pedagógica relativa a conceitos por
demais úteis na apresentação do conteúdo da disciplina em apreço, convém
precisar que todos esses pares de conceitos oscilam, ou orbitam, em torno
do par principal: força e poder. Logo, é com referência à noção de poder que
Weber (1999) classifica os tipos puros de dominação e/ou de autoridade. E
os designam como tipos puros devido ao fato de que em nenhuma sociedade
histórica, empírica, se verifica com exclusividade um desses tipos. É mais
provável que haja o predomínio de um sobre os outros, sobretudo nas
sociedades contemporâneas, que adotam o modelo racional-legal. Assim,
a estrutura de poder se fundamenta nas seguintes formas de autoridade/
dominação legítima:

• tradicional – lastreado na crença na “santidade da tradição vigente”,


assim como na legitimidade de agentes que representam a autoridade
tradicional, em função de tais tradições, enquanto fonte de poder. Neste tipo
de dominação tradicional a obediência é destinada “à pessoa do senhor”
indicada pela tradição, graças ao apreço pelos costumes;
• carismática – apoia-se na crença nas qualidades extraordinária de
uma pessoa ao qual se deposita uma confiança mobilizadora, assim como
às ordens por ela instituída, cuja novidade termina por ser a fonte de seu
poder. No âmbito da dominação carismática, a obediência é devida ao líder
carismático, graças à confiança que seus seguidores depositam em suas
qualidades extraordinárias;
• racional-legal – funda-se na crença na legitimidade tanto das ordens
estatuídas (ordenamento jurídico) quanto do direito de mando dos agentes
nomeados em função de tais ordens para o exercício da dominação legal.
Trata-se de uma forma de autoridade/dominação que se ampara no imperium
da Lei, que é sua fonte de poder, e que disciplina os direitos e garantias
fundamentais de administrados e às obrigações e deveres do próprio Estado.

30 UNIDADE 01
Como se trata de uma dominação alicerçada em estatutos (racionalidade
formal) tem-se como imperativo uma dupla obediência: à ordem impessoal,
que é objetiva e estatuída na forma da lei, e aos agentes nomeados por
essa mesma ordem impessoal, em função da legalidade formal do conteúdo
estatutário e sua vigência no tempo e no espaço.

Para Weber (1994, p. 193; grifo nosso), “toda dominação manifesta-se


e funciona como administração. Toda administração precisa, de alguma forma,
da dominação, pois, para dirigi-la, é mister que certos poderes de mando se
encontrem nas mãos de alguém”. Isto quer dizer que a dominação para ser
eficaz depende da administração; igualmente, não existe administração que
não se apoie em alguma estrutura de dominação, que se expressa pelas
posições hierárquicas no quadro administrativo de determinada organização.
Ou seja, a condução da administração supõe ou implica que os poderes de
mando sejam detidos por um ou mais agentes. Logo, fica patente que o tipo
de dominação legítima que caracteriza as organizações governamentais na
modernidade, segundo a nomenclatura weberiana, é a dominação racional-
legal ou burocrática. Ou seja, a burocracia é o aparelho administrativo do
poder legal.
A dominação do homem pelo homem ainda é uma constante nas inter-
relações sociais. A própria dominação em si constitui um exemplo cabal de
desigualdade social, pois quem domina postula privilégios, cuja valorização
e manutenção são responsáveis pela continuidade de determinada situação
sócio-histórica – o status quo vigente. E para dirimir os excessos dessa
relação de dominação que é tão comum à espécie humana quanto à própria
Natureza criam-se instituições ou organizações que terminam por convergir
e se converter em várias formas de soberanias até aportar no modelo de
organização política que modernamente chamamos de Estado.

Estado: conceito e ação sociopolítica

Embora nem todas as sociedades históricas tenham experimentado


algum tipo de representação estatal, assente, portanto, na transferência
normativa das funções de governo e de confiança na condução de seus
destinos, algum tipo de soberania difusa existiu. Ela alude à relativamente livre
autodeterminação dos grupos, das coletividades, dos povos ou sociedades
globais na condução de suas escolhas, cujo curso os acontecimentos

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 31


históricos condicionaram ou induziram.
Algum tipo de proteção social e de controle organizativo da vida
coletiva vigorou nas estruturas sociais, operando ora como precários ora
como vigorosos liames funcionais. Em síntese, as formas de sociedades que
se sucederam, umas após as outras, não deixaram de ser o que sempre
– enquanto existiram – foram, ou seja, sociedades de homens, edificadas
(ou quase sempre destruídas), mantidas (ou dissolvidas) e gestadas
por homens, no encalço de suas propensões finalistas, onde as pugnas
manifestas ou veladas pelo poder constituem o fermento de que se servem
para gerar as transformações sócio-históricas. No entanto, sem perder
aquelas características essenciais que lhe outorgam um estatuto ontológico
de existência comum, essas formas de sociedade foram se diferenciando
devido aos condicionantes geográficos, econômicos, sociopolíticos e
culturais, forçando-as a adotar trajetórias díspares e correspondentes formas
de autogestão administrativa, bem como de sistemas de alternância de poder
– via disputas em jogos desportivos, em estatutos formais ou positivados, em
litígios judiciais, em conflitos civis etc.
Na emulação interminável pelos escassos bens disputados –
justamente por essa escassez (artificial ou não) ser determinadora da
dificuldade de sua posse e usufruto – radicam as razões que alimentam a
paulatina complexificação das estruturas sociais no decurso do processo
histórico – os jogos de interesses e de forças fomentadores do agir racional
teleológico/axiológico e definidores de embates no âmbito do político. No
bojo desse empreendimento impulsivo se erige uma ordem sociopolítica
cuja atribuição básica é disciplinar o livre movimento das vontades humanas
circunscritas a um território: o Estado, que essencialmente é distinguido pela
autoridade que encerra e pelo poder que lhe é imputado pelas convenções e
concertos sociais politicamente legitimadores, sendo que o exercício da força
(legal) – expressão objetiva do poder – constitui um direito exclusivo que lhe
é inerente.
Submetido a uma perspectiva estrutural, o conceito de Estado
envolve a articulação entre os seus componentes essenciais, a saber; poder
soberano, povo, território e finalidades. Em outros termos, significa que o
Estado é uma organização política dotada de poder soberano (independência,
auto-determinação política) frente a outros Estados nacionais, e esse
poder soberano emana do povo, que por sua vez encontra-se distribuído
num território específico e concebe o imperativo de perseguir finalidades

32 UNIDADE 01
compatíveis com o equilíbrio alcançado pelas forças políticas partidárias e
não-partidárias quanto ao equacionamento das relações de propriedade, ou,
mais precisamente, sobre os critérios de divisão da totalidade da renda e da
riqueza produzida pelo conjunto das unidades produtivas formais e informais
(setor ‘invisível’) do mercado nacional.
O conceito de forma de estado deriva diretamente da maneira a partir
do qual se exerce o poder político com referência a noção de território. Com
base em tal critério, distinguem-se as formas de Estado em Estado unitário
e Estado federal. O Estado unitário consiste numa circunscrição territorial
politicamente centralizada que regula o fluxo de bens e pessoas em virtude
do poder de império. Ao passo que Estado federal (ou Estado composto, ou
mesmo federação de Estados) descentraliza o seu poder, fracionando-se no
espaço territorial, determinando o surgimento de uma grande diversidade de
organizações governamentais que se apresentam regionalmente dispersas.
Assim, o núcleo do conceito de Estado federal é a existência da subdivisão
regional de coletividades políticas autônomas e a própria União, que por sua
vez os representam, configurando uma federação ou Estados federados.
Logo, o Estado federal possui soberania nacional e internacional, isto é, não se
subordinam a nenhum outro poder temporal ou espiritual, enquanto o Estado
enquanto unidade da federação possui apenas autonomia. Mas a autonomia
federativa somente é reconhecida uma vez satisfeitos os pressupostos da
autonomia federativa constante nos artigos 18 e 42 da Constituição Federal, a
saber: a existência de órgãos governamentais próprios (órgãos independentes
de seus correlatos a nível federal no tocante à seleção e investidura de cargo
administrativo); e a posse de competências exclusivas.
Assim, o Estado brasileiro é concebido como República Federativa
do Brasil. Daí provém o próprio sentido que exprime a forma de governo, ou
seja, a forma de governo republicana. No item que disserta sobre o instituto
do Governo, explanaremos com mais vagar o tema.
Como já vimos, o poder estatal é, ao mesmo tempo, uno, indivisível e
indelegável. Porém, este poder estatal é extensível ao exercício simultâneo de
três ordens de poderes (órgãos) com suas respectivas funções administrativas,
a saber: Executivo, Legislativo e Judiciário. A diferenciação destas três
funções constitucionais do Estado é determinante na compreensão daquilo
que permite distinguir administração pública (stricto sensu) em relação ao
Governo. Tais funções podem ser classificadas em funções próprias ou
típicas e funções atípicas.

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 33


Assim, a função típica do Executivo é administrar, o que inclui, por
um lado, a função de governo (atribuições políticas e decisão estratégica),
e, por outro, a função exclusivamente administrativa (procedimentos de
intervenção, fomento e serviço público). Já as funções atípicas do Executivo
são a legislativa (uso de medidas provisórias) e de julgamento (contencioso
administrativo). A função típica ou predominante do Legislativo é legislar
(elaborar normas jurídicas gerais e abstratas) e fiscalizar os atos do Poder
Executivo (fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e
patrimonial). As funções atípicas do Poder Legislativo estão associadas aos
processos de administração (quando se pronuncia acerca de sua estrutura
interna: criação de cargos públicos próprios etc) e julgamento (ação do
Senado da República em julgar determinadas autoridades administrativas
quanto aos crimes de responsabilidade). A função típica do Poder Judiciário
(função jurisdicional ou de julgamento) é aplicar, de forma coercitiva e em
caráter definitivo, o ordenamento jurídico (Direito) às controvérsias que lhe
são apresentadas mediante propositura de ação; as funções atípicas, por um
lado, são aquelas voltadas para administração de bens, serviço e pessoal e,
por outro, aquelas relativas à geração de normas gerais para os administrados
de sua alçada administrativa. Em suma, no âmbito do exercício dos três
poderes da União as funções atípicas tanto servem para a realização de suas
principais finalidades como serve para estabelecer restrições à conduta dos
outros poderes, funcionando como um mecanismo de freios e contrapesos
(checks and balance).
Num interregno de duzentos anos, entre os séculos XV e XVII,
a humanidade assiste ao solapamento da crença tradicional na unidade
teocrática da cristandade e sua substituição pelo conceito de soberania
territorial, ocasião em que começa a despontar a diferenciação fundamental
entre Estado e Sociedade. Somente bem depois do surgimento da idéia de
Estado territorial é que se forma uma consciência efetiva da diferenciação
entre relações políticas e relações sociais, provavelmente em meados do
século XIX (RUNCIMAN, 1966).
O advento do Estado moderno, entre os séculos XIV e XVIII, está
intimamente associado às necessidades de defesa e unificação territorial;
logo, surge sob o signo da faculdade protetora. O Estado moderno surge
paralelamente com a emergência do indivíduo enquanto portador de direitos:
à vida, à segurança e à propriedade. No âmbito do Estado-protetor o indivíduo
passa a se constituir no sujeito central do político. Aos poucos, o Estado

34 UNIDADE 01
moderno transfigura-se em Estado-providência, que, por sua vez, consiste
em “um aprofundamento e uma extensão do Estado-protetor ‘clássico’”
(ROSANVALLON,1997, p. 20). Durante a vigência do Estado-providência, a
providência divina é substituída pela certeza da providência estatal mediante o
aperfeiçoamento das técnicas de seguro, que, por sua vez, é beneficiada pelo
nível elevado do grau de certeza possibilitado pela probabilidade estatística.
Assim, “[...] O Estado-protetor corresponde à garantia de sobrevivência (a
proteção física da vida) e o Estado-providência à garantia de uma abundância
‘mínima’ para todos os cidadãos” (Ibidem, p. 27).
Mas o que é e no que consiste o Estado moderno? Weber (1999)
nos contempla com uma definição formal que identifica bem o caráter
político-coercitivo dessa entidade abstrata. Para ele, o Estado constitui uma
“empresa”, uma comunidade humana, ou uma associação política de tipo
historicamente delineado e criado na Europa ocidental, que reivindica e logra
com sucesso o direito ao monopólio legítimo de uso do constrangimento físico,
e se traduz pela forma politicamente mais organizada e racional de gestão da
vida social dos indivíduos em determinada circunscrição territorial. O autor
nos adverte que só é possível definir sociologicamente o Estado moderno
em função dos meios particulares que lhe são inerentes. De resto, o que se
aplica ao Estado moderno pode ser aplicado a toda e qualquer associação
política, como é o caso do uso do constrangimento físico (meio específico), e
não em função do que o Estado faz ou deixa de fazer. Afinal, argumenta ele,
quase não existe tarefa que uma associação política não tenha executado,
assim como não existe tarefa cuja execução tenha sido permanentemente de
domínio exclusivo a tais associações de caráter político, e que atualmente
são designadas por Estados, consistindo em formas históricas de dominação
não-institucional anteriores ao Estado moderno.
Logo, apoiando-se na afirmação textual de Trotsky, de que “todo
Estado fundamenta-se na coação”, Weber (1999, p. 525) sentencia: a única
fonte “jurídica” de exercício da coação é o Estado, somente a ele cabe
conceder, ou não, a terceiros, o direito de empregá-la. Além do mais, se todas
as instituições até aqui existentes nunca tivessem experimentado qualquer
tipo de violência ou coação inexistiria o conceito de “Estado”, e em seu lugar
apareceria o conceito de “anarquia”, no exato significado que o vocábulo
semanticamente sugere e encerra.
Nessa linha de análise, portanto, o Estado não pode ser definido com
base nos resultados que manifesta através de sua organização institucional,

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 35


ou seja, o Governo e a administração pública, mas com base nos meios de
que se instrumentaliza, onde o constrangimento físico é apenas um meio,
embora específico, dentre outros. Em outros termos, definir o Estado em
função do que realiza é perigoso por conta de duas questões de ordem lógica
– defini-lo pelo que faz significa dizer também que ao deixar de fazer o que
normalmente faz implica em vê-lo deixar de ser o que é, ou seja, o Estado
deixa de existir; e que qualquer entidade que execute funções típicas de
Estado deve ser identificado enquanto tal (RUNCIMAN,1966).
Runciman (1996), admitindo, porém, que definir o Estado com base
em eventuais “finalidades” é por demais temerário, não concorda totalmente
com as consequências lógicas da proposição teórico-metodológica weberiana
acerca da definição do Estado, mas reconhece que “[...] na definição de Weber
– que se baseia antes nos meios – se um Estado deixa de conservar o seu
monopólio reconhecido da fôrça (sic) então será necessário dizer que não se
trata mais de um Estado (Ibidem, p. 45); e arremata peremptoriamente que
temos apenas que nos preocupar em verificar concretamente o que fazem ou
deixam de fazer as instituições que detém o monopólio legítimo da violência
física, esvaziando, contudo, os resultados da ação dessas instituições de
qualquer eficácia cognitiva na compreensão de seu conteúdo conceptual. O
mesmo se aplica ao conceito de política, afinal, o que vincula a noção de
Estado à de política é o fenômeno do poder.
As razões que embasam tal argumento poderiam nos conduzir
a ilações açodadas e imputar a Runciman proposições estranhas a seu
pensamento com base nas afirmações de Weber. Assim, inadvertidamente,
poderíamos ser levados a conceber a ideia de que a redução das funções
públicas ou desestatização redundaria na conclusão lógica segundo a qual o
Estado deixaria de ser um Estado, justamente por ser forçado a abdicar do
exercício de certas funções, tais como a intervenção na economia mediante
o recurso da produção de bens materiais de consumo, ou mesmo de alguns
bens e serviços públicos coletivos gratuitos (saúde e educação, por exemplo)
ou não, a transferência para a iniciativa privada, mediante concessões
públicas, dos serviços de telecomunicações e de geração de energia elétrica.
Bobbio (1999) nos apresenta argumentos que ajudam a esclarecer
melhor a situação evocada. Segundo ele, apenas poderíamos cogitar a
possibilidade de o Estado deixar de ser o que seus predicados enunciam, ou
seja, deixaria de existir, numa eventual situação em que os poderes básicos
que lhe são inerentes dele fossem subtraídos, a saber, o poder coercitivo,

36 UNIDADE 01
o poder jurisdicional e o poder tributacional. O primeiro desses poderes
contempla o monopólio quanto à aplicação da força física. O segundo, diz
respeito à concepção e à contextura das leis, assim como a sua observância
quanto aos casos concretos, conforme os fundamentos axiológicos e
deontológicos que socialmente as consubstanciam. O terceiro, por seu
turno, refere-se à prerrogativa estatal de impor a cobrança de tributos para
financiar a operação funcional do aparelho administrativo do Estado. Tais
são os poderes que constituem o núcleo mínimo do todo Estado, sendo que
cada um deles corresponde a funções operacionais que lhe equivalem, cuja
inoperância absoluta faria com que o Estado abdicasse de ser um Estado.
Concluindo. Todos esses poderes e respectivas funções conferem ao
Estado os elementos essenciais e distintivos de sua individuação enquanto
tal, ao passo que - com exceção das funções acima citadas – todas as outras
são meros componentes integrantes que o Estado vai agregando em função
das circunstâncias históricas, onde as condições gerais de reprodução
das unidades produtivas, assim como seu grau de desenvolvimento e
diversificação, a estratégia de inserção no mercado global, os sistemas de
intermediação de interesses associados às correlações de forças políticas
dominantes e o vigor – ou a debilidade – dos sistemas de representação
e participação políticas nele imprimem os sinais de uma outra modalidade
estatal – o Estado intervencionista (ou Estado-onipresente).
Portanto, essas três funções mínimas aludem ao Estado conforme
sua feição primeva, ou seja, alude ao Estado-protetor (Estado liberal),
enquanto que as justaposições de outras funções o identificam como Estado-
providência (Estado social); logo, o Estado pode abdicar de funções típicas
de mercado, deixando de intervir no meio econômico, e mesmo no social,
sem, no entanto, deixar de ser um Estado enquanto tal, como advoga Bobbio
(ibidem). O difícil é imaginar como isso poderia ser efetivado radicalmente
dada a irreversibilidade do Estado de bem-estar social.
Retornando a Weber, é evidente que sua conceituação por si só nada
elucida sobre as transformações do aparato estatal frente às transformações
históricas que ele próprio anteviu com lucidez ao empreender a analogia
entre a racionalidade que inere ao Estado – aquela que consiste na rigidez
das regras ritualísticas do processo burocrático - e a racionalidade que se
instaura no cerne do desenvolvimento capitalista com respectivas, porém
equivalentes, expropriações de meios estrutural-funcionais internos; da
mesma forma que nas unidades produtivas capitalistas as forças produtivas

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 37


(ou proletários) são privadas da propriedade dos meios de produção, os
funcionários que compõem a estrutura burocrática também são privados da
propriedade dos cargos que ocupam e exercem, logo, dos meios materiais da
organização administrativa, e para isso percebem remuneração sob a forma
de salários.
Na construção da ordem moderna, dois movimentos paralelos
terminam por confluírem simbioticamente: o progresso rumo ao capitalismo
e o progresso rumo ao funcionalismo burocrático. O primeiro é fator
de modernização da economia tanto quanto o segundo, que é fator de
modernização do Estado (WEBER, 1999). Ou seja, modernização econômica
supõe modernização estatal, e vice-versa - “[...] historicamente o ‘progresso’
em direção ao Estado burocrático [...] encontra-se em conexão muito íntima
com o desenvolvimento capitalista moderno” (Ibidem, p. 530). Além de que,
Estado nacional e capitalismo implicam-se mutuamente: um fertiliza o outro.

Estado capitalista

As concepções de Offe (1984) e Carnoy (1976) acerca do Estado são


centrais para se entender a dinâmica estatal na sociedade, considerando-
se que o Estado precisa constantemente compatibilizar as exigências
do capital com as necessidades do trabalho, a integração social com a
integração sistêmica, a solução dos conflitos entre as classes com as crises
de reprodução/acumulação. Eis o que se pode chamar de problemas da
dinâmica do Estado capitalista
As formulações teórico-metodológicas de Offe (1984) com relação
ao Estado se guiam pelo cuidado em compatibilizar as “razões concretas
e de conteúdo” que justificam a ação estatal com os “resultados materiais”
decorrentes dessa ação; Essas razões e resultados constituem “pontos de
referência funcionais” inerentes ao quadro organizacional da estrutura do
Estado burguês. Trata-se, portanto, de confeccionar hipóteses plausíveis
acerca da relação funcional entre a ação do Estado e os problemas estruturais
que surgem no seio de uma particular formação sócio-econômica, a saber,
a formação sócio-econômica capitalista. Nessa linha de estudo, é possível
se averiguar como uma sociedade histórica se reproduz e que mecanismos
asseguram sua continuidade ou descontinuidade:

“A sociologia resolve esse problema (que continua básico


e atual) na medida em que indica quais são exatamente

38 UNIDADE 01
as questões estruturais que problematizam o contexto
societário e sua continuidade histórica, e esclarece
através de que medidas de ‘integração’ o sistema social
é capaz ou não de resolver os seus problemas estruturais
específicos” (Ibidem, p. 14; grifo do autor).

Uma vez esclarecidos os termos gerais da definição operacional


do Estado em Offe, mais precisamente do Estado capitalista, convém
adiantar como o autor especificamente o conceitua. De antemão, adverte
para a inconsistência da concepção instrumental do Estado, ou seja, a ideia
segundo a qual o Estado está a serviço ou se constitui em “instrumento” de
uma classe em contraposição a uma outra (crítica à teoria marxista). Para
Offe (1994), o Estado não protege os interesses específicos de uma classe;
pelo contrário, sua preocupação é com a funcionalidade geral do sistema ao
qual o próprio capital extrai a seiva de que necessita para se reproduzir, e
o próprio Estado para existir em sua condição histórica de formação estatal
capitalista. Assim, o Estado capitalista procura manter permanentemente as
condições institucionais e estruturais favoráveis às relações de classe típicas
de uma sociedade que se apóia na valorização privada do capital e no trabalho
assalariado livre; e assim fazendo, protege os interesses gerais da totalidade
da sociedade. Uma vez feita essa observação, eis a definição operacional
de Offe (Ibidem, p. 123-124;), acerca do Estado capitalista, concebido como
uma forma institucional de poder público em sua relação com a produção
material. O conceito de Estado capitalista, então, é compreendido mediante
a articulação do que o autor supracitado chama de as quatro determinações
funcionais:

• privatização da produção – De modo geral, as empresas privadas


são mais eficientes e controláveis do que as empresas públicas, já que os
critérios “políticos” do poder público são um obstáculo à organização da
produção material;
• dependência dos impostos – As finanças públicas estão indiretamente
associado ao volume da acumulação privada, levada a efeito pelas empresas
privadas; é da acumulação privada que o poder público obtém os recursos
necessários ao custeio da máquina administrativa e à promoção de políticas
públicas em geral, graças ao funcionamento do sistema tributário (tributos,
taxas e contribuições);
• acumulação como ponto de referência – A dependência do Estado
com relação ao processo privado de acumulação capitalista como que obriga

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 39


os detentores do poder estatal a garantir as condições políticas propiciadoras
da reprodução ampliada do capital;
• legitimação democrática – O sistema político prevê a supervisão
legal do processo de alternância de poder via eleições (sufrágios) gerais,
bem como a legitimidades indispensável à apropriação do poder do Estado,
sufragada pela maioria da população eleitoral. Portanto, um grupo político
qualquer necessita da legitimação política proporcionada pelo escrutínio das
urnas. E é exatamente através do poder político que tal grupo assume que
o Estado passa a submeter-se tanto ao imperativo da afirmação do corpo de
regras do governo democrático-representativo (forma institucional) como ao
imperativo da consolidação do desenvolvimento e exigências do processo de
reprodução ampliada do capital (conteúdo).

