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Pelo amor da lua

Obrigado
Agradeço a todos
Sumário
Entre ............................................................................................... 6
Entre os que odeiam ..................................................................... 7
9
777 sorte .........................................................................................
O outro lado do rio ...................................................................... 9
Extrada ........................................................................................... 13
Cidade encantada ......................................................................... 14
Tempestades nada podem contra sementes .............................. 24
Correntes no chão ........................................................................ 35
Mundo em bolhas de espuma ..................................................... 42
O caminho do meio ..................................................................... 48
Do meio para cima ....................................................................... 51
Eterno seja o agora ....................................................................... 60
1 - Entre

Hoje eu o amei, mas já não sei se o sentimento que tive por


ele ontem era o mesmo. No início o que eu sentia por ele não
era amor, mas você sabe, eu engravidei cedo e naquela época
eu achava que uma mulher precisava de um marido para
sobreviver… sim, seu avô sempre foi um cabeça dura... mas
então eu fiquei grávida e me casei, tive que me acostumar
com os defeitos dele e ele com os meus, e depois de um
tempo você se acomoda com a rotina. Mas Dawid, você havia
me perguntado sobre o que é o amor, e agora pensando
bem, é algo difícil de explicar com palavras, mas acho vou
te contar uma história que talvez ajude. A história é sobre o
homem que amou demais a lua.

Dizem que a muito tempo atrás a lua brilhava dia e noite


para o mundo, ela era adorada por todos e também amava
a todos, mas então um dia um homem escalou o pico mais
alto, da montanha mais alta, e tudo para conseguir falar com
ela, chegando la ele lhe disse que estava apaixonado, que a
amava e ficaria ali até o dia em que ela lhe respondesse. A lua
adorava os humanos, adorava suas canções e orações, então
percebendo o grande esforço que o homem fez para chegar
ali, ela resolveu descer para falar com ele. Esta foi a primeira
vez que a lua parou de brilhar durante a manhã. Não se sabe
sobre o que conversavam, ou o que acontecia lá no alto, mas
todos perceberam que a lua estava cada vez mais tempo
com o humano e menos tempo nos céus para todos. Até que
chegou o dia em que a lua apareceu apenas quando o sol já
não estava mais lá, era noite e os seres que ela tanto amava
já estavam dormindo, ela não podia ouvir seus cantos, suas
orações e suas preces, e isso segue até o dia de hoje. Muitos
tentaram chegar ao pico mais alto para convencer a lua a
voltar a brilhar durante todo o dia, ou tirar aquele humano

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egoísta que queria a lua só para ele, mas é um caminho árduo
e todos desistem durante o percurso.

Você acredita nesse amor Dawid? O humano que percorreu


um caminho difícil sem saber se teria uma resposta de sua
amada e a lua que sacrificou o seu brilho a todos, para dar o
brilho a apenas um.

2 - Entre os que odeiam

- E agora, após a colocação de grau da 3º turma de


Conhecimentos da instituição Zion, nós iremos
chamar o melhor aluno da instituição
- E o melhor aluno é….: Dawid Eli.
- Por favor , suba no palco Dawid..
- Então Eli, como o melhor aluno de uma instituição
tão respeitada, você tem algo a dizer?
- Agradeço a instituição, mas eu queria dizer, que
consegui essa realização totalmente sozinho.
- Isso é meio duro de se dizer, não Dawid?!
- É difícil ouvir isso quando se sabe que é verdade. eu
consegui essa realização sem ajuda, mas com muito
esforço e trabalho duro e todos que olham para baixo
agora sabem que poderiam ter feito o mesmo, mas
não fizeram, por preguiça, comodidade ou qualquer
outra desculpa que conseguirem encontrar, então
apontam dedos, tentando encontrar justificativas para
o que os outros conseguem, apenas negligenciando o
que sentem, é como um simples duplipensar--
- Oi, desculpa Dawid, parece que seu microfone está
com problemas no momento … ….
- Então pessoal, vamos passar a voz agora ao reitor

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Ishmael, que trará algumas palavras antes de
prosseguirmos para a festa de formatura.
- Boa noite, quero agradecer a todos que estão aqui
presentes, quero dar principalmente os parabéns aos
alunos que estão se formando hoje e por fim lembra-
los que aprender sem pensar é apenas tempo perdido,
e ao jovem Dawid que nos trouxe palavras fortes, só
quero dizer-lhe que ultrapassar os limites não é um
erro menor do que ficar aquém deles.

2,5

- Cara, por que você falou aquilo lá no palco?


- Aquilo o que? A verdade? Essa instituição é uma
vergonha…
- Todo mundo tenta dar o seu melhor Dawid, e você
falando aquilo, acha que vai melhorar algo?
- Mas é a verdade!
- Que verdade? Nada é absoluto, nem essa própria
frase, então qual é o seu objetivo com isso Dawid?
- O meu objetivo é chegar lá em cima. Quando eu
conseguir tudo vai ser melhor, eu vou realizar todos
os meus desejos.
- Ainda com isso? Você acha mesmo que tudo vai ser
melhor quando chegar no alto da montanha?
- É claro! tem que ser, você só fala isso por que não
entende.

Alguém acena para o homem que conversa com Dawid, o


homem olha, abre um sorriso e corre em direção a pessoa,
quando está longe ele dá um leve aceno com a mão para
Dawid, que ignora e se dirige a saída da festa de formatura.

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3 - 777 sorte

Já faz 77 dias desde a formatura, tenho procurado nas maiores


cidades sobre a montanha mais alta, mas parece que todas as cidades
têm montanhas de tamanhos diferentes, uns dizem que com certeza
fica ao sul, outros me apontam ao norte. 77 dias e eu me pergunto se
estou no caminho errado, não consigo nem encontrar rastros dessa
montanha e agora minhas únicas pistas são boatos de pequenas
cidades. Terei que ir até uma cidade chamada Benoni, ao leste, uma
cidade pequena, mas a mais rica que podemos encontrar atualmente.
Estou ansioso para encontrar grandes mentes, grandes pessoas e ver o
que a cidade tem a oferecer a alguém como eu. Claro, terei que gastar
muitas das minhas moedas na cidade, e francamente eu esperava
passar lá apenas quando eu tivesse concluído a minha jornada até
a montanha, mas já que a jornada e a cidade se conciliaram, espero
sair de lá com muito mais do que quando eu entrar.

4 - O outro lado do rio

Seguindo este mapa eu deveria ter chego até a ponte Cainan após
passar pelos arranha céus, mas já se passou horas desde que passei
por eles, e agora tudo que vejo é o extenso rio e arrozais. Vou andar
mais um pouco e se mesmo assim não achar a ponte pedirei que
algum barco pesqueiro me leve até o outro lado do rio por um preço
acalorado.
Já faz uma hora, não dá mais, não tem nada nesse lugar, é só água
e mato por todos os lados, vou procurar alguém para me ajudar a
atravessar o rio.

- Boa tarde senhor, por um acaso tem algum barco que


possa me levar até o outro lado do rio?
- Por aqui é dificil viu, água rasinha assim, só com um
barquinho muito pequeno, mas voce pode tentar falar

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com o Bartolomeu, ele fica no pé do rio, isolado, lá
na frente, mas oia, já digo pro sinhor tomar cuidado,
pois dizem por ai que o sr bart é bicha, entao o senhor
com essa carinha ai, tem que se cuidar mesmo.
- entendo, pode deixar que vou ficar de olho.

Por que eu não consegui encontrar a maldita ponte?! agora tenho


que me sujeitar a um homem duvidoso no pé de um rio no meio do
nada.

- Boa tarde senhor, por acaso você é o Sr Bartolomeu?


- Boa tarde meu jovem, sou eu sim, você está querendo
comprar algum peixe?
- Não, não, tenho interesse em chegar ao outro lado do
rio e me disseram que o senhor pode me ajudar com
o seu barquinho.
- Ah, sim. Barquinho eu não tenho não, mas se for
suficiente pro rapaz eu tenho minha canoa, não quero
me esbanjar pro senhor, mas cabem até 4 pessoas
nela.
- .. ….. certo, eu não tenho muita coisa, será apenas eu
e minha bolsa. Quanto o senhor cobra pela travessia?
- 1 moeda de cobre se o rapaz quiser.

Só uma moeda??? isso não paga nem um copo de café! será que este
senhor quer mais algo de mim?!, bem que o homem avisou! e agora?!
e se ele tentar me atacar no meio do rio? ele é apenas um senhor
idoso, mas conhece essa águas e eu não, se ele me jogar pra fora dessa
canoa, o que eu poderia fazer?!. No que eu fui me meter? Será que
eu dou meia volta?! NÃO! Eu preciso chegar ao outro lado, já perdi
muito tempo procurando a ponte.

- Feito, mas por que o senhor cobra tão pouco pela


travessia? o senhor vai gastar muito tempo indo até

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lá, eu tenho dinheiro, posso pagar mais pelo tempo
de viagem.
- Me desculpe, mas eu não posso cobrar por algo que o
senhor não conseguiria pagar.
- Como não?! Que ultraje é este, o senhor acha que está
falando com quem?!
- Desculpe, eu não quis ofender,e também, até agora
eu não sei o seu nome.
- O senhor deveria cuidar mais com as palavras, não é
a toa que está aqui sozinho, como pode achar que eu
não tenho dinheiro para pagar ? - Responde Dawid de
maneira grosseira.
- Vou tentar lhe explicar o custo do meu tempo.
Posso lhe dizer logo de início O tempo é o bem mais
precioso que possuo e nem uma moeda existente
poderia pagar por sequer um segundo dele. Veja
bem, tempo não é algo que você cronometra no
relógio ou em dias, tempo é vida. Pois imagine que
vosso rapaz tenha apenas 1 dia de vida, mas que
agora é possível comprar ou vender 30 minutos de
vida. Quanto você pagaria por 30 minutos a mais
de vida e quanto valeria 30 minutos da sua vida?
Tenho certeza que esses 30 minutos valeriam mais
que qualquer moeda que alguém possa ter. Então
agora veja, se no futuro 30 minutos da minha vida
seriam tão custosos, porque eu cobraria menos hoje?
Até porque eu não cobro pelo meu tempo,
eu cobro pelo meu serviço e porque gosto
de realizá-lo. Se eu não cobrasse por ele, o
rapaz iria pensar que está me devendo, não é?
Dito isso, o senhor ainda irá querer atravessar o rio?

