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Copyright © 2022

Feh Bellyne
Todos os direitos reservados
2.ª edição – 2022

Capa: Bárbara Dometo


Revisão e Preparação: Cris Castro
Leitura Crítica: Ana Paula Ferreira @ferreirareads
Imagem: Adobe Stock
Diagramação: Feh Bellyne

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes,


personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação
da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte
dessa obra, através de quaisquer meios — Tangível ou intangível — sem o
consentimento escrito da autora.
Criado no Brasil.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98 e
punido pelo artigo 184 do código penal.
Não pule, por favor.
Leia antes de iniciar a leitura.
Primeiramente quero te agradecer por escolher MEM. Ricky e Júlia são meu
primeiro amor, então espero que se emocionem e se divirtam, assim como eu
enquanto escrevia.
Bem, eu não considero MEM uma história pesada, mesmo abordando
assuntos sérios, porém se você considera temas como: violência doméstica, crise
de ansiedade e cenas explícitas de sexo; sensíveis à sua leitura, interrompa
imediatamente.
Bem, é isso.
Boa leitura.
Bjo.
“Cada sonho que você deixa pra trás,
é um pedaço do seu futuro que deixa de existir.”
Steve Jobs
01 | Júlia Sales

São Paulo, Brasil.


— Chegamos! — disse minha mãe com empolgação, assim que estacionou
em frente ao prédio azul.
— Sim, chegamos — murmurei e virei para olhar através do vidro o prédio
todo espelhado do lado de fora, calculei rapidamente quantos andares poderia ter
o edifício luxuoso, talvez uns trinta, já que, mesmo me esforçando, ficou
impossível ver seu topo.
— Calma, bebê da mamãe, vai dar tudo certo.
— Sim, vai. — Inspirei e joguei as costas para trás, de encontro ao banco. —
Meu primeiro dia de estágio — lembrei num fio de voz, o motivo célebre de eu
estar ali.
Dona Ana leu cada sinal que meu corpo transmitia, abriu um sorriso, aquele
que era capaz de mudar o mundo, e me puxou para um abraço encorajador.
Ótimo, desmanchei.
Em seus braços, lágrimas brotaram, quando todo o nosso esforço ressurgiu
só para me informar que eu venci, estou aqui e tudo é real.
A WIS UNIVERSITY sempre foi meu sonho, desde o colegial, quando
ingressar na faculdade era uma hipótese — eu viajava por horas no site da
instituição, ostentando o dia em que pisaria na filial em solo brasileira. A
faculdade de nível internacional tem sua sede na Califórnia e o Brasil se tornou
seu foco há alguns anos.
Nem acreditei.
Lembro do dia em que permaneci por horas com os olhos cravados na tela
do computador, sem me mexer e muito menos acreditar no e-mail que havia
acabado de receber, paralisei geral, sentindo as lágrimas rolarem, enquanto lia e
relia cada parágrafo. O sentimento explosivo de sonho realizado, era muito para o
meu peito. Eu lutei tanto, estudei dia e noite, e sim, sem dúvidas valeu cada
segundo dessa batalha.
Eu era a mais nova estagiária bolsista da WIS UNIVERSITY CONECT, a
maior universidade a nível internacional do país.
Ok, Júlia, temos excelentes universidades no Brasil, porque a WIS?
Sim, entendo, não estou desmerecendo nossa educação, longe disso. Meu
interesse na WIS era o estágio e a bolsa de estudos. Trabalhar e estudar numa
empresa de grande porte. De dois em dois anos eram abertas vinte e cinco vagas,
as mais concorridas, as que movimentavam todos os estudantes do país. A disputa
era acirrada e até então impossível para jovens de escola pública, como eu.
Convenhamos, qual a chance de um jovem do ensino público competir de
igual com um do ensino particular?
Zero.
Revoltante.
E vergonhoso para o nosso país.
Enfim, finalizei o colegial e me preparei durante dois anos num cursinho
pago a duras penas, muitas vezes responsável em atrasar uma conta ou outra em
casa, privando mamãe e eu de viagens, pizza de sexta, vaquinha para o churras
com as amigas, coisas simples, baratas. Mas que não cabiam no orçamento.
A dificuldade se tornou meu combustível.
E, sim, eu consegui!
— Júlia, fique calma, empine o peito e a bunda, e vai…
Como sempre, divertida.
Mamãe me tirou um sorriso, mas eu não relaxei, fixei os olhos nervosos na
mulher mais importante da minha vida, aquela a quem devo tudo que sou.
— Falta cor nessa boca, que tal um batom vermelho para dar sorte e tirar o
mau-olhado?
Olhei no espelho retrovisor e chequei a aparência. Realmente faltava um
toque final, pisquei para ela e peguei o cosmético.
Boca vermelho-sangue, perfeito.
Não achei necessária uma make muito caprichada, pois ainda não sabia as
regras da empresa, então só delineei os olhos e passei blush para corar as
bochechas.
Detalhe importante, sei que os deixei confusos: como ressaltei, a WIS
contemplava os aprovados com o estágio e a bolsa de estudos. Nessa manhã,
inicialmente, é o primeiro dia de estágio, as dúvidas em relação à faculdade iam
ser esclarecidas no treinamento, falando nele, precisava me apressar, já estava em
cima da hora.
— Ficou perfeito — ela disse quando avaliou o resultado. — Melhor ir,
atraso no primeiro dia não pega bem.
— Certo, vamos lá. Deseje-me sorte.
— Boa sorte, Júlia. — As palavras soaram como um lindo amuleto. — Você
merece isso, filha. Dedicou os últimos dois anos em prol desse sonho, então vai lá
e abraça seu futuro. — Um apertadinho gostoso cresceu no meu peito, me
fazendo rir, mas também me fazendo chorar, com um misto esplêndido de
emoções que bagunçou todo o meu rosto. — Te amo, mãe.
— Eu te amo mais.
Dei-lhe um último abraço e sequei as lágrimas antes de descer e estagnar na
calçada. Fiquei um bom tempo parada ali, só observando o entra e sai de pessoas,
enquanto minha mente trabalhava no que seria da minha vida daqui para frente.
“A coitadinha da família conseguiu”, não pude evitar que o pensamento
escapasse, assim como os outros que me revoltavam ao longo da vida fizeram
questão de aparecer também. Me refugiei nos estudos para atingir esse sonho, me
tranquei no quarto do recomeço quando a traição me apunhalou covardemente
pelas costas e a decepção arrancou o meu solo.
Respirei fundo, tentando me concentrar nos pensamentos positivos, nas
coisas boas que me guiaram até aqui.
“Tenho tudo que sonhei, agora só falta uma coisa?” pensei, e dei um passo
rumo ao degrau. “Entrar.”
O prédio administrativo da WIS UNIVERSITY CONECT alimentou meus
olhos por longos segundos: elegância e tecnologia num nível surpreendente.
Jesus. Parei diante da recepção, medindo mentalmente quantos metros
compunham aquele balcão branquinho que ondulava uma boa parte do saguão,
fracassei, meus olhos não alcançaram o final da arquitetura diferenciada. Dentro
dele as recepcionistas sorriam simpáticas com dentes tão brancos que até
ofuscavam os olhos, coques incríveis no topo da cabeça que não davam
oportunidade para que nenhum fio de cabelo se desprezasse, além de suas
belezas… elas eram modelos, só podiam ser. Engoli em seco tudo aquilo e me
retraí, diante do luxo.
Puta merda.
Levanta esse ombro, Júlia.
Refinei a postura e tomei fôlego, encorajando um passo e outro. À medida
que me aproximava, um enorme painel acima, reproduzindo um comercial da
faculdade, ganhou os poucos minutos que faltavam para eu alcançar a recepção.
Nervosa, mãos suando e coração gritando, olhei para a moça.
— Bom dia, senhorita, em que posso ajudá-la? — A modelo disfarçada de
recepcionista me abordou, sorri amarelo, pegando ligeiramente a identidade
dentro da bolsa e entregando-a nas mãos com unhas pintada de vermelho. — Júlia
Sales — ela conferiu o documento —, em que posso auxiliá-la, Srta. Júlia?
— Meu primeiro dia, faço parte do programa de profissões — expliquei e a
moça começou a digitar no seu MAC, caramba, a recepção era equipada com
MAC. Não consegui disfarçar a empolgação, pois possivelmente eu teria a
mesma qualidade no meu setor. E poxa, só de pensar no meu notebook velhinho
que só liga no tranco, meus olhos sorriram de felicidade. — Meu supervisor de
treinamento é o Maico Oliveira.
— Sim, verifiquei. — Ela me devolveu o documento unido a um crachá
muito similar a um cartão de crédito. — Srta. Júlia, esse será seu acesso
temporário para o prédio, até o final do seu treinamento colheremos suas digitais
para acesso direto nas catracas, seu treinamento é na primeira sala à esquerda, no
décimo primeiro andar, alguma dúvida?
— Não, obrigada.
— Seja bem-vinda a WIS UNIVERSITY CONECT — saudou calorosa.
Ergui o crachá na altura dos olhos, a visão já não era tão nítida.
— Obrigada — agradeci mais uma vez, sentindo as emoções trapacearem
meu equilíbrio, segui para o elevador que não demorou a chegar e entrei no
quadrado espelhado, checando de novo a aparência, a vestimenta simples que
optei para o primeiro dia, o meu cabelo sempre rebelde, afê, curvei os lábios
insatisfeita com o conjunto nervoso que refletia à frente. — Relaxa, Júlia, do
contrário você vai enfartar e tudo terá sido uma perda de tempo — aconselhei ao
meu sistema nervoso. E a porta se abriu.
Segui a direção indicada pela recepcionista, adentrando num cômodo amplo
que me recebeu com um grande falatório, colhi o máximo de informação possível
ainda parada próxima à porta. Nada diferente do que o prédio oferecia. Foquei
nos grupos formados: um à frente com três pessoas; um homem e duas mulheres,
que logo chamaram minha atenção por estarem extremamente elegantes.
“Serão eles os responsáveis pelo treinamento?” permaneci em dúvida,
quando uma dupla ganhou enfoque: um homem e uma mulher, aparentemente
com a minha faixa de idade, no entanto de um estilo incrível.
— Júlia!
Procurei de onde veio a voz e vi um rapaz sorridente caminhando na minha
direção.
— Oi… — respondi confusa, tentando reconhecê-lo.
— Você não se lembra de mim? Sou eu, Lucca!
Estreitei os olhos, buscando seu rosto na memória.
Não, não lembro!
— Eu… — Tentei disfarçar a resposta que piscava na minha mente.
— No dia da entrevista, no prédio da seleção, nos falamos brevemente na
sala de espera — ele esclareceu. E eu quase gargalhei, pois realmente foi breve
esse primeiro contato.
Não lembro desse cara e sou péssima em memorizar fisionomia.
Droga.
— Claro! Como sou distraída. — Sorri, mentindo descaradamente. — Como
vai?
— Ansioso! Você não?
Pude sentir sua empolgação, assim que ele colou as palmas das mãos e as
esfregou freneticamente.
— Sim, estou muito ansiosa.
— Estou sentado bem ali. — Ele apontou para a primeira fileira. — Quer me
fazer companhia?
Condenei o lugar, primeira fileira não estava nos meus planos, geralmente
quem se senta nos primeiros assentos é obrigado a expor suas opiniões e,
francamente, pretendia me manter invisível tempo suficiente para não cometer
nenhuma tolice. Embora… pelo amor de Deus, Júlia, você se preparou para esse
momento, basta de insegurança.
Ok.
— Tudo bem, primeira fileira, lá vamos nós — concordei, corajosa e passei
a acompanhá-lo.
No caminho observei aqueles que serão meus colegas de treinamento,
considerando-os pessoas comuns, os assuntos entre eles eram diversos, mas
relacionados ao grande dia. Lucca e eu nos acomodávamos nas poltronas
confortáveis e, discretamente, fofocando, ele destacou o trio bem-vestido à frente.
— São eles que darão o treinamento pra gente — afirmou minha
desconfiança.
Admirei o trio, pessoas importantes, posturas excelentes, inspiradoras…
— Sentem-se, por favor — uma mulher sobressaiu do trio.
As pessoas procuraram seus assentos com agilidade, as luzes diminuíram,
um foco necessário acendeu à frente, reproduzindo num telão o logo verde p da
WIS.
— Meu nome é Ellen Castiel, diretora executiva de Trade Marketing, sejam
bem-vindos à WIS UNIVERSITY CONECT…
A voz entonada transcorreu a sala e, mesmo não querendo dar bandeira, eu
namorei a posição da mulher importante. Fora que Ellen Castiel era um
espetáculo, não contive a curiosidade de percorrer seu corpo, avaliando cada
detalhe com precisão. Alta, corpo escultural, cabelos pretos cobrindo seus ombros
e desenhando seu rosto fino e sexy…
— Acredito que fazer parte desta instituição é o sonho de vocês, não é? — A
pergunta me tirou do torpor da admiração. — Posso imaginar o quanto lutaram
para estar entre os vinte e cincos melhores estudantes do país, sabemos também
que o processo foi árduo, mas enfim, vocês venceram, parabéns a todos.
Senti um cutucão no ombro, virei rápido… Era Lucca.
— Júlia, vai ser incrível, não acha? — ele perguntou, me encarando com
aqueles olhos verdes acesos, que só notei agora.
— Sim! — Voltei com mais atenção para a mulher poderosa à frente.
— A partir de hoje, vocês estagiarão nas áreas escolhidas na WIS CONECT
e, após o treinamento, receberão das minhas mãos a carta-bolsa para ingressarem
na WIS UNIVERSITY. Se preparem, durmam, se alimentem, porque não será
permitido distrações ou erros. Agora vocês respiram o grupo WIS…
Nossa…
Uma salva de palmas explodiu e Ellen correu os olhos na sala, mas sem
explicação cravou a potência azul por alguns segundos em mim. Segurei aquele
olhar com um sorriso nos lábios, sem entender de fato o porquê direto do contato,
até perdê-los quando ela retomou as explicações, agora burocráticas.
Não houve tempo para que eu pensasse no instante esquisito, Lucca me
consumiu com sua empolgação. Minutos depois, a executiva finalizou o discurso,
nos liberando para o café. Meu mais novo amigo antecipou-se com gentileza indo
de encontro à mesa e retornando com duas xícaras nas mãos.
“Muito gentil este garoto.”
— Não coloquei açúcar — ele avisou, antes de entregar a xícara.
— Não, gosto puro, obrigada.
— Sabia, sempre acerto.
— Você vai cursar o quê? — perguntei interessada, e sorvi um gole da
bebida quente.
— Gestão financeira.
— Gostei, louco por números, então?
— Apaixonado. E você?
— Publicidade e Marketing.
— Publicitária? Muito bom, comunicação é o carro chefe da WIS. Se
precisar de algo, pode contar comigo.
Lancei uma piscadela e sorri agradecendo a gentileza.
“Lucca é gente boa.”
— Valeu.
— Disponha, garota.
Aos poucos, todos retornaram aos seus lugares e o supervisor, Maico
Oliveira, com seu jeito rígido e centrado, retomou os ritos do treinamento,
passando todas as informações necessárias para quando assumíssemos nossos
setores. A primeira parte foi finalizada num piscar de olhos e logo fomos
dispensados para o almoço.
— Júlia, você vai almoçar onde? — Lucca indagou antes de sairmos da sala.
— Vou comer um lanche em alguma hamburgueria aqui por perto. Conhece
algum lugar?
— Conheço um lugar ótimo, posso te acompanhar?
— Claro que sim.
Paramos diante do elevador, aguardando sua chegada.
A sensação do novo, da descoberta, me rondou. Avistei ainda distante a
presença de um rapaz e uma garota se aproximando, os reconheci de imediato por
serem os mais estilosos da sala, sorri simpática, recebendo a mesma cordialidade.
— Oi, sou a Júlia — falei espontânea, o que não acontecia sempre. No
entanto, na ocasião, senti uma energia bacana vindo deles. — Tudo bem?
— Tudo bem! Sou Raica. — A garota de cabelos cacheados se aproximou e
me cumprimentou com um beijo no rosto.
“Gostei dela.”
Seria uma boa conquistar novas amizades, estava sem nenhuma no
momento.
Espera, não que eu seja uma pessoa intragável, apenas me refugiei nos
estudos para atingir meu sonho, considerei como o quarto do recomeço. Houve
várias motivações para isso, citei algumas anteriormente, só esqueci a seguinte:
uma traição que me apunhalou covardemente pelas costas, arisca, dolorosa. A
decepção arrancou meu solo, então rompi com tudo que me ligava a ela.
Inclusive os amigos em comum.
O ser humano tem uma mania macabra de achar que uma simples
“desculpa” pode apagar todo a merda feita, pode aniquilar toda a dor sufocante
capaz de modificar quem você é, pode simplesmente amenizar as feridas
causadas.
Hipócrita.
Egoísta.
— Vocês vão almoçar? — Raica quis saber.
— Vamos comer um lanche…
— No Retrô-Chill, vocês conhecem? — participou Lucca.
— Estamos indo pra lá, querem vir conosco? — ela convidou docemente,
olhando para o outro rapaz que se afastou para atender o celular.
— Por mim, ótimo. Lucca? — Olhei para ele, que parecia não se importar
em termos companhia.
— Claro! Aliás, prazer, meu nome é Lucca. — Ele estendeu a mão para
cumprimentar a garota que devolveu a cortesia.
— Renan — ela chamou o distraído, que guardou o celular no jeans e
juntou-se a nós. — Este aqui é o meu irmão Renan — disse, com o polegar
apontado para ele.
— Oi, gente, desculpa a distração, estava falando com o meu namorado.
Prazer, sou Renan.
“Também gostei dele.”
— Amados, vamos, o Chill é sempre lotado — Raica avisou no instante que
o elevador abriu no nosso andar.
02 | Júlia Sales

Assim que entramos, inalei o cheiro divino de carne e a fome movimentou o


meu estômago, seguimos em fila para o fundo da hamburgueria lotada, sendo
difícil não apreciar cada detalhe, uma decoração retrô dos anos oitenta compunha
cada pedacinho do lugar… SENSACIONAL!
Como assim, moro em São Paulo, passeei diversas vezes pelo Centro e
nunca entrei aqui? Júlia, sua distraída.
Deixei a turma continuar e parei para olhar as fotos de um chinês abraçado a
alguns artistas, o dono do lugar parecia ser importante.
— Nossa, que lugar legal! — exclamei e me juntei ao grupo, admirada com
tudo.
Raica escolheu um cantinho bem ao fundo, onde não havia uma
concentração muito grande de pessoas famintas.
— Vocês já são muito bem-vindos! — sucateou um baixinho de olhos
puxados e bandeja embaixo do braço.
— Chill, Chill, vai rolar aquela porção de fritas grátis? — Raica esperta,
tentou descaradamente.
Chill fingiu se espantar, mas saquei que estava acostumado com o pedido.
— Já querem falir o Chill aqui, é? — O chinês fez uma careta teatral. E
colocou a bandeja sobre a mesa em sinal de protesto.
— Ô chinês miserável — resmungou Renan.
— Eduarda, atende a turminha extorquista aqui — Chill falou debochado,
enquanto girava a bandeja em seu dedo.
Concentrei-me na agilidade do homem com o objeto, ele era muuuuito bom,
praticamente um equilibrista profissional.
— Olá, Eduarda! — saudou Raica, sorrindo para uma loira com uniforme de
garçonete e crachá com logo de hamburguer.
— Pode ir, Chill, eu cuido deles. — A garçonete deu dois tapinhas no ombro
do patrão. Chill, por sua vez, atingiu o balcão a passos curtos com seu show de
equilíbrio.
“Ele era craque mesmo.”
— Ei, mundão, Eduarda, você topa um encontro?
— Com você? — Apontou para Renan. — O Théo vem junto?
Ele cerrou os olhos para a loira.
— Gulosa.
— Egoísta.
Rimos com a interação.
Legal, todos eram amigos de longa data.
Íntimos.
Divertidos.
— Façam seus pedidos — Duda interrompeu a gozação e nos entregou os
cardápios. — Estamos lotados hoje, sejam práticos.
Sem rodeios.
— Eu quero o combo número quatro, com Coca — Lucca falou logo.
E todos fizeram o mesmo. Eduarda colheu os pedidos e deixou a mesa às
pressas. Nosso horário de almoço era calculado, não podíamos vacilar e
chegarmos atrasados no primeiro dia.
— Vou colocar uma música. — Do nada o garoto se levantou, driblou
algumas mesas até alcançar uma máquina que reconheci assim que as luzes led
em torno se acenderam, era uma Jukebox. O irmão de Raica depositou uma
moeda, apertou uns dois botões que não consegui identificar com a distância e
retornou radiante.
A canção dançante ganhou vida no espaço.
— Música latina, Jú, você curte? — Raica perguntou, remexendo os ombros.
Sorri para ela, surpreendida com a intimidade conquistada no curto período.
A preta era linda, alta e possuía olhos de expressão forte. Fora que seu cabelo
tinha um volume impressionante, assim que tivesse oportunidade iria pedir
algumas dicas de como domar os meus cachos que nunca me obedeciam.
— Não basta ouvir, temos que sentir o ritmo. — Renan começou a dançar no
pouco espaço que tinha próximo à mesa. — Vem, preta! — chamou a irmã, que
não pensou duas vezes antes juntar seu corpo ao dele.
Achei muito maluco aquilo, eles realmente dançavam bem, mas não era um
costume para mim, dançar assim do nada e, principalmente, numa hamburgueria
em pleno meio-dia. Geralmente saía para dançar à noite — se bem que não faço
isso há um tempão —, por fim olhei ao redor, curiosa, e todos permaneciam em
seus próprios mundos, desfrutando da refeição, sem se importarem com o
rebolado dos irmãos.
Uma música satisfez o tempo e logo todo o conteúdo delicioso foi
depositado com agilidade sobre a mesa.
— Obrigada, Duda — Raica agradeceu.
— Bom apetite. — Ela já estava longe atarefada com outras mesas.
— Nossa, que fome — Raica comentou assim que se sentou. Renan copiou a
irmã. — Parece delicioso.
— Vocês dançam bem — elogiei, tentando segurar o enorme sanduíche nas
mãos.
— Vamos marcar na sexta, Jú. A Tricy, uma cantora pop, faz um show
incrível aqui — falou Renan antes de morder um bom pedaço do lanche,
desperdiçando algumas folhas de alface no prato. — Mora aonde?
— Zona sul.
— Tranquilo, o metrô é aqui do lado.
— Mudando de assunto — disse Lucca —, vocês estão ansiosos para
começar?
— Muitoooooo, eu praticamente não dormi até receber o e-mail de
confirmação — ressaltou Raica. — Vão cursar o quê?
— Publicidade e Marketing — respondi, com os olhos por cima do
hambúrguer gigante.
— Gestão Financeira, e vocês?
— Relações Públicas, adoro me relacionar com as pessoas — Renan
respondeu para o Lucca.
— Sim, não temos dúvidas — afirmou a irmã, balançando a cabeça. — Eu
vou contigo, Júlia. Vou cursar Marketing.
— No campus da Paulista?
— Isso! Então seremos colegas de turma, girl.
Aquiesci entusiasmada.
— Por conta da casa. — O equilibrista chinês nos surpreendeu com uma
porção de fritas. — Só porque são clientes fiéis e trouxeram uma convidada.
— Chill, tudo estava uma delícia.
— Ganhei uma nova cliente, saboreiem as fritas, turminha. — E assim ele
voltou para o comando do balcão.
Batucamos na mesa em conjunto, agradecendo a gentileza.
Em poucos segundos não havia mais nenhuma batata para contar história,
recolhemos a sujeira, pagamos a conta e corremos para a WIS, com o horário de
almoço bem apertado.
A entrada para os elevadores estava impossível, todos resolveram voltar do
almoço ao mesmo tempo, deixando o hall uma loucura.
— Agora é oficial, estamos atrasados — Lucca fez questão de avisar nos
apavorando um pouco mais.
Não é possível que nos atrasaríamos no primeiro dia, isso era praticamente
inaceitável. Permanecemos ali, esperando que nossa vez chegasse, inquietos,
aflitos. Até que finalmente a maldita porta metálica se abriu, pulamos para dentro
e Raica apressou-se em apertar o botão, mas o elevador não subiu.
Podia ficar pior? E ficou.
— Será que está quebrado? — Raica resmungou, apertando os botões como
se valessem sua vida. — Gente, não funciona.
Chequei o relógio de pulso, sofrendo um pouco mais, tínhamos cinco
minutos para subir e o negócio não funcionava. Inclinei a cabeça disposta a
quebrar o painel, quando um par de olhos castanhos me manteve paralisada, tentei
desviar do magnetismo, no entanto, não foi possível, a atração daqueles olhos
quentes me prendeu ali.
“Meu Deus, quem é ele?”
Meus olhos percorrem meio que tímidos toda a obra à minha frente. Jesus…
Voltei a encará-lo, meio zonza, meio besta e um sorriso sugestivo apareceu
naqueles lábios que quis pra mim. Enquanto tudo ao nosso redor parecia afoito,
ficamos nos saboreando como aperitivos, até que o elevador resolveu funcionar.
“Cacete.”
Aproveitei e voltei a respirar…
“Nossa, o que foi isso?”
Tentei raciocinar, à medida que a máquina subia, só que as sensações que
fluíam no meu corpo me confundiram um pouco. Era um misto de curiosidade
com fascínio — estupidamente interessante.
— Acho que você arrumou um fã — Lucca cochichou no meu ouvido.
— Como? — sussurrei, temendo que alguém o ouvisse.
— Você viu como ele estava te olhando?
— Quem?
— O executivo bonitão.
— Não… eu…
— Chegamos — falou Renan, aliviado.
A turma passou por mim, apressados, intrépidos, ao passo que minha mente
abusada processava aquele rosto — intenso, atraente, sinuoso. Havia alguma
coisa incomum ali, não sei explicar, ou compreender, só sei que esse cara acordou
algo adormecido em mim.
Não levamos nenhuma bronca, pelo contrário, o supervisor Maico foi até
compreensivo com o fato de o elevador ter “dado pau”. As horas passaram rápido
no segundo período, o treinamento fluiu com uma preciosa lição: raciocínio
rápido. Eles eram exigentes com cada detalhe, isso explicava o nível da empresa e
uma leve dor de cabeça que me atingiu com a quantidade de informação para um
primeiro dia.
Fomos dispensados.
Demorei um pouco para guardar as coisas dentro da bolsa, por isso, fui a
última a deixar a sala, já havia combinado com Lucca de irmos juntos para o
metrô. Portanto, não foi surpresa encontrá-lo no hall.
— Lucca, desculpe, me atrapalhei um pouco…
— Tudo bem, garota.
Aproveitamos aquele tempinho de espera para dar risada de algumas gafes
cometidas no treinamento. Novamente o elevador demorou a chegar, já estava
pegando ranço, pois o cansaço do dia começou a bater.
O painel exibiu o número do andar.
As portas deslizaram…
Puta que pariu.
Tudo que tinha que fazer, como entrar, por exemplo, fugiu e, sem ação,
estagnei como uma tola.
O cara… ele inteiro.
Lucca entendeu, entrando primeiro e me puxando depois. Fora que o amigo
recém-conquistado deu lugar para que eu me encaixasse no espaço, ou melhor
entre os homens. O perfume diabólico consumiu minhas narinas, delicioso,
provocante. Devia, mas não me atrevi a lhe lançar um olhar, apesar do meu rosto
queimar com o seu em conquista.
Elevador, quem sabe você não quebre agora?
Seria uma ótima ideia.
Nem tanto, o Lucca estava presente, o que podia acontecer?
Suspirei frustrada.
A máquina parou, infeliz, obrigando-nos a descer. Lucca se adiantou,
constatei que estava sem crachá quando ele pressionou o seu na catraca, detive os
passos com intuito de procurar a liberação dentro da bolsa e ele passou por mim,
falando ao telefone.
Timbre rouco.
— Sim, é o Ricky… — Interrompi a minha procura. Então, o nome dele é
Ricky! — Pode falar… Claro…
Agilizei o crachá o mais rápido que pude para acompanhar sua saída,
seguindo-o de longe ainda dentro do saguão, empaquei como uma boba, enquanto
assistia um funcionário uniformizado entregar a chave a ele, que ainda falava no
celular, parecia ser uma conversa formal pela seriedade do seu rosto que apreciei
mesmo de longe. Logo que finalizou a ligação, colocou o aparelho no bolso e
desprendeu o único botão do terno azul de corte fino, sumindo ao entrar no seu
Porsche.
— Júlia! Você está bem? — meu novo amigo perguntou, aparentemente
preocupado.
Virei para ele e tentei sorrir.
— Sim, eu… euuu… — gaguejei estúpida.
Tolice, Júlia… tolice.
A pergunta era: Porque ainda permaneci parada como se precisasse de algo
para seguir?
Inspirei e expirei, buscando a sanidade que perdi em algum momento.
“Porra, enlouqueci.”
— Você se encantou pelo executivo misterioso, certo? — insinuou o guru.
— Não… eu! Nãooooooo… Claro que não… não, nem pensar. — Esforcei-
me em disfarçar, bobagem. Ele percebeu. Claro que percebeu, quem não
perceberia, afinal?
Peguei um elástico no bolsinho lateral da bolsa e prendi o cabelo num coque
bagunçado.
— Claro que sim — reforçou Lucca, brincando comigo.
Não, não, sem brincadeira, o assunto é sério.
Eu praticamente fui hipnotizada pela cara, ou… Ricky.
— Até parece que… Esquece! — dispensei a insinuação do meu amigo. —
Estou muito cansada, vertigem, só isso.
Ele sorriu desconfiado, não persistindo na questão.
Quem diria que um primeiro dia me traria tantas sensações novas, ou talvez
irresistíveis.
03 | Júlia Sales

Vinte dias depois…


— Jú, acorda! — esbravejou minha mãe, enquanto invadia meu quarto. —
“Bora”, o dia está sorrindo.
— Ah… — Bocejei. — Apaga essa luz, mãe, enlouqueceu?
— Júlia, acorda, temos que aproveitar o sábado!
— Não, senhora, o sábado foi feito pra dormir — murmurei me embalando
embaixo do edredom. — Adeus, não esquece de apagar a luz.
— Anda, menina.
Toc toc toc, seu sapato começou a sapatear todo o piso, endoidando meus
tímpanos, adeus soninho.
Argh.
Soltei uma lufada de ar e cobri minha cabeça com o travesseiro, na tentativa
de ignorá-la. Eu estava exausta, e minha mãe sabia disso, então por que diabos ela
estava me atormentando?
Nunca estudei tanto na vida, os vinte dias de treinamento foram intensos e só
ressaltaram o título de número um do mundo, passei a admirar ainda mais a
universidade que preza muito o crescimento profissional dos seus colaboradores.
O sistema deles era único e exclusivo, desenvolvido na Califórnia, sede de
Berkeley. E sim!!! Eu terei um MAC à minha disposição na minha mesa, porque
eu também terei uma mesa, canetas e agenda. Afinal, uma nova Júlia nasceu
quando pisou na WIS CONECT.
Eu finalmente abri a guarda, surpresa com os novos amigos, quase sempre
almoçávamos juntos e, nunca, nem em sonho, chegamos atrasados novamente,
visto que o primeiro incidente havia sido esquecido, não voltamos a vacilar.
Infelizmente tive que me despedir de dois deles, Lucca e Renan não ficariam no
mesmo setor que eu, a área deles era outra. Em festa ganhei a Raica, que
considero uma das pessoas mais fantásticas com quem já convivi.
Confesso que pensei no Ricky, pois esse nome nunca mais saiu da minha
cabeça, assim como seu rosto, seu cheiro e seus olhos castanhos e quentes, no
entanto, como uma miragem, o homem nunca mais apareceu. Tá legal, dei uma
de maluca algumas vezes e passeei no saguão como quem não quer nada à espera
de que, quem sabe, o príncipe moreno ressurgisse, com sua carruagem — nada
luxuosa, o Porsche preto —, e olhasse para mim e eu olhasse para ele, e hum…
sei lá: a magia acontecesse.
Só que não passou de sonhos e expectativas.
Na véspera, último dia de treinamento, recebemos das mãos da Ellen Castiel,
a mulher linda e poderosa que passei a admirar, as cartas de bolsa para a
universidade, sem dúvidas o momento mais especial de todo o processo, sendo
que, se eu não entrasse como bolsista, jamais estudaria na WIS UNIVERSITY.
Provavelmente seria necessário eu vender um rim para garantir o pagamento de
seis meses de estudo. Depois desses vinte dias ralando, eu estava moída,
querendo um final de semana largada da cama pro sofá e vice e versa. Só que
dona encrenca resolveu me azucrinar.
— Vamos ao shopping fazer compras.
Isso estava longe de ser um convite, estava mais para um mandato.
— Hein? — falei, saindo do refúgio e sentindo o sol incomodar meu rosto.
Ela abriu as cortinas e, consequentemente, as janelas, deixando a luz do dia entrar
e acabar com meu sossego. — Não, negativo… nem pensar.
— Júliaaaaa… — A mulher a quem eu chamo de mãe tem a voz mais
estridente e perturbadora do mundo. — Levanta, agora! — Ela parou, porém na
minha frente.
Não tenho estrutura para competir, dona Ana era teimosa, portanto, obedecer
à sua ordem era o mais sensato a se fazer.
— Tá boooooom… — Sentei-me na cama. Espera! Manhã de sábado, salão
lotado, onde encaixa passear no shopping? — Hey, empresária, não devia estar no
salão? O que houve, faliu?
Ela forçou um sorriso e se sentou na beirada da cama.
— Hoje, exclusivamente, é dia das meninas. Precisamos de um tempo
juntas. — Pousou as mãos sobre a minha cabeça, deslizando-as até o início da
minha trança improvisada e, delicadamente, começou a destrançar o meu cabelo.
— Você iniciou um novo ciclo, universidade e trabalho. — Levemente seu dedo
tocou meu rosto e o girou ao encontro do seu. — Estou muito orgulhosa de você,
filha.
— Mãe, sabe que sem você nada seria real.
— Meu tesouro, você merece cada conquista.
— Te amo, mãe.
Nos abraçamos e, claro, as lágrimas vieram só para lembrar que somos duas
choronas tolas.
— Então hoje sou sua, pode abusar. — A mulher que amo mais que a minha
própria vida, se afastou oferecendo o espaço para que eu sumisse da sua frente. —
Agora, banho!
— Então é melhor eu levantar.
Pulei da cama e corri para o banheiro. Meu banho foi rápido, em trinta
minutos já estava a caminho da sala, aguçada com o cheiro de café que pairava no
ar. Enquanto entornava o líquido na xícara, reparei na elegância de mamãe, ela
não conseguia ser básica, mesmo num simples passeio ao shopping. Independente
de todo o sofrimento que suportou, permaneceu linda, tudo em cima, com pernas
torneadas sempre guiadas por um salto alto.
— Temos que fazer compras, você agora é uma universitária e funcionária
da WIS UNIVERSITY CONECT. Precisa estar apresentável — disse, sorrindo. —
Você sabe que é minha vida, certo?
— Sei, mãe.
— Então é hora de amadurecer, virar uma mulher e olhar para o seu futuro
com mais responsabilidade. Nunca esqueça de usar sempre… camisinha…
Quase cuspi no ar todo o café que acabei de sorver.
— É assim que inicia uma conversa sobre sexo?
— Só quero saber se está transando, Júlia! — a curiosa indagou, dramática,
com braços cruzados e cara preocupada.
— Por que esse papo agora? Estou com cara de quem está transando?
Apesar que me toquei com frequência nos últimos dias, o cara estimulou
muito minha imaginação pervertida, até batizei meu vibrador de Ricky.
— Quem sabe. Vocês jovem camuflam tudo, está ou não?
— Talvez. Pode ser! — Joguei no ar, só para deixá-la puta da vida, pois o
grito viria a qualquer momento. — Difícil responder.
Minha mãe não era a mulher mais liberal do mundo, mas também não me
criou com regras rígidas, confiança sempre foi o nosso enredo. Não há segredos
entre nós, nunca houve.
— Júlia, não me faça comer todos os seus chocolates — ela ameaçou,
colocando em risco toda a confiança construída até então. — Sabe que sou capaz.
— Pode ficar tranquila, não estou transando — confessei, rápido,
verificando em seguida os meus lindinhos no armário. — Esqueceu que não tenho
namorado?
— Namorado também, fora de questão, pelo menos nesse momento. Foque
na faculdade.
— Sim, capitão. — Finalizei o café quase frio, concordando com ela,
namorar estava fora de questão, mas não aguentei e soltei a pérola do dia. — E a
senhora? Está transando?
Ela esbugalhou tantos os olhos que pensei que saltariam para fora.
— Shopping, garota. Aguardo você no carro. — A danada fugiu como o
diabo foge da cruz, gargalhei, vendo sua bochecha corar enquanto partia.

Bem-vindo ao shopping Jk Iguatemi, era o que estava escrito na placa


prateada no alto da entrada. O lugar onde eu podia me passar por rica sem que
ninguém duvidasse — ou me chamasse de louca —, estava lotado de famílias e
pessoas desocupadas como eu e minha mãe. Confesso que meu sonho era um dia
entrar na Gallerist e gastar alguns reais sem me preocupar que o mundo ia cair na
minha cabeça depois. Mas como todos os shoppings de luxo, ali também tinha
lojas populares como C&A e Riachuelo, que reuniam diversos estilos a preço
acessível.
E exatamente nelas faria compras.
Ainda receosa em acabar com o limite do cartão de crédito de mamãe,
escolhi poucas peças, digamos que fui estratégica, peguei roupas que
combinassem com o que já tinha no guarda-roupa. Porém dona Ana me
surpreendeu quando encheu meus braços com as peças escolhidas por ela, não fiz
cerimônia e aceitei o presente.
Passeamos pelo andar, observando vitrines, sem pressa, só curtindo uma à
outra — como há muito tempo não fazíamos. A mulher ao meu lado era uma
batalhadora das mais fortes, construiu seu nome como cabeleireira quando eu
ainda era criança. Naquela época morávamos num sobradinho de quatro cômodos
na zona norte, tempos em que fugir de um canto para o outro era nossa rotina.
Mesmo sem condições, ela improvisou seu salão num dos cômodos e começou a
atender suas primeiras clientes — com a cara e a coragem. Aos poucos
conquistou uma boa bagagem e, com isso, uma carteira farta de mulheres
vaidosas. Foi então que Marcos apareceu, trazendo a aquele pequeno espaço,
esperança. Os dois juntos locaram um lugar na zona sul — uma vez que fugir
voltou a ser nossa sina e o sobradinho não mais um lar. Atualmente, um
empréstimo arriscado, mas preciso, levou a "Cherry Fashion” a seu novo
endereço — o Shopping Iguatemi.
Cá estamos.
— Agora, cabelo e unhas? — ela sugeriu enquanto pisamos juntas no degrau
da escada rolante, em direção ao andar de baixo. — O que acha?
Excelente proposta.
— Simmmmm! Aproveito e mato a saudade do Marcos.
Ela assentiu, e caminhamos em direção ao salão na outra extremidade do
andar.
— Ai, meu Deus, lindaaaaaaaa — gritou o cabelereiro, frenético, assim que
me viu chegar. — Meu amor, saudades…
— Oi, Marquito, belezinha?
— Super, garota. — Me apertou contra seu corpo, beijou minha testa e virou
para minha mãe. — Olá, chefa.
Ela piscou para ele, antes de explorar o salão moderno e elegante.
— Marcos, vem cá.
— Sim, chefa.
— Você pode, por gentileza, dar uma ajeitada naquela bagunça ali? —
Ironizou apontando para ‘euzinha’, mesmo tendo no seu campo de visão uma
cliente que carecia de trato.
— A bagunça sou eu? — Apontei para o centro do peito, avaliando meus
cachos num espelho de corpo inteiro que ocupava a parede de entrada. — Tô feia,
Marcos? — choraminguei para ele.
— Até parece. — Ele já estava ao meu lado. — Talvez esses fios precisem
de um corte, um Botox para amenizar o volume… O que acha?
Sinceramente, cortar o cabelo não estava nos meus planos. Adoro meus
longos cabelos castanhos um pouco acima da cintura, apesar de eles não me
obedecerem muito, sempre com fios ariscos tirando horas do meu tempo na frente
do espelho.
De fato, uma mudança radical podia ser legal.
— Marcos, eu topo, pode cortar.
— Que honra, vou dar um trato na universitária.
O cabeleireiro não pensou duas vezes, primeiro sua ajudante lavou meu
cabelo para a aplicação de uma química fraca que trabalhou nos fios por um
tempo e depois foi enxaguada. Liberada pela moça, Marcos me levou pelo braço
ao seu canto de trabalho, jogou a capa lilás sobre o meu corpo como proteção dos
fios que seriam desperdiçados e me fitou com cara de quem ia aprontar, pegou a
tesoura e se transformou em Edward.[1]
Não escondi meu desespero ao testemunhar os primeiros fios caírem no
chão, senti meu coração acelerar, até pensei em desistir, rezei arrependida, sofri
em antecipação. Marcos só ria, se divertindo com o meu sofrimento. Não tão
confiante assim, fechei os olhos e entreguei nas mãos de Deus.
Minutos eternos depois…
— Abre os olhos, Jú — o sem coração pediu, mas não tive coragem. —
Abre, garota, e olhe minha obra-prima.
Minhas pálpebras se desprenderam devagarinho.
Uau…
— Jesus… Marcos! Ficou perfeito, adorei! Obrigada!
Saltei da cadeira depois que ele cuidadosamente me varreu inteira, tirando
uma quantidade considerável de fios que, mesmo com a capa, se espalharam pelo
meu pescoço. Fui em busca do superespelho da entrada, choquei, admirando a
transformação.
— Gostou do comprimento? — Quis saber, vaidoso. — Olha como
valorizou seu colo.
— Sim, muito.
Marcos repicou todo o cabelo deixando-o rente aos ombros, a química soltou
os cachos e, para qualquer lado que eu jogasse os fios, eles tinham um caimento
perfeito.
— Amei, Marcos. — Apertei sua bochecha com um beijo. — Obrigada.
— Olha a economia de shampoo, aí. — Mamãe piscou para Marcos. —
Olga, finaliza a Graça por favor. — Deu a ordem para uma funcionária e fugiu
para o escritório.
— Agora pé e mão e, depois, limpeza de pele.
Acabamos ficando um bom tempo no salão, e eu já estava desfalecendo de
fome. Minha mãe propôs, o que fui relutante em aceitar, almoçarmos no
restaurante do meu tio Jorge, pai da Melissa, a prima traidora. O homem rico e
esnobe possuía uma rede de restaurantes de luxo.
— Mãe, quantos restaurantes têm nesse lugar? — arquejei, irritada com a
questão. — Temos realmente que comer lá? A comida nem vai fazer digestão.
— Pelo amor de Deus, pare com isso e vire essa página, já passaram dois
anos, Júlia.
— Não importa, quero distância desse povo.
Ela me olhou com cuidado e chegou mais perto.
— Seu tio nem tá lá, por favor.
Nunca entendi essa babação da minha mãe no meu tio, o homem é arrogante
e nunca moveu uma palha para nos ajudar quando realmente precisamos, pelo
contrário, sempre que teve oportunidade lembrou o quanto a vida dela era
péssima. As histórias sobre o meu pai surgiram de indiretas vindo dele, eu era
apenas uma garotinha de cinco anos que, até então, não tinha um pai presente. E
para mim estava tudo bem, minha mãe sempre supriu todas as necessidades. Mas
o ardiloso, não estando satisfeito com isso, sem aviso me contou, tudo de uma
única vez:
“Júlia, seu pai é um bandido cruel. Ele espancava sua mãe quando você
ainda estava na barriga dela e voltou a fazer mesmo depois que você nasceu.
Inclusive quase a matou, o que teria feito se eu não tivesse chegado a tempo,
porque matar para ele é fácil, ele é um assassino."
Chocada, com medo, com ódio, chorei durante uma semana, tentando
compreender a crueldade do homem a quem só recordava o timbre da voz áspera
e amarga.
Odeio essas recordações.
— Vai, Júlia, aceita… — Insistência é seu nome. — Vai, filha?
— Afê, que chatice.
Por fim, acabei concordando só porque meu cabelo estava incrível e o dia
havia sido perfeito até aqui.
Como todos conheciam minha mãe no “Delicius”, nos colocaram em uma
ótima mesa, serviram um bom vinho, além do filé mignon com molho madeira
que o chef fez questão de servir pessoalmente. A princípio achei que o homem
estava flertando com ela e, possivelmente, seria o motivo da sua insistência em
almoçarmos ali, mas caí do cavalo, concluindo que o chef estava mesmo
paparicando a irmã do dono.
Almoçamos em silêncio, puta merda, a comida é divina, doeu admitir.
Enquanto minha mãe falava com tia Paula ao telefone, me distraí balançando
minha taça com um último resquício de vinho. Nunca fui sensitiva, mal consigo
ficar um segundo meditando de tanto que sou conectada com o mundo, contudo
algo me incomodou, um arrepio vagaroso percorreu minha coluna, me deixando
alheia.
Inquieta.
Olhei para os lados, nem sei para onde, só olhei.
Vi o sorriso aparecer quando cruzei teu olhar.
Caralho, me recostei e sorri também, procurando entender o que tinha feito
de bom para ganhar esse presente do universo, de todas as coisas que imaginei
acontecer hoje, este momento não passou sequer pela minha cabeça. Já tinha até
desistido de encontrá-lo. Agora, esquecer o quanto tudo aquilo mexeu comigo,
isso não esqueci.
Pensei em levantar e ir lá falar com ele. Por que não? Desviei para minha
mãe que nem percebeu a troca de olhares, pois minha tia Paula consumia toda a
energia dela pelo telefone. Então voltei para ele e flagrei seus lábios moverem
para o lado e depois abrirem um pouco esboçando uma palavra. Decidida, me
levantei, ele também.
— Ricky, demorei? — Uma mulher chegou falando e beijou seu rosto. Mas
não se apossou do assento vago, o executivo a conduziu para fora do restaurante,
evitando um novo contato comigo.
Permaneci atônita assistindo à partida dos dois, ainda sem acreditar no
acontecimento surreal, finalizei o vinho e voltei a olhar como se ele pudesse
retornar sem a mulher, sem a Ellen Castiel, minha chefe.

Um pouco depois voltamos para casa, exaustas, me refugiei logo no meu


quarto com a desculpa de guardar as roupas novas que compramos. Minha mãe,
que de boba não tinha nada, percebeu minha mudança de humor brusca, assim
que saímos do restaurante. Achei estranho tudo aquilo e não consegui entender
por que me sentia brava pelo fato de ter visto Ricky — alguém que nunca falei
—, encontrar casualmente, espero em Deus, minha chefe direta.
Que homem lindo, fiz questão de lembrar, estava tão casual com aquela
malha branca.
Qual será a relação daqueles dois? Namorados?
Encaixei uma peça no cabide.
E qual será a ligação dele com a WIS? Talvez um cliente ou executivo!
Embora não o tenha visto no prédio administrativo, tudo me levava a crer
que Ricky era envolvido de alguma forma com a empresa, ou melhor, com a
Ellen. Provavelmente namorados, ou estão se conhecendo, já que se
cumprimentaram com um simples beijo no rosto.
São perfeitos juntos.
— Júlia… — Não tem jeito, ela entrou sem bater. — Tudo bem?
— Ahaaa — respondi e encaixei o cabide no suporte, esperando dona Ana
dizer o motivo de interromper meu raciocínio. — Qual o problema? — Quis
entender o silêncio e semblante apático. — Esse olhar pidão… Quer dinheiro? Já
digo, tô zerada, a empresária aqui é a senhora — brinquei, ela sorriu breve, me
encarando séria depois. — Fala, mãe, o que tá pegando?
Ela escorou na cômoda, antes de falar, ou melhor, me irritar.
— Seus tios convidaram a gente para um jantar, amanhã — falou devagar e
eu arqueei a sobrancelha. — Eu aceitei, por nós duas.
— Eu não vou, sabe disso, né?
— Júlia, chega desse ódio, evolua…
— Oi? Tá gozando com a minha cara, mãe?
— Não, somos família.
— Somos o quê?
Faltava ar no espaço.
— Filha, eu sei que a Melissa errou, todos erramos e…
Larguei na cama a blusinha que ia pendurar no próximo cabide.
— Querem que eu a perdoe? — A voz soou ferida. — Esse é o motivo do
jantar?
— Não! Ela quer apresentar o namorado para a família.
— EU NÃO SOU A FAMÍLIA DELA — berrei e fui para o banheiro.
— Não grita comigo, Júlia — ela não pediu. — Chega dessa merda.
Revirei os olhos que já ardiam e liguei o chuveiro, antes de tirar a roupa e
jogá-la no cesto.
Os desgraçados não se contentaram com a humilhação e agora querem me
esfregar um namorado na cara, como se isso apagasse o que a vadia fez comigo.
Não engulo. Não aceito. Mergulhei a cabeça na água quente para aliviar a tensão,
mas não, a cena voltou nítida.
Melissa e eu fomos criadas praticamente juntas, não com as mesmas
regalias, pois meu tio era um grande empresário, já minha mãe, uma ferrada. A
princesa sempre teve tudo que quis, viagens, roupas de grife, uma bela casa,
enquanto eu tinha o que era cabível ter e nunca reclamei. Independente da
diferença social tínhamos uma amizade que considerava sincera, até eu encontrá-
la nua na cama do Caio — meu namorado.
— Jú, apague isso, você superou as dificuldades. — Ouvi minha mãe falar.
— Agora se mostre superior.
Esse ponto me fez pensar, “superior”. Talvez precisasse mostrar que estava
bem, que não era mais a coitada que eles podiam pisar, a ressentida por conta de
um deslize da princesa.
Foda-se.
Finalizei meu banho e voltei para o quarto com a minha mãe de prontidão.
Se tinha algo que me levava ao inferno era a insistência de dona Ana, impossível
competir com o poder de persuasão da baixinha. Vesti um pijama e me deitei com
o ruido impaciente próximo à porta.
— Tudo bem, eu vou — declarei e desliguei o abajur.
04 | Júlia Sales

Paula, esposa do tio Jorge, nos recebeu e não sei o que me irritou mais, se foi
seu sorriso falso ou o cabelo cheio de laquê que tornou sua cabeleira uma nave
espacial bizarra. A chata nos guiou até a sala de estar, lindamente decorada, tenho
que admitir, e começou a falar igual a um papagaio grotesco demonstrando o
quanto era fútil e ridícula. Não permaneci junto delas, me afastei sentando numa
poltrona próxima à janela, ocupando-me com o celular.
— Boa noite — meu tio chegou falando. — Que prazer tê-la aqui na minha
humilde casa, amada irmã.
Porra.
Revirei os olhos, enjoada com a falsa modéstia.
Aquela casa estava longe de ser humilde, tínhamos ali quilômetros de
terreno muito bem aproveitado, com direito a um jardim extenso, piscina, área
para empregados, sauna e muito mais que nem lembro por não frequentar mais o
lugar. Agora humilde, não era. O homem me cumprimentou com um beijo na
testa, que limpei assim que se afastou para juntar-se às mulheres e ficaram lá
conversando sobre a dama da noite, até a infeliz aparecer.
— Boa noite, gente — a voz soou macia. Quase de algodão. Melissa estava
vestida com um lindo vestido preto e sandálias altas. — Demorei? — Sorriu, indo
encontrar a tia, que já estava de pé para abraçá-la.
— Tá linda, Mel.
Quase vomitei.
Avaliando o quadro, me arrependi amargamente de ter vindo. O que eu
quero provar afinal? Que esqueci tudo? Que se foda ela ter transado com o filho
da puta do Caio? Que não ligo? Quero convencer quem, se eu mesma ainda sinto
o azedo na boca? Esse fingimento não fazia meu gênero, a vaca permaneceu
conversando com os mais velhos, enquanto eu saí sem disfarçar o abandono para
o jardim. Caminhei morosa na grama amparada, respirando ar puro e implorando
a Deus, no trajeto, uma dose extra de paciência; precisava suportar o jantar, a
arrogância, e ir embora como uma bela dama.
Longe de tudo estava sendo até fácil superar, mas estando aqui de volta,
principalmente neste jardim que brinquei muitas vezes quando criança, era
impossível.
— Júlia…
Voltei-me para a entrada, ali estava ela.
Cínica.
Um passo, dois… e eu neguei a aproximação, mas a garota nada inocente
quis me encontrar.
— Podemos conversar?
— Conversar, Melissa? Quer falar sobre o quê? Esmalte?!
Ela apertou os olhos e se esquivou.
Nada que fosse dito apagaria a revolta que movimentava meu peito. Não
havia palavras, por mais sinceras que fossem, capaz de superar a imagem, a cena,
o instante que permaneci parada, imersa em choque no cenário desleal.
— Eu errei, tá legal? Me iludi com aquele cretino, mas…
— Mas…?
Ah, o interesse no “mas” esticou meus lábios, talvez um motivo ilustre
explique as razões da minha prima e amiga ter me apunhalado pelas costas.
— Eu amo você, Júlia, sinto sua falta e nada é o mesmo sem a sua amizade.
Segurei a gargalhada e só sorri com ironia, é claro. Amor. Essa garota
reafirma minha burrice. Jesus. Achava mesmo que as lágrimas que escorriam
poderiam apagar a foda daquela noite?
— Melissa, vai se foder.
— Como pode ser tão dura?
— Como pôde ser tão vaca!?!
O olhar duelou e a fúria muito bem representada estava a ponto de esmagá-
la.
— Meninas, os convidados chegaram. — Paula nos interrompeu, ainda
assim o contato visual permaneceu queimando. — Mel, o Ruben está na sala com
o primo, venha recebê-lo.
Ela quebrou aquilo a tempo de a merda não respingar no jantar, busquei
controle do âmago, pois chorar não era o que pretendia fazer, me sentir frágil,
ferida diante deles, estava longe de demonstrar que superei a traição. Ignoraram
meus sentimentos, pisotearam minha dignidade, como se tivesse que sentir calada
a navalha ferindo meu coração.
Tapei a boca e engoli o pranto.
Não aqui.
— Dane-se, não suporto nenhum deles, não faz sentido minha presença…
Alcancei o ambiente em tempo recorde, disposta a mandar todos à merda e
retrucar qualquer protesto, só que o destino, como um leviano, desarmou seja
qual fosse o armamento que estivesse em punho. Meu sangue pulsou diferente
assim que reconheci um dos convidados.
05 | Ricky Walke

— Acorda dorminhoco, hoje é domingo.


Ignorei a voz melódica no ouvido e seus carinhos no pescoço, e virei para
lado oposto, me desvencilhando e retomando meu sono. A noite intensa e o sexo
selvagem me esgotaram, precisava descansar. A contar dos dias que
desembarquei no Brasil até a véspera, não houve sequer um momento de sossego,
mesmo estando acostumado à rotina de trabalho fatigante e a noitada com
mulheres fogosas, caso acontecesse, não dispensaria um tempo sozinho.
— Vou chupar seu pau gostoso…
E pelo visto não ia acontecer tão cedo, Ellen não ponderava as artimanhas
para transformar o silêncio em gemidos.
— Depois vamos trepar… — suas unhas arranharam minhas costas —, meu
dia tem um upgrade com essa dinâmica.
A diabinha persistente já me colocou duro para seu deleite.
— Foder a sua boca pela manhã, jamais recusaria. — Busquei o rosto
ordinário. — Ajoelha pra mim, bem vagabunda como eu gosto.
Ela mordeu os lábios e deslizou para fora da cama, se posicionando
obediente.
Fiz o mesmo.
— Ellen, Ellen, o que faço com você?
A ardilosa riu devassa, fechando a mão no meu membro, íntima, ousada.
Prendi seu cabelo entre os dedos para ter domínio do ritmo.
— Me chupa.
Os olhos caíram para o seu desejo, gani baixo quando a língua úmida
circulou a glande, os lábios deslizando lentamente no cacete, voltamos ao contato
visual, depravado, obsceno. Nosso. Deixei a fogosa ditar a velocidade até meu
pau atingir sua garganta para, então, assumir o controle, apertei os fios escuros
puxando o couro cabeludo e ela arquejou com o contato brusco. Enterrei o quadril
contra seu rosto, fodendo sua boca com tanta força que era possível afogá-la no
prazer. Ellen apoiou as mãos nas minhas coxas e autorizou cada estocada
profunda.
Essa era a dinâmica que eu gostava e ela mais ainda.
— Você é uma safada gostosa que me leva ao limite.
A lamúria rouca soou de baixo.
Ellen e eu, carne e tesão, nada além disso.
Por um instante me senti um miserável por alimentar aquilo que só
empurrava, ia levando. Caralho, eu não compreendi o motivo do pensamento
fodido rondar minha cabeça, visto que a outra estava prestes a explodir em porra
na boca da mulher. Não houve tempo para a conclusão, meu pau inflou, jorrando
espasmos de gozo na boca saborosa.
— Caralho…
Ela engoliu cada gota, como a gulosa que era.
— Agora é sua vez, na banheira — avisou, erguendo-se com sensualidade.
— Gostoso… — Soprou um beijinho, enquanto desfilava na direção sinalizada, o
rabo evidenciado a cada passada de perna. A diaba ia receber meu pau nessa
bunda em alguns minutos. — Um minuto, garanhão…
— Vai na frente, estou atrás de você.
— Assim que eu gosto.
— Safada.
— De carteirinha.
Meu relacionamento com a Ellen é aberto, sou livre, ela também. Entre nós
não há cobranças ou acusações, ao menos não da minha parte, sempre fui honesto
de como as coisas funcionavam, de como eu queria que as coisas funcionassem
depois que rompi o noivado, e ela aceitou.
No entanto, há algum tempo me sentia incomodado.
— Ricky, vem, gostoso…
A sensação ensossa se desfez com o chamado que voltou a estimular minha
espada.
— Ei, realmente vou comer sozinha? — Ellen perguntou no ímpeto da sua
chegada, escorou no batente e explorou com olhos exigentes. — Nossa, não
lembro de ter feito esse tipo de desfeita contigo.
— Você faz muita coisa comigo.
— Hum, faço sim. — A diaba soltou um sorriso ordinário que se desfez na
avaliação desconte. — Vai correr?
Finalizei vestindo rapidamente uma calça larga e tênis, pois correr pela
manhã fazia parte da minha rotina. Além do mais, pretendia, mesmo sendo
domingo, revisar alguns contratos e, no início da noite, tomar um drink em algum
lugar com o Athos, fazia um tempo que não encontrava o puto do meu amigo.
— Nos falamos depois, infelizmente não vou te acompanhar com o café.
Passei por ela, deixando-a frustrada no espaço do closet.
— Quanto tempo desta vez? — O tom amargo me devolveu.
Fitei o semblante ríspido que apareceu na entrada do quarto, sabendo
exatamente o que responder, mas não o fiz, pois seria dar satisfação do tempo que
ficaria no Brasil.
— Pergunte para a Valéria, ela comanda a minha agenda.
— Sua secretaria sabe mais da sua vida do que você?
— Claro que sim, inclusive, esse momento foi agendado por ela, não é ciente
disso?
— Ricky, sem ironia.
— Não gosto de cobrança, Ellen.
Segui sem delongas para o andar de baixo. Maria, minha empregada, já
havia posto uma mesa farta com o desjejum. Me servi de suco, peguei o celular e
chequei as mensagens, havia uma do meu irmão que resolvi ver depois. Conferi
as demais, nada de importante, deixei o copo sobre a mesa e me preparei para
sair, mas a voz transformada impediu o próximo passo.
— Ricky, eu quero voltar a ter você pra mim. — Seu peito expulsou o ar. —
Cansei.
Não me surpreendi, talvez pelo fato do meu subconsciente ter me avisado e
mesmo assim eu abafar a urgência. Porra, essa conversa já aconteceu e sei o
desgaste que é entrar nesse círculo vicioso.
— Eu vou correr, você vai tomar o seu café e descansar, na sua casa, de
preferência. Amanhã conversamos.
Ela engoliu a ordem a contragosto, a fisionomia dura não escondeu.
— Sim, senhor. — A ironia pingava de sua voz.
Quebrei o contato e parti, sei que depois de uma corrida meu sistema vai
saber como lidar, mais uma vez, com a situação.

Correr sempre foi um dos meus esportes favoritos, consigo exercitar todo o
meu corpo de uma única vez, principalmente a mente, que no meu caso estava
bem conturbada. Percorri alguns quilômetros antes de sentar-me numa praça
próxima ao meu condomínio, apoiei os cotovelos nos joelhos e conflitei meus
pensamentos: trepar com a Ellen me fazia bem, havia intimidade, conexão. Nem
de longe um relacionamento possuía os mesmos quereres, sufocava, entediava.
Sei o quanto ela é uma mulher incrível, parceira que sempre esteve ao meu lado
em momentos turbulentos que nem reconhecia o meu “eu”. Mas ela merecia
“mais”, algo muito distante dos meus planos, mesmo com ela.
A solução óbvia, embora recusada por vezes, seria a distância.
Ellen seguiria ao encontro do compromisso que lhe importava e eu
permaneceria com os hábitos que estou acostumado.
Ótimo raciocínio.
O difícil seria descarrilhar para fora do círculo vicioso que se tornou o que
mantemos: ela pede mais, eu me recuso, nos afastamos por um tempo, até que
suas carícias a devolvam para minha cama novamente.
Hipocrisia.
Desviei para o celular, o toque desconectou minha mente de pensamentos
contraditórios às minhas ações. Peguei o aparelho e verifiquei a tela, era o
Nicholas, outra mensagem, resolvi ler, já que ignorei a anterior.

Arfei e não me dei ao trabalho de responder.


Mesmo com o tempo, nada foi esclarecido e um mundo de incertezas se
instalou mutuamente. Praticamente dois estranhos, escusos, quase inimigos.
Infelizmente, o laço terno que tínhamos findou e não havia mais resquícios de
sentimentos leais, só farpas e provocações. Não era feliz com a situação. Antes de
toda aquela merda éramos um só, eu, seu herói por ser o irmão mais velho,
mesmo com pouco diferença de idade e ele, o mano querido e companheiro,
sempre ao meu lado.
Tomei o resto da água que sobrou na garrafa, descartando a embalagem no
reciclável ao lado e teria seguido para a cobertura, livre de tantas reflexões
fodidas, no entanto, outra ligação me manteve ali e, desta vez, um sorriso alegre
apareceu ao atender.
— Fala, Ruben…
— Tudo bem, Ricky?
— Tudo certo, estava correndo. Como vai a tia Ester e seu pai?
— Viajando, provavelmente estão na Itália agora.
— Podemos almoçar, o que acha?
Encontros como esses aliviavam a carga que muitas vezes pesava quando
estava em temporada no Brasil.
— Na verdade, preciso de um favor.
De acordo com a voz tensa, era algo importante.
— Se puder ajudar, pode falar.
— Tenho um jantar na casa da minha namorada, Melissa. E gostaria muito
que fosse comigo, estou nervoso pra caralho.
— Sério?
Me diverti com a aflição do garoto e logo meus planos de tomar um drink
com Athos, e, quem sabe, esticar a noite, iriam por água abaixo. Não sou a pessoa
mais indicada para esse tipo de evento, porque ir à casa da namorada pra mim era
um evento, mas lembrei também que um tempo antes de retornar para o Brasil,
conversei com a minha mãe sobre o Ruben, que mesmo sem a presença dos pais,
sempre se mostrou um garoto de ouro.
Nossa família era pequena, portanto, mesmo com a rotina do trabalho
arrumamos uma maneira de nos apoiar. Tia Esther, mãe de Ruben, era irmã do
meu pai, e cuidava da parte financeira da WIS, por isso viajava frequentemente
com Neil, pai de Ruben. Fora eles, não tinha mais tios, minha mãe era filha única
e meus avós faleceram há dez anos. Sendo assim, tirando eu e o Nick, o Ruben
era o caçula.
— Por favor, Ricky. Talvez a família dela me leve mais a sério quando ver
meu primo mais velho me acompanhando.
— Que horas devo te buscar?
— Às 18h.
— Ok, vamos conquistar a família da sua garota.
06 | Júlia Sales

— Júlia, junte-se a nós — disse tio Jorge ao me ver chegar.


Dei um giro rápido pela sala, ainda tonta e sem saber onde colocar as mãos,
era difícil entender — pelo mesmo eu não entendia — o que o Ricky fazia ali, no
sofá, ao lado da minha mãe. Fingi naturalidade e sorri caminhando até eles. Sentia
um descontrole nas pernas e meus joelhos fraquejavam, parecia até parece que
havia ganhado na loteria, pois meu coração acelerou e pensei que ia infartar.
Pensando bem, eu ganhei na loteria.
Ele em carne e músculo, muitooooooo músculo.
Bem ali!!!
Me perdi quando cheguei, não sabendo para quem olhar, embora só tivesse
olhos para ele.
MEU. PAI. AMADO.
Eu ia surtar.
— Júlia, querida. — A anfitriã falsa começou. — Este é Ruben, meu genro
querido.
Ruben, que antes estava sentado ao lado da namorada, se aproximou e me
cumprimentou com um aperto de mão.
— É um prazer, Júlia — ele disse com um sorriso muito similar ao do
homem que o acompanhava. Bonito, cabelos pretos e olhos de um tom verde que
logo se destacou com sua expressão atenta. — Aquele é meu primo, Ricky.
Ok, seu primo, entendi.
HÁ-HÁ-HÁ.
Ricky é primo do namorado de Melissa.
Ah, destino, é gozação? Só podia ser.
— Seu primo? — Engoli com dificuldade.
Merda.
— Sim, meu primo. — Ele gargalhou, não sei se por me achar tola ao
perguntar ou pela cara de palhaça que passei a exibir.
Meu rosto estava queimando.
Ricky, o cara que abalou as minhas estruturas, o mesmo que se mantém nos
meus desejos mais obscenos e a quem homenageei batizando meu vibrador com
seu nome. Sim, ele é primo do Ruben, namorado de Melissa!
Caceteeeeeeeee…
Entendi.
Entendi.
Mil vezes, entendi.
— Prazer, Júlia, finalmente.
Meu ‘Deuzinho’, faz isso não.
O fogo no rabo incomodou, era muito tamanho, muita beleza, muito
perfume, muitoooooo… HOMEM.
Precisava relaxar, do contrário ia dar bandeira.
Porra, Júlia, tá no cio? Um pouquinho.
Controlei, quase infartando, a respiração e abri um sorriso acanhado.
— Oi. — Foi o que eu disse. Quem diz “oi” diante de um homem desses?
Júlia Sales (a idiota). — O prazer é meu. — Melhorou, garota.
Ricky, por sua vez, colheu minha mão com delicadeza, me senti elétrica com
o contato e, como um príncipe gostoso pra caralho, beijou seu dorso. Congelei,
assistindo à ação inédita, como um galã do cinema. Homens comuns não faziam
isso, faziam? Porém é importante ressaltar, esse que me olhava não era comum,
inexplicavelmente não era. …
— Vocês já se viram antes? — Melissa perguntou atraindo nossa atenção.
Vaca.
— Sim, no prédio administrativo da WIS CONECT — Ricky explicou e eu
comecei a experimentar o timbre rouco, sexy, molhador de calcinha que deslizou
por sua boca. O pior e ainda mais constrangedor era flutuar no encontro do
elevador, o magnetismo sem explicação que golpeou tudo dentro de mim.
Incêndio duplo!!!
— Ah, claro. — A curiosa me trouxe de volta. — Júlia trabalha lá, que
coincidência.
— Sim, muita coincidência… — Ele não conseguiu esconder a surpresa.
Nem eu.
Mais um pouco e não escondo nem os burburinhos do meu estômago.
— Minha sobrinha linda é muito esforçada, ganhou uma bolsa de estudos,
né, querida? — A megera que se casou com meu tio não perdeu a oportunidade e
frisou a palavra “bolsa”. Como se houvesse da minha parte um pingo de vergonha
na conquista. — Ricky, querido, WIS UNIVERSITY não é a universidade da sua
família? Mel comentou alguma coisa sobre…
Hein?
Meus olhos saltaram.
Tenho certeza absoluta de que todo o sangue do meu corpo subiu para o meu
cérebro. Esperava qualquer coisa, até que Ricky tivesse laços familiares em
Marte, tudo, menos que esse cara aqui… Puta merda!!! Como não associei?
Ricky Walker, herdeiro e CMO da WIS. Agora tudo faz sentido. O encontro faz
sentido. A elegância faz sentido. A gostosura faz sentido. O único ponto sem
sentido nessa história é seu primo namorar minha prima traíra e o nosso segundo
encontro ser na toca das cobras.
Cacete, não tenho sorte.
O covil das cobras não é o melhor lugar para reencontrar esse…
Ele é meu chefe.
Ele é meu chefe.
Ah, não, tenho tesão pelo meu chefe, e… Caramba, eu presenciei o encontro
dele com a minha outra chefe.
Tô tonta.
Sacudi a cabeça, desnorteada com tanta informação, mas capturei a tempo o
desconforto de Ricky com a tia Paula. Ele lhe lançou um olhar que não desvendei
no momento, mas ela parou de sorrir.
— Jura que você é uma das bolsistas deste ano? — perguntou, empolgado,
destoando do meu humor que se tornou preocupado. A expressão era clara, ele
sacou a situação imposta pela dona da casa. Exposição desnecessária, víbora. —
Então tenho que lhe dar os parabéns, porque entrar na WIS pagando é uma coisa,
é só ter dinheiro. Agora ingressar como bolsista, aí é outro nível, somos
criteriosos e a seleção é acirrada. Só entram os melhores.
Abri um sorriso. Óbvio.
Hm, impressão minha ou estava variando, mas ele piscou para mim e
concluiu com um sorriso que movimentou todo o seu rosto.
Ahhhhh, ele tem uma covinha, na bochecha direita.
Fofo, gostoso e meu chefe.
Puta que pariu.
— Nossa, Júlia, parabéns, sou seu fã, digo por experiência, eu já tive o
desprazer de calcular o nível da prova, é dificílima e muito concorrida — Ruben
me felicitou e eu fiquei perdida em meio a tantos elogios.
Francamente, desejei mostrar o dedo do meio para tia Paula e falar “toma, se
fodeu, megera”, mas respeitei a senhora, pois sou uma garota educadamente fina.
Cadê dona Ana? Desviei e a encontrei com um sorrisinho modesto, entretanto sei
que estava louca para gargalhar da cara da idiota que tentou me diminuir.
— Minha filha é sensacional.
— Não há dúvidas — o executivo ressaltou e o timbre provocante pinicou
minha pele.
— Obrigada, eu… estou muito feliz — falei, forçando um sorriso que saiu
nervoso, ainda era difícil ter o Ricky assim tão perto. Real. E com um olhar que
precisava fotografar para ficar horas admirando antes de dormir.
Olhos avelãs quentes.
Memorizei a íris âmbar, meu ventre contraiu com o registro, inevitavelmente
marcaria meu momento com o Rickyzinho (meu vibrador).
— A Júlia sempre foi muito inteligente — comentou a traidora, me puxando
novamente de uma síncope sexual. — Eu até tentei, mas nunca consegui atingir
seu intelecto.
— Mas vai para a Califórnia no meio do ano — meu tio finalmente se
pronunciou.
— Qual universidade? — Ricky se interessou. — Nossa sede é lá, teríamos
um imenso prazer em recebê-la, Melissa.
— Tenho certeza que sim, mas eu passei para a UCT[2], em Los Angeles.
Estou satisfeita, sempre sonhei em morar lá, então tá tudo certo.
Considerando o nosso passado, foi impossível não olhar para Melissa com os
olhos mais brandos, sem farpas. Ser aceita na UCT era sensacional. O sonho de
morarmos juntas em Los Angeles era algo que compartilhamos desde menina.
— Acredito que ela terá um futuro promissor estudando no exterior. — Meu
tio anexou ao diálogo um pouco da sua estupidez.
Então no Brasil atingir tal patamar não seria possível?
Encarei minha mãe, com os olhos ardidos, a ponto de desejar mandar todos
da família que tinha o meu sangue à merda. Só que algo me parou, e também
arrepiou minha pele ao mesmo tempo que ganhou minha total atenção. Ricky, que
durante toda a conversa se aproximou um pouco mais, sem prévia alguma,
pousou sua mão quente na minha nuca, massageando o local levemente, pude
sentir seu toque misturado a alguns fios de cabelo. Fiquei imóvel, perdida,
envolvida, excitada. Tia Paula tomou a palavra pra si, otimizando para Ruben as
conquistas da sua namorada e a atenção se voltou para ela. Com isso, não senti
mais necessidade de continuar a guerra de egos, visto que o homem ao lado
continuou discretamente me tocando.
— Desculpe se estou sendo ousado… — O hálito quente movimentou meu
pescoço rápido demais, virei para fitá-lo, não houve tempo para que ele se
afastasse, então por pouco nossos rostos não se chocaram. — Essência de
morango… — Ele inalou meu perfume e praticamente invadiu meus olhos. EU.
VOU. DESMAIAR. — Julia, a tentação do elevador, encontrá-la aqui é no
mínimo um desejo realizado…
Galante, um filho da puta sedutor.
Saboreei cada palavra no meu paladar, menta com pimenta, era o sabor que
embebedou minha língua. Engoli a prévia deliciosa do que seria seu beijo. Tentei
pronunciar uma palavra coerente, nada saiu, nem o ar, que se entalou na garganta
ao tê-lo desse modo.
— Ricky, por favor, quero mostrar a minha humilde adega…
Um estalo, recuamos.
Por um instante todos desapareceram do ambiente, só havia ele e eu nesse
suspiro de contato.
— Nada que se compare às da família Walker, mas Ruben falou que você é
um apreciador de vinhos. — Meu tio ganhou os olhos que furtaram minha
sanidade.
— Será um prazer, Jorge.
— Me acompanhe. — O anfitrião indicou o caminho levando Ricky com ele.
Aproveitei e voltei a respirar.
Porra. O que foi isso?
Procurei, desorientada, os olhos da mulher que me trouxe aqui, será que ela
percebeu? Oh, Deus! Será que alguém percebeu? Bem, mirei mamãe, claro, um
sorriso sugestivo apareceu em seu rosto, mas no momento não dei atenção a ele,
pois a garganta estava seca, precisava beber alguma coisa, de preferência vodca.
— Preciso de água — disse pra mim mesma, visualizando a bebida em cima
do aparador um pouco distante, caminhei desconfortável, sentindo alguns olhos
ferverem contra as minhas costas. O reflexo do espelho acima do aparador não
ocultou os olhos de águia de tia Paula, vi também Melissa acariciando o
namorado que dividia a atenção com minha mãe.
Enchi o copo e desfrutei da água gelada.
O corpo em chamas resfriou.
Suspirei ao tocar a região ainda sensível por receber o tato de Ricky.
Caramba, o homem tomou todo meu fôlego. Enchi outra vez o copo e sorvi
rapidamente, teria consumido todo o líquido gelado, precisava me equilibrar, mas
as vozes masculinas se tornaram próximas, merda. Atravessei o cômodo igual a
um raio e me coloquei sentada, como santa, ao lado de dona Ana, que conversava
sei lá o que com Ruben e Melissa.
A insuportável da tia Paula havia saído em algum momento que passou
despercebido por mim. Obrigada, Deus, a ausência dessa mulher deixava o
ambiente mais leve. Os homens ausentes retornaram com taças de vinho nas
mãos. Me peguei babando, nada tímida, o executivo. Sua camisa de um tecido
jeans estava justa ao seu tórax, dando um volume bem sobressalente na região,
então constatei que ele certamente era bem forte ali embaixo, os punhos da
camisa dobrados deixavam evidente o antebraço malhado e a calça cáqui bem-
marcada atribuía um excelente desfecho em toda a composição.
Imaginei seu pau?
SIM!
Não pude evitar.
— Meus queridos, gostaria que me acompanhassem à mesa — a dona da
casa declarou e só nos restou acompanhá-la.
Qual o destino desse jantar?
Quando eu, em meio a tudo isso, desejo ser o prato principal do bilionário.
07 | Ricky Walker

Não posso esquecer de agradecer ao Ruben por esse convite, jamais imaginei
que reencontraria essa garota logo dessa forma, que mundo pequeno. Obviamente
que desconfiava se tratar de uma funcionária, ela não estaria lá se não fosse. A
garota de olhos atrevidos atraiu meus instintos naquela tarde, além de um flerte
diferente, inusitado, me fissurar nos lábios de um tom rosa natural saltados e
suculentos. Um corpo curvilíneo, delicado, pecado puro. Maluco esse primeiro
contato, dado aos dias exorbitantes que estava vivendo, algo novo, me
estimulando, como havia tempos que não acontecia, me excitou.
Só que assim que as portas fecharam, voltei à consciência de que
funcionárias são problema, ainda mais trabalhando no mesmo prédio da Ellen.
Portanto, apaguei a bela imagem da mente, e segui, até revê-la no restaurante, um
brilho diferente me atraiu ali e esqueci facilmente dos alertas que me fizeram
recuar.
Até esse momento.
Júlia é uma tentação: jovial, linda, inteligente. Captar o seu nervosismo com
a minha investida atiçou o meu sistema. Perdi a cabeça ao me deparar com a
estagiária adentrando a sala com seu jeans apertando as curvas pecaminosas.
Gostosa pra caralho. Ok, havia um lado racional me incomodando, a idade.
Principalmente por fatores práticos, eu gosto de relações conquistadas por meio
de momentos, mulheres que valorizavam o tempo, fodendo comigo, sem sonhar
com um pedido de casamento no final do mês. Ellen era uma exceção da vida e
algo que pretendo resolver em breve.
Logo percebi que a família da Melissa era formada por pessoas esnobes e
dificilmente fariam parte do meu convívio social por motivos explícitos. Me
incomodei com a exposição desnecessária da Paula, depreciando Júlia, como se
isso fosse possível. Eu criei e estruturei o programa, sei mais que ninguém as
dificuldades que designei aos aprovados. Portanto era plausível constatar, “a
garota era um crânio”.
Júlia não se igualava ao nível social deles, mas não falho, sua integridade é
superior.
Porra, encantei-me ainda mais por sua simplicidade.
Por sorte, sentei-me à frente da garota, visivelmente incomodada com tudo,
só não pesquei o que a fez participar do evento, visto que visivelmente se
deslocava do círculo. Dei atenção aos anfitriões babões, assuntos soberbos sem
sentido condenando minha paciência, quase ri imaginando o que seria do Ruben
se casasse com a garota e tivesse que suportar o convívio dos sogros.
Lastimável.
Futuro infeliz para o garoto.
Melissa, em contrapartida, se mostrava diferente dos pais, era tranquila e não
desperdiçava seu tempo com ninguém que não fosse o namorado.
Autocontrole, um ponto crucial para a profissão que exerço. A prática
facilmente me abandonou durante o jantar, a tentação à frente e seus traços
perfeitos, provocaram diversos espasmos no meu pau. Enquanto comia a torta de
chocolate com tanta dedicação, imaginei aquela boca que me guiou ao interesse
na primeira vez, na altura da minha cintura com meu membro enterrando até onde
a possibilitasse respirar. Sendo assim, acreditem, os instantes naquela mesa foram
angustiantes.
Para mim e para meu pau.
Infelizmente, sufocado com os anfitriões, um segundo contato com a Júlia
não aconteceu. Apenas uma despedida casual e logo a noite interessante brochou.
Precisava fazer algo a respeito. Apesar do desgaste, estava cheio de tesão
reprimido e voltei aos planos com Athos. Deixei um Ruben feliz da vida na frente
do seu prédio e encontrei o investigador num PUB, na Avenida Paulista.
— Ricky, seu filho da puta — me xingou como sempre fazia, puxei o
monstro para um abraço e quase fui esmagado com seus braços similares a
concreto. — Porra, cara, você emagreceu, não lembro de conseguir encaixá-lo
nos meus braços.
— Vai se foder, Athos — disse e me sentei.
— Irmão, me acompanha? — Ele se referiu ao que estava bebendo.
— Claro, preciso de uma dose de uísque. — Aguardei que ele fizesse o
pedido ao garçom que, mesmo longe, estava atento. — O que aconteceu, bebeu
concreto? — indaguei, citando seu estado físico. O homem estava gigante, bem
maior do que da última vez que nos vimos meses atrás.
O garçom serviu-me do desejado, e meu amigo esperou que ele saísse para
me responder:
— Estou malhando muito, só assim consigo viver.
— Mas tudo nas normas? Quero dizer, tem veneno aí?
Ele me observou com seu sorriso sacana, me fazendo entender que nem tudo
é cem por cento certo ou errado. Athos é policial federal, e não sei como
consegue se manter na área tendo ética, mas desenvolve um trabalho foda, e é
considerado o melhor investigador do país.
— Nada que prejudique minha saúde, pode confiar.
— Não confio em você, olha sua cara, você é um babaca.
Ele riu e virou o copo, degustando sua bebida.
— Por que queria desmarcar? — Ele quis saber, apoiando os cotovelos na
mesa. — Como você praticamente cancelou, eu tinha outros planos.
— Uou, me sinto privilegiado pela preferência, só digo que não vou fazer
nada, mesmo bêbado.
— Eu devia prender você por isso — disse zombando do seu poder.
— Irmão, prenda-me com uma garota que estou louco para ter.
— Se ela te deu um fora, ganhou um fã — avisou ele, interessado. — Quem
é?
Respirei fundo e pedi outra dose, antes de iniciar o assunto “estagiária”
com ele, refleti como um disco riscado o quanto descumpriria tudo que sempre
pensei se executasse o que passava por minha cabeça.
— Ela trabalha na WIS… — Abri o jogo.
— Sério, cara, pode isso? — inqueriu. — Não era você que repudiava a ideia
depois de tudo que aconteceu?
Muita merda aconteceu, segundo ponto que meu pau devia lembrar.
— Quero aquela mulher só uma vez.
— O perigo é algo fascinante, meu caro. — Bebericou seu copo. — Tudo
que aconteceu devia traumatizar você, mas vejo que essa garota vai te
impulsionar a descumprir as próprias regras.
— Uma trepada com ela basta.
— Analisando sua cara de babaca, a garota é fascinante. Quero provar —
disse sacana.
— Não, ela não, quero aquele corpinho delicioso só pra mim.
— Tá certo, respeito. — Chocamos os copos. — Faz tempo, irmão, que não
fazemos uma festinha, quando foi a última vez? — Sorvi o uísque tentando
lembrar.
— Talvez com a Ellen no meu apartamento, eu acho.
— E como tá aquela diaba? — Falar da Ellen sempre trazia um sorriso ao
rosto do puto. — Não pretende colocar um anel naquela perfeição de mulher?
Enruguei a testa.
O desgraçado riu.
— Que foi? — Se defendeu. — Sabe o quanto torço por vocês.
— Não torça. Essa relação que mantenho com a Ellen tem prazo de validade.
Athos me fitou, lendo o semblante que expus a ele. Compromisso não era
um plano praticável na nossa posição. Eu mal conseguia passar três meses no
mesmo endereço e o investigador por sua vez tinha uma vida digna de um filme
de ação policial.
— Considero a Ellen pra caralho, irmão.
— Minha amizade por ela não vai mudar em nada. Só cansei, sei que ela
ainda tem esperança de me levar para um altar, é a hora de findar qualquer que
sejam seus planos comigo. — Ergui um dedo para o garçom, em segundos ele se
colocou ao meu lado. — Traga a garrafa, parceiro.
— Agora o PUB vai esquentar.
— Vamos beber irmão, celebrar esse encontro.
Brindamos, pois eram raros momentos assim.
Athos, além de guiado por suas investigações perigosas que muitas vezes me
fizeram temer perdê-lo diante do terrorismo da sua profissão, corria contra o
tempo na busca desfreada por sua irmã, Gaia, então estarmos no mesmo país
merecia uma comemoração digna do acontecimento.
Num certo momento, o riso explodia fácil, o papo recordava o passado,
olhares femininos nos cobiçavam por toda parte, mas não era ali que aliviaria as
minhas bolas. Nossos carros ficaram para ser entregues no dia seguinte, o dono
do lugar conhecia nossa dinâmica, sem condições para dirigir pedimos um táxi
que estacionou minutos depois em “Al’CUBE” uma casa de swing que
experimentava às vezes.
O ambiente sexy, nutrido de tesão, estava consideravelmente lotado,
escolhemos um espaço privado pois havia uma preocupação mútua com
repórteres, afinal, não éramos nem de longe desconhecidos. O local dava visão
para a pista principal e sua acústica, mas facilmente se tornaria totalmente
privado se apertássemos alguns botões. O ambiente era rodeado por um sofá de
couro roxo, um bar abastecido e, ao fundo, uma enorme cama.
Indecência e luxúria.
Elementos necessários para aliviar o tesão.
— Sejam bem-vindos, Sr. Walker e Sr. Garbo, desejam algo especial para
essa noite?
— Diana…
— Não — interferi no pedido particular de Garbo. — Quero uma gar… quer
dizer, mulher, que ainda não esteve conosco. De preferência com cabelos
castanhos até o ombro, corpo… gostosa e… — Olhei rápido pra Garbo que
arqueou uma sobrancelha sem entender o sentido daquilo. As mulheres do lugar
eram lindas e por que justamente agora eu queria um cardápio? Enlouqueci.
Depois de me sentir um completo imbecil, continuei. — Esquece… queremos
uma garota especial, só isso. Garbo?
— Você quem manda, irmãozinho — ele se abstraiu, indo na direção do bar.
— Sei do que precisam, com licença.
Virei para Athos que rapidamente já estava em posse de uma cerveja.
— Quero algo diferente hoje.
— Estou vendo, que porra é essa de especificar o porte da mulher
detalhadamente?
Dei de ombro e recebi uma garrafa de cerveja para acompanhá-lo.
— Culpa do meu pau.
Ele riu canalha.
— Porra, cara, dispensou minha garota, Diana é tudo.
— Diana é o segundo round, pode ser?
Ele assentiu sem maiores considerações.
— Boa noite, rapazes.
A entrada se tornou uma visão e tanto.
Ela era… caralho, talvez minha retina estivesse viciada, ou meu pau me
pregando uma peça, mas a mulher era um pouco parecida com a Júlia.
Porra, eu ia enlouquecer caso não trepasse com aquela garota.
— Entre, princesa — Garbo saudou. — Qual seu nome?
— Juliana, senhor.
— Porra… — O líquido dentro da boca esguichou forte. Destino, seu filho
da puta traidor.
— Tudo bem, Ricky? — Athos franziu o cenho.
— Tudo certo. — Limpei a garganta, concentrando-me na garota linda. —
Vem, delícia. Primeiro, não nos chame de senhor, meu nome é Ricky, e aquele
com cara de babaca é o Athos. — Ela desfilou na nossa direção, evidenciando a
pouca roupa.
— Ricky e Athos, dois gostosos.
— Você também é muito gostosa. — Acariciei o rosto fino. — Tem interesse
em saber quais são os nossos planos, antes de iniciarmos com você?
Ela umedeceu os lábios vermelhos.
Lábios vermelhos, normal em qualquer mulher. No entanto, um em especial
pregou-se na memória de uma forma irritante para o momento atual.
— Sim, muito interessada…
O investigador iniciou, enquanto me afastei para me desfazer da camisa.
— Vamos fazer você gozar enlouquecida, até suas pernas perderem a força,
só queremos essa boca, essa boceta e seu cu. Teremos, amor?
Voltei a tempo de ouvir seu consentimento e fitar o olhar de expectativa da
mulher.
— Tire o vestido — ordenei. Athos matou o líquido que restava na garrafa e
despiu-se próximo ao bar. — Linda ela, não acha, Athos?
— Sim, um pecado que quero foder até o talo.
— Juliana, se ajoelha aqui — indiquei a posição e, de esguelha, vi Garbo se
sentar na poltrona próxima ao parapeito que dava visão à pista, abrir outra cerveja
e relaxar no assento. — Vou foder essa boquinha… — Meu polegar moveu os
pequenos lábios marcando com o vermelho toda a região.
O contato visual devasso da mulher se manteve em todo o momento que ela
buscava a promessa dentro da minha calça, eu estava duro, latejando de tão duro.
E sua boca traria alívio por ora à angústia. Reconheço estar um tanto emocionado,
nunca uma mulher me fascinou assim e, puta que pariu, a Júlia tem o quê? Vinte
anos! Que ninguém escute os pensamentos fodidos, mas cada célula minha
desejava afundar entre as pernas da ladra de sanidade. Caralho, aquele jeans
coladinho ao traseiro empinado era o fetiche perfeito, se ela soubesse do seu
poder, um cessar fogo seria facilmente aceito, caso a estagiária parasse diante da
guerra com o seu jeans.
Passei a ser um tarado por jeans.
É isso.
Soltei o ar, Juliana carecia de atenção e por mais que a outra estimulasse
faíscas, quem engolia meu cacete fazia um trabalho excelente. Acariciei o cabelo
castanho com alguns cachos, assim como.… Porra, enfim, entranhei os dedos nos
fios prendendo-os firmes e aumentei o ritmo do boquete, aliviar a tensão da
cabeça de baixo talvez trouxesse a de cima para alguma coerência por assim
dizer. Como um desgraçado egoísta, meti com força, castigando meu lábio
inferior de tanto que o prendi entre os dentes. Buscava o clímax como se minha
existência dependesse do feito.
Juliana lamuriava com cada estocada que atingia sua goela, boca gostosa,
garganta profunda, amava a combinação. Rosnei, a sensação inflou meu pau e
aliviou meu corpo, foi rápido, mas eu estava a ponto explodir há tempos. Soltei a
cabeça da gostosa e sua bunda caiu sobre os calcanhares.
— Engole, vadiazinha…
Jorrei jatos de porra na boca aberta.
Garbo tomou meu lugar pegando a garota no colo e deitando-a sobre a cama.
— Abre as pernas pra mim, quero chupar essa boceta.
Deixei a cabeça pesar na nuca, havia um turbilhão de interrogações girando
ali, só não entendia a necessidade da agitação, tal como esse jantar convulsionou
minha corrente sanguínea. Devolvi o olhar para a garota, a acústica dos gemidos
enquanto Garbo chupava seus grandes lábios, instantaneamente, trouxe reação à
minha espada. O tesão de vê-lo entre suas pernas ferveu meu sangue, precisava
me conectar com o cenário que me excitava, geralmente compartilhava de
ambientes assim com Athos ou então Anthony, o piloto mais sacana que conheço,
amigos de longa data sedentos por um ménage.
— Meu Deus… — Juliana gritou, se contorcendo com o orgasmo que meu
amigo proporcionou a ela. — Quero os dois — exigiu em gemidos.
— E você terá — garanti, destacando a embalagem de umas das camisinhas
que peguei no caminho, a outra lancei ao homem que se posicionava rente à beira
da cama. — Athos vai comer sua boceta e eu seu cuzinho, está excitada o
suficiente para nos receber duplamente?
— Muito excitada… — ela praticamente ganiu.
— Então, delícia, desliza essa rachada aqui na rola do Athos. —
Prontamente, ela posicionou cada joelho na altura da cintura de Garbo, rasgando
o sexo na descida que engoliu por completo o cacete do meu amigo. — Porra, que
delícia…
Enquanto ela quicava no pau de Athos, segurei novamente os cabelos
castanhos inclinando-a para facilitar a sucção dos seus mamilos pontudos,
dediquei-me bem aos peitos fartos, até descer sua coluna colando-a no tórax de
Garbo.
— Relaxa…
— Come meu cu, por favor…
— Ricky… vamos lá… faça a safada balançar ainda mais sobre mim.
Ri para ele.
— Ok, vou comer essa bundinha que tá piscando pro meu pau.
Separei a bunda empinada, percorrendo com o indicador o canal apertado até
o anel, cuspi para facilitar a penetração, mas senti a necessidade de lubrificar,
peguei um dos frascos jogados ao lado de Garbo e apliquei uma porção generosa.
Sem mais delongas me enterrei no centro que, mesmo apertado por conta da
dupla penetração, sugou todo o comprimento. Segurei sua cintura para iniciar as
estocadas, era visível a experiência da Juliana, mas sem jeito a dupla penetração
podia machucá-la.
— Preparada, safada?
— Sim…
— Grita, putinha, quero ouvir seus gemidos. — O outro que metia em baixo
bramiu. — Porra, Ricky, é sempre um prazer, irmão.
— Eu te amo também, seu puto.
— Ei, rapazes, parem com essa melação e me comam, Diana disse que essa
seria a melhor noite da minha vida.
Athos gargalhou eu o acompanhei.
— Diana estava certa, delícia.
Movi o pau no anel estreito, ela esmiuçou lamentos pervertidos e, sem adiar,
estoquei com força.
Uma, duas, três, quatro, cinco… golpeei seu rabo com meu pau.
A sincronia torpe corrompeu tudo, a brincadeira à trois se tornou frenesi, me
senti o Ricky de sempre, saciando a fome numa boa trepada.
Eu sabia que teria um dia vibrante assim que acordei e passei praticamente
duas horas escolhendo o que vestir, por que…?
É o meu primeiro dia oficial na WIS CONECT.
Essa indecisão ou um panapanã de borboletas terroristas estarem
perambulando como loucas o meu estômago, não tinham nada a ver com o fato
de, hipoteticamente, encontrar como quem não quer nada, meu chefe na empresa.
Ponto um: ele é meu chefe (já repeti isso muitas vezes).
Ponto dois: tenho tesão por ele (visivelmente explícito após a véspera).
Ponto três: me sinto uma cadela.
Encontrar o Ricky ali foi, no mínimo, a surpresa do ano, e tê-lo tão próximo
ainda era difícil de acreditar, demorei a dormir revivendo seu toque na nuca e
provando dos olhares chamativos que ele me lançou durante todo o jantar.
Que sedução saborosa.
Que timbre capaz de encharcar qualquer calcinha, inclusive a minha.
Bem, não se enganem, temos uma Júlia excitada aqui, tal qual uma Júlia
cagando de medo consciente dos riscos. Ricky Walker me atraiu, talvez por ser
um homem e não um moleque como os que já havia me relacionado, tudo nele era
intenso e faiscava meus olhos com a curiosidade de provar do perigoso.
O fato, cônscio, não eliminava o risco que corria com minha carreira. Sei
como funciona a dinâmica — chefe e funcionária —, sempre dá merda. Não que
eu já tivesse passado por esse tipo de experiência, mas os filmes e os livros
sinalizam que geralmente não era o poderoso que ficava com a pior, e sim, a
funcionária que perdia o emprego e sofria com a paixão.
Apesar disso, seus sussurros me alucinaram e as palavras me faltaram
naquele momento, duvidei, pensei estar variando, era possível? Ou eu era mesmo
o foco desejoso de seu flerte? A resposta explanou quando o comentário patético
de tia Paula ao tentar me diminuir foi rebatido com classe pelo executivo, por um
triz não me rendi e lasquei um beijo na boca dele. Meu herói. Certamente
premeditaram o circo armado, notável que o convite surgiu por conta da presença
dos convidados ilustres. A intenção era esfregar na minha cara que a princesa
vadia namorava o herdeiro da faculdade onde a gata borralheira dramática era
bolsista. Senti-me sufocada e testada todo o tempo, como se tivesse que provar
meu valor a eles.
“Não preciso provar nada para ninguém.”
Essa lição eu aprendi cedo e, às vezes, desaparecia do meu sistema como na
véspera. Não vou negar que, por um momento, estive a ponto de explodir em
meio a todos os desaforos ditos, mas me contive, Ricky foi o responsável, não
posso negar.
O look?!
Basta dessa merda.
Voltei aflita ao emaranhado de cabides, desmontei toda a estrutura na busca,
para que, finalmente, optasse pelo óbvio. Júlia, a confusa (eu).
Ostentei um jeans comum, blusa de corte aberto nas costas e sandálias altas,
acrescentei algumas bijus e foquei no meu rosto, analisando se uma maquiagem
mais caprichada não seria muito extravagante para um dia de trabalho, por fim,
fiz algo leve e não me preocupei com meus cabelos, já que o corte que Marcos
fez, o deixou incrivelmente prático.
Não pude desfrutar da presença da minha mãe naquela manhã, a empresária
teve compromissos logo cedo no salão, mas deixou agradinhos para o café, além
de um bilhete de boa sorte sobre a mesa.

