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Administracao Setor Público Com ISBN
Administracao Setor Público Com ISBN
ADMINISTRAÇÃO NO
SETOR PÚBLICO
ADMINISTRAÇÃO
NO SETOR PÚBLICO
COORDENADORES DE CURSOS
ADMINISTRAÇÃO Antonella Maria das Chagas Sousa
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Fabiana Rodrigues de Almeida Castro
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS Maria da Conceição Prado de Oliveira
FILOSOFIA Zoraida Maria Lopes Feitosa
FÍSICA Miguel Arcanjo Costa
LETRAS PORTUGUÊS José Vanderlei Carneiro
LETRAS INGLÊS Lívia Fernanda Nery da Silva
MATEMÁTICA João Benício de Melo Neto
PEDAGOGIA Vera Lúcia Costa Oliveira
QUÍMICA Davi da Silva
SISTEMAS DE INFORMAÇÃO Leonardo Ramon Nunes de Sousa
ISBN: 978-85-7463-621-4
C.D.D. - 371.33
UNIDADE 2
75 FUNDAMENTOS OPERACIONAIS DO SETOR PÚBLICO
UNIDADE 3
101 SETOR PÚBLICO: GESTÃO PÚBLICA, POLÍTICAS PÚBLICAS E OS
DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DA NOVA ORDEM SOCIAL MUNDIAL
objetivos
1. Definição de administração
2. Conceitos básicos da política associados ao setor público
3. Apresentação das justificativas econômicas para a intervenção do Estado no mercado
4. Explicação acerca do funcionamento do poder público na sociedade: a relação dialética entre a
administração pública e os institutos do Estado e do Governo
5. Exposição dos princípios, poderes e modelos da administração Pública Brasileira
Fundamentos Históricos
e Conceituais da
Administração
Conceito de Administração
12 UNIDADE 01
funcional e capacidade de gestão, independentemente de sua área de atuação
ou nível hierárquico. Trata-se do corpo dirigente ou governante (superiores
hierárquicos), que, por sua vez, implica na oposição corpo dirigido ou corpo
de governados (subordinados).
Tomando como exemplo uma família operária formada de pai, mãe
e um casal de filhos, podemos identificar os pais como o corpo dirigente
e os filhos como o corpo dirigido. Porém, no interior de cada uma dessas
classificações é possível identificar distinção de autoridade, logo, de posição
ou status. Uma variedade de formas de relação de subordinação existe entre
pai e mãe, irmão (homem) e irmã (mulher), irmão mais velho e Irmã mais
nova, com base no poder econômico, no magnetismo pessoal de cada um e
na tradição e costume.
Observa-se nela, uma singela divisão social do trabalho, expresso
por uma acanhada divisão de tarefas, responsável pela manutenção e
estabilidade da organização familiar, em que cada um dos membros exerce o
seu papel conforme a expectativa gerada pelo próprio grupo a que pertence.
Assim, cabe aos pais prover as condições que garantam o bem-estar dos
filhos, assim como a educação e formação cívica, de modo a ampliar o seu
círculo de relações sociais.
Aos filhos, por sua vez, cobra-se o respeito à autoridade dos pais. Ocorre
que no exercício da autoridade familiar os pais se convertem em responsáveis
pela coordenação dos papéis de cada um dos membros da família em torno de
um objetivo comum: a estabilidade sócio-afetiva e a harmonia organizacional,
expresso pelo bem-estar de todos. A família, enquanto organização, para
subsistir necessita interagir com outras organizações na sociedade. Pelo menos
um dos pais precisa arranjar meios de obter o sustento da família. Em troca
deste, vende sua capacidade de trabalho, uma vez que é destituído dos meios
de produção, ou seja, não é proprietário de fábrica, estabelecimento comercial
ou instituição financeira, vivendo exclusivamente de seu salário.
Em termos administrativos, os pais, ao tomarem decisões, cumprem
as funções de planejamento, organização, direção e controle dos recursos
disponíveis de modo a atingir finalidades específicas que assegurem a satisfação
das necessidades familiares – fisiológicas (fome e sede), de segurança
(procriação e proteção contra a carestia), sociais (amor/sentimento de pertencer
a grupos variados, participação social e política), de autoestima (posição
social, reconhecimento e credibilidade) e de autorrealização (maximização de
potencial próprio, enfrentamento de desafios) (MASLOW apud SANTOS, 2003;
SILVA, 2006).
14 UNIDADE 01
realização de consumo de bens e serviços, realização de poupança doméstica
e realização de pagamentos de tributos (sociedade/famílias).
Na Inglaterra do século XVIII, Adam Smith (1723-1790), principal
representante e criador da escola clássica e da própria Economia, contribuiu
para divulgar as idéias liberais do laissez-faire, laissez-passer (deixar fazer,
deixar passar). Em seu repúdio à interferência do setor público sobre as
atividades empresariais, fazia apenas algumas concessões à intromissão do
poder público no mercado quanto: à administração, à justiça, aos serviços
públicos, à defesa nacional e à manutenção da soberania do país, assim
como à toda empreitada que não fosse lucrativa para os donos de empresas
privadas, mas que deveriam se constituir em empreendimento do setor
público devido a sua importância para a sociedade em geral.
Tais ideias de cunho neoliberal tinham por objeto a crença na
capacidade de autorregulação do mercado, fundado na defesa da liberdade
e na crença no individualismo, em que, motivados por um egoísmo natural,
os empresários tendem a buscar vantagens ou benefício pessoais. Em assim
fazendo, eles concorrem para a estabilidade e manutenção da sociedade
via mercado. O que os motivam é o desejo de auferir lucro. Ao persegui-
lo, promovem a harmonia social. Esta forma de pensar expressa a base
teórica da escola econômica clássica, e que se escora nos pressupostos da
“harmonia de interesses” e da ordem natural e providencial – a “mão invisível”
do mercado.
Concepções e intenções que a vida moderna dos grandes centros
urbanos e os desafios trazidos por ela trata de desmoralizar, demonstrando
a importância do setor público para o exercício das funções de alocação de
recursos (nas situações em que o mecanismo de ação privada (sistema de
mercado) mostra-se ineficiente: investimentos em infra-estrutura econômica
e provisão de bens públicos (rodovia, iluminação, segurança nacional),
bens meritórios ou semi-públicos (educação, saúde e desenvolvimento)),
de distribuição da renda e da riqueza (redistribuição de renda cujo
processamento se verifica mediante transferências, impostos e subsídios
governamentais; o orçamento público constitui o mais importante instrumento
para a concretização das políticas públicas de distribuição de renda), e de
estabilização econômica (emprego de instrumentos de política econômica
(juros, taxas de câmbio, impostos e gastos públicos em geral) visando à
promoção e manutenção de elevado nível de emprego, da estabilização dos
níveis de preços, do equilíbrio da balança de pagamentos e de expressiva
16 UNIDADE 01
proibitiva (custos de produção mais elevados do que as expectativas de lucro).
Mas, como a sociedade necessita de tais bens e serviços, e o setor privado
não tem interesse em produzi-los e ofertá-los, caberá tal responsabilidade
ao setor público. Quando este último, então, se encarrega de produzi-los
e ofertá-los para todos os indivíduos, independentemente daqueles que
têm condições de pagar por eles, chamamos a tais bens e serviços de
bens públicos puros (bens sociais, coletivos ou indivisíveis). Assim são
denominados devido ao fato de que os seus preços não são formados através
do sistema de mercado. Logo, a eles não se aplica o direito de propriedade
nem o princípio da exclusão, e por essa razão são caracterizados como bens
não exclusivos. Isto é, o seu consumo por vários indivíduos não implica na
diminuição da quantidade de consumo para os demais nem no impedimento
de consumo por parte do consumidor, seja ele rico ou pobre.
Além do mais, os bens públicos também são caracterizados
como bens não rivais – o aumento de consumo pelos indivíduos não tem
influência no aumento dos custos de produção. É o caso da defesa nacional.
Somente o Estado tem condições de arcar com o custeio das operações
de segurança nacional, e o crescimento vegetativo da população não se
traduz necessariamente em aumento de despesa para o erário público. Os
indivíduos, por sua vez, não têm renda suficiente para arcar com tal serviço,
ou mesmo não estaria disposto a pagar para obtê-lo.
Os bens privados (econômicos ou visíveis), por sua vez, em oposição
aos bens públicos, são exclusivos e rivais. São exclusivos por que a eles
se aplica o direito de propriedade (os bens ou serviços adquiridos pelos
indivíduos mediante o pagamento de um preço qualquer lhes asseguram a
propriedade destes) e o princípio de exclusão (a carência de dinheiro para a
aquisição de bens e serviços exclui os indivíduos no mercado).
Além do mais, seus preços são fixados pelo sistema de mercado,
sendo chamados de bens privados puros quando a iniciativa privada constitui
a única fornecedora desses bens. Ocorre o mesmo com os bens públicos
puros, assim considerados por terem como seu único fornecedor o setor
público. De modo que cada vez mais assistimos no âmbito do mercado a
concorrência entre bens privados e bens públicos. Quando o setor privado
e o setor público ofertam no mercado, simultaneamente, serviços tais
como a educação e a saúde, por exemplo, temos, em ambos os casos,
respectivamente, os chamados bens privado impuros e bens públicos impuros
– são também chamados de bens mistos. Enfim, o que determina se os bens
18 UNIDADE 01
O fenômeno das externalidades negativas constitui um produto,
esperado ou não, da operação de uma cadeia (ou rede) de atividades
produtivas que extrapolam os mecanismos de controle de segurança,
gerando consequências ambientais nefastas que atingem o nível de bem
estar da população. Como o acidente tende a provocar prejuízos ecológicos,
econômicos, de saúde pública etc., e a responsabilidade pelo prejuízo
é imputada à empresa poluidora, esta pode fraquejar diante da perda de
patrimônio e preferir furtar-se às suas responsabilidades. É neste contexto
que intervém o Governo, em nome do Estado (União, Estados, Distrito
Federal ou Municípios). E para isso lança mão do poder de polícia, ou seja,
da prerrogativa constitucional de ação coercitiva, fiscalizadora e investigativa,
baseado no princípio da legalidade. A pré-condição para a ação incisiva e
legal do Estado no sentido de coibir práticas e condutas de risco é a vigência
de legislação ambiental que tipifique e discipline os casos de transgressão às
suas cláusulas.