Dawid olha para o senhor com um olhar confuso, tentando


compreender todas as palavras que foram ditas.

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- … Não posso dizer que concordo com este pensamento
do senhor, mas já que insiste no preço, podemos
proceder.
- Ótimo, pois esse velho aqui pretende pegar algum
peixe ainda hoje!

4-2

- Parece que vamos levar um tempo pra atravessar o


rio.
- Parece que sim…
- O rapaz me permite chamar-lhe de Otoniel? já que
ainda não sei o seu nome.
- Otoniel?
- sim, é um nome que lhe cai bem.
- kkk Estranho, se o senhor preferir, pode me chamar
assim, mas me responda uma coisa.
- Pode perguntar.
- Por que o senhor fica pescando no lado do rio onde
quase não tem peixes por ser raso?
Não seria melhor o senhor ficar do outro lado, onde
o rio é mais profundo? Lá seria possível pegar muitos
peixes, você poderia até abrir uma peixaria com ajuda
dos barcos pesqueiros daquele lado.
- seria ótimo para mim não é mesmo?!
- Mas é claro..
- Mas, se eu fizesse isso, quem ajudaria as pessoas
perdidas no lado baixo da margem a atravessarem o
rio.
- ....

Dawid consegue chegar ao outro lado do rio, agradece

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Bartolomeu e fica pensando nas palavras do senhorzinho.
Após se livrar de tais pensamentos ele continua sua jornada
por terra.

5 - Extrada

Pronto, agora só faltam mais umas 8 horas de caminhada e chegarei


até Benoni, é uma caminhada pelo deserto, então precisarei estar
preparado para o calor e cansaço, mas ainda é um caminho curto
para desfrutar das riquezas desta cidade....

5-2

Já faz 4 horas que estou andando e só ouço e sinto o vento no meu


corpo, ele ecoa nos meus ossos e me faz só, acho que daqui a pouco
devo parar para me refrescar e comer algo… Acho que será meio
solitário com apenas areia e vento como meus companheiros…
Pensando nisso, como seria estar com o senhor Bartolomeu aqui?!
será que ele iria tentar pegar peixes nessa areia? kkkkk…

5-3

Pronto! me alimentei, bebi uma boa água e ainda me restam 3 litros


para o restante da viagem, imagino que eu consiga chegar à cidade e
ainda sobrará pelo menos 1,5 litros, será ótimo caso eu tenha alguma
emergência... O pensamento de Dawid é interrompido por
uma voz ao fundo.

- Boa tarde, sinhô!


- Opa, boa tarde!
- Desculpe eu chegar assim, mas por acaso o senhor
tem alguma água pra mim?
- O senhor está no deserto e não trouxe água consigo?

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- pior que não, eu sempre faço esse trajeto e me
abasteço com água pra mim e pro meu pangaré, mas
sabe, ele tá velhinho, e aí tive que da minha água pro
coitado consegui aguentar o resto da viagem.
- Entendo, mas infelizmente minha água acabou logo
pela manhã, então não tenho como ajudar.
- Tudo bem sim, eu acho que aguento até a cidade,
meu pangaré vai ter que dar uma corrida, mas vai dar
tudo certo, obrigado e fique com deus!

Será que eu deveria ter dado um pouco de água para ele?! mas e se
eu tiver uma emergência e precisar de mais?! e se eu demorar mais
pra chegar a cidade?! Como ele pode viajar pelo deserto e não ter
água, não é culpa minha ... espero que fique tudo bem... ele e o cavalo
pareciam cansados…

6 - Cidade encantada

Aqui está, a maravilhosa cidade de Benoni, após passar pela cancela


eu poderei desfrutar de tudo que ela tem pra me oferecer.

- Boa noite senhor, o custo de entrada na cidade são 40


moedas.

Realmente é uma cidade bem cara!

- Certo, aqui está!

Primeiro preciso arranjar um lugar para comer e dormir e amanhã


cedo começo a procurar informações sobre a montanha.

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6-2

É apenas uma rua reta, mas...há tanto brilho, e estes sons, tenho
certeza que são moedas de cassino, há festa e pessoas comemorando,
as ruas estão repletas de carros de luxo e pessoas bem vestidas, e esses
letreiros, eu nem consigo ver até onde vão, estou andando por aqui
e nem consigo acreditar.
Tem um hotel logo a frente, o letreiro diz, “Hotel Gávea, pela metade
do preço para viajantes”, ótimo, é aqui mesmo que vou ficar.
Eu não consigo nem acreditar, todas essas pessoas felizes, será que eu
encontrarei alguém importante aqui, seria ótimo…

Dawid adentra o hotel e logo é recepcionado pelos


funcionários.

- Boa noite, senhor, gostaria de deixar seu casaco e


mochila aos meus cuidados?
- Oi, boa noite, desculpe, eu nao te vi aí, você sabe há
algum quarto disponível neste hotel?
- Sim, senhor, é só falar com alguém do balcão de
atendimento.
- certo, obrigado mocinho!
-
hora de pegar um quarto, tomar um bom banho e descansar para
amanha estar preparado!

- Boa noite, eu gostaria de alugar um quarto por uma


noite, por favor.
- Boa noite senhor, gostaria de uma suíte ou um quarto
comum?
- Quanto custa a suíte?
- 23 moedas, mas tenho certeza que o senhor consegue
pagar.
- Claro, claro, pode ser a suíte então!

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- Só preciso dos seus dados para lhe entregar a chave
senhor… ótimo aqui está a chave, seu quarto é o B40.

Que quarto grande! E essa colunas dividindo a cozinha do resto,


incrível! este quarto deve ser do tamanho da sala da universidade,
ou maior, deve ter uns 90m². Esta cama é gigante e veja esses lençóis,
parece até que estou nas nuvens! Vou tomar um banho e me preparar
para dormir…

Que banho ótimo, eu poderia usar só esse roupão no lugar das minhas
roupas...mas… olhando agora este quarto no escuro.... as luzes da
cidade clareando a varanda, tudo parece tão distante, é quase como
se fossem dois mundos diferentes, eu neste quarto escuro e o mundo
lá fora brilhante, mas… é tudo o mesmo, então porque me sinto tão
desconectado. Eu estou tentando me agarrar a que? É como se eu
estivesse tentando segurar água de mãos vazias. Eu faço isso por
qual motivo? Já não sei mais, essa janela não parece mais tão limpa,
será que eu estava apenas sendo enganado pelos seus reflexos? Este
caminho vale o meu tempo….

Com estes pensamentos em sua mente Dawid acaba pegando


no sono logo ao deitar-se na cama.
O dia clareia e alguém começa a bater na porta de Dawid.

toc toc toc

-....

toc toc toc

- Com licença, senhor. Bom dia, eu vim lhe deixar o


café da manhã da suite.
- Oi, bom dia… sim, claro. Que horas são?
- 9 horas senhor.

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- O que? 9 horas! já estou atrasado para hoje, pode
deixar o carrinho aí e ir, obrigado!

Tomar café da manhã , me arrumar, pegar minha mala e ir, ainda


vai sobrar tempo para sair daqui hoje ainda... pensando agora, onde
está minha mala? acho que vou ter que checar no balcão.

- Bom dia, ontem eu deixei minha mala aqui, mas acho


que vocês não levaram ao meu quarto.
- Qual é o seu nome, senhor?
- Dawid Eli.
- Não recebemos nenhuma mala com este nome
marcado senhor, poderia me dizer como ela é.
- COMO ASSIM! É UMA BOLSA MARROM, EU
ENTREGUEI PARA O GAROTO DA PORTA ONTEM
A NOITE!
- nós não estamos com nenhuma mala marrom senhor
e também não temos nenhum Mensageiro pela noite
senhor, o senhor poderia dar mais detalhes da mala e
também tem certeza que era um hom..-
- O QUE?! VOCÊS PERDERAM MINHA MALA… É
CLARO QUE PERDERAM?! QUE INCOMPETÊNCIA
É ESSA... ELE ESTAVA AQUI NA ENTRADA… VEJA
É AQUELE GAROTO ALI FORA! NÃO CORRE
GAROTO! VOLTA AQUI QUE É MELHOR PARA
VOCÊ! NÃO ADIANTA CORRER PELA CIDADE, EU
VOU TE ALCANÇAR!!!....

Dawid sai correndo bruscamente em direção ao garoto


seguindo por diversos quarteirões.

Tenho certeza que ele entrou nessa rua…

- É ele, esse cara está correndo atrás de mim! - Fala um

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garoto apontando para Dawid
- …
- Ei cara, porque você está correndo atrás de uma
criança?!
- ele roubou minha mala, como ele se atrev-

Dawid sente uma pancada na cabeça, fica tonto e logo em


seguida sente seu corpo pesado caindo no chão.

Está escuro, eu estou com sede, você poderia me trazer um copo com
água, por favor… não? tudo bem, eu entendo… veja eu não queria ser
assim, ok?!...então agora você sabe de tudo?.. por favor, eu não quis
ser grosso, apenas me diga porque estamos aqui… e aquele copo com
água, você poderia…

Os pensamentos de Dawid são interrompidos por um


barulho externo de alguém falando, mas o zumbido em seu
ouvido é tão alto que ele mal consegue entender o que estão
dizendo.

- …. será que ele é um viciado?....


