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Ocaminhomenos-Imac3-4As PDF - Indd 6 4/30/18 3:04 PM
Ocaminhomenos-Imac3-4As PDF - Indd 6 4/30/18 3:04 PM
Secção I — Disciplina 17
Problemas e dor 19
Adiamento da gratificação 22
Os pecados do pai 24
Resolução dos problemas e tempo 28
Responsabilidade 33
Neuroses e perturbações de personalidade 36
Fuga da liberdade 40
Dedicação à realidade 44
Transferência: o mapa ultrapassado 45
Abertura ao desafio 50
Omissão da verdade 56
Manutenção do equilíbrio 61
O lado salutar da depressão 65
Renúncia e renascimento 68
Secção II — Amor 75
O amor definido 77
Apaixonar-Se 79
O mito do amor romântico 85
Mais sobre as fronteiras do ego 88
Dependência 92
Catexia sem amor 99
«Autossacrifício» 104
O amor não é um sentimento 108
O trabalho de atenção 111
O risco da perda 121
O risco da independência 124
O risco do compromisso 129
O risco da confrontação 138
O amor é disciplinado 142
O amor é separação 147
Amor e psicoterapia 154
O mistério do amor 164
Posfácio 280
Agradecimentos 284
Prefácio 15
A vida é difícil. Esta é uma grande verdade, uma das maiores verdades1.
É uma grande verdade porque, uma vez aceite realmente esta ver‑
dade, transcendemo-la. Quando sabemos verdadeiramente que a vida
é difícil — quando o compreendemos e aceitamos verdadeiramente —
a vida deixa de ser difícil. Porque assim que é aceite, o facto de a vida
ser difícil deixa de ter importância.
A maior parte das pessoas não vê inteiramente esta verdade de que
a vida é difícil. Em vez disso, lamenta-se mais ou menos incessan
temente, ruidosa ou subtilmente, da enormidade dos seus problemas,
encargos e dificuldades, como se a vida fosse fácil de um modo geral,
como se a vida devesse ser fácil. Proclamam a sua crença, ruidosa ou
subtilmente, de que as suas dificuldades representam uma espécie
única de atribulação que não deveria mas de algum modo lhes foi espe‑
cialmente dirigida, ou às suas famílias, à sua tribo, à sua classe, à sua
nação, à sua raça ou até à sua espécie, e não a outros. Eu conheço esta
lamentação porque já fiz a minha parte.
A vida é uma série de problemas. Queremos lamentar-nos ou
resolvê-los? Queremos ensinar os nossos filhos a resolvê-los?
A disciplina é o jogo de ferramenta essencial para resolver os pro‑
blemas da vida. Sem disciplina nada podemos resolver. Com apenas
alguma disciplina, resolvemos só alguns problemas. Com disciplina
total, podemos resolver todos os problemas.
O que torna a vida difícil é que o processo de confrontação e resolu‑
ção de problemas é doloroso. Os problemas, consoante a sua natureza,
evocam em nós frustração, ou desgosto, ou tristeza, ou solidão, ou culpa,
ou remorso, ou ira, ou medo, ou ansiedade, ou angústia, ou desespero.
Estes sentimentos são desconfortáveis, frequentemente muito descon‑
fortáveis, muitas vezes tão dolorosos como qualquer tipo de dor física,
por vezes igualando o tipo mais extremo de dor física. Na verdade,
é devido à dor que os acontecimentos ou conflitos geram em nós aquilo
que chamamos de problemas. E uma vez que a vida coloca uma infindável
série de problemas, é sempre difícil e plena de dor, assim como de alegria.
1
A primeira das «quatro verdades nobres» dos ensinamentos de Buda diz que «viver
é sofrer».
Problemas e dor 19
2
Collected Works of C.G. Jung, Bollingen Ser., N.° 20, 2.a ed. (Princeton, N.J.: Princeton
Univ. Press, 1973), trad. R.F.C. Hull, Vol. II, Psychology and Religion: West and East, 75.
Problemas e dor 21
Não há muito tempo, uma analista financeira com cerca de trinta anos
queixava-se-me, durante alguns meses, da sua tendência para pro‑
crastinar na sua função. Tínhamos analisado os seus sentimentos em
relação aos patrões e como se relacionavam com os sentimentos sobre
a autoridade em geral e especificamente com os pais. Examinámos as
suas atitudes face ao trabalho e ao sucesso e como se relacionavam
com o seu casamento, a sua identidade sexual, o seu desejo de com‑
petir com o marido e os seus receios dessa competição. No entanto,
apesar de todo este trabalho psicanalítico minucioso, ela continuava a
procrastinar na mesma medida. Finalmente, um dia, atrevemo-nos
a encarar o que era óbvio. «Gosta de bolo?», perguntei-lhe. Respondeu‑
-me que sim. «De que parte do bolo gosta mais?», continuei, «Da massa
ou da cobertura?» «Oh, da cobertura!», respondeu com entusiasmo.
«E como é que come uma fatia de bolo?», inquiri, sentindo-me o mais
pateta dos psiquiatras. «Como primeiro a cobertura, claro», respondeu
ela. Dos hábitos de comer bolo passámos para os hábitos de trabalho e,
como era de esperar, descobrimos que, diariamente, ela dedicava a pri‑
meira hora à metade mais gratificante do seu trabalho e as outras seis
horas ao restante, de que não gostava. Sugeri-lhe que, se se forçasse a
executar a parte desagradável do trabalho na primeira hora, ficaria livre
para tirar partido das restantes seis. Parecia-me, disse-lhe eu, que uma
hora de dor seguida de seis de prazer era preferível a uma hora de
prazer seguida de seis de dor. Ela concordou e, sendo basicamente uma
pessoa dotada de força de vontade, deixou de procrastinar.
O adiamento da gratificação é um processo de programação da dor e
do prazer da vida de forma a aumentar o prazer, enfrentando e vivendo
primeiro a dor e acabando com ela. É a única forma decente de se viver.
Esta ferramenta ou processo de programação é aprendida pela maior
parte das crianças numa fase precoce da vida, por vezes até por volta
dos cinco anos. Por exemplo, ocasionalmente, uma criança de cinco
anos, ao jogar com um companheiro, sugerirá ao companheiro que seja
o primeiro a jogar para poder ter o prazer de jogar mais tarde. Aos seis
anos, as crianças poderão começar a comer o bolo primeiro e a cober‑
tura depois. Em todo o percurso escolar primário, esta capacidade pre‑
coce de adiar a gratificação é exercitada diariamente, p
articularmente
Adiamento da gratificação 23
Os pecados do pai 25