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Concepção não homogênea e não linear de

história.

Não a crônica, que supõe o tempo como


progresso, mas a descontinuidade, que faz
“saltar pelos ares o continuum da história”.
Acontecimento histórico: encontro da
interrupção com a fugacidade.

Dialética do tigre e da lontra (animais


totêmicos do pensamento de Walter Benjamin)
Os gestos do historiador e do fotógrafo são
ambos regidos pelo signo do tigre - o totem
interruptor, o animal sagrado do clic. No salto
do tigre sobre a presa, o acontecimento é
imobilizado, "cristaliza-se enquanto mônada":
"uma configuração saturada de tensões".
“Tigre e presa são, no salto, um só movimento.”

Salto do tigre em direção ao passado (o tigre é


visado pela presa). O futuro se volta para o
passado e o passado visa o futuro.

O tigre di-visa. O salto espirra o acontecimento.

O fragmento cintila na correspondência de seu


achado: “irrecuperável é cada imagem do
passado que se dirige ao presente, sem que este
presente se sinta visado por ela”.

Cada instante é capaz de nos restituir a


história. Fragmentos cintilantes do cotidiano.
Interrupção como ruptura do ilusionismo por
parte do público (montagem brechtiana).

Função organizadora da interrupção: imobiliza


o acontecimento e obriga o espectador a tomar
uma posição.
“E assim, amiúde, deixava-me ficar numa
espera infindável em frente daquela
pronfundeza escura e insondável a fim de
descobrir a lontra nalgum ponto. Se, por fim,
conseguia, certamente era apenas por um
momento, pois logo o reluzente habitante
daquela cisterna sumia de novo para dentro da
noite aquosa.”
As condições impostas pela lontra ao tempo são
a espera e o reconhecimento: "A verdadeira
imagem do passado perpassa veloz. O passado
só se deixa fixar, como imagem que relampeja
irreversivelmente, no momento em que é
reconhecido."
A lontra: o animal sagrado das chuvas.
Fugacidade.
Espera e reconhecimento.

Fotografia como “máquina de esperar”: entre o


“é agora” e o “não é agora”. Intervalo
indeterminado entre o olho e o dedo.

Espera passiva: “memória involuntária”


proustiana.

O tempo ganha densidade.


Correspondência/semelhança: as semelhanças
são instáveis, sustentam-se umas nas outras.

Caráter de cintilação das semelhanças: não se


fixa e se oferece como uma constelação de
astros.
É a irrupção da lontra proustiana que garante
densidade ao tempo no qual o salto do tigre
nietzscheano torna-se possível. A imagem do
passado é fugaz porque é dependente do
tempo, requer para sua apreensão, a
"participação do instante".
Imagem dialética
[dialética do tigre e da lontra]

Aquilo que é fugaz só se torna perceptível na


interrupção; e só é passível de interromper o que
se fez notar na sua fugacidade.

E, no entanto, fugaz é precisamente isso que não


se pode interromper.
“Pois se a fotografia é a ‘conquista fundamental
de uma sociedade onde a experiência declina’ –
isto é, uma sociedade submetida ao choque e ao
tempo indiferente dos ritmos industriais, uma
sociedade, portanto, que se torna cada vez mais
instantânea -, a recuperação desta experiência
do tempo, só pode dar-se em um instante
particular, destacado de uma série supostamente
homogênea, e no qual toda a temporalidade está
subitamente implicada.”
“Walter Benjamin observou, em 1931, que as fotografias
eram capazes de “aninhar” o futuro em “minutos únicos”.
Dessa metáfora, verdadeiramente perturbadora, decorre
que o futuro habita as imagens do passado como um “ovo”
em seu ninho. Está encoberto por uma casca e seu
conteúdo, portanto, só pode ser adivinhado (por
fotógrafos e historiadores, entre outros sucessores dos
adivinhos). Porém, enquanto isso não acontece, o futuro
está sendo chocado. Está lá, adormecido, à espera do
momento de seu despertar, quando a casca se rompe e ele
é finalmente reconhecido. Esse momento é sempre um
agora. O agora de uma reciprocidade entre passado e
futuro que não tem data marcada para acontecer. O agora
de uma correspondência, o agora de um reconhecimento.”
Tempo dos adivinhos, tempo de seus sucessores:
o fotógrafo e o historiador - o historiador da
pequena história.

Como cartomantes, quiromantes e astrólogos,


estão ambos convocados a "nos recolocar numa
dessas pausas silenciosas do tempo, onde só
tardiamente percebemos que elas continham o
germe de um destino inteiramente diverso
daquele que nos foi reservado.
Câmara escura construída por Niépce
Niépce e a heliografia:
uma placa de estanho,
recoberta com betume e
exposta à luz por oito
horas (1826).
“Os clichês de Daguerre eram
placas de prata, iodadas e
expostas na camera obscura;
elas precisavam ser
manipuladas em vários
sentidos, até que se pudesse
reconhecer, sob uma luz
favorável, uma imagem cinza-
pálida. Eram peças únicas (...)
não raro, eram guardadas em
estojos, como jóias”
Daguerre
Boulevard du Temple, 1838
O método de Daguerre:
uma lâmina de prata é sensibilizada
com vapor de iodo. Expondo-se essa
lâmina por cerca de 20 a 30 minutos na
câmara escura, os cristais de iodeto de
prata atingidos pela luz se transformam
em prata metálica, de forma a gerar
uma imagem latente que pode ser
revelada pelo vapor de mercúrio.
O resultado é um positivo ricamente
detalhado, em baixo relevo com
infinitas tonalidades de cinza, e sua
superfície é tão delicada que tem de
ser protegida com um cristal e
hermeticamente fechada, evitando-se
o contato com o ar.
Hipollyte Bayard
Auto-retrato de homem afogado, 1840
Bayard
Escavação da rua Tolozé, 1842
“Mas na fotografia surge algo de
estranho e de novo (...) algo que
não pode ser silenciado, que
reclama com insistência o nome
daquela que viveu ali, que também
na foto é real, e que não quer
extinguir-se na ‘arte’.”

