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Reflexões Para o

Autoconhecimento

Autor das reflexões: Desconhecido


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Índice

A Espera de um Milagre 4
A Grande Caridade 6
Cada um Tem o Instrutor que Merece 8
Das Percepções da Projeção 11
Não Há Nada a Fazer 13
O Anel de Giges 15
O Grande Teatro da Vida 16
O Mito da Caverna 17
O que significa o Amor? 21
Os Sete Pecados Capitais 22
Por Que Não Mudamos? 24
Raiva de Tudo 27
Sobre a Ansiedade 29
Sobre a Busca por Aceitação e Auto-Afirmação 31
Sobre a Caridade 33
Sobre a Compaixão 36
Sobre a Culpa 39
Sobre a Devoção 41
Sobre a Equanimidade 44
Prática - Meditando no Relacionamento Humano 46
Sobre a Espiritualidade dos Dias de Hoje 47
Sobre a Espiritualidade Materialista 49
Sobre a Felicidade 52
Sobre a Fuga da Vergonha 56
Sobre a Fuga do Medo 58
Sobre a Gratidão 60
Sobre a Identificação com o Sofrimento Alheio 63
Sobre a Identificação com Pensamentos 64
Sobre a Identificação 67
Sobre a Ilusão da Aceitação e da Auto-Afirmação 70
Sobre a Ilusão da Superioridade e da Inferioridade 71
Sobre a Ilusão do Autoconhecimento 72
Sobre a Ilusão do Controle 75
Sobre a Ilusão do Futuro (A Fuga do Presente) 77
Sobre a Ilusão do Otimismo e do Pessimismo 78
Sobre a Ilusão do Status e da Posição Social 79
Sobre a Inveja 81
Sobre a Lei da Atração 83
Sobre a Má Vontade 85
Sobre a Mágoa 88
Sobre a Maldade 91
Sobre a Mente 94
Sobre a Mística 96
Sobre a Paz 98
A Paz Perfeita – Conto de Autor Desconhecido 103
Sobre a Projeção como Fuga da Realidade 106
Sobre a Raiva 108
Sobre a Renúncia 114
Sobre a Sensação de Mandar e Ser Mandado 117
Sobre a Solidão 119
Sobre a Vaidade 121
Sobre a Vergonha do Externo a Nós 124
Sobre a Vergonha e a Moralidade 125
Sobre a Vergonha e os Padrões 127
Sobre a Vergonha 129
Sobre a Vingança (O Eu Justiceiro) 132
Sobre Abster-se de Causar Sofrimento 134
Sobre Aceitação 137
Sobre a Aceitação de Si Mesmo 145
Sobre as Práticas 147
Sobre as Virtudes 152
Sobre Associações Mentais 155
Sobre Conselhos 157
Sobre as Desculpas e Justificativas 160
Sobre Fantasias 162
Sobre a Impaciência nos Engarrafamentos 165
Sobre Imposição de Mãos 166
Sobre a Irritação no Trânsito 169
Sobre o Amor 170
Sobre o Derrotismo 173
Sobre o Julgar 177
Sobre o Medo e a Moralidade 181
Sobre o Medo 183
Sobre o Nosso Lado Sombra 187
Sobre o Perdão 188
Sobre o Servir 190
Sobre as Raízes do Sofrimento 193
Sobre as Nossas Razões 195
Sobre o Apego ao Sofrimento 198
Sobre o Verbo 203
Sobre Ofensas e Elogios 206
Sobre Projeção 211
Sobre Repressão 214
Segurança, Insegurança e o Medo da Morte 216
Sobre Vícios 218
Sobre Virtudes e Defeitos 220
Trombando com Cegos 224
Tudo se Resume ao Pisão no Pé 225
À Espera de um Milagre

Muitas virtudes, comportamentos, são colocados por nós como inatingíveis, como algo muito
distante, previsto talvez para uma outra vida ou para quando nos tornarmos um Buda, um Cristo, um
Mestre, um Iluminado, um Santo. Mas, temos que começar agora. A melhor maneira de se tornar um Buda
é ser Buda, é viver como um Buda e seguir seus ensinamentos. A melhor maneira se tornar um Cristo é ser
Cristo, é viver como um Cristo e seguir seus ensinamentos. O fato é que veneramos estes seres superiores,
mas nada fazemos para sermos iguais a eles.

Como diz Cristo, em Lucas 6:

46 - E por que me chamais Senhor, Senhor, e não fazeis o que eu digo?

47 - Qualquer que vem a mim, e ouve as minhas palavras, e as observa, eu vos mostrarei a quem
é semelhante.

48 - É semelhante ao homem que edificou uma casa, e cavou, e abriu bem fundo, e pôs os
alicerces sobre rocha; e, vindo a enchente, bateu com ímpeto a corrente naquela casa e não a pôde abalar,
porque estava fundada sobre rocha.

49 - Mas o que ouve e não pratica é semelhante ao homem que edificou uma casa sobre terra,
sem alicerces, na qual bateu com ímpeto a corrente, e logo caiu; e foi grande a ruína daquela casa.

Fica muito fácil para nós culparmos religiões, seitas, credos, por não sermos ou não agirmos como
esses Seres Divinos. Mas, mesmo quando percebemos que nossa religião não nos mostrou a verdade,
nada fazemos, continuamos os mesmos. Tudo isso é muito cômodo para nós.

Esperamos que as situações se tornem ideais para que expressemos o nosso ideal. Mas, em
verdade, não existe vida perfeita e sim a nossa capacidade de vivê-la com perfeição, arte e equilíbrio.

Não podemos esperar que a vida atinja um determinado grau de perfeição para então começarmos
a viver plenamente, para expressarmos as nossas virtudes, pois isso nunca vai acontecer, e, ainda que
acontecesse neste exato momento, logo estipularíamos uma outra condição para podermos viver
plenamente, para podermos expressar nossas virtudes, ou seja, criaríamos uma nova justificativa para a
nossa incapacidade.

Devemos aceitar viver a vida com a perfeição que nos é possível, com a nossa condição atual.
Devemos viver o agora em plenitude. É agora que devemos expressar todas as nossas virtudes.

É de fundamental importância e sabedoria que paremos de culpar os outros pelas coisas que
acontecem, temos que tomar as rédeas das situações. Somente assim elas poderão ser mudadas, nunca
antes disto, nunca enquanto essas situações são explicadas pela culpa dos outros, das condições externas,
etc.

Não podemos mudar ninguém, temos que mudar a nós mesmos. Quando mudamos interiormente e
de forma radical, o mundo à nossa volta também muda, as pessoas mudam, tudo muda.

A maior parte das condições que colocamos para sermos corretos com os outros depende de nós
mesmos, nós é que devemos nos resolver internamente. Devemos trabalhar nossos problemas de baixa
estima, mania de grandeza, soberba, respeito, etc.

Diz Samael Aun Weor, em “A Revolução da Dialética”:

Não precisamos submeter as mentes alheias porque isso é magia negra. O que precisamos é
submeter a nossa própria mente, dominá-la.

Precisamos parar de cobrar, de criticar, de causar sofrimento aos outros. Precisamos nos tornar
doces para com o próximo e duros, sinceros, honestos para conosco. Isso não significa auto-cobrança, não
significa violência com nós mesmos. Significa ver o certo como certo e o errado como errado, de forma
sincera, sem desculpas, sem pretextos, sem explicações.
Diz H. P. Blavatsky, em “A Voz do Silêncio”:

“Antes que possas entrar em Jnana-Marga e chamar teu, a tua Alma tem de se tornar como o fruto
maduro da mangueira: mole e doce como a sua polpa dourada para as angústias dos outros e duro como
o caroço para as tuas próprias dores e angústias, ó triunfador da alegria e da tristeza.”

Mas, enquanto continuarmos a fazer as mesmas coisas ou imobilizados, os resultados serão


sempre os mesmos. Precisamos mudar, precisamos agir, precisamos morrer de instante em instante. E isso
é urgente.

Precisamos viver a espiritualidade na prática, precisamos viver uma espiritualidade baseada em


fatos concretos do dia-a-dia, em pequenos gestos.

Nada mudará enquanto continuarmos entretidos apenas com literaturas espiritualistas ou sagradas.
Nada mudará enquanto continuarmos a freqüentar palestras, seminários, cultos, missas, cursos, sem que
vivamos os ensinamentos adquiridos de forma prática e concreta, longe das fantasias da mente.

Nada mudará enquanto continuarmos a praticar a espiritualidade em busca de vantagens, a


espiritualidade barata e vazia. Nada mudará enquanto continuarmos a praticar uma espiritualidade sem
transcendência, uma espiritualidade materialista, mentalista, baseada em ensinamentos que não nos levam
a uma transformação.

Buda, Cristo, Samael e muitos outros ensinaram a renúncia, o caminho da renúncia. Mas não
queremos renunciar a nada, queremos uma espiritualidade que nos seja cômoda, que atenda aos nossos
anseios imediatos, queremos continuar com nossas fantasias. Sem perceber, enganamos a nós mesmos e,
pior, gostamos. Afinal, perceber que nos auto-enganamos nos faz sofrer. Assim, preferimos não aceitar
certos fatos, preferimos continuar a nos enganar, achando que estamos evoluindo, que somos
espiritualistas, que somos espiritualizados.

Entre os universalistas, os espiritualistas independentes, observamos algumas características


comuns: não conseguem escolher um caminho; duvidam muito, duvidam de tudo, estão sempre em cima do
muro; não demonstram ter força ou capacidade para trilhar, para se entregar a um caminho definitivo; são
orgulhosos demais para aderirem a algo que não foi criado por eles mesmos; rotulam-se para se sentir mais
seguros, para poder se justificar; costumam se auto-enganar e continuam com suas vidas comuns, sem
transformação alguma.

Nada mudará enquanto ficarmos buscando e buscando, sem começarmos a trilhar um caminho, um
único caminho, pois claro está que não será possível trilhar vários caminhos ao mesmo tempo.

Nada mudará enquanto não fizermos nossa escolha, enquanto não optarmos por um caminho e, a
partir desta escolha, passarmos a viver o caminho.

Nada mudará enquanto não morrermos em nós mesmos de instante em instante.


A Grande Caridade

A grande caridade está em curar os doentes da alma, assim como fez Jesus. Está em levar a
verdade e fazer os cegos, aqueles que não vêem a verdade, enxergarem, do modo como fez Jesus. Fazer
com que aqueles que não conhecem o caminho o conheçam e comecem a caminhar, aqueles que estão
parados ou perdidos no caminho voltem a caminhar, de mesma maneira que fez Jesus curando mancos,
coxos e paralíticos.

Está em levar a verdade sem bandeiras, sem orgulho e sim com humildade. Querer ver os demais
evoluindo é caridade, é amor. Querer convencê-los de nossas crenças é orgulho, arrogância, e não há
verdade nisso.

O ego se reveste de ovelha, nos engana e, nos enganando tenta enganar os demais. Devemos
estar atentos para os verdadeiros motivos que nos levam à caridade.

Será que estamos querendo ajudar de forma altruísta, de forma verdadeiramente desinteressada?

Será que estamos querendo nos mostrar bonzinhos para convencer os outros de nossas crenças ou
simplesmente para aparecer?

Curar os doentes da alma não é tentar converter os demais, não é convencer os outros de nossas
crenças. Curar os doentes da alma é querer vê-los livres.

A verdade não está em nenhuma religião, ninguém pode possuí-la. A salvação e a libertação não
estão em nenhuma religião, não estão em lugar nenhum senão dentro de nós mesmos.

Querer mostrar que temos qualidades e virtudes é coisa do ego, não é caridade, é orgulho e
arrogância. Não podemos fazer dos outros objetos para satisfação e auto-afirmação de nossos egos, de
nossa auto-imagem de bonzinhos, santos, iluminados, evangelizadores e caridosos.

Precisamos criar alguma luz dentro de nós para podermos levar aos outros, mas não precisamos
esperar que nos tornemos Mestres Perfeitos para levarmos ensinamentos aos outros; em contrapartida
também não podemos levar aos outros aquilo que não compreendemos, que não praticamos, e que não
vivemos.

Diz H. P. Blavatsky, em “A Voz do Silêncio”:

“Sê, ó Lanu, como Eles. Dá luz e conforto ao exausto peregrino, e procura aquele que sabe ainda
menos do que tu; que na sua desolação miserável está faminto do pão da sabedoria e do pão que alimenta
a sombra, sem Mestre, esperança ou consolação, e fá-lo ouvir a Lei.”

Diz Sri Krishna no “Bhagavad-Gita”:

“Aquele que propagar esta filosofia secreta entre Meus devotos, realizará o mais elevado serviço
devocional para Mim, e certamente virá ter Comigo, e não haverá ninguém sobre a Terra que seja mais
querido por Mim.”

Entretanto, sem altruísmo, de nada adiantarão tais esforços de nossa parte.

Sobre isso diz Sri Krishna no “Bhagavad-Gita”:

“Faça as suas ações no melhor de suas habilidades, Ó Arjuna, com sua mente ligada ao Senhor,
abandonando a preocupação e o apego egoísta para os resultados, permanecendo calmo tanto no sucesso
como no fracasso. O serviço sem egoísmo traz paz e tranqüilidade da mente, que conduz à união com
Deus.”

“O trabalho feito com motivo egoísta é inferior e está longe do serviço desapegado. Portanto, seja
um trabalhador desapegado, Ó Arjuna. Aqueles que trabalham apenas para o gozo dos frutos dos seus
trabalhos são infelizes.”
“Um Karmayogi, ou uma pessoa desapegada, torna-se livre tanto da virtude como do vício em sua
vida. Portanto, esforce-se por serviço desapegado. Trabalhar o melhor das suas habilidades, sem apegar-
se egoisticamente pelos frutos do trabalho, chama-se Karmayoga ou Seva.”

Diz Alcione (J. Krishnamurti) em “Aos Pés do Mestre”:

“Sê verdadeiro na ação; nunca pretendas parecer senão aquilo que és, pois todo fingimento
constitui um obstáculo à pura luz da verdade, que deve brilhar através de ti como a luz do Sol através de um
vidro transparente.”

“Precisas discernir entre o egoísmo e o altruísmo, pois o egoísmo reveste muitas formas e, quando
pensas tê-lo morto, finalmente numa delas, surge noutra tão forte como sempre. Porém, gradualmente, o
pensamento de auxiliar aos outros te encherá de tal modo, que não haverá lugar nem tempo para pensares
em ti mesmo.”

“De outra maneira, ainda deves utilizar o discernimento: aprende a distinguir a Deus que está em
todos e em tudo, por pior que seja a sua aparência exterior. Podes ajudar teu irmão pelo que tens de
comum com ele – a Vida Divina. Aprende a despertar nele essa Vida, aprende a invocá-la nele; assim o
salvarás do mal.”

“Procura verificar o que vale a pena ser feito e lembra-te que as coisas não devem ser julgadas pela
sua grandeza aparente. Uma pequena coisa de utilidade imediata à obra do Mestre merece muito mais ser
feita, do que uma grande coisa que o mundo considera boa. Precisas distinguir não somente o útil do inútil,
mas ainda o mais útil do menos útil. Alimentar os pobres é uma boa obra, nobre e útil; porém, alimentar-lhes
as almas é ainda mais nobre e mais útil.”

Uma frase atribuída ao Mestre Kuthumi diz:

“Se vossos esforços ensinarem ao mundo uma letra que seja do alfabeto da Verdade - essa
Verdade que outrora penetrou no mundo inteiro - não vos faltará a recompensa.”

Uma carta dirigida a Srta. Mary Gebhard e atribuída ao Mestre Morya diz:

“Somos conduzidos, Senhora, ao vórtice do destino preparado previamente por nós para nós
próprios, como um navio no Maelstrom. Agora você começa a compreender isso. O que irá fazer? Não pode
resistir ao destino. Você está pronta para fazer a sua parte no grande trabalho de filantropia? Você
ofereceu-se para Cruz Vermelha; mas, Filha, existem doenças e feridas da alma que não podem ser
curadas pela arte de nenhum cirurgião. Irá auxiliar-nos a ensinar a humanidade que os doentes da alma
devem curar-se a si próprios? Sua ação será a resposta.”

Então, concluímos que a mesma mensagem é passada de diferentes formas.

Então vejamos que, se a grande caridade é levar a verdade, curar os doentes da alma, talvez o
curar a si próprio, que é a condição necessária para curar os outros, seja uma caridade ainda maior. A
busca interior é um ato de caridade, é um ato de puro amor.
Cada um Tem o Instrutor que Merece

Existe um conto de um homem que era muito simples e puro e um dia ouviu falar de um mestre e foi
atrás para encontrar e receber suas instruções. Apesar de ser um farsante, tal mestre tinha alguns
discípulos, e ao encontrar com o mestre o homem pediu instruções. Uma das instruções que o homem
recebeu era utilizar o nome do mestre sempre que estivesse em perigo ou sempre que precisasse; com a
pronúncia de seu nome poderia fazer coisas como andar sobre as águas e flutuar, pois segundo o mestre
seu nome era um mantra poderoso. O homem ficou encantado e saiu pronunciando o nome do mestre.
Pouco depois os discípulos viram o homem perto de um lago, e o homem começou a andar sobre as águas
enquanto pronunciava o nome do dito mestre. Os discípulos correram para chamar o mestre e insistiram
que o mestre fizesse o mesmo. Depois de relutar, o tal mestre tentou, quase se afogou, e acabou tendo que
ser socorrido pelos discípulos. Para não perder a fama e não ser desmoralizado pelo homem, o mestre
disse que o homem deveria saltar de um penhasco. O homem saltou, e pronunciando o mantra desceu
suavemente. O mestre tentou o mesmo e se arrebentou no chão.

Para quem duvida, desconfia, suspeita nenhum instrutor ou mestre será suficiente.

O mesmo instrutor é mestre para uns e ignorante para outros, pois cada um o percebe de uma
forma segundo seus próprios conteúdos internos e suas próprias projeções. É aí que está a questão do
merecimento: merecemos segundo o que cultivamos dentro de nós mesmos.

O único deus em que acreditamos é aquele que criamos em nossa mente. E só acreditamos nele
por ser nossa criação. Nós nos cremos os próprios mestres, pois se assim não fosse não os criticaríamos,
se assim o fazemos é porque de alguma forma nos cremos melhores do que eles. Precisamos analisar
porque queremos alguém para nos guiar ou alguém para seguirmos se somos melhores dos que eles. Isso
não faz sentido, parece loucura.

Alguns se acham vítimas, injustiçados do destino. Acreditam que se tivessem vivido perto do Mestre
Samael seria muito mais fácil, que se tivessem recebido orientações diretas dos Mestres Morya ou Koot
Hoomi estariam muito avançados no caminho, que se tivessem vivido com o Cristo Jesus teriam subido aos
céus junto com Ele. Tudo isso é fantasia. Tudo isso é desculpa para continuarmos a ser como somos.
Justificativas para nossas fraquezas e incapacidades.

Escolas esotéricas sempre existiram. A história está repleta de grandes nomes de Mestres, Budas,
Santos e Iluminados. Se não seguimos o ensinamento de nenhum deles mesmo após terem deixado a
terra, e temos “certeza” de quem eram esses mestres, jamais seguiríamos se estivessem vivos e surgissem
bem na nossa frente. A dúvida sempre aparece, questionamos se é mesmo um mestre ou não,
questionamos o que foi deixado, os escritos e os ensinamentos. Aos nossos olhos seriam apenas homens
como quaisquer outros. Nunca acreditamos no filho do carpinteiro, no sapateiro e sempre dizemos que
nada de bom pode vir de Nazaré.

A verdade é que não estamos prontos, não somos dignos e não temos o merecimento necessário
para isso. E estes fatos são fáceis de observar uma vez que não conseguimos seguir as orientações dos
mestres e dos instrutores que temos. O que queremos é uma mãe que nos mime, que passe a mão em
nossas cabeças quando erramos, alguém para suprir nossas carências.

Existe outro conto em que um homem chega para um Mestre e pede que este lhe ensine e lhe
permita ser um discípulo. O Mestre não o aceita e o manda embora. Então, depois que o homem se foi, um
discípulo questionou o Mestre por não tê-lo aceitado, achou que o Mestre agiu mal, que deveria ter sido
mais compassivo e brando. Nisso um passarinho entrou pela janela, e o Mestre disse para o discípulo
observar. O passarinho se bateu pela sala procurando uma saída até que pousou em uma janela, e então o
Mestre bateu palmas para assustar o passarinho, que voou janela afora.

Se o Mestre tivesse ficado com o homem que já estava pronto ou quase pronto teria atrapalhado
seu processo. Um Mestre quer ver os outros crescerem, evoluírem espiritualmente, não interessa se com
ele ou sem ele. Um Mestre não quer reunir muitos discípulos para o adorarem ou coisa do gênero.

Dominados por nossos próprios conceitos, nossas idéias fixas, acusamos os outros de nos darem
pedras quando pedimos pães. Não reconhecemos pães como pães e não somos gratos pelos
ensinamentos recebidos.
No início da Sociedade Teosófica, os Mestres Morya e Koot Hoomi se correspondiam com algumas
pessoas através de bilhetes, cartas e telegramas. Dois dos principais correspondentes dos Mestres eram A.
P. Sinnett e A. O. Hume. Estes dois também mantinham contato direto com H. P. Blavatsky, com o coronel
Olcott e com alguns chelas dos Mestres. O que mais se percebe nas cartas é que os dois duvidavam do
que lhes era ensinado, diziam que os ensinamentos eram picados, que não eram completos. Duvidavam
dos fenômenos que os Mestres realizavam. Criticavam as coisas que os Mestres escreviam, diziam que
eram vulgares, grosseiros, orgulhos e soberbos. Criticavam os método, as provas, diziam ser cruéis e
imorais. Chegaram até mesmo a duvidar da existência dos Mestres. Sinnett chegou a ter uma experiência
em astral com o Mestre, o que de nada adiantou.

Abaixo segue um trecho do texto “Levante, Desperte, e Não Pare Até Alcançar A Meta!”:

“Depois disso Naren [nome de Vivekananda] passou a visitar Ramakrishna com freqüência. Viu-se
gradualmente envolvido no círculo de jovens discípulos — quase todos de sua idade — que Ramakrishna
treinava para a vida monástica. Naren não se rendeu facilmente à influência dele. Continuava a perguntar-
se se o hipnotismo podia explicar o poder de Ramakrishna. A princípio, recusou-se a participar do culto a
Kali, considerando-o mera superstição. Ramakrishna parecia apreciar esses escrúpulos. Costumava
provocar: — Teste-me como os cambistas testam suas moedas. Você não deve acreditar em mim antes de
testar-me por completo. — Por sua vez, ele testava Naren, não tomando conhecimento de sua presença
durante semanas, para verificar se isso faria com que o jovem deixasse de vir a Dakshineswar. Naren
voltava assim mesmo. Ramakrishna louvou-lhe a força interior: — Qualquer outro — disse — teria me
deixado há muito tempo.”

Temos medo de estar entrando em um caminho ou escola errados. Este medo coloca em dúvida
todos os ensinamentos recebidos, e por mais que recebamos comprovações elas sempre serão
questionadas e talvez até reforcem as dúvidas.

Seja qual for a origem ou o motivo do medo, as pessoas acabam por tentar ficar sempre perto da
porta de saída, ou seja, elas “entram no caminho”, as portas se abrem e elas não avançam, pois estão
sempre petrificadas, sempre olhando para trás, querem sempre estar perto da porta de saída, ter uma
chance de fuga, de escape. Isso lhes dá segurança, mas esta mesma segurança os impede de avançar e
pode acabar por aumentar a dúvida, enfraquecer e desmotivar. É preciso perceber que isso nos torna
mornos e os mornos serão vomitados, como já é sabido. É preciso perceber ainda que isso nos torna
materialistas, ou seja, indica que estamos presos, apegados ao mundo material e seus conceitos, formas,
sensações, aos nossos antigos padrões, as idéias de sociedade, aos ensinamentos que recebemos na
escola.

É preciso lançar-se ao abismo e entregar-se sem condições, sem falsas esperanças, sem desejo de
retorno, escapatórias ou rotas de fuga.

Se dissermos que decidimos e no futuro acontecer algo diferente, nós voltamos atrás ou mudamos
nossa decisão. Então, estamos decididos em fazer algo diferente de nossa suposta decisão inicial, ou seja,
em verdade não decidimos; estamos nos enganando, criando desculpas para desistir, para abandonar uma
decisão e não para continuarmos firmes com ela, estamos criando e fortalecendo pontos de dúvida, que são
formas de defesa.

Os motivos que arrumamos para acreditar, ter fé e se entregar à alguma coisa, são na verdade
motivos para nos mantermos sem acreditar, sem ter fé e sem nos entregarmos.

Toda condição que criamos para prosseguir com uma decisão é na verdade uma desculpa para
desistirmos.

Existe uma carta do Mestre Koot Hoomi para uma aspirante a chela que queria presenciar
fenômenos e coisas mais para poder publicar algum artigo a fim de atrair pessoas para Sociedade
Teosófica. Tal aspirante já havia estado com o Mestre em corpo físico. Nesta carta o Mestre deixa claro que
ele queria os fenômenos para ele mesmo e não para os demais e também diz: “Se um oriental,
especialmente um hindu, tivesse tido até mesmo a metade de um vislumbre, uma só vez, do que você já
teve, iria considerar-se abençoado pelo resto da vida.”.

Assim vemos como somos estúpidos e ingratos. Muitos já tiveram sonhos, experiências no astral,
compreensões, já receberam ensinamentos, já viram e ouviram coisas. Porém, ainda duvidam, ainda
vacilam, continuam querendo uma certeza. Existe uma dúvida positiva que é o questionamento a fim de
aprender. Existe uma dúvida negativa que é a desconfiança.
Sobre isso o bendito Mestre Koot Hoomi diz num carta:

“Tome cuidado, Mohini Mohun Chatterjee: a dúvida é um câncer perigoso. Começa-se duvidando de
um pavão e termina-se duvidando de Koot Hoomi.”

E o bendito Mestre Morya diz em uma de suas cartas:

“Por favor, compreenda o fato de que, enquanto os homens duvidarem, haverá curiosidade e
pesquisa, e que a pesquisa estimula a reflexão, que gera o esforço; mas, uma vez que nosso segredo tenha
sido completamente vulgarizado, não só a sociedade cética não terá grandes benefícios, como também, a
nossa privacidade estaria constantemente em perigo e teria que ser resguardada a um custo irracional de
energia. Tenha paciência amigo meu. O Sr. Hume levou anos para matar um número suficiente de pássaros
para completar o seu livro; e ele não mandava que eles abandonassem os seus retiros cheios de folhas,
mas tinha que esperar que chegassem até ele para que os empalhasse e rotulasse; assim também vocês
devem ter paciência conosco. Ah, Sahibs, Sahibs! Se vocês pudessem pelo menos catalogar-nos, rotular-
nos e colocar-nos no Museu Britânico, então de fato o seu mundo poderia ter a verdade absoluta, a verdade
dissecada.“.

Todos nós vivemos em busca de algo mais, que venha a nos preencher; sempre achamos que
existe algo faltando, algo a ser adquirido. Então caminhamos pela vida atrás de casas, carros, títulos,
salários, divertimentos e conhecimento. Em algum momento iniciamos uma busca religiosa, mas iniciamos
esta busca com a mesma mentalidade, ou seja, acreditando que ao somarmos uma religião a nossa vida
vamos conseguir o que falta.

Deste modo, muitos dos que somam uma religião em suas vidas criam uma fantasia de que está
tudo resolvido, acreditam que são felizes e plenos.

Outros alteram seus conceitos materialistas por conceitos religiosos a fim de continuar a viver a vida
da mesma forma, mascarando sua realidade, de maneira que passam a orar por emprego, cargo, casa,
carro e dizer que Deus enviou estas coisas. Não que isso não seja possível, não é esta a questão, e é
importante observar que isso acontece em todas as religiões.

Na vida verdadeiramente religiosa não existe nada para ser obtido, tudo para ser abandonado e
renunciado, principalmente falsos conceitos e falsos valores.

Disse em uma carta o Mestre Koot Hoomi:

“Aqueles que realmente desejam aprender devem abandonar tudo e vir até nós, em vez de pedir ou
esperar que nós avancemos até eles.”

E em resposta a algumas perguntas de C. W. Leadbeater o Mestre Koot’ Hoomi escreveu:

“Não é necessário que alguém esteja na Índia durante os sete anos de provação. Um chela pode
passá-lo em qualquer lugar.”

“A aceitação de qualquer homem como chela não depende de minha vontade pessoal. Isso pode
ser apenas o resultado do próprio mérito e esforço de alguém nesta direção. Force qualquer um dos
‘Mestres’ que você possa ter escolhido; faça bons trabalhos em seu nome e pelo amor a humanidade; seja
puro e resoluto no caminho da retidão (como descrito em nossas regras); seja honesto e altruísta; esqueça
você mesmo e lembre-se apenas do bem de outras pessoas – e você terá forçado aquele ‘Mestre’ a aceitá-
lo.”

Em resumo, o que o Mestre Koot’ Hoomi diz é para seguir na ação reta, na prática de virtudes, para
morrer para si mesmo, para fazer sacrifícios pela humanidade. Mais uma vez a mensagem de todos os
Mestres. Mais uma vez a mensagem de Samael Aun Weor.
Das Percepções da Projeção

A percepção da projeção se dá através de aspectos e oitavas, ou seja, se dá aos poucos – a menos


que se consiga atingir uma percepção muito profunda, de forma instantânea, o que é raro, por envolver
muitos fatores que não vêm ao caso agora.

Normalmente, o que vem primeiro é a informação, a explicação e o entendimento do que é


projeção. Neste momento, podemos analisar certos casos a nível intelectual e rotular: isto é projeção, isto
não é projeção; tenho isto ou aquilo dentro de mim. Porém, esta análise não significa perceber que temos
dentro de nós este ou aquele aspecto, este ou aquele defeito.

Aqui, neste estágio, podemos começar a diminuir as críticas, pelo menos aquelas expressas em
palavras, pois já temos a informação do que é projeção, e sabemos que, ao expressarmos nossas críticas
em palavras, estaremos nos confessando, nos expondo aos olhos do mundo.

Acontece com muita freqüência de, por exemplo, nos irritarmos com uma situação ou pessoa e
descontarmos em outra. Isto é o que chamamos de transferência. Também neste estágio podemos começar
a diminuir a transferência de emoções e sentimentos.

Nossos pensamentos a respeito dos outros não podem ser falsos ou mentirosos. Não podemos
imputar aos demais fatos que desconhecemos.

Não podemos achar que somos sempre o centro do pensamento alheio. Os pensamentos dos
outros, em sua grande maioria, giram em torno deles mesmos, assim como os nossos em torno de nós.
Cada um tem as suas próprias preocupações e, na maior parte das vezes, não somos a razão das
preocupações alheias.

Ao julgarmos que um certo alguém nos quer ofender ou ferir, que esse alguém nos odeia, criamos
uma fenda pela qual os maus pensamentos penetram e vão se alojar em nossas mentes. E, a partir daí,
ficamos propensos a comportamentos equivocados. Portanto, vigiar a mente é fundamental.

Geralmente, o que costuma ocorrer é que as pessoas acabam transferindo para os outros suas
frustrações, raivas, mágoas, ressentimentos, seus conflitos pessoais. Não podemos nos esquecer de que
todos vivem atormentados pelos próprios demônios internos, por seus egos, e a eles reagem. Se nos
damos conta disto, passamos a agir de maneira consciente, agimos com compaixão. Do contrário,
continuaremos a agir mal, inconscientemente, inclusive contra nós mesmos.

Não há motivo para nos irritarmos com alguém que nos atormenta. É o mesmo que sentir raiva de
um louco pelo fato de ele ser louco. É o mesmo que ficar com raiva do cego que nos deu um esbarrão
porque não pôde nos ver em seu caminho. Há, sim, todos os motivos para termos compaixão, tolerância,
paciência.

É muito importante perceber que os argumentos racionais nos levam a muitos auto-enganos.
Assim, o que precisamos é chegar a percepções reais e cada vez mais profundas.

Algum tempo depois de compreendermos essa dinâmica, começamos a perceber a projeção de


emoções e sentimentos, dos diversos comportamentos que costumamos criticar nos demais. Contudo,
como ainda não conhecemos a fundo os mecanismos que permeiam as emoções e os sentimentos, as
fantasias e as fascinações, os conceitos, os preconceitos e os padrões, estas percepções ainda se dão a
nível superficial.

