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Texto 2C
História da América III Viagem Incompleta
Prof. Raphael Sebrian A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA (1500-2000)

A GRANDE TRANSAÇÃO

Carlos Guilherme Mota


(ORGANIZADOR)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 2ª EDIÇÃO

I Viagem incompleta. A experiência brasileira (1500-2000) :


a grande transação I Carlos Guilherme Mota (organi-
zador) . - 2. ed. São Paulo : Editora SENAC São Paulo,
2000.

Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 85-7359-111-0

1. Brasil- Civilização 2. Brasil- Condições sociais 3.


Brasil- História- 1500-2000 4. Brasil- Política e gover-
no 5. Literatura brasileira 6. Raças - Brasil I. Mota, Carlos
Guilherme, 1941-.

00-0077 CDD-981

Índices para catálogo sistemático:


1. Brasil : História: 1500-2000 981

EDITORA
Co-edição: C==:J

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sAo PAULO
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DO
SÃO PAULO
O "gigante brasileiro" na
América Latina: ser ou não ser
latino-americano
/

Maria Heleno Copelato

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A ., a náli ses sobre as relações Bras il-EU A são muitas, poré m há


ausência de es tudos sobre Brasil e América La tina, o que demonstra des in-
teresse dos brasileiros pelas nações hispano-a mericanas. Recentemente, o
Mercosul abriu as portas para se repensar essa relação, mas as reflexões são
ainda insatisfatóri as, parciais e se dedicam às décadas mais recentes.
Prete ndo mos trar co mo governantes bras il e iros, intelectuais, políticos ,
educadores e j o rn ali stas se posicionaram diante dos países da América La-
tina com o o bje ti vo de contribuir para s itu ar me lhor o B ras il no contexto
latino-ameri cano do século XX .
A história latino-a me ricana se apresenta, até hoje, como uma hi stória
marginal, pe ri férica e m relação à européia v ista como mais importante para
a humanidade. O euroce ntrismo foi respo nsável por tal concepção, m as é
importante considerar que ela encontrou boa acolhida e ntre nós e tem sido
reproduzida até os di as ele hoje. Os construtores das nações ibero-america-
nas procuraram espe lh ar- se na Europa ou nos Es tados Unidos, buscando
modelos para imitar. Consolidadas as nacionalidades , os exe mplos e xtern os
continuaram sendo invocados para indicar o caminho elo progresso rumo ao
Primeiro Mundo . Nessa pe rspectiva, a realidade e a hi stó ria dos países ele
ori gem ibérica fo ram , freqüentemente , clesqu alificaclas o u vistas como atra-
sadas em relação aos países que ating ira m e tapa mais av ançada de desen-
volvimento. As visões sobre a América Latina que giram em torno dessa
concepção progress ista e etapista são hoje questio nadas por não levar e m
conta a compl exa relação elos países latino-a mericanos entre si, e destes
com os Estados Unidos. Cabe aprofundar essa di scussão, tomando como
ponto de p artida as representações que os brasile iros constituíram sobre seu
lugar e seu p apel na América.
Desde a inde pe ndê nc ia prosperou a c re nça num " destino ma nifesto'"
que re servava ao B rasil um futuro gra ndioso no continente . As crises elas

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últimas décadas abalaram essa crença e, desde os anos 80, observa- se um


inspirando- se em Edmundo O ' Gorman, quando observa que a América é, e
esforço, de setores políticos e económicos, para despertar o interesse dos
ao mesmo te mpo não é, a E uropa, afirmou: "O Brasil é , e ao mesmo tempo
brasileiros pelos " irmãos do Sul" , com os quais p assamos a conviver mais
não é, a América Latina". 1 Ser ou n ão ser latino-americano é a questão que
de perto pelas contingências do momento.
proponho p ara iniciar essa reflexão.
É i~e~ável que , na _atual correlação de forças mundial , a aproximação
A nação brasileira representava ameaça p ara os países vi zinhos. Simón
com os vtzmhos do Sul e necessári a. Desde que o conflito Leste-Oeste des-
Bo1ívar propôs a criação de uma confederação integrada pelos pov os rec
locou-se para o conflito Norte-Sul , a união dos mais "fracos" diante dos
cém-libertos; o Brasil ficou excluído desse projeto. Bolívar temia essa vizi-
mais "fortes" p areceu inevitável. O processo de globalização implicou a
nh ança, chegando a escrever, em carta a Santander, de 23 de janeiro de
constituição de blm:os regionais e a Améric a Latina teve que se adaptar a
1825, o seguinte:
essa nova realidade. As nações latino-americanas têm s ido levadas a ;e in-
tegrar para enfrentar melhor os problem as comuns.
Infe lizmente, o Brasil limita- se com todos os nos sos Estados ; por conseguinte, te m
Considera-se, hoje , que o Mercosul está consolidado , mas os acordos muitas facilidades para nos fazer a guerra com sucesso, como o queria a Santa Alian-
não deixam de apresentar problemas. Ainda que os resultados dos últimos ça[ ... ] Começará por Buenos Ai res e acabará por nós 2
anos se mostrem muito positivos, os impasses e rivalidades permanecem
gerando crises que deixam a nu as condi ções precárias dos países envolvi: Duran te o império, a situação brasileira co ntrastava for tem e nte co m a
dos nesse projeto de integraç ão. Pre tendo rec uperar alguns m omento s de das ex-co lónias hisp ân icas, que se fragme ntaram após as lutas sangrentas
aproximaç ão e conflito do Bras il com os países, do Cone Sul, dando desta- da indepe ndê nci a, perpassadas por fo rtes conflitos entre poderes locais e
que às relações com a Argentina, porque, desde o início de suas hi stórias, as centralistas . O processo de conf iguração das repúblicas fo i lento, complexo
du as nações disputaram a hegemonia na regi ão. e marcado por conflitos interno s. Os brasileiros interpretaram essas difi cul-
Neste f inal de milênio, o Brasil comemora quinhentos anos e se prepa- dades com o expressão da a narquia e desorde m que carac teriza o regime
ra, como em muitos outros momentos de sua vida nacional , para entrar no republi cano . Em contrapartida, os vi zinhos republi canos criticaram, duran-
Primeiro Mundo . Mas a economia globalizada estimulou uma luta "dar- te todo o séc ulo X IX, o regime imperial e escrav ocrata . Org ulh osos de te-
winiana" pe la conquista de m ercados, o que levou a política do governo a rem se integrado na m odernidade, afirmavam que as instituições brasileiras
batalhar fero zmente por melhores posições na concorrência internacional. eram retrógradas.
Apesar das crises, os atuais construtores da sociedade bras ileira modem a con- O intelectual e político argentino Domingo Faustino Sarmiento pro-
tinuam acredi tando que fazemos parte dos "mais fortes" . Resta saber até que pôs, no século XIX, a imitação do modelo no rte-a mericano para supe rar a
ponto essa crença interfere no a tual projeto de integração do Bras il com os "barbárie" , instaurada com a co loni zação ibérica, e para se atingir a "civili-
demais países latino-americanos, sempre vistos como "mais fracos" em rela- zação". Viajou pelo Brasil e fez comentários críticos sobre o país vizinho.
ção à "futura grande potência". D e nunciou o "câncer da esc ravidão que serv ia de seg urança ao despotis-
m o" e os p ro pósitos de domíni o do governo brasileiro. Nes se sentido afir-
m o u que ele pretendia ter por limites
Imagens das rivalidades nos primórdios
da história nacional o Amazonas ao Norte e o Prata ao Orien te ; é o sonho dou rado do mode rno impé rio,
que se envaidece de ter como Roma se te colinas na capital, éscravos que lavram a

A América hispâ nica foi vista, desde a independência brasileira, como 1


Maria Ligia Prado, A mérica ú:!tina no século XIX. Tramas, relas e textos (São Paulo: Edus p,
a "outra" América, aquela na qual não se deveria mirar. Maria Ligia Prado, 1999), p. 20.
Manocl Leio Bellotto & Anna Maria Martinez Corrêa (orgs.), Bolívar (São Paulo: Ática, 1983), p. 24.
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Mario Heleno Copelolo

terra como antigamente e a missão de dominar a América com suas esquadras, sua
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0 "gigonle brasileiro" no Américo lolino: ser ou não ser _lo_


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Diante das crises enfre ntadas na gestão do marechal Deodoro, o Trata-


