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CURSO DE LICENCIATURA EM ENSINO DE HISTÓRIA

HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE SÉC. XVI-XIX

ENSINO ONLINE. ENSINO COM 2022


FUTURO
CURSO DE LICENCIATURA EM ENSINO DE HISTÓRIA

HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE SÉC. XVI-XIX

1º ANO : MANUAL DE ESPECIALIDADE

CÓDIGO

TOTAL HORAS/ 2 SEMESTRE 100

CRÉDITOS (SNATCA) 4

NÚMERO DE TEMAS 6
Un UnISCED: CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

Direitos de autor (copyright)

Este manual é propriedade Universidade Aberta ISCED (UnISCED), e contêm reservados


todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução parcial ou total deste manual, sob
quaisquer formas ou por quaisquer meios (electrónicos, mecânicos, gravações, fotocópias ou
outros), sem permissão expressa da entidade editora (Universidade Aberta ISCED (UnISCED).
A não observância do acima estipulado o infractor é passível à aplicação de processos
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Un UnISCED: CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

Agradecimentos

A Universidade Aberta ISCED (UnISCED), agradece a colaboração dos seguintes indivíduos e


instituições na elaboração deste manual:

Autor Nelson Tivane, MA


Vice-reitoria Académica
Coordenação
Universidade Aberta ISCED (UnISCED)
Design
Instituto Africano de Promoção da Educação a Distância
Financiamento e Logística
(IAPED)
Revisão Científica e
Idálissa Hernánia Balane, BA (Hons) Literatura Moçambicana
Linguística
2021
Ano de Publicação
2022
Ano da actualização
UnISCED – BEIRA
Local de Publicação

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Un UnISCED: CURSO: LICENCIATURA EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

VISÃO GERAL 1
Bem-vindos à Disciplina/Módulo de História de Moçambique Séc. XVI-XIX.................... 1
Objectivos do Módulo....................................................................................................... 3
Quem deveria estudar este módulo ................................................................................. 4
Como está estruturado este módulo ................................................................................ 4
Ícones de actividade ......................................................................................................... 6
Habilidades de estudo ...................................................................................................... 6
Precisa de apoio? .............................................................................................................. 8
Tarefas (avaliação e auto-avaliação) ................................................................................ 8
Avaliação ........................................................................................................................... 9

TEMA – I: A HISTÓRIA PRÉ-COLONIAL DE MOÇAMBIQUE. 11


UNIDADE TEMÁTICA 1.1. Visão geral sobre habitantes de Moçambique. ..................... 11
1. Introdução ............................................................................................................. 11
3. Sumário.................................................................................................................. 14
4. Exercícios de Auto-Avaliação................................................................................. 15

TEMA – II: OS ESTADOS DE MOÇAMBIQUE ANTES DA CHEGADA DOS PORTUGUESES. 18


UNIDADE TEMÁTICA 2.1. O Estado pré-colonial de Zimbabwe e de Mutapas.. ............ 18
1. Introdução ............................................................................................................. 18
8. Sumário.................................................................................................................. 37
9. Exercícios de Auto-Avaliação................................................................................. 37

TEMA – III: OCUPAÇÃO PORTUGUESA EM MOÇAMBIQUE E O DECLÍNIO DO IMPÉRIO DE


GAZA. 40
UNIDADE TEMÁTICA 3.1. A era dos descobrimentos Português. .................................. 40
1. Introdução. ............................................................................................................ 40
4. Sumário.................................................................................................................. 48
5. Exercícios de Auto-avaliação ................................................................................. 49
UNIDADE TEMÁTICA 3.2. A Ocupação Portuguesa em Moçambique e os Prazos. ........ 52
1. Introdução. ............................................................................................................ 52
5. Sumário.................................................................................................................. 57
6. Exercícios de Auto-avaliação ................................................................................. 57

TEMA – IV: A CONFERÊNCIA DE BERLIM, PARTILHA EUROPEIA E REFLEXOS EM


MOÇAMBIQUE. 83
UNIDADE TEMÁTICA 4.1. As teorias de ocupação colonial Europeia em África. ........... 83
1. Introdução. ............................................................................................................ 83
UNIDADE TEMÁTICA 4.2. A conferência de Berlim sobre a África (1884‑1885) ............ 89
1. Introdução. ............................................................................................................ 89
Exercícios de Auto-avaliação .......................................................................................... 94

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Moçambique Séc. XVI-XIX

TEMA – V: A CONFERÊNCIA DE BERLIM, PARTILHA EUROPEIA E REFLEXOS EM


MOÇAMBIQUE. 97
UNIDADE TEMÁTICA 5.1. A conquista militar Portuguesa de Moçambique (1885‑1902).97
1. Introdução. ............................................................................................................ 97
3. Sumário................................................................................................................ 103
4. Exercícios de Auto-avaliação ............................................................................... 104
BIBLIOGRAFIA................................................................................................................ 106

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Moçambique Séc. XVI-XIX

VISÃO GERAL

Bem-vindos à Disciplina/Módulo de História de


Moçambique Séc. XVI-XIX

CRONOLOGIA SOBRE A HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE (SÉC. XVI –


SÉC. XIX)
▪ 1498: O navegador português Vasco da Gama chegou a
Moçambique em 1498 a caminho de Índia;
▪ 1505: Os Portugueses fundam a Feitoria e Fortaleza de
Sofala;
▪ 1507: Os Portugueses fundam a Feitoria e Fortaleza na Ilha
de Moçambique;
▪ 1511: Os Portugueses atacam Angoxe,onde os Árabes-
Swahili tinham formado um núcleo de resistência e usavam
o Zambeze como via de penetração no interior;
▪ 1522: Os Portugueses conquistam ailha de Cabo Delgado
ou Quirimbas;
▪ 1530: OsPortugueses penetram no Cuamba (nome
primitivo de Zambeze). Fundação da Feitoria de Sena e
Tete;
▪ 1544: A Fundação da Feitoria ou Fortaleza de Quelimane.
Os portugueses chegam a Loureço Marques.
▪ 1561:O Padre Gonçalo da Silveira ao Zimbabwe do
Mwenemutapa. O Mwenemutapa reinante é baptizado
com o nome de Sebastião;
▪ 1571: A Expedição militar de Francisco Barreto no Zambeze
e chega no Sena;
▪ 1572: A Expedição militar de Fernando Homem. Invasão de
Quiteve e de Manica.
▪ 1607: Gatsi Lucere, Mwenemutapa reinante, cede as minas
do seu Estado aos Portugueses;
▪ 1629: Mavura é baptizado e cognominado D. Filipe II, faz
amplas concessões militares, políticas e comerciais aos
Portugueses;
▪ 1686: Chegam os primeiros sete mercadores indianos à
Ilha de Moçambique;

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Moçambique Séc. XVI-XIX

▪ 1693: O primeiro levante armado sistemático contra a


penetração portuguesa, encabeçado pelos Changamiras do
Estado Butua;
▪ 1720: Os Portugueses fundam a Feitoria de Zumbo;
▪ 1721-30: Feitoria Holandesa da Baía de Maputo;
▪ 1752: As Feitorias e entrepostos comerciais portugueses
em Moçambique passam para a dependência
administrativa directa de Portugal, separando-se assim das
possessões coloniais portuguesas na Índia e do seu Vice-
Rei.
▪ 1762: Um documento escrito refere à saída neste ano de
1100 escravos de Moçambique.
▪ 1765: Um documento refere a existência de 100 Prazos em
Moçambique.
▪ 1799: Documento refere a saída anual de quatro a cinco
mil escravos do nosso país.
▪ 1815/1820: Saem de Moçambique, anualmente, 15 a 20
mil escravos.
▪ 1821: Shochangana é o primeiro rei do Estado de Gaza.
▪ 1836: A Primeira abolição do tráfico.
▪ 1884 / 85: A Conferência de Berlim, também conhecida
como conferência da África Ocidental ou Conferência do
Congo, realizou-se em Berlim, de 15 de Novembro de 1884
a 26 de Fevereiro de 1885, marcando a colaboração
europeia na partição e divisão territorial da África.
No final do séc. XV houve uma penetração mercantil portuguesa,
motivada pela demanda de recursos naturais, incluindo terra para
habitação da população europeia que estava em expansão; e a
aquisição de especiarias asiáticas. No caso de Moçambique,
inicialmente, os Portugueses atracaram a costa em 1498, dando
início ao que veio se chamar de “Era dos Descobrimentos”. Os
navegadores portugueses fixaram-se no litoral, onde construíram
fortalezas de Sofala (1505), Ilha de Moçambique (1507); e só mais
tarde através de processos de conquistas militares apoiadas pelas
actividades missionárias e de comerciantes, penetraram para o
interior onde estabelecerem algumas feitorias de Sena (1530),
Quelimane (1544), e etc. Neste período, o propósito, já não era o
simples controlo do escoamento do ouro, mas sim de dominar o
acesso às zonas produtoras de ouro. Esta fase da penetração
mercantil foi designada de fase de ouro. Que foi seguida pelas
fases de marfim e de escravos; na medida em que os produtos
mais procurados pelo mercantilismo eram exactamente o marfim
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UnISCED: CURSO: LICENCIATURA
Un EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

e os escravos respectivamente. O escoamento destes produtos


acabou sendo efectivado através do sistema de Prazos do vale do
Zambeze que teriam constituído a primeira forma de colonização
portuguesa em Moçambique. A abolição do sistema de prazos
pelos decretos régios de 1832 e 1854 criou condições para a
emergência dos Estados militares do vale do Zambeze que se
dedicaram fundamentalmente ao tráfico de escravos, mesmo após
a abolição oficial da escravatura em 1836 e mais tarde em 1842.
Com o advento da conferência de Berlim (1884/1885) no final do
século XIX, Portugal foi forçado a realizar a ocupação efectiva do
território moçambicano. Dada à incapacidade militar e financeira
portuguesa, a alternativa encontrada foi o arrendamento da
soberania e poderes de várias extensões territoriais a companhias
majestáticas e arrendatárias. A Companhia de Moçambique e a
Companhia do Niassa são os exemplos típicos das companhias
majestáticas. A Companhia da Zambézia, Boror, Luabo, sociedade
do Madal, Empresa agrícola do Lugela e a Sena Sugar Estates
perfazem o exemplo de companhias arrendatárias. A instituição
do sistema de companhias e administração de territórios,
incluindo poderes para instituir e cobrar impostos constituiu a
segunda forma de colonização portuguesa em Moçambique. Foi
nessa altura que foi introduzido o "imposto de palhota", ou seja, a
obrigatoriedade de cada família pagar um imposto em dinheiro
como a população nativa não estava habituada às trocas por
dinheiro (para além de produzir para a própria sobrevivência),
eram obrigados a trabalhar sob prisão - o trabalho forçado,
chamado em Moçambique de "chibalo"; mais tarde, as famílias
nativas foram obrigadas a cultivar produtos de rendimento, como
algodão ou tabaco, que eram comercializados por aquelas
companhias.
Estas duas formas de colonização marcaram a história de
Moçambique entre os séculos XV a XIX. Este manual pretende
abordar os principais acontecimentos que marcaram este período
da história e irá de alguma forma integrar as primeiras reacções de
resistência ao colonialismo português. Estes conteúdos serão
abordados olhando para Moçambique como parte integrada em
conjuntura regional e mundial de expansão do capitalismo
europeu.

Objectivos do Módulo

Ao terminar o estudo deste módulo de História de Moçambique


Séc. XVI-XIX deverá ser capaz de:
i. Possuir habilidades de desenvolver análises e argumentos
baseados nos Métodos da História e que possam exercer
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Moçambique Séc. XVI-XIX

actividades de ensino e investigação da História,


especificamente sobre o período colonial que vai do século
XVI até a Conferência de Berlim.
ii. Integrarem-se em equipas de trabalhos de pesquisa e
investigação, nos campos das ciências sociais, humanas e
adversos contribuindo com informação histórica na
compreensão mais acertada de fenómenos complexos
sobre Moçambique colonial.

▪ Definir e discutir integralmente as diferentes etapas e


características que marcaram as relações de ocupação colonial
portuguesa em Moçambique até a Conferência de Berlim.

Objectivos
Específicos

Quem deveria estudar este módulo

Este Módulo foi concebido para estudantes do 2º ano do curso de


Licenciatura em Ensino de História da UnISCED, etc. Poderá
ocorrer, contudo, que haja leitores que queiram se actualizar e
consolidar seus conhecimentos nesta disciplina, esses serão bem-
vindos, não sendo necessário para tal se inscrever. Mas poderá
adquirir o manual.

Como está estruturado este módulo

Este módulo de História de Moçambique Séc. XVI-XIX, para


estudantes do 2º ano do curso de Licenciatura em Ensino de
História, à semelhança dos restantes do UnISCED, está estruturado
como se segue:
Páginas introdutórias

▪ Um índice completo.
▪ Uma visão geral detalhada dos conteúdos do módulo,
resumindo os aspectos-chave que você precisa conhecer para
melhor estudar. Recomendamos vivamente que leia esta
secção com atenção antes de começar o seu estudo, como
componente de habilidades de estudos.

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Un EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

Conteúdo desta Disciplina / módulo

Este módulo está estruturado em Temas. Cada tema, por sua vez
comporta certo número de unidades temáticas ou simplesmente
unidades. Cada unidade temática se caracteriza por conter uma
introdução, objectivos e conteúdos.
No final de cada unidade temática ou do próprio tema, são
incorporados antes, o sumário, exercícios de auto-avaliação, só
depois é que aparecem os exercícios de avaliação.
Os exercícios de avaliação têm as seguintes características: Puros
exercícios teórico-práticos, problemas não resolvidos e actividades
práticas, incluído estudo de caso.

Outros recursos

A equipe dos académicos e pedagogos da UnISCED, pensando em


si, num cantinho, recôndito deste nosso vasto Moçambique e
cheio de dúvidas e limitações no seu processo de aprendizagem,
apresenta uma lista de recursos didácticos adicionais ao seu
módulo para você explorar. Para tal o UnISCED disponibiliza na
biblioteca do seu centro de recursos mais material de estudos
relacionado com o seu curso como: Livros e/ou módulos, CD, CD-
ROOM, DVD. Para além deste material físico ou electrónico
disponível na biblioteca, pode ter acesso a Plataforma digital
moodle para alargar mais ainda as possibilidades dos seus
estudos.

Auto-avaliação e Tarefas de avaliação

Tarefas de auto-avaliação para este módulo encontram-se no final


de cada unidade temática e de cada tema. As tarefas dos
exercícios de auto-avaliação apresentam duas características: A
primeira encontramos exercícios resolvidos com detalhes e a
segunda exercícios que mostram apenas respostas.
Tarefas de avaliação devem ser semelhantes às de auto-avaliação,
mas sem mostrar os passos e devem obedecer ao grau crescente
de dificuldades do processo de aprendizagem, umas a seguir a
outras. Parte das tarefas de avaliação será objecto dos trabalhos
de campo a serão entregues aos tutores/docentes para efeitos de
correcção e subsequentemente nota. Também constará do exame
do fim do módulo. Pelo que, caro estudante, fazer todos os
exercícios de avaliação é uma grande vantagem.

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Moçambique Séc. XVI-XIX

Comentários e sugestões

Use este espaço para dar sugestões valiosas, sobre determinados


aspectos, quer de natureza científica, quer de natureza didáctico-
Pedagógica, sobre como deveriam ser ou estar apresentadas.
Pode ser que graças as suas observações que, em gozo de
confiança, classificamo-las de úteis, o próximo módulo venha a ser
melhorado.

Ícones de actividade

Ao longo deste manual irá encontrar uma série de ícones nas


margens das folhas. Estes ícones servem para identificar
diferentes partes do processo de aprendizagem. Podem indicar
uma parcela específica de texto, uma nova actividade ou tarefa,
uma mudança de actividade, etc.

Habilidades de estudo

O principal objectivo deste campo é o de ensinar a aprender. E


ensinando se aprende.

Durante a formação e desenvolvimento de competências, para


facilitar a aprendizagem e alcançar melhores resultados, implicará
empenho, dedicação e disciplina no estudo. Isto é, os bons
resultados apenas se conseguem com estratégias eficientes e
eficazes. Por isso é importante saber como, onde e quando
estudar. Apresentamos algumas sugestões com as quais esperamos
que caro estudante possa rentabilizar o tempo dedicado aos
estudos, procedendo da seguinte forma:

1º ˗ Praticar a leitura. Aprender a Distância exige alto domínio de


leitura.

2º ˗ Fazer leitura diagonal aos conteúdos (leitura corrida).

3º ˗ Voltar a fazer leitura, desta vez para a compreensão e


assimilação crítica dos conteúdos (ESTUDAR).

4º ˗ Fazer seminário (debate em grupos), para comprovar se a sua


aprendizagem confere ou não com a dos colegas e com o padrão.

5º ˗ Fazer Trabalho de Campo (TC), algumas actividades práticas ou


as de estudo de caso se existirem.

IMPORTANTE: Em observância ao triângulo modo-espaço-tempo,


respectivamente como, onde e quando estudar, como foi referido
no início deste item, antes de organizar os seus momentos de
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estudo reflicta sobre o ambiente de estudo que seria ideal para si:
Estudo melhor em casa/biblioteca/café/outro lugar? Estudo
melhor à noite/de manhã/de tarde/fins-de-semana/ao longo da
semana? Estudo melhor com música/num sítio sossegado/num
sítio barulhento? Preciso de intervalo em cada 30 minutos, em
cada hora, etc.

É impossível estudar numa noite tudo o que devia ter sido


estudado durante um determinado período de tempo; deve
estudar cada ponto da matéria em profundidade e passar só ao
seguinte quando achar que já domina bem o anterior.

Privilegia-se saber bem (com profundidade) o pouco que puder ler


e estudar, que saber tudo superficialmente! Mas a melhor opção é
juntar o útil ao agradável: Saber com profundidade todos os
conteúdos de cada tema, no módulo.

Dica importante: não recomendamos estudar seguidamente por


tempo superior à uma hora. Estudar por tempo de uma hora
intercalado por 10 (dez) a 15 (quinze) minutos de descanso
(chama-se descanso à mudança de actividades). Ou seja, que
durante o intervalo não se deve continuar a tratar dos mesmos
assuntos das actividades obrigatórias.

Uma longa exposição aos estudos ou ao trabalho intelectual


obrigatório pode conduzir ao efeito contrário: baixar o rendimento
da aprendizagem. Por que o estudante acumula um elevado
volume de trabalho, em termos de estudos, em pouco tempo,
criando interferência entre os conhecimentos, perde sequência
lógica, por fim ao perceber que estuda tanto, mas não aprende, cai
em insegurança, depressão e desespero, por se achar injustamente
incapaz.

Não estude na última da hora quando se trate de fazer alguma


avaliação. Aprenda a ser estudante de facto (aquele que estuda
sistematicamente), não estudar apenas para responder a questões
de alguma avaliação, mas sim estude para a vida, sobre tudo,
estude pensando na sua utilidade como futuro profissional, na área
em que está a se formar.

Organize na sua agenda um horário onde define a que horas e que


matérias deve estudar durante a semana; Face ao tempo livre que
resta, deve decidir como utilizar produtivamente, decidindo quanto
tempo será dedicado ao estudo e a outras actividades.

É importante identificar as ideias principais de um texto, pois será


uma necessidade para o estudo das diversas matérias que
compõem o curso: A colocação de notas nas margens pode ajudar

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a estruturar a matéria de modo que seja mais fácil identificar as


partes que está a estudar e pode escrever conclusões, exemplos,
vantagens, definições, datas, nomes, pode também utilizar a
margem para colocar comentários seus relacionados com o que
está a ler; a melhor altura para sublinhar é imediatamente a seguir
à compreensão do texto e não depois de uma primeira leitura;
Utilizar o dicionário sempre que surja um conceito cujo significado
não conhece ou não lhe é familiar;

Precisa de apoio?

Caro estudante, temos a certeza de que por uma ou por outra


razão, o material de estudos impresso, lhe pode suscitar algumas
dúvidas como falta de clareza, alguns erros de concordância,
prováveis erros ortográficos, falta de clareza, fraca visibilidade,
página trocada ou invertidas, etc. Nestes casos, contacte os
serviços de atendimento e apoio ao estudante do seu Centro de
Recursos (CR), via telefone, sms, E-mail, se tiver tempo, escreva
mesmo uma carta participando a preocupação.
Uma das atribuições dos Gestores dos CR e seus assistentes
(Pedagógico e Administrativo) é a de monitorar e garantir a sua
aprendizagem com qualidade e sucesso. Dai a relevância da
comunicação no Ensino a Distância (EAD), onde o recurso as TIC se
tornam incontornável: entre estudantes, estudante – Tutor,
estudante – CR, etc.
As sessões presenciais são um momento em que você caro
estudante, tem a oportunidade de interagir fisicamente com staff
do seu CR, com tutores ou com parte da equipa central da UnISCED
indicada para acompanhar as suas sessões presenciais. Neste
período pode apresentar dúvidas, tratar assuntos de natureza
pedagógica e/ou administrativa.
O estudo em grupo, que está estimado para ocupar cerca de 30%
do tempo de estudos à distância, é de muita importância, na
medida em que lhe permite situar, em termos de grau de
aprendizagem com relação aos outros colegas. Desta maneira
ficará a saber, se precisa de apoio ou precisa apoiar aos colegas.
Desenvolver hábito de debater assuntos relacionados com os
conteúdos programáticos, constantes nos diferentes temas e
unidade temática, no módulo.

Tarefas (avaliação e auto-avaliação)

O estudante deve realizar todas as tarefas (exercícios, actividades e


auto−avaliação), contudo nem todas deverão ser entregues, mas é

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importante que sejam realizadas. As tarefas devem ser entregues


duas semanas antes das sessões presenciais seguintes.
Para cada tarefa serão estabelecidos prazos de entrega, e o não
cumprimento dos prazos de entrega, implica a não classificação do
estudante. Tenha sempre presente que a nota dos trabalhos de
campo conta e é decisiva para ser admitido ao exame final da
disciplina/módulo.
Os trabalhos devem ser entregues ao Centro de Recursos (CR) e os
mesmos devem ser dirigidos ao tutor/docente.
Podem ser utilizadas diferentes fontes e materiais de pesquisa,
contudo os mesmos devem ser devidamente referenciados,
respeitando os direitos do autor.
O plágio1 é uma violação do direito intelectual do (s) autor (es).
Uma transcrição à letra de mais de 8 (oito) palavras do texto de um
autor, sem o citar é considerada plágio. A honestidade, humildade
científica e o respeito pelos direitos autorais devem caracterizar a
realização dos trabalhos e seu autor (estudante da UnISCED).

Avaliação

Muitos perguntam: com é possível avaliar estudantes à distância,


estando eles fisicamente separados e muito distantes do
docente/tutor? Nós dissemos: sim é muito possível, talvez seja uma
avaliação mais fiável e consistente.
Você será avaliado durante os estudos à distância que contam com
um mínimo de 90% do total de tempo que precisa de estudar os
conteúdos do seu módulo. Quando o tempo de contacto presencial
conta com um máximo de 10%) do total de tempo do módulo. A
avaliação do estudante consta detalhada do regulamentado de
avaliação.
Os trabalhos de campo por si realizados, durante estudos e
aprendizagem no campo, pesam 40% e servem para a nota de
frequência para admitir aos exames.
Os exames são realizados no final da cadeira disciplina ou módulo e
decorrem durante as sessões presenciais. Os exames pesam no
mínimo 60%, o que adicionado aos 40% da média de frequência,
determinam a nota final com a qual o estudante conclui a cadeira.
A nota de 10 (dez) valores é a nota mínima de conclusão da
cadeira.

1
Plágio - copiar ou assinar parcial ou totalmente uma obra literária,
propriedade intelectual de outras pessoas, sem prévia autorização.

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Un EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

Nesta cadeira o estudante deverá realizar pelo menos 3 (três)


avaliações e 1 (um) (exame).
Algumas actividades práticas, relatórios e reflexões serão utilizados
como ferramentas de avaliação formativa.
Durante a realização das avaliações, os estudantes devem ter em
consideração a apresentação, a coerência textual, o grau de
cientificidade, a forma de conclusão dos assuntos, as
recomendações, a identificação das referências bibliográficas
utilizadas, o respeito pelos direitos do autor, entre outros.
Os objectivos e critérios de avaliação constam do Regulamento de
Avaliação.
.

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Un EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

TEMA – I: A HISTÓRIA PRÉ-COLONIAL DE MOÇAMBIQUE.

UNIDADE Temática 1.1. Visão geral sobre habitantes de Moçambique.


UNIDADE Temática 1.2. EXERCÍCIOS deste tema.

UNIDADE TEMÁTICA 1.1. Visão geral sobre habitantes de Moçambique.

1. Introdução

Localização dos subgrupos linguísticos nigero-congoleses.


(https://pt.wikipedia.org/wiki/Bantus)

A história de Moçambique é muito vasta, e tal como os restantes


períodos, é construída por relações externas e influências sociais e
étnico-culturais diversas. Uma das principais conclusões a que
conduziram as recentes pesquisas arqueológicas realizadas na África
subsariana é a de que povos em diferentes estágios de
desenvolvimento tecnológico, vivendo em diversas partes da África,
foram contemporâneos entre si 2 . As técnicas agrícolas foram
adoptadas em momentos diversos e muitas das comunidades ainda
viviam da caça e da colecta em fins do I milénio da Era Cristã,
utilizando uma tecnologia característica da Idade da Pedra. Contudo,

2
Armando Castro. 1978. O sistema colonial Português em África (meados
do século XX), Lisboa; Caminho.
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nenhuma sociedade se manteve estática, e, na maioria dos casos,


estabeleceram-se contactos culturais muito intensos, apesar das
distâncias por vezes consideráveis. A maioria dos arqueólogos teve
que recorrer à linguística para poder interpretar seus próprios dados.
Duas séries de eventos interessam-nos particularmente.
Primeiramente, “a fragmentação da família das línguas congo-
kordofanianas; e, em segundo lugar, a dispersão das etnias de língua
bantu3. Este capítulo irá descrever resumidamente a extensão dos
bantus para a região Austral de África, com enfoque para
Moçambique.

Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

▪ Descrever as linhas gerais das civilizações bantu e a migração para a actual


região designada Moçambique;
▪ Caracterizar os primeiros Estados Pré-coloniais;
Objectivos
específicos

2. Os habitantes em Moçambique anterior a chegada dos Portugueses.

Os primeiros habitantes de Moçambique foram provavelmente os


Khoisan, que eram caçadores-recolectores. Os Khoisan ou Khoi-San
foram um grupo resultante da unificação de dois grupos étnicos do
sudoeste de África que partilham algumas características físicas e
linguísticas distintas da maioria do povo bantu da África,
nomeadamente o san - que eram caçadores-colectores; e os khoikhoi -
que eram pastores.4 As grandes migrações entre 200/300 DC5 dos
povos Bantus de hábitos guerreiros e oriundos dos Grandes Lagos,
forçaram a fuga destes povos primitivos para as regiões mais pobres
em recursos. Os bantus constituem um grupo etnolinguístico
localizado principalmente na África subsariana e que engloba cerca de

3
Idem
4
SERRA, Carlos (coord.). 2000. . História de Moçambique: Parte I -
Primeiras Sociedades sedentárias e impacto dos mercadores, 200/300- 1885;
Parte II - Agressão imperialista, 1886-1930. Vol. 1, 2.ª edição, Maputo,
Livraria Universitária, Universidade Eduardo Mondlane.
5
Depois de Cristo
12
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Moçambique Séc. XVI-XIX

400 subgrupos étnicos diferentes. A unidade desse grupo, contudo,


aparece de maneira mais clara no âmbito linguístico, uma vez que
essas centenas de grupos e subgrupos têm, como língua materna, uma
língua da família bantu.6

Entre as regiões privilegiadas pela Natureza onde essas


transformações tiveram especial impacto, sobressaiu o planalto entre
o Alto Limpopo e o Zambeze. A literatura 7 destaca as condições
favoráveis ao povoamento humano e pecuário, a menor virulência das
doenças tropicais, a maior fertilidade dos solos e regularidade das
chuvas, a abundância e variedade dos recursos minerais como os
principais factores que condicionaram essas transformações.

Limitando-nos aos acontecimentos ocorridos nesse planalto,


acontecimentos que tão profundamente influenciaram a dispersão da
Idade Recente do Ferro e dos povos Chonas-Carangas pelo centro e sul
de Moçambique, eis os aspectos essenciais focados:
a) Os povos da Idade Antiga do Ferro eram já de filiação bantu e,
portanto, agricultores com instrumentos de ferro, claramente
distintos dos Khoi-San, pastores, caçadores e recolectores da
Idade da Pedra, popularmente conhecidos por Hotentotes e
Bosquímanos;
b) Cerca de 900 d.C, no sul, e de 1100 d.C, no norte do planalto,
os espólios arqueológicos revelam um novo estilo de
olaria/condições de vida não só mais desenvolvido mas
também completamente distinto do anterior;

Tais modificações são suficientes para confirmar o advento de um


povo diferente, embora igualmente bantu. Ou seja, que antes do séc.
VII foram estabelecidos Entrepostos comerciais pelos Suahil-árabes na
costa para trocar produtos do interior, fundamentalmente ouro e
marfim por artigos de várias origens. Os estratos arqueológicos onde
foram encontrados pesos de tear provam que o cultivo e a tecelagem
de algodão devem ter sido introduzidos cerca de 1200 no vale do
Zambeze.

6
Vansina, J. 1995. "New linguistic evidence on the expansion of
Bantu," Journal of African History 36:173-195.
7
Armando Castro. 1978. O sistema colonial Português em África (meados
do século XX), Lisboa; Caminho.
13
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Moçambique Séc. XVI-XIX

Entre os séculos XIV e XV, estados bantus começaram a surgir na


região dos Grandes Lagos Africanos, na savana sul da floresta tropical
centro-africana. Na África Austral, no rio Zambeze, os reis
Monomatapa construíram o famoso complexo do Grande Zimbábue, o
maior dos mais de 200 desses sítios na África Austral, como Bumbusi
no Zimbábue e Maniqueni em Moçambique.8

A base da economia dos Bantu era a agricultura, principalmente de


cereais locais, como a mapira (sorgo) e a mexoeira; a olaria, tecelagem
e metalurgia encontravam-se também desenvolvidas, mas naquela
época a manufactura destinava-se a suprir as necessidades familiares
e o comércio era efectuado por troca directa. Por essa razão, a
estrutura social era bastante simples - baseada na "família alargada"
(ou linhagem) à qual era reconhecido um chefe.

Em direcção dos séculos XVIII e XIX, o fluxo de escravos bantus do


Sudeste africano cresceu com o aumento do Omani Sultanato de
Zanzibar, com sede em Zanzibar, na Tanzânia. Com a chegada dos
colonizadores europeus, o Sultanato de Zanzibar entrou em conflito
directo no comércio e na concorrência com portugueses e outros
europeus ao longo da Costa Suaíli, levando eventualmente à queda do
sultanato e ao fim da negociação de escravos na costa suaíli em
meados do século XX.

3. Sumário

Nesta Unidade temática 1.1 estudamos e discutimos


fundamentalmente os principais habitantes de Moçambique: os
Khoisan e os khoikhoi cujas emigrações para as regiões de Limpopo e
Zambeze datam entre 200/300 DC. Sumariamente fez-se referência às
relações comerciais com os árabes no século entre os séculos V a VII e
por fim uma introdução dos estados pré-coloniais.

8
Idem
14
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4. Exercícios de Auto-Avaliação

Perguntas de múltiplas escolhas


1. Quem foram os primeiros habitantes de Moçambique?
A. Khoisan
B. Africanos
C. Moçambicanos
D. Todas as opções estão incorrectas
2. Quando ocorreram as grandes migrações bantu?
A. Séc. 2000/3000 DC
B. Séc. 200/300 DC
C. Séc. 200/300 AC
D. Séc. 201/305 AC
3. Antes do séc. VII foram estabelecidos Entrepostos comerciais
pelos?
A. Turcos

B. Árabes – persas

C. Suahil-árabes

D. Portugueses

4. No final do séc. XV há uma penetração mercantil portuguesa,


principalmente pela demanda de ouro destinado à aquisição
das especiarias:

a) asiáticas
b) Holandesas
c) Indianas
d) Mexicanas
5. Através de processos de conquistas militares apoiadas pelas
actividades missionárias e de comerciantes, os portugueses
penetraram para o interior onde estabelecerem algumas
feitorias como a de Sena em :
a) 1580
b) 1535
c) 1530

15
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Moçambique Séc. XVI-XIX

d) 1532
6. A fase de penetração mercantil portuguesa do século XV é
designada de fase de:
a) Ouro
b) Marfim
c) Missangas
d) Tecidos
7. O maior número de emigrantes se fixou em entrepostos
comerciais ao longo da costa oriental africana.
A) XI
b) X
c) XII
d) XIII

8. Entre os séculos IX e XIII encontramos evidências de uma


progressiva e lenta fixação de populações provenientes
principalmente do Golfo Pérsico, a qual era um dos principais
centros de comércio no Índico no século X. Essas populações
estabeleceram-se em toda a costa oriental e,
particularmente:
a) Nas Ilhas de Zanzibar e de Pemba
b) Nas ilhas de Zanzibar e Nampula
c) Em pemba e Nampula
d) Nas Ilhas de Zamzibar e Tete
9. O maior número de emigrantes se fixou em entrepostos
comerciais ao longo da costa oriental Africana no século:
a) X
b) XIII
c) XIV
d) XV

10. A linhagem Bantu fundadora de Zimbabwe era:

a) Shona
b) b) Khoisan
c) c) San
d) d) Khoi-khoi

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Perguntas de desenvolvimentos

1. Mencione as razões da fixação do povo bantu Shona no local onde


fundaram o reino de Zimbabwe.?
2. Descrever o Estado de Marave
3. Descrever o comércio de ouro e marfim no estado de
Muenemutapa

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TEMA – II: OS ESTADOS DE MOÇAMBIQUE ANTES DA CHEGADA DOS PORTUGUESES.

UNIDADE Temática 2.1. O Estado pré-colonial de Zimbabwe e de


Mutapas.
UNIDADE Temática 2.2. EXERCÍCIOS deste tema.

UNIDADE TEMÁTICA 2.1. O Estado pré-colonial de Zimbabwe e de Mutapas..

1. Introdução

Os “Estados” pré-coloniais podem ser considerados monarquias


nitidamente expansionistas cujo território aumentou
consideravelmente em superfície graças ao emprego da força armada.
O Poder Central foi reforçado por vários processos: apropriação de
espólios de guerra, sobretudo mulheres e gado bovino; acumulação de
excedentes por meio de oferendas e tributos; exigências redobradas
em direitos de trânsito; aumento das vendas de ouro, marfim, cobre,
ferro e outros produtos, incluindo manufacturados como enxadas,
aspas e «machiras» de algodão; utilização cada vez mais intensiva de
armas-de-fogo, etc. Novos bens de consumo, nomeadamente os
provenientes das importações, premiavam a lealdade, gratificavam os
guerreiros, atraíam crescente número de aderentes, e permitiam a
realização de obras públicas de alguma envergadura (Zimbabwe,
amuralhados, grandes povoações, aringas fortificadas, machambas
estatais, etc.).
Segundo Serra (2000), o intercâmbio com o mundo exterior aumentou
em escala sem precedentes, com benefícios directos ou indirectos
para os monarcas e as linhagens reinantes. A nova ordem exigiu o
reforço do poder centralizado, de modo a manter a harmonia e a
cooperação entre maiores massas populacionais, a decidir e organizar
grandes movimentos migratórios, a combater as tendências
separatistas dos ramos juniores e mais ambiciosos, a mobilizar forças
militares para efeitos defensivos ou para ofensivas longínquas, a
intervir na política de outras comunidades jurídicas, a dividir as presas
de guerra com a possível equidade, a fiscalizar o pagamento regular de
tributos, a proporcionar condições de trabalho aos artesãos,
comerciantes, caçadores profissionais e outros especializados.

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Os testemunhos históricos do surgimento do estado de Zimbabwe não


são muito claros, por esta razão o uso de fontes arqueológicas tornou-
se crucial. Por esta razão, a compreensão desta unidade deve ser
complementada com a leitura integrada dos livros de história de África
e História de Moçambique e algumas obras arqueológicas.

Ao completar este tema, você deverá ser capaz de:

▪ Descrever o processo de constituição dos estados pré-coloniais em


Moçambique,
▪ Delimitar no tempo e no espaço as condições que determinaram a queda
Objectivos desses estados.
Específicos

Torres do Grande Zimbabwe: Património Mundial da UNESCO. Vide


em https://pt.wikipedia.org/wiki/Grande_Zimbabwe

2. O Estado pré-colonial de Zimbabwe


Newitt (1977), afirma que o reino de Grande Zimbabwe ocupava um
espaço entre os rios Zambeze e Limpopo. Foi fundado pelos Shona
Karanga (povo Bantu), 19éladon1919tes da região dos grandes lagos,
por volta do século V n.e. ocupou o sul do rio Zambeze. Fixaram-se
numa região rica em ouro e misturaram-se com as populações que alí
viviam, de origem Khoisan. Mais tarde um grupo separou-se deste
núcleo e instalou-se ao sul do Limpopo; com os Sotho, Tswanas, Tonga
e Nguni. Tomou o nome de Zimbabwe porque a capital e outros
19
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centros de poder os chefes rodeavam as suas habitações de muralhas


de pedra conhecidas por madzimbabwe (20éladon20 no singular), tal
como mostram as ruínas espalhadas por eles ocupados.

Segundo o mesmo autor, os vestígios da ocupação do Grande


Zimbábue no começo da Idade do Ferro limitam‑se aos estratos
inferiores da longa sequência cultural que aparece na colina chamada
Acrópole, que domina o Grande Cercado, certamente a mais
impressionante das construções do Grande Zimbábue, e a mais uns
restos de cerâmica espalhados pelo vale que fica abaixo. O nível da
Acrópole correspondente à Idade do Ferro Antiga, foi datado de
tempos anteriores ao século IV, não se podendo afirmar que o
estabelecimento então existente no Grande Zimbábue fosse
realmente significativo. Com toda a probabilidade, os vales separando
essas colinas bem irrigadas proporcionavam, na expressão a
concretização do estabelecimento desses amuralhados. Foi somente
por volta do século X ou XI – a data ainda é incerta – que povos da
Idade do Ferro recente instalaram‑se no Grande Zimbábue. Pouco se
sabe a respeito, já que foram encontradas poucas áreas ocupadas por
eles além da implantação gumanye no Grande Zimbábue. Sua
cerâmica não se assemelha à da Idade do Ferro Antiga, e já foi
aproximada, por alguns, à de Leopard’s Kopje, embora existam
diferenças notáveis entre elas.9

De acordo com o Serra (2000), tomou o nome de Zimbabwe porque a


capital e outros centros de poder os chefes rodeavam as suas
habitações de muralhas de pedra conhecidas por madzimbabwe
(20éladon20 no singular), tal como mostram as ruínas espalhadas por
eles ocupados. Durante o séc. XI, uma nova migração trouxe ao
planalto entre Zambeze e o Limpopo povos pastores Shona, grandes
construtores de muralhas de pedra (Zimbabwe). Nesta região permitiu
a fixação destes povos devido a boas condições geográficas: savanas
sem a mosca tsé-tsé; sem grandes florestas pantanosas e com chuvas
regulares suficientes para a prática da agricultura. O Grande
Zimbabwe como estado, existiu aproximadamente entre 1250 e 1450.
Das ruínas existentes, as mais importantes são as de Mapungumbwe e
a de Zimbabwe. Em Moçambique, Manhiquene fazia parte do

9
Bethwell Allan. Ogot (ed.) (2010). História geral da África, V: África do
século XVI ao XVIII. Brasília: UNESCO.
20
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território de Sendanda, foi um dos vários centros regionais do reino de


Zimbabwe.

De acordo com Ogot (2010), a tradição gumanye ainda é mal


conhecida, e assim permanecerá até que sejam encontrados e
escavados outros sítios do mesmo tipo. Os portadores dessa tradição
instalaram‑se no Grande Zimbábue antes que as grandes muralhas
deste local estivessem completadas; supõe‑se que representavam
outra tradição cultural da Idade do Ferro Recente, próxima da cultura
de Leopard’s Kopje, que tem vários traços em comum com Gumanye.
Mas, seja qual for a realidade de Gumanye, o facto é que, por volta do
século XII, a cultura deste povo sofre nítida transformação. A cerâmica
melhorou de acabamento, fabricaram‑se figuras humanas de argila, e
aumentaram muito as importações de contas de vidro e outros
objectos. As construções de pau‑a‑pique tornaram‑ se muito mais
sólidas, começaram a proliferar os adornos de cobre, bronze e ouro, e
fizeram‑se comuns, no Grande Zimbábue, muros e muralhas de
pedra.10

Wieschoff (2006), afirma que ama evolução paralela a esta se


constata, pelo menos parcialmente, em sítios de Leopard’s Kopje. Por
volta de 1300, já estavam lançadas as bases para um Estado poderoso
e influente – um Estado cujo centro encontrava‑se no Grande
Zimbábue e que dominava uma vasta parte da Mashonalândia central
e meridional. Parece fora de dúvida que esse Estado, na sua origem,
compartilhasse numerosas tradições culturais com os povos de
Leopard’s Kopje, e é muito provável que essa identidade fundamental
também se estendesse ao uso da mesma língua, o shona. Mais ou
menos desde o fim do século XII, a diversificação, a expansão e a
acumulação e riquezas, assim como uma crescente especialização
social, económica e funcional que resultou destes factores, haviam
ocorrido nestas duas culturas, a tal ponto que se tornou possível à
construção de grandes estabelecimentos que, como áreas delimitadas
nos sítios arqueológicos, podiam ser utilizados, para funções definidas,
por alguns grupos ou agrupamentos de populações.

É possível que o Grande Zimbábue tenha sido um desses


estabelecimentos. Antes de descrevermos o Grande Zimbábue

10
Wieschhoff, H. A. (2006). The Zimbabwe-Monomotapa Culture in
Southeast Africa. Whitefish: Kessinger.
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propriamente dito, convém examinarmos mais de perto algumas das


hipóteses aventadas para explicar a formação do Estado que se ergueu
à sua volta. Duas grandes teorias foram propostas com esta finalidade.
A primeira, formulada pelo historiador Donald Abraham11, considera
os Shona como imigrantes do final do primeiro milénio da era cristã,
que não somente teriam introduzido na região as técnicas de
mineração e outras inovações tecnológicas, como também teriam
trazido consigo seu próprio culto dos ancestrais. Isso os levou a
fundarem santuários, dos quais o principal foi construído numa colina
chamada Mhanwa, e recebeu o nome de dzimba dzemabwe (casas de
pedra).

Segundo Abraham, os dirigentes dos Shona souberam, graças a


astuciosas manobras políticas, exercer influência hegemónica sobre
uma confederação bastante flexível, com os chefes vassalos lhes
pagando tributo, em marfim e ouro em pó. Os negociantes árabes da
costa da África oriental haviam estabelecido relações com essa
poderosa aliança e valiam‑se dela para expandir o comércio do ouro e
do marfim. Mas o poder central do Estado estava em mãos dos chefes
e sacerdotes que controlavam o culto do Mwari e os complexos rituais
de sacrifícios aos ancestrais que o completavam, servindo assim de
intermediários entre o Mwari e o povo. Essa hipótese religiosa – como
é chamada – baseia‑se em pesquisas das tradições orais dos Shona,
cujos pormenores, porém, ainda não foram publicados.

Segundo a outra grande hipótese, o surgimento do Estado de Karanga


deve‑se, sobretudo, à intensificação das trocas comerciais. Aumentou
muito, no século XIV, o uso no Grande Zimbábue de contas de vidro e
outros objectos importados, como o vidro sírio, a faiança persa e o 22
éladon chinês, sinais que evidenciam grande expansão do comércio.
Objectos de ouro e cobre também proliferam no Grande Zimbábue,
pois a exploração destes minérios generalizara‑se ao sul do Zambeze.
Na mesma época, a cidade árabe de Kilwa, no litoral, conheceu rápido
avanço económico, sendo provável que tal prosperidade se devesse à
expansão do tráfico de ouro e marfim mantido com a região de Sofala,
na costa de Moçambique, que durante séculos foi o entreposto
litorâneo para a venda de ouro proveniente do sul da África central.

11
Idem
22
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Moçambique Séc. XVI-XIX

Esta hipótese comercial baseia‑se no aumento das exportações e


importações, e pressupõe que, numa sociedade organizada por grupos
de linhagem com um mínimo de estratificação social, o chefe deverá
ser o homem mais rico. Parte de sua riqueza, porém, é redistribuída
aos demais membros da sociedade, por meio de funções cerimoniais,
casamentos, funerais etc. À medida que se ampliam as trocas
comerciais, no entanto, a riqueza total acumulada e não redistribuída
à sociedade aumenta, levando a uma concentração acentuada da
opulência e da autoridade política em mãos de poucos indivíduos,
situação esta que, a longo prazo, pode ser socialmente nefasta. Um
rico potentado poderá, então, pagar a indivíduos para que executem
obras públicas, ou ainda, por uma simples decisão política, forçar uma
população a trabalhar para o Estado segundo um sistema de corveias,
adoptado outrora, por exemplo, entre os Lozi da Zâmbia.

Assim, no caso do Grande Zimbábue, a crescente riqueza dos chefes


teria favorecido uma maior redistribuição da mesma, a concentração
da população num centro comercial importante e a organização das
forças de trabalho para que se construíssem as enormes muralhas do
Grande Cercado e da Acrópole. A hipótese comercial assenta‑se
basicamente na ideia de que a criação do Estado teve como causa
principal a expansão do comércio na costa oriental, e na convicção de
que o poder económico é idêntico à autoridade política – suposição
que pode ser válida apenas parcialmente. Pressupõe, também, que a
construção das muralhas de pedra tenha exigido considerável mão-de-
obra, o que tampouco é evidente, se julgarmos o caso partindo de
análises efetuadas em outras regiões.

3. Poder político e económico na formação do Estado do Grande Zimbábue


As duas hipóteses dão bem pouca importância às realidades de uma
agricultura de subsistência e dos complexos mecanismos de decisão
que controlam, no sentido mais amplo possível, a orientação global da
evolução social. O Estado do Grande Zimbábwe nasceu muito antes da
tradição oral que lhe sobreviveu; tudo o que dele sabemos deve‑se à
investigação arqueológica ou a uma informação linguística bastante
genérica.

Segundo Boxer (2002), os arqueólogos estabeleceram que os povos de


língua shona podem ter sido os responsáveis pelas tradições da Idade
do Ferro recente surgidas entre o Zambeze e o Limpopo. Por volta do

23
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século XIII, as tradições de Leopard’s Kopje e de Gumanye


apresentavam sinais de considerável elaboração, que se devia tanto à
extensão dos contactos comerciais quanto a uma maior centralização
da autoridade política. Em algumas regiões, o aumento sem
precedentes da densidade demográfica pode ter favorecido o
aprimoramento dos métodos empregados na agricultura itinerante,
adotando‑se provavelmente técnicas de desmatamento e de
queimada mais eficazes, que permitissem períodos mais longos de
repouso da terra entre as semeaduras. Mesmo que tenha havido certa
concentração demográfica no Grande Zimbábue e outros centros, a
maior parte da população se manteve disseminada nas aldeias
menores, que se instalavam e se transferiam segundo os imperativos
do nomadismo agrícola e da pecuária.12

Contudo, quando um centro maior, como o Grande Zimbábue, atraía


uma população rural mais densa, as consequências a longo prazo
teriam sido graves, no tocante à fertilidade dos solos, ao uso excessivo
dos pastos e à degradação do meio ambiente. As sociedades africanas
da Idade de Ferro que viviam da agricultura de subsistência eram
basicamente autossuficientes, embora certas matérias‑ primas, como
o minério de ferro ou as madeiras das choupanas, fossem obtidas a
uma distância razoável. Dispunham de pouco ou nenhum incentivo
para praticar o comércio de longa distância, exceto certas motivações
religiosas ou económicas – e é difícil identificar estas últimas numa
comunidade aldeã fundamentalmente autárquica. Se for evidente que
a demanda de matérias‑primas estimuladas pelo comércio costeiro da
África oriental suscitou necessariamente novas iniciativas econômicas,
esse comércio, isoladamente, não bastaria para reunir o povo sob uma
única autoridade política ou religiosa. Para que tal evolução se
processasse, era preciso não apenas que um pequeno número de
famílias tivesse o entendimento das coisas religiosas ou políticas, mas
também que, conscientemente ou não, a sociedade no seu conjunto
optasse por uma organização social e política mais hierarquizada,
mesmo que os interessados não tivessem plena consciência de tal
processo, na época.13

A análise estratigráfica revelou a longa sequência de ocupação na


Idade do Ferro Recente, fornecendo, assim, elementos para dividir a

12
Idem
13
Idem
24
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história do Grande Zimbábue em, pelo menos, três fases. A ocupação


mais intensa começou por volta do século XI, mas nenhum muro de
pedra foi construído até o século XIII, quando as pequenas cabanas de
pau‑a‑pique dos primeiros tempos foram substituídas por casas de
barro mais espaçosas. O muro de arrimo, em pedra, do cercado
ocidental foi construído pela mesma época, quando aparecem mais
restos de objectos importados nos depósitos encontrados. Foram nos
séculos XIII ou XIV, também, que se ergueram as primeiras
construções no vale que fica abaixo da Acrópole.

4. A expansão do Estado do Grande Zimbábwe e a sua hegemonia na região.

Niane (1999) afirma que o carácter excepcional do Grande Zimbabwe


deve‑se apenas as suas dimensões, porque se trata da maior entre
umas 150 ruínas existentes na região granítica situada entre os rios
Zambeze e Limpopo. Nas suas proximidades, bem como na
Mashonalandia, há outras ruínas, que apresentam de um a cinco
cercados, rodeados pelo menos parcialmente de muralhas sem arrimo
e tendo no seu interior cabanas de pau‑a‑pique. A regularidade de sua
alvenaria segue o mesmo estilo do Grande Zimbabwe. As ruínas que já
foram exploradas às vezes continham objectos de ouro, braceletes de
fio de cobre, contas de vidro, assim como braseiros e fusos com discos
perfurados, característico da cultura do Grande Zimbabwe. Nas ruínas
de Ruanga e Chipadze, revela‑se a importância do gado. Cinco das
ruínas já escavadas permitiram estabelecer uma cronologia, sugerindo
que todas elas tenham sido construídas e ocupadas entre o começo do
século XIV e o fim do XV. Algumas parecem datar até do século XVI.14

Essa construção nada usual podia muito bem ser a sede em que
reinava uma proeminente autoridade religiosa, cujo poder explicaria a
existência desse cercado singular e constituiria a força que unificava o
Estado do Grande Zimbábue. Tem‑se a impressão de uma autoridade
política e religiosa extremamente poderosa, incontestada, cujo
domínio sobre uma população rural dispersa pelo país baseava‑se em
alguma espécie de crença unificadora, compartilhada por todas as
famílias, nos poderes do Mwari divino ou de outra divindade.

14
Niane, Djibril Tamsir. (1999). História geral da África, IV: África do século
XII ao XVI.
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O comércio de longa distância, por mais regular que possa ter sido,
nunca constituiria mecanismo igualmente eficaz, pois somente
afectava uma parte menor da população total. As fronteiras do Estado
do Grande Zimbábue ainda se encontram mal definidas, embora se
saiba que sua base situava‑se no centro de Mashonalândia. Algumas
ruínas semelhantes às do Grande Zimbábue encontram‑se na actual
Matabelelândia, devido à infiltração de povos do Grande Zimbábue
nessa região que era ocupada pela cultura de Leopard’s Kopje. No
entanto, somente após o declínio do Grande Zimbábue, no século XV,
a Mashonalândia adquiriu certa preponderância em matéria de
empreendimentos políticos e comerciais.15

5. O final do século XV: mudanças e transformações.

Quando o Estado do Grande Zimbabwe esta no apogeu, o sul da África


central acha‑se no limiar da documentação histórica e da tradição oral.
Pelo final do século XV, o Grande Zimbabwe começa a ser abandonado
por boa parte de sua população. As forcas associadas ao poder
económico e político deslocaram‑se para o sul e para o oeste, sob a
chefia do poderoso clã Rrozwi. As tradições orais registam o
surgimento de um soberano hereditário, o mwene mutapa (senhor do
saque), sendo o primeiro Mutota. Seu filho Mutope expandiu o
território do mwene mutapa para o norte, transferindo sua capital
para uma região setentrional, longe do Grande Zimbabwe.
Posteriormente, por volta de 1490, as partes meridionais do reino
romperam com a autoridade central, constituindo, sob a liderança de
Changamire, um poderoso Estado separado. O mwene mutapa só
conseguiu conservar uma pequena faixa de território, ao longo do
Zambeze, que se estendia até o oceano Índico. Seu domínio acabou
caindo sob a influência portuguesa, no decorrer dos séculos XVI e XVII.

