Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
PITORESCO
Gilles A. Tiberghien
O ensaio aborda a linguagem land art em Robert Smithson a partir de sua livre apro-
priação da estética oitocentista do pitoresco. Elaborada por ensaístas ingleses (Price
e Gilpin), a categoria pitoresco referia-se à visão da natureza e a sua representação
em arte (desenho, pintura, relato escrito etc.). Aplicava-se também à experiência da
paisagem no curso do passeio ou da viagem turística e à arte dos jardins ingleses, re-
editada no paisagismo norte-americano do século 19. O pitoresco enfatizava o espon-
tâneo, o movimento e a ação contínua do tempo sobre as formas naturais − segundo
Tiberghien, temas atualizados nos conceitos essenciais à linguagem contemporânea de
Smithson (dialética site-non site, entropia, deslocamento etc.).
Jostled as are the waters approching the brink, ROBERT SMITHSON: A PICTURESQUE VIEW OF
his thoughts THE PICTURESQUE | The essay addresses the land
art language in Robert Smithson based on his free
interlace, repel and cut under,
appropriation of the 19th century aesthetics of
rise rock-thwarted and turn aside the picturesque. Created by English essayists (Price
but forever strain forward – or strike and Gilpin), the picturesque category referred to
an eddy and whirl, marked by the view of Nature and its representation in art
(drawing, painting, written accounts etc.). It was
leaf or curdy spume, seeming
also applied to the experience of the landscape in
to forget the course of the pleasure touring or excursion,
William Carlos Williams, Paterson1 and to the art of the English gardens, reissued in
the 19th century North American landscaping.
Em artigo intitulado Earth Works and the new The picturesque emphasises the spontaneous,
picturesque (1968), publicado pela revista Ar- the movement and constant action of time over
tforum, Sidney Tillim vê na atualização da ca- natural forms – according to Tiberghien, themes
updated in the concepts essential to Smithson’s
tegoria do pitoresco por parte dos artistas da
contemporary language (site-non site dialectics,
Land Art uma ofensiva contra a arte modernis- entropy, displacement, and so on). | Robert
Smithson, aesthetics of the picturesque,
land art, art and landscape.
Robert Smithson, Partially buried woodshed, 1970
“É preciso lembrar que escrever sobre arte é tro- – Um monte de palavras – é o título dado por
car a presença pela ausência, substituindo a coisa Smithson a um texto disposto em formato de pi-
real pela abstração da linguagem. Se antes havia râmide, constituindo um conjunto visual e signifi-
conflito entre os espelhos e a árvore, agora há de- cativo. Acontece o mesmo em Strata: a geografic
sacordo entre a linguagem e a memória.” 19 fiction (1970), em que camadas de texto e (fotos
de) camadas minerais estratificadas intercambiam
A memória funciona por estratificações e, assim suas propriedades; o geológico torna-se textual,
como a paisagem, manifesta e dissimula os movi- e o texto, sedimentário. Daí essas Earthwords de
mentos geológicos que contribuíram para sua for- que fala Smithson, transformadas em título de um
mação. A linguagem funciona, igualmente, como artigo de Craig Owens que analisa a troca cons-
uma paisagem de palavras na superfície da qual tante entre o visual e o verbal como componente
afloram as regras sintáticas que organizam as fra- do chamado impulso alegórico conferido à arte
ses compreensíveis. A heap of language (1966) por Smithson. Mas a alegoria e o pitoresco reú-
ou, por extensão, os elementos do mundo real “misturar-se” ao sublime, se o tamanho dos
que podiam ser concebidos ou vistos como se já elementos que compõem a cena aumenta e ela
fizessem parte de uma imagem”. O termo não muda de escala. E pode “unir-se” ao belo, caso
faz, necessariamente, referência a uma paisagem, possamos encontrar nele doçura suficiente e
e podemos julgar pitoresco um indivíduo, desde formas arredondadas (softness and smoothness).
que sua atitude possa convir a uma pintura de Ver Price, 1810, op. cit.: 90-91.
história. Ver John Dixon Hunt. Ut pictura poesis: 10 Ver Lambin, Denis. Uvedale Price et le
jardins et pittoresque em Angleterre (1710-1750), pittoresque. Urbi, Liège, n.8, automne 1983:
Histoire des jardins de la Renaissance à nos jours. L-LVII. No mesmo número, encontram-se extratos
Paris: Flammarion, 2002: 227. do texto Troisième essai sur l´architecture et
4 O livro de Gilpin foi publicado em 1792 (embora les bâtiments, do Livro II de Na essay on the
ele o tenha escrito em 1776), e o de Price, em picturesque, 1810, op.cit.: 171ss.