A pescadora de New Haven


David Octavius Hill
Cemitério de Greyfriars
David Octavius Hill
Cemitério de Greyfriars
David Octavius Hill
Cemitério de Greyfriars
David Octavius Hill
Cemitério de Greyfriars
David Octavius Hill
“Durante a longa duração da pose, [os
modelos] cresciam dentro da imagem,
diferentemente do instantâneo” (...)
Tudo nessas primeiras imagens era
feito para durar”

David Octavius Hill


Portrait of Elizabeth Rigby, 1845
Theaters (Hiroshi Sugimoto)
Seascapes (Hiroshi Sugimoto)
Linda Connor
Bebê adormecido,
Katmandu, Nepal, 1980
Linda Connor
Bebê adormecido,
Katmandu, Nepal, 1980
Linda Connor
Bebê adormecido,
Katmandu, Nepal, 1980
Michael Wesely
“Ou então descobrimos a imagem de
Dauthendey, o fotógrafo, pai do poeta,
no tempo de seu noivado com aquela
mulher que ele um dia encontrou com
os pulsos cortados, em seu quarto de
Moscou, pouco depois do nascimento
de seu sexto filho. Nessa foto, ele pode
ser visto a seu lado e parece segurá-la;
mas o olhar dela não o vê, está fixado
em algo distante e catastrófico.”
“O menino de cerca de seis anos é
representado numa espécie de
paisagem de jardim de inverno, vestido
com uma roupa de criança muito
apertada, quase humilhante,
sobrecarregada de rendas (...) O
menino teria desaparecido nesse
quadro se seus olhos
incomensuravelmente tristes não
dominassem essa paisagem feita sob
medida para eles”.
“A natureza que fala à câmera não
é a mesma que fala ao olhar: é
outra, especialmente porque
substitui a um espaço trabalhado
conscientemente
pelo homem, um
espaço que ele
percorre inconscientemente”

Karl Blossfeldt
“Características estruturais, tecidos
celulares, com os quais operam a
técnica e a medicina, tudo isso tem
mais afinidades originais com a câmera
que a paisagem impregnada de
estados afetivos, ou o retrato que
exprime a alma do modelo”

Blossfeldt
Impatients glandulifera,1928
Blossfeldt
Curcubita,1928
Blossfeldt
Aesculus parviflora,1928
Blossfeldt
Polystichum munitum,1928
Blossfeldt
Curcubita,1928
Blossfeldt
Aspidium filix mas,1928
Fox Talbot
Botanical Specimen, 1839
“A fotografia (...) revela (...)
mundos de imagens habitando as
coisas mais minúsculas,
suficientemente ocultas e
significativas.”

Fox Talbot
The open door, 1843
Atget “começa a libertar
o objeto de sua aura”

Atget
Rue du Mont Cenis, 1925
“Ele buscava as coisas perdidas e
extraviadas, e, por isso, tais imagens se
voltam contra a ressonância exótica,
majestosa, romântica, dos nomes de
cidade: elas sugam a aura da realidade
como uma bomba suga a água de um
navio que afunda”

Atget
Place du Tertre
“Esses lugares não são
solitários,
e sim privados de toda
atmosfera: nessas
imagens, a cidade foi
esvaziada, como uma
casa que ainda não
encontrou moradores.
Nessas obras, a
fotografia surrealista
prepara uma saudável
alienação do homem
com relação ao seu
ambiente”
Atget
Coin de la rue Valette et Panthéon, 1925
“Fazer as coisas se aproximarem de
nós, ou antes, das massas, é uma
tendência tão apaixonada do
homem contemporâneo quanto a
superação do caráter único das
coisas, em cada situação, através da
sua reprodução.”

Berenice Abott
William Goldberg (1935-39)
August Sander
Face of our time (1929)
“Subitamente, o rosto humano
apareceu na chapa com uma
significação nova e incomensurável.
Mas não se tratava mais de retratos.”

August Sander
Young girl in a circus caravan (1925)
“August Sander reuniu uma série
de rostos que nada ficam a dever à
poderosa galeria fisionômica de
um Eisenstein ou de um Pudovkin,
e realizou este trabalho numa
perspectiva científica”

August Sander
Cleaning Woman
Antropologia da Face Gloriosa
Arthur Omar - 1997
Contemplar é um Ato Violento
Arthur Omar - 1997
A Menina dos Olhos
Arthur Omar - 1997
A Aspiração do Relâmpago
Arthur Omar - 1997
Amélia Concêntrica Irradiando a Beleza Universal
Arthur Omar – 1997
O Office-Boy da Lantejoula Perdida
Arthur Omar – 1997
Mascarada Vulcânica Universal
Arthur Omar – 1997
Amor à Luz
Arthur Omar – 1997
Leite Zulú para a Harmonia Química Nacional
Arthur Omar – 1997
Massagem na Parte Superior da Alma
que Dá para os Fundos
Arthur Omar – 1997
Rainha da Noite com Alfinetes de Luz
Arthur Omar – 1997
O Minotauro
Arthur Omar – 1997
A Turbulência do Graal no Bolso
Arthur Omar – 1997
Eu me Eternizo quando me Escolho
Arthur Omar – 1997

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