29 1

diplomacia e seu comércio 3


do de Montevidéu fo i pensado como estratégia política para conseguir apoio
externo ao novo regime . Por esse motivo, a oposição manifestou-se contra
O texto revela cl aramente a visão negativa que o autor argentino ex-
ele, mas não conseguiu impedir a aproximação do Brasil com a Argentina.
pressava sobre o Bras il. Revela também preocupações em relação aos pro- Nessa ocasião, o comércio exterior bilateral expandiu-se. Houve rápido in-
pósitos de domínio do vizinho na região. As rivalidades ficavam explícitas cremento no valor das exportações argentinas para o Brasil e pequeno declínio
nas imagens forjadas dos dois lados: as repúblicas hi spânicas retratavam 0 das exportações brasi leiras para o país vizinho. O Brasil exportava erva-mate,
! .
Brasil como representante do "Antigo-Regime" e da "contra-revolução" na café e tabaco para os argentinos e deles comprava trigo, carne seca, milho e
I América; o império que se autoproclamava expressão da ordem e da unida- farinha de trigo. A pauta exportadora argentina era bastante diversificada quan-
de desqualificav a as " rcpubliquetas" frágei s, incapazes ele fazer fren)e ao do comparada à brasileira, o que favorecia o superávi t platino nesse comércio
"Gigante" brasileiro.
bilateral.
As ambições do governo imperial brasileiro foram responsáveis pela A política externa de Bocaiúva não teve continuidade: o Tratado de
criação de uma identidade nacional que se baseava na valorização das sin- Montevidéu que propunha a divisão da região entre os dois países não foi
gularidades nacionais e postura de superioridade em relação à "Outra" Amé- aprovado pelo Congresso Nacional e a Argentin a perdeu as Missõe s em
ri ca. A partir de ssa época forjou-se a imagem de um Brasil fora da América laudo arbitral norte-americano de 1895. Apesar di sso, as relaçües entre os
Latina. dois países tornaram -se menos tensas devido ao fim da política inter-
Durante o império, o governo não se id~,ntifi co u com nenhum projeto vencionista no Prata e ao c rescimento do comércio platino com o Brasi l. A
de unidade, proposto por representantes de nações hi <...pânicas, no século Argentina, nessa ocasião, tomou-se aliada da república brasileira .4
XIX. Não se fez prese nte nos congressos e não parti c ipou dos tratados que Mas as riv alidades e conflitos persistiram e as di sputas pelo domínio
resultaram em integrações econômicas entre p aíses sul -am ericanos. Perma- na região do Prata continuaram. No início do século, houve fortes ten sões
neceu de costas para seus vizinhos do Sul. na América do Sul, espec ialmente devido à rápida deterioração das relações
Com a proclamação da república houve ten tativ as de aproximação e diplomáticas entre Brasil e Argentina. A política dos primeiros presidentes
projetos de cooperação com a América Latina. O governo provisório decla- civis esteve voltada para a tentativa de recuperação económica e para a
rou que a polític a externa se orientaria pela "confraternização republicana" , defesa naci o nal ne sse contex to marcado pela corrida armamentista na re-
r.
"ami zade e paz" c "a mericanização" , o que implicava o fim das guerras e gião. O barão de Ri o Branco, ministro das Rel ações Ex teriores entre 1902 e
intervenções externas e a busca de estreitamento dos laços com os países do 191 2, incenti vou a reestruturação das Forças Armadas brasileiras, especial-
co ntinente. As repúbli cas vizinhas receberam a mudança de regime c de mente d a Marinha. A Argentina opôs-se ao programa de reaparelhamento
política externa com muito entusiasmo; cabe lembrar que o problem a de militar brasil eiro e, a partir de pressões diplom áticas, procurou impor trata-
fronteira na região do Prata, co nhecido como a "q uestão das Missües" , ain - dos ele limitação à expansão do armamento naval, o que foi rechaçado por
da estava pendente. O mi nistro das Relaçües Exteri o res, Quintino Boca i ú va, Rio Branco, favorável à reestruturação dessa força. A função fundamental
tentou promover o acerto de fronteiras pelo Tratado de Montevidéu firma- da Marinha era de manter o controle sobre os conflitos no Prata. Tratava-se
do em 1890. Em vi sita à Arge ntina, onde foi recebido com enorme entusias- de garantir a independê ncia do Paraguai e do Uruguai para impedir que o
mo, saudou o país vizinho, convidando-o a caminhar junto do Brasil na
se nda do progresso, da civilização e da paz.
' Sobre esse tema, consultar Nicélio César Tone11i , " De ri va is a ali ados. A Argentina e o Brasil na
década de 1890", em El iane Gracinda Dayrell & Zilda Márcia Grico1i lokó i (o rgs.), América
Domingo F. Sarmíento, Viajes (Buenos Aires: Hachette, 1955), vol. I, pp. 13 5~50 , apud Leó n Larina contemporânea: desafio.\· e perspectivas (Rio de Janeiro/ São Paulo : Expressão e Cultural
.; Pomer, Sarmiento (São P au lo: Ática, 1983), pp. 106, 109 . Edusp, 1996), pp, 133-44.
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governo argentino capitaneasse a fonnaç ão de um Estado de grandes di- Procurando salientar a s ingularidade do Brasil em relação ao res tante
mensões na América do Sul, agregando o antigo vice-reinado do Rio da da América, lançou mão do mito da "Ilha Brasil", segundo o qual o país,
Prata que ameaçaria o projeto de dominação do Brasil na América Latina. 5 originalmente imensa ilha envolvida pelas águas dos rios Amazonas e Pra-
No que se refere à visão do Brasil na América Latina. os intelectuais ta, formaria sozinho um continente. Para o autor, o Brasil português em
republicanos incorporaram os prognósticos do período anterior. Mas a tra- nada se igualav a à América espanhola, lugar de guerras civis , revoluções,
jetória proposta para se atingir um futuro grandioso apresentava divergên- militarismos, anarquia política, autoritarismo, ditaduras, corrupção, ruína
cias. Muitos eram favoráveis à imitação do modelo norte-americano na financeira. Eduardo Prado foi um dos autores que mais colaborou para a
direção do progresso, mas havia os que se opunham a esse caminho. desqualificação da América hispânica. 7
A política do pan-americanismo, iniciada no final do século XIX, para Na obra Pan-americanismo, coletânea de artigos escritos entre 1903 e
incentivar a integração dos países americanos sob a hegemonia dos BUA, 1907, Oliveira Lima desmistificou a Doutrina Monroe e denunciou o impe-
foi discutida em várias obras publicadas desde esse período até a década de rialismo norte-americano em relação a América Latina, Mas os latino-ame-
20. Aqueles que se manifestaram contra essa política introduziram, em suas ricanos não foram retratados positivamente pelo autor. Em Impressões da
análises, reflexões sobre a América Latina. Na maioria dos casos, constata- América espanhola, coletânea de textos escritos entre 1903 e 1906, e Amé-
se uma visão neg ativa sobre as nações hispânicas, contrastando com uma rica Latina e América Inglesa , conferências proferidas nos EUA cm 1912,
vi são positiva sobre o Brasil. 6 referiu-se à situação caótica d a América hispânica, marcada por " repúblicas
O monarqui sta Eduardo Prado tinha ligações forte s com os europeus e doentes" e " guerras civis", " desordem", " selvageria". Tal situação era vista
era contra os E ::;tados Unidos. Sua obra A ilusão americana (1893) caracte- como resultado do caudilhismo, cuja política demagógica fascinava as massas
ri za-se pelo antiamericanismo (do Norte), mas publicou artigos também ignorantes e inconscientes, gerando uma " anarquia perversora da moral
contrários às repúblicas hi spânicas. Descrente em relação às propostas de pública de toda a nação". Em contraste com esse quadro , apresentava a
integração americana, afirmou : " A fraternidade americana é uma mentira. imagem do Brasil " pacífico , estável, orde iro" , " um modelo de liberdade e
Tomemos as nações ibéricas da América. Há mais ódios, mais inimizades de paz para a América Latina". Decepcionado com os rumos da república
entre elas do que entre as nações da Europa". brasileira, voltava-se para o passado monarca recuperando imagens positi-
vas sobre o Brasil e negativas sobre a América hispânica.
Apesar de todas as críti cas aos hispânicos, considerou a solidariedade
5 Cabe lembrar que, desde o império, defendeu-se a idéia de restaurar a Marinha para fins béli cos. entre os países ibero-ameri canos corno imprescindível para conter as agres-
Aproveitando os ensinamentos da guerra de independência de Cuba. onde os EUA derrotaram a sões norte-americanas. Insi stia, especialmente, na aproximação do Brasil
Espanha atravé s de sua força naval, o autor brasileiro Arthur Dias escreveu, em 1899, um livro com a Argentina, contrariando o interesse dos Estados Unidos cm mantê-
so bre O problema na val: condiç6es amais da marinha de guerra e seu papel nos destin os do
pa ís . Alegando que, com as tran sformações da natureza das guerras e da re!Jção de stas com o
los divididos .ij
enriquecimento econômico, as "nações vi vas" fatalmente dominariam as " nações mortas". Para O educador e crítico literário paraense José Ve1íssimo também conde-
o autor, tal enunciado representava a apli cação das lei s de Darwin aos domíni os do direito públi ·
nou a política dos EUA em relação à América Latina e os imitadores desse
co e da filosofi a política e, em última in stância, significav a que o fundam ento racional e real do
direito internacional era a força. Daí ser necessário preparar-se para a gu erra. Sobre essa ques· país, proclamando: "Sejamos brasileiros e não yankees", Suas posições ante-
tão , consultar José Miguel Arias Neto, As revoltas de 1910 na marinha de guerra do Brasil, São ciparam as que seriam expressas pelo escritor uruguaio José Enrique Rodó
Paulo, USP, 1999. mimeo.
6 Kátia Gerab Baggio apresentou, rece ntemente, uma tese de doutorado sobre A "Outra "América: que, corno o brasileiro, contrapôs-se ao materialismo e. utilitarismo norte-
a América Latina na visão dos intelectuais brasileiros da s primeiras décadas republicanas
( 1998). A análise enfoca autores que, em algum momento de suas obras, contemplaram aspectos
pertinentes aos países latino-americanos, refletindo sobre a América Latina ou sobre as relações
7
entre as Américas. Trata-se de uma contribuição importante para o esclarecimento do tema que Apud Kátia Gerab Baggio, op. cit. , pp. 59-68.
8
estamos abordando. lbid. , pp. 73-8.