1796. Provavelmente, foi lendo The brown 11 Ver Mantion, Jean-Rémy. L´oeil pittoresque.
decades, de Lewis Mumford, que Smithson Critique, n. 461, oct. 1985: 993. “O pitoresco
passou a interessar-se por esses autores. De fato, vem acrescentar-se ao belo como um
no capítulo intitulado A renovação da paisagem, suplemento. Mas, se, como constatamos, a
Lewis Mumford, que cita Smithson em seu artigo diferença suplementar deve ser encontrada nas
sobre Olmsted, escreve: “ainda menino, ele toma “fontes genéricas do belo”, somente graças à
emprestado, na biblioteca pública, dois livros do fratura (bris) pitoresca, o belo pode realizar-se e
século 18 que o influenciaram profundamente: Le oferecer-se enquanto dom”.
Paris: Gerard Montfort, 1988: 50. “Em primeiro la morale, la passion. Paris: Centre Georges
pitorescas todas as formas que visam à impressão 21 Sobre essa questão, ver Graziani, op. cit.: 445. O
de movimento, mesmo se o objeto (que lhes texto de Gilpin, que evoca duas maneiras de tratar
corresponde) é imóvel”. Ver também, do mesmo do pitoresco, uma histórica e outra alegórica, é
autor, Principes fondamentaux de l´histoire d’art. Observation relative chiefly to picturesque beauty,
Paris: Gallimard, 1966: 34. made in the year 1776, on several parts of Great
(“Quando a primavera chega a Nova York, não enquanto frase pontuada, ver também Yves-Alain
consigo resistir aos apelos da terra que vêm de Bois. Promenade autour de Clara-Clara. In: Richard
New Jersey com as brisas do rio, então é preciso Serra, Paris: Centre George Pompidou, 1984.
partir”). Tradução francesa de Jacques Houbard, 32 Smithson, 1994, op. cit.: 182.
Paris: Gallimard, 1972: 353.
33 Smithson, 1994, op. cit.: 181.
26 Sobre esse modo de considerar a paisagem
34 Smithson, 1970, op. cit.: 112-113.
como texto, ver também, em Sur la route/ On
the road, o narrador que, ao viajar para o Oeste
sentado em um ônibus, em vez de ler o exemplar Gilles A. Tiberghien, nascido na França, em 1953,
do Le Grand Meaulnes de Alain Fournier, é filósofo e ensaísta. Ministra conferências sobre
encontrado em um sebo, declara: “Eu preferia estética na Université de Paris 1 Pantheon-Sorbonne, e
ler a paisagem americana que percorríamos”, é professor na École Nationale Superieure du Paysage
op. cit., p. 148. (Ensp) em Versailles e no Institut d’Architecture,
27 Smithson disse: “De certo modo, o artigo que em Genebra. É membro do comitê de redação dos
escrevi sobre Passaic poderia ser considerado um Cahiers du Musée d’Art Moderne e da revista Carnets
tipo de apêndice a Paterson, o poema de William du Paysage, editada pela Ensp (Versailles, Marseille).
Carlos Williams. O artigo fala a respeito de uma Entre outras obras, publicou Land Art (Carré, 1993);
região de Nova Jersey em que tudo está arruinado. Land art travelling (Erba, 1996); Nature, art, paysage
Nova Jersey aparece como uma Califórnia (Actes-Sud/Ensp, 2001); Notes sur la nature, la
destruída, uma Califórnia deixada ao abandono”. cabane et quelques autres choses (Le Félin, 2005); La
Cf. Conversation in Salt Lake City, entrevista a nature dans l'art sous le regard de la photographie
Gianni Pettena (25 jan. 1972), em The writings of (Actes Sud, 2005); Paysages et jardins divers (Mix,
Smithson. New York: New York University Press, 2008) e Biodiversité, art et paysage (Bayard, 2009).