Mas esses acontecimentos políticos não bastam para explicar por que
um sítio tão importante quanto o Grande Zimbábue foi abandonado
de maneira tão rápida e inesperada. Práticas religiosas e actividades
económicas idênticas às suas eram seguidas em outros lugares. A
população continuou vivendo da agricultura de subsistência baseada
no nomadismo agrícola. Talvez esteja neste ponto a razão para o
abandono do Grande Zimbábue: é possível que os campos
circundantes tenham-se tornado incapazes de manter sequer um

15
Idem
26
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circuito disperso de pequenas aldeias, e menos ainda a complexa


super estrutura da população não agrícola residente no próprio
Grande Zimbabwe. A intensificação da agricultura só pode resultar da
irrigação ou fertilização artificial do solo. Nenhum desses métodos era
praticável na savana arborizada que cercava o Grande Zimbabwe.
Quando as terras cultiváveis esgotaram‑se, só restou uma coisa a se
fazer: procurar terras novas para desmatá‑las e iniciar novas lavouras
e, desta maneira, alimentar a população existente. Bastava que se
diminuíssem os períodos de descanso da terra, ou que se deixasse
entrar o gado (de menor ou maior porte) nos pastos onde a grama
estava se recompondo, para interromper os ciclos agrícolas vitais, o
que inevitavelmente resultava na degradação do meio ambiente, no
desgaste das pastagens, e, finalmente, na migração de largos
contingentes de população para novas áreas cultiváveis.

Quando isto aconteceu nas cercanias do Grande Zimbábue, o mwene


mutapa precisou partir, por mais sagrado que se considerasse seu
local de residência, ou por imponentes que fossem as muralhas de
pedra que definiam os seus cercados. Parece muito provável que os
desequilíbrios políticos do final do século XV tenham estado
estreitamente ligados às limitações ambientais que sempre ameaçam
as estruturas políticas ou religiosas (por complexas que sejam)
baseadas na agricultura de subsistência e numa população rural
dispersa.16

Caton-thomson (1931), afirma que por volta de 1500, o sul da África


central tinha passado por grandes transformações políticas e
económicas. Um certo grau de unidade política e de estratificação
social havia nascido entre os rios Zambeze e Limpopo, favorecida pela
intensificação do comércio de longa distância e pelas solicitações dos
mercados mais remotos, e também pela evolução interna das próprias
sociedades africanas, a concentração da riqueza em mãos de poucos, a
centralização do poder político em nível superior ao da aldeia, a
criação de um refinado aparelho estatal no qual os assuntos seculares
e religiosos dependiam da pessoa de um chefe a quem se atribuía
ascendência divina. Estas transformações, especificamente africanas,
ocorreram também em muitos dos Estados mais fortes da África
central e de outras partes do continente. Mas sua viabilidade exigia a

16
CATON-THOMSON, G. 1931. The Zimbabwe culture: ruins and reactions.
Oxford, Clarendon Press; 1971, ed., Londres, Cass.
27
UnISCED: CURSO: LICENCIATURA
Un EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

conservação de fortes redes comerciais e de um sistema de agricultura


de subsistência suficiente para alimentar a população.

Estes factores revelaram‑se, numa análise histórica, determinante


para o crescimento e a prosperidade do Estado do Grande Zimbábue,
e de seu sucessor, o Estado Rozwi. E, por trás da ascensão e queda de
tantas chefiarias maiores e menores, o fio condutor da vida na Idade
do Ferro, que nos é confirmado por muitas descobertas arqueológicas,
continuou a depender da agricultura e de sua economia de
subsistência, baseada nas diversas lavouras, na pecuária e na criação
de pequenos animais.17

Império Monomotapa em 1635. Vide:


https://pt.wikipedia.org/wiki/Imp%C3%A9rio_Monomotapa#/media/F
icheiro:Monomotapa_Map.jpg

6. O Estado pré-colonial dos Mwenemutapas

De acordo com Serra (2000), o Império de Mwenemutapa localiza-se


entre os rios Zambeze, a Norte, e o rio Limpopo, a Sul, entre o deserto
de kalahari, a Oeste, e o Oceano Índico a Este. Foi fundado entre 1440
a 1450 pelos Shona Karanga. Por volta de 1450, Mutota, chefe do clã
Rozwi, abandona a região do planalto do Zimbabwe com seus
seguidores em direcção ao vale do Zambeze fixando-se na região de

17
Elkiss, T.H. The Quest for an African Eldorado: Sofala, Southern
Zambezia, and the Portuguese, 1500–1865. Waltham, MA: Crossroads Press,
1981.
28
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Un EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

Dande. A partir de Dande e através de guerras de conquistas, Mutota


e, mais tarde o seu filho Matope, dominaram os reinos vizinhos,
formando o império cujos limites se estendem do Zambeze ao
Limpopo e do oceano Índico ao deserto de Khalahari. Nos meados do
século XV, chega o povo Rozwi, ainda no Reino de Zimbabwe
introduziu um novo estilo de construção mais elaborado, uma
cerâmica mais fina, uma maior variedade de peças de ouro e bronze e
maior número de produtos orientais. O chefe Rozwi –Mutapa adoptou
o nome de Mwene-Mutapa que significa “senhor das minas”. O
Imperio de Mwenemutapa tinha o seu poder central situado entre os
rios Luía e Mazoe. Os estados vassalos ou satélites do império dos
Mutapas são: Sendada, Quiteve, Manica, Quissanga, Butua, Maúngue,
Venda, Bárue e outros.18

Niane (1999), afirma que existem poucos documentos históricos sobre


a região situada ao Sul do Zambeze, do período que vai de 1500 a
1800. É preciso remeter‑se essencialmente as narrativas dos viajantes
e comerciantes portugueses que penetraram na região ao longo do
primeiro decénio do século XVI. O Estado Mutapa é oriundo da cultura
do Grande Zimbábue (1200‑1450). O declínio do Grande Zimbábue
começou a partir da metade do século XV, com a queda da produção
de ouro no planalto do Zimbábue. Assistiu‑se, primeiro, ao surgimento
de um Estado obscuro, portador do nome Torwa ou “Butwa”, segundo
as fontes portuguesas. O segundo importante acontecimento político,
após o declínio do Grande Zimbábue, foi a emergência do Império
Mutapa que, no início do século XVI, já havia assumido o controle das
terras agrícolas férteis do planalto e de “uma parte das terras áridas
do vale do Zambeze, comandando também algumas das vias
comerciais”.

O Império era composto de um conjunto de comunidades


heterogéneas, que falavam karanga. Teoricamente, estendia‑se dos
confins meridionais do Zambeze até o Oceano Índico, mas, na
realidade, a autoridade dos chefes mutapa era muito limitada fora do
planalto. Certas indicações nos fazem pensar que os Reinos de Manica,
Uteve, Barué e Dande se separaram do Império no século XVI, porém
continuaram a cumprir suas obrigações rituais e tributárias até a
ascensão de Dombo Changamire, no final do século XVII. Apesar das

18
Niane, Djibril Tamsir. 1999. História geral da África, IV: África do século
XII ao XVI.
29
UnISCED: CURSO: LICENCIATURA
Un EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

poucas provas de que dispomos a esse respeito, parecia que, por


muito tempo após a ascensão ao poder de Dombo Changamire, os
reinos “rebeldes” tinham continuado a pagar um tributo aos
soberanos Mutapa. Pensamos que, os próprios Changamire, por vezes,
pagaram um tributo aos imperadores Mutapa, ao longo do século
XVIII. Porém, aqueles que traziam o tributo Rozwi eram “recebidos
com as honras outorgadas aos embaixadores dos reis10”. Uma
evolução comparável se produziu no Baixo Zambeze, onde os chefes
tonga e sena resistiram a todos os esforços empregados pelos
imperadores Mutapa na tentativa de imporem sua hegemonia política.
Assim, o Império foi reduzido a sua mais simples expressão, ou seja, à
região dos territórios Dande e Chidima.19

Provavelmente, o Império Mutapa continuou a construir prestigiosos


edifícios de pedra até o século XVI. Algumas das mais antigas ruínas,
em particular, o sítio de Zvongombe, correspondem às primeiras
capitais dos soberanos Mutapa. Mais tarde, reconheciam‑se essas
cidades em função de seus palanques de vários metros de altura.
António Bocarro, nos anos 1620, descreveu de uma forma muito
expressiva a capital e os modos de vida dos soberanos Mutapa.

Segundo ele, a capital era muito vasta e composta de uma


multiplicidade de casas cercadas por uma barreira de madeira, no
interior da qual havia três habitações: uma para a rainha e outra para
os serviçais, seus agregados. Três portas davam em um grande pátio,
sendo uma a serviço da rainha, e além da qual não era admitido
nenhum homem; uma outra para a cozinha do rei: os únicos que a
podiam transpor eram os cozinheiros, duas pessoas jovens escolhidas
dentre os principais nobres do reino, os parentes do rei em quem ele
confiava, e os rapazes, também nobres, de quinze a vinte anos de
idade, que serviam na cozinha. Também tinham por tarefa servir as
refeições ao rei, dispondo o alimento diante dele, no chão, sobre um
tapete ou uma esteira coberta com musselina. Ofereciam ao soberano
um grande número de carnes diferentes, todas elas assadas ou
cozidas, como galinhas, pombos, perdigões, carneiro, animais de
grande porte, lebres, coelhos, boi, ratos e outros tipos de caça. O rei,

19
UEM, Departamento de História, 1982. História de Moçambique Volume 1:
Primeiras Sociedades Sedentárias e Impacto dos Mercadores. Cadernos
TEMPO. Maputo
30
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Moçambique Séc. XVI-XIX

após se servir, dá uma parte destas carnes aos seus serviçais, os quais
são sempre providos do alimento da mesa do rei.20

Entretanto, na primeira metade do século XVIII, os Mutapa perderam


o controlo directo do planalto e o centro do Império deslocou‑se para
as terras baixas do Zambeze, entre Zumbo e Tete. Tal perda da
hegemonia política representava o resultado de um longo processo de
desintegração encetado em 1629, com a derrota de Mamvura Mutapa
pelos portugueses, terminando em 1917, com o desaparecimento do
Estado mutapa. O enfraquecimento da dinastia Mutapa incitou grupos
Shona vizinhos a se apropriarem das terras, como os budya, que se
estenderam em toda a região do Baixo Zambeze. Os soberanos
Mutapa também encorajaram outros grupos a se estabelecerem no
coração do Império.

No plano administrativo, o enquadramento do Império era feito em


três níveis: a capital, a província e a aldeia. Os Mutapa delegavam sua
autoridade aos chefes da aldeia e da província. Entretanto, parece que
os detentores desses cargos variavam de acordo com as circunstâncias
políticas. Nos primeiros anos do Império, apenas parentes mais ou
menos próximos dos Mutapa eram investidos nas funções de chefe da
aldeia ou da província. Por exemplo, rezava o costume que um
presumido príncipe e herdeiro fosse colocado à frente dos territórios
Dande. Ele era o portador do título de nevanje primogénito. Na
segunda posição da ordem de sucessão ao trono vinha um outro
príncipe, chamado Nevanje casula. Além dos membros da linhagem
real, aqueles, que, embora não aparentados aos Mutapa, tinham
contribuído com a conquista, eram promovidos a cargos de grandes
responsabilidades. Com o tempo, os Mutapa sentiram‑se mais
confiantes e seguros de si; por isso, no século XVII, autorizaram as
aldeias e as províncias a elegerem seus próprios chefes. Na capital,
eram assistidos por dignitários de alto escalão, os quais recebiam
terras em troca de seus serviços. Obrigações precisas eram igualmente
destinadas a cada uma das esposas do imperador.

20
Idem
31
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Un EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

7. As crenças e os métodos de controlo administrativo.


Os Mutapa dispunham de vários mecanismos para manter a
autoridade no Império, como a obrigação, incumbida aos chefes
territoriais, de vir a cada ano reacender os seus fogos reais na chama
original, sendo para eles uma forma de reafirmar a lealdade ao poder
central. Uma vez por ano, os soberanos Mutapa davam ordens a esses
chefes para apagarem seus fogos reais e de rumarem imediatamente
para o palácio do Mutapa a fim de reacendê‑los. Esse ritual de
fidelidade era igualmente repetido na ocasião da entronização de cada
novo monarca Mutapa. Quando da morte de um soberano Mutapa, a
ordem dada aos chefes territoriais era de apagar seus fogos reais até
que um sucessor fosse escolhido, ao lado do qual deveriam vir
reacendê‑los.

Aquele que faltasse nesse ritual era assimilado a um ato de rebelião e,


portanto, era severamente punido. Recorria‑se, então, a um exército
eficaz, cujos efectivos foram diversamente estimados em “100.000
homens na linha de combate”, 30.000 soldados de profissão, no século
XVI, e 3.000 homens no século XVIII18. Tais números nos levam a
pensar que antes do declínio do Império, os soberanos Mutapa
podiam mobilizar, se preciso fosse, um grande número de camponeses
e alistá‑los no exército, porém, quando o Império caiu em decadência
e entrou no caos, no século XVIII, era bem mais difícil realizar essa
mobilização.

As estatísticas fornecidas por observadores portugueses


contemporâneos são muito pouco confiáveis.

Os mutapa utilizavam‑se também da religião para manter a autoridade


sobre seus súditos, através da estreita relação entre a monarquia e os
médiuns espíritas, os quais eram possuídos pelos espíritos ancestrais
dos próprios imperadores ou por “antigos representantes dos
primeiros proprietários fundiários”.
Além de suas outras tarefas, presumia‑se que o imperador mantivesse
um contacto estreito com os mortos poderosos, em nome da nação.
Era ele quem conciliava o espírito nacional e intercedia em nome de
seus súditos. O culto das sepulturas reais também contribuía para
consolidar a imagem e o prestígio do imperador e, por fim, a reforçar
sua autoridade sobre o seu povo. Esperava‑se que ele fosse até a
tumba de seus ancestrais antes de toda expedição militar importante.

32
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Moçambique Séc. XVI-XIX

Os proprietários da terra, como Dzivaguru, eram os fazedores de


chuva e celebrantes dos rituais no palácio real mutapa. Esse sistema
religioso era retomado nos diversos níveis da administração. A religião
constituía um importante mecanismo de controlo social, em particular
em uma economia dominada pela agricultura. A participação do
imperador nos ritos da chuva era considerada essencial para a
prosperidade económica do Império. Ele organizava, para seus
ancestrais, danças “mensais da lua nova” e grandes festas anuais para
apaziguar seus espíritos ancestrais. Também encontramos referências
a músicos que “atraíam a atenção dos espíritos para a necessidade de
fazer com que chovesse”.21

A religião desempenhava um papel crucial de mecanismo social em


matéria de controlo político. De facto, os médiuns espíritas gozavam
de um estatuto mais elevado do que o dos imperadores; e por isso
eram (e ainda são) chamados Mhondoro (leões) e tinham por função
aconselhar o imperador sobre todos os assuntos do Estado. Porém, o
instrumento de controlo político mais corrente era o tributo, cobrado
pelos imperadores Mutapa, e que podia tomar a forma de produtos
agrícolas, peles de leão e de leopardo, penas de avestruz, caça de
pequeno e grande porte, peitoral de qualquer animal morto e, no caso
de um elefante, da presa do lado que o animal caiu ao morrer. O
tributo também podia ser pago com trabalho.22

A prática do pagamento pelo trabalho foi igualmente adoptada pelos


chefes vassalos, os quais parecem tê‑la aplicado de forma diferente.
Em vez de enviar pessoas para trabalharem nos campos do imperador,
a população das aldeias e dos lugarejos de Uteve cultivava um “grande
campo de sorgo para o rei: todos os habitantes do lugar deveriam aí
trabalhar por alguns dias do ano, anteriormente fixados [...]”. Todavia,
a colheita era feita por “intendentes recrutados para esse fim. No
momento da abertura de uma nova mina, os soberanos Mutapa,
geralmente, enviavam os seus mais infalíveis agentes para colectarem
o tributo. Aqueles que procuravam ouro erigiram um abrigo para
alojar os arrecadadores e armazenar o tributo. Esse era avaliado como
equivalente “ao produto de um dos trajectos efetuados

21
História geral da África, V: África do século XVI ao XVIII / editado por
Bethwell Allan. Ogot. – Brasília : UNESCO, 2010. 1208 p. ISBN: 978-85-7652-
127-3. 1.
22
Idem
33
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Moçambique Séc. XVI-XIX

cotidianamente por cada minerador, entre a mina e a água”. Como


veremos mais adiante, para extrair, em particular, o ouro do minério,
era preciso lavar esse último em um rio ou em um poço. Tal sistema
tributário não parece ter fundamentalmente evoluído até o
desaparecimento do Império Mutapa, no início do século XX.23

Poderíamos dizer que estes diversos mecanismos de controlo


contribuíram parcialmente para preservar um império centralizado,
em uma época em que as distâncias eram tamanhas que era
impossível exercer uma vigilância estreita sobre os chefes dos
diferentes territórios. A incapacidade do exército em sufocar as
rebeliões nas regiões recuadas do Império, as conspirações políticas
internas, das quais se aproveitavam os comerciantes portugueses, e as
guerras civis são factores que explicam o declínio gradual e a queda do
Império Mutapa.

O factor Português

Embora a chegada dos portugueses a Sofala remonte a 1506, somente


foi de 1550 a 1630 que eles tentaram verdadeiramente submeter o
Império Mutapa. Até 1540, o comércio entre portugueses e Shona foi
oficioso. Nessa data, as relações comerciais entre os negociantes
portugueses, os monarcas mutapa e os seus súditos foram,
entretanto, regularizadas e oficializadas através da abertura de uma
missão diplomática e comercial no palácio real mutapa. Tal missão foi
colocada sob o comando de um oficial nomeado capitão das portas.
Ele era eleito vitalício pelos portugueses que comerciavam no Império,
mas sua nomeação devia ser confirmada pelos imperadores mutapa.
Suas principais funções consistiam em transmitir aos soberanos
mutapa as ofertas, os requerimentos e as queixas dos comerciantes
portugueses e vice‑versa.

As relações entre a comunidade portuguesa e os soberanos mutapa


eram essencialmente de natureza tributária: os portugueses pagavam
um tributo, a curva. Cada vez que um novo capitão assumia as suas
funções na fortaleza portuguesa de Moçambique, era obrigado a
pagar ao monomotapa o equivalente a 3.000 cruzados em estofos e
em pérolas pelos três anos do exercício de seu cargo. Ele, então, podia
abrir as terras a todos os mercadores, cristãos ou mouros. Todos

23
Idem
34
UnISCED: CURSO: LICENCIATURA
Un EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

negociavam tecidos obtidos com o capitão acima referido, e a maior


parte do ouro extraído destes rios encontrava‑se nas mãos do capitão
de Moçambique.24

Em troca deste tributo, os imperadores Mutapa outorgavam aos


negociantes o direito à livre circulação por todo o Império, para aí
venderem seus estofos e pérolas. Nesse caso, o imperador ordenava o
embargo, sem indemnização, de toda a mercadoria em seu império.
Isto realmente aconteceu em 1610, quando Gatsi Rusere decretou a
mupeto (confiscação pela força) da mercadoria dos comerciantes
portugueses, o que acarretou, contra esses últimos, uma série de
ataques e de mortes. Além do tributo pago pelo capitão português aos
imperadores mutapa, os mercadores portugueses e árabes‑suaílis
deviam ceder uma peça de estofo por vinte peças introduzidas no
Império. Além dos tecidos e das pérolas que eram largamente
difundidas, os portugueses ofereciam aos imperadores mutapa artigos
de luxo importados, tais como sedas, tapetes, objectos de cerâmica e
de vidro, utilizados por eles para realçar seu prestígio no quadro de
um sistema de patronagem.25

Tal regime de relações tributárias se perpetuou praticamente sem


mudança até a segunda metade do século XVI. Em seguida, os
portugueses começaram a passar à frente dos monarcas mutapa, após
múltiplas guerras de agressão, por eles conduzidas no Sul do Zambeze,
entre 1569 e 1575. Estas lhes permitiram implantarem‑se nos reinos
orientais de Uteve e de Manica. No término de várias batalhas, os
portugueses acordaram, em 1575, com o rei de Uteve, um tratado
estipulando que o capitão de Sofala e seus sucessores deviam pagar
aos chefes teve um tributo anual de 200 peças de estofos. Em troca, os
negociantes portugueses obtiveram o direito de circular livremente
em todo o território do Reino de Manica, no qual eles acreditavam ter
muito ouro, contrariamente ao que a sequência dos acontecimentos
mostrou. Ademais, os habitantes da fortaleza portuguesa de Sofala
tinham o direito de penetrar livremente no interior das terras,
seguindo o curso do rio Sofala, para comprar provisões. Da mesma
forma que com os imperadores mutapa, todo comerciante português

24
Idem
25
História geral da África, V: África do século XVI ao XVIII / editado por
Bethwell Allan. Ogot. – Brasília : UNESCO, 2010. 1208 p. ISBN: 978-85-7652-
127-3. 1.
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que queria atravessar Uteve para chegar em Manica, por vinte peças
introduzidas no reino devia ceder ao chefe teve uma peça de estofo.

Todavia, os mercadores africanos que negociavam “tecidos, pérolas e


outras mercadorias com os portugueses”, deviam “ao rei três peças a
cada vinte”. Não se sabe muito bem porque os comerciantes africanos
deviam pagar mais do que os comerciantes portugueses, porém
pensa‑se que, provavelmente, era para impedir o avanço de uma
classe mercantil potente, que poderia contestar a autoridade política
do rei. Um tratado similar foi concluído com o rei de Manica, em
1573.26

Este limitado sucesso incitou aos portugueses a tentarem outras


incursões no Império Mutapa. As rebeliões, que lá explodiram entre
1590 e 1607, forneceram‑lhes a oportunidade de mergulhar na
complexidade da política mutapa. Um chefe mutapa, Gatsi Rusere,
apelou para os portugueses e com eles assinou um tratado de
assistência militar. Em troca, prometeu ceder todas as suas minas de
ouro, de cobre, de ferro, de chumbo e de estanho. Certamente, o
tratado conferia aos portugueses o prestígio da propriedade, mas eles
não possuíam nem a mão-de-obra nem os conhecimentos técnicos
necessários para explorar os metais. Na verdade, o tratado teve pouco
valor porque os portugueses deixaram Gatsi Rusere afrontar sozinho
as guerras civis, que não cessaram até sua morte em 1624. A sucessão
de Gatsi Rusere coube ao seu filho, Nyambu Kapararidze, cuja
legitimidade do trono real mutapa foi contestada por seu tio
Mamvura.

Na guerra que se seguiu entre os dois rivais, Mamvura solicitou a


assistência militar dos portugueses, obtendo‑a em 1629. Após ter
extorquido de Mamvura um certo número de promessas, os
portugueses aliaram‑se a ele contra Kapararidze. Tais promessas
incluíam, notadamente, um tratado de vassalagem e a alienação das
minas de ouro e de prata. Como Gatsi Rusere em 1607, Mamvura
subiu ao trono com o apoio militar dos portugueses. O tratado
acertado com eles o obrigava a consentir aos mercadores portugueses
o direito de circular livremente em todo o Império, de expulsar os
mercadores árabes‑suaílis de seu território e de autorizar os
26
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Primeiras Sociedades Sedentárias e Impacto dos Mercadores. Cadernos
TEMPO. Maputo
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Moçambique Séc. XVI-XIX

missionários dominicanos a pregarem sua religião. Mamvura


comprometia ‑se também a suprimir a curva, paga pelos portugueses
aos chefes mutapa, aproximadamente, desde a metade do século XVI,
e a pagar, a partir de então, um tributo a esses últimos. Após a
assinatura deste tratado, era cada vez mais numerosa a quantidade de
comerciantes e de aventureiros portugueses que chegavam ao
território do Império Mutapa. Mamvura e sua mulher foram ambos
baptizados e, respectivamente, ganharam os nomes Domingos e Luiza.

Esse tratado de 1629 encorajou aventureiros portugueses a se


apossarem de terras, as quais, mais tarde, foram reconhecidas pela
Coroa portuguesa sob o estatuto de prazos (terras da Coroa). Até
então hóspedes dos chefes africanos, os mercadores portugueses
tornaram‑se praticamente os senhores dos territórios. Mas seu
individualismo e desprezo pela lei desencadearam um período de caos
e de anarquia. Sobre a penetração dos portugueses no Império
Mutapa, poderíamos dizer que ela o conduziu à desintegração e deu à
luz a o que chamamos de sistema do prazo, bem como uma nova
entidade, o Império Rozwi.

8. Sumário

Nesta Unidade temática 1.2 estudamos e discutimos


fundamentalmente o surgimento e composição da estrutura
administrativa dos impérios do grande Zimbabwe e Mutapa. Não
obstante, analisamos as causas do declínio de ambos impérios com
particular destaque aos factores políticos e económicos.

9. Exercícios de Auto-Avaliação

Perguntas de múltiplas escolhas

1 O reino do Zimbabwe formou-se entre?

A Séculos II e III.

B 1250- 1450

C 1250-1540

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D 1240- 1520

2 A linhagem Bantu fundadora de Zimbabwe era:

A Shona

B Khoisan

C San

D Khoi-khoi

3 O Império de Mwenemutapa existiu no intervalo de


tempo compreendido entre

A 1440-1540

B 1440-1450

C 1450-1540

D 1345 - 1500

4. Um dos resultados dos contactos entre mercadores árabes e


populações moçambicanas foi a islamização progressiva, e como
consequência surgiram, núcleos linguísticos a exemplo dos:
a) Mwani, Nahara e Koti.

b) Nahara, Koti e Swahili.


c) Mwani, Ndau, MaKhuwa
d) Makonde ,Yaawo e Swahili.