A economia de escala determina a redução dos custos de produção
dos bens e serviços, resultando na aplicação da alta tecnologia articulada
à especialização e à divisibilidade (produção de bens privados puros que
são rivais e exclusivos, pois a ela se aplicam tanto os direito de propriedade
quanto o princípio de exclusão: o consumo simultâneo de vários indivíduos
implica na redução da quantidade disponível de consumo para terceiros e na
majoração dos custos dos bens e serviços consumidos).
Assim, as empresas que obtém ganhos de produtividade em função
da adoção de novas tecnologias conseguem decréscimos nos custos de
produção dos bens e serviços demandados pela sociedade, levando à
concentração do mercado. A concentração do mercado, por sua vez - seja
enquanto monopólio/monopsônio (um único vendedor/um único comprador)
ou oligopólio/oligopsônio (poucos vendedores /poucos compradores) -, leva à
exclusão das empresas que não conseguiram se manter no mercado, ou seja,
à sua falência. Mas como o mercado é imperfeito, a ingerência do poder
público no sentido da sua regulação é inteiramente justificável, pois busca
impedir, através de mecanismos legais associados ao direito econômico, que
haja uma competição selvagem entre os agentes econômicos e financeiros.
No Brasil, é o caso do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, do
Ministério da Justiça – CADE/MJ, por exemplo, ao examinar e emitir parecer
acerca da efetivação de fusões, aquisições e joint ventures de empresas. A
sua função no sistema econômico é orientar, fiscalizar, prevenir e apurar os
20 UNIDADE 01
globalizado em que vivemos é descrito como sistema capitalista global –
ou modo de produção capitalista, ou mesmo formação socioeconômica
capitalista –, que, por sua vez, é fundado nos direitos de propriedade e no
livre mercado.
Assim sendo, numa economia de livre mercado o grosso da oferta de
bens e serviços aos consumidores no mercado de consumo é realizado pelas
empresas do setor privado. No entanto, dada a complexidade da produção
econômica, o setor público logo é convocado para influir no jogo livre do
mercado, devido a uma série de distorções operacionais, concorrenciais e
distributivas que se manifestam na sociedade. E quando busca influir na
atividade econômica, de modo a impulsioná-la, o faz a partir das seguintes
funções governamentais: produção de bens e serviços públicos; promoção
do desenvolvimento socioeconômico; redistribuição da renda e da riqueza
nacional; estabilização da atividade econômica; e regulamentação e controle
da atividade econômica.
A economia do século XX tem como uma de suas características mais
destacadas o crescente aumento das despesas públicas. Várias correntes
do pensamento econômico dedicaram-se ao tema das despesas públicas e,
por extensão, ao tema do aumento da participação do Estado na economia.
Adolf Wagner, economista alemão, por ocasião da década de 1880, elaborou
a Lei do Crescimento Incessante das Atividades Estatais, cujo enunciado
básico expõe que à proporção que o nível de renda dos países industrializados
cresce, o setor público, por seu turno, cresce a taxas incomparavelmente mais
altas, de sorte que a participação relativa do Governo no sistema de mercado
cresce à medida em que é incrementado o ritmo de crescimento da economia
nacional. A supracitada Lei, também conhecida como Lei de Wagner, foi
comprovada por Richard Bird, que distingue três causas determinantes
da tese postulada por Wagner com relação ao crescimento das despesas
públicas, a saber: o crescimento das funções de administração e de
segurança; as crescentes demandas por um maior nível de bem-estar
social, com destaque para a educação e para a saúde; e maior intervenção,
direta e indireta, do Governo, no âmbito do processo produtivo.
O crescimento das despesas do setor público é resultante do
aumento das intervenções governamentais no sistema de mercado,
concebidas de modo a prevenir eventuais excessos de monopolização de
algumas parcelas do setor privado. Assim, a amplitude da ação do Estado
na economia serve como um eventual antídoto à concentração do mercado,
22 UNIDADE 01
de base: legitimidade política e legalidade jurídica. Assim, o Estado é a
instância do poder soberano; o Governo, a instância de planejamento e
decisão estratégicos; e a Administração Pública, a instância de execução e
planejamento tático e operacional das diretrizes governamentais, sejam elas
políticas de Estado ou políticas de Governo. É o que veremos a seguir.
Conceitos preliminares
24 UNIDADE 01
Stock.XCHNG
Nem sempre o poder se manifesta claramente. No mais das vezes o poder
é latente, oculto. A imagem acima alude à manipulação das pessoas como se estas
fossem marionetes (fantoches), que são animadas e por cordões (visíveis e invisíveis)
que prendem às pessoas (através de influência, chantagem, opressão etc.) de modo
a induzir-lhes a adoção de certos comportamentos dirigidos (condutas ou atitudes
impostas uns aos outros, institucionalmente ou não).
26 UNIDADE 01
dá-se segundo regras sócio-históricas específicas e seu objetivo é controlar e regular a
disputa pelos bens escassos (riqueza e/ou renda) na sociedade. Daí que a busca pelo
poder somente existe em função da valorização, quase invariavelmente excessiva, de
tais bens escassos.
28 UNIDADE 01
e funciona como administração” (Ibidem, p.193) e toda administração para
ser eficaz necessita que alguém detenha o poder e exerça uma dominação
efetiva.
A dominação é um processo social que consiste na imposição de
vontades de um ou mais indivíduos sobre um ou mais indivíduos, de
modo a submetê-los pacificamente, ou, no limite, mediante o uso da força,
como é o caso da associação de dominação designada por weber como
associação política, cujo quadro administrativo detém o monopólio legítimo
do constrangimento físico em sua atuação institucional, uma vez que se faz
referência a uma “empresa com caráter de instituição política”, ou seja, trata-
se do Estado.
No que respeita à identidade entre dominação e autoridade, seu ponto
em comum é a noção de poder, e a diferença entre elas não é de grau (como
se uma fosse superior à outra), mas de dinâmica (o modo de ser do exercício
efetivo do poder no instante fugidio de seu uso empírico) e de racionalidade,
de caráter formal (além da competência ou qualificação compatível com o
cargo nos quais indivíduos, mediante concurso público, tomam posse, mas
não se apodera deles); refere-se, também, ao poder estabilizado na figura da
autoridade que gere, por exemplo, um centro de competência especializado,
ou órgão administrativo, formalmente instituído e mantido.
Quanto à parecença da noção de autoridade com a noção de poder,
somente nos resta dizer que a autoridade é uma prerrogativa de domínio
formal na administração pública, enquanto que o poder é um atributo de
domínio informal que se estabelece no jogo do contato entre os indivíduos no
curso de suas atividades administrativas. Não se esquecendo, no entanto, que
esse jogo de contato, ou de interesse, não é apenas regulado pela estrutura
de normas dos regimentos, estatutos e textos constitucionais (racionalidade
formal), mas também pelo magnetismo da atração e da simpatia mútuas e
pela identidade de sentimentos de pertença (racionalidade substantiva),
Em geral, a legitimidade é derivada do consenso manifesto
representado pelo apoio das massas eleitorais. Por essa razão a legitimidade
constitui um atributo do Estado que se baseia na construção política de
um consenso, fator indispensável à garantia da obediência (momento do
consenso), independentemente do uso da força (momento da coerção).
Desse modo, “a crença na legitimidade é, pois, o elemento integrador na
relação de poder que se verifica no âmbito do Estado” (LEVI, 2000, p. 675).
Ela supõe necessariamente a noção de governabilidade. A soberania, por
30 UNIDADE 01
Como se trata de uma dominação alicerçada em estatutos (racionalidade
formal) tem-se como imperativo uma dupla obediência: à ordem impessoal,
que é objetiva e estatuída na forma da lei, e aos agentes nomeados por
essa mesma ordem impessoal, em função da legalidade formal do conteúdo
estatutário e sua vigência no tempo e no espaço.
32 UNIDADE 01
compatíveis com o equilíbrio alcançado pelas forças políticas partidárias e
não-partidárias quanto ao equacionamento das relações de propriedade, ou,
mais precisamente, sobre os critérios de divisão da totalidade da renda e da
riqueza produzida pelo conjunto das unidades produtivas formais e informais
(setor ‘invisível’) do mercado nacional.
O conceito de forma de estado deriva diretamente da maneira a partir
do qual se exerce o poder político com referência a noção de território. Com
base em tal critério, distinguem-se as formas de Estado em Estado unitário
e Estado federal. O Estado unitário consiste numa circunscrição territorial
politicamente centralizada que regula o fluxo de bens e pessoas em virtude
do poder de império. Ao passo que Estado federal (ou Estado composto, ou
mesmo federação de Estados) descentraliza o seu poder, fracionando-se no
espaço territorial, determinando o surgimento de uma grande diversidade de
organizações governamentais que se apresentam regionalmente dispersas.
Assim, o núcleo do conceito de Estado federal é a existência da subdivisão
regional de coletividades políticas autônomas e a própria União, que por sua
vez os representam, configurando uma federação ou Estados federados.
Logo, o Estado federal possui soberania nacional e internacional, isto é, não se
subordinam a nenhum outro poder temporal ou espiritual, enquanto o Estado
enquanto unidade da federação possui apenas autonomia. Mas a autonomia
federativa somente é reconhecida uma vez satisfeitos os pressupostos da
autonomia federativa constante nos artigos 18 e 42 da Constituição Federal, a
saber: a existência de órgãos governamentais próprios (órgãos independentes
de seus correlatos a nível federal no tocante à seleção e investidura de cargo
administrativo); e a posse de competências exclusivas.
Assim, o Estado brasileiro é concebido como República Federativa
do Brasil. Daí provém o próprio sentido que exprime a forma de governo, ou
seja, a forma de governo republicana. No item que disserta sobre o instituto
do Governo, explanaremos com mais vagar o tema.
Como já vimos, o poder estatal é, ao mesmo tempo, uno, indivisível e
indelegável. Porém, este poder estatal é extensível ao exercício simultâneo de
três ordens de poderes (órgãos) com suas respectivas funções administrativas,
a saber: Executivo, Legislativo e Judiciário. A diferenciação destas três
funções constitucionais do Estado é determinante na compreensão daquilo
que permite distinguir administração pública (stricto sensu) em relação ao
Governo. Tais funções podem ser classificadas em funções próprias ou
típicas e funções atípicas.