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americano, valorizando o espiritualismo e idealismo dos \atino-america- no México diante do que considerava o "aumento da barbárie". Admitia a
,,I nos, oriundos da formação ibérica. presença dos EUA, coro apoio do chamado ABC (grupo que reunia Argen-
O livro Ariel, publicado em 1900, logo após a intervenção dos EUA na tina, Brasil e Chile), porque "a obra da civilização é a obra dessas interven-
I.
guerra de independência de Cuba, criticava a cultura norte-americana de ções dos roais capazes sobre os menos capazes" . 11
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base anglo-saxônica e a "nordomania" que caracterizava os admiradores Valorizava a América hispânica nos aspectos culturais mas, ao incor-
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II , daquele país. porar a concepção evolucionista, baseada no darwinismo social, tão disse-
I ; O arielismo fez escola; teve grande influência no México, Argentina, minada no Brasil desse período, não se diferenciou de outros intelectuais
l Colômbia. Mas faltam estudos que mostrem a repercussão dessa corrente brasileiros de seu tempo que desprezavam a América Latina.
de pensamento no Brasil. Há grandes afinidades entre Rodó e Veríssimo Sua versão sobre a Guerra do Paraguai justificava a intervenção brasi-
mas também diferenças. 9 O autor brasileiro foi mais contundente ?ra sua leira. Manifestando repúdio em relação aos regimes ditatoriais, argumentou
crítica aos EUA; fez conexões claras entre a Doutrina Monroe, o Destino que o Brasil prestara "o mais assinalado serviço" ao Paraguai, "livrando-o
Manifesto e o Pan-americanismo como desdobramentos, ao longo do "sé- dos López". Chegou a declarar que "o nosso procedimento de vencedores
culo XIX, de urna mesma[ ... ] política expansionista e imperialista dosEs- [ ... ]nem no decurso nem ao cabo da guerra poderia ser mais generoso" . 12
tados Unidos". 10 O escritor uruguaio acreditava que a espiritualidade dos Os autores até aqui mencionados apresentam interpretações comuns
latinos seria incorporada pelos norte-americanos e a partir de então reinaria no que se refere à posição dos EUA na América: todos fazem crítica à polí-
unidade e harmonia em todo o continente. tica norte-americana. Diferenciam-se, no entanto, em relação à América
Para Rodó, o ideal de latino-americanismo equivalia a um ideal Latina: Eduardo Prado a desqualificou nos mesmos termos dos intelectuais
supranacional, baseado na cultura que deveria conduzir à integração ameri- do império e defendeu o isolamento do Brasil na América, deixando implí-
cana, incluindo os EUA José Veríssimo mostrava descrença em relação à cita a idéia de que a nação brasileira teria um futuro glorioso no continente.
"confraternidade latino-americana" e considerava que as intervenções nor- Oliveira Lima emitiu opinião negativa sobre os países latino-americanos
te-americanas eram estimuladas pela própria desordem e anarquia dos paí- mas manifestou-se a favor da solidariedade da América Latina, incluindo o
ses hispànicos. Brasil, contra os EUA. José Veríssirno valorizou a produção intelectual his-
Os es tereótipos sobre a política latino-americana orientaram s uas in- pânica, mas interpretou acontecimentos políticos dos países em foco a par-
terpretações sobre fatos históricos importantes. Referindo-se à revolução tir dos preconceitos já consagrados no imaginário brasileiro. Justificou a
mexicana, reconhecia que as causas mais profundas do movimento esta- impossibilidade de união dos brasileiros com as nações hispânicas, reto-
vam diretamente relacionadas às injustiças sociais e à concentração da terra mando a idéia de "caos" político.
e demai s riquezas . Mas descreveu o processo revolucionário como mais Manuel13onfim, como mostra Kátia Baggio, representou uma das ra-
uma guerra civil, mais uma luta pelo poder entre caudilhos rivai s, redun- ras vozes dissonantes na intelectualidade brasileira em relação à América
dando em desordem e anarquia. Referindo-se aos "bandidos" e "salteado- Latina. No livro A América Larina refutou a visão negativa que os europeus
res" como Pancho Villa, chegou a jus tificar a intervenção norte-americana expressavam sobre os latino-americanos. Eles eram considerados "pregui-
çosos, mestiços degenerados, bulhentos e bárbaros" que ocupavam imere-
cidamente "imensos e ricos teiTitórios". Para os intelectuais e para a imprensa
9
Não está esclarecid o se José Enrique Rodó teve contato com o brasileiro ou acesso à sua obra. Há
européia: não havia salvação possível para essas repúblicas. Bonfim enten-
informações de que Veríss imo, posteri ormente, leu Rodó e que seus autores de base eram os dia tal visão corno fruto da ignorància e do interesse em explorar as rique-
mesmos , dentre outros, Tocqueville e Reoán. A educação nacional foi publi cado em 1890 e Ariel
fo i escrito em 1898 e publicado em 1900. Essa problemática da afinidade entre os doi s autores
cabe ser investigada pelos hi sto riadores . 11
lbid., p. 98.
10
Kátia Gerab Baggio, op. cit., p. 85. I! lbid., PP· 94-5.
296 Maria Helena Copelata
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0 "gigante brasileiro" no América latino: ser ou nõa ser latmo-omericana

zas do subcontinente. Acrescentava que esse juízo condenatório tinh a uma


Desqualificou inteiramente as justificativas para a ação brasileira no Prata,
conseqüência perversa: a assimilação, pelos próprios latino-americanos,
ou seja, como defesa da liberdade contra os ditadores hispano-americanos:
dessa visão negativista e a apropriação de concepções inaplicáveis à nossa
"Só uma boa-fé que fosse estultice poderia admitir que o império bragantino-
realidade. Para o autor, isso representava um risco à soberania de povos
brasileiro fosse combater Rosas, Oribe ou López por amor à liberdade [ .. .]" 14
independentes, além de prejudicar o desenvolvimento das sociedades sul-
Na obra América Latina, publicada em 1905, quando o autor tinha 35
americanas.
anos, nota-se a crença no futuro desse continente. Em 1925, quando escre 7

Como crítico do pan-americanismo, acreditava que só havia uma ma-


veu 0 Brasil na América, revelou sua desilusão quanto a projetas de unida-
neira de impedir a dominação pelos países mais fortes: rivalizar com eles,
de latino-americana. Nesse texto, reproduziu a visão maniqueísta em relação
"não só em força, mas, principalmente, em competência". O desenvolvi-
ao Brasil e à América hispânica, imperante na época. Passou a valorizar o
mento industrial seria a melhor forma de superar a dependência extoma.
seu país, caracterizado pela "unidade, homogeneidade e vida íntima bem
Além disso, acreditava na capacidade de resistência dos países pobres, fru-
harmonizada" em detrimento dos hispânicos, cujo caráter particularista e
to do " próprio caráter" e do "temperamento", dos " instintos guerreiros" das
fragmentado, herdado da Espanha, resultara no caudilhismo:
populações latino-americanas. Como as populações já estavam "afeitas às
'i ! lutas cruentas", às revoltas e in surreições, "principalmente contra o próprio No castelhano. palpita muito de perto a herança e a tradição do árabe: hábitos de
gove rno" , não fugiriam da luta para resistir ao inv asor estra ngeiro. P revia ócio, caciquismo de chefe de tribo, do míni o ostensivo, inabilidade admini s trati va.
que os países poderiam unir-se para a defesa comum. A união seria facilita- independência de grupos dentro do Estado[ ... ] os castelhanos do século XVI trans-
da pela relativa "homogeneidade de sentimentos" e pela ausência de "in- portaram para a América todos esses motivos de turbul ência, e fo rmaram sociedades
compatibilidade de raça ou de tradições" . onde os laços nacionais eram ainda mai s frouxos e a própria turbulê nc ia se multipli-
cava( ... ).
Bonfim fez muitas críticas ao Brasil monárquico, sobretudo em rela-
ção à sua política externa, segundo ele, orientada pelo desejo de hegemonia
Alguns países, segundo o autor, conseguiram corrigir esses defeitos:
no continente. Condenou as guerras do Brasil no Prata: "injustas e crimino-
como era o caso da Argentina e do Chile, "verdadeiras nações modernas".t )
sas" , impostas pelo capricho do soberano. Com isso impediu que a Argen-
Essas considerações finais contrastam com o resto de sua obra. Apesar
tina reconstituísse o vice-reino do Prata, embora não tives se conseguido
disso, não se pode desmerece r o pioneiri smo de suas interpretações diante da
ban·ar o progresso da Argentina, o país mai s adiantado da América Latina.
hi stória latino-americana. Bonfim de ssacralizou mitos e utopias arraigadas
Críticas muito mais fortes foram feitas à Guerra do Paraguai, que provocou
o aniquilamento do país e o extermínio do povo. Em 1860, o Paraguai era no imaginário brasileiro, apresentou uma interpretação crítica da política ex-
" próspero, organizado rigidamente, bem di sciplinado, fora das agitações do terna brasileira, glorificada pelos construtores ofi c iais da m emória nacional.
caudilhismo[ .. .) uma potência". Referiu-se ao "crime hediondo" que o " im- Nesse sentido, pode ser considerado um autor progressi sta em relaç ão a seu
tempo. Nenhum outro intelectual da época expôs, de fonn a tão explícita, os
perialismo torvo" do Brasil cometeu contra o Paraguai. Afirmou que a Guerra
interesses do Brasil no Prata e as atroc idades da Guena elo Paraguai .
do Paraguai não tinha sido popular no Brasil e "se houve heroísmo, foi do
As críticas ao pan-americanismo se intensificaram depois da interven-
lado paraguaio, na resistência tenaz". 13 Denunciou a violência do Brasil na
ção dos EUA na Nicarágua. O "irmão do Norte" , antes modelo de progresso,
guerra, que reduziu a população do país vizinho de forma drástica, desorga-
passou a representar ameaça à soberania e obstáculo ao desenvolvimento dos
nizou completamente sua economia e deixou o Paraguai totalmente destruído.
países latino-americanos no seu conjunto. As ações contra o movimento