“Boa sorte, meu amor,


tenha um dia perfeito pois você merece
tudo de melhor do mundo.
Mamãe.”

Inspira e expira… mais uma vez… o exercício de respiração não eliminou a


tremedeira, todavia impulsionou o meu pé direto a cravar um passo na entrada do
prédio. Já sabia qual era o meu andar, portanto, sem apresentação na recepção fui
direto pra lá, empolgada e faiscando ansiedade. Todo o andar do marketing, desde
a recepção até toda a extensão do lugar, evidenciava uma pigmentação em
diversos tons, porém o verde sobressaía, visto que era a cor do logotipo da WIS. O
espaço aberto, dividido por mesas ovais, tinha uma energia contagiante, todos ali
se movimentavam num ritmo frenético que era impossível acompanhar. Andei um
pouco mais atingindo o centro e girei, encantada com o novo universo. Reparei,
nos cantos, algumas paredes de vidro com placas nas portas, que provavelmente
eram salas de diretoria.
— Olá! — Uma voz grave soou atrás de mim. Virei-me, encontrando um
rapaz alto, de sorriso largo, que evidenciava uma arcada dentária branquinha. —
Quem é você? — ele perguntou.
— Sou Júlia Sales, nova por aqui. E você, quem é?
— Ah, sim. Sou Orion Teles. — Ele estendeu a mão para um cumprimento e
eu retribuí. Logo identifiquei seu nome na ficha entregue pelo supervisor Maico,
ele deixou claro que, num primeiro momento, teríamos padrinhos que iam nos
ensinar a prática. — Bem, você vai trabalhar comigo, estava à sua espera.
— Sim, já digo que estou muito ansiosa para conhecer tudo.
— Acredito que sim, hoje você será dispensada mais cedo, por conta da
matrícula que terá que fazer na universidade. Certo?
— Sim, também estou ansiosa por essa parte.
Ele riu com a empolgação difícil de esconder.
— Mas amanhã o seu dia será mais completo.
Soltei o ar e sorri para ele.
A primeira impressão que tive de Orion foi que teria um padrinho muito gato
trabalhando ao meu lado, o homem de sorriso fácil possuía olhos grandes e
pretos, assim como sua pele, um estilo moderno que trazia um charme em seus
movimentos.
— Ok, por onde começamos?
Fizemos um tour pelo andar dividido em setores. O marketing cuidava tanto
da própria imagem e divulgação da WIS, como de outros clientes exportados por
ela, funcionava assim: outras marcas que faziam parte da empresa-universidade
contratavam o seu próprio serviço, tendo um giro econômico incrível. Havia
outros setores envolvidos, por exemplo: a publicidade e o audiovisual faziam todo
o conteúdo imagem/vídeo — como campanhas publicitárias. Sendo assim, tudo
era muito mais completo do que eu imaginei.
À medida que as horas corriam, a conexão com o padrinho se tornara cada
vez mais agradável, o cara de vinte e seis anos morava na zona sul como eu, e era
dono de um humor invejável, fez tudo que estava ao seu alcance para estancar o
nervosismo que deixei transparecer no primeiro momento.
À primeira vista o serviço seria fácil, auxiliaria o Orion com as campanhas
de começo e meio de semestre, na tentativa de atrair novos estudantes milionários
para a universidade.
Fácil, fácil… só que não.
Após preencher a metade do meu bloco de anotações com informações
destrinchadas pelo meu superior, fui solicitada no andar de treinamento, pelo que
eu entendi, teríamos uma rápida reunião.
Quatro andares acima, encontrei meu grupo e corri para abraçar cada um,
Raica já havia explicado sua ausência no marketing, a preta foi designada a dar
suporte a outro setor temporariamente. Renan e Lucca estavam com seus sorrisos
iluminados e cada um contou sua experiência nesse curto período, até a Ellen
Castiel findar todos os assuntos esporádicos da sala e solicitar foco total a ela.
A executiva exuberante se posicionou à frente e discursou para os novos
contemplados, frisou o quanto éramos vitoriosos e como a empresa investiria no
nosso crescimento. Me concentrei na prévia, como havia feito toda a manhã,
quando Orion praticamente inundou minha mente com as ocupações. Tudo ia
bem, muitoooooo bem. Se o improvável não acontecesse…
Ricky. Ricky. Ricky.
Puro sex appeal, inesperadamente, de repente, do nada, se fez presente no
espaço abafado, fervente, quente pra caralho. Senti a boca seca. A pulsação
exigente. Coração pedindo arrego. Num sopro a tranquilidade que construí foi
para o espaço e, como se não bastasse meu ápice, o safado fez uma pequena
busca ao encontro dos meus olhos, que já o consumiam por inteiro.
Ai, caramba.
O assento já não estava confortável como antes.
Ellen o apresentou como a celebridade que era e, então, ele começou sua
preleção, fisgando meu olhar entre uma fala e outra. Um sorriso bobo marcou
meu rosto. E só se desfez logo que saquei os olhos cravados do Lucca me
observando, o curioso sacara a troca, inferno.
Espero mesmo que só ele.
O discurso… que discurso?
As palavras soavam de sua boca sem o menor entendimento, seus
movimentos estupidamente hipnotizantes seguraram meus olhos, provocantes,
diabólicos. A criatura passou a mão que estava livre pelo cabelo, levando alguns
fios castanho-escuros para trás, de imediato as mechas retornaram rebeldes
ocupando sua têmpora, seu maxilar sublinhado por uma barba um pouco mais
evidente que da última vez, se movia sexy a cada pronúncia, estimulando a minha
imaginação com cenas um tanto pornográficas. Meu coração deu um loop quando
o filho da mãe abriu o botão do seu terno de corte sob medida, não havia dúvida
sobre isso, permitindo assim a visão tentadora de uma camisa marcada por seu
abdômen.
Puta que pariu.
Desejei olhos de raio x para alcançar além do tecido azul.
— Júlia? — Lucca me acordou do sonho erótico, tocando meu ombro, virei
abobada. — Por que está vermelha igual um pimentão?
Sua sobrancelha ergueu-se com a pergunta.
Nem te conto, meu amigo.
Tateei a face, nossa, meu rosto queimava, outras partes de mim também.
— Jú, tudo bem? — Raica colocou. — Quer um copo d’água?
— Não, estou bem, obrigada. — Pisquei para ela e inqueri para Lucca: — Já
estão quase finalizando, né?
— Acho que sim. — ele sorriu e voltou-se para a frente, mas não se calou.
— Agora sabemos a identidade do seu fã.
Pensei em responder, mas não consegui formular nada coerente.
Portanto ignorei.
Cerca de alguns minutos que não calculei, mas pareceram eternos, Ricky
encerrou e algumas pessoas tomaram sua atenção, enquanto isso, eu corri para o
banheiro, em busca de água fresca na nuca suada. Na verdade, precisava mesmo
de um banho gelado. Passei alguns minutos olhando para o meu próprio reflexo,
lembrando os instantes eróticos (só meus) na sala ao lado e o quanto o executivo
conseguiu me desgovernar sem ao menos me tocar.
— Júlia, esquece isso — pensei alto, baixei a cabeça e joguei um pouco mais
de água no pescoço. Quando ergui o corpo, encarando o espelho, quase saltei com
o susto, não estava mais sozinha, Ellen mirava meu reflexo. — Olá… — saudei.
— Olá — ela retribuiu, antes de caminhar e ocupar um lado. Lavou as mãos
na cuba, guiando meus olhos para a sua ação, observei sua pele branca e delicada,
unhas pintadas de um tom vinho e fixei no anelar direito, nele continha um anel
com uma pedra bem ofuscante, se estivesse frente aos meus olhos, podia
descobrir se tratava de um anel de noivado. Ah?! Desde quando isso é um
problema meu? — É Júlia seu nome?
— Sim, Júlia Sales.
— Certo. — Seus olhos azuis tremeluziram de forma incompreensível. —
Licença. — A mulher passou por mim, pegou algumas toalhas de papel e saiu
sem dizer mais nada.
Hein!?
Achei tudo aquilo muito estranho, mas não podia permanecer estudando o
comportamento da chefe, pensaria nisso mais tarde. Retornar para a sala ao lado
era o que eu tinha que fazer. Regressei, avaliando o ambiente em menor grupo,
Ricky também não estava presente, assim como a Ellen, o único ainda ali era o
Lucca.
— Nossa, você demorou, garota — meu amigo falou assim que me viu
chegar. — Quase fui atrás de você no banheiro.
— Não foi nada, só um mal-estar. Acabou?
— Sim, estamos dispensados para ir à universidade fazer a matrícula. Raica
e Renan, correram na frente, mas deixaram um beijo para você. — Ele jogou a
mochila no ombro. — Quer me acompanhar, temos muito para conversar.
— Poxa, Lucca, minha bolsa ficou no meu andar. Vai na frente, nos
encontramos lá, não quero que fique esperando.
— Tem certeza?
— Sim.
Ele piscou antes de alcançar a saída.
Admito que fugi dele, sei que Lucca sacou a troca de olhares, ou melhor, o
fogo no rabo da minha parte. Plano um: deixar o amigo se roer de curiosidade e
fugir pela tangente sempre que for possível. Plano dois: faculdade. Matrícula, já.
Optei em descer de escada, já que o elevador estava, como de costume,
impossível de embarcar com agilidade. Fui descendo os degraus, o impasse
estranho com a Castiel rondando, investigativo, meu subconsciente.
Qual a relação deles?
Será que eles são…?
Um barulho, dois…, eram passos.
Travei alerta.
Alguém descia as escadas rápido demais para ocultar as pisadas entre um
degrau ou outro.
— Olá, tem alguém aí? — gritei, quase cagando de medo com o silêncio de
filme de terror. — Mais alguns degraus e estou no meu andar.
Respirei fundo e prossegui cravando mais rápido meus rastros rumo ao
décimo primeiro andar, até os outros passos, ainda mais audíveis, me assustarem
com a proximidade, virei certa de que havia a presença de alguém. E tinha. Ricky
estava lá, parado, com meio corpo encostado na parede e ambas as mãos no bolso
da calça.
Tentador.
Sedutor.
Diabólico.
— Nossa, você me assustou — avisei, espalmando o peito, aliviada por ser
ele. Desesperada por ser ele.
— Desculpe, não tive essa intenção — riu cretino. — Ficou com medo?
Achou que fosse alguém perigoso. — O tom lascivo compareceu íntimo ao
contato visual mais intenso que recebi na vida.
— Talvez o perigo tenha me alcançado, por fim…
Ricky deslizou seus olhos castanhos por todo o meu corpo como se eu fosse
um banquete a ser servido.
Engoli em seco.
— Não sou perigoso, Júlia — ele umedeceu os lábios —, não como um
psicopata ou algo do tipo, mas talvez no outro sentido que a palavra impõe,
principalmente quando desejo alguma coisa.
Ainda restavam quatro degraus, meio minuto, um sopro que mantinha o
equilíbrio dos mundos. Interrompidos no próximo segundo, quando ele, o perigo,
iniciou uma descida morosa e excitante.
Ah, destino, seu traiçoeiro.
— Qual o seu desejo? — fiz a burrice de perguntar.
— Você… — sussurrou, consumindo o meu ar, invadindo meu mundo,
conquistando o curto espaço precioso que me mantinha firme sobre os joelhos. —
Essa boca! — ansiou, desalinhando com o polegar a linha tênue dos pequenos
lábios, gemi, fraca com seu toque. Por mais forte que tentasse me colocar diante
desse homem, esse embalo melodicamente sexy, me sucumbia. — Batom
vermelho se tornou meu preferido, depois o que vi colorindo perfeitamente esses
lábios.
— Que bom que gostou.
— Gostei muito, mais do que devia…
E como o magnetismo de um imã, seu rosto se aproximou do meu. Ai,
caramba, ele vai me beijar? O desespero em querer aquilo fechou minhas
pálpebras, meu coração acelerou como um motor potente de um carro, o hálito
tocou meu paladar quando sua respiração suspirou próxima… só que foi minha
bochecha que recebeu seu beijo.
Tá oooooooooooook, ele beijou a minha bochecha.
Ah… como?!
Meu pulmão esvaziou lentamente, abri os olhos, tentando amenizar meu
semblante patético.
Frustrada, eu? Magina.
— Tudo bem, Júlia?
— Tudo ótimo, Ricky…, e com você? — Minha voz falhou, a verdade é que
tudo verdadeiramente falhava o meu sistema.
— Bem melhor agora, estava ansioso para revê-la e sim, ainda mais
esperançoso por essa oportunidade. Precisava ficar sozinho com você.
— Pra quê?
Ele riu, eu não.
Estava difícil controlar meus joelhos.
— Para te chamar para sair.
— Ricky, então… — Me desequilibrei sentindo o gelado da parede
protegendo-me de uma queda, porque sem sombra de dúvidas se não houvesse a
retaguarda, estaria estalada no chão. — Não podemos…
Isso, não podemos.
— Por quê? — Ele espalmou uma mão na parede na mesma altura da minha
orelha, enquanto a outra se entretinha em acariciar meu rosto. Imaginem o estado
do meu coração. Era quase uma heresia manter a conduta com um homem desse,
olhando-me esfomeado, quando tenho seu alimento bem no meio das pernas. —
Não vai sair com um estranho, já temos parentes em comum — declarou
simplesmente. — E a WIS…
— Acho que esse é o ponto.
Apesar de queimar em brasa e babar como uma cadela no cio pelo
desgraçado, me sentia no meio de um cabo de guerra. De um lado; o desejo
descomunal de dar pra ele. E do outro; a razão crente de que não fazemos parte
do mesmo plano de fundo da vida.
— Parentes em comum não eliminam sua posição de chefe.
Ele se afastou e sei, concordou comigo, sua expressão não ignorou o fato,
um longo segundo estendeu o momento, o contato visual se chocando cálido, até
que, para o meu desespero, ele se colocou intenso sobre meu corpo.
— Prometo ser somente um jantar.
Esse era o nosso quarto encontro, e já tínhamos uma promessa.
— Eu…
Um toque de celular interrompeu nossa conexão, e não era o meu, então só
podia ser o dele. Ricky pegou o aparelho no seu bolso, um tanto irritado com a
interrupção, afastando-se para atender:
— Fala. Sim. Não. Não. Me dê cinco minutos. — Desligou seco e o colocou
no bolso novamente. — Algo importante, desculpe. Posso ligar para você?
— Ricky, é melhor…
— Só diga, Júlia, posso te ligar?
— Sim, pode!
— Então vou ligar, agora infelizmente tenho um compromisso. — Sem
avisar, ele tocou meu ombro com o dedo e o deslizou por toda a extensão do
braço. Pegou minha mão perdida ali embaixo, levando-a até seus lábios e deixou
que um beijo bem no dorso completasse a sedução. — Você é linda.
Não sabia mais se minha alma ainda habitava o meu corpo, pois me mexer
não era uma opção, caso o fizesse, desmancharia no solo derretida com o doce
lascivo das palavras. O gostoso galanteador abandonou o espaço que nos unia,
lembrei a tempo da partida que ele não possuía meu número.
— Meu número, precisa anotar?
— Eu já tenho… linda — declarou e sumiu.
09 | Júlia Sales

Quase perdi o horário da secretaria, a atendente foi até legal comigo,


mesmo estando em cima da hora para encerrar seu expediente. Depois do
encontro surreal, permaneci zonza, recostada à parede, a respiração demorou a
serenizar, as pernas a terem firmeza, a mente com mil possibilidades toscas de
aceitar ou negar. Mas eu sabia, estava a ponto de fraquejar. Jantar com Ricky, até
então, não era uma coisa certa para mim, ao mesmo tempo as sensações que
fluíam quando ele estava por perto eram intensas demais para que uma garota de
vinte anos não quisesse provar.
Concluí o processo da matrícula no segundo andar, oficialmente eu era uma
estudante universitária, claro que meus olhinhos brilharam quando assinei a
documentação e peguei o cartão de acesso ao prédio, que resolvi conhecer assim
que deixei a secretaria. Era impressionante como eles mantinham os padrões
americanos, tudo muito avançado, desde a estrutura até a tecnologia, passeei
pelos corredores largos admirando as salas similares a auditórios, não pude entrar
em nenhum laboratório, pois só eram permitidos aos alunos do curso.
Caminhei seguindo as setas, rumo ao gramado, duvidando que teria algo
assim no centro urbano, mas tinha um grande e extenso verde, muito
impressionante, tirei as sandálias e andei um pouco sobre a grama, explorando o
campo, alimentei as redes sociais com fotos e, quando me dei conta, já estava um
pouco afastada. Reparei duas grandes estufas ocupando um espaço abraçado pela
natureza, a iluminação não era das melhores para que eu pudesse apreciar as
plantas, então resolvi voltar em outro momento.
Conferi o horário e já passava das dezoito horas, aproveitei e mandei uma
mensagem para Raica. Caso ela e o Renan ainda estivessem no prédio, os
convidaria para um lanche e assim poderíamos conversar um pouco. Mas a preta
nem visualizou, assim como o irmão. Andei um pouco mais por ali, antes de
calçar as sandálias e decidir ir embora, teria um tempo extra quando chegasse em
casa para ler e havia a possibilidade de dona Ana ter finalizado seu turno no salão
e me fazer companhia.
Rabisquei meus planos, certa de que teria um final de dia tranquilo e
equilibrado, mas como uma borracha traiçoeira, meu celular vibrou. Com exceção
da WIS, que se tornou uma meta no colegial, todo o resto foi um emaranhado de
acasos, coisas que deixei acontecer por pura curiosidade. Não me considerava
uma pessoa medrosa, pelo contrário, era intensa demais, e era aí que me
machucava.
Encarei a tela, número desconhecido, meu coração começou a bater
diferente, sensato seria ignorar, mas não, eu atendi:
— Alô!
— Júlia, é o Ricky, pode falar?
— Oi… Ricky…
— Onde você está?
— Eu estou… Por quê?
Ele riu igual a uma criança, enquanto eu massageei meu estômago sentindo
as malditas borboletas tripudiarem. Jesus, eu precisava controlar o meu sistema
nervoso, já estava ficando ridículo tanto descontrole.
— Eu ainda não jantei, gostaria muito da sua companhia.
— Ricky, hoje eu estou cansada, digamos que tive um dia daqueles — falei o
mais natural possível e me sentei num banco em seguida. — Podemos…
— Porque não quer sair comigo, sou tão feio assim? — Juro que a risada
saiu espontânea, o desgraçado tá gozando com a minha cara. — Por que está
rindo? É sério, estou muito preocupado.
— Não se preocupe, garanto.
Você é lindo, um sonho de consumo para qualquer mulher.
— Jura?
— Sim, sem discussão sobre isso.
— Então posso te pegar? Onde está agora?
— Na universidade, acabei de fazer a matrícula, mas Ricky, não…
— Campus Paulista?
— Sim, mas…
— Estou perto, em cinco minutos te pego na entrada principal, ansioso para
ver você novamente.
Dito isso ele desligou.
Sem raciocinar, corri para o banheiro mais próximo e me deparei com um
corpo cansado, sem condição alguma de sair para jantar com o príncipe
encantado, e sim, ir direto para casa. Ajeitei rapidamente os cabelos e retoquei a
maquiagem, passei hidratante nas partes à mostra da pele e ia pensar no assunto,
quando o Ricky voltou a ligar.
— Ricky?
— Sim, linda, estou aqui na frente, vem, estou te esperando.
Caminhei até a saída, ainda com a voz melódica de Ricky soando em meu
ouvido, suspirei lembrando de seu rosto sexy, sua postura profissional à frente da
sala, sua postura casual na casa da Melissa e sua postura sedutora na saída de
emergência. Suas nuances se misturavam conforme eu avançava, sem ainda estar
convicta de que fazia o certo o certo, deixei-me levar…
MEU. PAI. AMADO.
Prendi o ar e as pernas travaram ao presenciar a visão mais molhadora de
calcinha que o universo podia me proporcionar.
Salivei. Que pecado.
O executivo havia se desfeito do terno, permanecendo somente com a
camisa azul, justa o suficiente para me causar um infarto, meu cérebro já havia
formulado diversas imagens de como seria esse abdômen malhado, a distância
não escondeu o corpo atlético escorado no Porsche, pelo contrário, ela só
aumentou o desejo descomunal que tinha de ser comida por ele ali dentro.
Engoli a baba e considerei voltar, pois tinha certeza de que ia fazer merda,
mas já era tarde, ele veio ao meu encontro.
— Oi!
— Oi! Está pronta?
Assenti e sorri, não nessa ordem.
— Achei que tinha fugido de mim.
Balancei a cabeça timidamente (ou melhor, fingidamente) enquanto o
irresistível encostou a palma nas minhas costas e conduziu-me até o carro. Ali
dentro seu perfume era ainda mais forte, me senti como se estivesse entrando na
sua intimidade. Encaixei a bolsa no meu colo, brincando com a ponta do zíper,
tentando passar para o pequeno objeto um pouco do meu nervosismo.
— Está com fome? — perguntou assim que girou a chave na ignição. Fixei
nos antebraços musculosos liberados pelos punhos dobrados, mãos grandes e
dedos igualmente sugestivos que se fecharam em seguida no volante. Pesei o
corpo de um lado para o outro, estava impossível ter vida normal dentro daquele
carro. — Júlia, está com fome? — duplicou a pergunta.
“Muito”, pensei, sentindo o sexo latejar. E não o encarei, pois então
revelaria o tipo de fome que ele realmente precisaria sanar.
— Júlia…
— Um pouco — respondi por fim. — Aonde vamos?
Ele conduziu o carro para o trânsito.
— Num restaurante próximo daqui, agora se achar melhor, pode escolher o
local de sua preferência.
— Não, pode me guiar.
— Tem certeza? Então vou mudar o trajeto. — O safado sorriu.
Dei um tapa leve em seu ombro, soltando os meus, demonstrando que estava
mais relaxada, o que era uma grande mentira.
— Prefiro você assim, sorrindo — disse, deixando que o seu sorriso me
contagiasse. — Foi uma surpresa saber que é prima da namorada do Ruben e, ao
mesmo tempo, foi um prazer reencontrar a bela garota do elevador — murmurou,
oscilando seu olhar entre mim e o trânsito. — Você foi a melhor parte do jantar.
Você também.
— Jantar de grandes revelações, acredito.
— Magníficas revelações.
Desviei o olhar para fora, observando um pouco a paisagem que o carro
veloz deixava escapar. Não demorou muito e estávamos no restaurante, fomos
recepcionados por um manobrista, a quem o executivo entregou a chave. O
garoto, antes de pilotar o Porsche, encarou o carro de luxo como se ele fosse uma
mulher nua.
O lugar, muito elegante para o meu gosto, me deixou apreensiva, também o
que podia esperar, que Ricky Walker me levaria ao Retrô-Chill?
O maître nos encaminhou para uma mesa afastada do grande salão e,
gentilmente, fomos acomodados. Foi entregue ao Ricky a cartela de vinhos e a
mim o cardápio, fiquei analisando tudo aquilo chocada com os valores
exorbitantes de um prato de comida — mas disfarcei, não ia dar esse mole. Como
não tinha noção do que pedir, encarei o homem galante à frente e iniciei uma
conversa um tanto interessante.
— Sr. Walker, o que sugere?
Ele arqueou uma sobrancelha, marcando a surpresa por eu chamá-lo pelo
sobrenome, escolheu o vinho e dispensou o maître que aguardava ao seu lado.
— Srta. Sales, tenho várias sugestões a fazer.
Inclinei apoiando os cotovelos na mesa.
— Você sabe até meu sobrenome? O que fez, Christian Grey? Uma busca
sobre o seu próximo alvo. Há um dossiê meu em seu carro?
— Hum, se bem sei, esse cara tem um gosto peculiar, é o seu estilo?
Deixei escapar um riso, que contive tapando a boca.
— Impressionante, conhece os livros?
— O mundo conhece, não? Aliás conheço a Erica, meu setor de marketing
dos Estados Unidos cuidou da promoção do lançamento na época.
— Sério mesmo?
Ele assentiu.
MEU DEUS, ele conhece a Erica L. James.
— Confesso que os CEO’s se tornaram uma espécie de fetiche para as
mulheres depois disso.
— De preferência os que usam terno cinza.
— Hum, não vou esquecer esse detalhe.
Sorvi um gole de água, precisava me hidratar, o espaço começou a esquentar.
— Mas não respondeu… — retomou com seu timbre rouco —, se faz seu
estilo, Srta. Sales.
— Não faz, eu acho. Nunca experimentei.
Ele abriu um sorriso de canto, insinuante.
E eu só pensei em calar minha boca grande.
— Pare de me olhar assim, Sr. Walker.
— Desculpe, só fiquei mais aliviado em não precisar esconder minhas
mordaças. — Gargalhou, roçando o guardanapo de tecido no meio do cara. Criei
um monstro. — Posso sugerir? — Apontou para o cardápio. — O jantar, a
princípio.
Revirei os olhos, e entreguei a pasta a ele.
— Vai lá, me surpreenda.

Ricky
Foi difícil finalizar minha agenda naquela tarde, o encontro com a Júlia, que
eu mesmo fiz questão de provocar, me perturbou durante a reunião. Eu quase
beijei a garota, na escada de emergência, na WIS CONECT. Caralho, não pensava
mais com a cabeça que devia pensar. Impulsivo, desmarquei as duas
videoconferências que teria e liguei. Senti um certo receio da sua parte e, se desse
vazão a isso, não conseguiria levá-la para jantar.
Por um momento até cogitei deixar para lá a atração, já que o alerta
"funcionária", ainda estava presente no meu subconsciente, no entanto ao
acariciar sua pele macia e inalar a inocência do seu perfume doce, deletei todos os
avisos e só pensei no corpinho delicioso cavalgando no meu colo e gemendo no
meu ouvido.
Ok, admito, sou um canalha excitado, sedento por uma garota de vinte anos.
Não previ nada, há um ponto importante a ser ressaltado: Júlia estava longe de ser
qualquer uma, sei que não.
Acredito que por isso estou vidrado nela.
Peguei o cardápio de sua mão já sabendo exatamente o que pedir. Ela rondou
curiosa, finalmente, deixando fluir um sorriso relaxado. Estudei seus traços, cada
linha delicada do seu rosto levemente corado, olhos envolvendo tons claros, boca
metricamente delineada à espera de um beijo, o cabelo agora mais curto que da
primeira vez que a vi, trazia uma elegância para a silhueta desenhada por Deus.
Sou apaixonada pela beleza feminina, considero as mulheres a riqueza da raça
humana. Embora houvesse essa admiração da minha parte, não recordo quando
me atentei tantos aos detalhes das que frequentaram minha cama.
Por ora me incomodei em constatar isso.
— Vai lá, me surpreenda.
— Vou ser sincero, trouxe você aqui só para impressionar, pois o que eu
gosto mesmo é de comida simples e caseira — admiti, entregando o cardápio para
o garçom que se apresentou. Outro tratou de encher as taças com vinho. Notei um
certo desconforto da Júlia ao perceber o líquido ondulando o cristal. — Fui
imprudente com o vinho?
— Não, é que amanhã estou de pé cedo, prefiro não beber. — Ela curvou os
lábios, quando eu ia sugerir que pedisse outra coisa, meneou a taça e provou o
líquido. — Vou acompanhá-lo somente com essa taça.
— Se preferir pode pedir outra bebida, não me importo.
— Tudo bem. — Devolveu a taça à mesa e me encarou. — Você teria me
impressionado se tivesse me levado num food truck.
Informação importante.
— Sério?
— Sim, sou simples, Ricky — disse e recostou. — Não que algo assim
luxuoso não chame a minha atenção, mas prefiro coisas palpáveis para mim.
Ergui os braços em rendição.
— Sou palpável para você, pode pegar.
— Engraçadinho…
— Nunca falei tão sério.
— Você é meu chefe — ela lembrou, e o sorriso recém-conquistado
desapareceu. — Acredito que estamos burlando diversas regras estando aqui, não
acha?
Sim, estamos!
Regras que eu mesmo fiz questão de impor após uma tragédia no passado,
que acarretou muita dor e incertezas, no entanto, uma atração incomum surgiu e
não pensava mais com clareza, só agia.
— Talvez, estamos atraídos um pelo outro, não há nada de errado nisso.
— Estamos atraídos?
— Eu estou. — Me inclinei e, se não houvesse a mesa entre nós, estaria
sentindo o sabor da pele macia na boca. — Só vamos aproveitar o jantar, depois é
depois.
Fiquei alguns segundos sob a mira dos seus olhos coloridos, até que ela
tomasse novamente a taça em sua mão e virasse um gole generoso naquela boca
que eu tanto desejava. Júlia definitivamente não era uma menina, o que tinha
diante de mim era uma mulher e isso me fascinava.
Nossos pratos foram postos e a vi sorrir quando um filé com purê de
mandioquinha apareceu diante dela, pedi algo simples porque também não tinha
frescura com comida. O silêncio permeou durante a refeição, e claro que tomei a
liberdade e toquei sua mão em algum momento, meu toque arrepiou sua pele,
notei, foi inevitável, e o clima voltou ardente conforme nossos olhos se
encontravam, havia um desejo iminente ali, pronto para explodir. Mas diferente
de outras, a universitária me mantinha capturado, receoso de um avanço brusco,
não entendia, mas era assim que me sentia.
— Como se sente agora que é oficialmente uma estudante da WIS?
— Com a sensação de sonho realizado, sabe como é?
— Sim, sei.
Ela me lançou um olhar duvidoso.
— Já lutou por algum sonho, Ricky?
Ah, agora eu entendi.
Quem conhecia o CMO Ricky Walker, não imaginava o quanto estudei para
me tornar o profissional que sou hoje, claro que ser herdeiro de tudo que meu pai
construiu me daria um futuro promissor, sem sombra de dúvidas. Entretanto,
como o velho, eu quis estar à altura de tudo que um dia ia herdar, estudar no meu
seio familiar não era opção e sim, uma ordem. Nick e eu tivemos uma educação
regrada e muito pouca infância. As melhores lembranças que tenho de brincar
quando criança, estão todas aqui no Brasil, em especial Angra dos Reis.
— Ser filho de Robert W. Walker não me poupou de nada, também tenho
meus sonhos. E posso dizer que, desde o elevador, ganhei outro para a minha
coleção.
Ela balançou a cabeça enquanto sorria com a investida. A conversa ficou um
tanto particular para o que tínhamos, melhor contornar e ir ao ponto que
realmente me interessava. Analisei seu prato vazio e toquei sua mão sobre a
mesa.
— Posso te apresentar o que mais gosto nesse restaurante?
Ela estreitou os olhos, levando para trás das orelhas fios de cabelos
castanhos perdidos em sua têmpora, flexionou os lábios, mas assentiu. Finalizei o
vinho num gole, chamando a atenção do garçom à mesa, conversei com ele
brevemente sobre aonde íamos e recebi o cartão de acesso. Conduzi a garota de
corpo provocante até o corredor restrito a alguns clientes e segurei sua mão
durante o trajeto — era inevitável sentir como meu toque a provocava (me
divertia com isso). O elevador nos deixou no vigésimo andar, subimos uma
estreita escadaria para ter acesso ao grande terraço. Eu amava aquele espaço, a
vista perfeita da grande metrópole, a brisa da noite capaz de amassar os
pensamentos tortuosos.
— Uau… São Paulo é muito mais bonita daqui de cima — Júlia declarou,
caminhando até o parapeito. — Por que me trouxe aqui?
— É um lugar que me dá algumas respostas.
Ela olhou um pouco mais a vista antes de me encarar novamente.
— Acha que há alguma dúvida, Ricky?
Dei o passo que faltava para unir os desejos, busquei sua face com os nós
dos dedos, deslizando sem pressa as linhas do rosto quente, ela prendeu as
pálpebras rendendo-se ao toque, então explorei a carícia percorrendo o pescoço,
levemente o colo, trilhando a costura de sua blusa até abertura que evidenciava o
tronco nu. Alisei a carne exposta, era possível senti-la estremecer, bem como o
abrasado do seu corpo se misturar com o meu. Eu a tinha sob espera, mas
exigente, quis dedilhar cada detalhe ao caminho da sua boca.
— Quero essa boca.
— Eu sei, eu também quero a sua.
Segurei sua nuca e a trouxe para mim, grudando seu corpo no meu.
— Talvez não tenha mais sossego, depois de provar de seu beijo, no entanto,
estou disposto a pagar o preço.
Beijei a garota com voracidade, estava completo, inexplicavelmente me
completei naquele salto. Suguei sua língua macia embebedada de vinho,
recebendo o mesmo tratamento. A ganância que tínhamos era forte, ávida,
apanhei um punhado do seu cabelo, afastando um pouco nossos lábios, eu
precisava provar da carne salpicada de desejo, lambi toda a extensão da cavidade
formulando absurdos. Ergui seu corpo e ela fechou as pernas me montando.
— Adivinhe meus pensamentos? — disse, mas eram os seus seios que
ocupavam o meu campo de visão.
— Só se você adivinhar os meus.
Mordi de leve o peito sobre o tecido, e nos levei direto ao apoio do concreto
que beirava uma parte do espaço. Com isso, pude esfregar sua bunda na minha
ereção dura pra caralho àquela altura. Júlia gemeu e mordeu os lábios que
recuperei no instante seguinte. Queria como um louco, comer essa garota, fodê-la
de um jeito único para que ela nunca mais tirasse meu nome da cabeça.
Ela interrompeu o beijo e voltamos a respirar.
— Não devemos.
Ofegante, desfez o laço perfeito de suas pernas, obrigando-me a colocá-la no
chão.
— Calma, Júlia, está tudo bem.
— Não, não está.
— Por quê?
— Porque você… — Ela hesitou por um momento. Mas eu sabia a resposta:
É MEU CHEFE. Era gritante a afirmação em seus olhos. — Tenho que ir, tá
tarde, não avisei minha mãe, eu vou embora. Vou pedir um Uber.
Seus pés já a guiavam para longe.
— Calma. — A tempo segurei seu pulso. — Eu levo você.
10 | Júlia Sales

Ricky estacionou em frente ao meu prédio e durante o percurso praticamente


nos mantivemos calados, ele conduzindo o carro e eu buscando uma saída à
medida que a paisagem passava. O desejo mútuo era presente, cálido, sufocante.
Tolice, provei do pecado, e o que eu faço agora, se cobiço as piores indecências
com meu chefe?
— Júlia… — Ricky soltou o cinto e se voltou pra mim. — Desculpe se de
alguma forma ofendi ou…
— Não! Você não fez nada que eu não quisesse.
— Então por que está fugindo?
Perdi o ar quando tornou a acariciar meu rosto com leveza, fechei os olhos
dilatados, entregue, num ímpeto seus dedos deslizaram para o meu cabelo,
deixando-me alheia à sua vontade.
— Você é meu chefe.
— E você é a estagiária que me fez quebrar todos os protocolos. Não
consigo ficar longe, já provei sua boca, garota.
Eu descobri uma coisa muito importante, por mais que convencesse meu
sistema de que tudo era errado, nada fazia sentido quando ele me tocava, ou seja,
estava dominada por sua boca faminta mais uma vez.
Ricky me prendeu sem chances de fuga — mas quem disse que eu queria
fugir —, seu corpo quente grudou no meu e as batidas frenéticas dos nossos
corações tornaram-se um único som. Puxei em camadas a parte de trás de sua
camisa que se desprendeu do cós da calça, por baixo do tecido senti sua carne
máscula, arranhei sua pele fazendo-o gemer. Como loucos, não vi nada que fazia
ou consentia, montei no seu colo, ele tirou minha blusa, eu abri a dele, sem
gentileza, que resultou em muitos botões perdidos no chão do carro, ele cravou as
mãos na minha bunda flexionando a entrada contra o pau duro, rocei gostoso na
ereção, tendo sua boca gulosa lambendo tudo que podia, fiz o mesmo também, o
ar trepidou, o tesão chegou a doer, nossa pele embaçou nos unindo com suor,
numa excitação viciante…
— Gostosa pra caralho…
— Ricky… eu… — Tentei dizer, mas roçar a boceta contra seu membro
tirou qualquer palavra que não fosse gemido. — Ah…
— Preciso te foder — ganiu, voltando a me beijar selvagem, enlouquecido,
numa dança perversa, só nossa. — Quero meter nessa bocetinha aqui. — Ele
friccionou meu sexo, e quase gozei com as palavras sujas proferidas por ele.
— Estou louco por você, garota.
— Ah, meu Deus… Ricky.
Meu cérebro não era capaz de raciocinar.
— Porra, Júlia, quero chupar você, quero foder você, não me faça sair daqui
sem isso.
Arfei quase infartando, o homem era um safado delicioso. Tudo seguia tão
intenso que até me assustou, se eu transar com o Ricky dentro deste carro, como
será amanhã?
“Não, as coisas não são fáceis assim.”
— Ricky, para — pedi rouca, fechando o punho no seu peito, ele parou
deixando meu pescoço sem seus lábios e inclinou o corpo para me olhar. — Não
posso.
O clima tórrido que pairava dentro do carro não evaporou, não facilmente,
permaneceu ali nos instigando, nos incitando. Desci do seu colo, num ato
doloroso e lutei contra o desejo. Ricky, por sua vez, não pronunciou nada,
desviou o olhar para frente se mantendo impenetrável, fui então à procura da
minha blusa e bolsa no espaço apertado e as encontrei no chão, me recompus o
mais rápido que pude, na intenção de partir, mas ele não aceitou:
— Calma, Júlia, não saia assim.
— Melhor eu ir.
— Do que tem medo? — Ele soltou o ar. — Qual o problema?
— Você é dono da WIS, eu uma funcionária bolsista, as coisas não encaixam.
Ricky balançou a cabeça, meio negando e meio concordando, nossos corpos
ainda inflamados com o tesão, lascivos, suplicantes, insatisfeitos com a
interrupção. Não precisaria de muito para todo o fogo voltar a nos consumir.
— Vamos esquecer tudo, tá bom? — roguei, mesmo sabendo que nunca
esqueceria nada.
— Se prefere assim — acatou.
Aquiesci e saí do carro sem olhar para trás, não havia o que dizer e, se
permanecesse, provavelmente voltaria para os braços dele.
No dia seguinte, acordei exausta, recebi um sermão da minha mãe por conta
do horário que cheguei em casa e demorei a pegar no sono. Olheiras horríveis
sombrearam meus olhos e nem mesmo a maquiagem conseguiu disfarçar a
véspera. Cheguei adiantada no trabalho e aproveitei para agilizar alguns relatórios
que o Orion solicitou, à medida que me ocupava da função, as lembranças me
deram uma trégua. Orion avisou que só estaria presente na parte da tarde, visto
que compromissos externos ocupariam sua manhã.
Um pouco antes do almoço, Ricky chegou na companhia da Ellen, foi então
que me toquei de algo esquecido. Será que tem algo entre eles? Houve um
momento no jantar, em que a Ellen veio à minha cabeça, no entanto, todo aquele
envolvimento acabou me tirando do foco, agora vendo-os sorrir com tanta
intimidade — era burrice não ter certeza. Eu seria para o Ricky uma distração, um
passatempo, jamais ele levaria a sério nada entre nós.
Espera!
Quando quis algo sério com ele? Acabei de conhecê-lo e… pelo amor de
Deus, Júlia. Porra, não é segredo meu fascínio. Ricky é capaz de molhar calcinha
com um leve toque na face, marcava facilmente o corpo de uma mulher com suas
mãos. Eu queria, nunca neguei. Mas não podia, não com o que tinha entre nós —
meu sonho.
Exatamente ao meio-dia encontrei com a Raica no Retrô-Chill, combinamos
de almoçar juntas. Durante o almoço estava um pouco sem papo, meio
desconcentrada da companhia incrível da preta. Ela percebeu:
— Quem é ele? — indagou, antes de colocar uma batata frita na boca e
mastigar como uma agente secreta em busca de informações. — Fale, girl,
desabafa.
— Ninguém, Raica.
— Amada, sua cara é de dúvida. Diga-me, ele te pediu em namoro e você
está relutante em aceitar ou o contrário?
Analisei a pergunta que tinha sentido, invertendo namoro por sexo, atração
carnal, algo descomunal, que nos conduzia à perdição.
— É somente o trabalho, faculdade em breve, acho que estou um pouco
ansiosa, preta.
— Hum, vou fingir que acredito. Mas se te ajuda, em casa estou passando
uma barra com meus pais.
Olhei para ela, que compartilhou um certo pesar.
— O que houve?
— Então, talvez precise me mudar, meus pais não aceitam a sexualidade do
Renan, e não vou deixar meu irmão passar por isso sozinho. É possível que, no
máximo em quinze dias, aluguemos algo aqui no Centro. Próximo a WIS para o
acesso ser melhor.
— Nossa, que barra, mas pode contar comigo no que precisarem. — Segurei
sua mão, pois nunca havia visto Raica triste dessa maneira.
— Eles não aceitam que o Renan é gay.
— Acho que é questão de paciência, tempo, não?
— Não sei, meus pais são carrancudos e muito conservadores, aceitar que o
filho gosta de outro homem é a morte pra eles. Principalmente meu pai, um
general das forças armadas, homem potente e respeitado, para ele ter um filho
“viadinho”, palavras agressivas dele, é uma desonra.
— O Renan, como está se sentido com tudo?
— Ele tem uma personalidade forte, saiu do armário sem volta, girl. Admiro
ele. Mas sei que, apesar da força, está sofrendo.
— Acho lindo vocês dois. Queria ter tido irmãos. Quem sabe se minha mãe
se casar de novo?
— Júlia, sem querer ser indiscreta, mas você nunca mencionou seu pai, ele
faleceu… ou…
— Não tenho pai… — Soltei uma lufada de ar, só de citar esse demônio,
tudo em mim se torna ácido.
— Desculpe, eu…
— Tudo bem, Raica, mas esse assunto mexe muito comigo, não consigo
ainda expor essa parte sombria da minha vida.
— Tá certo, eu entendo, quando quiser… sei lá, falar, estou aqui.
Colhi o carinho dos seus olhos e o guardei no meu coração, sei que um dia ia
poder contar essa parte infeliz da minha infância para alguém especial como
Raica.
— Sabe que temos uma conexão de outras vidas, né? — ela falou divertida,
deixando o clima um pouco mais leve. — Quem sabe não fomos irmãs na época
da realeza?
— Provavelmente fomos rainhas. — Sorri. E pensei o quanto era sortuda por
ter encontrado uma amiga como a Raica.
— Você não pense que engoli a desculpa esfarrapada. Sei o que esse rostinho
triste significa.
— O quê?
— Homem!

Quando retornei do almoço, Orion já estava presente, como falava ao


telefone e parecia importante, só acenei antes de ocupar a cadeira ao seu lado.
Havia muitos papéis sobre a mesa, estudei alguns, eram as estratégias da reunião
do dia seguinte, onde ele apresentaria ao CMO os planos do marketing nacional.
Minha imaginação voou longe… Como seria participar de uma reunião
desse porte? Só com a presença de diretores e claro, do CMO - Ricky Walker,
voltei à terra quando a voz da Ellen explodiu no andar. Ah, não! Minha garganta
fechou logo que identifiquei quem estava ao seu lado.
— Boa tarde, pessoal — a dama saudou e logo depois veio na direção do
Orion. — Ricky, venha comigo, por gentileza.
O ar desapareceu.
Restavam poucos metros e estaríamos frente a frente. Sem tempo para uma
escapatória, por mais que quisesse, tentei respirar. A conexão de olhares se
estabeleceu, e minhas bochechas queimaram no mesmo instante. Orion
permaneceu distraído com a ligação, sem notar o meu desconforto.
— Olá, Orion — Ellen disse, escorando na mesa, sem se importar que ele
estivesse ao telefone.
O padrinho prontamente se surpreendeu com as presenças ilustres dos
superiores.
— Ok, nos falamos depois, Celly. — Finalizou a ligação rapidamente,
direcionando sua atenção para eles. — Olá, Ellen. Como vai, Ricky?
— Estou ótima — a executiva iniciou e Ricky cumprimentou Orion com um
aperto de mão. Eu até então permaneci invisível para eles. Graças a Deus. —
Orion, amanhã teremos a reunião de estratégia, acredito que a sua equipe já tenha
criado todos os pontos?
Como um ser equilibrado que eu era, focalizei no meu computador evitando
o olhar para um tal cara. Sequer sabia o conteúdo da tela, mas não ia olhar para
ele.
Não, não ia.
Nem pensar…
— Sim, temos muitas ideias e o orçamento cobre. Os comerciais da mídia
aberta já deram um bom resultado ontem — respondeu Orion, empolgado.
— Eu sei, parabenizo vocês por isso — se pronunciou Ricky.
— Obrigado.
— E ela, quem é?
Filho da mãe.
Não estou mais invisível.
— Claro, desculpe. Esta é a Júlia, da nova equipe — Orion apresentou-me
meio desconcertado e eu fui obrigada a encarar os chefes.
Ricky abriu um sorriso de canto de boca, deixando claro seu divertimento.
Não sorri, como podia, com o nervoso tensionando cada músculo da minha face.
Ellen percebeu algo que me escapou no momento pois a chefe soberana ergueu
uma sobrancelha, nada contente.
— Como vai, Júlia? Está gostando da WIS CONECT? — o executivo
perguntou. Sereno e equilibrado, muito diferente de mim que estava a ponto de
vomitar o coração pela boca.
Pisquei umas três vezes, pasma, perdida. Orion me encarou sem entender o
silêncio.
— Júlia… — Uns dos três me chamou, mas não identifiquei quem, estava
concentrada nos palavrões que queria cuspir.
— Eu… então! Estou gostando bastante — respondi, finalmente.
— Ela é ótima — meu amigo completou. Tentando me livrar do embaraço.
— Aprende muito rápido.
— Ótimo, quero ela na reunião de amanhã.
— Como? — Ellen soltou ríspida, virando-se para o executivo. — Ela é uma
estagiária, Ricky.
Arregalei os olhos com a situação inusitada.
Como assim ele me quer na reunião de diretoria?
E sim! Eu sou uma estagiária.
— Quero desenvolver profissionais aqui, Ellen — explicou, se bem que não
foi um tom muito passivo e mais ofensivo. — Júlia, gostaria de participar da
reunião? — Jogou para mim e cruzou os braços.
Tenho escolha?
— Ela vai…
— Prefiro que ela mesma responda — Ricky interrompeu Orion, fitando
meu olhar, sua mandíbula cerrou e seu corpo se movimentou impaciente. —
Júlia?
— Claro, será ótimo — respondi em seco.
— Obrigada, Orion. — Ellen, que estava muito incomodada com tudo, saiu
pisando firme na frente.
— Até a reunião, Orion. Foi um prazer, Júlia. — O executivo andou em
direção à sala da outra chefe.
Bufei assim que nenhum dos dois podia ouvir.
— Muito bom, Júlia.
— Estou pronta para uma reunião desse porte?
— Aqui você aprende na prática, aproveita. Outra coisa, vai ser um prazer
tê-la ao meu lado. — Ele piscou, com ar divertido. — Vou pegar um café, você
quer?
— Não, obrigada.
— Ok, volto logo, com licença.
Assisti o Orion caminhar até sumir no corredor da copa e tapei a boca,
devido à vontade de gritar que senti. Surreal como esse homem sacode minha
vida. Meus sentimentos estavam todos bagunçados no peito. Foi só um beijo, uma
atração. E agora vou participar de uma reunião de diretoria?
O que o Ricky quer? Me dar privilégios?
Não, não acredito que um homem na posição dele precise disso. Deixei claro
na véspera que somos um erro. Ele sabe tanto quanto eu que essa febre que nos
consome é imprópria. Portanto, não vou surtar, vou acreditar que é natural uma
estagiária participar de uma reunião desse porte, ou então, caso não seja, Ricky
vai conhecer outra Júlia, uma nada satisfeita.
11 | Júlia Sales

Assim que acordei defini sem hesitar o que ia vestir. Já que participaria da
reunião, seria em grande estilo. Escolhi um vestido preto com decote comportado,
porém sensual e sapatos vermelhos, que peguei emprestados da minha mãe.
Arrumei meus cabelos com cachos largos e fiz uma maquiagem caprichada.
Quando me olhei no espelho, avaliando a composição, fiquei chocada com o
resultado.
Agora estou insegura, achando que exagerei um pouquinho.
— Girl, você está linda! — Raica exclamou, admirando meu look. — Você
caprichou hoje!
— Raica, vou participar de uma reunião de estratégia com a diretoria —
expliquei, controlando a empolgação. — E você, bem-vinda ao andar do
Marketing.
— Obrigada, finalmente estou no meu lugar. — Espalmou o peito. — E
você, reunião com a diretoria? Parabéns.
— Obrigada, mas estou nervosa. — Encolhi os ombros. — Acha que
exagerei?
— Amada, arrasou, está parecendo uma executiva. — Ela se aproximou e
cochichou. — Pode competir de frente com a nossa chefe que, cá pra nós, é linda,
mas azeda.
Não aguentei, deixei escapar uma gargalhada.
— O que é tão divertido, garotas? — Orion chegou perguntando.
— Nada, não. — Disfarcei, ainda com vestígios do riso.
— Ok, é bom vê-las animadas. Raica entregue essas pastas para Celly no
décimo andar, por favor.
— Claro, até mais tarde, Jú.
— Almoçamos juntas. — Pisquei para ela, que pegou os materiais e saiu em
seguida.
— Uau. — Orion assobiou, paralisei encabulada. — Caprichou para a
reunião.
— Exagerei, né? — perguntei e esmoreci.
— Claro que não, ficou ainda mais linda.
Exagerei, é fato.
— Tudo certo para a reunião, Orion.
A voz grave bateu nas costas, sabia quem era, então respirei antes de virar e
flanar entre os homens.
— Tudo certo, Ricky. Iniciaremos em dez minutos.
— Por favor, chame alguém da manutenção, os computadores da sala de
reunião estão sem conexão com a internet.
— Impossível, testei todos há uma hora, vou verificar, com licença. — O
homem, agora aflito, saiu disparado para a sala, enquanto o outro se aproximou.
— Bom dia, Júlia — sussurrou perto, só para que eu e ele participássemos da
conversa.
— Bom dia, Ricky.
— Acho que será umas das minhas reuniões preferidas ou talvez a mais
difícil.
Vadiei o olhar só para certificar se não estávamos sendo observados.
Por ora, não.
— Por que a mais difícil? — indaguei no mesmo tom.
— Vai ser impossível me concentrar em qualquer coisa que não seja você.
Tudo isso foi somente para a reunião? Ou me enlouquecer foi a real intenção
quando escolheu esse vestido?
— Acha mesmo que me vesti para você?
Hipoteticamente, podia ter feito essa proeza.
— Como posso? Sou um miserável sonhador.
Sem autorização meus lábios sorriram.
— Me vesti para reunião e por incrível que pareça você estará presente,
então se considere um homem de sorte — murmurei equilibrada, no entanto, se
seus olhos pudessem enxergar o meu interior saberiam o caos que estavam meus
neurônios. Ricky me desconectava do coerente com facilidade, estávamos no
meio do andar, com vários colaboradores em torno, que porra tínhamos na cabeça
para iniciar uma conversa nessa estirpe?
— Às vezes tenho sorte, como ontem, que provei um sabor inesquecível.
Como você é uma garota inteligente pode me ajudar. Não consigo esquecer o
gosto doce que ainda se encontra tortuoso no meu paladar. O que faço a respeito?
— O timbre entoava a perdição de recordar a véspera, titubeei, sentido a pele
pinicar.
— Esquecer… talvez… seja o certo a se fazer.
Seus olhos quentes me invadiram. Tão exigentes que senti meus pontos mais
sensíveis sendo tocados por ele.
— Tem razão — se afastou —, reunião em dois minutos, Srta. Sales.
Ah?
Ele tinha o dom de me alucinar e enlouquecer na mesma medida.
Continuei na mesma posição, testemunhando o executivo caminhar
tranquilamente para a sala onde ia acontecer a reunião, já não tinha liberdade com
meus pensamentos, estava confusa, agitada e perturbada com o perfume delicioso
do Ricky que ainda permanecia pairando no ar. Olhei ao redor e, graças, ninguém
percebeu a turbulenta viagem, todos estavam entretidos nos seus próprios
Macbooks. Respirei fundo, retomando o controle, peguei o meu bloquinho de
anotações e fui ao encontro do perigo.
Até aquele momento não havia entrado na sala master, a primeira coisa que
chamou a atenção foi a enorme mesa oval que ocupava o centro, uma televisão de
mais ou menos cem polegadas à frente, e o CMO, que se destacou de todos os
presentes, fazendo anotações, sentado na cabeceira como o rei. Ellen, ao seu lado,
também parecia bem centrada no seu computador. Procurei Orion no meio de
tudo aquilo, inédito para mim, e o encontrei na outra ponta da mesa, digitando
como um devorador de teclas, me aproximei, sem chamar atenção.
— Oi! Tudo certo? — sussurrei, ocupando a cadeira ao lado.
— Não, estou nervoso. Tenho várias ideias e quero passá-las de uma maneira
incrível.
— Cara, você é o máximo, relaxa. — Ele me encarou e forçou um sorriso,
mas era visível o quanto estava em pânico. — Obrigado, Júlia.
— Bom dia a todos! Vamos iniciar — declarou Ellen ao lado de Ricky. —
Sr. Walker a palavra é sua.
O executivo iniciou com uma apresentação breve dos rumos tomados pelo
Marketing na atual gestão, pontos positivos e negativos. Embora eu achasse o
assunto muito interessante, algo fez meus olhos perderem o rumo dos gráficos e
pousarem na postura sexy de Ricky.
Puta que pariu.
A sensação do seu pau se esfregando entre as minhas pernas fez com que eu
soltasse um leve gemido, ao mesmo tempo que a cadeira ficou desconfortável
para o meu corpo que começou a afoguear com as lembranças do nosso momento,
e suas palavras não tinham mais sentido, estava totalmente hipnotizada com a
figura máscula…
Um desejo me remeteu em congelar o tempo, ajoelhar-me diante dele, pegar
o seu pau, que ainda não tinha visto, e chupá-lo.
Colocá-lo por inteiro na minha boca e degustá-lo…
Jesus!
Me tornei uma pervertida.
— Júlia… — Alguém me chamou e eu desorientada saí do meu devaneio
sexual. — Júlia…
— Sim, quem? — perguntei, perdida.
— Aqui!
Porra! É o Ricky.
— Tudo bem? — O chefe indagou com a testa enrugada.
Inferno.
E todos os olhares estavam em quem? Em mim!
Parabéns, Júlia, sua indecente.
— Tudo ótimo. — Pigarreei, uma, duas, três vezes. Ridícula. — Continue,
por favor.
— Claro, gostaríamos de desenvolver ótimos profissionais, por isso você
está aqui hoje. Vai aprender na prática como funciona a área que está estudando.
— O irresistível colocou aquele sorrisinho cafajeste de canto de boca,
intensificando o olhar, engoli em seco, enquanto meus pés formigavam dentro do
salto. Havia uma troca insana de desejo entre nós, algo incompreensível a olho
nu. — Então, aproveite, Srta. Sales.
— Obrigada, vou dar o meu máximo, lembrando que todos da equipe foram
bastante amistosos comigo, estou com muitas expectativas referente à WIS.
— Ótimo. — Ele permaneceu com seus olhos castanhos fixos em mim,
inflamando a minha pele, não me dignei a olhar ao redor, apenas me preocupei
em controlar o fogo no rabo, até… obrigada Jesus, ele voltar a falar: — Ok,
agora vamos falar sobre a ação de marketing nas mídias sociais. Acredito que
temos ideias aqui. Orion, pode começar.
Estou com frio…
Estou com frio…
Estou com frio…
Repeti mil vezes a frase como uma espécie de exercício mental, aprendi isso
com o meu professor de educação física no ensino médio: foque em um
pensamento, repita-o continuamente até o torná-lo real.
Não estava funcionando como devia, por isso, permaneci tentando.
Precisava resfriar esse fogo que queimava minha pele. Que coisa maluca era
essa entre Ricky e eu, como conseguimos nos levar ao limite assim? Tínhamos
que parar, não podíamos mais nos encarar daquela forma, acreditei fielmente que
ninguém percebeu o desconforto sexual entre nós, caso contrário, estaria em
maus-lençóis.
Ar frioooooooo…
Finalmente o ar-condicionado começou a fazer efeito e, mesmo com
dificuldade, tentei me concentrar na reunião.
O tempo preenchido com debates e avaliações estratégicas não passou tão
rápido, mas me fascinou a cada segundo, se havia alguma dúvida de que
marketing seria minha carreira, nessa manhã desconsiderei todas elas. Olhei
minhas anotações, satisfeita com tudo que aprendi, mesmo sob a pressão atraente
de um certo executivo de terno cinza. Comentei rapidamente com Orion alguns
pontos, que iam ser esclarecidos quando eu retornasse do almoço, chequei a hora
e estava um pouco atrasada do horário que marquei com a Raica, portanto me
apressei em sair da sala, mas fui barrada por uma voz feminina, nada suave:
— Júlia — olhei para trás —, depois que você retornar do almoço, vá direto
à minha sala, tenho algumas tarefas para lhe passar — Ellen solicitou ao lado de
Ricky que, por sua vez, não disse nada, manteve suas mãos escondidas no bolso
da calça e uma seriedade no rosto perfeito.
— Claro — anuí e caminhei até a saída sentindo os olhares com diversas
vertentes queimando minhas costas.
Encontrei Raica no térreo e ela logo reparou a falta de um sorriso, mesmo
com muita insistência a caminho do Chill, não mencionei nada, ainda assim
considerei desabafar com ela, quem sabe a preta me norteasse nesse deserto que
estavam meus sentimentos.
— Raica, tem um cara — soltei sem que ela esperasse, após ocuparmos uma
mesa no fundo da hamburgueria.
Ela ergueu uma sobrancelha.
— Eu sei, girl.
— Mas não posso dizer quem, não agora.
— Ele magoou você?
— Não, só… — Hesitei, encontrando a melhor maneira de me expor, sem
expor muito. Tá legal, não tinha como, precisava soltar o verbo. — Só temos um
tesão sufocante que nos consome sempre que estamos perto e…
— Isso é um problema? — Ela praticamente me chamou de idiota.
— É — falei e massageei a face, sentindo uma leve ardência nos olhos. —
Não podemos ficar juntos.
— Não! Por quê?
— Raicaaaaaa… não piora.
— Amada, preciso de um motivo para você ter tesão pelo cara, ele por você
e ambos não transarem.
— Ele é o Ricky Walker.
A preta ficou branca e tapou a boca.
— O CMO? Dono? Gostosão?
Encarei a filha da mãe, sem querer sorrir, mas esticando os lábios sem ter
como. Raica coçou a nuca e batucou na mesa. Entendendo finalmente meu
dilema.
— Júlia, como aconteceu essa aproximação?
— No primeiro dia, no elevador, nos olhamos e eu não sabia quem ele era.
Descobri por acaso, num jantar nada agradável, que o namorado da vaca da
minha prima é primo dele.
— Uauu…
— Tem mais. — Ela arregalou os olhos. — Saímos para jantar, nos beijamos
e quase pá… é isso.
A garota teve um faniquito momentâneo, seguido por tosse e uma brusca
descoloração facial, por pouco não chamei o SAMU.
— Vocês quase, “tico tico no fubá”? “Fuc fuc”?
Gargalhei mesmo, a ponto de explodir.
— Quase transamos, Raica. O homem me enlouquece, estou praticamente
tarada por ternos e na reunião ele quase me infartou, sou muito nova pra morrer
com tesão reprimido, amiga.
— Mulher, se morrer após o orgasmo eu até entendo, agora se morrer na
vontade, mana, é sacrilégio.
Quase enforquei ela.
— Raica, me ajuda — pedi, colocando seriedade no assunto. — Temos uma
atração louca e inconsequente. Porra, ele é meu chefe…
— Bilionário…
— … e gostoso pra caralho, é sobre isso.
Ela sibilou.
— Júlia, suponhamos que ele esteja usando você. O homem é poderoso, voa
pelo mundo com seu jatinho e corre na rua com um conversível, imagine as
periguetes que correm atrás dele.
— Eu sei… — confessei derrotada.
— Jú, um homem desse ilude qualquer mulher, até eu que não sou muito
chegada a branquelo, molharia a calcinha fácil por ele, mas… — Ela semicerrou
os olhos, como uma agente prestes a desvendar um mistério. — Também pode ser
uma atração mútua, e aí, minha filha, só transando pra saber.
— Raicaaaa….
— Peçam, meninas! — Chill chegou de súbito e estranhamos de primeira a
ausência da Eduarda.
— O que houve com a Duda? — Raica quis saber.
— O filho dela está muito doente — respondeu o chinês. — Agora façam os
pedidos.
— Não sabia que a Eduarda tinha filho — exclamei, surpresa.
— Tem sim, um menininho de seis anos — contou Raica.
Com o chinês impaciente ao nosso lado, fizemos os nossos pedidos, o
serviço demorou um pouco a acontecer devido à ausência da garçonete, portanto,
nem finalizamos como devíamos a refeição e corremos para a WIS. Raica
garantiu me ligar à noite, para conversarmos sobre o segredo que a fiz prometer
guardar. Depois de dividir com a preta, me senti mais aliviada, fui ao banheiro
antes de encarar a Ellen, passei alguns minutos me olhando no espelho e
questionando meus sentimentos, “talvez” era a palavra que oscilava entre uma
frase ou outra, quando o “Ricky” não ganhava em disparado na turbulenta onda
que estava o meu cérebro.
Respirei fundo e bati à porta.
— Pode entrar — a resposta veio de dentro.
Minha cabeça entrou primeiro e depois coloquei meu corpo para dentro da
enorme sala rodeada por vidros.
— Com licença.
Ellen parou de imediato o que fazia e me avaliou sem disfarce, mas se
manteve atrás da sua mesa de vidro metricamente organizada.
— Sente-se, por favor.
— Você tem tarefas para mim?
Uni a ação com a fala, admirava a executiva que pra mim era um exemplo a
ser seguido, porém pretendia ficar o menor tempo possível ali dentro, não me
sentia confortável por diversos motivos: e se Ricky tiver um caso com a Ellen? E
se eu estiver no meio deles como uma idiota. E se ele estiver fazendo as duas de
idiotas?
Cacete.
De qualquer forma não me interessava, meu cérebro cortou relações com
meus instintos. Decidi que não me deixaria mais levar por esse desejo
descomunal que sinto pelo Ricky.
— Sim, tenho, vejo que Ricky é bem generoso com os novos e está sendo
com você.
Calma aí.
O que ela quis insinuar?
— Não entendi. Generoso?
— Você é muito inteligente, sei que vai se dedicar muito para crescer. Com
isso, quero que você faça uma grande pesquisa referente às críticas negativas dos
nossos estudantes. O que eles falam sobre nós e como eles nos veem como
universidade.
Ela ignorou descaradamente a pergunta, posso seguir interpretando a
estagiária agradecida com o elogio, ou repetir a pergunta, o que criaria um
impasse e não seria nada satisfatório para quem acabou de conquistar uma bolsa.
Sou pequena na WIS.
Melhor evitar problemas.
— Os veteranos? — Me atentei aos detalhes.
— Sim, você consegue? — ela não perguntou, foi praticamente um desafio
em bom tom. — Tenho dúvidas — provocou.
— Se há dúvidas, não devia me designar à função.
Ok, ela me ofendeu.
— Estou lidando com uma estagiária com língua afiada.
— Não é essa a questão, Sra. Ellen.
— E qual é?
— Darei o meu melhor, preciso que confie em mim — abrandei o meu tom.
Acredito ter deixado claro com quem ela estava lidando. — Para quando? —
perguntei educada.
— Segunda-feira. Eu quero números e fatos.
— Terá conforme o solicitado.
— Agora pode sair — disse, áspera.
Inalei um sorriso, sem ocultar meu desagrado com o rumo da conversa.
— Obrigada, Sra. Ellen.
Não retribuiu, nem sequer moveu um músculo por educação, ela apenas
permaneceu me encarando, havia vários tons rebuscando seu rosto. Ellen me
queria por perto, e melhor, queria que eu soubesse quem mandava.
Voltei para minha mesa. Orion já estava presente, contei a ele o pedido feito
pela chefe e aproveitamos para conversar um pouco sobre a reunião. O resto da
tarde me ocupei com o início da pesquisa, havia muito trabalho a ser feito,
portanto ignorei todos à volta, focando somente no que me foi proposto. Só me
dei conta de que havia anoitecido quando fui à copa pegar um café, o andar estava
praticamente vazio, silencioso, tranquilo. Tomei com calma meu cafezinho,
pensando um pouco no meu dia e no jeito como as coisas vinham acontecendo.
No caminho de volta, reparei uma placa dourada na sala ao lado da Ellen, me
aproximei, pois não tinha percebido o brilho da placa.
— CMO - Ricky Walker — murmurei e olhei em volta, mas não havia
ninguém no andar que pudesse me escutar, impulsiva, intrometida, arrisquei e
girei a maçaneta. Tendo a entrada liberada, sei que cometeria uma grande loucura
entrando ali, mas afinal, quais foram as loucuras cometidas nos últimos dias que
me impediam?
Primeiro espiei da porta o amplo espaço ainda em reforma, com cheiro de
tinta fresca, não contive os passos e avancei até as largas janelas, sem cortinas ou
persianas. O crepúsculo da cidade iluminada por pingos de luz ofuscava a sala,
fiquei contemplando a vista na penumbra que mantinha meu corpo oculto.
— Gostou da vista? — A voz rouca ecoou pelo cômodo quase vazio, e
percebi que tinha coração quando virei e me deparei com o Ricky.
12 | Júlia Sales

Ricky parecia um quadro valioso emoldurado pelo batente da porta, era


quase um castigo permanecer apreciando tamanha obra sem poder tocá-la. Havia
um charme na sua postura que incitava meu ventre, ao mesmo tempo que
danificava o meu discernimento.
— Sabe, o que mais me chamou a atenção nesta sala foi a vista.
— Sim. — Voltei para a janela, não me prolongando muito. — São Paulo é
magnífico aqui de cima.
— Você conhece alguma outra parte do mundo, Júlia?
— Não, conheço um pouco do Brasil, mas nunca viajei para fora, mas vou
um dia…
Ele movimentou os lábios em dúvida ou só me sacaneando mesmo, fazendo-
me lembrar que beijei sua boca numa noite como essa.
— Aqui então será o seu escritório?
Quebrei a fixação nos lábios, o que não eliminou o envolvimento visceral
que o homem distante, mas tão perto, me causava.
— Enquanto estiver aqui, sim.
— Como assim, estiver?
— Tenho vários escritórios espalhados por vários países, meu trabalho me
mantém em movimento, achei que soubesse.
Não contive a surpresa, ou frustação.
— Eu não… sabia. — Minha voz abrandou ao constatar que ele estava só de
passagem e a qualquer momento não o veria mais.
Senti um apertinho desconhecido no peito e lamentei a distância, lamentei
muito.
— Sabe qual o meu desejo antes de ir?
— Qual?
— Um beijo. — Seu timbre ardiloso, provocante, me lembrou o quanto
queria isso também.
Mas não podemos, ainda havia um por cento de sanidade.
— Não — sussurrei indo para a saída, que não ia ser autorizada. Ricky
fechou a porta com o próprio corpo, se mantendo guardião da insensatez. —
Ricky, me deixa sair.
— É o que quer?
— É, sim.
— Não acredito em você. — Não havia mais distância, o executivo
percorreu o espaço que existia, segurou meu rosto com as palmas das mãos,
invadiu meus pensamentos, esgotou minha relutância, chegou a ser indecente o
jeito que ele me olhou. — Você consegue imaginar o quanto eu desejo você?
— Eu imagino tantas coisas…
— Imagine como eu tocaria você, se permitisse. — Seus lábios brincaram
com os meus, abusados, ávidos. Suas mãos avantajadas deslizaram no meu
cabelo, descobrindo meu pescoço para que sua língua úmida percorresse toda pele
exposta. — Imagine como lamberia cada parte do seu corpo.
— Hum — arfei ansiando, excitada com as carícias deliciosas de sua boca.
O ar, que já não era mais o mesmo, se tornou lascivo, lúbrico, quase palpável
de tanto tesão. De repente seu nariz tocou o meu e nos encaramos, quis ler seus
olhos, mesmo não tendo os meus completamente abertos, mas não houve tempo.
— Imagine como chuparia a sua bocetinha e a faria gozar na minha boca.
Bastou um segundo, e eu o beijei.
Beijei-o faminta, com sede, com todos os músculos possíveis. Não havia
calma, e sim, desespero. Selvagens, violentos, nos tocamos querendo tudo um do
outro. Ricky engoliu minha boca e chupou minha língua, enquanto suas mãos
apalparam as curvas do meu corpo trêmulo, aceso, incendiado. Não sei como,
mas minha bunda escorou em algo, baixei o rosto, enquanto Ricky se distraiu
com meu pescoço, e pude ver uma mesa.
— Não se mexa.
Deixou-me ali e se afastou em direção à porta. Só compreendi o que quis
dizer quando as luzes da sala foram acessas e a porta fechada. A claridade
tremeluziu meus olhos, contudo me presenteou com a versão sexy de Ricky,
fodeu… suspirei ao assisti-lo se desfazer do seu paletó, da gravata, despregar
alguns botões da camisa, dobrar os punhos liberando o antebraço e voltar
marcando cada passo.
— Última chance. Não vou impedir caso queira sair por aquela porta, mas vá
agora, porque se decidir ficar, presta atenção, não vou repetir… se decidir ficar,
nunca mais meu nome sairá da sua cabeça. Entendeu?
Meus joelhos fraquejaram, estávamos no seu escritório em reforma, no
prédio da WIS CONECT, só isso já era para anular qualquer possibilidade.
— Eu…
— Júlia, cansei desse jogo, eu quero você. — O beijou dessa vez aconteceu
suave, ameno, delicado. O oposto das palavras que vieram quando sua boca
soltou a minha. — Decida-se, não sou tão forte assim, não consigo permanecer
mais um segundo sequer ao seu lado se não for para me enterrar entre as suas
pernas, esse tesão desmedido que sinto por você esgotou meu autocontrole, não
consigo mais… então escolha.
Umedeci meus lábios e invadi seus olhos, como nunca havia feito.
— Eu também não consigo mais…
Saltei para seu colo, ele me recebeu, travei as pernas na sua cintura e o beijei
como se minha vida dependesse em queimar nessa brasa. Me rendi naquele beijo,
me entreguei ao que me desconectava do certo ou do errado. Corajosa? Não.
Longe disso, só dei ouvidos ao meu coração, evitei por diversas escutá-lo,
conhecia a intensidade do meu sistema e, mesmo correndo o risco de cravar seu
nome na memória, eu queria que sua boca marcasse cada curva do meu corpo.
— Quero você nua.
Num embalo descontrolado ele nos levou para uma parede, ali travou minha
coluna para depois deslizar meu vestido por sobre a cabeça num movimento
rápido. Em seguida tomou em seus lábios exigentes um seio, sugando-o e
chupando-o. Suas mãos mastigavam minha bunda castigando o meu sexo a se
friccionar contra seu pau, o ar cálido nos consumindo.
— Ricky, e se alguém chegar — consegui dizer.
— Não há ninguém no andar, garanti isso — ele riu cafajeste. — Embora eu
precisasse de tempo e um local adequado para comer você do jeito que merece,
acredito que não conseguiríamos chegar a nenhum lugar, não com esse tesão
sufocante entre nós.
Me assustei quando deixei a parede e ele me carregou até a mesa,
posicionada próxima a janela larga. Deitou-me com cuidado, deu um braço entre
os corpos, e passou a desabotoar a camisa até a peça, inútil para o momento, cair
em seus pés. Cobicei cada contorno do peitoral trincado, pele colada aos
músculos, o caminho sem volta que seguia para o cós da calça… perdição, essa é
a definição desse homem.
— Gosta do que vê? — Capturou meus olhos de cobiça, consciente da sua
gostosura.
— Gosto muito, vem cá.
Mordi o lábio e fui à prova do gosto da sua pele, as noites em claro que
passei imaginando como seria lamber cada palmo da musculatura, cobraram seu
preço, não ia nem em sonho perder a oportunidade. Iniciei com beijinhos, depois
com leves mordidas, não contive minha boca e o lambi provando do sabor
amadeirado. Ricky pesou a cabeça na nuca recebendo minhas carícias nada
castas. Ele queimava a cada passada de língua que envolvia seu músculo, eu me
sentia pingando de tão molhada por provar desse homem, ficaria mais tempo
degustando-o, se ele não tivesse segurado meu ombro e guiado meus olhos para
os seus.
— Tenho um pedido: essa boca ao redor do meu pau…
Meus olhos caíram para a ereção sobressalente dentro da calça, chupar o pau
do Ricky também fazia parte do meu sonho erótico, porém desejava sua boca
primeiro. Abri um meio sorriso indecente, desprovi a face de qualquer
ingenuidade, em seguida espalmei seu tórax com o pé deslizando a bunda para
trás. Mantive uma distância estratégica para que Ricky observasse seu prato
principal. Arreganhei as pernas lhe dando a visão da minha boceta encharcada.
— Só se sua boca me chupar primeiro.
Seus olhos escureceram e sua língua circulou pervertida ao redor do meu
desejo.
— Quer que eu te chupe, safada?
— Talvez eu tenha uma lista de prioridades, e preciso que me ajude com o
item dois.
— Lista, é? — Assenti. — Vai ser um prazer chupar cada pedacinho dessa
boceta.
Ele tocou minhas coxas deslizando uma mão para a virilha, a outro fechou
no meu pescoço e deitei-me sobre a mesa.
— Esse corpo…, perfeito, devasso e ao mesmo tempo delicado, curvilíneo
na medida, gostoso com excesso — bramiu guiando dois de seus dedos como
rastros de pólvora pelo contorno dos seios, venerando cada linha sinuosa. Depois
abusou da minha flexibilidade me abrindo mais para ele, estava muito excitada,
quase explodindo com os resquícios. Ah… exalei um gemido longo, sentindo
seus dedos circularem meu sexo por cima da calcinha que ainda era presente. A
renda úmida, escorregando entre os grandes lábios. O executivo grunhiu
baixinho, sua respiração pesou enquanto ele retirava a peça.
— Não vou retirar do jeito que gostaria, porque apreciei a lingerie — avisou
e logo descartou a roupa íntima. Não contive um sorriso satisfeito por ter
escolhida essa calcinha, ao invés das minhas simples de algodão. — Encharcada
para mim, linda… — ele dizia durante o tempo que torturava minha carne com
beijos e mordidas. — Gostosa… gostosa pra caralho…
— Ricky…
Quase implorei por sua boca, por sua língua, no entanto, não foi preciso, ele
pareceu entender o quanto clamava, seu dedo penetrou a fenda lubrificada, minha
coluna arqueou com a investida, então ele repetiu o movimento penetrando meu
sexo. Até sua boca, finalmente, foder a boceta que gritava por prazer. Puta que
pariu… que língua. A desgraçada circulou o ponto sensível, pincelou frenética
cada fissura, vibrei toda, rebolei descontrolada, completamente viciada no que
sua boca fazia com meu íntimo, faria qualquer coisa que Ricky pedisse naquele
momento, desde que ele continuasse me chupando.
Não havia pudor entre nós.
Senti uma pressão, uma linha vigorosa percorrer minha coluna e um calor
muito pulsante atingir com fastígio, violento, cada músculo existente no meu
corpo. Eu palpitei, me contorci e gritei seu nome quando caí em deleite. Num
clímax arrebatador.
— Nossa…
Ricky, ainda faminto, permaneceu, lambuzando-se do meu mel, sugando até
a última gota do fluido. Desmanchei-me sobre a mesa, extasiada. Mas fui erguida
logo para um beijo longo e vigoroso, meu sabor estava lá embasado em nossa
boca, nos envolvendo, nos pervertendo.
Até que cessamos o beijo, juntos, ofegantes, mas ainda tomados pelo tesão.
— Garota, você é uma delícia — ele exalou, afundando seu rosto no meu
ombro e deixando um selinho na região. — Sonhei com isso nos últimos dias.
— Eu também…
— Mas foi bem melhor.
Ricky me mirou, obscuro, ilícito. Afastou-se, não muito, o suficiente para
que tivesse espaço, soltou o cinto, abriu a calça e então eu me apoiei nos
cotovelos e mordi os lábios, já imaginando o que viria a seguir.
IA ACONTECER.
Não demorou e sua calça estava no chão, assim como sua boxer, e um pau
grande, saliente, envolvido por veias grossas e uma glande rosada apareceu diante
dos meus olhos. O safado permaneceu distante, se masturbando, se exibindo,
ostentando todo aquele comprimento absurdo.
Salivei, desejei tudo aquilo na boca. Mesmo não tendo certeza se conseguiria
engolir e nem manusear, já que transar com o Caio não foi um por cento do oral
que o Ricky fez. Então fiquei insegura, temendo não dar conta do homem.
— Olha o que faz comigo, Júlia.
— Acho que fiz bem.
Ele gargalhou, alisando o cacete com mais velocidade.
— Desce e empina esse rabo gostoso pra mim, Júlia — ele não pediu, ele
ordenou com tom rouco e maléfico, indicando que eu ficasse de pé, e de costas
pra ele, obedeci, trêmula, com a boceta melada do orgasmo ainda recente. — Vou
comer você assim.
— Mas Ricky, eu… — reivindiquei meu boquete.
— Não estou dispensando sua boca, não se sinta ofendida, só que o amigão
aqui está exigindo sua boceta, não vamos decepcionar ele.
Meneei a cabeça e o vi vestir a camisinha.
Segundos depois suas mãos apertaram minhas polpas, com vontade, me
estimulando. Abaixei um pouco mais a coluna, ouvindo sua respiração carregada
de luxúria. O gostoso dividiu a minha bunda e pressionou um dedo no anel
apertado, provocando um arrepio diferente, não penetrou, somente o contornou
atiçando a região. Não pretendia fazer sexo anal com ele, mas permiti que ele
permanecesse com o movimento, estava gostoso.
— Ricky, isso…
Seu cacete me invadiu de forma lenta, como se quisesse aproveitar a
penetração ao máximo, gemi com a invasão deliciosa, sentindo pontos sensíveis
me alucinarem.
— Júlia, que bocetinha apertada — ele sussurrou, metendo um pouco mais.
— Quer me matar, garota.
Gemi igual uma cadela.
Ricky era muito grande e eu estava muito apertada, fazia tempos que não
transava, até porque só transei com Caio e depois da traição não tive mais
namorado.
— Estou privilegiando você.
Ele parou.
— Você é virgem, Júlia?
Gargalhei, com a metade do seu pau no meu sexo, juro que não sabia se
respondia ou impulsionava o meu rabo para trás. Então fiz os dois, movi o
quadril, recebendo um pouco mais da sua grossura e falei com a sensação na voz:
— Não sou virgem, mas se demorasse um pouco mais talvez voltasse a ser.
Ele riu, meteu, gemeu, tudo ao mesmo tempo, cravou as mãos nas laterais
me arregaçando, gritei quando ele me tomou por completo.
— Dói? — preocupou-se, alisando minha coluna, até pegar um punhado do
meu cabelo e me puxar contra seu peitoral, nossa pele colou, embaçou.
— Pode continuar…
Ele lambeu meu pescoço saboreando-o e iniciou as estocadas lentas e
contínuas, gemendo rouco no meu ouvido que ele fez questão de manter próximo
à sua boca.
— Gostosa… — ele praticamente ganiu, fodendo com mais velocidade.
Tremi inteira, meu sexo queimando ao se regalar, era intenso, proibido,
pleno e, porra, maravilhoso. Ricky abaixou minha lombar e se concentrou na
parte de trás, me preenchendo com força. Gritei e choraminguei, liberando meu
corpo daquela angústia. O som da colisão entre nós era ainda mais obsceno, a luz
apagou-se de repente e a penumbra de fora não nos clareou totalmente, apenas
permitiu que o ambiente ficasse mais voluptuoso.
— Júlia… — ele sibilou. — Como eu desejei isso. — E ele me inundou o
quanto podia, sacudindo, alucinando, me comendo, me fazendo dele.
Assim como desejei.
Ergui-me, segurando seu rosto com dificuldade, busquei sua boca,
necessitava dela. De um beijei. Devorei-o, não querendo que acabasse, mas ia.
Estávamos quase lá. Finalmente o tesão enlouquecedor terminaria e essa noite se
tornaria uma lembrança. Não sei por qual motivo tudo isso passou pela minha
cabeça, numa mistura de prazer e desespero.
— Quero você cavalgando em mim. — Ele me girou rápido e me guiou para
uma poltrona protegida por plástico. Sentou-se ali, oferecendo a visão mais
indecente e obscena da vida, registrei aquilo, jamais esqueceria o homem estirado
na poltrona com seu pau a ponto de bala para me engolir. — Quica no meu pau,
Júlia, quica gostoso.
Não perdi tempo, o desejo pecaminoso me puxou e me ajeitou ao seu redor
num triz de luxúria. Ele, como prometido, tratou de arrancar todos os gemidos
que havia guardado, devorou tudo que podia com sua boca, conforme eu
preenchia minha entrada com a extensão rija do seu pau, puta que pariu. Ricky
ganiu entre os dentes, assim que iniciei um sobe e desce, me enterrando cada vez
mais fundo, meu clitóris raspando sua pele, meus peitos roçando sua boca, que
ora chupava o meu pescoço, ora chupava meus lábios.
— Isso…
Suas digitais cravaram minha bunda e, com domínio, ele ditou o ritmo, me
arregaçando ao redor do seu membro, pesei a cabeça na nuca, incendiada de
prazer.
— Eu estou quase…
A onda cálida sucumbiu cada partícula minha, com vitalidade, com energia,
a explosão aconteceu em picos de puro deleite, me entreguei, ele também, meu
nome saiu de sua boca saciada com gemidos de satisfação enquanto um abraço
suado e forte uniu os sons que ainda fazíamos instintivamente, moles, lânguidos.
— Meu Deus, o que foi isso? — sussurrei descompassada, respiração
acelerada inflando meu peito sem intervalo. Me mantive em seus braços, passaria
o resto da noite aproveitando cada contato que tivesse com sua pele. Precisa
guardar cada detalhe como a melhor experiencia da minha vida.
Implícitos, ficamos um bom tempo respirando o cheiro do sexo que planou
no ar, a penumbra ainda existia, assim como o silêncio que nos obrigou a refletir.
Não sabia exatamente o que fazer; talvez devesse agradecer o “sexo bom” e me
mandar, ou tentar entender sobre o além do “sexo bom”.
— Júlia Sales — cantarolou próximo ao meu ouvido.
— Meu nome saindo da sua boca soa importante.
Ele buscou meus olhos e segurou meu maxilar.
— Consigo imaginar esse nome explodindo mundo afora.
— Vou lutar por isso.
— E vai conseguir, vejo muito potencial em você.
Sorri lisonjeada e ainda mais balançada.
— Me aperta que vou trocar de lugar contigo. — Não entendi muito a
dinâmica, mesmo assim lacei seu pescoço, sendo erguida e sentada com dois
movimentos. — Um instante, vou limpar você.
— Ricky, não prec… — neguei inutilmente a gentileza, pois o gostoso
acendeu a luz que falhou e seguiu para a direção de uma porta, que só notei a
existência no momento em que, de queixo caído, assisti como uma telespectadora
fã de sex hot, o monumento de homem caminhando na direção oposta. Já estava
acesa de novo, que corpo malhado, papai do céu.
— Preciso de tolhas de papel — falou e atravessou a soleira.
Me abanei.
Já queria dar pra ele de novo, mesmo ciente do certo a se fazer.
— Vem cá — disse, assim que apontou na porta e a única coisa que fiz foi
encarar, piscando, seu pau em ponto de espada, livre da camisinha — boquete:
item três da lista. — Abre as pernas lindas.
Tapei o rosto morrendo de vergonha.
— Sério? — Ele gargalhou, enquanto se incumbia da tarefa. — Há minutos
não vi a senhorita corar quando pedi o mesmo.
— Não tinha nada a ver com o fato de estar me limpando, Ricky. Pelo amor
de Deus, eu posso fazer isso, é um pouco constrangedor.
— Se estivéssemos em outro lugar, daria um banho em você e, claro, foderia
você no chuveiro. — Arfei com a promessa, me colocando novamente no meio
do cabo de guerra. — Vamos sair daqui, infelizmente, agora é arriscado, está um
pouco tarde.
Levantei-me decidida e esperei que ele descartasse as tolhas de papel numa
lixeira próxima a porta. Inalei tudo, menos certeza.
— O que houve?
Não escondi nada, assim que o corpo grande e nu me cercou.
— Ricky, assim que passarmos por aquela porta, o que rolou aqui dentro não
irá nos acompanhar.
— Somos adultos, nós…
— Eu sei, mas… — Hesitei, faltavam-me palavras, o desejo e o
arrependimento me rondando. Preciso fechar essa porta e partir. — Eu queria,
não vou negar. Mas não podemos continuar.
— Por quê? Do que você tem medo?
— De nós.
— Calma, Júlia, transamos e eu curti cada momento — falou calmo e
equilibrado, acariciando meu rosto. — Podemos continuar saindo enquanto eu
estiver no Brasil e…
— Trepando, você quer dizer? Não que esteja cogitando outra coisa, como
um… merda, esquece, nem sei o que estou falando.
Comecei a colher meus pertences espalhados na sala. Ricky me assistiu,
calado, com aquele semblante impenetrável que presenciei da outra vez, tentei me
concentrar em trajar cada peça com agilidade, entretanto, assim que vesti a
calcinha, ele segurou meu pulso e paralisou a ação seguinte, que seria deixar a
sala.
— Júlia, vou jogar limpo, eu gosto de momentos como esse, transas como
essa, não curto compromisso e sei que é inteligente a ponto de não cogitar algo
sério depois uma trepada. Não tenho uma vida estável, sempre estou viajando,
minha agenda é cronometrada e já está fechada até o final do ano. Consegue
compreender?
Tola, você é mais uma.
Admito, meu coração traiçoeiro apertou com as palavras. A atração entre
Ricky e eu era pulsante, tangível, tentei evitar, mas o tesão me dominou e transar
com ele era inevitável, agora permanecer, como um momento, ou seja, uma
trepada, isso não.
— Compreendo, claro que sim. Só entenda uma coisa, eu sou muito especial
para ser tachada como mais uma trepada.
— Não é bem assim, estou sendo sincero com você.
— Você vive momentos com a Ellen também? — perguntei numa tacada só.
Precisava saber.
O executivo ergueu uma sobrancelha, mas não se esquivou:
— Sim.
— Entendi, então você quer trepar comigo, enquanto faz o mesmo com a
Ellen, sem que isso tenha consequências?
— A Ellen sabe dos meus limites.
— Sabe mesmo, Ricky?
— Não sou um filho da puta como está desenhando, estou sendo honesto
contigo.
— Sim, está. Então vou ser honesta com você também. O que aconteceu
aqui não é normal para mim. Admito que o tesão entre nós era forte e me deixei
levar, mas não saio por aí transando com executivos que encontro no elevador, e
ainda tem o fato de você ser o meu chefe. Isto aqui é meu sonho, Ricky, e não vou
colocar nada no caminho que possa atrapalhar o que conquistei — destaquei cada
palavra, com os olhos castanhos de Ricky me encarando ávidos, intensos. Houve
na sua expressão uma pitada de descrença. Francamente, eu mesma não filtrei
nada, somente soltei as palavras, com a respiração entrecortada, coração batendo
forte no peito, olhos ardidos. Merda, melhor ir embora, antes que deixasse vazar
as emoções intrometidas que começavam a surgir.
— Júlia, vamos…
— Não vamos, Ricky.
— Curti o que tivemos e podemos… — Ele tentou explicar, como se
houvesse alguma exceção para tudo que aconteceu aqui.
— Eu também curti, você não sabe o quanto.
Aproximei-me dele para observar de perto os olhos castanhos que me
atraíram à primeira vista. Beijei com ternura seus lábios marcados com os meus.
E dei o fora daquela sala antes que me permitisse ficar.