- Deve ser, ele está fedendo, deve ser um bêbado…
- ,,,,
- ,,,,
- AAAA-
- CORRE, CORRE, ELE TA ACORDANDO!
- AAAAaaa…

Que dor na minha cabeça, o que está acontecendo? eu estava atrás


do garoto e de repente ficou escuro ... alguém me acertou… era, só o
que faltava, levaram até meu roupão…mas o mais importante, onde
eu estou? preciso pedir por informação…

- Com licença, voc-

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- Com licença, voc-
- Saia daqui-
- ei, com licen-
- saia de perto da minha esposa, mendigo imundo.
- Senhor, só estou pedindo p-
- Dinheiro? você quer dinheiro não é, para gastar tudo
em bebida, você fede, deveria pelo menos pagar por
um banho, cachaceiro!
- mas…
- Tome, aqui, lhe dou essas moedas para não me
perturbar mais,e agora sumá…
- …

o que está acontecendo…

- Com licença senhora, você…

Ela desviou o rosto para o lado, estão todos fazendo isso… o que
aconteceu comigo? eu estou tão imundo assim, e mesmo assim, só
pela minha aparência eu já não valho mais nada? como eles podem
julgar assim…

6-3

Faz horas que estou tentando, mas ninguém se comunica comigo…


mas… mesmo se eu achasse o hotel… eles me receberam neste estado?

começou a chover…..

- POR FAVOR, POR FAVOR, ALGUÉM ESTÁ AÍ PARA


ME AJUDAR?!
- POR FAVOR…
- ….
- Pelo amor de deus, fica quieto! - Um homem grita de

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uma lojinha próxima a Dawid.
- por favor, eu só preciso de ajuda…
- Venha aqui, saia dessa chuva! - Grita o homem para
Dawid
- Então, você precisa de dinheiro? uma bebida? Algum
lugar pra dormir?

Corcunda com cabelos brancos, rugas e olhos cansados, será que ele
é o dono deste estabelecimento? - se pergunta Dawid.

- Boa noite, só preciso de informação, estou perdido


nesta cidade a horas…
- …
- Vamos entrar e sair dessa chuva.
- Então, qual o seu nome?
- Dawid, eu sou um universitário de fora...
- Prazer, Dawid, eu sou o Immanuel é dono deste
antiquário...esta é uma cidade difícil para forasteiros,
mas, diga, que informação precisa?
- Eu estava hospedado no hotel Cavea, mas acabaram
acontecendo algumas coisas e eu vim parar aqui,
agora não consigo voltar e ninguém está disposto a
me ajudar…
- hmm, hotel Cavea...hmm, sim, não é muito longe
daqui, em 30 minutos andando você chega, só não
pode se perder nas ruas sem saídas, deixa eu pegar o
mapa para lhe mostrar… Enquanto isso, eu tenho um
banheiro com chuveiro nos fundos da loja, tome um
banho para se aquecer e após isso lhe entrego o mapa
e algumas roupas secas.
- Muito, muito obrigado senhor, as pessoas parecem
tão frias aqui, é ótimo saber que chega luz em ninho
de serpentes…

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Dawid se dirige ao fundo da loja e entra para tomar um
banho.

É ótimo tomar um bom banho, me pergunto se eu já me senti assim


antes… essa cidade… essa cidade não merece a fama de riqueza que
possui...

- Aqui está o mapa jovem. Veja, eu marquei em vermelho


as ruas que você precisa pegar. Mas você deve estar
com fome, eu trouxe um pouco de comida e se você
quiser, posso lhe emprestar dinheiro também…
- Muito obrigado, dinheiro talvez eu precise.
- Certo, quanto você vai querer? Se você quiser, posso
lhe arranjar 30 moedas de ouro, e até você sair da
cidade o juros não deve ficar muito alto e caso você
não tenha como pagar pode trabalhar aqui na l-
Dawid interrompe enquanto o homem fala.
- Como assim? Eu sabia que o senhor estava sendo
muito bom, é óbvio, esta cidade não têm nada além
de aproveitadores
- O que diz garoto?
- AGORA FAZ SENTIDO, é assim que você mantém
essa lojinha na cidade. É só achar alguém que precise
de dinheiro e encher essa pessoa de juros, já me
falaram sobre isso na universidade, mas nunca achei
que eu fosse passar por isso. Veja bem! eu não preciso
da sua ajuda!
- Jovem você entendeu errado, eu - Dawid interrompe
o homem mais uma vez e se dirige a porta de saída.
- Estou indo embora, eu não suportaria ficar mais nem
um instante aqui, adeus!

O homem sem entender nada fica olhando Dawid de longe


com um olhar de angústia.

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Não consigo acreditar, mais um..que MERDA!

- AAAAA, CIDADE POLIDA, TU ÉS UM GRAFITE


EM FORMA DE DIAMANTE?! COMO PODERIA
EU BEBER DO SEU VINHO, SE SOMENTE ME
OFERECES ÁGUA?

Grita Dawid olhando para o céu.

- CALA BOCA, SÃO 4 HORAS DA MANHÃ CARA!!! -


Alguém comenta de um prédio perto.
- ME CALAR VOCÊ NÃO CONSEGUE-

O comentário de Dawid é interrompido por um oficial que


se aproximou com a gritaria na rua.

- Boa noite senhor!


- …
- Boa noite seu guarda... algum problema?
- O senhor está gritando em plena madrugada
- A, mas é claro, agora a polícia vem me calar, eu vejo
em seus rostos a discriminaçao!
- Se o senhor está alterado, pode por favor se acalmar.
- ME ACALMAR? VOCÊ QUE DEVERIA SE ACALMAR!
- Por favor não encoste em mim.
- ah cale a boca

Então Dawid dá um tapa no rosto do policial, e este logo


revida com seu cassetete.

- Vocês não vão conseguir me cal-

E mais um golpe com o cacete é acertado no rosto de Dawid,

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rasgando sua sobrancelha e espalhando sangue pelo seu
rosto, logo em seguida ele cai de joelhos no chão.

Mas então é ouvido ao longe alguém gritando:

- POR FAVOR, POR FAVOR, PAREM.

o guarda recua e olha para trás

- Por favor, este é meu primo, ele é novo na cidade, por


favor o perdoem.
- Ele estava fazendo baderna e desacatou um policial,
precisa levá-lo até a delegacia.
- Por favor seu guarda, tenho certeza que podemos
resolver isso.. veja, tenho aqui 3 moedas para ajudar o
transtorno que o senhor teve.
- O senhor tem sorte por estar tarde, mas leve-o daqui
e que eu não o veja mais fazendo baderna por essas
ruas.
- Pode deixar seu guarda, vou me certificar disso.

O guarda vai embora, e agora o homem se ajoelha ao lado


de Dawid. Ao olhar, Dawid percebe um homem de cabelos
grisalhos, mas de olhar vivo.

- Quem é o senhor?
- você é o garoto da extrada não é?!
- Não entendi senhor.
- eu passei por você a cavalo 2 dias atrás, você estava na
estrada a caminho para cá.
- Ah, sim o senhor com o cavalo velho.
- haha, isso mesmo.
- Então vamos, posso leva-lo até o local onde eu
trabalho, e lá damos uma olhada nesse seu machucado,

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consegue se levantar?
- Por que? quanto você vai me cobrar?
- Como assim garoto? não vou cobrar nada não, fica
tranquilo oxi.

Ao tentar se levantar, Dawid desmaia caindo no chão


molhado da rua.


5 - Tempestades nada
podem contra sementes

- Estamos indo Dawid!


- Ok, estou preparado!
- mas antes uma pergunta, você tem certeza que está
recuperado? Faz só 4 dias que ta com a gente.
- 100% recuperado, quero poder lhe pagar por esses
dias!
- Claro, claro, esqueço que gente jovem se recupera
ligeirinho.

Ao sair da casa, Dawid olha para trás e relembrar o dia em que


Ibrahim o carregou até ali, um homem de 50 anos, magro e
que mancava. Deixou-o no chão da cozinha, um assoalho de
madeira e que rangia a cada passo, as madeiras das paredes
descascando de velhice, mas agora este era o lugar onde
Dawid mais gostaria de estar no fim do dia.

- Então garoto, hoje você vai começar me ajudar


tratando os bicho da lagoinha.
- Claro, como começo?
- Pega aqueles sacos de ração ali, coloca na canoa e
rema até a ilha no meio do lago, depois você vai pro

24
outro lado e começa a dar a ração pros porco.
- Entendido!
- E eu vou com você porque preciso fazer as cercas do
outro lado.

Ao pegar os sacos e se dirigir para a canoa, Dawid olha a


pequena lagoa com uma ilha no meio, as folhas amarelas das
árvores e o lago refletindo o azul dos céus, e percebe por um
instante um momento de plenitude.

- Vamos, vamos Dawid, os sacos não estão tão pesados


assim…
- calma velho, está mais pesado do que parece.

Ibrahim, abre um sorriso de orelha a orelha, dá uma alta


gargalhada e fala:

- imagina se os sacos estivessem cheios então!


- ...
- Esta canoa não está meio apertada velho?
- Claro né garoto! ela foi feita pra 3 sacos e um homem,
não 3 sacos e 1 homem e meio, HAHA!
- “haha” muito engraçado, velho! vamos, pode deixar
que eu remo…

Após remar por um tempo Dawid comenta:

- Veja, já estamos na metade do lago!


- Desse jeito daqui uns 3 dias chegamos na ilha hahah…
- É bem complicado remar isso, a água pesa no remo e
quase não nos movemos.

Após atravessarem a ilha, Dawid e Ibrahim continuam a


conversar.

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- Você tem sorte por ser jovem Dawid, tem dias que só
subir na canoa já me dói as juntas…
- Lembrando agora, eu já conheci um senhor que era
muito mais velho que você e ficava atravessando um
rio do lado pro outro o dia inteiro. Ele me ajudou
a atravessar o rio quando não consegui encontrar a
ponte e mesmo cobrando pouco, não lembro de ter
reclamado...
- Bom, eu acho que há pessoas que não procuram
tesouros em cofres, não é garoto?!.
- Mas me fala, garoto, o que pretende fazer quando
estiver recuperado?
- Ainda não tenho certeza, eu perdi o meu dinheiro,
então provavelmente vou ter que arranjar algum
trabalho por aqui.
- Eu posso lhe pagar uns trocados se continuar me
ajudando, e você ainda pode ficar com o quartinho
de graça.
- Me parece ótimo, nunca vou conseguir retribuir o
tanto que você tem me ajudado ibrahim!

Após ouvir isso, os olhos sorridentes de Ibrahim ficam


abatidos, ele concorda com a cabeça e os dois seguem em
frente.