A articulação entre essas quatro determinações estruturais-funcionais


expressa o que Offe entende por “política” do Estado capitalista, e que
consiste no “aspecto dinâmico da estrutura estatal”, a saber: “o conjunto de
estratégias mediante as quais se produzem e reproduzem constantemente o
acordo e a compatibilidade entre essas quatro determinações estruturais do
Estado capitalista” (OFFE, 1994, p. 125).
Do que foi dito acima, conclui-se que as operações de coordenação
estatal dos sistemas sociais, econômicos e políticos no âmbito territorial de
um país dependem diretamente da chancela popular, segundo os termos
consagrados pela Democracia moderna, e que constitui um sistema social em
que os indivíduos, ora designados por cidadãos, dispõem, em partes iguais,
do poder resultante da soberania popular. Ou seja, o poder que emana das
urnas converte-se num instrumento da vontade do povo (sociedade eleitoral),
proporcionando, assim, a existência de um sistema de alternância de poder
que é o mais empregado no mundo contemporâneo globalizado, sobretudo
nos países desenvolvidos e emergentes (ver Unidade 3).
Em suma, o que propõe Offe, a contrapelo de Weber – que se apoia
numa formal definição conceitual do Estado, e mesmo da democracia –, é
formular uma concreta definição operacional do Estado, ou seja, individuar o
modo de articulação entre os principais elementos constitutivos do aparato
estatal (administração pública em sentido restrito). Tomados em seu conjunto,
a conjugação desses elementos articula-se com a sociedade circundante,
cujo produto é expresso sob a forma de políticas públicas, as quais são o
meio de ação planejado de que dispõe o Estado para cumprir seus deveres

40 UNIDADE 01
constitucionais (ver Unidade 3).
No percurso dessa tentativa, Offe (1994) confirma o que as análises
marxistas já demonstraram à exaustão. Ou seja, a estrutura organizacional do
Estado se modifica na medida das transformações verificadas e assumidas
pelos modos de expressão do capital (comercial, industrial, financeiro,
especulativo). Além da relação geral que existe entre o capitalismo e as
políticas sociais, também há espaço para relações específicas, conforme as
mudanças de perfil do desenvolvimento capitalista. Daí que a execução de
modelos distintos de política social obedeça à dinâmica das transformações
do capitalismo que por sua vez incidem sobre o próprio Estado.
Nos estudos realizados por Offe, e, sobretudo, naqueles elaborados
por Hirsch (apud CARNOY, 1976), essa análises adquirem uma tonalidade
teórica consistente. Existem semelhanças e dessemelhanças entre as análises
desses formuladores da teoria do Estado e da compreensão do processo
de reprodução/acumulação ampliada do capital. Malgrado as diferenças de
ênfases ou abordagens entre tais autores, importa-nos tão-somente mostrar,
através de suas contribuições teóricas, os tipos de relações/interações
verificadas entre o Estado e o sistema de produção historicamente existente
e hegemônico, cuja pujança reside nas contradições do próprio processo de
exploração sistemática que o caracteriza no curso de seu desenvolvimento.
Offe (1994) centra a sua compreensão do Estado em função do seu
papel ao nível da esfera econômica, mais especificamente no processo
contínuo de acumulação de capital, ou seja, de extração de excedente e da
reprodução das relações de produção, assim como nas contradições que se
originam no âmbito do Estado, a partir do momento em que este intervém
no mercado, a fim de evitar as crises de acumulação – condição de sua
existência enquanto tal – que se refletem no próprio aparato institucional
estatal, conduzindo, por sua vez, a crises de legitimação. Apesar de, por
um lado, nos propiciar uma compreensão um tanto quanto vaga, em termos
comparativos, da teoria das transmutações com relação à forma e às
funções do aparelho do Estado, Offe (1994), por outro lado, nos propicia
uma compreensão consistente e pormenorizada das “leis de movimento do
aparelho do Estado” em sua interação com a arena econômica.
Se Offe (1994), em suas análises, privilegia a intelecção das leis de
movimento do aparelho do Estado em suas vinculações com as relações
econômicas, Hirsch (apud CARNOY, 1976), por seu turno, privilegia a
intelecção das leis de movimento da acumulação de capital e as respectivas

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 41


influências diretas delas advindas sobre as formas e funções do Estado, e
naturalmente de seu caráter intervencionista. Assim, o caráter intervencionista
do Estado tende a transformar-se paralelamente à transformação do caráter
de acumulação do capital, ou seja, o modo de funcionamento do Estado está
diretamente associado às crises no decurso do desenvolvimento capitalista
– a natureza das intervenções estatais depende das leis de movimento do
desenvolvimento capitalista. Para (Hirsch) as intervenções do Estado sempre
ocorrem no sentido de produzir contratendências à queda da taxa de lucros,
ou seja, na extração do excedente. Na medida em que a taxa de lucros
tende a decair, o Estado é acionado para reorganizar as condições gerais de
produção; e essa intervenção se manifesta através da revolução tecnológica
do processo de trabalho e do desenvolvimento das forças produtivas.
Mas Offe (1974) e Carnoy (1976) observam que o Estado não pode
permanentemente solucionar as crises econômicas devido ao seu modo
particular de operação, isto é, devido à burocracia, que, segundo ele, é
ineficaz e ineficiente. A burocracia demonstra ser adequada no contexto
das operações políticas de caráter alocativo, porém revela-se por demais
deficiente em dar conta das atividades estatais produtivas. Com essa
observação final, Offe simplesmente rejeita a hipótese weberiana segundo
a qual a burocracia possui um grau de eficiência superior aos demais
procedimentos administrativos.

A União: competências e poderes

A União é uma entidade federativa – mas não federada - politicamente


construída e instituída como poder supremo, congregando os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios. Representa, pois, o conjunto das circunscrições
territoriais dos Estados federados que são dotadas de autonomia, nos termos
da Constituição federal; de uma força auxiliar ao exército (Polícia Militar); e
de uma constituição estadual, subserviente, porém, aos princípios e garantias
emanados da Constituição Federal de 1988. A União, pessoa jurídica de
direito público interno (titular de direitos e sujeito de obrigações) que dispõe
de competências administrativas e legislativas, também é chamada de
República Federativa do Brasil e se reconhece como Estado democrático de
direito (Constituição Federal, Título I, artigo 1º):
“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado

42 UNIDADE 01
democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a
cidadania; II – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político”.

De outro modo, reza o artigo 18, Capítulo I, Título III, página 51


(Constituição Federal, 1988), a propósito do Estado brasileiro: “A organização
político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos nos
termos desta constituição.”
Embora a União exerça as prerrogativas da soberania do Estado
brasileiro, ao representar a República Federativa do Brasil no concerto das
nações, não se pode confundi-la com Estado federal. A União é apenas um dos
componentes da República Federativa do Brasil, constitui apenas uma dentre
as quatro entidades federativas integrantes de uma totalidade política que é o
Estado federal – Estados, Distrito Federal e municípios. O comportamento da
União varia na medida em que se trate de questões internas ou externas. Em
relação ao ambiente nacional interno, a União, enquanto entidade do Direito
Constitucional, atua em seu próprio nome e possui autonomia em relação aos
demais estados-membros ou federados. Em relação ao ambiente externo, que
configura o campo das relações internacionais, a União se apresenta como
representante do Estado federal na chancela de atos de Direito Internacional.
No entanto, não cabe à União praticar atos inerentes ao Direito Internacional,
pois essa incumbência constitucional é atribuída ao Estado federal, a única
e verdadeira pessoa jurídica de direito público internacional. Assim, a
República Federativa do Brasil é juridicamente representada por um órgão
da União, a Presidência da República, na celebração de tratados ou acordos
internacionais, conforme expressa o artigo 21 da Constituição Federal, no
que concerne à competência da União, nas alíneas I (“manter relações
com estados estrangeiros e participar de organizações internacionais”) e II
(“declarar a guerra e celebrar a paz”).
Pode-se dizer que os conceitos de Estado federal e República
Federativa do Brasil são sinônimos, o que não ocorre com o conceito de União.
E é a própria Constituição Federal que esclarece que esta última é apenas
um dos quatro componentes – porém o mais poderoso – que caracterizam
os conceitos acima, ao lado dos Estados subnacionais, do Distrito Federal e
dos Municípios.
Em suma, União e Estado federal não são uma coisa só, pois este

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 43


último constitui um organismo político que rege a federação mediante
estatuto político que veda o direito de secessão (o direito de separar-se da
União federativa) e garante a supremacia dos poderes Executivo, Legislativo
e Judiciário em relação aos poderes das demais entidades da federação,
sobretudo em relação à cartilha de regras que apóiam a soberania do
Estado – a Constituição Federal. A assinatura de um tratado internacional,
por exemplo, levado a efeito pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE),
se transforma em força de lei no país porque existe um dispositivo legal da
Constituição Federal que permite a sua efetividade no tempo e no espaço.
Como se sabe, o referido ministério é um agregado de órgãos administrativos
cujos agentes, seguindo orientação governamental, executam ações em
nome do Estado e do Governo vigente.

Governo

O Governo é o princípio unificador do Estado. É quem comanda e


decide mediante procuração legal do Estado o conjunto dos órgãos que
constituem a administração pública federal direta e indireta. O Governo é a
instância político-institucional por excelência que traduz as demandas por
recompensas por parte da população em programas de ação governamental,
ou simplesmente políticas públicas, que correspondem às ações de auxílio
imediato ao exercício das funções governamentais.
Os órgãos são definidos na perspectiva do direito administrativo
como “centros de competência instituídos para o desempenho de funções
estatais, através de seus agentes, cuja atuação é imputada à pessoa jurídica
a que pertencem” (MEIRELES apud ALEXANDRINO e PAULO, 2002, p.
70). Os órgãos constituem centros de competência despersonalizados que
integram uma mesma pessoa jurídica, já que apenas esta última é dotada
de personalidade jurídica; e sua atuação é imputada à pessoa jurídica da
qual faz parte. Nesse sentido, no tocante à Administração Direta Federal,
apenas a União (assim como os Estados, o Distrito Federal e os municípios)
é dotada de personalidade jurídica. Os ministérios são órgãos, ou seja, são
destituídos de personalidade jurídica, logo, não podem ser sujeitos de direitos
e obrigações em seu próprio nome. Assim, a atuação de seus agentes é
imputada à União, uma vez que expressam a vontade das entidades que
integram.
Os órgãos são compostos por alguns componentes indispensáveis a

44 UNIDADE 01
sua própria funcionalidade: funções ou competências, agentes e cargos.
Ao desempenhar suas funções ou competências (atribuições específicas),
os órgãos se constituem em meios ou instrumentos de ação das pessoas
jurídicas (União, Estados, Distrito Federal e municípios; autarquias e
fundações públicas) das quais fazem parte; resultam da desconcentração e
não dispõem de patrimônio próprio.
A supervisão ministerial levada a efeito pelos ministros de Estado se
realiza por meio dos chamados órgãos centrais (Decreto-Lei nº 200/1967,
artigo 21), a saber: os órgãos centrais de planejamento, coordenação e
controle financeiro; e os órgãos centrais de direção superior (idem, artigo
22). Compete aos Órgãos Centrais de Planejamento (estabelecimento das
diretrizes e metas que nortearão a ação governamental), Coordenação
(convergência das atividades administrativas no intuito de conformá-las às
diretrizes e metas de planejamento, de modo a suprimir a duplicidade de
atuação, a dispersão de recursos, assim como a divergência de soluções) e
Controle Financeiro (verificação do cumprimento das finalidades, qualidade
e rendimento na execução das atribuições, assim como a observância das
normas pertinentes; controle da aplicação dos recursos públicos financeiros,
bem como da guarda dos bens da União) o assessoramento direto ao
ministro de Estado, e, em função de suas competências específicas, sob
representação e direção do titular do Ministério, permita efetivar estudos que
propiciem a elaboração de diretrizes programáticas, assim como o exercício
de funções de planejamento, orçamento, orientação, coordenação, inspeção
e controle financeiro, por sua vez a cargo de uma Secretaria Geral e uma
Inspetoria Geral de Finanças (artigo 23). O artigo 10, § 2º, do Decreto-Lei
nº 200/67 é bastante explícito quanto à natureza das atividades exercidas
no cerne da estrutura central de direção dos negócios do Estado, com se
depreende a seguir:

Em cada órgão da Administração Federal, os serviços


que compõem a estrutura central de direção devem
permanecer liberados das rotinas de execução e das
tarefas de mera formalização de atos administrativos,
para que possam concentrar-s. e nas atividades de
planejamento, supervisão, coordenação e controle.

E é reforçada pelo § 4º, do mesmo artigo do referido documento legal:


Compete à estrutura central de direção o estabelecimento
das normas, critérios, programas e princípios, que os

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 45


serviços responsáveis pela execução são obrigados
a respeitar na solução dos casos individuais e no
desempenho de suas atribuições.

Os órgãos centrais de direção superior, por sua vez, exercem funções


administrativas relacionadas a procedimentos específicos e auxiliares dos
Ministérios, devendo, preferencialmente, ser organizados através da técnica
da divisão de instâncias administrativas em departamentos, e em conformidade
com os seguintes princípios fundamentais: planejamento (promoção do
desenvolvimento econômico-social do país e a segurança nacional, norteando-
se segundo planos e programas elaborados), coordenação (realizada em
todos os níveis da administração, através da atuação das chefias individuais,
da efetivação sistemática de reuniões com a as chefias subordinadas e da
instituição e funcionamento de comissões de coordenação em cada um dos
níveis administrativos), descentralização (execução de atividades a partir
de três planos: no interior dos quadros funcionais da administração pública
federal, em que se diferencia o nível de direção como contraponto ao nível de
execução; no protagonismo da administração pública federal quanto a transferir
responsabilidades políticas para as entidades políticas federadas através de
convênios; e no protagonismo da Administração Pública Federal quanto a
transferir responsabilidades ao setor privado via contratos ou concessões),
delegação de competência (instrumento de descentralização administrativa
que visa garantir celeridade e objetividade às decisões administrativas ou de
Governo) e controle (atividades realizadas na administração pública federal
em todos os níveis e órgãos, incluindo três tipos de controle: aquele realizado
pela própria chefia do órgão, ao supervisionar a execução de programas,
assim como à observância das normas que regem a atividade particular do
órgão sob controle; aquele executado pelos órgãos inerentes a cada sistema,
ao observar as normas gerais que presidem as atividades auxiliares; e aquele
controle que se exerce sobre a aplicação dos dinheiros públicos, bem como
o da guarda do patrimônio da União pelos órgãos que integram o sistema de
contabilidade e auditoria) (artigo 24; 6).
Em seu artigo 25, o referido estatuto legal, define quais são os
principais objetivos de supervisão ministerial circunscrita ao campo de
atribuições dos ministros de Estado. São eles:
I - Assegurar a observância da legislação federal.
II - Promover a execução dos programas do Governo.
III - Fazer observar os princípios fundamentais enunciados no Título

46 UNIDADE 01
IV - Coordenar as atividades dos órgãos supervisionados e harmonizar
sua atuação com a dos demais Ministérios.
V - Avaliar o comportamento administrativo dos órgãos supervisionados
e diligenciar no sentido de que estejam confiados a dirigentes capacitados.
VI - Proteger a administração dos órgãos supervisionados contra
interferências e pressões ilegítimas.
VII - Fortalecer o sistema do mérito.
VIII - Fiscalizar a aplicação e utilização de dinheiros, valores e bens
públicos.
IX - Acompanhar os custos globais dos programas setoriais do
Governo, a fim de alcançar uma prestação econômica de serviços.
X - Fornecer ao órgão próprio do Ministério da Fazenda os elementos
necessários à prestação de contas do exercício financeiro.
XI - Transmitir ao Tribunal de Contas, sem prejuízo da fiscalização
deste, informes relativos à administração financeira e patrimonial dos órgãos
do Ministério.

Os planos divulgados e efetivados pelos componentes da estrutura


governamental são efetuados com o indispensável auxílio dos órgãos
integrantes do Estado. Tais órgãos podem ser classificados, segundo o
Direito Constitucional, em supremos e dependentes. Os primeiros são
regidos pelas normas do Direito Constitucional, pois lidam diretamente com o
exercício do poder político, que é uno, indivisível e indelegável, configurando
o que conhecemos por Governo ou órgãos governamentais, encarregados
da organização institucional do Estado, com base em princípios político–
constitucionais (normas-princípio) e jurídico-constitucionais (princípios-
garantia). Os últimos são regidos pelo direito administrativo, situando-se
em um nível hierárquico inferior e restrito ao cumprimento ou execução de
funções estritamente administrativas.
Em linhas gerais, os órgãos comportam uma variedade de
classificações cujas qualificações derivam da aplicação de múltiplos critérios.
Assim, os órgãos, conforme o critério de sua estrutura, classificam-se em
órgãos simples (formado por apenas um centro de competência) e compostos
(formado por vários centros de competência, ou órgãos; exemplo da técnica
da desconcentração administrativa). No tocante ao critério de sua atuação
funcional, os órgãos podem ser classificados em singulares (ou unipessoais,
em que a responsabilidade funcional cabe apenas a um único agente público,

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 47


ao mesmo tempo chefe e representante) e colegiados (ou pluripessoais,
em que suas atuações e decisões dependem da explícita e obrigatória
manifestação da totalidade de seus membros integrantes, cujo processo de
deliberação é disciplinado por regras regimentais).
Os órgãos integrantes do Estado, no que respeita à sua posição
hierárquica, são classificados como independentes, autônomos, superiores e
subalternos e se enquadram, por sua vez, em outra classificação conforme o
sentido amplo do conceito de administração pública – órgãos governamentais
(centros de tomadas de decisão estratégica tendo em vista as demandas
da sociedade por produtos e serviços públicos, assim como de políticas de
bem-estar social; e do mercado por políticas de subsídios, de estabilização
macroeconômica e de alocação de recursos na sociedade) e órgãos
administrativos (centros de competência despersonalizados incumbidos da
execução dos planos e diretrizes de ação governamentais).
Os órgãos independentes são aqueles previstos constitucionalmente
e que representam os três poderes da República, quais sejam: o Senado
Federal, a Câmara Federal, o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal
de Justiça etc., outros tribunais, a Presidência da República, assim como
seus correlatos simétricos nos vários níveis da federação. Como constituem
a própria cúpula do poder público estatal, os órgãos independentes não
se subordinam hierárquica ou funcionalmente a nenhuma outra instância
governamental ou administrativa. Logo, as suas atribuições são exercidas
pelos denominados agentes políticos.
Os órgãos independentes coincidem com os chamados órgãos
governamentais ou supremos, além de serem os únicos dotados de
excepcional capacidade processual para a defesa de suas prerrogativas e
competências funcionais. E as razões para tal fato decorrem da sua posição
na estrutura de poder do Estado, excluindo, pois, os chamados órgãos
hierarquizados, isto é, os órgãos superiores e os órgãos subalternos.
Os órgãos autônomos, a exemplo dos órgãos independentes, também
situam-se na cúpula do poder público estatal, porém em nível hierárquico
imediatamente inferior. São caracterizados como órgãos diretivos e são
dotados de ampla autonomia administrativa, financeira e técnica (Ministérios,
Secretarias de Estado, Advocacia Geral da União etc.).
Apesar de os órgãos superiores desempenharem atividades de
direção, controle e decisão, eles subordinam-se ao controle hierárquico do
nível imediatamente superior (procuradorias, coordenadorias, gabinetes etc.).

48 UNIDADE 01
Os órgãos subalternos incluem todos aqueles que desempenham
atribuições meramente executórias, subordinam-se a diversos níveis
hierárquicos superiores e dispõem de débil poder de decisão (seções de
expediente, de pessoal, de material, de portaria etc.).
Como vimos, os órgãos são centros de competência despersonalizados
criados especialmente para cumprir determinadas funções do Estado por
meio de um conjunto de agentes, os chamados agentes públicos, que podem
ser classificados, segundo Meirelles (apud ALEXANDRINO e PAULO, 2002)
em agentes políticos, administrativos, honoríficos, delegados e credenciados.
Os agentes públicos constituem o aparato técnico-intelectual dos
órgãos que integram a administração pública. A sua atuação social nos
organismos estatais aos quais se perfila como representante é decisiva na
realização dos planos e diretrizes de ação governamental.
Os agentes políticos são aqueles componentes que se posicionam
nos primeiros escalões do Governo cujas atribuições e responsabilidades
estão associadas às funções de direção, de orientação e de implementação
das diretrizes de ação a serem estrategicamente seguidas. De modo geral,
os agentes políticos extraem a sua competência do texto constitucional;
subordinam-se a regras e foros especiais; são investidos em seus cargos
através de eleições, nomeações ou designações; e não são hierarquizados
(exceto o corpo de auxiliares imediatos dos titulares do Poder Executivo), uma
vez que sua atuação é disciplinada exclusivamente pela Constituição Federal.
Assim, são exemplos de agentes políticos os titulares do Poder Executivo
nas várias esferas da federação (Presidente da República, governadores e
prefeitos), com seus respectivos auxiliares imediatos (ministros, secretários
estaduais e municipais), bem como os membros constituintes do Poder
Legislativo (senadores, deputados e vereadores). Em virtude de sua posição
na cúpula governamental, os agentes políticos integram a totalidade dos
órgãos supremos e são regidos por princípios, valores e normas emanadas
do Texto Constitucional (objeto do Direito Constitucional). Os órgãos
governamentais ou supremos desempenham funções associadas ao
exercício do poder político, dai derivando as diretrizes a serem executadas
pelos órgãos administrativos ou dependentes que desempenham funções
exclusivamente administrativas.
Os demais agentes públicos desempenham atividades fortemente
reguladas por uma estrutura hierárquica que se sujeita aos princípios, valores
e normas de natureza administrativa (objeto do Direito Administrativo).

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 49


Os agentes administrativos perfazem o maior quantitativo de efetivos
dos chamados agentes públicos (servidores ou funcionários públicos)
no setor governamental. Fazem parte do quadro funcional das diversas
entidades da federação, em seus três poderes, bem como das entidades
constituintes da administração pública indireta. Em geral, representam os
servidores concursados em caráter permanente, mas inclui também aqueles
que exercem atividades administrativas provisórias. São subordinados à
hierarquia funcional e ao regime jurídico da entidade que integram (Regime
Jurídico Único – RJU, ou Consolidação das Leis do Trabalho - CLT). Os
agentes administrativos que integram os altos escalões da República
Federativa do Brasil são aqueles que exercem funções tipicamente de Estado
(carreiras jurídicas, fiscais, diplomáticas e do ciclo de gestão). Esses agentes
administrativos especiais compõem o núcleo estratégico do Estado e podem
ser designados por componentes da tecnoestrutura estatal, destacando-se
dentre as mais de 100 categorias funcionais da administração pública. Como
exemplo, temos os casos dos analistas de planejamento e orçamento (APOs)
e dos especialistas em políticas públicas e gestão governamental (EPPGGs),
que trataremos na próxima unidade, ao descrever o perfil e o ofício do gestor
público.
Exemplos de agentes honoríficos são os jurados, os mesários
eleitorais, os comissários de menores etc. Ou seja, cidadãos comuns
que são convocados pelo Estado para realizar determinados serviços,
sem contrapartida pecuniária ou remuneração; são funcionários públicos
exclusivamente para fins penais, destituídos que são de qualquer vínculo
profissional ou funcional com o Estado.
Os agentes delegados são constituídos por particulares que obtém o
direito de executar atividades, obras ou serviços públicos desde que o faça
por conta própria, mediante confissão de responsabilidade, submetendo-
se, no entanto, à fiscalização da autoridade que lhe delegou a concessão,
permissão ou autorização de serviços públicos. O exercício das atividades
delegadas pelos agentes delegados é disciplinado pela Constituição Federal,
que imputam a eles a responsabilidade por eventuais danos provocados
a terceiros, a chamada responsabilidade civil objetiva (art. 37,§ 6º), e
submete-os ao instituto jurídico do mandato de segurança como medida de
proteção do direito líquido e certo, quando impetrado em resposta ao abuso
de poder ou de autoridade cometido por “[...] autoridade pública ou agente
de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público” (art. 37,

50 UNIDADE 01
LXIX; grifo nosso); além de ser responsabilizado nas práticas de crimes
contra a administração pública (Código Penal, art. 327). Na realidade, os
agentes delegados são apenas colaboradores do poder público, na condição
de concessionários, permissionários ou autorizatários dos serviços públicos
(empresas de comunicação e eletricidade; águas, esgoto e saneamento;
etc.), assim como tradutores públicos, leiloeiros etc.
Os agentes credenciados são os agentes incumbidos da Administração
visando lhe representar em atos e desempenhar atividades específicas com a
devida retribuição pecuniária (pagamento por serviços) realizada pelo poder
público credenciante.
Verificaremos agora, de forma comparativa, algumas das
características institucionais que distingue Governo de Administração Pública
(FERREIRA, 1995).