34 UNIDADE 01
moderno transfigura-se em Estado-providência, que, por sua vez, consiste
em “um aprofundamento e uma extensão do Estado-protetor ‘clássico’”
(ROSANVALLON,1997, p. 20). Durante a vigência do Estado-providência, a
providência divina é substituída pela certeza da providência estatal mediante o
aperfeiçoamento das técnicas de seguro, que, por sua vez, é beneficiada pelo
nível elevado do grau de certeza possibilitado pela probabilidade estatística.
Assim, “[...] O Estado-protetor corresponde à garantia de sobrevivência (a
proteção física da vida) e o Estado-providência à garantia de uma abundância
‘mínima’ para todos os cidadãos” (Ibidem, p. 27).
Mas o que é e no que consiste o Estado moderno? Weber (1999)
nos contempla com uma definição formal que identifica bem o caráter
político-coercitivo dessa entidade abstrata. Para ele, o Estado constitui uma
“empresa”, uma comunidade humana, ou uma associação política de tipo
historicamente delineado e criado na Europa ocidental, que reivindica e logra
com sucesso o direito ao monopólio legítimo de uso do constrangimento físico,
e se traduz pela forma politicamente mais organizada e racional de gestão da
vida social dos indivíduos em determinada circunscrição territorial. O autor
nos adverte que só é possível definir sociologicamente o Estado moderno
em função dos meios particulares que lhe são inerentes. De resto, o que se
aplica ao Estado moderno pode ser aplicado a toda e qualquer associação
política, como é o caso do uso do constrangimento físico (meio específico), e
não em função do que o Estado faz ou deixa de fazer. Afinal, argumenta ele,
quase não existe tarefa que uma associação política não tenha executado,
assim como não existe tarefa cuja execução tenha sido permanentemente de
domínio exclusivo a tais associações de caráter político, e que atualmente
são designadas por Estados, consistindo em formas históricas de dominação
não-institucional anteriores ao Estado moderno.
Logo, apoiando-se na afirmação textual de Trotsky, de que “todo
Estado fundamenta-se na coação”, Weber (1999, p. 525) sentencia: a única
fonte “jurídica” de exercício da coação é o Estado, somente a ele cabe
conceder, ou não, a terceiros, o direito de empregá-la. Além do mais, se todas
as instituições até aqui existentes nunca tivessem experimentado qualquer
tipo de violência ou coação inexistiria o conceito de “Estado”, e em seu lugar
apareceria o conceito de “anarquia”, no exato significado que o vocábulo
semanticamente sugere e encerra.
Nessa linha de análise, portanto, o Estado não pode ser definido com
base nos resultados que manifesta através de sua organização institucional,
36 UNIDADE 01
o poder jurisdicional e o poder tributacional. O primeiro desses poderes
contempla o monopólio quanto à aplicação da força física. O segundo, diz
respeito à concepção e à contextura das leis, assim como a sua observância
quanto aos casos concretos, conforme os fundamentos axiológicos e
deontológicos que socialmente as consubstanciam. O terceiro, por seu
turno, refere-se à prerrogativa estatal de impor a cobrança de tributos para
financiar a operação funcional do aparelho administrativo do Estado. Tais
são os poderes que constituem o núcleo mínimo do todo Estado, sendo que
cada um deles corresponde a funções operacionais que lhe equivalem, cuja
inoperância absoluta faria com que o Estado abdicasse de ser um Estado.
Concluindo. Todos esses poderes e respectivas funções conferem ao
Estado os elementos essenciais e distintivos de sua individuação enquanto
tal, ao passo que - com exceção das funções acima citadas – todas as outras
são meros componentes integrantes que o Estado vai agregando em função
das circunstâncias históricas, onde as condições gerais de reprodução
das unidades produtivas, assim como seu grau de desenvolvimento e
diversificação, a estratégia de inserção no mercado global, os sistemas de
intermediação de interesses associados às correlações de forças políticas
dominantes e o vigor – ou a debilidade – dos sistemas de representação
e participação políticas nele imprimem os sinais de uma outra modalidade
estatal – o Estado intervencionista (ou Estado-onipresente).
Portanto, essas três funções mínimas aludem ao Estado conforme
sua feição primeva, ou seja, alude ao Estado-protetor (Estado liberal),
enquanto que as justaposições de outras funções o identificam como Estado-
providência (Estado social); logo, o Estado pode abdicar de funções típicas
de mercado, deixando de intervir no meio econômico, e mesmo no social,
sem, no entanto, deixar de ser um Estado enquanto tal, como advoga Bobbio
(ibidem). O difícil é imaginar como isso poderia ser efetivado radicalmente
dada a irreversibilidade do Estado de bem-estar social.
Retornando a Weber, é evidente que sua conceituação por si só nada
elucida sobre as transformações do aparato estatal frente às transformações
históricas que ele próprio anteviu com lucidez ao empreender a analogia
entre a racionalidade que inere ao Estado – aquela que consiste na rigidez
das regras ritualísticas do processo burocrático - e a racionalidade que se
instaura no cerne do desenvolvimento capitalista com respectivas, porém
equivalentes, expropriações de meios estrutural-funcionais internos; da
mesma forma que nas unidades produtivas capitalistas as forças produtivas
Estado capitalista
38 UNIDADE 01
as questões estruturais que problematizam o contexto
societário e sua continuidade histórica, e esclarece
através de que medidas de ‘integração’ o sistema social
é capaz ou não de resolver os seus problemas estruturais
específicos” (Ibidem, p. 14; grifo do autor).
40 UNIDADE 01
constitucionais (ver Unidade 3).
No percurso dessa tentativa, Offe (1994) confirma o que as análises
marxistas já demonstraram à exaustão. Ou seja, a estrutura organizacional do
Estado se modifica na medida das transformações verificadas e assumidas
pelos modos de expressão do capital (comercial, industrial, financeiro,
especulativo). Além da relação geral que existe entre o capitalismo e as
políticas sociais, também há espaço para relações específicas, conforme as
mudanças de perfil do desenvolvimento capitalista. Daí que a execução de
modelos distintos de política social obedeça à dinâmica das transformações
do capitalismo que por sua vez incidem sobre o próprio Estado.
Nos estudos realizados por Offe, e, sobretudo, naqueles elaborados
por Hirsch (apud CARNOY, 1976), essa análises adquirem uma tonalidade
teórica consistente. Existem semelhanças e dessemelhanças entre as análises
desses formuladores da teoria do Estado e da compreensão do processo
de reprodução/acumulação ampliada do capital. Malgrado as diferenças de
ênfases ou abordagens entre tais autores, importa-nos tão-somente mostrar,
através de suas contribuições teóricas, os tipos de relações/interações
verificadas entre o Estado e o sistema de produção historicamente existente
e hegemônico, cuja pujança reside nas contradições do próprio processo de
exploração sistemática que o caracteriza no curso de seu desenvolvimento.
Offe (1994) centra a sua compreensão do Estado em função do seu
papel ao nível da esfera econômica, mais especificamente no processo
contínuo de acumulação de capital, ou seja, de extração de excedente e da
reprodução das relações de produção, assim como nas contradições que se
originam no âmbito do Estado, a partir do momento em que este intervém
no mercado, a fim de evitar as crises de acumulação – condição de sua
existência enquanto tal – que se refletem no próprio aparato institucional
estatal, conduzindo, por sua vez, a crises de legitimação. Apesar de, por
um lado, nos propiciar uma compreensão um tanto quanto vaga, em termos
comparativos, da teoria das transmutações com relação à forma e às
funções do aparelho do Estado, Offe (1994), por outro lado, nos propicia
uma compreensão consistente e pormenorizada das “leis de movimento do
aparelho do Estado” em sua interação com a arena econômica.
Se Offe (1994), em suas análises, privilegia a intelecção das leis de
movimento do aparelho do Estado em suas vinculações com as relações
econômicas, Hirsch (apud CARNOY, 1976), por seu turno, privilegia a
intelecção das leis de movimento da acumulação de capital e as respectivas
42 UNIDADE 01
democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a
cidadania; II – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político”.
Governo
44 UNIDADE 01
sua própria funcionalidade: funções ou competências, agentes e cargos.
Ao desempenhar suas funções ou competências (atribuições específicas),
os órgãos se constituem em meios ou instrumentos de ação das pessoas
jurídicas (União, Estados, Distrito Federal e municípios; autarquias e
fundações públicas) das quais fazem parte; resultam da desconcentração e
não dispõem de patrimônio próprio.
A supervisão ministerial levada a efeito pelos ministros de Estado se
realiza por meio dos chamados órgãos centrais (Decreto-Lei nº 200/1967,
artigo 21), a saber: os órgãos centrais de planejamento, coordenação e
controle financeiro; e os órgãos centrais de direção superior (idem, artigo
22). Compete aos Órgãos Centrais de Planejamento (estabelecimento das
diretrizes e metas que nortearão a ação governamental), Coordenação
(convergência das atividades administrativas no intuito de conformá-las às
diretrizes e metas de planejamento, de modo a suprimir a duplicidade de
atuação, a dispersão de recursos, assim como a divergência de soluções) e
Controle Financeiro (verificação do cumprimento das finalidades, qualidade
e rendimento na execução das atribuições, assim como a observância das
normas pertinentes; controle da aplicação dos recursos públicos financeiros,
bem como da guarda dos bens da União) o assessoramento direto ao
ministro de Estado, e, em função de suas competências específicas, sob
representação e direção do titular do Ministério, permita efetivar estudos que
propiciem a elaboração de diretrizes programáticas, assim como o exercício
de funções de planejamento, orçamento, orientação, coordenação, inspeção
e controle financeiro, por sua vez a cargo de uma Secretaria Geral e uma
Inspetoria Geral de Finanças (artigo 23). O artigo 10, § 2º, do Decreto-Lei
nº 200/67 é bastante explícito quanto à natureza das atividades exercidas
no cerne da estrutura central de direção dos negócios do Estado, com se
depreende a seguir:
46 UNIDADE 01
IV - Coordenar as atividades dos órgãos supervisionados e harmonizar
sua atuação com a dos demais Ministérios.
V - Avaliar o comportamento administrativo dos órgãos supervisionados
e diligenciar no sentido de que estejam confiados a dirigentes capacitados.
VI - Proteger a administração dos órgãos supervisionados contra
interferências e pressões ilegítimas.
VII - Fortalecer o sistema do mérito.
VIII - Fiscalizar a aplicação e utilização de dinheiros, valores e bens
públicos.
IX - Acompanhar os custos globais dos programas setoriais do
Governo, a fim de alcançar uma prestação econômica de serviços.