5-2

- Bom dia, Ibrahim!


- ora ora, bom dia Dawid, parece que você se adequou
bem ao trabalho aqui. Sete meses e você tem acordado
todos os dias às 4 horas da manhã.
- É o que dizem, “ deus ajuda, quem cedo madruga”.
- E esse barulho.. você até já ligou a máquina para

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alimentar os porcos? - Pergunta Ibrahim
- Já sim!
- Dawid! Hoje eu tenho certeza, você é um grande
garoto! veja, esses dias me peguei pensando em tudo
que você fez, e vou te contar, no início achei que não
daria conta, você nao conseguia nem levantar um
saco para dar comida aos porcos, e mesmo assim você
tentava e tentava. Acordava cada dia mais cedo, e depois
de semanas com calos nos dedos, o que aconteceu?
Você desistiu? Não! Você criou um equipamento que
alimentava os porcos sem precisar levantar os sacos
e então eu pensei, “esse garoto é esperto”. O tempo
passou e você continuou, criou máquinas para tudo,
até o barco se rema sozinho hoje, e agora eu vejo,
você tem o direito a grandeza, eu sei que não posso
lhe pagar por todos esses equipamentos, por isso eu
vou lhe apresentar ao dono da fazenda, ele também
mexe com essas máquinas, tenho certeza que ele iria
contratar um garoto como você!
- Ibrahim, nossa, eu não sei nem o que dizer, agradeço,
agradeço muito. Eu aprendi muito aqui também e eu
que deveria estar agradecendo por tudo que você fez
por mim.

5-3

- Então, amanhã é o dia de conhecer Paullo, eu mostrei


os seus projetos da fazenda e ele parece ter ficado
bem empolgado em te conhecer. Creio que seus dias
trabalhando aqui estejam acabando Dawid.
- ah, Ibrahim, pode ter certeza que eu ainda passarei
aqui, pelo menos para comer um pouco da sua janta.
- HAHAHA, espero que sim garoto, vou me preparar
sempre um pouco a mais para você!

27
A noite aparece e a lua começa a brilhar, Dawid toma um
banho e começa a se preparar para o próximo dia. A caminho
de fechar a cortina de sua janela, ele percebe a lua em meio
às nuvens e lembra-se de quando iniciou a sua jornada.

Você ainda está brilhando, nunca vai se cansar? Sabe, eu ainda não
me esqueci do que procuro, só que agora parece tão longe. Eu não
me perdi, apenas estou pegando um desvio, mudando a história um
pouco, é isso, só isso, eu acho...

5-4

Um som de batida na porta acontece e faz Dawid despertar.

- Dawid, você está aí?


- o-oi, Ibrahim, desculpe, estou acordando, eu acabei
dormindo na cadeira de novo..
- haha, garoto, tudo bem, passei pra avisar que o senhor
Paullo, vai vir conversar com você, daqui duas horas.
- Certo, obrigado por avisar Ibrahim!

Duas horas se passam e Paulo chega a pequena fazenda,


primeiro se nota um homem alto, com pernas e braços longos,
de pele bem escura, com uma postura ereta e robusta. Após
isso percebemos sua roupa, um terno preto, que se adequa ao
grande corpo, mas ao observarmos seu rosto, percebemos
que os anos foram longos. Sem barba, sobrancelha ou cabelo,
as rugas chamam atenção, mas não tanto quanto seus olhos,
um par de pérolas negras naufragadas no meio de um olhar
profundo. Enquanto Ibrahim e Dawid o observam, ele se
aproxima e começa a falar:

28
- Bom dia, Ibrahim, e você deve ser Dawid, correto?
- Sim, eu mesmo. Bom dia senhor Paullo.
- Ótimo, Ibrahim já deve ter lhe informado sobre mim,
podemos começar a conversar?
- Claro, aceita um café?
- Não, muito obrigado, acabei de tomar café. podemos
ir conversar enquanto caminhamos?
-
Com um movimento leve, Paullo aponta para a rua que leva
à saída da pequena fazenda.

- Podemos sim - falar Dawid.

Os dois se despedem de Ibrahim, e seguem conversando


pela rua de pedra.

- Então Dawid, você já foi em alguma de nossas fábricas


aqui da cidade?
- Ainda não, só fiquei pela fazenda com o Ibrahim
mesmo.
- Nossa, é mesmo? Essa cidade oferta tantos
passatempos, é difícil ver alguém que vem pra cá e
não frequenta algo nas longas noites.
- Eu acabei não tendo uma boa recepção quando
cheguei aqui, por isso acabei ficando na fazenda.
- hmm, entendo, entendo. realmente existem alguns
locais de adversidade aqui na cidade. Nós até tentamos
resolver isso, até que um dia eu ouvi a frase “a riqueza
é como água salgada, quanto mais se bebe, mais sede
dá, o mesmo se dá com a glória” e compreendi.

Paullo dá uma pausa longa no final da frase,solta um suspiro


e continua a falar:

29
- Muitos não sabem Dawid, mas esta cidade foi fundada
por escravos, inclusive meus pais fizeram parte da
criação. Após a escravidão ser abolida muitos de nós
ficaram perdidos, a maior parte da nossa comunidade
não sabia ler nem escrever, as oportunidades para
se mudar eram escassaz, então foi decidido ficar e
trabalhar na nos campos que haviam aqui. A fazenda
era propriedade dos Whiteman, um casal de idosos
caucasianos que perderam o único filho em uma
rebelião causada pelos escravos. Após se desfazerem
de todos os escravos que fizeram parte da rebelião,
eles quase abandonaram a fazenda. Ela só continuou
funcionando por causa dos pretos que se mantiveram
aqui. Depois do ocorrido os Whiteman não tinham
mais preconceito e aceitavam qualquer um que
quisesse ajudar no trabalho. Então três anos depois
quando a escravidão foi abolida, não foi uma escolha
dificil ficar na fazenda. No início não eram tantos
pretos, mas a notícia de se conseguir um local livre
de preconceito, um trabalho remunerado e local
para dormir se espalhou. E assim, dia após dia, a
antiga fazenda ia aumentando o número de cidadãos.
Após um tempo, pessoas além de negros começaram
a chegar, os excluidos, oprimidos e todos que
procuravam um lugar livre de preconceitos. Surgiram
trabalhos e oportunidades e assim a antiga fazenda
Whiteman começou a se tornar a luminosa cidade
Benoni. Como você deve saber, todos os nomes têm
um significado e Benoni significa: “filho da minha
dor”, uma homenagem a todos que deram duro para
que este lugar crescesse livre de preconceitos.

Assim conclui Paullo, que agora, olha fixamente para Dawid.

30
- Nossa! realmente uma história que eu nunca tinha
ouvido, mas faz sentido os Whiteman serem
lembrados como os fundadores da cidade, já que a
fazenda era deles.
- Eu acredito que eles devem ser lembrados sim, mas
na verdade, eles morreram 4 anos após a escravidao
ser abolida. A fazenda havia sido abandonada e se
houvesse cinco casebres aqui era muito. Então pense,
eles não estavam vivos e nem eram donos da fazenda
quando a cidade Benoni surgiu, e mesmo assim todas
as pessoas acreditam que os Whiteman fundaram a
grande Benoni, como a elite composta por brancos
poderia acreditar que ex escravos fizeram algo tão
grande? Bom, eles não acreditaram né hahaha.
- Incrível, e não digo isso da boca pra fora… é incrível!
Mas... Mesmo crescendo assim, como Benoni pôde
acabar como todos os outros lugares ?
- Aqui é o ponto onde eu queria chegar, poder e
dinheiro mudam até os ideais mais sinceros.
As décadas passaram e hoje a antiga Benoni é livre
para todos, se tornou um local que cobra até a entrada
de estrangeiros, mas veja, eu não quero que você se
lembre de Benoni pelo lado ruim, mas é assim que
as coisas são. Eu estou vivendo para mudar esse lugar
para o melhor, mas no fim, alguém tomará meu lugar,
e assim como eu, tudo virará pó no final.

Dawid para e pensa na história que acabou de ouvir, fecha os


olhos e respira fundo. Abre os olhos e olha lentamente para
Paullo.
Paullo, se assusta. O garoto demonstra o primeiro olhar que
parece vivo e jovial.

31
5-5

Dawid não havia percebido, mas eles já tinham percorrido


um longo caminho desde a pequena fazenda.

Agora os dois se encontram na frente de um prédio de luxo


da cidade, alto, luminoso e colorido, na entrada duas colunas
que levam a uma porta de vidro, onde um jovem garoto abre
a porta para os dois, Dawid nota algo, mas o prédio é tão
luxuoso por dentro que a sua atenção se volta apenas aos
ladrilhos internos, tão imensamente coloridos e brilhantes.
Paullo chama Dawid e fala:

- Vamos Dawid, nós veremos a cidade de Benoni do


terraço deste prédio.

É a primeira vez que Dawid se encontra em um prédio


tão alto. Deslumbrado com a cidade vista de cima Dawid
comenta:

- Tão imenso, meus olhos se perdem no horizonte.


Olhando daqui, algumas coisas parecem tão pequenas
e insignificantes quando se olha o todo, por que
damos tanta importância…
- Então Dawid, você quer um apartamento neste
prédio?
- como assim?
- Pelos seus projetos. Eu lhe dou um desses
apartamentos pelos projetos da fazenda. Talvez você
não tenha percebido, mas aqueles projetos valem
muito dinheiro, eu tenho incontáveis engenheiros
trabalhando para mim, e nenhum deles pensou nos
projetos que você criou. Esses mecanismos movidos
a vapor, são incríveis! Então, se você me vender os

32
projetos e quiser continuar trabalhando para mim,
esse apartamento é seu, e isso será só o começo!

Após alguns segundos em silêncio Dawid responde:

- Nossa, eu não sei nem o que dizer, isso… nossa…


mas infelizmente, eu não posso aceitar Paullo, mas
agradeço demais a oferta sobre os projetos. Faça uma
reforma na casa de Ibrahim e eles são seus.