A etapa seguinte é percebermos a projeção dos conflitos internos. Evidentemente, isso acontece
depois de compreendermos o que significam os conflitos internos, bem como seus mecanismos e
manifestações. Tais conflitos podem ser percebidos como desejos antagônicos, incompatíveis – dilemas
muito comuns em nossa mente dualista. Um exemplo prático desta situação é o desejo de comer uma
feijoada em contraposição ao desejo de perder peso. Seja qual for a nossa opção, acabaremos por nos
sentir culpados. Tudo isso tem a ver com a falta de compreensão dos desejos, com a falta de aceitação,
com a falta de contentamento. Percebemos aqui a necessidade de desenvolvermos a vontade, a decisão, a
firmeza, a serenidade, a renúncia.
A seguir, começamos a perceber a projeção dos pensamentos. Nesta fase, começamos a nos
perceber como algo à parte do pensamento. Começamos a perceber que reagimos às nossas próprias
idéias, conceitos e preconceitos, padrões; que tememos nossas próprias reações .

Com isso, percebemos também que precisamos nos abster de julgar o próximo, pois nossas
impressões sobre as pessoas não passam de tentações e tormentos criados por nossos próprios demônios
internos, que, uma vez instalados em nossa mente, nos faz invejar, cobiçar, despertando-nos a raiva.
Precisamos abandonar esses julgamentos, esses pensamentos. Eles envenenam nossas mentes, levando-
nos a reações indesejáveis, equivocadas.

Agora já podemos começar a perceber que projetamos para pessoas, objetos e situações externas
a responsabilidade por nossos estados internos, por nossos humores, por nossas emoções, sentimentos e
reações equivocadas. Enquanto responsabilizarmos terceiros pelo que nos acontece, nenhuma mudança
será possível em nossas vidas.

Se não conseguimos perceber as projeções instantaneamente, é porque ainda nos vemos como
vítimas. Esta é uma visão que precisa ser extirpada de dentro de nós, e à qual devemos renunciar.

O pensamento voltado para “o meu”, “a minha”, “eu”, “mim” aprisiona, como também acontece com
o pensamento voltado para “o dele”, “o seu”, “aquele”. São formas que encontramos para nos isolarmos,
para nos colocarmos no papel de vítimas. Isso acontece de maneira sutil e está muito enraizado dentro nós.

É a postura interna de vítima que nos mantém como vítimas. Enquanto percebermos a nós mesmos
como vítimas, seremos vítimas.

Sentimo-nos como vítimas, pensamos como vítimas, colocamo-nos e posicionamo-nos como


vítimas, seja dos outros, das situações, dos pensamentos, das emoções - tanto nossas quanto do outro -,
do destino, da divindade. Esta postura demonstra também uma percepção equivocada do sofrimento.

Ao nos vermos como vítimas, a reação primeira é sentirmos raiva dos outros, pois, de acordo com
as nossas ilusões, são eles os únicos culpados pelo que há de errado conosco.

Por sermos ingratos, por nos vermos como rejeitados, esquecidos, excluídos e vítimas, refletimos
isso no externo agindo com raiva, ódio, agressividade, grosseria e de forma vingativa. Isso ocorre porque
não percebermos o quanto a Divindade é misericordiosa, terna, compassiva, pacienciosa, tolerante,
generosa e bondosa conosco. Se percebermos estas coisas seremos profundamente gratos, e se esta for
nossa realidade interior, iremos refleti-la no exterior.

O grande problema é esquecer, deixar de sentir. Infelizmente não termos força para sustentar
gratidão, felicidade, paz, devoção, serenidade e tranqüilidade. Ainda não percebemos a importância destas
coisas ou o quanto elas nos fazem bem. Assim, estas coisas ainda não se tornaram nossos objetivos e
prioridades. Estamos tão preocupados em evitar os nossos defeitos, e evitar as manifestações de nossos
egos que não vemos as nossas virtudes, não as vivemos.

Precisamos parar de olhar para o mundo externo e agir a partir do que vemos no mundo externo. É
preciso olhar para o mundo interno e agir a partir do mundo interno, do centro. Para lograrmos êxito nesta
proposta, devemos manter o foco no mundo interno. Mestre Samael nos diz que “para o sábio, o mundo
interno é mais concreto que o mundo externo.”

Cabe ressaltar, mais uma vez, que tais percepções acontecem aos poucos. Acontecem através de
aspectos e oitavas cada vez mais profundas ou elevadas, cada vez mais sutis. Tudo vai acontecendo na
medida em que vamos criando e desenvolvendo um centro permanente de consciência, a partir do qual
passamos a agir.
Não Há Nada a Fazer

Elas buscam muitos refúgios,


nas montanhas e florestas, nos parques e santuários:
pessoas ameaçadas pelo perigo.
Esse não é o refúgio seguro,
não é o refúgio supremo, esse não é o refúgio,
ao qual se você for, ganhará a libertação de todo sofrimento.

( Dhammapada 188)

As esperanças, as expectativas, nos impedem de viver o momento presente. Com nossas


perspectivas voltadas para algo melhor que possa acontecer no futuro, acabamos por nos esquecer do
presente. E, assim, seguimos sempre a acreditar que existe um futuro mais promissor, que há algo melhor a
ser obtido, conquistado. Isso acaba por nos remeter à famosa mensagem afixada nos bares: “fiado só
amanhã”. E nunca existe satisfação, contentamento, gratidão. Se mudássemos nosso modo de pensar e
nos tornássemos atentos para o que acontece no momento presente, talvez pudéssemos encontrar algo
que nos satisfizesse. Mas, como estamos buscando algo no futuro, algo que ainda não existe, algo mais
perfeito, mais maravilhoso, mais prazeroso, não encontramos nada. E não encontramos nada por uma
única razão: por estarmos buscando o que não está presente.

Quando entramos em uma escola e começamos a fazer práticas de maneira séria, um dia
percebemos que não somos vítimas das coisas externas, sejam elas boas ou más, percebemos que os
nossos estados internos, sejam estes estados de ira ou de serenidade, de tristeza ou de alegria, são criados
por nós mesmos e podem ser mantidos por nós mesmos.

De modo geral, as pessoas possuem uma grande capacidade de manter seus estados internos
equivocados, ou seja, conseguem permanecer tristes, ressentidas, ofendidas, por longo tempo. Teimam em
contaminar seus pensamentos com preocupações, medos, mágoas e irritações, seja através da televisão,
de conversas inapropriadas ou da tagarelice de suas próprias mentes.

Assim como mantemos estados internos incorretos, também é possível manter os estados corretos
de paz, felicidade, satisfação, contentamento. Manter esse tipo de estado, no entanto, não significa se
enganar, não significa repetir frases positivas. Papagaiar frases é mera tolice. A criação e manutenção
desses estados corretos resultam de uma visão correta sobre as situações.

Por conhecimento informativo, costumamos dizer que tudo isso não passa de projeções da mente,
fantasias, ilusões; que as respostas estão dentro de nós mesmos; que, quando fugimos de um lugar para
outro por algum motivo, estamos apenas escondendo, jogando para debaixo do tapete, aquilo que nos
aflige; e que continuaremos a carregar dentro de nós todas as nossas aflições. Mas a percepção, a
compreensão do que se passa conosco, o insight revelador, é algo muito diferente, é algo verdadeiramente
transformador.

Após percebermos, por uma experiência direta, que nós mesmos criamos e podemos manter
nossos estados internos, verificamos a perfeição dos ensinamentos. Esta experiência motiva-nos, fortalece-
nos, enche-nos de fé e confiança. Não há dúvida em relação àquilo que é experimentado diretamente, ou,
pelo menos, não deveria haver.

Só então percebemos que não há nada a temer ou com que se preocupar, não há nenhum outro
lugar para ir e nada a fazer, tudo acontece em nosso íntimo, tudo.

Quando compreendemos as dificuldades da vida como lições a serem aprendidas, passamos a ver
que o sofrimento, na verdade, é como um amigo que nos estimula a mudar, a ir além.

Percebemos que não há nada que possa preencher os nossos desejos de forma completa e
absoluta. Dinheiro, posses, pessoas, status ou fama, podem até trazer alguma satisfação, mas não são
capazes de preencher os nossos desejos de forma completa e absoluta.

Se o desejo ou a repulsa se manifesta em nós, se a insatisfação, a mágoa, a raiva e a inveja se


instalam em nosso ser, não há lugar nenhum para ir senão para o íntimo.
E logo perceberemos que não há nada a temer, porque tudo se desfaz continuamente. É apenas o
reflexo da idéia de permanência que nos leva temer as situações, como se elas fossem durar para sempre.

Quando compreendemos que não há mais nada a fazer e nenhum outro lugar a ir, constatamos
também que não adianta procurar outras escolas, outras religiões, outras pessoas e outros lugares a serem
conhecidos, visitados. Constatamos que não há nada a ser comprado, possuído, sejam casas, carros,
empregos, cargos, títulos, conhecimentos. Não há nenhum outro lugar para ir e nada o que fazer, tudo
acontece no nosso íntimo.

Se somos assolados pelo tédio, pelas pressões internas, se surgem aqueles impulsos ocasionais
de sair para dar uma volta, de falar com alguém, de comprar, de comer; se somos tomados por impulsos
que nos levam buscar uma fuga, uma forma de alívio, seja com diversões, jogos, televisão, sexo, devemos
ser sensatos e não ceder. É preciso deixar que a água ferva. Esta será uma oportunidade de auto-
conhecimento, pois não há nenhum lugar a ir e nada a fazer, tudo ocorre dentro de nós mesmos.

Estas percepções nos libertam e nos conduzem à renúncia que leva pra longe a inveja, a vaidade, o
orgulho, o medo, e traz a paz, a felicidade, a serenidade, a satisfação, o contentamento.

Também é preciso compreender que não há nenhum passado a ser evitado e nem revivido, não há
nenhum evento futuro a ser buscado ou evitado, não existem condições a serem preenchidas. Esta
compreensão nos levará a centrar toda a atenção no momento presente, que é o único momento em que as
percepções do real podem acontecer de fato e os insights podem surgir. Se nos mantivermos plenamente
atentos para o que nos acontece, poderemos perceber que nada falta, que não há nada a ser buscado.
Então todo os nossos esforços serão direcionados para nos mantermos no momento presente, pois é nele,
e somente nele, que residem as reais percepções, as possibilidades de libertação, a satisfação, o
contentamento. Não existe nada no futuro a não ser nossas fantasias, nossas projeções mentais. A
satisfação, o contentamento, a felicidade, estão no agora, na simplicidade do momento presente, este
momento do qual vivemos fugindo.

Se não há nada a ser consumido, ninguém a ser conhecido, empregos ou cargos a serem
conquistados, lugar algum para ir, então a satisfação se dá com o que se apresenta a cada instante, no
agora. E assim a gratidão vai brotando em nossos corações.

É preciso olhar as situações da vida com simplicidade, objetividade, sem fugas, sem esperanças,
sem desejos reincidentes de algo melhor que poderá acontecer num futuro imaginário. Só assim poderemos
estar no momento presente, este momento único onde a vida acontece e o insight é possível. Nenhum
insight é possível no passado ou no futuro. O insight só acontece no presente. As percepções e as
compreensões só são possíveis no presente, só se dão no presente.

Somente com nossas atenções voltadas para o momento presente, com a mente tranqüila, sem
esperanças, sem desejos, sem agitação, é que podemos perceber que nada nos falta, que nada está
acontecendo, que não há lugar algum para irmos. E daí surge o contentamento e a satisfação, a felicidade.

Ao percebermos a magia do momento presente, todo os nossos esforços são dirigidos para este
espaço temporal real, e, com isso, evitamos fantasias, projeções, fugas, e esperanças vãs.

Não há planos a serem feitos, seja para daqui a um ou dez minutos, seja para amanhã ou para
daqui a um ou dez anos. O único lugar em que precisamos estar é o lugar onde realmente estamos, o lugar
que nos permite circular por dentro de nós mesmos, o lugar onde nos redescobrimos a cada dia, onde nos
deliciamos com a doutrina.

Porém quando buscar refúgio no Buda, Dhamma, e Sangha,


você verá com sabedoria as quatro nobres verdades -
sofrimento, a causa do sofrimento, a cessação do sofrimento,
e o nobre caminho óctuplo, o caminho para silenciar o sofrimento:
esse é o refúgio seguro, esse é o refúgio supremo, esse é o refúgio,
que se você buscar, ganhará a libertação de todo sofrimento.

(Dhammapada 192)
O Anel de Giges

Esta é uma alegoria narrada por Platão no Livro II de “A República”.

“Giges era um pastor que servia em casa do que era então soberano da Lídia. Devido a uma grande
tempestade e tremor de terra, rasgou-se o solo e abriu-se uma fenda no local onde ele apascentava o
rebanho. Admirado ao ver tal coisa, desceu por lá e contemplou, entre outras maravilhas que para aí
fantasiam, um cavalo de bronze, oco, com umas aberturas, espreitando através das quais viu lá dentro um
cadáver, aparentemente maior do que um homem, e que não tinha mais nada senão um anel de ouro na
mão. Arrancou-lho e saiu. Ora, como os pastores se tivessem reunido, da maneira habitual, a fim de
comunicarem ao rei, todos os meses, o que dizia respeito aos rebanhos, Giges foi lá também, com o seu
anel. Estando ele, pois, sentado meio dos outros, deu por acaso uma volta ao engaste do anel para dentro,
em direção à parte interna da mão, e, ao fazer isso, tornou-se invisível para os que estavam ao lado, os
quais falavam dele como se tivesse ido embora. Admirado, passou de novo a mão pelo anel e virou para
fora o engaste. Assim que o fez, tornou-se visível. Tendo observado estes fatos, experimentou, a ver se o
anel tinha aquele poder, e verificou que, se voltasse o engaste para dentro, se tornava invisível; se o
voltasse para fora, ficava visível. Assim senhor de si, logo fez com que fosse um dos delegados que iam
junto ao rei. Uma vez lá chegado, seduziu a mulher do soberano, e com o auxílio dela, atacou-o e matou-o,
e assim se tomou o poder.”

Esta aí um bom teste para nossas virtudes. O que faríamos nós se achássemos esse anel? A
resposta a esta pergunta normalmente discorre do porquê de ainda não termos poderes, do porquê de
ainda não estarmos preparados.

No caso do texto, o primeiro fato é que Giges saqueia o túmulo. Depois; o poder corrompe, ou traz à
tona nosso lado corrompido e podre.

Na questão de saquear e roubar, quem pode dizer que nunca fez? Cometemos este delito quando
pegamos um papel, um lápis ou uma caneta do trabalho sem pedir a ninguém, quando podemos fazer algo
bem feito e fazemos de qualquer forma.

Criticamos governo, patrões, etc, mas são eles apenas reflexos de nós mesmos, de tal maneira que
é só uma questão de oportunidade e de proporção. Como contribuintes nós sonegamos, como governantes
eles desviam a verba arrecadada. Como funcionários fazemos corpo mole, não valorizamos o emprego, e
como patrões eles não valorizam o empregado.

Platão diz no final do livro que devemos ser justos, com anel ou sem anel, o que parece claro.
O Grande Teatro da Vida

Em verdade, não somos nós mesmos em pelo menos 99% do tempo. Passamos quase todo o
tempo interpretando personagens.

No ambiente de trabalho, por exemplo, assim que o sujeito atravessa a porta, começa a representar
seu papel de funcionário, de acordo com o cargo que ocupa. E, assim, gerentes representam papéis de
gerentes ou de chefes; secretárias representam papéis de secretárias; assistentes representam papéis de
assistentes, tal como ocorre com cada um dos diversos integrantes do quadro funcional de uma empresa:
para cada cargo, um papel. E todos esses papéis possuem várias matizes. Um gerente pode ser bravo ou
compreensivo, simpático ou arrogante, tolerante ou repressor. Uma secretária pode ser sóbria ou
comunicativa, descontraída ou recatada, intelectualmente pedante ou humilde.

Em casa, as pessoas também representam seus papéis. Marido, esposa, pai, mãe, filho, filha são
os papéis mais comumente representados no cenário doméstico. Também neste caso existem várias
matizes para os papéis desempenhados.

Nas instituições de ensino, nos templos religiosos, no meio político, na polícia, na justiça, em
qualquer segmento social, veremos indivíduos representando seus papéis: mestres, guias espirituais,
defensores da nação, homens da justiça, defensores públicos, etc.

Enfim, no cenário da vida, todos estamos representando os nossos papéis. Raramente


conseguimos interpretar a nossa própria verdade. Não conseguimos ser o que realmente somos no
desempenho de nossas atividades. Insistimos em assumir papéis, representar papéis, e acabamos por nos
identificar com os personagens criados, que várias vezes são múltiplos.

Quando nos identificamos com um papel, queremos defender o personagem, ou seja, o conceito
que construímos de “pai ideal”, “chefe ideal”, “mãe ideal”, “filho ideal”, etc. Tornamo-nos apegados a esse
papel, que consideramos perfeito e que deve ser adorado por todos. Afinal, nós o adoramos, nós nos auto-
adoramos, adoramos a nossa criação.

Fazemos o mesmo em relação aos papéis dos outros. Definimos o papel perfeito para um filho, uma
esposa, um chefe, e, quando esses personagens fogem do script imaginado como ideal, ficamos irados,
magoados. Reagimos, achando-nos no direito de nos vingar e sair do script também.

A criação do ideal é uma maneira de fugir do presente, é o medo da realidade. Criamos estes
papéis idealizados para podermos viver escondidos da realidade. Se pudéssemos ver como realmente
somos, provavelmente, a vida não seria possível para a maioria de nós.

Nesse teatro, a espontaneidade praticamente desaparece. Cercados e assombrados por nossos


medos, nossas experiências, nosso passado, não sobra espaço para ela. Não agimos em função das
situações apresentadas, mas de acordo com o passado.

Baseados em nossas experiências, em nossas memórias de situações que foram distorcidas pela
mente, pelos egos, definimos conceito e preconceitos. Definimos em nossa mente, por exemplo, o conceito
de como deve ser o gerente ideal ou o gerente que gostaríamos de ser, ou da figura dos pais ideais ou dos
pais que gostaríamos de ser. E então, passamos a representá-los, de acordo com o conceito criado.

Os pais, os professores, a sociedade, a televisão, certamente ajudam, e muito, na formação de


nossos personagens. Assim, criamos, ou criam para nós, roteiros a ser encenados: uma mãe tem que ser
assim, um pai tem que ser assado; é preciso casar e ter filhos, é preciso cuidar dos filhos de tal maneira;
patrão deve ser assim, empregado deve ser assado; é preciso trabalhar, estudar... São milhares de “tem
que”, “deve ser” e “é preciso”.

Devemos eliminar todos os "tem que" de nossa mente, acabar com o condicionamento imposto
pelos pais, pelos professores, pela televisão, pela religião, pela sociedade.

Infelizmente, somos assim. Reprimimos o outro porque somos reprimidos, porque acreditamos em
padrões pré-estabelecidos, em idéias erradas. E, ao vivermos essa vida de repressão, de representação, ao
vivermos fazendo tipos, vamos deixando de lado nossa felicidade e nós mesmos.
Em tudo isso, o pior papel é o papel de si mesmo. Essa representação é como a daquele ator que
exagera em sua dramatização.

Toda essa representação acontece naturalmente e de forma muito inconsciente. Aqueles que
conseguem perceber este processo de forma consciente, geralmente são pessoas que não têm amor nem
compaixão. Acabam por fazer esse teatro de forma intencional, conduzindo, controlando e manipulando
terceiros. Só que essas pessoas podem se esquecer de que, assim como elas, outras pessoas também
podem ter consciência de sua representação.

No palco da vida, quando somos nós mesmos, causamos estranheza aos olhares alheios, pois
todos esperam que representemos o nosso papel. E, no caso de insistirmos em expor a nossa verdade,
corremos o risco de ser retirados da cena, do palco, da peça ou até mesmo do teatro, dependendo dos
personagens com os quais estamos contracenando.

No teatro da vida, agimos como crianças brincando de casinha. Choramos, esbravejamos, quando
os outros não agem como achamos que deveriam agir em seus papéis. As crianças que brincam de
casinha, pelo menos, combinam antes o que cada uma delas vai fazer. Já em nosso caso, montamos tudo
em silêncio no imaginário e queremos que todos adivinhem.

Os motores que dão a partida e movimentam esses papéis são, como sempre, o desejo, a auto-
imagem, a auto-importância, o amor próprio e o apego.

Precisamos entrar em contato com o nosso verdadeiro Ser e perceber que somos algo mais. Só
assim poderemos parar de interpretar aquilo que não somos e ser nós mesmos o tempo todo.

Uma escritora seguidora de Jung escreveu:

Então você fica sabendo que nunca poderá ser outra coisa senão você mesmo, que nunca poderá
perder-se e que nunca se alienará de si. Isto é assim porque você sabe que o eu é indestrutível, que é
sempre um e o mesmo, que não pode ser dissolvido nem trocado por outra coisa. O eu lhe permite
permanecer o mesmo em todas as condições de sua vida.
O Mito da Caverna

O “Mito da Caverna” é uma alegoria contada por Platão no Livro VII de “A República”. Reproduzi-
lo aqui é a forma mais enriquecedora e bela de iniciarmos esta reflexão.

Sócrates – Figura-te agora o estado da natureza humana, em relação à ciência e à ignorância, sob
a forma alegórica que passo a fazer. Imagina os homens encerrados em morada subterrânea e cavernosa
que dá entrada livre à luz em toda extensão. Aí, desde a infância, têm os homens o pescoço e as pernas
presos de modo que permanecem imóveis e só vêem os objetos que lhes estão diante. Presos pelas
cadeias, não podem voltar o rosto. Atrás deles, a certa distância e altura, um fogo cuja luz os alumia; entre o
fogo e os cativos imagina um caminho escarpado, ao longo do qual um pequeno muro parecido com os
tabiques que os pelotiqueiros põem entre si e os espectadores para ocultar-lhes as molas dos bonecos
maravilhosos que lhes exibem.

Glauco – Imagino tudo isso.

Sócrates – Supõe ainda homens que passam ao longo deste muro, com figuras e objetos que se
elevam acima dele, figuras de homens e animais de toda a espécie, talhados em pedra ou madeira. Entre
os que carregam tais objetos, uns se entretêm em conversa, outros guardam em silêncio.

Glauco – Similar quadro e não menos singulares cativos!

Sócrates – Pois são nossa imagem perfeita. Mas, dize-me: assim colocados, poderão ver de si
mesmos e de seus companheiros algo mais que as sombras projetadas, à claridade do fogo, na parede que
lhes fica fronteira?

Glauco – Não, uma vez que são forçados a ter imóveis a cabeça durante toda a vida.

Sócrates – E dos objetos que lhes ficam por detrás, poderão ver outra coisa que não as sombras?

Glauco – Não.

Sócrates – Ora, supondo-se que pudessem conversar, não te parece que, ao falar das sombras que
vêem, lhes dariam os nomes que elas representam?

Glauco – Sem dúvida.

Sócrates – E, se, no fundo da caverna, um eco lhes repetisse as palavras dos que passam, não
julgariam certo que os sons fossem articulados pelas sombras dos objetos?

Glauco – Claro que sim.

Sócrates – Em suma, não creriam que houvesse nada de real e verdadeiro fora das figuras que
desfilaram.

Glauco – Necessariamente.

Sócrates – Vejamos agora o que aconteceria, se se livrassem a um tempo das cadeias e do erro
em que laboravam. Imaginemos um destes cativos desatado, obrigado a levantar-se de repente, a volver a
cabeça, a andar, a olhar firmemente para a luz. Não poderia fazer tudo isso sem grande pena; a luz, sobre
ser-lhe dolorosa, o deslumbraria, impedindo-lhe de discernir os objetos cuja sombra antes via.

Que te parece agora que ele responderia a quem lhe dissesse que até então só havia visto
fantasmas, porém que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, via com mais
perfeição? Supõe agora que, apontando-lhe alguém as figuras que lhe desfilavam ante os olhos, o
obrigasse a dizer o que eram. Não te parece que, na sua grande confusão, se persuadiria de que o que
antes via era mais real e verdadeiro que os objetos ora contemplados?

Glauco – Sem dúvida nenhuma.

Sócrates – Obrigado a fitar o fogo, não desviaria os olhos doloridos para as sombras que poderia
ver sem dor? Não as consideraria realmente mais visíveis que os objetos ora mostrados?
Glauco – Certamente.

Sócrates – Se o tirassem depois dali, fazendo-o subir pelo caminho áspero e escarpado, para só o
liberar quando estivesse lá fora, à plena luz do sol, não é de crer que daria gritos lamentosos e brados de
cólera? Chegando à luz do dia, olhos deslumbrados pelo esplendor ambiente, ser-lhe ia possível discernir
os objetos que o comum dos homens tem por serem reais?

Glauco – A princípio nada veria.

Sócrates – Precisaria de algum tempo para se afazer à claridade da região superior. Primeiramente,
só discerniria bem as sombras, depois, as imagens dos homens e outros seres refletidos nas águas;
finalmente erguendo os olhos para a lua e as estrelas, contemplaria mais facilmente os astros da noite que
o pleno resplendor do dia.

Glauco – Não há dúvida.

Sócrates – Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, em estado de ver o próprio sol, primeiro refletido
na água e nos outros objetos, depois visto em si mesmo e no seu próprio lugar, tal qual é.

Glauco – Fora de dúvida.

Sócrates – Refletindo depois sobre a natureza deste astro, compreenderia que é o que produz as
estações e o ano, o que tudo governa no mundo visível e, de certo modo, a causa de tudo o que ele e seus
companheiros viam na caverna.

Glauco – É claro que gradualmente chegaria a todas essas conclusões.

Sócrates – Recordando-se então de sua primeira morada, de seus companheiros de escravidão e


da idéia que lá se tinha da sabedoria, não se daria os parabéns pela mudança sofrida, lamentando ao
mesmo tempo a sorte dos que lá ficaram?

Glauco – Evidentemente.

Sócrates – Se na caverna houvesse elogios, honras e recompensas para quem melhor e mais
prontamente distinguisse a sombra dos objetos, que se recordasse com mais precisão dos que precediam,
seguiam ou marchavam juntos, sendo, por isso mesmo, o mais hábil em lhes predizer a aparição, cuidas
que o homem de que falamos tivesse inveja dos que no cativeiro eram os mais poderosos e honrados? Não
preferiria mil vezes, como o herói de Homero, levar a vida de um pobre lavrador e sofrer tudo no mundo a
voltar às primeiras ilusões e viver a vida que antes vivia?

Glauco – Não há dúvida de que suportaria toda a espécie de sofrimentos de preferência a viver da
maneira antiga.

Sócrates – Atenção ainda para este ponto. Supõe que nosso homem volte ainda para a caverna e
vá assentar-se em seu primitivo lugar. Nesta passagem súbita da pura luz à obscuridade, não lhe ficariam
os olhos como submersos em trevas?

Glauco – Certamente.

Sócrates – Se, enquanto tivesse a vista confusa – porque bastante tempo se passaria antes que os
olhos se afizessem de novo à obscuridade – tivesse ele de dar opinião sobre as sombras e a este respeito
entrasse em discussão com os companheiros ainda presos em cadeias, não é certo que os faria rir? Não
lhe diriam que, por ter subido à região superior, cegara, que não valera a pena o esforço, e que assim, se
alguém quisesse fazer com eles o mesmo e dar-lhes a liberdade, mereceria ser agarrado e morto?

Glauco – Por certo que o fariam.

Sócrates – Pois agora, meu caro Glauco, é só aplicar com toda a exatidão esta imagem da caverna
a tudo o que antes havíamos dito. O antro subterrâneo é o mundo visível. O fogo que o ilumina é a luz do
sol. O cativo que sobe à região superior e a contempla é a alma que se eleva ao mundo inteligível. Ou,
antes, já que o queres saber, é este, pelo menos, o meu modo de pensar, que só Deus sabe se é
verdadeiro. Quanto à mim, a coisa é como passo a dizer-te. Nos extremos limites do mundo inteligível está
a idéia do bem, a qual só com muito esforço se pode conhecer, mas que, conhecida, se impõe à razão
como causa universal de tudo o que é belo e bom, criadora da luz e do sol no mundo visível, autora da
inteligência e da verdade no mundo invisível, e sobre a qual, por isso mesmo, cumpre ter os olhos fixos para
agir com sabedoria nos negócios particulares e públicos.

Glauco – Concordo também, até onde sou capaz de seguir tua imagem.

Sócrates – Continuemos pois – disse eu – Concorda ainda comigo, sem te admirares pelo fato de
os que ascenderam àquele ponto não quererem tratar dos assuntos dos homens, antes se esforçarem
sempre por manter a sua alma nas alturas.É natural que seja assim, de acordo com a imagem que
delineamos.

Glauco – É natural – confirmou ele.

Sócrates – Ora, pois! Entendes que será caso para admirar, se quem descer destas coisas divinas
às humanas fizer gestos disparatados e parecer muito ridículo, porque está ofuscado e ainda não se
habituou suficientemente as trevas ambientes, e foi forçado a contender, em tribunais ou noutros lugares,
acerca das sombras, e a disputar sobre o assunto, e sobre o que dispõe ser a própria justiça quem jamais a
viu?

Glauco – Não é nada de admirar.

Sócrates – Mas quem fosse inteligente – redargüi – lembrar-se-ia de que as perturbações visuais
são duplas, e por dupla causa, da passagem da luz à sombra, e da sombra à luz. Se compreendesse que o
mesmo se passa com a alma, quando viesse alguma perturbada e incapaz de ver, não riria sem razão, mas
reparava se ela não estaria antes ofuscada por falta de hábito, por vir de uma vida mais luminosa, ou se,
por vir de uma maior ignorância a uma luz mais brilhante, não estaria deslumbrada por reflexos
demasiadamente refulgentes; à primeira deveria facilitar pelas suas condições e pelo seu gênero de vida;
da segunda, ter compaixão e, se quisesse troçar dela, seria menos risível essa zombaria do que se
aplicasse àquela que descia do mundo luminoso.

***

A caverna é o mundo sensível que habitamos, na medida em que não conhecemos a verdade, na
medida em que vemos apenas sombras e reflexos que tomamos por verdade.

Os grilhões são nossos conceitos e preconceitos, nossa confiança em nossos sentidos e opiniões,
nossa ilusão, nossos medos e repressões. Não poder voltar o rosto, não poder olhar de lado, corresponde a
não conseguir olhar para os outros, a ser egoísta e olhar somente para si mesmo.

Dar nomes as sombras é fazer julgamentos, rotular coisas e pessoas. Julgar que os ecos dos que
passam são as próprias sombras reverberando significa acreditar que nossas projeções são realmente os
outros, e que nada além disso é real.

E quando ao que assim julga a luz é revelada, descortinando-lhe a verdade de que o que via antes
eram apenas reflexos de si mesmo, ele nega ser igual às suas projeções e acredita que as pessoas
realmente são como imaginava.

A dor de ver a luz e a pena de se levantar representam o sofrimento de ver aquilo que
verdadeiramente se é. Desviar os olhos do fogo é negar a verdade.

Para poder ver as sombras sem dor é preciso saber discerni-las, bem como as imagens dos
homens e de outros seres refletidos sobre as águas, e, em seguida, erguer os olhos para a lua e para as
estrelas, contemplar os astros noturnos mais facilmente do que o que é visível ao resplendor do dia. E,
depois de desvendar os enigmas da noite, sentir-se apto a ver o próprio sol, primeiro refletido e então
diretamente. Assim, vamos compreendendo a vida, seus reflexos, vamos conhecendo a verdade aos
poucos. Primeiro, a verdade que pertence aos outros; depois, voltando o olhar direta e profundamente para
a nossa essência mais íntima, a verdade de nosso próprio ser.

O Mito da Caverna apresenta a dialética como movimento ascendente de libertação, de iluminação. Com
esta metáfora, Platão nos diz que não é possível ensinar sobre as coisas, pode-se apenas ensinar a procurá-las.

Os olhos foram feitos para ver, a alma, para conhecer. Os primeiros estão destinados à luz solar; a
segunda, à fulguração da idéia. A dialética é a técnica liberadora dos olhos do espírito.
O que significa o Amor?