Característica Governo Administração Pública


Natureza dos atos realização de realização de atos de execução
praticados atos de governo
Atividade desenvolve atividade desenvolve atividade neutra,
política e discricionária associada à lei ou à norma
técnica
Conduta conduta independente conduta hierarquizada
Responsabilidade/ ação de comando dotada ação de execução destituída de
ação de responsabilidade responsabilidade constitucional
constitucional e política, e política, porém investida de
porém sem assunção de responsabilidade técnico-legal no
responsabilidade pela curso da execução
execução
Poder de decisão pleno poder de decisão restrito a decisões relativas
política ao cumprimento legal de sua
finalidade institucional

Administração pública

Comumente se traduz gestão pública por administração pública. Para


efeito de compreensão analítica, distinguimos gestão pública como o elemento
exclusivamente voltado para a práxis da operacionalidade. Em termos de
equivalência semântica (significado), por pura analogia, a traduzimos como

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 51


administração pública em sentido estrito – a máquina pública, o aparato
físico-intelectual do Estado. Ao passo que em sentido amplo, nos referiremos
à administração pública – assim mesmo com iniciais maiúsculas – como uma
instituição que, ao mesmo tempo, lida tanto com as determinações políticas
do Governo (planos e diretrizes de ação), via órgãos governamentais ou
supremos, quanto com a execução de tais determinações políticas por
meio de órgãos administrativos ou dependentes (concretização efetiva dos
planos governamentais). Em suma, temos que os órgãos governamentais
ou supremos desempenham funções associadas ao exercício do poder
político, de onde provêm as diretrizes a serem executadas pelos órgãos
administrativos ou dependentes que, por sua vez, desempenham funções
exclusivamente administrativas.
Pela primeira vez na história das constituições brasileiras um
capítulo exclusivo (VII), com quatro seções, sob o título “Da Administração
Pública” foi incluído em um Texto Constitucional, a saber, a Constituição da
República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Mas foi com a
publicação do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, que tomamos
conhecimento pela primeira vez do registro do vocábulo administração, ao
qual subdivide em direta e indireta. A Constituição Federal de 1988, em seu
Título III, Capítulo VII, seção I (Disposições Gerais), no seu primeiro artigo,
de número 37, a propósito da apresentação dos princípios da Administração
Pública, incorporou a classificação do Decreto-Lei nº 200/67, como se pode
depreender da citação que se segue:

A Administração Pública direta e indireta de qualquer


dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Porém, antes de tratarmos dessa subdivisão da administração


pública e da enunciação dos princípios que a regem, convém definirmos o
que entendemos a respeito da locução Administração pública. Para tanto, é
necessário refletirmos sobre algumas definições sobre a temática em tela.
O conceito de administração pública, além da classificação acima,
também pode ser classificado em sentido material, objetivo ou funcional
e em sentido formal, subjetivo ou orgânico. O sentido material, objetivo
ou funcional compõe o conceito de administração pública (com iniciais
minúsculas) enquanto conjunto de atividades administrativas realizado pelo

52 UNIDADE 01
Estado através de seus órgãos e entidades. Logo, no sentido material, o
destaque fica por conta exclusivamente da natureza da atividade desenvolvida
e o regime jurídico que a rege. Essas atividades administrativas são
classificadas pela doutrina do Direito Administrativo em quatro modalidades,
a saber, o fomento (estímulo à iniciativa privada de interesse público, tal
como a concessão de benefícios e incentivos fiscais e o financiamento em
condições especiais), a polícia administrativa (poder de polícia capaz de
limitar o exercício dos direitos individuais em prol do interesse coletivo, tais
como a fiscalização fitossanitária e a concessão de licença), o serviço público
(atividades administrativas realizadas direta e/ou indiretamente e voltadas
para a satisfação das necessidades públicas) e a intervenção administrativa
(regulamentação e fiscalização da atividade econômica do setor privado
através de agências reguladoras, por exemplo).
O sentido formal, subjetivo ou orgânico, por seu turno, refere-se à
totalidade dos agentes (pessoas físicas titulares de cargos e funções), órgãos
(centros de decisão e de competência) e entidades (pessoas jurídicas) criados
para atingir os objetivos e metas do Governo (poder político). No sentido
formal, Governo e administração pública se justapõem – pelo menos parte
desta, a cargo dos órgãos governamentais ou supremos –, e se manifestam
concretamente como resultante de criações abstratas do texto constitucional
e do imperium das leis. E ambos os sentidos acima discriminados e descritos
acerca da locução Administração Pública são contemplados pela Constituição
Federal em seu artigo 37: no sentido formal, quando se refere à administração
pública direta e indireta dos Poderes da União, dos Estados e dos Municípios
como uma totalidade orgânica; e no sentido material, como exclusiva atividade
administrativa, quando expressamente se refere ao imperativo da submissão
desta aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade
e eficiência.
A administração pública, pois, se subordina ao poder político,
constitui um meio operacional e se revela sob um duplo aspecto: como
complexo de órgãos sob orientação do poder político (administração pública
enquanto sinônimo de Estado; sentido formal) e o sistema de atividades
administrativas (administração pública enquanto sinônimo de burocracia;
sentido material). É o que patenteia a concepção de administração pública
do jurista José Afonso da Silva (2003, p. 635; grifo do autor): “Administração
pública é o conjunto de meios institucionais, materiais, financeiros e humanos
pré-ordenados à execução das decisões políticas”. Assim, a administração

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 53


pública, além de constituir-se como instrumento de concretização de opções
políticas, exerce o papel de mediadora das relações entre o Governo e os
cidadãos (DEBBASCH apud FERREIRA, 1995). Em resumo, a administração
pública manifesta-se como polo de execução; como instrumento; como
estrutura hierarquizada; como instância dependente e neutra; como portador
de responsabilidade técnica; como dotado de competência limitada; como
detentor de poder exclusivamente administrativo.
A administração pública, enquanto processo e corpo de órgãos,
agentes e pessoas jurídicas, não está localizada no vácuo. Ela se situa num
ambiente ordenado pela organização dos mercados, baseado na propriedade
privada, quase sempre o elemento que estipula seu valor social, político,
econômico na sociedade; e esse ambiente, foi criado pelo modo de produção
capitalista. Como a menor unidade humana de uma organização, que é o
indivíduo ou funcionário, a administração pública está na dependência de
seu meio ambiente e a ele deve adaptar-se como condição de sua própria
sobrevivência.

Organização administrativa

O Decreto-Lei nº 200/67 é o estatuto legal que permitiu uma maior


funcionalidade e dinamicidade não apenas à administração pública federal,
mas também aos demais entes da federação. A ele atribui-se a classificação
da administração pública federal em direta e indireta. Pode-se conceber a
gestão da Administração direta como gestão de serviços administrativos a
partir do centro, enquanto que a gestão da administração indireta, que se
distingue e se distancia do centro, se identifica como gestão de serviços
administrativos realizada por entidades dotadas de personalidade jurídica de
direito público e de direito privado mediante outorga e delegação (interposta
pessoa). Assim, a dicotomia direta e indireta, suscitada pelo Decreto-Lei
nº 200/67, termina por conduzir a duas técnicas jurídicas de organização
administrativa: a centralização e a descentralização (descongestionamento
da administração através da desconcentração, da delegação de execução do
serviço público e da execução indireta das obras e serviços).
A administração direta, centralizada, é constituída pelos serviços
que compõem a estrutura administrativa da Presidência da República e dos
Ministérios, logo, inclui a pessoa política e os órgãos administrativos que
integram a administração Pública em seus vários níveis. A Administração

54 UNIDADE 01
indireta, por seu turno, é descentralizada e abrange quatro categorias de
entidades, cada uma delas dotada de personalidade jurídica própria, a saber:
• autarquias – entidades administrativas autônomas criadas mediante
lei específica, dotadas de personalidade jurídica de direito público interno e de
patrimônio e receitas próprias, cujo propósito institucional-legal é a realização
de atividades típicas de Estado cuja dinâmica, que visa a otimização de seu
funcionamento, exige o emprego de uma gestão administrativa e financeira
descentralizada (art. 5º, I, Decreto-Lei nº 200/1967); são tuteladas e
controladas pelos ministérios a que estão vinculadas e seus objetivos são os
mesmos do Estado, só que seu exercício ocorre sob a égide da autonomia
financeira, administrativa e disciplinar. Em suma, as autarquias desenvolvem
atividades meramente administrativas ou de natureza social, e não atividades
voltadas para o mercado, nas áreas de atuação das sociedades de economia
mista e empresas públicas (entidades públicas de direito privado). Exemplos:
Banco Central do Brasil (BACEN); Comissão de Valores Imobiliários (CVM);
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA); Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA);
etc.;
• fundações públicas – a exemplo das autarquias, possuem
personalidade jurídica de direito público interno. A instituição de qualquer
fundação é viabilizada graças à destinação de um patrimônio privado a um
fim específico, de caráter não mercantil, e são orientadas para a prestação de
serviços de cunho social: assistência social, assistência médico-hospitalar,
educação e ensino, pesquisa etc. Existem algumas similaridades entre as
fundações públicas e privadas: ambas possuem finalidades sociais e são
organizações sem fins lucrativos. As diferenças entre elas ficam por conta
dos seguintes critérios: quanto a figura do instituidor (as fundações privadas
são instituídas por ato de vontade de um particular e as fundações públicas
são instituídas por atos do Poder Executivo, através de autorização em lei
específica: autorização legal) e quanto ao patrimônio afetado (fundações
privadas: patrimônio privado; fundações públicas: patrimônio público).
Exemplos: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPQ); Fundação Escola Nacional de Administração Pública (ENAP);
Fundação Nacional do Índio (FUNAI); Fundação Instituto Brasileiro da
Geografia e Estatística (IBGE); Fundação Nacional de Saúde (FNS); etc.;
• empresas públicas – pessoas jurídicas de direito privado criadas
pelo Poder Público, através de lei específica, podendo admitir várias formas

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 55


jurídicas, dotadas, enfim, de capital público, destinadas a desenvolver práticas
de natureza econômica, ou prestação de serviços públicos. Exemplos: Caixa
Econômica Federal (CEF); Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
(ECT); Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO); etc.
• sociedades de economia mista – pessoas jurídicas de direito
privado criadas pelo Poder Público, mediante autorização em lei específica,
sob a exclusiva forma de sociedade anônima, e dotadas de capitais públicos
e privado que se destinam a desenvolver práticas de natureza econômica,
ou prestação de serviços públicos. Exemplos: Petróleo Brasileiro S/A
(PETROBRÁS); Banco do Brasil S/A(BB); Banco da Amazônica S/A (BASA)
etc.

Além das entidades acima tratadas, também temos as agências


executivas, as agências reguladoras e as chamadas entidades paraestatais.
As agências executivas são dotadas de regime jurídico especial e assim
são designadas em virtude da concessão, através de decreto presidencial
específico, de uma qualificação (mediante subscrição prévia de um contrato
de gestão) a autarquias e fundações que desenvolvem atividades e serviços
típicos do Estado, de modo a proporcionar-lhes maior flexibilidade e autonomia
na execução de suas funções administrativas. As agências reguladoras são
criadas mediante lei de iniciativa da Presidência da República (Poder Executivo)
e detêm autonomia financeira e administrativa (ou independência), condição
fundamental para a garantia do equilíbrio entre os direitos (ou interesses)
do Estado, do consumidor e do setor privado. São autarquias dotadas de
regime jurídico especial que desempenham atividades típicas de Estado –
regulação e fiscalização. Elas são classificadas em dois tipos: aquelas que
exercem o poder de polícia e aquelas que exercem o controle da atividade
econômica associada à concessão, permissão e autorização de prestação
de serviços públicos. As entidades paraestatais são pessoas jurídicas de
direito privado que desenvolvem atividades similares às executadas pelas
entidades estatais, ou seja, atividades que são realizadas “paralelamente ao
Estado”, ou ao “lado do Estado”. As entidades paraestatais consistem em
pessoas jurídicas de direito privado que integram o terceiro setor (primeiro
setor: Estado; segundo setor: Mercado) e que agem paralelamente ao
Estado ao desempenhar ações sem fins lucrativos, podendo, pois, serem
classificadas em três tipos: serviços sociais autônomos (prestação serviços
de utilidade pública em prol de determinado grupo social e/ou profissional:

56 UNIDADE 01
Sistema S: SESI, SESC, SENAI, SEBRAE etc.); organizações sociais (OSs,
Lei 9.637/1998: prestação de serviços sociais não exclusivos do Estado,
sob incentivo e supervisão deste último, cujo vínculo jurídico é chancelado
através de um contrato de gestão (ou acordo-programa) para a execução de
atividades voltadas para o ensino, para a pesquisa científica, para a proteção
e preservação do meio ambiente, para a cultura, para a saúde e para o
desenvolvimento tecnológico, mediante certificado de qualificação expedido
por seu ministério ou do órgão supervisor); e organizações da sociedade civil
de interesse coletivo (OSCIPs ou OSCs, Lei nº 9.790/1999: prestação de
serviços sociais não exclusivos do Estado, sob incentivo e supervisão deste
último, cujo vínculo jurídico é chancelado através de um termo de parceria,
mediante certificado de qualificação expedido pelo Ministério da Justiça).

Princípios e Poderes da Administração Pública

O vocábulo princípio, que consagra e norteia o ordenamento


jurídico, aqui é entendido enquanto “mandamento nuclear de um sistema”,
na expressão de Melo (apud SILVA, 2003). Os princípios fundamentais/
constitucionais da Administração Pública constituem vetores orientacionais
normativos que servem para “[...] definir a lógica e a racionalidade do sistema
normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá um sentido harmônico”.
No Título III (Da Organização do Estado), Capítulo VII (Da Administração
Pública), seção I (Disposições Gerais: princípios da administração pública),
artigo 37 da Constituição Federal, consta de modo bastante explícito que
a administração pública direta e indireta, nas várias esferas ou níveis de
governo (União, Estados, Distrito Federal e municípios), se submeterá aos
princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e
da eficiência: normas jurídicas de obediência obrigatória. Eles são o esteio em
que se apóiam e se norteiam os órgãos, os funcionários públicos e as pessoas
jurídicas de direito público, uma vez que são fundamentais à probidade, à
transparência e à accountability na gestão do patrimônio público. Em outros
termos, nas palavras de Silva (2003, p. 646; grifo do autor),

A administração pública é informada por diversos princípios gerais,


destinados, de um lado, a orientar a ação do administrador na prática dos
atos administrativos e, de outro lado, a garantir a boa administração, que
se consubstancia na correta gestão dos negócios públicos e no manejo dos

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 57


recursos públicos (dinheiro, bens e serviços) no interesse coletivo, com o que
também se assegura aos administrados o seu direito a práticas administrativas
honestas e probas.

Da totalidade de princípios hauridos da Constituição destacam-se os


originais ou fundadores e aqueles que são deduzidos a partir destes últimos
– trata-se de princípios derivados, tais como os princípios da licitação, da
prescritibilidade dos ilícitos administrativos e da responsabilidade civil das
pessoas jurídicas de direito público, bem como de outros princípios gerais, a
saber, o princípio da proporcionalidade dos meios e dos fins, o princípio da
supremacia do interesse coletivo sobre o interesse individual, o princípio da
autotutela e o princípio da indisponibilidade do interesse público.
O princípio da legalidade é o fundamento do Estado de Direito e seu
elemento de identificação, posto que a alusão ao Estado de Direito implica na
alusão da vigência do império da lei. De maneira que tal princípio é observado
tanto pelo lado do próprio poder público quanto pelo lado do administrado.
Assim, o servidor público é obrigado a restringir-se aos termos explicitados
pela lei, ou seja, a sua conduta deve se orientar pelo que é permitido ou
autorizado pelo ato legislativo típico ou instrumento normativo – a lei – e
sua vontade pessoal se subordina à vontade da lei, que se constitui em um
instrumento normativo elaborado em conformidade com a vontade geral
formalizada pelo Poder Legislativo. Daí que a função essencial do princípio
da legalidade é assegurar que a materialização dessa vontade geral seja
efetivamente realizada pelo Poder Executivo. O administrado, por sua vez,
é amparado no Estado democrático de direito, o que lhe garante o exercício
de certos direitos e deveres individuais e coletivos: “ninguém será obrigado
a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (Título II,
Capítulo I, art. 5º, II, CF/88). O conteúdo normativo insculpido no já referido
artigo da Constituição Federal foi inspirado numa máxima jurídica proferida
pelo barão de Montesquieu (Charles-Louis de Secondat), segundo a qual
“a liberdade é o direito de fazer tudo aquilo que as leis permitem” (apud
FERREIRA, 1995, p.15). Em suma, o fundamento jurídico da ação/atuação
administrativa é o sistema legal vigente. Portanto, o princípio da legalidade
evoca o princípio da finalidade e o princípio da irretroatividade da lei, sendo
que deste último são extraídos dois pressupostos básicos ou princípios
derivados: o princípio da segurança jurídica e o princípio da confiança do
cidadão.

58 UNIDADE 01
O princípio da impessoalidade é confirmado pela Lei de Improbidade
Administrativa (Lei nº 8.429/92) e visa garantir uma conduta imparcial
por parte do agente público no exercício de suas funções (ou finalidades)
administrativas, voltadas, sobretudo, ao atendimento dos administrados ou
cidadãos (interesse público). Este princípio é totalmente dedicado à atuação
dos agentes públicos, que não passam de meros executores da vontade
estatal, e para tanto precisam comportar-se com isenção, evitando os
favorecimentos e demais tratamentos que se desviam do fim público previsto
pela lei. Donde se conclui que o princípio da impessoalidade possui dois
significados jurídicos no âmbito do sistema legal vigente, por sua vez lastreado
na Constituição Federal: 1) a identidade entre o princípio da impessoalidade
e o princípio da finalidade da atuação administrativa, na medida em que ele
focaliza a defesa do interesse público e o exercício do princípio da isonomia,
ou oportunidades iguais para todos; e 2) a proibição de associar as atividades
administrativas à pessoa física dos servidores públicos, de modo a impedir a
sua promoção pessoal à custa do Estado.
O princípio da moralidade deriva do princípio da impessoalidade e
expressa um significado semântico equivalente ao da noção de probidade
administrativa, que se traduz pela conduta ética e honesta na execução das
atividades administrativas sob a responsabilidade dos agentes públicos.
Assim sendo, subjacente ao princípio da moralidade administrativa reside a
idéia segundo a qual a moralidade administrativa constitui uma moralidade
jurídica que prevê a perspectiva de anulação de atos administrativos que
não estejam em consonância com tal princípio, distinguindo-se, portanto,
da moralidade comum. Em síntese, o exercício do princípio da moralidade
administrativa, conjugado aos princípios da legalidade e da finalidade, são pré-
requisitos que buscam assegurar a legitimidade das condutas administrativa
perpetradas pelos agentes públicos. É esse, pois, o propósito da moralidade
administrativa, que constitui “[...] o conjunto de regras que, para disciplinar
o exercício do poder discricionário da administração, o superior hierárquico
impõe aos seus subordinados” (LACHARRIÉRE apud FERREIRA, 1995, p.
68).
Ao tornar de conhecimento público os atos administrativos, normativos
e judiciais, o princípio da publicidade faculta a distinção de dois significados,
deduzidos a partir do ordenamento jurídico constitucional: 1) enquanto
exigência de divulgação oficial (Diário Oficial da União, Diário Oficial dos
Estados, Diário Oficial do DF etc.) dos atos administrativos como condição

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 59


de sua validade e eficácia, no tempo e no espaço sócio-histórico em que
vivemos, para, somente então, gerar efeitos externos; tanto que a eficácia de
uma lei depende inevitavelmente de uma “certidão de nascimento” – o ato de
sua publicação na imprensa oficial, pó exemplo – e; 2) enquanto exigência
de transparência não apenas com relação aos atos praticados por servidores
públicos, mas também com relação a todos os processos administrativos que
integram e dão corpo à dinâmica organizacional do setor público em sua
interface com a sociedade em geral. Assim, a publicização dos atos externos
da administração termina por se constituir num mecanismo de controle social
da administração pública como um todo.
O princípio da eficiência é o mais recente princípio fundamental da
administração pública brasileira. Foi introduzido no ordenamento jurídico do
país através da Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, a
Emenda da Reforma Administrativa, num contexto histórico-político marcado
pela execução do Plano Diretor para a Reforma do Aparelho de Estado,
desde 1995.
O princípio da eficiência está diretamente vinculado ao alcance de
metas e objetivos mediante o uso racional dos recursos públicos – value for
money (fazer mais com menos). Logo, evoca a ideia da economicidade e da
boa qualidade das obras e serviços públicos prestados pelo Estado ou por
seus agentes delegatários. Morais (apud ALEXANDRINO e PAULO, 2002, p.
110) define o princípio da eficiência como o princípio que

impõe à Administração Pública direta e indireta e a


seus agentes a persecução do bem comum, por meio
do exercício de suas competências de forma imparcial,
neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia,
e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção
dos critérios legais e morais necessários para a melhor
utilização possível dos recursos públicos, de maneira a
evitar desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade
social.

Um esclarecimento adicional com relação aos princípios da


administração pública que se encontram constitucionalizados na CF/98: os
princípios administrativos interagem e se comunicam mediante o recurso à
interpretação jurídica do intérprete quanto à aplicação destes na resolução
dos conflitos de legitimidade internos à administração, e o fazem de maneira
a preservar a harmonia, a racionalidade e a coerência quanto à sua aplicação

60 UNIDADE 01
em situações concretas enfrentadas pelo aparato estatal em sua interface
com a sociedade em geral, envolvendo fenômenos sociais, econômicos
e políticos. De maneira que a constitucionalização de normas do Direito
Administrativo lastreia-se na probidade e transparência na gestão da coisa
pública (res publicae) e na eficiência na oferta de serviços públicos (MORAES,
2002).
O tema relativo aos poderes da administração pública, embora
seja matéria legítima do Direito Administrativo, requer uma legalidade que
dimana da Carta Constitucional, uma vez que esta preside a ação e atuação
do Estado através da ação e atuação da Administração Pública (Governo
em movimento) e do governo (organização institucional do Estado). Tais
poderes, que constituem instrumentos que proporcionam à administração a
persecução de suas finalidades constitucionais e administrativas (poderes
instrumentais), são definidos por Carvalho Filho (apud ALEXANDRINO e
PAULO, 2002, p.128) como “[...] um conjunto de prerrogativas de direito
público que a ordem jurídica confere aos agentes administrativos para o fim
de permitir que o Estado alcance seus fins”; e são assim classificados: poder
vinculado (poder utilizado pelo administrador na medida em que pratica atos
vinculados, ou seja, atos administrativos dotados de pouca ou nenhuma
liberdade de atuação, uma vez que se deixam reger pelo estrito cumprimento
do diploma legal (uso da racionalidade formal: conjunto de regras e
valores administrativos vigentes); opõe-se ao poder discricionário); poder
discricionário (poder utilizado pelo administrador na medida em que pratica
atos discricionários, ou seja, atos administrativos dotados de uma elástica
liberdade de atuação administrativa, com base nas noções de conveniência
e oportunidade, de razoabilidade e proporcionalidade, em prol do interesse
público; porém no âmbito dos limites previstos na lei); poder hierárquico
(existência de uma estrutura de poder que consiste numa diversidade enorme
de níveis de subordinação entre órgãos e agentes do Poder Executivo ou
governo), poder disciplinar (poder de expressão interna à Administração que
consiste na punição de servidores públicos em virtude da prática de infrações
funcionais), poder regulamentar (poder que detém competência chancelada
pela Constituição Federal cuja operacionalização cabe ao Poder Executivo
no uso de suas prerrogativas legais na outorga ou edição de decretos e
regulamentos, ou seja, de atos normativos gerais e abstratos: decretos ou
regulamentos de execução, decretos ou regulamentos autônomos e decretos
ou regulamentos autorizados) e poder de polícia (“faculdade de que dispõe

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 61


a Administração Pública para condicionar ou restringir o uso e gozo de bens,
atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio
Estado”) (MEIRELLES apud ALEXANDRINO e PAULO, 2002, p. 141).
Vimos acima que o ordenamento jurídico faculta aos servidores
públicos, na condição de representantes do Estado, a legitimidade necessária
para que eles atinjam as finalidades constitucionais previstas para o exercício
do poder público. O conjunto dessas prerrogativas funcionais é outorgado
mediante leis explícitas, exigindo, pois, uma conduta administrativa que se reja
pela observância de uma diversidade de princípios administrativos, que por
sua vez objetivam a satisfação do interesse público. Mas a contrapartida dos
poderes da administração pública são os deveres a que os agentes públicos
estão formalmente submetidos. Trata-se, em contraposição aos poderes do
administrador público, dos chamados deveres administrativos, cujo propósito
é dar cabo de suas incumbências em prol do interesse da sociedade.
Desse modo, o exercício das atividades administrativas numa organização
governamental obedece aos ditames das normas legais (conjunto de leis),
da moral institucional (probidade administrativa), da finalidade do ato (deriva
do princípio da legalidade e visa ao interesse público qualificado, sendo
vedada à autoridade administrativa a troca do fim previsto na lei por outro
fim público ou privado, seja ele legal ou ilegal) e das exigências do interesse
público (políticas públicas como reposta às reivindicações por recompensa;
moralidade, transparência e eficiência no funcionamento da administração
pública; prestação de contas da gestão do administrador sobre os recursos e
patrimônios públicos sob sua responsabilidade institucional e legal).
A doutrina do Direito Administrativo enumera quatro deveres do
administrador público, a saber: 1) poder-dever de agir (para o Direito
Administrativo, o poder de agir constitui uma imposição ao exercício das
funções públicas, não se admitindo omissão de conduta de agente público);
2) dever de eficiência (melhoria da produtividade e qualidade dos serviços
públicos associado ao aperfeiçoamento da própria administração pública
como um todo); 3) dever de probidade (observância por parte do administrador
público dos princípios da moralidade e da honestidade administrativas); e 4)
dever de prestar contas (a administração de patrimônio e valores públicos
supõe a prestação de contas aos órgãos encarregados da fiscalização).
Os princípios fundamentais (explícitos e implícitos) da administração
pública constituem as ideias nucleares de um sistema que servem para
determinar a amplitude e o significado normativo da ordem jurídica vigente,

62 UNIDADE 01
preservando, assim, a lógica, a racionalidade e a harmonia perante o sistema
jurídico como um todo. Enquanto normas jurídicas de obediência obrigatória,
os princípios em apreço presidem o exercício tanto dos poderes quanto dos
deveres do administrador público perante a sociedade. Dessa maneira, os
poderes e deveres que são atribuídos ao servidor público consistem em
prerrogativas indispensáveis à otimização da satisfação dos interesses
públicos.