1
lJ lbid., p. 119. ' Ibid., p. 121.
1s lbid., pp. 116-7.
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298 Mmio Heleno Copeloto
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0 "gigante broSJieiiO" no Américo latino: ser ou nóo ser lotino·umericono


299

Depois de 1929, as insatisfações aumentaram, agravadas pela crise


sandinista de libertação nacional provocaram reação por parte de vários seto-
res da sociedade; órgãos da "grande imprensa" protestaram contra 0 fato. económica que provocou distanciamento dos EUA. Diante da conjuntura
internacional da década de 30, o governo Vargas buscou aproximação com
Em 18 de janeiro de 1927, o jornal paulista A Gazeta protestou contra
a América Latina. Em 1933, o presidente declarou que "sem esquecer os
o "espetáculo odioso de política intervencionista". Para reforçar a crítica
lembrou as "pugnas sangrentas de Cuba, guerra cheia de injustiças ond~
imperativos de solidariedade internacional, é, entretanto, para o continente
mais uma vez prevaleceu o direito do mais forte" e a guerra contra 0 Méxi- americano que se voltam, de preferência, as nossas atenções".
Nesse ano, o presidente argentino Juan B . Justo visitou o Brasil e, na
co. O jornal conclamou os "neolatinos da América, únicos herdeiros da
ocasião, Vargas deu enorme destaque à amizade argentino-brasileira, " tra-
tradição pacifista [ .. .] a sobrepor-se à sede de ouro dos materialistas e
utilitaristas do Norte" que, segundo o jornal, estava sempre à "espreita das dição arraigada na alma dos dois povos". Lembrou que, "se no passado
tivemos mal-entendidos, isto ocorreu como reperc ussão das diligência s
pequenas nações da América Central, presas fáceis que mais cedo OL{mais
dinásticas de nossos colonizadores que transportaram para a América os
tarde lhes haviam de cair nas garras". O jornal argumentou que, diante de
germes ele suas discórdias peninsulares". Salientou a identidade de inte-
tal episódio, não se poderia permanecer impassível e propôs uma política
resses entre os dois países e as "possibilidades de intercâmbio económico,
de solidariedade neolatina após ter decretado a falência do pan-americanismo.
cultural e de mútua ass istência para asse g urar a tranqüilidacle interna e a
O Estado de S. Paulo, apolog ista dos EUA, também repudiou o ato. O jor-
nal posicionou-se co ntra a intervenção, desmistificando as justificati vas paz exterior".
Em nome da unidade latino-americana foi firmado, durante a visita do
apresentadas pelo governo norte-americano. As Folhas interpretaram o epi-
presidente argentino, um acordo de características bastante singulares. Esti-
sódio como decorrência das características b~licosas, utilitaristas, materia-
pulava a revisão elos manuais escolares: os dois Estados se obrigavam a
listas e ambiciosas do povo saxão. A Folha da Noite assumiu a defesa da
purgar, dos respectivos textos de ensino da hi stória nacional, expressões
"luta de Sandino contra os senhores do ouro" (7 jan. 1927). 16
que pudessem contribuir para excitar o espírito da juventude, rebaixar o
Esses posi c ion amentos permitem concluir que, no Brasil republicano ,
conceito moral dos países. Colômbia, Guatemala e México integraram-se
apesar da significativa adesão à política do "pan-americanismo", houve rea-
ção aos EUA; e também que, apesar das visões negativas sobre as nações ao "acordo".
O convênio celebrado para a revisão dos textos ele ensino ele hi stória e
hispânicas, houve manifestações ele solidariedade aos países agredidos pe-
los norte-americanos; a partir das interven ções mencionadas, foram feitas geografia justificou-se pelo desejo de
propostas de unidade para a defesa das soberanias nacionais ameaçadas
estreitar ainda mais as relações que nos unem , convencidos de que essa amizade se
pelo domínio do Norte.
consolidaria mais pelo perfeito conhecimento que tenham as novas gerações, tanto
da história como da geografia de suas respectivas pátrias, depurando dos textos de
ensino aqueles tópicos que recordem pai xões de épocas pretéritas quando ainda não
A política varguista em relação à América Latina havia consolidado perfeitamente o cimento de suas nacionalidades.

Na década de 30, a economia brasileira foi bastante afetada pelo crack O encontro em que se firmou o convênio deu ensejo à proposta de
ela Bolsa ele Nova York e, desde então, a ideologi a nacionalista, ele direita e criação de um instituto para o ensino da história que assumiria a responsa-
de esquerda, ganhou terreno no país. bilidade de realizar aqueles propósitos. Foi produzido um documento, em
1938, que defini a as tarefas do instituto. Dentre elas, cabe mencion ar as
,. Apud Maria Hel ena Capelato, Os arautos do libera lismo. Impren sa paulista. 1920-1945 (São consideradas mai s importantes: dar destaque a tudo o que contribuísse para
Paulo: Brasthense, 1989), pp. 36-7. Para maiores esclarecimentos sobre a postção da Folha de S.
Paulo, consultar Carl os Guilherme Mota & Maria Helena Capelato, História da Folha de S. a cooperação dos países americanos e combater o espírito bélico. O s ma-
Paulo (São Paulo : lmpres, 1981).
300
Maria Helena Copelato 0 "giganle brasileiro" nu Américo Latino: ser ou nõo ser lalino-omericono 301

nuai s de história não deveriam conter comentários ofensivos e apreciações de tendência fascista, desfechou um golpe militar apoiado por grupos nacio-
não amistosas com relação aos outros países, paralelos desabonadores entre nalistas de extrema direita. Em outubro, eclodiu a revolução lidera_da por
os personagens históricos; deveriam ser evitados os relatos de vitórias Getúlio Vargas no Brasil. A revolução brasileira trouxe mudanças tmpor-
alcançadas sobre outras nações. 17
tantes na política brasileira; já na Argentina, o grupo golpista manteve-se
Em 1935, referindo-se à hora atormentada do mundo, Getúlio Vargas pouco tempo no poder, que logo passou para as mãos das oligarquias agrá-
propôs a concentração de todas as energias para uma obra de cooperação rias vinculadas ao capitalismo inglês.
americana; em 1937, declarou: "Desejamos viver em paz com as demais As mudanças internas e de política externa nos dois países passaram a
nações, especialmente as do continente americano, a que nos ligam afinida- se entremear com a ri validade entre a Grã-Bretanha, a Alemanha e os Estados
des étnicas e idênticos objetivos de ordem econômica e social" . Referindo- Unidos na disputa pelos mercados argentinos e brasileiros especialmente. Os
se, em 1938, à Conferência de 1936, realizada em Buenos Aires, dirigiu -'Se resultados dessas disputas foram diferentes nos dois países: enquanto a oli-
ao presidente argentino para lembrar que o momento era oportuno à arquia agroexportadora argentina estreitou seus laços de dependência eco-
reafirmação de gnômica em relação à Inglaterra, o Brasil, no governo de Vargas, f"ez JOgo
.
duplo entre a Alemanha e os Estados Unidos, como mostra Roberto Gambini.: 9
nossos inabaláveis propósitos de levar adiante a tareFa de estreita aproximação com
Em 1933, com a implantação da política norte-americana de "boa VI-
os povos do continente, em particular com os bons vizinhos [... ]Enquanto a guerra
zinhança" com a América Latina pelo governo Roosevelt, houve um esfor-
convulsiona o mundo para além do Atlântico, na América reina a fratcmidade. 13
ço de maior penetração econômica norte-americana no Brasil, considerado
peça significativa no mercado da região. As pressões sobre o governo Vargas
Essa aproximação do Brasil com países da América Latina era ainda
decorrente da reação à política norte-americana do big stick, que resultou para definição de sua política externa aumentaram:
em propostas de unidade latino-americana. Em 1928, após a invasão da No início dos anos 40, Vargas definiu-se como aliado dos EUA. Nas
Nicarágua, realizou-se uma Conferência de Havana, onde as delegações conferências de Lima e do Panamá ainda defendeu os princípios de solida-
latino-americanas passaram a lutar pela institucionalização do princípio de riedade continental sem fazer menção aos EUA. Mas, em 1941, a mudança
não intervenção. Essa luta culminou na Conferência de Buenos Aires, em de posição já era explícita: o presidente brasileiro concedeu uma série de
1936, e nas que se seguiram no Panamá (1939), em Havana (1940) e no Rio entrevistas aos jornai s argentinos La Prensa e La Nación, salientando a po-
de Janeiro (1942). lítica de cooperação da Amé rica, nas quais já estavam envolvidos países
Tal situação explica porque os discursos de Vargas, nessa época, da- como os Estados Unidos, a Argentina e o Brasil. 20
vam ênfase à solidariedade, cooperação e união da América Latina. O go- O mercado argentino também foi disputado pela Alemanha e pelos
verno Vargas deu especial destaque às relações Brasil-Argentina. Para melhor EUA. Mas a Argentina enfrentou dificuldades maiores para se definir. En-
se entender a nova aproximação dos antigos rivais, cabe lembrar a situação quanto estiveram no poder os tradicionais setores agroexportadore~, _a In-
do Brasil e da Argentina nesse contexto. olaterra reinava no país. Mas, em 1943, ocorreu o golpe liderado por mtl1tares
o .