Por vezes, o “amor” parece uma doença incurável, que causa muitas dores e muitas marcas...

Talvez não estejamos, neste caso, falando de amor verdadeiramente. O amor não dói, não aprisiona. A
paixão, sim, pode fazer isto. Mas paixão é um outro tipo de sentimento. Não podemos confundi-la ou misturá-la
com o sentimento puro de amor.

Se sentimos dor, é porque estamos apegados às pessoas, aos prazeres que elas nos proporcionam, às
contraditórias sensações que nos trazem. Não queremos perder essas sensações. É a possibilidade de tal
perda que dói, até muito mais do que a perda em si.

Na realidade, quem sente dor é o ego, a personalidade. O problema é que, como estamos identificados
com a personalidade, confundimos tudo.

As sensações são criadas a partir de projeções mentais que fazemos em relação a pessoas e coisas.
Assim, aquilo que muitas vezes chamamos de “amor” não passa de apego a sensações, apego a projeções
mentais, fascinação, fantasia.

Em nossas projeções, achamos que as pessoas são desta ou daquela maneira. Não as vemos como
verdadeiramente são. E o resultado desta visão distorcida é a desilusão, a frustração, a mágoa, a dor.

Nossos desejos, nossa sede de felicidade, de prazer, são tão grandes que não conseguimos enxergar
a verdade.

As sensações de prazer não estão apenas relacionadas ao sexo, embora seja este um componente
muito forte. Entram em cena também a sensação de aceitação, de segurança, de ser “normal” – ou seja,
compatível com conceitos e padrões impostos pela sociedade –, a sensação de estar feliz ou a simples
promessa, esperança, de sê-lo um dia. Essas sensações, por sua vez, trazem outras consigo, como a
sensação de superioridade, orgulho, vaidade.

É preciso perceber e compreender todas as trapaças desse mecanismo interno para que possamos
amar verdadeiramente. Do contrário, não iremos além das ilusões, das fantasias; continuaremos a sofrer e
sofrer. É preciso um profundo mergulho dentro de nós mesmos para conhecermos, por inteiro, nossa real
essência – a essência capaz de alcançar o amor verdadeiro.
Os Sete Pecados Capitais

Todas as grandes religiões falam de regras morais e ética, todas falam sobre o que devemos
cultivar, desenvolver e o que devemos evitar, eliminar.

No Cristianismo temos os Dez Mandamentos, trazidos por Moisés e reforçado pelo Cristo Jesus
com o ensinamento “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Também no Cristianismo temos os Sete
Pecados Capitais, os quais devemos evitar e eliminar.

São Tomás de Aquino (1225-1274) compilou sete das nossas maiores faltas em um grupo, que
denominou Os Sete Pecados Capitais. Estes pecados, dos quais muitos outros derivam, são: a gula, a
vaidade, a luxúria, a avareza, a preguiça, a ira e a inveja.

Os Sete Pecados Capitais têm sido alvo de muitas interpretações, servindo de referência e base
para quem busca trilhar o caminho do auto-conhecimento. E, para que sejam transformados em virtudes,
faz-se necessário, antes de tudo, conhecê-los, e depois buscá-los dentro de nós mesmos.

No Budismo encontramos As Quatro Nobres Verdades, O Caminho Óctuplo, As Paramitas. O


Budismo considera todos os sete pecados do Cristianismo, à exceção da luxúria, talvez porque este pecado
esteja estreitamente relacionado com os demais.

O “Bhagavad-Gita” nos contempla com as sábias palavras de Sri Krishna – fontes de inspiração e
estudo para várias religiões, como Hinduísmo e o Hare-krishna, por exemplo –, que afirmam ser a luxúria, a
avareza e a ira as três portas para o inferno.

A percepção das faltas que cometemos, a auto-observação, é o caminho mais indicado para que
esses pecados não nos dominem. Podemos ignorar ou considerar as pequenas faltas, mas é sempre
prudente levar em conta que é nas pequenas faltas que criamos e alimentamos defeitos que, em situações
que o favoreçam, se tornarão grandes faltas. Quem costuma cometer faltas leves, sem aprender com elas,
negando-se à oportunidade de adquirir sabedoria, ruma para incorrer futuramente em faltas graves, com
todos os retornos que estas podem trazer.

Enquanto não vencemos estes sete demônios internos, refugiamo-nos na ilusão de que somos
superiores – seja através do poder, da aquisição de bens, do sexo –, permanecemos na busca incessante
de compensações para a nossa incompreensão da existência, para o nosso vazio interior. E assim, ficamos
sempre a perseguir o sentido da vida fora de nós, buscando acumular riquezas, poder, matérias, prazeres,
sem nos darmos conta de que a maior riqueza, o maior tesouro, se encontra dentro de nós mesmos.

Recordemos as palavras de um sábio filósofo:

Sete são os obstáculos clássicos ou impurezas que, de acordo com tradição cristã, podem bloquear
nossa percepção do verdadeiro Sol de amor e alegria espirituais. Essas sete 'nuvens', por assim dizer, são
o orgulho, a inveja e a avareza (predominantemente no nível mental); a ira, a luxúria e a gula
(predominantemente no nível emocional); e a preguiça (predominantemente no nível físico).

...

Na sua presença nós perdemos, durante aquele período de tempo, a percepção daquele Sol
espiritual de amor e deleite, e assim separamos a nós mesmos dos outros. A necessidade de compartilhar a
bem-aventurança, que é amor, não parece estar ali, e nos sentimos solitários. Esta é apenas uma
percepção distorcida daquela unidade que permeia todas as coisas e todos os seres. Para evitar esta
distorção, nós não precisamos criar o amor, o que é tão impossível quanto criar o Sol, mas apenas evitar as
sete 'nuvens' mencionadas, não as nutrindo. Então, a glória do Sol será visível novamente. De fato, o Sol
esteve sempre brilhando, somente a nossa percepção estava bloqueada e não podia vê-lo. Portanto, para
evitar a formação de nuvens se requer uma vigilância, momento a momento, a fim de restabelecer a
percepção da unidade, como um novo nascimento, como o Cristo disse: 'Naquele dia sabereis que estou
em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós.

...
Os defeitos são como nuvens que se antepõe ao sol. A sabedoria é a arte de não deixar que estes
obstáculos, estas nuvens, se formem em nossa vida. Tais obstáculos matam a liberdade da alma,
aprisionam ela em estado depressivo.

Examinemos então a essência dos Sete Pecados:

Inveja: consiste, fundamentalmente, em negar o valor do outro, em projetar a negação do próprio


valor. Na inveja, desvalorizamos os méritos alheios por nos sentirmos inferiorizados. Sentimos raiva,
tristeza, por alguém ter algo que não temos, mas que gostaríamos de ter.

Ira: é marcada por raiva, ódio, irritação. É uma emoção totalmente destrutiva, tanto para quem a
sente como para quem se torna objeto dela. A ira faz com que agridamos terceiros, projetando este
sentimento contra nós mesmos.

Gula: é o exagero, a voracidade, no comer e no beber, mas também pode ser entendida como gula
existencial, no sentido de abocanharmos, sem comedimentos, tudo o que os olhos vêem e desejam.

Avareza: é o sórdido e excessivo apego ao dinheiro, é o medo de que bens materiais venham a
faltar, uma sensação contínua de escassez.

Orgulho: é uma mera ilusão de si mesmo, uma idéia exagerada e soberba daquilo que se é.

Luxúria: é a busca insaciável por prazeres, pela satisfação dos sentidos, não se restringindo
somente a prazeres sexuais.

Preguiça: é caracterizada pela lentidão ou falta de vontade para agir, trabalhar, realizar. É um
estado exagerado de inércia, marcado pela indiferença e apatia.

Os defeitos são manifestações da nossa ignorância, da nossa inconsciência, e estão todos dentro
de nós, são gerados sempre dentro de nós. Nenhuma resposta para os defeitos é encontrada fora de nós,
por mais que suas expressões sejam ou pareçam estar associadas a situações externas.

Diz Samael Aun Weor em “A Revolução da Dialética”:

Não há porque se resistir ao negativo e sim praticar o positivo incondicionalmente, ensinando suas
vantagens pela prática. Atacando o erro, provocaremos o ódio dos que erram.

...

Façamos luz, se é que queremos vencer as trevas.

A estas palavras, acrescentamos a sábia frase de Gandhi, para ilustrar as reflexões aqui
abordadas:

Os únicos demônios que existem no mundo são os que habitam o coração do homem, e é aí que a
Guerra Santa deve ser travada.

Analisando Os Sete Pecados Capitais sob a ótica budista, de maneira bem simplificada - mas não
superficial -, podemos concluir que: a inveja é o desejo de possuir o bem alheio; a ira nasce da frustração
dos desejos; a gula é um desejo voraz associado à necessidade de consumo; a avareza é o desejo de reter
tudo para si, de possuir todas as coisas; o orgulho é o desejo de ser reconhecido, aceito, adorado; a
luxúria é o desejo insaciável de prazeres, da satisfação dos sentidos, através das sensações; e a preguiça
é o desejo de nada fazer.
Por Que Não Mudamos?

De um modo geral, todo mundo acredita estar evoluindo, mudando, melhorando. Mas a triste
realidade é que, entra dia e sai dia, somos sempre os mesmos. São sempre os mesmos comportamentos,
os mesmos dizeres, as mesmas brincadeiras, as mesmas reclamações, os mesmos hábitos.

Nossos pensamentos e crenças são a causa de tudo o que nos acontece, são os agentes
desencadeadores de toda a realidade que nos cerca. Devemos mudar o paradigma de sermos vítimas para
o de sermos responsáveis por tudo o que nos acontece.

O processo do auto-conhecimento é lento. As barreiras que nos separam da verdade vão sendo
derrubadas gradualmente, e só então podemos perceber diretamente a responsabilidade que temos sobre
nós mesmos. Não é um caminho fácil.

Compreender as dificuldades da vida como lições a serem aprendidas é um enfoque diferente, é


uma mudança de paradigma.

Não mudamos porque buscamos em livros, palestras, doutrinas, seminários ou cultos apenas
a confirmação de nossas crenças. Não nos abrimos ao novo, ao que, na realidade, a vida tenta nos
passar, mostrar, ensinar. Nossas crenças nos levaram até onde estamos. Para seguirmos adiante,
precisamos quebrar os paradigmas atuais.

Precisamos questionar a realidade, questionar se os fatos devem ser realmente assim como se
apresentam aos nossos olhos, assim como os pensamos. Obviamente, enquanto continuarmos a repetir as
mesmas ações, nossos resultados serão sempre os mesmos, não há como ser diferente.

Não mudamos porque gostamos de ser como somos, porque estamos identificados com nossa
personalidade, porque estamos apaixonados por nós mesmos. Somos fascinados com o personagem que
construímos ao longo de toda uma vida. Temos um medo profundo de enxergarmos a realidade do que
somos.

Nossa forma de ser, nosso comportamento, nossos pensamentos, estão tomados por mecanismos
de defesa, adquiridos por meio de experiências, sofrimentos e dores vivenciados ao longo de nossa
existência. Fomos nos construindo, nos moldando, para evitar as sensações de dor e estimular as
sensações de prazer.

Não mudamos porque nos falta vontade, força, honestidade, sinceridade, capacidade de renúncia.
Uma mudança, uma transformação, significaria deixarmos de ser quem somos. E, como somos apegados a
nós mesmos, a o que somos ou ao que achamos ser, reagimos negativamente. Tememos nos transformar
em algo que não vamos gostar, em algo que os outros não vão gostar. Tememos perder o pouco que temos
ou achamos ter. Tememos ser rejeitados, perder a popularidade, a fama, o status, a consideração, os
prazeres. Tememos deixar de existir, nossos egos temem deixar de existir.

Satisfazemo-nos com nossa realidade. Os dias se sucedem e permanecemos os mesmos, sempre


os mesmos, não mudamos em nada. Cometemos os mesmos erros, erros que nem sabemos quais são,
rimos das mesmas piadas sem graça, reclamamos das mesmas coisas, humilhamo-nos sempre em
situações que se repetem. Sentimos medo e vergonha das mesmas coisas, nas mesmas circunstâncias ou
em circunstâncias parecidas. Irritamo-nos, ficamos nervosos, irados, indignados, brigamos e somos
agressivos com as mesmas pessoas, nas mesmas ocasiões. Demonstramos vaidade, arrogância e orgulho
nas mesmas situações. Reagimos sempre da mesma forma a insultos, críticas, ofensas ou elogios.
Passamos desapercebidos pelas mesmas coisas, pelos mesmos locais, como se estivéssemos
adormecidos, sonhando. Projetamos sempre as mesmas idéias, fantasiamos sempre as mesmas
histórias, sofremos com as mesmas expectativas, ficamos ansiosos pelas mesmas bobagens. Agimos
sempre da mesma forma egoísta e mesquinha, desrespeitamos sempre as mesmas regras, as mesmas
pessoas, não cuidamos do que dizemos e nem de como dizemos, repetimo-nos por inúmeras vezes. É
um quadro lamentável, e muitos que assim vivem ainda se consideram realizados, o que é um enorme auto-
engano. Este quadro, por si só, já reproduz a terrível imagem do sofrimento.

Muitos dizem que a vida é uma escola, que devemos aprender com ela, com as situações e com
os sofrimentos que ela nos impõe. Mas as situações se sucedem e nenhuma transformação ocorre. Todas
as propostas de mudança ficam apenas no imaginário, não existe ação efetiva, não existe transformação
verdadeira. Alguns, equivocadamente, se deixam convencer e se confortam com a idéia de que estão
mudando, de que estão evoluindo, de que a vida muito lhes tem ensinado, quando, na realidade, só estão
se tornando cada vez mais travados, cada vez mais embotados, mais infelizes. Não percebem que estão
criando mais e mais dispositivos de defesa, de travas mentais.

Geralmente, acreditamos que, por freqüentarmos uma religião, por conhecermos e seguirmos
certas teorias, doutrinas, conceitos morais e éticos, estamos mudando, evoluindo. Mas, na verdade, o que
estamos fazendo é apenas nos aprisionarmos em gaiolas mais bonitas.

Não mudamos porque nos auto-definimos, não mudamos por atribuirmos rótulos atraentes a nós
mesmos, por nos fascinarmos com esses rótulos, que nos levam a auto-adoração, o que impede-nos de
enxergar a realidade e de nos transformarmos verdadeiramente.

Por exemplo, se nos definimos, antecipadamente, como pessoas calmas, pacientes, tolerantes,
serenas, tranqüilos, estamos dificultando a nossa observação, o exercício do auto-conhecimento, que nos
permitiria detectar a nossa intranqüilidade, a nossa falta de serenidade, nossas irritações, medos,
ansiedade, expectativas e esperanças. Sem esta percepção, passamos a arrumar uma série de
justificativas, desculpas, explicações para as nossas faltas. E com um agravante: além das faltas anteriores,
agora nos falta também aceitação, honestidade, sinceridade, força.

Somos enganados pela auto-imagem, pelo amor próprio. Ficamos facilmente fascinados com
nossos personagens. Caímos no auto-engano. Quando uma situação se apresenta, ao invés de estarmos
presentes e nos auto-observarmos, partimos logo para a ação, tentando expressar serenidade. Agimos
falsamente, e sentimos prazer por termos conseguido transmitir a imagem de alguém sereno; chegamos
mesmo a nos surpreender com o fato de termos mudado tanto, evoluído tanto; admiramo-nos do quanto
somos calmos e serenos e de termos conseguido nos manter assim durante toda a situação. Acreditamos
piamente que nos saímos bem. Com isso, projetamos nossas ilusões, nossas fantasias, para os outros.
Achamos que todos estão admirados de sermos assim tão serenos, que nos tomam como exemplos, que
nos apreciam. E então somos tomados por confortáveis sensações às quais nos apegamos, e acreditamos
ser esta a nossa realidade. Mas tudo não passa de projeções mentais, nós é que nos admiramos, nós é
que nos auto-adoramos, que nos envaidecemos e nos enchemos de orgulho. Para piorar, se, depois de
tudo, alguém ainda nos elogia, o embotamento aumenta. É como assinassem embaixo de nossas ilusões,
de nossas projeções mentais. Precisamos renunciar a tais sensações, projeções, ilusões.

Na verdade, o que temos é excesso de amor próprio. Tal qual artistas no palco, queremos
aplausos. Não percebemos que estes aplausos são caras, bocas, tapinhas nas costas, elogios, bajulações.

Precisamos expandir esses exemplos, precisamos explorá-los e compreendê-los, precisamos


meditar muito, rogar a essa Divindade Interior maravilhosa, à nossa Mãe Divina, ao nosso Pai Interno, que
nos livre do auto-engano, da ilusão, e nos mostre a verdade.

Não mudamos apenas quando só uma parte de nós quer mudar e as outras continuam a fazer as
mesmas coisas, a se comportar do mesmo jeito. Se assim acontece, é porque não estamos plenamente
decididos a mudar, não estamos aptos a renunciar a nós mesmos, a nossos desejos, a nossas ilusões e
prazeres fugazes. Se assim acontece, não nos entregamos, não nos empenhamos em busca de uma
mudança, de uma transformação, pois certamente não estaremos dispostos a abrir mão de assistir nossos
filmes, novelas, futebol, jogos; não estaremos dispostos a abrir mão das diversões, dos passatempos
habituais, em nome dessas novas práticas.

Se quisermos operar em nós mesmos alguma mudança real, precisamos de práticas diárias. Ao
final de cada dia, devemos analisar e refletir sobre o que se passou, sobre gestos, palavras, situações,
cenas e cenários. E precisamos ser extremamente auto-críticos. Precisamos meditar sobre as cenas de ira,
luxúria, orgulho, inveja, gula ou de outras situações faltosas, sem alegorias ou escapes.

Não mudamos porque inventamos desculpas para não mudarmos, para justificar nossa
incapacidade de mudar, nossa fraqueza, nossa falta de coragem de olhar para dentro de nós mesmos.
O demônio da má vontade atua em nós de forma muito astuta. Algumas linhas religiosas ou filosóficas
retratam o homem como um ser essencialmente bom, outras como um ser essencialmente mau. Se o
homem é essencialmente bom ou mau, não vem ao caso agora. Seja ele bom ou mau, o fato não nos
impede de olharmos para dentro de nós e enxergarmos a vergonha, o medo, a violência, a ignorância, a
falsidade, a fraqueza, a maldade, a ira, a inveja, a avareza, a gula atuando em nosso ser. Conceituar a
essência do homem como boa ou má é só uma idéia, uma idéia que nos limita muito, como qualquer
outra idéia, conceito, preconceito, definição ou auto-definição. O medo, o sofrimento, a vergonha, o orgulho,
a ira, a ansiedade, a gula, a inveja são os mesmos, seja para que acreditam que o homem é
essencialmente ruim ou para os que acreditam que o homem é essencialmente bom, seja para os cristãos,
budistas, maometanos, hinduístas, seja para os brancos, pretos, morenos, amarelos, vermelhos. O
objeto desses sentimentos indesejáveis pode mudar, mas isso não muda nada.

Apontamos erros e defeitos naqueles nos cercam e não nos damos conta da lei da atração, não
nos damos conta das projeções. Aquilo que poderia ser uma ótima oportunidade de auto-conhecimento
passa a servir apenas para alimentar ainda mais a nossa vaidade, nossa auto-adoração, nosso amor-
próprio.

Não mudamos porque lemos e ouvimos falar sobre erros, sobre maus comportamentos, sobre
comportamentos equivocados, mas, como nos auto-adoramos, nada vemos de errado em nós mesmos.
Voltamos os olhar crítico somente para os outros, e com esse olhar julgamos e censuramos os que vivem
ao nosso redor.
Raiva de Tudo

Domine a raiva com a serenidade;


o mal com o bem;
a mesquinharia com a generosidade;
a mentira, com a verdade.
(Dhammapada 223)

O desejo não realizado leva à frustração. A frustração leva à raiva. A raiva leva ao endurecimento
do coração e ao desejo de vingança. A vingança leva à maldade. Raiva e desejos de vingança ocorrem em
função do apego ao próprio objeto gerador da raiva, do qual queremos nos vingar. E com este objeto
competimos, na incansável tentativa de superá-lo.

Ao refletirmos sobre cada objeto, é possível identificar determinados aspectos da ira que ele
despertou. Dependendo do objeto, um aspecto pode se mostrar mais perceptível do que outros. E esses
aspectos que nos são compreensíveis não devem ser deixados de lado, devemos utilizá-los em outras
reflexões.

A mente transfere a ira para outros objetos, o que dificulta ou impossibilita uma análise pertinente.
Logo, não podemos perder de vista o pressuposto de que a ira é fruto de um desejo frustrado. Uma análise
dos opostos também pode ajudar.

Também é importante observar que não precisamos aguardar por uma explosão de raiva, por um
ataque de ira, para então começarmos a analisar e buscar a compreensão dos fatos. Podemos tentar
relembrar os momentos de irritação, frustração, descontentamento, insatisfação, tristeza, indignação,
mágoas, ressentimentos, desejos de vingança e inconformismo do passado, e trabalharmos sobre eles. A
raiva se esconde atrás de múltiplas e diferentes roupagens.

Em um dado ponto das reflexões pode ser necessário recorrer à abstração, de modo a direcionar a
reflexão para a raiva em si, já que os objetos dela podem limitar a percepção, a compreensão.

O mundo, com suas luzes, cores, com seus brilhos e encantos, desperta em nós os desejos,
levando-nos à busca de uma satisfação que nunca acontece. E, desta forma, acabamos por nos frustrar
com o mundo. E esta frustração nos leva a ter raiva do mundo e a planejar vinganças. Passamos a competir
com o mundo, com a vida. Em nossas fantasias, queremos superar o mundo, e o resultado disto é que
ficamos irritados e nem sabemos por quê. Todos que nos cercam sofrem conosco, pois transferimos para
eles essa nossa raiva do mundo. Queremos nos vingar do mundo através de tudo e de todos que o
habitam.

Isso tudo ocorre porque continuamos a acreditar nas ilusões mundanas. Ou seja, num primeiro
momento, alimentamos as ilusões e as desejamos; em seguida, passamos a odiá-las. E assim invertemos
todo o processo. Se pudéssemos compreender as ilusões apenas como ilusões, nada disso aconteceria.

Precisamos perceber que tudo ocorre dentro de nós mesmos, e que estamos apenas transferindo
nossos anseios para objetos externos, para objetos do mundo externo.

Não é possível competir com o mundo ou com a vida. Isso é uma grande tolice. Assim como é tolo
discutir com quem nos insulta, trocar ofensas. Todos esses impasses são armadilhas o mundo usa para nos
enganar e nos manter aprisionados. Portanto, a melhor forma de vencer o mundo é renunciar a ele, assim
como a melhor forma de vencer os nossos agressores é renunciar à discussão, renunciar à disputa pelo
monopólio da razão, à vitória, à superioridade; é manter a serenidade e uma certa indiferença – que não
significa nem desprezo, nem superioridade; que não significa uma forma de vingança, nem tampouco uma
tentativa de vencer.

Toda expressão de raiva é uma forma de vingança.

Precisamos compreender as dificuldades da vida como lições a serem aprendidas. Em verdade,


como nos ensina o Budismo, esta é uma reta visão sobre o sofrimento, e a retidão de tal visão enche-nos
de gratidão. Se passamos a encarar as dificuldades da vida como lições a serem aprendidas, se passamos
a priorizar na vida o aprendizado e a evolução, então a ofensa, a agressão e as pressões deixam de existir,
existirão apenas os aprendizados. Mas se, ao contrário, ficamos nervosos, irritados, se insistimos em
maldizer algo ou alguém, é porque o aprendizado não é o fator mais importante. Neste caso, o fato de ser
bem tratado, elogiado, reconhecido, aceito, adorado, passou a ter mais importância do que o aprendizado.
E isso é a manifestação expressa da própria auto-importância.

A gratidão, a satisfação, o contentamento, a bondade, nascem da percepção do real, da renúncia


ao irreal, da entrega, da devoção. Tudo é como deveria ser, tudo está como deveria estar. Somos o único
inimigo a quem devemos derrotar. Somos nossos inimigos quando não nos conhecemos e atrapalhamos o
fluxo da vida. A vida não tem nada de errado, nós é que destruímos e atrapalhamos o seu curso; nós é que
tendemos a tudo controlar, a tudo julgar. A vida segue suas leis naturais, e tudo o que fazemos é perturbar
essas leis. Na vida não existem ganhos ou perdas, tudo não passa de uma grande ilusão. Existem apenas
aprendizados.

As verdadeiras virtudes não provenientes de sentimentalismos baratos ou de apelos emocionais.


Estes devem ser eliminados. Mas devemos cuidar para não confundir a eliminação desses sentimentos com
o endurecimento do coração. No lugar dessas manifestações apelativas devem nascer sentimentos e
emoções puras, vindas do fundo do coração. Não podemos descontar em terceiros nossa raiva, nossas
frustrações, nossas mágoas e ressentimentos; não podemos dar vazão às nossas vinganças, alegando que
assim agimos porque fomos tomados por impulsos sentimentalistas ou emocionais. Isso é um terrível auto-
engano. Ao agirmos assim, estamos apenas liberando de dentro de nós a maldade que estava reprimida
pela falsa moral, por normas de boa conduta e pelos ditos bons costumes. Nunca devemos nos esquecer
de que devemos nos abster de fazer o mal; devemos cultivar a bondade, a compaixão.

Na verdade, as pessoas são infelizes e sofrem porque viraram as costas para Deus. Revoltam-se
contra a Divindade e consideram-se injustiçadas. Esta raiva que as pessoas sentem por Deus é um
sentimento muito destrutivo, e se manifesta de forma tão sutil nos indivíduos, que eles oram, freqüentam
lugares considerados sagrados e acreditam-se devotos fiéis. Em cada sentimento de não aceitação, de
culpa, em cada preocupação, reclamação, crítica, expressão de raiva, em cada instinto de vingança,
sentimento de ódio, mágoa, em cada um desses ímpetos negativos está alojado o vírus da raiva pela
Divindade. A percepção deste processo já nos permite aliviar um pouco as nossas cargas, deixar o nosso
coração um pouco mais leve. Mas é somente o arrependimento sincero pode nos livrar realmente deste
terrível fardo.

As expressões de ira ocorrem porque temos uma visão equivocada sobre os eventos da vida,
porque nos identificamos com pensamentos equivocados, impregnados de maldade, vingança,
indelicadeza, estupidez, brutalidade. Muitos dos motivos – quando não todos – que nos levam à expressão
da ira poderiam se transformar em motivos para expressarmos virtudes, paciência, tolerância, compaixão e
bondade, se tivéssemos uma visão correta dos eventos da vida. Por exemplo: se sabemos que algo é
correto e explicamos ao outro o que deve ser feito, e este age contrariamente às nossas explicações, isso
não deve ser motivo de ira, mas de compaixão. Se o outro não ouve ou não entende nossas explicações,
por uma, duas, três ou N vezes, isso não deve ser realmente motivo para irritação, mas para o exercício da
paciência e da tolerância.
Sobre a Ansiedade

A ansiedade esconde diversos medos. É o estar preocupado com o segundo passo quando ainda
nem o primeiro foi dado. Precisamos perceber que somos nós mesmos que criamos a sensação de
ansiedade e depois a sensação de alívio.

Nossos estados internos são tão facilmente controlados pelas coisas externas que até mesmo um
relógio - que deveria servir apenas para referências -, pode facilmente alterar estes estados, gerando
ansiedade, pressionando-nos, criando um inferno dentro de nós mesmos a cada movimento do ponteiro.

Podemos perceber a ansiedade em nós nos mais simples movimentos do dia-a-dia, como por
exemplo na hora de comer. Mastigamos pensando na próxima garfada, comemos apressadamente, como
se alguém fosse retirar o prato dali. Na realidade, é uma pressa por algo que não existe. Podemos fazer
nossas tarefas rapidamente, mas sem ansiedade. O problema é que ficamos o tempo todo pensando no
próximo passo.

Podemos, ainda, detectar nossa ansiedade ao falar. Ela está presente quando falamos muito,
quando falamos demais, atropelando as palavras ou gaguejando. Quando alguém diz algo que desperta em
nossa mente alguma recordação, nos identificamos e ficamos ansiosos para falar, para mostrar que somos
iguais, que também tivemos esta ou aquela experiência.

A ansiedade também se faz notar quando não há o que fazer e ficamos inquietos. Começamos a
mexer os pés, balançar as pernas, tamborilar os dedos sobre as superfícies, mexer em canetas, moedas,
no cabelo, orelha, rosto, coçamos o que não esta coçando, e por aí vai.

Tudo isso é um processo de fuga do presente. Não conseguimos ficar parados, quietos, porque
estamos evitando olhar para nós mesmos, conviver conosco. Neste caso, parar, para nós, simboliza uma
morte. E tememos a morte. Temos necessidade de estar sempre fazendo coisas. E, quando não há o que
fazer, inventamos. Quando não há problemas que possamos resolver, criamo-los. Enfim, precisamos ter
sempre mil coisas para fazer: compromissos, problemas, diversões.

Outro exemplo de ansiedade latente é quando não conseguimos deixar o carro parado, silencioso,
diante de um semáforo sinalizando que está fechado para o motorista.

Ainda, podemos notar a ansiedade em certos hábitos, como fumar demais, roer as unhas, arrancar
a pele do dedo, olhar o relógio repetidamente, não ficar parado nos pontos de ônibus, plataformas de trem
ou hall de elevadores. Também a identificamos na ânsia de conhecer pessoas, nas entrevistas de emprego,
na preocupação de ir para um lugar bom após a morte, e mesmo na expectativa das condições
meteorológicas, ou seja, querer saber se vai chover, se vai ter sol, etc.

Quando vemos ou ouvimos alguma coisa, a mente traz à tona várias de nossas antigas
experiências, quando não todas, e relaciona-as com o assunto em questão. Durante uma conversa, por
exemplo, à medida que nos mencionam certos fatos, o pensamento nos direciona para situações do
passado. Por esta razão, vamos ficando ansiosos verbalizar nossas experiências. É a ansiedade de sermos
aceitos, é a identificação atuando em nós.

Estamos condicionados a agir desta forma, ou seja, de forma ansiosa. Possivelmente, algum medo
gerou este comportamento ansioso, em algum aspecto. E este comportamento vai nos contagiando, vamos
transferindo a experiência passada para outras coisas, para outras situações da vida. E então é hora de
refletir, de analisar quais são os medos que se escondem por trás de cada manifestação de ansiedade.

Geralmente, os sintomas da ansiedade são: palpitações, dores nas costas, euforia, agitação,
tensão, respirações curtas ou ofegantes, sudorese, insônia, frio na barriga, aperto no peito, incapacidade de
relaxar antes de dormir, entre outros.

A ansiedade pode ser desencadeada só de pensar no futuro, de fantasiar o futuro, de temer que
acontecimentos frustrantes do passado voltem a ocorrer, de desejar situações utopicamente felizes,
fantásticas, maravilhosas, distantes da realidade.

Existe em nós uma convicção natural de que, se analisarmos o futuro em todas as suas
possibilidades de erro, de dor e sofrimento, poderemos evitar o indesejável, poderemos controlar o futuro.
Acreditamos que podemos, com isso, controlar a vida. Assim, ficamos martelando situações imaginárias, na
ânsia de evitar o que não existe, o que não está acontecendo, o que não aconteceu, e que talvez nunca
venha a acontecer. E, por mais imaginárias que sejam essas situações, muitas vezes damos como certas
algumas dessas fantasias trágicas.

Ao criarmos condições artificiais para ficarmos felizes, para ficarmos em paz, geramos uma série de
expectativas, uma ansiedade para que nosso desejo logo se concretize e nos traga rapidamente essa
felicidade e essa paz que idealizamos. Devemos ser felizes agora tanto quanto possível. Devemos estar em
paz agora tanto quanto possível.

Toda expectativa gera ansiedade, toda expectativa é fuga da realidade, do presente, é falta de fé e
de confiança. É falta de se entregar à vida como ela se apresenta. Ao tentarmos repetir prazeres, evitar
dores e experiências passadas, ao invés de aproveitar as novas experiências que nos podem acontecer,
acabamos por nos imobilizar.

As mais simples tarefas se tornam complicadas, se transformam pontos de ansiedade. Ansiedade


de provar algo aos outros, de parecer aquilo que não somos, por uma questão primária de orgulho e
vaidade.

