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Em criança mudamos muitas vezes de cidade e de casa por causa do trabalho do

meu pai.
Quando olho para trás há uma morada que sobressai, embora apenas lá tivéssemos
estado alguns meses. A casa era velha e tudo nela precisava de obras, desde o soalho às
canalizações. Contudo, mesmo ao lado, havia uma casa encantada, meio escondida por
árvores e silvas, tinha uma torre e um quintal cheio de gatos. Na mercearia soube a
minha mãe que “ali vivia uma mulher, que não tinha ninguém, e era uma velha bruxa”.
Quando me mandavam brincar lá para fora colava-me ao muro, e tentava chamar
os gatos. Sentia-me às vezes observada e um dia vi-a, a nossa vizinha. Perguntei-lhe se
os gatinhos eram todos dela. Respondeu-me que só o Mr Gray o era, apontando para o
lado, mas apenas lhe vi os olhos, fixos em mim, “ele só se deixa ver a quem gosta”. Ao
ouvir isto fiz tudo para conquistar o Mr Gray, desde falar-lhe ou falar para onde pensava
que estava, a trazer-lhe prendas.
Demorou, mas consegui vê-lo e tive noção do importante que era ser reconhecida
como alguém digno de o ver.
Pouco depois fomos embora e muitos anos passaram até que por acaso reencontrei
a rua. Prédios novos tinham substituído as casas velhas, excepto a da nossa antiga
vizinha. A porta abriu-se quando passava e saiu de lá uma jovem gótica, que era
parecida com ela. Contudo, ela não tinha filhas ou netas. O mais estranho foi parecer-
me que me reconhecia, mas não o queria mostrar. Poderia para ela ter o tempo corrido
ao contrário? E eis que ao seu lado surgiu o Mr. Gray.
Não voltei lá, mas desconfio que a casa permanece ali, igual e encantada, refúgio
dos gatos silvestres, numa rua perdida da cidade.

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