A crise de 29 atingiu não apenas as economias latino-americanas, mas de tendência nazi-fascista. Os EUA, que pressionavam o governo argentmo
provocou também crises políticas. Em setembro de 1930, o general Uriburu, para juntar-se a eles na guerra, intensificaram essas pressões. Nesse contex-
to, já surgira na cena política Juan Domingo Perón, que conseguira enor:ne
17
popularidade por suas atuações junto à Secretaria do Trabalho e Prev1den-
"Memoria sobre la reforma de los manuales de ensefian za. II Con greso Internacional de Hi storia
da América", tomo V (Buenos Aires, 1938). Apud Maria Helena Capelato, "América Latina.
Integração e história comparada", em Philomena Gebran & Maria Teresa T. 8 . Lemos (orgs. ), 19
Roberto Garnbini, O duplo jogo de Getúlio Vargas. Influ ência americana e alemã 110 E.1·tado
América Larina: cultura, Estado e sociedade (Rio de Janeiro: ANPHLAC, 1994), pp. 94-5 .
18
lbid., p. 95. Novo (São Paulo: Símbolo, 1977). .
20 Ver Maria Helena Capelato, "América Latina. Integração e história comparada", ctt., PP· 95-6.

-r ' 303
302 0 "gigante brasileiro" no Améri co Latino: ser ou não ser latino-americano
Maria Heleno Copeloto

cia. A relação do líder político com as massas incomodava profundamente ros manifestaram-se contra o governo Dutra que se alinhara completamente
tanto os setores dominantes argentinos como os norte-americanos. Os EUA aos EUA
não reconheceram o governo militar de 1943; aplicaram sanções contra a o ano de 1948, segundo alguns autores, representou um marco em
Argentina e pretenderam, inclusive, forçar uma intervenção armada do Brasil relação à identidade das Américas e suas denominações. Como mostra Arturo
no país vizinho. O governo brasileiro recusou-se a assumir esse papel. A Ardao, em 1948 o
Grã-Bretanha também era con tra a posição dos EUA em relação à Argenti-
na porque mantinha intensas relações comerciais com esse país . " pan-america ni smo" ex pe rimenta sua maior tran sfor mação com sua conversão
terminológica em " interamericanismo" , como resultado da criação da Organização
Durante essa crise, o Brasil continuou firme no propósito de não
dos Estados Americanos; nesse mesmo ano o " latino-americani smo" foi acolhido
hostilizar a Argentina por razões económicas e políticas : as relações co-
pela primeira vez na denominação oficial de um organismo internacional. ao con sti-
merciais com o país vizinho, os tornava cada vez m ais interdependenfes, tuir-se no seio das N açõe s Unidas a Comi ssão Económica para a América Latina
ocupando, conforme o ano, o terceiro ou quarto lugar em suas respectivas (Cepal) 22
pautas de importações e exportações, como mostra Moniz Bandeira. Se-
gundo este autor, a Argentina respondia por mais de 90% do consumo de Enquanto se preparava essa nova política que pensava a América Latina no
trigo do Brasil, que lhe destinara cerca de 13% de suas exportações, entre seu conjunto e pretendia aproximar os países da América Latina tanto no que se
as quais tecidos de algodão e rayon. As duas economias mais se comple- referia aos diagósticos dos problemas como às soluções para superá-los, numa
tavam do que competiam; além disso, os regim es po líticos em ambos os perspectiva conjunta, o governo Dutra realizava uma política completamente
países, quer peb po lítica social, quer pela matfiz ideo lógica, também con- afinada com os interesses dos EUA. Nesse período, houve distanciamento elo
vergiam entre l943e 1945_21 Brasil em relação a países latino-americanos, em especial a Argentina.
Com a redemocrati zação na Argentina, em 1945, o líder de massas Perón defendi a urna terceira posição, nem comunismo nem capitalis-
Juan Domingo Perón concorre u à presidência da república e venceu o can- mo, 0 que signif1cava, no plano da política internac ional, o não alinhamento
didato da União Democrática, frente ampla apoiada pelos EUA. O conf1ito na Guerra Fria e a eqüidistância entre EUA e União Soviética. Dutra, ao
com os norte-americanos fo i uma constante no governo peronista. contrário, integrou-se na política norte-americana, chegando a romper com
A abertura democrática brasileira também ocorreu em 1945. A mu-
dança de regimes , no entanto, não significou o fim dos conflitos intern os
nem o fim da reação aos EUA nos dois países. n Ver Débora B. Azevedo , " Relações interamericanas: a unidade na Guerra Fria", em Jaim: Almeida
Após a Segunda Guerra Mundial, houve coex istênci a de dois movi- (org.), Caminhos da hiscôria da América no Brasil (Brasília: ANPHLAC, _1998), p. 51:>. A C~pal
foi criada pela ONU cm !948. Como mos tra Reginaldo Moracs em sua anah sesobre essa pohu ca
mentos diferentes em relação à unidade americana : de um lado , a tentativa
de desenvolvimento , ela orien tou as interpretações sobre os problemas socta1s do co ntmente,
de constituição de um a identidade latino-amer ica na; de outro lado, a influindo na escolha de métodos e temas considerados relevante s. Os documentos produzidos
institucionalização do sistema interamericano que, além de englobar os EUA, pela ONU sobre o problema do subdesenvolvimento no pós -guerra aprese~tavam diagnósticos e
propunham caminhos para a superação da pobreza. O autor exam ma , tambem, os texto~ fund ado-
confirmava e legitimava sua liderança política no continente. Nesse contex- res da Cepal, na maioria elaborados por Raul Prebisch, que des tacavam a detenoraçao d_os ter·
to, o termo América Latina assumiu um significado implícito de diferença mos de troca entre ce ntro e periferia e afirmavam a necess idade de corng1r as teonas econonuc as
opositora em relação ao "grande irmão do Norte" . Os nacionalismos latino- elaboradas segundo a ótica dos países centrais. Pregavam a intervenção estatal e o plancJamcnto
para viabilizar a indu striali zação dos países periféricos. O autor ~.riti.:a a postur~ d~.s mtel ectua1s
; ;
americanos denunciavam o "imperialismo norte-americano". Os brasilei- cepalinos, que , considerando-se equtpados para "sent1r o soc 1al e admmtstra-l o . prete11d1am
i encarregar-se dos aparelhos do poder político e. nessa pos1ção, conduzir e hderar o consenso,
. l preparando 0 caminho para a sua realização. Analisa, também, a obra de Celso Furtado. o mator
representante da corrente cepalina no Brasil, que fez escola entre economistas , c1enustas soc1a1S
21
Moniz Bandeira, Estado nacional e política internacional na América Latina. O continente nas e historiadores. Sobre esse tema consultar Reginaldo C. C. de Moraes, Celso Furtado. O subde-
relações Argentina-Brasil. 1930-1992 (2. ed. São Paulo: Ensaios, 1995), p. 275. senvolvimento e as idéias da Cepa! (São Paulo: Ática, 1995).
304 Maria Helena Capeloto 0 "gigante brasileiro" no América latina: ser ou não ser latino-americano 305