Durante o banho, não quis que a espuma eliminasse da pele o perfume de


Ricky, ainda era possível sentir vestígios do seu toque, do seu beijo, do seu todo
em mim. Sentei-me no box, abracei os joelhos, a ducha cobriu-me com água
quente, e o pensamento vagou. Alguma coisa havia mudado e não era esse o
plano. Transar e esquecer era o plano (que idealizei em algum momento) só que
sequer permiti que o sabor do homem descesse pela garganta. Neguei a loucura,
lembrando a infelicidade de saber que o homem a quem me entreguei há uma
hora, também tem outras em sua vida.
Eu sou uma boba.
Vesti um pijama confortável e verifiquei várias chamadas perdidas da Raica,
realmente tínhamos muito que conversar, entretanto, ia adiar, não estava disposta
a contar nada que me custasse reviver um momento inesquecível como o de hoje.
Enviei uma mensagem informando uma dor de cabeça, ela engoliu a desculpa e
desejou melhoras com vários emojis de coração.
Abracei o travesseiro e pressionei os olhos, implorando que o sono viesse e
amansasse tudo de diferente que havia brotado no meu coração essa noite.
13 | Júlia Sales

Digamos que acordar foi algo quase que impossível, minha mãe me chamou
três vezes, abriu as janelas — coisa que odiava, os passarinhos cantaram, assim
como as buzinas dos carros, o homem do pão gritou “pão fresquinho freguesia”
com sua bicicleta, mas nada foi suficiente para me tirar da cama, parecia que
estava pregada. Não tinha energia, um sentimento de tristeza se apossou de mim.
Cogitei não ir ao trabalho, só um dia, talvez uma desculpa como um resfriado
fortíssimo convencesse o Orion de que eu pudesse contaminar todo o andar.
— Júlia, tenho cliente cedo, tenho que ir para o salão — dona Ana
esbravejou, retornado pela quarta vez ao meu quarto. — Filha, o que houve?
Olhei para ela e senti uma vontade de chorar.
— Júlia, fale comigo, estou preocupada.
Ela se sentou na beirada da cama.
— Estou cansada, mãe — menti, bem que não foi uma mentira completa,
visto que nem eu mesma sabia meu diagnóstico. — Recebi uma tarefa que mexeu
um pouco com a minha confiança.
— Amor, isso se chama trabalho, não pode ficar assim toda vez que receber
uma responsabilidade.
— Eu sei, mãe.
— Eu conheço você, tem mais coisa aí, conta, é uma ordem.
E qual era a resposta, Júlia?
Responda para si mesma.
Devia estar na plenitude, linda e radiante depois do sexo maravilhoso que
me consumiu na véspera, no entanto estava um bagaço, triste e sem fé. Parecia
que um trator havia passado por cima de mim, os sentimentos bagunçados. Eu
nunca fui a garota de uma noite, eu sou intensa demais, em tudo, se quero
conquistar algo me entrego por completo. Inferno. Onde eu estava com a cabeça
quando permiti provar desse homem? Quando me permiti ser marcada por ele?
Ricky é meu chefe e em breve estará em outro país, com outras garotas e
eu… Dei um salto da cama, que assustou minha mãe e fui para o banho, “não
posso e não vou remoer acontecimentos como se eles me custassem a vida”. Não
sabia exatamente onde li a tal frase, mas me apeguei à estrutura e me aprontei
para o trabalho.
Basta!
Mesmo sem acreditar nas desculpas esfarrapadas que dei, dona Ana não me
encheu de perguntas, apenas me desejou um ótimo dia, logo após me dar uma
carona. Entrei no andar do Marketing, com um sorriso forçado no rosto,
disfarçando para não sei quem, não sei o quê. Já que era provável que ninguém
soubesse o que aconteceu naquela sala. Parei um pouco distante do recinto, já
recebendo a imagem do Ricky escorado no batente…
— Bom dia, Jú — Raica me saudou, andando na minha direção. —
Melhorou?
— Não.
— Qual remédio você tomou, girl? — ela disse preocupada, foi quando
lembrei da maldita dor de cabeça que usei como desculpa. — Tenho um ótimo,
quer o nome?
— Já tomei Advil, Raica. Obrigada.
Atravessamos juntas o escritório até a nossa ilha, onde ficava concentrada a
equipe do Orion, sentei-me na minha mesa com uma sensação esquisita — talvez
seja pelo fato de ter transado com meu chefe na sala dele, logo ali à frente —,
deixei cair a cabeça no meu antebraço, e só levantei quando ouvi a voz da Ellen,
desejando um “bom dia a todos”, e notei que a Raica me encarava sem piscar.
— O que foi, Raica? — perguntei antes de ligar o computador. — Pare de
me olhar assim — avisei, tamborilando a mesa com as pontas dos dedos,
aguardando que o computador, lerdo para cacete, iniciasse.
— Aconteceu, então?
— Aconteceu o quê? — dupliquei a pergunta.
Ela praticamente colou em mim, pois não estávamos sozinhas, havia três
mesas com espaços consideráveis, mesmo assim era possível que escutassem.
— Foi por isso que não me atendeu ontem? — sussurrou.
— Estava com muita dor de cabeça, já disse — sussurrei também.
— Júlia, olha pra mim.
Olhei para ela, senti meus olhos arderem, então cobri o rosto com as mãos.
— Meu Deus, Jú. Vem cá. — Ela me segurou pelo braço, e me arrastou para
o banheiro. Antes de abrir a boca se certificou que não havia ninguém nas cabines
e trancou a porta.
— Raica não podemos ficar aqui, alguém pode ter uma dor de barriga a
qualquer momento — disse e escorei na pia, me encarando no espelho que
também refletia a imagem da Raica, encostada na porta.
— Esse não é o único banheiro da empresa, que procurem outro para cagar.
— O Orion vai chegar e sentirá nossa falta.
— Desenrola, aconteceu? — ela me encurralou.
Inspirei e assenti.
Sua boca foi ao chão.
— Júlia… — Ela se aproximou, chocada. Mas logo franziu o cenho
intrigada com a minha expressão nada feliz. — E qual é o problema? Não foi
bom?
— Foi… — choraminguei. — Bom demais.
— Ué? — Ela girou meu rosto para que seus olhos lessem os meus. — Meu
Deus, você gosta dele?
— Gosto dele?
— Eu perguntei isso, girl. Mas agora estou afirmando. Você gosta dele e não
é pouco.
— Não!!! — Explorei o banheiro, todos os cantos, andando de um lado para
outro igual a uma desorientada. Raica enlouqueceu, só pode. — Eu nunca transei
com uma pessoa com a ideia de esquecer no dia seguinte. É isso.
— Com quantos você transou, Jú?
— Um!
Ela gargalhou, a filha da mãe riu muito da minha cara e depois me segurou
pelo braço para que eu aquietasse.
— Jú, experiente você não é, vamos combinar. Porém não é por isso que
estou rindo.
— É por que, então?
— Não era e nunca foi só tesão, amada.
— Sim, sempre foi e ainda é.
— Júlia, no Chill, quando me contou, já tinha percebido a maneira que seus
olhos brilhavam quando você falou como ele te enlouquecia. Mas preferi não
falar nada.
— Raica, então permaneça não falando, estou muito confusa para assimilar
qualquer coisa.
— Você se apaixonou.
Arregalei os olhos com o absurdo. Eu sei exatamente o que é estar
apaixonada, e não sinto isso pelo Ricky.
Não sinto.
— Negativo… — Peguei várias toalhas de papel, as umedeci na torneira e
tateei a nuca. — Eu saberia se estivesse. É apenas uma atração, Raica.
— Atração? É nisso que prefere acreditar?
— Isso é a verdade.
— Tá bom. — Ele destrancou a porta. — Melhor irmos, o Orion já deve ter
chegado.
— Vá na frente, por favor, preciso de um minuto.
Minha amiga me lançou um olhar carinhoso e saiu enquanto eu permaneci
me encarando pelo espelho, perturbada, inquieta. Ocupei uma cabine quando
percebi que precisava de um tempo antes de voltar. Não enxerguei coerência em
nada dito pela Raica, pelo contrário, achei tudo um grande absurdo. Eu me
apaixonei pelo Caio e sofri muito quando ele me traiu, o filho da puta não se
dignou a me pedir um perdão que fosse, simplesmente seguiu com a fama de
comedor e ignorou a cafajestada que fez. Eu lembro que chorei muito por aquele
idiota. Mas sofro até hoje quando penso na Melissa, toda nossa infância, amigas
leais e a vaca jogou tudo pelo ralo por uma trepada.
Se fui capaz de esquecer parte da canalhice, não vou esquecer uma transa?
Levantei-me, ajustei a postura, abandonando o estado melancólico naquela
cabine.
Quando surgi no andar, o olhar de Orion se prendeu ao meu até que eu
alcançasse sua mesa.
— Desculpe, Orion, não estava me sentindo muito bem.
— Tudo bem, Júlia. — Ele pegou minha mão e a segurou. — Como se
sente?
— Eu estou melhor.
— Seu rostinho triste me mostra outra coisa. Acha que pode continuar?
— Sim, claro. — Tirei minha mão devagar, para não parecer indelicada. —
Com licença, vou trabalhar.
Sentei-me no meu lugar, que ficava em frente à mesa da Raica, com um
certo pudor da aproximação de Orion, mas como ele sempre foi gente boa, não
me importei. Diferente da preta, que parece que tirou o dia para me atormentar. A
pirracenta ficou, sem que o homem percebesse, imitando o jeito que ele pegou na
minha mão, zombando, o que a transformou numa amiga muito chata.
O período da manhã passou bem rápido, pois estávamos muito atarefados
com a nova campanha e eu ainda tinha a tarefa extra solicitada pela Ellen. Num
exato momento do dia, Orion entregou a Raica alguns papéis repassando para ela
algo novo, que devia ser confiado em, no máximo, duas horas. Quando o homem
se afastou, perguntei curiosa, do que se tratava.
— Jú, só sei que tenho que finalizar essas planilhas no Excel, para o Orion
enviar para o Ricky Walker, que ficará em home office hoje — ela explicou, com
um sorrisinho zombeteiro que passei a odiar.
— Ele não vem hoje?
— Não, Jú.
— Sabe por quê? — perguntei só pra saber mesmo. Vai que estivesse doente,
ou… sei lá, uma virose. Coisa do tipo.
— Provavelmente esteja muito cansado da noite…
Arremessei três das minhas canetas nela e revirei os olhos.
A Raica realmente estava irritante hoje.

Ricky
Parei em meio à calçada e apoiei as mãos nos joelhos, quando o
aplicativo apitou marcando meu tempo e quantos quilômetros havia percorrido
essa manhã, alcancei 15 km, já era o bastante, atravessei para comprar uma
garrafa de água no bar da frente. Peguei uma banqueta do próprio lugar e fiquei
por ali mesmo, enquanto o senhor dono do local finalizava a abertura das portas,
ainda eram seis da manhã, o sol despertava distante, lento, preguiçoso. Não havia
tons alaranjados garantindo um lindo dia ensolarado, quem sabe o sol preferisse
ficar entre nuvens cinzentas e carregadas.
Assim como eu.
Penei ao pegar no sono, a madrugada me condenou a ficar acordado
relembrando tudo que permiti acontecer naquela sala e, mesmo após uma garrafa
de vinho, o gosto da ninfeta permaneceu na minha boca.
Ainda permanece.
Não pretendia aparecer na WIS, ia permitir que Júlia tivesse um dia
tranquilo, pelo pouco que a conheço minha presença podia desestabilizá-la ou até
prejudicá-la. Apesar dessa distância também ser algo que precisava, não sei por
que, mas as coisas não estão como deveriam.
— Ricky — chamou, com as mãos no volante, o investigador cafajeste. —
Vou estacionar, um momento, irmão.
Athos manobrou o carro e estacionou na vaga do bar. Logo a sua expressão
pesada e aflita obteve a minha atenção, pelo visto sua noite não foi das melhores.
— Cara, que bom ver você — falei puxando-o para um abraço. — O que faz
na rua tão cedo?
— Irmão, pergunto o mesmo. — Seus olhos caem para a minha garrafa
d’água. — E ainda bebendo água?
— Estava correndo. Quer que eu beba o quê? Após bater 15 km.
— Cerveja, lógico — ele brincou. — Vou acompanhar você na próxima
corrida, comprei um apartamento aqui perto, quando estiver no Brasil já tem um
vizinho.
— Um vizinho putão, era o que eu precisava para entrar na linha.
— Saiu da linha, irmão? — Apertou meu ombro. — A Ellen conseguiu
finalmente?
— Não a Ellen, e não é bem isso, preciso conversar um pouco. — Respirei
fundo, ordenando meus pensamentos. — Um drink, que tal à noite?
— Al’CUBE para extravasar?
Desconsiderei a ideia, um drink e a companhia do meu amigo, era o que
precisava.
— Não, meu apartamento, o que acha?
— Hum… o assunto é sério pelo visto. Então, no meu, assim te apresento
meu novo espaço.
— Combinado.
Um pouco depois de Athos explicar o que fazia ali tão cedo, mencionando,
em confidência, um pouco sobre sua vida de investigador, ele foi embora, pois
precisava descansar após um plantão de quase trinta e seis horas.
Não demorei muito e voltei para a cobertura, sem sol como imaginei. Ao
decorrer do dia, trabalhei na próxima campanha nacional, em poucos dias havia
uma viagem agendada para o Sul, e até o final do mês voltaria para a Califórnia.
Pretendia passar um tempo com a minha mãe, coisa que há meses não acontecia,
antes de ingressar nas campanhas internacionais.
— Como você está? Trouxe comida.
Ellen suspendeu duas sacolas e cruzou a porta.
— O que faz aqui? Não disse que hoje trabalharia em casa?
— Sim, disse, mas achei que estaria com fome e trouxe delícias para
jantarmos.
— Já comi, tenho cozinheira, Ellen — falei ao alcançar os degraus e retornar
para o closet, ia colocar a camisa quando Ellen apareceu sem avisar. Ela me
seguiu e se calou até entrarmos no cômodo.
— Ricky, o que está havendo afinal?
Olhei para ela quando abotoei o último botão da camisa, já com algumas
palavras formuladas, talvez esse fosse o momento de me afastar um pouco.
Muitas vezes essa constatação cruzou meus pensamentos, e tentei, mas a mulher
de lindos olhos azuis me convencia do contrário. Ellen precisava seguir e eu não
estava preparado para acompanhá-la e, ao mesmo tempo, cansei desse tipo de
relacionamento que mantemos um com o outro. Não sei, mas algo me despertou,
sinto-me um egoísta.
— Vai sair? — ela perguntou, quando analisou minha movimentação no
closet, estava me arrumando para o drink no apartamento novo do meu amigo. —
Com quem vai sair?
— Com Athos.
— Hum, ótimo, posso ir, estou com saudades de conversar com ele. E se
permitir, quem sabe não prove dos dois? Faz tempo que não fazemos uma
festinha assim.
Ardilosa e sempre com o mesmo armamento, a sedução.
— Não, precisamos conversar, eu e você. — Intensifiquei, quando parei. —
Agora!
— O que quer, Ricky? — esbravejou, e passou suas unhas compridas pelos
longos cabelos, abrindo algumas frestas no véu negro. — Mais um tempo? Esse é
o motivo da distância?
— Sim, é. Mas não é um tempo que preciso, é um fim.
Ela ergueu uma sobrancelha, procurando algo para se apoiar, não disfarçou o
choque das palavras. Pelo contrário, trouxe à tona sua fragilidade; a que somente
eu conhecia; a que me quebrava sempre; me fazendo repensar e então
permanecer.
— Fim? Houve um começo, Ricky? — cobrou, dramática.
— De novo? Pare de se vitimizar. O que prometi a você até hoje?
Havia várias coisas pendentes entre nós, que fomos carregando sem atenção
todo esse tempo, mas que uma hora ou outra pesaria. Temos esse relacionamento
aberto e sem hipocrisia, aberto só para mim, há anos. Exatamente desde a
faculdade, quando ainda éramos jovens e tudo era possível. Namoramos e
chegamos a noivar, só que nunca foi o que eu quis, minha família me pressionou
e me senti na época obrigado a me responsabilizar, já que Ellen era querida por
todos. Mesmo eu não querendo prosseguir, ela insistiu em ficar.
Ok, eu permiti.
Ok, sou um filho da puta por isso.
Contudo, nunca menti.
Além do que a Ellen guardava segredos meus obscuros, covardes. Não me
julgou quando devia ter julgado, ficou ao meu lado quando eu merecia desprezo.
Portanto, tinha que libertá-la desse círculo vicioso que nos colocamos.
Ela merecia mais.
— Quem é ela?
— Não há ninguém.
— Mentira, conheço você, distante e sem sexo. São os alarmes de que tem
alguma vagabunda na vez, aí depois que você se farta com o novo, volta para
quem? A Ellen!
— Ellen, não tem ninguém, estou falando sobre nós. Porque a desculpa
sempre é outra?
— Sempre é assim, Ricky. Quer que eu comece a lista?
— Porra, Ellen, não consigo dar o que quer. Qual é a parte que não
entendeu? — gritei, ferindo o meu autocontrole. Ela não disfarçou a surpresa com
o tom, visto que nunca fui tão agressivo com ela. — Desculpe, não queria gritar
com você. — Não entendo o porquê estou tão irritado se já tivemos esse tipo de
conversa e sei como funciona.
— Mas gritou, eu vou embora…
Ela movimentou o corpo rápido e atravessou a porta, considerei por um
instante não aceitar sua partida até que finalizássemos a conversa. No entanto, me
sentia exausto mentalmente, devido à vontade existente e incompreensível de
ligar para a garota de boca provocante, estava ficando incomodado, como os
meus pensamentos sem permissão voltavam para a Júlia.
Não fazia nenhum sentido o desejo sem medidas que eu nutria por ela, ao
mesmo tempo que me excitava, me irritava. Júlia trazia consigo uma energia
diferente, capaz de realçar minha percepção. Me julguei louco ao notar uma
pintinha delicada um pouco abaixo de sua boca sexy, a mistura de verde com
caramelo em seus olhos fazia com que seu olhar fosse intenso, atraente, sincero…
deixei-me fascinar, como um universitário cretino.
Outros diriam o quanto patético eu sou, estava praticamente vidrado no jeans
apertado, tarado nas curvas que Deus caprichou propositalmente para me
enlouquecer de certo.
Eu seria um hipócrita se não admitisse que uma garota de vinte anos feriu
meu ego. Uma recusa não era tão aceitável assim, não existiu um dia na terra em
que almejei algo e não o obtive.
Desafiado.
E com tesão.
E isso fodia com tudo.
Por outro lado, era admirável sua maturidade, Júlia batalhou para conquistar
uma vaga na WIS, respeitava muito seu esforço e jamais permitiria que alguém a
prejudicasse. O que de fato era uma possibilidade caso eu insistisse em ouvir
minha cabeça de baixo. Chequei a hora, liberando meus pensamentos, beber com
o puto traria a solução a uma parcela dos meus problemas. Sem prolongar a
sandice, peguei o necessário e segui para o apartamento de Athos.
O prédio, muito bem localizado a uma quadra do meu, era uma construção
nova, com isso destilava bom gosto e sofisticação. Admirava meu amigo, além de
o considerar como um irmão, ele merecia o melhor, trabalhou pra caralho, não
aceitou as sobras que a vida lhe ofereceu, quis se fartar dela, acompanhei mesmo
de longe o quanto ralou para atingir seu patamar profissional. Athos Garbo é um
sobrevivente da guerra cruel que alguns são convocados na vida, aprendi com
esse cara coisas que meu pai não foi capaz de me ensinar.
Desci no nono andar, o número 206 entrou no meu campo de visão, nem
precisei bater à porta, ele sentiu minha chegada.
— Sou sensitivo agora, fiz um curso no youtube — brincou e abriu
passagem.
— Porra, o bebezão tomou até banho para me receber — disse, avaliando o
ambiente e a cara lavada do monstro. — Brother, que lugar.
— Ricky, precisava de uma casa para chamar de minha, um lugar para voltar
depois de visitar o inferno. Anos de economia e cá estou eu. — A carga na sua
voz revelou o quanto sua profissão o sugava, o oprimia. — Como pode ver, tenho
pouca mobília, mas há um bar, um sofá, uma cama, e cara… — Ele sibilou,
enquanto avança para a bancada. — Tenho uma vizinha gostosa pra caralho, a
quem vou pedir uma xícara de açúcar ainda hoje.
Gargalhei, com sua habilidade em conhecer a vizinhança.
— Deu tempo de conhecer arredores?
— Você sabe que sou atento a tudo, adoro conhecer pessoas com bundas
empinadas e bocetas úmidas, sou investigador, tenho o faro. — Ele riu e me
entregou o copo.
Olhei para a dose de uísque como se fosse a salvação dos meus
problemas.
— Preciso muito disso. — Virei de uma vez, pressionando o rosto quando o
gosto amargo desceu pela garganta.
— Ricky, fiquei preocupado, senta aí, irmão. Vamos conversar.
Nos acomodamos no sofá, logo após eu preparar outra dose para
acompanhá-lo, rapidamente reconheci, Garbo estava descontraído e relaxado,
bem diferente do estado angustiado que presenciei pela manhã. Já eu, permanecia
desordenado, embora tentasse disfarçar o descontentamento, não consegui.
Porra. Qual o meu problema?
— Mano, você transou com a estagiária no escritório em reforma? Na WIS?
— O filho da puta fez a pergunta, repetindo tudo que contei segundos antes. Já
tinha sido difícil falar e ouvir foi um pouco pior. — O que tinha na cabeça?
— Tesão, muito desejo, aquele que enlouquece e não conseguimos ver mais
nada.
— Tesão capaz de fazê-lo esquecer do passado?
— Júlia é diferente não tem nada a ver com a… aquela história… você sabe.
Dei um gole na bebida, ligeiramente incomodado.
— Sim, eu sei. — Ele tomou um gole da bebida, me examinando com seu
olhar excêntrico, um que odeio, como se ele fosse dez anos mais velho que eu,
quando temos a mesma faixa de idade. — Ok, não vou comparar presente com o
passado, então partimos deste princípio: você comeu a garota e o que mudou?
Não entendi essa parte. Que porra de cobrança é essa na sua cara? Nunca houve.
Embora eu seja o campeão de foda, você, cara, tem várias amantes pelo mundo. O
que tem a tal estagiária?
Boa pergunta, amigo.
O que a Júlia tem que se mantém nos meus pensamentos?
— Não sei.
Ele estreitou os olhos, enquanto “matou” o líquido do copo.
— Foi mais que sexo, não foi? — indagou.
Analisei o fluido âmbar do copo, meneando a bebida levemente.
— Não sei, Athos. — Pousei o copo no assoalho e joguei as costas no
encosto. — Foi diferente, só isso.
— Ok, diferente, tá certo. — O puto se levantou, em busca de outra dose. —
Diferente… hahahah…
Não prolonguei mais a conversa sobre o conteúdo proibido chamado “Júlia”,
fiz o possível para esquecer e nos concentramos em outros assuntos. Como fazia
um tempo que não nos víamos, tínhamos muito o que falar.
— Me atualiza da investigação da Gaia, alguma pista?
— Nada novo, tenho uma viagem agendada há algumas semanas, algo me
diz que vou encontrar algumas respostas na Califórnia.
— Se precisar de qualquer coisa, pode contar comigo e aproveita para visitar
dona Sara, ela vai explodir de felicidade com a sua presença…
— Saudades da Sara, e um pouco do carrancudo do Robert.
— Meu pai, sempre o mesmo.
— Nicholas, por onde anda?
Engoli o amargo.
— De volta ao Brasil, quem sabe você não topa com ele na Al’Cube,
qualquer dia desses.
— Irmão, faz muito tempo, o quê? Sete anos?
— Quase isso.
— Então, essa parada entre vocês, tem que ter um fim, não acha?
Misturei o amargor da bebida com o ácido da descrença, e engoli. Pensar no
meu irmão, ou no passado que nos desuniu era mexer na ferida não cicatrizada.
Apesar de me apetecer eliminar o ocorrido e, na melhor das hipóteses, voltar a ter
um irmão, não acreditava na tal possibilidade, o Nicholas evidenciava seu ódio
sempre que o destino nos confrontava.
— Não tenho certeza — confessei sem fé.
Permaneci um pouco mais de três horas na companhia de Garbo, fazendo
daquele momento o escape para amenizar os outros que me perturbavam. Ignorei
meu lado irritante, abrindo espaço para descontração, precisava falar bobagem,
extravasar com o álcool no sangue. O peso que carregava nas costas comandando
a WIS UNIVERSITY CONECT, por diversas impediu que relaxasse por completo,
e Garbo era esse lado, nosso encontro me permitia ser outro Ricky.
14 | Júlia Sales

No dia seguinte o Ricky também não apareceu na WIS, assim como nos
outros três dias que restaram para completar a semana. Tudo era reportado por e-
mail e, mesmo distante, era visível que seus olhos se mantiveram ligados. Orion
não sabia o que fazer para agradar os pontos da campanha que o CMO não
aprovava. Em contrapartida, sua ausência aliviou a pressão da sua presença, os
momentos inesquecíveis do escritório eram frescos, ou melhor, eram tão vivos no
meu peito quanto entre minhas pernas, provavelmente meu sistema entraria em
colapso se a cada passo que desse tivesse sua estrutura atraente a me rondar.
Ainda sentia o gosto de sua boca, assim como seu toque na minha pele.
Ricky avisou um pouco antes de tomar-me para si que se eu ficasse nunca
mais seu nome sairia da minha cabeça, e ele não estava errado.
— Sextooooouuu, Jú. — Raica surgiu de repente, enquanto eu aguardava o
elevador. — O que a senhora pretende fazer hoje?
— Nada de novo. — Entramos quando as portas metálicas abriram no andar.
— Fazer brigadeiro e assistir a um seriado.
— Credo — ela resmungou. — Tem coisa melhor pra fazer não, amada?
— Não, Raica, a semana foi interminável, preciso de descanso.
— Tá certo, desculpa aí. — Descemos do elevador e fomos em direção à
saída. — Tenho um convite, na verdade, um apelo. Mudança, preciso de ajuda,
topa? Amanhã?
— Quer que eu carregue caixas em pleno sábado? — dramatizei.
— Nossa, Jú, sou uma amiga tão dedicada…
— Ah, sei, tá mais para pirracenta. — Fiz charminho, mas claro que topei.
Raica deu uma trégua nas gozações e me aconselhou bastante durante a
semana, o que fez com que eu ficasse mais tranquila em relação ao Ricky. Agora
era minha vez de apoiá-la, já que a mudança para o novo apartamento ia ser um
passo enorme, a sonhada independência. O desejo de qualquer jovem, só que no
caso dos irmãos era a libertação da repressão dos pais que não aceitavam a
escolha sexual do filho. Renan, por sua vez tinha opinião firme, não havia
dúvidas em relação à sua sexualidade, admirava isso nele, a sinceridade e
aceitação de si mesmo.
Foda-se se a sociedade dos hipócritas nos obrigasse a pensar o contrário.
Antes de atravessar a catraca do metrô, procurei o celular para enviar uma
mensagem para minha mãe, ia sugerir um jantarzinho especial, já que seu
restaurante preferido ficava no caminho. Não encontrei o aparelho mesmo
revirando cada canto da bolsa. “Merda” me amaldiçoei por ser tão distraída. Sem
escolha, decidi retornar para a WIS, talvez o tivesse esquecido em cima da mesa,
marchei de volta ainda inconformada.
Diante do prédio, travei os pés, meu coração também parou de bater naquele
instante, quando avistei o Porsche de Ricky estacionado no lugar de sempre.
Foram várias as tentativas que meu subconsciente ofereceu para me convencer a
ir embora, deixar o celular pra lá e não entrar no prédio, no elevador e no andar.
Quem dera tivesse escutado.
O andar estava com meia luz, praticamente deserto, claro que havia aquela
esperança de encontrar o executivo, mas sem chances, provavelmente ele tinha
ido em outro andar. Dei de ombros e fui até minha mesa encontrando o safado do
aparelho perdido, chequei rápido as mensagens e aproveitei para enviar uma para
mamãe com a sugestão do jantar. Guardei o celular na bolsa e, ao virar para sair,
esbarrei numa pilha de papéis na mesa da Raica, provocando uma desordem aos
meus pés.
“Merda.”
— O que há comigo hoje? — resmunguei, agachando-me para recolher as
folhas espalhadas.
Foi então que ouvi o barulho do elevador, anunciando sua chegada no
saguão, o som soou bem mais alto que de costume, em consequência do silêncio
do local. Reconheci as vozes acompanhadas dos passos que exploraram o solo,
me encolhi temendo ser descoberta, tapei a boca para não deixar escapar nenhum
ruido, até que não houvesse sinais de alguém por perto. Aliviei o pulmão,
levantando-me em seguida com cuidado. Só havia uma única decisão a se tomar,
guiar-me na direção do elevador e evaporar sem que ninguém desconfiasse da
presença infeliz, porém meu nome é Júlia e quase sempre desafio o sensato.
De longe a conversa ou discussão, não soube definir, magnetizou meus
passos até a sala iluminada que manteve a porta entreaberta. Sim…, considerei
não prosseguir, afinal nada ali era da minha conta, mas…
— Não, Ricky, eu amo você.
A declaração desesperada, fez com que eu cravasse os dois passos que
faltavam para ter a visão do casal.
— Ellen, por favor…
Dei mais um passo, outro e deparei-me com o beijo caloroso, tal como o
deslizar da boca da mulher muita íntima em seu pescoço, depois houve uma troca
indecente de olhar, uma espécie de autorização vinda dele. Ellen, por sua vez,
dobrou os joelhos. Ricky, visivelmente excitado, acariciou o cabelo liso na altura
da sua cintura. Ela, certa do que faria; abriu o cinto, a calça…
— Meu Deus! — Tapei a boca.
Nunca senti meu coração bater com tanta força contra meu peito e, mesmo
inconsciente, só soube que tinha lágrimas nos olhos quando uma traiçoeira
escorreu e a imagem dos dois não era mais nítida. Meu Deus, a Raica tem razão,
eu… Não! Respirei de forma dolorosa, correndo desnorteada para o elevador,
nem sequer dei importância ao barulho que repercutiu, a única coisa válida era me
distanciar daquela cena.

Ricky
— Ellen, não. — Segurei seus punhos ao ouvir o barulho do elevador
explodir no andar, parecia um sinal que devia parar aquilo, não queria ferir os
sentimentos dela, então estava disposto a seguir com o que achava certo, só que
ela sabia ser vistosa com suas carícias. E não sou o tipo grosseiro e impetuoso,
mesmo estando no meu limite.
Tudo começou no jantar que sugeri para retomarmos o que iniciamos no
meu closet, em público Ellen me pouparia de um desgaste, tudo correu melhor do
que esperava, ela fingiu entender e aceitar, até que, por motivos fúteis, paramos
para pegar documentos que, segundo ela, eram importantes.
— Sei que quer…
— Vem, levanta, alguém pode aparecer.
— Qual é Ricky, quantas vezes eu já te chupei num expediente de trabalho?
— Sério que tudo que falamos há minutos atrás, no restaurante, evaporou da
sua cabeça?
— Ricky, não vou perder você. — Partiu para o outro extremo. — O que
você precisa? Me fale!
— Pare, Ellen, você não é assim…
— Eu sou louca por você, essa paixão fode comigo, fico frágil, dependente.
Sabe o quanto custa para o meu ego confessar isso a você?
— Eu sei o quanto me custa ouvir, não sou um miserável que vou me
aproveitar disso — declarei e pensei no quanto me aproveitei todos esses anos.
Da sua fragilidade.
Lealdade.
Amor.
Segurei seu rosto e invadi seus olhos como nunca havia feito.
— Eu sou egoísta por só receber quando não posso dar a você o que merece.
— Funcionamos assim todo esse tempo, por que mudar agora, Ricky?
— Porque eu preciso me libertar disso… de nós.
Busquei o máximo de controle, pois nem eu mesmo tinha certeza do que
procurava, a única coisa certa era dar um basta no que mantinha com a Ellen.
— Há outra mulher, eu sei. — Ela se desvencilhou com brutalidade das
minhas mãos. — Fale, Ricky, nada mais vai me abalar.
— Não tem ninguém, garanto a você — reforcei, tentando também me
convencer.
A mulher frágil me analisou, buscando motivos, circunstâncias, onde não
existia mais nada. Seu olhar penetrou no meu, obscuro, frio, deixando
transparecer o quanto estava ferida. Quis não me importar, como um dia ocorreu,
dar um foda-se e bater a porta.
Mas não desta vez.
— Vou descobrir quem é — avisou, secando os olhos com os punhos. —
Agora vá embora, não fique aí me olhando com pena.
— Não tenho pena de você.
— Ah, tem sim… VAI EMBORA, RICKY — sua voz brandou doída, ácida.
Era o fim.
Ela aceitaria cedo ou tarde.
— Tá certo. — Depositei um beijo na sua testa antes de deixá-la com
lágrimas nos olhos.
No térreo, peguei a chave com o manobrista e não precisei esperar, já que ele
não levou o carro para o estacionamento subterrâneo. Como informei que ia ser
breve, ele estacionou em frente ao prédio. Um pouco antes de desligar o alarme e
abrir a porta, notei, distante, um jeans bem-marcado num quadril que fiz questão
de registrar na memória, sabia perfeitamente a quem pertencia aquelas curvas,
não pensei, fui atrás.
Júlia andava rápido ao mesmo tempo que digitava no celular, previ o
acidente avaliando o caminho que ela percorria sem atenção alguma, havia uma
mureta que dividia a praça até o metrô, ela ia tombar com a mureta a qualquer
momento. E provavelmente cairia de cara no chão.
— Júlia — gritei, próximo. — Cuidado.
Ela virou, seus olhos desnortearam ao me perceber, suas mãos tentaram me
afastar e, simultaneamente, soltaram o celular que estatelou no chão.
— Merda, quebrou.
— Provavelmente.
Ela tentou agachar, porém fui mais rápido e o peguei. Não restava vida
naquele aparelho, com a queda, a tela trincou e uma mancha preta ocupava seu
centro.
— Deixa eu ver o estrago? — pediu com a mão estendida.
— Você não devia andar assim tão distraída, quase se chocou com a mureta,
se não tivesse te chamado teria caído — avisei.
— Não estava distraída — a garota linda, bufou. — Pode devolver meu
celular?
Devolvi, identificando que fugia dos meus olhos.
— O que faz aqui a essa hora? — indaguei.
— Não é da sua conta, Ricky. — Ela deu as costas e avançou.
Fiquei parado sem ação, tentando entender o porquê do desprezo.
— Júlia, espere — chamei, alcançando-a. — O que eu fiz? — perguntei
depois de segurar seus braços e tê-la de frente. Foi difícil me concentrar, seus
lábios rosados me distraíram, mas seus olhos me preocuparam. — Fale, posso
ajudar em alguma coisa, eu…
— Faz um favor, não fale nunca mais comigo. — Não pareceu um pedido.
— Me solta, Ricky.
Liberei-a, no entanto não me afastei.
— Não lembro de ter feito algo que mereça essa grosseria.
— Grosseira, eu?
— Sim, você.
— Ah, tá.
Cruzei os braços e inspirei paciência.
— Assim fica difícil mantermos um diálogo.
— Quem disse que quero dialogar com você?
— Não precisa me tratar assim, não depois de tudo que aconteceu no meu
escritório.
A irritada guardou o que sobrou do celular na bolsa e ironizou cada palavra.
— Escritório? Não faço ideia do que esteja falando, com licença, tenho que
ir…
Ela se distanciou e, mesmo perdido na troca sem sentido, a impedi de
prosseguir.
— Posso te dar uma carona, meu carro está na frente da WIS.
Ela sorriu sem entusiasmo.
— E como a Ellen vai embora? Devia dar uma carona para ela.
Espera, raciocinei rápido. Será possível a Júlia estar no andar no momento,
em que…
— Você estava na WIS?
Ela revirou os olhos.
— Ricky, vai se ferrar.
— Por que está brava, se foi você que não quis mais sair comigo?
— Desculpe, senhor CMO, por não ter caído na sua sedução. “Ah, Júlia,
fique comigo, tá legal, mas eu também vou ficar com sua chefe. Aceite,
estagiária, é o máximo que posso oferecer” — vociferou. — Me poupe, Ricky.
— O que você quer de mim?
— Distância.
— Sério?
Segurei-a entre meus braços, procurando os olhos que teimavam em fugir
dos meus. Estávamos em meio a uma praça, com fluxo de pessoas, e nada
importava.
— Me solta, Ricky — exigiu, num fio de voz. — Eu vou gritar.
— Então grita — provoquei, unindo-me à corpulência revestida com um
jeans e uma regata decotada que evidenciava seus seios fartos. A garota que não
libertou meus pensamentos nos últimos dias não precisava de muito para me
enlouquecer. — O que quer de mim? Responde!
Pressionei, precisava de um motivo para arrastá-la dali.
— Nada, já disse. — Ela umedeceu os lábios, deixando-os molhadinhos,
atiçando o desejo de reviver aquele beijo que ainda provocava todos os meus
instintos. — Devia voltar, a Ellen está esperando o segundo round.
Então ela estava lá.
— Não tenho mais nada com a Ellen.
— Como pode mentir assim? Não sou tola.
— Não estou mentindo, terminamos o que quer que existisse entre nós —
murmurei a verdade, mas não foi o bastante.
— Ahaa, que jeito lindo de finalizar um momento.
— Vamos sair daqui e conversar num lugar tranquilo.
— Lugar tranquilo? — Ela sorriu irônica. — Nossa, é assim que resolve
tudo?…
— Espera, não foi bem isso que…
— Me deixa em paz, Ricky.
Por mais que tentasse mantê-la no calor dos meus braços, Júlia exigiu
distância. Eu respeitei. Compreendendo, por fim, num milésimo de segundo o
quanto sentia sua falta. O quanto estava fodido por sentir sua falta.
14 | Júlia Sales

A mulher que me deu à luz conseguia ser extremamente irritante


quando queria. Durante o café da manhã, a detetive Ana insistiu em reunir pistas,
segundo ela havia acontecido algo muito sério, digno de um apocalipse para eu
perder a fome e não me importar com o fato de ela comer dois dos meus
chocolates preciosos. Embora achasse um absurdo todo o exagero, também
buscava uma desculpa para me esquivar naquela manhã.
Devo admitir, com um pesar doloroso, que quase presenciar Ellen pagando
um boquete para Ricky, me golpeou. Ele confessou seu envolvimento com a
executiva, bem como seu modo “momentos” de viver, mas ver a olho nu tamanha
intimidade, mexeu comigo mais que devia, talvez se tivesse me excitado com a
cena, me sentiria melhor. Não foi o caso. Fora o castigo que recebi pela
curiosidade aflorada, o confronto na praça entregou a ele todas as minhas
fraquezas.
Só faltou eu escrever na testa o quanto me senti traída, mesmo não tendo
direito algum a tal sentimento.
Virei um poço de confusão.
E Ricky era o maior culpado, sua figura me desorientava, impossível
raciocinar, tudo se torna intenso, pulsante, descontrolada e ao mesmo tempo
hipnotizante.
Definitivamente, sou outra Júlia com ele.
Uma que não tenho domínio.
Uma que ele consegue controlar com um único olhar.
Uma que estava descobrindo sentimentos perigosos.
Um pouco antes de encontrar a Raica, fui ao shopping para comprar outro
celular, minha mãe quase infartou quando contei o que aconteceu com o falecido,
contudo me emprestou o cartão de crédito. Escolhi um aparelho um ano mais
atual, algo que pudesse pagar em leves prestações. O rapaz da loja me auxiliou a
recuperar meus contatos e atualizar aplicativos do aparelho anterior, por fim
estava online novamente. Conectada com o mundo. Aproveitei e passei no salão,
fofoquei um pouco com Marcos e cogitei fazer as unhas, mas logo lembrei que
minha missão na casa de Raica era carregar caixas.
— Fala, galera — disse, enquanto atravessava a rua, avistando a turma que
passei a amar em pouco tempo. — Trouxe cerveja!
A caminhonete, estacionada na frente do prédio de mais ou menos seis
andares, estava com a traseira entupida de caixas. Lucca havia acabado de apoiar
uma bem grande no ombro, mas antes de seguir para dentro, me cumprimentou:
— Tudo bem, Jú, essa cerveja vai ser bem-vinda depois que acabarmos. —
Piscou e saiu equilibrando o peso.
— Oi, gostosa. — Renan quase afundou minha bochecha com um beijo. —
Saudades…
— Eu também, prefiro mil vezes você à chata e pirracenta da sua irmã —
provoquei Raica que estava em cima da caminhonete, ajudando um rapaz com
uma caixa.
— Estou ouvindo, Júlia — disse ela, após liberar o rapaz.
— Nossa, não tinha visto você — soltei brincando.
— Jú, aquele ali é o Theo, meu love. — Renan apontou para o rapaz que
Raica estava auxiliando.
— Oi, Júlia.
— Prazer, Théo — acenei.
— Tá pesado — ele riu e entrou às pressas com a caixa no ombro.
— Oi, girl, que bom que veio. — Raica saltou da caminhonete. — Vamos
guardar suas coisas e deixar a cerveja gelar para mais tarde.
— Nossa, Raica, amei o lugar — falei, enquanto ela me guiava para as
escadas. — O que houve com o elevador?
Ela riu.
— Nosso apê é aqui no primeiro, Jú.
— Ah, sim, bem rápido.
Acompanhei ela, e entramos na terceira porta do pequeno hall.
— Seja bem-vinda à minha humilde casa — saudou e olhamos para os dois
homens deitados no chão. — Meu pai amado, como vocês são moles.
Théo e Lucca levantaram-se num pulo e correram para a fora a gargalhadas.
— Homens, para que precisamos deles?
— Para carregar caixas.
— Sim, e para usarmos seus pênis, é claro — a safada sussurrou a
observação óbvia e eu concordei. — Vou te mostrar tudo.
Raica irradiava felicidade me apresentando cada pedacinho do seu
apartamento, havia dois quartos pequenos, uma sala acoplada com a cozinha,
nada de muita mobília, somente o básico — colchão, geladeira e fogão. Os irmãos
pretendiam comprar tudo aos poucos, dadas as condições atuais, agora era tudo
por conta deles.
Demoramos um tempo para organizar as coisas no espaço, que se tornou um
cubículo com a quantidade de caixas, nem precisava de móveis, todos os cantos
estavam preenchidos. Conversei com o Théo, namorado do Renan, um cara de
vinte e quatro anos, alto, malhado, cabelos platinados e olhos acinzentados, se
formou em designer gráfico, mas atualmente trabalhava como promoter na boate
“UP”.
— Júlia, eu faço questão que conheça a UP — Théo falou, enquanto
distribuía garrafinhas de cerveja para todos. — Vamos marcar o rolê?
Abri minha garrafinha, um pouco desanimada com o convite. Nem lembro
qual foi a última vez que curti uma balada, os últimos vinte e quatro meses
seguiram focados em estudos e chocolate. A meta era passar na WIS, nada movia
meus pensamentos, uma vez minha mãe mencionou ligeiramente preocupada que
eu estava obcecada, o que não era ruim, porém também nada saudável.
— Ah, gente, sei não — resmunguei. — A WIS está me consumindo.
— Tem certeza de que é a WIS, amada?
“Filha da mãe”, eu ia enforcar ela assim que tivesse oportunidade.
De qualquer forma, a preta, não estava errada, Ricky, a nova distração, o tipo
de coisa que evitei durante esses anos, caiu de paraquedas na vida perfeita que
idealizei; engraçado pensar como o safado, sem autorização, reescreveu alguns
detalhes, despertou sensações e bagunçou tudo.
— Ah, Júlia, vamos, diz que simmmmm. — Renan se ajoelhou e juntou as
mãos em clemência. — Para de ser chata.
— Júlia, a boate é incrível, e eu consigo colocar vocês na área vip — Théo
adicionou, mas nem isso me entusiasmou.
— Quando?
— Próximo sábado.
— Lucca, você vai? — perguntei para meu amigo, que estava um pouco
distraído acariciando a mão da Raica. — Não me deixe sozinha com esses irmãos
malucos, não sei se sobrevivo.
Ele encarou a Raica um instante, me deixando muito perdida com o que
estava rolando entre eles, pois não lembro de ter visto nenhum flerte dos dois.
— Eu vou — respondeu e um holofote acendeu acima da minha cabeça.
Merda, eles não iam desistir.
— Tá certo, rolê na UP.
Aplausos surgiram.
Théo falou um pouco sobre a boate e acabei me empolgando, já combinando
looks com a Raica. Logo depois chegaram as pizzas e compramos mais algumas
garrafinhas de cerveja, Renan ligou um som ambiente e Raica colocou os
colchões na sala, onde ficamos largados enquanto conversávamos. Num certo
momento, minha amiga me arrastou para o quarto com a desculpa de me mostrar
uma bolsa.
— O que você acha do Lucca?
— Você disse que não gosta de branquelo.
Ela revirou os olhos divertida.
— Estou revendo meus conceitos. — Rimos. — Fala, Jú, o que acha dele?
— Ele é um cara legal, foi a primeira pessoa que conheci na WIS. — Ela
abraçou o próprio corpo, e me olhou com certa dúvida. — Tá rolando algo entre
vocês? — Quis saber, pois Raica parecia indecisa e as carícias dos dois na sala
deu a entender que sim.
— Ah, Jú, ele tá de chamego com a preta aqui. Mas não sei.
— Então curte. — Olha quem estava aconselhando a irmã mais velha, a
pessoa mais encrencada do universo. Afê. — Ou você não gosta de pegar sem
compromisso?
Ela uniu as sobrancelhas.
— Sou moderna, Júlia, se eu quiser rola sem neuras depois — falou com
uma segurança digna de inveja. — Só não tenho certeza se quero, estou confusa,
difícil, fazer charminho deixa mais excitante.
— Hahahahah, charminho, tá bom. Não foi você quem disse que era
moderna?
— Ok, ele é um gato e gostoso, vou pegar, só não hoje.
Desejei que meus problemas se resolvessem assim.
— E você? — Raica tocou meu ombro. — Decidiu?
— Decidi o quê?
— O que vai fazer em relação à paixão que está crescendo aí. — Dedilhou
meu peito.
— Não estou apaixonada, Raica — revirei os olhos (não estou apaixonada)
—, não inventa.
— Durante a semana inteira a senhora ficou com um humor do cão, sempre
de olho em uma tal sala vazia ou na entrada à espera de que uma tal pessoa
chegasse.
— Não lembro de nada disso. — Coitada, minha amiga está com graves
problemas psicológicos. — Não viaja.
— Eu estou viajando, é?
— Raica, isso é uma furada, o Ricky é meu chefe e tem um caso com a Ellen
— soltei rápido, como se os fatos estivessem me sufocando. E estavam. — São
motivos bem óbvios de que não posso viajar nesse lance.
— Ellen Castiel?
— Ahaaa.
— A Azeda?
— Não, a mulher mais poderosa da WIS CONECT, só isso.
— Hum… bilionário, mulherengo e safado, eu disse…
— Sim, nós tínhamos uma atração palpável, algo fora do normal. — Inspirei.
— Acredito que se eu não tivesse transado com ele, teria sofrido um infarto.
Ela gargalhou.
— Sei o que é isso, tinha um cara no colégio que quase me levou a Marte de
tanta loucura que fizemos no vestiário. Era impossível não trepar com ele quando
sua cara de tarado encarava minha cara de fêmea no cio. Só que eu, diferente de
você, continuei sem neuras, amada, minha carinha não tinha essas linhas de
paixão que a tua tem.
Arquejei, desejando um maldito espelho para ver em que grau estavam à
mostra os meus sentimentos.
— Raica, não posso me apaixonar pelo Ricky — choraminguei. — Nós dois
somos impossíveis.
— Agora concordo, ele tem um caso com a soberana, Jú. Se ela souber, pode
prejudicar você. E outra coisa, um homem como ele não quer nada além de uma
boa foda, desculpe minha sinceridade — ela segurou meu rosto —, e você não é
garota pra ser descartada. Esquece ele.
Um instante que representou longas horas de raciocínio, a conclusão era
inegável, só que descartada facilmente quando ocupávamos o mesmo espaço,
impressionante, meu cérebro bugava e mais nada fazia sentido a não ser beijar a
boca daquele homem.
— Vem cá.
Unimos nossas dúvidas num abraço. Conversar com a preta me acalmava,
gostava muito da sua sinceridade, do carinho de uma irmã, ela não falava o que
eu queria ouvir como um agrado e sim o que realmente pensava. Isso, claro,
aprofundava a cada dia a nossa amizade. De repente ouvimos algo cair com
bastante força na sala e corremos para ver o que havia acontecido, nunca imaginei
que presenciaria tanta maldade numa só imagem.
— Foi para isso que vocês se mudaram? Para ficar nessa sem-vergonhice?
Não criei um filho para ser boiola e dar o cu, criei um homem. — O senhor de
meia idade viu quando eu e a Raica aparecemos na sala, e nos encarou com seus
olhos vermelhos furiosos. Identifiquei logo o que segurava em uma das mãos, era
um bastão de beisebol. — Olha a outra aí, defensora do irmão viadinho, agora
também resolveu trocar de gosto? É ela a sua namoradinha?
— Pai, o que faz aqui? — Raica avançou. — Larga isso.
— Vou dar uma surra no seu irmão, quero ver se o demônio não sai deste
corpo. Devia ter feito isso antes, talvez levar um cacete de verdade resolvesse. O
fizesse voltar a ser homem.
Olhei para Renan que, em choque, se encolhia rente à parede abraçado com
o Théo, quem estava mais próximo do senhor era Lucca, que me fez entender que
a qualquer momento desarmaria o descontrolado. Até porque, se caso ele
acertasse qualquer um com aquele bastão, a história ia se tornar drástica.
— Pai, pelo amor de Deus, pare — Raica vociferou. — Deixa o Renan viver
a vida dele.
— Eu investi uma fortuna na educação de vocês e agora ele quer viver essa
vida cheia de vergonha? Nem pensar, sou uma piada para meus amigos porque
meu filho quer ser uma bicha. Ah, eu vou te ensinar a virar homem.
O homem avançou em direção ao casal, que não se encolheu. Théo deu um
passo à frente, assim como o Renan. Lucca logo atrás na retaguarda esperando a
chance de tirar o bastão pesado do meio de todos.
— Senhor, seu filho é um homem incrível, a opção sexual dele não difere de
tudo que o senhor como pai o ensinou — falei o mais calma que consegui.
— Sua mãe sabe que está aqui, garota? Nessa orgia?
— Não há orgia, pai, são meus amigos, respeite-os — Raica disse com a voz
cheia de desespero.
— Não respeito safadeza — gritou ao lançar o bastão contra a parede,
causando um estrago considerável na pintura.
— Chega, pai, você não vai destruir mais um sonho meu, saia da minha casa,
estou pedindo — Renan avisou. — Agora se quiser continuar com as ameaças,
saiba que não vou permitir que me agrida ou a Théo.
O homem gargalhou diabolicamente, como se estivesse possuído por sei lá o
quê. E mirou um golpe que não acertou Renan por Deus. Só na segunda
arremessada, Lucca conseguiu segurá-lo por trás e Theo tirou o bastão de sua
mão, enquanto o senhor se debatia. Abracei a Raica que tremia.
— Calma, Raica — sussurrei no seu ouvido.
— Me soltem, seus moleques — o senhor esbravejou, enquanto Lucca o
segurava agora com a ajuda de Théo. — Me solta...
— Se não for embora vou chamar a polícia — Renan informou com o
celular em mãos. — Saia e nos deixe em paz.
O homem acalmou o corpo logo após o aviso, contudo Lucca permaneceu
em seu encalço, suas forças pareciam ter se esgotado, sua respiração
desacelerando de modo que Lucca foi soltando-o devagar. Foi então que lágrimas
começaram a escorrer de seus olhos ao mesmo tempo que ele encarava o filho.
Vocês dois morreram para mim, a partir de agora são uns bastardos infelizes.
— Ele cuspiu no chão antes de bater a porta.
Acho que todos voltaram a respirar naquele momento. Raica não segurou
mais o choro, Renan também não, uma tristeza ocupou nossos corações, pois
todos enfraquecemos diante do abismo que o pai dos irmãos deixou quando
partiu. Théo abraçou Renan, Raica abraçou os dois e Lucca e eu nos juntamos a
eles.

Cerca de uma da manhã cheguei em casa, quase não consegui me despedir


dos irmãos, a cena lamentável, machista, homofóbica, traumatizou a todos.
Deixá-los ali remoendo o acontecimento quebrou o meu coração em mil pedaços.
Quando Raica mencionou a não aceitação dos pais, jamais calculei a gravidade da
negação; até os instantes atrás. O homem troncudo lembrou em seu porte Renan,
e visivelmente o olhar de revolta também se compartilhou entre pai e filho.
Num país racista, muitas vezes ou quase sempre impiedoso diante de
escolhas que ferem o padrão imposto pela sociedade, era frequente assistir
notícias desumanas, como: mais um homossexual espancado. Por si só já gerava
uma revolta. Imensurável, em todas as suas proporções, era presenciar algo do
tipo. Se colocar no lugar do agredido e sem tempo de recuperação, erguer a
cabeça, consciente que ia encarar cedo ou tarde outra covardia como essa.
Evitando qualquer ruído, pisei de mansinho indo em linha reta para o meu
quarto. Assim que clareei o ambiente acolhedor, uma caixa rosa sugou a minha
visão. Que diabos tinha ali dentro? Peguei o embrulho e li o remetente. Ah?!
Chocada, rasguei sem delicadeza o papelão fino, erguendo na altura dos olhos
nada mais, nada mesmo, que um iphone. Ok, sou dessas, babei pelo aparelho por
vários minutos, apreciando o celular lindo e praticamente seis vezes mais caro
que o meu. Balancei, confidente, fraca, em ficar com ele, até ler o bilhete colado
na caixa.

“Meu número já está registrado.


Não negue o presente, por favor.”
Ricky Walker.
Por mais doloroso que pudesse ser, encaixei a preciosidade no ninho e, sem
me atentar ao horário, disquei. Tá legal, deveria ter deletado o número da
tentação em formato de homem assim que fiz o upgrade dos meus contatos? Sim.
Mas, teimosa, excitada e sem vergonha na cara, preferi manter como
recordação.
Bastou um toque para que ele atendesse.
— Alô, Júlia?
O sopro vigoroso da sua voz, instintivamente acendeu meu corpo.
Caralho, como ele consegue isso?
— Ricky, eu… tá muito tarde, ligo depois…— Não, estava acordado, fale.
Respirei fundo e soltei de uma só vez igual a um grilo falante.
— Eu recebi seu presente. E não vou ficar com ele. Foi só por isso que
liguei. Até mais.
— Calma, Júlia — ele arquejou, evitando que eu encerrasse ali a ligação. —
Olha, eu que causei o acidente, aceite de coração.
Oh, que bonitinho, a maciez de voz me fez titubear.
— Ricky, eu não posso ficar com ele, não é certo. Você é meu chefe e… —
Pausei, pois sabíamos muito bem todo o contexto que nos envolvia. — Melhor eu
desligar, estou cansada…
— Julia, eu tenho consciência disso e, apesar de pensar o contrário, saiba
que jamais prejudicaria você, não sou esse canalha.
— Como não? Ricky, ontem eu… Meu Deus, ela estava agachada e ia
chup……
— Não aconteceu nada, eu interrompi, mas uma coisa me intrigou, caso a
Ellen tivesse me chupado, por que isso importaria a você?
Comprimi os olhos, de fato, ele sabia o poder que exercia em mim. O quanto
o meu corpo todo modula com essa balada sexy que nos melodia. Por que não
desligo o telefone? Porque ainda permaneço alimentando as notas de fascínio
desse desejo.
— Não me importo com quem chupa seu pau, se é o que quer saber.
— Não mesmo, Júlia?
— Ricky… pare, o que quer de mim? — murmurei exausta.
— Eu quero você.
— Eu, a Ellen e quantas mais…
— As coisas não são bem assim, Júlia — ele sussurrou, e o pedido cálido
que veio a seguir explodiu em faísca no meu corpo e, principalmente, no meio
das minhas pernas. — Acha mesmo que foi só mais uma pra mim? Garota,
realmente não compreende, seu gosto ainda alimenta o meu paladar, provar sua
carne, definitivamente, me tornou exigente. Eu quero você, preciso deliciar-me
com calma do seu corpo e, quem sabe, talvez, consiga me liberar desse tesão.
Oh, Deus!
Esfreguei as coxas e umedeci os lábios, impossível controlar a devoção e a
devassidão quebrando minha resistência, o ar vulcânico ultrapassando as linhas
existentes da ligação.
— Está no seu quarto agora? — Timbre rouco, exigente.
— Por quê?
— Só me responde em qual cômodo está?
Arfei, onde ele queria chegar?
— Ok, estou no meu quarto e você?
— Eu saí do banho pouco antes de você me ligar e agora estou nu, na cama,
tocando um punheta, enquanto imagino sua boca ao redor do meu pau.
Definitivamente, Ricky é minha total falta de juízo.
Prendi o ar, salivei e a imagem obscena penetrou minha mente, ficando
penoso controlar o corpo afogueado sobre a cama.
— Júlia? — ele bramiu. — Ainda está por aí?
— Eu… só… espera… — Pigarreie. Três vezes. — Devia se vestir, ou
procurar uma companhia… para aliviar…, você sabe. Já que a minha boca
nunca…
— Tem certeza de que não queria estar no lugar da Ellen, na noite de
ontem? — soltou, cafajeste.
Sem pudor algum insinuou a troca.
“Finaliza a ligação, Júlia”, meu lado sensato implorou para que eu o fizesse.
Seria o mesmo que lhe meter um tapa no meio da cara. Só que meu lado cadela já
havia feito o estrago.
Puxei o cós do jeans, enfiando a costura entre meus grandes lábios. Caralho,
o tesão aumentando a ponto de me angustiar.
— Pare com isso, Ricky…
— Você não tem noção da quantidade de gemidos que eu guardei só para
despejar rente ao seu ouvido. Eu fico excitado com um mero sorriso seu, quando
joga os fios castanhos do seu cabelo macio para o lado, despretensiosa. Por que
não acredita em mim? Inclusive sei o que está vestindo, seu jeans, uma peça que
passei a adorar.
— Como sabe?
— Só supus, abre o jeans e se toca pra mim… — ele gemeu.
O som libidinoso do vai e vem de suas mãos trabalhando ávidas no seu
membro corrompeu ainda mais meus instintos. Induzida, tentada, dolorosamente
excitada, abri o botão, em seguida o zíper, deslizando para dentro da calça dois
dos meus dedos, invadi a carne úmida, melecada de lubrificação e arfei arqueando
a espinha.
— Imagino o quanto a sua bocetinha está pingando, o quanto essa fenda
sugou seus dedos, desejando a grossura do meu pau penetrando-a, …está ……
queimando gostosa, seu gemido não esconde o quanto seu corpo está abrasado
agora…
— Não consigo entender como consegue me sugar com facilidade para esse
estado indecente que você manipula sempre que nos encontramos.
Ele soltou um riso safado.
— Ainda não sacou, Júlia, o quanto é responsável por isso?
— Eu…? — Aumentei a intensidade dos meus dedos, ele nitidamente
acelerou a punheta. …………
— Você não sabe a feiticeira gostosa que é……
Gemi alto, quase gritei de prazer, os ganidos se misturando com o som da
luxúria, meu corpo se arqueando conforme eu me masturbava.
— Ah, Júlia… como eu queria chupar cada pedacinho da sua boceta e me
fartar com o líquido do seu gozo…
— Ricky eu… — Uma onda violenta estremeceu cada partícula minha,
contive outro grito, tapando a boca com a mão livre que antes tocava tudo que
podia. Estaria em maus-lençóis caso dona Ana escutasse o que sua filha
aprontava no quarto ao lado. —Eu tô quase…
— Se entrega, linda, goza pra mim… porque vou gozar pra você…
Sua respiração pesou e eu lamuriei em compassos, desmanchando-me na
cama como lava, o celular caiu ao lado, mas ainda era possível ouvir os gemidos
de satisfação de Ricky. Massageei a espuma com meu corpo, saboreando a
sensação do orgasmo, da experiência inédita.
O extremo pecaminoso, isso nos define.
— Linda… — Encarei o aparelho, e sorri boba, meu peito subindo e
descendo, o coração a ponto de explodir a caixa toráxica. — Linda?!
Peguei o celular e retomei a ligação.
— Oi?
— Foi bom?
Abracei meu travessei e suspirei.
— Foi… muito bom. …
— Teria sido melhor se eu estivesse aí, com você…
Sim, talvez agora eu estivesse chupando seu pau.
Ah, como eu quero chupar esse pau.
— Ricky, não devemos. — Ele não precisava saber, ok. — Não podemos
mais, eu preciso desligar, estou cansada, e saciada por enquanto…
Ele riu, mas logo alternou o humor.
— E por que só está me ligando agora? Mandei o presente na parte da
tarde.
De repente o assunto mudou de rumo.
— Porque não estava em casa, acabei de chegar e vi a caixa sobre a minha
cama.
— Chegou agora? Onde você estava?
Hum, calma aí.
— Não é da sua conta, Ricky. Como posso te devolver o celular?
— Não é muito tarde para uma garota linda como você, passear sozinha na
rua?
— Quem disse que eu estava sozinha? — provoquei.
— Então você estava com alguém? Esse é o motivo?
— De eu não querer ser mais uma amante para você? Talvez seja!
Calou-se, mas era possível ouvir sua respiração se chocar ao celular.
— Não respondeu, como faço para te devolver o celular? — Dei vida à
ligação.
— Vou mandar buscar, fique tranquila — respondeu seco.
— Pode ser amanhã?
— Ok. Amanhã.
— Boa noite, Ricky.
Finalizei a ligação antes mesmo da resposta. Espalmei meu peito sentindo
diferentes sensações, assustadoras sensações. Será que estou apaixonada pelo
Ricky? Como deixei isso acontecer? Que loucura acabou de acontecer? Ricky e
eu somos o extremo, sim, não há outra palavra que defina esse momento.
15 | Júlia Sales

Domingo, dia de dormir até não querer mais, até parece, avisem a maldita
insônia que não permitiu que eu pregasse os olhos me mantendo acordada até as
seis da manhã, portanto, sem me prolongar na cama, levantei decida a correr.
Mamãe quase vomitou o café da manhã de tanto que riu quando me viu de calça
legging e top. Precisava urgentemente liberar a adrenalina e uma atividade física
faria o papel de esgotar o meu corpo, já que minha mente tripudiava, me
instigando a querer vocês sabem quem.
Resumindo o rolê, eu estava a ponto de explodir.
Nem cronometrei os quilômetros que percorri, parei assim que a exaustão
fraquejou as pernas, apoiei a palma da mão em uma árvore, uma das poucas do
meu bairro pobre em paisagismo e rico em poluição, deixando a cabeça pesar à
frente do corpo. Tomei fôlego como se o ar me faltasse no peito. Em seguida,
decidi caminhar tranquilamente de volta ao meu prédio. Isso se o universo não
gostasse de gozar com a minha cara. Veja bem, a estrutura esgotada, suada,
descabelada, na qual me encontrava, não estava preparada pra contemplar a
imagem que encontrei quando virei a esquina.
Ele, a razão de todos os meus sonhos e pesadelos, ali, escorado no seu carro
de luxo, os óculos escuros camuflando a tonalidade mel avelã dos seus olhos,
jeans preto rasgado e, para o desequilíbrio geral, camiseta branca — colada ao
seu abdômen —, era a visão do puro pecado. Recuei dois passos na tentativa
fugir, mas estaquei quando ele me viu e me presenteou com seu sorriso. Meu
coração errou as batidas. Meus joelhos perderam a força. Teria desmaiado, se não
houvesse meia garrafa d’água em mãos, que ingeri como se nunca tivesse
experimentado o líquido.
MEU. PAI. AMADO.
— Oi.
— Oi… O que faz aqui?
Ele desceu o aro dos óculos ao passo que corria seus olhos atrevidos pelo
meu corpo.
— Linda roupa. — Sorriu canalha, anulando o pouco de distância que me
permitia respirar. — Mas não é perigoso andar assim, sozinha na rua?
Revirei os olhos, já o tendo próximo demais.
— Estava correndo — expliquei. — Veio pessoalmente pegar o celular?
Ele assentiu, com aqueles olhos castanhos querendo invadir os meus.
— Só um instante, vou pegar. — Fugi, com leves tremores no estômago.
Nunca entrei e saí tão rápido do meu apartamento, graças a Deus minha mãe
estava no banho e não percebeu a velocidade que peguei a caixa e bati a porta.
— Foi muita gentileza sua, mas não posso ficar com ele — disse e estendi a
mão devolvendo a caixa.
— Então quando presenteio alguém, não aceito devolução. — Baixei o
braço, chocada com o que ouvi. Como assim? É um Iphone, meu filho.
— Ricky, não posso sair dando um Iphone para qualquer pessoa.
— Então fique com ele — propôs, simplesmente. — Comprei para você.
— Já tenho um celular — reforcei e estreitei os olhos antes de indagar. —
Então por que veio? Se não quer o celular de volta?
— Queria ver você. — Ele voltou a se aproximar, para o meu desespero. —
Vamos tomar um café, vi uma delicatessen na esquina.
— A padaria do seu Zé está longe de ser uma delicatessen, Ricky.
— Não vejo diferença, lá tem café?
— Sim, tem.
— Ótimo.
— Mas eu já tomei café.
— Júlia, podemos ao menos ser amigos? Amigos tomam café, fazem sexo
pelo telefone, nada demais.
Gargalhei nervosa com a cara de pau dele.
E claro, corei em seguida.
— Eu não faço sexo pelo telefone com meus amigos.
— Eu sabia que era especial pra você — sorriu pretencioso.
Balancei a cabeça.
— Não posso, estou cansada. — Dei um passo para o lado, ele também,
bloqueando a minha passagem. — Ricky, não.
— Só um café? — Ele fez charminho e as tais borboletas ariscas
perturbaram meu estômago. — Em nome dos nossos laços familiares?
— Laços familiares? — Gargalhei com seu argumento. — Sério isso?
— Claro, meu primo tá caidinho por sua prima, então prevejo casamento,
sendo assim, seremos parentes.
— Negativo!
— Por que? É meio óbvio, não acha?
— O que eu acho, é… — Foi difícil responder com seu dedo alisando meu
antebraço. — Pare, Ricky.
— Você está nervosa?
— Não, nervosa, eu? — Dei os ombros. — Nem pensar, não estou nervosa.
— Hum, acho que está sim, estou sentindo leves tremores nessa pele
temperada com suor.
Ele subiu seu dedo até meu ombro, causando uma vibração contínua em
certos pontos… Ai, Jesus!
— Ricky, estou muito suada, eu…
— Você está muito suada… deliciosamente suada… — repetiu, com seu
timbre sedutor, enlouquecedor, molhador de calcinha. — Sabe, Júlia — sua boca
já estava próxima ao meu ouvido —, precisamos tomar café.
— Sim, precisamos…
— Tá vendo, não doeu nada, é só um café.
— Eu… eu… — Ergui uma sobrancelha. Ah?! Eu aceitei, como assim? —
Tenho que subir, preciso finalizar um trabalho.
— Só um café, garota. Depois prometo ir embora. — Ergueu os braços em
rendição.
Merda… ok, ok, ok.
Só um café e ele vai embora.
Ponto final!
— Ok, mas…
— Mas?
— Pegue a caixa — ofereci novamente, ele pegou contra a vontade e jogou
no banco de trás do carro. Sem sequer se importar com o conteúdo, porra, era um
Iphone.
— Estou com fome, quero que saiba.
— Informação preciosa, vou vender para os paparazzis.
— Vai?
— Talvez eu faça uma pequena fortuna, vi algumas matérias sobre você,
sabem até o número do seu sapato.
— Pesquisou sobre mim, Srta. Sales? Algum interesse pessoal?
Merda!
Fica quieta, Júlia.
— Quem eu? — Tossi uma, duas, três vezes, depois quis me esganar por
falar asneiras. Como posso revelar que pesquisei sobre ele. — Pesquisa
profissional, é claro.
— Pesquisou sobre mim, profissionalmente? — O executivo cruzou os
braços. — Continue, estou interessado, fale mais, o que encontrou?
Arregalei os olhos, amaldiçoando minha boca grande, enquanto o debochado
se divertia às minhas custas.
— Nada demais, você é ganhador de vários prêmios, tem uma carreira
construída com muito esforço, mesmo sendo herdeiro, e é uma referência de
CMO pelo mundo, e…
— E? — Ele quis saber com os olhos atentos. — Continue.
— E sempre posou com lindas mulheres.
Ele sorriu, buscando com as pontas dos dedos alguns fios de cabelos soltos
do rabo de cavalo que fiz antes de correr, colocou-os com delicadeza atrás da
minha orelha, e declarou:
— Você é linda e mulher. — O maluco agarrou minha cintura ficando ao
meu lado, antes de anunciar em alto e bom tom: — Se houver algum fotógrafo
por aí, pode tirar a foto para capa.
— Fala baixo, Ricky. — Tapei sua boca. — Café, vamos — falei, dando um
ponto final no constrangimento e puxei seu braço na direção da esquina, cobrindo
meu rosto envergonhado com a mão livre.
16 | Júlia Sales

Caminhamos lado a lado até a padaria do seu Zé, durante o percurso procurei
me concentrar em qualquer coisa que não fosse aquele perfume que, num sopro
de ar, invadiu as minhas narinas. Num certo momento, à medida que
alcançávamos o lugar, ele, atrevido, tocou levemente o dorso da minha mão, eu
logo abracei o corpo evitando o contato. O safado riu, pois percebeu como
arrepiou cada pelo do meu braço.
Iludida, talvez, mas o pensamento me acompanhou. O que o trazia em pleno
domingo para a frente do meu prédio, quando um mundo de glamour o esperava
de braços abertos? Mulheres. Boates. Festas. Lugares que muito provavelmente
ansiavam por sua estada, no entanto, aqui estava ele, caminhando ao meu lado,
como se guardasse o tempo na palma da mão, dilatando o momento no qual
esquecemos quem somos, esquecemos a WIS. De soslaio marquei o tempo de um
sorriso faceiro, o sol alvorecendo em sua pele, em seus traços, nos castanhos de
seus olhos, tornando-o ainda mais lindo, como se fosse possível.
— Delicatessen, ponto pra mim — disse e apontou para a fachada.
Hein?! Meu queixou caiu.
— Déia, desde quando seu Zé trocou a placa? — perguntei para a filha do
padeiro, que prontamente nos recebeu.
— Ele agora quer ser chique, Jú. — Deu de ombros. De qualquer forma,
para mim, sempre será a padaria do seu Zé, e ponto. — Querem uma mesa?
— Por favor. — O galante tirou alguns suspiros da menina. — Pode ser
aquela ao fundo?
— Claro.
Seguimos na direção, nos acomodamos na mesa e fizemos os pedidos.
— Você corre sempre? — Ricky perguntou apoiando o queixo sobre as mãos
entrelaçadas.
— Sim, sempre que estou muito frenética procuro correr para liberar um
pouco da adrenalina.
— A WIS tá exigindo muito de você? — indagou, pegando seu café e um
croissant, que a Déia disponibilizou na bandeja, aproveitei e peguei minha salada
de frutas e um suco de laranja. — Ou sou eu o motivo? Sabe que podemos
resolver esse “detalhe” a qualquer hora.
Embora estivesse certo, pois sabemos o quanto esse homem me arrasta para
o penhasco da perdição, desde a primeira vista, não ia, nem em sonho, dar esse
ibope pra ele.
— Você se sente. Acha mesmo que minha vida gira em torno do tesão que
tenho por você?
EU NÃO DISSE ISSO!
Puta merda.
O que restou foi cruzar os braços e encarar, argh, vermelha igual a um
pimentão, o desgraçado gargalhando às minhas custas.
— Eu disse, Julinha, podemos resolver isso, é só pedir.
— Definitivamente, pretendo manter minha boca fechada nas próximas
horas.
— Se quiser, posso manter sua boca ocupada, sem problema.
— Ricky, para de ser um ordinário pornográfico — lancei vários
guardanapos na sua direção —, você só pensa em sex… — Me calei, não
estávamos sozinhos no recinto, além do mais, aparentemente, toda a vizinhança
resolveu comprar pão no mesmo horário.
A fofoca estava feita.
— Safadinha, há diversas formas de manter sua boca ocupada, alimentando-
a é uma delas.
— Ah, tá. Sua cara de cafajeste não transpareceu essa inocência, fique
sabendo.
Ele me fitou por cima da xícara de café.
— Sei que gosta da minha cara de cafajeste e todo resto.
Rolei os olhos, ele realmente era ciente da sua gostosura.
Provei um morango ignorando o pretensioso.
— Hum… — O azedo do morango se misturou ao sabor doce da manga.
Olhei para o pote e alguns pedaços estavam perdidos ali. Droga, eu pedi para a
filha do seu Zé não colocar manga. — Ei, Déia, tem manga — indiquei de longe e
ela acenou pedindo um instante. — Não gosto de manga.
— Então eu resolvo o problema, pode colocar todas aqui. — Ele se inclinou
um pouco para frente e abriu a boca.
Franzi o cenho.
— Quer que eu lhe dê na boca? — perguntei, vai que eu fiquei doida ou algo
do tipo. Não lembro de ter batido com a cabeça.
— Ahaaa…
Ah, Deus, não faz isso, não.
— Ricky, então…
— Poxa, Júlia, você não pode alimentar um homem que gosta de manga?
Ele abriu em maior grau a boca, exibindo sua arcada dentária perfeita.
— Tá bom.
Garfei um pedaço da fruta, levando à sua boca. Ricky mastigou assim como
a Ana Maria Braga saboreia seus pratos, com tanto gosto, que fiquei com vontade
de… Hum… Pediu mais um pedaço assim que engoliu o primeiro, e quando me
dei conta estava alimentando o homem, enquanto sorria igual a uma boba,
simples assim.
— Mangas extintas…
— Obrigado, gosto de manga. Há alguma outra fruta que você não coma?
— Melancia, ainda não sei por que, mas não gosto — fiz uma careta.
— Já provou alguma vez?
— Sim, mas não fez muito bem para o meu paladar.
— E qual a sua fruta preferida?
— Morango!
— Oi, Jú, desculpe a demora — a menina chegou de repente. — Algum
problema?
— Eu…
Ricky interrompeu:
— Você pode colocar uma porção extra de morango na salada de frutas, por
favor?
— Claro que sim, um instante — ela pegou o pote e saiu apressada.
— Ricky, não precisava.
— Vamos substituir a manga pelos morangos — ele piscou.
Crispei os lábios querendo, na verdade, abrir um sorriso enorme. Déia não se
prolongou muito em entupir meu pote com pedaços de morangos.
— Obrigada — agradeci a ela, que voltou para o balcão. — Bora se entupir
de morango, então. — Garfei vários pedaços e levei à boca.
Ricky, estático, deixou cair as íris quentes para os meus lábios em
movimento.
— Que foi? — quis saber, já pegando o guardanapo.
— Então, eu… — Ele pigarreou. — Imagem difícil, morangos e sua boca,
combinação perfeita e tentadora.
Parei de mastigar e estreitei os olhos.
— Ok, parei, meu cérebro já produziu material suficiente para me levar à
loucura nas próximas horas. — Ele pigarrou novamente. — Amigos, entendi.
— Ahaaaa, amigos. — Sorri e balancei a cabeça, alguma coisa dentro de
mim dizia que estava num sonho.
— Então a senhorita gosta de correr? — Mudou rápido de assunto.
— Sim.
— Corro também, e concordo que alivia o stress. — Ricky levou a xícara até
sua boca e eu segui o movimento, sendo lembrada de como seus lábios sabem
trabalhar em certas situações. — Posso te perguntar uma coisa?
Coloquei algumas uvas na boca, talvez mastigar distraia o meu intelecto
pervertido.
— Pode.
— Qual o lance com a família da sua prima?
O jantar artificial não disfarçou o quanto somos indiferentes como família,
foi visível o desdém da tia Paula e como meu tio conduzia sua amostra de um
apatacado idiota.
— Percebeu o quanto nos odiamos?
— Percebi que há um fato que levou a isso.
Meu rosto endureceu sem disfarce, pois lembrar do passado me remeteu a
más lembranças.
— Sim, aconteceram algumas coisas que mudaram o rumo da minha
amizade com a Melissa — murmurei descontente.
Ricky se mostrou interessado pela forma solícita que me olhou e tocou a
minha mão solta sobre a mesa. Apesar disso, contar não estava em meus planos,
poderia acabar com o relacionamento de Melissa, caso o Ruben soubesse de algo
tão desleal, e por mais que odiasse a ruiva, não agiria por vingança.
— Foi sério, então?
— Sim, mas está enterrado — falei e tomei um gole de suco, dando a
entender que o assunto não me agradava. — O que está achando da campanha,
Ricky?
Ele riu lindamente com a mudança súbita.
— Estou gostando, falta pouco para finalizarmos…
Reconheço, a tensão sexual que nossos encontros causavam, era intensa e
saborosa. Precisamente, palpáveis de desejo. No entanto, a leveza em especial
desse “café” inesperado, apesar das frases soltas e safadas provocadas por Ricky,
se tornou um ponto fascinante da nossa relação, quer dizer… do início da nossa
amizade.
— Você não acha que falta algo? Como uma propaganda diferente das que
os estudantes atravessam os corredores falando dos seus cursos e apresentado o
espaço?
— Sim, acho. Este é o maior motivo de não ter aprovado nenhuma das
propagandas. — Ele me encarou com atenção, pois acho que a minha ideia
despontou no meu rosto inesperadamente. — Tem alguma ideia?
— Sim, acredito não ser inédita, mas…
— Fale, estou interessado — murmurou, enquanto apoiava os cotovelos na
mesa.
— Sou apaixonada por musicais, então eu acho que podemos fazer algo
grandioso, como um flash mob, com uma música original, talvez o funk, que
abordasse sonhos e os influenciadores, ou tik tokers, fazendo parte disso,
incentivando seus seguidores a estudarem se quiserem chegar na posição que eles
estão hoje. O que acha?
O executivo franziu os lábios e permaneceu calado, o que fez com que eu me
achasse ridícula.
— Funk?
— Ahaaa.
— Gostei.
Isso, garota!!!
— Jura?
— Sim, vou falar com o Orion.
— Eeeeeee. — Bati várias palminhas animada, porra, ter algo aprovado pelo
Ricky era sensacional. — Eu ia comentar com ele amanhã, mas já que você
perguntou.
— Quem leva a Júlia para casa, a venda ou a criação?
Não entendi como investida, meneei a cabeça, pensando na resposta:
— O marketing ou a publicidade? — Ele assentiu. — Os dois casam, no
entanto, a publicidade ganha.
— Sim, consigo ver nos seus olhos e nas suas ações uma grande publicitária.
Que pena que não vou acompanhar de perto o seu crescimento.
— Quando finalizarmos a campanha você vai embora?
— Sim, vou. — Ele parou de comer e se concentrou no meu rosto por
segundos que pareceram infinitos. — Tenho compromissos inadiáveis na
Califórnia ainda este mês.
Por que meu coração acelerou? E as frutas perderam o sabor?
Ricky completou:
— Quer me ver longe?
— Não, claro que não.
— Não?
Só saquei sua jogada ao perceber seu sorriso preenchendo seu rosto.
— Ricky… — Joguei as costas para trás. — Qual o seu problema?
— Você!
Soltei uma gargalhada.
— Agora eu sou um problema?
— Sim, é.
— Diga por quê?
Ele se levantou, posicionou sua cadeira ao meu lado, e eu parei de respirar.
— Desde o dia em que a vi dentro daquele elevador, que graças a Deus ficou
parado tempo suficiente no térreo para que eu desejasse sua boca deliciosa mais
que tudo, eu estou louco por você — ele sussurrou, e eu movimentei o lábio
inferior prendendo-os entre os dentes. O executivo me manteve à sombra de seus
olhos castanhos febris, que causou reações adversas no meu corpo, violando o
autocontrole que fui construindo ao longo deste café. — E agora vou precisar de
tratamento psicológico, pois provei de algo que não posso ter mais.
Ele brincou de um jeito sexy e, novamente, o ar palpável do desejo volveu,
chegava a ser surreal como nos levávamos ao limite. Impossível negar a excitação
crescendo enquanto os olhares se comiam, o apetite por um beijo consumindo o
paladar… era enlouquecedor.
— Preciso ir. — Levantei tão rápido que a cadeira tombou para trás. —
Merda!
— Calma, Júlia. — Ricky se colocou ao meu lado, me auxiliando com a
cadeira irritante. — Não precisa ficar nervosa, eu…
— Preciso ir.
— Ok, vou pagar a conta.
Aguardei do lado de fora, tomando o ar que me faltava. Não devia ter vindo,
como fui capaz de idealizar tal tolice? Sou um poço de fraqueza perto desse
homem, é muito maluco e descontrolado. Caralho, namorei aquele idiota do Caio
e nunca tivemos essa brasa, esse negócio pulsante.
No percurso de volta, tentei manter o controle, se bem que estava quase
infartando. Um pouco antes de virarmos a rua, Ricky me girou rápido, não houve
tempo para uma reação, quando me dei conta estava prensada na árvore com seu
nariz fungando meu pescoço.
— Júlia, escuta — seu hálito quente atiçando meus sentidos —, teu cheiro,
teu gosto, teu sorriso, tirou o encanto de todos os outros… Talvez precise me
trancafiar em uma cela, porque está impossível controlar o desejo pulsante que
tenho de beijá-la. Me condene como um louco, mas sei que sente o mesmo.
— Ricky, não faz isso, eu…
— Me escuta, por favor — interrompeu com tom de súplica. — Jamais
deixaria que alguém a prejudicasse na empresa, minha estadia no Brasil é curta, e
não pretendo desperdiçar um segundo sequer se não for com você. — Ele tocou
de leve meus lábios, nossa respiração pesada se misturando, a saliva aguçando o
sabor, o peito subindo e descendo com evidência. — Garota, você me alucina. —
Se afastou, massacrando os cabelos com os dedos.
— Não é tão simples assim.
— Por que não? Acabei de garantir que jamais permitiria que alguém a
prejudicasse na empresa. — Seus olhos me encaram diferente. — Você está
saindo com alguém? É este o motivo? Por isso chegou tarde e devolveu o celular?
— Ricky, são muitas perguntas.
— Então responda ao menos uma.
— Por motivos óbvios, já falamos sobre isso. — Abandonei o ambiente
quente, mesmo desejando ficar, meus pés acostumados com o caminho cravaram
cada passo, ainda o sentia próximo, sei que não finalizamos, mas digo em choque,
não seria hoje. — MÃE!!!
— Ricky — ela exclamou, com seus olhos de águia mirando o homem atrás
de mim. — O que faz aqui?
— Mãe, o Ricky… bem simples… ele veio… quer dizer, ele estava
passando por perto, o encontrei enquanto corria, pura coincidência — expliquei,
na verdade, gaguejei ridiculamente. Minha mãe unia as sobrancelhas, ficando
igual à Frida Kahlo. Inferno. Isso não era um bom sinal. — Mas agora ele vai
embora. Não é, Sr. Walker? — Indiquei seu carro estacionado no meio fio.
Ele apenas desprezou o conselho.
— Olá, Ana, como vai?
Não faz isso.
Puta merda, ele fez.
O executivo passou por mim, tomou a mão de mamãe e beijou o dorso.
Desgraçado, a madame sorriu envergonhada, puro disfarce, conheço a fera, nesse
exato momento ela está tramando seu interrogatório, no qual, provavelmente, eu
vou entregar tudo.
— Estou bem, nossa, que prazer revê-lo, passeando pela zona sul?
— Sim, tenho um amigo pelas redondezas — mentiu descaradamente.
— Nossa, como você é bonito, né, Júlia?
— Mãe!
Sério, isso?
Ricky gargalhou com a audácia da senhora assanhada que garantiu um
acréscimo no seu ego.
— Obrigado, Ana, ganhei o dia.
— Imagino. — Rolei os olhos. — Mãe, o Ricky tem compromisso, não é,
chefe?
— Filha, você tem sorte por ter um chefe tão bonito e educado. — Agora ela
passou dos limites. Isso é resultado da cerveja de domingo. Só pode. — Ricky,
quando estiver no bairro novamente venha tomar um café.
— Claro, será um prazer. — Ele completou os dois passos e beijou meu
rosto. — Até amanhã, Júlia.
— Até amanhã.
Cobri o rosto, enquanto minha mãe acenava para o safado que fez questão de
ligar o carro numa lerdeza, adorando a atenção gratuita. Antes de seu carro cruzar
a esquina, corri para dentro, pois o rosto da senhora assanhada mudou, não estava
tão simpático.
— Júlia, espere — ela gritou, mas o elevador fechou. E a última visão que
tive foi que nada ia me livrar de várias explicações.
Entrei no apartamento e apelei para o café, um gole, nada além disso, e então
a porta fechou, a testa enrugou e eu comecei a rezar.
— O que o Ricky Walker fazia aqui?
— Já falei, mãe. — Contornei a bancada e me sentei no sofá. — Toda
assanhada com o homem, ele é muito jovem para a senhora, não pretendo ter um
padrasto com essa idade.
— Um ponto que eu concordo, também não pretendo ter um genro com essa
idade.
— Assunto resolvido.
— Sem gracinha, garota, eu quis ser simpática. Aliás, ele é seu chefe, dono
da universidade na qual você estuda, dono da empresa na qual você trabalha, isso
não foi esquecido, né? — Não foi uma pergunta, e sim, um lembrete assíduo. —
Filha, eu vi a troca de olhares de vocês no jantar, só não falei nada porque pensei
ser coisa de momento. Mas vê-lo aqui depois de receber uma caixa com o nome
dele. — Ela se sentou ao meu lado. — Júlia, conversa comigo, sempre fomos
sinceras uma com a outra.
Deixei cair a cabeça para seu colo e um choro angustiado explodiu de
repente, estava tão confusa e perdida com os sentimentos que não controlei as
emoções, só chorei enquanto mamãe acariciava meu cabelo.
— Oh, meu amor… — ela murmurou.
— Mãe, eu e o Ricky nos esbarramos antes de eu saber quem realmente ele
era — balbuciei, as lágrimas desciam e meu coração apertava. — Sentimos uma
atração e, mesmo com o fato de ser meu chefe, não consigo parar de pensar nele,
não sei o que fazer.
A mulher ergueu meu rosto e olhou, plácida.
— Houve somente uma atração? — Ela quis saber, seu tom intensificou. —
Só isso a deixou assim?
— Não.
Ela meneou o rosto soltando o ar.
— Júlia, não, está errado. Ele é encrenca filha.
— Eu sei, mãe. Mas…
— Mas você gosta dele? É isso?
Esfreguei o rosto numa almofada, querendo negar, precisava negar a loucura.
— Júlia, responde — ela gritou.
Olhei para ela antes de responder, com as emoções ainda mais aparentes.
— Não sei.
— Meu Deus, filha. Não tem como dar certo, um homem bilionário que, por
fonte chamada Paula, viaja mais do que dorme na própria cama, galante e bonito,
não se apega a uma garota de família como você. Ele quer curtição. Quando ele
cansar, como fica? A empresa? Você? Muitos para se livrar do problema dão o
famoso pé na bunda, também conhecido como demissão.
— Mãe, eu sei.
— Sabe mesmo?
Sim, ela estava certa.
— Estou cansada, vou tomar um banho e dormir.
Levantei-me, não querendo ouvir e fui direto para o banheiro. A água quente
enevoou o ar e me coloquei embaixo dela tão perturbada, que implorei evaporar,
sumir. As palavras ditas por mamãe me perseguiam enquanto esfregava a pele
com a esponja macia. Tudo fazia sentido, jamais neguei o contrário, só que meu
coraçãozinho, mesmo diante de todos os erros gritantes, agia como um
adversário, um sabotador da coerência. Sonhando com suspiros apaixonados,
eternizando a união perfeita que eram nossos corpos.
Mas não, sei que não, jamais passaria de um sonho.
Um doce e apaixonante sonho.
Demorei muito mais que o habitual no banheiro, coloquei o meu pijama, e
fiquei um longo tempo olhando para a parede, até dona Ana abrir a porta.
— Mãe, eu entendi — fui falando ao mesmo tempo que acompanhava seus
passos. — Tudo que disse está claro na minha cabeça.
Ela sentou-se na beirada da cama.
— Não quis diminuir você diante dele, não foi isso. Você é grande e pode ser
o que quiser, lembre-se disso. O céu é o limite para uma garota sonhadora como
você.
“O céu é o limite”, minha mãe sempre usava essa frase em momentos que
ousei desistir, em momentos que achei a WIS inalcançável pra mim. Por muitas
vezes nos diminuímos, a estrada é longa, cheias de espinhos, névoa, perdemos a
coragem e a audácia, e nos consumimos de incertezas e medo. Nada é
inalcançável. Um sonho só se concretiza se o sonhador alçar as asas da
perseverança e, mesmo consciente das quedas, nunca desistir de aprender a voar.
— Eu sei, nunca esqueci, mãe.
— Só que não consigo ver o lado bom nessa história.
— Como disse, vou ficar longe dele, prometo.
Ela beijou com carinho minha testa e bateu a porta ao sair.
Aninhei-me na cama e peguei meu celular, haviam diversas mensagens da
Raica, a última dizia que o irmão passou a manhã apreensivo com medo de que o
pai retornasse. Por um instante, me preocupar com meus amigos fez com que
meus anseios ficassem de lado. Liguei para ela e conversamos um pouco,
principalmente sobre o Renan abalado por conta das barbaridades cruéis do pai.
Voltando ao átimo infeliz da véspera, quando eu estava diante das ameaças
do genitor dos irmãos, uma voz gélida soou no meu ouvido e imediatamente um
arrepio correu minha espinha. Descartei o minuto, ignorando a impressão
negativa. Mas logo que desliguei o celular e pronunciei pro nada a palavra pai —
um termo que excluí do vocabulário por motivos óbvios —, outra vez a sensação
arremeteu.
Estranha.
Angustiante.
O clima pesou no curto espaço, exasperada, fui à sala e entrei no exato
instante em que minha mãe desencaixou um cartão do enorme buquê de rosas
vermelhas.
— Recebendo rosas, dona Ana? — perguntei, mas não parei, fui em linha
reta para a cozinha. — Quem enviou?
Hum… carne de panela com batata, inalei o aroma delicioso que subiu assim
que destampei a panela, sentindo as reações diversas de um estômago faminto.
— Mãe! — chamei novamente, a mulher permaneceu intacta olhando sem
piscar o cartão prateado. — Quem enviou?
Não obtive resposta.
A quietude me preocupou, num salto estava ao seu lado.
— Mãe, o que houve?
Girei seu rosto e uma lágrima escorreu.
— Mãe!!!
A face tomada por uma branquidão anormal apertou meu coração, os lábios,
sempre saudáveis, acompanhavam sua pele. Tirei o cartão de sua mão, tendo ali a
leitura mais dolorosa, pavorosa, a que sempre temíamos.
17 | Ricky Walker

— Como vai, Ricky?