Até mesmo situações de alegria, como festas e comemorações são transformadas em sofrimento,
em ansiedade, em crise de nervos, devido às nossas expectativas. Fazemos comida em excesso para
evitar a possibilidade catastrófica, para nós, da falta de comida, para depois termos que jogar todo o
restante fora, desperdiçando-a. Ficamos aflitos com a expectativa da chegada dos convidados. Enfim, uma
festa, que, a princípio, deveria ser uma oportunidade de lazer, acaba se tornando uma doença.

Devemos parar e relaxar ao sentirmos que a ansiedade está prestes a nos dominar. Devemos
impedi-la de se instaurar em nós. Se ela em nada nos ajudou até agora, não há razão para querermos
alimentá-la.

Acreditamos que o fato de nos preocuparmos com algo significa ser responsável. Que pai é aquele
que não se preocupa com o desemprego, com a falta de dinheiro ou de comida? Que mãe é aquela que não
se preocupa com os filhos, com a família? É natural que todos se preocupem, que fiquem
momentaneamente ansiosos. Este é o padrão, este é o condicionamento.

Depois de um sem número de preocupações descabidas, de loucos momentos de ansiedade, o


“herói” se acha merecedor de reconhecimento por tudo o que fez, por sua dedicação, seu amor. Com isso,
soma à sua coleção uma nova expectativa, a expectativa do reconhecimento. Só que o “herói” se esquece
que ninguém lhe pediu para ficar preocupado, ansioso, muito pelo contrário. Então, por não obter o
reconhecimento esperado, ele se frustra e geralmente assume o papel de vítima.

Ficamos na expectativa, na esperança de que os outros venham a preencher as idéias que criamos.
Fazemos planos, nos esquecemos do real, pois nos é conveniente. Mas ninguém tem a obrigação de
atender às nossas expectativas, de realizar as nossas ilusões e fantasias. Ninguém tem a obrigação de ser
como idealizamos. E, como isso não acontece, a frustração é inevitável. Contrariados, colocamo-nos na
posição de vítima, declaramo-nos decepcionados com aqueles que não nos fizeram a vontade. Em nossa
loucura, não esperávamos essa atitude deles.

Precisamos perceber, ainda, como reagimos ao querermos nos livrar de uma situação ou de uma
conversa com alguém que nos desagrada ou quando estamos atrasados para dar-lhe atenção. Nossos
movimentos se tornam inquietos, agitamos as mãos e os pés, mexemos nas orelhas, no cabelo, no botão
da camisa, na gravata, na fitinha da blusa, coçamos a cabeça. Precisamos perceber cada um de nossos
movimentos, não porque lemos sobre isso ou porque nos disseram, mas porque esta é uma tarefa que deve
partir de nós mesmos. Precisamos observar e perceber como a ansiedade atua no nosso centro motor, por
que fazemos coisas desnecessárias, sem sentido, por que estamos fugindo. Precisamos perceber o que
nos deixa sem jeito, incomodados, envergonhados ou constrangidos, para então conseguirmos cortar a
conversa ou modificar a situação, sem problemas. Essas reações são sinais de um conflito interno, são
reflexos da ansiedade. Talvez tenhamos medo de desagradar, de ser indelicado, de magoar; talvez
estejamos vivendo um grande dilema, preocupados com nós mesmos, com a nossa auto-imagem, mesmo
sem perceber.
Sobre a Busca por Aceitação e Auto-afirmação

Mendigamos aceitação, humilhamo-nos na busca da sensação de sermos aceitos pelos outros.


Com isso, passamos a atribuir uma importância muito grande a tudo aquilo que os outros dizem, ao que
acham de nós. Este comportamento é o reflexo da nossa auto-importância, nosso orgulho.

Nessa infantil busca por aceitação e auto-afirmação, tentamos mostrar a todos o que sabemos
fazer, o que conseguimos fazer. Tentamos provar que somos superiores. Agimos como crianças, mas
estamos longe de ter a pureza delas. Temos, sim, muita malícia e esperteza, que nos levam a fazer jogos,
tramas, chantagens, a fazer papel de vítima.

A baixa estima é que gera essa busca incessante de aceitação. E, neste processo, tornamo-nos
escravos, fantoches fáceis de se controlar. Basta um elogio para nos sentirmos aceitos. Daí saímos fazendo
tudo que os outros querem.

Num dado momento, podemos até perceber este mecanismo. Mas, como não superamos
facilmente o sentimento de baixa estima, começamos a achar que os elogios a nós dirigidos não passam de
mentiras convenientes, que são somente uma tentativa de se aproveitarem de nossas fraquezas. Então
passamos a nos posicionar como vítimas, demonstrando uma baixa estima ainda mais grave.

Se não nos aceitamos, ficamos inseguros. Em conseqüência, saímos em busca de quem nos aceite
para compensar a nossa insegurança. Procuramos fora de nós a compensação para a nossa não aceitação.

E, para sermos aceitos, vale apelar para tudo o que chame atenção: roupas da moda, carros
bonitos, corpos perfeitos. Usamos esse tipo de compensação física e material por nos acharmos inferiores,
feios, inexpressivos, inadequados.

Agradamos, bajulamos, rastejamos; estamos dispostos a tudo pela aceitação alheia. Esforçamo-
nos para tentar ser ou parecer aquilo que esperam de nós. Pelos outros, ou melhor, por sua aceitação e
reconhecimento, nós nos sacrificamos, nós nos tornamos heróis a qualquer preço, violentamos nossa
natureza, nós nos humilhamos, imploramos perdão por falhas que nem sempre são nossas, abrimos mão
da própria vida, negamos o nosso Ser. Ao final, notamos que criamos uma personalidade idealizada, muito
distante da nossa verdadeira essência, tudo pela aceitação do outro.

Tudo o que fazemos para os outros é movido por segundas intenções, é com o objetivo de
agradarmos para sermos aceitos, bajulados, reconhecidos. Assim, cobramos elogios, agradecimentos,
reconhecimento. E, quando não nos dão o retorno esperado, ficamos com raiva.

Para sermos aceitos, achamos que devemos mudar, melhorar, evoluir, a qualquer custo. Agindo
desta forma, só nos violentamos e nos reprimimos. Passamos a nos fechar, temendo as críticas e a
rejeição. E assim se instaura um conflito interno, uma guerra contra nós mesmos, pois, se nos reprimimos,
nos rejeitamos.

A baixa estima nos leva a crer que aqueles que nos criticam são melhores, são superiores a nós.
Na verdade, são apenas pessoas reprimidas, que se cobram, que não se aceitam, e estão apenas
projetando suas fraquezas. Mas, cegos pela baixa estima, não conseguimos enxergar isso.

Quando não aceitamos alguma parte de nós, nos separamos desta parte. Identificamo-nos com
algumas partes e projetamos outras, criando assim a separatividade. Como conseqüência, desenvolvemos
uma necessidade de auto-afirmação de nossas idéias, uma forma de negar aquilo que existe em nós.

Sempre acreditamos que uma parte de nós é melhor do que outra, sempre gostamos mais de uma
parte do que de outra. Por esta razão, rejeitamos e nos antipatizamos com qualquer um se que mostre, que
se comporte de forma similar à parte que rejeitamos em nós. Desprezamos nos outros aquilo que não
gostamos em nós. Para vivermos em paz, precisamos aceitar cada um de nossos aspectos, os bons e o
maus, os que gostamos e os que não gostamos, evitando o apego aos aspectos considerados bons, ou
seja, os que gostamos de ter.

Na busca de aceitação, criamos situações complicadas, confusões, brigas, magoamos as pessoas,


sentimos raiva, acumulamos ressentimentos, transformamos os outros em veículos para a satisfação de
nossas necessidades de aceitação e auto-afirmação.
Na busca de aceitação, de auto-afirmação, desempenhamos papéis que não são nossos, tentando
nos adaptar a padrões pré-estabelecidos. Procuramos pessoas, grupos de pessoas, que tenham idéias,
dificuldades, limites e defeitos parecidos com os nossos. E, uma vez identificados com estas pessoas ou
grupos, conseguimos uma maior sensação de segurança e nos auto-afirmamos.

Rejeitamos, ridicularizamos, diminuímos, maldizemos as pessoas, os grupos, que apresentam


idéias, dificuldades, limites ou defeitos diferentes dos nossos. Esse tipo de reação faz com que nos
achemos melhores, superiores, e reforça a nossa auto-afirmação.

Na separatividade, nossas dificuldades, limites, defeitos, são melhores do que os dos outros; nossa
família é melhor do que a família dos outros; nossos amigos são melhores, nossas virtudes são maiores e
mais admiráveis, nossa religião é superior, nosso trabalho é mais nobre, nossos conhecimentos são mais
credenciados.

E, quando somos rejeitados, ou observamos alguém na mesma situação, nossos mecanismos de


defesa são acionados para ignorarmos a dor da rejeição, de forma a conseguirmos ser aceitos. Nessa
mendicância emocional, criamos falsos personagens, tentamos parecer o que não somos.

Por vivermos mendigando a aceitação alheia, vamos nos transformando em ninguém. Tentar ser o
que as pessoas esperam de nós só para obter sua aceitação, ou seja, tentar ser o que não somos, é ser
ninguém. E, nessa ciranda, o que somos dependerá sempre de uma situação, do lugar onde estamos e das
pessoas com quem interagimos.

Ao invés de nos esforçarmos para nos aproximar do Divino que existe dentro de nós, preferimos
buscar a aceitação dos outros, e isso, por sua vez, nos afasta cada vez mais do Divino que há em nós.
Negamos quem somos, negamos o nosso Ser, em nome da aceitação alheia, em nome de uma auto-
imagem fantasiosa, em nome de nossos egos. A verdade é que temos medo de ser quem somos, temos
vergonha de ser quem somos, em virtude do risco de sermos rejeitados.

Sobre isso, diz Cristo em Lucas 9:

24 – Pois quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim,
esse a salvará.

25 – Pois, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, e perder-se, ou prejudicar-se a si


mesmo?

26 – Porque, quem se envergonhar de mim e das minhas palavras, dele se envergonhará o Filho do
homem, quando vier na sua glória, e na do Pai e dos santos anjos.
Sobre a Caridade

Muito se fala sobre caridade. Preocupamo-nos em fazer doações, em fazer grandes obras.
Louvamos os que praticam grandes ações humanitárias. No entanto, não fazemos o mais simples, aquilo
que está ao nosso alcance a todo instante, ou seja: sermos educados, polidos, gentis, generosos, gratos ou
solidários. Não cedemos o lugar para os idosos, não deixamos as gestantes tomarem a frente nas filas,
corremos atropelando os outros ao subirmos escadas ou passarmos pelas portas, não damos passagem
para o carro que quer mudar de faixa, não doamos nem os nossos restos.

Nossa caridade, nossa bondade, nosso amor, estão sempre condicionados ao retorno, ao
reconhecimento. Agindo desta forma, o que fazemos é colocar o ego acima de tudo, atribuindo a ele uma
importância maior do que tais manifestações. O reconhecimento, o elogio, a aceitação dos outros, tornaram-
se mais importantes do que o ato caridoso ou gentil. O foco mudou.

Não somos humildes para aceitar ajuda dos outros, não somos humildade para ajudar. Não
reconhecemos a bondade dos outros, não somos gratos aos outros.

Quando alguém nos abre uma porta, nos cede passagem, ou nos faz um favor qualquer, ao invés
de aceitarmos seu gesto com humildade e agradecermos, somos capazes ainda de massacrá-lo com as
mais terríveis calúnias, chamando-o de puxa-saco, ridículo, interesseiro. Imaginamos que querem outros
favores em troca, ou que querem aparecer. Isto quando não resolvemos explorar a boa vontade alheia.
Enfim, tudo menos o simples, o mais acessível, o real.

Não há humildade. Não há caridade. Há, sim, uma falsa caridade, a caridade do fariseu que vive em
nossa psique. É essa a caridade que praticamos.

A caridade está nos gestos simples do cotidiano, como escutar alguém que precisa desabafar, que
não tem com quem conversar. A caridade está em se fazer presente e disponível. A caridade está em dar
um simples sorriso, um abraço sincero. E ela começa dentro de nossos próprios lares.

Sim, todos podemos ser verdadeiramente caridosos quando queremos, bastando para isso apenas
um pouco de boa vontade, bondade, educação, respeito, compaixão, etc. Mas não é o que se costuma ver.

Há quem decida fazer caridade para tentar ficar em paz com a sua “consciência”. É o caso
daqueles que fazem doações a instituições filantrópicas, sem se preocupar sequer com o destino de sua
doação - para quê ou para quem. Fazem um depósito ou pagam um boleto, e seguem achando que está
tudo bem, que já fizeram a sua parte. E ainda gabam-se de serem pessoas generosas por ajudarem o
próximo com a sua contribuição financeira.

A caridade deve ser vista como uma forma de participação no processo da vida, de colaboração
com o Todo. Isso ajuda a eliminar um pouco o fator de personalidade.

Mestre Samael coloca a caridade, o sacrifício pela humanidade, como um dos pilares de sua
doutrina ao estabelecê-la como terceiro fator de revolução da consciência. E quando Lhe perguntam sobre
a caridade, Ele diz:

Saiba que obras de caridade são as obras de misericórdia: dar de comer ao faminto, dar de beber
ao sedento, vestir o desnudo, ensinar o que não sabe, curar os enfermos, etc.

Ninguém é juiz para julgar, ademais a caridade não precisa de juiz. Isto faz parte do bom senso.
Dar de comer ao faminto é algo bastante humano porque até aos presos se lhes dá de comer, senão
morreriam de fome. Dar de beber ao sedento é algo lógico, já que seria demasiado cruel se negar um copo
com água a alguém com sede. Presentear com uma camisa o mal vestido é natural, consolar um aflito é
humano; para isso não se precisa de juízes. Contudo, seria absurdo dar-se álcool a um bêbado ou
emprestar armas a um assassino. Amor é lei, porém amor consciente.

A prática de boas ações, de caridade, de sacrifício pela humanidade, gera Dharma. E isso está
descrito em muitas das grandes religiões, como no budismo, no cristianismo, no hinduísmo. Mas estas
práticas não podem ser fruitivas, não podem visar os frutos, pois assim pode não haver frutos. Sobre isto,
diz Sri Krishna no “Bhagavad-Gita”:
A esmola oferecida a uma pessoa merecedora de tal benefício e que não possa retribuí-lo, com a
idéia de cumprir um dever e em tempo e lugar adequados, é sattvica.

Mas a esmola dada com expectativa de retorno ou recompensa, ou dada de má vontade, é rajasica.

A esmola distribuída a pessoas indignas, com ar desdenhoso, sem guardar as devidas atenções e
em tempo e lugar inoportunos, é tamasica.

Não se deve abandonar os atos de sacrifício, esmola e ascetismo. Tais obras devem ser praticadas,
pois o sacrifício, a esmola e o ascetismo são meios de purificação para o sábio.

Mas mesmo essas obras devem ser executadas de forma desinteressada, sem o menor apego a
ela ou a seus frutos. Esta é, filho de Prithâ, minha suprema e firme convicção.

Todo sacrifício, toda escola, toda mortificação, ou qualquer outro ato praticado sem fé é chamado
asat, filho de Prithâ, e é completamente nulo, tanto nesta vida como na futura.

Ainda sobre esta questão, diz o Cristo Jesus, em Mateus 6:

1. - Guardai-vos de fazer a vossa esmola diante dos homens, para serdes vistos por eles; aliás, não
tereis galardão junto de vosso Pai, que está nos céus.

2. - Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas
nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o
seu galardão.

3. - Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita;

4. - Para que a tua esmola seja dada em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, ele mesmo te
recompensará publicamente.

Assim, oferecer cada boa ação à Divindade é um ato de devoção, de gratidão, muito diferente dos
atos movidos por vaidade e orgulho. Demonstrar gratidão beneficia muito mais a própria pessoa do que os
outros.

Diz o Swami Vivekananda em "Karma Yoga":

A compaixão é a essência do céu. Para sermos bons, devemos ser clementes. Até a justiça e o
direito devem ser apoiados na clemência. Pensar em tirar proveito da obra que realizamos prejudica nosso
progresso espiritual; ainda mais: provoca a miséria. Há outra maneira de levar à prática a misericórdia e a
caridade altruísta: é considerar as obras como 'adoração' (quando cremos num Deus pessoal). Deste modo,
abandonamos o fruto de nossas ações ao Senhor; e, adorando assim, não temos o direito de esperar
nenhuma gratidão pelas obras que fazemos.

Olhando por um certo aspecto, deveríamos ser gratos aos pedintes, aos necessitados, aos
ignorantes, que nos possibilitam a prática da caridade, que abrem nossos corações e podem nos trazer
algum Dharma.

Existem muitas pessoas tremendamente necessitadas que criticam a caridade que recebem. Não
possuem nada, e ainda assim se mostram ingratas pelo pouco – ou muito – que recebem. Talvez por isso
nada tenham nunca. Falta-lhes humildade para receber uma doação, um favor, uma ajuda.

Neste ponto, parece interessante não perdermos de vista que uma doação visa suprir uma
necessidade, e não satisfazer a vaidade, o orgulho, os desejos, nossos ou dos outros.

Talvez a experiência da caridade, da genuína doação, seja capaz de transformar a percepção


daqueles que não sabem receber ajuda.

Um outro caso interessante é o daqueles que, por ajudarem, acreditam que os outros também
devem ajudá-los.

E aqueles que julgam mal, que criticam a caridade praticada pelos demais, são também ingratos, na
medida em que projetam uma série de defeitos próprios. Talvez falte-lhes a humildade necessária para
receber uma doação, um favor, uma ajuda. Talvez falte-lhes o respeito, pois cada um tem sua capacidade
de fazer doações, de praticar caridade. Mais do que isso, assim como existem capacidades de doação
diferentes, existem também os diferentes graus de necessitados. Nenhuma doação, por mais humilde que
seja, é desnecessária ou desprezível.

Só a própria pessoa sabe o que se esconde por trás de seu ato de caridade, embora haja algumas
que nem se dão conta.

Cada um de nós sabe quais são os demônios internos que interagem na prática de um ato de
caridade. Geralmente, entram em jogo o apego, a avareza, a mesquinhez, bem como o orgulho, a vaidade,
a arrogância, a superioridade, o medo ou a vergonha. Um ato de caridade pode esconder a quebra ou a luta
contra padrões, valores, conceitos e preconceitos que só o próprio agente sabe que tem em seu íntimo.
Assim, sob o aspecto interno, um simples ato de caridade, um humilde ato de caridade, pode esconder a
intenção de uma grande vitória, uma conquista, uma superação.

O esforço do ignorante ao fazer uma caridade, por pequena que seja, pode ser muito maior e mais
valioso do que o esforço do sábio ao dar tudo o que tem. Da mesma forma, a pequena doação de um pobre
tem mais valor do que a grande doação do rico, pois, ao contrário deste, o pobre geralmente doa com
sacrifício aquilo que fará diferença ou até mesmo falta em sua vida. Em síntese, há uma grande diferença
entre doar com sacrifício e doar a partir de sobras e restos, que não fazem falta.

Cabe aqui assinalar que aqueles que trabalham pela Causa da Fraternidade Universal, aqueles que
se sacrificam pela humanidade, são auxiliados pelos Mestres em seus trabalhos desinteressados de
caridade, fraternidade, sacrifício. Quem sabe sejam eles Seus agentes e não se dão conta disto? Alguns
podem ser misteriosamente auxiliados, inclusive em suas vidas particulares, e nem de longe desconfiarem
da grande retribuição Divina que recebem.
Sobre a Compaixão

Disse um grande sábio:

Compaixão é a prática do amor, é um comportamento de amor. Compaixão é ampliação do raio de


ação do que chamamos eu.

Enquanto não compreendermos o que se passa ao nosso redor, não estaremos habilitados a sentir
compaixão, estaremos apenas projetando nossos defeitos. Só quando percebemos a verdade dos fatos é
que podemos ter compaixão por aqueles que não a percebem. Na verdadeira compaixão não existe
projeção ou identificação.

Enquanto estivermos identificados, o perdão será impossível. Estaremos sempre contando as


mesmas histórias, as mesmas ladainhas. Estaremos sendo hipócritas ao negarmos, da boca para fora, um
ressentimento, sabendo que ele ainda está dentro de nós. Precisamos nos esforçar para vermos as coisas
sob outros ângulos, outros pontos de vista.

O que costuma acontecer, na verdade, é que nos apegamos a dor, ao sofrimento. E isto
impossibilita o perdão. A dor, neste caso, é reflexo de ressentimento, raiva, mágoa, que tende a nos colocar
no papel de vítima, de um herói não reconhecido.

Devemos, sim, ter compaixão pelo sofrimento alheio. Mas, algumas vezes, isto requer a não
identificação, senão iremos sofrer junto com os outros.

Diz H. P. Blavatsky, em “A Voz do Silêncio”:

A compaixão não é um atributo. É a Lei das leis – a harmonia eterna, o próprio Ser de Alaya, uma
essência universal sem praias, a luz da justiça eterna, o acordo de tudo, a lei do eterno amor.

Quanto mais com ela te unificares, fundindo o teu Ser no seu Ser, tanto mais a tua Alma se unirá
Áquilo que É, tanto mais te tornarás a Compaixão Absoluta.

E, ainda, um Grande Mestre:

Agora que os teus olhos foram abertos, algumas das tuas antigas crenças e cerimônias podem
parecer-te absurdas; talvez, na realidade, o sejam. Apesar, porém, de não poderes mais tomar parte nelas,
respeita-as por amor às boas almas para quem elas são ainda importantes. Têm o seu lugar e a sua
utilidade; assemelham-se às duplas linhas que, quando criança, te guiavam para escrever em linha reta e
na mesma altura, até que aprendeste a escrever muito melhor e mais livremente sem elas. Houve tempo
em que delas necessitaste; esse tempo, porém, já passou.
...
Um grande Instrutor escreveu certa vez: “Quando eu era criança, falava como criança, entendia
como criança; porém, quando me tornei homem, abandonei os modos infantis”. No entanto, aquele que
esqueceu a sua infância e perdeu a simpatia pelas crianças não é o homem que as possa instruir e ajudar.
Assim, olha a todos bondosamente, gentilmente, tolerantemente; porém, a todos da mesma forma, quer
sejam budistas, jainos, judeus, cristãos ou maometanos.

Em termos de compreensão da verdade, todos somos crianças. Aquele que percebe a verdade,
aquele que se torna homem, deve ter compaixão para com as crianças, uma vez que um dia já foi criança
também. Se um homem não consegue expressar compaixão, então sua mente ainda se encontra nublada
por seus egos.

No dia em que percebermos nossa vasta ignorância, nosso desconhecimento de tudo, nossa
nulidade, no dia em que percebermos o quanto nos auto-enganamos, poderemos alcançar o verdadeiro
sentimento de compaixão. Enquanto isto não acontece, estaremos presos, cegos, pelo orgulho, pela auto-
imagem, pela vaidade, pela auto-importância, impossibilitados de uma real compaixão, impossibilitados de
amar.

Mahatma Gandhi, um dia, afirmou:


Os únicos demônios que existem no mundo são os que habitam nossos corações, e é lá que a
Guerra Santa deve ser travada.

Ao dizer isso, quase no fim de sua existência, ele foi questionado sobre como estava se saindo em
sua batalha, ao que Gandhi sorriu e respondeu:

Oh! Mal, e por isso tenho compaixão dos outros canalhas deste mundo.

Nosso egocentrismo nos leva a crer que precisamos sempre sentir compaixão pelos outros, e nos
faz esquecer que os outros também devem ter compaixão para conosco. Talvez, saindo um pouco de
dentro de nós mesmos e sendo um pouco menos egoístas, possamos ter a percepção de que também
precisamos da compaixão dos outros, pois não somos tão santos e invulneráveis quanto acreditamos ser.
Esta percepção nos levará a relaxar e, por conseqüência, a ter muito mais compaixão para com os outros,
pois entenderemos que eles também devem tê-la conosco.

Um ponto importante, para o qual devemos sempre estar atentos, é o hábito de praticarmos a
compaixão como um sentimento proveniente de orgulho, vaidade, desprezo, ou seja, como uma tentativa de
nos colocarmos como melhores, como superiores.

Talvez a busca pela compreensão e pela verdadeira compaixão para com o próximo seja uma
chave para alcançarmos a verdade. Pode-se dizer que essa busca já é, em si, um ato de compaixão. Como
a compaixão nos leva a tirar o foco de nós mesmos, vamos percebendo gradualmente o mundo externo.

Conforme vamos nos conhecendo, conforme vamos compreendendo nossos medos e temores,
nossos desejos, sofrimentos, apegos, esperanças, expectativas, condicionamentos, vamos nos libertando
desses sentimentos, vamos conhecendo e aceitando melhor as pessoas à nossa volta, vamos
compreendendo por que elas sofrem, por que passam por determinadas situações. E então sentimos
verdadeiramente compaixão pelo próximo.

Precisamos compreender que, se agimos mal um, dia foi por ignorância, por forças inconscientes
que desconhecíamos. Se tivéssemos capacidade de reconhecer essas forças, de detectá-las, não teríamos
agido mal. Essa compreensão é fundamental para nos levar à compaixão, pois é em decorrência dela que
podemos perceber que a maioria das pessoas muitas vezes age mal por não compreender a vida, por
ignorância.

Também precisamos perceber dentro de nós mesmos a diferença entre pena ou piedade e
compaixão. São sentimentos distintos.

Compaixão está para "mais consolar do que ser consolado, compreender do que ser
compreendido". É sair mais de dentro de nós mesmos e olhar um pouco para os outros, quebrando assim
um pouco do nosso amor próprio, da nossa auto-importância.

Aquele que critica e reclama com freqüência certamente não se aceita. Cobra-se demais e projeta
sua auto-cobrança, sua não aceitação de si mesmo, sua auto-crítica. Provavelmente, está carregando um
pesado fardo de orgulho, auto-imagem, auto-importância, de apego a si mesmo e às suas idéias. Tudo isso
é motivo de tristeza, infelicidade, dor e sofrimento. Assim, temos que desenvolver em nós a compaixão e a
aceitação daqueles que criticam, ofendem, reclamam.

Um grande sábio disse:

Todas as pessoas querem as mesmas coisas que nós, como por exemplo a felicidade, todos
queremos ser felizes. Alguns passam dos limites e acabam passando por cima dos outros, buscam a
felicidade a qualquer preço, desrespeitando o próximo. Muitos fazem uma confusão entre felicidade e
prazer, mas felicidade não é prazer.

Não podemos impedir os outros de serem o que são, o máximo que podemos é perceber o estado
de animo dos nossos semelhantes. Se tivermos suficiente compreensão, sensibilidade, compaixão, até
podemos renunciar, ceder a vez a essas pessoas, por que para nós será mais importante nosso estado de
espírito, serenidade, paz, tranqüilidade, do que a fascinação momentânea por algo.

Enquanto não tivermos a consciência desperta, devemos aceitar os defeitos que vemos nos outros,
pois, desta forma, estaremos aceitando os nossos próprios defeitos, uma vez que o que vemos nos outros
são apenas projeções. Conforme praticamos a aceitação, a compaixão, a paciência, a tolerância, o respeito
para com os outros, as barreiras vão se rompendo. E então vamos nos percebendo mais e melhor, vamos
percebendo a projeção existente.

Assim como a verdadeira compaixão, o verdadeiro amor só aparece na ausência da identificação,


na ausência do ego. São sentimentos Divinos, enlevados, que não podem se manifestar na presença e
muito menos através do ego.

Quando estamos conscientes, fazemos sempre o correto, não existe divisão. Não existe julgamento
dos outros, a compaixão brota de forma plena e espontânea, com toda a sua grandeza. Assim acontece
porque, conscientes, sabemos que o outro foi levado à ação errada por inconsciência, ignorância.

Enquanto existir o medo dentro de nós, enquanto existir a preocupação com o “eu mesmo”, não
poderemos exercer a compaixão de forma verdadeira.

É nosso egocentrismo, nossa preocupação com nós mesmos, nossa auto-importância, nosso amor
próprio, que nos impede de olhar para os motivos que levam as pessoas a fazer o que fazem, de ver que os
outros também sofrem, de entender que agem de forma ignorante, inconsciente. É nosso egocentrismo,
nossa preocupação com nós mesmos, nossa auto-importância, nosso amor próprio, que nos impede de
termos uma verdadeira compaixão.

Todos dizem que o amor tudo pode e que a compaixão tem o poder de destruir a negatividade dos
outros, ou seja, que tem o poder de nos proteger. Mas usar a compaixão como forma de buscar algum tipo
de proteção é um auto-engano, é egoísmo. Se formos praticar a compaixão, pratiquemo-la por amor, por
devoção a Divindade, sem esperar algo em troca.
Sobre a Culpa

Tememos decepcionar os outros, sentimos culpa por decepcionar os outros. Mas uma pessoa não
pode decepcionar ou desiludir outra, se a ilusão criada não partiu dela. Seria uma grande tolice pensar
desta forma. Só que, muitas vezes, assumimos essas responsabilidades absurdas, movidos pela
necessidade de aceitação, de auto-afirmação, ou por acreditarmos que somos salvadores do mundo, que
aqui viemos para ajudar as almas perdidas. E isto, na realidade, só demonstra o nosso orgulho, a nossa
fantasia sobre nós mesmos, nossa fascinação, nossa auto-adoração.

Por causa da culpa, por nos acharmos salvadores do mundo, responsáveis por tudo e por todos,
estamos sempre tentando evitar que algo de errado venha a acontecer. Então, carregamos pesos enormes
sobre nossos ombros desnecessariamente.

Achamos que somos responsáveis pelos outros, que os outros não podem, não conseguem, agir
prudentemente sem a nossa ajuda. Muitas vezes até nos metemos a agir por eles, achando que iremos
salvá-los de um mal maior. Tal atitude revela uma tremenda arrogância de nossa parte. Agindo assim,
colocamo-nos como superiores, maiores, melhores, e jogamos para baixo aqueles a quem acreditamos
estar ajudando, menosprezamos suas capacidades. O pior é que achamos normal assumir tal postura,
convencidos de que estamos agindo por bondade, por compaixão.

Estamos sempre tentando evitar que os outros se magoem ou que briguem conosco, que sintam
raiva de nós. Estamos sempre tentando evitar que as pessoas briguem entre si, que nossa auto-imagem se
desfaça. Não queremos ser responsáveis por nada de ruim, não queremos ser culpados por nada de ruim.
Queremos, sim, fazer os outros felizes. Mas como fazer alguém feliz e não damos conta nem de nossa
própria felicidade? Se achamos que os outros têm a responsabilidade de nos fazer felizes? Se acreditamos
que as coisas externas vão nos trazer felicidade?

Quanto mais tentamos evitar problemas, situações desagradáveis, brigas ou conflitos, mais
contribuímos para a criação e manutenção de confusões e situações conflitantes.

A culpa gera ansiedade, repressão, pressão, tensão. A culpa é a raiva secreta de si mesmo. A culpa
é a não aceitação de si mesmo, a não aceitação das coisas como são, dos nossos limites físicos, materiais,
psíquicos. A culpa é também o medo da rejeição.

Por sentirmos culpa ou para evitarmos de senti-la, fazemos coisas que não queremos, contrariamos
nossa própria natureza, nossas necessidades, nos violentamos.

Se nos sentimos tão culpados assim é porque, na verdade, somos muito orgulhosos, vaidosos; é
porque estamos preocupados com o que vão achar de nós, com o que vão dizer de nós.

O fato é que cada um de nós está interessado em seus próprios prazeres, necessidades. Cada um
de nós está preocupado consigo mesmo. Por isso, culpamos os outros pelos nossos erros, pelas nossas
incapacidades, fraquezas, preguiça, má vontade, ignorância. Aquele que não tem consciência disto, que
tem problemas de aceitação de si mesmo e dos fatos, chama a culpa para si. Aquele que corre atrás da
aceitação dos outros, que mendiga aceitação alheia, tende a sentir uma intensa e descabida culpa.

Um filho que tem preguiça de fazer comida para si mesmo, por exemplo, culpa a mãe por não ter
preparado sua refeição. Ou seja, vê na figura da mãe um objeto para a satisfação de suas necessidades.