Paullo olha atento enquanto Dawid fala, e no final da uma


leve risada e comenta:

- Os seus olhos Dawid, durante a caminhada eu notei


neles, você não é alguém que aceitaria essa oferta,
mas eu tinha que tentar. Você não é a primeira pessoa
que vejo com esses olhos, a primeira também recusou
minha oferta, e acredita que ele recusou pra mexer
com eletricidade?! haha, vocês são incríveis.
- eletricidade…
- Bom, já que é assim Dawid, podemos voltar para a
fazenda.
- Certo, mas se não for pedir demais, acho que você
pode me ajudar em algo.
- Claro! pode falar Dawid.
- eu estava procurando a entrada da Montanha, por um
acaso você tem essa informação ?
- hmmm, se não estou enganado, temos a área da
entrada mapeada sim, vou pedir para lhe enviarem a
rota amanhã cedo, pode ser?
- Está ótimo Paullo, agradeço toda a ajuda!
- Sem problemas! podemos voltar agora.
- Claro.

33
Ao chegar ao saguão Dawid novamente percebe algo:

- Paullo, pode ir na frente, eu encontro você na fazenda.


- Sério? Não precisa da carona? Meu motorista deixou
o carro aqui na frente.
- Não, está tudo bem, percebi que tenho algumas coisas
para resolver
- Tudo bem então, até depois.

Dawid se despede de Paullo e corre para falar com o garoto


na entrada recolhendo as malas:

- Boa tarde garoto, é você não é? o do hotel!


- Boa tarde senhor! não estou entendendo… e eu não
sou um garoto senhor.
- Ah você não é um garoto… desculpe, mas você
trabalhava no hotel Cavea?
- Sim, alguns meses atrás eu trabalhei lá, mas por que
a pergunta?
- É estranho perguntar, mas por um acaso você não
roubou a mala de algum hóspede daquele hotel?
- hahaha, não senhor, eu jamais faria isso!
- Imaginei...
- Espera, você é aquele rapaz!
- “Aquele”?
- Sim, você saiu correndo do hotel igual louco e nunca
mais voltou!
- Ah, bom, realmente isso aconteceu. Eu achei que você
havia roubado a minha mala e corri atrás de você.
- Não, como eu sairia assim com uma mala, se ela fosse
registrada no hotel?
- Analisando hoje, não faz nenhum sentido o que eu
pensei mesmo...
- O gerente falou que você havia perguntado sobre

34
uma mala marrom, mas nós não tínhamos nenhuma
mala marrom com o seu nome, apenas uma vermelha,
então ficamos esperando você voltar para buscar, mas
você nunca voltou.
- Mas a minha mala era marrom.
- Não senhor, tenho certeza de ser vermelha… nós
podemos ir até o hotel se você quiser, a mala ainda
deve estar lá.
- Isso seria de grande ajuda!
- ok, o meu turno termina daqui a uma hora, após isso
podemos ir para lá
- Certo, vou esperar sentado ali dentro então!

Após se sentar, Dawid percebe o quão exausto estava e


também o quão aliviado estava. O peso que estava em suas
costas por tanto tempo finalmente começa a ficar mais leve.

6 - Correntes no chão

- ei… ei…

Dawid começa a levantar com alguém falando, desnorteado,


ele olha para alguém a sua frente, uma jovem de cabelo bem
curtinho, morena e baixinha, quem seria essa, ele começa a
se perguntar.

- Boa noite? - Dawid pergunta.


- kkkk Você pega no sono rápido não é?! vamos pegar o
capacete que já está escurecendo..

35
Dawid demora alguns segundos para perceber que aquela
era a mulher que iria levá-lo até o hotel.

- Oi, oi , me desculpe, eu me sentei aqui, e nem percebi


que peguei no sono…
- haha tudo bem cara, você ficou aí por 1 hora, já estava
achando que não ia mais acordar.
- kkkkk
- Eu ja liguei a moto, se prepara que já estamos indo!

Ao se aproximarem da entrada do hotel Dawid se recorda do


momento em que chegou a cidade, aquela rua iluminada e
encantadora, já não parecia ser mais a mesma. O contraste
entre nobres e serventes é visível em cada esquina, será que
todos os forasteiros têm a mesma visão ao chegar à cidade
pela primeira vez?
Dawid ouve o motor da pequena moto com peças
sobressalentes parar lentamente, ao olhar para o lado ele
percebe o nome “Cavea grande hotel”.

- Então chegamos - fala Dawid


- Sim, pode ir entrando que eu já vou em seguida.

Dawid começa a dar os passos em direção a porta do hotel,


no meio do caminho começa suar frio e suas mãos tremem.

- Tá tudo bem cara?


- Opa, tô sim, só deu uma falta de ar agora.
- Fica tranquilo, o chefe aqui é parceria. eles não devem
ter jogado sua mala fora não.

Ao entrar , Dawid se lembra de como tudo começou. Uma


parte da jornada que ele jamais imaginou levar tanto tempo,
mas que agora era parte do seu cotidiano..”tudo que passa,

36
fica…” e agora enfrentar o futuro é uma necessidade.

- Aquele?... sim, é ele mesmo… o seu nome é Dawid…


sim, eu disse que a mala ainda deve estar aqui, você
sabe?... sim, a vermelha, está ai?... ótimo,
- Aqui está Dawid, do mesmo jeito que você deixou.
- ...tão fácil assim?
- Sim, fácil assim hahah.
- Nossa, eu não tenho como agradecer. Muitissimo
obrigado!
- Relaxa cara, fico feliz por poder ajudar.
- Na verdade, agora eu tenho como agradecer, só um
segundo.

Dawid começa a mexer na bolsa recém encontrada e pegar


algumas moedas de ouro.

- Isso é pra você!


- O QUE? cara você não precisa me dar essas moedas
não, eu agradeço, mas já fico feliz em só poder ter
ajudado.
- Eu insisto, é o mínimo que posso oferecer além da
minha gratidão.
- Muito obrigada, cara! Você precisa de uma carona até
o hotel em que estamos?
- Não, está tudo bem, eu vou voltar pra casa agora.
- Então se vemos por aí, e valeu pelas moedas
novamente, até mais!
- Eu que agradeço pela grande ajuda, até mais!

E assim Dawid volta até a casa de Ibrahim. Ao chegar, vê


Ibrahim preparando o trabalho para o próximo dia. Ibrahim
o ouve e olha para trás, ao se virar, esboça um grande sorriso,
e sai correndo em direção a Dawid.

37
- Grande garoto, Paullo me falou, estou chocado, é
demais pra mim, fica com um pouco pra você, meu
deus garoto... é muit-
- Calma Ibrahim, calma, fale devagar para eu conseguir
entender haha.
- Garoto, o senhor Paullo me entregou muito dinheiro,
ele disse que os projetos foram vendidos, e que o
dinheiro era meu, mas eu não estava conseguindo
entender, já que foi o garoto você quem fez, ai eu
falei, “ o sr paulo, o dinheiro tem que ir pro garoto!”,
mas aí ele falou que você pediu pra entrega pra mim,
eu não entendi nada…
- É o que posso fazer para agradecer tudo que você
fez por mim Ibrahim. Nunca me esqueci da ajuda na
alameda.
- Nossa garoto, você está falando assim, até parece que
eu fiz algo demais.
- Você não pode nem imaginar o valor que a sua ajuda
teve para mim.

Ao ouvir isso ibrahim perde um pouco o ânimo,abaixa o


olhar e fala:

- você está de saída Dawid?


- Sim, Ibrahim, estou.
- Eu sabia que esse dia ia chegar, mas parte de mim
queria que fosse apenas imaginação..

Ibrahim olha firme para Dawid, e agora começa a falar sério.

- Dawid, eu não mereço o seu dinheiro.. veja bem,


lembra do dia que a gente se viu na estrada para a
cidade… neste dia eu não fui sincero com você.

38
- ...
- Nossa Dawid me desculpe, me desculpe...Naquele
dia, você estava a pé, sem água, e distante da cidade
e mesmo assim eu não te ofereci carona no meu
pangaré. Ele é velho mas aguenta bem duas pessoas,
e mesmo assim, aquele dia…. ó meu deus Dawid, eu
sempre falo pra minhas criança “ ajude sempre o
próximo como a si mesmo “..

os olhos de Ibrahim se enchem de lágrimas, e então ele


começa a chorar.

- Como eu posso falar isso para as crianças e agir assim


quando tenho a chance…Me desculpe Dawid, me
desculpe, por favor desculpe esse velho tolo, quando
eu vi você na cidade, eu pensei…

Ibrahim continua a chorar e agora começa a soluçar entre


palavras e choros.

Dawid olha toda a cena com uma cara séria, e então seus
olhos caem em compaixão e ele começa a falar:

- Velho, velho, se acalme por favor, eu acho que nós


dois não fomos sinceros um com o outro naquele
dia… Eu me lembro muito bem, você me pediu água,
e eu disse que nao tinha - Dawid abraça o velho que
agora apenas soluçava
- Eu tinha água, Ibrahim. Eu tinha água para mim
e ainda poderia lhe dar um pouco também, mas…
O egoísmo daquela época aflorava a minha mente
Ibrahim… eu também lhe peço desculpas. Acredite,
você é um ótimo pai para as suas crianças, nunca
duvide disso! E agora levante-se homem, amanhã é

39
um novo dia, e eu preciso lhe pedir uma ajuda

Ibrahim abre um sorriso no rosto e seus ombros parecem


caem com tranquilidade, ele acena concordando com a
cabeça e os dois se dirigem aos quartos.

6-2

- Bom dia, Ibrahim, acordou de bom humor hoje?