— Tudo ótimo, Enrico. — Estendi a mão para um cumprimento e ele
retribuiu. Virei-me para sua esposa. — Olive, que bom revê-la.
— O prazer é meu, Ricky. Estive com sua mãe há mais ou menos um mês,
que palácio vocês têm na Califórnia! — elogiou a senhora elegante ao lado do
marido, meu futuro investidor. — Que jardim impecável.
— Eu realmente amo aquela casa, só não tenho tempo hábil para desfrutar
do lar que meu pai construiu — me queixei.
Eram raros os momentos que sentia saudade de casa, isso devido à mudança
constante que meu cargo exigia, com o corpo em movimento o cérebro seguia o
mesmo curso e o coração… esse não dou ouvidos há um tempo. Procurei
construir pequenos lares que pudessem me acolher durante as viagens, espaços
que recheava com fotos e recordações da família amorosa que Sara sempre zelou,
mas que desmoronou na colisão desleal entre Nick e eu.
— Todo sucesso tem um preço — comentou Enrico me arrancando do
torpor. — Você e seu pai dão o sangue pela WIS UNIVERSITY CONECT,
principal motivo de liderarem o mercado, talvez descansar na mansão não seja
uma prioridade.
— Sim, não é. — Encaixei a mão na cintura da Ellen trazendo-a um pouco à
frente. — Essa é Ellen Castiel, nossa diretora de vendas e Trade Marketing na
América Latina, ela irá participar de toda a negociação. Vamos nos sentar, por
gentileza.
Acomodei o casal na grande mesa redonda, sugerindo o melhor vinho
servido com destreza em segundos pelo serviço de mesa. Almoço de negócios aos
domingos, compromisso constante, principalmente quando um contrato de
milhões é o prato principal, Enrico Carson, um investidor em potencial para a
rede de universidades online que pretendia abrir na América Latina. Já tínhamos a
Laureate como nossa concorrente direta pelo mundo e no continente não era
diferente, reuni um armamento pesado para ganhar o mercado nacional.
— Ricky, quando o velho CEO vai se aposentar e deixar você no comando?
Aquele carrancudo já está velho para o trabalho.
— Eu, particularmente, torço para que ele fique um bom tempo, amo meu
trabalho como CMO e ser CEO ainda não é meu plano.
— Que pena, acreditei fielmente que há dois anos isso aconteceria, vamos
esperar os seguintes. — Seu sorriso saiu por cima de sua barba grisalha. — Se
não me engano, lembro de você, Ellen, não houve um noivado entre vocês?
— Talvez ainda sejam noivos, meu bem — Olive repreendeu o marido.
Ponto irritante de encontrar Enrico é a forma indiscreta que o empresário
encontra para misturar assuntos profissionais com a vida pessoal. Movimentei a
mandíbula, ligeiramente incomodado. Em seguida degustei o vinho e deixei que
Ellen respondesse, os últimos dias eu ignorei suas ligações, o que resultou num
distanciamento necessário. A intenção, nem de longe era me afastar totalmente,
mas evitei uma aproximação que confundisse as coisas. Confesso que estranhei
seu comportamento quando fui buscá-la para o almoço, seu tratamento frio e
indiferente, não nego, me chateou um pouco, talvez por cultivamos essa relação
de amigos que trepam há anos.
— Sim, acabou, agora eu e o Ricky somos amigos e parceiros de negócios
— Ellen respondeu firme.
— Que incrível, geralmente quando o noivado acaba se dá fim a qualquer
vínculo — Olive acrescentou. — De qualquer forma, você é linda, Ellen.
— Sim, ela é. — Encarei os olhos azuis que miravam os meus. — Eu nunca
permitiria que Ellen se afastasse totalmente de mim. — Deixei o aviso.
— Então quem sabe esse noivado retome, nunca sabemos o dia de amanhã,
não é mesmo? — Enrico ergueu a taça. — Vamos brindar a isso, ao futuro
imprevisível.
Ao futuro imprevisível.
— Sabe como as coisas funcionam com Enrico, primeiro ele revira sua vida
com perguntas para só então assinar o contrato.
— O velhaco não perde sua astúcia, mas como sempre, você fechou uma
excelente negociação — me felicitou falando com seu português arrastado.
Mamãe tentou ao longo desses anos casada com o meu pai ensiná-lo a falar
português. E conseguiu desenrolar 50% da língua do turrão. Embora minha
primeira língua seja inglês, tenho fluência no português, uma vez que Sara,
apaixonada pela sua nação, sempre fez questão de que Nick e eu tivéssemos
contato não só com o solo brasileiro, mas também com suas origem latina.
— Tudo saiu conforme o planejado — finalizei o uísque, descartando o copo
na mesa de centro.
— Não esperava menos de você.
— No mais tardar em duas semanas, não passa disso, brindamos esse
contrato pessoalmente na Califórnia.
— Seu irmão pegou o jatinho rumo ao Brasil.
A mudança de assunto agrediu a energia, assim como um míssil destruindo
tudo ao se colidir com seu alvo.
— Estou ciente — trinquei o maxilar.
— Disse ter compromissos no território brasileiro. Sabe do que se trata,
Ricky?
— Não faço ideia. — Que porra o Nicholas vem fazer no Brasil, afinal? —
De qualquer forma, talvez não nos vejamos.
— É assim que tenho meus dois filhos? Como dois estranhos?
— Pai, sem drama, sabe que Nick prefere assim, por mais que eu tente outro
tipo de relacionamento com ele, este nos convém no momento.
— Meus filhos, inimigos, que desgosto — o velho resmungou e desligou em
seguida.
Apoiei a cabeça no braço e espalhei o corpo no sofá, tendo o teto como foco
para pensamentos nada agradáveis que começaram a surgir. A presença do meu
irmão sempre tirava o meu sossego, era impressionante como não conseguíamos
nos concentrar em ser pacíficos um com o outro, somente as farpas saíam das
nossas bocas, enquanto as acusações escapavam como indiretas.
De qualquer forma, me restava no máximo uns quinze dias de estadia no
Brasil, precisava me concentrar na campanha nacional, faltava algo extraordinário
para algumas propagandas, e nessa manhã a bela garota de cabelos caramelos deu
o toque especial. Porra, outra vez a Júlia laçou meus pensamentos e um sorriso
frouxo brincou com meus lábios, que feitiço é esse Ricky Walker?
Enrico, um sábio sacana, fez uma colocação intrigante no almoço. Futuro
imprevisível. Como podemos prever o que viria? Não havia uma resposta quando
se tratava dos meus impulsos. Eu peguei o carro e dirigi às seis da manhã para a
zona sul com uma única missão; beijar garota que se penetrou em todas as minhas
vontades e, além de tudo, a responsável por deixar as minhas bolas roxas. Júlia
atormentava o meu juízo, a fixação que sentia, ao mesmo tempo em que alegrava
o meu dia, o atormentava na mesma medida.
Entreguei muito a ela.
E isso fodia tudo.
Odiava a sensação de fazer papel de idiota, era extremamente confuso para a
praticidade que sustentei todos esses anos com as mulheres. Precisava recuar, a
fome que movia meus instintos por seu corpo carecia ser saciada. Nem que fosse
de outra forma, de fato, dar um giro e avaliar os contatos brasileiros. Excelente
conselho. Caralho, quantos anos eu tinha afinal, que não conseguia controlar a
porra de um tesão?
Inadmissível tanto descontrole.
Saquei meu celular para entrar no seu Instagram. Digamos que sou um
investidor nato em redes sociais, isso foi de extrema importância para o
crescimento da WIS, então sim, sou o tipo que sempre está conectado, por fim,
acessei a rede e, como se tivesse todo tempo do mundo passei a apreciar as fotos
da garota-mulher que enlouquecia literalmente minha cabeça (as duas).
— Como você é linda — pensei alto, me concentrando numa foto antiga em
especial, ela estava deitada numa pedra, pele bronzeada sendo regada pelo sol,
cabelos molhados e longos, e ao fundo uma cachoeira. Por mais que seu corpo
delicioso me atraísse, dei um zoom no seu rosto e seu sorriso sensual me prendeu
ali por alguns minutos. Hipnotizado me mantive, desenhando com os olhos cada
linha doce da feição feminina, puta que pariu, fechei a página e, sem pensar
muito — algo difícil quando se tratava da Júlia — disquei, só pra dar “boa
noite''.
— Alô.
— Ricky? — Sua voz estava diferente, um pouco trêmula. — Não posso
falar agora…
— Júlia, você estava chorando? O que houve?
— Não, claro que não. — Obviamente, não acreditei. Era perceptível sua
voz embargada. — Tenho que desligar.
— Júlia… Júlia…
Ela encerrou a ligação.
Olhei para o celular atônito, sem entender a tristeza naquela voz. Alguma
coisa havia acontecido, e só me dei conta que andava de um lado para outro
quando uma fisgada no peito me fez parar, peguei a chave do carro sobre a mesa
de centro e bati a porta.
18 | Júlia Sales

“Um sopro, Ana”


— Qual o significado dessa frase, mãe? — perguntei, tentando capturar o
olhar de mamãe. — Mãe, fale comigo.
Ela soltou o buquê que se espalhou no chão, olhei para os botões de rosas
vermelhas descartados aos meus pés e senti medo, muito medo. Mas não podia
expor aquilo a ela. Voltei para a mulher que iniciou uma procissão árdua até o
sofá, sentou-se e cobriu o rosto com as mãos, ali a fortaleza Ana se desfez, um
choro doído e agudo explodiu na sala.
Meu coração partiu em mil pedaços.
As rosas eram o aviso excruciante dado sempre que o Diabo estava prestes a
ser solto. Só que desta vez tínhamos muita coisa em jogo, tudo que conquistamos
nos últimos anos não podia ser colocado dentro de uma caixa e transportado por
um caminhão para outra cidade. Minha mãe finalmente tinha seu
empreendimento e eu estava na WIS, fugir não era mais uma opção.
Cobri seu corpo trêmulo com o meu, e a deixei desmontar em fraqueza, num
choro sofrido, que antecedia ao martírio de anos atrás. Colhi cada angústia,
acariciei cada ruga de desespero, forte, bem diferente do meu interno.
— Mãe, calma…
— Um sopro é o que temos para fugir, foi o que o desgraçado quis dizer —
ela balbuciou e limpou as lágrimas com o punho. Afastei-me o suficiente para
pegar o pano de prato perdido no balcão e entregar a ela.
— Seque essas lágrimas, mãe, não vamos fugir. — Tentei transmitir
coragem. — Meu pai que vá para o inferno, onde é seu lugar.
— Ele vai sair… Não entendo, a pena foi de trinta e oito anos.
— Bom comportamento, mãe. O desgraçado é um monstro aqui fora e um
anjo atrás das grades, isso é Brasil.
Recordo-me das notícias da última condenação do meu pai — trinta e oito
anos —, por sequestro seguido de morte. Mesmo a família tendo pagado o
resgate, o maldito matou a vítima, uma empresária de 38 anos. Na época eu tinha
sete anos, morava em Indaiatuba, interior de São Paulo, com a minha avó, que
faleceu nesse mesmo ano por complicações respiratórias.
— Júlia, filha. Seu pai é perigoso e sempre quis ter contato com você, parece
querer me ferir com isso, pois sabe que não permitiria tal aproximação. — Ela
inspirou sentido o peito. — Você o reconheceria? Se o visse pessoalmente?
— Não, acho que não. Mas a voz, tenho uma vaga lembrança maldita desse
som.
— A voz?
— Sim, ela nunca saiu totalmente da minha cabeça, desde quando a senhora
me trancou no quarto e eu ouvia seus gritos… o timbre cruel dele.
— Mas você era tão pequena…
— Parece ontem, mãe.
Ela deixou o rosto pesar, não ia desistir da minha vida nem autorizar que
minha mãe desistisse da sua. Devia haver um jeito, uma forma de termos proteção
caso o demônio resolvesse aparecer e nos amedrontar.
O que ele faria, facilmente.
— Mãe, podemos pedir proteção policial.
— Filha, fale, desde quando um papel vai impedir seu pai de entrar nesse
prédio, diga? — Ela me encarou, seu rosto modificado, sem energia, envolvido
por uma sombra. — Vou ligar para o advogado amanhã, vamos ver como está o
caso. E as previsões.
— Isso, ligue pra ele, vamos entender essa merda — anuí, temendo pela
saúde metal de mamãe. Sempre que o desgraçado se fazia presente, seu
psicológico sofria damos incalculáveis. Remédios, insônia, pânico. — Mãe, vida
normal, por favor?
Ela concordou meio débil, mãos inquietas e um olhar de medo, capaz de me
rasgar inteira. Mamãe sofreu muito nas mãos destruidoras e cruéis do desalmado.
Em um resumo tenebroso, tudo iniciou anos antes de eu nascer, foram muitas as
tentativas de separação seguidas de ameaças e espancamentos. E só tínhamos paz
quando o diabo estava preso, ou melhor, enjaulado no inferno. Diversas
condenações curtas e a última que o manteve encarcerado nos últimos treze anos.
Dona Ana fez o que pôde para me manter fora da podridão, enquanto meu tio
Jorge fazia questão de abrir o jogo sempre, ou com indiretas, ou com cruéis
comentários do passado, era uma forma covarde de lembrar à irmã seu passado de
merda.
— Jú, vou tomar um remédio para dor de cabeça e dormir, tudo bem você
comer sozinha?
— Mãe, perdi a fome. Venha, vou te colocar na cama.
Guiei a mulher mais importante da minha vida até seu quarto, afofei os
travesseiros e lhe entreguei um analgésico. Ela se encolheu igual a uma criança
desprotegida, cobri seu corpo com o lençol, acendi o abajur e desliguei a luz,
desejei permanecer mais tempo acariciando seus cabelos, velando seu sono
conturbado que a respiração pesada não escondeu, entretanto, o choque da notícia
esmagava meu coração e ficou difícil controlar as emoções estando ali, portanto
corri para meu quarto. Mil coisas me fizeram desabar; previ um tormento, rezei
por um milagre, quem sabe era uma brincadeira de mau gosto? Soquei a
almofada, negando. Depois abafei meu choro nela. Questionei Deus o porquê de
tudo, depois chorei temendo a resposta. Então meu celular tocou e, logo que vi a
foto na tela, só quis ouvir a voz dele.
— Alô.
— Ricky? — balbuciei com um amargo na garganta, quis tanto seus braços
ao redor do meu corpo, me aquecendo, me protegendo, que suspirei em meio às
lágrimas que rolavam. — Não posso falar agora…
— Júlia, você estava chorando? O que houve?
— Não, claro que não. — Busquei abafar o choro. Ricky não tem nada a ver
com meus problemas, não posso envolvê-lo nessa parte sombria do meu passado.
— Tenho que desligar. — Finalizei a ligação e abracei meus joelhos, implorando
para que o sono me norteasse.
Mas não aconteceu.
Amanhã seria um grande dia, entregaria os relatórios para a Ellen, precisava
estar tranquila, mas na verdade minha cabeça girava em torno dos receios de um
recomeço caso a ameaça fosse real. Não… não ia permitir que sua volta
desgraçasse nossos sonhos. Chá…, precisava de um chá. Fui direto para a
cozinha, passando rente ao tapete de sangue que se tornou aquele buquê, recuei
um passo, martirizando a visão enquanto observava odiosa os brotos escarlates, a
fúria acelerou a corrente sanguínea e, com ira, peguei um saco de lixo, enfiei os
espinhos no fundo preto e resolvi não manter as pragas no lixo dentro de casa,
então desci no térreo para colocar na lixeira de fora, na calçada, esmaguei o saco
no cesto soltando vários palavrões. Antes de entrar no prédio respirei o vento
fresco em busca de equilíbrio, precisava ser forte, muito forte, ou então
enlouqueceríamos diante desse lunático assassino.
A rua estava vazia, um breu recente na extensão do asfalto, foi por isso que
dois faróis ainda distantes chamaram a atenção, o carro logo estacionou ao meio-
fio, e eu não consegui me mover quando Ricky saiu de dentro dele e parou na
minha frente.
— Você está bem? — Ele me encarou desesperado, suas mãos fecharam-se
nos meus braços. — Por que está aqui fora sozinha?
— Eu…
Ele aguardou uma resposta, mas não houve.
— Tudo bem, vem cá. — Ricky me puxou para um abraço e negar não foi
possível, precisava tanto daquele carinho, daquele calor, que larguei todos os
meus anseios em seu ninho. — Não sei o que houve, mas daremos um jeito, eu
prometo.
Meu coração acreditou na promessa, o apertei ainda mais contra meu corpo,
sentindo seus dedos deslizarem pelos meus cabelos. Inconscientemente, o choro
voltou, dolorido, sussurrado, medroso. Ricky não disse nada, só me manteve ali,
protegendo-me de algo que ele nem mesmo sabia o que era. Passaram segundos,
minutos, nem sei, até nos encararmos.
— Quer dar uma volta? — ele inqueriu. — E se você quiser me contar o que
aconteceu, tudo bem.
Aquiesci, sentindo a confusão que devia estar meu rosto.
— Preciso de cinco minutos.
— Ok. Não vou a lugar nenhum.
— Obrigada. — Meu coração agradeceu um pouco mais brando.
Me esforcei em deixar um singelo sorriso, antes de correr para dentro, espiei
mamãe antes de ir para o meu quarto, graças a Deus ela dormia tranquilamente.
Substituí meu pijama por uma calça legging e um moletom grande que passava
do bumbum, calcei meu Converse, fiz um coque desgrenhado no cabelo e peguei
meu celular. Quando pisei na calçada, Ricky praticamente me colocou dentro do
carro, encaixou o cinto e fechou a porta.
— Ricky, não posso demorar, não quero deixar minha mãe sozinha.
— Certo — disse e ligou o carro, nos tirando dali rápido.
Ricky segurou minha mão a maior parte do percurso, não tinha noção de
onde íamos, só confiei, precisava recuperar as energias. Entramos numa espécie
de garagem, que deu acesso a uma jardinagem ainda camuflada pelos vidros
escuros. Ele parou, desceu seu vidro, pegou no console um cartão (que eu nem
percebi que estava ali), colocou na máquina e a cancela automática liberou o
acesso, no segundo seguinte dirigiu com cautela na alameda estreita rodeada por
flores e estacionou no final.
— Esse hotel tem um jardim esplêndido no fundo, ótimo para um passeio e
quando precisamos pensar um pouco. Podíamos parar em qualquer praça, mas
como estamos em São Paulo é um pouco perigoso caminhar no domingo sem ser
assaltado. Há outra opção, roubá-la e resguardar essa tristeza em qualquer lugar
do mundo, mas se fizer, talvez tenha a possibilidade de nunca mais trazê-la de
volta.
Corei, ele sabia ser devasso e sensível na mesma medida.
— O jardim é a opção ideal, até porque amanhã é dia de trabalho.
— Tem razão, é um empecilho que devo considerar — sorriu. E meu
coração perdeu o compasso. — Pronta?
— Sim. — Descemos.
Realmente o lugar era magnífico, passamos por uma passarela com pontos
de led nas laterais e fomos em direção a alguns coqueiros, a grama verdinha e
bem aparada recebeu os nossos passos, a brisa elevou nosso corpo e o silêncio
aliviou minha alma por ora. Ricky não emitiu uma palavra, deixou que minha
mente trabalhasse na tentativa de aliviar meus anseios, caminhávamos
paralelamente, a carne quente de nossas mãos em contato constante, porém
acanhados. Até parecia um primeiro flerte, destoando de toda a loucura lasciva
que já experimentamos. Avistei um banco e propus que nos sentássemos, mirei o
céu, havia poucas estrelas, mas a lua era o maior espetáculo.
— Obrigada, precisava respirar — agradeci, mas não o encarei, permaneci
contemplando o astro que nos iluminava. — Se você não se importar, não quero
falar a respeito.
Ele girou meu rosto e invadiu meus olhos.
Intenso.
Íntimo.
— Só me garanta que está em segurança, aí eu não insisto em saber e
respeito a sua vontade.
— Não devia se preocupar comigo.
— Mas me preocupo, estou aqui, não estou?
— Sim, está — anuí, só estou confusa com os motivos. — E não entendo o
porquê.
— Sinceramente, nem eu. — Ele não entregaria seus motivos. — Agora fale,
tenho que me preocupar?
— Não — menti. — Problemas familiares, eu que surtei um pouco. Todos
temos pontos de desequilíbrio, não acha?
— Faz parte, somos humanos. — Ele pegou a minha mão e massageou a
palma. — A família de Melissa?
Ele ia insistir, então eu precisava bastar aquele assunto.
— Ricky, tá tudo bem, acredite. — Minha mão livre cobriu a dele. — Eu
realmente estou bem.
Voltei a assistir a lua, com os olhos desconfiados de Ricky me rondando.
Meu coração borbulhando afago com o cuidado, me apaguei à sensação nova e
um suspiro involuntário escapou, quando o sentimento vigoroso de que não
precisava temer a nada, de que tudo se resolveria cedo ou tarde, ondulou meu
corpo antes aflito. Sim… eu confiava nele. Sentia-me segura ao seu lado. A
descoberta me assustou. Não eram dois corpos sedentos de tesão ali, era uma
versão inédita do que nos apresentamos nos últimos dia, éramos sensibilidade,
compaixão, afeto.
— Certo… Fome?
— Ahaaa.
— Sente-se melhor?
Encontrei o castanho quente de seus olhos.
— Sim, estou bem garanto.
— Então vamos, preciso te surpreender.
Ricky segurou minha mão e guiou-me até o carro. Seguimos em direção ao
centro, o que já estava ficando um pouco distante da minha casa. Ao mesmo
tempo em que eu não queria findar o momento terno, também me preocupava
com mamãe, ela podia despertar e se caso não me encontrasse no apartamento, aí
sim, teria um grande problema.
— Ricky, melhor adiarmos, tenho que ir.
— Chegamos, linda.
Ok, só mais alguns minutos.
— Sério???
Ele gargalhou e soltou meu cinto, o que o fez ficar bem próximo.
— Você falou que eu te surpreenderia se a levasse num food truck, aqui
estamos.
Paralisei, chocada com a surpresa.
ELE É UM CRETINO FOFO.
— Amei!!!
O aroma delicioso que planava no ar quase me fez flutuar na direção dos
carros assim que nos pusemos para fora, mesmo de longe identifiquei uma
diversidade culinária para todos os paladares. Novamente muito íntimo, o
executivo capturou a minha mão e me conduzindo entre os veículos até
escolhermos um para comer.
— Esse hot dog ao molho é bastante grande para uma garota fitness que
correu pela manhã — ele comentou sacana, ao me ver abocanhar meu dog duplo.
Mastiguei, contendo um sorriso.
— Primeiro, não sou fitness. Segundo, eu não almocei. Então estou
morrendo de fome. E olha quem fala, pensei que o senhor CMO mantinha uma
alimentação regrada.
Ele estreitou os olhos.
— Adoro um bom fast food, não nego.
— Eu também.
— Mas, sim, tenho uma alimentação regrada. Uma rotina de treinos diários,
mesmo com as viagens…
É visível o resultado de todo esse cuidado, você é gostoso pra caralho.
Limpei a garganta, minha libido não me dava trégua.
— Eu devia treinar, mas só corro às vezes.
— O necessário para manter esse corpo perfeitamente atraente. — Ansiei
com o elogio, sussurrado próximo ao meu ouvido com o timbre que umedeceu de
imediato a minha calcinha.
Engoli em seco e dediquei os próximos minutos ao meu lanche.
— Nunca imaginei, Srta. Sales, que conseguiria comer tanto.
— Você não viu nada, acredite, sou um dragão com fome.
Ele riu.
— Satisfeita ou quer mais alguma coisa?
— Brigadeiro, vi uns ali naquela barraquinha de esquina quando passamos.
Ele meneou a cabeça.
— Chocolate, imaginei que gostasse.
— Não gosto. — Ele ergueu a sobrancelha. — Sou viciada.
— Bom saber, então vou te entupir de brigadeiro.
Caminhamos até a barraquinha e eu escolhi dois brigadeiros recheados com
doce de leite. Durante a volta, um assunto empolgante sobre os tipos de
gastronomia experimentada por ele ao redor do mundo, preencheu o tempo.
— Não acredito — disse espantada.
Ele gargalhou antes de explicar.
— Nyotaimori no Japão, eles eram clientes importantes e me chamaram para
jantar. Como sempre fecho excelentes contratos em jantares como esse, não
imaginei que…
— O sushi fosse ser servido em cima de uma mulher nua? — completei
pasma, achando aquilo um absurdo hilário.
— Bem isso.
— Espera, a comida ficava… tipo… lá.
— Nas partes íntimas?
— É, Ricky.
— Sim. — Meu Deus. Ele riu sacana de tanto que arregalei os olhos. — Eu
não podia fazer desfeita né, era o convidado. — Gargalhou cafajeste.
Apesar do choque, era engraçado idealizar a situação; pessoas se
alimentando com um corpo feminino servindo de bandeja, esses japoneses são
estranhos.
A composição Ricky Walker por si só já era fascinante, sua beleza, seu
charme, sua gostosura, abalavam as estruturas da cadela em mim. Fora esses
detalhes calientes, havia outro em especial que me deixava ainda mais de quatro
por ele, literalmente falando. Sua experiência, sua carreira, almejei em um dia
viver algo parecido. Me hipnotizava seu conhecimento transmitido num simples
papo descontraído, aos trinta e três anos, o CMO dominava sete idiomas,
conhecia uma boa parte o mundo, colecionava prêmios, era referência na
comunicação mundial… Sei bem, não sou inocente, nascer em berço de ouro
facilitou muita coisa. No entanto, o brilho nos olhos do executivo ao falar da sua
profissão incentivava o meu sonho.
— Entregue.
O carro estacionou em frente ao meu prédio, encarei a fachada e me virei
para ele.
— Fecha os olhos — pedi.
— Não sei se posso, vai que você me beije.
Rolei os meus.
— Convencido, não vou beijar você, acredite.
— Não que ache ruim, se quiser estou à disposição — falou na sacanagem.
— Ricky, é sério — murmurei impaciente. — Você está quebrando o ritual.
— Estou confuso, que ritual e por que tenho que fechar os olhos?
— Confiei em você, agora é sua vez.
Ele me analisou desconfiado, fechou um olho deixando o outro em alerta e,
finalmente, fechou os dois.
— Agora abre a boca.
Fez beicinho e abriu a boca lentamente, respirei fundo porque a visão era
tentadora. Foquei na missão, peguei um brigadeiro e depositei na sua língua.
— Uma mordida e um pedido.
Ele abriu os olhos.
— Vai, Ricky, faça o pedido assim que morder o chocolate. Farei o mesmo.
— Coloquei o meu brigadeiro na boca e o fitei entusiasmada. — Um, dois.
Agora.
Fechamos a boca, saboreando a guloseima e trocando sorrisos com a
brincadeira.
— Gostei, espero que meu desejo se realize logo, uma vida depende disso.
— Hum, então foi algo muito importante, que responsabilidade você jogou
num brigadeiro, não acha?
— Sou um homem de negócios, tudo é muito intenso para mim, fique
sabendo.
— Intenso?
— Yes, intense!
Assim como as palavras, o ar trepidou, minha pele pinicou e um calor
vulcânico consumiu o interior do carro.
— Tenho que ir. — Em fuga, abri a porta.
— Júlia, espere. — Ele se inclinou enquanto sua mão buscou minha nuca e a
trouxe para perto. — Tem certeza de que está melhor?
— Sim…
— Um beijo inocente na bochecha?
— Não!
— Não?
Minha fraqueza tem nome.
— Eu prefiro na boca.
Beijei ele num ímpeto, me alimentei daqueles lábios por alguns minutos.
Como era louco, surreal, maravilhoso. Não podíamos negar que algo nos
comandava sempre que estávamos perto. O desejo queimava depressa e, porra,
era fraca o suficiente para relutar às minhas vontades, e esse homem era
proprietário de todas elas. Somente ele era capaz de desbravar a relutância que
congelou meu coração depois da traição. Ele, só ele. O beijo subiu de estágio,
consumando a tensão do encontro horas mais cedo, as mãos buscavam cada
palma de pele, mas ele não desfrutaria de nada além da minha boca, sendo assim,
interrompi o beijo e amparei seu rosto nas minhas mãos.
— Obrigada por hoje.
— Nossa, realmente funciona o lance do brigadeiro. — O safado riu e eu
também.
— Até amanhã, Ricky.
— Até amanhã, Júlia.
19 | Júlia Sales

— Está pronta? — perguntou Orion.


— Não.
Ele gargalhou debochado.
— Para de rir, Orion. — Dei um tapa leve em seu ombro. — É sério, estou
muito nervosa.
— Júlia, está tudo certo, lembre-se, eu revisei. As informações estão corretas
e você ainda adicionou comentários importantes. Relaxa, vai lá e entrega. —
Tranquilizou-me enquanto apontava para a porta, eu olhei na direção, temendo o
calabouço torturante.
— Ok, eu vou…, mas tem que ser agora?
— Sim. Vai, agora! — ele ordenou, depois sorriu, fazendo uma figa como
sinal de sorte.
Assenti e fiz o sinal da cruz antes de trilhar o trajeto até a entrada.
Segunda-feira era o dia mais tumultuado no andar do Marketing, entrega de
resultado e novas estratégias de vendas tomavam o cérebro da equipe, e esse
início de semana não foi diferente. Todos queriam de alguma forma mostrar
serviço para o CMO que, segundo a Raica (que fez questão de apurar alguns
fatos), só vinha ao Brasil uma vez por ano.
Tá legal, a notícia não caiu tão bem e o café perdeu o sabor.
Por sorte, ele estava em reuniões externas, o que permitiu direcionar toda a
concentração nos últimos detalhes do relatório exigido pela Ellen.
— Júlia, let’s go.
Bati à porta e escutei um “entre”. Então, entrei.
Ellen estava sentada atrás da mesa de vidro, plena, importante, assim como
impunha sua posição.
— Concluiu? — ela inqueriu, mas não me destinou seu olhar, permaneceu
trabalhando no seu Macbook.
— Sim.
— Só um instante.
Somente o barulho das teclas soava na sala, o que me deixou um tanto
desconfortável, não entendi o porquê; mas não me encaixei no ambiente. Estar ali
era como experimentar de uma dose forte do perigo, não me sentia segura no
mesmo ambiente que a Ellen, sentia que a qualquer momento algo poderia
acontecer e não era bom. Sabia do seu envolvimento com Ricky, ela
aparentemente não sabia nada sobre mim, e isso não eliminava a admiração que
senti desde o primeiro momento que a executiva se pôs empoderada ao seu cargo
diante dos meus olhos. Ellen, assim como eu, era atraída por ele, cada uma na sua
superfície. Ela, porém escreveu uma história, pelos detalhes que Raica colheu no
andar, eu por outro lado, mesmo evitando, só desfrutei de alguns momentos e
depois da sua partida só restariam recordações.
— Cadê? — disse ao me encarar.
— Sim, claro, aqui. — Entreguei a pasta. — Fiz alguns comentários para dar
mais vazão à pesquisa e…
— Ok — cortou seca e jogou a pasta sobre a mesa. — Pode ir.
Ah?
Engoli uma certa revolta, que consumiu a uma parte da minha existência, e
falei:
— Caso tenha alguma dúvida, estou à disposição.
— Ellen… você… — Ricky nos interrompeu quando entrou sem bater e nos
encarou, confuso. Ellen soltou uma arfada de ar visivelmente irritada, eu em
compensação paralisei um tanto hipnotizada. Jesus, ele estava usando um colete
azul-marinho da mesma cor da calça, camisa branca com os dois primeiros botões
abertos, sem gravata e sem terno. A composição sexy dos cabelos negros e olhos
castanhos avelãs acelerou meus batimentos cardíacos.
Que sacanagem, ele ficou ainda mais bonito.
— Melhor eu… — Pigarreei duas vezes, limpando a garganta. — Melhor eu
ir.
— Tudo bem por aqui? — Ricky indagou para Ellen.
— Claro, por que não estaria? — Ellen respondeu seca. — A Júlia me
entregou alguns relatórios importantes.
— Como vai, Júlia? — O gostoso de uma figa perguntou num tom
profissional.
— Estou bem, eu… — apontei para a porta —, vou sair, com licença.
Alcancei a entrada, espiei novamente os dois e me libertei do calabouço.
Algo dentro de mim gritou: ELES ESTÃO SOZINHOS. E quis me bater de certa
forma, não podia sentir ciúmes, não queria ser refém desse sentimento
mesquinho. Não, três vezes não. Não me encaixo naquele quadro. Ricky ia
embora em poucos dias, e tudo não passaria de um sonho.
— Júlia, tudo certo? — Raica apareceu de súbito. — O que faz aí parada?
Ah? Não dei um passo que me afastasse da sala.
Cretinos pés desobedientes.
— Café.
— Como?
— Preciso de café, Raica. Me acompanha?
— Claro, girl. — Ela franziu a testa. — Tudo bem? Parece um pouco
nervosa, deu certo a entrega com a chefa?
— Sim… — murmurei e pisei firme na direção da copa.
— Júlia, espera…

Contei para a Raica alguns detalhes dos últimos acontecimentos, não


comentei nada sobre Hélio — esse assunto era um gatilho horrível, e pretendo
manter a sete chaves essa parte podre da minha vida. Ricky, domingo e brigadeiro
foram os motivos do surto da preta. Quase precisei colar sua boca para que o
andar inteiro não soubesse dos meus pecados.
— E agora ele está lá na sala da poderosa chefona? — Ela colocou um
pouco mais de café na sua xícara. — Quer mais café, ciumenta?
Encarei-a perplexa.
— Não sou ciumenta.
— É, sim, ou então por que estaria brava?
— Não estou brava, mas vou ficar se você não parar de falar…
— Agora a senhora está brava comigo? É isso?
— Estou, você me irrita, às vezes, fique sabendo.
A filha de uma boa mãe gargalhou debochando de um ciúme que não existia.
Não é mesmo, dona Júlia?
— Fontes seguras da recepção me contaram, em juramento, que o
relacionamento maluco dos dois acabou — falou insinuosa.
— Ele vai embora, amiga, esse detalhe não combina em nada com essa
informação. — Sorvi meu café, era o melhor que tinha a fazer, não ia embarcar
nessa ilusão.
Meus momentos com Ricky não passariam de fictícios em poucos dias.
— Você e o Lucca? Rolou beijo?
Enterrei o assunto Walker, bastava de tortura.
— Tá bem. — Levantou as mãos em rendição. — Lucca, mudança de pauta,
quem sabe no sábado na UP role aquele clima digno de sexo selvagem e eu
coloque pra fora a minha tigresa interior e o arranhe inteiro.
— Já estou shippando o casal, hashtag RaLu. O que achou? — Ela franziu a
testa e bebeu um gole de café. — Fofo, vai?
— Muito fofo. — Mostrou a língua em reprovação. Eu achei fofo e
realmente torcia por meus amigos. — Prefiro essa… hashtag Júcky — A infeliz
gargalhou.
— Que horror…, parece mais Chucky. — Fiz careta.
— E a sua hashtag de milhões, amada. Até parece título de romance
Amazon: “O bilionário e a estagiária”, hein? — Ela subia e descia as
sobrancelhas. — O que achou?
Fiz uma bolinha de papel e lancei na cara debochada.
— Achei uma merda — gargalhamos juntas.
Raica é igual às pedras naturais, consegue nos energizar, transformar nosso
humor. Cinco minutos com ela era capaz de iluminar meu dia.
— Agora, Jú, relaxa, você está bem tensa, há algum outro probleminha que
queira compartilhar?
— Não, Raica e você?
— Olha, Jú, liguei para minha mãe ontem e ela não atendeu, acho que eu e
Renan viramos órfãos — minha amiga murmurou e senti o quanto suas palavras
rasgavam sua alma. — Mas tudo bem, é vida que segue.
— Não é bem assim, consigo sentir o quanto está triste.
— Triste não, ferida, são meus pais, amiga. Como assim eles simplesmente
apagaram essa parte?
Nem sempre recebemos deles o que precisamos.
Se ela soubesse o monstro que tenho como pai, talvez estancasse um pouco
sua dor.
— Eles têm os motivos deles, apesar de lamentáveis. E você e o Renan têm
um ao outro para trilhar novos caminhos, acredite, o universo recompensa aqueles
que semeiam amor, minha avó sempre dizia isso pra mim como se fosse uma
oração. Vocês vão superar, não será fácil e tampouco da noite pro dia, mas vão.
Fora que eu tô aqui, chata, irritada, mas sempre de braços abertos para um
abraço.
— Ah, Jú, quero apertar você.
Ao entrar na WIS conquistei meu sonho e ganhei uma amiga.
Sou muito sortuda mesmo.
Esquecemos que estávamos em horário de trabalho, e ficamos um bom
tempo entregue no aconchego uma da outra, até…
— Meninas! — Ouvimos a voz da porta.
Nos soltamos, secamos rápido as lágrimas e encaramos Orion.
— Aconteceu alguma coisa? — ele inqueriu, andando na nossa direção.
— Não aconteceu nada, fique tranquilo — tranquilizei, porém ele pareceu
não acreditar. — Obrigada por se preocupar.
— Então… — Raica iniciou recuperando a energia na voz. — Hoje temos
uma comemoração de início das aulas, no Retrô-Chill, os dois estão convidados.
— Eu topo — Orion disse animado. — Você vai, Júlia?
— Não tenho certeza, mas até o final do dia aviso, se eu for.
— Certo. Vamos trabalhar, Jú. Senão o Orion vai dar aquela bronca educada
de sempre.
— Espera, Júlia, me faz companhia num café?
Franzi o cenho um pouco confusa, pois Orion me olhava meio molenga, sei
lá.
— Eu acabei de tomar e…
— Só um? — insistiu, sorridente. — Pode ir na frente, Raica.
— Opa, até mais. — Raica curvou os lábios, meio atônita e saiu.
Ele fixou seus olhos em mim e os achei intensos demais para o meu gosto.
— Café então? — improvisei.
— Deixa que eu sirvo você. — Manuseou a cafeteira com agilidade e eu
respirei fundo. Que porra de sensação esquisita fluía na copa. — Como foi com a
Ellen?
— Foi normal. — Dei de ombros. — Entreguei e saí, sem considerações! Ela
não permitiu.
— Sei que está tudo certo — declarou. — Com açúcar?
— Não, puro. — Ele movimentou as têmporas e me entregou a xícara. —
Júlia, você… É talentosa…
Num gesto inesperado, ele levou para trás da minha orelha uma mecha solta
do meu cabelo.
— Obrigada, Orion — agradeci, sem jeito.
Ele está? Não.
— Você realmente é especial, acho que a maior aposta da WIS no momento
— falou e sorveu seu café.
Ok! Senhoras e senhores: ele estava flertando comigo.
Droga.
— Orion. — Ricky apareceu do nada, não adentrou, permaneceu onipotente
estático, na entrada, nos mirando, sério. Gélido. — Preciso de você na minha sala,
agora.
— Claro, Júlia já nos…
— A Júlia também.
Me engasguei com o café, que quase desceu errado.
— Júlia? — Orion perguntou pegando a xícara da minha mão. — Você está
bem?
— Sim, só me engasguei — esclareci.
— Aguardo os dois — Ricky praticamente esbravejou ao sair.
— Alguém de mau humor hoje — comentei, pegando um guardanapo e
passando no meu braço com respingos de café. — Será que aconteceu alguma
coisa?
— Provavelmente, Ricky não é um cara ríspido, nunca foi. — Ele me
avaliou rápido. — Tá pronta?
— Sim.
Atravessamos o escritório às pressas, óbvio que estava apreensiva, não tinha
ideia do que se tratava e muito menos o que justificou a rispidez do chefe. O
homem que me deixou em casa na véspera certamente não era o mesmo de agora
há pouco. Orion bateu à porta antes de nos colocarmos para dentro. Tentei
disfarçar as lembranças intensas que aquele escritório, agora com a decoração
impecável, provocava em todo o meu corpo, ocultei no rosto sereno o quanto
fomos lascivos dentro dessas paredes.
— Sentem-se, por favor — ele pediu. — Não vou oferecer café porque
vocês estavam bem servidos na copa — cuspiu amargo, e só então nos encarou.
Estreitei os olhos, descontente com o novo Ricky. — Ok, Orion, preciso de algo
grande para a publicidade nacional, reúna sua equipe, trabalhe com algumas
ideias e repasse para mim.
— Farei isso agora, Ricky — Orion respondeu prontamente.
— Júlia, você tem alguma ideia? — O executivo recostou na cadeira, cruzou
os braços e me encarou como se…. estivesse puto da vida comigo?
— Eu?
— Sim, você — reforçou.
Orion segurou a minha mão e disse:
— Pode falar, Júlia, caso tenha alguma ideia.
Os olhos nublados caíram para o gesto, e depois voltaram-se ainda mais
nebulosos para os meus.
— Sim, fale, Srta. Sales.
Retraí.
Ricky se tornou um desconhecido com esses novos traços rudes que
transformaram sua feição. O que havia diante de mim era um chefe ranzinza.
— Na verdade, eu tenho — iniciei, tornando-me confiante. —Talvez
possamos fazer um flash mob na universidade.
— Flash mob? Nossa, Júlia… — Orion arregalou os olhos, aparentemente
impressionado com a ideia. — Podemos incluir os influenciadores, ficaria ótimo.
Não disse, você é muito talentosa…
O ranzinza limpou a garganta e soltou um pouco brusco os cotovelos sobre a
mesa, o que intuiu Orion liberar minha mão.
— Ok! Gostei. Produza. Orion, quero uma amostra até quarta-feira.
— Faremos por videoconferência, então?
— Videoconferência, por quê? — Quis saber, me intrometendo entre os
homens.
Eu e minha boca grande.
— Ricky viaja para o Sul amanhã — respondeu para mim e voltou-se para
Ricky. — Fique tranquilo, vou trabalhar com a Júlia na ideia e repassar para a
Celly da publicidade.
— É só, obrigado. — Impenetrável, ele desviou para o computador, se
fechando ali. Deduzi que era hora de sair, mesmo assim, sondei com disfarce seus
olhos castanhos, tão diferentes do que eu os conhecia, e só encontrei frieza. —
Júlia — Ricky chamou um pouco antes de eu cruzar a soleira com Orion. —
Orion, pode ir, obrigado.
O homem encarou o outro um pouco desconfiado, enquanto eu permaneci no
meio da tensão.
— Com licença — Orion sumiu finalmente.
— Ricky, tudo bem? — Meu tom o alcançou com a intimidade conquistada
desses dias.
— Sim, tudo ótimo — ele afastou a cadeira, se levantou e se aproximou com
as mãos nos bolsos. — Eu que pergunto, como você está?
Ainda impenetrável.
Semblante trancado.
— Bem — murmurei, tendo a visão completa do seu corpo cobrindo o meu.
— Você não parece estar de bom humor hoje.
— Impressão sua, Júlia. — Ele passou as mãos pelos cabelos. — Talvez
devesse diminuir o café, acho que passa muito tempo na copa com aquele cara.
— Ah? O Orion? — indaguei, chocada. Ricky estava com ciúmes? Ah, não!
— Você acha que…
— Não acho nada.
— Ricky…
— Júlia.
Expulsei o ar com força.
— Meu Deus, pare com isso…
— Não estou fazendo nada.
— Sim, está fazendo essa cara aí… — indiquei seu rosto —, de bravo e
autoritário.
— Como disse, é impressão sua, efeito da quantidade de café que anda
tomando. — Ele semicerrou os olhos. — Com. Aquele. Cara.
Absurdamente se corroendo de ciúmes, e poxa vida, meu coração saltitava
como uma criança.
— Não exagerei no café. E você está com ciúmes do Orion — joguei.
— Não estou com ciúmes — ele rebateu e deu as costas colocando as mãos
na cintura. Mas num rompante voltou-se novamente. — Não sou homem de ter
ciúmes, só constatando que a senhorita é muito aberta às amizades, como posso
dizer… generosa.
Cruzei os braços me sentindo ofendida.
— Você quis dizer… oferecida?
— Você que está dizendo. — Ele subiu o tom.
— Eu? — bufei, furiosa com tom, a conversa e, principalmente, sua
fisionomia ranzinza. — Algo mais a acrescentar? — Ergui minha sobrancelha que
mais um pouco alcançava a raiz do meu cabelo.
— Não!
— Então com licença, Ricky Walker.
— Toda, Júlia Sales.
Pisei firme, saindo furiosa da sala do chefe mais prepotente do mundo.
Merda, o que há com Ricky? Quando atingi minha mesa, Orion estava à minha
espera, falamos um pouco sobre a ideia do flash mob, reunindo em seguida os
cabeças da publicidade para iniciar uma reunião na sala master que nos custou
toda a parte da tarde.

Ricky
— Você está bem? — Ellen perguntou e se acomodou na cadeira da frente,
me mantendo sob aqueles olhos que mais pareciam o oceano.
— Sim, por que, pareço doente? — falei irritado. Porque estava irritado.
Muito irritado. — Os contratos — referi-me aos papéis em sua mão, esse era o
motivo dela entrar na minha sala, os malditos contratos.
— Ok. — Entregou os papéis. — Quer almoçar?
— Não — respondi, avaliando a papelada. — Pode ir, assim que finalizar a
leitura, assino e envio a você.
— Tudo bem, chefe. — Ela avançou alguns passos para a porta, mas voltou-
se para mim. — Ricky, olhe para mim. — Soltei uma lufada de ar e olhei
impaciente. — Quer conversar?
— Não, quero ficar sozinho.
Ela uniu as sobrancelhas, mas não insistiu.
— Tudo bem, estou saindo.
Ellen deixou a sala e eu voltei para os contratos, os malditos contratos, fiz o
possível para me concentrar na papelada, contudo nada me conectou, estava
navegando em outros mares, caralho, por mais esforço que fizesse de me
desvencilhar dos pensamentos, mais eles me confrontavam. Nunca fui impulsivo
ou movido por emoções, no entanto, como me portei nessa manhã?
Como um adolescente inconsequente.
Confesso, fiquei emputecido por ver a Júlia tão próxima daquele cara…
Orion — educado e galanteador —, que porra, meu anseio em beijá-la e marcar
território como um lobo caçador por um fio não fodeu com tudo.
Caralho.
Como posso ansiar algo assim? “Marcar território”.
Quando meus planos modificaram sem a minha autorização?
Curtir o momento e seguir em frente sempre deu certo, nada nunca abalou a
mudança de curso. Por que não estou convencido que esquecer é o certo a se
fazer?
Depois dos acontecimentos com o Nicholas, era a primeira vez que me
sentia impotente diante de uma situação. Não nego que em outros tempos as
coisas acabariam naquela noite do escritório, comi a garota — desejo concedido e
viramos a página para não termos problemas. Só que ambas as cabeças
permaneceram ambicionando por mais e manter tudo distante combateu o
racional. Quero a Júlia, mas sei que tenho limites, restrições.
Sim, estou fodido! Literalmente fodido.
Um pouco depois, finalmente, revisei os contratos e solicitei a presença da
minha assistente.
— Ricky, acabei de enviar sua agenda de amanhã — Valéria avisou,
enquanto pegava os contratos. — Seu voo é para às oito da manhã e a primeira
reunião é às treze no hotel.
— Ok, por favor, entregue logo para Ellen, os papéis são importantes.
— Claro, com licença. — Ela avançou para a porta, porém interrompi sua
partida.
— Valéria, um instante, como anda Léo na escola?
— Primeiro da turma Ricky, sempre aplicado, tenho muito orgulho.
— Sei que o aniversário dele é somente na próxima semana, mas… — Abri
a gaveta ao lado e peguei a caixa. — Um presente de aniversário antecipado. —
Entreguei a ela, que tomou nas mãos com um certo espanto.
— Um pouco caro para uma criança, Ricky — falou revirando o pacote.
— Faço questão, manda um abraço para ele.
— Você como sempre mimando o garoto, obrigada. Ajudo em algo mais?
— Não, pode ir.
— Licença.
— Valéria… — A impedi novamente. — Você… quer dizer, por acaso sabe
onde está o Orion?
— Na sala master com a estagiária Júlia.
Pigarreei.
— Sozinhos?
— Acredito que sim, mas não tenho certeza — declarou, atenta. — Quer que
eu verifique? Deseja falar com ele?
— Não, não. Pode ir. Obrigado.
A assistente cruzou a porta e eu massageei as têmporas me julgando um
idiota. Que porra estava acontecendo comigo? Resolvi, por fim, ir para o meu
apartamento, talvez fosse o melhor a fazer, trabalhar longe desse ambiente onde
me sentia estranho podia trazer um pouco de concentração.
— Valeria, vou finalizar o dia no meu apartamento — informei quando
passei por sua mesa e ela assentiu. Olhei na direção do elevador, meu destino até
então, porém um impulso me dominou, guiando-me ao caminho oposto, senti
meu corpo esquentar e uma necessidade desconhecida (muito similar à
necessidade que tenho em respirar) me posicionou diante de uma porta, fechada,
ironicamente fechada. Estiquei o braço para girar a maçaneta, mas repudiei
aquilo. Caralho. Júlia feiticeira, jogando meu autocontrole para o espaço.
Que diabos eu fazia ali?
Dei meia volta rumo ao elevador, alcançando o estacionamento minutos
depois e por fim relaxando no assento do meu carro.
— Um banho e uma taça de vinho, é o que preciso para parar de pensar
nessa merda toda que angustia meu peito — falei pro nada e deixei meu rosto
tombar para o lado a encontro do celular que tocava. A foto de Athos piscou no
visor e soube imediatamente: era com meu amigo que precisava desabafar.
— Fala, seu puto.
— Cara, eu sou policial, mereço respeito.
— Ok, senhor Polícia. O que manda?
— Oh, senhor executivo, vou te dar duas opções: quinze km ou um drink?
— Estou a caminho do meu apartamento, ia trabalhar em casa, porém vejo
uma proposta considerável desviar meus planos, tenho voo cedo, então prefiro
correr.
— Fechou.
Acionei minha playlist e quando The Weeknd e Calvin Harris começaram a
cantar Over Now, entrei no trânsito.

Correr com Athos era uma exposição, o homem que passava de dois metros
tinha um condicionamento físico nitidamente melhor que o meu e parecia uma
máquina mortífera correndo, aliás, enquanto percorríamos o parque do Ibirapuera
igual a loucos em busca de um troféu. Recordei o exato momento em que conheci
Athos, o homem muito similar a um armário entrou na companhia de mamãe,
numa temporada em que ficamos hospedados em Angra dos Reis. Meu pai,
sempre muito obcecado por segurança, nunca permitiu que sua esposa e herdeiros
permanecessem na América Latina sem uma tropa de guarda-costas. E Athos se
tornou o mais fiel de todos. Um tempo depois, quando a barreira das formalidades
caiu por terra, e por termos praticamente a mesma faixa de idade na época,
acabamos nos tornando amigos, numa de nossas conversas regada à cerveja,
mulheres e putaria, ele deixou escapar que tinha o sonho de cursar Direito e ser
investigador federal, pois tinha uma missão na terra. Claro que na época,
comentei com Sara, que o tratava como um filho. Não demorou e ele ingressou na
universidade se formando como primeiro da turma.
— Chega, Athos — falei, ofegante, apoiando as mãos nos joelhos. — Cara,
corremos vinte km.
— Tudo isso? — Ele socou de leve meu ombro. — Não achei que você
chegaria a tanto, estou orgulhoso.
— Sério? Vai se foder, Garbo.
Andei adiante para observar o lago, escorei na cerca e ele parou ao meu lado.
— Parece melhor.
— Você também.
— Sim, precisava, voltei de uma investigação delicada que envolve crianças,
cenas que não me deixam dormir.
Encarei ele.
— Nossa, cara, pesado.
— Sim, é. — Ele deixou seus olhos pesarem sobre as águas tranquilas. —
Em breve vou iniciar a investigação da minha vida, quem sabe depois disso, não
case e tenha filhos?
— Oh, casar e ter filhos? Grande passo para quem não consegue dormir com
a mesma mulher duas vezes.
— Não posso me dedicar a uma família agora, Walker. Esse é o motivo de
evitar paixões — murmurou e se sentou no gramado, acompanhei ele. — Agora o
que impede você?
— Eu o quê?
— De pedir a Ellen em casamento e ter uns bacuris de olhos coloridos.
Gargalhei, jogando a cabeça para trás.
— Quer perder o seu parceiro de putaria?
— A putaria continua, é só chamar.
— Não estou apaixonado pela Ellen.
— Como não? Vocês trepam há anos, cara. Assume a moça.
— Acho que é isso, só trepamos mesmo. Nada além.
Athos inspirou e voltamos para o lago.
— Quanto tempo você fica no Brasil?
— Tenho uma viagem para o Sul amanhã, volto no sábado, depois tenho
mais uma semana aqui, antes de embarcar para a Califórnia. Pretendo ficar uns
dois dias com a minha mãe, volto a embarcar, rumo à Europa, tenho várias
reuniões por lá e assim segue a agenda enviada hoje pela Valéria.
— Irmão, boa sorte. Tem um lado bom nesse início de agenda, as gaúchas,
bah, são gostosíssimas.
— É, são… — Me escutei dizer sem entusiasmo.
— Ricky, olha pra mim, irmão. — Encarei o investigador. — Tem alguém?
Sim, tem.
Não consigo negar totalmente.
— Eu provei e agora estou viciado.
— A estagiária?
— Júlia, esse é o nome dela, Athos.
— Transou com ela novamente?
— Não. — Ri à toa. — Só tivemos momentos diferentes em que eu desejei
outras coisas, como…
— Como?
— Como ficar perto e acariciar seu rosto, nada mais — revelei. — A Júlia é
uma mulher, além de linda, transparente, obstinada. Quando a toco e vejo seu
corpo reagir, inocente, gracioso, quero protegê-la, mantê-la entre meus braços,
entende?
— Irmão, você gosta dela.
— Talvez, ou… — movimentei a cabeça —, o desafio em tê-la está tornando
as coisas mais intensas do que parece.
— Bom ponto de vista, isso é visão de executivo, o famoso ‘dois lados da
moeda’.
— Não sou um moleque, ainda consigo controlar meus sentimentos.
— Tem certeza?
A pergunta permeou.
Voltei para o lago, agora meio alaranjado por conta do pôr do sol que nos
presenteou com sua beleza no fim de tarde, observei uma família de patos
atravessarem, unidos, alinhados. Athos se afastou por um instante para atender
uma ligação de trabalho. Portanto, sem pensar muito (novidade), retirei meu
celular da capa de braço e liguei para a Júlia. Não demorou muito para que ela
atendesse e iniciássemos uma conversa nada agradável.
20 | Júlia Sales

Estiquei as costas sentido um latejar na espinha “que reunião exaustiva”,


observei o andar quando escorei na minha mesa, quase vazio, deu para contar
duas ou três cabeças trabalhando ainda por ali.
— Júlia, partiu para o Chill? — Orion perguntou logo que me alcançou.
Acentuei o olhar para a sala de Ricky e notei a luz apagada. Talvez ele
tivesse ido embora? Ou o senhor mau humor estivesse em reunião, de qualquer
forma não pretendia falar com ele tão cedo.
— Orion, preciso de um minuto.
— Claro, te aguardo na recepção.
Ele se afastou e eu liguei para dona Ana.
— Alô, mãe.
— Oi, bebê, tá tudo bem?
— Sim, a senhora ainda está no salão?
— Estou, e não sei o que aconteceu, o trem aqui tá lotado, tenho uma fila de
espera gigante, vou chegar tarde, então providencie seu jantar.
— Mãe, vou aproveitar então e sair com minha turma, amanhã iniciaremos
as aulas.
— Bebida?
— Nada que faça eu ter um coma alcoólico. Fique tranquila.
— Então, divirta-se, beijo, bebê.
— Beijo, mãe.
Orion me aguardou na recepção e abriu o seu melhor sorriso quando me viu
chegar, reparei o homem galante e charmoso, que não poupou esforços para atrair
minha atenção durante a maior parte do dia. Trabalhar com ele é um grande
presente, profissional aplicado, experiente, bom no que faz, mas… sempre tem
um mas… Sei bem seu interesse, apesar de gato, não pretendia retribuir, portanto
na primeira oportunidade ia eliminar quaisquer segundas intenções que ele
nutrisse.

Do lado de fora, fomos saudados por uma linda melodia “Irreplaceable” da


Beyoncé, muito bem representa por uma voz suave. O retrô-Chill entupido de
estilos diferentes, emergia uma energia que contagiava conforme percorríamos o
ambiente dançante. Logo ao lado do pequeno palco avistei a turma, alegre,
vibrante, abastecendo as mãos com garrafinhas de cerveja entregues pela
garçonete Eduarda.
— Chegueiiiiii — gritei, surpreendendo a todos.
— Ah, demorou, garota — Raica falou e colocou a mão livre na cintura. —
A reunião rendeu, Orion?
— Muito, mas teremos sucesso. — Ele virou para mim e piscou.
Raica segurou o braço do homem, levando-o mais próximo dos outros.
— Rapazes, esse é meu chefe gato, Orion. E esses são Lucca, que trabalha
conosco na WIS, Renan, meu irmão, e seu namorado Théo.
Os homens se cumprimentaram.
— Oi, senhores — brinquei, beijando o rosto dos três mosqueteiros
entretidos na cantora. — Quem é?
— É a Tricy, Jú, já mencionei ela pra você — Renan lembrou. — Ela canta
muito.
— Estou vendo, e fora que é linda.
— Linda igual a minha amiga Júlia, a quem vou roubar por alguns minutos.
— Lucca enganchou o seu braço no meu, arrastando-me para o bar.
— Já volto, gente — falei sobre os ombros.
Pegamos duas banquetas pedidas e escoramos no balcão.
— Chill, por favor uma Skol beats — pedi para o chinês do outro lado. —
Lucca, sua cara é suspeita, o que houve?
— Primeiro, como você está? — Ele quis saber, deixando escapar seu
sorriso lindo. — Segundo as notícias, o sucesso pousou nessa cabecinha aí.
— A fonte da informação chama-se Raica?
— Ahaaa — afirmou e deu um gole na sua cerveja. — Ela é apaixonada por
você.
— E você por ela?
Ele balançou a cabeça enquanto sorria.
— Júlia, é sobre isso que preciso conversar. — Me acomodei melhor na
banqueta.
— Pode falar.
Meu amigo oscilou um pouco, voltou a beber sua cerveja, o Chill deixou a
minha garrafinha no balcão e só depois Lucca abriu a boca:
— Eu quero ficar com ela, mas penso em tantas coisas…
Comecei a rir, definitivamente não sou a melhor conselheira para Lucca.
Como posso? Olha a minha situação. Ele estreitou os olhos, não entendeu o
motivo da piada.
— Lucca, nesse caso, não sou a pessoa certa para te aconselhar, a Raica seria
ideal para o seu dilema, mas… — Gargalhei, achando tudo muito engraçado. —
Ela é seu dilema… ha ha ha…
Lucca ergueu uma sobrancelha, completamente confuso com o meu
divertimento.
Enlouqueci, literalmente.
— Júlia, você está bem? — indagou com um tom sucinto de preocupação.
— Não! Desculpe, estou rindo dos meus próprios problemas. — Fiz um
esforço sobrenatural para prender o riso e segurei o humor. Molhei a garganta
antes de encarar o rosto preenchido de interrogações. — A Raica é muito
especial, divertida, alegre e, pelo que eu percebi, tá na sua, então quais são os
impedimentos da sua parte?
Ele meneou a cabeça.
— Perder a amizade, caso não dê certo.
— Já está falindo algo que nem iniciou?
— Não, mas… sei lá.
— Talvez, depositar muitas fichas seja o problema. — Dei um gole bem
generoso na minha bebida, sentindo a cabeça sacudir com o álcool. — Vou lhe
repassar um conselho que recebi hoje da própria Raica: só curte, deixa rolar.
— Você acha mesmo?
— Sim, Lucca. — Segurei a sua mão. — Só não machuque a preta. Ela,
assim como você, é muito especial pra mim.
Ele assentiu, bebendo um pouco mais de sua cerveja, nos viramos, podendo
assim observar nossos amigos dançando em frente ao palco.
— Ela é linda, né? — perguntei para o babão.
— Sim, é.
— Quem sabe na UP, role?
Lucca ficou pensativo e eu finalizei muito rápido a garrafinha de skol beats.
— Chill, outra. — Mostrei a garrafinha vazia, Chill pediu um minuto.
— Você costuma beber muito? — meu amigo perguntou.
— Não, mas hoje eu preciso. Como disse, também tenho problemas.
— Quer conversar?
— Agora não, o que quero é que você pegue na cintura daquela mulher linda
ali — indiquei minha melhor amiga —, e dance com ela.
— Tudo bem ficar sozinha?
— Na verdade, eu quero.
Ele depositou um beijo na minha bochecha e percorreu rápido o caminho até
a garota, e para completar a comédia romântica iniciou “Best Part” de Daniel
Caesar. Suspirei, encantada com o casal bailando em passos curtos na pista. Chill
pousou sobre o balcão minha bebida, sorvi mais um gole, ao passo que sonhava
com a possibilidade distante de um dia viver algo leve com Ricky, sem termos
tantos “nãos” nos rondando. Meu coração encolheu ao pensar que em poucos
dias não teria mais aquele homem cruzando meu caminho. E tudo que poderia ser
possível entre nós, na verdade, nunca será.
— Júlia. — Orion me trouxe à realidade. — Tudo bem?
Sorri, antes de responder:
— Sim, só pensando.
— Quer dançar comigo? — pediu, sorridente.
— Eu… acho melhor não.
— Só uma?
Ah, Jesus, talvez tenha chegado o momento de esclarecer aquele detalhe.
— Então, Orion, eu preciso falar com você…
Ele interrompeu tocando levemente seu dedo na minha boca.
— Só uma dança, ok, Júlia Sales.
Nessa altura eu já estava sendo arrastada para a pista estreita, com a cintura
entre suas mãos sobressalentes e uma estrutura máscula me cercando toda. Hum…
Fora que a movimentação acelerada resultou num corpo oscilante (bebi rápido
demais), não estava firme como devia.
Tricy iniciou a canção “If I Ain’t Got You” da Alicia Keys, umas das minhas
favoritas da cantora. E me senti obrigada a acompanhar o homem alto, deixá-lo
sozinho na pista, seria deselegante. Orion me envolve um pouco mais, Tricy
cresceu na canção e eu respirei fundo. “Merda” foi o que pensei.
Ele me girou, dando a visão do bar, onde Raica e Lucca trocavam carícias,
sorri feliz e, inconscientemente, encostei a cabeça no seu ombro, meu nariz teve
acesso ao seu pescoço que cheirava muito bem, muitooooo mesmo. Senti quando
suas mãos subiram pelas minhas costas, seguram minha nuca, meu rosto virou
roçando delicadamente na sua barba por fazer, pinicando minha pele, um arrepio
involuntário movimentou meu corpo, a sensação me deixou um pouco indefesa à
sua investida. Quando seu hálito de cerveja pairou próximo à minha boca, um
lapso de consciência me alertou: ELE IA ME BEIJAR, NÃO!
— Não. — Interrompi a parada. — Não posso.
Ele se afastou, meio desconcertado, chocado, talvez inconformado.
Cacete!!!
— Você tem namorado?
— Não — respondi inquieta. — Mas não podemos, trabalhamos juntos e
desculpe, não é legal — justifiquei, o mais claro que consegui. Orion abaixou a
cabeça e antes que levantasse, avancei para a porta.
— Calma, Júlia. Desculpe, eu… — Ele segurou meu braço.
— Tudo bem, melhor eu ir.
Segurei sua mão e liberei o meu braço.
— Hein? Já vai por quê? — interrompeu Raica.
— Bebi demais, melhor eu ir.
— Então vai de Uber — sugeriu a preta.
— Não, vou de metrô, tô bem.
— Posso ao menos lhe oferecer uma carona? — Orion disse com aqueles
olhos molengas.
— Não. — A tentativa do beijo já foi o bastante para essa noite. — Eu vou
de Uber, fiquem calmos.
— Eu levo você, vou para aqueles lados da zona sul mesmo.
— Vai com ele, Jú. Assim não fico preocupada.
— Melhor, não!
— Júlia, obedeça, aceita a carona, amada.
Raica, quando quer ser persuasiva, não pede permissão.
Tomando nota: Matar a Riaca assim tiver oportunidade.
— Tá bom, eu vou — respondi para ela, quase soletrando cada letra. —
Onde está seu carro?
— No estacionamento da empresa.
Despedi-me de todos antes de acompanhar o Orion até o estacionamento,
estava totalmente desconfortável com seus olhares, salientes, sem disfarce. Orion
foi ousado na investida, no fundo previ que algo assim pudesse acontecer, ele
deixou sinais ao longo do dia.
— Júlia… — Sua mão segurou a porta. — Hoje não posso te convidar para
sair, mas talvez amanhã?
— Orion, nem amanhã. Como disse, trabalhamos juntos e não me envolvo
com colegas de trabalho, desculpe…
Seus olhos caíram entristecidos.
— Jamais prejudicaria você — falou baixinho.
Já ouvi isso.
Seria, quem sabe, a principal cantada do estatuto dos chefes?
— Acredito no seu caráter, não é isso, mas no momento não quero me
envolver com ninguém, pode respeitar?
O homem bonito intensificou o olhar, mas, por sorte, o toque do meu celular
quebrou o contato.
— Um momento… — Fucei na bolsa à procura do aparelho, na tela a foto
do Ricky tirou meu ar. — Preciso atender, com licença. — Afastei-me.
— Alô.
— Júlia, onde você está?
— Por quê?
Ele soltou o ar com força.
— Tudo bem, desculpe, sei que fui ríspido contigo hoje, podemos conversar?
— Ric… — Pausei, cuidadosa, pois pronunciar o nome do CMO seria no
mínimo suicídio. Orion por sua vez disfarçou a curiosidade e olhou-me de
esguelha. — Acabei de sair do Chill e estou indo para casa.
— Posso te levar? Chego em dez minutos.
— Então, vou pegar uma carona com Orion, ele mora nas redondezas da
zona sul, e…
— Como? Você está com aquele cara? — O timbre irado rasgou a ligação.
— É uma carona e… — Tentei.
— Uma carona? Não acredito, que… — O silêncio ocupou uma posição
estranha, só era possível escutar a respiração violenta se chocando com o fone. —
Ok, boa noite.
Ele desligou.
Simplesmente desligou.
Que grosseria.
— Como? Boa noite?
— Tudo bem? — Orion se fez presente.
— Sim, tudo bem.
O que foi isso?
Encarei a tela do celular de queixo caído, completamente chocada com a
atitude rude de Ricky. Pensei em retornar umas três vezes, mas não daria esse
gostinho a ele. Apesar de alcançar o céu um tempo mais cedo, quanto uma certa
ceninha de ciúmes na copa expôs um executivo inseguro e de seu cuidado e
carinho, ao dedicar o tempo mágico no passeio da véspera, essencial para que
recuperasse as energias, pois sabia que tempos difíceis estavam por vir. Ele
verdadeiramente, sabia surpreender, encantar, seduzir. Tal como, decepcionar,
irritar, magoar.
Ainda atônita, apertando o celular como se quisesse destruir o aparelho,
entrei no carro e partimos para a zona sul. Sem perguntas ou olhares salientes do
Orion, bom pra ele. Meu humor estava um tanto agredido. O homem ligou o som,
e graças, se concentrou na estrada, o que me trouxe muito rápido para casa.
— Qual seu prédio? — ele perguntou, assim que virou a rua.
— Aquele azul, logo em frente.
Com gentileza, ele estacionou.
— Obrigada, você foi muito gentil.
— Disponha, e desculpe, eu…
— Esquece — interrompi e beijei seu rosto. — Vamos começar de novo.
— Ok. Até amanhã, Júlia.
— Até amanhã, Orion. — Desci e esperei que o carro se fizesse distante para
entrar no meu prédio.
Mamis ainda não tinha chegado, o apartamento estava deserto, um silêncio
que por muitas vezes precisei, no momento me incomodou. Procurei a água
quente, o vapor, para relaxar o corpo exausto, meus pensamentos…, porra, deu
bug.
Ricky cumpriu sua missão de me enlouquecer.
Finalizei o banho, vesti meu pijama e fui até a cozinha em busca das ervas
de dona Ana, precisava de um chá, urgente. Por fim encontrei erva de São João,
ótima para insônia e ansiedade, preparei rápido e voltei para meu quarto com a
xícara na mão. Sorvi um pouco do líquido quente, antes de pegar meu celular com
esperança de ter ao menos uma mensagem, quem sabe um “desculpe, Júlia”. No
entanto, caí do cavalo. Cogitei ligar para Raica, desabafar me faria melhor, mas
logo descartei a ideia, provavelmente a preta estaria se pegando com Lucca, não
seria eu a ‘empata foda’ dos dois. Sem ter a quem recorrer, dediquei-me à xícara
de chá e mesmo antes de esvaziar a porcelana caí no sono.
21 | Júlia Sales

Digamos que o andar estava um pouco agitado na manhã de terça, o trabalho


parecia ter se multiplicado, pois nunca vi o povo correr tanto, meu padrinho
delegou tanto coisa que mal pude almoçar, o que fez a minha cabeça latejar ainda
mais, não havia bebido igual a uma descontrolada na véspera, de modo que não
compreendia a ressaca. Raica irradiava felicidade depois das carícias trocadas
com Lucca. Orion, como um bom cavalheiro, não tocou no assunto e me tratou
como se nada tivesse acontecido.
Ricky, porém, não entrou em contato e eu estava muito brava com o
executivo para dar o primeiro passo, até porque… o que tínhamos? Ainda estava
confusa com esse envolvimento, essa atração, afinal Ricky e eu éramos uma
enorme interrogação. Ou na melhor das hipóteses, para ele, um joguinho de
conquista. Mesmo teimosa, jurando de dedinho não me importar, meu coração
espremeu com sua viagem, os últimos dias regados com sua presença trouxeram
um ar de contos de fadas para minha vida, e por mais que quisesse ignorar, a
distância, o silêncio e, sobretudo, a frieza ríspida, causaram no meu peito um
ardor intragável.
Evitei isso durante esses dois anos.
Evitei sentir ou me importar com qualquer coisa que não fosse meu objetivo:
WIS UNIVERSITY CONECT.
E o Ricky, com um olhar, modificou todo plano traçado.
— Júlia — Orion chamou, olhei por cima do computador.
— Sim, já estou enviando o e-mail, cinco minutos, prometo — assegurei,
enquanto digitava.
— Não é isso, tenho uma novidade — ele lançou um sorriso que ocupou
todo seu rosto. — Tá preparada?
Estagnei e arregalei os olhos, então ele revelou:
— A Isa vai ser a musa do flash mob.
— OI?
— Sim, Celly fechou com o agente dela no primeiro horário. Enviei para
você a lista dos influenciadores contratados de acordo com cada segmento e
profissão, somente estética que ainda estamos em dúvida, estão três no páreo, dê
uma olhada e veja se você segue alguma das influenciadoras de maquiagem e me
dê sua opinião, ok?
— EU?
— Sim, dona Júlia, agora o e-mail. — E assim ele foi.
MEU. PAI. AMADO… vou conhecer a Isa.
Ahhhhhhhhhh!
Trabalhei um pouco mais feliz, era muito revigorante ver de perto como o
mundo da publicidade acontecia, as etapas, o fervor e, por fim, o resultado.
Coloquei a minha mente no automático e não deixei que um certo CMO
penetrasse. Tal como a aflição relacionada ao bandido, que aliás não enviou mais
nenhum bilhete como aviso de sua possível soltura, mamãe e eu ficamos por ora
tranquilas, mas em alerta. Segundo o advogado amigo de mamãe, ele não tinha
previsão de receber liberdade, nada era certo, o diabo quis como sempre nos
amedrontar. Instantaneamente essa confirmação devolveu o sono de dona Ana,
que esqueceu os remédios por um tempo. Esse capítulo de terror, por enquanto,
estava sob controle, mas algo no meu íntimo avisava que era por pouco tempo,
tinha um pressentimento que as coisas mudariam em breve. Quem sabe o excesso
de cansaço confundisse meus sentidos? — preferi pensar assim.

Primeiro dia de aula; não sabia descrever o quanto estava feliz, andei pelos
corredores como uma caloura deslumbrada, me preparei tanto para viver aquela
emoção que era impossível não transparecer a satisfação com lágrimas. Diferente
de outras universidades, a WIS UNIVERSITY MADE IN BRASIL, tinha um nível
elevado, 99% dos alunos eram ricos ou milionários, o que fazia muitas coisas
serem ridículas e incomuns quando sabíamos a realidade do nosso país e as
dificuldade dos brasileiros, com um litro de óleo custando dez reais. Era estranho
testemunhar um mundo diferente e ostensivo, uma garota vestindo uma calça de
três mil reais ou segurando uma bolsa de dez mil reais, quando muitos
batalhavam vinte e quatro horas por dia para ganhar suado um salário-mínimo
que sustenta uma família inteira. Não estou julgando, só me senti esmagada nesse
novo universo, enquanto observava os arredores analisando os grupinhos de
milhões.
— Ah, passeio de iate no final de semana… — Uma garota passou por mim
conversando com sua amiga.
“Passeio de iate…?”
Claro que sim!
— Júlia? — Raica chegou de repente e logo capturou minha expressão. —
Tudo bem, girl?
— Ahaaa. — Dei de ombros. — Eu só estou degustando do sabor que é
realizar um sonho. Sabe, Raica, eu sonhei com esses corredores durante o ensino
médio inteiro, então acredite, mesmo que esse alto padrão me assuste um pouco,
nada consegue tirar a sensação prazerosa do meu peito. Estou na WIS!!!
Raica gargalhou e seu rosto ganhou o mesmo brilho.
— Estamos na WIS, miga…
Minha visão ficou um pouquinho embasada.
— Jú, sem mico de chorar no corredor, não quero iniciar meu ano letivo toda
borrada — ri e colhi rápido a lágrima que não se contentou e rolou pelo meu
rosto. — Então calma, respira, relaxa, novinha… Então calma, respira, relaxa
novinha… tchu tcha, tchu, tcha… — Raica cantou um trecho de funk, brincando
também com o ritmo. — UP sábado, novinha, estou tão ansiosa.
Estiquei os lábios lentamente.
— Ah, Jú, vai ser legal.
— Tá… não vejo a hora — falei e abri um sorriso falso.
Ela deu um saltinho de entusiasmando, mesmo sabendo que eu não estava
nada empolgada para o rolê do final de semana.
— Pegou seu plano de aula? — perguntou e seguimos na direção da sala.
— Sim, estamos juntas em quase todas, preparada?
— Sim. Adeus sociedade, adeus mundo, adeus pênis, me esperem, estarei de
volta daqui a cinco longos anos, formada e bem-sucedida — narrou dramática e
se aproximou para cochichar no meu ouvido. — Jú, já conferi, tem muitos paus
de ouro por aqui, estamos bem servidas — ri e dei um soco de leve no seu ombro.
— Pare de ser vadia, Raica — repreendi a safada.
— Ah, espere, a novinha já tem um pau bilionário, não é mesmo?
— Filha da mãe — sibilei. — Aula!
Dei as costas para a engraçadinha e entrei no auditório.
Um dia depois…
Passei toda a manhã ajustando o material da reunião de apresentação que
teríamos por vídeo conferência com o CMO, embora estivesse exausta e muito
apreensiva, afinal minha ideia seria a pauta principal da reunião. Um encontro
com Ricky, mesmo que em vídeo, inquietava o meu coração. O novo homem que
se revelou — talvez ciumento, mas certamente insensível —, não me agradou.
Não como aquele que apareceu de repente na porta do meu prédio e segurou a
minha mão em meio ao meu desespero emocional.
— Orion, tudo pronto, quer que eu prepare a sala? — sugeri com o conteúdo
em mãos.
— Júlia, então… — Ele meneou a cabeça. Oscilando. — A Valéria,
assistente do Ricky, já fez isso, não se preocupe.
— Então vamos. — Chequei o horário no celular. — Temos dez minutos,
correto?
— Júlia, o Walker… — Ele pausou e olhou diferente. Achei estranha sua
expressão opaca. Algo errado piscava ali. — Então…
Ajustou a gola da camisa, se movendo sem necessidade na cadeira. Ah? O
que estava acontecendo? Semicerrei os olhos a espera da explicação.
— Orion, o que houve?
Ele mirou meus olhos, engatilhou as palavras e disparou de uma só vez:
— O Ricky não quer você na reunião.
— Não? — perguntei e quase tombei na mesa ao lado. — Por quê?
— Somente a diretora.
“Somente a diretora?”
Ricky não seria capaz de…? Mesmo sabendo o quanto eu esperava por esse
encontro. Minha ideia era… não… ele, não.
— Desculpe, eu lamento…
Orion fugiu do contato, iniciando algo no seu computador. Bem provável
que minha expressão tenha entregado o quanto estava ferida.
— Ah, entendi, eu sou uma estagiária, tá certo — murmurei fraca. — Com
licença, vou ao banheiro.
Orion assentiu, desconsertado.
Corri na direção como se aquilo me custasse a vida, segundos depois me
tranquei em uma cabine que ficou pequena para tudo que corroía o meu peito.
Como pode as coisas mudarem de tal modo? Sua atitude insensível, egoísta,
capaz de anular qualquer imagem perfeita que eu tivesse construído dele. Ele não
tinha esse direito, ou melhor, ele tinha esse direito como chefe.
Desgraçado.
Ele é o dono, tem o poder na palma das mãos, não é mesmo? Mentiroso…
ouvi de sua própria boca que jamais seria prejudicada na WIS, ele viu em meus
olhos o quanto tudo isso aqui é importante para mim. Minha mãe estava certa, o
lado frágil é o primeiro a romper.
Ricky é um mentiroso, um maldito mentiroso.
Totalmente dedicada ao trabalho levei a semana, as junções entre setores
iniciaram e pude presenciar algumas gravações, tietei influenciadores dos quais
era fã, tirei muitas fotos e o meu Instagram começou a bombar de novo. Orion
não me deixou fora de nada, me manteve conectada — como o chefe especial e
solidário que era —, sua atitude amenizou a decepção dos dias anteriores.
Na WIS UNIVERSITY fiz algumas amizades, ao contrário de Raica que já
estava entre os populares. A minha melhor amiga não conseguia passar batida por
lugar algum, conquistou os ricos com seu papo, beleza e bom humor.
— Oi, Jú — Renan saudou e sentou-se ao meu lado. — Uma vitamina, por
favor — pediu para o atendente da lanchonete da universidade.
— Oi, Renan, intervalo?
— Sim, exausto. — Ele observou os flyers que eu avaliava com atenção. —
Trabalho?
— Sim, alguns materiais que estou estudando, procurando erros.
Meu amigo pegou um papel entre tantos e estudou com atenção.
— Encontrou?
— Vários, erros de destaques ou letras que não encaixam com a marca,
também cores, muita coisa — falei segura.
— Garota, tem certeza de que está no primeiro ano de publicidade? — ele
perguntou divertido e pegou sua vitamina na bandeja do atendente. — Obrigado
— agradeceu ao rapaz.
— Renan, tive muita sorte de trabalhar com o Orion, o cara é um crânio.
— Sim, minha irmã chegou a comentar. — Ele sorveu sua vitamina antes de
falar. — Realmente valeu a pena todo esforço, né? Estudamos tanto para estar
entre os vinte e cinco, e hoje estamos aqui, na melhor universidade do mundo.
Somente por isso que não acredito em sorte — não que ela não exista ou não
aconteça em alguma ocasião —, mas trabalho e esforço são reais para mim,
valorizo cada madrugada em que tive que aprender o que o ensino público não fez
questão de ensinar. Foram muitos os “é muito concorrido” ou “talvez uma
universidade mais viável". Possivelmente, se tivesse escutado, hoje não estaria
saboreando meu sonho. Lembro-me de uma palestra logo no final do cursinho,
regida pelo mentor Jair Almeida, ele segurou duas sacolas plásticas populares de
supermercado, uma furada na parte de baixo rente ao lixo e outra intacta, pegou
duas bolinhas de papel e relatou:
“É assim que vocês devem direcionar os feedbacks na vida, os construtivos
coloquem na sacola da vida, a que acrescenta, a intacta. Os destrutivos joguem
na furado e os destinem direto ao lixo, pois nada neles acrescentará no seu
desenvolvimento. Isso os fará soberbos? Não! Pelo contrário, vocês verão que o
fluxo maior será o da sacola furada, garanto.”
Nunca esqueci dessa mensagem, como nunca me deixei levar pelos
desaforos que meus tios fizeram ao longo da minha infância.
— Sim, merecemos — concluí, tirando-me do torpor das recordações.
— Amanhã, tudo certo para a UP? Théo já reservou tudo.
— Hum, posso desistir? Dormir para mim seria ótimo.
Ele fitou descontente.
— Nem pense, garota. Levo a senhorita amarrada se for necessário.
— Tudo bem, eu vou. — Seu sorriso não coube no rosto charmoso. Passei a
admirar Renan desde o dia infeliz no seu apartamento, o garoto de dezoito anos,
apesar da rejeição, não demonstrava fraqueza, e sim, uma força capaz de inspirar
qualquer um. — Renan, seu pai, falou com ele após aquilo?
Por um longo instante, seu olhar pairou no líquido laranja do copo.
— Não, e nem quero, você viu, ele queria me matar.
— Talvez estivesse muito nervoso para chegar a esse ponto. — Minha
intenção não era suavizar a atitude do pai, presenciei naquela sala um ato
ofensivo, não esqueceria jamais as palavras injustas proferidas pelo homem de
olhos perturbados.
— Júlia, não justifica, agressões verbais ouço desde os onze anos, na escola,
nas festas em família, já escutei tantos absurdos que não consigo nem comentar,
agora agressão física, não. Ele passou dos limites.
— Sua mãe nessa história?
— Não tenho, nunca tive, meu pai falou, ela acatou e seguimos o bonde. —
Senti o amargor no relato.
Nossa, deve ser uma barra passar por essa descoberta de sexualidade sem o
apoio dos pais. Não me vejo sem a participação da minha mãe nos detalhes da
minha vida. A baixinha é brava, mas nunca me negou colo, sempre esteve
comigo. Provavelmente sem a presença de mamãe, nunca, nem em sonho, a WIS
seria possível.
— Que barra, Renan — segurei sua mão —, estou aqui para qualquer coisa,
tá bom?
— Eu sei, Jú. — Ele ergueu minha mão e deixou um beijo doce no dorso. —
Obrigado.
— Última aula, vamos? — falei recolhendo os materiais que espalhei sobre a
mesa.

Fazia exatamente uns quatro dias que não jantava com a minha mãe, nossos
horários se desencontravam, então muitas vezes os bilhetinhos na geladeira eram
o nosso meio de comunicação, na noite de sexta um cheiro de molho à bolonhesa
atiçou meu paladar assim que abri a porta. Corri para a cozinha e esmaguei as
bochechas coradas da mulher a quem devo a vida, ela sorriu e pediu para que eu
tomasse um banho antes do jantar, fiz tudo bem rápido, pois uma lasanha estava à
minha espera no forno.
Conversamos muito, sobre as coisas boas que estavam acontecendo, tudo tão
mágico, eu na universidade, ela com o salão repleto de clientes, cogitou até em
antecipar as prestações do apartamento, pois o lucro nos negócios estava sendo
exorbitante.
— Mãe, talvez meu salário feche a conta e possamos completar o ano sem
dívidas — falei enquanto lavava a louça. — O que acha?
— Júlia, junte seu dinheiro e compre um carro, será muito útil para você. Eu,
por enquanto, consigo dar conta, caso precise eu aviso, ok?
Assenti, talvez demorasse muito para juntar o suficiente para um carro.
Contudo, sem gastos e economizando, conseguiria em… muitos meses.
Finalizamos a noite com uma barra de chocolate, um pouco de televisão e
minha mãe roncando no sofá. Ajudei a dorminhoca a se acomodar no seu quarto e
enquanto apagava as luzes o interfone tocou.
“Que estranho”, pensei antes de atender.
— Alô.
— Júlia, querida, é o Beto da portaria.
— Sim, aconteceu algo seu Beto? É tarde.
— Não, querida, somente um homem que disse que precisa falar com a
senhorita com urgência, avisei que era bem provável que estivesse dormindo,
porém ele insistiu.
— Qual o nome dele?
— Ricky Walker, querida.
Merda, não.
De acordo com a fofoqueira master Raica, Ricky só estaria de volta à
empresa na segunda-feira. Tempo suficiente para eu eliminar uma parcela da gana
que pesava meus punhos para acertar a cara dele. Portanto, condenei o sorriso que
forçou em aparecer no meu rosto por saber de sua presença no portão e expulsei o
ar com força, antes de seu Beto ser novamente o foco da ligação.
— Diga ao tal homem que estou dormindo, por favor.
— Tudo bem, querida.
Desliguei e respirei, colocando as palmas sobre o peito. Puta merda,
condenei meu coração por reagir por ele. Ele não merece, órgão frágil, se
passaram uma semana e somente agora ele apareceu. Não… mil vezes não.
Deus sabe o quanto me esforcei nos últimos dias para manter a cabeça no
lugar, esquecer os delitos sexuais que andei aprontando em um tal escritório e,
por fim, voltar a viver como uma garota de vinte anos, universitária, sem maiores
emoções. Ricky provou, no final das contas, que ser meu chefe era de fato o muro
de erros que existia entre nós. Eu esqueci esse detalhe, fraca, curiosa, quando me
deixei embalar por sua sedução.
Não sou mais aquela Júlia.
Definitivamente, não sou.
Permaneci, sem motivo, parada encarando o interfone, como se esperasse
uma insistência, uma recusa, um novo toque. Júlia, sua tola… trin… O silêncio
durou pouco, não precisou uma segunda chamada e o fone já estava posicionado
no meu ouvido.
— Oi, seu Beto.
— Júlia, o homem disse que não sairá da portaria até a senhorita atendê-lo,
devo chamar a polícia?
— Não, eu… eu… vou descer.
— Ok, vou informá-lo.
Vesti um agasalho por cima da camiseta, verificando rápido se a calça larga
xadrez era adequada. Calcei meus chinelos a caminho da porta. O elevador
parecia estar à minha espera, entrei e senti meus ombros tensionarem, fiz uma
careta quando meu cabelo desgrenhado quase trincou o espelho, penteei os fios
com os dedos e logo a palavra térreo piscou acima da minha cabeça. Desci e
caminhei a passos curtos até hall, estagnei um pouco antes de atingir os degraus,
o homem escorado no carro, braços cruzados, rosto fechado, vestido de moletom
e jeans entrou no meu campo de visão e paralisou todo o meu sistema. Podia
admirá-lo por horas, babando, ao mesmo tempo que múltiplas reações boas e
ruins transcorriam pelo meu corpo.
No entanto, fui ao seu encontro, certa do que precisava ser feito.
— Ricky, o que faz aqui a essa hora? — cheguei falando.
— Preciso fazer uma pergunta — falou, mas não se moveu, apenas seus
olhos me encararam efusivamente. — Posso?
Ah? Ele veio até aqui para fazer uma pergunta?
— Não — declarei. — Como meu chefe, não devia estar aqui.
— Não estou falando de trabalho.
— Mas eu estou, temos algum assunto pendente, Sr. Walker? Não lembro.
— Por que pegou carona com aquele cara? — ele vociferou, mantendo-se na
mesma posição. Estávamos a três ou quatro passos de distância, talvez fosse
melhor eu me aproximar, ou então amanhã todos do prédio saberiam da minha
vida.
— É essa a sua dúvida? Veio até aqui para isso?
— Uma delas.
Balancei a cabeça puta da vida.
Ele quer me enlouquecer, só pode.
— Não é da sua conta, vai se ferrar e boa noite. — Virei em direção ao
portão, não vou dar satisfação da minha vida para o Ricky.
— Espera, Júlia. — Ele segurou meu braço. — Me responde.
Girei tendo seus olhos como centro.
— Não sou obrigada a responder nada que não seja relacionado ao trabalho.
— Você saiu com ele? — A pergunta veio seca, amarga. — Saiu com aquele
idiota?
— Como assim? Não te entendo, não era você que gostava de momentos,
relação livre? — Joguei os braços no ar.
Ele trincou a maxilar.
— Então saiu com ele?
— E se…?
— Sem sarcasmos, Júlia.
— Pense o que você quiser.
— Ok. — Seus olhos escureceram. — Foi o que imaginei.
Ricky liberou meu braço e, antes de entrar no carro e bater a porta com
força, permitiu que eu lesse seus olhos, havia algo diferente, inédito, pairando no
castanho intenso, não sei… mas me perturbou assistir sua partida.
22 | Ricky Walker

Noite de sábado.
Em quarenta e oito horas ultrapassei limites que até alguns dias atrás me
afastaram de problemas, sempre simplifiquei tudo, tive liberdade desde a
faculdade sobre a área na qual ia atuar. Depois, com as viagens, a instabilidade
trouxe em vários momentos muita diversão e, quando queria me sentir de certa
forma em casa, era a Ellen quem eu procurava. Portanto ao embarcar para o Sul,
em mais uma viagem curta, nada demais, uma entre tantas que ainda farei, o
sabor não foi o mesmo, foi ácido. Estava agitado e a concentração para resolver
assuntos que exigia a minha presença não foi muito latente.
Todos os meus pensamentos e sentidos giravam como uma roleta russa.
Cercado por dúvidas ou algo sufocante que apertou meu peito até eu largar tudo e
voltar. Procurei uma resposta: o que a garota de boca provocante tem para
desencadear meus planos.
Cogitei o fato de outro homem tocar nela e isso causou uma fúria, um desejo
de posse, impulsivo, confuso.
Desleal.
Não consigo lidar com essa ânsia.
Não consigo lidar com esse ciúme.
Que direito eu tinha sob ela? Júlia era livre para sair com quem… Caralho,
só de considerar a possiblidade, minha corrente sanguínea fervia, minha mente
formulava muita merda e meu corpo agia sem controle. Desejava como o maior
dos tesouros a garota entre meus braços, só minha. Desejava que todos os seus
beijos fossem destinados a mim, assim como suas carícias e seus pensamentos.
Enlouqueci, em que momento essa chave virou, em que momento essa distância
passou a incomodar tanto? Permiti que a cabeça pesasse no escoro do sofá,
apertei os olhos recebendo do silêncio da minha casa um pouco de sobriedade.
Não estava acostumado com essa desordem emocional, tampouco com a onda
impulsiva que dominou meu autocontrole esses dias. Precisava de uísque e uma
boa foda… meu rosto tombou para o lado com o bip do celular, a foto de Garbo
piscava na tela, era o que eu precisava, uma noitada de putaria.
— Alô, Athos.
— Fala, irmão, como foi a viagem?
— Trabalho, sem maiores emoções…
— Que merda, nada de bocetas gaúchas pelo visto?
Sorri, nem as gaúchas me atraíram nessa porra de viagem.
— Sem gaúchas, preciso relaxar, hoje é sábado, tem algum lugar novo que
você conheça?
— Irmão, estou a caminho de uma boate, só tem um problema.
— Qual?
— A Ellen vai.
— A Ellen, por quê?
— Sim, nos falamos ontem e você sabe que tenho um carinho por ela, jamais
faria algo sem a sua permissão, mas ela estava a fim de um drink, então a incluí
nos meus planos de sábado, tudo bem?
Crispei os lábios, incomodado com a ideia. Ellen era uma diaba sedutora,
faria o possível para laçar Athos e eu, como nos velhos tempos.
— Por uma condição, mantenha Ellen ocupada, e bem longe do meu pau.
Sabe o quanto ela domina a arte da sedução, e sinceramente, não pretendo voltar
atrás com minha decisão.
— Hum, mantê-la ocupada é extremante arriscado. — Riu canalha. — Ellen
é uma Deusa, irmão, sempre me considerei sortudo, por participar na festinha de
vocês dois.
— Preciso relaxar e quero algo novo.
— Seu pedido é uma ordem, oh, bebezão, tá carente?
— Vai se foder, Garbo.
— Vou te mandar o endereço.
Finalizei a ligação e fui para o banho.
Deloy Brizz, amigo de infância, fez questão de nos receber antes que um dos
seus funcionários nos guiasse para a área vip. Conversamos um pouco sobre o
investimento milionário e arriscado que o americano operou no Brasil no ramo de
casas noturnas. Ousado, revolucionário, inaugurou em torno de quinze boates, só
em São Paulo eram três. A UP localizada em Higienópolis, um bairro badalado
da metrópole paulistana, tem uma arquitetura única, estilo pirâmide, com espaços
sofisticados e alguns secretos para um público eclético. De tudo que conversamos
só o fato dele mencionar seu sócio, tensionou meus ombros.
Puta que pariu, não tenho paz.
— Não sabia que Nicholas estava nesse empreendimento.
— Na verdade, Ricky, seu irmão é majoritário. Ele trouxe toda a ideia e eu
embarquei sem pensar — Deloy sorriu antes de vestir sua jaqueta vermelha.
Olhei rápido para Athos, que passou a mão na nuca.
— Entendo, não tenho muito contato com meu irmão, por acaso ele está por
aqui? — fiz a pergunta pertinente, dependendo da resposta, imediatamente
mudaria meus planos.
Deloy franziu a testa, pareceu confuso com a questão.
— O Nick esteve aqui pela manhã, fizemos uma reunião, depois ele voltou
para o hotel onde está hospedado.
Encarei a Ellen e notei que estava ciente do desembarque do meu irmão no
Brasil. Só não fez questão de me informar.
— Ok, amigos. — Deloy desviou para um rapaz que adentrou no escritório.
— Théo, esses são meus convidados de honra, os trate como reis.
— Bem-vindos à UP — o rapaz alinhado saudou.
— No meu caso, rainha, Théo — Ellen brincou.
— Claro, linda rainha, tenho que ressaltar.
— A mais linda de todas, deixa eu ver. — Deloy observou as mãos da
mulher. — Caralho, Ricky, você ainda não colocou um anel nesse dedo. — Riu.
— Ellen, larga esse cara e vem para o meu harém.
— Eu não posso, eu o amo — a mulher declarou e colocou a mão sobre meu
ombro.
Então percebi que teria uma longa noite pela frente, nos despedimos do
amigo e seguimos Théo, o promoter da boate.
— Senhores, vou deixar um garçom à disposição de vocês, caso queiram
privacidade, peçam para ele mover as paredes e privá-los do externo. Por
enquanto, curtam a visão da pista e, se precisarem de qualquer coisa, me chamem.
O rapaz saiu, e nos acomodamos no sofá, logo o garçom colheu todos os
pedidos, enquanto as luzes se movimentavam por cima de nossas cabeças. O
intuito era relaxar, porém saber que estava na boate do meu irmão, que
provavelmente poderia aparecer a qualquer momento, não me trouxe nenhum tipo
de tranquilidade.
— Ellen, por que escondeu de mim? — disse, próximo ao seu ouvido. —
Sabia que o Nicholas estava no Brasil.
— Bem, Ricky, não sou sua secretária, então não senti a obrigação de
informar. Outra coisa, o próprio avisou que você estava ciente
— Relaxa, Ricky, viemos para nos distrair e cara, vai chegar o momento que
esse ódio tem que acabar.
— Pode ser. — Descartei a tensão, era muito para uma noite. Peguei meu
uísque servido pelo garçom e tomei um gole. A boate é magnífica, admito, meu
irmão tem talento para o ramo, no início cheguei a duvidar. Nicholas estava
possuído por ódio e se afastar dos negócios familiares soou como uma vingança
ou uma forma de punição. Porém analisando esse espaço, não tem como negar,
meu irmão cresceu e se tornou um grande empresário. — De qualquer forma, ele
fez um ótimo trabalho — comentei.
— Maninho, a boate é fantástica.
— Nick é fantástico, muito mais divertido que você, Ricky — a mulher
falou, e laçou meu pescoço com os braços. — Vamos dançar?
Observei alguns morangos na taça da Ellen.
Morangos!!!
— O que você está bebendo? — perguntei.
— Um coquetel de morango, bebida de adolescente. Preciso estar inteira
para enfrentar meu pai amanhã, então não vou de algo mais forte.
— Seu pai, no Brasil?
— Sim, de barba e bigode. Mas não quero falar sobre isso. — Ela deixou o
olhar cair para a bebida, enquanto movia os canudos nos morangos. — Athos,
como é ser vizinho desse chato aqui?
— Arriscado, talvez envelheça alguns anos com sua chatice. — O senhor
engraçado gargalhou.
— Temos que marcar alguma coisa, quero conhecer esse apartamento — A
diaba nos convocou para o jogo.
— Ellen, será um prazer lhe apresentar meu cafofo…
Athos permaneceu empolgado contando sobre seu apartamento, mas não
compreendi mais uma palavra sequer, visto que um grupo à frente atraiu toda a
minha atenção, eles riam, ao passo que retiravam da bandeja do garçom suas
garrafinhas, reconheci um dos homens iluminado pelo holofote e de imediato
meus músculos retraíram — Orion. O ar pesou. Contudo, o que cravou meus
passos vorazes na direção foi reconhecer a garota ao seu lado.