X - Fornecer ao órgão próprio do Ministério da Fazenda os elementos
necessários à prestação de contas do exercício financeiro.
XI - Transmitir ao Tribunal de Contas, sem prejuízo da fiscalização
deste, informes relativos à administração financeira e patrimonial dos órgãos
do Ministério.
48 UNIDADE 01
Os órgãos subalternos incluem todos aqueles que desempenham
atribuições meramente executórias, subordinam-se a diversos níveis
hierárquicos superiores e dispõem de débil poder de decisão (seções de
expediente, de pessoal, de material, de portaria etc.).
Como vimos, os órgãos são centros de competência despersonalizados
criados especialmente para cumprir determinadas funções do Estado por
meio de um conjunto de agentes, os chamados agentes públicos, que podem
ser classificados, segundo Meirelles (apud ALEXANDRINO e PAULO, 2002)
em agentes políticos, administrativos, honoríficos, delegados e credenciados.
Os agentes públicos constituem o aparato técnico-intelectual dos
órgãos que integram a administração pública. A sua atuação social nos
organismos estatais aos quais se perfila como representante é decisiva na
realização dos planos e diretrizes de ação governamental.
Os agentes políticos são aqueles componentes que se posicionam
nos primeiros escalões do Governo cujas atribuições e responsabilidades
estão associadas às funções de direção, de orientação e de implementação
das diretrizes de ação a serem estrategicamente seguidas. De modo geral,
os agentes políticos extraem a sua competência do texto constitucional;
subordinam-se a regras e foros especiais; são investidos em seus cargos
através de eleições, nomeações ou designações; e não são hierarquizados
(exceto o corpo de auxiliares imediatos dos titulares do Poder Executivo), uma
vez que sua atuação é disciplinada exclusivamente pela Constituição Federal.
Assim, são exemplos de agentes políticos os titulares do Poder Executivo
nas várias esferas da federação (Presidente da República, governadores e
prefeitos), com seus respectivos auxiliares imediatos (ministros, secretários
estaduais e municipais), bem como os membros constituintes do Poder
Legislativo (senadores, deputados e vereadores). Em virtude de sua posição
na cúpula governamental, os agentes políticos integram a totalidade dos
órgãos supremos e são regidos por princípios, valores e normas emanadas
do Texto Constitucional (objeto do Direito Constitucional). Os órgãos
governamentais ou supremos desempenham funções associadas ao
exercício do poder político, dai derivando as diretrizes a serem executadas
pelos órgãos administrativos ou dependentes que desempenham funções
exclusivamente administrativas.
Os demais agentes públicos desempenham atividades fortemente
reguladas por uma estrutura hierárquica que se sujeita aos princípios, valores
e normas de natureza administrativa (objeto do Direito Administrativo).
50 UNIDADE 01
LXIX; grifo nosso); além de ser responsabilizado nas práticas de crimes
contra a administração pública (Código Penal, art. 327). Na realidade, os
agentes delegados são apenas colaboradores do poder público, na condição
de concessionários, permissionários ou autorizatários dos serviços públicos
(empresas de comunicação e eletricidade; águas, esgoto e saneamento;
etc.), assim como tradutores públicos, leiloeiros etc.
Os agentes credenciados são os agentes incumbidos da Administração
visando lhe representar em atos e desempenhar atividades específicas com a
devida retribuição pecuniária (pagamento por serviços) realizada pelo poder
público credenciante.
Verificaremos agora, de forma comparativa, algumas das
características institucionais que distingue Governo de Administração Pública
(FERREIRA, 1995).
Administração pública
52 UNIDADE 01
Estado através de seus órgãos e entidades. Logo, no sentido material, o
destaque fica por conta exclusivamente da natureza da atividade desenvolvida
e o regime jurídico que a rege. Essas atividades administrativas são
classificadas pela doutrina do Direito Administrativo em quatro modalidades,
a saber, o fomento (estímulo à iniciativa privada de interesse público, tal
como a concessão de benefícios e incentivos fiscais e o financiamento em
condições especiais), a polícia administrativa (poder de polícia capaz de
limitar o exercício dos direitos individuais em prol do interesse coletivo, tais
como a fiscalização fitossanitária e a concessão de licença), o serviço público
(atividades administrativas realizadas direta e/ou indiretamente e voltadas
para a satisfação das necessidades públicas) e a intervenção administrativa
(regulamentação e fiscalização da atividade econômica do setor privado
através de agências reguladoras, por exemplo).
O sentido formal, subjetivo ou orgânico, por seu turno, refere-se à
totalidade dos agentes (pessoas físicas titulares de cargos e funções), órgãos
(centros de decisão e de competência) e entidades (pessoas jurídicas) criados
para atingir os objetivos e metas do Governo (poder político). No sentido
formal, Governo e administração pública se justapõem – pelo menos parte
desta, a cargo dos órgãos governamentais ou supremos –, e se manifestam
concretamente como resultante de criações abstratas do texto constitucional
e do imperium das leis. E ambos os sentidos acima discriminados e descritos
acerca da locução Administração Pública são contemplados pela Constituição
Federal em seu artigo 37: no sentido formal, quando se refere à administração
pública direta e indireta dos Poderes da União, dos Estados e dos Municípios
como uma totalidade orgânica; e no sentido material, como exclusiva atividade
administrativa, quando expressamente se refere ao imperativo da submissão
desta aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade
e eficiência.
A administração pública, pois, se subordina ao poder político,
constitui um meio operacional e se revela sob um duplo aspecto: como
complexo de órgãos sob orientação do poder político (administração pública
enquanto sinônimo de Estado; sentido formal) e o sistema de atividades
administrativas (administração pública enquanto sinônimo de burocracia;
sentido material). É o que patenteia a concepção de administração pública
do jurista José Afonso da Silva (2003, p. 635; grifo do autor): “Administração
pública é o conjunto de meios institucionais, materiais, financeiros e humanos
pré-ordenados à execução das decisões políticas”. Assim, a administração
Organização administrativa
54 UNIDADE 01
indireta, por seu turno, é descentralizada e abrange quatro categorias de
entidades, cada uma delas dotada de personalidade jurídica própria, a saber:
• autarquias – entidades administrativas autônomas criadas mediante
lei específica, dotadas de personalidade jurídica de direito público interno e de
patrimônio e receitas próprias, cujo propósito institucional-legal é a realização
de atividades típicas de Estado cuja dinâmica, que visa a otimização de seu
funcionamento, exige o emprego de uma gestão administrativa e financeira
descentralizada (art. 5º, I, Decreto-Lei nº 200/1967); são tuteladas e
controladas pelos ministérios a que estão vinculadas e seus objetivos são os
mesmos do Estado, só que seu exercício ocorre sob a égide da autonomia
financeira, administrativa e disciplinar. Em suma, as autarquias desenvolvem
atividades meramente administrativas ou de natureza social, e não atividades
voltadas para o mercado, nas áreas de atuação das sociedades de economia
mista e empresas públicas (entidades públicas de direito privado). Exemplos:
Banco Central do Brasil (BACEN); Comissão de Valores Imobiliários (CVM);
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA); Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA);
etc.;
• fundações públicas – a exemplo das autarquias, possuem
personalidade jurídica de direito público interno. A instituição de qualquer
fundação é viabilizada graças à destinação de um patrimônio privado a um
fim específico, de caráter não mercantil, e são orientadas para a prestação de
serviços de cunho social: assistência social, assistência médico-hospitalar,
educação e ensino, pesquisa etc. Existem algumas similaridades entre as
fundações públicas e privadas: ambas possuem finalidades sociais e são
organizações sem fins lucrativos. As diferenças entre elas ficam por conta
dos seguintes critérios: quanto a figura do instituidor (as fundações privadas
são instituídas por ato de vontade de um particular e as fundações públicas
são instituídas por atos do Poder Executivo, através de autorização em lei
específica: autorização legal) e quanto ao patrimônio afetado (fundações
privadas: patrimônio privado; fundações públicas: patrimônio público).
Exemplos: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPQ); Fundação Escola Nacional de Administração Pública (ENAP);
Fundação Nacional do Índio (FUNAI); Fundação Instituto Brasileiro da
Geografia e Estatística (IBGE); Fundação Nacional de Saúde (FNS); etc.;
• empresas públicas – pessoas jurídicas de direito privado criadas
pelo Poder Público, através de lei específica, podendo admitir várias formas
56 UNIDADE 01
Sistema S: SESI, SESC, SENAI, SEBRAE etc.); organizações sociais (OSs,
Lei 9.637/1998: prestação de serviços sociais não exclusivos do Estado,
sob incentivo e supervisão deste último, cujo vínculo jurídico é chancelado
através de um contrato de gestão (ou acordo-programa) para a execução de
atividades voltadas para o ensino, para a pesquisa científica, para a proteção
e preservação do meio ambiente, para a cultura, para a saúde e para o
desenvolvimento tecnológico, mediante certificado de qualificação expedido
por seu ministério ou do órgão supervisor); e organizações da sociedade civil
de interesse coletivo (OSCIPs ou OSCs, Lei nº 9.790/1999: prestação de
serviços sociais não exclusivos do Estado, sob incentivo e supervisão deste
último, cujo vínculo jurídico é chancelado através de um termo de parceria,
mediante certificado de qualificação expedido pelo Ministério da Justiça).
58 UNIDADE 01
O princípio da impessoalidade é confirmado pela Lei de Improbidade
Administrativa (Lei nº 8.429/92) e visa garantir uma conduta imparcial
por parte do agente público no exercício de suas funções (ou finalidades)
administrativas, voltadas, sobretudo, ao atendimento dos administrados ou
cidadãos (interesse público). Este princípio é totalmente dedicado à atuação
dos agentes públicos, que não passam de meros executores da vontade
estatal, e para tanto precisam comportar-se com isenção, evitando os
favorecimentos e demais tratamentos que se desviam do fim público previsto
pela lei. Donde se conclui que o princípio da impessoalidade possui dois
significados jurídicos no âmbito do sistema legal vigente, por sua vez lastreado
na Constituição Federal: 1) a identidade entre o princípio da impessoalidade
e o princípio da finalidade da atuação administrativa, na medida em que ele
focaliza a defesa do interesse público e o exercício do princípio da isonomia,
ou oportunidades iguais para todos; e 2) a proibição de associar as atividades
administrativas à pessoa física dos servidores públicos, de modo a impedir a
sua promoção pessoal à custa do Estado.