Por outro lado, uma mãe que tem problemas de carência, que não se aceita, está sempre culpando
o filho pelas escassas visitas, por não receber dele atenção, por não ser reconhecida, lembrada. A fim de
suprir seus desejos, suas necessidades de aceitação, apela para a chantagem emocional. Assim, de forma
inconsciente, ela utiliza o filho como objeto de satisfação de seus desejos, de suas necessidades. Cabe
aqui assinalar que isto não significa que se deva desprezar as mães, mas se, por exemplo, resolvemos
visitar nossas mães movidos apenas pelo sentimento de culpa, vamos mal.

Não há mérito em fazermos algo por alguém, se depois exigimos algum tipo de reconhecimento. Há
muitas explicações para tanta solicitude em relação ao outro: carência, necessidade de aceitação, baixa
estima. Há ainda aqueles que, quando não recebem o reconhecimento esperado após ajudar alguém,
apelam para a chantagem, tentando fazer com que aqueles a quem prestou ajuda se sintam culpados, e
assim acabem por reconhecê-lo, movidos por sentimentos que acreditam ser de arrependimento ou
consciência. É preciso perceber que gratidão é uma coisa e culpa é outra, bem diferente, muito diferente.
A culpa tem origem nos padrões, nos conceitos e preconceitos, nos falsos valores. Eis um quadro
clássico: uma mãe acredita que tem que fazer tudo por seu filho, que tem que se preocupar com seu filho, já
que é o que todo mundo diz e faz; e, se algo a impede de fazê-lo, ela irá se sentir profundamente culpada,
mais ainda se o filho resolve culpá-la diretamente.

A sociedade utiliza a culpa como regulador da moralidade, utiliza-a para controlar as pessoas, para
fazer com que estas se sintam obrigadas a agir do modo mais conveniente. Para quem obtém as
vantagens, é muito cômodo culpar os outros. Enfim, todos nos utilizamos da culpa, da chantagem, para
obtermos o que queremos. É muito cômodo, muito comum, apesar de não nos darmos conta disso.

Não sentimos culpa por qualquer coisa, por qualquer motivo. Sentimos culpa apenas em relação
àquilo que julgamos correto, importante, justo. Sentimos culpa em relação a pessoas que julgamos
importantes, segundo os nossos padrões, valores, conceitos.

É de se questionar onde está a moral de quem usa de chantagem para cobrar moralidade de
outrem.

Dominados por medos diversos, cegos pelos desejos, moldados por conceitos e preconceitos,
iludidos por falsos valores, influenciados pelos inúmeros egos que possuímos, não conseguimos a isenção
necessária para que possamos verdadeiramente observar o que realmente ocorre dentro de nós.

Vivemos a nos culpar no presente por causa de culpas do passado. E buscamos a aceitação ou o
perdão alheio como se estivéssemos fugindo, evitando, negando ou nos justificando por culpas passadas.
Este é um caso que merece muita reflexão. Tentemos refletir sobre tal situação com um exemplo: uma
criança que foi rejeitada pela mãe pode vir a buscar essa aceitação de maneira inconsciente. Isto vai fazer
com que ela passe a refletir essa necessidade de aprovação, de aceitação, no comportamento com as
pessoas à sua volta. Porém, ainda que ela consiga obter posteriormente a aceitação da mãe ou dos outros,
a rejeição de um dado momento nunca será compensada. Não será compensada porque ela teria de ser
compreendida em si mesma; deveria haver, antes de tudo, a percepção direta de que se está tentando
compensar um momento com outro. Só com esta consciência seria possível permanecer no presente, no
agora.

Sentimos culpa por causa da nossa auto-cobrança, por acharmos que poderíamos sempre ter sido
melhores, que deveríamos ter feito isso ou aquilo. Quando nos culpamos ou nos recriminamos, e repetimos
a contínua ladainha de que fomos burros, de que não poderíamos ter agido daquela maneira, estamos, na
realidade, dizendo: “como é possível que alguém tão genial, tão brilhante, tão conceituado pelos outros, tão
admirado, como nós, tenha falhado a esse ponto?” Neste sentido, estamos colocando a aparência, a auto-
imagem é acima de qualquer outro valor. Usando de um outro exemplo para ilustrar a situação, quando
uma criança se machuca e a mãe se sente culpada por isto, e diz para si mesma que não poderia ter se
descuidado, na verdade ela está querendo dizer: “Como é que uma mãe como eu, tão atenta, tão
preocupada, tão cuidadosa, pode falhar desta maneira?”. Assim, precisamos perceber que a auto-cobrança
não passa de um esforço para preservarmos uma certa imagem diante dos outros, para preservarmos
nossas fantasias sobre nós mesmos, para mantermos um conjunto de sensações agradáveis.

A culpa é o ato interno de remoer uma situação mal resolvida.

Precisamos observar, analisar, compreender e eliminar de dentro de nós esses agregados


psíquicos que nos fazem sofrer, esses agregados psíquicos que fazem os outros sofrerem.
Sobre a Devoção

Dizem os Evangelhos do Cristo que muitos dos que eram por Ele curados - cegos, coxos, leprosos -
seguiam glorificando o Senhor.

Teus olhos foram abertos, o caminho foi a ti apresentado. E tu, o que fizeste? Seguiste glorificando
a ti mesmo e à tua personalidade. Achas-te escolhido. Não tens devoção alguma. Não tens gratidão
alguma. Olha, pois, a verdade e glorifica Aquele que te tira da cegueira e te faz enxergar. Torna-te devoto
do Senhor teu Pai e trabalha em Sua obra.

Se queres te tornar um devoto, então tua devoção precisa ser profunda e verdadeira. Não podes
apenas adorar tuas próprias projeções mentais, tens de entregar-te à Divindade com todo o teu sentimento
e emoção. A devoção pura, renunciada, é o que deves buscar, e não pode ser pode ser praticada em troca
de ganhos materiais ou desfrute dos sentidos, pois que, desta forma, criarás grandes obstáculos em teu
caminho.

Sê sincero no arrependimento e firme na decisão.

É a entrega total ao Senhor a prova das provas, a renúncia das renuncias, o amor dos amores, a
vitória das vitórias sobre ti mesmo e tua auto-importância, teu amor próprio.

Crê, ó buscador, que a devoção será para ti a arma primeira para exterminares em ti a auto-
importância, para acabares com este comportamento em que te colocas acima de tudo e de todos, mais
importante que tudo e todos.

Compreende, ó devoto, que a devoção é o amor à Divindade, o apego à Divindade. E este apego, ó
servo do Senhor, é o único apego benéfico. Mais ainda, este é o apego que destrói apegos outros. A
devoção é a paixão pela Divindade, e bem sabes tu que, quando alguém se entrega plenamente à uma
paixão, desconhece-se o que pode suceder.

Tua devoção, ó devoto, será a melhor forma de acabares com o amor-próprio, de acabares com
tanta auto-adoração, esta vil adoração à tua própria personalidade, a quem atribuis todas as tuas
conquistas, todas as tuas realizações, como se esta personalidade tivesse algum poder. Tua personalidade
não tem poder algum, é filha do tempo, filha de tuas experiências mal digeridas, de fantasias, é filha de tua
imaginação. E muito menos tu, ó prisioneiro de Maya, tens poder algum. Somente o Pai, que está em
segredo, tem poder e tudo pode.

Quando realizas teu trabalho, na busca de prazeres, da satisfação de teus desejos mundanos,
praticas uma ação fruitiva e colherás o karma desta ação. A busca de satisfação só trará dor e sofrimento,
atormentando-te e tornando-te cada vez mais infeliz. Mas, se ao Senhor entregares teus esforços e teu
trabalho, então até o mais simples de teus trabalhos tornar-se-á grandioso, e tua alma se alegrará em servir
ao Senhor. Portanto, entrega teu trabalho e teu esforço ao Senhor teu Pai, de todo teu coração, para que a
paz se faça em teu coração e para que possas conhecer a verdadeira felicidade.

O fato de, porventura, não vires a te identificar com o trabalho não significa que não irás trabalhar
de forma correta. É preciso que mudes a visão que tens de teu trabalho. Deves reconhecê-lo como é, o
sustento e o suporte para que as coisas do Espírito possam se manifestar nesse plano em que te encontras
agora.

E se identificares-te com o trabalho, os Eus, os egos que estão em ti, passarão a ser mais
importantes que o trabalho. Daí nascerá a disputa, a necessidade de auto-afirmação, de provar
superioridade, de ser melhor do que os demais, fazendo com isso nascer, paralelamente, a insegurança, o
medo. Então, neste momento, teu foco já não será mais o trabalho, teu foco estará voltado para o ego e
seus desejos, para o ego e suas necessidades de prazer.

Se trabalhares apenas sobre ti mesmo, e tomares para ti todos os avanços e compreensões, então
enganar-te-ás e cairás nas armadilhas da vaidade e do orgulho. Mas, se agradeceres ao Senhor teu Pai por
todas as graças de compreensão que recebes, se compreenderes que morres em ti mesmo por amor a Ele
e não para glória de tua pobre e efêmera personalidade, então estarás caminhando na verdade e para
verdade. Portanto, não te enganes, é Dele, teu Pai e teu Senhor, todas as glórias, e é a Ele que deves
dirigi-las. Sacrifica, pois, teus demônios aos pés do Senhor teu Deus.
Sempre que tua mente for assaltada por pensamentos que te levem a crer que muito fizeste e que,
portanto, mereces reconhecimento, lembra-te de que nada fizestes, de que a nada ou a mui pouco
renunciaste; lembra-te do quanto és fraco; lembra-te dos santos, daqueles que muito trabalharam por esta
humanidade doente, e que, mesmo sendo grandes aos olhos dos outros e aos olhos do Senhor, ainda
assim se achavam pequenos.

Abstém-te de julgar os demais. Tuas impressões sobre os demais não passam de tentações e
tormentos de teus próprios demônios internos, que foram lançadas em tua mente para que invejasses,
cobiçasses, enraivecesses. Abandone-as, pois que elas só servem para confundir teus relacionamentos.

Tuas virtudes atuam em teu ser tal qual armas para derrotar os inimigos que habitam em ti. Porém,
deves utilizar-te de tuas armas por amor ao teu Pai. Cada ação virtuosa deve ser devotada a Ele, com todo
o teu coração.

Entrega-te em devoção ao Senhor teu Pai, com toda tua mente e teu coração, e Ele livrar-te-á do
laço do caçador, das correntes do ego, que te aprisionam em maus pensamentos, que aprisionam tua
vontade.

Se tua mente e teu coração estiverem entregues ao Senhor teu Deus, se inundares tua mente e teu
coração com súplicas a Ele, então terás o escudo divino que te protegerá contra teus próprios demônios,
que te atormentam com desejos vãos, sentimentos de cobiça, inveja, orgulho e vaidade; que te enganam,
fazendo-te acreditar que um dia alcançarás a felicidade; que lançam a ira em tua mente, convencendo-te de
que os demais te causam sofrimento e te impedem de alcançar a felicidade. São estes teus demônios que
podem induzir-te ao desejo de destruir e matar os demais.

Tuas tentativas de te assenhoreares das coisas do mundo só causam-te dor e sofrimento. Assim,
pois, muda tua atitude. Entrega a Deus, teu Senhor, tudo o que tens e tudo o que fazes, e serás feliz. Não
queiras nada para ti mesmo, pois é neste ímpeto que o demônio se esconde e te engana.

Trabalha para Deus e não para ti mesmo. Trabalha para Deus e não para teu chefe. Se trabalhares
assim, trabalharás feliz, trabalharás livre, e o trabalho não mais será para ti um pesado fardo; ao contrário,
fortalecer-te-á. Sente, pois, que a tua alma se regozija com esta simples idéia, sente e entrega-te a Deus.
Desapega-te de tudo e sentirás leveza em teu coração. Desapega-te, pois, como disse o bendito santo de
Assis: "...de todas as graças dadas pelo Espírito Santo, nenhuma é mais preciosa do que a da renúncia..."

Se devotares teu trabalho ao Senhor teu Pai, então não mais serás afligido por preocupações, pelo
desejo de querer parecer alguma coisa, de manter uma falsa imagem para os outros. Trabalharás livre. Crê,
entrega-te e serve ao Senhor teu Deus e encontrarás a paz e felicidade, ó servidor da Luz.

Enquanto trabalhas para ti mesmo, tudo o que fazes é lutar contra o mundo. E esta é uma luta
pesada e cansativa, na qual tua derrota é praticamente certa. Desiste, pois, dela. Se lutas contra o mundo é
porque acreditas que o mundo te deve algo. Mas, na verdade, és tu que, cheio de karmas por tuas más
ações, deves ao mundo. E por isso deves retornar a ele por consecutivas vezes.

Alarga teu entendimento, expande e aprofunda esta idéia. Emprega-a em outros âmbitos de tua
vida, em todas as tuas ações. Não te prendas e não te restrinjas ao que te é exposto.

Lembra-te sempre que suplicar por paciência é afirmar a existência de razões para que sejas
impaciente, é tomar como real as ilusões que te trazem dor e sofrimento. Suplica, assim, que os demônios
da impaciência que habitam em ti não sejam capazes de atingir-te. Suplica a teu Pai para que Ele te possa
guiar a mente e o verbo, e assim a paz far-se-á em teu coração. Pede sempre pela purificação de teus
pensamentos e de tuas emoções.

Ao acreditares que crias todas as coisas, julga-te senhor de tudo. Mas a verdade é que nada crias
e, portanto, não és senhor de nada, nem de ti mesmo, por mais que disto tenhas a impressão. Enquanto
continuares na busca de assenhorear-te das coisas materiais, não poderás tornar-te um verdadeiro devoto.

O homem é infeliz e sofre porque virou as costas para Deus.

Existem muitas formas de adoração que ocultam o desejo de se conseguir benefícios materiais.
Claro deve ficar para ti, no entanto, ó sincero devoto, que este tipo de adoração é uma perversão e uma
deturpação da devoção. Quem caminha desta forma prende-se cada vez mais às misérias da existência
material, fortalece cada vez mais as correntes que o aprisionam. O objetivo da vida, ó renunciante, é livrar-
se das misérias da vida, e não cultivá-las, fortalecê-las ou prolongá-las.

Mantém o foco de tuas orações nos assuntos transcendentais, não deixes que teu foco caia nos
apelos materiais. O ego é astuto, envenena a mente com seus desejos e pode desviar-te de Deus. Manter
teus pensamentos no Senhor é também manter o fogo aceso.

Se condicionares a tua devoção aos benefícios conquistados, cedo ou tarde cairás no engano e
odiarás ao Senhor teu Deus, assim afundando-te cada vez mais no pântano do sofrimento.

Pergunta a ti mesmo por que tanto cobiças as coisas deste mundo.

Sê reto na ação. Sê desapegado e renuncia a todo fruto. A prática de ações fruitivas, prender-te-á
na matéria, pois tem tal prática tuas reações, boas ou más. É simples: a prática de boas ações traz
prosperidade, a prática de más ações traz aflição, sofrimento. Em última análise, a prática de ações fruitivas
é a busca do sofrimento. Abandona, assim, tais ações. Suplica, pois, dia e noite, para que, em nome do
Senhor, sejas conduzido ao caminho reto e, portanto, salvo.

A busca de conhecimento material, de desenvolvimento dos poderes da mente, são, em ultima


análise, movimentos que visam a satisfação dos sentidos. E, assim sendo, essa busca prolonga a
necessidade de existência, aumentando a miséria, o que é uma demonstração de ignorância e estupidez. Ó
sábio devoto aprende que todo cultivo de conhecimento deve culminar no serviço devocional.

Disse certa vez uma Grande Adepta:

“A pureza do coração é uma condição necessária para o atingimento do ‘Conhecimento do Espírito’.


Há dois meios principais pelos quais essa purificação pode ser atingida. Em primeiro lugar, afasta
persistentemente todo mau pensamento; e em segundo, mantém a mente tranqüila sob quaisquer
condições, nunca te agitando ou te irritando por qualquer coisa. Descobrir-se-á, assim, que estes dois meios
de purificação são melhor estimulados pela devoção e pela caridade. Não devemos nos manter ociosos,
sem tentar fazer alguma coisa para progredir, só porque não nos sentimos puros. Que todos tenham
aspirações, e que trabalhem com o devido empenho; no entanto, devem trabalhar no reto caminho, cujo
primeiro passo é purificar o coração.”
...

“Através da fé, o coração é purificado das paixões e da insensatez; daí surge o domínio do corpo, e,
por último, a subjugação dos sentidos.”
Sobre a Equanimidade

A equanimidade é a percepção de que não há nada melhor a ser conquistado, alcançado ou


buscado. É um aspecto da cessação do desejo. É aceitação do que é. É harmonia com o que é.

A equanimidade plena somente pode acontecer na completa ausência do ego.

Não podemos nos abrir aos nossos maus pensamentos e mais do que isto, aos maus pensamentos
dos outros. Precisamos perceber o quanto isso é importante. Os maus conceitos que fazemos dos outros
podem nos deixar predispostos a estados e humores equivocados. Evidentemente, conceitos equivocados
nos levam a estados e humores equivocados.

Agimos movidos por conceitos, rótulos e opiniões. Assim, acreditamos que devemos agir de desta
ou daquela maneira conforme estes conceitos, rótulos e opiniões se sucedem em nossas mentes.

Se agem com grosseria conosco, então também agimos com grosseria. Se agem com delicadeza
conosco, então somos delicados. Quem somos nós vai depender de um monte de variáveis, não há em nós
um centro.

Temos um comportamento condicionado pela dualidade. Agimos de uma maneira com pessoas que
achamos ser boas, amigas, belas, legais, magras ou novas. Agimos de outra forma com pessoas que
achamos ser ruins, más, inimigas, feias, chatas, gordas ou velhas. Agimos de um jeito em situações que
julgamos ser vergonhosas, ou que são para nós de exposição. Agimos de modo diferente em situações que
julgamos que podemos relaxar, pois não estamos expostos.

Quando nos identificamos com nossos pensamentos nosso comportamento passa a ser
condicionado, mecânico. Se formamos um bom conceito a respeito de uma determinada pessoa,
conseqüentemente vamos ter com ela um bom contato, um bom relacionamento bom, uma boa interação;
vamos nos dirigir a essa pessoa com educação, atenção e alegria. Ao contrário, se formamos um mau
conceito a respeito de alguém, o resultado inevitável será um mau contato, um mau relacionamento, uma
má interação; vamos nos dirigir a essa pessoa de forma grosseira, com irritação e com má vontade.

Equanimidade é a imparcialidade que nasce da não identificação com pensamentos, sentimentos,


emoções, conhecimentos, experiências, crenças e sensações.

Os conceitos que fazemos de terceiros não passam de idéias, valores e rótulos, são apenas
pensamentos. É como se estivéssemos nos relacionando com a fotografia de uma pessoa ou de uma
situação, com a imagem mental, e não com a pessoa ou a situação em si. Olhar para uma fotografia é
sempre olhar para o passado. O ego está preso ao tempo. Se agimos desta maneira, estamos reagindo ao
passado, não estamos agindo efetivamente no presente. Portanto, não será esta uma ação adequada, pois
nada de real está acontecendo no agora. Precisamos perceber este processo.

A crítica separa, divide, fragmenta. A fragmentação é o ego.

O preconceito e a discriminação estão na contramão da equanimidade. Para nos livrarmos da


discriminação, se faz necessária a percepção da discriminação, quer diga respeito à cultura, raça, posição
social, ocupação, sexo, cor, tamanho, crenças, religião, origem, pátria, conhecimento, estilo ou aparência.

Nossos egos vivem criando problemas onde não existe nada além de uma mera situação.
Infelizmente somos dados a nos identificarmos com as múltiplas ilações que a cabeça fabrica e metemos os
pés pelas mãos, ao invés de enxergarmos os fatos com clareza e isenção.

Por mais que as pessoas sejam realmente como pensamos, como supomos que são, e nossa
opinião sobre ela não é das melhores; ainda assim se estivermos firmes no reto agir, na expressão de
nossas virtudes, podemos expressar o sentimento de compaixão, bondade, paciência e tolerância. Não
ficaremos irritados, nervosos, irados, não agiremos de forma violenta, de forma bruta ou com grosseria.

A escravidão da dualidade e da identificação com pensamentos nos leva a muitos equívocos.

Muitos, quando falam de dualidade, falam como se a dualidade não existisse, mas parece que não
é esta a questão. Parece que a questão é o gostar, desejar um lado e o não gostar, rejeitar, repudiar o
outro. É o se comportar de uma maneira porque uma pessoa é amiga e de outra forma porque a outra
pessoa não é. O desafio é sermos equânimes perante a dualidade, é sairmos da escravidão da dualidade
de forma a sermos gentis com pessoas amigas ou não, com quem é educado conosco ou não, serenos
perante a crítica ou ao elogio.

Parece que a questão é a escravidão de comportamento para um pólo e outro, e a escravidão da


dualidade e da identificação com pensamentos nos levam a estados e humores equivocados.

Esta equanimidade que nos é necessária não é indiferença ou frieza, é uma ação consciente.

Toda dualidade existe para que as coisas possam ser percebidas: dia e noite, gordo e magro,
quente e frio, espírito e matéria, luz e trevas, movimento e inércia, expansão e contração. Perceber as
coisas não quer dizer desejar umas e rejeitar outras, não quer dizer criticar, julgar ou desprezar, porém isso
faz com que o homem associe esses conceitos ao bem e ao mal.

Precisamos nos abster de julgar os demais. Nossas impressões sobre os demais não passam de
tentações e tormentos de nossos próprios demônios internos, lançados em nossa mente para que
invejemos, cobicemos e nos enraiveçamos. Precisamos abandonar estes julgamentos, estes pensamentos
que só servem para confundir nossos relacionamentos e envenenar.

Não é apenas nos relacionamentos com as pessoas que esta equanimidade deve ser expressa, é
em toda a vida. Podemos ficar irritados no trânsito quando estamos indo para o trabalho, porém, se houver
transito para ir à praia ficamos bem. Quando trabalhamos por obrigação, com má vontade, nós nos
sentimos cansados, nervosos e tensos. Contudo, quando estamos servindo, quando estamos ajudando
alguém, trabalhamos até mais e não nos cansamos da mesma maneira, não ficamos tensos ou nervosos.

Uma pessoa que tem medo de não ser aceita, medo de perder emprego, raiva do patrão, desprezo
por alguém ou que tem algum tipo de preocupação, age sempre do mesmo modo sem que necessite fazer
um esforço, pois apenas a lembrança de seus medos e de seus estados equivocados já basta para que
desempenhe o mesmo papel novamente. Da mesma forma, a lembrança dos estados puros e libertos, dos
estados de felicidade, paz, harmonia, tranqüilidade, satisfação, contentamento, e a tentativa de reavivar
essas virtudes faz com elas penetrem em nós e pouco a pouco se tornem parte da nossa constituição,
cristalizando-se.

É preciso renunciar a estes padrões equivocados, a esta dualidade de agir e de pensar, a esta
mecanicidade e buscar a reta ação. Ao termos uma experiência direta de renúncia, mesmo que seja apenas
uma única vez, sentimos e conhecemos a liberdade e a leveza. Traz uma grande felicidade se livrar dos
pensamentos dualistas que nos atormentam.

Precisamos colocar em prática de instante a instante, a cada momento do dia a dia esta renúncia,
esta aceitação, esta equanimidade. Conforme formos colocando em prática, mesmo que uma ou duas
vezes ao longo do dia, poderemos mais facilmente fazer o mesmo outras vezes, e aos poucos vamos nos
soltando das nossas reações mecânicas e dando um grande passo. Desta forma, poderemos perceber que
um pensamento, uma emoção, um estado ou um humor que apareça poderá ser detido e transformado, não
precisará ser carregado o dia todo. Isso pode nos trazer um relaxamento grande e nos mostrar o caminho
para a paz interior.
Prática - Meditando no Relacionamento Humano

Imagine três pessoas no espaço à sua frente: alguém a quem você ama, alguém de quem você não
gosta e alguém que lhe é indiferente. Retenha essa imagem durante toda a meditação.

Em primeiro lugar centralize sua atenção em seu amigo. Permita que seus sentimentos por ele
venham á tona. Sinta a felicidade de estar junto dele, como você deseja sua felicidade.

Agora se volte para seu inimigo. Registre cuidadosamente o que sente. Finalmente volte-se para o
estranho. Observe sua indiferença.

Agora medite e reconheça que a base do gostar ou não gostar reside no que essas pessoas fizeram
para você. Essas pessoas, num passado remoto, já puderam desempenhar papéis diferentes em sua vida.

Agora volte para seu amigo e imagine uma situação que faria o relacionamento terminar. Imagine
seu amigo se voltando contra você. Sinta o ressentimento e a dor por isso, e como não há mais afeição.
Você já não deseja o bem dele.

Onde está seu amigo agora? Lembre-se que essa pessoa não era sua amiga antes de você
conhecê-la, e agora poderá não ser novamente.

Agora se volte para o inimigo. Imagine uma situação que pudesse tê-los colocado juntos: um
interesse comum, uma palavra de elogio, uma ajuda moral ou financeira. Você está cedendo? Você pode
aprender a se sentir afetuoso com relação ao seu inimigo.

E quanto ao estranho, imagine como um ato de afabilidade ou raiva da parte dessa pessoa poderia
imediatamente transformá-la num amigo ou inimigo. Não existem estranhos que o sejam de modo definitivo;
esse estranho pode se tomar um amigo ou inimigo.

Mantenha as três pessoas nitidamente à sua frente. Pense a respeito da frágil impermanência
desses relacionamentos. É somente a crença equivocada na estabilidade deles que mantém sua mente
afastada da possibilidade de mudança.

Seu amigo, seu inimigo e o estranho desejam a felicidade tanto quanto você.

Fonte: Curso de Meditação da Fundasaw


Sobre a Espiritualidade dos Dias de Hoje

Atualmente, muitas religiões são como empresas. Não nos damos conta de que certos
procedimentos que costumamos criticar no governo, na família, numa empresa, são, muitas vezes,
igualmente reproduzidos em nossas religiões.

O mundo esotérico ou pseudo-esotérico é hoje puro comércio. Seus divulgadores estão mais
interessados em atrair clientes, em seduzir seu público, do que em passar informações que transformem
verdadeiramente o ser humano, informações que possam levar os fiéis a uma genuína evolução. Na
verdade, esses representantes de uma suposta fé não possuem o auto-conhecimento necessário para
poderem transmitir ao público informações transcendentes.

Nos espaços esotéricos ou pseudo-esotéricos, assim como na maioria das religiões, fala-se apenas
aquilo que as pessoas querem ouvir, de modo a deixá-las felizes, satisfeitas, e a estimulá-las a continuar
consumindo seus produtos.

Muitos passam a viver exclusivamente do esoterismo, da espiritualidade. Com isso, desenvolvem


cursos, palestras e outros produtos relacionados, visando auferir lucros. Tudo fazem para manter a
freqüência e o consumo de seu público. E esses ingênuos seguidores, que pensam estar aprendendo e
evoluindo espiritualmente, passam a gastar, nesses lugares, seu suado dinheiro, vítimas do apelo
consumista.

Transformar algo em uma fonte de renda nos leva a defender bandeiras pessoais e não mais a
verdade. Cedo ou tarde, a ambição pelo dinheiro, pela fama, pelo status, acaba adquirindo mais importância
do que a verdade.

Não há diferença entre o mundo espiritualista de hoje e as igrejas evangélicas que seguem a
chamada teologia da prosperidade. Não só a idéia de prosperidade é a mesma entre dois, mas também o
público. Ambos praticam uma espiritualidade materialista. Ambos acreditam em “histórias da Carochinha” e
entregam seu dinheiro ingenuamente.

Conhecedores de certos mecanismos da mente, esses líderes religiosos manipulam sentimentos


como: culpa, orgulho, vaidade, medo, ignorância, fraqueza, fragilidade. Jogam com a fé das pessoas.
Utilizam-se de chantagem emocional e moral para influenciar seu público. Geralmente, apelam para frases
marqueteiras do tipo: "Se você quer realmente melhorar, mudar sua vida, então matricule-se no nosso
curso", "Você só não vai se interessar em freqüentar o curso se não estiver nem aí para a sua vida", "Se
você desistir do nosso curso é porque está desistindo de si mesmo"...

Desprovidos de verdadeiro auto-conhecimento, querem aplausos, elogios. Orgulham-se e


envaidecem-se por atraírem um grande público, por este público gostar do que lhe é dito, palavras que vão
absolutamente contra a genuína espiritualidade.

Diante disto, os prazeres, aplausos e elogios tornam-se mais importantes do que a verdade. Sem
se darem conta, esses líderes utilizam o público para satisfação de seus desejos, de suas necessidades, de
seus egos. Obviamente, esse tipo de ação está muito longe de representar um sacrifício pela humanidade.
Ao contrário, representa o sacrifício de certos membros da humanidade por seu tão querido ego.

Os espiritualistas, os esoteristas, brincam de bruxinhas, de maguinhos, se auto-intitulam mestres.


Parecem crianças no mundo do “faz de conta”. E o público se fascina com essas pessoas, idolatram-nas.

Tais espiritualistas, esoteristas, não se conhecem. Não buscam morrer em si mesmos. Com isso, se
deixam fascinar pelas falsas ilusões e se tornam presas fáceis da fama, do status, do orgulho, da vaidade.
Afundam e, pior, arrastam com eles o pobre público também fascinado por suas palavras. Nenhum de nós
está isento de erro, de engano, de auto-engano. Assim, precisamos nos observar, precisamos nos
trabalhar, precisamos morrer em nós mesmos, de instante em instante. E, mais do que tudo, precisamos
suplicar muito à Divindade para que Ela não nos deixe cair em erros.

O público, em geral, tem boa fé, acredita nas idéias que lhe são passadas, acredita que está
evoluindo, seguindo o caminho da salvação, que está desempenhando alguma grandiosa missão.
Ingenuamente, esses crédulos correm atrás de diplomas, de certificados, correm atrás de
conhecimento. Ninguém se preocupa em mergulhar dentro de si mesmo. Ninguém se dá conta que não
existe diploma ou certificado de iluminação.

Esse público se empenha fervorosamente em fazer cursos com esoteristas, com espiritualistas de
nome, fama e status. Sem perceber, repete velhos padrões.

Existe ganância, cobiça, inveja, orgulho e vaidade referentes a conhecimentos esotéricos. E


também existe ganância, cobiça, inveja, orgulho, vaidade no que diz respeito a poderes, clariaudiência,
clarividência e outras manifestações do gênero. Todos esses fenômenos facilmente se disfarçam de
espiritualidade, fascinando esoteristas, espiritualsitas e enganando o público, desprovido de auto-
conhecimento.

O conhecimento obtido em livros, cursos, seminários, palestras ou pregações precisa ser


vivenciado. Precisa ser profundamente compreendido. Conhecer verdades não é o mesmo que
compreender verdades.

Não se pode ensinar o auto-conhecimento. Pode-se, quando muito, ensinar práticas que nos levem
ao auto-conhecimento. Mas ninguém quer se ocupar com práticas deste tipo.

Precisamos parar de pensar através das idéias de terceiros, das idéias adquiridas nos livros, por
meio de palestrantes, pregadores, orientadores ou de qualquer outra voz externa a nós. Precisamos
aprender a pensar por nós mesmos, precisamos perceber, compreender as coisas diretamente, sempre por
nós mesmos. Precisamos saber discernir sobre coisas e pessoas, sobre o bem e o mal. Precisamos ser
sinceros e honestos com nós mesmos, ver o quanto nos enganamos no passado e o quanto ainda
continuamos a nos enganar. Precisamos morrer em nós mesmos, de instante em instante, de momento a
momento. Precisamos de práticas meditativas, reflexivas. Precisamos de práticas que silenciem a mente,
práticas devocionais. Precisamos mudar nosso comportamento, passar a ser retos, corretos. Assim,
lentamente, a verdade vai se revelando, os Véus de Isis vão se rompendo.
Sobre a Espiritualidade Materialista

Vende-se hoje uma promessa de prosperidade, que assegura felicidade, bem-estar e prazeres.
Porém, não pode haver prosperidade, e muito menos felicidade, enquanto as pessoas não se
transformarem interna e radicalmente.

Vende-se uma idéia de que, se concentrarmos a mente em um determinado objetivo, teremos


sucesso em alcançá-lo.

Jesus disse claramente: "Onde estiver seu tesouro, lá estará também seu coração". E ainda: "Se
alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me".