Júlia
— Bem-vindos à UP — Théo exclamou durante o percurso que fazíamos
nos guiando ao segundo andar. — Eu amo esse lugar.
— Passei a amar também — Raica falou eufórica. — Nossa, que noite
teremos.
A UP realmente era sensacional, dois andares, três pistas e área vip aberta e
privada, uma arquitetura de milhão, explicitamente destinada aos milionários.
Meus olhos brilhavam como holofotes a cada detalhe que eu contemplava.
— Meus amores, este é o espaço de vocês.
O promoter parou na entrada de uma área vip e um “UAU” repercutiu em
coro.
— Meu Deus, Théo, incrível — falei explorando o espaço. Puta merda, tô
me sentindo muito ricaaaaaa. — Isso vai custar alguma coisa para você? Porque
deve ser caro ficar aqui. — Me preocupei, o espaço além de privilegiado era
muito sofisticado para a plebeia em questão.
Théo riu, ao passo que avançávamos para o guarda-corpo deslumbrados com
a vista da pista na parte inferior.
— Fica tranquila, tenho o controle de tudo, só tem um problema.
— Qual? — Renan se aproximou rapidamente assim que escutou a palavra
“problema”.
— Hoje eu tenho que cuidar pessoalmente de dois camarotes, um de uns
americanos e outro de amigos do chefe, não consigo dar a vocês atenção e muito
menos aproveitar a noite, me desculpem.
— Tudo bem, amor — murmurou Renan e abraçou o namorado. — A ideia é
ficar bêbado e se acabar na pista, quem concorda levanta as mãos?
— EU!!! —Resposta unânime.
— Hey, cunhado, trabalhe e a gente se diverte — a preta zombou dele.
— Gentileza é seu nome, Raica — ele piscou. — Então peçam, o garçom de
vocês é aquele ali. — Indicou o homem gato vestido todo de preto parado
próximo à entrada. — Aproveitem, vou escapar quando puder.
Théo conversou um pouco mais com Renan e saiu quando foi requisitado em
outro lugar. Não nego que passei o dia indecisa em vir ou ficar em casa, mas
quem disse que a tropa permitiu que a Netflix namorasse comigo essa noite? O
look estava ousado, optei por um vestido preto rendado, curto, frente única com
um decote V ressaltando meus seios, completei com sandálias altas vermelhas,
um coque, pois se pretendia dançar até me acabar, já deixei o cabelo preso, uma
maquiagem digna de Oscar e uma bolsa clutch vermelha que peguei emprestada
com a minha mãe combinando com a sandália.
— Raica, vem cá. — Puxei o braço dela, nos afastando dos outros. Aliás,
minha amiga estava impecável num tubinho amarelo, sandálias da mesma cor e
com os cabelos volumosos que tanto amava. — Por qual motivo a senhora não
avisou que Orion viria?
— Amada, não houve tempo, ele me ligou altas horas para falar de você, e…
— De mim?
— Sim, Jú. O cara tá na sua, encara isso como um…
— Um? Um o quê? — Inspirei avistando problemas. — Um problema,
Raica, não tenho cabeça para nada, já tinha conversado com ele, deixei claro que
não estou na pista, mas parece que ele esqueceu, olha como me olha… —
Indiquei com a cabeça o homem que alternava sua atenção entre a conversa com
os rapazes e meu corpo.
— Com cara de cachorro. — A engraçadinha riu.
— Não é engraçado, achei que a noite era nossa, mas agora estou
desconfortável.
— Júlia, trabalhamos com ele.
— Eu sei. Só que na empresa é diferente.
— Girl, se não quer nada com ele, não vai ter nada com ele. Ponto final. Não
é o meu caso, quero tudo com Lucca e terei tudo com ele. — Ela suspirou.
— E cá pra nós, o moço arrasou no look — comentei e viramos para
examinar Lucca. — A preta tá babando.
— Amada, a única coisa que penso é o que tem debaixo dos panos e
especificamente o tamanho do instrumento que a boxer guarda.
— Hahahaha, você consegue diluir todos os meus problemas. — Abracei-a.
— Te amo, Raica, saiba disso.
— Eu também te amo, Jú, mas quero que saiba que estou excitada agora.
— Afê, Raica, para de ser vadia. — Soltei a assanhada. — Respira, a noite
está apenas começando, vem, vamos participar da conversa dos homens.
— Quer apostar que é sobre futebol?
Colamos no trio e, para a nossa surpresa, falavam sobre viagens, fiquei
impressionada, Lucca conheceu a Itália se aventurando como mochileiro (que
tudo), um dos meus sonhos depois de conhecer os Estados Unidos era morar na
Itália. Quem sabe quando finalizar a graduação faça uma loucura assim? O
garçom serviu nossa bebida e aproveitamos para admirar a pista na parte debaixo,
fervendo, o DJ era realmente um fenômeno.
— Boa noite.
A voz áspera parou meu coração.
— Ricky — Orion exclamou surpreso. — Que coincidência encontrar você.
— Também acho. — Ainda que o ambiente estivesse pouco iluminado,
conseguia ler perfeitamente sua expressão. — Como vão todos? — perguntou
para os demais.
— A Júlia e Raica, você já conhece.
— Tudo bem, garotas?
Raica disfarçou e beliscou meu braço, movemos nossa cabeça atônitas.
— Tudo bem — respondemos em sintonia.
— E esses são Lucca e Renan, talvez você não os conheça, fazem parte de
outras áreas da WIS.
Ricky cumprimentou os rapazes com um aperto de mão.
Lucca e Renan se entusiasmaram com a presença do chefe, sorte a minha,
pois não conseguia disfarçar que estava a ponto de explodir. Provavelmente era
um teste do universo, de todas as coisas possíveis que poderiam acontecer,
encontrar o Ricky na boate era surreal. Sua estrutura física capturou meus olhos
por alguns segundos, tempo suficiente para mandar meu autocontrole para o
espaço.
Que provação é essa?
Raica reparou meu desespero e me afastou dois passos para trás, enquanto os
outros entretinham a atenção do CMO.
— Girl, disfarça a cara de pânico — ela sussurrou —, ou então os rapazes
vão perceber seu desconforto com o chefe.
— Não estou em pânico. Estou apavorada! Com licença, eu vou ao banheiro
— falei e fugi.
Apressei os passos, precisava respirar ou vomitar, tentei me equilibrar em
cima do salto, passando por várias áreas reservada no caminho, só que uma me
fez parar ao identificar o perfil de Ellen acompanhada de homem — bem
provável que Ricky estivesse com eles. Procurei a placa que indicava o banheiro,
encontrei à frente, segui, entrei, mas não permaneci um suspiro sozinha, Ricky
entrou em seguida e trancou a porta. Naquele momento minha alma saiu do
corpo, pensei em gritar com ele ou sair correndo, só não tive força para nenhuma
das opções, congelei, enquanto seus olhos estudavam meu corpo.
— Meu Deus, você está linda. — Seu timbre, rouco, sensual, misturado com
seu estilo casual, jeans escuro e camiseta justa, causou arrepios e muitas outras
coisas difíceis de relatar. — O que você está fazendo comigo, garota?
Se houvesse distância eu até formularia uma resposta convincente, porém o
executivo já estava na minha frente, ergui meu rosto até então baixo e encarei
aqueles olhos castanhos quentes que faiscavam para os meus.
— O que faz aqui? — indaguei num fio de voz, quase nula. — Por que está
aqui, Ricky, quer me enlouquecer? Responde. Não consigo mais, esse seu
joguinho está acabando comigo, não tenho mais forças pra isso, seu desgraçado…
porque mexe tanto comigo, por me alucina dessa forma?
Ele sorriu de canto, canalha, cafajeste.
Como um maldito gozador.
— Eu te odeio.
— Duvido. — Num ímpeto ergueu-me e habilmente posicionou minha
bunda no mármore da pia. Tirou meu fôlego. — Não acredito em você. — Sem
tempo de me situar, ele abriu minhas pernas num movimento bruto e se encaixou
entre elas.
— Não sou sua.
— Não teria tanta certeza. — Suas digitais deslizaram lentas pela extensão
da minha coluna, cravando na minha bunda. — Não consigo imaginar outro
homem tocando você. Talvez não permita nunca mais que isso aconteça. — Ele
puxou meu quadril ao encontro do pau duro dentro do jeans e minhas pernas
fecharam-se ao seu redor oferecendo a calidez do meu sexo. — Olha o que faz
comigo. — Esfregou a ereção com maestria só para que eu degustasse o quanto
estava tomado de desejo.
Gemi, choraminguei, excitada, possuída por puro tesão.
— Ricky, estamos no banheiro, alguém vai bater a qualquer momento.
O executivo segurou meu rosto, olhos revelando muita coisa, boca salivando
por um beijo.
— Que forme uma fila do lado de fora, ou derrubem a porta, tanto faz, nada
e nem ninguém vai me afastar de você antes que eu faça uma coisa.
Ele moveu minha boca com o polegar, deslocando ao seu comando os
pequenos lábios desejados.
— O que fará comigo? — inqueri alheia a sua promessa.
— Vou devorar a sua boca e depois… — seus olhos deslizaram venerando
meus seios aguçados, exposto no decote atrevido —, seu corpo inteiro vai sentir
minha boca, vou marcar cada curva para que não reste dúvidas a quem pertence
cada gemido que sai da sua boca.
Selvagens, famintos, sedentos.
Nos beijamos, nos engolimos, nos comemos. Na indecência visceral de
nossos lábios, era cada vez mais maluco e descontrolado o impacto. Ricky, a
razão de todos os meus erros, o pecado que sempre confessava não cometer, mas
que em circunstâncias lascivas rendia-me aos seus desejos. Desejos esses que eu
partilhava com louvor, ajoelhava e implorava por seu deleite.
Era uma tola, uma tola ébria.
Desejava.
Pertencia.
Mas sabia dos riscos que corria sempre que me rendia.
Meu corpo queimava, conforme a boca que quase não permiti desgrudar da
minha, explorava úmida minha carne, me afastei o suficiente para me arreganhar
expondo seu banquete, a calcinha que ainda existia, pinicava minha intimidade
que pingava de tesão, queria como o ar ser fodia ali, ser comida de todas as
formas existentes pelo homem que me levava ao delírio.
— Por que faz assim Ricky, bate e depois quer fazer carinho?
Ele soltou o mamilo sensível, lambendo a extensão do meu pescoço até
encontrar o caminho dos meus olhos.
— Sou um babaca.
— Um babaca que faz merda, não é?
Sugou a minha língua, meu queixo…
— Mas você não vai ficar com aquele cara. — As íris queimando em
contato.
— Você está com a Ellen.
— Estou com amigos, Júlia.
— Eu também.
— O Orion não quer a sua amizade. Ele quer você e não vou permitir.
— Por quê? — Corajosa e latejando de tesão eu o encurralei, se havia algo
além dessa febre, que Ricky confessasse. — Responde!
Fui capaz de identificar os músculos tensionando sua face.
— Eu quero você.
— Até quando?
Ele se afastou e o clima, mesmo pulsante entre os corpos, ficou em segundo
plano.
— Não tenho uma resposta pra isso.
Me ajeitei no mármore, antes de me colocar em pé diante dele.
— Você me excluiu da reunião, o motivo, ciúmes do Orion? — A feição que
dominou meu rosto transformou a dele.
— Estamos falando de trabalho agora?
— Sim, ele sempre estará entre nós, não vê?
Seus pés percorreram o espaço amplo, com outro tipo de fervor.
— Quis me afastar quando soube que você estava com o imbecil.
— Você quis se afastar, ou você me afastou injustamente? Não, Ricky, como
pôde? Não tinha esse direito.
— Não prejudiquei o seu trabalho, sua ideia foi aprovada, o que queria
mais?
— Estar presente nessa reunião. Você prometeu que nada prejudicaria meu
sonho se nós… — Apoiei as mãos na pia e deixei o rosto pesar, controlando a
respiração que há poucos segundos incitava prazer. Ergui o rosto e o encarei
através do espelho. — Eu não devia, mas acreditei na sua promessa de que meu
trabalho não ficaria entre nós. E olha só.
— Quem está entre nós, Júlia — ele cravou cada passo até parar atrás de
mim, olhos conectados pelo espelho — é o Orion.
Girei rápido sem perder o contato visual.
— Não muda de assunto Ricky.
— Quero você longe dele.
— Tá louco, trabalhamos juntos. — Espera! Ele quer o quê? — E quem é
você para me exigir algo assim?
A fisionomia ganhou novos traços e seu maxilar se moveu de um lado para o
outro.
— Alguém que… Eu quero você. — A voz soou intensa demais para que eu
não me apoiasse na pia. Apesar do meu ventre estremecer com a intensidade, meu
raciocínio não me abandonou.
— Um capricho! É o que sou para você nessa temporada que ficará no
Brasil, Sr. CMO? Um capricho? Uma aposta? Uma conquista?
Ricky pressionou as pálpebras e, mesmo sem ter talento para ler mentes, eu
decifrei cada linha nova de sua feição que respondeu aos seus pensamentos.
— Capricho? — retrucou, ofendido.
— Sim, capricho — repeti, com o coração esmagado.
Ele balançou a cabeça várias vezes.
— Ok, Júlia, estou cansado. — O ímpeto da distância foi rápido, bem como
o destrancar da porta. — Não sou moleque, volte para seus amigos e pense o que
quiser.
Oscilei entre os caminhos a mim oferecidos e ultrapassei a porta que bateu
com força quando virei o corredor. Não havia mais nada a ser dito e, caso
houvesse, provavelmente nos machucaria ainda mais. Ricky errou comigo, por
causa de um ciúme que não fez questão de esconder, isso não significava que
havia um sentimento. Sua gana por desafios era grande e eu me tornei um quando
não aceitei seu jogo.
No entanto, eu…
Encontrei a Raica no caminho, que arregalou os olhos ao ver o meu estado.
— Júlia, procurei você por toda a parte, o que houve, porque está…?
— Raica, vem comigo. — Segurei sua mão nos afastando dos olhares.
Entramos numa espécie de corredor pouco iluminado e sem fluxo de pessoas. —
Eu gosto dele, Raica. Não devia, mas gosto, estou apaixonada por Ricky e porra,
estou me condenando por isso, somos um conjunto de erros um para o outro, ele é
meu chefe, falta poucos dias para ele ir embora, e só de pensar na distância, meu
coração sangra, tem noção da gravidade desse sentimento que me sufoca? Mesmo
eu estando puta da vida pelo que ele fez, mesmo eu querendo esmagá-lo por conta
da decepção, nada disso abate o desejo que tenho de ficar com ele, eu… — Cobri
meu rosto com as mãos frias.
— Se acalma, Jú, vem cá. — Seus braços me cobriram e seu peito abafou
meus soluços. — Estava com ele, não é?
— Sim, no banheiro — consegui dizer.
— Imaginei, você demorou, então precisei inventar uma desculpa para os
meninos não fazerem perguntas.
Embora os braços da minha amiga fosse um refúgio revigorante, precisei
erguer-me para olhar em seus olhos.
— Ele foi atrás de mim e, primeiro nos beijamos, depois quase transamos,
para só então brigarmos e finalizarmos com um adeus.
— Adeus? Quem deu o adeus?
— Eu, ele, nem sei — Tentei limpar com as pontas dos dedos a tragédia que
se tornou meu rosto. — Eu não passo de um desafio para ele, Raica.
Ela curvou os lábios, pensativa.
— Por que tem essa certeza?
— Só tenho — Afirmei derrotada.
Obviamente, que Raica não se contentou com a explicação rasa e como uma
irmã mais velha — preocupada e insistente —, quis entender um pouco mais da
conversa do banheiro. A noite pra mim já havia perdido o brilho e cogitei ir
embora, no entanto, uma corda de aço chamada ‘amigos’ me puxou para a pista.
Para os meninos eu disfarcei a indisposição com uma enxaqueca súbita e eles
pareceram acreditar, senão, fingiram muito bem. A pista estava frenética, um
tempo depois me encaixei no emaranhado de pessoas pulando e dançando ao som
de “It Feels Like” do Alok, o suor brilhava minha pele e, finalmente a diversão
me dominou, sorri para os irmãos que dançavam ao meu lado, tinha esquecido
como eram bons momentos assim, o foco nos estudos me privava de coisas como
essa. O clima mudou, Hrs and Hrs da Muni Long, mesmo remixada, colou alguns
casais, inclusive Raica e Lucca que se afastaram do grupo, Théo apareceu e
puxou seu namorado para dançar agarradinho e uma mão tocou minha cintura.
— Júlia, dança comigo? — Girei e encontrei Orion.
— Eu vou beber uma água, Orion, pulei pra caramba, com licença. — Fiz
menção de me afastar, eu sabia seu interesse por mim e dançar agarradinho não
era uma forma de manter distância, porém, sua mão fechou no meu braço me
impedindo de seguir. — Orion não tô a fim, desculpe…
— Júlia, só uma música, e…
— E solta ela. — A voz grave mesmo misturada com a música alta, bateu
potente nas minhas costas e modificou de imediato o semblante de Orion.
Virei e Ricky estava lá, olhos de navalha cravados no homem ao meu lado,
voltei-me para Orion que não se afugentou e ainda por cima deu um passo, o que
o deixou à frente e mais próximo do chefe.
Meu coração parou.
— Por que, Ricky, o que faz aqui?
— Não é da sua conta. — Ricky avançou esbarrando em Orion e tocou meu
rosto com delicadeza. — Tudo bem?
— Ricky, o Orion não…
— Ele tocou em você sem a sua autorização, acho que entendeu o recado —
falou ácido. — Vamos sair daqui.
— Não, Ricky, eu não entendi o recado, pode explicar?
Não sei se era eu que estava atônita com a situação, mas a cabeça do Ricky
se moveu lentamente ao encontro do homem com olhos desafiadores, a pista
estava quente, contudo, o fervor que planou entre eles não era nada bom, ia dar
merda se não saísse com Ricky imediatamente.
— Ricky, tá tudo bem. — Segurei sua mão. — Orion, Ricky e eu temos
parentes em comum e, com isso, temos uma vivência entre famílias fora da
empresa, eu não mencionei antes porque não queria nenhum tipo de privilégios,
somos amigos, sabe. Mas agora que já expliquei eu… vou… diga a Raica, quando
ela voltar com o Lucca, que precisei ir embora. Com licença. — Por sorte pensei
rápido na desculpa, reunindo um pouco mais de força, pois o Ricky dificultou
nossa saída, encarando Orion como um alvo de guerra. — Ricky, por favor,
vamos — quase implorei.
— Ok — anuiu seco e se deixou conduzir.
Norteei nossos passos para fora da pista principal até estarmos em outro
ambiente mais reservado, não sabia bem que espaço era aquele, só queria me
afastar da multidão e, principalmente, da tensão entre ele e Orion, quando
identifiquei que não havia ninguém conhecido num tipo de mini hall com duas
entradas escuras e dois casais concentrados em suas próprias bocas, soltei sua
mão e o mirei com fúria.
— O que foi aquilo, Ricky? Enlouqueceu?
Ele umedeceu os lábios e a pouca luz autorizou um olhar que me despiu
inteira, me desarmou.
— Você é minha, caralho. — Suas mãos grudaram minha cintura erguendo
meu corpo que ele apoiou na parede à frente, minhas pernas fecharam-se no seu
quadril e sua boca respirou meus lábios, enquanto suas palavras saíam cálidas. —
Você é minha, Júlia, entendeu?
Não respondi, só acatei o que meu corpo implorava, segurei seus cabelos e
possuí sua boca com desespero, com apetite. Novamente estávamos no limite,
suas mãos ousadas deslizaram por baixo do vestido, apalpando a carne que
começou a queimar, ele me prensou um pouco mais e deslizou sua língua até
minha orelha, circulando cada ponto da região, fazendo gemidos se despregarem
ávidos da minha boca, quase gritei quando seus dedos escorregaram sem
gentileza por dentro da minha calcinha.
— Tá molhadinha pra mim, linda? — Arfei com o timbre rouco. — Eu vou
comer você aqui, Júlia, não pense que conseguirá escapar desta vez.
— Aqui não…
— Então saia comigo desta boate agora.
Umedeci meus lábios e quase os sangrei de tanto que os apertei entre os
dentes, quando seu dedo circulou meu ânus.
— Eu não posso — murmurei sôfrega. — Ah, meu Deus, Ricky.
O safado deslizou o dedo umedecido com a minha lubrificação, não muito,
mas o suficiente para sentir meu buraquinho sendo invadido, depois apertou
minha boceta com seu pau por cima do jeans.
— Então é aqui que vou saborear você de novo?
— Ricky, não estamos sozinhos…
— Mas podemos ficar e garanto a você, vou foder tão forte essa boceta e
jorrar porra nela e foder de novo e de novo, que talvez seja difícil você andar
amanhã…
Minha cabeça girava ao passo que meu corpo embaraçava, tudo misturado,
obsceno, tentador. Ricky era o ponto do meu descontrole, tudo ruía quando isso
aqui acontecia. Essa brasa que nunca apagava entre nós era capaz engolir o
conjunto de erros que nos separava, que nos fazia enxergar que um nós, mesmo
com data de validade, não seria possível. Só que…, meu coração batia forte por
ele, meu desejo incondicional era ele, então…
— Tá bom, vamos sair daqui — aceitei e o sorriso que cresceu ali nos lábios
marcados com os meus incendiou meu coração. — Quais são seus planos?
— Os piores possíveis — falou cafajeste.
— Ok, aceito esses também, desde que você cumpra os primeiros.
Ele riu e me colocou no chão.
Olhei constrangida para os outros casais ali, enquanto ajustava meu vestido,
identificando que estavam em seus limites e logo o espaço seria pequeno para a
pegação.
— Confesso que vai ser difícil me segurar até chegarmos, mas vai valer a
pena.
Espera, não vamos para o outro lado do mundo, né?
— Chegarmos aonde?
— Surpresa, linda.
23 | Júlia Sales

Ricky, todo enigmático, conversou por alguns minutos com alguém pelo
celular, em seguida, ainda sem mencionar seus planos, me colocou em seu carro
como se eu fosse um presente. O caminho me era familiar, estávamos na direção
da WIS CONECT, peguei meu celular e enviei uma mensagem para Raica,
explicando tudo, e outra para minha mãe. Não estava totalmente segura da
decisão, mas segui meu coração, me permiti viver esse momento ao lado dele, e
depois… não sei.
— Quis matar aquele filho da puta quando tocou em você na pista — ele
rompeu o silêncio, sem desviar sua atenção da direção. — Idiota.
— Você estava me vigiando?
— Lógico, achou que a perderia de vista? — disse simplesmente.
Joguei a cabeça para trás perplexa.
— Nunca tive nada com o Orion. Eu quis provocar você, quando insinuei o
contrário — confessei.
— Ficou claro quando você recusou o toque dele.
— Ele é somente um amigo.
— Só que ele ainda não entendeu isso — oscilou o olhar —, acho que terei
que explicar.
— Sei me defender, Ricky.
— Não tenho certeza. — Sua atenção voltou para o trânsito.
Argh.
Ele tem o dom de me excitar e me irritar, num estalo.
Inalei o silêncio no restante do percurso, evitei olhar pra ele, como eu disse,
uma hora estamos nos pegando e na outra brigando. De qualquer forma, o que
mais me desagradava eram suas nuances. Ricky sabia ser galanteador e
possessivo na mesma medida — sempre no extremo. Na tentativa de eliminar o
clima, ele levou a minha mão para seu colo e a acariciou enquanto dirigia, não
recusei o carinho, mas também não cedi totalmente. Como suspeitei, estávamos a
caminho da WIS, o carro conduzido por uma entrada que desconhecia percorreu
um longo corredor de luzes, até o executivo estacioná-lo numa vaga reservada
com seu nome. Analisei o lugar, era um estacionamento privado, e cada vaga
destinada a um dono, claro que o da Ellen Castiel estava lá, assim como o do
Orion.
— Aqui é um estacionamento privado? — perguntei, durante o trajeto até o
elevador.
— Sim, ele estava em reformas, mas reativamos há dois dias.
Como alguns momentos imprevisíveis são capazes de transformar a nossa
vida. Um olhar no elevador, uma descoberta no jantar do terror, um convite na
saída de emergência, um beijo no terraço, muito tesão no escritório, sabor de
manga e morango, jardim, brigadeiro, momentos esporádicos que me uniram ao
homem de momentos. Por mais inesperado que seja, nunca esquecerei desses
ápices que a vida me proporcionou.
— Então foi por isso que pegou o elevador principal naquele dia?
— Sim, devo agradecer ao engenheiro. — Ele sorriu e beijou de leve meus
lábios. — Talvez não tivesse conhecido você se aqui estivesse funcionando.
Linda, desfaz esse bico, prometo não agir mais como um babaca.
Semicerrei os olhos, duvidando um pouco da promessa.
— Ricky, sem babaquice, tá legal. — Suavizei minha feição. — Vamos
aproveitar o momento, é o que temos agora.
— Não sei o que você fez comigo, mas algo dentro de mim se transforma só
de imaginá-la em perigo.
Pousei minhas mãos no seu ombro e as deslizei pelo seu tórax.
— Estou diante do maior perigo da minha vida, devo ficar ou devo correr?
Ele abriu um sorriso de canto e me puxou para seus braços, seus lábios bem
próximos aos meus, seus olhos castanhos desenhando meu rosto.
— Quem lhe deu duas opções? — Sua língua deslizou no meu lábio inferior
que entreabriu para recebê-la, porém, o bip do elevador virou nossas cabeças. —
Vamos, o Anthony está a nossa espera. — Ele avançou e meu ar saiu forte e
frustrado.
Queria um beijo.
— Aliás, quem é Anthony? — Pisei firme entrando na caixa empata beijo e
arregalei os olhos quando o vi apertar o botão no painel. — Ricky, você pode, por
Deus, por todos os anjos e arcanjos, me explicar por que apertou o andar do
heliporto? — indaguei com a boca seca.
— Surpresa. — SURPRESA!? Ele respondeu zen. Enquanto minhas mãos
ficaram geladas. Sigam o meu raciocínio: se estávamos indo para o heliporto do
edifício, que era alto demais para minha compreensão e tranquilidade, só tinha
uma razão. — Sei que é uma garota corajosa.
Ele riu, a criatura riuuuuuuuu do meu desespero.
— Meu Deus, Ricky — gritei, assim que as portas se abriram e me deparei
com um helicóptero grande, voador, real.
Muito similar a um monstro de sete cabeças.
— Vou roubar a senhorita — murmurou e agarrou a minha cintura me
guiando para fora, por um instante pensei em segurar no apoio e permanecer
segura dentro da caixa metálica. — Será somente minha por algumas horas.
Ok, era um sonho! Um sonho voador.
E qual era o meu maior medo de toda a vida: voar.
Altura.
Altitude.
— Ricky eu tenho medo de altura, não é uma boa ideia, quem sabe não
podemos rever esse plano maluco — tentei negociar, quase à beira de um infarto.
Ele negou. O DESCARADO NEGOU. — Ok, então me conta o destino desse
troço? — Me empenhei em descobrir o itinerário, talvez houvesse uma chance de
fugir.
— Para o paraíso, topa? — zombou.
— De helicóptero?
— É o transporte mais viável.
— Ricky. — Choraminguei.
Ao se tratar de altura, sempre fui medrosa, nas vezes em que me permiti
entrar num avião, um calmante bem forte foi meu aliado.
— Olha… — falou sério dessa vez. — Não sabia desse seu medo, a viagem
é curta, optei pelo helicóptero por ser mais rápido e assim podermos aproveitar
melhor a noite, mas se prefere desistir, eu entendo.
Encarei a máquina e depois ele. A máquina de novo e ele depois.
Inspirei e soltei o ar devagar.
— Tá bem. — Ele voltou a sorrir. — Mas não solte a minha mão por um
segundo sequer.
Ele amparou meu rosto e deixou em meus lábios um beijo devoto.
— Talvez tenha que tirar uma foto para registrar esse momento — A voz
grossa não só nos surpreendeu como nos separou. — É muito bom ver meu amigo
assim.
— Saudade, irmão. — Os homens se abraçaram como amigos de infância.
— Júlia, esse é meu amigo e piloto, Anthony.
Anthony estendeu a mão para um cumprimento simples e sorriu com os
olhos de um tom azul-céu, ergui a cabeça e reparei um óculos aviador encaixado
no bolso direto da sua camisa do uniforme, tais como as tatuagens que fechavam
seu braço.
Caramba, ele era bonito pacas.
— Como vai, Júlia? — falou ele.
Desviei meus olhos para a grande máquina voadora.
— Tensa!
As criaturas fizeram questão de rir da minha cara.
— Será uma viagem rápida.
— E para onde vamos, Anthony?
— Nem pensar. — Ricky não autorizou o amigo a revelar, o que me deixou
ainda mais preocupada. — Garota, como você é curiosa, só confia em mim.
— Sei não. — Abracei meu corpo.
— Júlia, te garanto uma viagem tranquila.
— Ahaaa. — Deixei com eles meu desânimo e caminhei a passos curtos na
direção do monstro de sete cabeças.
Dentro da máquina, mesmo relutante, me acomodei e segui todos os
procedimentos de segurança.
— Júlia, infelizmente, por ser noite, você não vai apreciar a vista — o piloto
comentou.
— Hum, que vista exatamente? — especulei, tentando descobrir o meu
destino. Mas nem assim consegui uma deixa.
— Júlia, é surpresa — Ricky disse e beijou a minha testa.
— Ok. Vamos, Anthony, estou pronta. Espera! — Respirei fundo e fiz o
sinal da cruz cinco vezes. — Agora sim, pode ligar o trem.
Anthony se divertiu com o meu desespero, as hélices começaram a girar, a
máquina a subir e eu perdi a respiração por alguns minutos. Ricky já estava
acostumado com isso, viajava o tempo todo, mas eu, não. Aquilo para mim era o
apocalipse na terra, apertei a mão do homem ao meu lado, quase me fundindo
com sua carne, um suor frio correu minha espinha, uma dor de barriga
movimentou meu abdômen ao passo que o solo se tornava um imenso tapete de
luzes.
Engoli em seco.
— Fica tranquila, Anthony tem muitas horas de voo.
Bem, ter ciência do currículo do piloto não eliminou em nada o medo
absurdo que movimentava meu peito.
— Não sei como as pessoas conseguem relaxar estando acima de tudo.
— Olha, tenta apreciar a beleza surreal que enche sua visão, e se sentir uma
privilegiada por poder observar o mundo de cima, assim como Deus, talvez o
pânico passe.
Esvaziei a caixa toráxica com força, e não tão confiante assim dei um passo
contra o medo, impressionante o quão bela era a natureza. Deus pensou em cada
detalhe ao desenhar o universo, a paisagem abaixo (o oceano) calmo, manso,
negro, contrastava com a luz da lua. Lindo em todas as suas vertentes, era capaz
de nos elevar como um grande tapete mágico. Inconsciente um sorrindo frouxo
escapou, e Ricky logo prendeu-me em seu corpo quando notou o meu mais
sereno. Seu coração batia forte, seu hálito quente vadiava minha orelha e como se
não bastasse, ele sussurrou:
— Assim que desembarcamos, vou pausar o tempo, pois cada minuto ao seu
lado custarão eternos momentos — e assim um beijo doce afundou meu cabelo e
nada mais parecia errado como antes.
Era a primeira vez que me sentia segura e sem culpa.
Era a primeira vez que sentia que havia tomado a decisão certa.
Suspirei e me guardei em seu refúgio.
Em torno de cinquenta minutos depois, aterrissamos.
“Caramba” pensei enquanto descíamos e meus olhos não conseguiram
envolver toda a vista.
— Bem-vinda a Angra dos reis, Júlia — Ricky sussurrou no meu ouvido. —
Meu paraíso particular.
— Angra? Rio de Janeiro?
Ele assentiu e desviou para Anthony que veio ao nosso encontro.
— Obrigada, Anthony. O voo foi tranquilo — agradeci, recebendo um
sorriso do piloto charmoso.
— O prazer foi meu, Júlia.
— Obrigado, Thony, estou te devendo uma — Ricky agradeceu e puxou o
amigo para outro abraço. — Te ligo depois.
— Vou ficar aguardando, amigo. Até mais, Júlia.
— Até mais, Anthony.
O piloto caminhou de volta para o helicóptero, assistimos por uns minutos à
decolagem, até eu ser cutucada pela minha curiosidade.
— Ricky, estamos numa ilha, certo?
Ele virou para responder.
— Sim, a sete quilômetros da costa de Angra dos Reis. Como disse,
considero aqui um paraíso particular, minha infância foi marcada por esse lugar
— declarou, nostálgico, enquanto seus olhos valorizavam tudo ao redor.
— É uma ilha particular? — Quis ter certeza, às vezes sou um pouco lenta.
— Sim, é da minha família.
Ai, caramba!
— Estou na ilha particular da sua família Walker? — Ele assentiu. — AÍ.
MEU. DEUS!
Ricky gargalhou e deu alguns passos adiante.
Eu permaneci imóvel.
Não esperava uma surpresa nesse nível, imaginei tudo, menos algo tão
íntimo, tão chique, tão bilionário, tão... puta que pariu!
— Surpreendi você?
Uau…
— Não, a mim? Imagina, querido! Ilha particular é normal na vida de uma
estudante da zona sul.
Meu executivo lançou aquele sorriso safado.
— Estamos sozinhos aqui, liberei os empregados que cuidam da casa. Então
trate de ficar à vontade.
— Ficar à vontade! Isso soa com duplo sentido para mim.
— Com certeza foi, apesar... — Ele segurou minha mão e me rodopiou. —
Quase infartei quando a vi com esse vestido, gostosa, sexy. — Me puxou para ele.
— O que estava pensando quando saiu de casa vestida assim? Você está linda,
muito linda.
Beijei ele com doçura.
— Obrigada, você também está lindo com esse visual casual, mas confesso
que passei a ter uma tara por ternos e gravatas, o conjunto sexy inserido dentro de
um escritório, é perfeito. Hum… — Circulei o desenho de sua boca com meu
dedo.
— Ternos, é?
— Executivos de cabelos pretos e olhos castanhos, sendo mais explícita.
Seus olhos caíram para minha boca, provoquei, umedecendo-a com a língua.
Ricky anelou, mordeu meu queixo e, num movimento inesperado, me jogou em
seu ombro.
— Vamos subir. — Os degraus já recebiam seus passos.
— Ricky, me coloca no chão agora. — Esmurrei suas costas. — Ai… — Ele
mordeu minha bunda que provavelmente estava de fora por conta do vestido
curto.
O heliporto da ilha localizado na parte de trás da casa ocupava um vasto
terreno, seguimos por um caminho de pedra estilo uma pequena estrada rodeada
por flores. No topo, Ricky pediu arrego e me colocou no chão, de modo que
consegui contemplar, um pouco distante, uma enorme piscina cercada por muitos
coqueiros. Passamos por alguns ambientes abertos com sofás e mesas rústicas,
mas o que me deixou de joelhos foi a casa principal, nunca havia visto algo
parecido, de um bom gosto extremo. Coisa de filme. Sempre soube que a família
Walker era bilionária, seu sobrenome estava entre as famílias mais ricas do
mundo. Contudo, desfrutar de tal fortuna era, até então, estava fora da minha
realidade.
— Ricky, que casa linda — exclamei sem esconder meu deslumbre.
— Minha mãe decorou cada espaço pessoalmente, mesmo que tentasse, seria
impossível te mostrar tudo.
— Sra. Sara Walker, sua mãe é brasileira, não é?
— Sim, paulistana, assim como você.
Sara, a linda brasileira que encantou o americano Robert Walker, em uma
das suas viagens de férias ao Brasil. Tá legal, eu fiz a lição de casa.
— Sua mãe é linda, digamos que a vi pousando ao seu lado em alguma
matéria online.
— Quando pesquisou sobre a minha vida? Profissionalmente, é claro…
Rolei os olhos, sendo magnetizada por uma parede de vidro na outra
extremidade da sala, andei até lá.
Que vista INCRIVÉL!
A ilha inteira abraçada a essa mansão no topo das pedras, o mar, o céu,
minha nossa…, era no mínimo surreal, se não fantástica ao extremo.
— Uau… — suspirei maravilhada. — O que são essas espécies de cabanas?
— São bungalows, alguns são suítes externas e independentes, outros sauna,
espaço para massagem, meditação. Minha mãe reformou algumas áreas que não
estou atualizado. Quem frequenta muito aqui é meu irmão Nicholas, eu quase não
consigo, então por sua causa me dei esse descanso.
— Descansar? — inqueri espantada, ajeitando o decote do meu vestido. —
Tem certeza?
— Está flertando comigo?
— Descaradamente!
— Garota, você é sexy, sabe perfeitamente me deixar aos seus pés.
A impureza daquele olhar me despiu toda.
O safado eliminou a distância nada bem-vinda e tocou a alça do meu vestido,
brincando com a dobra de tecido por alguns segundos.
— Hum, não sabia que tinha todo esse domínio sobre você.
— Posso te confessar uma coisa?
— Se não for um assassinato, ou algo do tipo, pode.
— Talvez tenha matado algumas mulheres de prazer nessa longa jornada de
cafajeste. — Embalou um beijo doce no meu ombro, no pescoço, e na dobra da
minha orelha, para suspirar tórrido no instante seguinte. — Mas nenhuma delas
me rendeu ao desejo como você. — Meu coração, coitado, gritou por socorro.
Tudo dentro de mim abrasou. E aquele olhar…, intenso, apaixonado, ardente. Eu
registrei. Talvez, amanhã, quando só restasse a recordação desse momento, ele
fosse o meu consolo.
— Ricky, eu…
— Não precisa falar nada, não vamos intitular em palavras, só vamos sentir,
combinado?
Aquiesci, meio desconexa.
— Ok, não resisto mais a você.
Outra vez, ele me jogou em seus ombros, carregando-me até a escadaria para
o primeiro andar. Não decorei o caminho que ele tomou pelos corredores, pois
pousei o rosto no seu ombro me embriagando com seu perfume. Ricky empurrou
a porta com o pé e adentrou no cômodo escuro, iluminando-o assim que me pôs
no chão. Corri a visão na suíte enorme, em tons rústicos, cortinas e roupas de
cama claras, um belíssimo quarto. Dali era possível apreciar a lua que não se
resguardou através da porta-balcão que dava acesso à sacada.
— Muito lindo aqui — murmurei, dando alguns passos na direção. — Que
céu!
A noite preenchida por pontos estrelados, refletia como uma grande pintura,
inclusive, o clima de excitação também poderia ser rabiscado em uma tela de tão
tátil que estava. As mãos quentes do homem sexy tocaram meus ombros e
deslizaram suaves até a alça do meu vestido, havia uma respiração sôfrega
ouriçando a carne delicada do meu pescoço. Ricky era capaz de me excitar só
com seu cheiro de homem potente, robusto. Tudo nele carecia de tato, então
ansiava tocá-lo constantemente, porém naquele átimo o deixei embalar.
Como se desembrulhasse um presente, ele deslisou as alças, que seguiram
seu curso junto com a renda, formando aos meus pés um círculo de tecido, um
frescor lúbrico da noite transpassou meu corpo provido de uma única peça,
enquanto seus lábios umedeciam minha orelha com palavras ternas:
— Como poderia ser somente um momento, se meus sentidos e desejos
permaneceram ansiando por você? A desconhecida dos lábios provocantes do
elevador, a garota estudiosa e batalhadora da WIS, a mulher irresistível que
dominou meus pensamentos. — Girei recebendo dos seus olhos além da sua
confissão. — Mesmo se quisesse, era impossível uma única vez. É preciso tempo
para saborear, para me embriagar de você, Júlia.
Não houve tempo para gesticular, seu beijo capturou qualquer que fosse
minha ação, lacei seu pescoço entregando-me a ele e tudo pareceu contrastar,
desejo, fervor, batidas fortes de corações que se tocavam, faltou ar, pois o beijo se
intensificou.
Ricky me ergueu a tempo de eu abraçar com as pernas sua cintura, acarinhei
seus cabelos, mordi seu queixo e estranhei quando a minha coluna tocou o macio
do colchão, relaxei, assistindo-o retirar sua camisa, aquela pele lisinha que cobria
cada musculatura brilhou e quis lamber cada centímetro, porém o homem
pertencente se afastou, juntou minhas pernas esticando-as, uma mão segurou
meus calcanhares enquanto a outra correu obscena toda a lateral até chegar aos
pés, o toque ardeu, tremeu meu ventre, provocou um desejo absurdo.
— Você me provocou esse tempo todo, então estou no limite, mas saiba que
vou foder essa boca depois — o safado falou ao mesmo tempo em que se colocou
entre as minhas pernas, encaixando meus joelhos nos seus ombros e deixando-me
suspensa. — O que eu preciso é me alimentar dessa bocetinha que me fez viciado.
— Ele esfregou a boca na fenda úmida, fazendo minha coluna ondular. Depois
cravou as mãos na minha bunda, apertando, apalpando, estimulando todo o resto.
Sem que eu previsse, ele rasgou a peça e afundou ali, pincelando sua língua entre
os lábios ávidos e exigentes, circulou meu clitóris com movimentou frenéticos,
tirando de mim gritos de prazer. — Hm, desejo muito foder esse cuzinho também
— ele cuspiu na região e depois circulou com a língua. — Essa pérola já foi de
alguém, Júlia?
— Não…
Ele inclinou para me olhar transparecendo o quanto a resposta o envaidecia.
Safado.
— Quero muito ser o primeiro a foder esse cu. — Aquele dedo diabólico
continuou a torturar o meu traseiro. MEU. PAI. AMADO. No segundo seguinte
sua língua escorregou do ponto até minha boceta que pulsava. — Podemos
negociar minha entrada, o que acha?
Gargalhei.
Ricky interrompeu um oral para negociar meu cu.
É isso mesmo?
— Se o contrato for interessante, quem sabe.
— O que quiser, contrato, algema, minha vida por seu cu.
— Hm, talvez tenhamos um acordo — sussurrei instigada com aquilo. —
Continue, preciso degustar o material antes de liberar outra porta.
Ele apertou os lábios.
— Ok, tá certo. Quer gozar, gostosa?
— Sim…
Ele deu um tapa no meu sexo e voltou a manipular a língua entre as dobras,
pincelando do ânus às fendas encharcadas, dois de seus dedos também eram
presentes, penetrando com constância enquanto sua língua rastejava meu clitóris,
ora frenética, ora vagarosa, me levando ao êxtase. Gemi alto. Gozei.
— A canção mais linda de todas, seus gemidos.
Me contorci com ele apertando meu sexo, sugando os fluidos que escorriam
em sua boca.
— Caramba… bom demais.
Ricky era sensacional no oral, praticamente um medalhista na arte de
manipular a língua. Isso me fez pensar que teria que me esforçar muito para
atingir suas expectativas quando chegasse a minha vez de retribuir, pois ansiava
em possuir seu pau inteiro na minha boca. A experiência que tivemos no
escritório desatou alguns nós, não tenho vergonha, como não tive naquele dia de
me entregar a ele. Havia uma intimidade descomunal, que sempre estava
propensa à explosão, nos guiando ao limite e eu estava fascinada com isso.
— Ricky… — implorei.
Imaginei que meu segundo orgasmo viria com o Ricky me chupando
daquele jeito, porém o executivo me surpreendeu quando retirou minhas pernas
encaixadas no seu ombro, empurrou o meu corpo um pouco mais para a cabeceira
da imensa cama e arreganhou minhas pernas o máximo que a minha flexibilidade
autorizou, fiquei órfã da sua boca, mas logo salivei quando o vi tirar a calça, a
boxer e encapar seu pau inchado e suculento. Olhar conectado, corpo queimando.
E não foram necessárias palavras, tudo na gente esboçava devassidão, eu gemia
igual uma cadela, enquanto minha boceta recebia um comprimento viril, gostoso,
que quase não se ajustou ao sexo. Era grande, muito grande. Mas se coube uma
vez, ia caber de novo. Ricky circulou o quadril antes de meter compassadamente,
pressionou uma mão no meu colo, mantendo-me presa ao colchão, trabalhando o
abdômen em um vaivém sem pausas.
— Ah, Ricky... — gritei com a primeira socada forte, que me levou um
pouco mais para a cabeceira, meu executivo riu safado, o suor embaçando sua
pele, na medida que o cacete atingia o meu ventre de tão fundo que penetrava.
— Deliciosa, eu amo essa bocetinha apertada e quente...
Sou tarada por essas putarias cuspidas por ele, não nego. Elas atiçam,
incitam, me capturam para o ambiente indecente que construímos.
— Puta que pariu — seus gemidos roucos me enebriaram. — Gostosa…
Outra.
E mais outra enterrada rápida.
Porra.
Sua pélvis chocando minha intimidade, atingindo pontos sensíveis.
Peregrinei meus dedos ao encontro do meu clitóris e me toquei.
Ricky urrou com a visão que proporcionei a ele.
— Minha putinha gostosa.
Socou meu ventre.
Surrou gostoso.
Comeu minha boceta com força.
Um fastígio violento devastou-me.
Então, gozei.
Grita seu nome.
— Caralho…
O homem gostoso se deitou sobre mim, usando a boca para ir ao encontro de
tudo que podia, soltei gritinhos quando ele mordeu meus mamilos e depois os
sugou como se puxasse seu alimento, permaneceu me comendo durante as
lambidas no meu pescoço e orelhas, até diminuir o ritmo estocando e rebolando
na mesma sincronia do nosso beijo. Abandonou minha boca e minha boceta,
girando meu corpo pra ele.
De quatro era posição.
Ele esmagou as popas da minha bunda, e depois as separou, cuspiu no meu
ânus e judiou do ponto rastejando sua língua em devoção ao que queria. Não
tardou e seu pau afundou violento no meu sexo novamente, suas digitais
marcaram meu quadril, o ritmo imposto por ele me arregaçava deliciosamente
contra sua ereção.
— Você é minha perdição, sua safada gostosa.
Um tapa ardeu minha bunda e incendiou meu corpo.
— De novo.
Ele o fez, mais forte.
E meteu mais fundo, me sacudindo enquanto socava minha boceta com seu
pau.
Abrasados.
Famintos.
Nossos corpos se comiam.
A dança devassa, viciante, queimava tudo.
Voltei a estimular meu clitóris que babava de prazer.
— Nossa…
Contraí seu pau apertando-o com minha musculatura úmida, gemi sem
limites durante o orgasmo intenso, minhas unhas cravaram nos lençóis. Gemi
desesperada. No segundo seguinte, Ricky urrou alto e pude sentir, mesmo seu pau
encapado com a camisinha, o jorro quente do seu gozo. Ele desmoronou sobre
mim e achei que estava à beira de um infarto fulminante de tanto que meu
coração batia forte e meu pulmão expulsava ar.
— Caralho — disse ele, se jogando ao meu lado. — Júlia, que loucura...
— Muita — ri, ainda sem controlar nada, tudo em mim pulsava
descontrolado. — Nossa loucura.
Ele me puxou para um beijo.
Um longo e abundante beijo.
— Quero dar um banho em você, posso? Quero cuidar de você, posso? —
Acariciou meu rosto.
— Cuidar como? — Vire para a mesma posição. — Não sou inocente,
Ricky, nada acontece sem o meu consentimento, o que fez na boate não foi legal,
se caso eu não tivesse inventado uma desculpa, o que estaria passando pela
cabeça de Orion agora?
— Não estraga o momento, Júlia — reprovou, mas eu deliberei, aquilo
estava entalado na garganta.
— E se ele espalhar um monte de mentiras ao meu respeito na WIS?
Ele trincou o maxilar e respondeu sem emoção.
— Ele será demitido e fim da história.
— Não, Ricky, não é assim que funciona.
— Ok, fui um babaca.
— Um babaca ciumento?
Ele sacudiu a cabeça, fazendo um esforço surreal para concordar comigo:
— Certo, um babaca ciumento, sem direito algum pra isso. — Seus dedos
desceram até meu queixo. — Agora, vamos esquecer o mundo exterior e o idiota
do Orion. Vamos para o banho, meus planos com você na hidro requerem tempo.
— Bastou um instante e ele já estava em pé, puxando meu corpo para a beirada
da cama e pegando-me em seu colo rumo ao banheiro.
Logo após dois orgasmos múltiplos na hidromassagem, sentamos na sacada
da suíte, abraçados, de roupão, a vista era um espetáculo por si só, a acústica, algo
sem igual, um silêncio que se misturava com os sons que a natureza emitia. Quis
eternizar aquilo, me manter nos braços de Ricky, enquanto o mundo seguia seu
curso sem a nossa presença.
— Lindo demais — disse ao levantar-me e tê-lo de frente. — Você tem
razão, é um paraíso.
— Durante o dia é ainda mais lindo — ele falou suave, relaxado. Senti uma
felicidade que me amedrontou, tudo tão perfeito que parecia quebrar a qualquer
momento. — Você pode ficar se quiser, passamos o dia e voltamos no final da
tarde?
— Ricky, não sei, minha mãe vai enfartar se souber onde estou e com quem
estou — avisei, demonstrando preocupação. Havia enviado uma mensagem e
claro que não contei a verdade, falei que estaria com a Raica e dormiria na casa
dela. — Se ela desconfiar que estou com você, nem sei.
— Nossa, ela me odeia tanto assim? Não foi o que pareceu na última vez que
nos vimos.
— Eu sei que a velha ficou assanhada aquele dia, mas acredite, recebi um
sermão daqueles depois.
— Fica, vai? — ele pediu baixinho, fungando meu cabelo molhado com o
nariz. — Vai ser difícil te devolver para o mundo, preciso de mais algumas horas
sozinho com você. E de preferência dentro de você.
— Dentro de mim?
— Bem fundo.
24 | Ricky Walker

O sol da manhã começou a invadir o quarto e desde que a Júlia adormeceu


nos meus braços o sono não aconteceu para mim, estava confuso, angustiado, sem
rumo. Havia algo no meu peito, diferente, que fez meus quereres frearem nessa
garota. Júlia, um mistério embriagante, várias caixas dentro de uma só, queria
abri-las devagar e aproveitar cada conteúdo intensamente, sem pressa.
Pela primeira vez desejava isso com uma mulher.
Era complexa essa conclusão.
Ao longo dos meus trinta e três anos estive com diversas mulheres e
nenhuma delas, nem a Ellen, me fez experimentar algo tão puro e louco.
Engraçado afirmar, estava viciado nas emoções que ela me permitia sentir, ao
mesmo tempo que queria proporcionar a ela sensações inesquecíveis, marcar meu
nome, ser único, pleno, insubstituível.
O que me deixava ainda mais perturbado.
Como poderia querer tanto?
De todas as visões que a vida me proporcionou, essa, sem dúvida, é a mais
privilegiada; Júlia, dormindo solene, nua, sensual, marcada em vários pontos por
minha boca, rosto corado, cabelos caramelo espalhados sobre o travesseiro, lábios
com um fio singelo esboçando um sorriso, bocetinha avermelhada pelo uso com o
brilho saboroso de seus fluidos, chegava ser um castigo, apreciar sem tocar.
— Bom dia — sussurrou, com as pálpebras pesadas. — Hummm...
— Bom dia, dormiu bem?
— Deliciosamente bem. — A garota linda espreguiçou. E o meu ar faltou
testemunhando toda a perfeição se abrindo sobre a cama. — O que foi?
— Nada.
— Por que está me olhando assim?
— Só estou registrando a melhor imagem da minha vida.
Ela sorriu envergonhada.
Quando eu virei um romântico incurável?
— Ricky, tenho que ir embora — avisou preguiçosa, não parecia ser o certo.
— Que horas são?
— Não temos relógio na ilha, nem internet, muito menos meio de transporte
para o mundo exterior — brinquei, anulando a distância e sentando na beirada da
cama.
— Engraçadinho, é sério, preciso ir.
Soltei o ar, não convencido da ideia.
— Ok, faremos assim, um banho, sexo gostosinho, café da manhã na praia,
alguns mergulhos, mais sexo só que dessa vez selvagem, um breve passeio e te
libero, pode ser?
— Meu Deus, são muitos os compromissos. — Estreitou os olhos, fazendo
uma careta engraçada. — Ricky, dona Ana é brava, talvez ela envie o exército se
desconfiar que não estou com a Raica.
— Por favor, fique?
— Tá bom — concordou. — Agora, pare de me olhar assim, estou ficando
envergonhada. — Ela cobriu o rosto com as mãos, tímida, gostosa, maravilhosa.
Puta que pariu.
Ficaria horas a fio desfrutando dessa imagem, ainda assim, não seria o
bastante, necessitava colher cada sorriso, cada expressão, cada detalhe e guardar
na memória.
— Não consigo parar, por mais que tente, nunca será o suficiente. Você é
muito linda, muito gostosa, muito inteligente, muito talentosa — puxei seu corpo
para perto —, adoro sentir seu corpo na minha boca… Tem consciência do
estrago que fez?
— Não. Foi tão grande assim?
— Sim, então, te manter nua e de preferência enterrado entre suas pernas, é
um plano perfeito.
Ela ria como a diabinha que era, e me atraiu com dois dedos me chamando
para perto.
— Me beija.
Mergulhou como uma sereia nos meus lábios, o beijo sempre se perdia em
muitas carícias, intenso e lascivo como nossos corpos, entre a busca incessante
que minha boca fazia em cada palmo da nudez, o sol circundou a tatuagem na
curvatura da cintura, já havia reparado o desenho delicado, contudo não com
tanto fascínio.
— Linda tatuagem. — Sublinhei de leve duas borboletas pequenas
alinhadas. — Faz tempo?
— No ensino médio, admiro a trajetória de uma borboleta, acho que percorri
caminhos parecidos. — Voz macia, nostálgica. — Ganhei de presente de
aniversário da Melissa, a maluca me levou para beber e depois paramos na
Galeria do Rock no Centro, rindo igual duas desorientadas sem causa,
escolhemos o desenho, certa do que ansiávamos, e marcamos nossa pele,
prometendo uma à outra que voaríamos alto, sempre juntas, iguais as… — A
recordação acrescentou linhas melancólicas na sua feição, algo ardeu dentro de
mim e me senti um estúpido. — Por fim, já era.
— Um passado doloroso?
Ela maneou a cabeça descontente e apertou os olhos.
— Não, não vou falar sobre isso, desculpe.
Apesar de sentir uma necessidade descomunal de estancar essa dor, pois não
sei em qual momento fui dominado por esse instinto protetor asfixiante, e isso
fodia muita coisa, não estiquei a conversa, sei bem o significado de cutucar as
feridas do passado (elas sangram).
— Banho!
Tratei logo de abafar o clima excruciante.
Joguei minha garota sobre os ombros (minha garota, ok), na missão de
esfregar cada pedacinho da pele ardente, enquanto a água quente nos unia
debaixo da ducha.
— Hum… — Ela gemeu, sentindo na pele a esponja macia que massageava
seus ombros. — Você é muito bom nisso, sabia?
— Sou realmente bom em tudo que faço, mas comer você tem sido o melhor
de todos os meus feitos. — Mordi a pele marcada com algumas pintinhas
delicadas que seguiam do seu pescoço até a ponta do seu ombro direito. Ela virou
e cobriu meus ombros com seus braços.
— Eu não quero ir embora — murmurou. Joguei a esponja ao lado para
afastar alguns fios de cabelo que encobriam seu rosto. — Nunca me senti assim…
— Assim como?
Ela fechou os olhos.
— Tão feliz com alguém.
Trouxe-a para perto e beijei sua testa. Devia ter dito o quanto compartilho do
mesmo sentimento, mas não o fiz, apertei a garota bem perto do meu peito e
permiti que meu coração falasse por mim.
— Ricky? — Ela soprou sob minha pele.
— Fala, linda.
— Posso fazer uma coisinha que tenho vontade há alguns dias?
Encarei-a curioso.
Júlia deixou aquelas íris de cores diferentes caírem para baixo, da maneira
mais sexy que uma mulher poderia oferecer um boquete a um homem.
— Meu pau na sua boca? — Ela assentiu safada. — Agora sim eu acredito
no lance dos brigadeiros.
Ela socou meu ombro.
— Seu pervertido, era somente um pedido.
— Sim, um pedido, por brigadeiro, certo? Fui inteligente o bastante para me
entupir de chocolate no dia seguinte, sei lá pra quem vão esses desejos, mas eles
têm trabalho para o resto do ano.
Ela gargalhou.
— Meu Deus, você não vale um real.
— Disse que sou intenso no que quero, e agora o meu maior desejo é foder a
sua boca.
— Certo, então vamos matar dois pedidos de uma única vez.
Ela piscou com a devassidão sondando seus olhos.
— Olha só, Júlia, sua safadinha diabólica.
Sorriu sem pudor, antes de marcar sua descida, a imagem me hipnotizou por
alguns segundos, sua posição queimou meu corpo, puta que pariu, sou um puto
apaixonado por uma mulher ajoelhada na frente do meu pau. A garota fechou as
mãos no meu membro e não escondeu o fascínio tal como a insegurança, acariciei
seus cabelos e me inclinei para segurar seu queixo.
— Tudo bem?
— Digamos que estou nervosa para retribuir, você sabe…
— Eu seria o homem mais feliz se fodesse essa boquinha logo pela manhã,
mas se não se sente…
— Eu quero — falou decidida, sorri, latejei, enrijeci.
Ela subiu e desceu uma das mãos, soltei ar com o toque sensível, depois sua
língua pincelou a glande saboreando uma gota de prazer. Júlia era uma garota
linda, sexy, porém sua beleza ultrapassou todos os limites quando sua boca
fechou no meu cacete e o engoliu devagar, o olhar não se perdeu do meu,
permaneceu queimando, porra, eu precisei abrir a boca, pois o que seus lábios
faziam me tirou gemidos, diversos gemidos.
— Linda, tá gostoso… muito gostoso — esganicei e apanhei um punhado do
seu cabelo, aquela boquinha macia engolindo meu pau, sua língua circulando
minhas bolas, lambendo o comprimento com empenho, era a visão mais
excitante, não controlei o instinto animal e forcei um pouco mais, mesmo que
Júlia tivesse demonstrado insegurança no início, havia desaparecido
consideravelmente. A garota devorava meu pau e eu o metia profundo ditando o
ritmo. Rugi igual a um lobo quando, sem engasgar, ela autorizou uma enterrada
mais brusca que atingiu sua garganta, foi o ápice pra mim. — Júlia, que boca,
amor… eu vou… — Meu limite estava próximo, fiz menção de me afastar, no
entanto, surpreendentemente ela se manteve ali, disposta a engolir todo o gozo
que jorrei segundos depois dentro da sua boca. — Caralho… assim você me
mata, putinha gulosa. — Ela lançou um olhar teatralmente inocente e, com a
ponta dos dedos limpou resquícios da porra que escorreu nos cantos, sexy e
diabólica, ergui seu corpo e a trouxe para mim.
— Foi bom? — perguntou ainda insegura.
— Foi maravilhoso, que boca gostosa. — Meu polegar desalinhou os lábios
inchados de um tom escarlate. Sem motivo, fiquei enciumado, precisava saber
quantos homens provaram aquela boca. Era idiota, machista, não cabia na
ocasião, mas desejei imensamente ter sido o primeiro. — Vire de costas —
ordenei e afastei suas pernas, dispensando os pensamentos sem sentido, busquei
concentração, meus planos com ela estavam longe de ter terminado.

Dois dos empregados da casa, serviram o nosso café na praia. O dia, para
nosso regalo, estava ensolarado, lindo e quente. Há algum tempo o domingo era
um dia qualquer, não fazia questão alguma de presentear as horas com algo
especial, mas não nessa manhã. Me senti um tolo por não comandar o relógio da
vida e multiplicar aqueles instantes preciosos e únicos ao lado dela.
O papo surgia natural, assuntos diversos, sorrisos espontâneos e carinhos
nunca desperdiçados. Admirava sua simplicidade, nada forçada, tal como a
obstinação pela carreira (nesse quesito éramos bem parecidos). A Júlia ia se
tornar uma excelente profissional, não havia dúvidas.
Entendi e respeitei o receio que Júlia sentia em relação à mãe, então não
forcei muito sua permanência.
Após o café, caminhamos na beira da praia, ela escolheu um biquíni
vermelho (minúsculo, não me impus de modo algum) que contrastou com sua
pele clara, a parte de baixo entrando na bunda empinada, meu amigo, juro que dei
um troféu para o meu autocontrole, estava a ponto de lançá-la sobre a areia fina e
comê-la sob o calor escaldante do sol. Portanto, mergulhar foi um alívio, o mar
nunca esteve tão refrescante.
— Essa gruta era esconderijo meu e do Nick, quando crianças, minha mãe
ficava desesperada tentando nos encontrar.
Uma pequena gruta, um pouco afastada do mar.
Confidenciei um dos meus lugares favoritos na ilha, ali guardei lembranças
da infância e principalmente do meu irmão, dois garotos unidos, amigos, até…
— Realmente deve ter sido uma infância linda, pois o lugar promete.
— Sim, foi — afirmei e apontei para a parede de pedra. — Aqueles palitos
eram as empregadas que trouxemos para cá.
Júlia paralisou chocada.
— Meu Deus, vocês transaram bastante aqui.
Gargalhei, lembrando.
Minha mãe queria nos matar toda vez que um casal de caseiro pedia
demissão, pois Nick e eu já tínhamos aprontado com as filhas.
— Jovens e com fome, essa era a nossa definição.
— Muita fome, pelo visto — ela brincou. E depois me encarou séria,
conforme meu olhar nostálgico a convidou para reviver algumas orgias que fiz
por ali. — Nem pense, pode parar de me olhar com essa cara de esfomeado,
jamais vou entrar nessas estatísticas.
— Nunca, você é especial. — Busquei minha garota, agarrei sua cintura,
beijei sua boca, pescoço, tateei beijinhos pelo ombro. — Muito especial —
sussurrei contra a pele molhada.
— Seu irmão? Trabalha na WIS?
Parei.
— Não!
Júlia logo percebeu a troca de humor.
— Por quê?
— Ele tem seu próprio empreendimento.
— Deve ser incrível ter um irmão, amigo, companheiro como vocês dois.
— Nós… — Me calei, talvez não fosse viável entrar nesse assunto com ela.
— Nos vemos pouco por conta do trabalho, agora… melhor irmos.
Obviamente que fugir do assunto não eliminou a curiosidade da Júlia, a
relação que mantenho hoje com Nicholas não era nada amistosa, portanto, sempre
que mencionavam nós dois um nó se formava na garganta. O tempo (no meu
caso) não curou nenhuma ferida, bem como as lembranças insistentes não deram
trégua. Era revoltante concluir que uma amizade como a nossa ruiu, evaporou
como pó, sem segunda chance ou perdão. Era ainda mais revoltante admitir o
quanto sou o maior culpado por isso acontecer.
25 | Júlia Sales

— Ricky, foi perfeito, obrigada.


— Almoçamos amanhã?
— Eu… não sei…
Ele desligou o carro e se ajeitou no assento para me encarar de um jeito
efusivo.
— Não começa a fugir de mim, vamos aproveitar.
Quando resolvi ceder na boate, melhor dizendo, dar ouvidos ao meu coração
que gritava, fiz duas promessas de dedinho. A primeira: ia curtir o momento
intensamente e a segunda: ia apagar tudo da memória logo que a distância
sentenciasse a nós dois. Se seguisse o plano, não teria erro, não é mesmo? Mas
quem disse que há espaço para o meu lado racional? Quem ditas as regras nessa
parada é o meu coração sonhador, apaixonado e meramente corrompido por esse
homem.
Um sonho; intitulei assim o que vivemos em Angra. Não queria acordar, mas
tinha. Inevitavelmente eu tinha. Por mais me esforçasse a esquecer que Ricky e
eu éramos chefe e funcionária, por mais que tentasse submergir essa realidade, ela
sempre ressurgia como um aviso ou até mesmo como um punhal capaz de dividir
sem falha um limão em duas bandas.
Meu peito doía.
Devia estar feliz, mas antecipei a dor.
O que eu faria com essa paixão dentro de mim quando o Ricky embarcasse
para longe?
Um aperto no peito desolador movimentou meu corpo. Ricky percebeu e seu
olhar se intensificou. Não pretendia confessar a ele meus sentimentos, tudo foi
esclarecido desde o princípio, eu que descumpri as convicções e quis ir além.
Apaixonando-me por ele.
— Fale comigo, Júlia.
— Posso te fazer uma pergunta? Sobre a Ellen?
Ele se surpreendeu por eu trazer esse assunto, a ocasião não pedia esse
impasse, devíamos aproveitar esse calorzinho gostoso, trocar beijos calorosos e
carinhos calientes, mas não…
— Só se você me responder uma curiosidade depois.
Ergui uma sobrancelha, ansiosa, não fazia ideia do que se tratava.
— Combinado.
— Pergunte, então.
— Tá bom, espera... — Inspirei, tomando coragem. — Como era a relação
de vocês?
Ricky recostou no banco, tirou alguns fios de cabelo da têmpora, só então
mirou meus olhos.
— Eu e a Ellen estávamos juntos desde a faculdade, seus pais são melhores
amigos dos meus, então nos relacionamos cedo, nunca levei a sério, também
nunca prometi nada, noivamos sob pressão familiar, só que não dei continuidade,
não achei honesto nem com ela e nem comigo. Tenho um carinho por ela acima
de tudo, então resolvi acabar com qualquer que fosse a nossa relação, ela precisa
de mais, e eu não posso dar…
— Entendi… — Deixei meus olhos pesarem, fato, se não houve com a
Ellen, por que teria comigo?
— Ei. — Tocou de leve meu queixo, obrigando-me a voltar para ele. — O
beijo no escritório, foi uma espécie de despedida, não rolou nada depois. Júlia, eu
sempre estarei ligado à Ellen, ela é minha amiga, meu braço direito no continente
latino, além de termos amigos em comum...
— Eu entendi, Ricky. Só queria compreender melhor. — A voz saiu fraca e
minha alma denunciou a ele como eu me sentia, pois sua fisionomia não negou a
cobrança.
— O que você quer de mim? — perguntou rouco, exigente e então segurou
meu rosto e praticamente violou meus pensamentos da maneira que me olhou. —
Peça.
Você. Você. Você.
Talvez um gênio da lâmpada imaginário conseguisse realizar os três desejos.
Não o Ricky.
Como posso exigir que ele fique comigo? Que seja um namorado comum
para irmos ao cinema, sentar-se no meu sofá de bobeira, passar horas
conversando no telefone. Bobagem. Um CMO importante, bilionário, não largaria
a praticidade por um romance. As coisas eram tão complicadas que, só de pensar,
meu coração disparou; minha mãe, a WIS e o emaranhado de problemas que
teríamos.
Que eu teria.
— Não preciso te pedir nada, as coisas estão claras, Ricky — respondi
finalmente. — Fique tranquilo.
Ele desviou o contato visual e encarou o asfalto a sua frente. Um silêncio
estranho, excêntrico, permeou, então achei melhor me despedir, no entanto
lembrei da sua curiosidade.
— Sua curiosidade? — falei, enquanto pegava minha bolsa no banco de trás.
— Pode perguntar.
— Talvez em outro momento, melhor ir descansar. — Beijou-me
suavemente nos lábios. — Até amanhã.
— Até amanhã.
Desci e estaquei, sofrendo, à medida que seu carro tomava distância.
Um grito travou na minha garganta, as lágrimas apareceram, felizes, tristes,
conturbadas.
Você é intensa demais para esse jogo, Júlia.
Entrei no apartamento, um cheiro gostoso de molho à bolonhesa novamente
me recebeu, logo achei estranho, duas lasanhas em menos de quinze dias, não era
nada normal. Dona Ana estava distraída na cozinha e só percebeu que cheguei
quando bati a porta.
— Filhinha. — Correu para me abraçar.
— Oi, mãe. — Me afoguei no seu ombro e larguei as sandálias e a bolsa.
Apertei tanto o corpo pequeno, que seu coração quase se misturou com o meu. —
Ai, mãe…
— O que houve, Júlia? — Buscou meus olhos, mas neguei o contato,
escondendo-me entre seus cabelos. — Deixa eu olhar para você. — Me soltou à
força. — O que aconteceu?
— Nada, mãe — menti, inutilmente, os olhos que lacrimejavam entregaram
toda a angústia. — Preciso de um banho.
— Nem pensar, vem cá — esbravejou, segurou meus braços e manipulou
meu corpo até o sofá como se eu fosse uma marionete. — Não saia daí, Júlia.
Voltou para a cozinha em passos largos, não prestei atenção no que fez por
lá, caí para o encosto e mirei o teto branco. A cabeça girando, coração esgotado, a
incerteza me instigando a chorar.
Por que não estou feliz?
As sensações fluíram fortes, numa tacada só, meu corpo latejou.
Espremido.
— Júlia, por qual motivo está chorando? — indagou, e então me dei conta da
sua presença. — Fala, meu amor.
Olhei para ela.
— Mãe, eu estava com o Ricky — soltei de uma vez.
Ela franziu a testa.
— Ricky Walker?
Afirmei.
— Você é louca?
Agora a pergunta veio gritada, em pé, em movimento.
— Não grita, mãe, quero conversar, não discutir.
— Quem disse que você pode discutir comigo, Júlia? — Autoridade, esse
era o tom. Portanto quis fugir da sala e me refugiar no meu quarto. — Nunca te
dei tamanha ousadia.
— Mãe, eu estava com ele em Angra, mas acabou, ele vai embora em breve,
e…
— Ele vai embora? — Seu riso saiu nervoso. — Em Angra? Júlia, filha,
tínhamos conversado sobre isso e...
— Eu estou apaixonada, mãe — confessei.
Ela calou-se e sua análise visual atingiu minha alma.
— Um momento... Preciso entender... — balbuciou, tomou ar, o semblante
enfurecido. — Você está se preparando há dois anos para entrar na WIS
UNIVERSITY CONECT. No período de dois anos, eu paguei cursinho, inglês,
espanhol, parcelei contas, nos restringimos de viajar. “Foco total nos estudos da
Júlia, minha filha responsável”. Aí você resolve se envolver com o chefe, mesmo
sabendo que isso pode te prejudicar? Eu fiz tudo para te dar o melhor, para que
tivesse a oportunidade de estudar na melhor universidade do país a nível
internacional. E agora é sobre paixão que quer conversar?
— Mãe, eu tentei desesperadamente ficar longe, mas não consegui — gritei,
chorei, berrei. — Estou perdida com isso.
— Júlia, perdida, curtindo Angra? Jura?
— Eu… — Balancei a cabeça. Não posso com isso. — Ele vai embora, mãe,
na próxima semana e acabou, “foco total nos estudo da Júlia, sua filha
responsável” — informei ríspida, pisei firme, fui para o meu quarto, tirei o
vestido e entrei no banho.
Sabe o ditado “nada melhor do que um dia após outro”?
Minha avó falou uma vez, quando as coisas ferviam na família, entendi que
tudo passa, segue seu curso natural, até mesmo os sentimentos. Momentos
inesquecíveis marcaram a véspera, tudo em detalhes perfeitos, assim como nos
livros. Minhas emoções oscilavam entre os sentimentos felizes e os tristes, estava
esgotada, precisava cessar a angústia no peito e seguir em frente.
Dentro do elevador do meu prédio acionei minha playlist e encaixei o fone
de ouvido: “Irreplaceable” da Beyoncé soou melódica como uma trilha sonora
até o metrô. Aproveitei e reli o material da aula da universidade, me preparando
para um debate que teríamos em sala.
Pisei no andar do Marketing, cumprimentei a recepcionista e fui direto para
minha mesa, nem o Orion, nem a Raica estavam nas suas, deixei minhas coisas
ali e corri para a copa, café era a minha necessidade maior, enchi uma xícara,
sentei-me numa mesa escondida no canto e, antes de sorver o líquido fumegante,
uma voz virou meu rosto rápido demais:
— Bom dia.
Meus olhos de trena, mesuraram descarados o homem perfeito que parecia
ter saído de uma capa de revista; como ele conseguia ser tão lindo pela manhã?
Puta que pariu. Suspirei, engoli a baba e cobicei como uma cadela a composição
escorada no armário a alguns passos de mim — terno azul escuro, camisa branca
sem gravata, cabelos com seu penteado único, sorriso safado e o olhar devorando
a minha alma — bebi um gole do café, talvez assim tivesse força para respondê-
lo.
— Júlia?
— Bom dia, Ricky. Eu estou distraída e envergonhada… e… cheia de
trabalho — gaguejei, ridícula, trêmula. — Melhor eu finalizar isso aqui — ergui a
xícara — e trabalhar…
O safado riu canalha e tudo dentro de mim gritou por socorro.
— Ok, finalize seu café e vá até minha sala, estou aguardando você. — E
simplesmente saiu.
Ok, ele falou “sala”?
Eu e ele.
Ele e eu.
Puta merda!
Quase queimei a língua com o café de tão rápido que o engoli. Antes de
entrar no “recinto do pecado”, acenei para Raica que havia acabado de chegar, ela
franziu o cenho quando percebeu qual era a minha direção, pisquei para ela e
meneei a cabeça, já tendo em vista a chuva de perguntas que viria. Desde a boate
não conversamos, até pensei em ligar e dividir um pouco da felicidade e
incertezas do final de semana, mas dona Ana tirou toda a minha energia.
Bati à porta e quase desisti se Ricky não tivesse aberto e me puxado para
dentro.
— Júlia presente, chefe — brinquei, ele ergueu a sobrancelha, seu perfume
cumpriu a missão de me alucinar, meu corpo já estava entre seus braços.
— Isso foi irônico?
— Um pouquinho… — O safado iniciou a tortura fungando meu cabelo. —
Ricky, não podemos, estamos na WIS — avisei, precavendo, sem pretensão
alguma de arredar.
— Só preciso de um minuto — ele sussurrou, ergueu-me, assemelhando-me
a uma folha de papel com a facilidade que me carregou até sua mesa, sentou-me
ali, abriu minhas pernas e se posicionou entre elas para o meu desespero. —
Consegue ler através dos meus olhos, os absurdos que faria contigo nessa mesa
novamente? — Sua língua desenhou meus lábios.
— Não faz assim. — Arfei, com seu quadril bailando no encaixe, esfregando
aquele cacete acordado na minha intimidade que, porra, já o queria inteiro. —
Não teria estrutura para deixar essa sala, depois que nós…
— Trepássemos gostoso, só para começar o dia?
Ele lambeu toda a cavidade do meu pescoço e eu incendiei inteira.
— Esse escritório é a testemunha principal do nosso pecado.
— A lua, as estrelas, também fazem parte deste júri pecaminoso, não acha?
Um contato cálido conectou nossos olhos, como era possível nos
queimarmos nessa brasa em segundos?
— Dois réus safados é o que somos.
— Ser condenado à prisão perpétua contigo, seria no mínimo um sonho
realizado.
Sorri boba.
Meu coração estava desesperado com tanta paixão, quase gritando o
sentimento como uma forma de aliviar o fervor que ocupava meu peito.
— Embora seja pouco para suprir a fome que tenho por você, um beijo é
essencial para alimentar meu desejo por ora.
Beijo, carinho, paixão.
Cravados, ocultados, consumados, dentro da sala que guardava em
confidenciar um ardor ainda maior, gemidos ternos de satisfação. Sucumbi com a
troca febril das nossas bocas sempre gulosas uma com outra.
Era mágico.
Era quente.
Éramos nós.
— Calma, Ricky… — Interrompi, meu fogo no rabo estava enviando
recados obscenos ao meu cérebro. Era inevitável uma interrupção, de modo que
em segundos estaria de quatro pra ele. — Você é louco, alguém pode entrar.
— A Valéria não permitiria sem autorização. — Acariciou o contorno do
meu rosto e me colocou no chão. — Agora sente-se, dormiu bem? — Circulou a
mesa para ocupar sua cadeira.
— Sim — respondi e ocupei a cadeira da frente.
— Sua mãe?
— Sabe de tudo. — Ricky me encarou com mais atenção. — Contei, não
escondo nada dela.
— Estou correndo risco de vida, então? — disse, zombeteiro, no entanto sua
expressão não levou a isso. — Prejudicou você? Quer que eu faça alguma coisa?
— O que você faria? — indaguei, ele tentou responder, mas se perdeu em
resmungos. — Com a minha mãe eu me entendo.
— Ok, almoçamos juntos? — Ele inclinou e pegou minha mão. — Você
escolhe o local.
— Hoje eu tenho somente uma aula, na verdade um debate em sala,
podemos jantar, o que acha?
— Tudo bem almoçamos e jantamos juntos
Quase perdi o raciocínio, esse homem me enlouquece.
— Ricky, somente jantar.
Ele arquejou e alguém bateu à porta, só para nos lembrar que estávamos na
WIS, recebi o recado, então me levantei de súbito, enquanto a assistente andava
até ele com uma papelada na mão e ar de profissional.
— Desculpe, Ricky, interrompi algo?
— Não, claro que não — antecipei, destacando as mãos suadas.
— Algo importante, Valéria? — Ricky questionou seriamente. — Espero
que seja.
— Sim, é. Ricky, seu jato está em manutenção e não ficará pronto a tempo
para suas viagens para a Califórnia na quarta-feira. — Ricky desviou da assistente
e fixou aqueles olhos castanhos ardentes em mim. Sua agenda. Vida real. —
Então loquei um para atender aos seus compromissos imediatos, tudo bem?
— Sim, algo mais?
— Seus últimos compromissos no Brasil estão aqui impressos, valide e
confirme por favor, preciso em dez minutos.
— Ok, farei, se não há mais nada pode ir — disse, pegando as folhas e
jogando sobre a mesa. Valéria o questionou pelo olhar, percebi. — Não deixe
ninguém entrar até a Júlia sair.
— Claro.
— Não será necessário, Valéria. Estou de saída — falei, perdida, atônita,
triste, olhos ardendo. — Com licença.
Deixei a sala como um raio, sem que houvesse tempo de uma retórica de
Ricky. Uma explosão acontecia no peito, porém não autorizei que escapasse.
Tranquei à chave todas as emoções e andei demonstrando tranquilidade até minha
mesa.
— Bom dia, preta.
— Bom dia, Jú.
— Tudo bem?
— Sim, sim.
Não estava, sei que não.
Ainda não parei muito para pensar nessa conexão que tenho com a Raica,
mas com certeza era de outras vidas, tínhamos uma amizade recente, contudo de
uma intensidade absurda capaz de distinguir o estado emocional uma da outra.
— Cadê o Orion, viu ele?
— Só vem depois do almoço, reunião externa.
Procurei seus olhos que teimaram em se esconder, talvez a fisionomia com
traços preocupados fosse resultado de algo grave com Renan, embora o senhor de
olhos cruéis nunca mais deu as caras para aterrorizar os irmãos, sei bem o quanto
a hipótese os atormentava.
— Sei… — Apoiei na sua mesa. — Fale, o que deixou você triste, algo com
Renan, seu pai?
Então, ganhei sua atenção.
— Na verdade, a parada não é essa, e sim com uma amiga — contou,
chateada. A Raica era o tipo de amiga pedra natural, sugava para si os problemas
do outro e sofria junto. — A Eduarda acabou de me ligar.
— Eduarda, a garçonete do Retrô-Chill?
— Sim, lembra que mencionei que ela tinha um filho?
Forcei a memória, buscando a informação.
— Acho que sim, um menino, né?
— Sim, Jú. — Esmoreceu. — Mana, o garoto está com câncer, acabei de
saber.
— Meu Deus. — Tapei a boca. — Mas ele é tão pequeno, quantos anos?
— Seis anos, Jú — ela comentou. — Ela vai trabalhar hoje, pelo que sei o
tratamento será bem caro, admiro a Duda, ela é uma mulher muito forte.
— Mas e o pai da criança, ela é casada, sei lá… — Quis entender melhor.
— Bem, não sei bem, me parece ser uma história complicada. Mas o que sei
é que ela cria o menino sozinha. Sem apoio, nem do pai e muito menos da
família.
— Nossa, que barra, podemos ajudar de alguma forma?
— Vou almoçar no Chill hoje, quer vir?
— Claro, talvez possamos fazer alguma coisa.
Raica deu os ombros e ligou seu MAC, logo em seguida meu ramal tocou,
era a Celly, exigindo minha presença na sua sala.
— Tenho que falar com a Celly, vou para o oitavo.
Raica assentiu, com o rostinho esmorecido.
Beijei seu cabelo, peguei meu bloco de anotações e disparei para o elevador,
a pressa quase me causou um acidente, esbarrei com a Ellen segundos antes dela
entrar na sala de Ricky, ambas de salto, a queda ia ser feia se não fôssemos
rápidas.
— Desculpe, Ellen…
— Presta atenção da próxima vez, garota — bramiu, ajeitou o vestido
impecável e entrou na sala.
Ríspida. Ofensiva. Amarga.
O olhar nebuloso, mesmo com o contato rápido, me rasgou inteira.
“Ela sabia.”

Ricky

— O que faz aí parado? — Ellen perguntou assim que entrou.


— Olhando um pouco para São Paulo, só isso. — A presença da Ellen não
impediu que eu continuasse a apreciar a imagem.
A vista que tenho é belíssima, uma visão geral da metrópole paulistana, além
do fato das recordações, estreei essa sala com chave de ouro. Se a Júlia soubesse
como aquela noite mudou minha direção — pelo sexo, pela pele, pelo perfume,
pela garota — por um conjunto de fatores.
Criei uma cultura própria, sempre fui fascinado por experimentar, explorar,
simplesmente viver. Trabalhar com criação possibilitou conhecer o mundo,
culturas, crenças, mulheres, por onde passei experimentei ao máximo. Talvez esse
fosse o ponto. Estava tentado, incessantemente vidrado em experimentar as
sensações proporcionadas com a Júlia. Praticamente domado com cada
descoberta.
O chão se abriu quando Valéria anunciou minha agenda, melhor dizendo,
proclamou minha partida. A linda garota não disfarçou o olhar triste, assim como
eu não aceitei o itinerário que me afastaria de algo tão doce. Em outro momento,
essa agenda me livraria de problemas, uma nova viagem após desfrutar de uma
aventura era o passo sem falhas para não alimentar um romance. Só que nesse
caso (Júlia) não era uma aventura, não mais, e isso fodia tudo.
O pensamento de pegar um avião e desembarcar em outro continente, me
angustiava.
— Ricky? — Ellen chamou.
— Diga, querida Ellen — falei por fim e virei encontrando nos olhos azuis
muito mais do que devia.
— Só fiquei esperando uma explicação — inqueriu, sucumbindo o assoalho
com seu salto. — Ir embora da boate sem ao menos se despedir dos amigos não
se faz, Walker.
— Desculpe, tive uma emergência.
Ela estreitou os olhos, e se bem conheço a Ellen, um vendaval de perguntas
estava a caminho e, porra, estava sem saco e paciência para tal abertura. Portanto,
desviei para as folhas na sua mão e impus o ato profissional, esperando que sua
inteligência não falhasse e ela entendesse que o assunto havia encerrado.
— Ok, preciso de assinaturas nesses contratos — informou, inteligente,
desfilando elegante, não sou cego, lógico que reparei no vestido de estampa clara
unido as suas curvas deixando-a ainda mais gostosa. — Posso te fazer somente
uma pergunta?
— Faça — permiti, avaliando os contratos.
— Júlia, esse é o nome da garota?
Parei.
Coloquei as folhas sobre a mesa, sentei e indiquei que ela se sentasse
também. Não respondi, analisei primeiro por etapas como Ellen tinha
conhecimento da Júlia. Não houve nenhuma brecha da minha parte, o Athos não
contaria, então…?
— Seja direta Ellen.
— Uma estagiária, Ricky? Fui trocada por uma estagiária? De vinte anos —
ela riu com sarcasmo —, essa parte é ainda pior, vinte anos! A garota acabou de
sair do ensino médio.
— Como soube?
— Eu vi quando saiu do camarote acompanhado da pirralha, deixando Athos
e eu sem satisfação ou qualquer tipo de explicação — vociferou. — O que está
pensando? Acabar com a nossa credibilidade. Uma garota como essa, pobre,
bolsista e ambiciosa pode acabar com a sua carreira.
— Fala baixo, Ellen — exigi.
— Tomou o chá do esquecimento? Apagou o passado da memória?
Jogou as malditas cartas do passada na mesa.
— Diminua o tom de voz — esbravejei — ou saia da minha sala — ordenei,
em pé, com os olhos furiosos. — Primeiro, não troquei você por ninguém, o que
tínhamos não funcionava mais, então decidi romper. Segundo, não se envolva ou
faça qualquer coisa que prejudique a Júlia.
Ela rolou olhos e moveu o maxilar fino.
— Caso não obedeça ao senhor, fará o quê? Me demitir?
— Até que não seria uma má ideia.
A gargalhada soou fria.
— Ricky, querido, Robert jamais permitiria tamanha sandice, aliás, qual
seria a reação dele ao saber da notícia? Que seu filhinho prodígio se envolveu
com uma pirralha bolsista de vinte anos. Estou bem curiosa.
— Tem certeza de que é este o caminho que quer seguir? Sou um canalha
agora? Eu rompi com você antes de me envolver com a Júlia, e não foi por ela, e
sim, por você, quantos anos fazem que mantemos essa relação, Ellen? Diga?
Porra! Quanto tempo alimento essa ilusão de que um dia, seremos um NÓS,
quando é claro que nunca vai acontecer, por mim nunca vai acontecer. Não
mereço o seu amor, assim como você não merece alguém incompleto ao seu lado.
Então não venha despejar essa frustação em cima de mim, ou na Júlia, não
misture as coisas, não perca o único sentimento que posso te oferecer e digo com
todo o coração que é sincero, minha amizade, meu carinho.
— Que vá para o inferno a amizade, Ricky, não é justo, não pra mim que sei
mais sobre você do que suas digitais, estou ao seu lado engolindo o diabo,
caralho, que vá para o espaço tudo isso…, SABE O QUANTO EU AMO VOCÊ.
— MAS EU NÃO TE AMO, ELLEN — brami com descontrole, bastava
tudo aquilo. Recuperei o controle da respiração e moderei o tom. — Desculpe…
mas é a única coisa que posso te oferecer.
A fisionomia apagou.
— Não aceito, não de você.
— Então não temos mais nada.
A beleza se transformou num amargo, numa tempestade devastadora, nunca
recebi tanto ódio dos olhos da mulher que sempre expressou admiração. Sabemos
tanto um do outro, apesar de tudo, a cumplicidade era um leito. Sangrava meu
coração a inflexibilidade dela, só de cogitar que algo possa prejudicar o sonho da
Júlia, tudo muda. Toda essa bagagem que construímos juntos não tem
importância.
— Assine os documentos e me envie, estou esperando — declarou ácida,
não saiu de imediato, quis deixar claro por meio do contato cáustico o quanto me
abominava. Depois cruzou o caminho da porta.
O ar pesou e não fiquei nem um pouco satisfeito com a conversa. Apesar de
considerar a Ellen muito inteligente para não travar uma guerra comigo, não
estava convencido, previ problemas. Conferi o horário e já havia passado do
meio-dia, acabei não combinando direito com a Júlia o nosso almoço. Enviei uma
mensagem na expectativa de ela não ter almoçado ainda.
Não demorou para ela responder.
26 | Júlia Sales

Antes de ocuparmos uma mesa, conversamos com a Duda, meu coração


partiu em mil e um pedaços com a situação em que se encontrava seu filho —
Benício. Com apenas seis anos, o garotinho já tem uma doença cruel, a situação é
muito grave e a Duda se encontrava à beira do desespero. Como de costume, o
Retrô-Chill estava lotado, então não foi possível ter conhecimento de mais
detalhes, a garçonete logo atendeu o nosso pedido e correu atarefada com outros
chamados. Raica comentou em relação à minha fuga da UP:
— Orion foi embora após se sentir completamente deslocado, ele topou o
rolê por sua causa e como a senhora montou no cavalo branco do chefe, não tinha
mais por que ele permanecer ali de mãos abanando.
Por sorte, Raica garantiu que ele não mencionou o embate com Ricky aos
rapazes. Agradeci mentalmente por ter sido discreto e no segundo seguinte
despejei os detalhes das farpas entre os homens, ela quase infartou, porque por
mais que estivesse ciente de que deixei a boate com Ricky, não houve tempo
hábil para que eu explicasse o que me motivou a tomar a decisão.
— Garota, que babado — falou de queixo caído.
— Nem fale, mas chega dos meus BO’s. A noite com o Lucca foi incrível?
— quis saber, enquanto colocava molho na minha salada, optei comer algo leve,
apesar de amar o hambúrguer do Chill. — Preciso de detalhes obscenos, Raica.
— Amada, sabe aquele homem gostoso?
— Sei. — Coloquei uma garfada de hortaliças na boca. — E...
— Que te vira do avesso? Fala tanta putaria no seu ouvido que você quase
goza?
— Sei. — Mastiguei grandemente com o riso preso, recapitulando algumas
coisinhas.
Raica estreitou os olhos e zombou:
— Saímos com o mesmo cara, mana?
Gargalhamos, bobas, confidenciando nosso final de semana.
Raica finalmente ficou com Lucca e, pelo brilho dos seus olhos, ia acontecer
mais vezes. Explodi de felicidade, o casal de amigos era importante para mim.
— É claro que nada se compara a uma ilha particular em Angra do Reis…
— Raica, ainda sinto a brisa do mar — suspirei. — Foi perfeito.
— Sem arrependimentos?
— Ele tem voo agendado para quarta-feira, então nem terei tempo de me
arrepender, só de sentir saudade mesmo — murmurei e afastei o prato, perdi a
fome. — E a vida continua.
Soltei o ar, as costas pesaram no encosto.
Não consegui disfarçar o quanto me afetava a partida de Ricky ou a paixão
evidente em meus olhos. Embora não precisasse esconder meus sentimentos da
Raica, me incomodava a vulnerabilidade, essa paixão comandava-me a caminhos
desconhecidos, incertos, arriscados ao mesmo tempo que era lascivo, excitante,
estimulante. Um misto de tudo corria nas minhas veias, e já era tarde para negar o
quanto gostava, o quanto desejava.
Raica chegou a esboçar uma palavra, só que o meu celular, ao vibrar,
interrompeu.
— É o Ricky, enviou mensagem.
— Hum… O que ele disse?