a União Soviética. O relacionamento bilateral Brasil- Argentina, iniciado As Forças Armadas argentinas se inquietaram com essa nova posição do
no governo Vargas, tornou-se conflituoso porque os adversários de Vargas Brasil e resistiram ao "Acordo" proposto. Essa posição radicalizou-se após
identificavam-no com Perón e manifestavam animosidade contra opero- a renúncia de Jânio Quadros e sua substituição, no poder, por João Goulart,
nismo; essa oposição acabou bloqueando maior entendimento entre os dois herdeiro político de Vargas.
países. A pros peridade brasileira resultante dos benefícios que o país pôde
Perón procurou ampliar ao máximo suas relações com os países da usufruir com a Segunda Guerra Mundial e com a política desenvol vimentista
América Latina. Quando Vargas foi eleito, em 1951 , propôs que o Brasil se criou um clima de otimismo alardeado por alguns órgãos de imprensa. Nes-
integrasse numa união aduaneira com a Argentina e o Chile. Mas essa pro- se momento , as esperanças de grandeza e liderança do país no continente
posta do pacto ABC, quando revelada, serviu para ampliar a campanha con- foram reavivadas. Em contrapartida, a América Latina continuava sendo
2
tra Vargas, visando sua derrubada do poder, o que ocorreu em 24 de agosto mostrada em seus aspectos mais negativo s. ~
de 1954. Perón também não se sustentou muito mais tempo no governo: em O Brasil era estampado na imprensa como "líder no continente" . Em
19 de setembro de 1955 teve que renunciar à presidência após rebelião de 1962, a Man chete, festejando a industrialização nacional, situava o país
setores militares. como grande exportador de ônibus, tecidos de náilon e liquidific adores. O
No Brasil, os opositores de Vargas que o identificavam com Perón título da matéria era "Brasil exporta para as Américas" e referia-se às
aplaudiram a queda do presidente argentino. grandes possibilidades brasileiras junto ao mercado latino-a mericano,
destacando a Argentina, interessada em adquirir diversos equipamentos au-
,,
tomobilísticos.25
Avisão da América Latina dos anos dourados (1954-1964) Quando se tratava de assuntos internos da política dos países latino-
americanos , os golpes e atentados eram o tema central. Uma reportagem
A política desenvolvimentista dos anos 50-60 reaproximou o Brasil da publicada em Man chete (22 jan . 1954) exemplifica bem a visão negativa
Argentina; a nova fase de integração teve início nos governos de Juscelino sobre a América Central. Ela se inicia com a frase "Assim é a América
Kubitschek e Arturo Frondizi. O clima ele entendimento possibilitou a cria- Centra l", e prossegue com o seguinte comentário:
ção elo Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bircl) e da Associação
Na estreita, populosa e infeliz faixa de terra que vai da extremidade noroeste da América
Latino-Americana ele Livre Comércio (Alalc). Mas as relações entre Brasil e
do Sul à cos ta sudoeste da América do Norte , atentados, rebeliões c invasões constituem
Argentina tornaram-se mais profundas com a eleição de Jânio Quadros, que
a normalidade. A coisa é tão intrincada- e tão simples- que quem não está conspirando
promoveu um encontro com Arturo Frondizi na cidade de Uruguaiana, fron- é porque está sendo alvo de urna conspiração[ ... ] A recei ta é a mesma - no Panamá ou na
teira com a Argentina, onde conversaram sobre problemas comuns e a neces- Nicarágua. na Venezuela ou no Paraguai: quem tem as armas tem o poder2 6
sidade de superar, por um esforço conjunto de cooperação, a antiga ri validade.
Nesse encontro firmaram uma "Declaração" e um "Convênio de Amizade"
" Rafael Baitz, em Um continente em foco . A imagem fotográfica da América Latina nas revistas
pelo qual instituíram um sistema permanente ele consulta e informações, como semanais brasileiras ( 1954-1964) (tese de mestrado, Depto. de Hi stória!USP, rnimeo. , 1998),
primeiro passo para maior integração entre os dois países, não só em nível analisou visões expressas em setores da imprensa brasileira sobre a América Latina nesse perío-
do. Mostrou que os textos e as fotos estampadas nas revistas O Cru zeiro e Man chete, de grande
econômico mas também político e cultural. 23 circulação semanal e dirigidas à nova classe média brasileira, re yelavam uma visão otimista e
O Brasil, nesse momento , adotou a chamada política externa indepen- positiva do Brasil, contrastando com a visão negativa sobre os países latino-americanos. Apesar
dente numa direção próxima do que Perón denominava "terceira posição". do reconhecimento da importância comercial, a América L atin~. nos primeiros :mos da déc ada de
50. tinha pouco espaço nas re vistas. Dois articulistas internacionais escreviam sobre o tema
numa pequen a coluna: o que mais se sali e ntava era o exotismo dessas regiões.
" Rafael Baitz, op. cit., p. 71.
23
Ver Moniz Bandeira, op. c:it. ,. lbid .• pp. 105-6.
306
----------- ------
Mario Heleno Capeloto 0 "gigante brasileiro" no América latino: ser ou nâo ser latino-americano 307

A matéria não oferecia informações ou tentativas de explicações sobre mudaram radicalmente. No decorrer de 1962, muitas matérias mostravam a
a intrincada situação desses países. O desconhecimento dessas realidades violência do governo cubano. É significativa a reportagem de 25 de agosto de
era tanto que se mencionavam Venezuela e Paraguai como países da Amé- 1962 publicada na revista O Cruzeiro, que associa Fidel aos nazistas: "As
rica Central. balas assassinas da polícia de Kastro, o traidor do povo cubano, o Eichmann
Joel Silveira fez uma reportagem, dividida em duas partes, intitulada do novo mundo, vararam este jovem à porta da nossa embaixada, quando
"Os ditadores nascem de madrugada". A primeira, publicada em 14 de procurava alcançar a liberdade". 18 A alusão ao nazismo é clara. Desde essa
novembro de 1954, trazia como subtítulo a frase: "Na América Latina época, Cuba e Fidel Castro povoam o imaginário brasileiro como símbolos da
quem é dono do exército é dono de tudo." Narrava o repertório de atroei~ violência, terror, tirania, miséria. Todos os estereótipos sobre a América Lati-
dades de cada governo ditatorial latino-americano, deixando implícita a na concentraram-se nas imagens produzidas no Brasil sobre Cuba e Fidel.
semelhança entre os ditadores:

Trujillo, Somos a, Cairas, Cabrera, Perón, Jimenez, Odria- todos eles se levantaram
Os militares brasileiros e a América Latina
mais cedo certo dia, para derrogar as leis, fechar parlamento, prender os desafetos
políticos, fulminar a Constituição c impor, no silencio pesado de antes da amora, a
força totalitária do fato consumado. A revolução cubana provocou mudanças importantes na política exter-
na latino-americana. Quando o país, a partir de 1962, passou a contar com a
A segunda, publicada em 4 de dezembw de 1954, tinha como subtítu- ajuda soviética, sobretudo no que se referia à instalação de mísseis, Washing-
lo "Bolívia: 149 Revoluções". Discorria sobre golpes militares no Paraguai, ton exigiu, de todos os governos da América Latina, bloqueio económico
Bolívia e Argentina. Num trecho sobre a Bolívia dizia:"[ ... ] com um fuzil, contra a "Ilha" e apoio para concretização de seus planos de intervenção na-
o boliviano faz uma revolução. Desde que o país é nação independente, já quele país.
houve lá 149 pronunciamentos e "putschs", alguns sangrentos, outros No Brasil, Jânio Quadros e João Goulart procuraram manter uma polí-
caricatos". Para exemplificar a freqUência das insurreições políticas do tica externa independente com diretrizes próximas do neutralismo. Mesmo
Paraguai, aparecia no texto um pretenso anúncio de jornal com os seguintes diante da pressão norte-americana, o ltamarati manteve inalterada sua posi-
dizeres: "Hotel. O mais central da cidade, com balcões dando diretamente ção em defesa da autodeterminação dos povos e contra a intervenção dos
para a Revolução." 27 EUA. A representação brasileira manifestou-se também contra a proposta de
A partir dessas reportagens pode-se concluir que a imprensa brasileira rompimento coletivo de relações com Cuba. Mas em outubro de 1962, quando
nos "anos dourados" construiu um retrato negro da América Latina. o presidente Kennedy anunciou oficialmente o bloqueio a Cuba, cm reunião
Após a revolução cubana esse quadro passou a ser pintado em verme- da OEA, o embaixador brasileiro se absteve de votar pela intervenção, mas
lho. Houve, desde então, um aumento sensível de reportagens sobre os vizi- deu seu voto favorável ao bloqueio económico contra Cuba; João Goulart
nhos hispânicos e a "vocação latino-americana para as ditaduras" passou a assumiu a responsabilidade pelo voto, alegando que a "Resolução Oitava de
ser vista como solo fértil para o comunismo. Esse perigo que deveria ser Punta del Este" previa a proibição do ingresso de armas ofensivas no conti-
estancado imediatamente. nente. A decisão foi alvo de muitos protestos no Brasil e provocou uma crise
A vitória da revolução cubana foi aplaudida pela imprensa brasileira que política entre setores que apoiavam o governo. Apesar das concessões no
exaltou o heroísmo de Fidel e dos revolucionários que derrubaram o tirano caso de Cuba, o Brasil se recusou até o final a aprovar a criação de um grupo
Fulgêncio Batista. Quando o regime foi definido como socialista, as posições regional militar na América Latina. Para os EUA, o Brasil não assumira uma

27
lbid., pp. 112-3. " lbid., p. 165.
308 Mario Heleno Copelofo 0 "g iganfe brasilei ro" no América Lofino ser ou não se1lotino-omericono 309