Modelos de gestão administrativa

O Estado, tal como se desenvolveu apenas no Ocidente, é racional


(WEBER, s. d.;1999); racional porque depende do direito racional, em seu
aspecto formal-jurídico, e, sobretudo, de uma burocracia profissional. Como
se trata de uma entidade política que funda uma relação de dominação entre
os homens, pressupondo, pois, a existência de governantes e governados,
cujo suporte é o direito tido como legítimo de ministrar ações coercitivas, a
existência de um corpo de funcionários especializados, a ele associado, está na
dependência do “fundamento de legitimidade” (“justificação interna”) inerente
a essa mesma dominação, a saber, a dominação legal, fundada na “crença na
validade de estatutos legais e da ‘competência’ objetiva, fundamentada em
regras racionalmente criadas, isto é, em virtude da disposição de obediência
ao cumprimento de deveres fixados nos estatutos: uma dominação como a
exercem o moderno ‘servidor público’ e todos aqueles portadores de poder
que com ele se parece neste aspecto” (WEBER, 1999, p. 526; grifo do autor);
trata-se do Estado burocrático, cuja ação administrativa é calcada em uma
prerrogativa jurídica estatuída racionalmente e em prescrições racionalmente
instituídas. Logo, o Estado burocrático constitui uma organização de
dominação política que para objetivar-se historicamente não pode prescindir
do requerimento de um quadro administrativo e seus meios de ação efetiva,
isto é, os recursos humanos e os recursos materiais; e nele, a subsistência
desse quadro administrativo, ou funcionalismo burocrático, é fator de
modernização estatal.
Muller (1990, p. 10, tradução nossa), citando textualmente Max
Weber – a burocracia “[...] é uma forma social que se apoia na organização
racional dos meios em função dos fins” –, comenta que subjacente a esta
definição dissimula-se uma revolução conceitual que serve para esclarecer a
eficácia das sociedades industriais em relação às sociedades pré-modernas
ou tradicionais, uma vez que a burocracia se caracteriza pela capacidade de

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 63


coordenação de múltiplas tarefas de modo que a sua realização não dependa
particularmente de um ou outro funcionário especializado. Considerando,
ainda, que no interior da administração os funcionários não são detentores
ou proprietários de seus cargos, a exemplo do proletariado, expropriados dos
meios de produção, como aludimos linhas atrás, Muller (Ibidem, p. 11; grifos
originais; tradução nossa) observa:

Por que uma administração calcada em tais princípios é mais eficaz?


Porque ela aumenta em proporções consideráveis a calculabilidade dos
resultados, já que o sistema é definido independentemente das qualidades
e dos defeitos dos executantes. Desse modo, torna-se possível prognosticar
que uma decisão tomada na cúpula será efetivada pela base "sem ódio nem
paixão" e sem que seja necessário renegociar toda vez com o conjunto do
sistema de decisão. Não é por acaso que Max Weber é contemporâneo de
Taylor: ambos acalentam a ideia segundo a qual a perfomance industrial ou
administrativa se orienta por uma vontade de suprimir a incerteza associada
à conduta humana. É o caráter impessoal, desumanizado e rotinizado da
burocracia que justifica sua eficácia social, tanto em benefício do governante
quanto do empresário.

No entanto, o autor adverte que o procedimento burocrático revela


algumas dificuldades. Em primeiro lugar, esta estrutura administrativa
estatal, graças às vantagens operacionais quase impecáveis que enverga,
deixa entrever o problema de sua resistência à interferência das instâncias
políticas, pouco afeitas às entrâncias e lógica de funcionamento do
mecanismo burocrático estatal – trata-se do conflito entre a racionalidade
administrativa e a racionalidade política. Em segundo lugar, evoca a suspeita
de que os processos controláveis de condutas com base em regras rígidas e a
impessoalidade possam representar potenciais elementos comprometedores
da eficácia da própria burocracia – “O formalismo regulamentar e a
impessoalidade da burocracia não carregam em germe uma negação de sua
eficácia?” (Ibidem, p. 11; tradução nossa).
Essas observações de Muller são pertinentes, sobretudo a que se
refere à dificuldade que o político profissional encontra em sua tentativa de
enquadramento da burocracia segundo os termos substantivos da lógica da
distribuição, manutenção, expansão e deslocamento do poder, ou seja, da
lógica política. Esse conflito permanente entre a racionalidade administrativa
e a racionalidade política se vincula às questões funcionais da ordem

64 UNIDADE 01
administrativa estatal, enquanto sociedade política, em sua relação com a
sociedade circundante, ou seja, a sociedade civil. Além de que o exercício
das funções governamentais requer o manejo de distintos processos
decisórios, cada um deles operando segundo racionalidades administrativas
diferentes. Assim, se a racionalidade legal, sob o ponto de vista da eficácia
administrativa, é adequada aos processos decisórios lógico-dedutivos
relativos ao desempenho de funções autoritário-abonadoras, o mesmo não
ocorre quando se trata de processos decisórios relativos às funções de
intervenção econômico-social ou às funções de intermediação de interesses
(FREDDI, 2000; OFFE, 1994), como já discutimos páginas atrás.
O tipo mais puro de dominação legal é aquele cuja realização se dá
através de um quadro administrativo burocrático formado por funcionários
individuais que são livres, nomeados, contratados, assalariados, têm
competências funcionais fixas, possuem qualificação profissional, integram
uma carreira específica, desempenham profissão no exercício de seu cargo,
mas são destituídos dos meios materiais de administração, desapropriados
dos poderes de mando, postos em submissão à disciplina e controle de
serviço etc. Ele surge na segunda metade do século XIX, no auge da
revolução industrial e da ordem liberal e correspondente forma de Estado, o
Estado-protetor ou liberal; e surge para combater a corrupção, o nepotismo e
a ineficiência patrimonialista. Pois, como observa Weber (1991, p. 145; grifo
nosso, tradução nossa),

A administração puramente burocrática, portanto, a administração


burocrático-monocrática mediante documentação, considerada do ponto de
vista formal, é, segundo toda a experiência, a forma mais racional de exercício
de dominação, porque nela se alcança tecnicamente o máximo de rendimento
em virtude de precisão, continuidade, disciplina, rigor e confiabilidade – isto
é, calculabilidade tanto para o senhor quanto para os demais interessados
–, intensidade e extensibilidade dos serviços, e aplicabilidade formalmente
universal a todas as espécies de tarefas.
O modelo de gestão patrimonialista é típico da ordem feudal
estamentária. A administração patrimonial, ou patrimonialista, é vinculada à
emergência de um quadro administrativo e militar exclusivamente pessoal
do senhor. Norteia-se pela tradição e se realiza em função de pleno direito
pessoal, ou seja, o direito do senhor convertido em seu direito próprio. Logo,
na administração patrimonial, o aparato estatal atua como um apêndice do

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 65


poder do soberano, os servidores áulicos dispõem de títulos nobiliárquicos,
os cargos são tidos como prebendas (apropriação de oportunidades de
renda, taxas ou receitas de impostos) e a res publica (coisa pública) e a
res principis (coisa do governante) é uma coisa só, sendo, portanto,
coisas indiferenciadas, indistinguíveis. E foi exatamente em função da
incompatibilidade da administração patrimonial para com o modelo de
administração requerido pela formação social e econômica capitalista que
proporcionou as condições de criação da administração burocrática, com seu
correspondente ordenamento jurídico racional, bem adequado aos novos
padrões de reprodução econômica de natureza industrial.
As exigências de produtividade do capitalismo de modelo fordista
(produção em série que otimiza a capacidade instalada das empresas
baseado na divisão e repetição das tarefas) vigente à época, no início do
século XX, põem à prova a eficiência do próprio modelo de gestão burocrático.
Isso ocorre em função da complexidade crescente das sociedades
industrializadas, do avanço do sistema de produção capitalista, da crescente
intervenção do Estado na economia em virtude das imperfeições do mercado
e da tendência à democratização do poder. Na medida mesmo em que as
funções econômicas e sociais do Estado – antes restritas à manutenção da
ordem pública, à aplicação da justiça e à garantia dos contratos e dos direitos
de propriedade – se multiplicam, a administração pública burocrática revela
suas imperfeições: a ineficiência, a autorreferência (quando os servidores
públicos trabalham em função de seus interesses pessoais), a orientação
para a conformação normativa (princípio da legalidade) e a ausência de foco
na demanda dos cidadãos, ao mesmo tempo contribuintes de impostos e
clientes dos serviços públicos.
O contexto em que se verificam as condições de surgimento do
modelo de gestão gerencial é aquele assinalado pela crise de legitimidade
que se abateu sobre o setor público dos países ocidentais, na década de
1950-60, paralelamente à alta competitividade das empresas capitalistas no
mercado internacional. Trata-se de um momento de expansão econômica
pós-guerra cujo arrefecimento somente ocorrerá a partir da década de 1970
com o advento da crise fiscal, em decorrência da crise do petróleo, assim
como da curta hegemonia neoliberal, que, confrontada com a realidade
econômico-financeira da crise mundial de 2007 e, sobretudo, a de 2008, a
chamada crise do subprime (operações de derivativos associados à farra
de contratos de hipotecas de alto risco, ou seja, sem a devida contrapartida

66 UNIDADE 01
em termos de garantia real de pagamento) nos Estados Unidos da América,
vê solapar sua doutrina, sua capacidade de explicação econômica e de
convencimento público e, por fim, a auto-proclamada capacidade de auto-
regulação do mercado e seus fundamentos de alocação, de redistribuição
e de estabilização macroeconômica. Desse modo, o bom desempenho
das empresas capitalistas no período serve de estímulo à reflexão sobre a
eficiência da administração pública e do próprio Estado. Logo, foi graças à
alta competitividade entre as empresas no mercado internacional que levou os
governos mais industrializados da Europa a incentivar a busca por eficiência
das empresas nacionais a partir da cobrança de eficiência por parte do setor
público. É, pois, nesse contexto que se constatam as deficiências do modelo
burocrático de gestão pública em dar conta da crescente complexidade
das sociedades globais, em que o gerenciamento público desponta como
uma alternativa necessária aos enfrentamentos dos desafios que a ordem
globalizada tende a maximizar, dando azo a que as administrações
públicas nacionais adotem as técnicas e métodos de gestão provenientes
da administração de empresas, ou seja, adotem o paradigma de gestão
gerencial, ou administração pública gerencial, como se disseminou no Brasil,
ou gerenciamento público, expressão concebida pelos administrativistas
franceses.
Para Alecian e Foucher (2001, p. 22) o gerenciamento é definido como
“[...] a atividade que consiste em conduzir, a partir de um contexto dado, um
grupo de homens e mulheres que busquem o atingimento comum de um ou
diversos objetivos, de acordo com as finalidades da organização”. Laufer e
Burlaud (1982), por sua vez, definem o gerenciamento como uma linguagem
administrativa específica que satisfaz a três condições básicas: 1) uma
condição sintática (o sujeito da ação é a própria organização); 2) uma condição
semântica (os que empregam esta linguagem desenvolvem um consenso
em torno do fato de que ela descreve o mundo de modo satisfatório); e 3)
uma condição de legitimidade (os que empregam esta linguagem concordam
com a idéia de que o seu interesse pessoal, o da organização da qual faz
parte e o da sociedade são totalmente compatíveis). Já o gerenciamento
público, tomado em um sentido amplo (macro-gerenciamento), consiste “[...]
naquilo em que se transforma o gerenciamento de uma organização quando
o público (e não apenas o mercado desta) se conscientiza de que é objeto
do gerenciamento dessa organização” (ibidem, p. 52; tradução nossa). Essa
definição coloca no mesmo patamar tanto as organizações mercantis quanto

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 67


as organizações não-mercantis. Estes mesmo autores consideram estreita
a definição do “[...] gerenciamento público como aplicação da linguagem do
gerenciamento (abordagem sistema) ao setor público juridicamente definido
(ibidem, p. 48, tradução nossa). De qualquer modo, basta esclarecer que o
setor privado é regido pela racionalidade gerencial. O setor público, por seu
turno, é cada vez mais instado a conviver com duas lógicas contraditórias,
a lógica gerencial e a lógica jurídica – ou seja, “[...] racionalizar eficácia das
ações e regulação dos procedimentos, resultados e respeito às regras [...] tal
é a especificidade do gerenciamento administrativo público de nossos dias”
(ALECIAN e FOUCHER, 2001, p. 34).
A administração gerencial comporta, sucessivamente, a partir de
sua adoção no âmbito das organizações governamentais, três leituras ou
linguagens distintas e complementares (HUSSENOT, 1983): instrumental,
institucional e semiológica. Sob o ponto de vista instrumental, a administração
gerencial é concebida como um conjunto de métodos e/ou técnicas racionais
de auxílio à decisão pública oriundos do setor privado: contabilidade
analítica, controle de gestão, administração por objetivos e os sistemas de
informação, responsáveis pela articulação entre os primeiros (métodos de
gestão transportados a partir do setor privado); os métodos custo-benefício,
custo-eficácia, métodos DELPHI e multicritério, a análise morfológica, as
técnicas de grupo e, notadamente, a análise de sistema (técnicas e/ou
métodos adaptados ao setor público) (LAUFER e BURLAUD, 1980; NIOCHE,
1982; HUSSENOT, 1983). O domínio de tais métodos e técnicas por parte
dos servidores público da alta administração, contudo, proporcionam
os riscos de uma nova tecnocracia. Assim, o gerenciamento público, ou
administração pública gerencial, consiste em um conjunto de “métodos
racionais a serviço dos decisores públicos”, e, neste sentido, [...] trata-se
da execução de métodos modernos de gestão no setor público [...]. Logo, o
processo de [...] modernização da gestão pública envolve ao mesmo tempo
a utilização de instrumentos de auxílio à decisão, a informatização de certas
tarefas ou procedimentos administrativos, ou ainda o recurso à publicidade
para comunicar-se com o público (HUSSENOT, 1983, p. 24).
Na perspectiva institucional, a definição do gerenciamento público
ocorre em função das especificidades das organizações no âmbito das
quais são empregados os métodos e/ou técnicas gerenciais. Desta forma,
o gerenciamento público é essencialmente caracterizado em virtude de seu
pertencimento ao setor não mercantil (organizações públicas de propriedade
estatal submetidas ao direito público interno; princípio da legalidade) e de

68 UNIDADE 01
sua dependência relativa ao poder político (grupos políticos formalmente
nomeados para o exercício das funções governamentais e administrativas
do Estado). Portanto, ao contrário do gerenciamento privado, típico da
administração de empresas, intrinsecamente associada ao mercado, o
gerenciamento enquanto especificidade pública se exprime através de atos
de autoridade, lastreados no princípio da legalidade formal (a Constituição
e as leis) e no princípio da legitimidade democrática (indicação eleitoral, por
parte da sociedade, dos agentes políticos escolhidos enquanto instrumentos
de representação política para controlar a administração pública).
A linguagem ou leitura semiológica, por sua vez, leva-nos a constatar
que o surgimento da administração pública gerencial nas sociedades
industriais avançadas traz em seu bojo uma nova linguagem e um modo
novo de perceber e conceber o mundo, pois exprime uma profunda crise de
legitimidade cuja deflagração se dá em momentos de transição. Expressa,
pois, uma linguagem mítica que reforça a legitimidade do setor público, como
observa Hussenot (1983, p. 33, tradução nossa):

O advento do gerenciamento público, enquanto uma nova


linguagem proposta às administrações estatais, sobreveio
em um contexto de crise de legitimidade do setor público
nas economias ocidentais. De fato, sua função pode
ser apreendida como aquela de uma reconquista dessa
legitimidade perdida, e mesmo que ela dependa da ordem
mítica a palavra gerencial traz ao Estado os sinais da
gestão racional.
Assim, a crise de legitimidade do setor público é interpretada como
o risco de perda de reconhecimento de seu papel e lugar perante o sistema
dominante de valores que permeia a sociedade como um todo. Logo, é no
vácuo de tal crise que o gerenciamento público é adotado nas administrações
públicas européias, na qualidade de uma “[...] linguagem destinada a gerar
os signos de uma nova legitimidade das organizações públicas” (Ibidem, p.
36; tradução nossa).
A administração pública gerencial concebe os cidadãos como
contribuintes de impostos e clientes dos serviços públicos, dando ênfase à
questão da especificidade das organizações governamentais frente a frente
com o setor privado. Enquanto modelo de gestão pós-burocrático, o modelo
de gestão gerencial se constitui numa nova representação do papel do
Estado na sociedade, na medida em que fortalece a imagem da racionalidade
e da modernidade no cerne da administração pública (MÜLLER, 1990).

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 69


Mas a adoção desse modelo no âmbito do aparelho do Estado não implica
na exclusão da administração pública burocrático, uma vez que se baseia
em muitos dos princípios desta última, tais como a admissão no serviço
público segundo um rígido sistema de mérito, a manutenção de um sistema
estruturado e universal de remuneração, a formação de carreiras, a avaliação
de desempenho e treinamento sistemático.
Em suma, a administração gerencial se caracteriza através dos
seguintes traços distintivos: gestão por objetivos ou resultados (predomínio
dos resultados sobre os processos e da eficiência sobre a efetividade);
legitimidade fundada na eficácia das ações implementadas (superávit de
racionalidade); transgressão ao princípio da hierarquia (administração
transversal); raciocínio sintético, sistemático e teleológico (visão holista);
foco na demanda (os bens e serviços são produzidos em função das
características dos administrados); avaliação a posteriori (mensuração dos
padrões de eficácia, eficiência e efetividade de um programa governamental
implementado); descentralização e flexibilização administrativa (emergência
das agências executivas ou autônomas e das organizações sociais; redução
da diferenciação vertical e de quadros).

Síntese

A apresentação do conteúdo da Unidade 1 atesta que as relações


entre os setores público e privado foram descritas com base no funcionamento
do mundo real da economia; sempre procurando contextualizar as condições
em que se dão os processos intervencionistas estatais. O fenômeno central
na construção da relação entre os componentes do setor público, como já
foi mencionado, é o fenômeno do poder, que, por sua vez, constitui o próprio
objeto das relações políticas (relações de competição pelo exercício do
poder institucional e/ou constitucional). De modo idêntico ocorre com relação
à administração pública, que cumpre um papel instrumental no processo
político de representação do Estado pelo governo vigente. Este necessita
do conjunto de órgãos, entidades e agentes do setor público para dar
cumprimento às suas finalidades constitucionais. Daí resulta a emergência
dos princípios, poderes e modelos de administração pública, em prol da
eficácia, da eficiência, da efetividade, da accountability e da transparência.
Essa Unidade tratou da administração pública enquanto sinônimo do Estado,
ao passo que a próxima Unidade tratará da administração pública sob o ponto

70 UNIDADE 01
de vista técnico-operacional, ou seja, sob o ponto de vista da realização
permanente, sistemática, legal e técnica de prestação de serviços inerentes
ao Estado, segundo o princípio da infrustrabilidade do fim por ele perseguido.

EXERCÍCIO PROPOSTO

1) Descreva a relação entre o fluxo básico e o fluxo completo da produção


econômica, pois essa relação proporciona um importante um esforço de
compreensão funcional da Sociedade como um todo.
2) Quais são as justificativas econômicas para a intervenção governamental
no mercado? Comente cada uma delas.
3) Diferencie administração pública de administração privada.
4) Identifique os pontos em comum entre os principais conceitos da Política
explicitados páginas atrás.
5) Compare as definições de Estado, União, governo e administração pública.

GLOSSÁRIO

Accountability: é associado à noção de transparência e se refere, grosso


modo, à idéia de responsabilização e de prestações de contas.
Avaliação a priori: avaliação típica do modelo de gestão burocrático, em que
se persegue o cumprimento finalista dos ritos legais.
Avaliação a posteriori: avaliação típica do modelo de gestão gerencial, em
que se persegue objetivos específicos, e que consiste na avaliação do impacto
de uma política pública já implementada ou em vias de implementação (média
e longa duração) sobre o público-alvo; cumpre função de revisão dos termos
da aplicação do programa, servindo assim para corrigir eventuais distorções
na realização efetiva de tal programa.
Dialética: método ou ferramenta de análise histórica cujos fundamentos
lastreiam-se na articulação entre nas noções de mudança, de contradições
e de totalidade.
Efetividade: realização efetiva, concreta, de um programa de ação
governamental. Para alguns autores trata-se da conjugação da noção de
eficácia com a noção de eficiência.
Flexibilização: simplificação burocrática (desburocratização) e autonomia
administrativa e financeira (descentralização).
Forças produtivas: abrange o grau tecnológico alcançado nessa etapa de

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 71


desenvolvimento pelo conjunto da classe trabalhadora em dado momento
histórico. Envolvem vários fatores de produção: terra, matérias primas,
combustível, qualificação da força de trabalho, maquinaria e empresas
industriais e destacam os chamados meios de produção.
Meios de produção: arsenal de máquinas, equipamentos e ferramentas (bens
de capital) utilizado pelos trabalhadores (forças produtivas) na produção de
bens e serviços destinados ao consumo da população (bens de consumo ou
produtos acabados).
Modo de produção: modo particular de organização social da produção
material de bens e serviços: escravista, feudal e capitalista. Inclui as noções
de forças produtivas e de relações de produção
Relações de produção: rede de relações sociais a partir da qual se
materializa a produção de mercadorias. Abarca tanto as relações individuais
quanto às relações destes com as forças produtivas.
Semiologia: ciência dos significados que as coisas ou situações evocam no
cérebro das pessoas.
Soberania popular: supremacia do poder do povo proveniente das urnas. “A
soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e
secreto, com valor igual para todos, e nos termos da lei, mediante: I) plebiscito;
Referendo: “iniciativa popular” (Título II, art. 14, cap. IV; CF/1988). Ou, nos
termos de Abrahan Lincoln: “o poder emana do povo para o povo e pelo
povo”.
Transformações sócio-históricas: mudanças estruturais a/ou conjunturais
que assinalam a transição organizacional das sociedades, mediante o
surgimento de novos princípio e valores, novas instituições e práticas sociais,
políticas e econômicas.
Transparência: publicização extrema dos processos e mecanismos de
funcionamento das instituições do setor público.
Visão holista: visão de conjunto, idéia de totalidade.