Isto significa que estamos fazendo o contrário de tudo que as religiões, as grandes e genuínas
religiões, pregam. Significa que estamos fazendo o contrário do que todos os Mestres, todos os Iluminados,
todos os Avatares ensinaram.

Estamos negando a Cristo e aumentando mais ainda o que temos por aqui: nossos lastros, nossos
apegos, nossas paixões.

Precisamos nos perguntar por que colocamos toda nossa vontade em um carro, um emprego, uma
casa, um amor, desviando-a da evolução espiritual genuína. Não fazemos práticas que nos elevem, não
renunciamos a nada, não nos desapegamos de nada.

Se realmente acreditamos em vida após a morte, em reencarnação, precisamos analisar com


sinceridade e honestidade o que estamos fazendo pela nossa evolução. Precisamos analisar, com
sinceridade e honestidade, que próxima vida estamos plantando.

O Budismo nos fala que os desejos, os apegos aos prazeres são as causas de todos os nossos
sofrimentos. Parece que haver algo de errado à nossa volta, pois muitos espiritualistas defendem a busca
do prazer, ensinam que o sentido da vida está no prazer.

O demônio da má vontade, que existe dentro de cada um de nós, diz que precisamos curtir a vida,
que precisamos aproveitá-la ao máximo, que o radicalismo limita, que todo ser humano precisa de um
pouco de prazer e divertimento; diz que não há problemas em se ter bens materiais e a eles nos
apegarmos. Assim, iniciamos uma corrida desesperada atrás de coisas externas a nós, achando que esses
elementos promovem felicidade e prazer. Empenhamo-nos em tentativas fúteis para nos livrarmos das
misérias da vida. E a cessação temporária dessas misérias é falsamente chamada de felicidade.

Fascinados e com a mente embotada por falsas idéias de prosperidade, felicidade e prazer,
buscamos o bem-estar nas coisas materiais. Certamente, já vimos muitas pessoas que, apesar de
possuírem tudo o que a vida material pode lhes dar, não são felizes. Mas facilmente nos esquecemos desse
tipo de exemplo. Estupidamente, acreditamos que, se conseguirmos tudo que os outros têm, seremos
felizes. Não seria necessário cometermos todos os erros do mundo para aprendermos alguma coisa,
bastaria observarmos um pouco mais a vida. Só que não conseguimos enxergar nossa ganância, nossa
inveja, nossa arrogância em ação, em plena ação. Então sofremos, e só então vemos na dor a última forma
de aprendizado possível.

O camelo come cactos, pois gosta de sentir o sabor do sangue misturado ao da planta espinhosa.
Ele não percebe que está se ferindo e que isso lhe faz mal. Assim somos nós com os nossos desejos,
nossos prazeres. Não passamos de camelos.

Pode ser que os livros de auto-ajuda sejam proveitosos para alguns. Mas o máximo que podem
fazer é trazer um pouco mais de informação, algumas idéias novas, percebidas por pessoas que, de certa
forma, possuem os nossos mesmos defeitos, em maior ou menor grau.

De forma bastante diferente dos “manuais de auto-ajuda”, o Sutta Budista Anguttara Nikaya (X 69)
fala sobre a importância de ter poucas necessidades, sobre a satisfação (aceitação, contentamento,
gratidão), sobre o isolamento, sobre não estar enredado (não estar apegado, fascinado, não ter lastros),
sobre estimular a energia (vontade), sobre a virtude, sobre a concentração, sobre a sabedoria, sobre a
libertação, e sobre o conhecimento e a visão da libertação. Este é o ensinamento do Buda, muito mais
enriquecedor.
Um sábio disse uma vez:

A revolução só é possível através de doutrinas revolucionárias. Tais doutrinas são trazidas por
Budas, Cristos, Profetas e Avatares. É nestas fontes que temos que buscar as sementes para semearmos
nossa mente, nossa Alma com novos valores, novas idéias, novas concepções.
Questionamentos e Comentários

- Se curtir ou aproveitar a vida, prazer e divertimento são coisas ditas pelo 'demônio da má
vontade', logo, devo deduzir que são coisas ruins.

Não é uma questão de bom ou ruim, é uma questão de prioridade. O fato é que existe em nós uma
certa má vontade para com as coisas do espírito, pois estamos muito distantes dele, não podemos senti-lo.
O que podemos sentir são os prazeres, as sensações. Então nos entregamos a isso.

O início deste desprendimento pode ser um tanto difícil. Mas, com o tempo, muitas coisas deixam
de fazer sentido. Claro está que precisamos renunciar a algumas delas para termos outras, o que acontece
inclusive na própria vida material. Mas tudo isso tem que ser percebido diretamente.

- Entendo que viver por conta de desejos escraviza e gera sofrimento. Mas o que é aproveitar a
vida? Devemos renegar o prazer e o divertimento? Por que então existiriam?

Enquanto, para uns, aproveitar a vida significa deleitar-se com os prazeres que ela proporciona,
para outros, aproveitá-la significa evoluir espiritualmente. Haverá um momento em que será necessário
negar o prazer e o divertimento, em prol da evolução. Mas devemos sempre buscar compreender por que
nos deixamos atrair pela matéria e pelos prazeres fugazes, por que nos mantemos apegados a eles. Com o
tempo, não mais será necessário renegá-los, já que não mais farão sentido. Toda dualidade existe para que
os acontecimentos possam ser percebidos.

Largo e florido é o caminho para o abismo, para a perdição, e estreita é a porta que leva à salvação
da Alma.

- Se no mundo material muitas coisas refletem o astral/espiritual, se as doenças refletem estados


interiores e os males da alma, do espírito, então, o que reflete uma vida miserável e problemática?

Miséria interna, ignorância, Karma.

- Acho que, quando algo de bom acontece em nossa vida, a melhor forma de agradecimento é
aproveitar essa dádiva, com gratidão.

Estar no mundo sem ser do mundo, ou seja, aproveitar sem se apegar. Sem ilusões, sem fantasias,
sem fascinações.

- Acho que não cabe abdicação, privação. Nem deve ser isto o que esteja querendo dizer. Viver em
busca do material não preenche os anseios de uma pessoa, mas isso não quer dizer que coisas materiais
sejam ruins. Além do mais, como você vai dizer ao miserável que ter comida na mesa não é importante, que
poder usar uma roupa limpa não é importante, que satisfazer suas necessidades não é importante?

As coisas materiais não são boas nem ruins. A questão está no uso que se faz dos bens materiais,
na intensidade do apego e da importância que atribuímos a eles.

Por certo, dizer para o miserável que não é importante ter comida na mesa é algo de difícil
compreensão para ele. É como tentar mostrar a um apaixonado a realidade, nem sempre agradável, sobre
a pessoa por quem se apaixonou.
Sobre a Felicidade

“Feliz aquele que tem uma alma. Feliz aquele que não a tem. Infelicidade e sofrimento para aquele
que só tem a semente dela.”
Gurdjieff

As causas reais da infelicidade não estão na ausência de pessoas, dinheiro, casa, carro ou
emprego. As causas reais estão dentro, e não fora de nós, nunca do lado de fora. A felicidade não é e nem
está em qualquer objeto a ser encontrado ou possuído, não está em nenhum lugar fora de nós mesmos.
Desse modo, não há lugar nenhum para ir, não há nada a fazer e nem a ser conquistado para se alcançar a
felicidade. Felicidade é um estado interno, é satisfação, contentamento e regozijo. Felicidade é.

Quando desejamos a felicidade negamos que somos felizes, nós a afastamos, criamos um véu que
nos impede de percebermos que somos e podemos ser felizes. Criado este véu, saímos em busca de uma
felicidade inexistente, de uma fantasia. É como se estivéssemos procurando por dinheiro estando sentados
num baú de ouro, procurando pelos óculos que estão em nosso rosto ou procurando nossos próprios olhos.
Para ser feliz basta ser feliz. Ninguém pode possuir a felicidade.

Diz Samael Aun Weor em seu “Tratado de Psicologia Revolucionária”:

“Que se entende por bem-aventurado? Que se entende por felicidade? Estamos seguros de que
somos felizes? Quem é feliz? Conheci pessoas que diziam: Eu sou feliz! Estou contente com a minha vida!
Sou ditoso! Porém, desses mesmos vim a escutar: “me desagrada fulano de tal! Aquele tipo não me cai
bem! Não sei por que não me fazem aquilo que tanto queria que me fizessem!”. Então, não são felizes... O
que acontece realmente é que são hipócritas.”

...

“Existem momentos prazerosos, muito agradáveis, mas isso não é felicidade. As pessoas
confundem o prazer com a felicidade.”

Não podemos confundir prazer com felicidade. Do contrário seguiremos pelo caminho errado e
nunca chegaremos aonde queremos. O prazer é do tempo, é passageiro, momentâneo, impermanente e
fugaz, mas estamos sempre querendo mais, como se tentássemos de alguma forma, eternizar o que é
efêmero.

Diz o verso 290 do Dhammapada:

“Se, pela renúncia a uma felicidade inferior, é possível alcançar uma felicidade superior, que o
homem sábio abandone a inferior pela superior.”

Renunciar ao prazer para obter a verdadeira felicidade é uma atitude inteligente. O prazer e a busca
do prazer não trazem sabedoria; trazem apenas dor e sofrimento, ao que alguns tolos chamam de
aprendizados da vida. O prazer não liberta; ao contrário escraviza e aprisiona.

Na ânsia de se obter prazer ou temendo não obtê-lo, vamos nos tornando cada vez mais luxuriosos,
gulosos, gananciosos e invejosos; vamos medindo e premeditando cada vez mais as nossas palavras, nos
transformando em alvos cada vez mais fáceis da malícia e da maldade, em seres exploradores e
manipuladores, que passam a usar os outros como objetos para a satisfação de seus próprios desejos.

Por mais incrível que possa parecer, todos querem ser felizes, mas ninguém é feliz. Na busca da
felicidade alguns ultrapassam os limites, causando dor e sofrimento ao próximo. É impossível obter a
verdadeira felicidade à custa da infelicidade alheia. Pode-se até obter algum prazer agindo desta maneira,
mas sabemos que há maldade e crueldade nessa forma desumana de se buscar felicidade. O ensinamento
de Buda nos alerta: “Evitar o mal, cultivar o bem, purificar a própria mente: esse é o ensinamento de todos
os Budas”.(Dhammapada 183)

As pessoas perdem seu tempo e suas vidas atrás de prazer, riqueza, fama, sucesso, status, títulos,
atrás de uma felicidade ilusória e de fantasias. Por exemplo: quase nunca uma pessoa está plenamente
satisfeita com seu parceiro afetivo, e valendo-se de muitos pretextos, continuam a buscar ansiosamente a
“pessoa certa”. Mesmo já tendo uma relação estável, esses insatisfeitos costumam se encantar facilmente
com novas pessoas e possibilidades, depositando nelas suas esperanças de felicidade que, definitivamente,
não está ali. E não tardam a descobrir que não está, mas, ainda assim, continuam a procurar. Procuram
alguém mais alto, mais bonito, mais bem sucedido, mais culto, mais espiritualizado, mais isso e mais aquilo,
como se tais predicados pudessem assegurar a satisfação plena. O que estão fazendo e não sabem, é
correr atrás de mudanças externas para tentar resolver algo que acontece internamente. Acreditam que
podem preencher o vazio interno com algo externo. Em momento algum, param para refletir e analisar o
porquê dessa procura insaciável e de tudo o que se esconde por trás dela. Em momento algum param para
refletir e analisar sua própria infelicidade, e assim seguem infelizes e insatisfeitos. Na realidade este
exemplo cabe em todas as situações da vida, este quadro de insatisfação não se restringe apenas aos
relacionamentos amorosos, ocorre também nas buscas relacionadas a emprego, casa, carro, dinheiro,
religião e amigos.

Vivemos em busca de mais, sempre mais. Vivemos na esperança, na expectativa de um dia


conseguir alcançar esse mais, como se alguma coisa estivesse faltando, mas é somente renunciando a
tudo isso que a verdadeira felicidade se torna possível. A satisfação e o contentamento surgem diante da
percepção de que nada falta. Para se alcançar a verdadeira felicidade, não há nada a ser conquistado; há,
sim, muito a se renunciar. Precisamos admitir que as motivações que assimilamos e prontamente aceitamos
estão erradas, equivocadas.

A busca por riqueza, fama, sucesso, status, títulos e a luta para ser “alguém” nunca nos levou e
nem nos levará à felicidade. Tais ambições e motivações, só nos levam à competição, inveja, cobiça,
frustração, mágoa e tristeza. Essas buscas frementes não farão de nós pessoas mais felizes e realizadas.
Tudo o que conseguiremos é uma vida de aparências e infelicidade, distante da nossa própria essência.
Seremos ricos, diplomados, famosos e... infelizes.

O mundo sempre prometeu muito, mas nunca cumpriu. Sempre nos levou às tristezas, mágoas e
frustrações. O que nos levou a acreditar nas promessas do mundo foram nossos próprios desejos. Para ser
feliz é preciso renunciar a tudo isso. É preciso ter coragem de renunciar às promessas e apelos do mundo.

Se criamos condições, esperanças e expectativas é porque estamos insatisfeitos, descontentes


com o presente, com as situações que se apresentam diante de nós. Mas somos nós que criamos a nossa
própria infelicidade, não há nada de errado com a vida ou com as situações e condições que ela nos impõe.

A felicidade é de certa forma uma habilidade, a habilidade de saber viver. É um estado interno. É
preciso manter um estado de felicidade e paz interior, ainda que a realidade externa se apresente negativa
aos nossos olhos. Para atingir esse estado temos de abandonar os sonhos e as fantasias, as esperanças e
as expectativas. É possível sentir alegria e felicidade, mesmo quando as coisas não saem como
esperamos. É possível sentir alegria pelo sucesso e felicidade do outro. Se assim não acontece, é porque
há algo errado; é porque estamos com inveja, com raiva, frustrados, insatisfeitos e descontentes.

Diz Gandhi:

"Felicidade é a harmonia entre o pensar, o dizer e o fazer."

Quando experimentamos sensações de liberdade, paz e felicidade, não devemos pensar que elas
vieram do exterior. Da mesma forma, não podemos achar que alguma provocação externa desencadeou o
que está errado em nossa mente. O externo é pouco confiável e está fora de nosso controle, e depender de
algo pouco confiável não é uma atitude inteligente.

Quando a mente está limpa e tranqüila, atenta, livre dos discursos dos egos, a felicidade e a paz
surgem naturalmente. Nesses breves momentos, podemos compreender que a verdadeira paz e a
felicidade são de fato possíveis.

Para sermos felizes não precisamos fazer nada. Precisamos apenas parar de gerar infelicidade e
de criar problemas. Gostamos de criar problemas porque no fundo eles distraem a mente e nos dão o que
fazer. É uma forma de fugir do tédio, da vida. De certa forma, chegamos a sentir prazer em vivê-los.
Chegamos até mesmo a nos vangloriar, nos orgulhar, e nos envaidecer de nossos problemas.

Estabelecemos condições e metas que os outros devem cumprir, para que possamos então nos
abrir e ser felizes. Como não é isso que normalmente ocorre, nos frustramos e culpamos os outros pela
nossa infelicidade.
Estabelecemos condições e metas que nós mesmos nos propomos a cumprir para nos tornarmos
felizes: uma casa, um carro, um emprego melhor. Mesmo que alcancemos tudo isso, não ficamos felizes, ou
se ficamos, é só por alguns instantes. Isso ocorre porque estamos buscando do lado de fora uma felicidade
que deve vir de dentro, porque estamos tentando preencher o vazio interno com algo externo.

Estabelecer condições para sermos felizes é, na realidade, criar uma situação para não sermos
felizes, é criar justificativas para a nossa incapacidade de gerar e manter um estado pleno de felicidade,
contentamento, satisfação e gratidão. A maior parte das condições que impomos a nós mesmos e a
terceiros, senão todas, deveria ser resolvida internamente.

Tanto quanto possível precisamos a cada instante estar felizes com nós mesmos, a cada grau de
consciência que temos. Precisamos estar felizes agora, com as condições que realmente temos, com as
situações que se apresentam neste momento.

Especuladores vendem-nos scripts de vida, oferecem-nos fórmulas para vivermos felizes, para
encontrarmos alegria, criam roteiros que instruem como tudo deve ser. Instruem homens a agirem assim,
porque é o que toda mulher quer e instruem mulheres a “agirem assado” porque é o que todo homem quer.
Não cansam de dizer: “olhe para aquele, olhe para aquela! São pessoas felizes, que têm tudo: família, filhos
saudáveis, dinheiro.” A verdade é que, quando olhamos atentamente não vemos felicidade alguma, mas
mesmo assim seguimos suas orientações, pois é o que todos estão fazendo.

E, depois de fazermos tudo segundo os parâmetros dos scripts que nos foram vendidos como
caminho para a felicidade, sentimos um vazio profundo. Percebemos que de nada valeram todos os nossos
esforços e ainda sofremos desnecessariamente por isso. Assim, é preciso estar atento para notar a
diferença que existe entre viver os acontecimentos com consciência e vivê-los sob os desígnios da mente e
seus padrões.

Quando persistimos em viver uma situação que nos traz infelicidade e sofrimento, é porque de
alguma forma estamos obtendo algum prazer com isso, ou porque estamos sendo movidos pela expectativa
e pela esperança de prazeres futuros. Ninguém em sã consciência insiste em alimentar situações que não
tragam ou não venham a trazer algum benefício, por mais ilusório que seja o benefício e o prazer.

É a expectativa e a esperança, que não nos deixam parar de sofrer. Obstinadamente, acreditamos
que um dia tudo há de dar certo, e que neste dia tudo terá valido a pena. Estes processos muitas vezes
chegam a se transformar em obsessões.

A dor de deixar uma situação de sofrimento e infelicidade é na verdade a dor da sensação de perda
da possibilidade de experimentar uma sensação de prazer – seja um prazer que efetivamente ocorre ou
uma simples promessa, uma expectativa de prazer futuro.

A esperança é a crença de que algo pode acontecer. É a espera de que uma possibilidade possa vir
a se tomar realidade. Isso causa sofrimento e deve ser renunciado, é preciso renunciar à esperança do
amanhã para que o hoje seja possível.

A felicidade amanhã nunca acontecerá, sempre haverá um amanhã. É preciso renunciar à


possibilidade de felicidade amanhã para que possamos sentir a felicidade agora, no momento presente, em
que tudo é possível e nada falta.

Não devemos buscar a felicidade nos grandes eventos de um futuro imaginado. Devemos buscar a
felicidade onde ela está: no aqui e agora. No momento presente nada falta, a falta só passa a existir quando
olhamos para o futuro ou para o passado. A felicidade, o contentamento, a satisfação e a gratidão estão no
momento presente, no aqui e agora.

A infelicidade é fruto de nossa ganância, avareza, orgulho, vaidade e inveja. É fruto de nossa falta
de contentamento, satisfação e gratidão.

Disse um iluminado:

“Para quem abre o coração a felicidade sempre está disponível.”

Costumamos reprimir as crianças quando elas estão felizes. Isto geralmente ocorre porque somos
reprimidos e nos é difícil aceitar qualquer manifestação parecida com aquilo que reprimimos em nós
mesmos
As pessoas vivem atormentadas e torturadas por suas mentes e seus desejos. Acomodadas em
seus dilemas acreditam que a vida é assim, que elas são assim. Estão tão envolvidas em seus tormentos,
que não conseguem vislumbrar a possibilidade de se tornarem entidades plenas e iluminadas, de se
tornarem cristos ou budas. Na verdade, não acreditar na possibilidade de se tornar um iluminado, um santo,
um buda, um cristo, é não acreditar na própria existência destes seres.

Normalmente, todos correm atrás de divertimento e entretenimento, chamando a isto de alegria,


mas na realidade as diversões e o lazer não passam de artifícios para distrair a mente, de uma tentativa de
fuga de si mesmo, de uma tentativa desesperada de esquecer as preocupações, os medos, a infelicidade, a
ansiedade e de fazer com que a mente pare de atormentar, de torturar.

Divertimentos e entretenimentos são formas de entorpecer a mente. Sem perceber este processo,
as pessoas buscam cada vez mais opções que possam lhes entreter e divertir, seja na televisão, no cinema,
nos jogos, nos esportes radicais, no álcool, ou nas drogas.

Esta fuga, esta tentativa de esquecer, esconder e sufocar nossos sofrimentos leva apenas a uma
necessidade cada vez maior de novos e diferentes divertimentos e entretenimentos. Nenhuma sabedoria
será alcançada desta forma.

Somos nós mesmos que nos atormentamos, somos nós mesmos que criamos e sustentamos os
próprios demônios. É preciso perceber que não há lugar nenhum a ir, que não há nada a ser feito, realizado
ou conquistado. É preciso perceber que estamos apenas correndo atrás de projeções mentais, de fantasias
e ilusões. Tal percepção pode nos trazer paz, felicidade, contentamento, satisfação e plenitude.

Disse, ainda, o iluminado:

“Quando a iluminação lhe der o sabor do real, você perceberá que todos os seus prazeres e todas
as suas felicidades eram simplesmente constituídos da matéria da qual os sonhos são feitos; eles não eram
reais. E o que veio agora, veio para sempre.”

E disse um sábio monge renunciante:

“A existência material do ser vivo é uma condição doente da vida real. Vida real é a existência
espiritual, onde há vida eterna, bem aventurada e plena de conhecimento. A existência material é
temporária, ilusória e cheia de misérias, não se encontra felicidade absolutamente, fazem-se apenas
tentativas fúteis de se livrar das misérias e a cessação temporária da miséria é falsamente chamada de
felicidade.”

...

“O objetivo da vida é se livrar das misérias da vida e não cultivá-las, fortalecê-las ou prolongá-las.”

Os mestres sempre nos ensinaram como eliminar com sabedoria as causas da infelicidade, porém,
nunca estamos dispostos a fazer o esforço necessário. Queremos eliminar diretamente própria infelicidade,
sem nos preocuparmos com suas causas. É impossível eliminar a infelicidade sem explorar sua origem. Se
realmente queremos ser felizes, precisamos mudar este quadro e passar a seguir os ensinamentos dos
mestres, a viver sob a luz desses ensinamentos; precisamos trabalhar firmemente sobre nós mesmos,
conhecer e reconhecer as causas de nossos tormentos e então abandoná-las, renunciar a elas.
Sobre a Fuga da Vergonha

Para evitarmos a vergonha, fazemos caras e bocas, tentamos transmitir aos outros os mais
diversos tipos de sensações, a fim de que não zombem de nós. Tenham piedade de nossos erros, de nossa
estupidez, ignorância.

Por vergonha tapamos o rosto, tal qual faz um avestruz ao esconder a cabeça na terra para fugir
dos predadores. Achamos absurdo o comportamento do avestruz, mas, assim como ele e sem nos darmos
conta, tapamos o rosto quando sentimos vergonha.

Muitas situações constrangedoras são pautadas por leis, mandamentos, padrões, conceitos da
sociedade. Houve um tempo em que a área genital do corpo humano era chamada de "vergonhas". Quando
alguém é surpreendido nu, imediatamente cobre sua genitália com as mãos, como se tal gesto fosse o
último recurso para livrá-lo da vergonha total.

Isso nos remete ao livro do Gênesis na Bíblia, onde Deus cria Adão e, depois, de sua costela, cria
Eva. Diz o Gênesis: “E ambos estavam nus, o homem e a sua mulher; e não se envergonhavam”. Em dado
momento, surge a serpente e tenta Eva a comer do fruto da árvore proibida, dizendo que ela se tornaria
poderosa como Deus, que seus olhos seriam abertos e teria o conhecimento do bem e do mal. Eva come
do fruto e oferece-o a Adão, que também dele prova. E... “Então foram abertos os olhos de ambos, e
conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais.”.

A questão que fica é: "Seria possível voltarmos a ficar nus - sem máscaras, sem falsidades, sem
interpretações de papéis –, sem nos envergonharmos por isso?"

Ao sentirmos vergonha, devemos aceitar que estamos com vergonha. Não devemos resistir, não
devemos negar, não devemos fugir das situações, dos sentimentos, das emoções. É preciso aceitar e
observar o que estamos sentindo, o que está acontecendo dentro de nós, que pensamentos fervilham em
nossa mente. Não podemos continuar a negar nossos demônios, não podemos continuar a fugir de nossos
demônios. A vergonha é uma realidade humana. Não é uma verdade, mas é uma realidade. Assim, temos
que observá-la para um dia podermos compreendê-la.
Questionamentos e Comentários

- Sim, será possível voltarmos a ficar nus - sem máscaras, sem falsidades, sem interpretações de
papéis, sem medo de exposição, sem insegurança, etc. - e não nos envergonharmos! Mas só após o
Julgamento, quando os 'que vencerem' - como diz a Bíblia - forem morar na Eternidade com Cristo! Ainda,
segundo a Sagrada Escritura, o mundo jaz, está completamente mergulhado no maligno. Por isso, e pela
essência da maldade que Adão adquiriu, é impossível a nudez sem máscaras aqui na Terra!

Realmente, é uma triste realidade. Parece que arrumamos desculpas para não mudarmos,
desculpas para justificar nossa incapacidade de mudar, desculpas para justificar nossa fraqueza, nossa falta
de coragem para olhar para dentro de nós mesmos. O demônio da má vontade atua em nós de forma muito
astuta, está sempre lavando as mãos, como fosse bom e nada mais pudesse fazer. Se o homem é
essencialmente bom ou mau, não vem ao caso agora e não nos impede de olharmos para dentro de nós
mesmos, de encararmos a vergonha, o medo, a violência, a ignorância, a falsidade, a fraqueza que existe
em nosso ser. A essência do homem pode ser boa ou má. É só uma idéia, uma idéia que nos limita muito,
assim como qualquer conceito, preconceito, definição, auto-definição. O medo é o mesmo, quer para os que
acreditam que o homem é essencialmente ruim, quer para os que acreditam que o homem é
essencialmente bom. O medo é o mesmo, quer sejamos cristãos, budistas, maometanos, hinduístas, quer
sejamos brancos, pretos, morenos, amarelos, vermelhos. O objeto do medo pode mudar, mas o medo é o
mesmo, precisamos perceber isso.

- Por que, afinal, nos importamos tanto em sentir vergonha por estarmos envergonhados? Penso
que nós, humanos, temos muito medo de assumir que, essencialmente, somos sós! Numa segunda etapa,
então, é que vamos perceber que fazemos parte do Todo (que é o Cósmico, o Eterno, o Divino).

Parece que queremos evitar desesperadamente que os outros percebam que estamos
envergonhados, com medo, nervosos, fragilizados. Queremos parecer perfeitos, temos medo de nos expor,
de mostrarmos nossas falhas, fraquezas, dificuldades, de nos depreciarmos dentro do conceito dos outros.
Estamos preocupados demais com nossa personalidade, nosso ego. É a tal da auto-importância e o tal do
amor próprio, tão profundamente fortes em nós.

Todo medo está baseado no medo da morte, na nossa idéia de vida, de existência. Existência é o
que temos como referência: sou isso, sou aquilo, moro aqui, trabalho ali.

Criamos nossas bases, nossas referências sobre nós mesmos, nos auto-definimos para nos
sentirmos seguros. Queremos passar esta imagem para os outros, precisamos nos auto-afirmar. Existimos,
nossos egos existem enquanto referências. E, se as referências, as bases, as auto-definições sucumbem,
então morremos.

Não deixamos espaço para as nossas idéias erradas, incorretas ou incompletas, pois nos
consideramos perfeitos, nos apaixonamos por nossas próprias idéias, e a elas nos apegamos. Nossas
idéias passam a servir de referência, de base. E então morremos quando o nosso mundo bem organizado
despenca, quando percebemos que erramos. Vivemos sob o domínio de dogmas, que nos dão segurança,
que nos protegem, e atrás dos quais nos escondemos. E, quando um desses dogmas cai por terra, nos
despedaçamos.
Sobre a Fuga do Medo

Não conseguimos ficar com a mente quieta no vazio das situações, não conseguimos encarar a
realidade das situações. Ficamos com medo, entramos em desespero. Isso pode ser sutil, muito sutil, pois a
mente começa a fantasiar, criando falsas impressões, ilusões, sensações, para fugir do aparente vazio do
momento presente, na busca de prazeres que venham a preenchê-lo e disfarçá-lo. Se parássemos para
observar este vazio, para enxergar o real, poderíamos ver a magia do presente, a magia da realidade. Mas
não... Ao invés de pararmos, damos asas a fantasias e projeções. Por medo do vazio, criamos falsas
impressões e ilusões na busca do prazer imediato. Ocorre que esse desejo de prazer traz em si dor,
sofrimento e medo. O medo gera mais medo, a fuga do medo gera um medo ainda maior. Somos nós que
inventamos, criamos e definimos nossos medos. A fuga do presente, o medo do real, as falsas sensações,
a identificação, a fantasia, as ilusões, levam ao embotamento da mente.

Fantasiamos que pessoas nos observam, pensam coisas sobre nós, nos admiram ou invejam.
Experimentamos sensações de prazer, de sermos melhores, diferentes; sentimo-nos orgulhosos, superiores
por uma falsa ilusão de fama, sucesso, status, reconhecimento, aceitação, auto-afirmação. Criamos
divisões, nos definimos, nos identificamos. Tudo isso por medo do comum, do ordinário, do vazio, do
deserto do real. Mas este mesmo movimento de fantasiar que nos traz prazeres, também pode trazer
impressões opostas; pode trazer dor e sofrimento, pode trazer a sensação estarmos sendo inferiores,
ridículos aos olhos dos outros, pode trazer o medo da rejeição, da crítica.

Um carro é somente um carro, uma roupa é somente uma roupa, é a mente que atribui valor à
matéria, com pesos, imagens e fantasias a ela associados. Isto nos leva a obter sensações de prazer. O
mesmo ocorre com os fatos: um erro é só um erro, mas, quando a mente começa a fantasiar, exagerar,
projetar, surge o medo, a vergonha, a culpa, a ansiedade.

Movidos por orgulho, ganância, ilusão, criamos padrões, modelos, idéias. A criação do ideal é uma
maneira de fugir do presente, do real, ocasionada pelo medo. Queremos que as pessoas sigam nossos
mesmos ideais, acreditamos que os outros têm de ser como os definimos. Quando estamos em uma
situação de poder, usamos a imposição do medo para podermos controlar, fazer com que os outros sigam
os nossos modelos. Apelamos para ameaças, castigos, torturas, punições, chantagens, transmissão de
sensações e emoções através de caras, bocas e posturas para instilar o medo nos outros. Esse
comportamento é facilmente verificado em pais, professores, chefes, ou seja, em nós. O controle através do
medo é uma maldade, um preconceito dos poderosos, da sociedade.

Por medo nos apegamos a coisas e situações, na tentativa de fugir de algo. Mas este apego gera
outro medo: o medo de perder o objeto do apego. Todo vício é uma fuga. Julgamos os drogados, os
alcoólatras, os fumantes, mas não percebemos nossos próprios vícios, nossas formas de fuga.

A televisão, o cinema, o jogo, o entretenimento, a diversão, a dança, a gastronomia, o trabalho, os


livros, os ditos "passatempos", a busca, o desejo por prazeres sempre efêmeros, são formas de fuga,
alienação. Não são tão prejudiciais à saúde do corpo, mas talvez sejam muito mais nocivos à psique, à
alma, pois estamos aproveitando a vida apenas aparentemente. Iludidamente, dizemos que precisamos de
um pouco de diversão, de distração, dizemos que esses prazeres fazem bem, que os merecemos.

Valemo-nos destes artifícios não para fugir de uma realidade externa, mas para fugir de uma
realidade interna, do chamado de nossa alma, que clama por liberdade. Nossa alma clama por liberdade e
fugimos para a televisão, para a diversão, para o prazer imediato.

Utilizamos até mesmo a religião, a meditação em nosso plano de fuga. Escondemo-nos atrás de
belas roupagens por pura hipocrisia.

Estamos sempre em busca de desafios, do novo; estamos sempre criando problemas, tudo para
não olharmos dentro nós mesmos, para fugirmos da realidade, do tédio, do nosso vazio existencial.

Quando surge o medo, quando surge a sensação de medo entramos em desespero, desejamos nos
livrar dele, tentamos fugir, tentamos evitá-lo desesperadamente. E o desejo de se livrar do medo gera mais
medo. Tentamos, por diversas formas, fugir de nossos medos, de nosso vazio, de nossas misérias, da vida.
Apegamo-nos às nossas fugas, e assim passamos a desejá-las continuamente.

