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Corrente crítica

O IMPERIALISMO SEDUTOR: A
AMERICANIZAÇÃO DO BRASIL NA
ÉPOCA DA SEGUNDA GUERRA
de Antonio Pedro Tota
São Paulo : Companhia das Letras, 2000. 235 p.

por Ana Cristina Braga Martes, Professora de


Sociologia da FGV-EAESP.
E-mail: acbmartes@fgvsp.br

S eiscentos mil brasileiros vivem, atualmen-


te, como imigrantes nos Estados Unidos. Lá
eles trabalham, criam os filhos e tentam, de
algum modo, usufruir do “sonho americano”. Os fa-
tores de atração dessa população não se restringem
Tal estratégia foi capitaneada pelo milioná-
rio norte-americano Nelson Rockefeller, proprie-
tário, entre outros bens, da Standard Oil. Preo-
cupado com os empreendimentos norte-ameri-
canos na América Latina, especialmente no Bra-
à esfera econômica. Muitos brasileiros são atraídos sil, Rockefeller acreditava que o sucesso des-
por um antigo fascínio que a sociedade norte-ame- sas empresas dependia não apenas da venda de
ricana exerce sobre o Brasil. A emigração brasileira seus produtos por aqui mas também da simpatia
pode significar o fechamento de um círculo, o re- pelos Estados Unidos e seus valores liberais de-
sultado de um certo “jogo de sedução” que envol- mocráticos.
veu os dois países a partir dos anos 40, sendo o Bra- Para dar seguimento ao plano de sedução,
sil, obviamente, o parceiro mais frágil do jogo. foi criado o Office of the Coordinator of Inter-
O livro O imperialismo sedutor, de Antonio American Affairs (OCIAA), dirigido por Nelson
Tota, professor de História da PUC (SP), analisa Rockefeller. O órgão funcionou, segundo Tota,
o processo de americanização do Brasil, um tema como uma “verdadeira fábrica de ideologia”, or-
que é, talvez mais do que nunca, oportuno. O li- questrando a produção de empatias recíprocas na
vro, baseado em pesquisas de arquivos brasilei- área de comunicação e informação. A Divisão de
ros e norte-americanos, é acessível ao grande pú- Cinema do OCIAA conquistou tanto Walt Disney
blico; sua leitura, agradável. quanto Carmen Miranda para a “causa da liberda-
Os artifícios empregados nessa “conquista” de nas Américas” e tinha como missão promover
bem-sucedida foram os meios de comunicação, a produção de filmes e cinejornais sobre os Esta-
particularmente o rádio e o cinema, usados como dos Unidos e “outras Américas” (como éramos
parte da denominada Política de Boa Vizinhança chamados) e combater o cinema produzido pelo
desenvolvida durante o governo Roosevelt. Sob a Eixo. Por seu intermédio, Walt Disney colocou sua
ameaça da conquista dos trópicos pelos nazistas, tropa (Pato Donald, Mickey e companhia) na cam-
tentou-se atrair a simpatia pelo estilo de vida nor- panha do esforço de guerra, e Darryl Zanuck pro-
te-americano, estratégia mais segura e eficaz do duziu o primeiro filme de Carmen Miranda que,
que a ameaça aberta de intervenção bélica. Nesse na época, foi capaz de “tirar a 20 th Century Fox
jogo, os norte-americanos elogiaram nosso café, do vermelho”.
nossa música e Carmen Miranda. Paramos de olhar As empresas de Hollywood não tardaram a con-
para a Europa e passamos a admirar o progresso quistar o dócil mercado brasileiro, contando, para
norte-americano, seu cinema, a indústria de isso, com o apoio de mitos do cinema norte-ame-
gadgets, seu “moderno” estilo de vida. ricano como Orson Welles. O diretor de “Cidadão