72 UNIDADE 01
UNIDADE 02
FUNDAMENTOS
TÉCNICO-OPERACIONAIS
DA GESTÃO PÚBLICA

objetivos
1. Conceituação da gestão pública.
2. Apresentação dos mecanismos de financiamentos do setor público.
3. Explanação do processo orçamentário.
4. Descrição do perfil do gestor público da alta administração.
5. Caracterização da nova administração pública.
Fundamentos Técnico-
Operacionais da Gestão Pública

Gestão pública

Quando nos referimos ao setor público, além de nos referirmos aos


níveis federal, estadual, distrital federal e municipal, queremos discriminar
três tipos de instituições associadas à força e ao poder políticos, a saber:
Estado, governo e administração pública. Uma não pode viver sem as outras,
pois seu estatuto de existência depende da articulação orgânica entre elas,
ou de sua simbiose. O Estado enquanto organização política, dotada de
personalidade jurídica de direito público, representa o controle da sociedade
por ela mesma, mediante a criação de um conjunto de regras positivadas
num Texto Constitucional. Trata-se do ordenamento jurídico da sociedade
cuja legitimação e legalidade decorrem do exercício das prerrogativas do
poder legislativo (criação das leis) em ressonância com as expectativas da
sociedade eleitoral (grupo dos sufragadores de voto). Enquanto o Estado
nos transmite a idéia de algo relativamente permanente e estável, o governo,
por sua vez, nos traz a ideia da transitoriedade, na confluência da existência
de uma elite governante e de uma massa de governados e, acima de tudo,
manifesta a marca da organização institucional do Estado, constituindo-se
em seu procurador legal.
Essa transitoriedade está associada às acirradas disputas pelo poder
de ditar os rumos estratégicos do país, os quais expressam ou projeto de
nação ou de poder. Essa delegação de responsabilidade ‘concedida’ pelo
Estado ao governo autoriza este a dirigir a administração pública (governo
em movimento) rumo às realizações administrativas que caracterizam a
vontade política de partidos políticos e grupos de interesses variados, e em
última instância, as necessidades da sociedade por bens e serviços, atos
legais e administrativos.

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 75


Gestão é o ato de gerir a atuação da administração. A noção gestão,
aqui, se refere aos procedimentos básicos de planejar, organizar, dirigir
e controlar os múltiplos recursos disponíveis numa organização rumo ao
alcance de seus objetivos. Diz respeito às atividades administrativas no varejo
e no dia a dia, as chamadas atividades-meio, segundo o fluxo de atendimento
aos usuários dos serviços públicos nas repartições públicas e fora delas, que
configuram determinados serviços externos, tais como segurança (interna
e externa) e limpeza pública, por exemplo; assim como as atividades-
fim voltadas para a execução de planos, programas e subprogramas que
integram a plataforma político-doutrinária do governo.
Assim, temos como ponto pacífico que gestão pública significa ação
de coordenar, com eficácia, eficiência e efetividade, as atividades de agentes,
de órgãos e de entidades segundo os ditames dos interesses genuinamente
públicos, que o Estado constitucionalmente serve, enquanto instituição
política republicana.
Quando os órgãos da administração pública são postos em operação
por intermédio de determinados agentes (funcionários ou servidores
públicos), visando atender às necessidades básicas da população, ou mesmo
certas reivindicações por recompensa que surgem em momentos de tensão
e conflito entre a população e a ordem pública, a responsabilidade de tais
agentes é atribuída, em última instância, ao Estado, pois a administração
pública é o aparelhamento de que se serve o Estado para implementar as
políticas de governo.
E essas políticas também podem ser atribuídas ao Estado. Nesse
sentido, distinguimos políticas de governo e políticas de Estado, e esta
designa aquelas decisões políticas que a lei corporificou no quadro geral da
Constituição, ou, em outros termos, que se tornaram matéria permanente
de conteúdo constitucional. Porém, sejam elas políticas de Estado ou de
governo, o certo é que ambas necessitam de recursos e meios operacionais
para sua execução, razão pela qual tal fato nos conduz ao cerne da questão
no próprio contexto interno do Estado – o problema do financiamento das
atividades administrativas. É o que veremos a seguir.

Financiamento dos gastos públicos

Convém descrever, agora, as alternativas de financiamento das


atividades administrativas do governo. Como vimos páginas atrás, na

76 UNIDADE 02
concepção de Offe (1994) acerca das determinações funcionais do Estado, o
Setor Público depende da existência de uma fonte permanente de recursos
– de preferência em escala ascendente – para tornar possível a oferta de
bens e serviços, atos legais e administrativos, cada vez mais demandados
pela sociedade, não apenas em decorrência de seu crescimento vegetativo,
mas, também, da elevação do grau de exigência da sociedade expresso sob
a forma de reivindicações por recompensa. E como resposta, o Estado institui
as políticas públicas, ou seja, promove a formulação dos planos, programas e
projetos governamentais que, sob a direção de uma autoridade pública, busca
a transformação econômica, social e política de parcelas ou da totalidade da
população.
O financiamento dos encargos do governo é proporcionado pela
obtenção de recursos cuja captação se dá a partir dos seguintes instrumentos:
a emissão de papel moeda, o lançamento de títulos públicos, os empréstimos
bancários e, sobretudo, a tributação. Os três primeiros instrumentos
configuram procedimento de política monetária; o último, por seu turno,
configura procedimentos de política fiscal. Por razões de didática, trataremos
aqui apenas do instrumento da tributação, a chamada receita derivada, e a
principal fonte de financiamento dos gastos públicos. O ato de tributar, como
vimos páginas atrás, configura o exercício de uma prerrogativa legal que
caracteriza o poder tributacional exclusivo – forjado na mesma fonte de onde
proveio o monopólio legítimo e legal do uso do poder coercitivo.
A melhor tradução para a tributação é o cumprimento da política fiscal.
A política fiscal, por um lado, repercute sobre o nível de extração de recurso
junto à sociedade (apropriação de renda das famílias e empresas), enquanto
que, por outro lado, repercute sobre a capacidade de o Estado realizar
investimentos, fornecer bens, prestar serviços e assistência aos cidadãos.
Assim, as funções governamentais são diretamente dependentes dos
instrumentos da tributação (arrecadação de recursos) e do dispêndio (gastos
públicos: principal instrumento de execução das políticas do setor público)
para a sua execução, podendo ser classificadas em estabilização econômica
(controle de curto prazo da totalidade da demanda como meio de prevenção
de variações negativas nos níveis do produto (mercadorias) e dos preços,
assim como da renda nacional e do desemprego), promoção do crescimento
econômico (adoção de políticas voltadas para o setor privado (o programa
Parceria Público-Privado - PPP, por exemplo), para o investimento em infra-
estruturas socioeconômicas, para a inovação tecnológica e a formação de

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 77


recursos humanos), promoção do desenvolvimento econômico (melhorar
a distribuição de renda e de riqueza; através da redução das discrepâncias
entre as classes sociais e entre as regiões mais pobres) e prestação de
serviços públicos (oferta de bens e serviços, atos legais e administrativos
de qualidade, com base no gasto racional e eficiente dos recursos públicos;
value for Money, “fazer mais com menos”).
As receitas supõem as despesas e vice-versa. Daí a importância
da máxima orçamentária: “prever a receita e fixar a despesa”. De todo
modo, a receita tributária, a receita patrimonial e a receita das operações
de créditos são as receitas constantes de que dispõe o poder público para
administrar as demandas sociais, políticas e econômicas da sociedade.
Dentre elas, no entanto, a tributação se apresenta como a principal fonte de
recursos da Administração Pública, destinado tanto à formação do patrimônio
governamental quanto à amortização das operações creditícias.
A tributação consiste no preço que a sociedade paga para em troca
receber do governo certos bens e serviços (segurança, educação, saúde),
assim como atos legais e administrativos (julgamento justo, declaração de
idoneidade ou de bons antecedentes, expedição de documentos públicos
de identificação). Ocorre que as funções da tributação extrapolam os limites
rígidos de mero executor de financiamento das atividades de governo, pois
a mesma também desempenha funções de estabilização econômica e de
bem-estar social. Logo, essas funções complementares auxiliam no alcance
das metas e objetivos da política econômica.
Com o propósito de constituir um sistema tributário o mais justo
possível, a perseguição aos recursos necessários, sob a forma de
expropriação de renda, para fins de financiamento dos gastos públicos, se
arrima em dois princípios gerais: o princípio do benefício (o pagamento do
tributo está associado ao montante do benefício recebido; maior benefício/
maior contribuição e vice-versa) e o princípio da habilidade de pagamento
(referencial de distribuição do ônus da tributação entre os indivíduos em
função de sua habilidade de pagamento que por sua vez é medida com base
no nível de renda).
Destacam-se, também, os princípios da legalidade (a pré-existência
da lei como pré-requisito para a criação de tributos; exceção feita às
alíquotas de impostos de importação, exportação, IPI e IOF); da neutralidade
(ingerência reduzida da tributação na gestão da política econômica de modo a
evitar distorções na alocação de recursos da economia), da anterioridade (a

78 UNIDADE 02
cobrança do tributo somente pode ser efetivada a partir do início do próximo
exercício financeiro criado ou majorado no exercício anterior mediante lei
específica) etc. Os princípios supracitados são os lastros (ou suportes) éticos
e técnicos de qualquer sistema tributário.
A natureza das fontes de tributos é o critério que conduz à classificação
dos tributos em diretos e indiretos. Logo, o elemento básico que serve
para diferenciá-los entre si é o modo através do qual os tributos atingem
os indivíduos, ou contribuintes. Os tributos diretos recaem sobre os seus
rendimentos (rendas sobre a propriedade e salários), ganhos em contrapartida
de seu trabalho (imposto de renda); os tributos indiretos recaem sobre os
gastos dos indivíduos no momento de suas aquisições de consumo (imposto
de consumo). Todos eles, no entanto, tanto podem ser progressivos quanto
regressivos. Os impostos diretos normalmente são progressivos, uma vez
que o peso de incidência do tributo varia em função do nível de renda dos
contribuintes. Os impostos indiretos recaem sobre os indivíduos de menor
poder aquisitivo; geralmente são proporcionais ou seletivos, ou seja,
a incidência do imposto ocorre em função da essencialidade dos bens ou
serviços adquiridos para consumo.
Uma vez feitos os esclarecimentos necessários, convém, agora,
definir os tipos básicos de tributos no Brasil, que compreendem:
• Impostos – tributo que tem como fator gerador qualquer atividade
econômica, desde que seja desvinculado do serviço governamental; destina-
se de forma irrestrita ao financiamento dos gastos governamentais (custeio
do aparelho administrativo de Estado e financiamento das políticas públicas).
• taxas – tributos que tem como fator gerador o exercício governamental
do poder de polícia e de fiscalização, ou mesmo de os custeio de certos
serviços postos à disposição do público em geral (taxa rodoviária única, taxa
de Iluminação pública);
• contribuições – tributos que se destinam a financiar atividades
públicas que beneficiam os contribuintes (construção de rede sanitária,
pavimentações, por exemplo).
A política fiscal é representada pelo comportamento das receitas e
dos dispêndios do governo em determinado espaço de tempo e sua execução
é viabilizada pelo processo orçamentário. Donde se conclui que a política
de compras governamentais, ou simplesmente política de gastos públicos,
é um mecanismo legítimo de indução ao desenvolvimento nacional. Três
são os instrumentos de que dispõe o governo para o exercício constitucional

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 79


das funções governamentais, a saber, o Plano Pluruanual, a Lei de
Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual. Por razões didático-
pedagógicas, os aludidos documentos de planificação e de autorização de
gasto governamental serão comentados no item denominado “processo
orçamentário”.

Gestão orçamentária

Segundo Costin (2010), o orçamento público é o instrumento legal


mais importante das finanças públicas segundo dois sentidos: ao fixar as
despesas a serem realizadas pelo poder público, tendo como referencial uma
estimativa de receita (prevê a receita e fixa a despesa: plano anual do Governo
expresso em dinheiro e/ou unidades físicas); e ao implicar numa interação ao
mesmo tempo técnica e política entre os poderes Executivo e Legislativo
quanto à elaboração, à aprovação e ao controle acerca do modo como as
despesas são efetuadas (participação da sociedade civil na legitimação do
programa de trabalho do Governo).
A Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, é o documento que “[...]
estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos
orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e Distrito
Federal [...] (art. 1º), e que estabelece os princípios básicos que regem
a elaboração e controle do orçamento: unidade (um único orçamento
para cada órgão público ou entidade de direito público), universalidade
(compreende todas as despesas e receitas, incluindo todas as instituições
públicas), anualidade (o orçamento é executado levando em conta o período
de um exercício, abrangendo, portanto, todo o ano fiscal). É o que reverbera
o artigo 2º da supracitada lei: “A Lei do Orçamento conterá a discriminação
da receita e despesa de forma a evidenciar a política econômica financeira
e o programa de trabalho do governo, obedecidos os princípios de unidade,
universalidade e anualidade”.
Para além dos três princípios assinalados no artigo 2º da Lei nº
4.320/64, e que presidem a elaboração e controle do orçamento público,
despontam os seguintes princípios (GIACOMONI, 2007):
a) do orçamento bruto (“Todas as receitas e despesas constarão da
Lei de Orçamento pelos seus totais, vedadas quaisquer deduções”, conforme
a Lei nº 4.320/64, art. 6º);
b) da não afetação (ou não vinculação) das receitas (exigência de

80 UNIDADE 02
que as receitas não sofram vinculações a despesas específicas);
c) da discriminação ou especialização (as despesas e receitas
devem ser apresentadas de forma discriminada de maneira a definir as fontes
de recursos e sua correspondente aplicação);
d) da exclusividade (o conteúdo orçamentário deve restringir-se
à previsão de receitas, ao estabelecimento das despesas, a abertura de
créditos suplementares e contratos de operações creditícias);
e) do equilíbrio (busca do equilíbrio orçamentário a partir da
equivalência entre despesas e receitas);
f) da clareza (uso de linguagem clara e compreensível de modo a
facultar a participação do indivíduos na discussão e controle do orçamento);
g) da publicidade (o orçamento público deve ser divulgado, no
mínimo, nos diários oficiais);
h) da exatidão (evita-se falhas técnicas e éticas na confecção do
orçamento, assim como o superdimensionamento na previsão de receitas
destinadas a programas de ocasião) e o princípio moderno da programação
(o orçamento enquanto elemento auxiliar da administração pública sobretudo
como técnica de articulação entre as funções de planejamento, as funções
gerenciais e as funções de controle).
De modo geral, tais princípios constituem os princípios orçamentários
mais representativos, e encontram-se explicitados na Constituição Federal,
na Lei nº 4.320/64, no Plano Plurianual (PPA) e na Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO).

Sistema orçamentário

Compete privativamente à chefia do Executivo, ou Presidência da


República, a elaboração do orçamento, conforme regra do direito público,
como se segue: “Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I – o
plano plurianual; II – as diretrizes orçamentárias; III – os orçamentos anuais”
(CF, art. 165). A omissão presidencial quanto ao não envio dos documentos
supracitados configurará crime de responsabilidade, pois tal omissão
consistiria num ato atentatório à lei orçamentária (Ibidem, art. 85).
A lei do orçamento, ou documento orçamentário, além de ser um
instrumento básico de administração, apresenta uma estrutura orgânica
(conjunto de partes articuladas organicamente em um todo) que representa o
próprio sistema orçamentário, segundo o modelo de integração planejamento-

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 81


orçamento disseminado pela Comissão Econômica para a América Latina
(CEPAL), e que se compõe dos seguintes componentes (GIACOMON, 2007):

• estratégia de desenvolvimento – consiste na seleção das melhores


opções para o desenvolvimento nacional, expresso em planos de longo
prazo, com base nos seguintes componentes: a construção de uma imagem
prospectiva (representação de uma sociedade futura via implementação de
programas básicos impactantes na estrutura de distribuição dos recursos
produzidos no país), a determinação de projetos estratégicos (que tornam
efetivas as mudanças enunciadas pela imagem prospectiva; esta derivada
da seleção de objetivos e metas substantivas previamente definidas e
centrais ao alcance do objetivo-mor) e a proposição de políticas básicas
(que condicionam as ações e decisões tanto do setor público quanto do setor
privado);
• projetos estratégicos –projetos centrais na persecução de macro-
objetivos. São em pouco número e, quase sempre, intersetoriais, uma vez
que tratam de implementar ações cuja efetivação depende da colaboração
entre os múltiplos setores envolvidos no equacionamento de tal problema;
assumem a forma de política públicas;
• planos de médio prazo – destacam-se pelo detalhamento de cada
uma das fases das estratégias adotadas. Geralmente, os planos setoriais e
regionais/setoriais definem os objetivos e metas de alcance previsto para cada
setor, além de estabelecer todos os recursos necessários à sua execução;
são integrados por programas básicos;
• planos anuais operativos – os planos anuais fixam metas de curto
prazo para o setor público e prescrevem regulamentações ao setor privado
como salários, preços, tributações, etc; Neles, acham-se discriminados as
necessidades humanas, materiais e financeiras relativos a várias metas
constantes do cronograma de execução. Exemplos: orçamento econômico,
monetário e do balanço de pagamentos; balanços projetados, programas de
execução, orçamento do setor público.

Assim, o arcabouço do sistema orçamentário revela-se, ainda que


de maneira estática ou estanque, uma sucessão de cumprimento de metas
e objetivos cuja realização é fator multiplicador do ciclo orçamentário, na
medida em que a realização efetiva dos objetivos intermediários conduz
inevitavelmente ao êxito dos objetivos finais (macro-objetivos).

82 UNIDADE 02
Logo, a título de comparação, a estratégia de desenvolvimento
corresponde à enunciação de grandes objetivos nacionais de desenvolvimento.
Exemplo: o prognóstico de transformar a nação brasileira na maior potência
energética mundial no período 2010-2025. Como projeto estratégico,
nessa mesma linha de raciocínio, surge, como exemplo, a modernização e
otimização da cadeia produtiva nacional de hidrocarbonetos (planejamento
estratégico).
Em relação às políticas básicas (aquelas que impactam outras
políticas complementares), perfila-se, a título de ilustração, a política de
exploração, produção, distribuição e comercialização de petróleo extraído do
pré-sal; a política de transformação do etanol em commodity com fins de
exportação; o emprego de novas fontes de energia alternativa e renovável,
como o próprio bagaço e palha de cana na produção do etanol (célula
combustível), como o biogás, como o biodiesel, como as algas etc; ou a
canalização de recursos do Fundo Social do Pré-Sal para a educação, a
previdência e para a redução das distâncias sociais entre as classes da
sociedade brasileira (planejamento tático-operacional).
A transição do orçamento com ênfase no instrumento de autorização
e de controle político-parlamentar (orçamento tradicional) para o orçamento
concebido como instrumento de administração (orçamento moderno)
proporciona um avanço considerável no apoio logístico ao Poder Executivo
na tomada de decisões relativas à lei do orçamento público e na condução
das fases do processo administrativo, a saber: programação, execução e
controle.

Processo orçamentário

A ideia de ciclo evoca a noção de regularidade e ordem rotativa no


curso de um processo definido que se repete periodicamente. Partindo do
ciclo de gestão anual, que cumpre um ritual legalista, fundado no princípio da
anuidade, chega-se ao ciclo de gestão ampliado, que compreende o interstício
de quatro anos, em que se desdobra o processo orçamentário: da elaboração
da lei orçamentária ao controle e avaliação da execução orçamentária
propriamente dita. Desse modo, importa-nos descrever, separadamente, o
ciclo anual e o ciclo ampliado da gestão orçamentária.
O processo ou ciclo orçamentário anual desdobra-se em quatro
etapas ou fases complementares: 1) elaboração; 2) discussão, votação e

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 83


aprovação; 3) execução orçamentária; e 4) controle e avaliação.
A elaboração da Proposta Orçamentária é de exclusiva
responsabilidade do Poder Executivo e principia-se pela formulação do Plano
Plurianual, passando pela confecção da Lei de Diretrizes Orçamentárias,
e descambando para o produto final do processo orçamentário, ou seja, a
Lei Orçamentária Anual. Todo o processo orçamentário é coordenado pela
Secretária de Orçamento Federal (SOF) - com a participação dos órgãos
setoriais, bem como das unidades orçamentárias -, que, por sua vez, envia
à Casa Civil e à Presidência da República (PR). O Poder Executivo
agrega a sua proposta orçamentária as propostas provenientes dos poderes
Legislativo e Judiciário, unificando-as e encaminhando-as à Comissão Mista
de Planos, Orçamentos e Fiscalização (CMO) do Congresso Nacional, no
primeiro ano de cada administração, mais precisamente até quatro meses
antes da conclusão do primeiro exercício financeiro (31 de agosto), o qual
deverá ser restituído para sanção antes que se encerre a sessão legislativa
(22 de dezembro).
A discussão, votação e aprovação da Lei Orçamentária se
desenvolvem no âmbito do Poder Legislativo. Uma vez encaminhado pela
Presidência da República à CMO do Congresso Nacional, o projeto de
lei orçamentária é submetido à discussão e apreciação de propostas de
emendas e à votação nas duas casas legislativas (Câmara Federal e Senado)
e em sessão conjunta, culminando com a sua aprovação.
A execução orçamentária representa a fase subseqüente àquela
da discussão, votação e aprovação do projeto de lei orçamentária pelo
Parlamento. A Lei de Responsabilidade Fiscal, através do artigo 8º, estabelece
que o Poder Executivo fixará a programação financeira, assim como o
cronograma de execução mensal de desembolso de recursos ou créditos
orçamentários, até trinta dias após a publicação dos orçamentos no Diário
Oficial da União, conforme disciplina a Lei de Diretrizes Orçamentárias. A
execução orçamentária e financeira será realizada entre 1º de janeiro e 31 de
dezembro (ano civil), segundo estabelece a Lei nº 4.320, de 17 de março de
1964, em seu artigo 34.
O controle e avaliação da execução orçamentária, fase concluinte
do ciclo de gestão anual, inicia-se ainda no curso do próprio processo de
execução da despesa. Dois tipos de controle são previstos pela Constituição
Federal vigente, em seu artigo 70: o interno e o externo. O controle interno
é efetivado através do sistema de controle de cada instância de Poder.