5. No início do século XVI existiam provavelmente alguns milhares


de mouros, o termo com que os portugueses designavam:
a) Os Prazos, no império de Muenemutapa
b) Os Karanga-Chona, no império de Muenemutapa
c) Os Changamire do Butua, no império de Muenemutapa
d) Os Swahili ,no império de Muenemutapa

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6. A actividade produtiva essencial das comunidades rurais Karanga-


Chona baseava-se na ag ricultura. Os principais cereais cultivados
eram:
a) A mexoeira, o arroz, a ervilha
b) A mapira, a mexoeira, o naxenim (eleusine)
c) A ervilha, a mapira, o arroz
d) O milho, a cevada, o arroz
7. Ao longo dos rios e, sobretudo na zona costeira, em solos
aluvionares, os Karanga˗ Chona cultivavam arroz, usualmente para:
a) Venda
b) Consumo
c) Troca por missangas
d) Troca por tecidos
8. Nas comunidades Karanga˗ Chona nos trabalhos agrícolas, o
principal instrumento de trabalho era:
a) Charrua
b) A pequena enxada de cabo curto
c) A enxada de cabo cumprido
d) Trator

9. Portugal foi atraído inicialmente para a África Negra pelo ouro,


que era anteriormente exportado pelos países islâmicos. Não
obstante, eles não tardaram a perceber que a África possuía uma
outra mercadoria, também fortemente procurada pelos Europeus:
a) As missangas
b) O marfim
c) Os escravos
d) O algodão
10. Em 1627, o Muenemutapa Capranzina, que representava uma
facção oposta aos interesses mercantis portugueses, foi deposto e
substituído por seu por seu tio:
a) Mavura.
b) Matope
c) Changamire
d) Caprazine

Perguntas de desenvolvimentos
1. Localize geograficamente o reino do Zimbabwe?
2. Mencione as razões da fixação do povo bantu Shona no local
onde fundaram o reino de Zimbabwe?
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Moçambique Séc. XVI-XIX

TEMA – III: OCUPAÇÃO PORTUGUESA EM MOÇAMBIQUE E O DECLÍNIO DO IMPÉRIO DE GAZA.

UNIDADE Temática 3.1. A Era dos Descobrimentos Português.


UNIDADE Temática 3.2. A Ocupação Portuguesa em Moçambique e os
Prazos.
UNIDADE Temática 3.3. O Mfecane e a emergência Estado de Gaza
UNIDADE Temática 3.4. EXERCÍCIOS deste tema

UNIDADE TEMÁTICA 3.1. A era dos descobrimentos Português.

1. Introdução.

"Teatro do Globo Terrestre", publicado em 1570 em Antuérpia,


considerado o primeiro atlas moderno, resultado das intensas
explorações marítimas.
Vide:https://pt.wikipedia.org/wiki/Era_dos_Descobrimentos#/media/
Ficheiro:OrteliusWorldMap1570.jpg
Os historiadores geralmente referem-se à "era dos descobrimentos"
como as explorações marítimas pioneiras realizadas por portugueses e
espanhóis entre os séculos XV e XVI, que estabeleceram relações com
a África, América e Ásia, em busca de uma rota alternativa para as
"Índias", movidos pelo comércio de ouro, prata e especiarias. Estas
explorações no Atlântico e Índico foram seguidas por outros países da
Europa, como França, Inglaterra e Países Baixos, que exploraram as

40
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rotas comerciais portuguesas e espanholas até ao oceano Pacífico. A


exploração europeia perdurou até realizar o mapeamento global do
mundo, resultando numa nova divisão mundial, e no contacto entre
civilizações distantes, alcançando as fronteiras mais remotas muito
mais tarde, já no século XX.
A era dos descobrimentos marcou a passagem do feudalismo da Idade
Média para a Idade Moderna, com a ascensão dos estados-nação
europeus. Durante este processo, os europeus encontraram e
documentaram povos e terras nunca antes vistas. Juntamente com o
Renascimento e a ascensão do humanismo, foi um importante motor
para o início da modernidade, estimulando a pesquisa científica e
intelectual. A expansão europeia no exterior levou ao surgimento dos
impérios coloniais. Entre os mais famosos exploradores deste período,
destacam-se Cristóvão Colombo (pela descoberta da América), Vasco
da Gama (descoberta da África, incluindo Mozambique).

Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

▪ Registar: todos os factos que ocorrem e podem ser representados na


ocupação marítima portuguesa com particular destaque ao início da
colonização de Moçambique;
▪ Caracterizar as principais fases do comércio de Ouro, marfim e escravo.
Objectivos
específicos ▪ Descrever o declínio do império de Gaza, como um dos acontecimentos
marcantes no processo colonização de Moçambique.

41
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Moçambique Séc. XVI-XIX

2. A expansão marítima Portuguesa

Entre o século XV e o início do século XVII, decorreu o que veio a se


chamar da “Era dos Descobrimentos”, durante o qual, alguns países
europeus (inicialmente, portugueses, depois espanhóis) exploraram
intensivamente o globo terrestre em busca de novas rotas de
comércio. Se traçarmos o mapa geopolítico do mundo no ano de 1500,
veremos surgir um certo número de grandes regiões relativamente
autónomas que estavam em certo grau interligadas fosse através do
comércio ou devido a conflitos. Havia, primeiramente, o Extremo
Oriente que, representado pelo Japão e pela China, pelas regiões do
Pacífico e do oceano Índico, compreendendo as ilhas Moluscas,
Bornéu, Sumatra e a própria Índia, era a fonte de abastecimento do
mundo em especiarias. Em seguida, havia o Oriente Médio que cobria
uma vasta zona compreendendo a península árabe, o Império Safávida
e o Império Otomano, o qual logo englobou a África do Norte. Depois,
havia a Europa, com os eslavos, os escandinavos, os alemães, o
anglo‑saxões e os latinos, que permaneciam confinados dentro de
suas fronteiras. Enfim, havia a África, com sua encosta mediterrânea
ao norte e suas costas do Mar Vermelho e do Oceano Índico que
participavam, de forma crescente, do comércio internacional com o
Extremo Oriente e com o Oriente.

O período que se estendeu de 1500 a 1800 viu estabelecer‑se um


novo sistema geoeconómico orientado para o Atlântico, com seu
dispositivo comercial triangular, ligando a Europa, a África e as
Américas. A abertura do comércio atlântico permitiu à Europa e, mais
particularmente, à Europa Ocidental, aumentar sua dominação sobre
as sociedades das Américas e da África. Desde então, ela teve um
papel principal na acumulação de capital gerado pelo comércio e pela
pilhagem, organizados em escala mundial. A emigração dos europeus
para as feitorias comerciais da África fez surgir economias anexas que
se constituíram no além‑mar. Estas desempenharam, em longo prazo,
um papel decisivo na contribuição para a constante ascensão da
Europa que impingia sua dominação sobre o resto do mundo.27

Do ponto de vista dos historiadores, o período que vai de 1450 a 1630


foi marcado, na maioria dos países europeus, em particular, naqueles
27
Collins, Robert O.; Burns, James M. "Part II, Chapter 12: The arrival of
Europeans in sub-Saharan Africa". A History of Sub-Saharan África.
Cambridge University Press. ISBN 0-521-86746-0
42
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do Oeste e do Sudoeste, por uma formidável expansão económica,


política e cultural. Com o tempo, acentuou‑se a divisão do continente
em um Noroeste avançado, do ponto de vista económico, uma
península ibérica relativamente pouco desenvolvida e um vasto
Centro‑Oeste em rápido desenvolvimento, mas, também, cada vez
mais dependente dos mercados ocidentais.

O período é também marcado por um movimento de expansão


além‑mar que atingiu imensos territórios situados na borda do
Atlântico e, até mesmo, no Pacífico. A costa africana sofreu este
movimento desde o início do século XVI, ainda que a África do Norte
conhecesse uma situação diferente daquela da região situada ao sul
do Saara. O Mediterrâneo foi o palco de uma violenta rivalidade que
opôs Espanha, Portugal, França e África do Norte muçulmana, ao
passo que a influência do Império Otomano continuava em ascensão.
Em 1415, Ceuta foi ocupada pelos portugueses visando o controlo da
navegação na costa norte Africana, evento geralmente convencionado
como o início da expansão portuguesa.

Em 1517, os Otomanos apoderaram‑se do Egipto, depois, submeteram


uma grande parte da península árabe e estabeleceram, pouco a
pouco, sua dominação sobre Trípoli, Túnis e Argel, onde se
multiplicaram regências otomanas sob protectorado turco. Estas
fizeram pairar uma grave ameaça sobre os navios europeus e sobre as
costas meridionais da Itália e da Espanha. No Marrocos, entretanto, os
portugueses conseguiram assegurar o controlo sobre uma grande
parte da costa, até Agadir e Safi, enquanto os castelhanos se
estabeleciam em Tlemcen e Oran. Estas conquistas foram de grande
importância, pois elas asseguraram aos portugueses o controle das
saídas de algumas grandes rotas do comércio do ouro e dos escravos,
estabelecido há séculos, entre o Sudão Ocidental e as costas
mediterrâneas, através do Saara e do Magreb. As saídas de outros
grandes eixos, de orientação norte‑sul e leste‑oeste, estavam nas
mãos dos turcos e de representantes mais ou menos autónomos do
Império Otomano na África (Argel, Túnis e Trípoli).

Estes acontecimentos ocorreram aproximadamente um século após o


início da expansão portuguesa pela África Ocidental, o que explica o
facto de os europeus terem desviado, em benefício próprio, uma parte
do tráfico do ouro e dos escravos que, anteriormente, era destinado

43
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ao mundo muçulmano. Na época, pensava‑se, com razão, que a costa


da África Ocidental e da África Oriental permaneceria por muito
tempo sob dominação econômica e política de Portugal, que exercia
também uma certa influência cultural sobre seus parceiros comerciais
africanos. Durante todo o século XV e no início do século XVI, os
portugueses conseguiram estabelecer numerosas feitorias na costa
ocidental, e fazer com que a população do litoral e seus chefes
participassem do comércio com os europeus.28

Ao estabelecerem novas feitorias, os portugueses esforçavam‑se para


obter a autorização dos chefes autóctones e para comprar, de diversas
formas, a benevolência dele Na África Oriental, eles empregaram
outros métodos: dominaram pela força os Portugueses fixaram-se no
litoral onde construíram as fortalezas de Sofala (1505), Ilha de
Moçambique (1507), e mais tarde através de processos de conquistas
militares apoiadas pelas actividades missionárias e de comerciantes,
penetraram para o interior onde estabelecerem algumas feitorias
como a de Sena (1530), Quelimane (1544), onde implantaram
guarnições e recolheram o imposto em benefício ao rei de Portugal.
Ao mesmo tempo, eles procuravam apoderar‑se do comércio do ouro,
do marfim e dos metais existentes entre a costa, o interior e a Índia.
Nem todas as diversas feitorias portuguesas alcançaram o mesmo
sucesso na África.

No começo do século XVI, o comércio em Elmina, no estuário da


Gâmbia, em Serra Leoa e, em Sofala, trouxe benefícios substanciais
oriundos, principalmente, da compra do ouro a condições vantajosas,
e, em menor escala, do tráfico de escravos fornecidos pelo interior.
Arguin, a mais antiga das feitorias portuguesas, todavia, continuava
declinando. O comércio com a África era assaz lucrativo para Portugal.

O comércio com a África, e mais tarde com a Índia, acelerou


fortemente a ascensão da classe dos negociantes portugueses, que, no
século XV, ainda se encontravam, relativamente, pouco favorecidos.
Ao longo deste primeiro quarto do século XVI, poder‑se‑ia pensar que
Portugal entrou em uma fase duradoura de expansão económica e
política. Esta esperança é, todavia, arruinada pelo carácter retrógrado
e estático da estrutura socioeconómica do país. A expansão

28
M. D. D. Newitt, "A history of Portuguese overseas expansion, 1400-1668",
p.9, Routledge, 2005.
44
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ultramarina necessitava de importantes investimentos financeiros e,


para comprar ouro e escravos, foi preciso escoar, pelas encostas
africanas, grandes quantidades de objectos de ferro, bronze e cobre,
bem como têxteis baratos, sem falar da prata, dos produtos
alimentícios e do sal. Ora, estes bens não eram produzidos em
Portugal e deviam ser comprados, no início, junto aos mercadores
estrangeiros ou em Bruges, e, depois, nas grandes praças comerciais
europeias da época. Além disso, o desenvolvimento da frota dependia
das importações de madeira de obra e de outros produtos florestais
provindos, essencialmente, dos países bálticos, que também
forneciam um certo volume de cereais, cuja produção, em Portugal,
era insuficiente desde o século XIV. É evidente que o produto do
comércio exterior devia, em grande parte, ser alocado à importação
das mercadorias necessárias para o comércio com a África. Portugal
não pôde aumentar sua produção interna em razão de sua frágil
potência demográfica e, da intensa concorrência no estrangeiro,
notadamente, pelos produtos industriais que há anos eram muito
procurados pelo mercado português.29

O formidável crescimento económico da Europa acarreta no


continente, a partir de 1470, uma alta progressiva dos preços que se
tornam espectaculares durante a segunda metade do século XVI, e
atinge, principalmente, os produtos agrícolas e industriais. O
monopólio do comércio com a África ou com a Índia, que, ademais,
procede de uma outra concepção económica, não lhe foi de grande
auxílio.

O importante investimento, gerado pela expansão ultramarina, apenas


seria rentável para Portugal se o país pudesse impor aos seus
parceiros negros condições de troca que lhe fossem favoráveis, ou
seja, se pudesse comprar barato e vender caro. Para isto, foi preciso
limitar, até mesmo proibir, o acesso às feitorias aos imigrantes
europeus, sobretudo, aos oriundos de países outros que não Portugal,
através da manutenção de uma frota suficientemente potente para
ser, de fato, dissuasiva. Esta foi uma empreitada dispendiosa e se
revelava acima dos recursos de Portugal.30

29
BOXER, Charles (2002) O império marítimo português. São Paulo:
Companhia das Letras,.
30
COSTA, João Paulo Oliveira (2002). "O império português em meados do
século XVI" IN: Anais de História de Além-mar. Lisboa, n.3, p.87-121, 2002.
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Por volta de 1525, os portugueses começaram a encontrar


dificuldades para achar ouro, mesmo na região de Elmina. Parece que,
nas costas africanas, eles já não mais dispunham do suficiente de
mercadorias para oferecer em troca. Desta situação, aproveitam,
particularmente, os europeus rivais dos portugueses – a saber, os
negociantes franceses, ingleses e holandeses – já que eles dispunham
de maiores meios financeiros e não sofriam taxa de importação, pois
suas mercadorias eram quase que exclusivamente de origem
metropolitana. Enfim, a França, a Inglaterra e a Holanda ainda não
sucumbiam sob os pesos de uma administração pletórica que
regulamentava o comércio exterior e regia a vida nas colônias.

O aparelho administrativo português era, ao mesmo tempo,


dispendioso e lento a se adaptar às flutuações constantes, próprias do
comércio exterior. Na África, os mercadores que chegavam da França,
da Inglaterra ou da Holanda possuíam os meios suficientes para
comprar em maior escala e vender a melhores preços do que aqueles
de Portugal. Documentos datados dos anos 1570 mostram que os
portugueses tinham consciência desta situação, mas que eram
incapazes de remediá‑la.31

3. O tráfico de escravos
Portugal foi atraído inicialmente para a África Negra pelo ouro, que
era anteriormente exportado pelos países islâmicos. Não obstante,
eles não tardaram a perceber que a África possuía uma outra
mercadoria, também fortemente procurada pelos Europeus: os
escravos. Ainda que a escravidão na África fosse diferente da
escravidão praticada pelos europeus, a tradição de exportar escravos
para os países árabes era muito antiga em grandes partes do
continente, em particular do Sudão. Nos séculos XV e XVI, esta
tradição pareceu ter ajudado, em certa medida, os portugueses a
conseguir, regularmente, escravos em uma grande parte da África
Ocidental, notadamente, na Senegâmbia, parceira económica, de
longa data, do Magreb. Os portugueses, que penetravam cada vez
mais profundamente nas regiões do sudeste da África Ocidental,
aplicaram, com sucesso, as práticas comerciais utilizadas na
Senegâmbia.32

31
Idem
32
HEDGES, David (coord.). (1999). História de Moçambique: Moçambique no
auge do colonialismo 1930-1961. Vol.2, 2.ª edição, Maputo, Livraria
Universitária, Universidade Eduardo Mondlane.
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Compreendendo o carácter indispensável da cooperação dos chefes e


dos mercadores locais, dedicaram‑se a interessá‑los ao trato de
escravos. Os portugueses não ignoravam que isto pudesse resultar em
uma intensificação dos conflitos entre os diversos povos e Estados
africanos, os prisioneiros de guerra tornando‑se o principal objecto
deste comércio, mas eles deixaram muito cedo de se opor às
objecções morais, pois, como muitos outros na Europa, eles
acreditavam que o tráfico abria aos negros o caminho para a salvação:
não sendo cristãos, os negros haveriam de ser condenados por toda a
eternidade se eles ficassem em seus países. Logo, um outro
argumento foi enunciado: os negros são descendentes de Ham, que
foi amaldiçoado, e, por isso, são condenados à escravidão perpétua.
Estas motivações ideológicas não devem ser subestimadas. Devemos
acrescentar aqui que os escravos negros começaram a aparecer na
Europa em uma época em que o tráfico de escravos brancos
provenientes da zona do Mar Negro, havia praticamente ceifado,
época esta em que se começa a identificar o escravo ao negro, sendo,
então, desconhecidos os outros representantes da raça negra.33

Durante todo o século XV e no início do XVI, o principal mercado da


“madeira de ébano” era a Europa, em particular, Portugal e os países
sob dominação espanhola, assim como as ilhas do Atlântico – quais
sejam, Madeira, as Canárias, as ilhas de Cabo‑Verde e, mais tarde, a
ilha de São Tomé –, porém, apenas em certa medida, devido às suas
pequenas superfícies. O tráfico negreiro na Madeira, nas ilhas de
Cabo‑Verde e, mais particularmente, na ilha de São Tomé originou‑se,
primeiro, em razão da introdução da cultura da cana‑de‑açúcar e do
algodão.

Os portugueses tiveram, igualmente, sérios problemas na África.


Durante todo o século XV, eles tiveram um crescente interesse pelo
comércio dos escravos e, ao longo do século XVI, como nos outros
seguintes, os territórios capazes de lhes fornecerem escravos em
grande quantidade, cada vez mais, suscitavam‑lhes cobiça. É sob esta
óptica que é preciso alocar a penetração portuguesa no Congo (onde
não havia nem ouro e nem prata), encetada no começo do século XVI,
e a conquista posterior de Angola, que foi precedida pelo rápido
avanço do comércio de escravos na ilha de Luanda. Obter grandes

33
NEWITT, Malyn. (1997). História de Moçambique. Mem-Martins,
Publicações Europa-América.
47
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quantidades de escravos era, igualmente, a preocupação dos colonos


da ilha de São Tomé, não só porque eles precisavam desta mão-de-
obra para suas plantações, mas também, porque vendiam os escravos
às colónias espanholas da América e, a partir do fim do século XVI,
também ao Brasil português.

Ao longo do século XVIII, apurando a definição do direito universal ao


bem‑estar e à liberdade, antropólogos, filósofos e teólogos
voltaram‑se para o caso do africano e de sua condição no mundo. Sua
reflexão levou‑os a modificar as noções ordinariamente admitidas até
então sobre o negro da África e o escravo americano: de bruto e
animal de carga, eles transformaram‑no em um ser moral e social. Sua
fórmula, “o negro é um homem”, recusava implicitamente o consenso
sobre a honradez, a legitimidade e a utilidade da venda de negros.
Suas análises humanitaristas desembocaram na exigência
abolicionista. Seu balanço do tráfico era inteiramente negativo. 34
Proposições de abolição colectiva, lançadas pela Inglaterra em 1787,
depois em 1807, haviam fracassado. Em 1810, Portugal fez vagas
promessas em troca de aberturas para o mercado britânico. Um
mundo desmoronou com o fim da guerra napoleônicas. No Reino
Unido, Estados Unidos, Portugal e em outras partes da Europa, uma
forte oposição foi desenvolvida contra o comércio de escravos. A
Dinamarca, que tinha sido activa no tráfico de escravos, foi o primeiro
país a proibir o comércio através de uma legislação de 1792, que
entrou em vigor em 1803. O Reino Unido proibiu o comércio de
escravos em 1807, impondo pesadas multas para qualquer escravo
encontrado a bordo de um navio britânico.35

4. Sumário

Nesta Unidade temática 1.1 estudamos e discutimos


fundamentalmente o conjunto de conquistas realizadas pelos
portugueses em viagens e explorações marítimas entre 1415 e 1543, e
que marcaram as pretensões de ocupação de território por parte do
governo colonial português deu-se enfoque as incursões realizadas
dentro do “território nacional”, mas olhando a sua relação com o
exterior.

34
FRENTE DE LIBERTAÇÃO DE MOÇAMBIQUE. (1971). História de
Moçambique. Porto, Afrontamento.
35

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5. Exercícios de Auto-avaliação

Perguntas de múltiplas escolhas

1 Os primeiros países a fazer as viagens de


descobrimento foram

A Rússia e França

B Portugal e Espanha

C Espanha e Portugal

D Bélgica e Alemanha

2 Quando Portugal chegou a Ceuta?

A 1498

B 1507

C 1515

D 1530

3 Quando foi fundada a feitoria de Sofala?

A 1498

B 1507

C 1505

4 Quando é que a Inglaterra lançou a abolição de


tráfico de escravos?

A 1787

B 1807

C 1810

49
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5. A penetração mercantil europeia, sobretudo portuguesa, foi movida


por factores de
diferentes ordens.
a) Factores Culturais, religiosos e economicos
b) Factores económicos, sociais e religiosos
c) Factores politicos, sociais e religiosos
d) Factores Culturais, Sociais e religiosos

6. O sistema de Prazos vigorou até à sua abolição legal em:


a) 1900
b) 1890
c) 1930
d) 1911

7. Ele é que detinha a última palavra em matéria do julgamento dos


litígios e das desavenças ou da nomeação do próprio chefe africano.
a) Caprazine
b) Musha
c) Muenemutapa
d) Prazero

8. O comércio de ouro de marfim configurou a base económica dos


prazos até os fins do século:
a) XVIII
b) XVI
c) XIV
d) XII

9. Entre cerca de 1450 e 1550, o Grande Zimbabwe foi abandonado


pela maior parte dos seus habitantes em:
a) 1450 e 1550
b) 1550 e 1555
c) 1555 e 1566
d) 1534 e 1564

10. O restabelecimento do domínio político Karanga no planalto pelos


Changamire na década de 1690 levou muitos portugueses a
refugiarem-se em:
a) Tete, Sena e Quelimane.
b) Tete, Nampula e Sena

50
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c) Tete, Manica e Sena


d) Tete, Quelimane e Manica

Respostas de desenvolvimentos
1. Explica as principais conquistas dos portugueses n século XVI
no que veio a se chamar colonial de Moçambique?
2. Explica a importância do ano 1807 para a abolição do tráfico de
escravos?
3. Explica o impacto global da era dos descobrimentos?

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UNIDADE TEMÁTICA 3.2. A Ocupação Portuguesa em Moçambique e os Prazos.

1. Introdução.

A formação do Império Colonial Português começou com a conquista


de Ceuta, em 1415, obedecendo a objectivos geoestratégicos,
políticos, económicos e religiosos. No caso de Moçambique, tendo
como pontos de partida Sofala e a Ilha de Moçambique, os
exploradores portugueses foram penetrando no interior do território,
estabelecendo os primeiros entrepostos comerciais e fazendo as
primeiras concessões de terras aos colonos ao longo do rio Zambeze,
como medida para obter o controlo das rotas comerciais, ao mesmo
tempo que asseguravam o povoamento do território pelos lusitanos.
Todo este processo teve, desde o início, de lutar contra as
movimentações árabes na região, conseguindo Portugal controlar
praticamente toda a costa moçambicana até ao início do século XVIII,
situação que se inverteu a partir do momento em que os portugueses
perderam.

Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

▪ Explicar a formação do sistema de prazos e as razões de declínio do sistema,


▪ Explicar a consequência do declínio do sistema de prazos da coroa.

Objectivos
Específicos

2. O sistema do prazo
Em termos cronológicos o ciclo de vida dos prazos iniciou-se
informalmente no final de quinhentos, expandindo-se no século XVII,
altura em que recebeu o primeiro enquadramento legal e a
nomenclatura, atingindo a maturidade no século XVIII. O sistema
vigorou até à sua abolição legal na década de 1930. O surgimento dos
prazos data da queda do império dos Mutapas quando Mamvura
assinou o tratado de protecção com os portugueses para aliaram‑se a
ele contra Kapararidze. A partir deste momento, a aquisição de terras
por aventureiros portugueses prosseguiu praticamente sem freios: foi
desta forma que se constituíram numerosos prazos da coroa,

52
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pertencendo a funcionários, mercadores, ordens religiosas e a


pioneiros portugueses.36

O regime do prazo era uma síntese de dois sistemas socioeconómicos.