- Me sinto ótimo, mas penso que até o fim do dia você
não estará mais aqui, e então sinto meu coração
apertar.
- Não fale assim velho, eu ainda posso desistir haha.
- hahah, não, você não pode desistir Dawid. Mas então,
o que você precisa de mim hoje?
- hmm, eu preciso que você compre algumas coisas
para mim, e também, entregue essas moedas para um
senhor, eu tenho uma lista de compras e o mapa do
local.
- Ok garoto, já posso sair agora, tem a lista e o mapa aí?
- Aqui estão, são poucas coisas, mas me ajudarão no
restante da viagem.
- hmm, 7 chás, 3 ervas e mais poucas coisas… Tem
certeza que consegue viajar só com isso?
- Sim, é somente o necessário.
- Ok, com quem eu falo lá?
- … Pode falar com um amigo meu, espero ainda ser
amigo dele.
- hora, hora, você tem mais algum amigo aqui na
cidade?
- kkk, Espero que sim.. ele tentou me ajudar naquele dia
que você me encontrou na rua. Você vai gostar dele,

40
convide-o para olhar as quinquilharias da fazenda,
tenho certeza que os dois vão se divertir.
- Não sei não garoto, esse pessoal daqui não é muito
amistoso não, mas vou indo então, daqui a pouco já
volto.
- Certo, vou estar lhe esperando!

Duas horas se passaram e Ibrahim ainda não havia voltado.


Dawid começa a ficar preocupado, mas então houve o
barulho do grande portão se abrindo. Dawid olha pela janela
e vê dois senhores vindo andando e rindo. Ibrahim olha pra
Dawid de longe e acelera o passo até a casa.

- Opa Dawid, eu trouxe visita..


- Duas horas Ibrahim, eu achei que tinha acontecido
alguma coisa.
- Nossa duas horas, nem vi o tempo passar. Nós
começamos a conversar, aí ele trouxe uma gelada, e
não consegui resistir, aí viemos conversando.
- Bom dia Immanuel, faz um tempo neh?!
- Bom dia Dawid, fico feliz em vê-lo bem, a ultima vez…
não foi ...

Ibrahim solta uma gargalhada alta e começa a falar:

- Foi uma desgraça, pelo que Immanuel me contou,


você estava louco né garoto HAHA
- kkkkkkk eram outros tempos mesmo - Fala Dawid.

Os 3 riem juntos e Dawid começa a fazer a bolsa.

- Dawid, certeza que só vai levar isso?- fala Ibrahim


- Eu tenho algumas coisas que seriam úteis e uma
mochila maior no antiquário também - comenta

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Immanuel.
- Agradeço a preocupação dos dois, mas vou levar
só isso mesmo, fico grato por poder sair daqui com
muito mais do que quando entrei.
- …Bom, é você quem sabe garoto… eu acho que é aqui
que nos separamos não é mesmo?
- É sim Ibrahim, novamente agradeço por tudo, mas é
hora de eu ir.

Ibrahim e Dawid se abraçam, nesse breve instante Dawid se


lembra de todos os momentos que teve naquela fazenda…
“memórias agradáveis que machucam” pensou ele.

Dawid sai da casa e se dirige ao portão acompanhado de


Dawid e Immanuel. Com um sorriso no rosto ele cruza o
portão e se dirige ao seu destino.

7 - Mundo em bolhas de espuma

Quatro horas de caminhada após sair de Benoni, Dawid abre


o mapa para ver quanto tempo demoraria para chegar até a
primeira vila.

Já faz 4 horas que estou andando e só ouço e sinto o vento no meu


corpo, ele ecoa nos meus ossos e assim percebo que estou completo.

Olhando o mapa, são 3 vilas até a entrada da montanha, e já devo


estar próximo da primeira… espero conseguir um pouco de comida
lá, com o que tenho, acho que não consegui chegar até a segunda
vila…

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Mais um tempo de caminhada se passa e Dawid consegue
ver a primeira vila. Uma vila pequena, sem cercas na
entrada, apenas algumas madeiras levantadas na estrada
que aparentam representar a entrada. Ao se aproximar,
Dawid percebe que a vila não possui veículos e as casas são
muito humildes, feitas de madeira e barro, alguns cercados
malfeitos mantém as galinhas magras presas, e o cheiro que
vem do chão não é nada agradável.
Dawid vê alguém ao longe e chama:

- Bom dia senhor.

O senhor olha de longe e acelera o passo até chegar a Dawid.


Dawid repara na figura pálida e com roupas costuradas, o
homem não deve passar dos 30 anos, mas o rosto acabado
pelo sol dá a impressão de ter mais de 40. Após um breve
momento de silêncio o homem pergunta:

- Bom dia moço, vem de Benoni?


- Venho sim, estou querendo passar pelas vilas nessa
direção e chegar até o pé da montanha, mas estou
com pouca comida, vocês tem alguma fruta ou carne
seca que possam vender?
- Olha, nós ainda não recebemos o carregamento de
Benoni, mas se o senhor quiser eu dou um jeito com
uma dessa galinha aqui -

Enquanto o homem fala, se ouve um barulho de porta


batendo e alguém gritando:

- SALATIEL, JÁ FALEI PRA NÃO VENDER MAIS


NADA!!!!

Após ouvir isso o homem sai correndo e logo se perde de

43
vista nas frestas das casas.
A voz que gritava agora mostra o rosto, uma mulher, com
uns 20 anos, pano na cabeça e um bebe no colo, ela vem
andando se aproximando de Dawid e falando:

- Bom dia, bom dia moço, desculpe o Salatiel, ele acha


que pode vender tudo aqui, só ouvi ele falando de
vender as galinhas, mas nós não sabemos quando
o carregamento vai chegar de Benoni, então por
enquanto é o alimento que temos.
- Tudo bem, eu entendo, mas como assim carregamento
de Benoni?
- ah, como essa vila é a mais próxima de Benoni pra esse
lado, a gente recebe umas mercadorias da cidade com
suprimentos, caso precisemos acomodar alguém que
esteja viajando até a cidade. Mas bom, a maioria dos
viajantes passa reto e nem para aqui, então a gente
fica com as mercadorias.

Dawid apenas chacoalha a cabeça em afirmativo.

- Agora a comida é racionada, mas se o senhor


quiser a gente tem água e limão, serve?
- Claro, claro, já seria de grande ajuda.

a mulher entra em casa e sai com um balde com água e alguns


limões em um saco velho e pergunta:

- Tem garrafa moço?


- Tenho sim, pode colocar no meu cantil aqui.

Dawid lhe entrega o cantil, ela enche e lhe entrega os limões.

- Veja moço, o saco ainda vou usar, então pode colocar

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aí na bolsa os limao

Dawid guarda os limões na bolsa e entrega para a mulher um


pão com presunto, um martelo, pregos e fala:

- O pão com presunto é pela água, o martelo e pregos


são para o que você quiser fazer com eles.

A mulher não entendendo muito bem, acena com a cabeça


agradece e volta para a casa com o bebe no colo.

Dawid olha com pesar para a pequena vila, mas segue sua
jornada pela estrada.

7-2

Dawid anda mais uma hora e à vista a 2 vila ao longe. Uma


grande placa indica a entrada da vila, quando Dawid se
aproxima consegue perceber as grandes casas de madeira
reforçadas com pedras, ao lado das casas uma plantação de
trigo e algumas criações de porcos e galinhas, logo que Dawid
cruza o portão de entrada é recepcionado pelo que parecia
ser o ancião do lugar, um homem de cabelos brancos, magro,
mas de rosto simpático, ao se aproximar analisa Dawid de
cima a baixo e fala:

- Boa tarde, garoto, procura a terceira vila?


- Boa tarde, procuro a entrada da montanha, fica
próximo a terceira vila, correto? e como o senhor se
chama?
- ah, sim, sim, você está no caminho certo. Muitos
tentam subir a montanha sabe, mas é um caminho
ardiloso, então acabam desistindo, mas você devia

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passar pelo menos a noite aqui na vila, muitos se
perdem pelo caminho, por estarem de olhos fechados.
- O senhor sabe me dizer o valor do quarto por noite?
- Nós não temos quartos disponíveis. Estamos
esperando Benoni construir um hotel na vila para
acomodarmos os viajantes, mas você pode dormir
nos estábulos de graça se quiser.
- Ahm, claro, posso passar a noite no estábulo sim. O
senhor disse que está esperando ajuda de Benoni, eles
enviam ajuda até essa vila?
- Ainda não recebemos nada da grande cidade, mas a
vila aguarda. A primeira vila é muito afortunada por
receber ajuda de Benoni, nós esperamos receber o
mesmo aqui, já que não estamos tão longe.

Dawid ouve e segue o senhor até o estábulo. Ao acordar


percebe que lhe foi deixado uma cesta com pão e um pouco
de leite aguado. ao sair do estábulo logo se encontra com o
senhor da noite passada, Dawid agradece fala:

- A noite foi ótima, o céu estava lindo. Agradeço pelo


pão e leite, posso lhe oferecer uma moeda de ouro e
um pouco desses grãos de café pela estadia.

O senhor recusa e fica confuso com os grãos de café.

- Por favor, aceite pelo menos os grãos de café, podem


lhe ser muito úteis, só depende de como usá-los.

Dawid entrega os grãos ao senhor e segue viagem. Próximo


a saída da vila ele avista um casal na varanda de sua pequena
casa de madeira, os dois olham para o nada com um olhar
sereno, como se esperassem algo diferente acontecer, mas
Dawid sabe que o cotidiano será o mesmo nessa vila.

46
7-3

Após algumas horas de caminhada, Dawid chega a última


vila antes da montanha e fica surpreso. A vila possui prédios,
letreiros brilhantes, lojas, uma extensa área agrícola, máquinas
que Dawid jamais viu ou sonhou em ver. Ao se aproximar
um guarda o recepciona com um sorriso carismático.

- Bom dia, jovem, deseja entrar na cidade?


- Bom dia, sim, quero chegar até a entrada da montanha,
e me disseram que esta é a vila mais próxima a ela.
- ah, claro, hmm, deixa eu lhe dar uma sugestão, você
não precisa cruzar a vila para chegar a montanha,
pegando o caminho pelo bosque você deve chegar
logo à entrada da montanha.
- Nossa, que ótimo e isso aqui é considerado uma vila
ainda? É enorme e já está muito desenvolvida.
- haha, é sim, bom, nos últimos anos nós percebemos
que estamos muito longe da grande Benoni para
recebermos alguma ajuda da cidade, por isso nos
esforçamos em desenvolver a vila por nós mesmos,
fico grato que já não parece ser uma pequena vila, foi
muito esforço investido por toda a população.
- Incrível, mas então eu vou seguindo pelo caminho
do bosque, fico muito agradecido pela informação, é
uma pena que não tenho nada para lhe oferecer em
troca.
- Não se preocupe jovem, a vila é que agradeço, até
mais.