Trecho do diário de um Mestre:


Existe o medo. O medo nunca é uma realidade: vem sempre antes ou depois do presente ativo.
Quando há medo no presente ativo, será isso medo? Esta ali e não há como fugir dele, não há como
escapar. Ali, no momento presente, há a atenção total ao momento de perigo, físico ou psicológico. Quando
há atenção total, não há medo. Mas o próprio fato da desatenção gera o medo; o medo surge quando há
uma evitação do fato, uma fuga; então a fuga, é ela própria, o medo.

Ao sentirmos medo, devemos aceitar que estamos com medo. Não devemos resistir, não devemos
negar, não devemos fugir das situações, dos sentimentos, das emoções. É preciso aceitar e observar o que
estamos sentindo, o que está acontecendo dentro de nós, que pensamentos fervilham em nossa mente.
Não podemos continuar a negar nossos demônios, não podemos continuar a fugir de nossos demônios.
Não há nada de errado, horrível ou vergonhoso no fato de sentir medo. O medo é uma realidade humana.
Não é uma verdade, mas é uma realidade. Assim, temos que observá-lo para um dia podermos
compreendê-lo. Mas, negando nosso medo, recusando-nos a aceitá-lo, não poderemos observá-lo.

Um sábio disse:

Sempre que algo for realmente bom, também é amedrontador, porque lhe traz insights. Ele o força
em direção a certas mudanças, leva-o a um ponto crucial a partir do qual, se você voltar, jamais se
perdoará. Você sempre se lembrará de si mesmo como um covarde. E, se você seguir em frente, será
perigoso. Por isso é amedrontador. Quando houver algum medo, lembre-se sempre de não voltar, porque
essa não é a maneira de resolvê-lo. Entre no medo. Se você tiver medo da noite escura, entre na noite
escura – porque essa é a única maneira de superar, de transcender o medo. Entre na noite; não existe
nada mais importante do que isso. Espere, fique ali sozinho e deixe que a noite aja. Se você tiver medo,
trema. Deixe que o tremor esteja presente, mas diga à noite: ‘Faça o que você quiser fazer. Estou aqui.’
Após alguns minutos, você perceberá que tudo se ajustou. A escuridão não é mais escura, ela se tornou
luminosa. Você a desfrutará , poderá tocá-la – o silêncio aveludado, a vastidão, a música. Você será capaz
de desfrutá-la e dirá: ‘Que tolo eu fui de ficar com medo de uma experiência tão linda!’.
Sobre a Gratidão

A gratidão nasce do reconhecimento, da satisfação, da aceitação, do contentamento, da devoção,


da fé, da entrega.

Quem não é capaz de dizer um simples obrigado também não é capaz de sentir uma verdadeira
gratidão. Muitas vezes, diz-se “obrigado” por educação, costume, emocionalismo, sentimentalismo,
fantasias, projeções mentais. Mas também há quem o diga movido pela necessidade de expressar uma
genuína gratidão, que brota do fundo do coração.

Talvez seja mais fácil falar de ingratidão do que de gratidão. Talvez seja mais fácil chegarmos ao
real significado da gratidão abordando um pouco do que seja ingratidão.

É importante percebermos o que nos impede de expressar gratidão. Alguns podem interpretar essa
incapacidade como ingratidão. Então precisamos analisar, refletir sobre os aspectos da ingratidão.

Muitos dizem que levantam as mãos para os céus todos os dias para agradecer, e em seguida
estão a reclamar disto ou daquilo, o que é totalmente contraditório, é uma gratidão da boca para fora. Mas
as pessoas não se dão conta disto.

Alguns agradecem pelo emprego que têm, mas, por outro lado, se queixam de que mereciam um
salário maior, mais tempo para descansar, menos cobranças. Reclamam do chefe, do colega de trabalho,
da faxineira, da mulher do café. Reclamam de um número tão grande de coisas que fica impossível
entender o que eles estão agradecendo, uma vez que nada está bom.

Outros agradecem pela vida que levam, mas, em contrapartida, esperam que os filhos sejam assim
ou assado, que façam isso ou aquilo. Esperam que o companheiro mude, que o trabalho melhore, que
possam trocar de carro, aumentar a casa, trocar os móveis.

Quando se trata de dinheiro, sobretudo, as pessoas nunca estão satisfeitas, nunca são gratas. Seja
seu dinheiro proveniente de uma herança, de uma bonificação ou aumento no trabalho, prêmio, presente.
Enfim, elas nunca estão satisfeitas; quanto mais recebem, mais querem; mais acham que deveriam ter
recebido.

Quando as pessoas perdem algo ou alguém, elas ficam triste, ficam com raiva, sentem-se roubadas
em seus sonhos, em suas expectativas, seus planos para o futuro. Com a visão nublada pelos seus apegos
e desejos, não podem ver e ser gratas pelo que tiveram, pensam apenas no que deixaram de ter;
condicionam-se a um conjunto de projeções mentais relacionado a algo que ainda não aconteceu e que
pode ser que nunca venha a acontecer.

Todos os nossos julgamentos, reclamações ou críticas demonstram ingratidão, intolerância,


desrespeito. E estamos sempre a reclamar, seja do garçom, do lixeiro, do entregador, do tintureiro, do
padeiro, do frentista, do caixa do mercado. Todos estão a nos prestar serviços, nos ajudam, de uma forma
ou de outra, facilitando a nossa vida. E, apesar disso, somos incapazes de demonstrar-lhes gratidão.
Achamo-nos independentes, superiores, mas, no fundo, somos profundamente dependentes uns dos
outros, estamos profundamente ligados aos outros.

Deveríamos ser gratos até aos pedintes, aos necessitados, aos ignorantes, que nos possibilitam a
prática de caridade, que abrem nossos corações, podendo gerar algum Dharma.

Ao invés de sermos gratos às inteligências que – a despeito de todas as nossas interferências


destrutivas na natureza, comprometendo até o clima do planeta – trazem o sol e a chuva, reclamamos
destes eventos que, entre outras coisas, garantem as colheitas de nossas lavouras. Pior ainda, maldizemos
a Divindade quando a seqüência destes eventos – causados exatamente por essa nossa interferência no
meio ambiente – acabam por "prejudicar" as colheitas.

Não pode haver uma genuína gratidão se nos culpamos ou culpamos os outros. Onde há culpa, há
também raiva, descontentamento, insatisfação.

A gratidão se mostra em fatos concretos, em ações, em atitudes.


Aquele que está sempre cobrar que os outros demonstrem gratidão está, na verdade, projetando
sua ingratidão. Aquele que está sempre a se dizer agradecido por isto ou aquilo está tentando provar a si
mesmo uma gratidão que na realidade não tem. É a gratidão do fariseu.

A inveja esconde muita ingratidão. Se desejamos aquilo os outros possuem é porque não estamos
contentes com o que temos, não somos gratos, não reconhecemos o que recebemos. Existem pelo menos
dois tipos de inveja: a inveja destrutiva, que leva uma pessoa a destruir os outros e os bens que eles
possuem, e a inveja auto-destrutiva, que é a inveja feita de mágoas silenciosas. O mesmo se aplica à
ingratidão, que pode ser carregada de raiva, revolta, ou cheia de mágoas, manifestando-se em situações
onde as pessoas se colocam como vítimas. Ao final, as duas escondem crianças mimadas.

O “eu vítima” é profundamente ingrato.

É o véu do orgulho, da vaidade, da auto-adoração, do amor próprio, que nos impede de perceber
quando deveríamos expressar gratidão. Acreditamo-nos responsáveis por tudo aquilo que nos acontece de
bom e culpamos os outros por tudo aquilo que nos acontece de ruim. Acreditamo-nos dignos, merecedores,
de tudo de bom que nos acontece. E assim não somos gratos.

Parece que a gratidão às pessoas reforça a gratidão à Divindade, e a gratidão à Divindade reforça a
gratidão às pessoas. O auto-conhecimento nos leva à gratidão. O auto-conhecimento nos leva a perceber
que fizemos o que podíamos com o tanto de conhecimento, ou de ignorância, que tínhamos sobre cada
situação em seus momentos específicos. Assim, podemos perceber que os nossos pais, os nossos
professores, também fizeram o que podiam, a partir do tanto de conhecimento, ou de ignorância, que
tinham. É esta percepção que nos leva à gratidão. Isso não é e nem deve ser apenas uma teoria
convincente, mas sim uma percepção profunda, de si e do outro, livre de mágoas e ressentimentos.

Foi a nossa Divindade interior e mais uma série de Seres superiores que nos ajudaram e nos
impulsionaram a chegar onde estamos, a encarnar, a passar por uma série de experiências, a chegarmos
às instituições, aos grupos a que pertencemos. Desta forma, ao virarmos as costas a esses
acontecimentos, aos ensinamentos, aos Mestres, estamos manifestando nossa ingratidão. Ao renegarmos
as práticas que esperam de nós, ao não vivermos como nos é ensinado, mostramo-nos ingratos. Ou seja,
podemos continuar pertencendo às instituições, aos grupos, e ainda assim sermos ingratos, e ainda assim
virarmos as costas a tudo o que ali se passa . Mais uma vez, a gratidão se mostra em fatos concretos, em
ações, em atitudes.

Dominados por nossos próprios conceitos, nossas idéias fixas, acusamos os outros de nos darem
pedras quando pedimos pães. Não reconhecemos pães como pães. Assim, não somos gratos pelos
ensinamentos recebidos.

Ensinamentos budistas professam:

Os maus homens não reconhecem nas ações erradas um erro e, se esse erro for trazido à sua
atenção, eles continuarão a praticá-lo e desprezarão todo aquele que o advertir sobre seus maus atos. Os
bons e sábios homens são sensíveis ao que é certo e errado, param de fazer algo tão logo percebam que
esta errado, são gratos a todo aquele que lhes chama a atenção sobre as ações erradas.

Oferecer cada boa ação à Divindade é um ato de gratidão, diferente daquele ato de vaidade e
arrogância que toma tudo para si mesmo. Demonstrar gratidão é mais benéfico para a própria pessoa do
que para os outros.

Existem pessoas extremamente necessitadas que costumam criticar as doações que recebem. Não
possuem nada, e ainda assim são ingratas pelo pouco, ou mesmo muito, que recebem. Talvez seja por isso
mesmo que nada têm.

Aqueles que julgam mal, que criticam as doações feitas por outrem, também são ingratos, na
medida em que projetam uma série de defeitos próprios. Talvez falte-lhes o respeito, pois cada um tem sua
capacidade de doação. Mais do que isso, assim como existem capacidades de doação diferentes, existem
os diferentes graus de necessitados. Nenhuma doação, por mais humilde que seja, é desnecessária ou
desprezível.

Compreender as dificuldades da vida como lições a serem aprendidas é um enfoque diferente, é


uma grande mudança de paradigma, de visão da vida. Em verdade, como ensina o budismo, esta é uma
reta visão sobre o sofrimento, a qual nos enche de gratidão. Evidentemente, esta visão não diz respeito
àquilo que costumamos chamar de “aprendizagem” e que, na verdade, não passa de mágoas,
ressentimentos, medos, repressões; não passa de criação de travas, de dispositivos de defesa.

Se passamos a ver as dificuldades como lições a serem aprendidas, se o importante na vida passa
a ser a evolução pelo aprendizado, então não existe mais ofensa, agressão, pressão. Existe apenas
aprendizados. Mas, se ficamos nervosos, irritados, se começamos a maldizer alguém ou uma situação, é
porque algo passou a ser mais importante que o aprendizado. É porque o fato de ser bem tratado, elogiado,
reconhecido, aceito, adorado, passou a ser mais importante do que o aprendizado. E isso nada mais é do
que a manifestação da própria auto-importância.

Olhamos as situações da vida com a mente repleta de idéias e o coração vazio. Precisamos mudar
esta realidade. Precisamos olhar os fatos da vida com a mente vazia, livre de conceitos e preconceitos, livre
de padrões, e com o coração cheio de bondade e compaixão.

As pessoas fazem seus pedidos à Divindade e recebem um auxílio. Só que muitas vezes não
conseguem perceber que receberam um auxílio, ou não reconhecem o auxílio como auxílio, até porque
muitos pedidos são mundanos, frutos de desejos do ego, que não reconhecem respostas que, por vezes,
podem ser transcendentes e ater-se à existência, e não a um momento específico, à satisfação do ego.

Existem casos em que devemos até ser gratos porque alguns de nossos pedidos não foram
realizados, atendidos.

Por não percebermos nossa evolução - evidentemente não estamos falando sobre a fantasia de
evolução e sim da evolução de fato, uma vez que a fantasia de evolução é "percebida" -, não somos gratos.
Os preceitos budistas ensinam que não devemos desdenhar de nossas próprias conquistas espirituais. Tal
atitude revelaria ingratidão e desrespeito.

Há aqueles que, por terem beneficiado uma pessoa, acreditam que esta lhe deve gratidão pelo
resto da vida. Não hesitam em lembrá-la de suas dívidas para com eles, o que popularmente é chamado de
"jogar na cara". Confundem gratidão com bajulação, apego, carência, dependência, escravidão, algo
parecido com as trocas de "favores" dos mafiosos. E esta forma de "gratidão", muitas vezes, é esperada
também por aqueles que, a princípio, deveriam estar muito além disso, ou seja: pelos instrutores, sejam
eles monges, palestrantes, padres ou pastores.

Disse o grande sábio:

Se você recolhe um passarinho que está com a asa quebrada e cuida dele com muito jeito e muito
cuidado, ele vai voar depois, vai para longe. E você vai se sentir só por causa disso? Abandonado,
preterido, diminuído,desprezado, humilhado? Pois digo-lhe que deveria sentir-se feliz por ver aquele a quem
ajudou voando com suas próprias asas, cumprindo sua missão, atividade ou papel na natureza.
Infelizmente, nossas percepções são totalmente desfocadas e inversas; por isso, temos que fazer uma
profunda auto-crítica, uma reeducação; buscar formar urgentemente essa reta visão, percepção de nós
mesmos, para que não invertamos os valores, nem as leis que sustentam a vida ou as leis que se resumem
na única lei, que é a consciência livre.

Vendo a situação descrita acima pelo lado oposto, o vôo do passarinho pode ser encarado como
um ato de gratidão, encantando aquele que o ajudou. O passarinho não pode permanecer comodamente
num determinado local por medo, insegurança, traumas do passado, culpa ou carência. Não pode achar
que, pelo resto da vida, terá de ficar para pagar sua dívida. Isso não passaria de uma capa para esconder
esse medo, insegurança, culpa ou carência.
Sobre a Identificação com o Sofrimento Alheio

Parece que o principal motivo para querermos ajudar os que sofrem, ou para querermos sanar suas
dores, muitas vezes até de uma forma desesperada, é o fato de estarmos identificados com o sofrimento
desse alguém.

Geralmente sofremos por não agüentarmos ver os outros sofrerem, o que denota fraqueza,
identificação, projeções mentais em demasia, apego ao passado, medo do futuro. Esse tipo de identificação
é, particularmente, muito comum nos pais que não suportam ver seus filhos sofrendo. Porém, os níveis de
identificação são amplos.

Inconscientemente, o que queremos, na verdade, é nos livrarmos de sofrimentos nossos, estejam


eles no presente ou no passado, através dos outros. Assim, sentimos alívio diante de alguém que consegue
se livrar de um sofrimento.Evidentemente,não sentiríamos este alívio se não estivéssemos sofrendo
também, de alguma forma; se não estivéssemos identificados com o sofrimento alheio. E, como esta
sensação de alívio não se dá pela eliminação do nosso próprio sofrimento, voltaremos a buscá-la, por
incontáveis vezes, enquanto não eliminarmos nossas próprias angústias, o que só é possível por meio de
uma reta compreensão do problema.

É freqüente observarmos certos “vilões” que costumam aparecer nessas situações, entre eles os
que encarnam papéis como: o “eu vítima”, o “eu coitadinho”, o “eu sofredor”, o “eu compreensivo”, o “eu
salvador”, o “eu herói” ou “eu mártir”. É bom que se preste atenção, pois estes “eus” geralmente estão
acompanhados dos “eus” do orgulho, do orgulho místico.

Na ânsia de livrarmos os outros de algum sofrimento, criamos confusões, mal-entendidos,


perturbamos, atormentamos, incomodamos, infernizamos, e com isso acabamos por dificultarmos ainda
mais a paz alheia. O mais espantoso é que, ao final de tudo, ainda nos queixamos, dizendo que não somos
reconhecidos ou compreendidos por estarmos querendo ajudar.

Por exemplo,se vemos alguém desesperado por estar enfrentando dificuldades financeiras, e se já
vivenciamos situação semelhante no passado, apressamo-nos em dizer ao outro que sabemos o que ele
está passando, o quanto está sofrendo, que sua situação corta-nos o coração, nos deixa consternados.
Nossas recordações vêm a tona. E, sem perceber, reagimos a essas lembranças. A mente faz muitas
associações. Todas as palavras de consternação sobre a situação do outro não passam de lamentações
relacionadas ao nosso próprio passado. O “eu vítima” se lamenta de seus sofrimentos, de suas dores e
dificuldades. A memória traz também o emocionalismo. Na verdade, o que desperta em nós é um profundo
sentimento de auto-comiseração. Mas não percebemos nada disso, acreditamos piamente que estamos a
nos compadecer do próximo, acreditamos que um nobre sentimento de empatia nos move.

Para podermos compreender o sofrimento do outro, precisamos antes compreender os nossos


próprios sofrimentos, bem como as ilusões, os apegos e os desejos a eles associados. Enquanto não
encararmos o sofrimento como uma ilusão, viveremos a nos identificar com o sofrimento alheio, e seremos
incapazes de ter um real sentimento de compaixão.

É comum nos convencermos de que muito aprendemos com nossos sofrimentos, quando, na
realidade, o que acreditamos ser aprendizagem não passa de mágoas, ressentimentos, medos e
repressões acumuladas, não passa travas criadas, de dispositivos de defesa. Enquanto carregarmos esses
fardos, estaremos presos a um passado, um passado que, provavelmente, não aconteceu ou foi mal
interpretado.

Apegamo-nos aos nossos sofrimentos, apegamo-nos às nossas versões das situações e à nossa
forma de vê-las. Somos incapazes de perceber que tais situações não se passaram como as imaginamos,
como as fantasiamos em nossa mente.Não conseguimos ver as ilusões como meras ilusões. Criamos
problemas, inventamos versões para as mais diversas situações, distorcemos os fatos, distorcemos a
realidade e seguimos acreditando que assim o foi. É muito difícil olharmos para trás, olharmos para o nosso
passado e aceitarmos que nada do que achamos que tinha acontecido realmente aconteceu. Na realidade,
o passado, tal qual acreditamos que foi, não aconteceu.

E um dos fatores que nos impulsiona a ajudar os outros, a eliminar suas dores, é a culpa que
sentimos face ao sofrimento alheio.
Sobre a Identificação com Pensamentos

É importante manter a mente limpa. É importante que não deixemos os maus pensamentos
penetrarem nossas mentes.

Após termos observado a doutrina dos múltiplos Eus, após termos experimentado diretamente, ao
menos uma vez, a pluralidade desses Eus dentro de nós, podemos, enfim, compreender a identificação com
os pensamentos, podemos explorar a experiência direta do que vem a ser, na verdade, a identificação com
os pensamentos.

Compreendendo um Eu, observamos, de forma direta, pensamentos, conceitos, explicações,


padrões, experiências e lembranças a ele associados.

Da mesma forma, podemos também observar que muito dos pensamentos que passam diariamente
por nossa mente não são nossos, mas destes Eus. No entanto, muitas vezes acreditamos no que estamos
pensando, e ficamos apaixonados por nós mesmos, apaixonados pelos pensamentos que passam por
nossa mente, ou seja, nos identificamos.

Diz Samael Aun Weor em “Tratado de Psicologia Revolucionária”:

Do centro intelectual surgem diversos pensamentos provenientes não de um Eu permanente como


supõem nescicamente os ignorantes ilustrados, mas dos diferentes “Eus” em cada um de nós.

Quando um homem está pensando, crê firmemente que ele em si mesmo e por si mesmo está
pensando.

Sabemos que um Eu magoado, por exemplo, tem suas histórias, suas canções. Cientes disto, o que
temos de fazer é procurar compreender por que acreditamos que os pensamentos de mágoa que
atormentam nossas idéias são pensamentos nossos, por que nos identificamos com tais pensamentos e
nos sentimos magoados com isso. Quando um Eu magoado toma conta de nosso centro intelectual e nós
nos identificamos, tendemos a acreditar que este Eu é realmente parte de nós.

Enquanto não nos dissociarmos destes Eus, enquanto não tomarmos verdadeira consciência de
que existem muitos Eus dentro de nós, continuaremos a nos identificar com esses Eus. E, assim, o
sofrimento será inevitável.

Por acreditarmos que todos os pensamentos que passam por nossa mente são nossos, vivemos
em conflito interno, sofremos a cada vez que somos assaltados por desejos antagônicos, frustramo-nos
quando oscilamos de um estado a outro, da euforia à tristeza. Isto ocorre porque não conseguimos
compreender, perceber, que não somos nós. Somos incapazes de reverter tal situação em benefício de
nosso auto-conhecimento.

Projetamos nossos defeitos nos outros, identificamo-nos com pensamentos que passam por nossa
mente como relâmpagos ou com os mesmos velhos pensamentos carregados de conceitos e preconceitos,
valores, rótulos. E nos comportamos de acordo com tais pensamentos.

Enquanto nos deixarmos fascinar por nossos pensamentos, lindos e floridos pensamentos que
nutrimos sobre nós mesmos; enquanto estivermos experimentando uma sensação de prazer cada vez
maior com eles, inevitavelmente sofreremos diante dos maus pensamentos, nossos e dos outros.

O tempo todo precisamos nos relacionar com os demais. Inevitavelmente, em tais relacionamentos
nossos defeitos, mais cedo ou mais tarde, saltam à vista. Porém, nos mantemos atentos, somos capazes
de percebê-los.

Os maus conceitos que fazemos dos outros podem nos deixar predispostos à irritação, à violência,
à má vontade. Ocorre que, uma vez identificados com tais pensamentos, antes de começarmos a
estabelecer o contato com o outro, já nos mostramos irritados com ele. Em nosso pensamento
condicionado, o outro já é culpado antes mesmo de começar a falar, antes mesmo de estar em nossa
presença. Uma vez Identificados com tais pensamentos, muitas vezes não conseguimos ouvir ou
interpretamos mal o que o outro está dizendo. Esses conceitos, esses preconceitos, não passam de
projeções mentais. São pensamentos com os quais nos identificamos fortemente. Não questionamos,
porém, que talvez alguns dos conceitos que formamos sobre alguém em nossa mente tenham sido
passados por uma outra pessoa. Desta forma, se alguém nos diz que o outro é de desta ou daquela forma,
mesmo sem conhecermos a pessoa em questão, já nos antecipamos agindo condicionados por projeções
mentais que nem são nossas, mas de outrem. Formamos opiniões pré-concebidas como: "Ele é orgulhoso";
"Ele é enrolador"; "Lá vem aquele chato!"; "Vou ter que falar com aquele ignorante!"; "Vamos ver do que ele
vai reclamar agora"; "Lá vem pergunta idiota novamente"; "Estou aqui ocupado e lá vem ele de novo me
atrapalhar com suas bobagens"; "Cuidado com o Fulano, pois ele já fez isso, aquilo e aquele outro"... Não
podemos nos abrir aos nossos maus pensamentos. Mais do que isto, não podemos nos abrir aos maus
pensamentos dos outros.

Nossos egos vivem criando problemas onde não existe nada além de uma mera situação.
Infelizmente, somos dados a nos identificar com as múltiplas ilações que a cabeça fabrica e metemos os
pés pelas mãos, ao invés de enxergarmos os fatos com clareza e isenção.

Justamente por esta razão, os planos que fazemos para resolvermos nossas pendências, para
abordarmos o outro, e que envolvem pensamentos como: “Vou contar isso para Fulano, mas se ele disser
aquilo, vai ver só..."; "Acho que ele vai brigar comigo"; "Ele não vai me fazer perder tempo" etc., geram
medo, insegurança, dúvida, incerteza, ansiedade. Deixam-nos predispostos à irritação, ao nervosismo, à
violência, à grosseria, à brutalidade. São apenas pensamentos, é verdade. Mas, se nos identificamos com
eles, já nos surpreendemos planejando maldades, vinganças, violência, brutalidade, antes mesmo de a
situação existir. Tais planos são parte de alguns de nossos dispositivos de defesa. E alimentar esses
planos é uma forma criar problemas. Se agimos desta forma, com planos premeditados, não será possível
desfrutarmos de relações serenas e espontâneas. Se agimos desta forma é porque estamos presos ao
passado e longe do momento presente, estamos reagindo a situações já vividas.

Em síntese, se nos identificamos com os maus pensamentos, acabamos nos irritando sem mesmo
sabermos ao certo o motivo de tal irritação, sem consciência dos fatores que geram tal reação, pois não
paramos um momento para nos perguntarmos o porquê da situação e de nossa irritação.

Por mais que as pessoas sejam realmente como pensamos, como supomos que são, e nossa
opinião sobre ela não é das melhores, ainda assim, se nos conhecemos bem e se temos em nós o
sentimento de compaixão, bondade, paciência, tolerância, não ficaremos irritados, nervosos, irados, não
agiremos de forma violenta, de forma bruta, com grosseria.

Como já mencionado anteriormente, quando nos identificamos com nossos pensamentos, nosso
comportamento passa a ser condicionado, mecânico. Se formamos um bom conceito a respeito de uma
determinada pessoa, consequentemente, vamos ter com ela um bom contato, um bom relacionamento bom,
uma boa interação; vamos nos dirigir a essa pessoa com educação, atenção e alegria. Ao contrário, se
formamos um mau conceito a respeito de alguém, o resultado inevitável será um mau contato, um mau
relacionamento, uma má interação; vamos nos dirigir a essa pessoa de forma grosseira, com irritação, com
má vontade.

Os conceitos que fazemos de terceiros não passam de idéias, valores, rótulos, são apenas
pensamentos. É como se estivéssemos nos relacionando com a fotografia de uma pessoa ou de uma
situação, com a imagem mental de uma pessoa ou de uma situação, e não com a pessoa ou a situação em
si. Olhar para uma fotografia é sempre olhar para o passado. O ego está preso ao tempo. Se agimos desta
maneira, estamos reagindo ao passado. Não estamos agindo efetivamente no presente. Portanto, não será
esta uma ação adequada, pois nada de real está acontecendo no agora. Precisamos perceber este
processo.

Ficamos com vergonha por nos identificarmos com o pensamento que de a situação é vergonhosa.
Ficamos ofendidos por nos identificarmos com o pensamento de que uma ofensa foi dirigida para nós, por
estarmos identificamos com pensamentos, o conceito de que certas palavras, certas formas de expressão,
são ofensivas. Ficamos com medo por nos identificarmos com o pensamento de que a situação é temerosa.

Deveríamos analisar como seriam as mesmas situações se tais pensamentos não nos habitassem
a mente, ou mesmo se, apesar de já terem passado por nossa cabeça, não tivéssemos nos identificado
com eles.

Deveríamos analisar como seriam as mesmas situações se não tivéssemos em nós apenas o
desejo de experimentar sensações boas, rejeitando, repudiando, evitando qualquer possibilidade de virmos
a nos submeter a sensações ruins.
A identificação com conceitos, padrões, valores, que permeiam nossos pensamentos e idéias,
embota a mente. A identificação com pensamento é a própria crença num Eu permanente, o que se
contrapõe inteiramente à doutrina Gnóstica e também à doutrina Budista.

Para começarmos a reduzir gradativamente a identificação com os pensamentos, a prática


meditativa de silenciar a mente é a melhor opção. Mas não podemos, de forma alguma, deixar de lado a
prática da meditação reflexiva, analítica, e as súplicas à Divindade, ao Cristo Interno, a Mãe Divina, visando
à morte dos Eus.
Sobre a Identificação

Identificação é como sonho. Acontece quando achamos que somos algo de nós, como por exemplo,
o corpo, ou quando achamos que somos algo que ocorre conosco, como por exemplo, o que foi dito ou
dirigido à nossa pessoa.

É como se estivéssemos em estado de hipnose, totalmente fascinados por tudo que nos cerca, por
nós mesmos, ou melhor, fascinados pelo que achamos que somos, pelo que achamos que são coisas são,
pelo que achamos ser a realidade.

Ao que parece, existem níveis de consciência ou de inconsciência de identificação.

A identificação é um fenômeno que ocorre de forma tão absurdamente forte em nós que nos
identificamos com o personagem que estamos representando nesta existência, com a personalidade. Então,
como não conseguimos lidar bem com isso, projetamo-nos para uma camada superior e passamos a nos
identificar com outras coisas, em camadas cada vez mais externas a nós.

A princípio, nos identificamos com idéias e pensamentos, depois com o próprio corpo, com as
pessoas e com as situações. Enquanto não conseguirmos nos desidentificar em relação à personalidade,
continuaremos a nos identificar com situações e pessoas externas.

Assim, identificamo-nos com os personagens da televisão, rimos, choramos, ficamos tristes,


nervosos. Sentimos todas as emoções desses personagens. Mas a realidade é que, em nenhum momento
saímos da frente da TV, ou seja, não havia motivo real para alterações do estado emocional. Tudo não
passou de projeções e identificações, fascinações, sonhos e fantasias. Fomos e somos enganados pela
mente. E o pior é que gostamos de ser enganados, sentimos prazer com isso.

A diferença entre este tipo de projeção/identificação e a projeção/identificação com a vida e com as


pessoas é que, quando desligamos a TV, sabemos que nada do que assistimos era real. É bem verdade
que algumas pessoas continuam em processo de identificação e projeção mesmo após sair da frente da TV,
mas estes são casos mais extremados de fuga.

Sempre que passamos por algum sofrimento, nos identificamos com o sofrimento dos outros, seja
na televisão ou na vida, no dia-a-dia. Identificamo-nos com mendigos, cachorros, indivíduos
desempregados, maltratados, falidos, abandonados, de acordo com a natureza de nossas experiências,
impressões, memórias, conceitos e preconceitos, padrões ou sensações.

Se uma pessoa se identifica com algo é porque, em alguma instância, ela é esse algo ou possui
esse algo. Porém, a “casca” intelectual, os padrões, os conceitos e preconceitos, o orgulho e a vaidade,
impedem a compreensão desta realidade.

Seja como for, o fato é que nos identificamos com uma visão muito limitada de nós mesmos,
baseada no desejo, na ignorância, na ilusão, na necessidade de aceitação, de auto-afirmação, e essa visão
limitada corresponde só a uma pequena parte de nós. Assim, divididos, separados, fragmentados, cheios de
conflitos internos, vamos projetando tudo isso, vamos criando conflitos com os outros e alimentando a
separatividade. Em síntese, identificamo-nos com aquilo que reconhecemos ou aceitamos em nós e
rejeitamos, nos outros, aquilo que não reconhecemos ou não aceitamos em nós.

Vivemos a fazer julgamentos, identificados com a parte da história que achamos ser a melhor.
Rotulamo-nos e ficamos identificados com rótulos que nos atribuímos. Sempre que emitimos um
julgamento, como por exemplo: “isso é raiva” e “isso é paciência”, rotulamo-nos como pacientes, nos
identificamos com este quadro e ficamos cegos para as situações de raiva ainda não observadas.
Justificamos aquelas já observadas e ficamos cegos para os aspectos da raiva ainda não reconhecidos.
Esta postura dificulta muito, quando não impossibilita, qualquer tipo de mudança, qualquer tipo de evolução.
Limitamo-nos. Não há mais o que conhecer sobre a raiva. Como previamente determinamos, somos
“pacientes”.