O primeiro era aquele dos shona, cuja sociedade dividia‑se em uma
oligarquia dirigente e camponeses produtores. O segundo, que se
sobrepunha ao precedente, era o dos prazeros, reinando como classe
dominante sobre os chikunda (exércitos de escravos). Em outras
palavras, os prazeros perpetuaram o sistema sociopolítico encontrado
por eles ao chegarem à região do Zambeze. O chefe africano
continuava a exercer as funções tradicionais, porém, “sem deter, a
partir de então, a autoridade absoluta”, o prazero atribuindo a si
próprio o título de suserano. Nesse sentido, sua relação aparentava‑se
àquela existente entre o chefe e o subchefe no Império Mutapa.37

As relações de produção nos prazos eram basicamente de ordem


feudal. O chefe local pagava um tributo em gênero ao prazero: estofos
tecidos localmente, mel, tabaco, açúcar, gado de grande e de pequeno
porte marfim e ouro em pó. Na condição de chefe de facto, o prazero
adotava as práticas sociais africanas no domínio da religião e esposava
mulheres pertencentes às famílias dos chefes, a fim de dissimular sua
usurpação do poder tradicional africano, realçar sua imagem junto aos
africanos e ultrapassar a sua principal fraqueza, a saber, a sua falta de
legitimidade na política africana tradicional. Tais considerações
conduziram o professor Isaacman a propor uma teoria da
africanização, segundo a qual o prazo, como sistema fundiário
português, foi tão transformado e adaptado à situação africana que se
tornou completamente africano38. Esse processo de africanização teria
começado na virada do século XVII.39

Todavia, a teoria de Isaacman é dificilmente sustentável quando é


sabido que o sistema do prazo esteve sempre mais ou menos ligado ao
capitalismo mercantil. Como o próprio Isaacman sublinha, os prazeros

36
CAPELA, José (2002). O tráfico de escravos nos portos de Moçambique,
Porto, Afrontamento.
37
CAPELA, José. (1999). “O tráfico de escravos na ilha de Moçambique”, in
Matteo Angius; Mario Zamponi, Ilha de Moçambique: convergência de Povos
e Culturas, Repubblica di San Marino: AIEP.
38
FRENTE DE LIBERTAÇÃO DE MOÇAMBIQUE. (1971). História de
Moçambique. Porto, Afrontamento,
39
NEWITT, Malyn. (1997). História de Moçambique. Mem-Martins,
Publicações Europa-América.
53
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serviam de intermediários no comércio entre Moçambique e a Índia e,


finalmente, a Europa, pois, no século XVIII, exportaram sobretudo
marfim e escravos para o Brasil e para as ilhas francesas do
arquipélago Maurício. Assim, o sistema do prazo conservou suas
ligações económicas com a Europa e, então, podemos dizer que a
sociedade dos prazeros guardou, mesmo em sua fase decadente, algo
de não africano. Além disso, a organização interna dos prazos
comportava certos aspectos que dificilmente poderíamos qualificar de
africanos, em especial, a coexistência do colono e da chikunda
(exército de escravos). Mesmo no ápice da pretendida mutação em
instituição africana do sistema do prazo, um processo inverso estava
em curso, aquele da desafricanização das sociedades tradicionais
africanas nos prazos. Como o sistema do prazo atendia a uma
demanda interna de escravos, os prazeros reduziram seus vizinhos
africanos à escravidão e os vendiam, oprimindo colonos e escravos.
Daí o surgimento de um sistema de aringas, onde a
vida dos colonos foi tão perturbada que se tornou tênue a distinção
tradicional entre colono e escravo.40

Tem‑se afirmado que “no que concerne à administração cotidiana dos


colonos, a posição do mambo ficou praticamente inalterada”. É certo
que o mambo gozava de um certo prestígio e era obedecido por seu
povo em virtude de sua relação com as linhagens fundadoras. Como
destaca Isaacman, “quando um mambo entrava em uma aldeia, todo
trabalho parava; ele era acolhido por uma chuva de aplausos, sinal
tradicional de respeito e de deferência para com um soberano”. Mas
isso eram apenas signos exteriores. Na verdade, era o prazero quem
detinha a última palavra em matéria do julgamento dos litígios e das
desavenças ou da nomeação do próprio chefe africano.

O marfim, sobre o qual o elefante caía, não mais cabia por direito ao
mambo, nem tampouco os “pedaços escolhidos dos outros animais
mortos nas terras dele”. Mesmo o direito de distribuir a terra havia
sido usurpado pelo prazero. É, pois, impossível sustentar que “a
chegada do prazero não tenha ocasionado a destruição ou a
modificação do sistema político tradicional”. Sem dúvida ele não foi
destruído, mas consideravelmente modificado. No momento da
primeira fase da colonização de Moçambique por Portugal, os prazos
eram reservas de exploração política e económica da região pelos

40
Idem
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mercadores portugueses, implicando, necessariamente, uma


modificação das instituições políticas e sociais africanas.41

3. A expansão geográfica dos prazos.


Os prazos encontravam‑se disseminados dos dois lados do rio
Zambeze. Entretanto, havia diferenças notáveis entre os do Norte e os
do Sul. Esses últimos eram propriedade da Coroa portuguesa (terras
da coroa), o que não era o caso dos primeiros. Os prazeros que
estavam à frente das terras da Coroa deviam cumprir obrigações
devidamente especificadas. Teoricamente, uma terra da coroa não
podia ser detida por mais de três gerações e apenas podia ser
transmitida pelas mulheres: não podia exceder a três léguas de
comprimento e seu detentor devia pagar um aluguel anual.

Os detentores dos prazos do Norte não eram submetidos a nenhuma


dessas condições e adquiriam sua terra em virtude de um acordo
directo com o chefe local. Tais divergências ocasionaram grandes
diferenças de valor constatadas entre prazos de mesmas dimensões.
Além disso, era preferível estar à frente de um prazo do Norte, mais
próximo da feira do Zumbo, bem como, no século XVIII, das
explorações auríferas dos bares.42

O sistema do prazo baseava‑se no trabalho de diversas categorias de


escravos. O escravo de posto mais elevado era o chuanga48. Ele era
“os olhos e os ouvidos” do prazero e, portanto, suas funções
dependiam de sua lealdade. Cada aldeia tinha o seu chuanga, cuja
função primeira era espionar os chefes tradicionais. e cobrar taxas e
marfim. O prazero contava com ele para recolher informações sobre a
população africana local e recrutar na vizinhança chefes africanos
descontentes. O efetivo da população africana nas suas terras tinha
uma importância capital para o prazero, que, de fato, dependia dele
para a produção do ouro, para o comércio, o tributo, recebido em
gênero e, frequentemente, para suas guerras de expansão territorial.
A fim de ter sua autoridade respeitada, ele recorria a chikunda, cuja
função principal era comportar‑se como a polícia da população local,
velar pelas leis dos prazeros, bem como aniquilar os atos de rebelião.
Em geral, a chikunda podia contar com 20 a 30 homens, nos pequenos
prazos, e até com milhares, nos grandes. A chikunda era dividida em
41
CAPELA, José. (2002). O tráfico de escravos nos portos de Moçambique,
Porto, Afrontamento, 2002
42
Idem
55
UnISCED: CURSO: LICENCIATURA
Un EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

nsaka (grupos de 10 homens) colocados sob o comando de um


sachikunda, esse, por sua vez, sob as ordens de um mukazambo (chefe
de escravos). Podia ter até 20 ou 30 chefes de escravos em um prazo,
principalmente, encarregados da resolução dos litígios e da
administração do mwavi, a prova do veneno destinada a estabelecer a
culpabilidade ou a inocência de um indivíduo acusado de feitiçaria.43

4. O declínio do sistema do Prazo.


Por várias razões, o sistema do prazo declinou ao longo da segunda
metade do século XVIII. Primeiramente, a autoridade do prazero era
mal delimitada em relação à do chefe africano tradicional.
Frequentemente, o prazero aproveitava disso para abusar de seu
poder e obrigar os camponeses africanos a lhe venderem, com
exclusividade, seus produtos agrícolas, a preços artificialmente baixos;
ele os submetia também a pesados impostos, os torturava e cometia
“centenas de atrocidades sangrentas e ferozes, e assassinatos cruéis,
dos quais as autoridades governamentais nunca ficaram cientes52”.
Os colonos reagiram violentamente revoltando‑se contra sua
autoridade e até mesmo exilando‑se. Miranda chama a nossa atenção
para as tentativas de revoltas de escravos e para os mussitos (bastiões
de escravos fugitivos), por volta do final do século XVIII. Essas revoltas
e partidas trouxeram consigo o declínio da produção agrícola, a fome e
a seca. O prazero e seus exércitos de escravos contavam, para se
alimentarem, com a produção dos camponeses; a chikunda usava da
força para lhes extorquir víveres, e os colonos, mais uma vez, eixaram
os prazos para procurarem alimentos e segurança em outro lugar.44

O tráfico de escravos foi um outro factor que contribuiu para o


declínio do sistema do prazo. O tráfico marítimo de escravos conheceu
uma recrudescência nos anos 1640, após a ocupação de Angola pelos
holandeses. O abastecimento de escravos angolanos no Brasil foi
interrompido e Lisboa foi obrigada a se
voltar para a África do Sudeste. Em seguida, nos anos 1730, a
implementação da economia de plantation nas ilhas francesas
Mascarenhas criou uma demanda suplementar por escravos.
Entretanto, malgrado todas essas novas demandas, o número de

43
SERRA, Carlos (coord.). (2000). História de Moçambique: Parte I -
Primeiras Sociedades sedentárias e impacto dos mercadores, 200/300- 1885;
Parte II - Agressão imperialista, 1886-1930. Vol. 1, 2.ª edição, Maputo,
Livraria Universitária, Universidade Eduardo Mondlane.
44
idem
56
UnISCED: CURSO: LICENCIATURA
Un EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

escravos “exportados” desde o Sul do Zambeze era relativamente


modesto em 1752: 300 provenientes do Zambeze e 200 de Sofala. Um
missionário alemão que viveu na região em 1758‑1759 também
observou que “poucos escravos eram enviados além‑mar e tal destino
era julgado tão abominável que os condenados preferiam se suicidar
para se livrarem dele.”
Todavia, por volta do fim do século XVIII, o tráfico de escravos tomou
tal amplitude que os prazeros do vale do Zambeze viram nisso uma
oportunidade para se enriquecerem.45

Organizaram verdadeiras incursões nos territórios Chewa, Nsenga e


Manganja, de onde levaram caravanas inteiras de escravos. Também
começaram a vender os escravos de suas propriedades, minando,
assim, o próprio fundamento do sistema do prazo. Entretanto, o
restante da região do Zambeze, salvo o vale, foi pouco tocado pelo
tráfico de escravos. O declínio dos prazos do Sul do Zambeze foi antes
precipitado pelo crescimento, na segunda metade do século XVII, de
uma nova entidade: a dinastia Rozwi dos Changamire.

5. Sumário

Nesta Unidade temática 2.2 estudamos e discutimos


fundamentalmente a penetração portuguesa na costa e no interior de
Moçambique, particularizando as relações comerciais que foram
estabelecidas no decurso da sua ocupação. Estendeu-se a explicação
do surgimento, estrutura e decadência do sistema de prazos da coroa,
que constituíram o primeiro sistema de administração colonial
portuguesa.

6. Exercícios de Auto-avaliação

Perguntas de múltiplas escolhas

1 Localiza o tráfico de escravos em Moçambique no


Tempo.

A Séc XVI – XIX

45
Idem
57
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Moçambique Séc. XVI-XIX

B Séc XVI – XX

C Séc XVII – XIX

D Séc XVI – XVII

2 Os prazos encontravam‑se disseminados dos dois


lados do rio?

A Pungue

B Save

C Zambeze

D Buzi

3 O sistema do prazo declinou ao longo da segunda


metade do século?

A XIX

B XVIII

C XVII

D XX

4. 1607: Gatsi Lucere, Mwenemutapa reinante, cede as minas do seu


Estado aos Portugueses;
a) 1607
b) 1617
c) 1645
d) 1687

5. Mavura é baptizado e cognominado D. Filipe II, faz amplas


concessões militares, políticas e comerciais aos Portugueses;
a) 1639
b) 1629
c) 1649
d) 1650

58
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Moçambique Séc. XVI-XIX

6. As feitorias e entrepostos comerciais portugueses em Moçambique


passam para a dependência administrativa directa de Portugal,
separando-se assim das possessões coloniais portuguesas na Índia e
do seu Vice-Rei.
a)1788
b)1767
c) 1752
d) 1754

7. Saem de Moçambique, anualmente, 15 a 20 mil escravos.


a) 1815/1820
b) 1820/ 1823
c) 1823/ 1827
d) 1845/1890

8. Os Portugueses fundam a Feitoria de Zumbo;


a) 1785
b) 1745
c) 1789
d) 1720

9. Por várias razões, o sistema do prazo declinou ao longo da


segunda metade do século XX.
a) Verdadeiro
b) Falso
10. O tráfico de escravos contribuiu para o declínio do sistema do prazo.
O tráfico marítimo de escravos conheceu uma recrudescência nos
anos de
a) 1640;
b) 1630
c) 1740
d) 1741
Perguntas de desenvolvimentos

1. Explica o sistema de prazos em Moçambique.

2. Explicar a consequência do declínio do sistema de prazos


da coroa.

59
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Moçambique Séc. XVI-XIX

UNIDADE TEMÁTICA 3.3. O M’fecane e a emergência Estado de Gaza.

1. Introdução

Este mapa ilustra a ascensão do Império Zulu sob Shaka (1816-1828)


na atual África do Sul. A ascensão do Império Zulu sob Shaka forçou
outros chefes e clãs a fugir por uma grande área do sul da África. Os
clãs que fugiam da zona de guerra do Zulu incluíam Soshangane,
Zwangendaba, Ndebele, Hlubi, Ngwane e Mfengu. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Mfecane

Houve grandes mudanças intervindas ao longo dos três primeiros


quartos do século XIX na África Central, território que hoje agrupa o
Malawi, Moçambique e a Zâmbia. Ele concerne, em particular, à região
do vale do Zambeze, importante zona de trocas económicas e
culturais, cadinho onde se forjou grande número dos principais
Estados ligados à história dos povos Shona e Lunda. Em vez da história
dos principais reinos pré‑coloniais, é a região em seu conjunto que
aqui será estudada, sendo concedida uma tenção muito particular
para as mudanças provocadas, no século XIX, pela integração
progressiva da região à economia capitalista mundial e pela diáspora
nguni‑sotho.

60
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Moçambique Séc. XVI-XIX

A conjunção desses diversos elementos modificou o mapa político da


África Central e acelerou o surgimento de grandes transformações
económicas e sociais. Ainda que a tónica incida aqui sobre esses
factores externos à região, de forma alguma as sociedades autóctones
foram estáticas; a configuração interna de cada uma delas
condicionou, ao mesmo tempo, o modo inicial de interacção com os
mercadores e os invasores estrangeiros, e a direcção em que,
finalmente, as mudanças foram operadas. Uma pincelada sobre a
África Central no fim do século XVIII serve de introdução ao presente
estudo, a fim de situarmos, em suas verdadeiras perspectivas, os
acontecimentos que se seguiram.
Da mesma forma, este capítulo termina com uma breve descrição da
região, na véspera da “corrida” europeia, pois as mudanças ocorridas
no século XIX deram um outro aspecto à resistência oposta, mais
tarde, pela África Central ao imperialismo europeu.

Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

Registar: todos os factos que ocorrem como resultado das migrações Nguni,
com destaque a região que hoje compreende Moçambique;
▪ Os Impactos das migrações Nguni, para o sul de Moçambique.
Objectivos
específicos

2. A África Central na véspera do século XIX


Apesar do impacto determinante que tiveram na África Central,
podemos considerar as perturbações económicas, sobrevindas no
século XIX, e as invasões nguni‑otho, comumente chamadas Mfecane,
como pertencendo a um esquema mais abrangente de transformações
políticas e económicas anteriores ao século XIX.

Ao longo dos séculos precedentes, as migrações, a formação de


Estados e a implementação de vastas redes comerciais modificaram a
fisionomia das sociedades da África Central. O que distinguiu o século
XIX dos séculos precedentes não foi a mudança em si, mas o ritmo
relativamente rápido em que ela se deu e a extensão de suas
consequências. Bem antes do século XIX, o vale do Zambeze e as
regiões vizinhas conheceram uma grande revolução política. Por ondas
sucessivas, grupos de imigrados Shona e Lunda tinhamestabelecido

61
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Un EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

sua preeminência sobre a maior parte do território, anteriormente


ocupado por sociedades rurais de dimensões relativamente reduzidas.

Enquanto, em zonas periféricas, os tongas, no Sul de Moçambique, ou


os tumbuka e os tonga ribeirinhos do Lago Niassa (actual Lago Malawi)
tinham conseguido manter sua autonomia, a maioria das sociedades
autóctones haviam caído sob a influência dos Estados shona ou lunda.
É provável que a formação dos primeiros Estados tenha se iniciado na
região situada no Sul do Zambeze. No início do século XVI, os
imigrados de línguas shona vindos do actual Zimbabwe impuseram sua
dominação sobre a região que se estendia rumo ao Sul, das margens
do Zambeze até o Rio Save.

À frente deste poderoso reino encontrava‑se o Mwene Mutapa


(Monomotapa); dele o Império dos shona extraiu o seu nome. Ainda
que as guerras civis que se seguiram tenham reduzido o poder do
Mwene Mutapa e oferecido a vários chefes provinciais a possibilidade
de fazer secessão e de criar reinos autónomos, a hegemonia shona se
manteve em toda a região. Os mais potentes desses Estados shona
independentes – Báruè, Manica, Uteve e Changamire –continuaram a
dominar efectivamente a parte meridional do Moçambique Central,
até o século XIX.46

No interior dessa zona, a única incursão estrangeira se produziu na


margem sul do Zambeze, onde os portugueses, bem como colonos e
mercadores de Goa, estabeleceram os prazos da coroa (domínios
garantidos para a coroa) que foram nominalmente ligados ao império
colonial de Lisboa. A expansão dos povos do Catanga, parentes dos
lunda, começou um pouco mais tarde e, nos primeiros decênios do
século XIX, ainda não se tinha findado. Dois séculos mais cedo, os Lozi,
primeiros emigrados lunda, tinham se estabelecido nas férteis
planícies de inundação do Zambeze. 47

Com algumas pequenas diferenças, a estrutura dos Estados Shona e


lunda estavam fundadas em princípios similares. No cume,

46
OMER-COOPER J.D. (1966). The Zulu Aftermath A Nineteenth-Century
Revolution in Bantu Africa, London: Longman, Green and co, 1966, 208 p.
47
SERRA, Carlos (coord.). (2000). História de Moçambique: Parte I -
Primeiras Sociedades sedentárias e impacto dos mercadores, 200/300- 1885;
Parte II - Agressão imperialista, 1886-1930. Vol. 1, 2.ª edição, Maputo,
Livraria Universitária, Universidade Eduardo Mondlane.
62
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Moçambique Séc. XVI-XIX

encontrava‑se um rei, tido como possuidor de qualidades sagradas,


sejam inerentes à realeza, sejam adquiridas pelos ritos de investidura.
A estreita relação mantida pelo soberano com o sobrenatural,
santificada pelos sacerdotes do culto e pelos médiuns, assegurava a
saúde e o bem‑estar dos seus súditos, bem como a fertilidade da terra.
A inter‑relação entre a instituição real e a fertilidade reforçava a
posição do soberano como proprietário simbólico e guardião espiritual
da terra.

Portanto, o direito de distribuir a terra cabia somente a ele, direito


que constituía o fundamento da autoridade exercida pelo rei sobre
seus vassalos e seus outros súditos, sustentando, assim, um ciclo de
trocas recíprocas. Para cumprir as obrigações para com o rei,
resultantes da dívida contraída por eles ao utilizarem sua terra, e para
poder aproveitar de suas qualidades reais, os súditos deviam fornecer
certos impostos, bem como serviços e tributos fixados anteriormente,
os quais variavam de um reino ao outro. Ademais, nos dois reinos, a
maior presa de um elefante morto ia sistematicamente para o
monarca, na qualidade de proprietário da terra.

Em algumas sociedades, como as de Manica, dos lunda de Kazembe e


de Undi, ao monarca se reservava também, em princípio, o monopólio
do comércio, ao passo que, no reino de Changamire, em última
instância, ele era o proprietário de quase todo o gado. Estes tributos e
diversas ordenações alicerçavam o poder e a riqueza do monarca, que
redistribuía uma parte dessa última com seus principais tenentes, a
fim de garantir a lealdade deles.48

Nesse sentido, os Estados pré‑coloniais da África Central organizavam


a circulação dos magros recursos existentes, os quais passavam das
classes dominadas à classe dominante. Apesar destes rituais e destas
instituições unificadoras, um certo número de factores opôs‑se ao
desenvolvimento de reinos muito centralizados. Dentre os principais
factores de instabilidade figuraram as crises de sucessão crônicas na
capital real; a repugnância dos dignitários distanciados da capital para
subordinar seus interesses económicos e políticos aos da autoridade
central; as revoltas contra chefes opressores que violavam “o reinado
da lei”; a falta de homogeneidade étnica e cultural e a ausência de um
exército permanente para controlar as vastas extensões do reino. Tal

48
Idem
63
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Un EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

situação caracterizou‑se por conflitos e sucessões de carácter ao


mesmo tempo irregular e crónico. Assim, os Estados Shona de Báruè,
Manica, Uteve e Changamire apenas afirmaram sua independência
frente ao Mwene Mutapa para experimentar os mesmos problemas
em seus próprios territórios.

O mesmo ocorreu na região setentrional do Zambeze, em particular,


nos reinos de Kalonga, Undi e Lundu, do actual Malawi. Entretanto, a
fragilidade de vários desses Estados não deve mascarar a solidez das
redes comunitárias e das ligações mais locais que podiam fornecer
auxílio e assistência nos momentos difíceis. Do mesmo modo que
profundas mudanças políticas ocorreram também antes do século XIX,
complexas redes comerciais estavam em operação por toda a África
Central, bem antes da expansão que marcaria o século XIX.49

Apesar da tendência dos historiadores e dos antropólogos para


qualificar as sociedades autóctones de “sociedades de subsistência”, o
comércio de produtos de base, tais como o ferro, o sal, as vestimentas
e os grãos, era característico das economias locais e completava o
sector agrícola local. Deste modo, ainda que a maior parte dos Sena
tenha sido maioritariamente formada de agricultores, um pequeno
grupo de tecelões exportava regularmente seus tecidos a algumas
centenas de quilómetros, para a região do Zumbo e para o país dos
chewa, onde tais produtos eram muito procurados. Outrossim,
durante o século XVIII, os mercadores bisa praticaram comércio do
ferro em grande escala; os chewa de Kasungo utilizavam seus
excedentes de sal para obter enxadas tumbuka, e a economia nacional
dos lozi repousava sobre a troca de gado, peixes e de diversos artigos
manufaturados e agrícolas, entre diferentes regiões do reino. Já que a
troca dos excedentes é, desde então, algo comprovado, resta estudar
mais qual era a natureza do sistema de produção que permitia tais
excedentes.50

Este tipo de comércio local e inter‑regional, sustentado por uma


pequena actividade mineira e manufatureira, contribuiu com o
nascimento e com a manutenção de um fluxo de trocas entre o
interior do país e o litoral. Embora nossas informações sejam
fragmentárias, é claro que, ao logo dos séculos XVII e XVIII, uma rede
49
J.D. Omer-Cooper. (1978). The Zulu Aftermath: A Nineteenth-Century
Revolution in Bantu Africa, Longmans.
50
Idem
64
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Moçambique Séc. XVI-XIX

internacional edificada sobre uma justaposição de correntes


comerciais entre grupos vizinhos, alimentou com mercadorias os
portos do Oceano Índico, dominados pelos grandes negociantes
muçulmanos e indianos. Entre os produtos mais importantes
figuravam o marfim do vale do Luangwa e do
território adjacente, pertencente ao reino Undi, o ouro das minas a
Norte de Tete e das minas dos reinos de Manica e de Changamire,
bem como o cobre da região de Kafue. Tal comércio parece ter sido de
amplitude relativamente limitada e mais ou menos irregular até os
dois últimos decênios do século XVIII.51

O avanço para o Leste dos lunda do Kazembe e a aliança comercial


entre estes e o reino de Bisa, o desenvolvimento das actividades dos
mercadores Yao da costa e a expansão das actividades comerciais
chikunda dos prazos do Zambeze tenderam a elevar
consideravelmente o nível das exportações para os entrepostos do
Oceano Índico. Esses três grupos adquiriram uma quantidade
substancial de marfim e de escravos, preparando, assim, a integração
progressiva da região ao mercado mundial, que repousava quase
totalmente na troca destes dois géneros por produtos europeus
manufacturados.52

A transformação dos sistemas políticos e económicos frequentemente


engendrou mudanças paralelas na composição social e étnica das
sociedades centro‑africanas. A migração de povos estrangeiros
aparentados aos Shona e aos lunda ocasionou frequentes casamentos
entre membros dos diferentes grupos étnicos, e até mesmo esteve na
origem do surgimento de agrupamentos completamente novos, como
os sena, os tonga do Zambeze e os goba. De uma forma geral, os
imigrantes conseguiram impor à população local suas instituições de
base e seus valores. Assim, a difusão, em grande parte da região
setentrional do Zambeze, do modo lunda de organização social
fundado na realeza perpétua e em uma ordem de sucessão ao trono,
modificou a estrutura fundamental da instituição real e teve profundas
repercussões sobre seu modo de transmissão.

51
Norman Etherington, The Great Treks: The Transformation of Southern
Africa, 1815–1854, Longman, 2001:
52
Carolyn Hamilton. (1995). The Mfecane Aftermath: Reconstructive
Debates in Southern African History, Pietermaritzburg: University of Natal
Press.
65
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Un EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

Em toda parte do Sul do Zambeze, a propagação do culto mwari dos


shona e a crença nos espíritos dos ancestrais da nação (mhondoro), na
qual tal culto se apoiava, também tiveram uma importância
comparável. A introdução simultânea da língua
shona e do sistema simbólico ligado à propagação do culto mwari
modificaria radicalmente a cosmologia dos autóctones. Entretanto, a
mudança de cultura não ocorreu em um único sentido. Ainda que tal
problema necessitasse de um estudo aprofundado, está claro que os
conquistadores shona, da mesma forma que os conquistadores lunda,
adotaram certos elementos culturais das sociedades autóctones,
criando assim, na maioria dos casos, novas formas sincréticas. Os
cultos makewana e mbona dos chewa e dos lundu parecem
representar essa forma híbrida, tal como a distinção entre chefe do
território e chefe político, que foi uma característica da dominação
exercida pelos lunda do Kazembe sobre os shila.53

Por volta do fim do século XVIII, a África Central saía de uma fase
dinâmica de sua história. As migrações e as conquistas dos séculos
precedentes haviam modificado o mapa político e cultural da região,
ao passo que a importância das trocas comerciais tinha aumentado
consideravelmente. Tais mudanças, por sua vez, frequentemente
provocaram tensões entre os conquistadores e as populações
conquistadas, bem como entre os diferentes grupos económicos que
disputavam os magros recursos da região. Foi assim que, apesar de
uma certa tendência à centralização política, a situação continuou
relativamente instável e pôde ser explorada pelos mercadores
estrangeiros ou por uma nova onda de imigrantes conquistadores.54

3. As migrações Nguni e o Mfecane


Sabemos como sociedades de migrantes de língua bantu, criadores de
gado e cultivadores, familiarizados com o trabalho do ferro e seus
usos, se estabeleceram em diversas regiões da África Austral, ao Sul do
Limpopo, entre a metade e o final do primeiro milénio da era cristã. A
penetração das regiões situadas ao Sul do Limpopo pelo ramo sotho-
tswana dos bantus do Sul não ultrapassou, em geral, os limites do

53
SERRA, Carlos (coord.). (2000). História de Moçambique: Parte I -
Primeiras Sociedades sedentárias e impacto dos mercadores, 200/300- 1885;
Parte II - Agressão imperialista, 1886-1930. Vol. 1, 2.ª edição, Maputo,
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54
Idem
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planalto, estendendo‑se a Oeste do eixo formado pelos montes


Libombo e pela cordilheira do Drakensberg; por sua vez, os grupos de
língua nguni, estabeleceram‑se na zona estreita entre essas
montanhas e o Oceano Índico.