Dawid ouve as palavras do homem e sai andando lentamente


sem responder. Agora algo mudou em sua perspectiva,
essas 3 vilas iluminaram muito mais o caminho que Dawid
escolheu trilhar.

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8 - O caminho do meio

Dawid começa a trilhar o caminho sugerido e encontra um


senhor carregando um pequeno porco em seus braços. O
senhor enxerga Dawid e acena com a cabeça. Dawid olha para
o homem, e percebe um senhor com uma barba rala branca
e um cabelo que apenas é visível nas laterais da cabeça, com
uma postura curva e braços finos que quase não conseguem
segurar o pequeno porco, Dawid então fala com o homem:

- boa tarde, senhor, precisa de alguma ajuda?


- Boa tarde, meu jovem, não preciso, com o que seria?
- Ajuda para carregar o porco, ele parece ser um pouco
pesado.
- ah, isso, não preciso não, essa aqui é a Sarah, ela me
ajuda a achar as trufas. Mas e você, precisa de alguma
ajuda?
- Também não preciso não, estou indo para A Montanha
agora.
- ah claro, claro, que bom que escolheu este caminho,
ele encurta bastante a sua viagem.
- Ah, ótimo, ouvi falarem isso ali na vila também, o
senhor vai seguir este caminho ?
- Sim, sim, minha casa fica próxima A Montanha, se
quiser podemos fazer o trajeto juntos, seria bom ter
companhia além da Sarah haha.
- É claro, assim o caminho fica mais divertido também.
- Como é o seu nome jovem? Você parece um pouco
cansado.
- ah, é Dawid, e como é o nome do senhor? Eu estou um
pouco cansado mesmo, tento chegar até A Montanha
faz algum tempo já.
- É um prazer Dawid, me chamo Arão e como disse,
essa aqui é a Sarah. Ah, mas que bom que daqui a

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pouco estamos na montanha aí você pode dar uma
descansada.
- Estou precisando mesmo haha, o senhor sabe o
tempo até a montanha?

O senhor olha nos olhos de Dawid dá um leve sorriso e fala:

- Uns 40 minutos de caminhada e chegamos lá.

Dawid fica aliviado e os dois seguem rumo conversando


sobre como o homem plantou diversas árvores frutíferas no
pé da montanha.

Após um tempo Dawid percebe já foi uma longa caminhada


e se pergunta se os 30 minutos já não se passaram, Arão
percebe a expressão no rosto de Dawid e comenta:

- Nossa, conversando o tempo flui muito diferente


né haha, olhando agora, parece que falta só uns 30
minutos para chegarmos.

Dawid nem acredita que só passaram 10 minutos desde que


começaram a caminhar, mas logo se distrai e volta a conversar
com Arão sobre como o pomar vem dando muitos frutos.

Os dois seguem se divertindo e conversando pelo caminho


e a pequena Sarah agora adormece no colo do senhor que
nem parece perceber o peso do animal em seu colo. Dawid
olha para o céu e percebe o sol distante, parecem ter passado
horas desde o inicio do caminho, mas Dawid não se sente tão
cansado, então ele percebe, solta um sorriso leve e ao olhar
para o senhor vê que o mesmo da um sorriso recíproco, e
então Dawid comenta:

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- hmm, uns 15 minutos para chegarmos?

o senhor solta uma gargalhada e fala:

- isso mesmo garoto, 15 minutos. Acho que nesse


tempo posso lhe explicar sobre o pomar de laranjas,
não é mesmo?!
- Ah mas é claro, acho ótimo!

8-2

- Então, chegamos garoto, aqui é minha casa e logo ali


no fim da estrada você vê a entrada para a Montanha,
mas você não quer descansar um pouco, eu posso lhe
mostrar os pomares?
- Eu agradeço muito, mas a ansiedade acaba comigo
haha. Mas me diga uma coisa antes, nunca pensou em
subir A montanha?

Arão coloca a mão na barba rala, fica pensativo, olha para


Sarah em seu colo e responde:

- Não posso mentir dizendo que nunca pensei nisso,


mas eu encontrei tudo que preciso aqui embaixo.
- Eu entendo perfeitamente, mas agora eu vou indo
então, até mais Arão, até mais belíssima Sarah.
- Até mais Dawid, espero que encontre o que procura.

Os dois se cumprimentam e Dawid caminha em direção a


entrada da montanha.

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9 - Do meio para cima

Ao começar a subir a montanha, Dawid vê um campo amplo,


com pedras e entre as pedras, flores, mas ao começar a subir,
o caminho se torna estreito, as laterais são grandes pedaços de
pedras, e no meio segue uma estrada de terra, toda irregular
e com pegadas de todos que tentam subir, Dawid continua a
caminho, e em certo momento as grandes colunas de pedra
a sua volta somem, mas apenas para dar lugar a uma neblina,
ele continua a subir tentando enxergar algo, mas a neblina é
densa, e ele nao ve nada, ate que entao, um pequeno brilho
reluz a sua direita, ele vai chegando mais perto e agora sente
o chão de grama abaixo de seus pés, a neblina está mais
dispersa naquele espaço, e então ele vê ouro, pilhas de ouro,
pedras preciosas, coroas e baús e no centro de tudo aquilo,
um homem de joelhos se destaca, ele é o único objeto na
cena que não reluz como ouro. Dawid observa atentamente
e repara que na mão daquela pessoa há uma maça, mas como
as outras coisas naquele espaço, ela é feita de ouro. Dawid
chacoalha a cabeça, ele percebe que ficou ali tempo demais,
e é hora de prosseguir.

9-2

Após caminhar por um tempo ele chega a um portão,


enferrujado e não muito grande, com grades finas que
separam o caminho. Ao olhar para o chão vê um chão verde
com uma grama alta, não é um caminho muito usado.
Quando começa a empurrar o portão para abri-lo, alguém
o chama:

- Cara, hein cara, quer esse caminho mesmo?

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Dawid olha para cima e vê uma colina, e no topo dela um
homem. A pessoa começa a descer a colina gargalhando
correndo em sua direção, então para de empurrar o portão.

- Como vai? pergunta Dawid.

O homem chega até Dawid. Aparenta ter uns 30 anos, com


cabelos castanhos finos e lisos, uma roupa velha que mais
parece ser um lençol enrolado no corpo. ofegante ele começa
a falar

- Ufa, fazia tempo que eu não fazia maratona assim. Oi


Dawid, você chegou então?

Dawid olha com dúvida. Ele não consegue se lembrar daquele


homem, mas parece que o homem o conhece.

- Olá, nos conhecemos?


- Acho que você não se lembra de mim, mas eu
realmente fico aliviado de termos nos encontrado.
- ah, onde nos se conhecemos-

Antes de Dawid terminar a frase o homem fala:

- Vamos pular essa parte chata de apresentações, eu


quero saber como você está?!

Dawid acha estranho, mas o homem parece animado,


então ele entra na conversa.

- Eu vou bem, acho que estou melhor após tentar subir


essa montanha, você sabe onde é o topo dela?
- Que topo? - pergunta o homem
- o topo da montanha - responde Dawid

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- Não sei se entendi a sua pergunta Dawid.

Dawid dá uma gargalhada e fala:

- Tudo bem, eu vou continuar subindo, o caminho é


por aqui?
- calmaaaaa Dawid, podemos beber um chá e conversar
um pouco, você deve estar cansado.
- Realmente, parando agora, acho que é uma boa hora
para relaxar um pouco.

Os dois sobem um pouco e o homem pega um pequeno


banquinho e uma jarra de chá para Dawid. A jarra parece
antiga, é feita de barro e com marcas de uso, igualmente ao
banquinho de madeira que mais parece um pedaço inteiro
de árvores. O homem então começa a acender uma pequena
fogueira e a noite começa a chegar enquanto ele faz isso.
Dawid nunca havia presenciado a noite na montanha e tudo
parecia tão calmo, ouvia apenas barulhos de folhagens se
mexendo com o vento e um algum pequeno riacho que devia
estar próximo a eles, tudo parecia em ressonância naquele
momento. Dawid então pergunta:

- O que você veio fazer aqui?


- Eu? hmm, faz um bom tempo que estou aqui, já não
me lembro mais quando foi que eu cheguei..
- como assim? você está sozinho todo esse tempo aqui?
- Eu vim atrás da lua Dawid.

Dawid fica espantado por um segundo e se lembra da história


que sua avó lhe contava, seria esse homem um dos que
tentaram falar com a lua?

- Mas então, o que aconteceu? - pergunta Dawid.