O princípio da moralidade deriva do princípio da impessoalidade e
expressa um significado semântico equivalente ao da noção de probidade
administrativa, que se traduz pela conduta ética e honesta na execução das
atividades administrativas sob a responsabilidade dos agentes públicos.
Assim sendo, subjacente ao princípio da moralidade administrativa reside a
idéia segundo a qual a moralidade administrativa constitui uma moralidade
jurídica que prevê a perspectiva de anulação de atos administrativos que
não estejam em consonância com tal princípio, distinguindo-se, portanto,
da moralidade comum. Em síntese, o exercício do princípio da moralidade
administrativa, conjugado aos princípios da legalidade e da finalidade, são pré-
requisitos que buscam assegurar a legitimidade das condutas administrativa
perpetradas pelos agentes públicos. É esse, pois, o propósito da moralidade
administrativa, que constitui “[...] o conjunto de regras que, para disciplinar
o exercício do poder discricionário da administração, o superior hierárquico
impõe aos seus subordinados” (LACHARRIÉRE apud FERREIRA, 1995, p.
68).
Ao tornar de conhecimento público os atos administrativos, normativos
e judiciais, o princípio da publicidade faculta a distinção de dois significados,
deduzidos a partir do ordenamento jurídico constitucional: 1) enquanto
exigência de divulgação oficial (Diário Oficial da União, Diário Oficial dos
Estados, Diário Oficial do DF etc.) dos atos administrativos como condição
60 UNIDADE 01
em situações concretas enfrentadas pelo aparato estatal em sua interface
com a sociedade em geral, envolvendo fenômenos sociais, econômicos
e políticos. De maneira que a constitucionalização de normas do Direito
Administrativo lastreia-se na probidade e transparência na gestão da coisa
pública (res publicae) e na eficiência na oferta de serviços públicos (MORAES,
2002).
O tema relativo aos poderes da administração pública, embora
seja matéria legítima do Direito Administrativo, requer uma legalidade que
dimana da Carta Constitucional, uma vez que esta preside a ação e atuação
do Estado através da ação e atuação da Administração Pública (Governo
em movimento) e do governo (organização institucional do Estado). Tais
poderes, que constituem instrumentos que proporcionam à administração a
persecução de suas finalidades constitucionais e administrativas (poderes
instrumentais), são definidos por Carvalho Filho (apud ALEXANDRINO e
PAULO, 2002, p.128) como “[...] um conjunto de prerrogativas de direito
público que a ordem jurídica confere aos agentes administrativos para o fim
de permitir que o Estado alcance seus fins”; e são assim classificados: poder
vinculado (poder utilizado pelo administrador na medida em que pratica atos
vinculados, ou seja, atos administrativos dotados de pouca ou nenhuma
liberdade de atuação, uma vez que se deixam reger pelo estrito cumprimento
do diploma legal (uso da racionalidade formal: conjunto de regras e
valores administrativos vigentes); opõe-se ao poder discricionário); poder
discricionário (poder utilizado pelo administrador na medida em que pratica
atos discricionários, ou seja, atos administrativos dotados de uma elástica
liberdade de atuação administrativa, com base nas noções de conveniência
e oportunidade, de razoabilidade e proporcionalidade, em prol do interesse
público; porém no âmbito dos limites previstos na lei); poder hierárquico
(existência de uma estrutura de poder que consiste numa diversidade enorme
de níveis de subordinação entre órgãos e agentes do Poder Executivo ou
governo), poder disciplinar (poder de expressão interna à Administração que
consiste na punição de servidores públicos em virtude da prática de infrações
funcionais), poder regulamentar (poder que detém competência chancelada
pela Constituição Federal cuja operacionalização cabe ao Poder Executivo
no uso de suas prerrogativas legais na outorga ou edição de decretos e
regulamentos, ou seja, de atos normativos gerais e abstratos: decretos ou
regulamentos de execução, decretos ou regulamentos autônomos e decretos
ou regulamentos autorizados) e poder de polícia (“faculdade de que dispõe
62 UNIDADE 01
preservando, assim, a lógica, a racionalidade e a harmonia perante o sistema
jurídico como um todo. Enquanto normas jurídicas de obediência obrigatória,
os princípios em apreço presidem o exercício tanto dos poderes quanto dos
deveres do administrador público perante a sociedade. Dessa maneira, os
poderes e deveres que são atribuídos ao servidor público consistem em
prerrogativas indispensáveis à otimização da satisfação dos interesses
públicos.
64 UNIDADE 01
administrativa estatal, enquanto sociedade política, em sua relação com a
sociedade circundante, ou seja, a sociedade civil. Além de que o exercício
das funções governamentais requer o manejo de distintos processos
decisórios, cada um deles operando segundo racionalidades administrativas
diferentes. Assim, se a racionalidade legal, sob o ponto de vista da eficácia
administrativa, é adequada aos processos decisórios lógico-dedutivos
relativos ao desempenho de funções autoritário-abonadoras, o mesmo não
ocorre quando se trata de processos decisórios relativos às funções de
intervenção econômico-social ou às funções de intermediação de interesses
(FREDDI, 2000; OFFE, 1994), como já discutimos páginas atrás.
O tipo mais puro de dominação legal é aquele cuja realização se dá
através de um quadro administrativo burocrático formado por funcionários
individuais que são livres, nomeados, contratados, assalariados, têm
competências funcionais fixas, possuem qualificação profissional, integram
uma carreira específica, desempenham profissão no exercício de seu cargo,
mas são destituídos dos meios materiais de administração, desapropriados
dos poderes de mando, postos em submissão à disciplina e controle de
serviço etc. Ele surge na segunda metade do século XIX, no auge da
revolução industrial e da ordem liberal e correspondente forma de Estado, o
Estado-protetor ou liberal; e surge para combater a corrupção, o nepotismo e
a ineficiência patrimonialista. Pois, como observa Weber (1991, p. 145; grifo
nosso, tradução nossa),
66 UNIDADE 01
em termos de garantia real de pagamento) nos Estados Unidos da América,
vê solapar sua doutrina, sua capacidade de explicação econômica e de
convencimento público e, por fim, a auto-proclamada capacidade de auto-
regulação do mercado e seus fundamentos de alocação, de redistribuição
e de estabilização macroeconômica. Desse modo, o bom desempenho
das empresas capitalistas no período serve de estímulo à reflexão sobre a
eficiência da administração pública e do próprio Estado. Logo, foi graças à
alta competitividade entre as empresas no mercado internacional que levou os
governos mais industrializados da Europa a incentivar a busca por eficiência
das empresas nacionais a partir da cobrança de eficiência por parte do setor
público. É, pois, nesse contexto que se constatam as deficiências do modelo
burocrático de gestão pública em dar conta da crescente complexidade
das sociedades globais, em que o gerenciamento público desponta como
uma alternativa necessária aos enfrentamentos dos desafios que a ordem
globalizada tende a maximizar, dando azo a que as administrações
públicas nacionais adotem as técnicas e métodos de gestão provenientes
da administração de empresas, ou seja, adotem o paradigma de gestão
gerencial, ou administração pública gerencial, como se disseminou no Brasil,
ou gerenciamento público, expressão concebida pelos administrativistas
franceses.
Para Alecian e Foucher (2001, p. 22) o gerenciamento é definido como
“[...] a atividade que consiste em conduzir, a partir de um contexto dado, um
grupo de homens e mulheres que busquem o atingimento comum de um ou
diversos objetivos, de acordo com as finalidades da organização”. Laufer e
Burlaud (1982), por sua vez, definem o gerenciamento como uma linguagem
administrativa específica que satisfaz a três condições básicas: 1) uma
condição sintática (o sujeito da ação é a própria organização); 2) uma condição
semântica (os que empregam esta linguagem desenvolvem um consenso
em torno do fato de que ela descreve o mundo de modo satisfatório); e 3)
uma condição de legitimidade (os que empregam esta linguagem concordam
com a idéia de que o seu interesse pessoal, o da organização da qual faz
parte e o da sociedade são totalmente compatíveis). Já o gerenciamento
público, tomado em um sentido amplo (macro-gerenciamento), consiste “[...]
naquilo em que se transforma o gerenciamento de uma organização quando
o público (e não apenas o mercado desta) se conscientiza de que é objeto
do gerenciamento dessa organização” (ibidem, p. 52; tradução nossa). Essa
definição coloca no mesmo patamar tanto as organizações mercantis quanto
68 UNIDADE 01
sua dependência relativa ao poder político (grupos políticos formalmente
nomeados para o exercício das funções governamentais e administrativas
do Estado). Portanto, ao contrário do gerenciamento privado, típico da
administração de empresas, intrinsecamente associada ao mercado, o
gerenciamento enquanto especificidade pública se exprime através de atos
de autoridade, lastreados no princípio da legalidade formal (a Constituição
e as leis) e no princípio da legitimidade democrática (indicação eleitoral, por
parte da sociedade, dos agentes políticos escolhidos enquanto instrumentos
de representação política para controlar a administração pública).
A linguagem ou leitura semiológica, por sua vez, leva-nos a constatar
que o surgimento da administração pública gerencial nas sociedades
industriais avançadas traz em seu bojo uma nova linguagem e um modo
novo de perceber e conceber o mundo, pois exprime uma profunda crise de
legitimidade cuja deflagração se dá em momentos de transição. Expressa,
pois, uma linguagem mítica que reforça a legitimidade do setor público, como
observa Hussenot (1983, p. 33, tradução nossa):
Síntese
70 UNIDADE 01
de vista técnico-operacional, ou seja, sob o ponto de vista da realização
permanente, sistemática, legal e técnica de prestação de serviços inerentes
ao Estado, segundo o princípio da infrustrabilidade do fim por ele perseguido.
EXERCÍCIO PROPOSTO
GLOSSÁRIO
72 UNIDADE 01
UNIDADE 02
FUNDAMENTOS
TÉCNICO-OPERACIONAIS
DA GESTÃO PÚBLICA
objetivos
1. Conceituação da gestão pública.
2. Apresentação dos mecanismos de financiamentos do setor público.
3. Explanação do processo orçamentário.
4. Descrição do perfil do gestor público da alta administração.
5. Caracterização da nova administração pública.
Fundamentos Técnico-
Operacionais da Gestão Pública
Gestão pública
76 UNIDADE 02
concepção de Offe (1994) acerca das determinações funcionais do Estado, o
Setor Público depende da existência de uma fonte permanente de recursos
– de preferência em escala ascendente – para tornar possível a oferta de
bens e serviços, atos legais e administrativos, cada vez mais demandados
pela sociedade, não apenas em decorrência de seu crescimento vegetativo,
mas, também, da elevação do grau de exigência da sociedade expresso sob
a forma de reivindicações por recompensa. E como resposta, o Estado institui
as políticas públicas, ou seja, promove a formulação dos planos, programas e
projetos governamentais que, sob a direção de uma autoridade pública, busca
a transformação econômica, social e política de parcelas ou da totalidade da
população.