atitude suficientemente pró-norte-americana no episódio do Caribe. O fato é foi arrastado pela onda totalitária. No final de 1963, a revolução cubana já
que, desde o governo Jânio Quadros, as relações Brasil-EUA foram marcadas aparecia na imprensa como perigo para o Brasil. Em 23 de novembro de
pela frieza e desconfiança mútuas. O fato de João Goulart ter apoiado, no 1963, David Nasser escreveu em O Cruzeiro: "Aurora Vermelha. Hoje em
final, o bloqueio contra Cuba não fez com que as relações entre esses países Cuba, Amanhã no Brasil." 3 1
melhorassem. 29 A participação direta e indireta da grande imprensa brasileira no golpe
Nesse episódio, não só o Brasil, mas também a Argentina, resistiu ao de 64 é sobejamente conhecida. O episódio foi festejado como ato cívico,
alinhamento total com os EUA; os governos dos dois países (Goulart e movimento de caráter popular e as fotos procuravam mostrar o engajamento
Frondizi) defenderam a política de não-intervenção em Cuba, opondo-se do povo nesse movimento democrático. O evento foi explicado como ne-
aos esforços dos norte-americanos para expulsá-la da OEA . Arturo Frondizi cessário à barragem das influências da revoluç ão cubana no Brasil.
adotou, em relação à política externa, posição semelhante à do Brasil; 11esse Como os EUA tiveram participação no golpe de 1964, costuma-se
período, os vizinhos interagiam, amplamente, não só no plano internacio- identifi car o regime militar bras ileiro, no seu conjunto, como aliado daque-
nal como no da política interna e nas relações econômicas. Nenhum dos le país. No entanto, a política externa brasileira em relação às Américas
dois governantes conseguiu manter-se no poder. Com a queda do presiden- oscilou consideravelmente entre 1964 e 1985.
te argentino, em 1962, a política exterior des se país sofre u pressões para Com o golpe de 1964 , houve alinhamento do governo Castelo Branco
mudanças em relação à C uba . O mesmo aconteceu com o Brasil em J 964: com a política norte-americana. Esse alinhamento significav a compartilhar
além do reconhecimento do golpe, que contara,, com o apoio dos EUA, deu- da doutrina das fronteiras ideol óg icas e a criação de uma força interamericana
se alinhame nto completo com os EU A nos três anos seguintes. para intervir em qualquer país da América Latina onde houvesse ameaça de
A evolução política da América Latina nos an os 60 teve muito a ver subversão, como foi o caso da República Dominicana em 1965 : o Brasil
com o contexto da Guerra Fri a. Regimes militares foram introduzidos quando mandou tropas para a região.
os líderes da revolução cubana definiram-se como socialistas. Em 1954, Durante o governo Castelo Branco, foi dada ênfase às questões de segu-
havia três países americ anos sob a batuta da caserna. Em 1961, esse número rança di ante da problemática do desenvolvimento; acreditava-se que, com a
caiu para um e a partir de 1962 , houve uma onda de golpes de dire ita (nove garantia de estabilidade política, o capital estrangeiro ingressaria naturalmen-
golpes em quatro anos) todos contra governos que tentavam implementar te no país. Nesse período, apesar do alinhamento com os EUA, a perspectiva
reformas consideradas subversivas. 30 de aumento de investimentos norte-americanos não se concretizou. O gover-
Antes de 1964 a imprensa brasileira publ icou muitos artigos sobre os no Costa e Silva continuou apostando no binômio desenvolvimento-seguran-
golpes mil itares da América Latina, relacionando esses acontecimentos po- ça mas a expansão econômica passou a ser priorizada. O segundo gove rno
líticos com a tradição hispânica. O Brasil continuava sendo visto como ex- militar adotou uma postura mais independente e m relação aos EUA.
ceção: só fora atingido pela ditadura (nos anos 30) quando o mundo todo Durante o período Médici, a polític a externa orientou-se por um pro-
jeto de ampliação de influênc ia e poder na América Latin a; a partir desse
objetivo, o governo brasileiro colaborou com os golpes ocorridos na Bolí-
via (1971), Uruguai (1973) e Chile (1973).
2
' Ver P. J. Saínz Fuentes, "O Brasil e a crise dos mísseis em Cuba", em Jaime Almeida (org.) , A ideologia do "Bras il grande potência" na América Latina através da
Caminhos da história da América no Brasil, cit., pp. 529-47.
30 "diplomacia da prosperidade" tornou mais clara a· distinção entre segurança
Em março de 1962, caíram Frondizi na Argentina e Manuel Prado no Peru. Em 1963, foi deposto
Ydígoro s Fu c ntes na Guatemala, Julio Aroscmcna no Equador e Juan Bosch na Rep úblic a externa, entendida co mo conseqüência do crescimento econômico, e se gu-
Dominicana. Em 1964, João Goulart no Brasil, Paz Esten soro na Bolívia, e em 1966, Arturo IIli a,
o presidente argentino, foi deposto. Há muitas diferenças no que se refere a esses países, mas não
resta dúvida de que essa onda de golpes esteve ligada à política norte-americana da Gue rra Fria
31
e ao temor dos setores con servadores , da ameaça de expansão da revolução cubana. Rafael Baitz, op. cit., p. 137.
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310 Mario Heleno Copeloto


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0 "gigonte bra si leiro" na Américo Latina: ser ou não ser lotino-omerico no 311
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rança interna, vi s ta como res ultante do de senvolvimento económico e soci- A política externa do governo Geisel significou o coroamento desse
al e das medidas de repressão adotadas pelo aparelho estatal. processo que obrigou a economia bras ileira a buscar, acima de tudo, diversi-
O Plano Nacional de Desenvolvimento do governo Médici tinha como ficação, tanto dos fluxos comerciais, quanto das origens dos investimentos
objetivo assegurar a viabilidade política, económica e social do "Brasil gran- estrangeiros e captação de recursos financeiros no exterior, além da redefinição
de potência" até o final do século XX. Esse projeto implicou a diversificação das relações externas mai s voltadas para o ' Terceiro Mundo": América Lati-·
das fontes de investimento e de comércio, o que beneficiou o incremento das na e África.
relações com o Japão e com a Europa ocidental. A participação dos EUA na As orientações do Brasil para a América Latina, no período Geisel,
economia brasileira começou a se relativizar. No âmbito d as relações bilate- esbarravam na reação provocada pela imagem tradicional de um Brasi l im-
rais com os países em desenvolvimento, o interesse pela América Latina sur- perialista, sempre em busca de hegemonia na região. H o uve, a partir desse
giu como forma de assegurar fontes de energia integradas à economia nacional , governo , momentos de tensão e momentos de cooperação entre Brasil e os
por meio da oferta de vultosos investimentos a países como a Colômbia, para _; demais países latino-americanos que e stavam na agenda da política externa
exploração de jazidas de carvão, e Bolívia, com vistas à construção de um do regime militar.
gasoduto e um pólo siderúrgico na fronteira entre os países. As posições do Brasil, nessa fase, iden tificaram-se com as da Argenti-
O sucesso económico do Brasil sob o governo Méctici provoc ou a na no que se referia à política na Améri ca. Os votos dos dois países coinci-
ex acerbação de um nac ion ali smo agressiv o, impe riali sta, que buscava status diam nas Nações Un idas: ambos não apoiaram a interve n ~ão na Nicarágua
de potência hegemó nica na América do Sul. quando se instalou o reg ime revolucionário da Frente Sandi nista que derru-
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Os países vizinhos, a Argentina sobretudo, assistiram, com grande apre- bou a ditadura de Somoza em 1979. Apesar do forte anticomuni smo, os
ensão, ao desenvolvimento dessa política de hege monia na América do Sul. regimes militares argentino e brasileiro tentaram se aproximar da União
Leva ndo em conta as implic ações geopolíticas da cons trução da usina Soviética em busca de maior margem de autonomia internac ional. Essa ten-
hidroelétrica de Itaipu, os argentinos temiam que o Brasil dominasse are- dência acentuou-se em meados de 1970. Figueiredo e Viola tivera m mais
gião. Em 1973, o Brasil assinou o Tratado de Itaipu com o Paraguai, acarre- de um encontro com o objeti vo de cooperação mútu a em relação à produ-
tando deliberado isolamento da Argentina no Cone Sul. Nesses anos, houve ção bélica. Mas essa aprox imação com o país vizinho só se deu no fin al dos
grande tensão e ntre os dois países. anos 70. Antes disso , a política brasileira percorreu outros caminhos .
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As ten sões desapareceram durante o governo Gei sel (1974-1979), que Para compreender melhor a posição do governo Ge isel em re lação à
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adoto u uma nova estratégia de desenvolvimento nacional. Antônio Carlos América do Sul é preciso esclarecer que , nesse período, houve alterações
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I: Lessa mostra que, a partir de 1973, após a crise internac ion al do petróleo, importantes na política externa, destacando-se duas fases distintas: a pri-
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o bserva-se forte presença brasi leira na América Latina. Para isso o governo meira, entre 1974 e 1976, quando os esforços se voltaram para a conso lida-
·i buscou neutralizar rivalidades tradicionais . ção da presença económica e diplomátic a nos países da bac ia do Prata, em
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A mudança de perspectiva ocorreu num contexto e m que já era ev i- confronto aberto com a Argentina; a segunda, que teve início em 1977,
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' dente a decadê ncia do orden amento mundial instituído no pós-guerra . Ob- quando o Brasil se movimentou para c riar nova políti ca, co nvidando se us
serva-se, desde então, um crescente processo de multipolaridade entre os vizinhos do Norte para discutir um tratado para a cooperação no dese nvol-
centros de poder. A distensão na Guerra Fria reduziu a dependência de al- vimento da bacia amazónica. Nesse contexto, o Brasil firmou vários acor-
guns países em relação aos EUA permitindo a ampliação de oportunidades dos com países latino-americanos fronteiriços, à excéção de Argentina e
económicas e políticas tanto para os países dese nvol vidos quanto para al- Chile. O Brasil ofereceu a eles cooperação económic a e tecnol óg ica para
guns periféricos . Acrescida a essa transformação, a crise internacional do projetos binacionais de exploração de recursos naturais ou energéticos co-
petróleo, em 1974, teve como conseqüência importante o deslocamento do muns. O êxito de alguns desses projetos, como foi o caso do acordo da
conflito Leste-Oes te para o conflito Norte-Sul. Binacional Itaipu, contribuiu para que o Brasil penetrasse nas economias

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312 Maria Heleno Copeloto
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0 "gigante brasileiro" no Américo latino: ser ou não ser !Gtino-omericano 313