84 UNIDADE 02
O controle externo, por seu turno, é realizado pelo Congresso Nacional
mediante a colaboração do Tribunal de Contas da União (TCU), e consiste na
fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial tanto
da União quanto das entidades da administração pública direta e indireta.
Uma vez completado o ciclo orçamentário, culmina-se na fase de revisão, de
modo a apreciar as eventuais distorções operacionais, financeiras, jurídicas
e programáticas na execução do orçamento.
Convém destacar, agora, o ciclo de gestão ampliado. Ele se compõe
de três instrumentos de planificação que não criam direitos subjetivos, mas
fazem parte do ciclo de planejamento e orçamento público do Brasil:

• O Plano Plurianual (PPA) – constitui o instrumento legal de


planejamento dotado de maior amplitude na realização da agenda estratégica
do governo. Logo, apresenta-se como um plano de médio e longo prazos
com vigência de quatro anos. Estabelece o critério da regionalização como
instrumento para a definição de diretrizes, objetivos e metas governamentais
com relação às despesas de capital (formação e aquisição de bens de capital:
obras em geral, equipamentos, inversões financeiras, amortizações de dívidas
etc.), às demais despesas resultantes desta (dispêndios gerados após a
entrega do produto das despesas de capital: após a entrega do prédio de
uma escola, subsegue-se a contratação de professores, vigias, pagamentos
de taxas de luz, água etc.), assim como àquelas direcionadas para o suporte
dos programas de duração continuada (programas cuja duração extrapola
a dois exercícios financeiros: educação, saúde, segurança etc.);
• A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – é o instrumento que
orienta a elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA), destacando os
programas integrantes do PPA que receberão dotações específicas da LOA
que lhe corresponde. A LDO constitui o elemento de ligação entre o PPA
e a LOA, na proporção em que pré-define a efetivação e direcionamento
dos gastos públicos, as modificações da política tributária, assim como
os objetivos do programa de fomento do governo; serve de referencial na
feitura do projeto de lei orçamentária quanto ao orçamento subseqüente; e
define a escolha dos programas estratégicos do PPA (despesas de capital)
no exercício fiscal subseqüente. O conteúdo da LDO consta dos diversos
dispositivos da Constituição Federal, a saber: artigos 51, IV; 52, XIII; 99,
parágrafo 1º; 127, parágrafo 3º; 165, parágrafo 2º; e 169, parágrafo 1º. A partir
de 2000, com a promulgação da Lei Complementar nº 101, que instituiu a Lei

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 85


de Responsabilidade Fiscal (LRF), a LDO ganha uma maior relevância e
amplitude, proporcionando-lhe disciplinar uma série de temas particulares.
O projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias é formulado pelo Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) e é encaminhado ao Congresso
Nacional em até oito meses e meio anteriores ao término do exercício fiscal
(15 de abril de cada ano), assim como deve ser restituído para sanção até o
fim do primeiro período da sessão do Poder Legislativo (31 de junho de cada
ano). A LDO deverá ser acompanhada, ainda, dos Anexos de Metas Fiscais
e de Riscos;
• A Lei Orçamentária Anual (LOA) - é o principal instrumento
governamental de realização da política econômica do país (política fiscal
e monetária), pois discrimina as formas de intervenção econômica do
poder público através da tributação e da despesa. É conhecida como “lei
dos meios”, por se constituir num meio a partir do qual são assegurados
os créditos orçamentários e os recursos financeiros necessária à efetivação
de planos e programas, assim como das múltiplas atividades das entidades
governamentais. A LOA é integrada e consolidada por três tipos de
orçamentos, conforme disposições constitucionais (Constituição Federal,
art. 165), quais sejam: 1) orçamento fiscal – o mais importante dos três
orçamentos, graças a sua amplitude e magnitude: abrange os poderes da
União, seus fundos, seus órgãos e as entidades da administração pública
direta e indireta, assim como as fundações públicas criadas e custeadas pelo
poder público; 2) orçamento de investimento das empresas estatais –
uma vez excluídas do orçamento as receitas e despesas operacionais, seu
foco recai no investimento efetivado pelas empresas estatais, ou seja, pelas
empresas em que a União, direta ou indiretamente, disponha da maioria do
capital social com direito de participação através do exercício do voto; e 3)
orçamento da seguridade social – compreende as entidades, com seus
respectivos órgãos, que atuam na área da saúde, da previdência social e da
assistência social, da Administração Pública direta e indireta, assim como os
fundos e fundações criadas e custeadas pelo poder público. A LOA, além de
ser a consumação final do processo orçamentário, mediante a articulação
desses três orçamentos, apresenta-se com uma roupagem jurídica que a
defini como lei ordinária formal, uma vez tendo cumpridos todos os trâmites
rituais constitutivos do processo legislativo. O Poder Executivo submete a
proposta orçamentária consolidada à discussão, votação e aprovação do
Legislativo até 31 de agosto de cada ano, com expectativa de vigência a partir

86 UNIDADE 02
do início do exercício fiscal subsequente; e tal proposta também apresenta
um diagnóstico sucinto da situação da economia brasileira.
O orçamento público é um documento público cuja legalidade
decorre de legislação vigente; seu vínculo com o poder político, como vimos
na primeira unidade, o faz desempenhar uma função central no equilíbrio
da ordem social, econômica e política – a função de estabilização
macroeconômica e de engenharia de consenso político. Ele não pode
ser uma peça jurídica meramente autorizativa, uma vez que essa condição
o fragiliza. Daí a existência de propostas de emenda à Constituição que
reivindicam o orçamento como peça jurídica mandatária ou impositiva,
a saber, a PEC 22, de 2002, que prescreve a execução obrigatória da
programação que consta na lei orçamentária anual; e a PEC 77, de 1999, que,
por sua vez, contribui com o propósito de tornar mandatária ou impositiva a
execução orçamentária - salvo algumas exceções bem específicas a partir
da introdução de dispositivos no artigo 165 e da modificação do inciso VI do
artigo 167, da Constituição Federal.
Em termos jurídico-políticos, a principal finalidade do orçamento
é ser um instrumento de auxílio ao controle político do Poder Legislativo
sobre o Poder Executivo. Esse controle, no entanto, é vacilante e frouxo, e
manifesta-se de forma mais subserviente do que independente, posto que o
Poder Legislativo é dotado de prerrogativas orçamentárias e de interesses
difusos que o torna vítima “consensual” da hegemonia – ou da hipertrofia – do
Poder Executivo, que termina por influir nos fundamentos das instituições que
compõem a democracia representativa (IANNI, 1996).

A nova administração pública

O advento da Nova Administração Pública (NAP) constitui um


dos mais significativos fenômenos do século passado e início do século
XXI. Internacionalmente adotado por vários países, a NAP subsiste na
administração pública graças à confiança nela depositada pelos governos
no que concerne a sua capacidade de transformar seus setores público com
base em práticas e critérios de performance tomado de empréstimo ao setor
privado.
Para alguns críticos, a NAP é vista como uma ideologia de extração
mercantil introduzida no setor público. Mas para outros, e para além de um
simples modismo, a NAP é concebida como uma quebra de paradigmas no

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 87


âmbito das organizações do serviço público. Para melhor compreender esse
conjunto emergente de idéias administrativas, Ferlie et al. (1999) construíram
uma tipologia dos modelos ideais da NAP que serve como componente geral
de sua própria caracterização, a saber:

• Impulso para a eficiência – expressa a tentativa de buscar no setor


privado um modelo de desempenho que conceda ao setor público os mesmo
padrões de eficiência verificados no primeiro;
• Downsizing e descentralização – caracterizada pela adoção de
estruturas organizacionais mais horizontalizadas, com redução de pessoal no
topo e na base, associada à divisão de organizações quanto às atividades de
compra e de prestação de serviços;
• Em busca da excelência – ênfase no desenvolvimento
organizacional e na aprendizagem (“organizações que aprendem”), tanto nos
processos quanto nos produtos organizacionais;
• Orientação para o serviço público – expressa a combinação
entre as gestões da iniciativa privada e as do setor privado, com ênfase na
preservação da responsabilidade dos serviços prestados aos usuários locais
e cidadãos em geral.

Segundo Christopher A. Hood (apud LAPSLEY, 2009) – para quem o


Reino Unido é o primeiro a adotar, a implementar e a promulgar o conjunto de
ideias que conformam a NAP –, pode-se decompor essa miscelânea teórico-
administrativa em pelo menos sete componentes (ou dimensões de mudança)
essenciais, a saber:

• Divisão ou desagregação das organizações do setor público


em unidades corporatizadas e organizadas por produto – abrange as
unidades organizacionais agregadas, dotadas de regras disciplinadoras
e detalhadas de prestação de serviços, cultura de compromisso e missão,
estratégias de negócios e autonomia gerencial. Desse modo, a produção e a
oferta de serviços são materializadas em unidades distintas; e as inferências
contábeis apontam para maiores custos nas unidades centrais e menores
custos nas unidades periféricas;
• Aumento da concorrência baseada em contratos de serviço
(mercados internos e contratos a prazo) – Aumento da pressão sobre a
identificação e a compreensão das estruturas de custos, que, em termos

88 UNIDADE 02
comerciais, tendem a tornar-se mais confidencial;
• Pressão sobre os estilos de gestão do setor privado – A adoção,
por parte das organizações governamentais, de instrumentos de gestão e de
regras de contabilidade típicos do setor privado contemporâneo;
• Aumento da pressão sobre a disciplina e a economicidade no
uso dos recursos – É o imperativo da aplicação da doutrina do “fazer mais
com menos recursos”;
• Maior ênfase na gestão das mãos visíveis – A responsabilização
supõe um compromisso manifesto de afirmação de responsabilidade dos
gestores públicos e um maior emprego de informações financeiras com vistas
a assegurar a responsabilização no curso de seus ofícios – trata-se das mãos
visíveis dos gestores da cúpula administrativa e governamental, ou seja,
os elementos da tecnoestrutura estatal, sobretudo aqueles que integram o
vértice da alta administração (Presidência da República e os ministérios);
• Parâmetros manifestos e formais capazes de serem aferidos
a partir da medição dos desempenhos e das perspectivas de êxito do
setor público – Responsabilização (accountability) e eficiência se combinam:
enquanto a primeira supõe a definição de objetivos claramente estabelecidos,
a segunda, por sua vez, diz respeito a um conjunto articulado de metas
concretas com base em auditorias e em indicadores de desempenho;
• Maior ênfase nos controles produtivos (regulação econômica
multissetorial) – Alude a uma mudança detalhada da contabilidade para
atividades específicas, rumo a uma contabilidade de custos mais ampla.

Lapsley (2009), por sua vez, identifica na NAP quatro elementos


chaves que integram a agenda de transformação dos governos para os
serviços públicos:

• Consultores de gestão – por um lado, verifica-se que a


transformação do setor público está em constante dependência da perícia
(expertise) dos consultores de gestão quanto a garantir padrões excelentes
de eficiência na prestação de serviços públicos; por outro lado, coloca-se em
dúvida a eficácia instrumental destes mesmos consultores de gestão;
• Governo eletrônico – o advento da mudança tecnológica e do
governo eletrônico como dispositivos de modernização, em que os governos
depositam uma forte crença na capacidade de transformação das tecnologias
propriamente ditas sem a correlata convicção acerca das limitações de tais

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 89


tecnologias, o que termina por sinalizar para o fracasso do governo eletrônico;
• Sociedade da auditoria - emergência e fortalecimento da sociedade
da auditoria (proliferação de todo tipo de auditoria) com base no predomínio
da cultura do compromisso no processo de transformação dos serviços
públicos;
• Gerenciamento de risco – grande ênfase sobre as técnicas de
gestão de risco nas organizações do setor público.

Perfil do gestor público

Os atores administrativos encarregados da gestão governamental


(órgãos supremos) estão inseridos no quadro geral daqueles “elementos e
relações” englobados no conceito de tecnoestrutura estatal concebido por
Ianni (1996), distinguindo-se do de Galbraith (1983), para quem o conceito
de tecnoestrutura refere-se à organização formada pelo conjunto de técnicos
responsáveis pelas tomadas de decisões em grupo.
O conceito de tecnoestrutura estatal concebido por Ianni (1996)
transcende ao de Galbraith, uma vez que abrangem tanto os vários grupos
que integram a tecnocracia e as interrelações desta com ministérios,
comissões (nos âmbitos do Executivo e do Legislativo), institutos etc., quanto
à intensificação do uso de formas determinadas do pensamento técnico-
científico (“cientifização”); quanto à hipertrofia do poder executivo e as
consequências disso para o poder legislativo e a democracia representativa;
e quanto à interação sistemática entre as instâncias de dominação, de
apropriação e de redistribuição.
Em síntese, a tecnoestrutura estatal é a esfera estatal de poder por
excelência, onde decisões definitivas sobre políticas públicas são tomadas.
Em sua dimensão estrutural, o conceito de tecnoestrutura estatal compreende:
um corpo técnico especializado (tecnocracia), organizações burocráticas de
apoio e meios operacionais finalísticos. Em sua dimensão funcional, o conceito
de tecnoestrutura estatal abrange alguns componentes interativos, a saber: a
imbricação tecnocracia-órgãos de planejamento, formulação, implementação,
controle e avaliação das políticas públicas; a disseminação crescente de
padrões de pensamento técnico-científico; a hipertrofia do Poder Executivo
em relação ao Poder Legislativo; e o entrelaçamento mútuo entre a arena
de dominação política e a arena de acumulação-apropriação econômica. A
seguir apresentaremos duas categorias funcionais que integram as carreiras

90 UNIDADE 02
típicas de Estado e que configuram a elite da Administração Pública.

Caracterização funcional dos analistas em planejamento e orçamento e


especialistas em políticas públicas e gestão governamental

A importância de uma carreira, ou de uma categoria funcional, não


resulta necessariamente da quantidade numérica de efetivos que a integram,
mas sim de sua posição na estrutura da hierarquia administrativa (CHARLE,
1980). Atualmente, existem, em atividade, aproximadamente de 700 analistas
em planejamento e orçamento – APO e quase 1.000 especialistas em políticas
públicas e gestão governamental – EPPGG, ainda sobrando o preenchimento
de 1560 cargos efetivos. As atividades desenvolvidas por tais categorias
funcionais se revestem da mais alta importância no processo de constituição
e monitoramento das políticas públicas desenvolvidas pelo governo federal.
Por isso, convém falar um pouco de cada uma delas, de modo a compormos
seus respectivos perfis funcionais.

Os analistas em planejamento e orçamento

A instituição da carreira de analista em planejamento e orçamento


- APO remonta a 23 de julho de 1987, conforme o Decreto-Lei nº 2.347. Na
época, a carreira era conhecida apenas como “analista de orçamento”. Antes
mesmo de sua criação, a provisão de peritos em planejamento e orçamento
público era feita com pessoas sem vínculo com o serviço público, uma vez
que não havia carreira definida para tal fim (SOUSA JÚNIOR, 2000).
Desse modo, motivado pela inexistência de um quadro técnico
dotado de competência específica em matéria orçamentária, foram criados,
além do cargo de analista de orçamento (nível superior), o cargo de técnico
de orçamento (nível médio), ambos diretamente integrados à estrutura da
Secretaria de Planejamento e Coordenação da Presidência da República.
Todavia, apenas em 1990 é realizado pela Escola Nacional de Administração
- ENAP o primeiro curso de formação de analistas. Com exceção do curso
realizado em 1996, a cargo da Escola Nacional de Administração Fazendária
– ESAF, todos os demais foram ministrados pela ENAP.
Os analistas egressos da ENAP são lotados no Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão, pasta responsável pela gestão da
carreira. Mais precisamente, eles são designados para a Secretaria de

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 91


Orçamento Federal – SOF e para a Secretaria de Planejamento e Investimentos
Estratégicos – SPI. Posteriormente, de acordo com as conveniências
administrativas do MPOG, são distribuídos para vários ministérios, a
exemplo do que também ocorrem com os Gestores Governamentais. Porém,
diferentemente destes, que possuem uma característica funcional um tanto
quanto nômade; os analistas, na expressão de um dos entrevistados por nós,
possuem um nicho próprio.
Os analistas lotados na SOF estão direcionados a tarefas
exclusivamente de caráter orçamentário, tais como coordenação e supervisão
da elaboração do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, assim como
da Proposta Orçamentária da União; prescrição das regras indispensáveis
à formulação e execução dos orçamentos federais; desenvolvimento de
modelos orçamentários que sirvam para melhorar o processo orçamentário
federal, ou seja, aperfeiçoar o próprio sistema de planejamento e de
orçamento da administração pública federal; realização do monitoramento
gerencial, físico e financeiro da execução do orçamento relativo a outros
órgãos da administração Pública Federal, salvaguardando a competência
administrativa inerente a essas instâncias administrativas; supervisão técnica
de órgãos setoriais do Governo etc. (Ibidem).
Na SPI, os analistas desenvolvem atividades associadas à
formulação e ao monitoramento do Plano Plurianual e aos projetos especiais
de desenvolvimento; à avaliação dos investimentos do governo e respectivas
fontes de financiamento, das parcerias com o setor privado no que concerne
às inversões de recursos, assim como ao apoio gerencial e institucional na
execução destes projetos de investimentos; à coordenação e à orientação das
atividades de avaliação das despesas públicas, do próprio Plano Plurianual e
dos projetos especiais de desenvolvimento (Ibidem).
Enquanto os analistas lotados na SOF desenvolvem atividades direta e
indiretamente vinculadas à matéria orçamentária, os Analistas que trabalham
na SPI desempenham funções diretamente voltadas para o gerenciamento e
monitoramento dos programas contidos no Plano Plurianual. De modo que a
definição do papel de Analista encontra-se amalgamado ao desdobramento
gerencial do PPA.
Assim sendo, falar do ofício de APO é se reportar a questões centrais
do processo de mudança administrativa em curso no cerne do Estado. Embora
o modelo de gestão gerencial ainda não tenha se disseminado por toda a
ossatura estatal, verificando-se resistências vigorosas em alguns Ministérios

92 UNIDADE 02
de Estado (o Ministério da Saúde, por exemplo), o que nos parece evidente
é que tal modelo tem se desenvolvido progressivamente desde o primeiro
mandato do governo FHC, não obstante a mudança de enfoque que assinala
a passagem do primeiro para o segundo mandato eletivo de Fernando
Henrique Cardoso, a saber, a passagem do enfoque institucional para o
enfoque das políticas públicas, assim como no que concerne ao simulacro de
ruptura protagonizado pelo governo Lula.

Os especialistas em políticas públicas e gestão governamental

A criação da carreira matricial de especialista em políticas públicas


e gestão governamental – EPPGG, atualmente conhecida como Gestor
Governamental, constitui um episódio administrativo que remonta à realização
de um estudo encomendado ao embaixador Sergio Paulo Rouanet, em 1982,
pelo Departamento de Administração do Serviço Público – DASP.
Segundo esse estudo, urgia aperfeiçoar a administração pública
federal mediante a criação de uma escola de governo que fosse incumbida da
tarefa de formar e capacitar profissionais em gestão pública, com atribuições
generalistas, de modo a inseri-los no aparato estatal e, assim, desempenhar
as mais altas funções públicas. A inspiração tanto do modelo de agente público
de elite quanto da instituição educacional de quadros proveio da tradição
francesa no campo administrativo, a cargo da École National d’Administration.
Portanto, a carência de profissionais de verve generalista pressupunha a
criação de um centro de formação correspondente, exclusivamente voltado
para a promoção da administração pública federal. Daí a criação da Escola
Nacional de Administração Pública, mediante o Decreto nº 93.277, de 19
de setembro de 1986, responsável pela formação do “[...] Estado-maior do
oficialato administrativo: o administrador superior para as mais altas decisões
político-administrativas” (CARDOSO e SANTOS, 1999, p. 06).
Como consequência do desdobramento da criação da ENAP, cria-se
a carreira de “especialista em política pública e gestão governamental”, no
bojo de uma reforma administrativa cujo fôlego extinguiu-se em decorrência
de uma série de fatores econômicos (o fracasso do Plano Cruzado e a crise
da dívida), políticos (a interferência de interesses particularistas, a ampliação
do mandato do presidente José Sarney mediante práticas clientelísticas) e
sociais (o agravamento das tensões sociais em decorrência do fracasso dos
planos econômicos subsequentes). O Projeto de Lei nº 243/87 inicialmente

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 93


designava os gestores governamentais como “técnicos em políticas públicas
e gestão governamental”; e graças ao substitutivo de junho de 1988 os
gestores passam a serem finalmente reconhecidos por sua designação atual.
Porém, foi através da Lei nº 7.834, de 06 de outubro de 1989, que a carreira de
gestor governamental ganha existência real, e um ano depois a administração
pública absorve os primeiros gestores governamentais formados pela ENAP.
A continuidade da carreira, entretanto, tem sofrido alguns solavancos, dentre
os quais a total negligência com que foi tratada no decurso do Governo Collor.
A sua retomada, no entanto, veio com o advento do Governo FHC, onde o
então ministro do antigo MARE, Luis Carlos Bresser Pereira, primou pela
institucionalização do provimento anual de concursos para a administração
pública, favorecendo, assim, o desenvolvimento da carreira. Recurso este
também sistematicamente utilizado no Governo Lula.
Cardoso e Santos (Ibidem) explicam que as atribuições dos gestores
governamentais concernem às funções de elaboração, implementação
e avaliação das políticas públicas, assim como às funções de direção e
assessoramento nos altos escalões da administração pública federal direta
– ou central, segundo o jargão do antigo DASP -, autárquica e fundacional.
Cheibub e Mesquita (2001), contudo, chamam a atenção para um fato
que parece acenar para uma direção um tanto quanto inversa. Os autores se
referem ao decreto que regulamenta a Lei nº 7.834/89, mais precisamente ao
seu artigo 1º, onde é definido que as atividades dos gestores governamentais
se orientam prioritariamente para o desempenho de atividades-meio (gestão
de políticas), logo, de funções coadjuvantes ao desenvolvimento de atividades
finalísticas associadas à elaboração, implementação e avaliação das políticas
públicas.
Quer dizer, apenas em última instância estarão os gestores voltados
para funções diretas de envolvimento no processo específico de concepção,
desenho, execução e avaliação de programas de ação governamental. O
preenchimento dos cargos da carreira dos EPPGGs tem se acelerado no
governo atual, apesar do aumento de cargos instituídos e atrelados à categoria,
que saltou de 960 para 1.560 cargos, demonstrando que a velocidade de seu
preenchimento é sinônimo de institucionalização efetiva. Restando, ainda, o
preenchimento de 600 vagas.
As análises de Cheibub e Mesquita (Ibidem) indicam que 75% dos
gestores entrevistados ocupavam cargos onde as tarefas adscritas situavam-
se no âmbito das atividades finalísticas (formulação e implementação das

94 UNIDADE 02
políticas públicas), sendo que destes, 70% dedicavam-se sobremaneira
às atividades voltadas para a formulação de políticas públicas e 30%
às atividades de implementação. Aqueles que se encontravam mais
diretamente envolvidos com atividades pertinentes à formulação das
políticas ocupavam cargos de direção superior (secretarias executivas e
secretarias de ministérios), de assessoria superior (assessoria ao ministro) e
de gerência e direção intermediárias (coordenações gerais, subsecretarias,
chefia de departamentos). Os demais desempenhavam tarefas associadas
à implementação, ocupando, pois, cargos de assessoria intermediária
(assessoria à direção superior).
Do universo pesquisado, 25% desenvolviam atividades-meio, ou
seja, atividades de apóio técnico e operacional. Logo, conclui os autores, o
exercício de atividades finalísticas constitui um indicador predominante do
perfil do gestor, sem apontar, todavia, para uma definição precisa de funções
típicas, ou exclusivas, de gestores governamentais. No entanto, esse perfil
constitui uma realidade funcional resultante de um caráter auto-eletivo, de
escolha individual, e não uma conseqüência da aplicação das diretrizes de
seu sistema de carreira, ou de uma orientação institucional ditada pelo órgão
encarregado de geri-la (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão).
De modo geral, o gestor pode ser caracterizado como um especialista
em políticas públicas que é dotado de um conhecimento aprofundado acerca
do Estado e de capacidade de negociação e de articulação; que possui uma
formação generalista e um compromisso com a ética; que é um servidor de
carreira; e que dispõe de uma formação intelectual que lhe permite articular
a teoria à prática no que respeita à estrutura estatal e governamental
(CARDOSO e SANTOS, 2001).
Porém o ofício de gestor não é dado de uma vez por todas em função
da própria formação. Na realidade, trata-se de uma conquista cotidiana,
rotineira, onde o gestor governamental tem constantemente de submeter-
se à prova de sua própria competência, sobretudo em relação ao Estado.
Ou seja, a institucionalização da carreira na condição de um quadro de
alta importância administrativa depende diretamente do reconhecimento do
próprio Estado em relação a essa categoria funcional, de modo a perceber a
sua indispensabilidade.
É patente e bem demarcado o terreno administrativo em que a
supracitada categoria funcional tende a uma vivência administrativa nômade.
A rede de atividades em que ela se movimenta é fortemente marcada por

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 95


uma ação de constante elasticidade, uma vez que o gestor exercita o seu
ofício e o coloca no centro das decisões públicas; de resto, pressupõe-se
uma postura comportamental maleável, uma vez que o gestor não é objeto
apenas de pressões exclusivamente externas, mas também constitui alvo de
pressões do próprio governo. É interessante verificar que o gestor possui uma
inequívoca consciência de que não é um funcionário do governo, e sim do
Estado. No entanto, também percebe com clareza que sua função operacional
no cerne do Estado lhe impõe atribuições que o tornam momentaneamente
um instrumento governamental. Nesse sentido, a tomada de decisão importa
em combinar a dosagem entre o componente técnico e o componente político,
além da capacidade de vislumbrar a conjuntura sociopolítica e econômica, o
que supõe o retardamento ou adiamento estratégico das ações do Estado.
Portanto, é exatamente nesse instante que o Gestor é exigido como parceiro
interno dos propósitos governamentais, ou seja, o Gestor é chamado a
contribuir para a ação sociopolítica da facção ou coalizão no poder, na direção
dos negócios do Estado.