No início do século XIX, nesta região do Sul do Limpopo, havia dez a


quinze séculos que essas comunidades de língua bantu estavam
desenvolvendo uma próspera civilização da Idade do Ferro,
caracterizada por conglomerados de pequenos Estados organizados
sob a dominação política de linhagens e dinastias reais. De modo
geral, tais Estados eram povoados por camponeses que sabiam fundir
e utilizar o ferro, também eram produtores de géneros agrícolas
(sobretudo de sorgo e milhete), sendo poucos os caçadores, e, além
disso, praticavam o escambo e o comércio à longa distância.55

Os primeiros decénios do século XIX foram marcados por uma


poderosa revolução social e política, que, simultaneamente, teve por
efeito a destruição e a reedificação da organização dos Estados na
África Austral de língua bantu, bem como a transformação das
condições de existências de numerosas comunidades nos territórios
que vão dos confins da Zululândia (Natal) até o Sul da Tanzânia. Esta
revolução, denominada Mfecane (esmagamento) na língua nguni,
também é conhecida sob o nome de Difaqane (golpe de martelo) em
sotho‑tswana. Durante o Mfecane, vários Estados antigos foram
vencidos, conquistados e anexados a outros.

Alguns Estados foram arrancados de seus territórios tradicionais e


forçados a se implantar alhures. Muitos se encontraram, então,
empobrecidos e enfraquecidos. Em certos casos, as antigas dinastias
reinantes foram suplantadas, ao passo que, em outros lugares, as
populações de aldeias inteiras eram aniquiladas ou capturadas.
Entretanto, essa mesma revolução assistiu ao avanço de vastos reinos
centralizados em diversas partes da África Austral. Ela também assistiu
ao nascimento de “impérios” e de reinos servidos por organizações
militares e burocráticas de um novo tipo. Por outro lado, o Mfecane
teve como efeito a despovoação de consideráveis porções do
território da África Austral, o que facilitou, em seguida, a apropriação
da terra africana pelas comunidades migrantes de colonos brancos.
Não somente estes colonos bôeres colocaram as mãos nas partes mais

55
Idem
67
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ricas do solo africano, mas também, lançaram‑se imediatamente em


campanhas sistemáticas de roubos de rebanhos e organizaram a
escravidão dos africanos recorrendo àquilo que, por eufemismo,
chamavam de “aprendizagem”.

De um outro ponto de vista, o Mfecane teve repercussões profundas


no interior dos próprios Estados africanos, estimulou o espírito
inventivo dos chefes políticos africanos e os obrigou a se adaptarem,
tanto no plano da táctica militar quanto no que concerne à
organização política e à administração dos negócios.56

Certos Estados aos quais ele deu nascimento sobreviveram até nossos
dias e agora fazem parte da comunidade internacional. Se
considerarmos a amplitude do fenómeno, o número de reinos e a
diversidade dos povos cujo futuro foi transformado pelos
redemoinhos da grande onda do Mfecane, e se percebermos bem o
carácter fundamental e a qualidade das mudanças que ele produziu no
modo de vida e de organização da maioria dos grupos tocados por ele.
Essas, de diversas maneiras, foram levadas adiante por alguns dos
antigos generais do rei e por outros contemporâneos, em um vasto
território do Sul e, até mesmo, do Leste africano.

A fim de compreender bem a trama desta grande revolução,


primeiramente, é essencial examinar de perto as características físicas
do meio no Norte da região nguni; observar como as sociedades
adaptaram‑se às mudanças que lá intervieram, como suas próprias
actividades contribuiu para transformar o meio em quem viveram,
meio esse que, por sua vez, estimulou a reacção delas. Importa
também observar a maneira com que os chefes de certos Estados
nguni garantiram o domínio dos processos de produção e de
reprodução, a fim de poderem dispor do excedente de forças vivas,
indispensável ao poder do rei e à independência do Estado.

4. O impacto das invasões nguni, kololo e o surgimento do Estado de Gaza


Como a integração progressiva da África Central no sistema capitalista
mundial, as invasões nguni e sotho, que começaram nos anos 1820,
representaram a continuação dos processos políticos em curso,

56
SERRA, Carlos (coord.). História de Moçambique: Parte I - Primeiras
Sociedades sedentárias e impacto dos mercadores, 200/300- 1885; Parte II -
Agressão imperialista, 1886-1930. Vol. 1, 2.ª edição, Maputo, Livraria
Universitária, Universidade Eduardo Mondlane, 2000.
68
UnISCED: CURSO: LICENCIATURA
Un EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

porém, sob novas formas e em uma escala sem precedente. A


diáspora dos povos da África Austral insere‑se no quadro mais
abrangente das migrações e da formação de Estados que, há vários
séculos, haviam se iniciado. Em alguns casos, os imigrantes
estabeleceram seu domínio sobre grupos que conseguiram
permanecer fora da esfera de influência dos Estados shona e lunda.

A dominação exercida pelos gaza nguni sobre os tonga do Sul de


Moçambique ilustra esse fenómeno. Frequentemente, os invasores
impuseram sua hegemonia aos reinos existentes. De qualquer modo,
os Estados novamente conquistados compreendiam grande parte dos
territórios que actualmente formam Moçambique, o Malawi e a
Zâmbia, e estavam organizados em torno de um conjunto, único em
seu género, de instituições políticas e militares centralizadas.57

Três ondas de imigração espalharam‑se pela África Central por volta


da metade do século XIX. A primeira era constituída dos partidários
nguni de Soshangane, senhor do Império Gaza Nguni que se estendia
do Norte do Moçambique Austral até o rio Zambeze e a Oeste, até o
actual Zimbábue. A vitória de Soshangane sobre seu inimigo jurado,
Zwangendaba, em 1831, obrigou este último a emigrar para além do
médio Zambeze, estabelecendo‑se definitivamente em Mapupo, entre
o Lago Malawi e o Lago Tanganica. Quase na mesma época, os
imigrantes kololo de origem sotho, conduzidos por seu chefe
Sebetwane, emigraram, passando pelo território dos twana e pela
região do médio Zambeze, antes de se estabelecerem entre os lozi,
aos quais impuseram seu domínio.58

Não obstante, ainda que estudados aqui separadamente, esses grupos


de imigrantes apresentavam traços comuns. Todos abandonaram a
terra de seus ancestrais pelas mesmas razões: todos enfrentaram os
mesmos problemas em sua fuga para o Norte e se beneficiaram das
armas e da estratégia militar que haviam emprestado, directamente
ou indirectamente, dos zulus. Todos esses grupos foram atingidos
pelas actividades expansionistas de seus vizinhos – os gaza e os

57
UEM, Departamento de História. (1982). História de Moçambique Volume
1: Primeiras Sociedades Sedentárias e Impacto dos Mercadores. Cadernos
TEMPO. Maputo.
58
SERRA, Carlos (coord.). (2000). História de Moçambique: Parte I -
Primeiras Sociedades sedentárias e impacto dos mercadores, 200/300- 1885;
Parte II - Agressão imperialista, 1886-1930. Vol. 1, 2.ª edição, Maputo,
Livraria Universitária, Universidade Eduardo Mondlane.
69
UnISCED: CURSO: LICENCIATURA
Un EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

wangendaba sofreram as de Shaka, e os kololo, os ataques dos


tlookwa – e
encontraram‑se ameaçados de perderem seu rebanho e de serem
aniquilados.59

Como tais conflitos reduziram consideravelmente os seus efectivos,


foram obrigados a incorporar em suas fileiras um grande número de
estrangeiros, para que pudessem se tornar uma verdadeira força
militar e política. A adoção da zagaia curta zulu e o desenvolvimento
de uma técnica de guerra mais evoluída lhes permitiram adquirir
cativos mais facilmente e multiplicar suas conquistas, mesmo sendo
contestada tal dominação. Também puderam se apoderar de grandes
rebanhos, que, nas sociedades nguni e sotho, revestiam uma
importância tanto social e religiosa quanto econômica. Assim, em
termos de expansão e de aquisição de riquezas, o acesso a novas
armas era tão capital para os nguni e os sotho que para os chikunda,
os yao e os árabes‑suaílis, traficantes de escravos.

Temendo um ataque dos zulus, Soshangane e os gaza nguni que o


seguiam deslocaram‑se para o Norte, deixando a região setentrional
da Tugela para se dirigir à baía de Delagoa, em 1821. Lá, eles apenas
encontraram uma fraca resistência da parte dos chopi, organizados em
chefias relativamente pequenas, e dos portugueses, que apenas
mantinham uma presença simbólica no porto de Lourenço Marques.
No espaço de um ou dois anos, os gaza nguni estenderam o seu
domínio até o interior de Inhambane, ao passo que suas fileiras
entravam graças à chegada de outros nguni, descendentes dos
dwandwe, que foram derrotados por Shaka em 1826.60

Apesar dessas vitórias iniciais, Soshangane teve que enfrentar um


certo número de ameaças. Delas, as maiores foram os ataques dos
zulus, cujo exército encontrava‑se estacionado relativamente perto.
Após os afrontamentos militares de 1828, Soshangane deslocou o
coração de seu reino até o médio Sabi, a salvo do exército de Shaka.
Tal deslocamento provocou um confronto directo com os nguni de
Zwangendaba que, em 1831, foram várias vezes derrotados. Essas
vitórias permitiram a Soshangane consolidar suas possessões

59
Idem
60
PÉLISSIER, René. História de Moçambique: formação e oposição: 1854-
1918. 2 vols., Lisboa, Editorial Estampa, 1987-1988
70
UnISCED: CURSO: LICENCIATURA
Un EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

meridionais e estender suas fronteiras. Destacamentos gaza


marcharam então para o
Oeste, penetrando no actual Zimbabwe, onde Soshangane
estabeleceu sua capital em Chaimaite, e para o Norte, em direcção ao
vale do Zambeze.

Em meados dos anos 1830, os exércitos Gaza efectuaram ataques nos


reinos shona de Manica, Uteve e Báruè, tal como nos prazos que
haviam sobrevivido ao longo do Zambeze. Em vez de tentar incorporar
esta vasta região ao seu império, o chefe gaza contentou‑se em
espoliar os Estados shona e em arrecadar um tributo junto aos
prazeros e às autoridades portuguesas residentes nas vilas de Sena e
Tete.

O coração do império de Soshangane compreendia o Sul de


Moçambique e as regiões adjacentes no Oeste. Lá, os povos sujeitados
eram tratados duramente, obrigados a pagar impostos elevados e a
fornecer jovens recrutas aos regimentos que Soshangane recrutava
por faixa etária. Diferentemente da estratégia dos nguni de
Zwangendaba, nenhum esforço foi feito para integrar os recrutas
tonga e chopi à sociedade gaza. Em vez de atenuar as diferenças
culturais e étnicas, como era feito em outras sociedades nguni, os
regimentos recrutados por faixa etária, nos quais reinava uma
segregação étnica (eles eram comandados por oficiais nguni),
simbolizavam a inferioridade da população local. Conflitos entre a
maioria oprimida e a elite nguni estouravam periodicamente. Várias
chefias tonga, por exemplo, tentaram encontrar sua liberdade
emigrando para fora da esfera dominada pelos gaza; chefes chopi e
tonga fizeram, separadamente, alianças com os portugueses, de cujo
poder eles esperavam uma ajuda determinante.61

Entre os nguni, era comum acreditar que seus súditos desforrariam


enfeitiçando Soshangane ou procurando causar a sua morte. No
momento em que os gaza impuseram sua hegemonia, Zwangendaba e
seus partidários iniciaram um movimento migratório que durou vinte
anos, em busca de uma pátria de seu interesse. Ao longo desse
período, disputaram com os gaza a dominação da região da baía de
Delagoa, desferiram o golpe final no já dividido Império Changamire,

61
PÉLISSIER, René. (1988). História de Moçambique: formação e oposição:
1854-1918. 2 vols., Lisboa, Editorial Estampa.
71
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Un EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

estabeleceram‑se temporariamente entre os nsenga e pilharam a


margem ocidental do Lago Malawi, antes de se instalar
definitivamente em Mapupo. Em cada etapa de sua migração,
assimilavam novos adeptos. O problema da mão-de-obra era sentido
particularmente porque o grupo inicial, que compreendia trezentas
pessoas, era uma unidade política e militar pouco viável; e um grande
número de mulheres e crianças foi morto na ocasião do conflito com
Soshangane.

Em primeiro lugar, tal como os gaza, eles procuraram aumentar o


número de seus partidários, assimilando indivíduos e grupos dispersos
de origem nguni, assegurando assim que a cultura e a língua
dominantes permanecessem. Entretanto, como se distanciavam
sempre mais dos territórios nguni, Zwangendaba percebeu que para
assegurar a sobrevivência de seu grupo relativamente restrito, era‑lhe
necessário assimilar estrangeiros.62

Foi assim que, contrariamente aos zulu e aos gaza nguni,


Zwangendaba e seus conselheiros incorporaram em suas fileiras uma
multidão de povos díspares. Os isolados eram incorporados a famílias
nguni, com as quais estabeleciam relações de quase parentesco. Tais
relações tendiam a fazer esquecer seu estatuto de cativos. Em uma
certa idade, os jovens adoptados eram alistados em regimentos nguni
organizados por faixas etárias, que constituíam importantes
instituições de socialização. Os recrutas nascidos de pais estrangeiros
que se destacavam no combate podiam adquirir uma parte
importante do espólio, além de um posto e estatuto elevados.
Portanto, a rápida expansão dos nguni sob Zwangendaba ofereceu
inúmeras possibilidades e facilitou a ascensão social de um grande
número de estrangeiros que, simultaneamente, adoptaram a cultura
nguni e mudaram suas alianças. O facto de a grande maioria dos nguni
– por volta de 90% – que se estabeleceu em Mapupo nos anos 1840
ter sido, no início, de ascendência estrangeira prova o sucesso da
política de assimilação praticada por Zwangendaba.63

62
SERRA, Carlos (coord.). (2000). História de Moçambique: Parte I -
Primeiras Sociedades sedentárias e impacto dos mercadores, 200/300- 1885;
Parte II - Agressão imperialista, 1886-1930. Vol. 1, 2.ª edição, Maputo,
Livraria Universitária, Universidade Eduardo Mondlane.
63
Idem
72
UnISCED: CURSO: LICENCIATURA
Un EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

Paralelamente a tal assimilação, foi criada uma estrutura política


altamente centralizada, capaz de administrar a comunidade em
expansão. Mudou a concepção da realeza entre os nguni, passando da
concepção de uma realeza fundada na ancianidade e de autoridade
limitada, em um conjunto bastante frouxo de aldeias aliadas, a uma
realeza em que o chefe era a personificação do Estado e a autoridade
suprema. Os regimentos organizados por faixas etárias tornaram‑se,
simultaneamente, o exército do rei; os chefes militares tornaram‑se
meros executores nomeados por Zwangendaba e responsáveis
perante ele. Dado que os regimentos estavam organizados por faixas
etárias e não em uma base territorial, os chefes provinciais não
dispunham da capacidade militar suficiente para fazer secessão.
Quando Zwangendaba morreu, o Estado nguni havia se tornado uma
potência importante da África Central.64

A morte de Zwangendaba marcou o fim da fase de expansão e do


desenvolvimento nguni. A querela de sucessão que se seguiu foi
particularmente acirrada e tendeu ao esfacelamento do reino em
alguns fragmentos de grandes dimensões e em muitos outros
menores. As veleidades de expansão de cada um deles foram aqueles
dos bemba, dos lunda e dos fipa, em direcção ao Norte e, por outro
lado, pela crescente presença de destacamentos bem armados de
árabes‑suaílis, yao e chikunda. Todavia, elegendo por fim as
comunidades mais fracas do Sul como alvo, dois dos reinos sucessores
de Zwangendaba foram capazes de ocupar importantes territórios em
1870. Os penzeni nguni aproveitaram da fraqueza das chefias nsenga,
que ainda não tinham se recuperado completamente dos ataques de
Zwangendaba, para impor sua autoridade no Sudoeste do planalto do
Malawi– zona isenta da mosca tsé‑tsé –, onde se encontra
actualmente Fort Jameson (Chipata).

Os mbwela estabeleceram‑se no território que antes pertencera aos


Tumbuka, Tonga e Henga. Nos dois casos, outros regimentos que, em
seguida, se juntaram aos Estados recém‑criados, engrossaram suas
fileiras. Enquanto os Mpezeni faziam novos recrutamentos, um antigo
escravo de ascendência Nsenga, Ciwere Ndhlou, que havia se tornado
um oficial muito conhecido, declarou sua independência e organizou
um reino independente, no actual distrito de Dowa. Ciwere Ndhlou
deu seu nome a esse reino. Além desses três ramos, os gwangara,

64
Idem
73
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Un EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

outro ramo oriundo do então Estado de Zwangendaba, invadiram a


Tanzânia, onde derrotaram os maseko nguni. Estes fugiram para o Sul,
atravessaram o Rovuma e, no final dos anos 1860, se estabeleceram
nos planaltos da cadeia de montanhas Kirk.65

Em linhas gerais, a migração dos kololo foi semelhante à dos nguni de


Zwangendaba. Fugindo para o Norte a partir de Dithakong, os kololo
se chocaram com um certo número de inimigos, dentre os quais os
tswana e os ndebele, que muitas vezes os derrotaram. A contínua
ameaça dos ndebele convenceu Sebetwane a atravessar o Zambeze e
a se dirigir para o Oeste; ele alcançou a fronteira do reino lozi em
torno de 1835. Não obstante seu poder aparente, os lozi eram
particularmente vulneráveis. A morte de Mulambwa, que reinou
durante quase cinquenta anos, não só criou um vazio político, mas
também provocou uma luta intensa no coração do reino. Ademais, a
hostilidade para com os lozi era particularmente viva nas províncias
distantes, entre os povos dominados que estavam pouco propensos a
defender o regime estrangeiro e autoritário dos lozi de uma invasão
exterior. Por isso, os kololo apenas encontraram a oposição de um só
ramo da família real e, em menos de quatro anos, eles conseguiram se
apoderar do vasto reino lozi.66

Sendo os Lozi mais numerosos do que os Kololo e seus súditos, uma


vez no poder, os Kololo confrontaram‑se com o delicado problema da
assimilação dos primeiros à sociedade Sotho e, assim, da manutenção
de sua posição dominante. O fato de cada povo ignorar a língua do
outro e a extrema diversidade de seus sistemas culturais complica esse
processo de integração social e política. A fim de realizar a união dos
diferentes elementos de seu reino, Sebetwane aliou‑se, pelo
casamento, a grandes famílias locais; por todo o Estado, encorajou a
população a adoptar o Kololo como língua nacional; recusou aos seus
partidários kololo o estatuto de minoria dominante; poupou a vida dos
membros da família real lozi e declarou publicamente que “todos
eram filhos do rei”. Tais gestos simbólicos acompanharam‑se de
políticas específicas que associaram os lozi ao governo de Sebetwane e

65
SERRA, Carlos (coord.). (2000). História de Moçambique: Parte I -
Primeiras Sociedades sedentárias e impacto dos mercadores, 200/300- 1885;
Parte II - Agressão imperialista, 1886-1930. Vol. 1, 2.ª edição, Maputo,
Livraria Universitária, Universidade Eduardo Mondlane.
66
Idem
74
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Un EM ENSINO DE HISTÓRIA; 30 Ano -Disciplina/Módulo: História de
Moçambique Séc. XVI-XIX

garantiram a um certo número de dirigentes locais a manutenção de


seus postos na nova administração territorial.67

Logo no início, a política de assimilação de Sebetwane conheceu um


sucesso considerável. O kololo tornou‑se rapidamente a língua franca
na maior parte do reino; e os lozi, que viviam nas planícies de
inundação ao longo do Zambeze, começaram a adoptar a
nomenclatura kololo. Provaram sua fidelidade ao defender a
comunidade contra os diversos ataques dos naba nguni e dos ndebele.
A vitória sobre os ndebele garantiu a tranquilidade na fronteira
sudoeste e permitiu a Sebetwane consagrar todos os seus esforços à
consolidação do reino e à aquisição de armas junto aos comerciantes
angolanos, a fim de reforçar a capacidade militar do Estado. Contudo,
vários factores acabaram pondo em xeque essa estratégia de
assimilação. Em 1863, a morte de Sebetwane provocou uma luta
acirrada pela sucessão ao trono, dividindo a comunidade kololo. Tal
conflito mostrou a fragilidade da comunidade, que já se encontrava
menos numerosa em razão dos danos causados pela malária. Em uma
posição relativamente fraca, o novo rei Sekelutu adotou, entretanto, o
oposto da política conciliadora de seu pai e impôs um regime
autoritário antilozi. Ele expulsou os lozi da administração, colocou um
fim nas alianças locais e deixou seus subordinados se transformarem
em uma minoria dominante. Como era de se prever, os lozi se
revoltaram em 1864, sob a direcção de membros da família real no
exílio. Em algumas semanas, eles libertaram sua pátria e mataram
praticamente todos os homens kololo.68

Esse levantamento popular não eliminou totalmente a influência


kololo do vale do Zambeze. Alguns anos mais cedo, um pequeno grupo
de kololo acompanhara David Livingstone em sua descida pelo
Zambeze, em direcção ao Leste, e estabelecera‑se entre os manganja.
Logo, sua inflexível oposição ao tráfico de escravos, assim como sua
reputação de soldados, tornou‑nos populares. Com a ajuda das armas
europeias fornecidas por Livingstone, os kololo rechaçaram os ataques
que os yao e os árabes da costa efectuavam a fim de capturarem
escravos, para o alívio de seus hospedeiros manganja. Sob a direcção
de Maluka e Ramukkan, os kololo não tardaram a desempenhar um

67
Idem
68
UEM, Departamento de História, (1982). História de Moçambique Volume
1: Primeiras Sociedades Sedentárias e Impacto dos Mercadores. Cadernos
TEMPO. Maputo.
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Moçambique Séc. XVI-XIX

papel mais activo na política da região do Shire. Com a ajuda de seus


aliados manganja, derrotaram muitos dos grandes chefes, bem como o
lundu regente, Tsagonja, então senhor de todo o território manganja.
Este processo de conquista e de incorporação durou vários anos,
porém, em 1870, eles implementaram um Estado kololo dividido em
seis regiões, cada uma dirigida por um chefe que gozava de uma
grande autonomia. Nos dois decénios seguintes, os kololo
continuaram sendo a força dominante no vale do Shire, cuja posição
apresentava um interesse estratégico.69

Tal transtorno no mapa político da África Central constitui o resultado


mais importante da diáspora nguni‑sotho. Os imigrantes formaram
vários reinos que dominaram uma importante parte da região. Ao
longo desse processo, não só incorporaram um grande número de
comunidades locais, como também causaram prejuízos irreparáveis a
vários grandes Estados, notadamente aos Estados rozwi, undi e lundu.
A organização dos Estados nguni e, em menor medida, dos Estados
kololo representava uma mudança notável em relação às formas
políticas precedentes. As novas comunidades eram menores, de
densidade mais elevada, e notavelmente mais centralizadas. Aquilo
que os distinguia muito particularmente era a instituição do regimento
por faixas etárias, que sustentava o poder real e facilitava a expansão
nguni e a incorporação de povos díspares.

Apesar de suas importantes aquisições territoriais, os invasores


sul‑africanos sofreram um certo número de derrotas militares. Os
mpezeni nguni, por exemplo, passaram quase dez anos tentando
derrotar os bemba. Seu fracasso reflectia a incapacidade mais geral
dos descendentes nguni de penetrar os territórios dos poderosos
Estados do Norte do lago Malaui e do Rovuma. À excepção dos
gwangara, os diferentes ramos do povo nguni foram obrigados a se
retirar em direcção ao Sul, onde encontraram uma oposição
espantosamente tenaz. A chefiachewa de Mwaze Kazungo, assim
como os senga, rechaçou as invasões nguni, ao longo dos anos 1860 e
1870. No Sul do Zambeze, periódicas incursões gaza chocaram‑se com
uma contínua resistência do povo báruè, os quais conseguiram
rechaçá‑los e conservar sua independência.70

69
Idem
70
UEM, Departamento de História. (1982). História de Moçambique Volume
1: Primeiras Sociedades Sedentárias e Impacto dos Mercadores. Cadernos
TEMPO. Maputo.
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Moçambique Séc. XVI-XIX

Mesmo no interior das regiões conquistadas, a hegemonia dos


invasores sempre foi contestada. Ao longo dos anos 1870, os tonga
das margens do lago, os tumbuka e os henga se revoltaram contra os
mbwela nguni, que eram vistos como estrangeiros intrusos. O Estado
gaza sofreu também levantamentos populares dos súbditos tonga e
chopi, dentre os quais alguns chegaram a se aliar aos portugueses para
tentar adquirir sua independência. Foram os lozi que organizaram a
mais sucedida insurreição: expulsaram os kololo e libertaram sua
pátria.71

As profundas transformações sociais e culturais ocorridas em toda a


região estavam inextricavelmente ligadas ao processo de formação do
Estado nguni. Apesar da incorporação de milhares de cativos e dos
povos dominados, as grandes linhas e o ritmo de aculturação de
milhares de cativos variaram consideravelmente de um grupo vassalo
a outro. De forma geral, o processo de assimilação foi mais rápido
durante a fase expansiva da migração do que durante a última fase de
sedentarização, quando os imigrantes já perderam seu poder e
prestígio, sendo o espólio mais limitado e a população autóctone mais
numerosa. Assim, os nguni de Zwangendaba viram suas fileiras
aumentarem em progressão geométrica, durante todo o tempo que
durou sua migração para o Norte, através das fragmentadas
comunidades encontradas por eles. Porém, o seu sucesso foi muito
menos evidente quando eles se dividiram em diferentes clãs
autônomos, uma vez estabelecidos em suas novas pátrias. Um
fenômeno análogo se produziu entre os kololo.72

O modo de aculturação dependia também das diferentes maneiras


com que as culturas tinham entrado em contacto umas com as outras.
Em um extremo, havia o caso dos nguni de Zwangendaba: a população
dominada adoptou a cultura e a identidade dos invasores
estrangeiros. No outro, o caso dos imigrantes kololo: estabeleceram a
supremacia sobre os manganja, mas foram totalmente absorvidos pela
sociedade vassala. Entre esses dois polos, encontramos os exemplos
mais comuns de influência recíproca, conduzindo, em certos casos, à
formação de culturas sincréticas. Mesmo vencidos, os kololo

71
Idem
72
SERRA, Carlos (coord.). (2000). História de Moçambique: Parte I -
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Moçambique Séc. XVI-XIX

exerceram uma influência sobre os lozi, os quais adoptaram a língua e


as principais instituições governamentais dos primeiros. Por outro
lado, no interior do reino mpenzeni, todos os elementos políticos da
nova sociedade eram de origem sul‑africana, ao passo que os
elementos culturais não políticos, como a herança da terra, a arte da
guerra, a excisão feminina e a língua, eram fortemente influenciados
pela tradição nacional nsenga. Tal dicotomia não tem nada de
surpreendente, pois o reino mpenzeni obedecia a instituições políticas
e militares destinadas a assegurar a preeminência dos nguni. Factores
de ordem espacial e demográfico parecem ter determinado, no início,
a extensão dos empréstimos culturais no interior do Estado mbwela
nguni. No coração do reino, onde os nguni eram
mais numerosos, os tonga e os tumbuka adoptaram a maior parte dos
aspectos da cultura estrangeira. Porém, quanto mais se avançava para
as províncias distantes, mais estes empréstimos diminuíam. Este
esquema geral se complicou um pouco devido à adoção, pelos nguni,
do tumbuka como língua nacional e ao renascimento cultural tumbuka
que se seguiu, o que faz pensar que vários povos dominados apenas
abraçaram superficialmente a cultura nguni.