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Kane” foi chamado a produzir um filme sobre a como o café. O governo brasileiro chegou a pa-
América Latina. Imbuído dessa nobre missão, de- trocinar noticiários de rádio para falar do nosso
sembarcou no Rio de Janeiro em 1942, como um manganês, quartzo, aço, reserva de ferro, indis-
dos embaixadores do Pan-americanismo. pensáveis à vitória contra o Eixo. Os Estados
Com a chegada ao Brasil de astros de Unidos precisavam de nossa matéria-prima. O
Hollywood, entre eles o próprio Walt Disney, ga- Brasil precisava dos produtos manufaturados
rantimos também nossa presença, sem dúvida norte-americanos. Justificava-se, assim, a coo-
muito mais modesta, nos Estados Unidos. Par- peração, cujo objetivo era impedir a expansão do
ticipamos da Feira Internacional de Nova York nazismo sobre o continente. Os programas de
(1939), exibindo nossas riquezas naturais e artís- rádio que veiculavam a Política de Boa Vizinhan-
ticas, sob a batuta de Romeu Silva, e a música de ça faziam referências diretas a essa solidarieda-
Ernesto Nazareth, no pavilhão do Brasil, projeta- de: “sempre que você tomar um café brasileiro,
do por Oscar Niemeyer. O Museu de Arte Moder- você estará comprando a Política de Boa Vizi-
na de Nova York promoveu, em 1940, o Festival nhança”, repetiam os comentaristas do noticiá-
of Brazilian Music irradiado pela NBC para to- rio “News of the World”, em 1940.
dos os Estados Unidos. Ary Barroso foi tão popu- Segundo Tota, os “meios de comunicação im-
lar no Brasil quanto naquele país, após a “Aqua- perialistas” não devem ser responsabilizados por
rela do Brasil” ter sido cantada no filme “Alô Ami- uma “inoculação sorrateira de culturas estranhas
gos” de Walt Disney. em nosso meio”. A mídia foi usada como instru-
Justamente durante a ditadura do Estado Novo mento pedagógico para americanizar o Brasil, o
– período da História do Brasil mais associado aos que comprova a existência de um plano articula-
modelos totalitários europeus –, nasceu e disse- do para promover a americanização. Esse projeto
minou-se a influência norte-americana por aqui. estava, contudo, imbricado às forças de mercado,
O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e não apenas à política de Estado, ou seja, o mer-
colaborou estreitamente com o OCIAA, chegan- cado foi um dos caminhos percorridos para a ame-
do a ceder parte do tempo do programa a Voz do ricanização. Entretanto a assimilação cultural se
Brasil para divulgar notícias sobre a guerra e os fez não por pura imitação, mas por recriação, se-
Estados Unidos. guindo a antiga tendência de antropofagia na cul-
Segundo Tota, “o fetiche dos gadgets, os fil- tura brasileira.
mes de Hollywood atuaram como tropa de van- Finalizando, vale a pena destacar a epígrafe de
guarda que prepara uma invasão”. A difusão en- um dos capítulos do livro. Trata-se da entrevista
tre nós do espírito norte-americano (elogio ao pro- com uma brasileira que, ao vencer o “Concurso
gresso técnico e material) ocorreu justamente du- Eugin” em 1940, declarou: “desde pequena ima-
rante a guerra, que abriu a oportunidade de alar- ginava-me a bordo de um grande transatlântico a
dear o sucesso e a “superioridade” da industriali- rumar para o país dos arranha-céus. O cinema só
zação norte-americana. Tais idéias foram veicu- fez aumentar o meu desejo.” De lá para cá, muita
ladas nos programas de rádio produzidos nos Es- coisa mudou. No lugar do transatlântico, os bra-
tados Unidos e divulgados na América Latina – sileiros sonham com um avião, e São Paulo, que,
com apoio do DIP, no caso do Brasil – na tentati- certamente, tem mais arranha-céus do que a maio-
va de atrair nossa simpatia. ria das metrópoles norte-americanas, perdeu a
Mas a entrada dos Estados Unidos no Brasil capacidade de atrair nossa população migrante.
não foi uma via de mão única. Vargas também Contudo, o cinema norte-americano e os demais
tirou proveito da Política de Boa Vizinhança para meios de comunicação ainda são capazes de atra-
divulgar naquele país uma imagem positiva do ir para aquele país centenas de milhares de brasi-
Brasil e, especialmente, de nossos produtos, leiros. Agora mais do que nunca! m

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