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O porão

Era uma noite escura e chuvosa. Havia acabado de me mudar para uma antiga casa no estilo
vitoriano. O lugar parecia acolhedor, talvez até alegre demais para os padrões da cidade grande. Eu
estava sozinha em casa essa noite e não havia nada para fazer, então decidi investigar o lugar.
Enquanto caminhava pelos longos e amarelos corredores, maculados por fotos antigas penduradas na
parede, deparei-me com uma grande porta negra. Sentia medo, mas havia, ao mesmo tempo, algo que
me chamava para dentro dela. Abri a porta e comecei a descer a velha escada de madeira. A cada
passo, eu ouvia um rangido.
O pavor me tomava, mas continuei. A única luz que iluminava a escadaria era a que vinha da
porta. De repente, ela se fechou e ouvi um grito agudo. Estava apavorada, mas já não havia volta.
Algo me dizia que aquele lugar não era mais um porão qualquer, era como se algo ali fizesse parte de
mim. Era um sentimento estranho e bom ao mesmo tempo. Estava com medo, porém tranquila, como
se eu pertencesse a quem quer que estivesse ali.
Continuei caminhando, quando algo frio me tocou, mas não era como o gélido inverno. De
certa forma, lembrava-me o frio da morte, como meu pai no dia de seu enterro. Por algum motivo, o
toque era reconfortante, despertava em mim o desejo de conhecer mais.
Depois de alguns minutos, meus olhos já estavam acostumados à escuridão, mas ainda
precisava encontrar o interruptor. Nada mais havia me tocado e isso era decepcionante. Atraída pela
curiosidade, andava pelo porão, quando avistei uma pequena janela por onde entrava um fio de luz da
lua. Tateando, vi os vestígios de uma porta que dava para um cômodo onde um vulto parecia estar
sentando em uma velha cadeira. Era estranho, mas não podia confiar na minha visão nesse momento.
Entrei no pequeno espaço enegrecido pelo tempo e uma voz sussurrou algo semelhante a um
olá. Fiquei ainda mais assustada, mas segui em frete e respondi o cumprimento do misterioso
visitante.
- O que faz em minha casa? – arrisquei perguntar, e a reposta me foi concedida:
- Sua casa? O sussurro passou a ser uma voz ríspida, como a de uma pessoa amargurada.
- Quem você pensa que é? Esta casa me pertence e sempre me pertencerá.
O rosto parecia ser de um jovem garoto, mas a pouca luz que entrava me impedia de
distinguir seus traços.
- Como essa casa é sua? Eu é que estou morando nela, e ela estava toda vazia?
- Estou aprisionado aqui para sempre e você não pode fazer nada para me colocar para fora. Falava
ele de uma forma estranha, como se não estivesse ali realmente. Contudo, como poderia estar
fantasiando aquilo tudo?
- O que aconteceu com você? E por que não posso fazer com que saia de meu novo lar? A cada
palavra, sentia-me mais conectada ao lugar, queria saber mais, conhecer mais. Algo me dizia que isso
era só o começo, porém essa era uma pergunta para a qual eu ainda não tinha resposta.
“Eu a amava tanto, mas tudo não passou de uma ilusão”, disse ele com palavras que
transmitiam dor, sofrimento e ódio. “Mas ela pagou pelo que fez!”, concluiu.
Ouvi a porta da frente batendo. Precisava sair dali. “Eu tenho que ir” – clamei. O enigmático
rapaz me fez prometer que voltaria todos os dias. Concordei inconscientemente, subi as escadas e fui
discretamente para meu quarto.
No decorrer dos meses seguintes, eu cumpri rigorosamente minha promessa. Edgar era seu
nome. Eu me sentia cada vez mais próxima dele e as visitas ao porão passaram a preocupar minha
família. “O que ela fez para que desejasse matá-la?” Perguntei em uma de nossas conversas.
- Enganou-me por uma vida inteira e tentou levar-me à morte, porém eu fiz isso primeiro!
Esse foi o exato momento em que minha mãe entrou pela porta. Tentei apresentá-la a Edgar,
mas ela não o via. Ela parecia triste, fria... foi quando surgiram homens vestidos de branco que
injetaram um líquido em minhas veias. Lembro-me de acordar em um lugar com grandes paredes
alvas. Nada além da cama. Minha mãe me abandonara por achar que eu estava louca? Não sabia. Mas
havia algo que nunca me abandonaria, o sentimento que me persegue desde que desci as escadas.
Restava-me, agora, apenas a certeza de que poderia matar qualquer um, apenas para estar ao lado
dele.
Gabriela Fin Machado – aluna do 1º ano, 2º lugar na categoria Contos de Mistério, nível
III

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