Norte também se consolidou. Houve, portanto, nessa fase, uma estratégia


desses países, atraindo-os para sua esfera de influência. A atuação do Brasil
de diversificação de fornecedores de fontes energéticas . Em contrapartida,
no Prata tinha como objetivo isolar a Argentina, ligando-se ao Paraguai e
Uruguai. Segundo Antônio Carlos Lessa, a vitória geoestratégica brasileira 0 Brasil oferecia a seus vizinhos cooperação financeira e tecnológica para
projetas binacionais de exploração de recursos naturais ou energéticos co-
na região era incontestável.
muns. Com essa política, o Brasil acabou penetrando nas economias cie
Após a explicitação desse momento importante da política brasileira
seus vizinhos, atraindo-os para sua esfera de influência. Como afirma Lessa,
na América do Sul, cabe esclarecer a posição da Argentina. Em 1976, as
sua posição de potência regional deveria ser conseqüência desse movimen-
forças armadas retomaram o comando do país a partir de um novo golpe.
to. No entanto, a chancelaria brasileira passa a negar qualquer estratégia de
Assumiram, então, a tarefa de construir Itaipu, cujas obras já estavam adian-
domínio e hegemonia regional e até mesmo liderança na América do Sul
.;, tadas do lado do Brasil e Paraguai. O general Rafael Videla, embora consi-
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para evitar a formação de posições antibrasi leiras. 32
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derasse as relações com o Brasil programa de primeira prioridade, retomou
; ~:: . os critérios geopolíticos para o encaminhamento da cooperação na Bacia do .t
Os objetivos da chancelaria brasileira pareciam ter sido atingidos. Mas
a conjuntura internacional continuou se transformando com repercussões
Ll,i Prata. As tensões entre os dois países se agravaram nesse momento e atin-
ao sul do continente; novas crises vieram mostrar que a hegemonia brasilei-
·'·I giram o ponto culminante em 1977. No entanto, nem as forças armadas ar-
ra na América do Sul seria efémera.
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1.. gentinas nem as brasileiras desejavam a evolução do conflito em confronto
Ji~ . armado. Além disso, os dois países estavam sofrendo pressões do governo
Jimmy Carter no sentido da defesa dos dire,jtos humanos no continente (a
':l:l Argentina perdeu a assistência militar dos EUA por esse motivo) e contra Aintegração do Brasil na América Latina
acordos realizados fora da América para produção de material bélico: oBra-
sil foi o mais visado nesse caso. A Guerra das Malvinas ocorrida no governo do general Galtieri, dei-
O governo brasileiro constatou que a oposição norte-americana repre- xou evidente a posição dos EUA em relação à América Latina: o regime
sentava o maior obstáculo às pretensões de transformar o Brasil em "grande militar argentino contou com o apoio indireto do Brasil , mas os EUA fica-
potência". Nesse contexto, os militares brasileiros e argentinos concluíram ram do lado da Grã-Bretanha; após a derrota na guerra, o regime militar
~f que divergências entre Brasil e Argentina, nesse clima de tensões, seriam argentino caiu, mas o sistema interamericano se desmoralizou. Segundo
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, muito prejudiciais para ambos. Os dois países voltaram a se aproximar po- Moniz Bandeira, a Guerra das Malvinas mostrou que conflito entre o Norte

1 ' e o Sul do hemisfério era mais importante que o conflito Leste-Oeste. Esse

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liticamente. Em 1979, Brasil, Argentina e Paraguai firmaram o Acordo
Triparti te, superando dive rgências sobre o aproveitamento hidroelétrico do
Alto Paraná. Em 1980, o novo governante brasileiro, general João Batista
fato e o colapso financeiro do México, em 1982, impulsionaram a rees-
truturação da política continental. Brasil, Argentina e Uruguai passaram a
fi Figueiredo, visitou a Argentina e assinou, com o general Galtieri, vários se alinhar após a redemocratização interna visando à formação de um mer-
.• : protocolos de cooperação. Como em 1961 (nos governos Jânio Quadros e cado comum. Os entendimentos entre os três países alcançaram uma di-
Frondizi), essa aproximação refletia atritos com os EUA. mensão cooperativa sem precedentes.
Antes da aproximação com a Argentina, ainda no governo anterior, o Em 1988, foi celebrado o Tratado de Integração, Cooperação e Desen-
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~ Brasil expandiu-se na direção do Pacífico, fazendo acordos de cooperação volvimento entre Brasil e Argentina, a iniciar-se, em processo gradual, com
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·•:- ; económica com Chile, Equador, Colômbia, Venezuela e Peru. Procurou cri- vistas à formação do mercado comum entre os doig países num prazo de
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ar também, no Norte, um novo espaço diplomático que envolvesse seus
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vizinhos para di scutir acordo de cooperação na bacia amazónica. Em 1978, 31
Antônio Carlos Lessa, "Relações Brasil-América Latina durante o governo Geisel: discussão
~~~:j! sobre o projeto hegemônico brasileiro (1974-1979)", Anos 90, Porto Alegre, n. 10. dez . 1998.
·:
foi firmado o Tratado da Bacia Amazónica pelo Brasil, Bolívia, Colômbia,
pp. 23-39.
Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. A liderança brasileira no
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314 Maria Helena Copeloto 0 "gigante brasileiro" no Américo Latino: ser ou não ser latino-americano 31 5

dez anos. O tratado preconizou a harmonização e coordenação de políticas desafios comuns, tomou corpo a idéia de que a retomada do desenvolvi-
monetária, fiscal, cambial, agrícola e industrial. A Ata de Buenos Aires, de mento poderia ser tentada através da integração em âmbito regional para
1990, adaptou os objetivos propostos pelo tratado às políticas de abertura definir um novo padrão capaz de inserir-se na economia internacional alta-
económica e reforma aduaneira, defendidas pelos presidentes Carlos Menem mente competitiva.
e Fernando Collor de Mello, e reduziu o prazo de dez para quatro anos para O resultado dessa experiência de intercâmbio regional é impre visível
se alcançar as metas comuns. O Tratado de Assunção, firmado em 1991 e depende de inúmeros fatores internaciona is, regionais e nacionais. l'vlas,
entre Argentina, Brasil , Paraguai e Uruguai, consolidou, ao criar o Mercosul, no balanço atual dessa experiência, registra-se um aspecto positivo: a
as diretrizes básicas dos acordos que deveriam vigorar a partir de janeiro de integração do país no Mercosul significou, num certo sentido, a tomada de
1995. 33 consciência de que o Brasil faz parte da América Latina e como tal enfrenta
Muita atenção se dá aos conflitos entre Brasil e Argentina desde 0 as dificuldades advindas da posição histórica que a região ocupa na Améri-
século XIX até os dias de hoje. No entanto, procurei mostrar que essa histó- _; ca e no mundo. No império voltou as costas para a vizinhança e ao longo do
ria, carregada de ri validade, expressa até hoje no imaginário coletivo dos século XX continuou sonhando com o despertar do "Gigante adormecido".
dois países, não foi linear; houve momentos de aproximação e cooperação Mas festejará a passagem do milênio interagindo com a "Outra América".
que foram vantajosos para ambos. A atual integração do Brasil na América Essa realidade obrigou os brasileiros a reverem seus projetas de hegemonia
Lati na é mais consi stente mas fo i resultado de tentativas anteriores de acor- e o significado de sua identidade no continente. A crise dos últimos anos
dos recíprocos na região. M as não se pode prever que a integração seja mostrou , como nunca no passado, que a América Latina não é a "Outra
definitiva. América" desprezada m as a "Nossa América", com a qual nos identifica-
Os otimistas esperam que essa aproximação "não conheça reveses e se mos em busca de soluções para os problemas comuns. Essa nov a realidade
acentue cada vez m ais [ ... ]" 34 Os pessimistas consideram que o Mercosul pode não trazer o desenvolvimento esperado, mas pode ser positiva no sen-
não se apresenta com características adequadas para representar alternativa tido da desmistificação dos mitos e utopias construídos a partir de projetos
de superação para as crises das economias nacionais do Brasil e Argentina, voltados mais para o futuro do que para o prese nte e para o passado .
já que as classes dominantes destas nações se entendem como aliadas natu- Retletir sobre o passado para melhor nos situarmos em relação às ques-
rais do capitalismo transnacional e os trabalhadores não têm poder de pres- tões do presente, significa trazer à tona os múltiplos elementos dessa hi stória
são para mudar a tendência depressiva que afeta a situação de todos os marcada por interesses, acordos, negociações, aproximações, ri validades, c ri-
países envolvidos no mercado comum.35 ses, conflitos. A realidade atual sugere estudos e propostas relac ionadas à
Independente dos prognósticos positivos ou negativos, o Mercosul hoje integração do Brasil na América Latina, mas como afirm ou Carlos Guilher-
é um fato. Mas sua e xistência é instáv el, contraditória, permeada por inte- me Mota, num artigo intitulado "Integração: qual integração?" : " a discussão
resses conflitivos e vulnerável às crises internacionais. Sua concretização e elaboração de políticas culturais que visem à integração latino- americana
s urgiu como alternativa para as crises que assolaram a maioria dos países deveriam passar pelo crivo da crítica ideológi ca, uma vez que não se trata ele
latino-americanos. Os processos de redemocratização dei xaram evidentes a integrar a pobreza à riqueza, mas sim mudar um processo civilizatório." Além
difícil convivência da democracia com problemas económicos. Di ante de disso, é preciso levar em conta que qualquer projeto de integração, numa
perspectiva democrática, deve basear-se na pluralidade cultural, no reconhe-
cimento das diferenças e respeito às alteridades.
33
Idem, pp. 288-92.
34
Cf. Nicélio César Tooelli , op. cir. , p. 143. j
35
Eduardo Bajo, " El Mercosul: una alternativa posible a la cri sis de las economias nac ionales de 1---·--· .

Argentina y Brasilry", em E. G. Dayrell & Z. M. G. lokói (orgs. ), América Latina corzlemporânea: .


desafios e perspectivas, cit., pp. 225-40.

l
316 Muria Helena Ca pelato

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