O financiamento dos encargos do governo é proporcionado pela
obtenção de recursos cuja captação se dá a partir dos seguintes instrumentos:
a emissão de papel moeda, o lançamento de títulos públicos, os empréstimos
bancários e, sobretudo, a tributação. Os três primeiros instrumentos
configuram procedimento de política monetária; o último, por seu turno,
configura procedimentos de política fiscal. Por razões de didática, trataremos
aqui apenas do instrumento da tributação, a chamada receita derivada, e a
principal fonte de financiamento dos gastos públicos. O ato de tributar, como
vimos páginas atrás, configura o exercício de uma prerrogativa legal que
caracteriza o poder tributacional exclusivo – forjado na mesma fonte de onde
proveio o monopólio legítimo e legal do uso do poder coercitivo.
A melhor tradução para a tributação é o cumprimento da política fiscal.
A política fiscal, por um lado, repercute sobre o nível de extração de recurso
junto à sociedade (apropriação de renda das famílias e empresas), enquanto
que, por outro lado, repercute sobre a capacidade de o Estado realizar
investimentos, fornecer bens, prestar serviços e assistência aos cidadãos.
Assim, as funções governamentais são diretamente dependentes dos
instrumentos da tributação (arrecadação de recursos) e do dispêndio (gastos
públicos: principal instrumento de execução das políticas do setor público)
para a sua execução, podendo ser classificadas em estabilização econômica
(controle de curto prazo da totalidade da demanda como meio de prevenção
de variações negativas nos níveis do produto (mercadorias) e dos preços,
assim como da renda nacional e do desemprego), promoção do crescimento
econômico (adoção de políticas voltadas para o setor privado (o programa
Parceria Público-Privado - PPP, por exemplo), para o investimento em infra-
estruturas socioeconômicas, para a inovação tecnológica e a formação de
78 UNIDADE 02
cobrança do tributo somente pode ser efetivada a partir do início do próximo
exercício financeiro criado ou majorado no exercício anterior mediante lei
específica) etc. Os princípios supracitados são os lastros (ou suportes) éticos
e técnicos de qualquer sistema tributário.
A natureza das fontes de tributos é o critério que conduz à classificação
dos tributos em diretos e indiretos. Logo, o elemento básico que serve
para diferenciá-los entre si é o modo através do qual os tributos atingem
os indivíduos, ou contribuintes. Os tributos diretos recaem sobre os seus
rendimentos (rendas sobre a propriedade e salários), ganhos em contrapartida
de seu trabalho (imposto de renda); os tributos indiretos recaem sobre os
gastos dos indivíduos no momento de suas aquisições de consumo (imposto
de consumo). Todos eles, no entanto, tanto podem ser progressivos quanto
regressivos. Os impostos diretos normalmente são progressivos, uma vez
que o peso de incidência do tributo varia em função do nível de renda dos
contribuintes. Os impostos indiretos recaem sobre os indivíduos de menor
poder aquisitivo; geralmente são proporcionais ou seletivos, ou seja,
a incidência do imposto ocorre em função da essencialidade dos bens ou
serviços adquiridos para consumo.
Uma vez feitos os esclarecimentos necessários, convém, agora,
definir os tipos básicos de tributos no Brasil, que compreendem:
• Impostos – tributo que tem como fator gerador qualquer atividade
econômica, desde que seja desvinculado do serviço governamental; destina-
se de forma irrestrita ao financiamento dos gastos governamentais (custeio
do aparelho administrativo de Estado e financiamento das políticas públicas).
• taxas – tributos que tem como fator gerador o exercício governamental
do poder de polícia e de fiscalização, ou mesmo de os custeio de certos
serviços postos à disposição do público em geral (taxa rodoviária única, taxa
de Iluminação pública);
• contribuições – tributos que se destinam a financiar atividades
públicas que beneficiam os contribuintes (construção de rede sanitária,
pavimentações, por exemplo).
A política fiscal é representada pelo comportamento das receitas e
dos dispêndios do governo em determinado espaço de tempo e sua execução
é viabilizada pelo processo orçamentário. Donde se conclui que a política
de compras governamentais, ou simplesmente política de gastos públicos,
é um mecanismo legítimo de indução ao desenvolvimento nacional. Três
são os instrumentos de que dispõe o governo para o exercício constitucional
Gestão orçamentária
80 UNIDADE 02
que as receitas não sofram vinculações a despesas específicas);
c) da discriminação ou especialização (as despesas e receitas
devem ser apresentadas de forma discriminada de maneira a definir as fontes
de recursos e sua correspondente aplicação);
d) da exclusividade (o conteúdo orçamentário deve restringir-se
à previsão de receitas, ao estabelecimento das despesas, a abertura de
créditos suplementares e contratos de operações creditícias);
e) do equilíbrio (busca do equilíbrio orçamentário a partir da
equivalência entre despesas e receitas);
f) da clareza (uso de linguagem clara e compreensível de modo a
facultar a participação do indivíduos na discussão e controle do orçamento);
g) da publicidade (o orçamento público deve ser divulgado, no
mínimo, nos diários oficiais);
h) da exatidão (evita-se falhas técnicas e éticas na confecção do
orçamento, assim como o superdimensionamento na previsão de receitas
destinadas a programas de ocasião) e o princípio moderno da programação
(o orçamento enquanto elemento auxiliar da administração pública sobretudo
como técnica de articulação entre as funções de planejamento, as funções
gerenciais e as funções de controle).
De modo geral, tais princípios constituem os princípios orçamentários
mais representativos, e encontram-se explicitados na Constituição Federal,
na Lei nº 4.320/64, no Plano Plurianual (PPA) e na Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO).
Sistema orçamentário
82 UNIDADE 02
Logo, a título de comparação, a estratégia de desenvolvimento
corresponde à enunciação de grandes objetivos nacionais de desenvolvimento.
Exemplo: o prognóstico de transformar a nação brasileira na maior potência
energética mundial no período 2010-2025. Como projeto estratégico,
nessa mesma linha de raciocínio, surge, como exemplo, a modernização e
otimização da cadeia produtiva nacional de hidrocarbonetos (planejamento
estratégico).
Em relação às políticas básicas (aquelas que impactam outras
políticas complementares), perfila-se, a título de ilustração, a política de
exploração, produção, distribuição e comercialização de petróleo extraído do
pré-sal; a política de transformação do etanol em commodity com fins de
exportação; o emprego de novas fontes de energia alternativa e renovável,
como o próprio bagaço e palha de cana na produção do etanol (célula
combustível), como o biogás, como o biodiesel, como as algas etc; ou a
canalização de recursos do Fundo Social do Pré-Sal para a educação, a
previdência e para a redução das distâncias sociais entre as classes da
sociedade brasileira (planejamento tático-operacional).
A transição do orçamento com ênfase no instrumento de autorização
e de controle político-parlamentar (orçamento tradicional) para o orçamento
concebido como instrumento de administração (orçamento moderno)
proporciona um avanço considerável no apoio logístico ao Poder Executivo
na tomada de decisões relativas à lei do orçamento público e na condução
das fases do processo administrativo, a saber: programação, execução e
controle.
Processo orçamentário
84 UNIDADE 02
O controle externo, por seu turno, é realizado pelo Congresso Nacional
mediante a colaboração do Tribunal de Contas da União (TCU), e consiste na
fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial tanto
da União quanto das entidades da administração pública direta e indireta.
Uma vez completado o ciclo orçamentário, culmina-se na fase de revisão, de
modo a apreciar as eventuais distorções operacionais, financeiras, jurídicas
e programáticas na execução do orçamento.
Convém destacar, agora, o ciclo de gestão ampliado. Ele se compõe
de três instrumentos de planificação que não criam direitos subjetivos, mas
fazem parte do ciclo de planejamento e orçamento público do Brasil:
86 UNIDADE 02
do início do exercício fiscal subsequente; e tal proposta também apresenta
um diagnóstico sucinto da situação da economia brasileira.
O orçamento público é um documento público cuja legalidade
decorre de legislação vigente; seu vínculo com o poder político, como vimos
na primeira unidade, o faz desempenhar uma função central no equilíbrio
da ordem social, econômica e política – a função de estabilização
macroeconômica e de engenharia de consenso político. Ele não pode
ser uma peça jurídica meramente autorizativa, uma vez que essa condição
o fragiliza. Daí a existência de propostas de emenda à Constituição que
reivindicam o orçamento como peça jurídica mandatária ou impositiva,
a saber, a PEC 22, de 2002, que prescreve a execução obrigatória da
programação que consta na lei orçamentária anual; e a PEC 77, de 1999, que,
por sua vez, contribui com o propósito de tornar mandatária ou impositiva a
execução orçamentária - salvo algumas exceções bem específicas a partir
da introdução de dispositivos no artigo 165 e da modificação do inciso VI do
artigo 167, da Constituição Federal.
Em termos jurídico-políticos, a principal finalidade do orçamento
é ser um instrumento de auxílio ao controle político do Poder Legislativo
sobre o Poder Executivo. Esse controle, no entanto, é vacilante e frouxo, e
manifesta-se de forma mais subserviente do que independente, posto que o
Poder Legislativo é dotado de prerrogativas orçamentárias e de interesses
difusos que o torna vítima “consensual” da hegemonia – ou da hipertrofia – do
Poder Executivo, que termina por influir nos fundamentos das instituições que
compõem a democracia representativa (IANNI, 1996).