Síntese

Nesta Unidade, ficaram patentes as seguintes preocupações didático-


pedagógicas: a) a distinção entre gestão e administração, em que a primeira
se refere à atividade administrativa corriqueira, prosaica, relativa ao simples
funcionamento do aparato estatal, e a segunda, que, por sua vez, diz respeito
à totalidade funcional da administração pública; b) a identificação das fontes
de financiamento do Setor Público; c) a caracterização da nova administração
pública; e d) o desenho do perfil funcional de alguns agentes administrativo da
alta administração, bem como a ênfase em suas qualificações profissionais.
Assim sendo, o propósito então perseguido e posteriormente atingido foi o de
demonstrar que os componentes do setor público não necessitam apenas de
leis para existir e funcionar no mundo real, mas também precisam de recursos
financeiros para custear o funcionamento da máquina administrativa e para
a promoção das políticas públicas, assim como o perfil sócio-profissional de
parcela dos servidores públicos que desempenham altas funções públicas,
particularmente os EPPGGs e os APOs. Na sequência, contemplaremos
os temas nacionais estratégicos associados à ação do Estado no comando
do processo de desenvolvimento nacional, cuja dinâmica está vinculada à
construção de uma nova ordem internacional.

96 UNIDADE 02
Atividades

1) Identifique as características comuns e incomuns das noções de


administração e gestão:
2) Discorra sobre os mecanismos de financiamento das atividades do Estado.
3) Descreva o ciclo orçamentário anual em relação ao ciclo orçamentário
ampliado.
4) Comente cada uma das características gerais da nova administração
pública.
5) Enumere as características funcionais dos gestores governamentais
(EPPGGs) em contraposição aos analistas (APOs).

Glossário

• Consultoria: prestação de serviços de orientação especializada que visa


produzir diagnósticos acerca de uma situação-problema de modo a perseguir
a sua eventual solução.
• Corporação: segmento administrativo que pode, ou não, valorizar
excessivamente o espírito de grupo no interior da organização.
• Corporatizada: transformada numa corporação ou dividida em
corporações profissionais.
• Cultura do compromisso: engajamento pró-ativo dos membros da
organização em prol da realização compartilhada de objetivos programáticos
e finalistas.
• Economicidade: no âmbito do Direito Administrativo significa parcimônia
no uso dos recursos públicos (princípio da economicidade).
• Gerenciamento de riscos: planejamento, organização, direção e
controle dos eventos ou condições imprevisíveis que podem ou não interferir
de forma positiva ou negativa nos projetos governamentais.
• Mãos visíveis: metáfora que serve para significar o controle do mercado
por gestores profissionais, em oposição ao conceito personalizado de mãos
invisíveis do mercado. Ou seja, a perda da confiança na suposta capacidade
do mercado em regular o sistema econômico a partir das funções básicas
da regulação, da alocação, da redistribuição e da estabilização macro-
econômica.
• Parâmetro: padrão, modelo.
• Projeto de nação: programa político de construção de uma agenda de

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 97


desenvolvimento nacional em que os interesse gerais da pátria suplantam os
interesse particularista dos indivíduos isolados.
• Projeto de poder: programa político que visa à adoção do arrivismo (uso
indiscriminado e inescrupuloso dos meios em função dos fins; o vale tudo)
como estratégia de vida.
• Sociedade de auditoria: proliferação de modalidades de auditagem
(balanço das operações contábeis) das contas públicas com base na
transparência e na accountability – auditoria ambiental, auditoria de gestão,
auditoria do “fazer mais com menos”, auditoria da propriedade intelectual,
auditoria tecnológica etc.

98 UNIDADE 02
UNIDADE 03
SETOR PÚBLICO: GESTÃO
PÚBLICA, POLíTICAS PÚBLICAS E
OS DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO
DA NOvA ORDEM SOCIAL
MUNDIAL

objetivos
1. Descrever e explicar as diferenças fundamentais entre o setor público e o setor privado.
2. Definir e classificar as políticas públicas.
3. Explanar a especificidade da política social.
4. Identificar os pré-requisitos à inscrição de um problema social na agenda governamental.
5. Situar o Estado brasileiro no atual debate da construção não apenas de uma nova ordem
internacional, mas do advento de uma sociedade verdadeiramente global.
Setor Público: gestão pública,
políticas públicas e os desafios
da construção da nova ordem
social mundial

Gestão pública e gestão privada

A dicotomia público-privado assinala, respectivamente, conforme


classificação de Weber (1991), um sentido político: por um lado, a dominação
em virtude de uma constelação de interesses (mercado) e, por outro, a
dominação em virtude da autoridade (Estado); mas também assinala, no
sentido econômico, a contraposição entre agentes produtivos mercantis e
agentes promotores e/ou reguladores do mercado, cuja atuação ocorre
sob o escudo da legitimidade no uso do poder de coerção, salvaguardados
os princípios constitucionais que regem os direito e garantias individuais e
coletivas, a salvo de um Estado Leviatã. Igualmente podemos notar facetas
diferentes quando analisamos tal dicotomia à luz do sentido social: a oposição
entre o campo da propriedade e da intimidade e o campo da representação
social, da solidariedade e da cidadania.
A compreensão dicotômica entre público e privado, apesar de ser
esclarecedora, dado que a percepção dialética nos induz a pensar que um
somente se explica em função do outro e vice-versa, não nos fornece a chave
real de sua compreensão devido ao fato de que o privado e o público já
se mesclaram, suas fronteiras se esboroaram, a exemplo do processo de
conurbação das áreas metropolitanas – às vezes fica dificil saber se nos
encontramos no centro urbano matriz ou se nas circunscrições territoriais
municipais que compõem uma região metropolitana; para não falar das
megalópolis. O Direito Administrativo descreve tal esboroamento como uma
situação histórica marcado pela chamada crise dos critérios. A intervenção do
Estado enquanto agente produtivo, comercial e financeiro é o principal fator de
reordenamento da economia no exercício de suas funções orçamentárias de

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 101


alocação, de redistribuição e de estabilização macroeconõmica. Acrescente-
se, ainda, um componente que brevemente vai se constituir em tema de
interesse geral e de desinteresse particular de alguns: o problema da dívida,
constructo de extração contábil que expressa politicamente uma cadeia de
compromissos financeiros construída entre o Estado, enquanto devedor
adimplente, e as finanças privadas dos setores financeiros, bancários e de
securitização, enquanto credores.

Sociedades não devem contar com as forças do mercado


para proteger o ambiente ou fornecer um sistema de
saúde de qualidade para todos os cidadãos […] O
mercado não funciona muito bem quando se trata de bens
públicos" [...] Os mercados trabalham aceitavelmente
com bens chamados por economistas de bens privados"
(como carros e outros objetos duráveis), (Eric Maskin, um
dos três economistas agraciado com o Prêmio Nobel de
Economia de 2007).

A clássica metáfora de Adam Smith sobre a mão invisível


refere-se a como o mercado, sob condições ideais, garante
uma alocação eficiente de recursos escassos. Mas, na
prática, as condições normalmente não são ideais. Por
exemplo, a competição não é completamente livre, os
consumidores não são perfeitamente informados e a
produção e o consumo desejáveis privadamente podem
gerar custos e benefícios sociais (Nota da Real Academia
Sueca de Ciências quando da outorga do Prêmio Nobel de
Economia de 2007 aos economistas Erick Maskin, Leonid
Hurwicz e Roger Myerson).

O proprietário privado de algum bem patrimonial responde por esse


bem como lhe aprouver. Pode até abdicar deles, como muitas personalidades
o fizeram no decurso de suas vidas. E ao fazê-lo não terá de prestar contas
de seus atos a não ser em estrito respeito ao quadro legal do país, e mesmo
assim sob a guarda do artigo 5º da Constituição que prevê a igualdade
de todos perante a lei. Não é o que ocorre com relação à coisa pública.
Quanto a esta, existem ritos de ingresso, de funcionamento e de controle;
coexistência de processos decisórios e racionalidades diferentes (funções
autoritário-abonadoras, funções de intervenção econômico-social e funções
de intermediação de interesses); regime jurídico especial; obrigatoriedade
de processos licitatórios; relações interministeriais e interorganizacionais;
prerrogativas jurídicas como salvaguarda do interesse público etc.

102 UNIDADE 03
Enquanto a propriedade privada pertence, em última instância,
a uma ou mais pessoas; a propriedade pública pertence à totalidade do
povo que constitui a nação, sobretudo quando se trata de uma república.
Convém acrescentar que os processos sociais, burocráticos, administrativos,
econômicos e financeiros que envolvem a administração do patrimônio público
chegaram a tal ponto de complexidade que as exigências de transparência e
de accountability tem se tornado um imperativo político crescente.
Nunca é demais reafirmar que o grau de complexidade da
administração no setor público suplanta em muito a complexidade da
administração no setor privado. No entanto, observa-se uma maior
integração entre elas na medida da proliferação das organizações não
governamentais. Pelo lado do setor público temos a publicização; pelo lado
do setor privado temos a responsabilidade social corporativa e entre elas,
como um divisor de águas cada vez mais constante e à jusante, o setor
social, ou terceiro setor.
Um critério básico para a classificação desses setores é o critério
do tipo de propriedade. Portanto, quando nos referimos ao setor público
queremos explicitar que se trata de uma forma de propriedade pública de
caráter estatal; ao passo que as referências ao setor privado remetem à
propriedade privada. Mas existem propriedades públicas de caráter não
estatal: é o caso das organizações sociais e das organizações sociais de
interesse público (ver Unidade 1).
Conforme já discutimos, no decurso da unidade 1, existem tanto
características comuns quanto incomuns entre os modelos de gestão pública
e os modelos de gestão privada. Entre as características comuns destacam-
se aqueles elementos e relações que definem o conceito de administração
num duplo sentido: o sentido estrutural (infra-estrutura, capital intelectual,
meios operacionais e cultura organizacional) e o sentido funcional ou
operacional (processos de planejamento, organização, direção e controle).
Com exceção da totalidade dos elementos de convergência entre os setores
público e privado, convém esclarecer que o setor público é distinguido por
seu vínculo indissolúvel ao poder político e por seu caráter de natureza
não mercantil, ou destituído de finalidades lucrativas; exceção feita às
empresas públicas e às sociedades de economia mista, e que se enquadram na
técnica jurídica da descentralização associada à produção de bens e serviços
ao mercado. Com base em seu vínculo indissolúvel ao poder político, o Setor
Público é obrigado a submeter-se às regras constitucionalizadas do Direito

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 103


Administrativo, ou seja, aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da
moralidade, da publicidade e da eficiência, conforme Título III, Capítulo VII,
artigo 37 da Constituição Federal.
A construção política e jurídica do Estado moderno, gestada como
conseqüência do fenômeno da querela das investiduras, que antepunham
poder espiritual (sagrado) e poder temporal (secular), até propender em
definitivo a favor do poder político secular, personalizado na figura do monarca
absolutista. Desde a sua forma de expressão enquanto Estado-protetor
ou liberal até a assunção do Estado–providência, assistimos a um longo e
lento processo de rearranjo constante de formas de participação política nos
destinos das sociedades.
Daí resulta o sufrágio universal, ou seja, o direito de o cidadão,
devidamente registrado em instância jurídico-eleitoral, exercer a sua vontade
de escolha através do instituto cívico-político do voto direto, secreto,
universal e periódico, de modo que o peso de seu voto é igual ao de qualquer
outro cidadão brasileiro; e do instituto da alternância do poder – as trocas
periódicas de comando do Estado, cujas disputas são materializadas pelos
partidos políticos. Assim, a existência desses grupos políticos, formalmente
designados como partidos, depende da instituição destes enquanto dotados
de personalidade jurídica, na forma da lei civil, e do registro de seu estatuto
junto a Tribunal Superior Eleitoral (Título II, Capítulo V, artigo 17, Título I, §2º,
CF/88).
O disciplinamento do processo de participação no sistema social
via sufrágio universal e as conseqüências do exercício deste instituto sobre
o processo de rodízio de forças pleiteantes de posições concretas de
poder social, político e econômico na sociedade são os mecanismos
preventivos a estresses capazes de provocar ruptura no tecido social; sem
eles, a desintegração social é inevitável, pois os grupos tenderiam a viver num
conflito generalizado. A regulamentação do sufrágio universal e a alternância
de poder consta de matéria jurídica circunscrita ao Direito Constitucional,
cuja supervisão fica a cargo do Tribunal Superior Eleitoral; e seu objeto
programático é a garantia de oportunidades iguais aos contendores nas
periódicas refregas político-eleitorais, ou seja, nas eleições.
No Brasil, o presidente da República é ao mesmo tempo chefe de
Estado e chefe de governo, ou seja, em nosso país o exercício do poder
executivo é classificado, segundo concepção de Duverger (SILVA, 2003), como
executivo monocrático, ao contrário de outras tradições de cultura política,

104 UNIDADE 03
em que o exercício do poder é compartilhado por dois ou mais mandatários
(a própria França, de Duverger, por exemplo). Isso torna o dirigente máximo
e plenipotenciário do Estado um monarca em plena República.
Porém, a excessiva configuração simbólica do Estado, justaposta
na pessoa de seu mandatário plenipotenciário como chefe de Estado e de
governo, termina por enfraquecê-lo. Isso decorre da inversão de papéis: a
despersonalização do Estado acompanhada da personalização excessiva
(culto à personalidade) de seu mandatário-mor. Significa dizer que milhões
de indivíduos interpretam as políticas públicas ou governamentais, tal como o
Programa Bolsa Família, como um gesto de bondade do poder público graças
à benevolência do dirigente máximo de plantão. Assim, o Programa Bolsa
Família é compreendido solenemente por grande parte de seus beneficiários
ou administrados como um favor pessoal, bem ao estilo do modelo de
administração patrimonialista (clientelismo, corporativismo e fisiologismo).
Ao invés de encará-lo como um dever do Estado em obediência ao artigo 6º,
título II, capítulo II, da Constituição Federal, que assim reza:

São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o


lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,
na forma desta Constituição.

Portanto, a Constituição não ratifica nenhum mandatário da


República Federativa do Brasil como personificação do Estado federal e/ou
da União; apenas reserva-lhe o direito à representação jurídica para fins de
realização da vontade plenipotenciária, ou soberana, do Estado, entendido
este enquanto consciência social, econômica, política e cultural da sociedade
civil. Nesse sentido, são vedadas certas condutas ao administrador da coisa
pública, como prescreve o artigo 37º, inciso XXI, parágrafo1º, CF:

A publicidade dos atos, programas, obras, serviços


e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter
educativo, informativo ou de orientação social, dela
não podendo constar nomes, símbolos ou imagens
que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou
servidores públicos.

A trindade institucional secular – Estado (vontade política dos grupos


que participam do jogo do poder consagrado em compromisso escrito),

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 105


Governo (planejamento estratégico) e administração pública (execução) –
são três instituições em uma.
O Estado, o primeiro componente da trindade secular, cristaliza
em si mesmo o poder da sociedade civil organizada. Apesar de ele não ter
existência real, concreta, objetiva, em si mesmo, ele existe virtualmente
no nosso imaginário social. Para isso, precisamos de uma representação
aparente do Estado. E como uma das dimensões mais evidentes da presença
do Estado na sociedade temos o seu direito constitucional ao poder exclusivo
quanto ao uso facultado da coerção física ou cerceamento de liberdade –
o poder repressivo, ou simplesmente poder de polícia. O uniforme e o uso
de armas concedem ao representante do Estado – antes mesmo do que a
legitimidade e legalidade –, um certo sentimento de admiração e respeito
ou de temor e capitulação, tudo dependendo das circunstâncias sociais e
de seus respectivos significados históricos, a saber: admiração e respeito,
quando se trata de uma modalidade de democracia verdadeiramente plural
e justa; temor e capitulação, quando se lida com os regimes de exceção de
todas as cepas, os regimes ditatoriais e/ou totalitários, por exemplo.
Portanto, o Estado representa o poder virtual, porque, antes de tudo,
se situa na consciência social dos indivíduos, se lhe apresentando como
transcendental, distante, poderoso e inatingível. E a consciência social dos
indivíduos, aqui entendido como consciência média, é forjada pela forma
como as informações são captadas e interpretadas à luz dos valores e clichês
altissonantes (tendências ou moda predominantes) das épocas históricas.
O governo, como componente segundo da trindade secular, também
faz referência ao poder, e é o que na prática o faz – usá-lo, afinal quem governa
o faz porque se apoia em alguma forma de poder, político, econômico, cívico,
simbólico etc. O poder que legaliza o uso do poder pelo governo é chancelado
pelo próprio Estado mediante um longo processo político-eleitoral, que vai da
propositura de candidaturas a mandatos eletivos ao rito de formalização dos
atributos do poder aos eleitos sob direção de um grupo político vencedor
da contenda eleitoral. O governo, então, é elevado à condição de preposto
genuíno da sociedade estatal, ou seja, da sociedade civil, passando a usufruir
do status de cúpula do poder político soberano, interno e externamente.
O terceiro, e não menos importante, componente da trindade secular,
a administração pública, também dispõe de parcelas de poder, mas apenas
nos exatos limites estabelecidos pelas regras que regem as condutas dos
funcionários públicos. Tal poder é mais concentrado na cúpula e menos

106 UNIDADE 03
concentrado na base do aparelho de Estado (administração pública).
Quanto mais próximo do ápice da pirâmide de poder político os grupos de
funcionários se situam, mais amplo é o universo de ações, decisões e de
informações influenciadas por tais grupos. Neste sentido, o agente público
mais humilde, integrante de um órgão administrativo qualquer, ao resolver
um simples procedimento burocrático, o faz como representante do Estado.
Igualmente ocorre no caso de assinatura de acordo sobre cooperação
cultural e militar entre dois países. Trata-se de formulação de tratativas
internacionais submetidas ao crivo do parlamento para fins de ratificação
e regulamentação jurídica. Em outros termos, o parlamento chancela um
tratado para sacramentar a eficácia do poder do Estado através de órgãos
administrativos diretos da União, a cargo da Presidência da República.
O Estado é uma condição de ser jurídica que é forjada no processo
de entendimento político entre as principais forças em disputa pelo Poder
Político. Esse entendimento político precisa ser preservado, pois o próprio
Estado depende dele para subsistir. Em função dessa necessidade de
sobrevivência política – do Estado e do próprio entendimento político que o
cria -, providências devem ser tomadas. Mas quais providências deverão ser
tomadas? E por quem?
É nesse contexto social de decisão política que nos desembocamos
no governo. Este, por sua vez, precisa transformar decisões estratégicas em
ações concretas, pois a sua legitimidade política depende da eficácia, da
eficiência e da efetividade de tais ações. Para isso, no entanto, o governo
necessita de meios operacionais de alcance de seus objetivos e metas,
ou seja, o governo, enquanto instância de poder e procurador legal do
Estado, necessita de recursos de toda ordem (servidores, infra-estrutura,
equipamentos etc.) para poder governar. Mas para fazê-lo, precisa contar
com uma eficiente estrutura administrativa. Esta estrutura administrativa é o
suporte tanto do Estado quanto do governo, e, que por isso a chamamos de
Administração Pública.
A necessidade de manter em mente a idéia da co-articulação entre
Estado, governo e administração pública resulta da mera observação empírica
dos fatos do dia-a-dia que envolve a ação do poder público na sociedade, o
que inclui o mercado e as organizações nãogovernamentais. Sejam quais
forem as atividades executadas por uma dessas três instituições, elas
acionam uma cadeia de transmissão na qual se encontram simultaneamente
em movimento, emitindo seus efeitos jurídicos (legal-normativo), políticos

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 107


(controle legítimo) e burocráticos (execução de serviços e políticas públicos).
Toda e qualquer ação praticada pela administração pública, através de seus
órgãos supremos e administrativos, carregam a marca da autoridade política
do Estado e de seu representante legal, o governo.

As políticas públicas

Desde os primórdios de nossa civilização, ensina Bobbio (1999),


o Estado é representado a partir de metáforas ou analogias que buscam
compreendê-lo como um conjunto relativamente ordenado de partes
interconectadas que configura um todo unitário. Pelo menos três dessas
metáforas ou analogias sobressaíram-se no decurso do tempo.
A primeira delas, a metáfora ou analogia mecânica, parte do
pressuposto de que o que anima esse todo unitário interconectado
(o Estado) é um motor, ao passo que a metáfora ou analogia orgânica
identifica tal princípio unificador do Estado como a alma, o espírito ou a
mente. A terceira metáfora ou analogia, a sistêmica, concebe o Estado
como animado por um órgão decisório cuja especialidade imediata é a
conversão de perguntas (reivindicações sociais, econômicas e políticas
por recompensas) em respostas (políticas públicas correspondentes às
demandas da sociedade, ou seja, correspondentes às perguntas realizadas
por esta).
Assim, o Estado pode ser descrito a partir de uma dinâmica que
requer a sua divisão em dois aspectos diferentes e complementares, a saber,
o aspecto estrutural e funcional. Em seu aspecto estrutural, o Estado é
compreendido como um conjunto de partes interligadas e interdependentes,
enquanto em seu aspecto funcional refere-se a um conjunto de partes
articuladas em que umas se destinam a formular perguntas e outras a
convertê-las em respostas. As supracitadas metáforas ou analogias indicam
três modos diferentes de se conceber o Estado sob a perspectiva comum
da noção de um todo unitário interconectado, cabendo a gestão de tal
interconexão ao governo, o centro propulsor e unificador do Estado.
É, portanto, sob o ponto de vista da metáfora sistêmica que
procuraremos explicar e compreender aquelas partes interconectadas de
um todo unitário (Estado) voltadas para a conversão de demandas sociais,
econômicas e políticas em políticas públicas setoriais correspondentes. É o
que faremos a seguir.

108 UNIDADE 03
Um referencial importante para a compreensão do papel das políticas
públicas na relação entre o Estado e as sociedades contemporâneas
industrializadas é distinguir a sua lógica de base, a lógica setorial, e
confrontá-la com a lógica territorial. Esta se desenvolve no âmbito das
sociedades tradicionais (comunidade), que são sociedades genuinamente
territoriais (conjunto mais ou menos constituído de territórios relativamente
autônomos), já que a identidade essencial dos indivíduos é formada em
função do território em que vivem (sentimento de pertencimento em relação
ao torrão natal; sentimento pátrio). A estrutura organizacional das sociedades
tradicionais apresenta uma débil divisão social do trabalho e uma lenta
mobilidade social; talvez por isso mesmo as sociedades tradicionais sejam
constantemente ameaçadas de explosão (riscos de secessão). O princípio
essencial que rege tais sociedades é a dialética centro/periferia. Mas devido
ao crescimento das populações, à intensificação das relações de trocas
mercantis e ao advento da revolução industrial, esse princípio aos poucos vai
sendo absorvido pela lógica da setorialidade, que, por sua vez, contrapõe o
global e o setorial.
A explosão da divisão social do trabalho resulta: do confinamento
da célula familiar à exclusiva esfera da reprodução e do descanso (separação
do ambiente familiar em relação ao ambiente produtivo da empresa, que se
desenvolve graças à proliferação diversificada de funções profissionais); da
formação de papeis profissionais cada vez mais numerosos e especializados,
cujo exercício requer uma formação específica; e da emergência de novos
reagrupamentos de papeis profissionais cuja base de apoio consiste em
hostes exclusivamente voltadas para o exercício dos mais variados ofícios
e/ou perícias. Assiste-se, assim, a passagem de uma lógica horizontal
(territorial) a uma lógica vertical (setorial), da mesma forma que podemos
dizer que se passa da predominância da dialética centro/periferia para uma
dominação da lógica global/setorial. É o que ocorre, por exemplo, quando a
esfera da produção (empresa) se aparta da esfera da reprodução (família)
e quando se verifica uma dissociação entre o setor agrícola e o mundo
rural. O mesmo ocorre com o setor social, em que se observa a transição
da assistência, inerente à ordem territorial, para a técnica de seguro social
associada à setorialidade. Como ensina Renard (apud MULLER, 1980, p. 15;
tradução nossa), “os seguros sociais assinalam a transição de uma proteção
social organizada sobre uma base territorial rumo a uma proteção social
organizada sobre uma base profissional”.