— Ele quer saber onde estou — comentei quando li. — Combinamos de


almoçar, mas depois eu achei melhor um jantar, já que hoje tenho somente uma
aula na ‘facul’. Posso fugir do rastro da minha mãe.
— Almoço, jantar. — Ela uniu as mãos e me encarou séria. — Estou quase
convencida que o sentimento é mútuo.
Nem pensar ia embarcar.
A Raica consegue me perturbar com suas teorias, não posso e não quero me
iludir. Desviei a atenção da jovem Guru e digitei uma resposta.
Ele visualizou, mas não respondeu. Me mantive presa à tela do aparelho,
aguardando um digitando... piscar na parte de cima do WhatsApp, mas não houve.
— E então?
— Bem, avisei que estava com você, enfim, falo com ele depois. — Olhei
para a minha salada e fiz uma careta, colocando o celular ao lado. — Acho que
vou pedir uma vitamina para viagem.
— Ninguém mandou não querer um mega-hambúrguer igual o meu.
— Hoje estou um pouco sem fome. — Escorei na mesa. — Talvez ansiosa...
— Meu Deus! — Raica exclamou, paralisou e arregalou os olhos na direção
da porta. Fiquei preocupada, então virei e compartilhei do seu estado físico. —
Ele está entrando mesmo?
— Sim, está… agora bem próximo… chegou.
— Olá, garotas!
— Ricky, você…
Pisquei três vezes, talvez minha retina estivesse viciada na imagem sexy, ele
sorriu, pegou uma cadeira perdida e se sentou ao meu lado. Olhei para Raica que
permaneceu chocada, depois para ele, rastreei no salão alguém da empresa, pois
sempre esbarrava com um conhecido do trabalho, não havia, graças a Jeová.
Portanto, mesmo com espasmos fazendo meu coração quase sair pela boca, tentei
entender que diabos Ricky fazia ali.
— O que faz aqui?
— Vim almoçar — respondeu tranquilamente.
— Veio?
— Júlia, conheço o Chill, e já frequentei aqui algumas vezes. Como vai,
Raica?
— Tudo bem, Ricky. — A filha da mãe riu e balançou a cabeça.
— O lugar mudou um pouco — ele analisou o local. — Mas a essência é a
mesma. Já comeram?
— Ainda não terminamos.
— Raica, com licença. — De todas as surpresas, aquela a seguir me chocou
fervorosamente, o executivo colocou um braço ao meu redor, me trouxe para
perto e me deu um selinho. — Estava com saudade.
Ahhhhhh, esse homem me enlouquece.
— Uau, melhor eu ir. — A preta já estava de pé. — Vou deixar vocês
sozinhos.
— Raica — Ricky chamou antes de ela tomar distância. — Ninguém precisa
saber, ok.
— Claro, até mais, Júlia.
— Até mais, Raica. — Encarei ele. — Tá maluco?
— Um pouco… — sussurrou, escorou um braço no encosto da cadeira e o
livre apoiou na mesa para que seus dedos acarinhassem meu rosto. — Talvez um
pouco faminto.
Sua mão escorregou para minha nuca, levando minha boca para que a dele
consumisse com um beijo um tanto proibido para o horário e local.
— Pronto, podemos ir, já estou alimentado — o engraçadinho falou baixo.
— Os planos para o jantar não mudaram, não é?
— Depende do local, depois de ontem estou um pouco seletiva — brinquei
com ele.
— Pode ser no meu apartamento?
Hein?
Meu coração errou a batida.
— Seu apartamento?
Ricky assentiu.
Tornando a minha vida difícil, conhecer o apartamento dele é um tanto
íntimo, ou estou louca?
— Ricky, talvez um restaurante? Seu apartamento é algo muito íntimo, não
acha? — Tentei negociar outro lugar. Não fiquei confortável com a ideia.
Ele garfou um tomate cereja do meu prato e levou à boca.
— Quero essa intimidade contigo, Júlia — declarou, seus olhos castanhos
exacerbaram, senti as bochechas corarem de tão forte que as palavras bateram,
todo o meu ser modificou trépido, ávido. Ia perguntar o que significava aquilo,
mas fomos interrompidos.
— Ricky.
Olhamos em sintonia para Eduarda, que fixou um olhar esquisito na gente.
— Eduarda!? — O tom de Ricky foi ainda mais incisivo. Ou melhor,
surpreso e espantado, mistura intrigante.
— Vocês se conhecem? — Fiz a pergunta cabível para o momento, já que
ambos não gesticularam, uma só palavra. — Ricky?
Mirei seus olhos, entretanto Eduarda que se prontificou em explicar.
— Ricky é um cliente antigo, Júlia. — Ela respirou fundo. Por que ela
respirou fundo? — Tudo bem? — perguntou para ele.
— Tudo. — Seco e taxativo. — Nós já vamos, com licença.
Pegou em seu bolso uma nota de cinquenta reais e deixou sobre a mesa, nem
consegui reagir às suas ações, acompanhei o executivo que saiu do Chill sem o
brilho que entrou. Duda, por sua vez, permaneceu intacta só observando como
se… não sei. Não tenho resposta para a situação inusitada.
— Ricky — disse e parei antes de chegarmos na frente da empresa. — O que
foi aquilo?
— O quê? — desconversou. — Só lembrei de uma reunião, então apressei
um pouco, desculpa.
— Reunião?
— Sim, reunião, vou na frente, ok? Busco você na universidade, me liga
quando estiver pronta. — Ele forçou um sorriso, beijou meu rosto e disparou na
frente.

Ricky

Entornei o vinho nas taças sobre o balcão, observando a linda garota sentada
no sofá da sala. Júlia estava tímida e acanhada, se encolheu no estofado e percebi
seu desconforto, propus vinho para ver se ela relaxava um pouco.
Gostava da Júlia, não havia dúvidas quanto a isso, a garota me laçou com
algo a mais, tentei encontrar uma palavra que definisse, mas não havia. Era algo
nosso, coisa forte, ardente, incapaz de controlar.
Pensar nela era sorrir bobo, sonhar acordado, fazer babaquices românticas,
viver em constante excitação, agir sem pensar, ser outro Ricky — melhor, talvez.
— Como foi a aula? — perguntei e entreguei a taça, ela sorriu e tirou uma
mecha de cabelo dos olhos, antes de sorver com delicadeza a bebida nobre.
— Cansativa, aliás, tenho reclamações a fazer sobre a universidade, já que
tenho a honra de estar na presença do dono.
Gargalhei e me acomodei ao seu lado.
— Reclamações? — Pousei minha taça na mesa de centro e me concentrei
no que viria a seguir. — Fale, não se cale.
— Ricky, estou entupida de trabalhos, que tipo de primeiro semestre é esse?
O que vocês têm na cabeça?
— Temos um corpo docente competente, só isso.
— Ok.
— Ok? Ok o quê?
— Já reclamei, agora me sinto melhor — disse colocando a mão sobre o
peito.
— Está mais relaxada? — Quis saber, enquanto acariciava seu rosto. —
Percebi um certo desconforto no fato de estarmos na sala. Se quiser vamos para o
quarto.
Ela deu um tapa leve no meu ombro.
— Para de ser safado, Ricky.
— Eu sei que gosta… — peguei sua taça e coloquei bem rápido sobre a
mesa —, quando sou safado, falo sacanagem… — Girei com agilidade seu corpo
e puxei suas pernas me encaixando entre elas. — E faço coisas piores ainda com
seu corpo delicioso. O que acha de ficarmos pelados, estou sentindo seu rosto
quente? Está com calor?
Júlia gargalhou igual a uma criança, sacudindo o corpo enquanto ria sem
controle.
— Você é um pervertido, fique sabendo.
— Tenho certeza de que ganhei pontos com isso.
— Talvez alguns… tá, muitos. — Ela ergueu o pescoço na direção da sala de
jantar. — Me lembro de ter sido convidada para jantar, e não vejo o rastro de
comida por aqui.
— Está com fome?
— Ahaaa.
— Não vai demorar muito.
— Demorar pra quê? — Crispou os lábios, movimentando a pontinha do
nariz, igual a uma criança de cinco anos.
— Já disse que é muito curiosa. — Ela deixou os ombros caírem. — Vem,
vou te apresentar o apartamento e o meu cômodo preferido.
— O quarto?
Joguei ela sobre meus ombros e mordi a bunda que sou apaixonado.
— Aí…
— Certa resposta.
Apresentei cada espaço da cobertura que comprei há mais ou menos oito
anos, não sou amante de hotel, gosto de ter um espaço meu por onde passo e no
Brasil não seria diferente, são dois andares espaçosos, três quartos, escritório, sala
de vídeo, academia e um terraço com uma vista panorâmica maravilhosa.
— Ricky do céu, que visão magnífica, poderia passar horas aqui —
exclamou com seu tom jovial que adoro. — E horas dentro daquela jacuzzi…
— Posso considerar isso como um convite? E encher essa jacuzzi agora? —
sugeri, e não perdi tempo, puxei aquele cós do jeans pra mim, aceitando qualquer
proposta. — Eu sou praticamente tarado por você de jeans, você fica uma delícia
com essas calças apertadas.
Júlia movimentou os lábios e segurou meu olhar.
Um instante ou mais, nos entreolhamos, como se ambos perguntassem o que
viria a seguir, não em ações físicas, mas sim, sobre nós dois. Júlia não ia dar
nenhum passo ou fazer qualquer questionamento, a garota era muito mais madura
do que sua idade exigia, admirava muito isso, portanto esse era o meu papel.
— Posso tirar minha curiosidade? — perguntei, abraçando-a um pouco mais.
Ela pensou e só então assentiu. — Quantos homens já passaram por sua vida?
Formulei a pergunta o mais compreensível que consegui, receoso para não
ofendê-la ou ser invasivo.
— Como? — Ela ergueu uma sobrancelha. — Por quê?
— Como disse, é uma curiosidade.
— Não sei se devo responder.
— Por quê?
— É muito pessoal a informação, e não tenho certeza do número.
— Como? — Puta que pariu, só de imaginar outros homens tocando-a eu
sinto algo incontrolável nas mãos. — Tudo bem, confesso que fiquei nervoso.
Sou um babaca.
— Um!
— Um… namorado?
— Sim. Caio é o nome do desgraçado.
O efeito “Caio” transformou seu rosto, sou um imbecil por tocar no assunto
que mudou da água para o vinho o humor da garota. Ela se desvencilhou dos
meus braços e apoiou no porta-copos.
— Quer contar o que aconteceu?
— Caio foi o meu primeiro tudo, namoramos durante quatro anos e eu o
peguei na cama com a minha melhor amiga, simples assim.
— Uau — sibilei, digerindo. E quis abraçá-la ou até mesmo arrancar a
recordação do seu peito. Caralho, por que toquei nesse assunto? — Faz quanto
tempo que esse filho da puta magoou você?
— Tudo aconteceu e acabou há dois anos. Depois da facada nas costas meu
foco passou a ser a WIS. — Ela deixou sair um ar atenuado. — E continua sendo,
ainda mais depois que… você for embora.
Entramos na vertente, uma hora ou outra teríamos que desencadear esse
assunto. Na ilha em dois momentos a Júlia quis conduzir a atenção da conversa
para esse foco, não dei continuidade, cortei, pois, a ideia era aproveitar a
intensidade do que vivíamos. Mesmo ciente das mudanças internas, da confusão
de sentimentos que sufocavam ao mesmo tempo que me realizavam.
— Júlia, eu…
— Ricky — Maria chamou na entrada. — Está tudo pronto. Olá, Júlia.
A empregada riu com a cara de espanto que a saudou.
— Olá.
— Obrigado, Maria.
— Com licença. — Desapareceu.
— De onde saiu essa mulher?
Não pude deixar de rir da maneira hilária com que inqueriu.
— Maria é uma empregada muito discreta, Júlia.
— Praticamente um fantasma com essa roupa branca. — Ela riu. — Ela
estava aqui o tempo todo?
— Sim, ela que cuida de tudo, mora mais aqui que eu — esclareci. — Vamos
descer?
Adiei um certo assunto que, provavelmente, discutiríamos mais tarde,
conduzindo a linda mulher à sala de jantar impecável posta por Maria. Júlia
suspirou e travou na entrada. Atônita. Emocionada. Uma mistura graciosa de se
ver. Isso devido ao cenário romântico que exigi para a noite. Talvez tivesse
exagerado um pouco, admito, era novo em atos dessa estirpe, sempre improvisei
convidando a um bom restaurante, mas não com ela.
— Perfeito, assim como nos filmes — murmurou com a chama da vela
incendiando as íris de cores diferentes.
Bem, não podia esquecer de presentear Maria, ela arrasou na produção, claro
que dei várias instruções.
Durante o jantar descobri algumas coisas interessantes. Ela gostava muito de
comida japonesa, apesar de odiar os hashis. Tirou seu passaporte há dois meses
— e sonhava com um primeiro carimbo para os Estados Unidos. Adora nadar,
aliás, pude perceber na ilha o quanto o mar fez bem a ela, seu estilo de leitura é
romance com fantasia, atualmente ela acompanha o seriado Riverdale, do qual
nunca ouvi falar, ressaltou o seu medo de altura, dizendo que um dia pularia de
paraquedas…
Essa parte soou confusa.
— Preciso eliminar esse medo da minha vida.
— Pulando de paraquedas?
— Sim, talvez infarte na queda, mas aí, só pulando pra saber.
— Eu posso dizer que é muito bom, já tive a experiência com meu irmão.
— Sério?
— Bem, o Nick sempre foi mais aventureiro que eu, só que perdi uma
aposta, então fui obrigado a pagar.
Ela cravou os olhos em mim, com a expectativa brotando.
— Ok, pela sua cara, não vou saber o conteúdo da aposta?
— Nem pensar. — Não contaria jamais, nem sob tortura.
— E como fica a minha curiosidade que desperta altos picos de ansiedade,
passo até mal, às vezes.
— Não, fora de questão.
— Ricky, falaaaaaa...
— Posso cessar sua curiosidade com beijos, mas não, é muito pessoal. —
Extremante pessoal. Afastei o prato, satisfeito, não evidenciando o quanto as
recordações de quando tinha um irmão, me machucavam, me feriam, por saber
que não o tenho mais. — Vinho?
— Só mais um pouquinho, amanhã estou de pé bem cedinho.
— Eu também trabalho amanhã.
— Mas você é o chefe.
— Que fixação em me chamar de chefe, é algum fetiche, excita você?
— Ah, excita, sim, principalmente quando você chega com a pose de
executivo, trajado naqueles ternos de corte nobre e... — Ela tapou a boca,
arregalou os olhos e corou de imediato. Ri pela sua espontaneidade e também por
saber que desperto tanto fogo. — Melhor eu não beber mais.
Levantei enquanto ela escondia o rosto entre as mãos e a abracei por trás.
— Agora tenho um motivo a mais para usar terno — sussurrei em seu
ouvido.
— Criei um monstro, pode parar de se sentir. Você sabe que a mulherada fica
piscando quando você chega.
— De uns tempos para cá, não estou muito preocupado com a grande massa,
e sim com somente uma — disse e girei a cadeira, pousando na altura dos seus
olhos. Júlia, ainda corada, analisou a intenção. — Essa roubou meus
pensamentos.
— E quem é essa ladra?
— Vem cá. — Peguei sua mão e a conduzi para a sala. — Um momento.
Fui até o aparador na outra extremidade do cômodo e peguei uma caneta.
— Seu braço — pedi, ela me olhou confusa, mas esticou o membro.
Segurei a pele delicada, e escrevi nas costas do antebraço.

“Você quer que eu fique?”

Júlia me encarou rápido assim que leu, a confusão aparente na feição, um


brilho ofuscante nos olhos, seus cílios tremeluziram e um sorriso fino apareceu,
mas não permaneceu.
— Ricky, como assim?
Meu coração chocava meu peito, na sensação medrosa de negação.
— Se você quiser, eu fico!
— Mas… ficar…, comigo?
— Sim, não viajo na quarta, refaço a minha agenda e fico com você, linda, é
só pedir.
— E como seria, eu…
— Júlia, eu quero você de verdade, por completo na minha vida. Agora só
basta você me querer na sua, o resto ajustamos.
Já tomei decisões na vida que custaram milhões e movimentaram o mercado
mundial da educação, no entanto, confesso, esse passo, esse momento, superou
uma vida. É a primeira vez em anos que dou ouvidos ao meu coração, e ele por
um triz não perdeu a voz. Era ciente do caminho arriscado, tais quais os
problemas por me envolver com uma estudante treze anos mais nova que eu —
um passado não cicatrizado corroía meu peito —, era ciente como um velho de
guerra das batalhas que teria que enfrentar.
Só que a garota valia qualquer risco.
— Meu Deus, achei que essa seria a nossa última noite, uma espécie de
despedida — suspirou chorosa, deslizei dois dedos no rosto corado até encontrar
seu maxilar.
— Nunca estive pronto para me despedir de você, meu amor.
27 | Júlia Sales

— Você está falando sério, não é uma brincadeira?


Ricky me olhou com uma certa indignação pela dúvida. O que ele queria?
Tudo tão imprevisível para uma única noite, nunca passou pela minha cabeça tal
possibilidade, estava preparada para uma despedida, não um começo.
— Não estou brincando, quero você.
Respirei a intensidade e não posso negar, uma explosão ímpar atingiu cada
partícula do meu ser, era sério…, CARALHO. Bem que… ah não! A razão
batendo na porta. Tem momentos como esse em que eu devia só agir, mas não,
pensei um pouco na conversa com a minha mãe, na sala da Ellen, na ilha, agora
há pouco, tudo se misturando, fazendo uma grande algazarra na minha cabeça.
Caramba, ia surtar.
— Júlia, você não me quer na sua vida? — ele indagou em tom baixo, quase
desolado. Visto que minha fisionomia não camuflou os pensamentos que
balburdiava meu subconsciente. — Eu achei que tínhamos algo, me enganei?
— Ricky, não — segurei seu rosto —, eu só estou pensando demais, em
tudo, desculpe.
— Qual a dúvida?
— Estou com medo — confessei.
— Não vou permitir que ninguém te prejudique, sei o quanto lutou para
entrar na WIS. — Ele retirou minhas mãos de seu rosto, segurando-a com força.
— Admito, não sou um especialista em relacionamentos, talvez aja em algum
momento como um babaca, mas sinto algo tão gostoso por você. Não quero
renunciar a isso. Hoje sou feliz, achei que já era, que nada me faltava, até
conhecer você e ficar horas sem me importar com nada a não ser você.
Derreti, literalmente.
— Ricky, eu… — Eu não sei o que dizer. Devia declarar o meu amor? Gritar
aos setes ventos o quanto sou perdidamente apaixonada por ele? Sim, era o certo,
porém, estava atônita em relação às batalhas que travaremos de agora em diante,
nunca me impus tão covarde.
— Estou aqui, fale comigo.
— Eu estou com medo, sua carreira, minha carreira. Ricky, as coisas não são
tão simples — falei sem vislumbrar a situação.
Fui dominada por uma maturidade impressionante.
Cacete!
— Eu sei. — Ele deixou seus olhos caírem por um segundo, depois mirou os
meus e blindou o momento. — Mas quero você e isso basta.
Jesus.
Fagulhas ardentes começaram nas pontas dos pés e foram dissipando aquele
medo, aquele receio. Meu amor, por sua vez, fixou as íris avelãs, transmitindo
uma segurança que bambeou minha estrutura. Ricky não estava brincando, pelo
contrário, falava sério demais. Meu corpo queimou quando suas mãos correram
livres pela minha coluna, aquele arrepio, olhos dilatados e as borboletas no
estômago. Ah, pude sentir assim como nos livros de romance. Ele brincou um
pouco com meus lábios antes de beijá-los com paixão, um beijo urgente e vital,
uma troca intensiva de algo nosso, nossa pegada, nosso lance.
Lacei seu pescoço e ele ergueu meu corpo permitindo que minhas pernas
fechassem em sua cintura, boca com boca, coração com coração. Assim ficamos
durante um bom tempo, um abraço forte capaz de fundir nossa alma completou o
momento, até o fôlego nos faltar e termos pausar para não morrermos asfixiados.
— Agora eu tenho tudo não preciso mais de nada. — Foi o que ele disse,
sentando-se no sofá e me levando junto com ele. Admirou meu rosto tocando-o
com as pontas dos dedos, tão leve, tão doce, que até entreguei-me ao carinho de
olhos selados. — Você é linda.
O sorriso escapou faceiro.
— Passa a noite comigo?
— Hum… — crispei os lábios —, não posso, minha mãe não aceita nós dois,
Ricky.
— No fundo, entendo ela. — Ele me levantou com agilidade, como num
golpe de muay thai, estava sobre mim no sofá. — Talvez, se eu falar com ela,
demonstrar as minhas intenções e garantir que não vou permitir que nosso
envolvimento atrapalhe sua carreira, ela possa me aceitar.
— Faria algo assim? Enfrentaria dona Ana? — A pergunta soou com uma
dose extra do perigo.
— Por você, qualquer coisa, até mesmo o armamento pesado da sua mãe.
Reivindiquei sua boca com urgência, caramba, esse homem levava aos seus
pés todo o meu vigor. Adiei aquela decisão — ainda não era certo esse contato
direto dele com minha mãe —, quando me deixei conduzir em seu colo para o
andar de cima. Beijo, carícias e chupões nos mantiveram conectados durante o
caminho, lembra a jacuzzi? Estava lá, iluminada com velas e preenchida com
espuma.
— Em qual momento o senhor subiu aqui e fez isso? — Me equilibrei sobre
meus pés.
— Tenho uma equipe eficiente. — O safado riu alto.
— Estou me sentindo no Big Brother.
Ele segurou minha cintura e disse:
— Não há mais ninguém além de nós, fique tranquila — garantiu, tentei
acreditar. — Agora vou te dar um banho gostoso, depois te comer gostoso e te
fazer gozar gostoso, alguma objeção em relação aos meus planos?
Mordi o lábio inferior em antecipação, o Ricky era um pervertido delicioso.
— Não, estou totalmente de acordo.
O espaço da jacuzzi era coberto e um pouco afastado da piscina aquecida
que tomava boa parte da cobertura. Tudo estava favorável ao momento, céu
estrelado, temperatura agradável e o tesão entre nós queimando igual ao inferno.
Ricky me despiu com cuidado, soltando sacanagem a cada peça que revelava a
nudez, em seus olhos um desejo, uma dominação, uma fome, que me tremia
inteira. Mergulhamos na água quente com cheiro de frutas vermelhas, o lindo
homem a quem eu desejava intensamente me encaixou entre suas pernas, de
costas para ele, deixando sua ereção sobressalente me cutucar, na verdade me
instigar, pois aquele pau já estava duro e pronto para um campeonato. Massageou
minhas costas com uma esponja macia, enquanto sua boca mordiscava minha
orelha, pescoço, ombros.
Era bom demais.
— Júlia, eu gosto de você — ele sussurrou na minha orelha. — Você
acredita em mim?
Girei meu rosto e beijei aquela boca insinuante ao delírio.
— Também gosto de você — declarei contra seus lábios.
Foi a vez do meu corpo girar e se encaixar no seu colo, senti seu membro
ereto ao longo da minha barriga. Ansiei, cadela, quicar ali, engolir tudo aquilo
com a minha intimidade que implorava por atenção. Expus meus seios a ele, que
abocanhou cada pedacinho de um jeito perverso e devasso. Rebolei, rocei, latejei
em seu pau e bolas. Lambi cada contorno do seu peitoral definido e suas costas
largas incansavelmente.
— Meu êxtase, minha loucura… — murmurou rouco e me beijou selvagem,
gemi, ele urrou, enquanto minha mão ia e vinha no seu cacete embaixo d’água. —
Vem, enche essa boca com meu pau.
Ergueu-se, sentando-se na beirada da banheira.
Imediatamente, eu me apoiei nos joelhos.
A visão da cabeça rosada brilhando, acima do comprimento rodeado por
veias grossas, acelerou meus batimentos ao mesmo tempo que latejou meu sexo.
Lambi os lábios, fechei os dedos e resvalei até as bolas, babando na ereção.
— Olhe pra mim enquanto me chupa — ele exigiu com os olhos
incendiados.
Circulei a língua na glande, olhos afogueados pra ele, derramei gulosa a
boca no pau duro, ele deixou escapar um gemido, eu ciciei outro, durante o sobe e
desce dos meus lábios, chupei esganada seu cacete, usando as mãos para
estabelecer um ritmo.
— Boca gostosa… — ganiu entre os dentes. Eu o chupava fundo, me
esbaldando com o pau que enchia minha boca. — Caralho… — Acelerei,
alternando, ora lambendo as bolas, ora circulando a língua com movimentos que
o faziam tremer de prazer. — Mais fundo — ganiu e atou meus cabelos aos seus
dedos, forte, ardendo a raiz com o enlaço. Então eu atraquei as mãos em suas
coxas, ele no comando, virei refém do seu ritmo. — Engole meu, pau minha
putinha gostosa.
Ricky fodeu minha boca, batendo sem pudor o seu pau até que atingisse
minha garganta, a invasão profunda consumiu tudo, ele socava veloz, seus lábios
presos aos seus dentes, semblante de puro deleite, me senti muito foda em dar
tanto prazer pra ele.
— Eu vou gozar — ciciou, quando se pôs pra fora e tocou fugaz seu cacete
beirando minha boca, consenti, queria engolir toda a porra, cada gota. — Toma,
amor…

Ricky
Trouxe a Júlia para o quarto e aplaudi meu autocontrole, meu desejo era
fodê-la assim que a acomodei na cama. Mas contive, priorizei levá-la à loucura
com alguns orgasmos primeiro. Bati uma punheta no tempo em que a admirava
nua, que mulher gostosa, sua pele brilhava com resquícios de espuma pois não a
enxuguei completamente, olhos envolventes, mamilos vermelhos e enrijecidos
com meus chupões, barriga negativa e uma virilha depiladinha para meu regalo.
Apoiei os joelhos na beirada da cama e puxei suas pernas, escancarei-a em
seguida e quase gozei com a imagem suculenta daquela boceta rosada pingando
desejo.
Fui com calma, estava muito ansioso.
Primeiro beijei sua boca, sugando sua língua, selvagem, sedento por seus
lábios, um beijo demorado intenso, molhado, meu pau friccionava as fendas
quentes, úmidas. Júlia gemeu, se contorceu, até implorou, mas estava só
começando. Trilhei botando fogo em cada parte que lambia, mordia, chupava. Me
tornei um viciado no seu sabor de morango, no perfume natural de sua pele
sedosa, na delicadeza das curvas e, claro, na boceta mais apetitosa que comi até
hoje. Lambi seus grandes lábios molhadinhos, um sabor picante embebedou meu
paladar, então escorreguei a língua rodeando seu clitóris rijo e precioso, suguei o
diamante e o estimei, ora frenético, ora serpeando, ela arfou, arqueando o corpo,
precisei cravar as mãos na sua bunda de tanto que vibrava. Devorei sua boceta
com vontade, fodendo com a língua a entrada deliciosa.
— Meu Deus, oh… Ricky...
— Gostosa demais…
Ergui o rabo gostoso, obtendo a visão do cuzinho, raspei a língua no anel
apertadinho
— Ricky, eu… eu…
Júlia fissurou para meu acesso, soltando lamentos, pincelei o canal, incitei
lascivo. Senti no processo seus dedos correrem pelos fios dos meus cabelos,
empurrando cada vez mais meu rosto para o paraíso entre suas pernas.
— Caralhooooo…
— Goza, Júlia, goza na minha boca, amor…
Seu corpo trepidou ao mesmo tempo que seu mel escorria, lambi cada
espasmo embriagado com seu gozo.
— Ricky, eu… — Ela tentou falar, seu corpo em constante delírio,
respiração movimentando os seios, olhos semicerrados. — Quero você —
ordenou gulosa.
— Você é uma delícia — sussurrei, me afastando para pegar um
preservativo. Júlia, ainda sob o efeito do orgasmo, se remexia na cama enorme,
me cercando com cobiça. — Já tenho pontos o suficiente para meter nesse
cuzinho?
Girei seu corpo.
— Empina esse rabo, amor.
A gostosa obedeceu sem hesitar.
Lasquei um tapa na bunda macia, ela soltou um grito, abri as partes e vaguei
um dedo no estreito que levou o indicador para o buraco que eu queria foder. Júlia
tinha uma boceta apertadinha e quente (deliciosa), porém passei a desejar meter
nesse cu mais que tudo na vida.
— Oh, linda, deixa eu comer esse seu rabinho?
— Ricky, ainda não pensei bem sobre isso — a voz saiu sussurrada
conforme meu dedo atiçava a região. — Isso é bom…
— O que tenho que fazer?
— Não sei, vou pensar no caso.
Simulei teatralmente um choro.
— Pensa rápido, meu pau agradece. — Ela gargalhou e girou o corpo.
— Podemos ensaiar para quando você liberar esse cu pra mim.
— Ensaiar?
— Não se mexe — falei e massageei minha ereção que doía pra caralho de
tão rija, precisava foder a Júlia logo ou então teria um infarto. Fui até a cômoda,
me masturbando no caminho, o tesão já estava insuportável, peguei uma caixa,
mais preservativos e um lubrificante. Júlia me olhava com atenção, tirei da caixa
um plug anal de metal médio, na sua ponta uma joia vermelha de formato similar
ao de um morango. — Júlia, sabe o que é isso?
— Um plug.
— Sim, linda. Um plug anal, quero colocar em você enquanto penetro sua
bocetinha doce, o que acha, topa?
Ela analisou a joia, oscilou, cobriu o rosto com as mãos e respondeu:
— Sim — a resposta soou abafada, então entendi que ela estava
envergonhada. — Nunca fiz isso, Ricky.
— Eu sei, mas relaxa, será nossa primeira vez. — Rodiei a língua na ponta
do plug e lancei uma piscadela. — Será somente uma prévia do que posso
proporcionar a você, quando meter completo no seu rabinho.
Ela sorriu ordinária, alguns fios de cabelos molhados perdidos em seu rosto,
pele avermelhada, a visão pecaminosa de uma mulher fascinante, queimei dos pés
à cabeça. O tesão vadiou impiedoso.
Abri uma camisinha e a coloquei no plug de metal, deixei outra preparada
para meu membro, peguei o óleo lubrificante, abri e olhei para a Júlia.
— Putinha, paga de quatro gostoso pra mim.
Ela me fitou de um jeito perverso, uma diabinha sexy pra caralho e se
posicionou conforme o exigido.
— Relaxa, linda…
— Ok.
— Se quiser parar me fala, tá bom, não se force.
— Certo.
Encapei minha espada ereta e inchada com a camisinha reserva, antes de
pegar o lubrificante e colocar uma porção generosa na palma e no plug, depois
passei com delicadeza — segurando a ansiedade e o tesão — lubrificando aquele
cu apertado. Aticei a carne melecada da sua boceta com dois dedos, engolindo
seus gemidos, fui introduzindo o plug devagar, abrindo espaço com o metal na
musculatura, a garota passou a arquejar baixinho e a respirar
descompassadamente.
— Tudo bem, linda? — indaguei. — Posso continuar?
Ela soltou um longo suspiro e assentiu quando me olhou com os olhos
entrecortados.
Não demorou nada, terminei o encaixe e meu coração disparou ao ter a visão
da joia vermelha entre as polpas empinadas daquela bunda apetitosa. Movimentei
o plug e Júlia estremeceu.
— Como se sente, linda.
— Preenchida.
Rimos juntos, mas, com malícia, intimidade.
— Então agora vou te preencher duplamente, preparada? — avisei. Ela só
suspirou. — Relaxa…
Júlia empinou a bunda redonda e durinha, então deslizei na fissura cálida,
pressionada (não muito) por conta do plug, com cuidado, sem pressa, a ereção
abrigou-se na boceta encharcada.
— Porra, que delícia é estar dentro de você…
Num golpe súbito, me apropriei do seu sexo, inteiro; arremeti fundo,
comendo gostoso. Segurei seu quadril com uma mão e com a outra fodia seu cu
com plug, ao mesmo tempo que socava sem piedade sua abertura. Júlia,
desesperada, ia e vinha, engolindo meu cacete inchado com seus grandes lábios
pingando excitação.
— Ricky… — gritou e contraiu minha ereção.
Urrei igual a um animal.
— Assim vou gozar logo, gostosa.
— Ahhhhh, isso é bom demais.
Gemidos e mais gemidos ecoavam no quarto.
Meus golpes atingiam seu ventre, ela se empinava mais, finquei a joia no
cuzinho, provocando uma vibração na garota que arfou suplicante, marquei mais
um tapa no rabo saboroso. E ela gozou.
— Puta que pariu… — Lamuriou alto.
O tesão evaporando febril dos meus poros, desejo e paixão se misturando,
lascivo, voluptuoso. Meti duas vezes, antes de me pôr para fora latejando e beijar
sua boceta, sugando seu gozo. Júlia esfregou a rachada na minha cara e eu me
embebedei com seus fluidos. Quando parei, contornei seu corpo escorando na
cabeceira da cama.
— Trepa em mim amor. — Júlia logo posicionou os joelhos ao redor do meu
quadril. Abocanhei um seio, depois o outro, circulando os bicos sensíveis de tanto
que receberam minha boca. — Me engole delícia…
— Assim…? — Ela segurou diabólica a minha ereção e se afundou ali,
porra, deixei escapar um urro, que ela engoliu no segundo seguinte. — Sua boca.
— A safada castigou-me com um beijo demorado, profundo, provando seu sabor.
Na mesma proporção sua boceta se apropriando, se derramando no meu cacete.
Cravei na sua bunda esmagando as polpas contra o plug, conforme ela subia e
descia. — Ahhhhhhh…
O grito em meio a um sorriso, tirou outro de mim, embora eu mal
conseguisse raciocinar com a gostosa cavalgando no meu pau, resvalei a mão
para a joia, violando um pouco mais o ponto. Júlia, enlouquecida com a sensação,
agarrou meus cabelos, se desmanchando com golpes nas minhas bolas.
— Se toca… — Esmiucei o pedido, arfando, tomado, abrasado.
Ela perpassou os dedos por seu ventre e tocou lépida o clitóris.
— Minha nossa…
Sons sôfregos vazando na garganta.
Ela esmurrando meu pau.
Sons derrapados esfregando a carne.
— Caralho.
— Eu estou quase… — Ela não conseguiu terminar, me apertou, e eu contraí
na angústia, no anseio.
— Olha pra mim, amor. — Segurei seu rosto o quanto pude, queria ter a
imagem logo que gozasse.
E foi lindo, suas pálpebras pesaram, seus lábios se apertaram no átimo de
mais uma onda ardente que estremeceu seu corpo e a fez sorrir. Não me segurei
mais, como podia, estava inchado, saciado, jorrei com força, num orgasmo
intenso, grudei a garota contra meu corpo, deixando que as sensações
acontecessem e nos possuíssem por completo.

Meus dedos subiam e desciam na extensão da coluna suada, era


maravilhoso, permaneceria horas apreciando o corpo que moldou todos os meus
desejos. Ainda assim, não seria o bastante. Acariciei a tatuagem delicada e passei
a observar seu silêncio, ela se entregou aos carinhos de olhos apertados,
respiração suave, rosto corado, traços repletos de fastígios.
— Você vai ficar mesmo? De verdade?
— Olha pra mim. — Ela o fez. — Ainda tem dúvidas?
Como faço para convencer essa garota o quanto a quero ao meu lado.
— Não sei, quem sabe eu sonhei acordada.
Beijei sua bunda e dei um tapa marcando a região.
— Você não estava sonhando, linda. Tudo que disse antes vou repetir agora,
quero você na minha vida.
— E como vai ser, Ricky? Vamos manter segredo, né?
— Por quê? Não devo nada a ninguém, Júlia.
Ela se levantou, sentou-se diante de mim, como se tivesse despertado de um
pesadelo.
— Ricky, vou ser perseguida naquela empresa, chamada de interesseira,
casinho do chefe, coisas nesse nível. Vai ser um inferno.
Se bem que ela tinha razão, as coisas mudariam um pouco, melhor darmos
um passo de cada vez. Não que quisesse esconder algo, assumi, ao ouvir meu
coração, o quanto essa mulher é importante, o quanto estava rendido de uma
forma que ainda não sabia explicar. Portanto era essencial termos cautela, nutria
algo gostoso no meu peito e não havia dúvidas que Júlia era a escolha certa, então
teria que protegê-la da artilharia pesada que viria (Ellen e minha família). Não me
perdoaria se seu sonho fosse colocado à prova.
— Ok, podemos ir com calma.
— Prefiro permanecer nessa bolha com você, se não se importa.
— Tudo bem, segredo.
28 | Júlia Sales

Acordei num corredor escuro, somente um ponto de luz bem à frente era
meu guia, não conseguia levantar, não sentia minhas pernas, toquei nelas, apalpei
a carne fria, mesmo assim o toque foi inválido. Um grito rouco e sofrido ecoou,
me abatendo, me deixando alerta. Logo após, ouvi passos na minha direção, um
pavor, um medo de não sei o que ao certo, me impulsionou a rastejar até o ponto
de luz, precisava alcançar a luz e me desvencilhar da escuridão.
Fugir.
Luz.
Estes eram meus desígnios... portanto, rastejei, as mãos esfolando no solo
grosso, áspero, porém a dor era menor que o medo dos passos cada vez mais
próximos.
Alcancei a luz e o meu corpo ultrapassou a barreira da escuridão, a imagem
que presenciei torturou o meu juízo. Ricky, com os olhos vendados, de frente para
um homem que lhe apontava uma arma engatilhada. O quadro causou-me uma
dor insuportável, que se intensificou quando ouvi um disparo e vi o Ricky cair.
— Nãooooooooooooo.
Acordei num salto, o coração disparado quase saindo pela boca, toquei
minha testa, estava úmida, meus cabelos também, busquei ao redor indícios do
que vivi agora há pouco, não havia, somente meu quarto escuro.
Não foi real.
Não foi real.
Arquejei com a respiração alterada e quase infartei quando meu celular
despertou.
Cacete!!!
Desliguei o aparelho e corri para o banho, meus sentidos misturados com a
sensação horrível do pesadelo, tão real, tão doloroso. Demorei um pouco mais no
banho naquela manhã chuvosa, o tempo estava cinza e um friozinho atingiu São
Paulo. Dona Ana havia saído bem cedo, o que achei estranho, quando li seu
recado na porta da geladeira.

“Júlia hoje tenho um compromisso, a gente se vê à noite.


Bom trabalho, meu sonho.
Mamãe.”

Na véspera, cheguei de mansinho, a passos de pena, por sorte divina ela


estava no último sono, agradeci aos céus, uma vez que não estava disposta a
encarar seu olhar avaliativo, ia ser praticamente a confissão das façanhas sexuais
que havia aprontado horas antes. Meu corpo ainda fluía com a experiência intensa
do plug. Sorri boba, lembrando do pedido e sendo bem honesta estava disposta,
ah… hum, fazer sexo anal com ele. Nunca cogitei algo assim, a ideia me
assustou, até me envergonhou, contudo o prazer que senti aliviou os receios e
instigou a explorar coisas novas com o Ricky.
Coloquei de lado as sensações e ressaltei as emoções que ondulavam o
centro do meu peito com as declarações e promessas feitas por ele. Juro que
durante o banho não quis lavar o braço que descrevia sua vontade de ficar
comigo. Esfreguei o local de leve, deixando as marcas da caneta, só para lembrar,
só para eu reviver o momento.
Manteremos a nossa relação, ainda sem título, em segredo.
Será melhor e mais seguro para ambos.
Na empresa, segui direto para a copa, precisava de um café, enchi minha
caneca e permaneci no local, escorada no armário enquanto sorvia o líquido
quente.
— Bom dia, Júlia — Orion saudou assim que entrou, olhar um tanto sem
jeito, ombros encolhidos e mãos escondidas nos bolsos frontais. Após a boate
ainda não tínhamos compartilhado o mesmo espaço, ele estava com a agenda
repleta de reuniões. — Quero lhe pedir desculpas…
Não interrompi, somente firmei o olhar, com isso ele prosseguiu:
— Eu fui um imbecil, espero não ter desrespeitado você.
— A verdade, Orion, é que não gostei da sua insistência, somos colegas de
trabalho, não pode haver clima entre a gente.
— Sei bem, passei dos limites contigo.
— Sim, passou, te admiro tanto, se não fosse você estaria completamente
perdida nessa empresa.
Meu pai amado, que ele prossiga com a conversa e não comente sobre o
Walker.
Por favor…
— Que nada, seu talento é nato. — Sorri lisonjeada. — Então, não estava
ciente sobre esse seu vínculo familiar com Ricky Walker?
De nada adiantaram minhas preces.
— Eu deixei claro na UP, somos amigos só isso. — Dei de ombros, gelada
igual ao Alaska. Orion precisava acreditar, do contrário, teria sérios problemas.
— Assim como nós. Amigos? — Sorri amarelo e estendi a mão para um
cumprimento, quando um puxão para um abraço bem apertado me surpreendeu.
— Amigos, claro.
— Bom dia — a saudação que veio da porta, anavalhada, lancinante, nos
separando no mesmo instante.
— Olá, Ricky, como vai? — Orion se expressou sarcástico e esboçou um
sorriso sacana de canto, o suficiente para transformar ainda mais o semblante de
Ricky.
— Eu estou ótimo. — Como uma tempestade que devasta tudo que vê pela
frente, Ricky cruzou o curto espaço entre nós, segurou minha nuca e me beijou.
Não beijei de volta, estava em choque com a sua atitude e puta da vida com a sua
vaidade, combinamos segredo, porra. Que diabos ele estava fazendo.
— Bom dia, amor — ele murmurou, simplesmente contra a minha boca. —
Pode me acompanhar até a minha sala?
Oh, Deus!
Podia ficar pior?
Ocultei a fúria, lançando lhe um olhar impassível.
— Eu... ah, claro. — Encarei Orion sem saber onde colocar as mãos. Como
posso descrever a fisionomia dele? Abismado, chocado, perplexo. — Com
licença.
Ricky saiu na frente e eu o segui, entrei em sua sala e fechei a porta.
— Ricky, que merda foi aquela? — vociferei, enquanto ele se apoiava na
mesa e cruzava os braços, tranquilo como a brisa do mar. Argh. — Pra que
aquilo?
— Disse a você, ele não quer sua amizade, agora está claro para ele.
— Tá maluco? Agora todos vão saber, Ricky. Tínhamos combinado manter a
nossa bolha, nosso segredo.
Joguei os braços sobre a cabeça, já formulando os mil problemas que
teríamos que enfrentar, assim que eu pisasse fora daquela sala. Era cedo demais.
Ricky e eu precisávamos de tempo para compreender melhor esse sentimento,
para encaixar um na vida do outro. Por que pareço ser mais velha que ele? Como
ele não enxerga isso?
— Desculpa, eu… perdi a cabeça, vocês estavam abraçados e o Orion…,
embora não acredite em mim, ele sabia, as desculpas dadas por você não o
convenceram. Vi nos olhos dele quando me cumprimentou.
— É cedo, não me preparei para…
Virei assustada quando ouvi dois toques na porta.
— Entre.
— Ricky, desculpe incomodar — a assistente iniciou oscilando o olhar —,
mas seu irmão tá na recepção.
— Quem? — ele exclamou e houve uma mudança brusca em sua feição.
E só piorou quando de repente um homem entrou.
— Cansei de esperar, como vai, maninho?
Então esse é o Nicholas Walker?
Ricky citou seu irmão umas duas ou três vezes, na sua casa não reparei
nenhuma foto dos dois, então como não me surpreender com a figura do mesmo
na minha frente? Nicholas era alto igual ao irmão mais velho, cabelos de um tom
castanho claro, olhos de um azul mar infinito, e, ao contrário de Ricky, que
mantinha sua postura de executivo mesmo de jeans, o caçula era estilo bad boy
despojado, calça escura rasgada, camisa branca justa, braços cobertos com
tatuagens, coturno preto e um corpo… definido — se é que vocês me entendem.
— Valéria, tudo bem. — Ricky dispensou a assistente e mirou seus olhos
tempestuosos para mim. — Júlia, nós falamos depois.
— Ah, então você é a minha cunhadinha? Júlia!
Avaliou metricamente meu corpo, sem deixar um milímetro longe dos seus
olhos.
Me senti nua, exposta, esquisita.
— Nicholas, dispenso seu sarcasmo — Ricky jogou.
— Mas eu nunca dispenso, adoro ele.
O clima pesou, era perceptível a tensão que se espalhou rápido no espaço.
— Nicholas, é um prazer conhecê-lo — declarei educada. — Vou deixá-los a
sós, com licença.
Nicholas assentiu, com um sorriso de canto de boca.
Ricky me acompanhou até a porta e beijou minha testa, a energia que
emergiu do seu beijo me preocupou. Fui na direção da minha mesa e, à medida
que cruzava o andar senti alguns olhares tóxicos sobre mim. Até que meu celular
vibrou, mensagem da Raica.
Li a mensagem e olhei para quem enviou, Raica estreitou os olhos e indicou
o caminho oposto com a cabeça, saquei na hora que tinha algo errado
acontecendo, dei meia volta em direção ao banheiro.
29 | Júlia Sales

— Amada, como fico sabendo pela recepcionista que a senhora é um caso do


chefe?
Cobri o rosto com as mãos, revoltada, puta da vida com o infeliz do Orion.
— Raica, o andar inteiro sabe?
— Não tenho certeza, mas se a recepcionista me falou sem ter tanta
intimidade comigo, provavelmente espalhou para geral. Só me conta, o que
houve, não era segredo?
— Era pra ser, mas seu chefe estragou tudo.
Ela uniu as sobrancelhas.
— Ah?
— Bem, estava abafando as desconfianças de Orion na copa, até aí tudo
bem, o convenci que Ricky e eu éramos só amigos e ele pareceu acreditar, só que
me puxou para um abraçou bem apertado no exato momento em que o CMO
brotou como um fantasma muito bravo na porta e flagrou a cena. — Raica
arregalou os olhos e eu esvaziei a caixa torácica. — Foi então que ele me beijou.
— Quem?
— O Ricky, quem mais.
— Ah, sim, você falou ele me beijou, “ele” podia ser um dos dois. — Soltei
uma lufada de ar. Ela tá de graça? — Desculpe, tive um lapso… continua.
— Isso que você escutou, ele me beijou na frente do Orion, provavelmente
foi assim que a fofoca se espalhou.
— Que linguarudo.
Apoiei as mãos na pia e me encarei no espelho.
— Tem mais, amiga.
Ela andou marcando os passos e se posicionou atrás de mim.
— Ontem Ricky disse que vai ficar comigo, ele não viaja nos próximos dias.
A preta ficou branca de tão chocada.
— MEU. DEUS. JÚ.
Girei e ela me abraçou, pulamos como malucas naquele banheiro.
— Então, vocês estão namorando? — Paramos quando o fôlego faltou. —
Você é namorada de Ricky Walker, o dono da porra toda. Ahhhhhhhh. — Ela
sacudiu os cabelos e sapateou fazendo minha barriga doer de tanto rir.
— Calma, Raica, não houve um pedido de namoro oficial, confesso que
estou confusa nessa parte, no entanto, ele me beijou na frente do Orion, após me
chamar de amor.
— Ai, papai do céu! — ela exclamou de um jeito engraçado. — Esses
homens quando precisam ser práticos, são um desastre.
— A grande verdade é que Ricky sabe sobre o interesse de Orion. E quis
marcar território, porém tínhamos combinado manter segredo.
— Jú, o que pretende fazer?
— Não tive tempo para me preparar para os olhares e outras coisas que
virão. Ainda não falei com a minha mãe. E nem consegui digerir tudo, parece que
estou sonhando de tão perfeito. O que estou vivendo com Ricky é intenso, Raica.
— Estou vendo, se ele beijou você na frente do Orion, é porque não tem
receio que todos saibam. Para um homem na posição dele, essa exposição é
praticamente uma confirmação que está fora da pista. O foco agora é você se
manter firme e aguentar o rojão, ser namorada do chefe não será uma tarefa fácil.
Rolei os olhos.
— Raica, minha vida não é uma apostila para a senhora falar toda didática.
— Estou tentando ser o mais clara possível.
— Então fale com franqueza, sei que todos vão me olhar como uma
interesseira, a estagiária que deu golpe, e assim vai… — Arfei e encarei o espelho
novamente. Não havia coragem alguma na minha face, tampouco em meus poros,
estava com medo.
Minha amiga pousou uma mão no meu ombro, girei para encontrar seus
olhos.
— Se o Ricky realmente gosta de você, jamais deixaria alguém te prejudicar.
— Eu sei.
O papo sobre a minha nova vida, segundo a Raica, durou mais alguns
minutos antes de voltarmos para o andar e eu confrontar Orion na sua mesa. O
idiota fofoqueiro estimou felicidades com um cinismo que esquentou meu
sangue. Deixei pra lá e o evitei o resto da manhã. Nesse meio tempo, não vi
Ricky, Ellen e muito menos Nicholas, as salas permaneciam fechadas, como se
não houvesse vida do lado de dentro.
Preocupada, enviei uma mensagem para Ricky:
Aguardei que visualizasse, mas não aconteceu.
Paralisei o olhar na porta de Ricky, relembrando a estranheza de conhecer
Nicholas; o quanto os irmãos não foram saudosos um com o outro; e como o
caçula era bonito. De repente, a porta ao lado se abriu e o homem em questão saiu
de lá, Nicholas analisou o espaço amplo com um sorriso curvado, charmoso,
alguns pescoços femininos quase quebraram. De fato, ele, assim como o irmão,
causava impacto. Um azul intenso igual ao oceano, finito, pélago, me mirou.
Igual a uma pedra hipnótica, o olhar penetrou no meu e, um estalo me despertou.
— Tudo bem, Júlia — ele declarou e sorriu, diante de mim. Ah? — Ou
melhor, cunhada?
— Tudo bem, você… — pigarreei, quando o moço se sentou na beirada da
minha mesa, curvando-se à frente, seus cabelos vieram junto ocupando sua
têmpora, o caçula entranhou os dedos nos fios castanhos jogando-os para trás. —
Não estava com seu irmão?
— Sim, estava, mas como sempre Ricky se ocupou com uma papelada nada
interessante, então fui à sala da Ellen. E você…
— Eu o quê?
— Trabalha na WIS há quanto tempo?
— Alguns meses.
— Interessante!
Ah? Interessante!
Só se for para você, porque para mim, a conversa com esse seu olhar
enigmático está me deixando tonta.
— O que tem de interessante nisso, afinal? — indaguei, como se o
confrontasse sutilmente, ele analisou meu rosto dando uma atenção a mais para
minha boca.
— Em pouco tempo você fisgou meu irmão de ferro, muito interessante, não
acha?
Foi uma pergunta?
Não entendi como tal, visto que percebi uma certa retórica no seu diálogo.
Seu tom ostentou algo diferente, quem sabe — desconfiança. Contudo, o discurso
estava longe de ser curiosidade.
— Talvez ele tenha me fisgado primeiro — respondi sem enfeitar. E por
algum motivo, meu pesadelo fagulhou na minha cabeça, rápido, sucinto.
“Ricky diante de um homem com arma em punho, um disparo… Por que
pensei nisso agora?”
— Nick, querido. — A voz estridente surgiu.
Obrigada, Jesus!
— Conversando com os funcionários, Nick?
Inspirei e soltei o ar devagar.
— Com a Júlia em especial.
— Ainda não decorei os nomes de todas as bolsistas, mas… — Ela me fitou
com desdém. — Não estou interessada, vamos almoçar?
Nicholas gargalhou se divertindo com a exposição ridícula.
O que devia fazer, me apresentar?
— Aqui é muito divertido — o caçula ressaltou.
Então foi minha vez de falar:
— Desculpe, Ellen, sou a nova estagiária da sua equipe, caso não se lembre,
meu nome é Júlia.
Nunca foi do meu feitio esse tipo de disputa gratuita feminina, mas não sou
o tipo “pise se puder”, não vou ser humilhada por quem quer que seja.
— E o atual casinho do meu irmão.
— Desculpe, talvez não tenhamos sido apresentados corretamente, sou a
namorada do seu irmão, que fique claro. — Ergui-me, ajustando meu vestido
justo com renda, equilibrei o corpo por sobre os saltos finos e completei: —
Agora, se vocês me dão licença, tenho que trabalhar. — Saí do covil com muita
coisa entalada na garganta.
Que porra aconteceu ali?
Por pouco não me estatelei no chão quando invadi, sem reservas, o banheiro.
Tremia, por ter sido humilhada, chorava por ter sido comparada e soquei a parede
por ter sido educada demais.
Quem eles pensam que são?
Gritava pela Raica — que merda, porque ela tinha que auxiliar a Celly logo
hoje? E o Ricky não tinha visualizado a mensagem, resumindo, estava sozinha
com toda essa podridão no peito. Tateei toalhas de papel úmidas na nuca e tentei
por vezes controlar a respiração, mas não funcionou, meu coração começou a
acelerar como nunca havia acontecido, faltou ar e tremores estimulavam as
articulações. Então escorei na parede, ergui a cabeça na direção do teto e respirei,
respirei, respirei...
Ricky

De repente fui bombardeado por diversos ângulos, sendo obrigado a dar


satisfação e explicar minhas decisões, porra, eram minhas escolhas, ninguém
tinha o direito de contestá-las. A Ellen fez o inferno vir a mim, anunciou para
meus pais meu envolvimento com a Júlia, além de comunicar diretamente ao
Nicholas, que só pisou na WIS para perturbar meu autocontrole com provocações.
Doze meses, tempo e distância, necessários, desde a última vez que trocamos
alguns socos no Natal da família, prometi ali, que faria o possível para evitar tal
comportamento, era morte ver os olhos tristes de Sara.
— Pai, eu tenho o direito de decidir com quem fico, onde fico e o tempo que
fico. Qual é o grande problema, afinal? — questionei, alterado, após ouvir sua
negativa incessante vezes.
— É uma funcionária bolsista, Ricky. É o suficiente para eu interferir, você
está sendo imprudente, irresponsável, a garota tem vinte anos. Qual o seu
problema? — rebateu.
— Quantos anos minha mãe tinha, pai? Quando você, um rico de berço, a
tirou de uma vida miserável, casou-se com ela e a levou como esposa para os
Estados Unidos. Acho que dezenove, não é mesmo?
— Filho, naquela época eu não tinha tanta visibilidade na mídia como você
tem, era um homem sonhador e rico. Mas não famoso, sua mãe pobre e
batalhadora, nos apaixonamos e…
Interrompi irado.
— Não faria o mesmo por ela hoje, pai?
O patriarca se calou.
— Foda-se a impressa, foda-se a diferença de idade, não ligo.
— Então pretende permanecer no Brasil? — pronunciou mais ameno.
— Por enquanto, sim, Valéria vai agilizar tudo por videoconferência, as
reuniões da Itália ficaram para a próxima semana conforme o combinado e
repassei algumas das minhas funções para os meus diretores, inclusive para a
Ellen, talvez com bastante trabalho ela pare de se meter na minha vida.
— Ela só quis te proteger, filho.
— Proteção? Não preciso desse tipo de interrupção vindo dela, Ellen se
envolveu numa questão que não lhe dizia respeito.
— Filho, vocês eram noivos, e…
— Pai, a partir de agora meu envolvimento com a Ellen é estritamente
profissional, e caso acorra mais alguma interrupção da parte dela na minha vida,
não garanto seu cargo nessa empresa.
— Ricky, não ousaria demitir…
— Sou o CMO, e futuro CEO, não é esse o plano? Não serei misericordioso,
converse com sua pupila, mantenha-a sobre controle, não vou tolerar que ela
prejudique a Júlia, ou se meta em assuntos familiares.
Lancei o celular na mesa.
Ellen despertou o pior de mim, porra, que direito ela pensa que tem para se
colocar no centro da minha vida, e mover meus quereres como peças dispensáveis
desse jogo ridículo? Não ia permitir, não dessa vez.
Vadiei pelo escritório, parando diante da larga janela e deixei a vista me
envolver por alguns segundos.
Não podia prever qual seria o meu futuro com a Júlia, a única certeza
incontestável era que a desejava na minha vida, e isso bastava. Nunca fui tão
incisivo em relação à vida pessoal, como agora.
Voltei à mesa, disposto a ligar para ela, precisava explicar a cena incomum
com meu irmão, e o teria feito, se a interferência de Valéria não me guiasse para
outro caminho.
— Ricky, Sra. Ana Sales na linha.
— Obrigado, Valéria, pode passar.
— Alô, Ricky?
— Boa tarde Ana, tudo bem? — perguntei apreensivo, pois sua voz
esmiuçou.
— Não tenho certeza. — Ela soltou o ar. — Qual o motivo do contato?
— Podemos conversar? Sobre...
— … a Júlia?
— Sim, acho que preciso deixar claro minhas intenções.
— Estou com um horário vago em uma hora, pode me encontrar no salão,
se conseguiu meu telefone, não terá dificuldade com o endereço.
— Em uma hora, Ana. Até mais.
Finalizei a ligação, soltei o ar e disquei novamente, havia um assunto com
certa urgência que precisava resolver antes de qualquer outra coisa.
— Ricky, o que precisa?
— Valéria, peça para o Orion comparecer à minha sala agora.
30 | Júlia Sales

— Devia ter ligado, Júlia... — Raica esbravejou, quando entramos na sala.


Poucos lugares estavam ocupados, então ela pode brigar comigo sem ser
considerada uma louca.
Depois da indisposição respiratória que tive no banheiro — que durou cerca
de vinte minutos — me recompus, retornando imediatamente para minha mesa,
não avistei o casal que me torturou por alguns minutos, foquei nas tarefas e
trabalhei até a hora de vir para a faculdade. Ricky enviou uma mensagem
informando que estava com diversas pendências por conta da troca brusca de
itinerário, mas que me buscaria na universidade para conversarmos. Até então
não havia decidido se contaria a conversa ou troca de farpas, que tive com seu
irmão e a Ellen. Talvez fosse melhor não falar nada, evitar confusão em torno do
que só estava no início (nossa relação) que fui obrigada a intitular como namoro,
pois o Nicholas me obrigou, quando insinuou que eu era somente um caso para o
seu irmão.
— Júlia, está passando mal de novo?
Pisquei, voltando à realidade.
— Não, desculpe, viajei.
— Ainda não acredito em tudo que me contou, estou chocada, minha
vontade era…
— Boa noite, senhoras e senhores… — O nosso professor de mídia entrou
falando, obrigando a Raica a se calar e engolir sua indignação por tudo que contei
a ela.
A aula correu como sempre, excelente e muito envolvente, contudo, me
sentia tão exausta que pouco aproveitei o conteúdo, trabalhar e estudar, era no
mínimo estressante. Me despedi da preta e peguei o celular para enviar uma
mensagem para o Ricky.
Ele respondeu rápido.

Ah, meu Deus!


Como ele pode ser tão fofo-safado.
Decidi, após a mensagem de Ricky, passear pelo gramado próximo às
estufas, esse hiato de dez minutos acalmaria meu coração. Poucos alunos
transitavam por ali, portanto, andei pelo campus tentando eliminar uma angústia
que travei na garganta.
De repente fui envolvida por uma sensação brusca, calafrios, tremores. Na
mesma hora recuei, sentindo-me observada, examinada, nua. Procurei o motivo
daquilo, olhando em todas as direções. Mas não havia nada além de árvores,
bancos e a estufa à frente — apagada, umbrosa. Dei as costas para a ideia de ir até
lá e pisei firme para a saída, quando a voz áspera, obscura, travou meus pés.
— Júlia.
Por que reconheço o tom?
Eu era tão pequenina.
— Filha.
Girei quase sem acreditar, horrorizada, apavorada.
A figura era magra, com poucos fios de cabelos grisalhos espalhados numa
cabeça oval, bochechas chupadas, sobrancelhas grossas, os lábios finos, escuros,
encardidos, traçava um meio sorriso. Paralisei, meus olhos arderam, mas teimosos
deslizaram por toda estrutura disforme, argolas douradas no pescoço, camisa
preta surrada, com calça larga da mesma cor, quis vomitar, faltou pouco, ainda
assim a ânsia permaneceu me insultando, me enojando, enquanto olhava para o
demônio.
— Como você é linda.
— O que você faz aqui?
— Então lembra quem eu sou. Fico feliz, realmente me surpreendo com o
poder da genética. Estou impressionado, minha garotinha se tornou uma mulher.
Ele disse minha garotinha?
Desgraçado.
Mesmo que eu quisesse, seria impossível evitar a explosão que aconteceu
dentro de mim, nem eu mesma tinha consciência do ódio que nutri todos esses
anos, após ouvir tantos relatos de maldade, insanidade, violência, mortes. Um
monstro, um filho da puta de um monstro, era a figura diante de mim, mesmo
tendo consciência do perigo, eu berrei para quem quisesse ouvir:
— Seu demôniooooooooooooooooooooo, o que faz aqui, maldito? Não sou
sua filha, nunca fui, só tenho a má sorte de ter seu sangue. Não me chame de
filha, não tem esse direito. Eu odeio você, odeio ter seu sangue e se pudesse, te
mataria por tudo que fez a minha mãe passar, seu bandido. Não vamos fugir, eu e
minha mãe construímos uma vida e você não vai destruir tudo, como fez em toda
a sua merda de existência, não me venha com seus avisos em formato de buquê
de flores, farei o que for possível, mas não vai se aproximar da gente, seu
assassino.
— Melhor parar de gritar, garota. — A ordem veio áspera.
— O que faz aqui? Seu lugar é no inferno.
— Acho melhor você se acalmar, Júlia.
— Demôniooooooooooo...
Seu olhar me atravessou, ao mesmo tempo que uma mão tocou meu ombro.
— Júlia! — Ricky! Graças a Deus. Virei-me e o abracei quase me fundindo
com seu peito. — O que está havendo, olhe pra mim. — Ele buscou meu rosto,
mas neguei o contato. — Quem é você?
— Me tira daqui. — A voz esmiuçada vazou abafada. — Por favor…
— Quem é esse homem, Júlia?
— Sou Hélio Mauro, pai da Júlia. Quem é você?
— Pai? Nossa! — Ricky me apertou. — Sou Ricky Walker, pelo que percebi
aconteceu alguma coisa, Hélio?
— Minha filha se surpreendeu com a minha visita, só isso, Ricky Walker.
A voz desse homem causava um asco insuportável, se permanecesse mais
um minuto que fosse dividindo o mesmo espaço com o desgraçado, ah, sim…
seria capaz de cometer todos os delitos dos meus pensamentos.
— Ricky, é isso, vamos, por favor.
Meu namorado oscilou o olhar, desconfiado, nada convencido.
— Ok, de qualquer forma foi um prazer conhecê-lo, Hélio.
— O prazer foi meu. — O diabo estendeu a mão e Ricky retribuiu sem saber
que estava cumprimentando o próprio demônio.
Em seguida me conduziu para o carro. Hélio ficou lá, senti sua permanência,
mas meu olhar não se dirigiu mais a ele. Da chegada de Ricky até a entrada em
seu carro, e mesmo durante o afronte com o maldito eu não deixei que uma
lágrima escapasse, porém, exatamente, no girar da chave na ignição, tudo
desabou, chorei sem controle, berrei e gritei sem equilíbrio, meu coração disparou
em batidas sufocantes e o ar sumiu... sumiu… sumiu... Meu pulmão exprimia,
meu corpo queimava, pinicava, a visão turva tornou meu entorno incerto.
Medroso. Pavoroso.
— Júlia... respira, por favor... respira... vou te levar ao médico. — Ouvi o
Ricky falar, mas como respondê-lo?
Se eu estava morrendo.
Senti cada partícula minha doer, e se houvesse voz eu gritaria, se houvesse ar
eu exalaria fôlego, mas não, sentia-me indo… desfalecendo. Medo, medo, muito
medo esmagava meu peito.
— Júlia, se você está me ouvindo, respira, amor, só respira…
Estou tentando, estou…

O quarto estava trancado, mas as vozes atravessavam a madeira e


perambulavam pelo cômodo, como fantasmas enjaulados, me cercando,
amedrontando. Sentei-me no canto da cama e abracei o joelho na tentativa de me
proteger das palavras gritadas, batidas. Minha mamãe chorava, minha vovó
também e eu passei a compartilhar de tudo aquilo mesmo estando longe.
— A Júlia não vai a lugar algum com você.
— Quero a minha filha, Ana.
— Nuncaaaaa, deixe minha filha em paz — mamãe gritou e algo caiu com
força no chão, ao mesmo tempo a voz doida do homem mau explodiu tão forte
que senti a casa estremecer.
— Eu vou acabar com você, sua vagabunda…
— Vai para o inferno, Hélio.
— Eu vou te matar, sua vaca.
Nãoooooooo…
Corri até a porta e mesmo sabendo que não havia força o suficiente nos meus
punhos, esmurrei a madeira e implorei para que ele não a machucasse mais.
Solta ela, por favor.
Supliquei, aos prantos.
— Pare, por favor… solte a mamãe… solte a mamãe… — Meus lamentos
foram ignorados, dado ao cenário de fora, muitos gritos, pedidos de socorro
vazavam pelas paredes, o choro chegava a ensurdecer meus ouvidos e meus
pulsos doloridos não foram capazes de destruir aquela barreira. Não foram. Ela
sempre fazia isso quando ele aparecia, me trancava no quarto para que meus
olhos não vissem, só esquecia de tapar meus ouvidos, pois os sons torturavam o
meu subconsciente, além de produzir cenas dolorosas que esmagavam o meu
coração. Era uma menina, mas não queria ser, quem sabe pudesse salvar mamãe
das mãos dele se tivesse braços fortes. Quem sabe acertasse ele de uma forma que
não acordasse mais, assim ele não poderia marcar a pele de mamãe com as
manchas roxas que sempre eram visíveis após sua partida.
— Eu vou te matar, sua piranha dos infernos…
— Não! — acordei grogue, ai… eu…, desprendi as pálpebras pesadas. Um
mundo parecia ter caído sobre minha cabeça. Que porra aconteceu? Que lugar é
esse? — Mãe — chiei, garganta ardendo.
— Júlia, filha, graças a Deus você acordou.
A visão bagunçada começou a ganhar nitidez, olhei ao redor, as paredes
brancas sombreadas por uma fresta de luz vazadas da janela, empalideciam o
ambiente frio. É um hospital? O Ricky, cadê ele?
— Cadê o Ricky?
— Foi buscar um café para mim. — Ela abriu um meio sorriso e eu arregalei
os olhos. Fodeu. Que os médicos me atestem contra a fúria de mamãe. — Vamos
conversar sobre você dois em outro momento. — Relaxei, colocando esse
problema de lado, pois havia algo mais importante se destacando na minha mente.
— Como se sente?
— Cansada! Mas lembrei de algo.
— Lembrou? Ou sonhou? Você está há algumas horas desacordada.
Desviei para a janela.
Jesus!
— Quantas horas?
— Em torno de sete. Mas os exames estão normais, você teve uma crise de
pânico e ansiedade. Por conta da presença daquele homem.
O cataclisma do momento voltou para o meu peito. Nunca vivenciei um ódio
como aquele, olhar para o demônio desencadeou algo que nem mesmo sabia ser
tão forte.
— Mãe, lembra um pouco antes da vovó falecer, eu tinha uns seis anos,
estava trancada no quarto, mas foi inevitável não ouvir a briga. A senhora estava
desesperada, gritando, chorando, e uma frase dita voltou para a minha memória:
“Quero a minha filha”. O que significa isso, o Hélio quis me levar com ele?
Minha mãe perdeu toda a coloração do rosto, sua fisionomia se assemelhou a
uma folha de papel, reclinei encostando um pouco mais na cabeceira, assistindo a
tortura acontecer diante dos meus olhos, desconfiei durante um tempo que tivesse
um segredo em demasia que cercava a história do Hélio. E sempre soube que era
algo relacionado a mim.
— Ele queria você, Jú. — Sua voz saiu ferida. — Quase matei ele naquele
dia quando golpeei sua cabeça com uma marreta, mas fui espancada igual a uma
desgraçada, a polícia chegou em seguida, mas o cretino conseguiu fugir
deixando-me sob sua ameaça, que me mataria e pegaria sua filha. O Hélio faz
parte de uma facção criminosa, ele é um homem muito perigoso.
— Ele me queria com ele?
Ela aquiesceu trêmula.
— Mas não entendo, por quê?
— Talvez, fosse a forma que ele encontrou de me matar aos poucos.
— Mãe, vem cá — pedi com os braços esticados por um abraço. Seu choro
se misturou com o meu. — Vamos nos livrar dele, está bem? Acredite em mim.
A porta se movimentou devagar e Ricky apareceu por detrás da madeira
branca, com dois cafés nas mãos e um meio sorriso no rosto. Espero em Deus que
ele não tenha escutado a prévia aterrorizante, não quero envolvê-lo nessa merda.
O homem lindo um tanto abatido entregou café para minha mãe que forçou um
sorriso e se afastou, dando espaço para que ele tomasse seu lugar e me abraçasse,
me assustei quando seu coração se chocou com o meu em empates potentes, suas
mãos e braços colheram todo o meu corpo.
— Achei que ia perder você, linda — ele sussurrou no meu ouvido. — Que
bom que acordou.
— Eu estou bem, Ricky, foi somente um susto.
Ele se afastou um pouquinho, o suficiente para me olhar nos olhos.
— Eu sei, falei com o médico. Agora que acordou é bem provável que
receba alta.
— Graças a Deus — murmurou dona Ana.
— Eu escutei a conversa, não pude evitar.
— Ricky, não quero que se envolva nessa merda toda, vou à polícia pedir
proteção contra esse bandido, já decidi — minha mãe falou e colocou o café na
mesa de canto.
— Ana, o bandido está solto e, pelo que você falou, atenta contra a vida das
duas, tenho um amigo próximo que é policial, vou colocá-lo a par de tudo para
sabermos como agir, por enquanto vou providenciar seguranças para vocês.
— Como? — perguntei, atônita. — Ricky, não.
Ele sustentou meu rosto nas palmas das mãos.
— Estamos juntos e eu vou proteger você e sua mãe.
Proteção.
Segurança.
Ele garantiu com a voz rouca e olhar intenso.
Meu Deus, ele realmente estava comigo.
— Ricky, filho, não posso aceitar seu envolvimento.
— Ana, você disse que ele tentou… — Meu amor balançou a cabeça
negando. — Desculpe, se algo acontecer com uma de vocês, não vou me perdoar,
não quando há condições de mantê-las seguras.
— Ricky, seu amigo policial pode colocar esse demônio de volta na prisão?
— Vou conversar com ele, Athos vai saber exatamente o que fazer.
Mesmo estando descontente em envolver o Ricky, não havia opção a não ser
aceitar sua proteção. Hélio era perigoso e temia muito que fizesse alguma
crueldade com a minha mãe, já ela, relutou em aceitar. Não gostou da ideia de
Ricky se envolver, achava arriscado, mas selou um acordo por ora: os seguranças
seriam válidos temporariamente até que uma nova saída aparecesse. E claro,
minha mãe a encontraria cedo ou tarde.
Recebi alta duas horas depois — precisei ficar em observação. Ainda no
hospital, enquanto aguardávamos a liberação do médico, falamos sobre uma
conversa tratada às escondidas.
— Eu devia estar nessa conversa, não acham? — questionei.
— Não quando foi capaz de mentir para mim — ela rebateu, malcriada
aborrecida. — Sempre jogamos limpo uma com a outra.
— Desculpe, eu ia dizer, só estava esperando o momento certo — disse,
tentando sorrir. — E qual foi o acordo final dessa reunião?
— Eu ganhei o selo de namorado oficial.
— É?
— Havia alguma dúvida referente a isso, Júlia?
Sim, eu tinha.
— Não, claro que não.
Ele abriu um lindo sorriso, mas foi minha mãe quem completou:
— E que caso ele te magoe ou prejudique a sua carreira, eu vou arrancar
com as próprias mãos as bolas dele.
Fui atingida por uma crise de tosse, descontrolada.
Ela realmente falou isso?
— Mãe! Tá louca! — Quis ter certeza, quando consegui falar.
— Não, foi somente um aviso. — Ela sorriu de canto e finalizou com dois
tapinhas singelos no ombro de Ricky. — Ele entendeu o recado.
— Ela realmente falou assim? — perguntei para Ricky. — Com essas
palavras?
— Na verdade ele disse bem mais que isso.
Ah?
Minha mãe enlouqueceu.

O médico atestou para que eu descansasse em casa por hoje, podendo


retomar às atividades normalmente no dia seguinte — nem comecei a trabalhar e
já entreguei atestado, vê se pode — Ricky achou que poderia fazer o mesmo (e
pôde) permanecendo ao meu lado o resto da tarde, me mimando com carinhos,
assistimos filme, almoçamos e fomos interrompidos algumas vezes por seu
celular que não parou de tocar. Dona Ana tirou o dia de folga e descansou em seu
quarto nos dando privacidade.
Não nego, achei estranho, mas não reclamei.
Em algum momento do dia, Raica me ligou megapreocupada, expliquei o
ocorrido como um mal-estar, ela fingiu acreditar. Infelizmente, Athos Garbo (o
amigo policial de Ricky) estava fora do país e incomunicável, sendo impossível
colocá-lo a par dos acontecidos e com isso ter seu respaldo profissional.
Quem tem dinheiro tem, quem não tem, diz amém, não é?
Valéria, assistente do Ricky, nos informou no final da tarde que já havia
contratado os seguranças, dois para mim e outros dois para minha mãe. Os caras
ficariam à paisana, sem chamar a atenção, e só entrariam em combate caso
houvesse necessidade. Bem, não estava nem um pouco confortável, mas aceitei,
não tinha escolha.
— Ricky, não precisa.
— Júlia, não posso deixar vocês sozinhas.
— Ricky, esse sofá é totalmente desconfortável, negativo, você não vai
dormir aí. Portanto vá para casa, estamos seguras.
Ainda no hospital, Ricky propôs que passássemos a noite no seu
apartamento até a contratação dos seguranças na manhã seguinte, minha mãe
recusou e eu também.
— Os seguranças só vêm amanhã. Então pare de ser teimosa e aceite um
homem preocupado.
Minha atenção bateu no interfone que tocou.
— Um momento, não encerramos a conversa — ele riu e voltou para a
televisão que passava “O resgate do soldado Ryan". — Fale, seu Beto… como?
Ok. Estou indo buscar. — Desliguei o interfone e encarei o Ricky, que fingiu a
minha não existência. — Ricky, por acaso, mandou entregar algo aqui, como uma
pequena mala?
— Adoro a eficiência de Maria, vou buscar. — Saltou do sofá e saiu porta
afora.
O filho da mãe solicitou que Maria — sua empregada fantasma — fizesse
uma mala, com coisas de higiene, um moletom, camiseta para dormir e um terno
limpo e perfeitamente passado para o dia seguinte. Deixei que ele usasse o meu
banheiro, é claro que meu coração saltitou, gelou e quase parou em tê-lo no meu
cantinho.
Enquanto sua atenção estava em observar algumas fotos antigas pregadas no
mural, eu dediquei o meu tempo livre a babar pelo homem gostoso de moletom
um pouco largo e camiseta azul colada nas costas desenhadas por músculos.
Era muito homem, muito tamanho, muita gostosura.
— Opa, o que seria isso aqui? — Ricky perguntou, observando com cara de
safado, uma ponta de renda vermelha para fora da gaveta de calcinha. — O que
será que tem aqui dentro, Srta. Sales.
Merda, como não fechei essa gaveta direito.
— Ricky, são lingeries, não se atreva a… mex... — rosnei, morrendo de
vergonha. Mas o danado puxou em câmera lenta a ponta, tendo por fim a peça
completa em suas mãos. Cobri o rosto. — Não acredito que você vai ver as
minhas calcinhas.
Ele assentiu interessada.
— Eu tenho tempo, nada marcado por agora. — Ele analisou a renda
pequena. — Júlia, assim você me mata. Já formulei a imagem de você com essa
calcinha sexy e minúscula. O que eu faço agora? Banho gelado?
Assenti, arrepiada, pois o safado me lançou um olhar impróprio para
menores.
E depois voltou a vasculhar a gaveta, e…
MEU. PAI. AMADO.
Puta merda.
O Rickyzinho.
— Hm, gostei muito dessa… essa aqui com lacinho, com certeza vou te
comer colocando ela de lado, delícia… Amo renda vermelha, puta que pariu, essa
aqui… — Apertei os olhos, esperando… — Olha só, há-há-há, senhorita Júlia
Sales.
Cai pra trás, morrendo seca na vergonha.
— Isso é íntimo, sabia — falei e escondi o rosto em chamas sob o
travesseiro. — Meu Deus, Ricky, você é muito abusado — abri visão e o
desgraçado estava gargalhando com meu vibrador na mão. — Pode me devolver
o meu Rickyzinho. — Ele arregalou os olhos, cacete, qual o motivo de eu não
controlar minha boca grande. Porra. Cagoetei o nome de batismo do meu
vibrador.
— Seu vibrador tem meu nome no diminutivo? — indagou, um tanto
frustrado. — Por que, posso saber?
— Apelido fofo, ora.
Ele subiu o meu pau reserva na altura dos olhos.
— Fofo seria se fosse Rickyzão, grande, fodão, assim como o original.
Não aguentei e caí pra trás na gargalhada.
— Não ri, dona Júlia, isso é bem grave. — Tom melancólico e ego
inflamado (homens).
— Ricky — fiz um esforço sobrenatural para amansar a riso—, seu pau não
é pequeno, digamos que é bem… — sua sobrancelha arqueou conforme eu
ondulava a resposta — dotado, grande, gostoso.
Ele jogou os lábios pro canto, cafajeste e voltou a avaliar o objeto.
— Talvez tenha um aliado, o que acha? — Oi? — Minha sogrinha dorme ao
lado?
— Sim e quase sempre entra sem bater e trancar a porta está fora de
cogitação, ela provavelmente acionaria a polícia — despejei os “não” que
parariam sua cara de safado, desejando como louca que ele arrumasse uma
solução, até porque a palavra aliado soou muito sexy na sua boca, sei do que se
trata e meu íntimo começou a latejar por conta disso.
— Podemos ser discretos. — Ondeou seus passos como o mar que invade a
costa, logo afundou seus joelhos nos lençóis, lançando um olhar febril com meu
vibrador em punho. Puta que pariu. Já estava queimando. — Se comia com isso,
pensando em mim?
— Muitas vezes.
Ele gemeu.
— Vem cá. — Ele pousou vibrador ao lado, segurou meus calcanhares,
arrastando-me próximo ao seu colo. — Sendo assim, seus gemidos serão
abafados, sabe por quê? — Num ato vigoroso, ele uniu as minhas pernas as
deixando rente ao seu rosto, depois de baixo pra cima subiu a calcinha
acompanhada da calça do meu pijama. Raspando minha carne com sua mão
macia. Descartou a roupa. — Vou te chupar, te comer com o meu aliado e depois
te foder com meu pau. — Me abriu pra ele. — Caralho sua bocetinha tá
brilhando, molhadinha, gostosa. — Chiei, exposta, pingando de tesão, contive um
gemido e toquei meus seios, mirando-o com a cabeça de lado.
— Ricky, por favor — implorei, abrasada, a ponto de elevar o quadril até sua
boca. — Me chupa, agora.
Ele riu canalha e mergulhou no íntimo das minhas pernas. Arqueei,
oferecendo-me toda pra ele, sua língua ávida penetrou entre as fendas
encharcadas de prazer, abusando do domínio absurdo que tinha em transitar e
sugar com voracidade cada dobra, cada ponto sensível, se dedicou ao meu clitóris
e, por um fio, um grito não escapou acordando toda a vizinhança, estava me
deliciando com seu oral, sem perceber que ele ligou a vibrador e o posicionou na
entrada, enquanto, com maestria me castigava serpenteando meu grelo.
— Nossa — arfei.
Ricky não parou, sua língua tratava meu clitóris e o Rickyzinho me
penetrava cada vez mais fundo, porra, era bom demais.
— Jesus — Apertei meus seios no desespero. — Eu…
Gozei.
Gemi entre os dentes.
Desmanchei-me.
Deliciosamente, vibrei na sua boca. Mas ele não parou, continuou metendo e
metendo, meus fluidos gotejando, ele lambendo, ora meu clitóris, ora minha
virilha, meu corpo em êxtase, minha mente fora de órbita…
Gozei.
Caralho, dessa vez foi preciso tapar a boca.
— Ricky — sussurrei enlouquecida com o Rickyzinho trabalhando sem
descanso.
— Onde tem camisinha, minha linda?
— Na gaveta ao lado da cama.
— Continua, não para — indicou o vibrador, substituindo minha mão pela
dele, permaneci com o vaivém entre as minhas pernas. Ricky, por sua vez, foi em
busca de proteção, rápido, seu pau se pôs encapado, ereto, pulsando diante de
mim, seu tórax ostentando os músculos colados na pele lisinha. — Que visão,
puta que pariu, minha putinha gostosa. — Aumentei o ritmo, os olhos castanhos
devorando meu sexo, lascivo, febril, o som indecente consumindo tudo, tesão…
muito tesão. Chegou a doer.
— Porra, Júlia, que tesão, minha linda… — Seus olhos faiscavam
comtemplando meu estado de luxúria. Havia muita intimidade entre mim e o
Rickyzinho, então, sabia com manuseá-lo com destreza na minha boceta e me
tirar gemidos voluptuosos, os quais estava contendo no momento.
Ele voltou a afundar o colchão com os joelhos, não parei, suas mãos
seguraram meus joelhos e peregrinaram na extensão da coxa até a abertura, seus
dedos roçaram apertando a pele melecada dos gozos anteriores.
— Tira — ele exigiu e eu o fiz, sentindo meu quadril guiar-se para frente e
arregaçar-se ao receber seu pau. — Boceta gostosa — ganiu, socando fundo. Sua
pélvis chocando meu útero, deslizando na baba dos meus lábios, meus gemidos
mais impuros travados na garganta. Ricky murmurando os seus em chiados
descompassados, me fodendo sem misericórdia, bruto, viril, delicioso. — Porra,
Júlia, você é meu ar. — Ele socou fundo, joguei os braços pra trás apoiando-os na
cabeceira. — Meu vício. — Golpeou ainda mais forte. — Meu único desejo. —
Bateu violento, minha boceta contraiu sua ereção, ele gemeu sôfrego, dente
costurando seus lábios. — Você é minha, caralho. Não sobrevivo sem você,
minha garota.
Eu também não… Meu Eterno Momento.
O último golpe intenso e profundo, proporcionou o clímax mais
enlouquecedor de todos, a sensação finita de prazer contraindo a musculatura,
aquecendo a carne em porções salpicadas de deleite, era maravilhoso. Ricky se
entregou e senti seu pau pulsar com seu alívio.
No próximo segundo seu corpo me cobriu e sua boca beirou a minha,
ofegante, ávida, ia se afogar para um beijo, mas antes eu expulsei do meu peito o
sentimento mais puro, aquele que consumia meu sistema.
— Eu te amo…
Ele tremeluziu as pálpebras, perplexo, confuso, seu hálito (meu gosto),
pairando entre as bocas, nossa pele embaçada, misturada.
Corações se tocando a cada batida.
Não esperava que ele retribuísse a declaração com a mesma intensidade da
palavra. Nem sempre demostramos sentimento proferindo coisa bonita, muitas
das vezes um gesto vale mais que mil palavras.
E assim ele me beijou.
Se afogou nos meus lábios, mergulhou na minha alma, com amor…, sim!
Com muito amor.
31 | Júlia Sales

Dias depois...
Os dias seguintes foram intensos, exaustos, interessantes.
Eu administrava o meu tempo entre o Ricky, mamãe, trabalho e a
universidade. Pensem que no meio de tudo isso, havia dois brutamontes vigiando
os meus passos, disfarçados, discretos, mas incomodava. Hélio não deu as caras,
parece que o demônio voltou para as trevas de onde nunca devia ter saído. Ainda
assim, esperávamos a chegada de Athos, já que o advogado do maldito conseguiu
um alvará de soltura alegando bom comportamento e afins.
Que porra é essa de afins?
Fiquei chocada com a irresponsabilidade do juiz de merda, que autorizou a
soltura do bandido com tamanha ficha criminal, essa atitude era praticamente um
crime.
Na WIS CONECT recebia sorrisos constantes das recepcionistas — que
apesar de serem simpáticas, nunca me notaram. Gerentes, coordenadores e
simples colaboradores como eu, me cumprimentavam o tempo todo, sem falar as
minhas redes sociais que bombaram de seguidores, simplesmente por causa de
um IG de fofoca que postou uma foto minha com o Ricky almoçando em um
restaurante. Na universidade virei popular, engraçado que pensei que esse tipo de
visibilidade não acontecesse nas universidades brasileiras, enfim me enganei.
Admito, não me preparei para nada disso, sinceramente não pensei que o
Ricky, apesar da sua carreira de sucesso e o fato de ele ser herdeiro de um
patrimônio bilionário, tivesse tantos holofotes na sua direção.
Já os meus amigos, Lucca, Renan e Théo quase infartaram com a novidade.
No caso do Orion, houve uma mudança brusca, o diretor assumiu outro
setor, os rumores de que eu era o principal motivo para a transferência pipocaram
no andar.
— Ricky, não acredito que tenha feito isso.
Ele jogou o punhado de papéis sobre a mesa e mirou seus olhos impacientes
na minha direção.
— A escolha foi dele, Júlia.
— Escolha? — rebati. — Estou curiosa para saber as opções que o levaram a
essa escolha.
— Infelizmente, são assuntos que não posso compartilhar contigo.
Arquejei, jogando os braços sobre a cabeça.
— Sério?
— Agora sua chefe é a Jessica Gonçalves, tão competente quanto o Orion e
ponto final — afirmou seco.
— Uma mulher?
Ele uniu as sobrancelhas e eu rolei os olhos com o cinismo.
— Algum problema quanto a isso? A WIS não tem distinção de cargos entre
homem e mulher, está claro?
Balancei a cabeça negando, mas evidenciei no olhar que segurou o dele por
alguns segundos, o quanto o seu ciúme estava me desagradando. O conjunto
Ricky Walker era intenso, eu amava conhecê-lo melhor a cada dia que ele fazia
questão de torná-los únicos, todavia, esse ciúme muitas vezes me sufocava, para
sua sorte estávamos em seu escritório e prolongar aquilo não nos levaria a lugar
algum, dessa forma, dei por encerrado a discursão e deixei claro antes de sair o
quanto estava chateada.