88 UNIDADE 02
comerciais, tendem a tornar-se mais confidencial;
• Pressão sobre os estilos de gestão do setor privado – A adoção,
por parte das organizações governamentais, de instrumentos de gestão e de
regras de contabilidade típicos do setor privado contemporâneo;
• Aumento da pressão sobre a disciplina e a economicidade no
uso dos recursos – É o imperativo da aplicação da doutrina do “fazer mais
com menos recursos”;
• Maior ênfase na gestão das mãos visíveis – A responsabilização
supõe um compromisso manifesto de afirmação de responsabilidade dos
gestores públicos e um maior emprego de informações financeiras com vistas
a assegurar a responsabilização no curso de seus ofícios – trata-se das mãos
visíveis dos gestores da cúpula administrativa e governamental, ou seja,
os elementos da tecnoestrutura estatal, sobretudo aqueles que integram o
vértice da alta administração (Presidência da República e os ministérios);
• Parâmetros manifestos e formais capazes de serem aferidos
a partir da medição dos desempenhos e das perspectivas de êxito do
setor público – Responsabilização (accountability) e eficiência se combinam:
enquanto a primeira supõe a definição de objetivos claramente estabelecidos,
a segunda, por sua vez, diz respeito a um conjunto articulado de metas
concretas com base em auditorias e em indicadores de desempenho;
• Maior ênfase nos controles produtivos (regulação econômica
multissetorial) – Alude a uma mudança detalhada da contabilidade para
atividades específicas, rumo a uma contabilidade de custos mais ampla.
90 UNIDADE 02
típicas de Estado e que configuram a elite da Administração Pública.
92 UNIDADE 02
de Estado (o Ministério da Saúde, por exemplo), o que nos parece evidente
é que tal modelo tem se desenvolvido progressivamente desde o primeiro
mandato do governo FHC, não obstante a mudança de enfoque que assinala
a passagem do primeiro para o segundo mandato eletivo de Fernando
Henrique Cardoso, a saber, a passagem do enfoque institucional para o
enfoque das políticas públicas, assim como no que concerne ao simulacro de
ruptura protagonizado pelo governo Lula.
94 UNIDADE 02
políticas públicas), sendo que destes, 70% dedicavam-se sobremaneira
às atividades voltadas para a formulação de políticas públicas e 30%
às atividades de implementação. Aqueles que se encontravam mais
diretamente envolvidos com atividades pertinentes à formulação das
políticas ocupavam cargos de direção superior (secretarias executivas e
secretarias de ministérios), de assessoria superior (assessoria ao ministro) e
de gerência e direção intermediárias (coordenações gerais, subsecretarias,
chefia de departamentos). Os demais desempenhavam tarefas associadas
à implementação, ocupando, pois, cargos de assessoria intermediária
(assessoria à direção superior).
Do universo pesquisado, 25% desenvolviam atividades-meio, ou
seja, atividades de apóio técnico e operacional. Logo, conclui os autores, o
exercício de atividades finalísticas constitui um indicador predominante do
perfil do gestor, sem apontar, todavia, para uma definição precisa de funções
típicas, ou exclusivas, de gestores governamentais. No entanto, esse perfil
constitui uma realidade funcional resultante de um caráter auto-eletivo, de
escolha individual, e não uma conseqüência da aplicação das diretrizes de
seu sistema de carreira, ou de uma orientação institucional ditada pelo órgão
encarregado de geri-la (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão).
De modo geral, o gestor pode ser caracterizado como um especialista
em políticas públicas que é dotado de um conhecimento aprofundado acerca
do Estado e de capacidade de negociação e de articulação; que possui uma
formação generalista e um compromisso com a ética; que é um servidor de
carreira; e que dispõe de uma formação intelectual que lhe permite articular
a teoria à prática no que respeita à estrutura estatal e governamental
(CARDOSO e SANTOS, 2001).
Porém o ofício de gestor não é dado de uma vez por todas em função
da própria formação. Na realidade, trata-se de uma conquista cotidiana,
rotineira, onde o gestor governamental tem constantemente de submeter-
se à prova de sua própria competência, sobretudo em relação ao Estado.
Ou seja, a institucionalização da carreira na condição de um quadro de
alta importância administrativa depende diretamente do reconhecimento do
próprio Estado em relação a essa categoria funcional, de modo a perceber a
sua indispensabilidade.
É patente e bem demarcado o terreno administrativo em que a
supracitada categoria funcional tende a uma vivência administrativa nômade.
A rede de atividades em que ela se movimenta é fortemente marcada por
Síntese
96 UNIDADE 02
Atividades
Glossário
98 UNIDADE 02
UNIDADE 03
SETOR PÚBLICO: GESTÃO
PÚBLICA, POLíTICAS PÚBLICAS E
OS DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO
DA NOvA ORDEM SOCIAL
MUNDIAL
objetivos
1. Descrever e explicar as diferenças fundamentais entre o setor público e o setor privado.
2. Definir e classificar as políticas públicas.
3. Explanar a especificidade da política social.
4. Identificar os pré-requisitos à inscrição de um problema social na agenda governamental.
5. Situar o Estado brasileiro no atual debate da construção não apenas de uma nova ordem
internacional, mas do advento de uma sociedade verdadeiramente global.
Setor Público: gestão pública,
políticas públicas e os desafios
da construção da nova ordem
social mundial
102 UNIDADE 03
Enquanto a propriedade privada pertence, em última instância,
a uma ou mais pessoas; a propriedade pública pertence à totalidade do
povo que constitui a nação, sobretudo quando se trata de uma república.
Convém acrescentar que os processos sociais, burocráticos, administrativos,
econômicos e financeiros que envolvem a administração do patrimônio público
chegaram a tal ponto de complexidade que as exigências de transparência e
de accountability tem se tornado um imperativo político crescente.
Nunca é demais reafirmar que o grau de complexidade da
administração no setor público suplanta em muito a complexidade da
administração no setor privado. No entanto, observa-se uma maior
integração entre elas na medida da proliferação das organizações não
governamentais. Pelo lado do setor público temos a publicização; pelo lado
do setor privado temos a responsabilidade social corporativa e entre elas,
como um divisor de águas cada vez mais constante e à jusante, o setor
social, ou terceiro setor.
Um critério básico para a classificação desses setores é o critério
do tipo de propriedade. Portanto, quando nos referimos ao setor público
queremos explicitar que se trata de uma forma de propriedade pública de
caráter estatal; ao passo que as referências ao setor privado remetem à
propriedade privada. Mas existem propriedades públicas de caráter não
estatal: é o caso das organizações sociais e das organizações sociais de
interesse público (ver Unidade 1).
Conforme já discutimos, no decurso da unidade 1, existem tanto
características comuns quanto incomuns entre os modelos de gestão pública
e os modelos de gestão privada. Entre as características comuns destacam-
se aqueles elementos e relações que definem o conceito de administração
num duplo sentido: o sentido estrutural (infra-estrutura, capital intelectual,
meios operacionais e cultura organizacional) e o sentido funcional ou
operacional (processos de planejamento, organização, direção e controle).
Com exceção da totalidade dos elementos de convergência entre os setores
público e privado, convém esclarecer que o setor público é distinguido por
seu vínculo indissolúvel ao poder político e por seu caráter de natureza
não mercantil, ou destituído de finalidades lucrativas; exceção feita às
empresas públicas e às sociedades de economia mista, e que se enquadram na
técnica jurídica da descentralização associada à produção de bens e serviços
ao mercado. Com base em seu vínculo indissolúvel ao poder político, o Setor
Público é obrigado a submeter-se às regras constitucionalizadas do Direito
104 UNIDADE 03
em que o exercício do poder é compartilhado por dois ou mais mandatários
(a própria França, de Duverger, por exemplo). Isso torna o dirigente máximo
e plenipotenciário do Estado um monarca em plena República.
Porém, a excessiva configuração simbólica do Estado, justaposta
na pessoa de seu mandatário plenipotenciário como chefe de Estado e de
governo, termina por enfraquecê-lo. Isso decorre da inversão de papéis: a
despersonalização do Estado acompanhada da personalização excessiva
(culto à personalidade) de seu mandatário-mor. Significa dizer que milhões
de indivíduos interpretam as políticas públicas ou governamentais, tal como o
Programa Bolsa Família, como um gesto de bondade do poder público graças
à benevolência do dirigente máximo de plantão. Assim, o Programa Bolsa
Família é compreendido solenemente por grande parte de seus beneficiários
ou administrados como um favor pessoal, bem ao estilo do modelo de
administração patrimonialista (clientelismo, corporativismo e fisiologismo).
Ao invés de encará-lo como um dever do Estado em obediência ao artigo 6º,
título II, capítulo II, da Constituição Federal, que assim reza:
106 UNIDADE 03
concentrado na base do aparelho de Estado (administração pública).
Quanto mais próximo do ápice da pirâmide de poder político os grupos de
funcionários se situam, mais amplo é o universo de ações, decisões e de
informações influenciadas por tais grupos. Neste sentido, o agente público
mais humilde, integrante de um órgão administrativo qualquer, ao resolver
um simples procedimento burocrático, o faz como representante do Estado.
Igualmente ocorre no caso de assinatura de acordo sobre cooperação
cultural e militar entre dois países. Trata-se de formulação de tratativas
internacionais submetidas ao crivo do parlamento para fins de ratificação
e regulamentação jurídica. Em outros termos, o parlamento chancela um
tratado para sacramentar a eficácia do poder do Estado através de órgãos
administrativos diretos da União, a cargo da Presidência da República.
O Estado é uma condição de ser jurídica que é forjada no processo
de entendimento político entre as principais forças em disputa pelo Poder
Político. Esse entendimento político precisa ser preservado, pois o próprio
Estado depende dele para subsistir. Em função dessa necessidade de
sobrevivência política – do Estado e do próprio entendimento político que o
cria -, providências devem ser tomadas. Mas quais providências deverão ser
tomadas? E por quem?
É nesse contexto social de decisão política que nos desembocamos
no governo. Este, por sua vez, precisa transformar decisões estratégicas em
ações concretas, pois a sua legitimidade política depende da eficácia, da
eficiência e da efetividade de tais ações. Para isso, no entanto, o governo
necessita de meios operacionais de alcance de seus objetivos e metas,
ou seja, o governo, enquanto instância de poder e procurador legal do
Estado, necessita de recursos de toda ordem (servidores, infra-estrutura,
equipamentos etc.) para poder governar. Mas para fazê-lo, precisa contar
com uma eficiente estrutura administrativa. Esta estrutura administrativa é o
suporte tanto do Estado quanto do governo, e, que por isso a chamamos de
Administração Pública.