Ainda que as obras consagradas a este assunto silenciem,


manifestamente, a influência que o Mfecane exerceu sobre a
estratificação da sociedade, indicações fragmentárias levam a pensar
que novas classes se desenvolveram no seio do reino. Durante a fase
de expansão, uma elite militar se constituiu, composta de
comandantes de regimento e de seus principais oficiais. Sua potência
repousava sobretudo nos tributos e no espólio que eles adquiriam,
notadamente os rebanhos e os cativos, dos quais uma parte era
distribuída aos seus partidários. De um ponto de vista económico, sua
posição dominante assemelhava‑se estreitamente à da aristocracia
que, ao se apropriar dos excedentes, governava os Estados vizinhos
conquistados e detinha o comércio de marfim e de escravos.73

Quando os Nguni se estabeleceram no Norte do Zambeze, as


possibilidades de espólio tornaram‑se mais raras. Enquanto sua elite
militar continuava arrecadando um tributo das populações
submetidas, eles começaram a explorar os seus escravos a fim de

73
SERRA, Carlos (coord.). (2000). História de Moçambique: Parte I -
Primeiras Sociedades sedentárias e impacto dos mercadores, 200/300- 1885;
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Moçambique Séc. XVI-XIX

assegurar uma fonte contínua de riqueza. Parece que estas


sociedades, em vez de incorporar os cativos e os estrangeiros e de lhes
oferecer possibilidades de promoção social, os reduziram a um estado
permanente de servidão. As elites mbwela, maseko e mpezeni todas
conservaram quantidades consideráveis de escravos (abafo) para
trabalharem em seus campos. Outros escravos eram empregados
como caçadores e ferreiros para seus senhores.

O facto de haver coincidência entre etnia e classe social permite


pensar que a resistência oposta aos nguni não deve ser analisada
simplesmente em termos de conflito entre etnias. A princípio, os
imigrantes nguni e sotho apenas desempenharam um papel indirecto
no comércio de escravos. Se suas campanhas militares favoreceram,
sem dúvida alguma, a pilhagem dos árabes e dos suaílis, por outro
lado, nada indica que eles tenham concluído uma aliança comercial
com os negreiros. De todos os grandes chefes nguni e kololo, somente
Mpenzeni, Soshangane, Sebetwane e o chefe maseko Chikuse
exportaram escravos; nesses quatro casos, as transacções
continuaram limitadas e esporádicas. De uma maneira geral,
escolheram utilizar os cativos entre eles e, por isso mesmo, reforçar
sua posição política e econômica em vez de vender escravos a
qualquer comunidade comerciante. Todavia, suas actividades de
predadores provocaram consideráveis perturbações em numerosas
sociedades da África Central. Para as comunidades do Norte do
Zambeze que mais sofreram com as incursões dos negreiros, os
ataques nguni agravaram os problemas de estagnação rural e o
processo de subdesenvolvimento.74

5. Sumário

Nesta Unidade temática 2.3 estudamos e discutimos


fundamentalmente a natureza da revolução surgida entre os nguni e
tornada célebre pelas campanhas militares e pelas transformações
sociopolíticas conduzidas pelo rei zulu Shaka.

74
J. F. ADE AJAYI. História geral da África - Vol. VI - África do século XIX à
década de 1880
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Moçambique Séc. XVI-XIX

6. Exercícios de Auto-avaliação

Perguntas de múltipla escolha

1 As invasões nguni‑otho reference a:

A Mfecane

B Bantu

C Ngungunhane

D Zulu

2 A Palavra Mfecani na língua nguni significa?

A Guerra

B Esmagamento

C Victória

D Luta

3 As invasões nguni e sotho começaram no ano


de?

A 1820

B 1720

C 1620

D 1568

4. Quando ocorreram as grandes migrações


bantu?
A. Séc. 2000/3000 DC
B. Séc. 200/300 DC
C. Séc. 200/300 AC
D. Séc. 201/305 AC

80
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Moçambique Séc. XVI-XIX

5. Antes do séc. VII foram estabelecidos


Entrepostos comerciais pelos?
A. Turcos
B. Árabes – persas
C. Suahil-árabes
D. Portugueses

6. O reino do Zimbabwe formou-se entre?

A. Séculos II e III.

B. 1250- 1450

C. 1250-1540

D. 1240- 1520

7. A linhagem Bantu fundadora de Zimbabwe era:

A. Shona

B. Khoisan

C. San

D. Khoi-khoi

8. O Império de Mwenemutapa existiu no intervalo de tempo


compreendido entre:

A. 1440-1540

B. 1440-1450

C. 1450-1540

D. 1345 - 1500

9. Quando Portugal chegou a Ceuta?

A. 1498

81
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Moçambique Séc. XVI-XIX

B. 1507

C. 1515

D. 1530

10. Quando foi fundada a feitoria de Sofala?

1498

1507

1505

Perguntas de desenvolvimento
1. Explica o impacto Directo do Mfcane para Moçambique?
2. Explica a consequência directa da morte do Sochangane?
3. Explica as razões do Mfecane?

82
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Moçambique Séc. XVI-XIX

TEMA – IV: A CONFERÊNCIA DE BERLIM, PARTILHA EUROPEIA E REFLEXOS EM MOÇAMBIQUE.

UNIDADE Temática 4.1. As teorias de ocupação colonial europeia em


África.
UNIDADE Temática 4.2. A conferência de Berlim sobre a África
(1884‑1885).
UNIDADE Temática 3.3. A conquista militar portuguesa em
Moçambique e os primeiros focos de resistência (1885‑1902).
UNIDADE Temática 4.3. EXERCÍCIOS deste tema

UNIDADE TEMÁTICA 4.1. As teorias de ocupação colonial Europeia em África.

1. Introdução.

Na história da África jamais se sucederam tantas e tão rápidas


mudanças como durante o período entre 1880 e 1935. Na verdade, as
mudanças mais importantes, ocorreram num lapso de tempo bem
mais curto, de 1880 a 1910, marcado pela conquista e ocupação de
quase todo o continente africano pelas potências imperialistas e,
depois, pela instauração do sistema colonial. A fase posterior a 1910
caracterizou‑se essencialmente pela consolidação e exploração do
sistema.
O desenvolvimento desse drama foi verdadeiramente espantoso, pois
até 1880 apenas algumas áreas bastante restritas da África estavam
sob a dominação direta de europeus. África setentrional, em 1880, os
franceses tinham colonizado apenas a Argélia. Da África oriental, nem
um só palmo de terra havia tombado em mãos de qualquer potência
europeia, enquanto, na África central, o poder exercido pelos
portugueses restringia‑ se a algumas faixas costeiras de Moçambique
e Angola. Até 1880, em cerca de 80% do seu território, a África era
governada por seus próprios reis, rainhas, chefes de clãs e de
linhagens, em impérios, reinos, comunidades e unidades políticas de
porte e natureza variados.
Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

▪ Registar: analisar e descrever as principais teorias que ditaram a


colonização em África;
▪ Explicar o caminho de ocupação até a Conferência de Berlim
Objectivos

83
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Moçambique Séc. XVI-XIX

Específicos

2. A partilha da África e o novo imperialismo: exame das diferentes principais Teorias 75

Diversas teorias foram usadas por diversas escolas para explicar as


razões, factores e necessidades de ocupação e colonização da África
pelos europeus. Algumas teorias não foram muito desenvolvidas,
destas: as teorias psicológicas, diplomáticas, prestígio nacional,
equilíbrio de forcas, e teoria da dimensão africana. No entanto,
algumas teorias principais foram explicadas nesta unidade.

3. A teoria económica
Essa teoria conheceu vicissitudes de toda sorte. Quando o comunismo
ainda não constituía ameaça ao sistema capitalista ocidental, ninguém
punha realmente em dúvida a base económica da expansão
imperialista. Não é, pois, casual o sucesso da crítica de Schumpeter à
noção de imperialismo capitalista. Entre especialistas não marxistas.
Os repetidos ataques a essa teoria apresentam hoje resultados cada
vez menos concludentes. Em consequência, a teoria do imperialismo
económico, sob forma modificada, volta a encontrar aceitação.

Que se deve entender por imperialismo económico? As origens


teóricas da noção remontam a 1900, quando os social‑democratas
alemães colocaram na ordem do dia do congresso anual do seu
partido, realizado naquele ano em Mainz, a Weltpolitik, ou seja, a
política de expansão imperialista em escala mundial. Foi lá que, pela
primeira vez, Rosa Luxemburgo apresentou o imperialismo como o
último estágio do capitalismo. Foi lá também que George Ledebour76
fez observar que: “a essência da Weltpolitik era o impulso profundo
que conduz todos os capitalismos a uma política de pilhagem, a qual
leva o capitalismo europeu e o americano a instalarem‑se no mundo
inteiro”.77

Adoptando livremente as teses centrais dos social˗democratas


alemães, assim como as de Hobson, V. I. Lênin salientava que o novo

75
Para todo esse capitulo ler o livro J. F. ADE AJAYI. História geral da
África - Vol. VI - África do século XIX à década de 1880
76
J. F. ADE AJAYI. História geral da África - Vol. VI - África do século XIX à
década de 1880
77
Idem
84
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Moçambique Séc. XVI-XIX

imperialismo caracterizava‑se pela transição de um capitalismo de


orientação “pré‑monopolista”, “no qual predomina a livre
concorrência”, para o estágio do capitalismo monopolista
“intimamente ligado à intensificação da luta pela partilha do mundo”.
Assim como o capitalismo de livre concorrência prosperava
exportando mercadorias, o capitalismo monopolista prosperava
exportando capitais derivados dos superlucros acumulados pelo cartel
dos bancos e da indústria. Segundo Lênin, é esse o estágio final do
capitalismo. Concordando com Rosa Luxemburgo, e em contradição
com Hobson, Lênin acreditava estar o capitalismo destinado à
autodestruição, pois, tendo finalmente partilhado o mundo entre si, os
capitalistas, convertidos em pessoas que vivem de rendas, parasitas,
sustentados pelos lucros de seus investimentos, estariam ameaçados
pelas nações jovens, que exigiriam uma nova partilha do mundo. Os
capitalistas, sempre ávidos, recusariam. O conflito, portanto, não
poderia ser atalhado senão por uma guerra, no fim da qual os
capitalistas seriam obrigatoriamente vencidos. A guerra, portanto, é a
consequência inevitável do imperialismo e trará consigo a morte
violenta do capitalismo.

4. O darwinismo social
A obra de Darwin78, A origem das espécies por meio da seleção
natural, ou a conservação das raças favorecidas na luta pela vida
publicada em inglês em novembro de 1859, parecia fornecer caução
científica aos partidários da supremacia da raça branca, tema que,
depois do século XVII, jamais deixou de estar presente, sob diversas
formas, na tradição literária europeia. Os pós‑darwinianos ficaram,
portanto, encantados: iam justificar a conquista do que eles
chamavam de “raças sujeitas”, ou “raças não evoluídas”, pela “raça
superior”, invocando o processo inelutável da “selecção natural”, em
que o forte domina o fraco na luta pela existência. Pregando que “a
força prima sobre o direito”, eles achavam que a partilha da África
punha em relevo esse processo natural e inevitável. O que nos
interessa neste caso de flagrante chauvinismo racista – já qualificado,
e com muita razão, de “albinismo” – é que ele afirma a
responsabilidade das nações imperialistas. Resta concluir que o
darwinismo social, aplicado à conquista da África, é mais uma
racionalização tardia que o móvel profundo do fenômeno.
78
Darwin, Charles (1859). "On the Origin of Species by Means of Natural
Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for
Life" (1st ed.). London: John Murray.
85
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5. Atavismo social
Foi Joseph Schumpeter o primeiro a explicar o novo imperialismo em
termos sociológicos. Para ele, o imperialismo seria a consequência de
certos elementos psicológicos imponderáveis e não de pressões
económicas. Seu raciocínio, exposto em termos antes humanistas do
que da preponderância racial europeia, funda‑se no que ele considera
ser um desejo natural do homem: dominar o próximo pelo prazer de
dominá‑lo. Essa pulsão agressiva inata seria comandada pelo desejo
de apropriação, próprio do ser humano. O imperialismo seria,
portanto, um egoísmo nacional colectivo: “a disposição, desprovida de
objectivos, que um Estado manifesta de expandir‑se ilimitadamente
pela força”. O novo imperialismo, por conseguinte, seria de carácter
atávico, quer dizer, manifestaria uma regressão aos instintos políticos
e sociais primitivos do homem, que talvez se justificassem em tempos
antigos, mas certamente não no mundo moderno.

Schumpeter demonstra então como, pela sua própria natureza, o


capitalismo seria “anti-imperialista” e benevolente. Dirigido por
empresários inovadores, seria totalmente oposto às motivações
agressivas e imperialistas das antigas monarquias e classes de
guerreiros, cujas ambições não teriam objectivos precisos. Ao
contrário destas, o capitalista teria objectivos claramente definidos e
por isso seria inteiramente hostil aos comportamentos atávicos
próprios de antigos regimes. Assim, conclui Schumpeter, a explicação
económica do novo imperialismo, baseada no desenvolvimento lógico
do capitalismo, é falsa. Por mais sedutora que seja, essa tese
apresenta um defeito grave: é nebulosa e histórica. As teorias
psicológicas, embora possam conter algumas verdades que ajudam a
compreender a partilha da África, não conseguem explicar por que
essa partilha se deu num determinado momento histórico. No
entanto, fornecem elementos para explicar por que a partilha foi
possível e considerada desejável.

6. Estratégia global
Uma terceira escola sustenta que o interesse da Europa pela África – o
qual provocou a invasão e a partilha – era de facto ditado por uma
estratégia global e não pela economia. Os grandes defensores dessa
teoria, Ronald Robinson e John Gallagher, que acentuam a
importância estratégica, para o Reino Unido, do eixo África‑Índia,

86
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atribuem a responsabilidade da partilha à influência dos movimentos


atávicos “protonacionalistas” na África, que ameaçavam os interesses
estratégicos globais das nações europeias. Essas “lutas românticas e
reaccionárias” – galantes anacronismos, na opinião deles – teriam
compelido os relutantes estadistas europeus, até então contentes com
o exercício de uma discreta hegemonia e o recurso à persuasão, a
partilhar e conquistar a África contra a vontade. Portanto a África teria
sido ocupada, não porque tivesse riquezas materiais a oferecer aos
europeus – pois então não tinham valor do ponto de vista económico
–, mas porque ameaçava os interesses dos europeus alhures.

Um objectivo básico tanto das teorias psicológicas como das


diplomáticas, a elas aparentadas, é acabar com a ideia de que a
partilha da África se deve a motivos económicos. Mas a tese do
prestígio nacional mostra‑se pouco convincente precisamente quando
os factores económicos a ele concomitantes são eliminados ou
minimizados demais. Carlton Hayes, por exemplo, documentou
pormenorizadamente a guerra tarifária a que se lançaram as nações
europeias durante o período crucial da partilha.

7. O início da corrida
Malgrado a considerável influência que, no final do terceiro quartel do
século XIX, exerciam as potências francesa, inglesa, portuguesa e
alemã, bem como os interesses comerciais que detinham em
diferentes regiões da África, seu controle político directo era muito
reduzido. A Alemanha e sobretudo o Reino Unido exerciam sua
influência como queriam, e nenhum estadista em sã consciência
optaria espontaneamente por incorrer em gastos e se expor aos riscos
imprevistos de uma anexação formal, podendo extrair as mesmas
vantagens de umcontrole indirecto. “Recusar‑se a anexações não
significa relutar ao exercício do domínio”, já se disse com boa razão.
Isso explica tanto a conduta de Salisbury e Bismarck como a da maior
parte dos protagonistas da partilha essa conduta, porém, começa a
mudar depois de três importantes acontecimentos verificados entre
1876 e 1880.

O primeiro foi o novo interesse que o duque de Brabante, coroado rei


dos belgas em 1865 (sob o nome de Leopoldo I), demonstrava pela
África, o que se expressou na chamada Conferência Geográfica de
Bruxelas, por ele convocada em 1876, a qual redundou na criação da

87
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Associação Internacional Africana e no recrutamento de Henry Morton


Stanley, em 1879, para explorar os Congos em nome da Associação.
Essas medidas culminaram na criação do Estado Livre do Congo, cujo
reconhecimento por todas as nações europeias Leopoldo obteve antes
do término das deliberações da Conferência de Berlim sobre a África
ocidental. As atividades de Portugal, a partir de 1876, constituíram a
segunda série de acontecimentos importantes. Melindrado por só ter
sido convidado para a conferência de Bruxelas no último minuto,
Portugal deu início a uma série de expedições que levaram a coroa
portuguesa a anexar, em 1880, as propriedades
rurais afro‑portuguesas de Moçambique, até então quase
independentes.

Assim, para os portugueses e para o rei Leopoldo, a Corrida começou


em 1876. O terceiro e último acontecimento a rematar a partilha foi,
sem dúvida alguma, o carácter expansionista da política francesa entre
1879 e 1880, manifestado pela participação da França junto com o
Reino Unido no controle do Egipto (1879), pelo envio de Savorgnan de
Brazza ao Congo, pela ratificação de tratados com Makoko, chefe dos
Bateke, bem como pelo restabelecimento da iniciativa colonial
francesa tanto na Tunísia como em Madagáscar. A acção de Portugal e
França entre 1876 e 1880 indicava claramente que estavam
comprometidos na exploração colonial e na instauração de um
controle formal na África. Isto obrigou finalmente o Reino Unido e a
Alemanha a abandonar sua preferência pelo controle informal em
favor de um domínio efectivo, o que os levou a anexar territórios na
África oriental, ocidental e meridional a partir do final de 188337. A
Alemanha, por exemplo, anexou o Sudoeste Africano, o Togo,
Camarões e a África Oriental Alemã, contribuindo com isso para
acelerar o processo da partilha.

No início da década de 1880, no auge da partilha dos territórios,


Portugal, receando ser alijado da África, propôs a convocação de uma
conferência internacional com o fito de resolver os litígios territoriais
na África central. Parece evidente, à luz do que acabamos de dizer,
que não foi a ocupação inglesa do Egipto em 1882 que desencadeou a
corrida, como afirmaram Robinson e Gallagher, mas os
acontecimentos que se desenrolaram em diferentes partes da África
entre 1876 e 1880.

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UNIDADE TEMÁTICA 4.2. A conferência de Berlim sobre a África (1884‑1885)

1. Introdução.

A ideia de uma conferência internacional que permitisse resolver os


conflitos territoriais engendrados pelas actividades dos países
europeus na região do Congo foi lançada por iniciativa de Portugal,
mas retomada mais tarde por Bismarck, que, depois de ter consultado
outras potências, foi encorajado a concretizá‑la.
A conferência realizou‑se em Berlim, de 15 de novembro de 1884 a 26
de novembro de 1885. À notícia de que seria realizada, a corrida à
África intensificou‑se. A conferência não discutiu a sério o tráfico de
escravos nem os grandes ideais humanitários que se supunha
terem‑na inspirado. Adotaram‑se resoluções vazias de sentido,
relativas à abolição do tráfico escravo e ao bem‑estar dos africanos.
Em contrário, a ocupação efectiva de africa pelas potências colonias
foram decididas.
Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

▪ Descrever as principais decisões advindas da conferencia de Berlim e os


contornos sobre a ocupação de Moçambique.

Objectivos
específicos

4. A Conferência de Berlim
A conferência, que, inicialmente, não tinha por objetivo a partilha da
África, terminou por distribuir territórios e aprovar resoluções sobre a
livre navegação no Níger, no Benue e seus afluentes, e ainda por
estabelecer as “regras a serem observadas no futuro em matéria de
ocupação de territórios nas costas africanas.

Por força do artigo 34 do Ato de Berlim79, documento assinado pelos


participantes da conferência, toda nação europeia que, daí em diante,

79
Ata Geral da Conferência de Berlim». Consultado em 16 de agosto de
2017. Arquivado do original (PDF) em 29 de outubro de 2013
89
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Moçambique Séc. XVI-XIX

tomasse posse de um território nas costas africanas ou assumisse aí


um “protetorado”, deveria informá‑lo aos membros signatários do
Ato, para que suas pretensões fossem ratificadas. Era a chamada
doutrina das esferas de influência, à qual está ligado o absurdo
conceito de hinterland. A doutrina foi interpretada da seguinte forma:
a posse de uma parte do litoral acarretava a do hinterland sem limite
territorial. O artigo 35 estipulava que o ocupante de qualquer
território costeiro devia estar igualmente em condições de provar que
exercia “autoridade” suficiente “para fazer respeitar os direitos
adquiridos e, conforme o caso, a liberdade de comércio e de trânsito
nas condições estabelecidas”. Era a doutrina dita de ocupação efetiva,
que transformaria a conquista da África na aventura criminosa que se
verá. De facto, reconhecendo o Estado Livre do Congo, permitindo o
desenrolar de negociações territoriais, estabelecendo as regras e
modalidades de apropriação “legal” do território africano, as potências
europeias se arrogavam o direito de sancionar o princípio da partilha e
da conquista de um outro continente. Semelhante situação não tem
precedentes na história: jamais um grupo de Estados de um
continente proclamou, com tal arrogância, o direito de negociar a
partilha e a ocupação de outro continente. Para a história da África,
esse foi o principal resultado da conferência. Dizer, ao contrário da
opinião geral, que ela não retalhou a África40 só é verdade no sentido
mais puramente técnico. As apropriações de territórios deram‑se
praticamente no quadro da conferência, e a questão das futuras
apropriações foi claramente levantada na sua resolução final. De fato,
em 1885, já estavam traçadas as linhas da partilha definitiva da
África.80

4.1 Os tratados bilaterais europeus de partilha


Definir uma esfera de influência por um tratado era, em geral, a etapa
preliminar da ocupação de um Estado africano por uma potência
europeia. Se o tratado não fosse contestado por nenhuma potência, a
nação beneficiária transformava pouco a pouco os direitos que ele lhe
reconhecia em direitos de soberania. Uma zona de influência,
portanto, nascia de uma declaração unilateral, mas ela só se tornava
realidade uma vez aceita, ou pelo menos não contestada por outras
potências europeias. Frequentemente as esferas de influência eram
contestadas, mas os problemas de ordem territorial e as disputas de

https://web.archive.org/web/20131029200637/http://www.casadehistoria.
com.br/sites/default/files/conf_berlim.pdf
80
Veja o Tratado acime mencionado
90
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fronteiras acabavam por se resolver através de acordos entre as duas


ou mais potências imperialistas presentes na mesma região. Os limites
de tais acertos territoriais eram determinados, com o máximo de
exactidão possível, por uma fronteira natural, ou, na sua ausência, por
referência às longitudes e latitudes. Ocasionalmente levavam‑se em
conta as fronteiras políticas do país.

Considera‑se que o tratado anglo‑alemão de 29 de Abril (e de 7 de


Maio) de 1885, que definia as “zonas de intervenção” da Inglaterra e
da Alemanha em certas regiões da África, talvez seja a primeira
aplicação a sério da teoria das esferas de influência nos tempos
modernos. Mediante uma série de tratados, acordos e convenções
análogos, a partilha da África nos mapas estava praticamente
terminada em fins do século XIX. Vamos examinar aqui, brevemente,
os mais importantes.

O tratado de delimitação anglo‑alemão de 10 de Novembro de 1886,


por exemplo, é particularmente importante. Por ele, Zanzibar e a
maior parte de suas dependências caíam na esfera de influência
britânica; por outro lado, nele se reconhecia à Alemanha influência
política na África oriental, o que pôs fim, oficialmente, ao monopólio
do Reino Unido na região. Dessa forma, o tratado dividia o império
Omani. Nos termos do acordo posterior, de 1887, destinado a precisar
esse primeiro tratado, o Reino Unido comprometia‑se a “desencorajar
as anexações britânicas na retaguarda da esfera de influência da
Alemanha, entendendo que o governo alemão também desencorajará
as anexações alemãs no interior da esfera britânica”. O acordo previa
igualmente que, se um dos dois países ocupasse o litoral, “o outro não
poderia, sem consentimento da outra parte, ocupar as regiões não
reivindicadas do interior”.