— Não, obrigada, estou satisfeita. — Dispensei o garçom antes que enchesse


minha taça com vinho. — Não quero beber mais, só isso — respondi aos olhos
castanhos que me avaliavam do outro lado da mesa.
— Isso é por causa do Orion? — indagou ácido.
— Não, Ricky, é por conta dos seus ciúmes.
Ele rolou os olhos e retirou o guardanapo de tecido do colo, colocando-o ao
lado do prato.
— Já disse que foi escolha dele, tem certeza de que pretendo continuar.
— Continuar com o que exatamente?
Ele arfou.
— Ok, eu exigi que Orion nunca mais ousasse tocar em você, me julgue se
quiser, não consigo me manter tranquilo com o pensamento de outro homem te
tocando. — Estreitei os olhos. — Mas foi ele quem pediu a transferência, não
tinha a intenção de remanejar ninguém, até porque a campanha está incrível e
tudo por conta da equipe que ele liderou, não tenho por que mentir, Júlia.
Deixei as costas caírem para o encosto, de fato, a liderança de Orion na nova
campanha fazia muita diferença, Jessica pegou tudo mastigadinho. Analisei,
Ricky é um profissional incrível e não seria irresponsável a ponto de brincar de
cão e gato com um subordinado. Digo na questão profissional, uma vez que o
embate entre os homens na UP, deixou claro que seu lado pessoal tem pavio
curto.
— Ok, eu acredito em você — falei por fim.
— Fico feliz por isso.
— Mas ainda estou magoada.
— Ok, fico meio feliz por isso.
— É sério.
— Comprei algo para você.
Encarei aqueles olhos castanhos reluzentes e logo desviei para o objeto que
deslizava sobre a mesa.
Uma linda caixa azul.
— O que é isso?
— Abre.
Peguei a caixa delicada de tamanho médio, a dificuldade em abrir
visivelmente me atrapalhou, pois tremia igual vara verde. Destravei o pequeno
fecho dourado e ergui a parte de cima, oscilei o olhar entre ele e a joia, o ar falhou
e meu coração explodiu no peito.
— Meu Deus — exclamei. — Que linda…
Tomei nas mãos uma pulseira de ouro branco, com alguns berloques
pendurados em torno, havia um coração cravejado de brilhantes, um trevo de
quatro folhas, um brigadeiro, uma ilhazinha com pinheiros cravejados com pedras
verdes, um livro aberto, a letra R — dei uma piscadela, assim que identifiquei sua
inicial — e um moranguinho cravejado com pedras vermelhas muito delicado.
Namorei cada berloque recordando os momentos.
— Vamos ter muitos outros para você completar essa pulseira. Gostou?
— É perfeita, obrigada.
— Posso pôr em você? — sugeriu, com seus olhos avelãs invadindo minha
alma.
— Claro. — Estiquei o braço para facilitar. Então ele uniu com elegância a
pulseira ao meu pulso, depositou um beijo casto ali e o liberou. Ergui em seguida
a joia na altura dos olhos, o brilho iluminou meu rosto e um sorriso bobo estalou-
se nos meus lábios. — É linda.
— Talvez tenha um fundo falso nessa caixa, melhor observar direito —
supôs com aquele sorriso de canto safado de sempre. — Voltei a encarar a caixa,
agora faiscando ansiedade por saber que havia mais uma surpresa. — Abre, Júlia.
Suspirei.
Ao canto havia uma fita de cetim da mesma cor da caixa, puxei e o fundo
falso veio junto, desvendando ao fundo uma linda gargantilha que competia de
igual com o sol.
— Jesus, Ricky…, é… Brilhan…
— Sim, linda, é brilhante — afirmou tranquilamente.
Estagnei chocada.
Era uma joia, eu nunca tive uma joia de verdade.
Sempre usei bijuterias que comprava com mamãe na Vinte e Cinco de
Março.
— Não precisava, deve ter custado uma fortuna e é…
— E é sua, quando bati os olhos nessa gargantilha, uma visão um tanto
perturbadora provocou meus instintos e eu não pensei duas vezes antes de
comprá-la para você — falou baixinho, incitante, ondulando as palavras aos seus
movimentos, meu namorado se posicionou atrás de mim, retirou com delicadeza a
gargantilha do suporte deslizando-a pelo meu colo até travá-la no meu pescoço.
Senti cada pedrinha com as pontas dos dedos, admirando a beleza da peça,
estremeci assim que a respiração cálida de Ricky soou na minha orelha. — Sabe o
que pensei, Júlia?
— Não faço ideia.
— Você nua, na minha cama, usando somente essa joia, enquanto eu te fodo
com muita força. — Engoli em seco e latejei instantemente.
Um arrepio na espinha moveu meu corpo, tão logo que a barba por fazer de
Ricky roçou a lateral do meu rosto, alucinando-me como sempre fazia. Ricky
possuía esse domínio de me abrasar em segundos, em qualquer lugar, a qualquer
momento.
— Ricky o que você está fazendo? — indaguei, ele, porém, ignorou a
pergunta e arrastou sua cadeira para o lado da minha, olhei em torno e por mais
que estivéssemos afastados do grande salão do restaurante, ainda assim, era
possível ser percebidos. — Ricky…
— Relaxa, só vou provar a minha sobremesa.
— Não é justo, quer usar sexo para me amansar.
— Eu acho super justo, mas se quiser podemos selar um acordo.
— Que tipo de acordo?
— Se eu te fizer gozar em menos de dois minutos, estou perdoado e o
assunto Orion morre aqui.
— Hahahaha, impossível — desdenhei.
Ele gargalhou convencido.
— Acho que isso é um sim.
Curvei os lábios, não devia, mas estava muito excitada com a proposta.
— Fechado. — Fiz menção de levantar-me, imaginando que estrearíamos a
sacada que protagonizou o nosso primeiro beijo. Enganada estava eu, Ricky havia
traçado seus próprios planos. — Não… Aqui? — Senti sua mão puxar em
pequenas camadas o tecido leve do meu vestido, depois deslizar sobre a carne,
castigando cada ponto no caminho até meu sexo.
— Olhe para frente, quietinha, linda — ele sussurrou, pervertendo o lugar.
Bem, haviam muitas famílias sorrindo na outra extensão do restaurante. Mal
sabiam elas que meu namorado estava abrindo caminho na renda da minha roupa
íntima, deslizando dois de seus dedos na carne melecada de tesão e penetrando-os
na profundida da minha boceta. — Abre só mais um pouquinho as pernas, amor.
— Ricky, Jesus, você… Ah… — Chiei, consciente que estávamos num lugar
público. — Você é louco.
— Por você? Sim eu sou.
Mordi os lábios, seus dedos me fodendo, sua respiração quente vadiando
minha orelha, meu corpo gritando excitado. Tá legal, pretendia ser mais forte e
não uma cadela no cio. Ricky era um safado experiente, que estava disposto a me
oferecer aulas extras da sua indecência e eu, como uma aluna aplicada, nunca
faltei a uma aula.
— Eu vou… ah… — Coloquei as palmas das mãos sobre a mesa e quase
apertei a toalha que a cobria. — Ah…
— Goza, linda… goza pro seu homem.
Ele nunca falou assim “seu homem”, por mais que Ricky provasse em
diversos momentos que estava comigo, o que disse agora abraçou meu coração de
uma forma, além de ser o estopim para um orgasmo intenso que deixei fluir.
— Hm, queria estar lambendo cada gota desse gozo — sussurrou e mordeu
minha orelha, meu corpo relaxou, mas minha respiração permaneceu alterada
evidenciando o quanto o ápice me fascinou, encarei o rosto safado. — Dois
minutos, ou até menos.
Sorri ajustando o meu vestido.
— Devo um troféu a você? — provoquei o convencido. — Por me alucinar
dentro de um restaurante. Ah, não faz isso… — Quase gozei de novo ao ver
Ricky lamber cada dedo melado de fluidos.
— Meu sabor preferido. — Retirou dos lábios o último dedo. — Não seja
injusta, mereço ter minha garota de bem comigo.
— Desde que você não misture mais as coisas, WIS e namoro estão em lados
opostos, ok? — exigi.
— Ok — concordou enfim, depois, para o meu deleite, transitou em carícias
por meu rosto com dois dedos. — Talvez devêssemos subir para a sacada, a
primeira vez que a trouxe aqui, desejei comer você tendo as luzes da cidade como
testemunha.
Safado.
Que homem pervertido e, sendo bem honesta, o amo ainda mais por isso.
— Você só pensa em sexo? — Esmurrei de leve seu ombro.
— Na verdade eu só penso em você, e em foder você, chupar você, o tempo
todo, a toda hora — murmurou cafajeste.
Mordi os lábios e o encarei como uma ordinária que sou.
— Talvez devesse provar na sacada a intensidade desses pensamentos.

***

— Senhorita Júlia — Maria chamou um pouco distante. Desviei do MAC


para encarar a mulher de sorriso doce, sua presença era leve, muitas vezes quase
nula assim como sua voz.
— Sim, Maria, algum problema? — questionei, oscilando entre ela e a tela
do computador.
— O que faço para o almoço? Seu Ricky não pediu nada em especial. Pensei
que a senhorita pudesse me ajudar com o cardápio?
Arregalei os olhos, eu era a pior pessoa para a tarefa.
Suspirei.
Confusa.
Era tarde de sábado, e já fazia parte da nossa rotina eu estudar e Ricky
trabalhar no seu escritório, hábitos adquiridos conforme nos encaixávamos um na
vida do outro. A cobertura que cabia mais ou menos uns setes apartamentos meus
e ainda sobrava espaço, aos poucos se tornou confortável pra mim.
Comportamentos simples, como: ficar largada no sofá ou andar pela sala
comendo um cacho de uva, não eram mais estranhos. Ricky fazia questão de me
deixar à vontade, tanto que sua empregada fantasma se sentiu segura em
perguntar minha opinião.
— Não tenho noção. — Coloquei o aparelho de lado e me levantei num
rompante. — Vou perguntar para o Ricky, ele ainda está em reunião no escritório,
não é?
— Sim, nunca interrompo.
Curvei os lábios, indecisa se seria eu a fazer esse tipo de interrupção.
— Melhor não.
Ela concordou sem jeito.
— Maria, prepare arroz, feijão, bife e batata fria, para acompanhar salada de
folhas verdes e tomate.
Ele abriu os olhos com espanto.
— Comida normal, e seu chefe vai amar. Garanto.
— Tudo bem, senhorita, com licença.
Assisti até que ela desaparecesse no corredor e me joguei no sofá, relaxando
o corpo, eu estava há horas estudando, precisava de uma pausa. Sem motivo
algum, o envelope sobre a mesa de centro, algo que ignorava há semanas, me
hipnotizou e como um alarme meu celular vibrou ao lado.
— Oi, mãe.
Já sabia do que se tratava, desse modo, atendi sem ânimo.
— Filha, diz que repensou?
Lembro-me de ter mencionado o poder de persuasão de dona Ana, garanto,
só piorou nos últimos dias.
— Mãe, eu não vou. Pare de insistir.
Ela permaneceu com seus argumentos sem fundamento, tentando me
convencer em aceitar o convite que coloquei na altura dos meus olhos.

MELISSA
Mais que uma passagem de tempo! É um novo tempo que se inicia.
Te aguardo para comemorarmos juntos meu aniversário de 18 anos!
Sua presença é muito importante, Júlia.

Li cada frase e se houvesse uma pedra ocupando o lugar do meu coração, era
provável que as lágrimas não vertessem, mas não era assim. De toda a traição, a
pior parte foi perder uma irmã que acreditava ter. Melissa, em muitos momentos,
tornou-se um pilar e, mesmo eu sendo dois anos mais velha que ela, muitas vezes
a sua maturidade prevalecia. Não entendo, por mais que tente, como ela jogou no
ralo uma amizade tão linda por causa de um garoto imundo.
— Júlia, ela vai ficar quatro anos na Califórnia, a festa é uma despedida.
Ah, sim.
A princesa vai estudar na Califórnia.
— Mãe, eu não vou.
— Pense bem, é tempo de perdão, filha. Depois conversamos.
Finalizei a ligação, magoada por recordar outra vez essa história. Amassei
aquele convite idiota e o arremessei pra longe de mim, não ia me abater por esse
passado, não quando tudo estava perfeito na minha vida.
— Júlia, tudo bem? — Ricky apareceu de repente, foi então que notei meu
rosto molhado. — Por que está chorando?
Balancei cabeça, sem entender o quão fraca eu era para permitir que minhas
emoções fluíssem assim. Melissa não merecia uma parcela das minhas lágrimas,
muito menos meu tempo.
Como não respondi, ele seguiu meus olhos que ainda estavam cravados no
lixo que se tornou o convite. Obviamente, ele entendeu o porquê, só não tinha
ciência dos motivos.
— Fala comigo?
— Não posso — disse e me apressei em eliminar as gotas que escorriam
com o dorso da mão. — Não quero, desculpe.
Ele soltou o ar descontente, mas não insistiu.
— Vem cá. — Cobriu meu corpo com seu calor, o abraço e o cuidado
bastavam para as recordações sumirem.
Deitamo-nos no sofá, o tempo pausou silencioso, moroso. Carinho e afeto
tomaram cada gesto. Engraçado pensar, meses atrás, o que vivo com Ricky na
minha cabeça nunca seria possível. Ele optou por ficar, se tornou a melhor parte
do meu mundo, o safado pegou meu coração e o segurou junto ao seu. Julguei os
romances, onde as paixões aconteciam rápido, num estalo, mal sabia eu o que
estava traçado pra mim.
— Está mais tranquila? — perguntou baixinho.
— Ahaaaa…
— Júlia, tenho que ir, por uma questão de diplomacia.
Sim, eu sei.
— Tá tudo bem.
— Sou primo do Ruben, seus pais estão fora do país e, além do mais, seu tio
me ligou pessoalmente, insistiu para que eu comparecesse, dei a minha palavra.
Rolei os olhos, bem ao estilo do meu tio.
Contato de milhão ter Ricky Walker por perto.
— Já disse, Ricky, tá tudo bem.
— Prometo marcar presença, beber dois drinks com seu tio e depois te pego
para sairmos, o que acha?
Por outro lado, deixar o Ricky sozinho no ninho das cobras era, no mínimo,
arriscado, provavelmente a festa estaria infestada de amigas da Melissa, piscando
por um certo executivo sem acompanhante. Tia Paula, pelo que a conheço, faria
questão de apresentar meu namorado para todas as amigas — assim como ela,
fúteis, chatas e grudentas —, exibindo-o por todo o salão como um troféu.
Argh.
— Eu vou! — Me ouvi dizer e a posição em que estávamos passou a ser
desconfortável, portanto, levantei-me ficando de frente para ele.
— Vai? Mas…
— Vou acompanhar você.
Ricky franziu a testa.
— Tem certeza?
— Sim, não vou deixar você sozinho no ninho de cobras.
— Que mudança repentina de decisão, talvez minha namorada tenha sido
dominada por uma força maior chamada ciúmes?
— Hipoteticamente, sim — resmunguei e rolei os olhos.
O safado soltou uma gargalhada nada divertida, tirando sarro com minha
cara hipoteticamente avermelhada. Nem a pau ia deixá-lo solto nessa festa, nem
que para isso tivesse que suportar alguns minutos da presença de Melissa.
— Jesus — exclamei, apavorada, lembrando de um fator nada dispensável.
— Não me preparei para a festa, tenho poucas horas para arrumar um vestido,
fazer cabelo, maquiagem, esquece…
— Não se preocupe, resolvemos tudo isso num instante.
Uma interrogação apareceu no meu semblante, ao mesmo tempo que Ricky
tateava a tela do celular completamente seguro de si.
32 | Júlia Sales

Todos os convidados pararam de conversar e bebericar suas taças assim que


adentramos no salão, os olhares comiam a gente com aspectos distintos, alguns
curiosidade outros, queixo caído mesmo — mais conhecido como recalque.
Jamais havia me sentido tão observada, exposta. Conforme avançávamos, os
pescoços quase quebravam acompanhando cada passo que dávamos. Apertei a
mão de Ricky quando o nervosismo me atingiu, embora os rostos não fossem
desconhecidos, a exposição pareceu desenfarpelar toda a confiança que reuni
antes de entrarmos ali.
— Júlia, que vestido lindo. — Fui praticamente assediada por Samantha,
uma amiga que eu fiz questão de exterminar. Melissa contou para a fofoqueira o
que houve, em mais um de seus atos imbecis e a desgraçada não guardou o
segredo nem para o cachorro. — Nossa, Jú, como você mudou. — E claro, que
seus olhos ouriçados estavam em cima de Ricky.
Digamos que seria quase impossível passar batida nesta festa, meu executivo
contratou uma equipe — cabeleireiro, maquiador e uma loja de grife que trouxe
uma arara completa com modelos de gala exclusivos, que praticamente custavam
um rim, estava me sentindo muito bilionária. Optei por um modelo sereia, ombro
único, com rendas delicadas em seu comprimento, assim que peguei o vestido nas
mãos seu tom rose me ganhou, o maquiador fez uma make de Oscar — estilo
mulher fatal. E finalizei com um lindo coque trançado no topo da cabeça. Se bem
que foi difícil manter a vestimenta alinhada com o safado do Ricky, atiçando meu
corpo com mordidinhas na orelha e sussurrando sacanagem em todo o percurso.
— Seu namorado é um gato, Jú.
Ergui uma sobrancelha e encarei o homem ao meu lado, em seu rosto
apareceu aquele sorrisinho sacana nada despretensioso, deixando transparecer seu
ego que ultrapassava o teto. Tá legal, era difícil não escorregar na própria baba,
Ricky conseguia superar qualquer expectativa feminina, ele trajava um blazer
com corte moderno azul marinho, que contrastou muito bem com a camiseta
branca de gola V, uma calça sarja escura que ressaltou o quanto eu era uma garota
de sorte.
— Obrigada. Ricky, essa é Samantha, uma ex-amiga. — A garota
linguaruda, entendeu o recado. Ele gesticulou um “olá” e a lazarenta se afastou.
— Fofoqueira dos infernos — resmunguei.
— Se você quiser, seguimos o meu plano de: dar dois giros, tomar dois
drinks e sair daqui, até porque não vejo a hora de deixar você peladinha sobre a
minha cama usando somente essa sandália prata e chupar sua bocetinha até a
senhorita gritar meu nome — ele sussurrou a devassidão no meu ouvido,
causando um incêndio no meu corpo, foi preciso que uma taça de champagne que
peguei quando o garçom passou por perto, descesse de uma única vez pela
garganta seca, amenizando um pouco o fogo no rabo. — Você tá gostosa pra
caralho, já disse, não é? — Meneei o pescoço ao encontro daqueles olhos
castanhos pecaminosos. — E linda, muito linda.
— Obrigada, você também está lindo, meu príncipe safado — sussurrei,
antes que duas coisas acontecessem, a primeira: um beijo que só aumentou o
tesão; e a segunda: a explosão de uma voz estridente que chegou antes mesmo
que a própria pessoa.
— Ricky e Júlia, é um prazer recebê-los. — Ela examinou a gente
rapidamente, com seus olhos de águia e cabelo com todo o laquê do mundo, e
continuou: — Minha sobrinha querida, está linda nesse vestido de grife, fiquei tão
feliz quando soube do relacionamento de vocês. Enfim, Ricky, você e o Ruben
são homens de sorte, laçaram os dois diamantes da família Sales.
Revirei os olhos com náuseas movimentando meu estômago.
— Paula, o prazer é todo meu, estava ansioso para retornar a essa casa tão
aconchegante. — Como sempre muito educado. — E sim, eu e o Ruben somos
homens de muita sorte.
Ele beijou meu ombro desnudo, deixando minha tia de boca aberta, então
achei melhor me pronunciar, antes que uma mosca pousasse ali.
— Olá, tia Paula, onde está minha mãe? — perguntei, simpaticamente
entediada.
— Ainda não chegou, talvez esteja a caminho com Marcos.
Ainda no carro, enviei uma mensagem para dona Ana, avisando a mudança
de planos, mas ela estava offline e não visualizou.
— A aniversariante, onde está? — Ricky recordou o motivo de estarmos ali.
A festa era da Melissa e eu teria que cumprimentá-la cedo ou tarde.
Contudo, a ideia era melhor do que rever o Nicholas, o caçula estava a alguns
metros de distância ao que parece numa conversa muito divertida com o meu tio
Jorge. Era praticamente impossível não se chocar com sua beleza rústica.
Diferente da última vez que o vi, com sua pinta de garoto mau sexy, nessa noite
ele vestia uma calça preta e camisa justa da mesma cor, compondo um sport chic
bem atrativo aos olhos femininos.
Uau, tão bonitinho, mas tão ordinário.
Depois daquele momento infeliz que tivemos na empresa, o imbecil não
apareceu por lá, mas a Raica como uma boa espiã conseguiu um dossiê completo
do cara, segundo ela, os irmãos tinham uma diferença de idade de dois anos.
Nick, como gostava de ser chamado, não trabalhava na WIS, era do ramo de
“casas noturnas” e um aventureiro nato, praticava esportes radicais e não tinha
nenhum relacionamento há anos, no entanto, estava na lista dos homens mais
cobiçados do mundo, sendo considerado pelas mulheres um bad boy rude
pegador.
Obviamente que tentei conversar com Ricky sobre seu irmão, sei lá, era
estranho, distante e frio o relacionamento dos dois. O irmão mais velho, porém,
sequer permitiu um avanço:
— Infelizmente… eu e o Nicholas não temos uma boa relação e é só o que
precisa saber.
Rolei os olhos descontente, contudo, aceitei o limite imposto por ele e nunca
mais tocamos no assunto até o próprio estar de carne e osso diante de nós.
— Ricky, seu irmão — avisei, indicando na direção com a cabeça.
Tia Paula logo abriu um sorriso forçado.
— Ah, sim, que pessoa divertida é seu irmão. Jorge e eu ficamos muito
gratos quando ele aceitou o convite. Eu vou procurar a Melissa, já volto. — A
irritante saiu para dar espaço ao sarcasmo do Nick que se aproximou a passos
largos.
— Ora, ora, o casal mais comentado das redes sociais compareceu. Júlia,
tenho que ressaltar que está um espetáculo… — Ele tomou minha mão sobre sua
palma, beijando seu dorso numa ação célere. Assenti, olhando de esguelha para
Ricky, que demonstrou seu descontentamento sem disfarce. — Irmão, como vai?
Vi algo incinerando entre eles, era mútuo, de igual, havia muito mais que um
segredo, havia mágoa, cólera naquele conjunto de olhos diferentes. O ar denso,
cortante, trêmulo, volveu, e temi que houvesse um descontrole de emoções.
— O que faz aqui? — Ricky questionou, dando um passo à frente.
— O mesmo que você, socializando com os novos parentes. — Esse
sarcasmo era irritante. — Seu tio é uma figura, Júlia, me apresentou todas as suas
primas na esperança de laçar o último solteiro da família.
— E alguma atraiu você?
— Não, meu irmão pegou a pedra de maior valor.
Tá legal!
Não esperava por essa resposta.
Portanto, agindo rápido, segurei na mão de Ricky, tentando não transparecer
que estava arrastando-o, impulsionei o corpo para darmos o fora, mas Ricky
mirou os olhos azuis e comunicou ácido.
— Depois conversamos.
— Não, não conversamos. — O caçula ergueu o copo de uísque. — Hoje eu
só quero beber.
O mais velho respirou fundo e agora foi sua vez de me arrancar do ambiente
cáustico. Ricky pisou firme, esquecendo o tamanho do salto embaixo dos meus
pés, precisei frear para ter novamente sua atenção.
— Ricky, assim eu vou me estatelar no chão.
— Desculpe, eu…
— Sei que se recusa em falar o que houve, porém é visível que é grave, que
troca de olhar foi aquela? Que espécie de relacionamento de ódio é este?
— Júlia, viu como ele te olhou — ele iniciou, olhos faiscando. — Meu
irmão desejou você, como…
— Não, Ricky… ele...
— Júlia… — A voz que interrompeu, idealizava doçura quando não se tinha
conhecimento da essência por trás dela. Chegava ser hilário como a frase “lobo
em pele de cordeiro” fazia sentido. — Que bom que veio.
— Melissa, feliz aniversário! — Ricky se recuperou e antecipou-se para
cumprimentá-la, enquanto eu permanecia dando as costas, que era o que a ruiva
traidora merecia, procurei alguma cara que se adequasse à ocasião, mas constatei
que só tenho uma, não sou e nunca fui duas caras. — Bela festa, cadê o Ruben?
Virei e a encarei séria, sem pose ou fingimento. Melissa ostentava um lindo
vestido azul, longo, com mangas bufantes, caso não houvesse luz no salão a
encontraríamos com facilidade, havia tanto brilho no vestido que chegou a
ofuscar meus olhos, quem sabe era essa a intenção.
— Aqui, primo. — Ruben surgiu, abraçou o primo com direito a tapas nas
costas, depois beijou o meu rosto. — Júlia, liguei para esse cara de pau e não tive
sucesso em descobrir como tudo aconteceu. Mas pressenti no jantar que os
olhares entre vocês dariam algo a mais.
Refletindo agora, dei tanta bandeira assim?
Ricky segurou a minha cintura me levando para perto, analisei seu rosto,
estava leve e, mesmo não olhando diretamente para a Melissa, sentia seu olhar
sob mim.
— Aconteceu, Ruben.
— Aconteceu, só isso? Sério mesmo?
Ri, não deixando escapar mais nada.
— Olha eles aí. — A voz potente e rouca do tio Jorge veio junto com ele,
olhamos todos na sua direção. — Minhas garotas, juntas de novo. — Realmente
identifiquei como a bebida âmbar em seu copo não lhe caía bem para a sua
consciência. — Rapazes, vamos comemorar, minha menina se tornou mulher e
vai deixar o pai para uma vida nova nos EUA. — Sua voz embargou um pouco,
notei que Melissa se mantinha intacta, espionando cada movimento meu.
— Júlia?
— Tudo bem, Ricky. Acompanhe ele, te espero no jardim, vou
cumprimentar alguns parentes que não vejo há tempo — assegurei para ele que
curvou os lábios não tão seguro, afinal, Nicholas estava por perto e se bem o
conheço seu ciúme estava no nível máximo.
Os rapazes saíram escoltados pelo meu tio. Aliás, falando em escolta, olhei
ao redor sentindo falta dos meus brutamontes. Ricky preferiu dispensá-los na
noite de sábado se achando o suficiente para cuidar de mim. Fiz também uma
checada rápida à procura da minha mãe, que nem a mensagem no celular
respondeu. Foi então que a criatura de azul se movimentou e, mesmo sem
disposição, resolvi falar:
— Parabéns, Melissa, e boa viagem.
— Júlia… — Alguns convidados interromperam, sei lá o que, que a falsiane
iria proferir. A interação durou alguns segundos e logo após voltou sua atenção
aos meus olhos. — Eu contei tudo para o Ruben. — Ela praticamente colou em
mim. — Ele sabe de tudo e aceitou.
— Nossa, admiro a sua coragem — murmurei de volta. — E admiro ainda
mais o Ruben, por confiar em você.
— Quando soube do seu namoro com o Ricky, achei que você falaria, então
contei primeiro.
— Não tenho sua índole, Melissa.
— Sei que não, talvez tenha perdido a alma quando a traí, portanto preciso
do seu perdão para seguir — ela falou baixinho, contudo todo o alvoroço da festa,
a música alta, o falatório dos convidados, era indiferente, parecíamos protegidas
por uma bolha. — Júlia, eu recebi o pior dos castigos, perder você, sua amizade,
seu carinho e, acima de tudo, seu respeito, tirou uma parte do brilho que tinha
pela vida, acredite em mim, eu me arrependo tanto.
— Melissa, eu…
— Espera, eu fiz algo para você.
A garota se afastou cruzando o salão rumo ao jardim, acompanhei e a vi
atravessar a pista e se posicionar ao lado do DJ, avaliei rápido o ambiente muito
bem decorado, com muitas luzes, um bar montado ao redor da pista com os
garçons fazendo um show à parte com as garrafas, a piscina repleta de balões
azuis com prata. Tudo muito lindo. Virei rápido quando uma mão tocou meu
ombro.
— Ruben, que susto, cadê o Ricky? — indaguei, sentindo falta do meu
namorado.
— Seu tio insistiu e o levou para a adega, recebeu alguns vinhos importados
e quis a opinião dele.
— Agora? Meu tio, hein!
— Júlia, a Melissa te falou que me contou tudo?
A mudança de assunto brusca e direta.
— Sim, acabou de falar e eu disse que admiro você.
— Quando amamos alguém o perdão acontece, vejo de perto o quanto ela
sofre com a sua ausência. E eu sofro, pois amo muito ela.
— Se coloque no meu lugar e repita a primeira frase que disse, tenho
absoluta certeza que não vai ser tão fácil assim. Melissa não deu valor ao que
tínhamos, Ruben. Infelizmente não posso fazer nada.
— Olhe para lá. — Ele apontou para o telão e Melissa estava com o
microfone na mão se preparando para falar. — Talvez ela queira declarar algo.
— Ela não?
Ele assentiu.
A festa parou, toda atenção se voltou para a aniversariante. Melissa não
escondeu o nervosismo, suas mãos pareciam suar por dentro das luvas curtas de
cetim que usava. Ela inspirou todo ar à sua volta e iniciou:
— Primeiramente quero agradecer a todos, vocês estão testemunhando o
nascimento de uma nova Melissa, isso não significa que me tornei perfeita, pelo
contrário, permaneço cheia de defeitos e erros, porém agora mais consciente de
todos eles. Quero agradecer aos meus pais que me privilegiaram com uma
excelente educação, me criaram com amor e prioridade. — Ouvi meu tio assoviar,
olhei na sua direção e não notei o Ricky ao seu lado. — Contudo, todavia,
entretanto... — Houve alguns risos dispersos. — Quero dedicar essa noite a uma
pessoa, Júlia. — Voltei minha atenção a ela, mesmo preocupada com Ricky,
deixá-lo sozinho com o Nick… Inesperadamente o próprio se posicionou ao lado
de Ruben, me lançou seu olhar, sei lá... esquisito, deixando-me ainda mais
inquieta, cadê o Ricky? — A Júlia é e sempre será mais que uma prima, ela
sempre foi uma irmã mais velha, aquela que a gente se inspira, se espelha, sonha
em ser igual quando crescer, sabe? Nossa conexão era algo fora do normal,
quando fiquei doente com uma gripe e febre de quarenta graus, ela passou a noite
comigo, pois alegou que seu amor me curaria e curou, amanheci sem febre no dia
seguinte, me recuperei sabe-se lá como, brincamos o dia inteiro no jardim e
choramos até soluçar quando tivemos que nos separar. Portanto… — Sua voz
falhou, sua maquiagem borrou e novamente entramos na bolha. — Jú, eu errei,
cometi o mais cruel dos pecados, mas diante de todos quero registrar o quanto te
admiro, o quanto te amo e como tudo parece sem sentido por não ter você.
Então tudo diluiu dentro de mim, meus batimentos acelerados mostraram o
quanto suas palavras confundiram tudo. Ruben correu para frente, e não sei por
qual motivo olhei para o Nicholas, seus olhos cravados tentavam revelar algo —
compaixão? Continuei confusa. A exposição me incomodou e diante disso
retornei para dentro, precisava desesperadamente fugir dos olhares bizarros,
desloquei o corpo por alguns convidados que sorriram ou até tentaram puxar
assunto, nem dei bola, andei desordenada querendo distância da multidão, fucei
na clutch, peguei o celular, acessei o aparelho tentando conter as lágrimas,
mandei um áudio para Ricky, pois não havia condições de digitar nada.
— Ricky, onde você está, amor?
Aguardei uma resposta, para que tivesse um norte, conversar com Melissa
agora seria idiotice, talvez em outro contexto. Na confusão de andar e olhar se
havia resposta de Ricky, esbarrei num garçom, sua bandeja recheada de taças foi
ao chão, o estrondo de cacos chamou muita atenção, além do estardalhaço formar
uma grande poça de champagne no assoalho.
— Desculpe, moço, a culpa é toda minha — falei, arrependida pela
distração.
— Tudo bem, senhorita, vou recolher tudo.
— Cuidado para não se cortar — avisei, já que o rapaz recolhia os cacos sem
luvas. — Quer ajuda?
— De jeito nenhuma, moça. Já estou quase terminando.
Desviei a atenção para o meu celular que vibrou. Ricky respondeu com uma
mensagem:

Franzi o cenho confusa.


O que ele faz na adega se meu tio...? Voltei para o garçom, que começou a
secar a lambança com vários panos de chão, um outro garçom veio ao seu
socorro, então me senti confortável para sair.
— Desculpe, sei que te dei trabalho.
— Oh, não é nada, senhorita, eu que peço desculpas, seu vestido sujou?
— Acho que não. — Dei uma olhada rápida, o vestido estava intacto. —
Com licença.
Me distanciei seguindo para a parte de trás da casa onde ficava a adega,
desci os degraus de madeira com certa dificuldade por conta do salto fino,
enruguei a renda no quadril para ter melhor visão do chão. Mesmo antes de
concluir a descida, julguei estranho o silêncio, mas também suspeitei que Ricky, o
devasso incontrolável, poderia ter armado alguma surpresinha para mim — mal
sabia ele que não estava no clima. Andei com cuidado entre as prateleiras rústicas
sobrecarregadas de garrafas de vinho.
— Ricky — chamei e a voz ecoou no espaço médio. — Ricky?
Ok. Não gostei de não obter uma resposta.
Vasculhei o espaço com mais duas outras entradas, um banheiro e um outro
canto sem utilidade. Não havia ninguém ali, chequei o celular sem nova
mensagem, resolvi voltar, provavelmente me desencontrei do meu namorado.
Contornei a mesa no centro e um rumor que se misturou com passos evitaram
minha subida.
— Ricky?
— Cunhadinha, que surpresa.
— Nicholas, o que faz aqui?
— Boa pergunta!
— Como assim? Aliás, viu seu irmão?
— Achei que o veria aqui. — Oi? Segui confusa. Nicholas finalizou a bebida
dispensando o copo na mesa. Olhou o lugar sem entusiasmo, como se nada o
surpreendesse. Preencheu os minutos seguintes me analisando. Merda. — O
discurso da Melissa… ou melhor, a declaração de amor, um tanto comovente.
Não tinha resposta para essa questão, estava extasiada com tudo e o tempo
me faria assimilar melhor o que mudou dentro de mim.
— Assunto complicado.
— Todos temos, acredite. — Engraçado, essa é a primeira vez que sua voz
soou grave sem enfeites, como o sarcasmo que sempre o acompanhava. — Devia
conversar com ela ou dar um foda-se e continuar com o ódio.
Talvez Nicholas cessasse as dúvidas sobre essa relação odiosa dos irmãos,
passo atrevido, sim. No entanto meu coração gritava por respostas. Uma pergunta
travou na ponta da língua, pois o toque do celular bateu potente na pequena
caverna de vinhos.
— Só um momento. — O nome do Ricky piscava na tela, aliviada soltei o ar.
— Amor, onde você está? — O chiado se sobrepôs a um outro som
incompreensível. — Ricky, está tudo bem?
— Olá, Júlia. — A entonação forte, macabra, trouxe uma sensação
assustadora. — Tudo bem?
— Quem fala?
Aquela voz estava longe de ser a do Ricky.
— Um amigo.
— Amigo de quem? Por que está com o celular do Ricky?
— Júlia, o que houve? — indagou Nicholas.
Não tinha reparado, mas ele já estava atento ao meu lado.
— Júlia, presta atenção, você não vai fazer nenhum tipo de escândalo, até
porque não vai querer acabar com a festa da ruivinha. Permaneça com seu
cunhado na adega, que lhe enviarei um vídeo e logo após darei os próximos
passos.
— Que merda é essa, cadê o Ricky? O que faz com o celular dele?
— Ele está conosco, como um convidado especial e valioso, para tê-lo
novamente terão que pagar um valor bem alto. Mas isso eu te passo daqui a
pouco, sem escândalos.
— Que brincadeira é essa? Muito manjado esse golpe, seu lunático, e....
Tu tu tu, ele desligou.
Encarei o celular perplexa.
— O que houve?
Estranho, não podia negar.
— Um louco com voz de filme de terror, disse estar com seu irmão e quer
dinheiro para liberá-lo.
Uma aragem fria transpassou um corpo, arrepiei. E não aprovei a fisgada no
peito.
— Deve ser algum idiota. É trote. — Nick gargalhou e se escorou.
— Sim, pode ser — Não sei, tem algo errado, os convidados da festa não me
parecem pessoas que fariam algo assim. Tão escroto. — Vou procurar o Ricky, às
vezes ainda não tem ciência de que perdeu o celular.
— Poxa, achei que ia provocá-lo mais um pouco, por isso desci aqui, vai
ficar para o próximo encontro.
— Que lance é esse? — Abracei a oportunidade ultrapassando a barreira.
— O homem perfeito não te contou?
— Não! Talvez você possa fazê-lo?
Meu celular vibrou, me assustando, pois estava concentrada no rosto
misterioso do caçula.
— É novamente do número de Ricky, mas agora é um vídeo.
— Deixa eu ver. — Se apossou do aparelho. — Vamos ver o que esses
merdas querem, vou baixar, se for vírus me responsabilizo.
Assenti descontente.
Aguardamos quietos o download. Quando alguns ruídos e gemidos
ressoaram, Nick cerrou os olhos como se a imagem o aterrorizasse, me pus ao seu
lado podendo assim compartilhar das cenas mais cruéis e dolorosas da minha
vida.
— Nick, é seu irmão? — Minha voz saiu embargada, dolorida.
— Meu Deus, é sim, Júlia…
Ricky com os pulsos e tornozelos atrelados à corda, ao seu redor quatro
homens encapuzados, um deles em posse de uma barra de ferro que ele não se
limitou ao usar, lançando o metal com golpes certeiros.
NÃO…, um bolo se formou na minha garganta limitando minha respiração.
Havia pouca iluminação, mas a tortura era visivelmente exposta, dolorosa,
apavorante. Meu coração parou e começou a sangrar, a crueldade que arrancava
os mais doídos gritos e gemidos do homem que amo sem medidas, era covarde,
cruel, desumana. Feria minha alma, o desespero de estar de mãos atadas correu
meu corpo, lágrimas molharam meu rosto e bambeei em cima do salto.
— O que significa isso, Nicholas? — perguntei num fio de voz encarando
seus olhos perdidos. — Por que enviaram pra mim? Eles estavam machucando-o,
espancando muito ele, você viu. Meu Deus, então o homem, a voz, estavam
falando a verdade, seu irmão foi sequestrado, é isso?
— Calma, eu vou chamar a polícia. — Ele sacou seu celular. Mas não
conseguiu acessá-lo. — Júlia, olha pra mim… — Nicholas, soltou o aparelho a
tempo de me segurar em seus braços evitando uma queda. — Olha para mim…
— Temos que encontrá-lo, Nick — rumorejei fraca.
— Júlia, calma, respira, olha pra mim…
Tentei, eu juro que tentei, mas como um rapto pavoroso minha mente
submergiu num rio preto.
33 | Júlia Sales

— Júlia… Júlia…
Ah…? Quem… oi… uma voz melódica, calma, macia, soou aproxima ao
meu ouvido. Despertei de um pesadelo horrível e tudo desadormeceu assim que
consegui despregar os olhos, inclusive dores musculares, ai… cada músculo se
fez presente, dolorido, latejante. O que aconteceu comigo afinal? Fui atropelada
ou caí de um penhasco?
— Mãe! — murmurei, a visão tornando-se possível. — O que aconteceu?
Onde estou?
— Filha, você desmaiou, calma, estava com a pulsação muito baixa por
conta da notícia, sofreu um colapso nervoso e veio para o hospital — ela
explicou, movendo os dedos no meu cabelo. — Como se sente agora?
— Hospital? Notícia? Por que eu desmaiei?
— Você não lembra?
— Não. Cadê o Ricky?
A pergunta surgiu, tal qual a consciência me golpeou.
— Jesus, o Ricky, mãe, preciso sair daqui — vociferei aflita, colocando as
pernas para fora da cama. — Ai, que merda, porque tudo dói?
— Júlia, calma. — Ela tentou conter as ações. — O Nicholas está no
apartamento do Ricky, estão cuidando de tudo. Se acalma, pelo amor de Deus,
você passou muito mal.
— Eu não sou o foco, mãe. E sim o Ricky, preciso de notícias.
— Júlia, você está há oito horas desacordada.
— Tudo isso! E até agora o Ricky está desaparecido, na mão daqueles
bandidos… — blasfemei, tentando angustiosamente descer da cama, entretanto
dona Ana me conteve, o que me deixou ainda mais aborrecida. — Mãe, preciso
descer.
— A senhorita não vai a lugar algum até receber alta.
— Serve o velhote aqui?
Viramos em sincronia para a porta, tendo ali um senhor de olhos graúdos.
— Bom dia, doutor — a mulher teimosa saudou. — A mocinha aqui não é
fácil.
— É o vigor da juventude. Sou o doutor Henrique Duarte. Como vai, Júlia?
— ele quis saber já ao meu lado. — Sente-se melhor?
— Novinha em folha — menti, com uma dor de cabeça dos diabos.
— Seus exames estão normais, porém, verifiquei seu prontuário e não é a
primeira vez que esse tipo de apagão acontece, acredito ser um desgaste
emocional. Mas precisamos investigar.
— Da outra vez achei que ia morrer com a falta de ar. — Lembrei do
primeiro incidente.
— Sintomas claros de ansiedade, mas como disse, teremos que investigar as
suas causas, então vou marcar alguns acompanhamentos necessários para
descobrirmos o porquê dos surtos emocionais, ok? Por enquanto, recomendo que
evite situações desgastantes, até termos um diagnóstico preciso. Diga que vai se
comprometer com as consultas?
— Ela vai doutor, nem que seja amarrada.
Nem precisei responder.
— Obrigada, doutor, estou de alta?
— Sim, está! Se cuida, Júlia.
Minha mãe roubou os próximos minutos do doutor Henrique, enchendo-o de
perguntas sobre ansiedade, nesse meio tempo uma enfermeira me auxiliou, estava
muito agitada, tendo em vista o cenário que encontraria quando chegasse ao
apartamento de Ricky. Dona Ana me protegeu das notícias, não informou nada
que não tivesse conhecimento antes de apagar.
Antes de mergulhar num mar turbulento e inconstante.
As imagens aterrorizantes do vídeo massacravam a minha mente, segundo a
segundo e as lágrimas rolaram, logo que me encolhi no assento do carro a
caminho do apartamento. Como não desconfiei que teria algo errado na festa? O
sumiço repentino de Ricky. Não tinha como prever…, abracei meu corpo. Um
sequestro, era o improvável, ninguém estava preparado para algo assim, eu não
estou preparada para ver o Ricky ferido. Não… O pânico voltou a movimentar
meu corpo, joguei a cabeça para trás e respirei, precisava ter controle, do
contrário, o hospital seria meu lar.
— Mãe, a senhora assistiu ao vídeo? — perguntei, num fio de voz. — Viu o
que faziam com ele?
— Vi, querida — disse, enquanto dirigia. — Mas falei com a Melissa um
pouco antes de você acordar, acredite, vão resgatar o Ricky.
Assenti chorosa, acreditando fielmente na sua promessa.
Depois de intermináveis trinta e cinco minutos, entrei na sala e encarei todos
que se levantaram assim que me fiz presente, estavam ali: tio Jorge, Melissa,
Ruben e um homem que não conhecia.
— Júlia! — Melissa brandou ao meu encontro. Impactei com sua atitude, a
ruiva me abraçou tão forte, não recusei o carinho, pelo contrário, retribuí, o que a
fez sorrir quando nos encaramos. — Você está bem? Estávamos preocupados
contigo.
— Eu estou bem. Cadê o Nicholas? — perguntei por não o ver entre os
outros.
— Foi tomar banho. O coitado precisava esfriar a cabeça — disse meu tio,
acompanhado do outro homem desconhecido. — Filha, este é o Athos Garbo. Ele
é amigo pessoal de Ricky, além de investigador federal — apresentou o homem
que eu conhecia pelo nome, inclinei a cabeça para olhar a conduta firme.
— Olá, Júlia, está melhor?
— Sim, só me diga alguma coisa, temos notícia ou o paradeiro dele? Sabem
quem está por trás dessa merda?
— Calma, melhor sentar-se.
Pelo tom, concluí que as notícias não eram boas.
Avancei então pela sala, observando no caminho para o sofá o amplo espaço
que nos últimos dias me acolheu. Ruben me lançou um sorriso tristonho, mas
permaneceu do outro lado debruçado na mesa de jantar.
— Certo, abre o jogo — falei e me sentei.
— Eu assisti ao vídeo, eles são muito violentos e profissionais — Athos
contou e não contive as lágrimas, os gemidos de Ricky zumbiram no meu ouvido.
— Eu estava na Califórnia, em uma investigação particular um tanto delicada,
esse foi uns dos motivos que não desembarquei antes quando Ricky me ligou
semanas atrás. Por sorte, Nicholas entrou em contato, enquanto a senhorita era
atendida pelos paramédicos, uma amiga me emprestou o jato familiar e consegui
embarcar o mais rápido possível. Ativei alguns parceiros de confiança, em poucas
horas iniciaremos a investigação. Júlia, preciso que você mantenha o controle
emocional, pois a rotina dos últimos dias vai ser a chave para montarmos esse
quebra-cabeça, então tente lembrar de algo, ok?
— Como o quê? — quis entender perdida.
— Alguns rostos diferentes, algum acontecimento estranho.
— Certo, vou vasculhar a minha mente.
Ele continuou:
— Ligaram hoje cedo. Pediram cinco milhões de dólares.
— Meu Deus! — Quase caí pra trás. — E como eles pretendem receber tudo
isso?
— Em torno de quatro dias, querem receber em espécie e só vão liberar o
Ricky após examinarem as notas, são espertos e ambiciosos. Sabem exatamente
quem eles têm na mão, e vão nos torturar para não falharmos ou tentarmos
sabotar o plano. Aliás, seu celular foi confiscado como evidência. É melhor
providenciar outro.
Fiz um esforço sobrenatural para assimilar tudo, sem chorar
descontroladamente.
— Entendi, celular confiscado, mas e nós, ficamos aqui parados?
— Teoricamente sim, tem peritos no local do sequestro, verificando
possíveis provas. Estamos analisando as imagens das câmeras da casa e da região.
Também vamos interrogar os funcionários do buffet e todos os convidados.
— E os pais do Ricky já sabem?
— Sim, e estão a caminho. — A voz bateu no espaço, Nicholas, descendo as
escadas, logo identifiquei a roupa que usava, uma calça de moletom e camiseta,
as peças preferidas do irmão para ficar em casa. O caçula atravessou a sala
segurando meu olhar. — Você está melhor? — inquiriu, dobrando os joelhos para
que seus dedos suavizassem as gotas que não controlei.
— Estou... seus pais?
— Abalados, considere conhecê-los em no máximo umas dez horas, estão
vindo de jato com uma enfermeira monitorando o estado emocional e físico deles.
Não podia deixá-los de fora, o Athos falou o valor que pediram? Que não é o
maior problema, a prioridade é meu irmão, que dobrem o valor, pagamos, desde
que Ricky saia vivo.
Mirei os olhos de Nick não havia nada além de preocupação e amor pelo
irmão. O que me levou a crer que em momentos como este, as diferenças somem,
o sangue pulsa e o laço afetivo prevalece.
— Meu amigo vai sair vivo, é uma promessa — Athos reforçou a esperança
de todos, afastando-se para a varanda para atender o celular. Olhei um pouco ao
redor depois que Nicholas se sentou no sofá em frente, era palpável a tensão.
Massageie a face, era tudo surreal. Na véspera, aqui mesmo nessa sala,
planejávamos felizes, uma possível viagem para Itália, rindo à toa, abraçados…
agora? Ainda não consigo engolir essa realidade.
Maria, muito gentil, deixou sobre a mesa café e suco e, muito abatida, se
recolheu. Pude ler em seus olhos que chorou um bocado. Ruben se encolheu na
escada com Melissa ao seu lado, minha mãe permaneceu em oração com o terço
na mão e tio Jorge conversava alguma coisa com o Nick em relação à festa que
foi interrompida assim que o caçula comunicou o desaparecimento do irmão.
— Júlia. — Athos retornou de súbito atraindo os olhares. — Só querem falar
com você.
— Ah?
— Os filhos da puta querem que a partir de agora você intermedie as
ligações, a equipe está vindo para cá e vamos montar os equipamentos
necessários aqui.
Meu corpo trepidou com a responsabilidade, mas não recuei, daria a minha
vida para ter Ricky a salvo desses vermes.
— Ok. Eu falo.
— Não, senhora, Athos desculpe, mas a Júlia não tem condições
psicológicas para isso — decretou dona Ana. — Nem pensar.
— Eu falo.
— Júlia, pare de ser teimosa.
— Tem certeza? — perguntou Nick.
— Sim, eu vou ajudar.
34 | Júlia Sales

Intactos, foi a posição de todos enquanto a equipe de inteligência organizava


de maneira veloz uma ilha com tecnologia avançada — coisa de filme mesmo. A
sala de Ricky se tornou uma espécie de concentração tecnológica com alguns
policiais federais andando de um lado para o outro. Era assustador ver a rápida
mudança de cenário. Athos liderava sua equipe com pulso firme, me peguei
olhando para ele, o homem alto aparentava ter a mesma idade do amigo, com um
zilhão a mais de músculos no tórax e braços. Havia várias tatuagens que ele não
fazia questão de esconder no tríceps e bíceps expostos, rosto bonito e um
charmoso coque bagunçado que prendiam seus cabelos castanhos, por fim, um
homão.
O dia seguiu angustiante com fotos e fatos aparecendo, o investigador
colocava tudo em um mural central. A família de Melissa dirigiu-se a um hotel,
por tempo indeterminado, a casa estava interditada para algumas averiguações —
não entendi essa parte, não houve um crime de morte, achei desnecessário, mas
quem era eu no meio deles —, os convidados estavam prestando depoimento na
delegacia, assim como os funcionários do buffet fizeram antes de anoitecer. Em
um certo momento, ouvi Nicholas conversando com a Ellen que pareceu alterada
do outro lado da linha, pelo que entendi, ela estava presa na Itália em uma viagem
de negócios feita para suprir a agenda de Ricky.
Não conseguia comer e quando forçava algum alimento diferente de água,
era instantâneo eu correr para o banheiro e colocar tudo para fora. A cada minuto
que passava a espera era dolorosa, visto que os sequestradores não retornaram e,
sem notícias, parecia tudo vago, torturante, penoso.
Um pouco antes das nove da noite os pais dos irmãos chegaram bem
abalados. Sara era uma mulher de pele preta com gestos simples e aparentava ser
um doce fora dessa situação delicada, já Robert Walker, um homem troncudo,
expressão rígida e ações bruscas. Olhar para ele era o mesmo que ver o Nick,
olhos azuis e pele branca. Meus sogros me cumprimentaram de maneira cordial e,
sinceramente, mesmo sendo os pais de Ricky, estava tão assustada que não foi
possível ficar ao menos tensa com a presença deles.
— Júlia! — Athos me chamou para perto dele. — Olhe essas fotos, são dos
funcionários do buffet. Alguém é familiar? Talvez tenha visto em algum lugar em
sua rotina ou do Ricky? — Entregou as fotos.
— Deixa eu ver.
Folheei cada foto, não lembrando de nenhum rosto. Pessoas comuns que
nunca vi na vida. Contudo... faltava alguém. O garçom que esbarrei, não havia
ninguém com sua fisionomia entre as fotos, para ter certeza folheei três vezes, ao
contrário poderia me equivocar.
— Alguém? — ele indagou, intrigado.
— Na realidade, falta alguém. Um garçom que tombou comigo no salão, o
incidente aconteceu minutos antes de eu descer para a adega, acarretando muitas
taças no chão. Não tem ninguém aqui que pareça com aquele homem — afirmei e
devolvi as fotos.
— Estranho... estão todos aqui. Você pode descrevê-lo?
— Sim, ele era magro, mais ou menos do seu tamanho, cabelos pretos e
olhos assustados, grandes e negros. Pele clara, ah... tinha um bigodinho bem
aparado. Acredito que seja isso. Ele ficou bem agitado com o incidente, mas foi
muito educado.
— Athos, talvez faça parte dos bandidos…? — Interveio Nick.
— Não podemos descartar nenhuma possibilidade e ninguém — declarou o
investigador, anotando freneticamente.
— Gente, olha isso. — Ruben se aproximou, exasperado. Apontou a tela do
seu Iphone na nossa direção. — Caiu na web, os principais sites de notícias estão
noticiando o sequestro do Ricky. “Ricky Walker, CMO da rede WIS UNIVERSITY
CONECT. Foi sequestrado nesta noite de sábado, ainda não conseguimos
contato com a família e a assessoria de imprensa da WIS CONECT também não
se pronunciou.’’
— Como? Pedimos descrição — vociferou Nick.
— Primo, talvez algum funcionário do buffet tenha vendido a informação, ou
algum convidado — acrescentou Ruben.
— Agora fodeu tudo — Athos resmungou, atento ao chamado de um outro
policial afastado.
— Caralho! — o caçula esmurrou a parede à sua frente.
E bastou um segundo para a acústica da sala ter toques insistentes de
celulares, todos tocando ao mesmo tempo. Exceto o de Athos, que permaneceu
afastado com o policial, os demais massageavam as têmporas, ocupados com seus
aparelhos.
Até o meu tocar, e todos mirarem no objeto que piscava.
Gelei.
Perdi o ar.
— Ellen, nos falamos depois. — Nick desligou seu celular. — Atende com
calma, Júlia.
— Júlia... — Athos me entregou o meio de comunicação com os bandidos.
— Vou ficar ao seu lado, qualquer receio se cale e aguarde nossa posição, ok?
— Ok.
Nem sei expressar o quanto estava apavorada.
— O celular está conectado a rastreadores, com isso terei acesso a ligação
por esse fone. — Ele encaixou o fone na cabeça. — Tenta se manter calma, eles
vão testar você, — Athos deu um último aviso.
Assenti.
Corajosa.
A vida de Ricky, dependia do contato, então…
— Alô...
— Olá, Júlia. Como você está? Melhor?
A voz rouca e horripilante, soou formal. Como se aquilo fosse uma conversa
entre amigos.
— Sim, estou... — A questão de seu conhecimento pelo meu mal-estar
intrigou todos, no entanto, deixei de lado, Athos não, trêmula, continuei: — Posso
falar com o Ricky?
— Não...
— Por que… não?
— Ele não parou de vomitar sangue, bem possível que não consiga
pronunciar uma palavra sequer.
Tapei a boca e, abafei meu grito.
Sara não conseguiu a mesma proeza, ofegou seu pranto e com o auxílio do
marido e da enfermeira, se afastou.
O maldito, de fato, sabia como agredir cada psicológico presente.
Calma, Júlia, concentre-se.
— Por favor...
— Por favor um caralho, quais foram as coordenadas? Nada de mídia, não
é mesmo? O que acham, que estou blefando? Que somos amadores?
— Não, jamais…
— Então, por qual motivo a mídia está noticiando o sequestro? Você...
Consegue... ME EXPLICAR? QUE PORRA!
Me desequilibrei com o urro forte, por pouco não soltei o celular.
— Não sabemos como vazou — busquei explicar, em pânico, voltando ao
fone. — Eu juro, pode ter sido alguém... mas não sabemos quem... Por favor, não
o machuque, por favor...
— O dinheiro em notas reais — pontuou sinistro, fúnebre. — Sem gracinha,
sem artimanhas, conheço todas, minha cara, do contrário, dois sacos serão
entregues, um com o tronco e os membros do executivo e o outro com a cabeça.
Athos resgatou o celular, inutilmente, os desgraçados encerraram a ligação.
Não conseguia mais, me fechei em soluços sentindo o meu coração sangrar,
sentindo dor ao respirar, sentido um desespero que sufocava.
— Filhos da puta... Filhos da puta... — explodiu Nick, aturdido. Robert e
Sara permaneceram abraçados, choravam juntos.
Notei a agitação de Athos digitando frenético no celular, um outro policial
ao seu comando acompanhou os mais velhos para o andar de cima, era o lógico,
os pais de Ricky não iam suportar o peso catastrófico que o ambiente impunha,
minha mãe seguiu junto. Fui ao encontro do Athos, que avaliava atentamente
umas folhas recém entregues a ele.
— Athos, rastrearam a ligação? — falei a primeira coisa que me veio à
mente. Estava receosa em abordá-lo com perguntas, embora quisesse. Uma onda
melancólica engoliu todos. — Há algo errado?
— Sim, há — disse. Eu gelei e o coração apertou, a mente formulando o
pior. Porém me esforcei em desvendar aquele rosto que nutria profissionalismo.
Mas não tive sucesso. Athos comandava tudo controlando suas emoções. — Olhe
isso. — Me entregou várias fotos impressas em folha grandes. — Os caras
apareceram com roupas diferentes em diversos momentos aqui em frente. Foque
no primeiro, sua descrição bate com o garçom fantasma.
Considerei a observação, olhei atentamente, e sim, o primeiro homem era o
garçom. Ele estava com roupa de entregador bem diferente do traje alinhado de
garçom, ainda assim, aqueles olhos grandes eram marcantes.
Jesus!
— Sim, é ele, não tenho dúvidas — afirmei, folheando as demais folhas.
Athos me olhou satisfeito.
— Sim, imaginei.
— Agora...
Havia outro rosto familiar... Não é possível. Não pode ser. Não. Não.
Nãooooo. Soltei as folhas que se espalharam instantaneamente no assoalho.
— Mãe! — gritei. — MÃE…
— Júlia, o que houve? — O investigador ocupou meu campo de visão,
segurou meu rosto e intensificou o olhar. — Júlia, você está pálida. O que houve?
— Eu…
— Você conhece o segundo homem das fotos?
Senti o pânico me dominar.
— Sim, é meu pai.
35 | Ricky Walker

Hélio ergueu a minha cabeça que antes estava suspensa, seus dedos em
gomo sustentaram meu queixo. Ele ansiava por meus olhos e obteve somente um,
o outro vedado pela pálpebra inchada estava inútil. Olhou-me fleumático,
demonstrando frieza, ânsia e repulsa movimentaram meu estômago assim que o
hálito de cigarro barato vindo dele atingiu meu rosto, segurou então meu maxilar
com firmeza, meneando-o de um lado para o outro. Gargalhou como um
verdadeiro sádico, enquanto avaliava a destruição feita.
— Desculpe, não me apresentei decentemente naquele dia, minha filhinha
estava um tanto histérica. — Ele soltou meu rosto com brutalidade, o deixei cair
com o embalo da violência de sua ação, erguendo-o em seguida com certa
dificuldade. — Te garanto, meu genro, que isso ela puxou da mãe. Agora todo o
resto é do paizão aqui, diga-se de passagem, a garota é porreta nas ideias, forte,
teimosa, não é?
— Provavelmente irá odiá-lo quando souber o que fez — cuspi em pausas,
quase não sentia os lábios.
— Nunca saberá, quem vai contar, você? Acha que vai ter condições para
isso?
— Não é dinheiro que quer? Daremos.
— Nunca quero só dinheiro, meu caro. Aprecio, assim como um bom
negociador, fechar todas as lacunas do negócio, sem deixar pontas soltas,
entendeu? Meu genro.
Cuspi em sua bota a gosma de sangue escura que se formou na minha boca,
sentindo como se meus dentes fossem despregar da gengiva a qualquer momento.
Hélio olhou para a secreção enojado e sacudiu o calçado para só então continuar:
— Aliás, qual a sua real relação com a Júlia? — O desgraçado curvou os
lábios escuros, teatralmente, exigindo uma satisfação. — Sou o pai dela, preciso
saber das suas intenções, não precisa ser breve, temos tempo, hum, só não vou te
oferecer nada para beber, pelo que averiguei, você está mal do estômago.
— Eu…
— Você?
— Sou namorado dela.
— “Era”, frisa no passado, caro genro, hoje você é somente um saco de
merda, que além de me fazer rico, vai devolver minha filhinha. — Tragou o toco
da nicotina presa ao seu dedo, soltando a fumaça vagorosamente no meu rosto,
depois descartou o naco inútil no chão. Por um fio a névoa fedida não me
desnorteou.
— Você quer a Júlia?
— Sim, ao meu lado, bem longe da mãe, mas primeiro... — Ele levantou-se,
pegando em seu bolso uma cigarreira, abriu, agilizou outro cigarro na boca,
queimando sua ponta com o isqueiro, tragou ao mesmo tempo que pressionou um
dos olhos sentindo a nicotina entranhar em seu pulmão. — Dinheiro — continuou
—, é o que realmente preciso. Muito dinheiro. Soube naquele dia que você seria a
minha carta premiada.
Desgraçado.
— Como?
— Seu sobrenome, claro. Logo deduzi que se tratava de alguém importante.
Pensei, porra, minha filha é do caralho, está namorando um bilionário, juro que
tive orgulho da garota. — Apontou o cigarro na minha direção. — Foi burro
quando não providenciou seguranças para si, tenho uma equipe competente e
sempre estamos preparados. Pegar você foi mais fácil que roubar brinquedo de
criança. — O fio da sua boca encardida abriu-se para um sorriso irônico.
Uma tontura atrapalhou a pouca visão que eu tinha.
— Nunca levará a Júlia, eu te mato primeiro.
Hélio pigarreou quando tragou novamente e iniciou uma tosse sem controle,
espalmando o peito com um certo incômodo.
— Você?
— Eu! Gosta de bater em mulher, covarde. Para mim não passa de um
bandidinho de merda.
Ele enterrou cada passo, se colocando rente ao meu rosto, cuspiu e
esbofeteou. Minha cabeça só não girou com o golpe, porque meu pescoço travou.
Maldito. A gana de matar o desgraçado, atingiu cada músculo dolorido da
estrutura dopada, massacrada.
— Admiro sua coragem. Só quero ver onde ela estará quando a ponta da
minha arma mirar sua testa, vamos ver quem será o bandidinho de merda.
A porta abriu.
— Chefe, tudo certo, vamos?
Ouvi a voz do garçom e deixei a cabeça cair e voltar a ser suspensa pelo meu
pescoço, esgotado, lesionado, confundido entre outras coisas ruins que
transcorriam no meu corpo, que mais se igualava a uma carcaça imunda. De
qualquer forma, a dor e o ódio eram os meus aliados, conservavam minha mente
consciente da quantidade de drogas injetadas.
— Genro — o maldito disse ao mesmo tempo que pisou na ponta acabada do
cigarro —, terei que me ausentar, mas tenho boas notícias, essa merda está quase
no fim, para mim e para você. Magro — se dirigiu ao infeliz atrás de mim —, vê
se faz o galã aqui beber água, preciso manter meu bilhete premiado hidratado.
— Certo, chefe, vou buscar.
— Já volto, Ricky Walker! — concluiu, antes de se ausentar do cômodo, a
porta permaneceu aberta, soube pela corrente de ar que passou pelos meus pés
descalços.
Ainda não aceito como me deixei capturar, fui um tolo ingênuo em acreditar
no garçom filho da puta. Ele voltou cantarolando uma espécie de música estranha,
incompreensível ao meu cérebro estragado. Posicionou a outra cadeira, assim
como a garrafa aberta com o canudo mergulhado no círculo, ofereceu o líquido
descontente com a função, permitindo que eu o sugasse, instantaneamente a água
hidratou a cavidade seca e dolorida no interior da minha boca. Suguei um pouco
mais, fixando a visão turva no desgraçado que esmagaria se meus pulsos e pernas
não estivessem amarrados. De forma inesperada, como se lesse meu desejo, ele
puxou o canudo para em seguida chutar violentamente a cadeira, perdi os sentidos
quando colidi com força a lateral do crânio no piso encrespado de cimento.
36 | Júlia Sales

— O sequestrador do meu irmão é seu pai? — A voz do Nicholas explodiu


abatendo violentamente à minha consciência, ele anulou a passos largos nossa
distância.
Cravando aquele mar turbulento sob mim.
— Eu...
Eu mal havia digerido a descoberta, só pensava no quanto fui inocente por
não ter aberto essa hipótese com o currículo maléfico do demônio. Cambaleei
escorando na mesa sentindo meu corpo pesar ao mesmo tempo que lembrava do
vídeo, do Hélio na universidade, do Ricky ferido.
Muita coisa batendo forte.
Muita coisa ferindo a minha existência.
Desgraçado.
— Júlia, tem certeza? — Ouvi o Athos perguntar.
Encolhi os ombros e baixei a cabeça.
— É seu pai nas fotos?
Só assenti, drasticamente, aceitando o fardo.
Não demorou muito e todos foram atraídos para o espaço que estreitou em
meio a tanta conturbação. O pai de Ricky, com seu português arrastado,
bombardeou todos indagando suas dúvidas. Revoltado, evitando claramente um
contato comigo. Sara se desmanchando em um choro ardido, que doía a alma.
Nicholas se posicionou rente à parede e grudou ali como se precisasse de apoio.
— Eu quero ver essas fotos — minha mãe requisitou. — Vocês têm certeza
de que ele está envolvido?
— Não sabemos — o investigador respondeu, perplexo. — Ele aparece em
várias imagens que capturamos. Ana, por qual motivo ele faria uma coisa dessa
com o próprio genro?
— Porque é um bandido maldito. O Hélio estava preso, conseguiu soltura há
dois meses. Já foi condenado por sequestro e outros delitos que vocês vão
descobrir.
— Então, era sobre ele a urgência que Ricky chegou a comentar quando
falou comigo?
— Sim — sussurrei morrendo a cada segundo.
— Preciso do nome dele — exigiu Athos.
— Hélio Mauro — mamãe proferiu contrariada. — O desgraçado
desapareceu enquanto armava essa crueldade.
— Cabo Freitas, temos um suspeito, Hélio Mauro, quero tudo sobre ele,
agora — o investigador ordenou ao telefone e desligou. — Agora vamos montar
este quebra-cabeça e achar o Ricky.
— E se vocês fizerem parte dessa sujeira? — proclamou o ardiloso Nicholas,
com a voz rouca e amarga. Como se vomitasse todo o bolor acumulado no
estômago.
— Nós o quê? — inquiri, incrédula, chocada, abismada. Sem acreditar nas
palavras proferidas por ele. — Tá louco?
— É estranho, você, meu irmão com você.
É o que…? Estranho?
— Calma, Nick, não acredito que a Júlia faça parte disso — Athos veio em
minha defesa. — Vamos investigar e…
— Ela enfeitiçou meu irmão — ele apontou para mim, como um promotor
de acusação em um tribunal condenando um assassino —, para que o pai dela
fizesse essa crueldade. É óbvio.
Abafei o choro. O desespero e a indignação travaram na garganta. Ele não
conhecia a nossa história, sequer tinha conhecimento do que passamos para
construir o que temos. Porque me acusa assim?
— Menino, tem consciência do que está falando? — Minha mãe iniciou,
exasperada. — Minha filha não tem contato com este bandido. Aliás, não temos,
vocês não têm noção do que eu já passei na mão desse maldito, como pode supor
um envolvimento nosso, não é visível o estado que estamos em meio a essa
calamidade?
— Pode ser teatro. O fato é que meu irmão corre risco de vida. Detalhe, a
família de um dos sequestradores está aqui, na minha frente. — Seus olhos
tentaram me esmagar, numa tentativa fascista de me enterrar na cova que estava
cavando. — A namorada dele — riu maléfico —, é filha do desgraçado que…
— Cala a boca. — Eu não pedi. — Não admito que tente me envolver.
— Temos que manter a calma — Athos disse demonstrando controle.
— Não sou calmo e outra coisa, não confio mais nessa gente.
— Nessa gente? — Avancei na direção da criatura, que merda ele estava
fazendo. — Nicholas, não se refira a mim e a minha mãe dessa forma.
Ele curvou aproximando seu rosto, queria a minha face frente a dele,
sustentei o contato nebuloso, mesmo tendo impasses na respiração.
— Pensou o que, querida…
— Como?
Meu rosto queimava.
— Que daria o golpe.
Filho da puta!
O tapa forte, carregado de cólera, virou o rosto maldoso.
— Enlouqueceu, Júlia? — esbravejou dona Ana no tempo em que me
arrastou para o outro canto. — Não é dessa forma que resolveremos as coisas.
— Não admito que esse mimado fale assim comigo. Olha o tipo de acusação
cruel que ele está fazendo.
— Saia daqui — O desgraçado gritou massageando a carne marcada. — Não
confiamos em você.
Nicholas me encarou como se eu fosse um lixo, a pior de todas as espécies.
— Eu também não confio em você — retruquei no mesmo tom.
— Silêncio, não admito este tipo de comportamento na casa do meu filho —
Robert Walker se pronunciou duro, inflexível. — Athos por favor me acompanhe.
— O investigador assentiu. — Nicholas, você também.
Os homens saíram para o escritório, acompanhados de Sara — que se
manteve nula em palavras, porém era inelutável não notar seu descontentamento
com tudo. Sua desconfiança. Respirei fundo prendendo o choro, durante a saída
silenciosa do grupo. As acusações feitas pelo cretino foram pesadas demais,
dolorosas demais.
— Júlia, acalme-se, precisamos manter o equilíbrio. Eu avisei que não estava
preparada para ficar.
— Mãe, o Nicholas nos envolvendo, nos igualando ao caráter daquele
bandido. Como pôde supor que faríamos algo tão horrendo — murmurei sentindo
o rosto molhar, já estava difícil suportar toda a dor de saber em quais mãos estava
o meu amor. Agora ser acusada de participar do ato perverso, inflamou meu
coração.
Viramos quando vimos o Athos se aproximar — estreitei os olhos, sentindo
falta dos outros que não o acompanhavam. Havia um peso nos ombros do
investigador, pude identificar pela sua expressão exasperada.
— Desculpe, mas, eu… — ele se embananou ao iniciar. — Ana, Júlia, a
família Walker solicitou que uma investigação seja aberta sobre o suposto
envolvimento de vocês.
Não… eles não.
— O quê?
— Eles solicitaram que se retirassem do apartamento até o término da
investigação. Eu, como policial, peço que compareçam na delegacia ainda hoje
para prestarem depoimento. Júlia, desculpe, é a vida do meu amigo e por mais
que tenha conhecimento da história de vocês, não deixarei a prudência de lado.
— Não! Não! Como posso me afastar, ficar sem notícias, Athos. Pelo amor
de Deus, estão sendo cruéis. Não faço parte disso, acredita em mim?
— Júlia, eu sou policial. Então desconfiamos de tudo, mas fica tranquila, vai
com sua mãe para casa. Juro que vou libertar o Ricky, nem que seja a última coisa
boa que faça na vida.
— Júlia, melhor irmos — minha mãe avisou.
— Não, mãe, não posso, não posso...
— Não deem entrevista, não falem nada por mais que a mídia insista.
Conversamos em breve, te garanto.
— Vem, Júlia, vamos.
— Mãe... eu não posso.
— Por favor, me obedeça.
— Nem coragem para falar comigo eles tiveram, Athos?
— Júlia, estão transtornados com tudo. Não os veja como vilões e sim como
pais, que se depararam com uma situação grave, não conheciam você e seu
parentesco com o sequestrador é intragável para eles.
— Júlia… — a mulher me chamou já próxima à porta. — Nós entendemos,
Athos, por favor, te peço, só mantenha a gente informada da saúde do Ricky.
Ele assentiu, e apertou meu ombro.
— Até mais, Júlia.
Foi árduo deixar aquele apartamento com tantos pesares sobre as costas.
Enunciar que aceitei todas as desconfianças sem revolta era mentira, estava difícil
de engolir a maneira ácida e desalmada que o Nicholas me tratou diante da dor
que partilhamos. Ele estava comigo na adega, presenciamos juntos o impacto do
vídeo, a dor, o sentimento de impotência diante do espancamento. Como ele pode
me punir dessa maneira. Como a família Walker pode ser tão cruel comigo.
Entendo que como pais estão desorientados em meio ao sofrimento e incertezas,
em todo o caso não merecia ser julgada como uma criminosa, ser incluída no
mesmo bando bárbaro.
A entrada na delegacia, como a saída do apartamento de Ricky, foi um
tumulto total, muitos repórteres querendo informações das mais variadas
vertentes. O delegado que cuidava do caso nos interrogou com gentileza. Ao
contrário do que pensei, não houve acusações, e sim a busca de um “por que” o
que era gritante — dinheiro. O que mais seria? Hélio ambicionava vida fácil e a
teria com o valor do resgate.
Em casa, fui direto para o meu quarto, me joguei na cama assim como
desejei me lançar ao abismo, tranquei a porta, apaguei a luz, e chorei.... chorei…
chorei…
Embora minha existência estivesse à beira do caos, nada se comparava a
cólica que me castigava por saber quem estava no comando de nossas vidas.
Hélio é um sádico cruel e de alguma forma ia descontar em Ricky toda a sua
repulsa por mamãe e eu, mesmo a ambição por capital sendo o seu empenho, ele
usaria o Ricky para nos massacrar a cada segundo que estivesse em sua posse. A
respiração fluía dolorida no peito com o raciocínio, a imagem injusta do meu
amor ferido, me encolheu, me exprimiu, me penalizou. Implorei para que o sono
acalentasse tudo aquilo, mas as horas foram passando e ele demorou cruelmente a
chegar.

Maldito! Maldito! Maldito!


Acordei num impulso xingando o demônio e voltei a deitar quando uma dor
cáustica atingiu minha cabeça. Nem consegui me manter de olhos abertos de
tanto que doía, titubeei da cama e fui à caça de mamãe, precisava com certa
urgência de um analgésico. Um pouco antes de alcançar a sala ouvi uma voz
familiar, meu apartamento era um ovo, duas suítes, sala acoplada com a cozinha,
então cheguei rápido para ver Melissa sentada numa banqueta. A ruiva me
avaliou e arregalou os olhos — concluí que a minha aparência era péssima.
— Filha, que bom que acordou.
Dona Ana veio ao meu resgate, guiando-me até o sofá.
— Mãe, estou com muita dor de cabeça, pode pegar um analgésico, por
favor? — pedi massageando a face, tendo consciência que os olhos de Melissa se
mantiveram me alcançando.
— Só um instante. — A mulher saiu e a outra ocupou o seu lugar.
— Júlia, como se sente? — indagou receosa.
— Com dor! — A encarei, a visão meio turva, meio confusa. — Tem
alguma notícia? Como deve saber, agora sou suspeita.
Reprimi o rosto, porque só de proferir essa realidade a dor me açoitou ainda
mais.
— Sim, estou sabendo. — Ela balançou a cabeça negando. — Conversei
com Ruben agora pela manhã, e ele…
— MANHÃ? — falei surpresa. Como assim, amanheceu? Quantas horas eu
dormi? — Que horas são?
— Nove horas.
— Você dormiu sete horas, Júlia — minha mãe falou indo na direção da
cozinha, pegou um copo com água e me ofereceu o comprimido. — Muito pouco,
precisa descansar mais.
— Como posso descansar? — Voltei para Melissa após ingerir o remédio. —
Tem notícias, afinal? — quis saber, impaciente. — Obrigada, mãe. — Devolvi o
copo.
— Poucas, o Ruben não quer me envolver após a família de Ricky colocar
você sob investigação. Pelo que entendi, tem a possibilidade de tudo terminar
amanhã.
Juntei as mãos em oração.
— Vão pagar o resgate?
— Provável.
— E o maldito vai fugir com a grana e viver feliz? Tudo muito injusto.
— Não acredito que Athos permita um final assim.
— Por quê?
— Júlia, o homem é um monstro em solucionar crimes, pesquisei na internet
ontem. Ele é um investigador temido, só teve uma única perda em sua carreira.
Além de ter sido segurança particular da família Walker antes de se tornar federal,
ele é o melhor amigo do Ricky. Então, acredite, as coisas não serão tão fáceis para
o Hélio.
Pensei um pouco no assunto e fiquei confusa com as coisas ruins que
brotaram no meu peito. Era complexo odiar uma pessoa que fazia parte da sua
gênese, não sou boa o bastante para querer somente a prisão do homem que
infernizou a vida da minha mãe, a feriu, a maltratou.
Desejei a morte de Hélio.
Desejei uma morte lenta e dolorosa.
Espalmei o peito, pois algo tenebroso me dominou e não podia me igualar
àquele verme.
— A justiça tem que ser feita e o Hélio vai pagar pelos seus crimes — dona
Ana se pronunciou e percebi que estava com a bolsa nos ombros. Ela pretendia
me deixar a sós com Melissa. Merda. — Preciso sair, ir até o salão, tenho muitas
pendências por lá. Mas vou com os seguranças e os seus estão de prontidão aí
fora. A Melissa vai cuidar de você até o meu retorno, outra coisa, alguns amigos
seus ligaram no fixo, preocupados, contudo, não autorizei visitas. Somente a da
Raica, essa eu sei que é bem próxima, ela prometeu passar aqui no final da tarde.
Até mais, amores e come alguma coisa, Júlia. Fiz um caldo de mandioquinha que
sei que gosta.
Ela lançou uma piscadela, saindo porta a fora. Quase a amaldiçoei, pois
soube qual era o plano na hora que o silêncio nos calou. A ruiva me mirou, seus
olhos tremeluziam. Bem, devia adiar o instante, não era justo, não era o certo
voltar ao passado tão logo.
Não com o Ricky em perigo.
— Júlia, você me perdoou?
Boa pergunta!
Confesso que o discurso “sincero” me balançou. A Melissa era uma parte do
meu coração, esse é o motivo para uma traição vinda dela me dilacerar tanto.
Mas não… não estava disposta a prosseguir com a conversa.
— Melissa, agora não é o melhor momento para retomarmos esse assunto.
— Eu sei — ela sussurrou derrotada. — Não estou me aproveitando da sua
fragilidade, só quero ficar ao seu lado sem ressentimentos.
— Ressentimentos? Acha que é isso? Não… a traição me agrediu muito
mais que um simples ressentimento. Sabe o que significa confiar em alguém
incondicionalmente? Deixá-la no topo da confiança acima de tudo. Sentir que
seu carinho e amor é mútuo, sabe o que significa isso? Não, não sabe. Porque se
houvesse a mesma estima por mim, nenhuma balela de um fodido qualquer, por
mais tentadora que fosse sua sedução, abalaria seus princípios. Então sem esse
papo de ressentimento, tá legal? Se quiser a minha amizade de volta, conquiste a
confiança. Vou tomar banho, com licença.
Deixei Melissa ali com seus pensamentos e fui em busca de água quente
com os meus, demorei para me recompor, o vapor quente acolheu meu corpo
cansado, esgotado, trêmulo. Os acontecimentos eram tão surreais que tentei
acordar várias vezes, desejando estar num pesadelo, desejando que tudo não
passasse de uma alucinação.
Quem dera minhas súplicas me amparassem.
Ainda com a toalha envolvida ao corpo, me pus a rezar, implorei a Deus que
salvasse o Ricky da maldade de Hélio e o devolvesse para mim, para a vida que
pretendia ter ao seu lado. Custei a querer sair do quarto, fiquei de minuto a
minuto monitorando as notícias pela internet, atenta ao telefone fixo, já que não
possuia mais celular. Minha mãe não demorou a chegar e logo Melissa
desapareceu de vista. Após muita insistência, comi duas colheres de caldo de
mandioquinha, que voltou instantaneamente. Um pouco antes do sol se pôr, a
Raica chegou e o choro também, novamente a angústia me consumiu, e mesmo
com o carinho e cuidado da minha amiga, não controlei meu desespero. Me
algemei a um medo que liderou tudo dentro de mim.
37 | Ricky Walker

36 horas depois...
Despertei com água fria, chutes e socos. Ainda assim, o ruído de ferro que
percorria o piso cimentado era capaz de ensurdecer qualquer espécie viva e me
causou alguns transtornos. Raciocinar estava penoso, as drogas injetadas faziam
do meu corpo um fardo e até respirar era um ato doloroso, me esforcei em abrir
os olhos, negado, não conseguia mover as pálpebras inchadas. Uma ânsia, a
mesma que vivia constantemente contorcendo meu estômago deu as caras e o
vômito veio, soluçado, cuspido, quase sufocante.
— Olha aí, vomitou de novo — a voz debochada do infeliz do garçom soou
ao meu lado. — Melhor dar água pra ele, chefe.
— Depois, agora confira o parâmetro, tem algo estranho. — Essa voz
também era inconfundível. Hélio parecia nervoso, aliás todos no cômodo
inspiravam uma excitação diferente. — Brigadeiro, conferiu o percurso, tem
camelo?
— Tem, chefe! Quatro.
— Então aqueçam-se, o show vai começar.
Show? Do que esse filho da puta se refere?
— Meu genro, quero deixar aqui os meus mais sinceros agradecimentos. Por
sua causa teremos a partir de hoje vida longa. Eu não vejo a hora de reencontrar o
mar, faz tempo desde a última vez que meus pés tocaram a areia macia, quando
mergulhar vou me lembrar de você, meu caro. — Senti sua respiração rente a meu
rosto fodido, desejei mais que matá-lo, desejei esquartejá-lo com as próprias
mãos, como não havia nenhuma das opções em meu poder, cuspi na expectativa
de atingir o verme. — Não devia ter feito isso, Sr. Walker, seu bosta.
— Chefe, temos problemas.
— Não deveríamos ter, que caras são essas, seus porras?
Uma corrente de ar cruzou meu corpo jogado no piso frio, me dando a
entender que uma porta foi aberta, vários sons se misturaram com passos e vozes
gritadas.
— Magro, injeta nele um duplo.
— Chefe, tem certeza? Talvez ele não volte mais.
— Foda-se, faça agora.
Meu corpo moveu-se e as minhas pernas inválidas percorreram o solo, um
impulso violento me ergueu, o que fez com que meu corpo caísse com impacto ao
chão. Alguma coisa pressionou meu tórax e alguém esticou o meu braço.
— Me solta, porra — brami rouco, tentando, sem sucesso, impedir os
comandos dos desgraçados na carcaça que se tornou meu corpo.
— Segura direito, Magro.
— Caralho, galã, resolveu se revoltar? Fica quieto, porra, vai aplica logo,
parça.
O ardido de um líquido extremamente quente fluiu na veia infiltrada,
deixando-a pulsante e ávida. Permitiu rapidamente uma sensação anestésica,
porém, flutuante, leve e, ao mesmo tempo, atordoante. Tirou-me a dor por alguns
segundos… e...
Júlia...
Como era bom voltar a sentir sua pele.... seu cheiro...
O que tenho ao lado da Júlia é VIDA, não sabia o que era viver até
conhecê-la…
Conhecê-la… hahahah…
Um riso frouxo traçou meus lábios.
A garota linda no meu campo de visão…
Apaixonado, eu sou muito apaixonado por ela.
Não lembro de ter dito que estou apaixonado por ela. Por que não disse
quando tive oportunidade? Talvez não exista mais esse momento de declarar o
sentimento, talvez nunca mais a veja, e Júlia não vai ter conhecimento do quanto
sou louco por ela. Do quanto a amo. A sensação flutuante findou, dando espaço a
um peso, e meio que repentinamente, um fervor submergiu em brasa o meu
corpo, queimando-o, correndo-o, faltou ar… ar. Tudo queimava, tudo doía,
ahhhh… não queria respirar, não podia… Caralho de corpo inútil, minha cabeça,
uma dor débil com o pavor de sentir... Não queria sentir, me tornei um fraco, eu
sou um fraco, sim, sou um bosta fraco...
Gemidos gritados saíram unidos à respiração cuspida.
Júliaaaaaaaaa…
Eu não posso morrer.
Eu preciso proteger minha garota desse filho da puta.
Júliaaaaaaa…
Como pude ser idiota a ponto de outorgar um rapto tão imbecil? Como não
desconfiei do olhar daquele filho da puta na frente da universidade.
Preciso me livrar... me livrar de que exatamente? Não consegui conter o nó
duplo que se formou no meu estômago, dando vazão ao líquido queimante que
ocupou a minha garganta…
— Boa noite, Ricky Walker?
Virei quando ouvi a voz bater nas minhas costas.
— Sim, sou eu!
— Desculpe interromper — o garçom falou enquanto se aproximava.
— Tudo bem, só preciso fazer uma ligação, na adega não estava sendo
possível.
— Claro, senhor. Tenho um recado, sua namorada, Júlia. Estava muito
nervosa e pediu para avisá-lo que o aguarda no carro.
— Como? Sabe o que houve?
— Ao que me parece, um desentendimento com a aniversariante. A senhorita
estava chorando muito, senhor.
— Certo, obrigado. Vou encontrá-la.
Eu preciso encontrá-la, meu ar....
Cadê ela... Júliaaaaaa.
Minha voz rompeu cuspida, assim como a respiração jorrou líquida. Passos?
Muitos passos, parem de andar, parem de andar, porra. Estão me movendo de
baixo para cima, senti um toque, vários toques, toques desesperados, toques e
gotas, algumas gotas atingem meu rosto, sacudido, gotas... gotas e uma voz,
posso ouvir uma voz vazar nos meus tímpanos, a voz, impossível assimilar as
palavras e estas gotas que caem no meu rosto, agora são muitas...
— Ricky... Ricky... Ricky... reaja, irmão.
Esforcei-me para entender, raciocinar...
— Athos, o que fizeram com ele? Ele está morto?
38 | Júlia Sales

— Mãe, o que houve? — Saltei da cama, quando a porta bateu com


violência, dona Ana entrou e logo se mostrou ofegante. — A senhora está pálida,
meu Deus, Ricky. Aconteceu alguma coisa com ele?
— Acharam ele.
— Acharam o Ricky — vociferei. — Preciso ir até ele — falei, tentando
controlar a explosão dentro de mim. — Mãe, ele foi para o hospital? — perguntei,
já me desfazendo do pijama, colocando a primeira calça e camiseta que vi na
cômoda, sentei-me para calçar o tênis. Contudo um silêncio me incomodou, fitei
a mulher que permaneceu intacta, não entendi o motivo daqueles olhos estarem
tão turbulentos, se o Ricky finalmente estava a salvo. — Mãe, qual o problema?
Ela caminhou lenta demais, estranha demais, ajoelhou-se diante de mim e
mirou nos meus olhos.
— Júlia, presta atenção — murmurou cautelosa.
E meu mundo ruiu.
O Ricky estava bem, não é?
— Aconteceu alguma coisa com o Ricky? — gritei, desesperada. — Fala,
mãe.
— A Mel informou que o Ricky foi levado ao hospital muito debilitado e
gravemente ferido.
— Meu Deus... debilitado, mas… Ele tá vivo? — Um nó se formou na
minha garganta, um gosto amargo salivou meu paladar. — Tá gravemente ferido,
mas vivo? Responde, mãe.
— Sim, filha.
Ela soltou ar como se livrasse de um fardo.
— Eu preciso vê-lo…
— Mas o Hélio não, mataram ele.
— Como?
— Com o confronto, morreram dois dos sequestradores e três estão presos.
Júlia, seu pai morreu, entendeu?
O tempo pausou, não sei qual sentimento sobressaiu se o amor pelo Ricky ou
o ódio pelo Hélio — que estava morto. O que devia sentir nesse momento? Pois o
asco permaneceu. E a imagem do homem que só distribuiu dor na sua existência
não passou de uma sombra sombria.
— Em qual hospital o Ricky foi internado?
— Júlia...
— Não... Não me force a viver esse luto. Não é meu e muito menos seu. Que
esse desgraçado vá para o inferno e pague por todo o sofrimento que gerou em
vida. AGORA DIGA, EM QUAL HOSPITAL?
— No Albert Einstein, eu levo você.