A necessidade de manter em mente a idéia da co-articulação entre
Estado, governo e administração pública resulta da mera observação empírica
dos fatos do dia-a-dia que envolve a ação do poder público na sociedade, o
que inclui o mercado e as organizações nãogovernamentais. Sejam quais
forem as atividades executadas por uma dessas três instituições, elas
acionam uma cadeia de transmissão na qual se encontram simultaneamente
em movimento, emitindo seus efeitos jurídicos (legal-normativo), políticos
As políticas públicas
108 UNIDADE 03
Um referencial importante para a compreensão do papel das políticas
públicas na relação entre o Estado e as sociedades contemporâneas
industrializadas é distinguir a sua lógica de base, a lógica setorial, e
confrontá-la com a lógica territorial. Esta se desenvolve no âmbito das
sociedades tradicionais (comunidade), que são sociedades genuinamente
territoriais (conjunto mais ou menos constituído de territórios relativamente
autônomos), já que a identidade essencial dos indivíduos é formada em
função do território em que vivem (sentimento de pertencimento em relação
ao torrão natal; sentimento pátrio). A estrutura organizacional das sociedades
tradicionais apresenta uma débil divisão social do trabalho e uma lenta
mobilidade social; talvez por isso mesmo as sociedades tradicionais sejam
constantemente ameaçadas de explosão (riscos de secessão). O princípio
essencial que rege tais sociedades é a dialética centro/periferia. Mas devido
ao crescimento das populações, à intensificação das relações de trocas
mercantis e ao advento da revolução industrial, esse princípio aos poucos vai
sendo absorvido pela lógica da setorialidade, que, por sua vez, contrapõe o
global e o setorial.
A explosão da divisão social do trabalho resulta: do confinamento
da célula familiar à exclusiva esfera da reprodução e do descanso (separação
do ambiente familiar em relação ao ambiente produtivo da empresa, que se
desenvolve graças à proliferação diversificada de funções profissionais); da
formação de papeis profissionais cada vez mais numerosos e especializados,
cujo exercício requer uma formação específica; e da emergência de novos
reagrupamentos de papeis profissionais cuja base de apoio consiste em
hostes exclusivamente voltadas para o exercício dos mais variados ofícios
e/ou perícias. Assiste-se, assim, a passagem de uma lógica horizontal
(territorial) a uma lógica vertical (setorial), da mesma forma que podemos
dizer que se passa da predominância da dialética centro/periferia para uma
dominação da lógica global/setorial. É o que ocorre, por exemplo, quando a
esfera da produção (empresa) se aparta da esfera da reprodução (família)
e quando se verifica uma dissociação entre o setor agrícola e o mundo
rural. O mesmo ocorre com o setor social, em que se observa a transição
da assistência, inerente à ordem territorial, para a técnica de seguro social
associada à setorialidade. Como ensina Renard (apud MULLER, 1980, p. 15;
tradução nossa), “os seguros sociais assinalam a transição de uma proteção
social organizada sobre uma base territorial rumo a uma proteção social
organizada sobre uma base profissional”.
110 UNIDADE 03
interdependentes entre si, além de concorrerem pelos recursos escassos que
proporcionam a concretização das políticas públicas em conformidade com
as demandas setoriais (queda de juros para o setor agrícola, comercial ou
industrial; desconcentração da propriedade da terra, para o setor da agricultura
familiar; construção de infraestrutura portuária e aeroportuária, para o setor
exportador e de apoio logístico; etc). Como se vê não existe espaço para
secessão entre os setores de que se compõe a sociedade moderna, cujo
princípio regente de solidariedade é aquele concebido por Émile Durkheim, a
que chamou de solidariedade orgânica, um tipo de solidariedade assinalado
pela dessemelhança entre as funções ou papeis sociais e profissionais dos
indivíduos nas sociedades industrializadas. Equivale ao que ocorre com o
organismo humano, em que o conjunto dos órgãos são interdependentes
entre si – o sistema cardiovascular somente subsiste graças às especialidades
funcionais dos demais órgãos do corpo humano como os rins, o pulmão e a
pele –, a sociedade moderna se caracteriza pela total dependência entre os
seus setores constitutivos.
A política pública, portanto, é um processo de mediação social. Logo,
conclui-se que política pública existe apenas quando o poder público local ou
nacional procura modificar as condições de vida social, cultural ou econômico
de atores sociais, desde que sejam submetidos à lógica setorial e que se
expresse num programa de ação coordenado. E a título de simplificação,
podemos dizer que qualquer política pública é capaz de ser decomposta em
três processos, a saber: 1) a definição do lugar, do papel e a da função do
setor envolvido em relação à sociedade global ou em relação aos demais
setores; 2) a construção de uma representação, de uma imagem da realidade
sobre a qual se quer intervir (“referencial de uma política pública”); e 3) a
determinação do ator (ou grupo de atores) a ser encarregado da operação de
construção ou de transformação do referencial de uma política (mediador).
A política social
112 UNIDADE 03
econômica faz ao mesmo tempo política social e vice-versa” (Ibidem, p. 134).
Logo, a política social se instaura no cerne do processo de produção
material e de consumo, onde se observam diferentes “proporções e
interdependências”. Em termos macroeconômicos, significa dizer que em uma
determinada sociedade há a necessidade de se estimar algumas proporções
na articulação entre produção, consumo e renda, por exemplo, e o modo a
partir do qual tais proporções são distribuídas numa dada população, sendo
que tal distribuição é induzida a descrever uma trajetória que pode torná-la
progressiva ou regressiva, uma vez correlacionada a distintas proporções
entre produção e consumo, renda e consumo e consumo e acumulação, ou
seja, ao conteúdo das políticas econômicas (fiscais ou monetárias; políticas
industriais e de exportação; etc.).
Assim, a definição dessas proporções, que constitui a essência da
política social, predispõe-na a assumir características cuja implementação
a identificam como um ou outro dos seguintes modelos básicos de
política social: política social “residual” ou “assistencial” (o mercado é que
espontaneamente se encarrega de definir as proporções constitutivas dessa
modalidade de política social, onde o planejamento somente se justifica
em casos de situação-limite), política social tecnocrática (coexistência
do princípio do mercado com processos de planificação) e política social
distributiva (tendência à maximização da distribuição da riqueza e da renda,
o locus em que o planejamento encontra sua verdadeira especificidade).
Em suma, a definição de política social subentendida nas concepções
de Bustello está associada ao caráter pragmático do planejamento social,
portanto, do desenvolvimento social, que por sua vez é de natureza
progressiva, já que visa à ideia de justiça social.
Porém, de todo modo, fica para a reflexão sobre as múltiplas dimensões
cognitivas da política social a definição certeira de Offe (1994, p. 15) acerca
dos fundamentos sociais da produção/reprodução econômica, justificando a
interdependência férrea entre as dimensões social e econômica da política
pública às quais designamos por política social e por política econômica,
respectivamente: “A política social é a forma pela qual o Estado tenta resolver
o problema da transformação duradoura de trabalho não assalariado em
trabalho assalariado”
114 UNIDADE 03
A gestão da agenda política
116 UNIDADE 03
A queda do Muro de Berlim e a dissolução da União das Repúblicas
Soviéticas Socialistas abriram alas para que o regime ontológico do capital
adquirisse a hegemonia necessária ao espurgo das práticas planejadas de
conduta estatal que mantinham o mercado sob controle férreo. Na medida
em que o reino do capital, na condição de reino da necessidade (ou da
quantidade), não encontra resistência ao seu modo particular de ser, em meio
à ditadura do ter, seus domínios se expandem assustadoramente, impondo
suas leis, normas, valores e práxis como marco referencial tanto àqueles que
o cultuam bem como àqueles que o repudiam.
De todo modo, a revolução tecnológica dos meios telemáticos de
comunicação, fator crucial para a globalização moderna (ou pós-moderna,
como pretendem alguns), tem possibilitado, exponencialmente, a catequização
das derradeiras fronteiras geopolíticas e econômico-financeiras segundo os
ditames confessionais profanos do capitalismo, que, por sua vez, aspira à
sacralidade absoluta e plena, fenômeno normalmente atribuído às divindades
das religiões reveladas – zoroastrismo, judaísmo, cristianismo e islamismo.
A crise global atual fornece os fundamentos éticos valorativos de
uma nova ordem mundial cujo propósito é estabelecer, de um lado, novas
condições de controle e regulação das atividades econômico-financeiras
mundiais, e de outro, novas modalidades de redistribuição da renda e da
riqueza mediante políticas públicas de oneração tributária progressiva
(quanto maior o nível de renda maior a incidência do percentual do imposto a
ser pago pelos indivíduos) e de desoneração tributária. Consequentemente,
a atual conjuntura econômico-financeira mundial tende a facultar ao Estado
o papel inconteste de árbitro do sistema social e seus subsistemas
econômico, político e cultural.
Dois fenômenos de nossa história recente demonstram como o setor
público se torna a última trincheira que se antepõe entre a decretação de
falência (aniquilamento) e a competitividade (sobrevivência) das empresas
privadas no Mercado. O primeiro é o marco da tragédia moderna de 11 de
setembro de 2001, como não poderia deixar de ser, pela perplexidade, pelo
assombro e pela ousadia, por um lado, e pela mensagem política, militar e
financeira, por outro. O segundo, a erupção do vulcão localizado sob a geleira
Eyjafjallajökull, na Islândia, que expeliu cinzas a mais de 16 mil metros de
altura, e por mais de quarenta horas ininterruptas, em meados de abril de
2010, provocando a maior paralização do tráfego aéreo desde o setembro
negro americano.
118 UNIDADE 03
Síntese
Atividades
120 UNIDADE 03
orientem uma política genuinamente de Estado, de modo a assegurar a sua
continuidade e eficácia no tempo e no espaço.
• Secessão: direito facultado a uma unidade confederada de se separar
da unidade originária.
• SINE: Serviço de Intermediação de Emprego
• Sistema ‘S’: sistema de proteção e qualificação profissional social
paraestatal que compreende o SENAI,(Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial), o SESI (Serviços Social da Indústria), o SENAC (Serviço
Nacional de Aprendizagem do Comércio), o SENAT (Serviço Nacional de
Aprendizagem do Transporte), o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem
Rural), o SEST (Serviço Social de Transporte), o SEBRAE (Serviço Brasileiro
de Apoio às Micro e Pequenas Empresas),o SESCOOP (Serviço Nacional de
Aprendizagem do Cooperativismo) etc.
BIROU, Alain. Dicionário das Ciências Sociais. Lisboa, PT: Publicação Dom
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