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Leila Danziger
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Publicado em Estudos de Paisagem: Literatura, viagens e turismo cultural. Brasil,
França, Portugal. (Livro) Organização: Lemos, Masé; Alves, Ida ; Negreiros, Carmem.
1. ed. Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2014.
domésticas é reservada a vista dos fundos, embora nas construções das últimas décadas
até mesmo a janela tenha desaparecido. Minha reflexão é parcialmente movida pela
perplexidade diante das estratificações sociais perpetuadas na arquitetura das capitais
brasileiras, separando os edifícios em frente e fundos, fachada principal e fachada
secundária.
Mas no quarto de empregada do apartamento de G.H. ainda há janela.
Felizmente. E dali, daquele espaço diferenciado, organizado com “audácias de
proprietária” pela empregada e que parece expulsar, por sua organização própria, a dona
da casa, é criado um estranhamento absoluto e uma experiência de espaço qualificada
como “impressão de minarete”, um descolamento do edifício, ou uma dobra, um
dispositivo de “desencavar profundidades longinquamente vindouras”.
II
Há alguns anos filmo a paisagem pela área de serviço. Vejo-a constituída não
apenas por pedra, tijolo e cimento, mas por ações cotidianas que se repetem: lavar e
estender as roupas, por exemplo. Entre os gestos que animam as lajes, privilegio aqueles
ritmados pelo esforço de manter uma pipa no ar, pois se há algo específico nessa
paisagem é a presença contínua dessa delicada arquitetura de papel sustentada por
coreografias precisas sobre os telhados.
“Contemplar o império do presente”, para falar como Clarice, é buscar curto-
circuitos no tempo. Todos nós, moradores do Líbano, repetimos mais ou menos as
mesmas histórias de certa grandeza perdida. Na série intitulada Jardins do Líbano, a
memória do edifício, seu passado supostamente glorioso (quando a embaixada de Cuba
era sediada em sua cobertura) inscrevem-se como uma camada de tempo entre as outras.
Orientada por um desejo de memória, mas sem lamento ou nostalgia, fotografo as
imagens que nos mantêm juntos nos jardins do Líbano. Ali estamos: minha família,
alguns conhecidos sem nome, minhas bonecas e eu. A operação de refotografar as
imagens é orientada pelo desejo de atualizá-las, o que implica aceitar a distância e
considerável cota de esquecimento. “É precisamente quando se tornam controláveis e
objetivas, quando o sujeito acredita estar inteiramente seguro delas, que as recordações
desbotam como tapeçarias delicadas expostas à crua luz do sol. Mas, quando protegidas
pelo esquecimento, conservam sua força, correm perigo, como tudo o que é vivo”.
(Adorno, 1992, p. 146)
Leila Danziger, Série Mirantes, impressão sobre duratrans e caixa de luz, 40 x 30 x 12 cm, 2012.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO, Theodor. Minima Moralia. Tradução: Luiz Eduardo Bicca, São Paulo:
Ática, 1992.
LISPECTOR, Clarice. A Paixão Segundo G.H. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979.
_____________. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.