Marchei até a recepção desesperada, alguns repórteres evitaram uma entrada


rápida, me bombardeando com perguntas e especulações. Olhei ao redor à
procura de algum rosto conhecido, como não vi ninguém, abordei a
recepcionista.
— Boa tarde, onde estão os familiares de Ric...
— Júlia — Melissa exclamou, me olhando como se eu fosse um monstro de
duas cabeças. — O que está fazendo? E cadê a sua mãe?
— Ela provavelmente está estacionando o carro e eu não tive sanidade para
esperar, então vim na frente. Qual andar está o Ricky?
— Não posso. — Ela negou com os olhos arregalados.
Melissa enlouqueceu?
— Não pode? Como assim, você não vai dizer?
— Júlia, sua entrada não será autorizada. — Ela respirou fundo. — O Nick
não vai permitir que se aproxime do Ricky.
— Eu quero que o Nicholas vá se foder, eu vou ver o Ricky. Nem que tenha
de colocar abaixo cada parede de concreto desse hospital. Diga qual andar,
Melissa, ou eu reviro todos até encontrar. — Meu tom não era baixo.
— Não grita, Júlia. — A ruiva puxou o meu braço, e notei que um segurança
do hospital ficou em alerta. — Olha, tem que subir de escada, pelo elevador
somente com autorização da recepção. Ele está no oitavo, mas vou ser sincera,
não vão deixar você chegar perto, estão todos revoltados, Júlia. O Ricky está em
estado grave. — Espalmei o peito, e não consegui conter as lágrimas. — Ele vai
ficar bem, tenha fé. — Aquiesci e ela continuou. — Agora eu vou distrair o
segurança, aí você corre para as escadas. Aliás, onde estão os seus brutamontes?
Ela lembrou dos meus seguranças.
— Minha mãe os dispensou há dois dias, sabe como dona Ana é, teimosa —
expliquei chorosa e no segundo seguinte segurei sua mão. — Melissa, obrigada.
Melissa apertou a mão que aplanava a sua, sorriu, indo em direção ao
homem grande, perguntou algo aleatório para entreter o segurança, desviando a
sua atenção para o corredor oposto. Subi os degraus sendo engolida pela carga
emocional, estava feliz com o resgate, revoltada com a culpa de ter sido o Hélio o
verdadeiro autor de tanto dor — com medo do julgamento por ser filha do
demônio —, enfim, perturbada com tudo. Entrei na sala de espera sem pedir
autorização, o que fez a moça da recepção opor-se e um segurança empatar minha
permanência. Avistei o Athos, cruzando o corredor acompanhado do idiota do
Nicholas.
— Athos.
Ele uniu as sobrancelhas, meramente surpreso ao me ver.
— Júlia.
— O que você faz aqui? — O outro, ao seu lado, esbravejou furioso, pisando
firme e destruindo a estrutura que consegui erguer para chegar até ali. —
Enlouqueceu, golpista?
— Calma, Nick — Athos, tentou contê-lo.
— Nicholas, pelo amor de Deus, preciso ver seu irmão.
— Ah, você quer vê-lo? — ironizou, enquanto secava os olhos. — Seu pai
quase matou meu irmão e você veio conferir o resultado.
— NÃO!
— Irmão, mantenha a calma — disse o investigador.
— Calma o caralho, por que essa golpista ainda não foi presa? Que porra de
país é esse?
— Não seja cruel, Nicholas, eu não faço parte dessa merda, já disse.
— Isso é o que vamos ver.
— Por que me odeia tanto?
— Olha o que seu pai fez com meu irmão, caralho.
Inalei a culpa.
Não merecia.
Não era justo.
Mas a maldita dor me consumiu.
— Júlia — Athos suplicou. — Agora não é o momento.
— Athos, por favor preciso ver ele.
— Você não chega perto do meu irmão, vadiazinha, tire essa garota daqui —
falou para o segurança. — O andar está restrito para familiares, não é essa a
ordem, porra?
Avancei contra o desgraçado.
Quem ele pensa que é para me ofender dessa forma.
— Seu desgraçado, quem pensa que é?
Garbo atracou minha cintura, afastando meu corpo do infeliz.
— Não se atreva a toca em mim novamente, sua puta.
— Nick, não vou admitir que desrespeite a Júlia.
— Então faça o seu trabalho e prenda essa bandida — acirrou e o
investigador inspirou o ar pesado, se colocando a frente.
— Vamos nos acalmar e não volte a falar assim comigo de novo. — Os dois
duelaram um olhar trincado, enraivecido. Nicholas chacoalhou a cabeça e recuou.
Então o melhor amigo de Ricky me mirou. — Júlia, o Ricky encontra-se em
coma, somente a Sara pôde vê-lo até o momento.
— Em coma — murmurei, encolhendo os ombros, quase não sentindo as
pernas. — Nãooo…
— Agora, para evitar problemas, vá para casa.
— Não... Athos, por favor...
— Júlia, olha… — Voz mansa. Feição exausta. Olhos temendo muita coisa.
— Infelizmente eu não posso fazer nada, eles ordenaram seu afastamento e como
policial eu tenho que acatar. Desculpe.
Me convenci que o caminho não era permanecer, nada que falasse ou fizesse
os convenceria da minha inocência, pelo contrário, só agravaria a situação. Dei as
costas disposta a seguir, mas o ardiloso almejava por mais.
— Como não saquei assim que pus os olhos em você, que tipo de pessoa era
estagiária? Não entendo como meu irmão caiu num golpe tão manjado —
articulou, venenoso, amargo, ácido.
Voltei e o encontrei aguardando a retórica, que previu ser no mesmo tom
ácido. Teria feito, mas me peguei tentando compreender o porquê do ódio. Desde
o primeiro momento Nicholas demonstrou recusa, não entendo. A exaustão
tomou meu corpo e não aguentava mais tantos golpes.
— Não está rolando uma investigação? Minha inocência será provada.
— Esperamos mesmo... — Robert Walker apareceu falando, sisudo, direto.
Não chegou sozinho, de um lado Sara, do outro Ellen. As mulheres padeciam
tristeza. — Até que isso não aconteça, quero você distante da minha família e não
volte a importunar meu filho.
— Júlia — Ellen tomou a frente —, os advogados entrarão em contato com
você. Acho que seu vínculo com a WIS acaba aqui. Agora respeite o sofrimento
da família e deixe esse hospital sem maiores escândalos.
Demorei a absorver todas as palavras, todos os olhares, era tão cruel, tão
incoerente a real situação, que estanquei diante deles. Athos me cobriu com o
braço num ato misericordioso, me guiando para o térreo onde minha mãe me
aguardava, trocou algumas palavras com ela sobre o ocorrido, enquanto eu
revivia os instantes, o dito, o incorreto.
Eu ia enlouquecer…

Athos prometeu me manter informada sobre a saúde de Ricky, não me


convenci e insisti sobre seu quadro atual. Meu amor havia fraturado as costelas,
tendo traumas na face e no abdômen. Por conta das drogas ele sofreu uma
overdose, que causou outros problemas ainda não somados pelos médicos. O
baque com o diagnóstico não permitiu um lamento sequer com a morte do
homem que feriu muitas outras pessoas, estávamos, finalmente, livres da
crueldade, da maldade, da ambição desvirtuada.
É isso, o universo cobrando seu preço.
— Querida, não deviam ter feito isso com você, não deviam — murmurou
chorosa dona Ana, quando soube da perda da bolsa. — Não vou permitir que
perca tudo assim, não temos culpa alguma de nada que aconteceu. Levante essa
cabeça, você vai voltar a estudar.
— Mãe, no momento só quero que o Ricky se recupere e receba alta, esse é
o meu maior desejo.
Os dias seguintes não passaram, eles se rastejaram, os minutos eram horas e
tudo parecia padecer, infelizmente não via brilho ou cor em nada, tudo era neblina
e permanecer no meu quarto, no escuro, era um refúgio, o sensato para meus
pratos.
Durante a semana compareci ao médico, tinha uma consulta marcada desde
o último apagão com uma psicóloga, estranho, porém eficaz, horas a fio
conversando, desabafando, com a doutora Lucy. Ela me fez entender que alguns
traumas eram inconscientes adquiridos ainda na infância, e só manifestados na
vida adulta. Meu diagnostico: transtorno de ansiedade generalizada (TAG) e,
segundo a psiquiatra, a medicação não entraria em um primeiro momento,
continuaria com as terapias, exercícios de respiração e atividade física.
Difícil era manter os nervos sob controle com Ricky, em coma, no hospital.
Chorava do nada.
Meu peito doía.
Meus sonhos eram tenebrosos.
E não conseguia ingerir qualquer alimento.
Vivia num inferno particular.
Cerca de dois dias depois, resolvi permanecer na sala, enquanto assistia
minha mãe preparar uma lasanha — sou tão grata por tê-la, Deus me enviou um
anjo —, ela queria a todo custo me agradar, então se empenhou em preparar uns
dos meus pratos preferidos. Mantive o telefone fixo na mão, aguardando a ligação
de Melissa ou de Athos, eles eram os meus informantes. Foi então que a
televisão, com volume baixo, transmitia visivelmente meu rosto na tela.
— Mãe — chamei, levantei-me, aumentei o volume e tapei a boca. — O que
é isso?
“O executivo, Ricky Walker, acabou de sair de uma cirurgia e, segundo a
diretora executiva Ellen Castiel, seu estado é estável. Ele foi sequestrado no
último sábado, ficando quatro dias sob o domínio da quadrilha comandada pelo
ex-presidiário, Hélio Mauro. Segundo as informações, Hélio é pai de Júlia Sales,
ex-namorada do executivo. Júlia é ex-funcionária e estudante da WIS
UNIVERSITY CONECT e, de acordo com a polícia, até o momento não está
ligada diretamente ao sequestro, mas está sendo investigada. Hélio Mauro e mais
um integrante da quadrilha morreram no confronto com a polícia, que através de
uma investigação sigilosa chegaram ao sítio onde estava sendo mantido o
executivo em condições precárias. Voltamos logo mais, com mais informações.”
— Jesus, Júlia…
39 | Júlia Sales

45 dias depois…

— Marcos, não vou permitir que a Júlia adoeça naquele quarto, ela não
come, só dorme a base de remédios, não… não com ela.
— Ana, as coisas não estão fáceis no salão e…
— … o movimento voltará, cedo ou tarde, o que eu não posso permitir é que
esse vínculo com o sequestro destrua a imagem da minha garotinha, você assistiu
o programa sensacionalista de ontem, as barbaridades que falaram dela, o muro
do prédio foi pichado, chamando minha filha de golpista. Tem condição? A única
forma é tirar ela do país, e darei meu rim por isso.
—Mãe!
— Filha, precisamos conversar.
Há algumas semanas, recebi em casa das mãos do advogado da família
Walker uma liminar proibindo uma aproximação, mesmo sendo inocentada de
participação no sequestro. Isso porque todas as medidas protetivas contra o Hélio,
solicitadas pela minha mãe ao longo dos anos, provou que também éramos
vítimas do bandido. Independentemente de qualquer esclarecimento, a família
Walker restringiu a minha presença e retirou meu vínculo com a empresa e a
universidade, podia entrar com um processo? Sim! Tinha os meus diretos.
Contudo quando tentei pela quarta vez explicar ou visitar o Ricky — pois a
angústia corroía, adoecia — o patriarca ao lado do filho mais novo, e dois
seguranças, na entrada do hospital, proferiu, amargo e retilíneo:
— Essa é a última vez que eu aviso, se afasta da minha família e do meu
filho, não serei tão solicito assim se voltar a vê-la novamente.
Nicholas, por sua vez, não pronunciou uma palavra, nem precisou, seus
olhos atrozes, descobertos de qualquer pudor, feriram minha alma.
— Está avisada.
O que restou depois disso; uma Júlia doente, apagada, sem vida. Demorou
dias para ver o sol e querer respirar, a dor sem igual que latejava meu peito, a
angústia martelando, moendo, esfolando. A culpa… sim, essa existia em
pequenas doses de revolta. Em melúrias mensuradas de arrependimentos de que
tudo podia ter sido diferente, se um encontro, um momento, não existisse.
Meu passado, ou a parte podre dele, arrastou sem piedade meu amor. Me
julguei, assim como Nicholas, quando descobriu de quem eu era filha, me culpei
por ter deixado Ricky entrar na minha vida e se deparar com o monstro do meu
pai, o embalo que me puxou para o martírio, por pouco não esgotou meu ar, meus
amigos e minha mãe, seguraram a minha mão.
Deitaram-me em seus pilares, e não me deixaram desistir.
Na manhã de… um dia qualquer da semana (nem sei), escutei miados de
uma conversa, que inevitavelmente, seria a reviravolta que traria a Júlia de volta à
vida.
— Sente-se aqui.
Marcos segurou a minha mão guiando meus passos frágeis até a bancada,
onde alguns papéis com um logo amarelo encheram meus olhos.
— O que é isso?
— Jú, você vai para Los Angeles em duas semanas.
— Oi? Como assim eu vou para Los Angeles? Não posso!
— Eu juntei tudo que tinha e consegui te matricular em uma ótima faculdade
de comunicação. Você vai recomeçar, filha. Não vou permitir que destruam sua
vida, estou lhe oferecendo uma oportunidade, pegue e me orgulhe.
— Mas ele, o Ricky, mãe, ele ainda está hospitalizado, eu não posso
simplesmente ir, preciso…
— … viver, você precisa viver, meu coração não bate se o seu parar, chega,
basta, é muito pra mim, vê-la sofrer e morrer aos poucos diante dos meus olhos.
— Sua mão apanhou a minha. — Ricky vai ficar bem, ele saiu do coma, acordou
há três dias.
Ele acordou.
Um fôlego alimentou o meu coração.
— Por que não me disse nada?
— Pra quê? Pra ir ao hospital e ser escorraçada de lá como uma criminosa?
— Minha cabeça pesou e algumas gotas mancharam meu pijama. — Olhe pra
mim. — Dois de seus dedos suspenderam meu rosto. — Ele não quer te ver, Júlia.
— Ana, não faça isso! — Marcos que até o momento se mantinha calado,
reprovou mamãe.
— Ela precisa saber, Marcos.
— Como? Ele acredita que eu…
— Não tenho certeza, mas não quer te ver. — Ela deslizou a papelada
próximo aos meus dedos. — Assina, filha, preciso enviar logo para iniciar o seu
processo de admissão.
Entreguei meu coração para o Ricky, ele o colocou rente ao seu, declarei o
meu amor, declarei a minha paixão, não fazia sentido ele acreditar nas bárbaras
acusações, não…, tem algo errado. Tal como, sobrecarregar novamente mamãe,
já tínhamos nos privado de uma vida confortável durante o processo da WIS,
agora ir e deixá-la com esse fardo — era indigno.
— Não posso te dar essas despesas, mãe. Estudar fora do país é caro.
— Você é minha vida, sem seu sucesso, nada faz sentido, entende? Vai… eu
sei o que estou fazendo. Recomece, cresça, voe, e se tiver que voltar um dia que
seja no salto como uma autêntica executiva.
Tomei as folhas na mão e segui rumo ao meu quarto.
Escuro.
Silêncio.
Minha rotina.
Depois, com se tivesse despertado de um coma, colhi as folhas que se
despregaram da minha mão assim que pisei no solo melancólico do cômodo.
Folheei. Visando a papelada por horas, analisei sem energia a segunda chance. A
universidade era umas das mais cotados em Los Angeles, um currículo acadêmico
excepcional, me hospedaria em um alojamento e cursaria Publicidade e
Marketing durante quatro anos, fora que experiencia de estudar no exterior
vestiria o meu currículo de forma excepcional, uma oportunidade, um novo
caminho…
Ele acordou.
Ele está bem.
Vivo.
Respirando.
Agradeci aos céus, diversas vezes.
Suspirei o ar da vida.
Como eu te amo, Ricky.
Meus olhos marejados vagaram pelas paredes de cor clara, meu cantinho
reprimido com os meus anseios, as fotos, as recordações ternas do espaço que
sorria, fatalmente, chorando a cada nascer do sol, seguiu perambulando até
estacar na mala acima do guarda-roupa.
Ele não quer me ver, e talvez esse fosse uma decisão certa.
Talvez devesse tragar a presença no hospital e clamar pelo seu perdão.
Mas…, não.
Esse ensejo seria-me negado.
Fugir, é o significado da assinatura que traçaria no contrato?
Sim…
Não.
Obediente, estava aceitando as ordens do universo.
A caneta, na mesa de cabeceira, sombreou o sim e o não.
Mesmo sabendo que restava somente uma opção.

Alguns dias depois…


— Pronta?
— Ahaa.
Fechamos a mala.
— Vou sentir saudades, Jú. — Raica me puxou para o abraço mais doloroso
de todos, o da despedida. — O que farei sem a minha melhor amiga?
— Como diria a Dory, “continue a nadar…” — Ri, mas o choro estava
entalado na garganta. — Vou te ligar sempre que possível, viu. E quando tiver
uma brecha nas aulas, volto para o Brasil para a gente almoçar e falar muita
besteira no Chill, tá bem?
— Sim. — Seus lábios tremeram. — Tudo aconteceu tão rápido, que nem
acredito.
— Nem eu — disse sem emoção. — O processo de admissão foi todo online,
e o Estados Unidos e logo ali, né.
Dei de ombros.
— Jú, sei que não está feliz, sei que não se recuperou totalmente dos golpes,
mas olha, encara essa nova oportunidade como um transplante de coração, o seu
parou naquele hospital, sei que sim. Sofri ao seu lado cada segundo. Mas sua mãe
guerreira está colocando um pulsante no seu peito, novinho, o tratamento é longo,
árduo, mas amiga, um coração batendo, vida nova e um mundo de conquistas pela
frente. Ricky está bem e nada foi culpa sua, então deixe essa bagagem no Brasil e
embarque limpa de qualquer culpa.
Tremeluzi as pálpebras e as lágrimas rolaram na curva da minha bochecha.
— Obrigada — soou como um chiado tortuoso.
Garganta travada com tanta coisa.
— Eu vou sentir sua falta, branquela.
— Eu te amo, minha preta linda.
— Impossível, eu te amo mais.
Sem conseguir segurar nada, marcamos no meu ninho quadriculado nossa
despedida. Choramos e nos abraçamos. Nos abraçamos e choramos. MUITO.
Meu novo coração (como disse Raica) se espremeu por saber que seu abraço
estaria a mil léguas de distância toda vez que a saudade me esmagasse.
— Tem algo que precisa saber antes de ir — ela disse.
— Nada me abala, diga.
— O Orion deixou a WIS, há uma semana e meia.
— Motivo? — indaguei inutilmente.
— Você. — Direta. — Ele estava cumprindo os compromissos que seu cargo
exigia por contrato, mas sua demissão era certa há uns meses. Ricky o transferiu
de setor, avisando seu desligamento.
Sim, ele mentiu pra mim.
— Júlia, o voo — dona Ana apareceu de súbito na porta, quebrando
qualquer coisa que lograsse meu peito. — Precisamos ir.
Assenti, mas não dei o passo, primeiro corri os olhos ardidos uma última vez
em tudo que era de fato meu, respirei cada lágrima que gritei ali, extraí cada
sorriso exultante do espaço que confidenciei tanto, permiti que as emoções
despencassem, pesadas, doloridas, amargas. E quando não restou nada a não ser
partir, preguei tudo que me assolava no assoalho.
Ia seguir e não pretendia carregar nada comigo.
40 | Ricky Walker

— Continua lindo, meu amor — minha mãe murmurou escorada no batente,


sorri para ela e voltei para o meu reflexo avaliando três cicatrizes no abdômen.
Tracei a digital no alto relevo avermelhado, sentindo o gosto do fel latejar a
minha garganta. Sempre que relembrava o maldito momento, meus punhos
espremiam a ponto de trincar meus ossos. A tortura ainda fixa na cabeça, vigente
sempre que vedava os olhos, na calmaria da noite longa, finita, tudo batia forte.
— Como se sente, quer caminhar um pouco, respirar ar puro?
— Não, estou bem.
Perdi peso.
Muito.
Era notável.
Custava comer, meu estômago expulsava tudo que tentasse ingerir. O que me
mantinha em pé eram as vitaminas, água e ódio, de todo o purgante tempo que
suportei nas mãos dos infelizes. Porra. E mais uma vez o gosto amargo sôfrego
raspou a laringe. Então, decidi abandonar meu reflexo, vesti a camisa com menos
dificuldade que antes e voltei a encarar Sara.
— Ricky, ainda não repensou sobre voltar para casa?
— Não.
Quando acordei do coma, zonzo, perdido, com as ideias praticamente
incoerentes por conta da quantidade de drogas injetadas, foi proposto pelos meus
pais que retornássemos para a Califórnia. Meu médico não autorizou, o que me
aliviou bastante, precisava assimilar os acontecimentos. Puta que pariu. Uma
confusão meteórica se formou na minha cabeça, eu despertei e a primeira pessoa
que ocupou meu campo de visão, meu irmão. Juro que pensei que estava
alucinando, principalmente, quando seu festejo saudou com lágrimas a segunda
chance que os céus me proporcionaram, eu quase morri, faltou pouco. Meu
quadro clínico após o resgaste arrastou por longas semanas em incertezas e
cirurgias. E Nicholas ao meu lado, era incompreensível ao ódio que alimentamos
nos últimos anos, mas depois de tudo, desfrutar do seu carinho e calor de irmão,
tornou a luta da recuperação um pouco mais tolerável.
Ela não estava lá.
Óbvio que procurei uma explicação para algo tão inesperado.
Obtive? Não!
Ninguém, por mais insistente e cansativo que viesse o questionamento, me
esclarecia o porquê de seu distanciamento. Por dias e, de acordo com a melhora,
procurava uma lógica, impossibilitado de eu mesmo alcançar a resposta. A dor
era constante, em tudo, cabeça, membros, articulações, uma recuperação baseada
em sedações que estancasse a dor física e mental.
E ela não estava lá.
Doeu, a saudade castigou meu coração.
Num certo momento, quando tudo estava bem visível aos meus olhos, o
controle engatando lento ao meu corpo, Robert, evitando que eu abandonasse o
hospital na calada da noite, respondeu as questões que martirizavam minha face.
Bem, eu sempre soube quem era o meu sequestrador, ele se apresentou a
mim no primeiro dia, e isso nunca abalou o que sentia pela Júlia, jamais a
culparia pelo fato ou misturaria as coisas, pelo contrário, meu desejo em matar o
desgraçado é por ter conhecimento dos seus planos assim que colocasse a mão na
grana do sequestro.
Meu pai mencionou todas as desconfianças, é claro que o impacto foi brutal,
por desconfiarem da Júlia, portanto, impossibilitado de ir até ela, exigi sua busca,
no que fui rejeitado. O trio formado por Nick, Robert e Ellen se empenhou em
explicar que a garota sumiu, abandonou o emprego, a universidade e desapareceu
após a investigação. Admitindo, então, sua culpa.
Não acreditei antes, como não estou convencido agora.
Tudo que vivi com a Júlia não foi uma mentira, senti seu corpo e toquei seu
coração, seus olhos, o espelho da sua alma declararam seu amor, inesgotáveis
sentimentos uniram os nossos corpos, eu seria o pior dos tolos se caísse nessa
armadilha. Não sei o que aconteceu, qual o revés que a impediu, a única certeza
em meio a isso tudo, é que traria a Júlia de volta.
— A Ellen ligou.
— E…
— Vem almoçar conosco.
Assenti, pegando o celular.
— Tá bem, quer ficar sozinho. Qualquer coisa, estou no andar de baixo —
ela beijou a minha testa e saiu, permitindo que um silêncio desejoso tomasse seu
lugar. Encostei no travesseiro deixando meus olhos encontrarem o teto e,
instantaneamente, pensei na garota linda e uma saudade pesou a minha
respiração.
Por que não está aqui, linda, ao meu lado?
— Sua cara de babaca me faz pensar que transar pode ser o próximo passo
para a sua recuperação final. — Não havia dúvida de quem se tratava, mesmo
assim ergui a cabeça para o puto estagnado na porta. — Tá excitado, irmão?
Lancei uma almofada no filho da puta, que riu ao se aproximar.
— Como é bom te ver bem!
— Graças a você.
— Sim, graças a mim, então vamos registrar em cartório, assim posso te
chantagear o resto da vida — o babaca debochou.
— Veio mais cedo que o combinado, te esperava só no final da tarde.
— Eu sei. — Ele seguiu em direção à poltrona próxima à janela e se jogou
no estofado. — Estou de partida ainda hoje. Itália, tenho uma missão por lá.
— Merda, quanto tempo ficarei sem ver essa cara de babaca safado?
— Não sei ao certo, sem data, tempo ou hora, de volta à rotina, meu
parceiro. — Meu amigo apoiou os cotovelos no joelho, balançando a cabeça em
negativo. — De qualquer forma, já deixa anotado, uma noitada nos espera quando
eu retornar, fechado?
Gargalhei e respondi:
— Fechado.
— Agora me diga, quais são as dúvidas sobre a investigação que quer
esclarecer?
Um pouco antes do desjejum enviei uma mensagem para Athos, propondo
uma conversa que ele evitou nos últimos dias, sua justificativa sempre era o foco
na minha recuperação e, mesmo teimoso, eu tinha consciência de que estava
certo, as coisas eram bem confusas na minha cabeça, então esperei, até esse
momento.
— A investigação, como você encontrou o cativeiro, afinal?
Athos relaxou as costas no encosto e meneou a cabeça, me dando a entender
que entraríamos num assunto delicado. Embora estivesse de acordo, me dispus a
compreender o mecanismo que me salvou da morte.
— Irmão, meu meio é podre. Felizmente, a cabeça do pai da Júlia foi o seu
resgate.
— Como assim?
— Ele estava devendo muito dinheiro, grana alta mesmo. Por isso ele
planejou este sequestro, assim que o viu com a Júlia. O filho da puta tinha tantos
inimigos na prisão e fora dela babando pela sua cabeça… Então eu fiz um acordo,
o entregaria, assim que o prendesse, em troca da localidade do cativeiro.
Teríamos matéria para a mídia, conclusão de caso para a polícia e mais um verme
morto, tudo resolvido.
— Então...?
— Então o entreguei, o verme penou um pouquinho, quer dizer, sofreu
consideravelmente o justo. Implorou pela vida, algo que não estava mais em seu
domínio e logo depois foi encontrar o diabo.
— Foda-se ele — joguei, sem considerar se houve justiça ou não,
infelizmente, não era tão bom assim para considerar misericórdia para o
desgraçado.
— Ricky, estava sem opções, eles iam matar você.
— Eu sei…
Ele voltou a se inclinar.
— Evitei essa conversa pois priorizei sua recuperação, as coisas não foram
fáceis no período em que esteve em coma, digo em relação à mídia, às incertezas,
à investigação e principalmente à Júlia — ele iniciou, pude ver como seu rosto
tensionar e um nublado sombreou seus olhos. — O impasse entre sua família e
ela ia prejudicar sua recuperação, era visível que seus pais não a queriam por
perto, pois viam nela a face do pai, então não interferi nas decisões, mas
investiguei e a garota é inocente de qualquer barbaridade dita, inclusive uma
vítima, assim como você.
— Não tinha dúvidas sobre isso.
— Então, qual é o problema?
— Por qual razão ela abandonou tudo? Emprego, faculdade e desapareceu?
Athos considerou pensando no assunto.
— Infelizmente, são respostas que somente ela pode te dar.
— A Júlia terminou comigo, é o motivo de seu desaparecimento?
— Não teria essa certeza. — Ele levantou e cravou dois passos em direção à
porta. — Sei que seus reflexos não estão bons para dirigir, então estou disposto a
escoltar você, vamos?
41 | Ricky Walker

O excesso de proteção havia passado dos limites, entendo o receio, o


descontentamento, contudo ser tratado como criança não ia me salvar de nada,
resistiram, ao ponto de eu ser ríspido, dar as costas e bater a porta. Parecia que eu
caminhava em direção à forca quando revelei meu destino. Naquele momento,
questionei algumas atitudes — minha família estava obsessiva demais.
Quando o investigador estacionou em frente ao prédio, um mar de
recordações me recebeu. Júlia e eu vivemos momentos inesquecíveis que
pareciam uma vida somados pela felicidade em cada detalhe. Recebi aquela
sensação gostosa antes de chamar o porteiro (seu Beto), o homem me atendeu
com gentileza, liberando minha entrada já autorizada pelo convívio que tinha no
local.
— Aguardo você aqui — Athos avisou e escorou no carro.
Da portaria até a descida no andar, constatei que meu coração era forte,
infarto não seria um mal que me atingiria. Nunca estive tão nervoso, minhas mãos
suavam na expectativa de rever aqueles olhos que me prenderem num primeiro
instante e me mantiveram sob vigilância o resto tempo. Hesitei alguns segundos
diante da porta, planejando o que falar, o que foi totalmente desnecessário, pois
só tínhamos um assunto a tratar.
Então bati e monitorei o movimento da maçaneta, aflito, angustiado.
— Ricky...? — Ana exclamou, assim revelou sua figura. — Meu Deus! —
murmurou, ao passo que seus olhos examinavam o meu todo. — Como me sinto
bem em vê-lo assim…
— Estou contente em revê-la também, tudo bem?
— Sim, quer entrar? — Ela abriu espaço, portanto entrei e meu coração
pediu arrego. — Sente-se, por favor.
— Obrigado.
Acomodei-me no sofá não satisfeito com a tranquilidade do lugar, era
perceptível que a Júlia não estava em casa. De todo modo, falar com a Ana
poderia me esclarecer muita coisa.
— Lamentavelmente, não tive a oportunidade de me desculpar por todo o
tormento causado. Sei o que passou e lamento. Também sofri muito na mão
daquele homem, o importante é o seu bem-estar e pelo que vejo encontra-se
muito bem.
— Sei disso... na verdade não é preciso lamentações, estou bem, recuperado
e prefiro que tudo fique no passado. Eu também sinto por tudo.
— Não sinta, está enterrado. — Literalmente.
Ana calou-se e eu movimentei o pescoço olhando ao redor, desejei que a
Júlia surgisse do nada, que seu olhar brilhasse ao me ver, que esse hiato de dor
fosse apagado, que... foram tantos os pedidos que fiz nesse intervalo de tempo,
que a impotência de não ter domínio em realizá-los pesou meu rosto.
A mãe cautelosa percebeu e respirou profundamente antes de voltar a falar:
— Sei o motivo de estar aqui.
— Estou confuso, Ana — confiei a ela, escorando os cotovelos no joelho.
— Sabia que viria assim que estivesse de pé.
— Estou aqui, alivie a dor no meu peito.
— Júlia tentou ficar ao seu lado o tempo todo, mas não pode, seu irmão não
permitiu.
— Ah, o Nicholas?
— Sim, primeiro ele alegou que fôssemos cúmplices, depois praticamente
nos sentenciou, impediu a minha filha de vê-lo no hospital, e mesmo após o
descarte do nosso envolvimento, continuou negando. Júlia, quando soube dos
detalhes do seu estado, se humilhou para segurar a sua mão e novamente negado,
cruelmente dessa vez. A garota sofreu, o que para mim foi a morte. Embora
achasse que as coisas ficariam em sigilo, misteriosamente a imprensa descobriu o
parentesco dela com o Hélio, tornando nossa vida um inferno. Ellen Castiel, com
autorização do seu pai, retirou o vínculo da Júlia com a WIS.
— Como...? Eles o quê?
A sensação amarga penetrou cada poro, e se não estivesse na presença da
Ana, não restaria nada maciço ao meu redor, era muito mais que revolta o meu
sentimento, era ruim a ponto de nem eu mesmo ter nome para o sentimento. A
Ellen e o Nick motivaram tudo isso, e o pior e o mais doloroso, era conhecer os
motivos.
— Eu não sabia, Ana. — falei. — Não acompanhei as notícias, e…
— Tinha consciência que não, mas mesmo estando ciente agora, não muda
nada.
Levantei-me de súbito, sentindo as costas fisgarem.
— Algum problema? — Ela se preocupou em saber.
— Ainda não estou 100%.
— Se acalme, menino.
Ignorei a dor.
— Não vou permitir que a Júlia seja prejudicada. Você tem a minha palavra,
Ana.
— Não precisamos mais de nada que seja relacionado a WIS, Ricky — Ana
declarou, sisuda. — Portanto, não será necessário que se preocupe com isso. A
sua família protegeu você quando achou que devia, agora eu estou protegendo a
Júlia.
— Onde ela está? Precisamos conversar.
— Não há nada para ser conversado.
— Como assim? Eu amo a Júlia, jamais pensei em desistir dela por conta de
tudo aquilo. Permita que eu fale com ela, sei que podemos…
— Não! A Júlia não mora mais no Brasil, fiz o impossível para tirá-la desse
inferno que quase a levou a uma depressão, e não vou devolvê-la para sua vida.
— Ana…
— Ricky — ela interrompeu, ácida. — Preciso ir para o salão, por favor. —
Me indicou a porta. — Estimo melhoras.
Fui vedado por ódio, meus sentidos e instintos desejavam absurdos.
Nicholas, um desgraçado covarde, agora entendo sua aproximação, se manter por
perto era uma maneira inteligente de descarregar a sua repugnância. Só que,
caralho, ele descontou sua diferença na pessoa errada, a Júlia era inocente, porra,
não merecia tantos golpes, se havia alguém a quem punir — era eu.
Horrendo era evidenciar que fui punido duplamente.
Esse era o plano.
Nem sei como cheguei ao saguão, uma dor no peito limitou a minha
respiração e só soube que meus olhos vazavam, quando a visão embaçada me
impediu de seguir. Beto, o porteiro, ofereceu ajuda, mas me recompus, ocupei o
assento do passageiro, calado, sufocando e Garbo dirigiu de volta para o meu
prédio.
— Ricky, quer conversar? — inquiriu.
— Depois, primeiro tenho um acerto de contas.
Não havia uma articulação minha que não estivesse em latejos doídos.
Mas, nada, por mais forte que me atingisse, evitaria o massacre que faria
assim que pisasse na minha sala.
O caminho longo demais, não submergiu meus batimentos, tudo pulsava
potente e, em segundos alcancei meu andar, esmurrei a porta, erguendo todos em
console na sala de estar.
— Seu desgraçado. — Nicholas era meu destino. — Covarde!
Esmurrei seu tórax, e ele cambaleou para trás.
— Quê? — interpelou. — Tá chapado, maninho?
— Filho, se acalma, você não pode forçar… — Sara tentou amaciando meu
ombro. Ellen por sua vez, engoliu algo que pensou em proferir, meu semblante a
obrigou a isso.
— Filho, se acalme. — Virou para Athos. — O que aconteceu?
— Eu digo o que aconteceu, como foram cruéis a ponto de destruir a vida da
Júlia, me falem?
— Não foi bem assim, Ricky. — Ellen se deu a voz. — Ela estava sendo
investigada e…
— Investigada, injustamente, ela era minha namorada, uma vítima do pai,
acharam mesmo que fazia parte do bando imundo que me trancafiou naquele
sítio?
Meu pai trincou o maxilar e o Nicholas (não perdi ele de vista) cruzou os
braços e ergueu a cabeça, expressão familiar dos últimos anos.
— Filho, ela é filha do bandido que quase o matou — mamãe protestou com
os olhos marejados. — O que queria que fizéssemos? Tratássemos ela como
alguém da família, desprezando o fato de que você estava sob os desmandos
desumanos do bandido do pai dela? Ricky, você quase morreu na mão dos
malditos.
— Só protegemos você — Ellen brandou.
Mirei ela, repudiando seu diálogo imbecil, segui em linha reta até que meu
rosto sentisse seu nariz expulsando ar.
— Não você, sei o queria e conseguiu. — Ela fez menção de esbravejar. —
Eu disse ao meu pai, se você se intrometesse na minha vida, porque foi o que fez,
cruelmente, desvinculou a Júlia da WIS, pois sabia o quanto isso a machucaria. Só
que dessa vez, não, chega. Eu quero você longe dos negócios da minha família.
Sua feição desmontou.
— Não permito que faça isso. — Robert interveio. — Ellen só quis te
proteger.
— Pai, pare com essa balela, já que a Ellen não sai, saio eu, fim de conversa.
— Tudo por causa daquela putinha?
Como?
Massacrei o assoalho, poros exalando fúria.
— Nunca mais chame a Júlia assim, seu merda.
Num ato torpe colidi minha cabeça contra a dele, o choque imprudente,
forte, titubeou ambos para trás.
— Ricky, enlouqueceu, irmão? — Ouvi o Athos dizer.
Agoniei tonto alguns segundos, recuperando a razão a tempo de encarar o
meu irmão, que estava com os olhos cravados em mim.
Os mais velhos tentando controlar os impulsos.
— Por que fez isso?
— Não fiz nada que você não faria.
— Não compare.
— Ah, não, por quê?
— Porque a Eduarda não se iguala à Júlia.
Em sete anos, é a primeira vez que pronuncio o nome dessa mulher. Mesmo
confrontando o rosto da desgraçada, no dia infeliz que encontrei a Júlia no Retrô-
Chill, eu evitei emitir cada letra. Ela, o passado, bateu forte e muita coisa voltou a
me perturbar.
— Por ela e por você, maninho. — Irônico e ácido, um misto clássico do
Nicholas.
— Não vamos voltar a mencionar essa desgraça, novamente tenho meus
filhos inimigos por conta de uma mulher — Robert bramiu, se colocando entre os
filhos. Garbo ponderava cada movimento no encalço. — Não mereço tanto
desgosto.
Um fio de cautela, separava o embate, respirávamos o mesmo ar de sete anos
atrás, o gosto do sangue, dos socos, dos golpes que trocamos naquele átimo,
embebedou meu paladar grosseiro.
— Realmente acreditou que seria fácil assim, achou que eu esqueceria tudo
num ato celeste e vida que segue? — Riu frio. — Nunca, nem em mil anos Ricky.
— Só lamento por você.
— Por mim, você lamenta por mim? — Recuou balançando a cabeça. —
Parece até piada.
— Some daqui, seu porra.
— Filho… — Mamãe segurou a mão do mais novo, impedindo que sua
ausência me aliviasse. — Vai sumir de novo Nicholas, não é justo.
— Não faço parte dessa merda, sou podre demais para a família Walker, não
é mesmo, irmão? — disse, sórdido, vingativo, venenoso.
— Isso não vai ficar assim.
— Não mesmo, não desta vez.
Decretou que nada havia mudado.
As cicatrizes ainda sangravam.
A mágoa ainda amargava.
42 | Júlia Sales

Los Angeles, Califórnia, EUA


O táxi estacionou em frente ao alojamento da University Communication
Training, girei o corpo capturando toda a paisagem ao redor, e mesmo moída da
viagem desejei caminhar pelo campus e conhecer tudo. As aulas já estavam em
andamento, com isso havia muitos estudantes circulando pelo gramado.
Era contagiante o cenário.
Igual a filmes que assistimos na Netflix, faculdade americana, quarterback,
líderes de torcida, todo o embalo fantasioso.
Caramba… as garotas são gatas mesmo. Curvei os lábios quando três líderes
passaram por mim.
— PORRAAAAAAAAAAAAAAAA, ESTOU NOS ESTADOS UNIDOS
DA AMERICAAAAAAAAAAAAAAAAA, CARALHOOOOOOOOO!!!
Não resisti e gritei em português no meio da porra toda, e foda-se se me
julgaram maluca.
Eu estava na gringa e segundo o ditado:
Os fins… eles… justificam… não lembro.
Deixa pra lá.
Coloquei a mochila sobre os ombros e arrastei a mala até o alojamento.
Um pouco antes de pegar o táxi, enviei uma mensagem tranquilizando dona
Ana, comunicando minha chegada em território americano, ele respondeu de
imediato com um áudio choroso que cortou o meu coração.
Força, Júlia.
Você deu o passo, agora banca.
Atravessei com a mala pesada todo o gramado e, antes que alcançasse o
corredor largo que, segundo a placa acima me levaria aos alojamentos, uma voz
me freou.
— Júlia.
Virei a tempo de vê-la distante, de questionar que cacete a ruiva fazia ali.
— Melissa, o que… — tentei meio zonza.
— Como foi de viagem? — inqueriu. — Desculpe, tivemos que manter em
segredo, do contrário você não aceitaria.
Ergui uma sobrancelha.
Armaram pra mim. É isso?
— Estou confusa, a que se refere? Esclarece, preciso descansar, a viagem foi
longa.
— Vamos morar juntas, Júlia.
Puta que pariu!!!
Claro…
University Communication Training foi mencionada por Melissa no jantar
como a faculdade de sua escolha. Não me atentei a essa informação quando
assinei a papelada e fiz a entrevista.
— Por que temos que morar juntas? — Estudar é uma coisa, morar, estava
fora de contexto. Baixei a alça da mala e escorando nela. — Seu pai está metido
nisso, né?
Ela aquiesceu, então eu deduzi que dona Ana pediu socorro para o meu tio,
ou então, o sonho não se tornaria realidade. Não disfarcei o desagrado — e vi
Melissa esmorecer — preferia ter sido comunicada, jamais ia criar caso por conta
de moradia. Mentira ia criar muito caso em ter que dividir o mesmo teto com a
ruiva. Puta merda, dona Ana. Em contrapartida, sei bem todo o esforço que a
mulher a quem devo cada célula minha, fez para que eu estudasse e recomeçasse
nos Estados Unido, então, por mais difícil que fosse, argh, engoli toda a revolta e
abri um meio sorriso.
Simpaticamente esquisito.
— Você não está hospedada no alojamento?
— Não, meu pai comprou um apartamento pequeno, mas muito
aconchegante, até porque não pretendo voltar mais ao Brasil, só a passeio — ela
disse e me ajudou com a mochila, que, porra, estava pesada para cacete. — Você
vai gostar, garanto, é ainda melhor que no nosso sonho.
Rolei os olhos, lembrando do quanto idealizei o ápice de chegar em Los
Angeles.
E agora estou aqui!!! Com a Melissa.
Nada é perfeito.
Segui seus passos até seu prédio, que ficava paralelo à universidade. Ela,
superambientada, fez questão de mostrar o que pôde pelo caminho. No
apartamento, muito similar a uma quitinete, fiquei impressionada com a
organização. O espaço era pouco, mas muito bem aproveitado, a cozinha
acoplada com a sala onde só havia um sofá amarelo e mesinha com televisão,
dois quartos que só cabiam a cama e uma cômoda, mas amei a vista para o
gramado da universidade.
— Legal aqui — declarei e me lancei no sofá com intuito de avaliar sua
maciez. — Bom sofá.
Aprovado!
— Se precisar de ajuda com as malas, estou à disposição mais tarde — ela
sentou-se ao meu lado. — Júlia… eu sei que está sendo difícil, mas eu estou aqui.
Se precisar de qualquer coisa pode falar, tá legal.
Mirei seus olhos cheios de carinho — pelo menos acredito que seja —, e não
podia citar nada sobre as feridas do Brasil, não no meu primeiro dia em Los
Angeles.
— Melissa, estou bem.
Deixei a cabeça cair para o encosto e fim de assunto. Ela entendeu o recado,
pois inspirou suave e mudou de assunto:
— Fome?
— Ahaa… um pouco.
— Pizza?
— Essa vai ser a nossa vida?
Nenhuma de nós duas sabia cozinhar. Como vamos viver?
— Estou pegando altas receitas na internet, vamos comer comida ou tentar,
pelo menos. — Ri, ela também. — Agora, vai se alojar no seu quarto.
— Ok, banho e pizza. Tudo certo. Posso viver com isso.
Um tempo depois...
O tempo passa depressa, as burocracias da universidade, a interação com a
turma, a nova localidade — meu inglês que pensava ser top, mas era uma merda
—, me tornaram uma pessoa prática e ligada no 220w. Não tinha espaço para
pensar, somente agia guiada em produzir, evitando lembranças que me fizessem
chorar. Estava obstinada em preencher todo o meu tempo, com isso, entreguei
alguns currículos nas lanchonetes locais, ganhar uma graninha para as principais
necessidades ia aliviar as despesas de dona Ana, falando nela, todos os dias sem
descanso nos namorávamos por chamada de vídeo, ela chorava, eu também, e a
saudade nunca bastava.
A UCT tinha um nível excelente de ensino, e eu sofri na pele a mudança
brusca de rotina. Desvincular do aprendizado no Brasil e começar do zero me
custou muitas noites de sono. Meu plano de aula era pesado, ora manhã e tarde,
ora tarde e noite, pouco descanso, muito estudo. Quase um ritual, indispensável,
sendo franca, não desejava que meu tempo vazasse em recordações.
— Júlia, vamos comer? — Melissa falou, passando por mim no corredor em
direção à praça de alimentação. — Tenho vinte minutos de intervalo.
— Ok. — Acelerei para alcançá-la.
Um outro início — minha amizade com Melissa —, digamos que estava
tentando, aos poucos, com cautela, esquecer (digerir) o passado. Não posso negar
que a ruiva se esforçava bastante, e morar com ela era muito divertido. Melissa
sempre foi alto astral desde criança e fazia tudo que podia para manter meu
humor — que muitas vezes ia ao chão —, atingir um meio sorriso.
— Eu estou perdida em Economia — ela comentou, antes de abocanhar seu
hambúrguer. — Pode me ajudar?
— Claro, podemos estudar hoje. O que acha?
— Hoje? — Negou. — Nem pensar, hoje vamos beber. Júlia, precisamos de
uma pausa e de sexo. Francamente, estou subindo pelas paredes. Mas enquanto o
Ruben não vem, vou encher a cara sem moderação.
Ergui uma sobrancelha.
— Melissa...
— Não contrarie uma mulher excitada.
Gargalhei e quase me engasguei, lembrando o quanto partilhava do seu
estado
Eu soube assim que decidi ficar com a Júlia o quanto o sentimento que nutria
por ela era forte, intenso e até mesmo perigoso. Abri a porta e a linda garota de
jeans entrou na minha vida e, definitivamente, no meu coração. Julguei ter
controle, foi aí que me enganei — não havia nenhum domínio da minha parte —,
me entreguei por completo ao amor que só tomei a dimensão de sua veemência
agora. Doía, latejava, chegava a angustiar não a ter por perto e ter parte de culpa
nisso. Tentei de diversas formas ter conhecimento da sua localidade, mas o
universo guiado por pessoas que… caralho, não nos queriam juntos, não
cooperava. Incansavelmente procurei Ana, na tentativa desesperada de um grão
do seu paradeiro, desistir não passou sequer pela minha cabeça. Me mantive
obcecado em encontrá-la, precisávamos de uma conversa, nós não podíamos
findar assim.
Não era justo.
Não era digno.
O tempo se arrastou, a esperança cambaleou, minha mesa de centro sempre
tomada por garrafas de uísque, minha recuperação praticamente completa e meu
coração esmagado, pisoteado.
Sem vida.
Então dei um tempo.
Meus pais permaneceram no Brasil, em Angra, onde eu também me refugiei,
renovei as energias, até decidir voltar ao trabalho, ou melhor, consumir cada
segundo existente com ele.
A relação com meus velhos, alternou convivência, não aceitei a injustiça que
fizeram com meu amor, mas depois de um tempo, não toquei mais no assunto.
Ellen pediu demissão e viajou para a casa dos pais na Itália, meu coração
endureceu, não lamentei nada sobre ela.
Nicholas, para seu próprio bem, desapareceu, travamos num último olhar
antes que ele cruzasse a porta, que o perdão era o mais distante dos sentimentos
que nos rondava, o ódio sim, esse era o que nos selava.
Valéria remanejou os compromissos de forma que as viagens foram
reconsideradas. Aceitei tudo que me afastasse do Brasil, mergulhei como antes
numa rotina coberta por reuniões, palestras e contratos inacabáveis. Dei início ao
projeto que coloquei um pouco de lado, a nova linha de EAD que a WIS
integraria, e guardei à chave toda a dor que me fez estacar num certo momento.
Ela existia doce e constante na memória.
Respirava seu perfume de morango.
E me alimentava do seu gosto, embriagado no meu paladar.
— Filho, nos vemos em dois dias?
— Não sei ao certo, tenho muito a fazer em Nova Iorque.
Robert abriu um sorriso exasperado, notório na chamada de vídeo.
— Certo — murmurou e eu desviei acenando para os meus seguranças,
quatro ao total, que ocuparam os assentos da frente do jato. — Ok, nos avise caso
mude de ideia. Boa viagem.
— Obrigado.
Encerrei a chamada, dispensei o celular ao lado.
— Senhor, estamos prontos, quer tomar alguma coisa? — a aeromoça disse
ao se aproximar.
— Sim, uma dose de uísque.
— Ok, senhor. Se precisar de qualquer coisa é só chamar. Tenha um ótimo
voo.
Assenti para a moça que saiu requebrando o quadril, coletando ao seu
traseiro quatro conjuntos de olhos enquanto passava, sorri para o grupo canalha
hipnotizados no rabo da mulher, relembrando os velhos tempo, o velho Ricky
(que não existe mais), numa situação rotineira como essa, meu voo
provavelmente seria com ela me chupando, e eu fodendo ela, até o destino final.
Desviei para a janela, observando a pista plana, o jato tomar movimento, e meu
coração fagulhar com ela nos meus pensamentos.

Júlia

Como duas felinas perigosas, fomos a um barzinho próximo à praia. Pop's


Drive, o lugar conhecido como a perdição dos estudantes, era muito
aconchegante, dançante e a brisa que vinha do mar completava a sensação. Fui
azarada por vários carinhas, assim como Melissa, pois se íamos curtir, tínhamos
que arrasar no look, colocamos vestidinhos soltos e curtos, rasteirinhas delicadas,
uma maquiagem leve, porém com um delineado incrível e colorimos a boca com
vermelho — a cor da paixão. Provamos vários drinks diferentes enquanto rapazes
do time de futebol nos devoravam como um prato farto de carne. Ignoramos cada
flerte e somente curtimos a noite, o ápice foi quando pedimos tequila, aí danou-se
tudo.
Nem sei como conseguimos chegar em casa, mas minha consciência voltou
quando me vi jogada no sofá, com Melissa ao meu lado.
— Bebemos demais… — sussurrei. — Somos malucas…
— Tinha que beber, sair, falar merda, nossa vida é só estudar… estudar…
credo, não quero só isso não.
— Eu quero.
— Sei que não. — Mesmo eu não olhando para ela, sentia seus olhos me
fitando. Então deixei o rosto cair na sua direção. — Estou morrendo de saudade
do Ruben!
— E eu, do Ricky — confessei ao mesmo tempo que uma lágrima escorreu.
— Evitei mencionar o nome dele até agora. Mas o amo tanto que…
— Sufoca?
— Sim, sufoca.
— Um minuto. — A maluca se moveu resgatando sua bolsa embaixo da
bunda, depois fuçou seu interior pegando o celular como se o aparelho fosse um
troféu. — Preciso fazer uma ligação.
— Pra quem?
— Ruben, estou excitada e quero transar com ele.
— Oi? — Gargalhei descontroladamente até tombar no sofá. —
Enlouqueceu, como será isso?
— Ora, pelo telefone — a xarope esclareceu simplesmente e discou. E claro,
meu momento com o Ricky me golpeou. — Que horas será na Itália?
— Não faço ideia — falei, me aconcheguei no sofá. — Coitado do garoto,
Melissa.
Ela apertou os lábios com entusiasmo, então entendi que estava chamando e
quando abriu um largo sorriso, concluí que o garoto atendeu.
— Oi, amor...
— Coloca na viva-voz — pedi baixinho.
— Oi, Mel... O que houve?
— Estou excitada!
Ruben pareceu engasgar-se com o som que transpassou na linha.
— E bêbada, de acordo com sua voz.
— Eu e a Júlia bebemos um pouquinho, nada demais...
— Ah, claro. Como vai, Júlia? Sei que está no viva-voz.
— Estou bem.
— Ruben, faz amor comigo? — Mel interrompeu.
— Como? Agora? — O garoto ofegou.
— Sim, pelo telefone, será uma experiência incrível... Vamos, amor. Vou
para o meu quarto.
Não ouvi a resposta de Ruben, pois Melissa levantou e movimentou o
celular no ar. Pensei que caminharia em direção ao seu quarto, quando a ruiva me
surpreendeu ajoelhando ao meu lado e colocou o celular rente ao meu ouvido. Fez
sinal de silêncio e fiquei bem confusa, até entender do que se tratava.
— Ruben, como está o Ricky?
— Ele está bem, voltou ao trabalho.
— Ele…
— Melissa, não posso falar mais nada.
Fato, o muro erguido ainda existente, não ruiu, e Ruben fazia parte dos
tijolos. Por mais que acreditasse em mim, era fiel às ordens dadas pela família.
Melissa chegou a mencionar que para que seu relacionamento permanecesse, essa
fatalidade tinha que ficar de lado, do contrário, seu namora estaria em risco.
Apesar de notícias como essa aquecerem meu coração, me fazerem vibrar, nunca
toleraria arriscar o namoro de Melissa por algo que não dizia respeito a ela.
Pisquei para ela em agradecimento, que saiu cambaleando enquanto falava
palavras safadas para o namorado.
Ele voltou ao trabalho…
Joguei pro ar, sorrindo como uma boba, uma felicidade massageou meu
peito por saber que meu amor, depois de toda a crueldade, voltou à ativa, retomou
sua vida. Meu Deus, a vontade violenta em ouvir sua voz rouca, sexy, espremeu
meu corpo, muita saudade, muito desejo. E o desespero negligente de senti-lo,
custou-me um gemido. Ricky estava bem, e isso explodiu dentro de mim de
forma grandiosa, uma parcela pequena do peso que carregava, estancou, todo o
sofrimento que nosso encontro, que o NÓS, destruiu na vida dele, destruiu na
minha vida, dissipou em pequenas camadas. Ele estava bem, e isso me tirou
várias lágrimas de agradecimento divino. Ele estava bem, e eu o amava, o amava
muito, o amava inteira, o amava ainda mais que antes.

Ricky

Entrei no quarto do hotel esgotado, nunca uma reunião me tirou tanta


energia, chequei a hora no celular constatando que ainda restavam três horas para
o início do coquetel que a sede de Nova Iorque da WIS fez questão de organizar
em minha homenagem — portanto, me obrigando a comparecer, quando o meu
desejo era me abrigar naquela cama e acordar em três ou quatro dias. Uma ducha
quente era muito bem-vinda se Valéria não interrompesse no segundo seguinte.
— Olá, chefe, como foi a viagem?
— Sempre cansativa, Valéria, ia tomar banho, fale rápido.
— Gostaria muito de saber se incluo o evento na mansão dos seus pais na
próxima semana?
— Quer dizer o aniversário de casamento?
— Sim.
A insistência de Sara para que eu participasse dessa festa que sempre
movimentava a Califórnia, chegou a me sufocar, duas questões: a foto familiar
que agruparia Nicholas e eu, no mesmo círculo de ar. Porra, não ia causar um
impacto tranquilo, talvez a festa tomasse rumos desagraveis. Segundo, não tinha
paciência para esse evento, não depois de tudo.
— Não inclua, eu não vou. — Ela cantarolou, como se meu tempo a
permitisse fazer anotações comigo na linha. — Valéria, fora isso…? — Prossegui
impaciente.
— Ah, sim, só mais um detalhe, após o coquetel você vai embarcar para Los
Angeles, pois tem que complementar a junção da WIS com a University
Communication Training, a assinatura do contrato será em grande estilo, num
evento para a mídia e alguns estudantes, terá foto, aperto de mão, babação
gratuita, discurso que já enviei por e-mail, acho que é só, alguma dúvida?
— Tá gozando com a minha cara?
— Não, Ricky, sei que esse evento era para daqui a dez dias, mas foi
necessário adiantar por uma questão contratual, aproveite o coquetel e deixe
para dormir no jato. Boa noite, chefe.

Júlia

Ao som de We found love, da Rihanna, eu corri pelas calçadas largas das


praias de Los Angeles, recebendo naquela manhã uma energia mágica que
contagiou todo o meu dia. Em casa, preparei um arroz com legumes e frango,
comida de verdade, made in Brasil, faltou o feijão (como sinto falta de feijão
fresquinho). Viver nos Estados Unidos não me proporcionava uma alimentação
saudável e decidi mudar isso nesse início de semana. Durante o preparo, em uma
chamada de vídeo papeei com a Raica, rimos, choramos e por pouco não encerrei
a ligação, visto que todos os outros amores — Lucca, Renan e Théo —
apareceram no fundo da chamada de vídeo. Não segurei a emoção, a saudade e
muito menos o choro.
Tornei-me uma chorona incurável.
— Tudo bem? — Melissa chegou de repente e flagrou meu momento
nostálgico. — Porque está chorando, Jú?
— Saudade do Brasil e dos meus amigos. — Balancei a cabeça dissipando a
motivação. — Chega de tristeza, bora comer?
Avançamos na travessa esganadas e famintas.
Orgulhosa do meu desempenho culinário, caprichei no visual, como havia
hidratado o cabelo quando retornei da maratona, restaram alguns detalhes que
desleixei nos últimos dias, me depilei, esfoliei a pele e abusei no hidratante. Vesti
um jeans, blusinha floral modelo ciganinha e sandálias altas. Meu rosto recebeu
uma maquiagem caprichada e meu cabelo, cachos com o babyliss.
Na universidade não passei despercebida, achei que muitos me enxergaram
pela primeira vez, de fato, havia um brilho diferente na minha face…, a véspera
nutriu meu entusiasmo, ele estava bem, e tudo dentro de mim suspirava em torno
dessa certeza.
Finalmente, estou de volta.

Ricky

Não poupei a irritação quando falei com minha assistente pelo telefone,
Valéria me enviou para Los Angeles de madrugada para que nenhum imprevisto
atrapalhasse o evento logo pela manhã, mas o imprevisível aconteceu e o maldito
foi remanejado para a tarde, deixando o meu dia um tanto bagunçado. Diante
desse episódio, aproveitei e almocei com um velho amigo, Benjamim Lonn, hoje
reitor da WIS de Berkeley, um momento bem agradável que renovou as minhas
energias para o que viria a seguir.
Uma bela estrutura foi elaborada e estudantes com olhos brilhantes não
permitiram que eu passasse por ali sem antes relatar um pouco da comunicação
mundial, me senti lisonjeado com a confiança, é sempre prazeroso ter
conhecimento de como o nosso trabalho atinge e inspira pessoas, já ocupei uma
daquela cadeiras, ambicionando em conquistar o mundo. Sei bem como as
palavras certas mudam a nossa direção, portanto, me coloquei diante deles para
um papo sobre Marketing:
— Hello. As a Marketing Professional...

Júlia

— Como foi a sua aula?


— Incrível, tenho quinze minutos. Vamos nos sentar no gramado? —
Alonguei as costas, permanecer sentada durante uma hora e meia não era uma
posição prazerosa para a coluna.
— Partiu gramado, preciso de ar puro também.
Caminhamos na direção do saguão, pois atravessar o grande espaço nos
levaria ao maravilhoso e desejado gramado, sendo assim, aceleramos os passos,
visto que o nosso tempo era curto. Não era costume eventos acontecerem no
saguão, geralmente usavam os auditórios ou em alguns casos o teatro, quando
palestras e apresentações faziam parte da grade, contudo aquele parecia diferente,
não identifiquei o tumulto de pessoas na estrutura montada, que mesmo distante
consegui observar.
— Mel, o que é aquilo?
— Provavelmente uma palestra.
— Palestra? Será?
Dei de ombros e alguns passos para o meu destino.
— Hello. As a Marketing Professional...
— Ouviu isso? — Girei tão rápido que me embananei com as pernas. — A
voz do microfone, eu conheço...
— Conhece?
— Sim, parece familiar. Não acha?
Ela esbambeou entre o sim e o não.
— Não conheço. — Escolheu os ombros. — Gramado? Estou exausta.
Assenti, me julgando uma maluca, impossível ser….
Estou escutando coisas.
Seguimos e só não nos jogamos sobre a grama porque tínhamos consciência
de que não era fofo o suficiente para uma queda confortável, deitamo-nos ali com
a sombra da árvore nos protegendo do sol. Nula, com o som natural da
universidade que não parou como os meus pensamentos, admirei o céu azul. Por
mais que tivesse criado uma fortaleza como personagem para seguir em frente,
murchava quando a saudade batia forte, a revolta cutucava meus sentidos e o
amor me fazia ouvir coisas.
— O que mudou? Por que vejo sombras nos seus olhos?
— Não sou tão forte.
— Entendo suas feridas e reluto em aceitar. Talvez, se houvesse um ponto
final, um rompimento, algo desse tipo entre vocês dois, as coisas seriam
diferentes. Mas não, todas as atitudes corromperam o direito de você e o Ricky
decidirem o que era melhor. Juro que me revoltei e quase coloquei Ruben na
parede, porra ele não é moleque, sabe o certo a fazer e fica nessa ladainha de
obedecer ao Nicholas, família e blábláblá...
— Sem imprudências, Melissa. Jamais me perdoaria se prejudicasse sua
relação por minha causa. Então aquieta esse rabo.
— Tá. Agora te ver assim me corta o coração, não quero que ache que estou
com pena, longe disso. Só que seu sofrimento se tornou meu também.
Melissa intensificou o olhar, senti a sinceridade vindo deles, não nego,
estava feliz em receber seu apoio, carinho e finalmente reconhecer, depois de
tanto tempo, em meio a tanto caos que a perdoei e a mágoa não existia mais com
tamanha voracidade.
— Júlia…?
— Passou, Mel, acabou.
Ela crispou os lábios e arregalou os olhos.
— Posso acreditar no que seus olhos me dizem?
— Sim, pode.
A feição iluminou.
— Jesus, esperei muito por isso.
Ela me puxou para seus braços, quentes, trêmulos, suspirei entre eles depois
de tanto tempo. O perdão, sentimento que jurei não ofertar à Melissa, enfim,
conquistou seu espaço no que eu chamo de segunda chance. Certo ou errado.
Talvez ou será. Quem sabe? As armadilhas da vida, que dá com uma mão e tira
com a outra, aprendi essa lição da forma mais cruel de todas, não vou alimentar
ódio, meu coração não tem espaço, ele está consumido de amor.
Um amor que não posso viver.
Um amor que não posso gozar.
— Eu te amo, Júlia.
— Mel, estamos de volta.
Trocamos sorrisos, secando uma o rosto da outra.
O alarme do celular soou — nos atentamos em acioná-lo antes de nos
deitarmos ali — o que nos fez sair correndo, estabanadas, pois entrar atrasada na
aula era algo incomum por aqui. Um grande tumulto empacou nossa locomoção
quando alcançamos o saguão, resmunguei querendo entender de onde saiu tanta
gente, logo após presumi que foi do evento à frente que havia acabado.
— Júlia, acelera... — Melissa gritou distante.
— Estou tentando. — Indiquei a quantidade de pessoas que atrapalhava
minha ida. Ela deu os ombros em seguida um tchauzinho e sumiu. — Garotas,
vocês podem me dar licença — pedi em inglês para um grupo de parasitas que
bloqueou a entrada no corredor principal.
As vacas me olharam com desdém, retribuí e, como se quisessem testar a
minha paciência, abriram caminho em câmera lenta. Passei por elas nada delicada
e corri para a minha sala, o professor havia iniciado, mas permitiu minha entrada.

Ricky

Por sorte o evento foi dinâmico, então pude concluir todas as etapas
rapidamente e designar um novo itinerário para o motorista, voltaria para Nova
Iorque, pela manhã havia compromissos que necessitavam da minha estada. E se
caso a Valéria me colocasse em outra furada, estaria demitida, a sinalizei por
mensagem. E a filha da mãe riu por meio de emojis, veja só, estava sem moral até
com a minha assistente.
Relaxei no assento, o carro percorria as ruas belíssimas de Los Angeles, me
deixei fascinar pelo mar iluminado, a brisa que embalava os grandes coqueiros e
tudo de belo e exótico que a paisagem me ofertava. Inevitavelmente, meu peito
apertou com o aviso do que minha mente forçou em recordar, viajei nos próximos
segundos em detalhes inesquecíveis da linda garota. Até meu celular vibrar,
relutei em atender, contudo o Ruben nunca me importunou, se ligava era
importante.
— Alô...
— Oi, primo. Tudo bem?
— Indo, o que houve?
— Podemos falar um minuto?
Oscilei sem paciência.
— Sim, um minuto Ruben.
— Ok, serei breve, primo… agora há pouco conversei francamente com a
Melissa, e ela me fez enxergar que cometemos alguns erros, então...
Ele balbuciou, a respiração rumorejou entrecortada.
Ruben se pôs nervoso com o que ia mencionar e eu imediatamente
compartilhei do seu estado.
Ela.
— Um instante, Ruben, John estacione por gentileza. — Dei o comando para
o motorista, senti que precisava de estabilidade para prosseguir com a conversa,
voltei para o garoto. — Continue, Ruben…
— Você ainda está em Nova Iorque?
— Não, tive um compromisso urgente aqui em Los Angeles. Mas estou a
caminho do jato, pretendo retornar a Nova Iorque em vinte minutos — verifiquei
o horário no relógio de pulso, só para ter ciência do tempo e horário.
— Então, agora, está em Los Angeles?
— Estou, por quê?
Ele gargalhou, me pus confuso.
— Porque é hora de corrigimos alguns erros.
44 | Júlia Sales

— Estou exausta — disse e me lancei no sofá, as duas últimas aulas foram


cansativas, esgotaram o meu cérebro. — Melissa… — chamei a criatura que se
resguardou no quarto assim que entramos no apartamento.
— Oi? — respondeu quando apareceu na sala.
— Aconteceu alguma coisa? — indaguei, levantando-me e indo para a
cozinha, um sanduíche era muito bem-vindo dado ao fato de eu só ter comido
minha ação de sucesso no almoço, há muito horas, estava varada de fome. —
Qual o motivo de você não desviar os olhos da tela do seu celular? Estou como
idiota falando sozinha.
— Meu papo com o Rubem é bem sério.
— Estão brigando, pelo visto — julguei, pois Melissa não enrugava a testa
daquela forma se não estivesse discutindo com alguém. — Deixa o garoto, Mel.
Ela olhou rápido para mim e sorriu, ergui uma sobrancelha tentando
descobrir o motivo do sorriso sacana.
Um sorriso diferente do que costumava dar.
— Que foi? — Fiz questão de saber. — Por que está com essa cara de quem
aprontou?
— Euuuu?
— Você, garota.
— Não fiz nada, só lavei a alma que se lambuçou com lama em um passado
que preferi esquecer, estou até mais leve agora. — Ah? Não entendi uma palavra
do que a louca disse. — Onde está seu celular?
— No sofá — respondi de forma automática.
— Fique atenta a ele. — A enigmática se aproximou e beijou minha testa
antes de caminhar saltitante até a porta. — Vou dar uma saidinha, mas não
demoro.
— Aonde vai a essa hora, Melissa? — Tentei ficar a par da felicidade
demonstrada no rosto da ruiva. — É tarde…
— Eu sei, quero tomar ar. Até, Jú. — Dito isso, a criatura soprou um
beijinho e bateu a porta.
Permaneci parada, com o pão na mão, procurando uma resposta que
justificasse o comportamento de Melissa, não encontrei, então fui à geladeira
colher ingredientes para meu sanduíche, acabei reaproveitando um pouco de
frango que sobrou do almoço e acrescentei tomate, alface e azeitona no pão com
maionese. Enchi um copo com suco de laranja e estiquei os pés na mesa de
centro, enquanto minhas costas afundavam no encosto do sofá. O silêncio do
apartamento me incomodou, visto que era sempre preenchido com conversas
esporádicas da Melissa e eu, me senti solitária e esquisita, por isso, comecei a
comer lembrando do meu dia, houve alguns picos de emoção que, por burrice,
deixei voltar e me abater, evitava ao máximo recordações ou a frustação vivida no
Brasil, era uma maneira de me proteger de mim mesma e continuar seguindo.
Portanto, ouvir coisas, vozes parecidas com a dele, como aconteceu no saguão da
universidade me deixou alheia, tinha que curar essa ferida. Inspirei fundo e tomei
um gole de suco, sacudindo a cabeça ao negar mais uma vez reviver o passado.
Foi então que o celular tocou, alto, parecia que aparelho estava em choque de
tanto que clamou minha atenção.
Peguei, não reconhecendo o número, tinha poucos amigos em Los Angeles e
todos já estavam registrados na minha agenda.
Questionei quem poderia ser, provavelmente balelas de telemarketing com
promoções de livros universitários, acreditem, temos aqui também.
Ignorei e voltei a comer.
Um filme ou um livro?
Por algum motivo me senti agitada e quase me engasguei, logo que o celular
sacudiu ao meu lado.
Que porra.
Pousei meu sanduiche na mesa ao lado e curvei a cabeça; era o mesmo
número desconhecido de antes que piscava desesperado, bem, só por causa da
insistência achei melhor atender.
— Alô.
— Linda… — A voz chegou sussurrada e tudo em mim gelou, é ele…? Não,
estava ouvido coisas novamente. Não podia ser… ele! — Júlia…?
— Ricky? — sussurrei, embargada, sentindo a garganta doer.
— Sou eu.
As memórias ressurgiram violentas, agressivas, assim como aquele vídeo me
atingiu quando as cenas cruéis maltrataram tudo que amava.
Não sei somar o tempo exato que almejei em ouvi-lo.
Faltou-me voz, pois tudo se dissolveu num agradecimento divino, como
minha alma elevou, voltou a ter cor, era a melhor das sensações ouvi-lo, já que
essa oportunidade me foi tirada várias vezes.
— Você não quer falar comigo?
— Eu… — Minha garganta ardeu e a respiração se tornou veloz demais para
meu peito não doer. — Eu… sim.
— Podemos conversar? — Sua voz soava cautelosa, mas havia um fio
trêmulo de fundo, insosso, duvidoso. — Tudo bem?
Ajeite-me no sofá, mirando a porta e revendo Melissa, agora compreendo as
palavras da criatura enigmática e tudo que seu rosto transmitiu no instante em que
saiu para tomar ar.
Não sei como, mas ela conseguiu que essa ligação fosse possível.
— Sim, e você? — soltei por fim.
— Acho que respiro melhor ao ouvir a sua voz.
Meus lábios secos esticaram numa tentativa mínima de sorrir, era surreal o
som que recebia, finalmente, teríamos o nosso momento de desenhar o não
permitido, só não sabia como fazer.
E o que dizer.
— Não sabe o quanto eu sonhei em ouvir a sua…
— Eu sei.
— Não tenho certeza, Ricky, as coisas são confusas, mas em torno de toda
essa parte nociva… mesmo eu de longe sabendo como você voltou a viver, ouvi-
lo agora é algo…
Impossível prosseguir, as lágrimas que tentei manter guardadas para me
impedir de um descontrole rolaram quentes pelas bochechas.
Ele estava comigo, sua voz era minha naquele instante.
— Perdão, Ricky, por tudo que aquele maldito fez com você e…
— Júlia, você não tem culpa de nada, é sobre nós que quero conversar…
— Ainda existe nós? — Fui realista em questionar, a frequência de golpes
que me afastaram dessa possibilidade era maior do que as que me mantiveram
acreditando nela. Precisei me distanciar dessa chance ou então teria me afogado
num imenso mar sombrio. Aquele que mergulhei algumas vezes, principalmente
quando fui informada que Ricky “não queria me ver”. Foi mórbido, doloroso.
— Nunca perdi as esperanças que houvesse, portanto não vou deixar que o
passado novamente nos afaste, precisamos de uma chance para conversar e se
nós decidirmos que…
— Eu estou longe, estou em Los Angeles, como seria possível um encontro,
uma conversa?
E a batida na porta também batucou meu ventre, hesitei em chorar ou
atender, até porque a respiração descompassada permaneceu no meu ouvido.
— Estou aqui fora, Júlia — ele sussurrou. — Agora basta você optar por
abrir ou manter a porta fechada.
São momentos em que o surreal acontece e você descobre que não tem
domínio nenhum dos instantes seguintes. Fazemos planos e lutamos para mantê-
los vivos e realizá-los, só que no percurso, o destino que é um grande gozador
traiçoeiro ou muitas vezes justiceiro, interfere, movimenta os trilhos em que a
nossa vida encarrilha, e nos coloca de volta no jogo.
Nós.
Finalizei a ligação ao lançar o celular sobre o sofá, segui meu trilho até a
porta e girei a maçaneta com o misto de muita coisa incitando minhas veias.
Movimentar a madeira nunca havia sido tão angustiante, desejoso.
Desuni, e ele verdadeiramente estava ali.
Os braços apoiados no batente, cabeça baixa, mas ergueu-se lentamente até
que seus olhos se unissem aos meus. Estáticos, permanecemos nos conectando
com o contato, intenso, ferido, magoado, nosso encontro de almas.
Procurei, no milésimo de segundo, colher tudo que pude e era inevitável não
perceber seu aspecto magro, seu rosto mais fino, havia uma sombra escura
embaixo das pálpebras e me identifiquei com a feição, dias anteriores ao
conseguir me encarar no espelho encontrei os mesmos sinais. Inspirei, ele
também. Sorri, ele também. Ao passo que tudo à frente se tornou embaçado,
desconjuntado, entendi que minhas emoções fluíram fortes.
— Oh, linda…
Seus braços se fecharam no meu corpo, que tremia com os soluços. Jesus,
como quis isso, como precisei desse calor.
— Como senti sua falta, minha garota…
Ele me apertou ainda mais, tudo nosso se misturando, o abraço nos curando
aos poucos…
— Ricky — arquejei, afastando-me um pouco para ter seu rosto como centro
—, eu…
Ele calou-me, quando seu dedo tocou meus lábios.
— Me escute, por favor. — Amparou meu rosto nas mãos, deixando-me
ciente de como sua face se transformou em lágrimas, assim com a minha. —
Tudo que aconteceu… de tudo que aconteceu, perder você quase me tirou o ar e
não findei um último suspiro, simplesmente porque acreditei, a cada segundo, que
esse momento aconteceria.
Suas mãos escorreram para trás dos meus cabelos, enredando os fios entre os
seus dedos, num rompante puxou-me mais para perto de sua boca, o hálito
pairando abrasado.
— Eu te amo, minha eterna garota — ele declarou. — Eu te amo, mais que
minha própria vida.
Um beijo.
Uma troca insana de saudade.
Colou nossos lábios e desorientou nossa estrutura, sentir seu gosto me
penetrando depois de tanto tempo, estimulou meu coração com batidas sufocantes
que chocavam o meu peito. Cambaleamos ao encontro de apoio por toda a sala
até ele tombar no sofá e eu cair sobre seu colo, tomei o espaço da sua cintura,
nosso beijo não foi interrompido, continuou, selvagem, arrebatado, sufocante.
Havia uma infinidade de sentenças que nos impediriam de sentir o clamor
desesperado da carne, era muito a ser dito, e sim, eram muitos, muitos poréns, no
entanto, a brasa sempre queimava, quando o ‘nós’ acontecia.
— Meu Deus, Júlia… — Ele permitiu um sopro de ar, castigando nesse
intervalo minha bunda, suas mãos se encheram por baixo do meu vestidinho
solto, que sempre usava para ficar de bobeira em casa, massacrando as polpas.
Gemi, pesando a cabeça na nuca, oferecendo meus seios inchados com o tesão,
pontudos em direção à sua boca. — Eu estou faminto por sua carne, como eu te
amo, como eu senti falta do seu gosto de morango picante, da pele sedosa e do
seu sorriso que ilumina meu dia, não sou um homem inteiro sem você, sou um
nada sem você, eu te amo tanto que chega sufocar… — ele ganiu e engoliu um
mamilo colocando o decote de lado.
Minha calcinha raspava meu sexo na ereção proeminente, meu corpo reagiu
inflamando como se estive no inferno. Ricky puxou meu vestidinho, tirando-o
pela minha cabeça, expondo a nudez para seus olhos e peregrinou as digitais
amaciando a pele ouriçada por seu toque. Choraminguei seu nome, esfregando
fervorosa meus lábios esparramados sobre o mastro do seu pau, rebolei, rocei,
dancei, tendo em meu ouvido os gemidos do homem gostoso embaixo de mim.
Ricky lambia meu pescoço, orelha, seios, na loucura descontrolada. Até que
nossas bocas se encontraram e outro beijo tomou todo o nosso corpo, toda
atenção, todo o fascínio, o encaixe era perfeito e delicioso. Ele me apertou com
força e não deixou minha boca escapar, ficamos ali, beijando, beijando,
beijando…
Apaixonados.
Gratos.
Emocionados.
Excitados.
Um misto pulsante do nosso reencontro.
Ergui-me um pouco e abri sua calça, liberei seu pau o suficiente para afundá-
lo no meu íntimo, arfei contra sua boca, gritei enquanto descia, sendo preenchida,
sendo comida, sendo engolida por ele.
— Gostosa demais… — ele vociferou, enlouquecido. — Que saudade dessa
bocetinha me engolindo.
Ricky cravou as mãos na minha bunda, apertando as polpas na sua ereção. A
febre entre nós chegou a doer, uma necessidade obscena, erótica, carnal tornou-se
viva. Mas também apaixonante. Cavalguei, tirando dele gemidos, lamentos,
enquanto nossos sexos se fundiam, se fodiam. Nossos olhos queimando, nossas
bocas se beijando, se lambendo, na volúpia, no frenesi. Seu pau cada vez mais
inchado, suas mãos tocando tudo, meu corpo em combustão sacudindo, o dele
vibrando, eu subia e descia, batendo a intimidade contra suas bolas cada vez mais
rápido, a saudade clamava, exigente, incessante, o limite chegando, um calor
abrasador me fazendo gritar:
— Ricky, eu… te amo…
Ele gemia…
— Me aperta, meu Deus. Como você é deliciosa, meu amor…
O último declínio foi intenso, lascivo, apertei o Ricky forte durante o clímax.
Meu corpo lânguido caiu em seu peito. Ricky subiu me levando junto com ele,
me deitou no sofá, tirou o seu pau melado de dentro de mim, alisando o
comprimento duro. Rosnou, gemeu, apertou os lábios e jorrou toda sua porra
sobre a minha barriga. A visão obscena estremeceu meu corpo ainda com
resquícios do meu orgasmo. Depois se deitou ao meu lado, me abraçou, me
acarinhou, me beijou, como se precisasse eternizar aquilo.
Meu coração golpeava meu peito.
Era surreal, ao mesmo tempo que forte demais para parecer mentira.
O silêncio ocupou uma posição necessária, nossa respiração aos poucos
serenando, fechei os olhos, um tempo passou para ele recobrar espaço, ouvi seus
passos percorrerem o assoalho, mas não conferi aonde ia, preferi continuar no
embalo que meu corpo drapejava. Um sorriso bobo, feliz, angustiado, escapou.
Não demorou muito e ele estava me limpando com um tecido macio. Abri os
olhos e o flagrei dedicado a eliminar cada gota de sua porra da minha pele.
— Peguei no quarto da Melissa, acredito. — Ele riu suave. Bem, a tolha de
rosto da ruiva estava encharcada de porra, já estava escutando os surtos. — Não
encontrei nada além… — Jogou a toalha de lado. — Vem cá — ele me encaixou
no seu corpo.
Carinhos.
Beijinhos no meu pescoço.
— Não é um sonho? — murmurei me encolhendo, ele firmou seus braços e
beijou meu cabelo.
— Tudo certo se for, não acordaremos nunca mais, o mundo dos sonhos
parece um futuro divino.
— Eu te amo, Ricky, eu nunca deixei de te amar, eu tentei ficar ao seu
lado…
— Eu sei, meu amor, sua mãe comentou, não estava ciente de nada, me dói
imaginar o que passou. Quando me recuperei fui na sua casa, infelizmente, não
cheguei a tempo, supliquei para que sua mãe que me desse seu endereço, mas ela
não o fez, quis protegê-la de mim e não permitiu que a encontrasse.
— Perdi tudo, fui julgada e quase condenada — soltei o ar estancado no
peito e ele trincou o maxilar —, só que nada era relevante, você, sim, sua vida nas
mãos do desgraçado e depois em coma no hospital, eu sofri tanto por não poder
fazer nada — murmurei, a lembrança infeliz fechou minha garganta. Não
consegui mais encará-lo, um sentimento familiar rondou meu peito. — Eu sinto
tanto.
Ele fez o papel de guiar minha cabeça.
— Amor — o gomo dos seus dedos alçou meu queixo —, você não é
culpada por nada, pelo amor de Deus, sabemos o que aquele desgraçado fez com
vocês e… — Ele prensou os olhos com força. — Eu sei o que fizeram com você,
minha família, meu irmão, eu lamento tanto, o seu lugar era comigo e nos
arrancaram nosso momento, mas eu a quero, somos um, Júlia, e ninguém pode
mudar esse feito.
Meu coração errou a batido.
A sensação de que o mundo estava contra nós arriou o clima.
— E agora, o que faremos, Ricky?
— Enfrentaremos o mundo… juntos.
Cena extra
Livro 2
O que esperar de MEG…?
Minha Eterna Garota

Parte dois da festa de aniversário de casamento dos


pais de Ricky Walker.
[...]
A orquestra parou de repente e, no mesmo instante, palmas invadiram o som
até então harmônico, não eram aplausos, lamentavelmente, eram somente duas
mãos se chocando vis, fúnebres, duras. Girei na direção da entrada ao mesmo
tempo em que segurei a mão fria de Ricky, um arrepio correu minha espinha logo
que cruzei com os olhos do Diabo. Ele sorria, de canto, enquanto saudava os
convidados, desfilando entre os corpos como o astro que sentia ser. Seus passos
cravavam em linha reta, sem desvio, nós éramos seu destino.
Impossível não se alterar, meu todo gritava por socorro e, mesmo se
houvesse uma saída estratégica a qual pudesse escapar, Ricky não permitiria, seus
dedos esmagavam os meus, fundindo-se, álgidos. Houve três oportunidades para
eu evitar tal confronto e como golpes no estômago elas feriam meu abdômen.
Puta merda, quero vomitar.
A ânsia torturou…
Ele cada vez mais próximo.
Minha garganta fechou.
O ar trepidou purgante.
Senti os olhares queimarem ao meu redor.
Senti o homem ao meu lado respirar pesadamente, assim como uma sombra
pousar sobre as cabeças.
— O que faz aqui?
— Como assim, maninho, é aniversário de casamento dos meus velhos, por
que não viria? — proferiu intrépido, dono de tudo, como o desgraçado que era. —
Me surpreende você, depois de tudo… — Seus olhos tentaram esmagar minha
existência ao lado de Ricky, mas não conseguiram, não ia deixá-lo me enterrar na
cova que estava cavando, não nesse momento. Quando tantos insultos já me
agrediram desde que pisei nesse lugar. — Tenho um título excelente para a
relação de vocês, amor bandido, o que acha?
Ricky inspirou furioso.
— Não vale a pena — eu disse. — Acho que a festa acabou… — propus
desesperada, as faíscas, os lufares de ar, corroendo tudo, nada ali estava certo, nós
três no mesmo ambiente passou a ser alerta de perigo mortal.
— Sim, a festa acabou — Ricky, por fim, concordou comigo. — Vamos,
Júlia, vou me despedir do meu pai.
— Ah, que pena, achei que a festa tinha acabado de começar…
— Nicholas, filho. — Sara pousou sua mão vestida por luvas de cetim
branco sobre o ombro do mais novo. — Estão todos olhando, vocês querem expor
minha festa para todos os tabloides sensacionalistas do mundo, como a tragédia
do ano? — Seu olhar ríspido estava em mim. — Disfarcem e me acompanhem ao
escritório.
— Não há nada que precise fazer no escritório, mãe…
— Ricky, não seja teimoso, tenho certeza de que precisamos conversar em
família, não é mesmo, Júlia?
Engoli em seco.
— Sim — acatei. Havia outra alternativa? Sim. Ignorar tudo aquilo e sair
correndo. Mas não sou covarde e Nicholas não me colocava mais medo. —
Melhor, Ricky, estão todos olhando e…
— Foda-se cada olhar nessa merda, espero que a senhora controle seu filho.
Nicholas resmungou algo revidando, mas Sara lançou um olhar um tanto
intimidador, e restou a todos somente acompanhá-la. No percurso, Sara acenou
para o maestro, que assumiu os acordes de sua orquestra. Marchamos ao som
suave do violinista, totalmente desconexos, o ar que pulsava rasgava nossa pele
de tão tenso. O caminho, longo demais, terminou em frente a uma porta dourada
enorme, o mais novo fez a honra e todos adentramos. O espaço rodeado por
largas estantes preenchidas por livros era impecável, seu centro uma semissala de
estar, e à frente uma mesa amadeirada com pernas esculpidas de flores, claro que
a cadeira por detrás dela estava ocupada por Robert Walker, o patrono da família.
Seu semblante deixava claro tudo que viria a seguir.
— Sentem-se. — Dispôs para mim e Ricky. Sara já estava posicionada ao
seu lado e Nicholas, assim que entrou, se jogou em uma poltrona.
— Não tem necessidade, pai, já vamos embora.
— Negativo, muita desfeita da sua parte, quando vim somente para vê-los…
— Vai se foder, Nicholas.
— Basta — Roberto interveio. — Não admito esse comportamento na minha
casa, tenho dois adultos como filhos, não dois adolescentes.
— Na verdade — o diabo se levantou —, não tenho irmão há mais ou menos
sete anos, hum, é esse o tempo, Ricky?
Ricky estreitou os olhos, senti como se avisasse para Nicholas não
prosseguir. Totalmente divergente da minha feição que praticamente implorou
para que ele desvendasse essa rivalidade.
— Nicholas, não seja covarde — o mais velho avisou.
— Não é o momento, filho — Sara também advertiu.
— Por que não? A filha do bandido tem que saber.
Cerrei o maxilar fixada nele, o maldito era ciente dos insultos que me levaria
ao descontrole, sendo assim, abusava da sorte.
— Sabe, Julinha, talvez devesse te alertar que o príncipe encantado que você
jurou amar, não passa do vilão traidor…
— Seu merda. — Ricky avançou, se não pensasse rápido, segurando sua
cintura, seu punho, sem misericórdia, acertaria o rosto irônico do irmão.
— Não traga essa história infeliz para o nosso meio, Nicholas — o patriarca
ordenou. — Logo hoje, no dia em que Sara e eu comemoramos nossa união.
Nicholas gargalhou maléfico.
— Por vocês essa história teria sido enterrada com meu coração, não é
mesmo?
— Não, Nicholas, só não é o momento — murmurou Sara com a fisionomia
repleta de sombras.
Que porra de história era essa, afinal?
Sete anos era o tempo da rivalidade entre eles e, apesar de sentir que o
assunto era cortante igual a uma navalha afiada, não deixaria aquela mansão sem
entender os motivos de tanto ódio, até porque o sentimento hediondo respingou
em mim, era explícito que Nicholas me usou para atingir o irmão, mesmo que
seus sentimentos no ato da tragédia fosse o contrário.
— Ricky… — Meus olhos temendo incertezas implorou por uma
explicação. — O que há entre vocês?
— Júlia, você não faz parte disso.
— Ah, faz sim — o ardiloso murmurou dando dois passos em nossa
vertente. — Bolsista e estagiária da WIS, posições até então abominadas para as
namoradas dos herdeiros, isso a julgar de qual herdeiro estamos falando.
— Não vou admitir que traga essa maldição para esse ambiente, Nicholas —
esbravejou o pai.
— Não? Por quê? — Havia um tom amargo nesse questionamento. —
Talvez o filho prodígio não mereça ser condenado por seus atos pérfidos, é isso?
Ergui o rosto e encarei Ricky, silencioso, fisionomia nebulosa, estrutura
afetada. Sim, esse conjunto delatava, ocorreu uma traição entre eles, e em
consequência disso, senti meu coração apertar por uma certeza; assim que
soubesse esse lado sombrio da família Walter, tudo afundaria drasticamente.
— Eu prometi para Sara que nunca mais marcaria seu rosto nessa casa, mas
se continuar com essas insinuações, não honro essa promessa.
— Jura, maninho, acha mesmo que é só você que deixa marcas?
— Paramos por aqui, vamos, Júlia. — Ele apertou minha mão e me arrastou
para frente.
— O CMO é um covarde, sempre fugindo dos delitos.
Estagnei o passo.
— Calma, Ricky. — Ele soltou minha mão e voltou-se com os olhos
vermelhos. Furiosos. Não, nem em sonhos partiria do escritório sem ter
conhecimento desse fato. — O que houve, Ricky? Eu quero saber.
Ele inspirou fundo.
— Júlia, isso não é problema seu — Sara afirmou.
— Talvez não fosse mesmo — rondei cada olhar pávido do ambiente —,
mas agora é, sei que tem um segredo, desculpe… Ricky, quero saber por você.
— Fale, Ricky… — Nicholas afrontou. — Fale, seu traidor…
— Seu desgraçado. — O avançou fatal aturdiu o movimento, vi Sara cobrir a
boca e Robert perpassar na direção. — Maldito…
Um soco, outro e outro… golpes trocados.
Retirei a sandálias e corri na tentativa de deter o massacre. Mútuo.
— Pare, Ricky, pelo amor de Deus, vocês vão se matar… — supliquei
puxando onde conseguia alcançar do seu corpo — Por favor, olhe o estado da sua
mãe.
— Basta os dois — Robert gritou rouco, mas estremeceu cada parede do
cômodo. — Não admito mais essa merda entre vocês.
— Não admite porque sempre defendeu esse traidor, não é, pai. — Nicholas
cambaleou para trás, Ricky para o lado. — Preferiu abafar o ato fodido a perder o
filho querido. — Limpou o canto da boca ferida com o dorso da mão. — Sabe,
Júlia, vê se você consegue entender… meu irmão, meu herói, tudo de melhor e
mais sincero eu enxergava nesse cara. — Fitei Ricky rapidamente que pesou a
cabeça para frente e não me encarou, voltei para o Nicholas. — Havia um
confiança, uma dedicação invejável entre a gente. Até ela parecer e ganhar meu
coração, eu estava apaixonado e cego, porque jamais desconfiei que… — Ele
cuspiu uma gosma de sangue e apoiou os punhos na mesa ao lado de um estofado.
— Jamais imaginei pegar meu irmão com a minha noiva na cama.
Perdi o equilíbrio e o ar faltou, pois sabia exatamente o bolor dolorido desse
impacto. Ter que enfrentar Melissa nua em cima do Caio agrediu cada partícula
minha, doeu tanto que sequer houve força para um grito, qualquer ato de revolta
me abandou, restou somente a dor que esmagou meu coração a cada batida.
Ergui o rosto de Ricky.
— Ricky…
— Não foi bem assim, Júlia.
— Não? — Nicholas esbravejou na outra extensão, contudo, não findou o
nosso contato, ferido, duvidoso. Juro, implorei que não passasse de uma mentira,
esse homem por quem me apaixonei não seria capaz de prestar-se a algo tão cruel,
como Mel fez comigo, ou seria? — Como assim, e sou eu o covarde, seu
desgraçado? Peguei você trepando com a Eduarda no nosso apartamento, meses
depois que coloquei uma aliança no dedo dela.
Volvi o anel de ouro branco no meu anelar da mão esquerda e gelei em
seguida.
Espera… Eduarda?
Assombrado, Ricky não disse nada.
Talvez, porque minha expressão o agrediu… EDUARDA?
Assimilei o nome à pessoa.
Não era a mesma, não… não era. Como seria?
Eu conhecia uma única Eduarda e era a garçonete do Retrô-Chill, mas a
noiva de Nicholas poderia ser qualquer outra Eduarda, não é mesmo?
— Júlia, eu posso explicar — disse finalmente, esboçando dificuldade em
cada palavra.
— Sim, pode, explique-se, irmão.
O mais velho não rebateu, apenas permaneceu no contato dolorido, sua pele
perdeu toda a coloração, não havia um homem equilibrado diante de mim.
— Júlia, isso não tem nada a ver com você, entenda…
— Entender o quê? — Olhei rapidamente ao redor, Robert e Sara próximos à
janela, calados e inertes naquilo. — Eduarda? Eu conheço uma, que não sou tão
próxima, mas compartilhei de sua história triste. — Engoli a saliva com
dificuldade. — Estamos na mesma página? Ou estou viajando?
— Sim, é a Eduarda do Retrô-Chill — ele afirmou.
E o meu coração condenou meu ar.
— Não posso envolver você nessa merda, não posso.
— Que merda exatamente? — Um fiapo de voz lhe deu a última
oportunidade. — A Eduarda era noiva do seu irmão e você teve um caso com ela
há sete anos, é isso? — E como um dilúvio a passagem de tempo trouxe algo
ainda mais grave à tona (a criança). — Ela… não, espera… ela… tem um filho…
— Sim, Júlia, ela tem um filho… — Nicholas inqueriu. — A vagabunda
ainda foi mais ousada.
Ricky não me olhou, não para aquela resposta, procurou dentro de si a forma
mais coerente de me explicar, o laço ou a merda como ele mesmo expressou nos
segundos anteriores, não houve piedade, as palavras saíram complexas.
— Ricky, por acaso essa criança é seu filho.
Ele expulsou o ar.
— Não sei.
Ah? Não, não pode ser…
— Ricky, Nicholas — Sara gritou e olhamos para a janela. — Seu pai… —
Corremos ao encontro de um Robert estirado no chão.
[...]
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Aviso: Apesar de Rivals fazer parte de uma série, é um livro único, por se tratar de casais diferentes,
cada livro pode ser lido separadamente.

Sharon Black, principal e mais famosa nas corridas da RIVALS, é popular, milionária e explosiva,
diferente das líderes de torcida que chacoalhavam pompons com suas microssaias, ela agitava um motor, se
destacando das garotas universitárias. Apesar de parecer essa fortaleza aos olhos de todos, Shar tinha uma
alma quebrada, suas apreensões familiares só alimentavam o ódio pelo seu pai, Hector Black, o principal
suspeito de um crime que aniquilou cada célula emocional de Black.

Zad Guzman era para ser um novato peculiar, dono de lindos olhos de oceano e uma beleza
avassaladora. No entanto, como nem tudo é o que parece, esse novato misterioso tornou-se parte de tudo que
Shar ambicionava destruir, senão o ponto crucial do seu ódio. Já ela, tornou-se a maior fraqueza do novato,
senão o seu maior amor.
Um romance onde vingança e ambição se misturam, colocando frente a frente dois jovens quebrados pela
perda.

Amor VS vingança.
Você consegue odiar e desejar alguém na mesma proporção?

[...]

RIVALS vai te proporcionar adrenalina e suspense, num universo universitário viciante e intenso.

Este livro contém gatilhos.


Destinado para maiores de 18 anos.
É clichê dizer que os opostos se atraem?
Talvez o amor e o ódio andem juntos, e só nos damos conta quando ambos nos golpeiam?
É possível? É, sim!
Anne Rellys: ex-secretária, atual desempregada, sofre de ‘curiozite’ aguda, não transa há meses,
tarada por mãos grandes. Foi demitida, no dia em que achava que seria promovida, por: Joseph Nichols:
CEO, conhecido como “homem gelo”, dono de mãos grandes,
especialista em pincéis, herdeiro de um “picasso”.
Aceitar seria coerente, entretanto, ela foi em busca de uma explicação tangível para o tal golpe, só
que acabou se metendo em uma tremenda confusão.
Tem acordo? Tem, sim!
Talvez a farsa devolva seu emprego, ou faça Anne e Joe perceberem que,
simplesmente, o amor acontece.
Não posso deixar de compartilhar previamente como tudo começou — no
corredor da universidade onde eu trabalhava, sentada, passando o tempo,
observando pessoas, o romance surgiu como um presente maluco —, o devaneio
prévio de escrever um livro para mim, até então, era um lapso de ideia. No
entanto, quando resolvi compartilhar, aí veio o principal, o apoio.
Ricky e Júlia, meu primeiro casal, meu primeiro amor, meu primeiro
romance. Me emociono em dizer que essa trilogia transformou minha vida, trouxe
novos sonhos e, com isso, uma entrega absoluta ao mundo da escrita. Nunca
recebi tanto apoio com um projeto, e olha, criei muito em vinte anos de formação
cênica. Acho que aqui enxergaram minha essência, eu mesma me enxerguei em
meio às palavras, me encontrei. Ok, chega de enrolação, nunca vou ser capaz de
agradecer o suficiente às pessoas que vou citar abaixo, então, saibam: eu amo
vocês e obrigada por acreditarem no meu sonho.
Meus pais, Julio e Vany; meus irmãos, Jonathan e Rafael; minha cunhada,
Juliana.
Meus amigos lindos, Ana Beatriz, Marlon, Léa, Anny, Geovani, Daiane,
Kethelyn e Carlos. Minhas maiores riquezas, meus filhos, Felipe e Nicolas. Meu
marido, Fabio.
Minhas parceiras e amigas da vida: Beta @divasdabeta Thaay
@leituraetravessuras, Thais @thabujo_e_livros_1864, Ana
@cantinholiterariodaana e Kah @leiturasdakah, Ariel @arielhayden2, Lis
@arainhaliteraria, Jully @leiturasdajully, Patrícia e Thayná.
As blogueiras lindas: Shirley @resenha_book e Aline @issoateparecemagia,
obrigada por sempre embarcar na minha loucura.
E a vocês leitores, amigos, viajantes, muito obrigada pela oportunidade.
Divirtam-se.
“Deus, tu és a fonte de tudo que tenho.”
Bjo.
A paulistana Feh Bellyne tem uma paixão irreverente pela arte, formada em
Artes Cênicas e Marketing, dedicou-se no período de dez anos à formação de
atores e produções teatrais. Como dramaturga escreveu e produziu espetáculos,
entre eles o de maior destaque “A casa das ruas”.
Na busca por novos desafios, surgiu a duologia “Momentos”, seu primeiro
romance, guiando-a para uma aventura interminável — escrever histórias e
personagens inesquecíveis.
Apaixonada por café, livros, cinema, teatro e os dois filhos, procura ter uma
vida tranquila (mas quase sempre é agitada), programa viagens a lugares que
conhece através dos livros, muda de cabelo a cada dois meses (pois é apaixonada
por mudanças), sonha em mudar o mundo (mas…), quer ser capaz de transformar
ao menos um dia de seus leitores com suas histórias.
[1] Referência ao filme “Edward Mãos de tesoura”.
[2] University Communication Training, Universidade de Comunicação.

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