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Zadig e o método investigativo

Zadig era um homem sábio da Babilônia que vivia nas montanhas e que havia
adquirido diversas hablilidades investigativas. Ele dizia que conseguia apontar “mil
diferenças onde os outros homens viam só uniformidade”. Certa vez o moço entrou logo
em apuros por causa disso e seus dons quase o prejudicaram.
Em um dia comum, passeava na orla de um bosque quando viu aproximarem-se,
esbaforidos, um eunuco da rainha e vários oficiais. Os homens pareciam à procura de
alguma preciosidade perdida. Com efeito, o eunuco perguntou a Zadig se ele não tinha
visto o cachorro da rainha, que estava desaparecido; este respondeu-lhe com uma
correção: tratava-se de uma cadela, e não de um cachorro. E prosseguiu: “é uma
cachorrinha de caça que deu cria há pouco tempo; manqueja da pata dianteira esquerda
e tem orelhas muito compridas”. “Viu-a então?”, tornou a perguntar, impaciente, o
eunuco. “Não”, respondeu Zadig, “nunca a vi e nem mesmo sabia que a rainha tivesse
uma cadela.”
Justamente naquela ocasião, por um desses caprichos do destino, também o mais
belo cavalo do rei fugira para as campinas da Babilônia. Os perseguidores do cavalo, tão
esbaforidos quanto os da cadela, encontraram-se com Zadig e perguntaram-lhe se não
vira passar o animal. O sábio respondeu, explicando: “É o cavalo que melhor galopa [...]
tem 5 pés de altura e os cascos muito pequenos; sua cauda mede 3 pés de comprimento
e as rodelas de seu freio são de ouro de 23 quilates; usa ferraduras de prata de 11
denários”.
“Que caminho tomou ele?”, perguntou então um dos oficiais do rei. “Não sei”,
respondeu Zadig, “não o vi nem nunca ouvi falar nele.”
Zadig foi preso, suspeito de ter roubado a cadela da rainha e o cavalo do rei. Os
animais, todavia, apareceram logo em seguida, livrando-se assim o moço da acusação.
Apesar disso, os juizes aplicaram-lhe uma multa “por dizer que não vira o que tinha
visto”. Paga a multa, os magistrados finalmente resolveram ouvir as explicações do
sábio da Babilônia:
[...] juro-vos [...] que nunca vi a respeitável cadela da rainha, nem o sagrado cavalo do
rei dos reis. Aqui está o que me sucedeu: andava eu passeando pelo pequeno bosque
onde depois encontrei o venerável eunuco e o muito ilustre monteiro-mor. Percebi na
areia pegadas de um animal, e facilmente concluí serem as de um cão. Leves e longos
sulcos, visíveis nas ondulações da areia entre os vestígios das patas, revelaram- me
tratar-se de uma cadela com as tetas pendentes, e que, portanto, devia ter dado cria
poucos dias antes. Outros traços em sentido diferente, sempre marcando a superfície da
areia ao lado das patas dianteiras, acusavam ter ela orelhas muito grandes; e como além
disso notei que as impressões de uma das patas eram menos fundas que as das outras
três, deduzi que a cadela da nossa augusta rainha manquejava um pouco [...].
Em seguida, Zadig explicou aos juizes admirados como, usando o mesmo método, fora
capaz de descrever o cavalo do rei sem tê-lo jamais visto.

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