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 109


O setor se nos apresenta enquanto estruturação vertical
(hierarquização) de papéis sociais que forjam as regras de sua própria
dinâmica organizacional; podendo ser traduzido por corporação, de acordo
com a terminologia sociológica. Mas, diferentemente dos territórios, os
setores não são autorreproduzíveis, já que são dependentes da reprodução
dos demais setores de que a sociedade contemporânea se compõe. Logo,
toda sociedade setorial sofre de um grave problema de coesão social, pois, ao
contrário das sociedades tradicionais, que sofrem a ameaça de fragmentação
(os territórios se dividem: enfraquecem, mas não desaparecem), as sociedades
setoriais, por sua vez, correm o risco de serem desintegradas (esfaceladas,
aniquiladas, extintas), a menos que desenvolvam por conta própria os meios
necessários para administrar os conflitos intersetoriais.
Mas que meios são esses? São as chamadas políticas públicas, cuja
implementação é susceptível de produzir distorções operacionais e finalistas
que demandam outras políticas públicas, em virtude da precária integração
social das sociedades que são regidas pela lógica setorial:

“[...] numerosas políticas públicas não terão outro objeto


senão a gestão dos desajustamentos produzidos por
outras políticas setoriais: a sociedade setorial, em perpétuo
desequilíbrio, gera permanentemente ‘problemas’,
‘disfunções’ ou ‘efeitos perversos’ que deverão, por sua
vez, serem objetos de políticas públicas” (Ibidem, p. 22-
23; tradução nossa).

As políticas públicas são as consequências mais evidentes da


transição da lógica territorial para a lógica setorial, na medida em que os
procedimentos de mediação social são modificados, uma vez que surge uma
nova geração de representantes cuja legitimidade se apóia na representação
de um grupo profissional ou corporação; e na medida em que se adota o uso
de instrumentos intelectuais necessários à gestão das díspares reivindicações
setoriais. Assim, as políticas públicas emergem como meios ou instrumentos
a partir dos quais se procura salvaguardar o equilíbrio da relação global/
setorial, prevenindo os eventuais desajustes entre um determinado setor e
os demais, ou entre um setor e a sociedade global. Donde se conclui “[...]
que o objeto de uma política pública é a gestão da relação global/setorial [...]”
(ibidem, p. 24).
É inconcebível que um setor, qualquer que seja ele (setor agrícola
ou industrial, por exemplo), se separe da sociedade. Os setores são

110 UNIDADE 03
interdependentes entre si, além de concorrerem pelos recursos escassos que
proporcionam a concretização das políticas públicas em conformidade com
as demandas setoriais (queda de juros para o setor agrícola, comercial ou
industrial; desconcentração da propriedade da terra, para o setor da agricultura
familiar; construção de infraestrutura portuária e aeroportuária, para o setor
exportador e de apoio logístico; etc). Como se vê não existe espaço para
secessão entre os setores de que se compõe a sociedade moderna, cujo
princípio regente de solidariedade é aquele concebido por Émile Durkheim, a
que chamou de solidariedade orgânica, um tipo de solidariedade assinalado
pela dessemelhança entre as funções ou papeis sociais e profissionais dos
indivíduos nas sociedades industrializadas. Equivale ao que ocorre com o
organismo humano, em que o conjunto dos órgãos são interdependentes
entre si – o sistema cardiovascular somente subsiste graças às especialidades
funcionais dos demais órgãos do corpo humano como os rins, o pulmão e a
pele –, a sociedade moderna se caracteriza pela total dependência entre os
seus setores constitutivos.
A política pública, portanto, é um processo de mediação social. Logo,
conclui-se que política pública existe apenas quando o poder público local ou
nacional procura modificar as condições de vida social, cultural ou econômico
de atores sociais, desde que sejam submetidos à lógica setorial e que se
expresse num programa de ação coordenado. E a título de simplificação,
podemos dizer que qualquer política pública é capaz de ser decomposta em
três processos, a saber: 1) a definição do lugar, do papel e a da função do
setor envolvido em relação à sociedade global ou em relação aos demais
setores; 2) a construção de uma representação, de uma imagem da realidade
sobre a qual se quer intervir (“referencial de uma política pública”); e 3) a
determinação do ator (ou grupo de atores) a ser encarregado da operação de
construção ou de transformação do referencial de uma política (mediador).

A política social

A expressão política social constitui um “conceito guarda-chuva”, no


sentido de que, segundo Laura Balbo, alude a uma pletora de problemas
de naturezas diferentes que vão desde programas habitacionais, sanitários,
educacionais, previdenciários, assistenciais stricto sensu, programa de
renda mínima, abatimento ou isenção fiscal, até a oferta de subsídios
governamentais quanto ao consumo de certos bens. A política social é uma

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 111


política pública stricto sensu que integra a modalidade lato sensu de política
pública.
Para Laubier (1984), a especificidade da política social não se situa
apenas na fronteira entre a dimensão econômica e a dimensão política,
onde a primeira volta-se para a produção de riquezas e a segunda para
a manutenção e/ou o revigoramento do poder estatal. A especificidade da
política social também reside em sua finalidade, amplamente assentada na
ideia de justiça social, logo, na noção de cidadania. Laubier (Ibidem, p. 7)
assim define política social:

Por política social aqui se compreenderá o conjunto das


medidas tomadas ao nível de uma nação cujo escopo é o
de aperfeiçoar, ou de mudar, as condições de vida material
e cultural da maioria da população em conformidade com
uma crescente tomada de consciência dos direitos sociais,
assim como dar conta das possibilidades econômicas e
políticas de um país em um determinado momento.

Laubier (1984) entende, com propriedade, que a definição de política


social torna-se completa quando se arrolam os seus atores, assim como
os seus âmbitos de atuação. O Estado é o principal ator da política social,
sobre o qual recai a atenção reivindicatória dos demais atores no sentido de
imprimir alterações no padrão de política social por ele implementado. Os
sindicatos são um dos mais importantes atores da política social, uma vez
que se fazem presentes em todos os países, com maior ou menor expressão
político-organizacional. Tanto o Estado quanto os sindicatos apresentam-se
como os atores mais universais da política social. Com base na “Declaração
sobre o Progresso e o Desenvolvimento no Domínio Social”, encampado pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, em 11 de dezembro de 1969, Laubier
elege os principais domínios da política social moderna, a saber, o emprego, a
política de redistribuição de renda, a seguridade social e a educação. Assim,
a implementação da política social, através da contemplação de todos esses
domínios, serviria para garantir o bem-estar social de toda a humanidade
conforme a idéia de justiça social.
Bustello (1982) envereda por uma seara conceitual contígua a de
Laubier. Para ele, há uma identidade flagrante entre política econômica e
política social; são a mesma coisa. Enquanto a primeira preocupa-se com
os processos de geração de riquezas, esta última focaliza suas atenções
sobre o problema da distribuição de recursos e renda – “[...] quem faz política

112 UNIDADE 03
econômica faz ao mesmo tempo política social e vice-versa” (Ibidem, p. 134).
Logo, a política social se instaura no cerne do processo de produção
material e de consumo, onde se observam diferentes “proporções e
interdependências”. Em termos macroeconômicos, significa dizer que em uma
determinada sociedade há a necessidade de se estimar algumas proporções
na articulação entre produção, consumo e renda, por exemplo, e o modo a
partir do qual tais proporções são distribuídas numa dada população, sendo
que tal distribuição é induzida a descrever uma trajetória que pode torná-la
progressiva ou regressiva, uma vez correlacionada a distintas proporções
entre produção e consumo, renda e consumo e consumo e acumulação, ou
seja, ao conteúdo das políticas econômicas (fiscais ou monetárias; políticas
industriais e de exportação; etc.).
Assim, a definição dessas proporções, que constitui a essência da
política social, predispõe-na a assumir características cuja implementação
a identificam como um ou outro dos seguintes modelos básicos de
política social: política social “residual” ou “assistencial” (o mercado é que
espontaneamente se encarrega de definir as proporções constitutivas dessa
modalidade de política social, onde o planejamento somente se justifica
em casos de situação-limite), política social tecnocrática (coexistência
do princípio do mercado com processos de planificação) e política social
distributiva (tendência à maximização da distribuição da riqueza e da renda,
o locus em que o planejamento encontra sua verdadeira especificidade).
Em suma, a definição de política social subentendida nas concepções
de Bustello está associada ao caráter pragmático do planejamento social,
portanto, do desenvolvimento social, que por sua vez é de natureza
progressiva, já que visa à ideia de justiça social.
Porém, de todo modo, fica para a reflexão sobre as múltiplas dimensões
cognitivas da política social a definição certeira de Offe (1994, p. 15) acerca
dos fundamentos sociais da produção/reprodução econômica, justificando a
interdependência férrea entre as dimensões social e econômica da política
pública às quais designamos por política social e por política econômica,
respectivamente: “A política social é a forma pela qual o Estado tenta resolver
o problema da transformação duradoura de trabalho não assalariado em
trabalho assalariado”

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 113


Classificação das políticas públicas

As políticas públicas podem ser classificadas em quatros grandes


grupos não-mutuamente excludentes:
1) políticas preventivas - toda política pública que suprima ou
amenize os efeitos de um problema social grave: saúde pública, saneamento
básico, educação, nutrição, habitação, emprego e salário;
2) políticas compensatórias - caracteriza-se por um tipo particular de
política cujo escopo é neutralizar parcialmente os problemas produzidos por
eventuais problemas macroeconômicos e políticas preventivas ineficientes:
políticas previdenciárias e de qualificação do trabalhador ou por políticas
socialmente não-dependentes (políticas viárias, de transportes etc.;
3) políticas distributivas - políticas que se caracterizam mediante
mecanismos de transferência real de renda sem contrapartida (seguro-
desemprego, abono salarial, Funrural, Bolsa Família, política de aumento do
salário mínimo acima da inflação), cujo objetivo-mor é prevenir ou diminuir as
desigualdades sociais); e
4) políticas estruturais - consistem em programas sociais
direcionados para estabilizar os fundamentos macroeconômicos através, por
exemplo, da redução da taxa de desemprego e do aumento na produtividade,
logo, dos salários; podem ser classificadas em políticas estruturais diretas e
indiretas.
As políticas estruturais diretas são destinadas à redução do
desemprego e ao aumento da produtividade. Facultam o acesso subsidiado
a três tipos de serviços: a) intermediação de mão-de-obra – visa reduzir
a taxa de desemprego e, marginalmente, aumentar a produtividade (SINE);
b) qualificação profissional - permite, ao mesmo tempo, o aumento da
produtividade do trabalho, logo, o nível salarial, e reduz o desemprego (Planfor
e Sistema ‘S’); e c) crédito – visa melhorar a renda do trabalhador, sobretudo,
do autônomo, contribuindo para diminuir o desemprego e aumentar o nível
salarial (Pronaf e Proger).
As políticas estruturais indiretas, por sua vez, são aquelas políticas
macroeconômicas que incentivam a expansão da produção e/ou a renovação
tecnológica, provocando efeitos positivos diretos sobre a produtividade
no trabalho, impactando, assim, o nível geral do emprego e dos salários.
Envolvem investimentos públicos diretos, políticas de redução de tributos e
da taxa de juros de mercado, assim como políticas de empréstimos a juros
subsidiados destinados a investimentos em capital físico produtivo.

114 UNIDADE 03
A gestão da agenda política

A gestão da agenda política não se restringe a saber que em tese


todo problema social é capaz de transformar-se em problema político,
mas a identificar os mecanismos a partir dos quais tal transformação é
operacionalizada, permitindo que determinado problema (político) seja
inscrito na agenda governamental. A inscrição de um problema específico na
agenda dos poderes públicos constitui o momento mais expressivo do ciclo
político, pois é no decurso desse processo que uma política pública revela o
seu verdadeiro sentido. A noção de agenda política é por demais importante
porque permite que sejam explicitados os processos através dos quais os
agentes políticos eletivos encampam um problema de modo a elaborar um
programa de ação governamental
Quando se afirma que a agenda política possui uma natureza
cognitiva significa dizer que a formulação dos programas públicos pelos
agentes políticos é condicionada pela percepção que eles têm do mundo
em que vivem. No que respeita à formulação e implementação das políticas,
somente aparentemente os decisores gozam de autonomia de decisão. Isso
ocorre por duas razões: a escolha do decisor é condicionada pela estrutura
do sistema de decisão; o conhecimento do decisor é limitado. Não apenas a
liberdade de escolha do decisor é fictícia como o controle que ele tem sobre
o processo de formulação das alternativas é por demais restrito. O maior
problema enfrentado por um decisor é o de minimizar a margem de incerteza
relativa à realidade concreta, procurando simplificar ao máximo o campo
da decisão através da coleta de informações que considera importantes (a
construção de um campo cognitivo)

“A agenda política, quer se trate daquelas dos Estados-


nação ou daquelas coletividades locais, compreende o
conjunto dos problemas percebidos como demandantes de
um debate público, e até da intervenção das autoridades
políticas legítimas” (PADIOLEAU apud MULLER, 1990, p.
37; tradução nossa).

Para completar o nosso percurso didático pela seara das políticas


públicas, convém apreciar as lições de Jean Padioleau, para quem a
probabilidade de um problema ser inscrito na agenda governamental depende
de três condições: 1) que a sociedade civil organizada (elites sindicais,
administrativas e políticas, juntamente com os cidadãos mais esclarecidos)

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 115


eleja uma situação como sendo problemática e carente de transformação;
2) que a problematização dessa situação seja suficientemente definida
(procedimento de etiquetagem) como uma questão importante que se situa
no campo de jurisdição das autoridades públicas; e 3) que a expectativa da
intervenção dos poderes públicos constitua um imperativo incontornável.
De igual modo se deve dar ênfase a três aspectos relacionados com
a inscrição de um problema social na agenda política, a saber: 1) o acesso
à agenda política sempre constitui “objeto de controvérsia social e política”,
não tendo nada de natural ou automático; 2) a transformação de um problema
social em problema político é uma resultante da ação política de grupos de
interesses; e 3) os atores políticos envolvidos na construção de um programa
de ação governamental desempenham um papel estratégico que tem por
objeto formular o problema mediante um discurso capaz de sensibilizar as
elites.

Estado e capitalismo global

Nas últimas décadas tem-se falado bastante sobre o fenômeno da


globalização. Trata-se de um processo inexorável de intercâmbio econômico,
político, social e cultural entre as nações cuja amplitude não tem paralelo na
história da humanidade, e se traduz num cenário de

“[...] ingente movimento de circulação de mercadorias


e créditos/débitos financeiros, de correlação de idéias,
forças e interesses em disputa generalizada, de identidade
quanto às preocupações para com os múltiplos problemas
que afligem os homens, assim como de semelhanças
comportamentais e de estilos de vida [...]” (BUENOS
AYRES apud BUENOS AYRES, 2004, p. 451).

Nesse cenário, o capital se transfigura em um demiurgo de si próprio,


ou seja, um criador de si mesmo, um atributo normalmente reconhecido
apenas às divindades de todas as tradições e denominações religiosas
mundo afora (ibidem). O capitalismo, enquanto doutrina e enquanto
formação socioeconômica (em termos analíticos marxianos, modo de
produção), constitui uma invenção cultural que, gestado nos últimos suspiros
do feudalismo, adquire expressões identitárias cada vez mais sofisticadas –
comercial, industrial ou financeiro; monopolista, organizado ou maduro; e,
agora, globalizado.

116 UNIDADE 03
A queda do Muro de Berlim e a dissolução da União das Repúblicas
Soviéticas Socialistas abriram alas para que o regime ontológico do capital
adquirisse a hegemonia necessária ao espurgo das práticas planejadas de
conduta estatal que mantinham o mercado sob controle férreo. Na medida
em que o reino do capital, na condição de reino da necessidade (ou da
quantidade), não encontra resistência ao seu modo particular de ser, em meio
à ditadura do ter, seus domínios se expandem assustadoramente, impondo
suas leis, normas, valores e práxis como marco referencial tanto àqueles que
o cultuam bem como àqueles que o repudiam.
De todo modo, a revolução tecnológica dos meios telemáticos de
comunicação, fator crucial para a globalização moderna (ou pós-moderna,
como pretendem alguns), tem possibilitado, exponencialmente, a catequização
das derradeiras fronteiras geopolíticas e econômico-financeiras segundo os
ditames confessionais profanos do capitalismo, que, por sua vez, aspira à
sacralidade absoluta e plena, fenômeno normalmente atribuído às divindades
das religiões reveladas – zoroastrismo, judaísmo, cristianismo e islamismo.
A crise global atual fornece os fundamentos éticos valorativos de
uma nova ordem mundial cujo propósito é estabelecer, de um lado, novas
condições de controle e regulação das atividades econômico-financeiras
mundiais, e de outro, novas modalidades de redistribuição da renda e da
riqueza mediante políticas públicas de oneração tributária progressiva
(quanto maior o nível de renda maior a incidência do percentual do imposto a
ser pago pelos indivíduos) e de desoneração tributária. Consequentemente,
a atual conjuntura econômico-financeira mundial tende a facultar ao Estado
o papel inconteste de árbitro do sistema social e seus subsistemas
econômico, político e cultural.
Dois fenômenos de nossa história recente demonstram como o setor
público se torna a última trincheira que se antepõe entre a decretação de
falência (aniquilamento) e a competitividade (sobrevivência) das empresas
privadas no Mercado. O primeiro é o marco da tragédia moderna de 11 de
setembro de 2001, como não poderia deixar de ser, pela perplexidade, pelo
assombro e pela ousadia, por um lado, e pela mensagem política, militar e
financeira, por outro. O segundo, a erupção do vulcão localizado sob a geleira
Eyjafjallajökull, na Islândia, que expeliu cinzas a mais de 16 mil metros de
altura, e por mais de quarenta horas ininterruptas, em meados de abril de
2010, provocando a maior paralização do tráfego aéreo desde o setembro
negro americano.

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 117


O primeiro é um fenômeno resultante de ações eminentemente
humanas, que a literatura das relações internacionais designa através do
uso da locução terrorismo, classificado como um dos muitos exemplos de
externalidades físicas internacionais, que compelem os Estados nacionais
a uma maior cooperação institucional entre si. O segundo, por sua vez, é
um fenômeno inteiramente de ordem natural, resultante do entrechoque de
placas tectônicas nos subterrâneos do planeta.
Ambos, porém, malgrado as origens diferentes que os distinguem,
provocaram um colapso do sistema aéreo europeu e mundial, resultando
em prejuízos fabulosos às companhias aéreas, fator esse que incentivou
o setor aerotransportador a reivindicar recursos públicos, de modo a
evitar um desdobramento econômico-financeiro em cadeia de proporções
desconhecidas, com o argumento de que, em última instância, comprometer-
se-ia a estabilidade macroeconômica. Assim, cada vez mais o Estado
encontra-se frente a desafios que o compele a uma constante reforma de si
mesmo como contrapartida das mudanças aceleradas observadas no curso
de construção da sociedade, do capitalismo e do próprio Estado em escala
global ou mundial.
Em síntese, a globalização não passa de uma manifestação
desordenada da ampliação acelerada do capital rumo à homogeneização
forçada dos espaços econômicos, graças à aceleração do tempo, por sua
vez permitida pelos modernos meios cibernéticos de comunicação. Ocorre,
porém, que a homogeneização célere dos espaços em que se desenvolve
a reprodução ampliada do capital também conduz à homogeneização dos
problemas que atingem homens e mulheres históricos.
E, uma vez que tais problemas deixam de serem apenas problemas
(ou perguntas) de uma ou mais sociedades nacionais para se converterem
em problemas (ou perguntas) de uma sociedade global, verificamos que
essa correlação entre o capital e as exterioridades decorrentes de sua
aplicação técnico-financeira no processo produtivo tende a atingir um ponto
de intercessão, em que os fundamentos da institucionalidade democrática
são assegurados na proporção em que o conceito de cidadania ganha vulto
transnacional. Como diria Diógenes, expressão exemplar do cinismo grego,
“somos cidadãos do mundo”, quiçá do cosmo.

118 UNIDADE 03
Síntese

O significado didático-pedagógico e epistêmico da disciplina


“Administração no Setor Público” é revelado através de suas três unidades
constitutivas. Na primeira, focalizamos os conteúdos conceituais básicos
referentes a processos, relações e estruturas que integram e dinamizam a
interação entre o setor público e o setor privado, com destaque para o papel
aglutinador do poder político na organização do Estado, na garantia das
condições de funcionamento da economia real, na construção democrática
da nação brasileira, etc. Na segunda, buscou-se identificar os processos,
relações e estruturas associados ao funcionamento rotineiro da Administração
Pública quanto ao seu financiamento, rito orçamentário, caracterização
atual do modelo de gestão pública e ao perfil funcional de agentes público
do alto escalão. E na subsequente e última unidade, enfatizamos, graças
aos subsídios teóricos e técnicos de conhecimento possibilitado pelas duas
primeiras unidades, algumas questões sutis relativas ao contraponto gestão
pública/gestão privada, bem como as funções de estabilidade e coesão
sociais, econômicas e políticas desempenhadas pelas políticas públicas,
entendidas estas como processo de mediação social. E para completar,
explanamos os vínculos do capitalismo globalizado com os Estados-nação e
as perspectivas da construção de uma nova ordem multipolar, assim como da
fundação da sociedade global.

Atividades

1) Quais são as particularidades destacadas da gestão pública em comparação


com a gestão privada?
2) Diferencie a lógica territorial da lógica setorial no estudo das políticas
públicas.
3) Defina e classifique as políticas públicas.
4) Descreva as três condições fundamentais para a inscrição de um problema
na agenda governamental, segundo Jean Padioleau.
5) Examine e reflita atentamente sobre o crescente papel do Estado em um
mundo marcado pela globalização acelerada.

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 119


Glossário

• Externalidades físicas internacionais: problemas sociais, políticos


e econômicos internacionais cuja solução demanda uma ação coordenada
entre Estados soberanos, a saber, terrorismo; tráfico de drogas, armas, de
escravas brancas e de órgãos; pandemias; etc.
• Hierarquização: processo de disposição de estrutura de poder com base
em segmentação verticalizada, de cima para baixo, indicando diferenças
de influência e prestígio em qualquer organização, sejam elas públicas ou
privadas.
• Holding: “[...] sociedade cuja totalidade ou parte de seu capital é aplicada
em ações de outra sociedade gerando controle sobre a administração das
mesmas. Por essa forma assegura-se uma concentração do poder decisório
nas mãos da empresa mãe - holding. Note-se, porém que nem sempre
a holding é usada para esse fim." (NUSDEO, 2001, p. 276 apud http://
pt.wikipedia.org/wiki/Holding)
• Institucionalidade democrática: impregnação de princípios norteadores
que se baseiam “[...] em critérios discricionários compatíveis com os valores
da igualdade, da virtude, do mérito, do talento, da eqüidade, da probidade, da
transparência e da responsabilidade moral, conjugando, a um só tempo, leis,
prescrições, valores, sistemas, organizações, processos, atores e agentes
a serviço da incrustação da sociedade civil no domínio interno do Estado”
(BUENOS AYRES, 2004, p. 462).
• Ontológico: relativo à ontologia, ou seja, o ramo da filosofia que trata do
modo de ser das coisas. Afinal, todos os seres vivos possuem ou expressam
um modo particular de ser.
• Planfor: Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador
• Proger: Plano Nacional de Geração, Emprego e Renda.
• Pronaf: Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
• Querela das investiduras: disputa entre os poderes temporal (político)
e espiritual (religioso), no século IX, acerca de qual deles deve prevalecer
sobre o outro.
• Referencial de uma política pública: o conjunto de imagens e idéias
(conservadoras ou progressistas; distributivistas ou não) que fundamentam o
desenho e formulação de uma política pública.
• Regras constitucionalizadas ou constitucionalização das regras do
Direito: introdução no arcabouço jurídico da Constituição de normas que

120 UNIDADE 03
orientem uma política genuinamente de Estado, de modo a assegurar a sua
continuidade e eficácia no tempo e no espaço.
• Secessão: direito facultado a uma unidade confederada de se separar
da unidade originária.
• SINE: Serviço de Intermediação de Emprego
• Sistema ‘S’: sistema de proteção e qualificação profissional social
paraestatal que compreende o SENAI,(Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial), o SESI (Serviços Social da Indústria), o SENAC (Serviço
Nacional de Aprendizagem do Comércio), o SENAT (Serviço Nacional de
Aprendizagem do Transporte), o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem
Rural), o SEST (Serviço Social de Transporte), o SEBRAE (Serviço Brasileiro
de Apoio às Micro e Pequenas Empresas),o SESCOOP (Serviço Nacional de
Aprendizagem do Cooperativismo) etc.

ADMINISTRAÇÃO NO SETOR PÚBLICO - MÓDULO III 121


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