Esses acordos sobre a ocupação do hinterland na parte oeste das


“esferas de influência” dos dois países eram muito vagos e acabaram
por tornar necessária a conclusão do célebre tratado de Heligoland, de
1890, que remata a divisão da África oriental. É muito importante
observar que esse tratado reservava Uganda ao Reino Unido, mas
acabava com a grande esperança britânica de uma rota Cidade do
Cabo-Cairo. Restituía a Heligoland à Alemanha e punha fim à
independência de Zanzibar. Os tratados anglos‑alemães de 1890 e de
1893 e o tratado anglo‑italiano de 1891 terminaram por colocar

91
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oficialmente o alto Nilo na esfera de influência britânica. Ao sul, o


tratado franco‑português de 1886, o tratado germano‑português de
1886 e o tratado anglo‑português de 1891 reconheciam a influência
portuguesa em Angola e Moçambique, assim como delimitavam a
esfera de influência britânica na África central. O tratado de 1894
entre o Reino Unido e o Estado Livre do Congo também é muito
importante, pois fixava os limites do Estado Livre do Congo de forma a
que servisse de tampão entre os territórios franceses e o vale do Nilo,
deixando aos britânicos um corredor no eixo Cabo-Cairo, ligando
Uganda ao lago Tanganica (cláusula suprimida em Junho, devido aos
protestos da Alemanha).

Na África ocidental, os mais importantes acordos foram a aceitação da


linha Say-Barruwa (1890) e a Convenção do Níger (1898)51, com o que
o Reino Unido e a França encerraram a partilha dessa região.
Finalmente, a Convenção Anglo‑Francesa de 21 de Março de 1899
regulamentava a questão egípcia, enquanto a Paz de Vereiniging
(1902) – que punha fim à guerra com os bôeres – confirmava, ao
menos por algum tempo, a supremacia britânica na África do Sul.

Em que medida eram válidos os tratados políticos celebrados com as


autoridades africanas e os acordos bilaterais entre nações europeias,
base da partilha e da conquista da África? Seu estudo leva à conclusão
de que alguns deles são juridicamente indefensáveis, outros
moralmente condenáveis, enquanto outros ainda foram obtidos de
forma legal. No entanto, trata‑se aí de atos essencialmente políticos,
defensáveis somente no contexto do direito positivo europeu,
segundo o qual a força é a fonte de todo o direito. Mesmo quando os
africanos procuravam abertamente celebrar tratados com os
europeus, a decisão era sempre ditada pela força que eles sentiam no
lado europeu. Em certos casos, os africanos, por suspeitarem das
razões apresentadas pelos europeus para a conclusão desses tratados,
recusavam‑se a participar deles, mas, submetidos a pressões
intoleráveis, acabavam por aceitá‑las. Muitas vezes, africanos e
europeus divergiam sobre o verdadeiro sentido do acordo a que
haviam chegado.

Fosse como fosse, os governantes africanos consideravam, por sua


parte, que esses tratados políticos não os despojavam de sua
soberania. Viam neles, antes, acordos de cooperação, impostos ou

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não, que deveriam ser vantajosos para as partes interessadas. As


opiniões dos europeus quanto à validade dos tratados variavam.
Alguns os achavam legítimos, outros, como Lugard, estavam convenci-
dos de que quase todos tinham sido obtidos de maneira fraudulenta,
sendo uns inteiramente falsos, outros sem a menor existência legal e a
maior parte deles aplicada ilegalmente. Na maioria dos casos,
entretanto, esses tratados absurdos foram avalizados pelo jogo
diplomático europeu, como, por exemplo, os falsos tratados de Karl
Peters, na África oriental, e os da Imperial British East Africa Company
(Ibeac ), que o próprio Lugard chamou de “fraude pura e simples”.
Raros eram os que resistiam a um exame sem que os diplomatas os
declarassem inaceitáveis, como foi o caso dos tratados celebrados por
Lugard com Nikki. A própria ideia de que se pudessem considerar
legítimos tratados bilaterais entre nações europeias que decidiam a
sorte de territórios africanos em uma capital da Europa, longe da
presença e sem o acordo daqueles com cujo futuro se jogava, somente
se admitia à luz do direito positivo europeu.

Os estadistas europeus estavam perfeitamente cônscios de que a


definição de uma esfera de influência em um tratado subscrito por
duas nações europeias não podia legitimamente atingir os direitos dos
soberanos africanos da região afectada. Na medida em que a
influência constituía mais um conceito político do que jurídico,
determinada potência amiga podia optar por respeitar esse conceito,
enquanto outra, inimiga, não o levaria a sério. O mesmo se pode dizer
da doutrina do hinterland, que não hesitava em invocar o princípio do
“destino manifesto” e que permanecerá tristemente célebre pelas
abusivas reivindicações apresentadas em seu nome. De fato, as duas
doutrinas não tinham qualquer legitimidade em direito internacional.
E, como a noção de ocupação efectiva – princípio muito pouco seguido
na maioria dos Estados africanos – e a ideia que os africanos tinham
do verdadeiro significado dos tratados com os europeus eram
essencialmente contraditórias, a situação de conflito tendia a se
agravar. Estavam reunidas todas as condições, portanto, para a
ocupação militar sistemática do hinterland pelas potências europeias.

Durante a conferência, Portugal apresentou um projecto, o famoso


"mapa cor-de-rosa", que consistia em ligar Angola a Moçambique,
criando uma comunicação entre as duas colónias, de modo a facilitar o
comércio e o transporte de mercadorias. Sucedeu que, apesar de

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todos concordarem com o projecto, mais tarde a Inglaterra à margem


do Tratado de Windsor, surpreendentemente recusou o projecto,
dando um ultimato a Portugal, ameaçando declarar-lhe guerra se a
proposta não fosse retirada. Portugal, com receio de colocar em causa
o tratado de amizade e cooperação militar mais antigo do mundo,
cedeu às pretensões dos ingleses, retirando o projecto do Mapa cor-
de-rosa. Como resultado da conferência, a Grã-Bretanha passou a
administrar toda a África Austral (com excepção das colónias
portuguesas de Angola e Moçambique) e o Sudoeste Africano, toda a
África Oriental (com excepção da Tanganhica) e partilhou a costa
ocidental e o norte da África com a França, a Espanha e Portugal
(Guiné-Bissau e Cabo Verde); o Congo – que estava no centro da
disputa, o próprio nome da Conferência em alemão é "Conferência do
Congo" – continuou como "propriedade" da Associação Internacional
do Congo, cujo principal accionista era o rei Leopoldo II da Bélgica;
este país passou ainda a administrar os pequenos reinos das
montanhas a leste, o Ruanda e o Burundi.

Exercícios de Auto-avaliação

Perguntas de múltipla escolha

1 Nas vésperas da Conferência de Berlim, a


social‑democratas alemães defendiam?

a) Ocupação

b) Decapitação

c) Guerra Mundial

d) Weltpolitik

2 Em Alemanha, Weltpolitik significava?

a) Política de expansão imperialista em escala


mundial

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Moçambique Séc. XVI-XIX

b) Esmagamento

c) Victória

d) Luta

3 O cientista charles Darwin defendia?

a) Darwinismo social

b) Populacionismo

c) Expansão da Europa

d) Eurocentrismo

7. Quando é que a Inglaterra lançou a abolição de tráfico de


escravos?

a) 1787

b) 1807

c) 1810
d) 1500
8. Localiza o tráfico de escravos em Moçambique no Tempo.
a) Séc XVI – XIX
b) Séc XVI – XX
c) Séc XVII – XIX
d) Séc XVI – XVII

9. Os prazos encontravam‑se disseminados dos dois lados do rio?


a) Pungue
b) Save
c) Zambeze
d) Buzi
10. O sistema do prazo declinou ao longo da segunda metade do
século?

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Moçambique Séc. XVI-XIX

a) XIX
b) XVIII
c) XVII
d) XX

Perguntas de opção Verdadeiro/falso


1. Os historiadores geralmente referem-se à "era dos
descobrimentos" como as explorações marítimas pioneiras
realizadas por portugueses e espanhóis entre os séculos XV e XVI,
que estabeleceram relações com a África, América e Ásia, em busca
de uma rota alternativa para as "Índias", movidos pelo comércio de
ouro, prata e especiarias.
a) Verdadeiro
b) Falso

2. A formação do Império Colonial Português começou com a


conquista de Ceuta, em 1335, obedecendo a objectivos
geoestratégicos, políticos, económicos e religiosos.
a) Verdadeiro
b) Falso

3. Do ponto de vista dos historiadores, o período que vai de


1450 a 1630 foi marcado, na maioria dos países europeus, em
particular, naqueles do Oeste e do Sudoeste, por uma
formidável expansão econômica, política e cultural.
a) Verdadeiro
b) Falso
Perguntas de desenvolvimentos
1. Descrever o Estado de Marave
2. Descrever o comércio de ouro e marfim no estado de
Muenemutapa
8.
7.

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Moçambique Séc. XVI-XIX

TEMA – V: A CONFERÊNCIA DE BERLIM, PARTILHA EUROPEIA E REFLEXOS EM MOÇAMBIQUE.

UNIDADE Temática 5.1. A conquista militar portuguesa em


Moçambique e os primeiros focos de resistência (1885‑1902).
UNIDADE Temática 5.2. EXERCÍCIOS deste tema

UNIDADE TEMÁTICA 5.1. A conquista militar Portuguesa de Moçambique


(1885‑1902).

1. Introdução.

Por diversas razões, foram os franceses os mais activos na consecução


da política de ocupação militar, depois das decisões da conferência de
Berlim. A conquista portuguesa também foi sangrenta e – como
veremos mais adiante – encontrou a resistência decidida e
frequentemente difícil de vencer dos africanos. A ocupação militar
portuguesa, iniciada na década de 1880, só foi completada no
decorrer do século XX. Embora um empreendimento bastante árduo
para os portugueses, estes conseguiram afinal consolidar sua
dominação em Moçambique, Angola e Guiné (actual Guiné‑Bissau). O
Estado Livre do Congo também se viu diante de graves problemas com
Portugal antes de a Bélgica levar a cabo a ocupação militar da sua
esfera de influência.
O tema do presente capítulo será a evolução do carácter da resistência
oposta à dominação europeia na África central, de 1880 a 1914,
englobando Moçambique. Como a maioria das regiões africanas,
incluindo Moçambique, em vésperas da “corrida”, era ocupada por
uma infinidade de populações, organizadas quer em Estados, ou seja,
em sistemas políticos centralizados, quer em pequenas unidades
políticas. Na primeira categoria classificam-se os reinos de
Monomotapa, e os numerosos Estados fundados pelos Nguni e os
Cololo nas bacias do Zambeze e do Limpopo; na segunda categoria, os
Yao e os Tonga do lago Niassa, os Sena, Tonga e Chopi. Se for possível
que os historiadores tenham superestimado o grau de turbulência e
tensão dessas sociedades, não resta dúvida de que as divisões
políticas, o particularismo étnico e regional, as dissensões internas
entre camadas rivais, limitaram seriamente a possibilidade de
oposição aos europeus dessas populações da África central. A despeito
das tendências à divisão, pode‑se dizer que a oposição e a resistência

97
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Moçambique Séc. XVI-XIX

foram as principais reacções à conquista e à ocupação do imperialismo


europeu.
Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

▪ Registar: descrever os focos de conquista portuguesa em Moçambique;


▪ Os produtos de exportação mais explorados por Portugal na colonial de
Moçambique
Objectivos
específicos

2. A conquista militar Portuguesa de Moçambique.


No período posterior a 1880, a intensificação da concorrência
imperialista entre as nações europeias precipitou uma invasão sem
precedentes na África. A ênfase dada à conquista e à ocupação foi
perfeitamente articulada no congresso de Berlim, no qual o domínio
efectivo se tornou o pré‑requisito por todos aceito para o
reconhecimento internacional da possessão de territórios pelos
europeus. Confrontados com essa nova ameaça a sua soberania, os
povos da África central reagiram por várias formas. Alguns, como os
Lozi, entabularam uma acção diplomática dilatória, enquanto outros,
como os Tonga e Sena, de Inhambane, aliaram‑se aos europeus no
esforço de se libertarem da opressão de uma aristocracia africana
alienígena. Muitos Estados e até pequenas circunscrições da África
central, por sua vez, pegaram em armas em defesa de sua autonomia.
Embora compartilhassem um mesmo objetivo, os opositores diferiam
substancialmente na estratégia de curto prazo, na composição étnica,
na escala e no grau de êxito que alcançavam.81

As estratégias de luta adoptadas pelas populações da região tinham a


mesma razão – repelir os europeus e proteger a pátria, bem como os
modos e meios de existência. Conquanto a independência política
fosse o objectivo supremo, muitos Estados africanos estavam prontos
a mobilizar suas forças para impedir qualquer violação de sua
autonomia cultural ou soberania econômica. Por exemplo, em
Moçambique os Barué frustraram os esforços de Lisboa para
incorporá‑los em seu império embrionário, utilizando a Igreja católica

81
HEDGES, David (coord.). História de Moçambique: Moçambique no auge do
colonialismo 1930-1961. Vol.2, 2.ª edição, Maputo, Livraria Universitária,
Universidade Eduardo Mondlane, 1999.
98
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Moçambique Séc. XVI-XIX

para converter a família real. As ingerências econômicas também


levaram certas comunidades a adotar atitude hostil aos imperialistas
europeus. Uma das grandes causas de atrito foi a tentativa dos
governos europeus e respectivos agentes – negociantes e missionários
– de enfraquecer a posição de intermediários de diversos Estados
interior e de pôr fim ao tráfico de escravos, já não mais compatível
com o desejo das potências capitalistas de dispor de mercados
“estáveis” e matérias‑primas.82

Durante as duas últimas décadas do século, os Yao, os Macua,


os Yeke, os Chikunda, os Ovimbundo e os Chokwe, principalmente,
resistiram tenazmente às pressões estrangeiras. Ao mesmo tempo,
numerosos camponeses e agricultores batiam‑se para manter o
domínio de seus meios de produção e para evitar que não se
apropriassem de suas terras, gado, trabalho e mulheres. Os chefes
africanos sabiam que precisavam neutralizar a vantagem dos europeus
no plano do armamento: sua sobrevivência dependia disso.
Numerosas sociedades, já envolvidas no comércio internacional,
tinham acesso ao mercado de armas, tendo constituído um vasto
arsenal em troca de cativos.

Os Chokwe, os Ovimbundo e os Chikunda haviam tido tanto êxito nisso


que não raro suas forças apresentavam‑se mais bem armadas do que
as tropas do Estado Livre do Congo e os exércitos portugueses, que
procuravam submetê‑las. Outras popu lações da África central, até
então pouco enfronhadas nas grandes operações comerciais,
aumentaram suas exportações para obter fuzis modernos e munições.
No último quartel do século, por exemplo, os Ovambo, os Shangaan e
mesmo vários ramos conservadores dos Nguni adquiriram fuzis
modernos prevendo um confronto com os europeus83. Sempre que
possível, aumentavam o estoque de armas empregando hábeis meios
diplomáticos. Os chefes dos Gaza jogaram os britânicos contra os
portugueses e assim obtiveram armas com os primeiros, enquanto os
militantes bemba, inquietos com a crescente presença do Reino
Unido, adquiriam‑nas junto aos árabes6. Outros grupos, os
Quitangona do norte de Moçambique e os Chikunda do vale do
Zambeze, chegaram até a reconhecer a dominação nominal de

82
Idem
83
PÉLISSIER, René. História de Moçambique: formação e oposição: 1854-
1918. 2 vols., Lisboa, Editorial Estampa, 1987-1988
99
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Moçambique Séc. XVI-XIX

Portugal em troca de suprimentos militares importantes, que afinal


utilizaram contra as forças de Lisboa.84

Algumas sociedades africanas também ampliaram sua capacidade de


defesa com inovações militares internas. Os Barué criaram fábricas de
munições, que produziam pólvora, fuzis e até mesmo peças de
reposição para a artilharia. Novas e custosas construções de defesa,
como as cidades fortificadas de Jumbe, entre os Kota, e as aringas do
Zambeze e do vale do Luangwa, foram edificadas para resistir a
eventuais cercos dos europeus9. Outros grupos, como os Macua
aperfeiçoaram técnicas de guerrilha que lhes permitiram repelir as
primeiras incursões imperialistas. Por volta de 1900, os swikiro
(feiticeiros que invocavam os espíritos) barué, tawara, tonga e de
outros grupos shona preparavam poções divinas para neutralizar as
armas europeias e transformar suas balas em água.85

Malgrado a vontade comum a vários países africanos de opor‑se à


dominação estrangeira e adquirir armas modernas, na prática as
táticas empregadas foram sensivelmente diferentes. Em muitos casos,
os Estados africanos reagiram com violência contra as primeiras
incursões europeias, apesar da esmagadora superioridade militar do
inimigo.
Foi o caso do estado de mutapa. Durante quase 10 anos, Gungunhana
negociou ora com os britânicos ora com os portugueses, disposto a
fazer toda uma série de concessões, menos renunciar à independência
de Shangaan. A família real Barué desenvolveu política semelhante,
tentando conquistar o apoio de Karl Peters, aventureiro alemão que
ela imaginava estreitamente ligado ao governo de Bismarck. Quanto
aos Bemba, só se engajaram numa resistência esporádica no fim do
século, após 15 anos de tentativas de negociação com o Reino Unido.
Nos casos extremos, Estados como o dos Quintangona do norte de
Moçambique ou os impérios Chikunda do vale do Zambeze até
chegaram a reconhecer de bom grado a autoridade nominal dos
portugueses, desde que estes não se esforçassem a sério para impor-
lhes a dominação colonial. No entanto, como o congresso de Berlim

84
SERRA, Carlos (coord.). História de Moçambique: Parte I - Primeiras
Sociedades sedentárias e impacto dos mercadores, 200/300- 1885; Parte II -
Agressão imperialista, 1886-1930. Vol. 1, 2.ª edição, Maputo, Livraria
Universitária, Universidade Eduardo Mondlane, 2000.
85
HEDGES, David (coord.). História de Moçambique: Moçambique no auge do
colonialismo 1930-1961. Vol.2, 2.ª edição, Maputo, Livraria Universitária,
Universidade Eduardo Mondlane, 1999.
100
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Moçambique Séc. XVI-XIX

exigia explicitamente que o controle efectivo precedesse todo


reconhecimento internacional dos direitos de uma nação sobre
possessões coloniais, esta estratégia redundava invariavelmente em
confronto.86

Além da diversidade das reações iniciais, havia diferenças quanto ao


grau de provincianismo e particularismo étnico. Algumas sociedades,
importantes ou não, enfrentaram o invasor sem se dar ao trabalho de
procurar alianças mais amplas. Em Angola, os Bié, Humbe e Ganguela
começaram por combater o estrangeiro sem apelar aos seus vizinhos,
que, no entanto, detestavam igualmente os portugueses, enquanto
em Moçambique, Lisboa pôde tirar proveito da profunda rivalidade
entre os Estados Chikunda, que tentava submeter, rivalidade que
impedia qualquer verdadeira aliança. Mesmo os Estados Nguni,
embora aparentados, foram incapazes ou não quiseram se entender
para resistir à expansão britânica na Niassalândia.87

Vários exemplos comprovam que grupos rivais realmente


emprestaram mão forte às potências imperialistas na esperança de
consolidar suas próprias posições. Essas tendências à divisão
paralisaram os esforços dos Luba e Barué para preservar sua
autonomia. No tocante a estes últimos, Lisboa, por intermédio de seu
agente, a Companhia de Moçambique, constrangeu Chipitura,
membro dissidente da aristocracia barué, a uma aliança secreta. Nos
termos dessa aliança, consignada em carta, Chipitura reconhecia a
soberania de Portugal, que em troca deveria ajudá‑lo a vencer seu
rival, Hanga.88

Outros grupos sociais africanos, para compensar a insuficiência de seu


potencial militar, fizeram alianças anticoloniais multiétnicas bem
amplas. O poderoso chefe de Gaza, Gungunhana, convidou os Swazi a
juntarem‑se à luta contra os
portugueses; já os Barué estabeleceram uma rede multiétnica,
compreendendo os Tonga, os Tawara e diversas populações shona da

86
SERRA, Carlos (coord.). História de Moçambique: Parte I - Primeiras
Sociedades sedentárias e impacto dos mercadores, 200/300- 1885; Parte II -
Agressão imperialista, 1886-1930. Vol. 1, 2.ª edição, Maputo, Livraria
Universitária, Universidade Eduardo Mondlane, 2000.
87
HEDGES, David (coord.). História de Moçambique: Moçambique no auge do
colonialismo 1930-1961. Vol.2, 2.ª edição, Maputo, Livraria Universitária,
Universidade Eduardo Mondlane, 1999.
88
Idem
101
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Moçambique Séc. XVI-XIX

Rodésia do Sul (atual Zimbábue). Como demonstra o exemplo dos


Barué, essas alianças temporárias eram mais comuns quando a
economia, o parentesco e a religião já uniam de antemão as
populações em causa. Estes três elementos estiveram na origem da
constituição da confederação Yao, sob a chefia de Makanjira, e da
aliança Macua‑Swahili. Mas foram elementos de ordem financeira que
estiveram na base dos esforços – que redundariam em malogro –
envidados em comum pelos Bemba e os árabes no final do século
XIX.89

Não surpreende verificar que a extensão dos movimentos de


resistência era altamente proporcional ao grau de particularismo
étnico das populações africanas. Quando uma sociedade africana
combatia sozinha, o vulto de seu exército e seu potencial de
resistência eram geralmente limitados. A rápida derrota dos Estados
Nguni e dos Chewa de Mwase Kasungu mostra desvantagem básica
dos grupos isolados. As grandes alianças muitas vezes conseguiam
alinhar exércitos importantes, bem equipados, e, de modo geral, opor
uma resistência mais prolongada ao inimigo. Estima‑se que as forças
Yao de Makanjira somavam 25 mil homens, ou seja, um exército
comparável ao dos Cuanhama‑Cuamato e dos Barué. Como os
movimentos de resistência não atingiram seus objectivos políticos
maiores tende‑se a minimizar e mesmo a ignorar vitórias militares
localizadas, considerando‑as, no conjunto, como fracassos.

Na realidade, dependendo das dimensões dos grupos africanos, da


posse ou não de armas modernas, da extensão e do preparo das
forças imperialistas, as situações variavam consideravelmente. Não há
dúvida, numerosos grupos africanos foram rapidamente derrotados,
mas também muitos conseguiram deter as primeiras incursões
europeias e infligir pesadas perdas ao inimigo.90 Indubitavelmente, os
casos mais estrondosos foram o da aliança dos Swahili com os Macua,
que lograram escapar à dominação portuguesa até 1910, e o dos
Cuamato aliados aos Cuanhama, cuja derrota só se tornou definitiva
em 1915. Apesar de tão custosas vitórias, todas as guerras de
independência na África central acabaram por redundar em fracassos.
A intervenção de múltiplos factores, na sua maior parte anteriores à
“corrida”, permite explicar por que os africanos não conseguiram

89
Idem
90
Idem
102
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Moçambique Séc. XVI-XIX

sustar o avanço dos europeus: o fato de grande parte dos Estados


mais poderosos serem obra de conquistas, o particularismo étnico e as
divisões internas entre as camadas ou classes dirigentes, ou entre
estas e as populações que dominavam. Tais factores, em
consequência, limitaram as possibilidades de organizar em bases
suficientemente amplas o esforço anticolonial coordenado,
indispensável para disputar aos europeus a indiscutível vantagem de
que gozavam as forças imperialistas no plano das armas e da técnica
militar.91

Além disso, as rivalidades africanas permitiram aos administradores


coloniais, como Harry Johnston, “dividir para reinar”, estratégia em
que davam mostras de consumada arte. Os anais do combate pela
preservação da independência e da soberania africanas estão repletos
de exemplos de africanos que, não contentes por se terem submetido,
ainda ajudaram as potências coloniais, a fim de se vingar de abusos
cometidos outrora por vizinhos. Os Tonga, de Inhambane, bem como
os Sena, ajudaram os portugueses a combater os Shangaan e os Barué,
seus suseranos respectivamente. Outras sociedades africanas, algumas
das quais se tinham oposto ao invasor desde a primeira hora,
juntaram‑se mais tarde a ele, em troca de benefícios materiais e de
promessas de melhoria de sua situação no quadro da nova ordem
colonial. Os Yao, uma vez vencidos, ajudaram a abater os Nguni
Mpeseni, que, por sua vez, ajudaram os portugueses, em seguida, a
derrotar os Barué. Sem aliados nem mercenários africanos, os
europeus não poderiam ter imposto sua dominação, com tão escasso
contingente de homens no continente. Os exércitos portugueses que
selaram a “conquista” definitiva do vale do Zambeze em 1902, por
exemplo, eram compostos por mais de 90% de recrutas africanos.

3. Sumário

Esta unidade abordou a ocupação portuguesa em Moçambique. Com o


advento da conferência de Berlim (1884/1885), Portugal foi forçado a
realizar a ocupação efectiva do território moçambicano. Dada a
incapacidade militar e financeira portuguesa, a alternativa encontrada
foi o arrendamento da soberania e poderes de várias extensões
territoriais a companhias majestáticas e arrendatárias.
91
HEDGES, David (coord.). História de Moçambique: Moçambique no auge do
colonialismo 1930-1961. Vol.2, 2.ª edição, Maputo, Livraria Universitária,
Universidade Eduardo Mondlane, 1999.
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Moçambique Séc. XVI-XIX

4. Exercícios de Auto-avaliação

Perguntas de múltiplas escolhas

1 Da exemplo de 1 povo que resistiu ocupação


portuguesa na última década de 1980?

A. Ndau

B. Sena

C. Yao

D. Tsonga

2 Qual o povo cuja resistência culminaram com a


revolta de 1917?

A. Barué

B. Sena

C. Yao

D. Tsonga

3. A antiga Rodésia do Sul refere-se a?

A. Zâmbia

B. Moçambique

C. Zimbabwe

D. África do Sul

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4. O primeiro tratado anglo‑alemão foi assinado


em?

A. 29 de Abril

B. 29 de Janeiro

C. 09 de Abril

D. 19 de Dezembro

5. O tratado anglo‑alemão defendia a?

A. “Zonas de intervenção”

B. “Zonas de cura”

C. “Zonas de ataque”

D. “zonas de guerra”

6. A “zonas de intervenção” limitava-se aos seguintes


países?

A. Inglaterra e Portugal

B. Portugal e Itália

C. Espanha e Itália

D. Inglaterra e Espanha

Perguntas de desenvolvimentos
1. Explica o tratado franco‑português de 1891?

2. Explica a revolta de Barué, incluindo as causas?

3. Descreve os objectivos da Revolta?

4. Impacto da Conferência de Berlim na áfrica Austral, com particular


destaque as colónias portuguesas.

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Moçambique Séc. XVI-XIX

BIBLIOGRAFIA

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