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- Eu consegui, eu consegui falar com a lua.
- O quê? como assim? o que ela te disse? Porque você
queria falar com ela?
- Calma, calma, muitas perguntas juntas haha
- Certo, então me explique por favor.
- Bom, tudo começou quando eu realmente vi a lua
pela primeira vez. Todos nós a olhamos alguma vez,
e ela está sempre presente nos céus, dia e noite, mas
poucas vezes realmente a notamos, não é mesmo?
- No instante que eu notei, percebi que precisava vê-la
de perto, e então eu fiz de tudo para chegar até aqui.
Você sabe que o caminho é longo e as estradas são
esburacadas, mas eu precisava… às vezes olhos para
trás e penso se o percurso foi a parte mais divertida.
Mas eu cheguei aqui, e foi ótimo, estava tudo lindo,
as flores, a quietude, a presença dela junto a mim, era
tudo que eu precisava.
- Mas onde ela está então? ela está aqui?
- Não, Dawid, depois de um tempo eu comecei a
perceber que ela passava cada vez mais tempo aqui
e menos tempo lá em cima, e isso não era ruim, na
verdade muito pelo contrário, era ótimo para mim.
Ela sempre vinha me contando tudo que acontecia
no mundo, como era lindo, as pessoas, as preces, e
os festivais, ela conseguia observar tudo e amava isso.
Mas depois de um tempo eu comecei a pensar se os
nossos encontros eram o melhor para ela, afinal, eu
via em sua face que uma parte dela ainda queria estar
observando o mundo.
Certo dia ela desceu com uma feição triste, sorrindo
pouco e cabisbaixa, eu perguntei o que havia
acontecido e ela me contou que o maior festival lunar
havia acabado. Aquilo quebrou o meu coração, eu
nunca tinha me visto tão triste. Nós conversamos e

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conversamos, e ela disse que não iria mais aparecer
para o mundo, eu fiquei chocado e tentei convencê-
la do contrário. O festival havia acabado, mas aquilo
era algo momentâneo, ainda haviam pessoas que
se lembravam muito dela, mas então ela fez uma
proposta, nós dois ficarmos juntos para sempre
vagando pelas montanhas… Eu nunca fiquei tão feliz
Dawid, e na hora pensei em tantos planos, tantos
futuros para nós dois juntos… mas quando eu olhei
para ela, a sua feição era de dor. Ela estava dividida, e
então eu percebi.. o nosso para sempre era diferente,
eu sou apenas um ser humano que durará poucos
anos, e ela tem toda a eternidade. Ela abandonaria
aquilo que amava por mim, mas e eu, o que eu estava
arriscando? Desde o início eu estava focado no meu
próprio egoísmo. Depois que eu morresse, o que ela
faria pela eternidade após ter abandonado os céus?
Foi quando eu a chamei para conversarmos, eu havia
decidido algo que achei ser o melhor para nós dois,
e a minha proposta era que ela permanecesse nos
céus dia e noite, para sempre, e eu não sairia daqui
até o dia de minha morte. Nós não estaríamos mais
juntos, mas bem próximos um ao outro e sempre
que ela quisesse poderia descer rapidamente aqui…
não, ela não recebeu isso muito bem.. ela me olhou
profundamente por um instante, mas que pareceu
durar uma eternidade, naquele momento eu senti
um arrepio, uma calma, uma leveza, era por isso que
ela era adorada por todos, era o olhar que parecia
observar o fundo da sua alma… ela me abraçou forte
sem falar nada, e saiu sem falar nada pelo portão
acima…. e nunca mais desceu. Até hoje eu imagino
o que ela estava pensando, porque ela nunca mais
desceu? ela ficou triste? ela me odiou? Mas eu estou

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aqui, como prometido, todos os dias, até eu morrer
estarei aqui, por mim e por ela, porque a mesma taça
que nós bebemos o vinho doce, foi forjada em fogo
quente.
- Eu não sei nem o que dizer... ... ...por que você fez essa
escolha? - exclama Dawid.
- Porque reter é perecer. E nessa decisão só tem uma
coisa que ainda me deixa triste…
- O que? pergunta Dawid
- Olhe para ela agora Dawid, são 9 horas da manhã,
e ela está ali nos céus… mas não está mais brilhante,
tem dias que você quase não a percebe, antes disso
tudo ela brilhava de dia o mesmo tanto que brilha ao
anoitecer.
E agora eu lhe pergunto Dawid, por que você está
aqui? o que procuras?

Dawid olha para baixo, pega o copo de chá e dá um gole,


experimentando bem devagar o gosto do chá, e então fala:

- Eu já não sei mais, eu queria entender o que estou


buscando… eu queria entender o que minha vó
Yareach falava..
- Yareach? então é por isso que você queria falar
com a lua... Mas entenda Dawid, você não precisa
compreender tudo em apenas um instante,você
aprecia esse chá lentamente não? Apreciei assim a
vida também. O tempo é um rio sem margens, então
aprecie a jornada.
- Falar assim até parece fácil, mas quando se desce tudo
fica mais difícil.
- Mas não precisa ser! Viva como a menina que come
chocolates Dawid, pudesse eu ter vivido meus dias
com a mesma verdade que a pequena que come

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chocolates.
- Mas como posso ter certeza para seguir assim?
- Não terás Dawid. Em todos os manicômios há loucos
com tanta certeza, nós, que não temos certeza,
estamos mais certos ou menos certos?
- Mas como eu vou julgar o certo e o errado?
- Não há certo, não há errado Dawid, quem perde
tempo julgando não tem tempo para amar.
- mas-
- não há “mas” Dawid, diga o que queres!
- …
- Tire a máscara Dawid, tire antes que ela se apegue ao
seu rosto!
- Eu quero estar no caminho certo…
- Não a caminho certo Dawid, somente um caminho a
seguir, qual caminho você vai seguir?
- Eu não sei…
- QUAL CAMINHO VOCÊ VAI SEGUIR DAWID?
- Eu não sei.
- QUAL CAMINHO VOCÊ VAI SEGUIR DAWID?
- Eu não sei.
- QUAL CAMINHO VOCÊ VAI SEGUIR DAWID?
- EU NÃO QUERO SEGUIR NENHUM CAMINHO
- QUAL CAMINHO VOCÊ VAI SEGUIR DAWID?
- EU NÃO QUERO SEGUIR NENHUM CAMINHO…
EU QUERO SER O MEU PRÓPRIO CAMINHO… eu
quero estar nos meus próprios passos.

Dawid termina a frase com um suspiro, como se toda sua


força tivesse sido depositada nessas palavras.

- Isso era tudo que eu queria ouvir, obrigado.


- Obrigado?
- Sim, a sua vinda até aqui não foi em vão. Então lembre-

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se da palavra correta, da ação correta, do meio de vida
correto, do esforço correto, da concentração correta,
do pensamento correto, e da compreensão correta,
e nunca mais se perca Dawid, pois todos somos um,
como um colar de pérolas, continuaremos sendo um.

Os dois se perdem em pensamentos após essas palavras


serem ditas. Novamente só se ouve o vento mexendo os
galhos das árvores e folhas bem suavemente. - Dawid então
interrompe o silêncio balançando o pequeno jarro de chá e
percebendo que está vazio.

- Tem algum lugar que eu possa pegar mais água para


preparar mais chá? - pergunta Dawid
- Ah claro, logo ali você pode pegar um pouco de água
do riacho.

Dawid busca a água e prepara o chá com algumas folhas que


estavam em sua bolsa.

- Humm que maravilha, faz muito tempo que não


tomo um chá diferente.
- Eu espero que você goste. - fala Dawid.

Os dois bebem o chá tranquilamente, com uma expressão


calma em seus rostos. Após algum tempo o homem fala para
Dawid.

- Dawid, estou um pouco cansado, pode trocar de lugar


comigo? Eu quero dormir olhando para ela.

Dawid concorda com a cabeça e se levanta, ao se sentar o


homem fala.

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- Obrigado novamente, Dawid, o chá estava ótimo.

Ao olhar para Dawid, o homem percebe uma expressão


de tristeza no rosto do garoto, ele respira fundo e fala uma
última frase.

- Está tudo bem, garoto, a morte deixa uma mágoa que


ninguém pode curar, mas o amor deixa uma memória
que ninguém pode roubar.

No momento em que o homem fecha seus olhos a lua


brilhou mais forte e Dawid ouviu o som de um portão
ranger, ao olhar para o lado ele percebe um mulher alta,
usando um vestido branco longo, com os seus cabelos
loiros que se mexem com a leve brisa que passa entre eles,
parecem fios de ouro com uma luz própria. Ela se ajoelha ao
lado do homem e se abaixa, alguns segundos depois Dawid
nota lágrimas escorrendo do rosto da mulher, ela está plena
e sem expressão, mas as lágrimas não param de cair. Após
alguns instantes Dawid ouve novamente o ranger do portão.
Dessa vez ele vê uma criança, parece ter uns 9 anos, com os
cabelos vermelhos e usando apenas um shorts. A criança
olha para Dawid sorri e acena com a cabeça, ela se aproxima
da mulher e pega em sua mão. A mulher então desaba em
choro e abraça a criança. Dawid olha para cima e percebe
um céu nublado, como se o dia e a noite se fundissem em
um só. Dawid volta o olhar para os dois, e agora a criança está
apontando para cima, todos direcionam o olhar para cima, a
criança continua com o sorriso aberto, mas agora a mulher
para de chorar e se dirige ao portão. A criança acompanha a
mulher, olha para Dawid e pergunta:

- Você pode continuar subindo agora.


- Eu acho que vou descer um pouco.- responde Dawid

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- ah claro, mas mesmo que desça você vai continuar
aqui.

A criança então entra no portão e some junto com a mulher.

10 - Eterno seja o agora

Dawid se levanta do chão, olha para sua bagagem, e segue


caminhando sem pegá-la do chão. Ele olha mais uma vez
para cima, e foca onde a criança de cabelos vermelhos estava
apontando. Era um pequeno ponto de luz que antes ele não
havia percebido. Mas algo mudou, a grande névoa e nuvens
que antes estavam no céu se dispersaram, e uma gigante
montanha aparece diante de Dawid. O que antes parecia
ser o topo da montanha, agora era só um trajeto para um
caminho ainda maior. ele dá um pequeno sorriso e começa
a descer a montanha.

10 - 2

Dawid desce a montanha até o trajeto em que ele viu o homem


com a maçã de ouro. Mas agora ele não vê apenas um homem,
ele vê um amontado, são homens mulheres, jovens e velhos,
subindo um em cima do outro, emaranhados, sem espaço
nem para respirar. Eles se apertam, se puxam, se agarram, só
se ouvem grunhidos. Dawid tenta se aproximar para ver se
o homem com a maçã ainda está lá, mas ao dar o primeiro
passo um homem avança em sua direção, grunhindo e com
uma feição de raiva, Dawid percebe o olhar do homem e
recua, voltando ao caminho que estava seguindo antes.

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Ao descer até a entrada da montanha Dawid contempla
lentamente a paisagem, tudo ainda parece o mesmo, mas
agora ressoa em uníssono.

Dawid olha para a lua no céu uma última vez e percebe que
ela está mais distante agora, ela parece se direcionar para
aquela estrela de antes.

Fim

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Acabou

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Não tem
mais
nada?

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Por amor a lua
Esta é a história da jornada de um
homem, que pode ser interpretada
por diversas perspectivas.

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