A identificação é uma escravidão que nasce da insegurança, da necessidade de aceitação e de


auto-afirmação, de uma mente frágil e divida pelos egos. Se nos atribuem rótulos favoráveis, se nos
elogiam, sentimos prazer, nos identificamos, de pronto, como a imagem positiva que fizeram a nosso
respeito. Identificados, cegos e fascinados, tudo fazemos para correspondermos às expectativas que
depositaram em nós e recebermos mais e mais elogios. E, nessa busca incessante por aceitação e prazer,
vamos nos escravizando.
Enquanto estivermos identificados, estaremos apenas trocando de rótulos. Embora sejam rótulos
mais bonitos e agradáveis, continuarão a ser rótulos, e nós continuaremos cegos. Na realidade, não existe
importância ou valor para qualquer rótulo que possamos receber em função de nossas falhas, de nossos
atos fora de padrão. Se estamos atribuindo importância aos rótulos a nós destinados, que acreditamos ser
negativos, maus, inferiores, é porque estamos identificados com rótulos que acreditamos ser positivos,
bons, superiores.

Para nos conhecermos melhor, precisamos, ao invés de nos identificarmos conosco, ser imparciais.
A projeção pode ser uma arma poderosa para o auto-conhecimento. Mas, antes de analisar terceiros para
melhor nos conhecermos, precisamos estar totalmente livres de qualquer identificação, precisamos ser
totalmente imparciais.

Conta a mitologia grega que Medusa, um ser monstruoso, com serpentes na cabeça, presas
pontiagudas, mãos de bronze e asas de ouro, tinha o poder de petrificar aqueles que a olhassem
diretamente. O herói Perseu, enviado para exterminá-la, utilizou então um escudo mágico de metal polido,
que refletia a imagem de Medusa como se fosse um espelho. Desta forma, pôde decapitá-la com a espada
de Hermes. Esta lenda ilustra bem a proposta desta reflexão.

Ainda, a título de ilustração, reproduzimos as palavras de Samael Aun Weor em seu “Tratado de
Psicologia Revolucionária”:

Do mesmo modo que é indispensável aprendermos a caminhar no mundo exterior para não cairmos
em algum precipício, para não nos perdermos nas ruas de uma cidade, para selecionarmos nossas
amizades, para não nos associarmos com pessoas erradas, para não ingerirmos veneno, etc, assim
também, mediante o trabalho psicológico sobre nós mesmos, precisamos aprender a caminhar no mundo
interior, o qual é explorável pela auto-observação.

Para aquele que tem olhos de ver e ouvidos de ouvir, corpos falam, olhares falam, paredes falam,
gestos falam, palavras dizem muito mais do que os sentidos normais podem perceber. O interior dos
homens se revela através de seu exterior. É possível enxergar bem além das aparências.

Empresas especializadas em sistemas de Call Center, utilizam uma técnica conhecida como
desidentificação, a fim de evitar que os atendentes se irritem e maltratem os clientes. A técnica é aplicada
atribuindo a cada um dos atendentes um nome fictício, que pode variar. Na verdade, trata-se de um artifício,
de uma muleta, destituída de uma compreensão correta do que seja a não identificação. Porém, neste
procedimento, os funcionários atendem às ligações como se fossem outras pessoas, uma vez que a
identificação de si mesmos com o próprio nome é praticamente inevitável e traz conseqüências. Se o
atendente utilizasse seu verdadeiro nome nesse sistema de comunicação, ao ser ofendido pelo cliente, iria
se sentir diretamente atingido. Mas, atuando desta forma não identificada, acaba vendo tudo como uma
brincadeira.

Será que é necessário utilizarmos esse tipo de muleta? Será que é impossível, no dia-a-dia,
percebermos que não somos um nome, uma personalidade, uma imagem mental? Será que é impossível
percebermos que a vida é uma brincadeira, um jogo, um filme?

A identificação pode acontecer sob as mais variadas formas, tão variadas quanto podem ser
variadas as experiências de cada um de nós.

Todos estamos identificados com nós mesmos, com nossos nomes – temos a sensação de sermos
o nome. Assim, quando os atendentes da empresa assumem um outro nome, a sensação é de que são
outras pessoas ou de não serem eles mesmos. Por conseguinte, vêem as ofensas recebidas como sendo
dirigidas a outra pessoa.

Estamos identificados com nós mesmos, com nossos nomes, personalidades. Temos a sensação
de sermos o nome, de sermos a personalidade. Vivemos fascinados pelo personagem que criamos; nos
apaixonamos profundamente por este personagem, por nossa personalidade. E, como todo apaixonado,
não conseguimos perceber a realidade.

Por vezes ocorre de estarmos vivendo uma situação parecida com a que uma outra pessoa também
já viveu de maneira prazerosa. Neste caso, a pessoa irá se lembrar dos momentos vividos, se identificar
neles, e tenderá a nos ajudar, a nos apoiar ou elogiar. Em contrapartida, a reação de alguém que passou
por situação simular e não sentiu prazer nessa experiência provavelmente será a de reclamar, introduzir-
nos medo e apreensão, desencorajando-nos, em virtude da identificação. Há também o caso daqueles que
não passaram pela situação mas que desejam passar por ela um dia. Estes, ao se identificarem, podem
reagir de duas maneiras: sentir inveja e criticar ou ficar feliz por nós e nos apoiar, nos elogiar. Uma outra
hipótese, ainda, é a de alguém que não passou pela situação, desejaria ter passado por ela, mas acha que
já não é mais possível. Este, ao se identificar, pode ficar enfurecido e não aceitar, e aí seus egos saltarão
das sombras, ou pode, por outro lado, se alegrar, realizando-se através de nós.

Todas as formas de nos auto-definirmos, nos auto-conceituarmos, nos rotularmos, devem ser
deixadas para trás, devem ser postas de lado, para que possamos ter paz, para que nos tornemos pessoas
livres. A identificação com funções, com riqueza ou pobreza, com religiões, com alegrias ou tristezas, com
sofrimentos e aflições, ou até mesmo com a própria aparência física, surge de condicionamentos que
absorvemos desde o nascimento. É sábio identificar e descartar tudo isso.

A personalidade, os egos, querem tudo para si, acreditam que tudo existe em função deles. Assim,
se alguém elogia um trabalho que executamos, por exemplo, nos identificamos e tomamos o elogio para
nós; se alguém expressa gratidão por nossas ações, tomamos essa gratidão para nós. E, quando tomamos
essas manifestações para nós, para a nossa personalidade, para o nosso ego, passamos a projetar, a
fantasiar. Acreditamos que somos ótimos, que nos adoram, que nosso trabalho é maravilhoso, que somos
extremamente competentes. Somos tomados por sensações de prazer, poder, fama, aceitação.

O sofrimento está diretamente ligado ao fato de acharmos que somos o centro de tudo, à nossa
ganância de elogios, prazeres, poder, fama, aceitação. Movidos por esses impulsos, não há como não
sofrer diante da contraparte negativa das manifestações a nós dirigidas, ou seja, quando, ao invés de
elogios, recebemos críticas, ofensas ou humilhação, o que despertará em nós um sentimento de
inferioridade, impotência, rejeição. Por exemplo, quando alguém critica um trabalho que realizamos,
tomamos a crítica para nós e nos identificamos, interpretamos o fato como uma questão pessoal e
sofremos. E assim ocorre com cada uma de nossas idéias que venha a ser criticada, direcionamos essa
desaprovação para nós. Sofremos, ficamos psicologicamente abalados, por acharmos que somos as
nossas idéias.

Precisamos perceber que não somos nossas idéias, não somos nossas tarefas, nosso trabalho, não
somos o corpo, a personalidade, não somos uma imagem, um representação mental, não somos nossa
casa, carro, roupa, não somos diplomas, títulos, cargos.

Enquanto continuarmos a viver identificados desta maneira, viveremos como escravos das
situações, sempre reagindo sem qualquer controle. Sempre reagindo, nunca agindo. A vida nos leva a fazer
escolhas diárias entre o certo e errado, entre o bem e o mal, entre um extremo e outro. E muitas vezes
achamos que nossas escolhas são as melhores, mas, como estamos identificados a um nível inconsciente,
nem sempre conseguimos enxergar a verdade das situações. Assim, nossa reação será uma reação viciada
pelo passado. E reagir já é um erro em si.

Precisamos parar de culpar os outros pelo que nos acontece de ruim, precisamos tomar as rédeas
das situações. Esta é a única maneira de modificá-las. Mas essa mudança nunca acontecerá enquanto
acharmos que a culpa é dos outros, das condições externas, etc. Procurar culpas externas faz parte da
fantasia, da fascinação, faz parte da identificação.

Só conhecendo a verdade sobre cada aspecto da identificação é que conseguiremos nos libertar
dela e compreenderemos o que é a identificação em sua essência.

Por enquanto, podemos concluir apenas que nada sabemos sobre identificação, que somos
ignorantes neste assunto. Qualquer tentativa, neste momento, de definir a identificação em nós pode limitar
nossas experiências. Precisamos estar abertos, para que possamos nos permitir, cada vez mais, a
descoberta, o conhecimento da identificação em nós. Precisamos estar abertos, para que possamos nos
permitir, cada vez mais e mais profundamente, a descoberta, o conhecimento da identificação em si.
Sobre a Ilusão da Aceitação e da Auto-afirmação

A auto-imagem é uma ilusão, frágil, sobre si mesmo, que leva à insegurança, à necessidade de
auto-afirmação, à necessidade de aceitação. A satisfação de tais necessidades provoca uma sensação
momentânea de prazer.

As pessoas se identificam, inevitavelmente, umas com as outras, seja por seus problemas, aflições,
sofrimentos, posses, posições sociais, crenças religiosas, ou por suas necessidades aceitação, de auto-
afirmação.

E, assim, vão criando suas tribos, seus grupos. Grupos de drogados, de alcoólatras, executivos,
médicos, religiosos, compostos pelos mais variados tipos de participantes: pessoas elegantes, milionárias,
roqueiros, donas-de-casa, mães, solteirões, separados, etc. Como os integrantes desses grupos costumam
pensar da mesma forma, acreditar nas mesmas coisas e ter as mesmas ilusões, acabam acreditando
também que suas ilusões são reais.

Por exemplo, quando duas integrantes de um grupo de mulheres elegantes se encontram, é comum
vê-las trocando elogios, ou seja, projetando o que acham sobre si mesmas. Cegas pelo orgulho e pela
vaidade, influenciadas por conceitos e valores distorcidos, identificadas, acreditam que são realmente
lindas, elegantes, maravilhosas.

A necessidade de aceitação e de auto-afirmação pertence aos egos, são pura ilusão. Pessoas com
idéias, ilusões, padrões e valores contrários se rejeitam; pessoas com idéias, ilusões, padrões e valores
similares, se atraem.

Um indivíduo luxurioso se identifica com outro indivíduo luxurioso, os dois projetam mutuamente
entre si seus egos de luxúria. Com isso, se sentem aceitos, se auto-afirmam. Por outro lado, um sujeito
reprimido tende a rejeitar o luxurioso, mas também está apenas projetando seus egos de santidade, retidão.
São meras repressões de seus egos de luxúria, uma espécie de inversão de valores. Desta forma, o
luxurioso pode sentir as dores da rejeição e o reprimido os prazeres da auto-afirmação.

É tudo uma grande insensatez. Ficamos a projetar incessantemente nossas virtudes e defeitos. Se
nos identificamos, nos adoramos nos outros; se não nos identificamos, nos repudiamos nos outros. E, no
final das contas, não há ninguém a nos rejeitar ou aceitar, é a nossa própria mente que faz isso conosco.
Mais uma vez, somos vítimas de nossa própria ignorância.

Ao nos auto-afirmarmos, vamos fortalecendo nossos egos, aumentando nossos lado sombra,
nossas trevas, vamos aumentando nossas ilusões sobre nós mesmos e sobre a realidade. E continuamos a
nos projetar e nos identificar, a rejeitar ou aceitar, projetando nossos próprios reflexos nos outros.

Enquanto não nos aceitamos, não paramos de correr atrás da aceitação dos outros. Mas o desejo
de sermos aceitos traz junto consigo o medo da rejeição. Quando, enfim, nos aceitamos, alcançamos a
libertação. Já não somos mais escravos de nossos demônios ou dos demônios alheios, tampouco do nosso
orgulho ou do orgulho alheio.

Quando nos aceitamos, já não nos importa se nos acham feios ou bonitos, gordos ou magros;
passamos a compreender que éramos prisioneiros de conceitos e preconceitos sem fundamento. Neste
momento, já somos capazes de aceitar os que pensam da forma que pensávamos antes, pois sabemos que
essas criaturas encontram-se aprisionadas em suas idéias. Neste momento, já somos verdadeiramente
capazes ter compaixão, pois compreendemos o sofrimento daqueles que agonizam nas próprias prisões
que criaram.
Sobre a Ilusão da Superioridade e da Inferioridade

Alguns acreditam que, por terem mais dinheiro, ou um carro mais caro, uma casa maior, um cargo
melhor, uma posição hierárquica mais alta, mais escolaridade, mais erudição, são mais ou melhores do que
outros.

Porém, há um fato insofismável, que não pode mudado: todas as pessoas são apenas pessoas.

Diz Mestre Samael, em uma de suas conferências:

O homem, mesmo que seja muito perfeito, na realidade, mesmo que chegue a ser um Boddisattwa,
não é mais que isso: um homem.

Deus é o Pai que está em secreto; só ele é Deus.

Não há certificado, crachá, carro ou bens que possa mudar o que somos. Não adianta ter, ter e ter.
A questão não é “ter”, mas “ser”. E, quando se “é” verdadeiramente, percebe-se que ninguém é mais ou
menos do que o outro.

A formação familiar, a influência dos professores, os conceitos e preconceitos existentes na


sociedade, introduzem a idéia de que umas pessoas são melhores do que outras, induzem a competição,
segundo seus valores. Disto decorre a necessidade de auto-afirmação, de aceitação, que certos indivíduos
têm, bem como o seu orgulho e a sua vaidade.

A conseqüência dessa postura é a repressão, a auto-cobrança, o desejo, o sofrimento.

De tanto que somos criticados, de tanto que somos cobrados, acabamos achando que aquele que
nos critica e nos cobra é maior e melhor do que nós. Mas isto é apenas uma impressão fabricada por nossa
mente, não é a realidade. A possibilidade maior, nesses casos, é que são os nossos próprios críticos que
não se aceitam, que se cobram, que se criticam ou se culpam demais. Nós estamos somente
desempenhando o papel de objeto de suas projeções.

Não há ninguém acima de nós. Se temos esta impressão, esta sensação, é porque estamos, nós
mesmos, colocando-nos para baixo. E, sendo assim, precisamos reavaliar nossos pontos de vista, nossas
impressões e sensações.

Libertarmo-nos da idéia de que não há ninguém acima de nós é bem mais fácil do que nos
libertarmos da idéia de que somos superiores.
Sobre a Ilusão do Auto-conhecimento

Os indivíduos acreditam que se conhecem e que conhecem os outros. Na realidade, o que eles
conhecem é apenas a máscara que lhes é apresentada. E mesmo assim, muito mal.

Estamos acostumados a atribuir rótulos às pessoas que nos cercam. E, quando não conseguimos
fazê-lo, passamos a ver como estranhos aqueles que escaparam dos nossos rótulos. Passamos a temê-los,
uma vez que parecem estar fora de nosso controle.

Disse um grande Mestre:

Necessitas confiar em ti mesmo. Dizes que te conheces muito bem? Se assim pensas, não te
conheces; conheces apenas o débil envoltório externo que freqüentemente tem caído na lama.

Auto-conhecimento não é a acumulação de informações sobre nós mesmos. Auto-conhecimento é


a percepção dos mecanismos de operação da memória, pensamento, mente, instintos, emoções e
sentimentos. Sem o auto-conhecimento, os demais conhecimentos podem ser até perigosos.

Quanto mais acumulamos conhecimento sobre nós mesmos, sobre o que é o medo, a raiva, o
sofrimento, mais nos cegamos. Vamos achando que mudamos, que evoluímos, que não temos mais este ou
aquele defeito. E nesta cegueira seguimos vivendo miseravelmente. Sofremos, sentimos mágoas e medos,
sem sequer perceber a ação destes sentimentos em nós. Isto acontece porque não somos sinceros ao
olharmos para dentro de nós mesmos. Não estamos verdadeiramente decididos a nos conhecer, a nos
purificar, não compreendemos realmente o que se passa dentro de nós.

Somos feitos de muitos aspectos. Alguns são conhecidos por todos, outros apenas pelos mais
próximos, há aqueles que só nós conhecemos e os que só nós desconhecemos, e ainda há os aspectos
que ninguém conhece, estes “só Deus sabe”.

Compreender é a meta. Através do auto-conhecimento, do discernimento, podemos alterar nossos


estados internos. O entendimento é o primeiro passo; a prática, o segundo.

O auto-conhecimento não é a auto-aplicação de rótulos. Ao notarmos que precisamos mudar,


melhorar, começamos a nos rotular. E assim vamos atribuindo rótulos melhores para as nossas partes
“deficientes”. Mas, enquanto não percebermos que somos ignorantes em relação a nós mesmos, que não
nos conhecemos; enquanto não observarmos que quanto mais nos explicamos, menos sabemos sobre nós,
enquanto nada disso acontece, vamos acreditando que nos conhecemos cada vez mais e melhor. Na
verdade, estamos apenas trocando rótulos. O auto-conhecimento foi trocado pelo prazer de rotular, pelo
amor próprio, pela auto-importância, por sentimentos que, desde há muito, vêm nos cegando.

O que as pessoas conhecem das outras é o comportamento padrão, condicionado pela sociedade,
pela falsa moral - os ditos “bons costumes” -, pelo medo, pelos conceitos e preconceitos, pelos vícios de
conduta fortemente arraigados, pelo mecanicismo.

Existe uma infinidade de defeitos e virtudes ocultos dentro de cada um. A partir de tal premissa, é
possível justificar por que algumas pessoas, aparentemente calmas e afáveis, são capazes de, num
rompante inesperado, cometer crimes, assassinatos, estupros. Tais circunstâncias só nos surpreendem
porque achávamos que conhecíamos a pessoa em questão.

O ser humano é um mistério, e pouco sabemos deste mistério. Uma pessoa que aos nossos olhos
pode parecer mesquinha, egoísta, avarenta, muitas vezes se dedica a grandes obras de caridade ou
trabalha como voluntária em louváveis projetos de inclusão social, sem que ninguém saiba.

Disse uma grande sábia:

Uma pessoa tida com caridosa pode ser arrogante, convencida e até mesmo cruel em seus
relacionamentos pessoais, pode ser gentil com os animais e duros com os seres humanos ou gentil com os
seres humanos e indiferente para com animais e plantas.

Quem vai saber o que se passa na mente daquela pessoa que sempre nos cumprimenta com um
sorriso habitual? Talvez ela esteja pensando: “Lá vai aquele idiota, aquele chato”. Quem saberá? Um
sorriso amigável, que nos causa simpatia, não define o caráter ninguém. Pode ser até que aquela pessoa
aparentemente simpática seja generosa e boa. Mas, novamente, quem saberá?

Se nos mantivermos abertos e observarmos cuidadosamente as pessoas, poderemos chegar a


conclusões mais apuradas, e até contraditórias. Mas, para isso, temos que ser livres de preconceitos, temos
que ser imparciais.

Não temos como saber como alguém vai reagir em diferentes situações de pressão, não temos
como prever os limites de cada um, não temos como conhecer o estado emocional do outro, em
determinados momentos.

Seqüências diferentes de acontecimentos podem levar pessoas a ações muitos diferentes em


acontecimentos isolados.

Muitos indivíduos fazem coisas que eles mesmos chegam a duvidar, posteriormente, que foram
capazes de fazê-las. Não é raro vermos nos jornais autores de crimes bárbaros dizerem às autoridades que
não sabem explicar o que aconteceu.

As pessoas, muitas vezes, se modificam conforme o ambiente e as pessoas com quem convive.
Assim, costumam assumir diferentes comportamentos e facetas em função de cada contexto, ou seja, junto
à família, na companhia de amigos, no local trabalho, quando estão a sós com outro alguém e na intimidade
de seus próprios sonhos.

Não nos conhecemos. Como podemos afirmar que nos conhecemos? Como podemos afirmar que
conhecemos o outro? Não, não podemos. Acreditar nisto é só mais uma fantasia que nos dá uma certa
segurança, ou melhor, uma certa sensação de segurança, uma referência que nos ajuda a viver.

O auto-conhecimento só começa a se tornar possível quando admitimos nossa ignorância, nossa


miséria, nossa nulidade. A partir de então, vamos deixando de carregar o peso do orgulho e da vaidade.
Paulatinamente, vamos diminuindo a auto-definição, a identificação, o que nos tornará abertos para nos
conhecermos, para conhecermos os outros, para conhecermos o mundo.

O fato de não conseguirmos perceber defeitos em nós não significa que somos evoluídos. Ao
contrário, significa que estamos cegos, adormecidos, que não nos aceitamos como somos, que não nos
conhecemos.

A busca por auto-conhecimento não pode ser uma busca por perfeição, já que a perfeição é produto
do orgulho, da vaidade, e um fardo muito difícil de ser carregado. A busca por perfeição, mais cedo ou mais
tarde, nos levará a achar que somos melhores que os outros, que já somos isso ou aquilo. Então o auto-
conhecimento não será possível.

Uma famosa psicóloga junguiana disse certa vez:

Individuação significa ser revelado como pessoa total – não perfeita, senão completa.

Segundo Jung, todo indivíduo possui uma tendência para a individuação ou auto-desenvolvimento.
Individuação é um processo de desenvolvimento da totalidade dentro de cada um, e, portanto, um
movimento em direção a uma maior liberdade, é um processo de integração das várias partes da psique. E,
decerto, essas partes não são perfeitas em sua totalidade.

O auto-conhecimento amplia a consciência, diminuindo o egocentrismo, diminuindo desejos,


temores, esperanças, expectativas, ambições de caráter pessoal, que sempre compensamos ou
invertemos de forma inconsciente.

O auto-conhecimento faz parte de um processo de desenvolvimento do Ser em seu objetivo de


tornar-se uno. Não é um processo de desenvolvimento da personalidade, não é um processo direcionado
para a obtenção de maior aceitação, reconhecimento, erudição, auto-afirmação, segurança, felicidade,
prosperidade, riqueza; não é um processo que visa retorno, que visa a satisfação dos sentidos. O auto-
conhecimento é um processo que se caracteriza pela devoção, pela entrega e pela veneração, onde
reconhecemos e compreendemos os animais, os demônios, que vivem em nosso interior e os sacrificamos
aos pés da Divindade que existe dentro de cada um de nós.
No processo do auto-conhecimento, precisamos desnudar e compreender personalidade, que é
formada por muitos egos. Ao dissolvermos esta máscara, descobrimos que, embora ela aparente ser
individual, é um resultado da sociedade e do tempo, visto que é na interação com os outros que vai se
formando. Descobrimos que ela nada tem de real, que não passa de um conglomerado de conceitos e
preconceitos, de padrões sociais, culturais e de época, de experiências, memórias, preferências, crenças,
medos e temores.

Somos levados, por falsos conceitos, a crer na individualidade, no “eu mesmo”. Mas enquanto
existir um ego dentro de nós, não teremos nossa individualidade, nossa unicidade. O ego não deve, em
hipótese alguma, se confundir com o Ser.

A mente não pode compreender a mente, um ego não pode compreender outros egos. Precisamos
da consciência para compreender os egos, e precisamos do sopro Divino para eliminar esses egos, uma
vez compreendidos.

Em Mateus 12, as palavras falam por si:

22 – Trouxeram–lhe, então, um endemoninhado cego e mudo; e, de tal maneira o sarou que o cego
e mudo falava e via.

23 – E toda a multidão se admirava e dizia: Não é este o filho de Davi?

24 – Mas os fariseus, ouvindo [isto,] diziam: Este não expulsa os diabos senão por Belzebu,
príncipe dos diabos.

25 – Jesus, porém, conhecendo os seus pensamentos, disse–lhes: Todo reino dividido contra si
mesmo é devastado; e toda cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá.

26 – E, se Satanás expulsa a Satanás, está dividido contra si mesmo; como subsistirá, pois, o seu
reino?

27 – E, se eu lanço fora os diabos por Belzebu, por quem os lançam fora, então, os vossos filhos?
Portanto, eles mesmos serão os vossos juízes.

28 – Mas, se eu lanço fora os diabos pelo espírito de Deus, é conseguintemente chegado a vós o
Reino de Deus.

29 – Ou, como pode alguém entrar em casa do [homem] valente, e furtar os seus bens, se primeiro
não manietar o valente, saqueando, então, a sua casa?

30 – Quem não é comigo é contra mim; e quem comigo não ajunta, espalha.
Sobre a Ilusão do Controle

Passamos a vida reclamando, desesperados, estressados, infelizes, por causa das condições
do mundo exterior. Queremos controlar a tudo e a todos, vivemos na ilusão de que podemos controlar o
que é externo a nós. Mas tudo não passa de uma sensação.

Elaboramos planos para nossas ações, planos que também nos dão a confortável sensação de
controle. No entanto, esquecemos que a vida tem seus próprios planos, nosso espírito tem seus próprios
planos.

Um planejamento simples, como por exemplo, acordar cedo, tomar um banho, vestir tal roupa e
sair para trabalhar, pode não ser tão garantido quanto parece, uma vez que depende de condições
exteriores, alheias à nossa vontade. Vários contratempos podem acontecer e nos fazer acordar mais tarde,
impedir o banho planejado, o uso da roupa previamente escolhida e a saída para o trabalho naquele
momento.

A princípio, a situação parece depender apenas do sujeito que a planejou. Mas suponhamos que
sua mãe ligou dizendo que estava passando mal e precisava de ajuda para ir ao hospital, ou que faltou
energia para o seu banho quentinho, ou que a empregada queimou a roupa que ele pretendia vestir, ou
que o cachorro do vizinho latiu a noite toda e ele só conseguiu dormir tarde da noite, e dormiu tão pesado
que passou do horário. Como se pode notar, há muitas variáveis entre um plano e sua execução.

Sabemos que a coisa funciona assim. Mas é mais cômodo acreditarmos que estamos no controle,
iludidos por confortáveis sensações. No exemplo acima, o sujeito fantasiou uma situação, ainda que
cotidiana e simplória, e acabou por se frustrar. Estava planejando um dia de paz, mas teve que se
confrontar com situações externas e alheias à sua vontade. A condição de paz seria: que o telefone não
tocasse, que o sujeito não precisasse desviar seu caminho, que houvesse energia elétrica disponível
naquele momento, que a empregada não tivesse queimado a roupa, que o cachorro não latisse. Se num
caso de planejamento isolado é possível ocorrer tantos contratempos, podemos imaginar como seria se os
planos fossem feitos em conjunto.

Nada além do universo interior pode estar sob nosso controle, e é exatamente esse universo que
entregamos nas mão de nossos demônios e dos demônios dos outros também.

As ilusões de que temos controle, as sensações de que estamos no controle, nos dão uma idéia
segurança, uma falsa idéia, pois são meras ilusões, meras sensações. O desejo de controle gera o medo do
descontrole, o desejo de segurança gera o medo da insegurança.

Queremos controlar o trânsito, os sentimentos e as emoções alheias, as condições do tempo, o


dinheiro, o trabalho, as tarefas diárias, etc. Temos medo de que algo dê errado, de que algo escape de
nosso controle. O que preferimos ignorar é que, na realidade, nada esteve sob nosso controle.

Como controlar o dinheiro? Impossível, pois inúmeros imprevistos podem acontecer. Podemos
controlar, sim, a ganância, o consumismo, a tendência ao desperdício. O dinheiro não. A ganância, o
desejo de ter sempre mais, está dentro de nós. O consumismo é uma ilusão, uma compulsão, que também
está dentro de nós. E o que está dentro de nós é passível de controle.

Há pessoas que passam a vida planejando e nada fazem. Sempre encontram possibilidades de
falhas, erros, catástrofes, e hesitam diante delas. Planejar é algo um pouco diferente de tomar as medidas
necessárias para fazer algo acontecer.

É comum, quando algo dá errado após exaustivos planejamentos, nos exasperarmos e dispararmos
uma série de queixas, dizendo que nos matamos de trabalhar, que pensamos em todos os detalhes, que
nossos planos eram perfeitos, que não é justo o ocorrido. Porém, não nos perguntamos se chegamos a
acreditar que realmente poderia dar certo. Provavelmente, estávamos mais preocupados com o que
poderia dar errado. Estávamos mais preocupados em controlar.

Acabamos por gerar fadiga, estafa, ansiedade, na tentativa desesperada de controlar o mundo
externo. Mal conseguimos controlar o presente, e ainda assim pretendemos controlar futuro. Não
conseguimos aceitar aquilo que não está sob nosso controle. Somos inseguros demais, não temos fé
suficiente para saber aceitar o que não dominamos. Algumas vezes, podemos até ter um certo grau de
influência sobre as coisas, mas isso não é controle, e logo saberemos.
Uma grande sábia indiana disse:

A vida consiste em enfrentar numerosas responsabilidades, as demandas de uma situação


particular, as pessoas com quem estamos envolvidos, a família, os colegas de profissão. Assim o mundo
nos induz a ações involuntárias. Podemos ter a impressão de que temos uma certa escolha, no casamento,
por exemplo, nas amizades que fazemos ou nos interesses que cultivamos, mas a escolha é
freqüentemente bastante ilusória. O casamento pode parecer resultado de uma livre opção, mas de fato as
circunstâncias nos põem em contato com um número muito limitado de pessoas, e os nossos impulsos
interiores entrando em ação naquele contexto e naquele circulo particular, criam uma escolha que não é
realmente verdadeira. Nós praticamente caímos nos braços da situação. Se formos inteligente o suficiente,
poderemos tirar o melhor proveito dela. De qualquer modo, desde a infância as condições exteriores nos
impõem padrões e valores que assimilamos inconscientemente, essas são as fontes dos impulsos ocultos
que resultam em ações.

No Oriente, fala-se sobre uma escravidão pelo karma. O karma não é uma lei abstrusa agindo no
universo, tão pouco é um processo abstrato, ele se manifesta em nossas vidas porque somos dominados
por nosso ambiente e pelas condições à nossa volta, nós somos levados a ações em busca involuntária,
porque desde cedo em nossas vidas, absorvemos como uma esponja as idéias e valores predominantes em
torno de nós. Esses valores são de muitos tipos, geralmente estamos inconscientes de suas implicações.
Podemos alterá-los um pouco, mas apesar de tudo aceitamos o condicionamento. As nossas buscas, que
parecem ter sido feitas livremente, surgem do solo dessas noções que absorvemos.

Quando percebemos nossa ignorância, nossa nulidade, quando abrimos espaço para errar, quando
abrimos mão do controle, estamos nos abrindo também para a incerteza. Pode parecer contraditório, mas
somente a incerteza pode nos trazer confiança. O controle não pode nos dar segurança, confiança, a
própria idéia de controle traz consigo a insegurança, o medo do descontrole. Entregar-se às incertezas é
uma demonstração de fé, de devoção. É como dar um passo para um abismo, onde somente a fé pode nos
sustentar. E, quando damos este passo, sentimos a força da liberdade, da paz, do amor.
Sobre a Ilusão do Futuro (A Fuga do Presente)

A busca de prazeres externos através da TV, seja assistindo jogos, shows ou novelas, é uma
fuga da realidade. Essas formas de entretenimento não passam de ilusões para tentarmos suprir o vazio
interior.

Existem lares em que cada pessoa tem sua própria televisão. Assim, vivem mais intensamente sua
alienação particular, sua ilusão. Distanciando-se do convívio com o outro, não precisam se ver no espelho.

A busca destes prazeres acaba se tornando um vício, que transforma essas pessoas em vídeo-
dependentes. O mesmo também costuma acontecer no mundo virtual, proporcionado pelo computador:
jogos eletrônicos, e–mails, salas de bate–papo, mensagens instantâneas, etc.

Outro dia um certo palestrante contou uma historinha:

Uma mãe entra no quarto e vê o filho assistindo TV. Pergunta se está tudo bem, preocupada com o
fato de ele estar ali já há um bom tempo. O filho responde que está tudo bem e diz à mãe que, se algum
dia ele adoecesse e ficasse dependente de uma máquina, preferia morrer. Então a mãe lhe responde que
ele já pode morrer, já que está totalmente dependente da TV.

Quando assistimos TV, costumamos nos projetar e nos identificar com os personagens e com as
situações de um filme, uma novela, etc. Choramos, sentimos raiva, ficamos tristes, nos realizamos através
desses personagens. Com essas identificações, fortalecemos nossos egos, nossas mágoas, nossos
sofrimentos, nossas fantasias, nossos medos, condicionamentos, padrões. Casos de sofrimento, de
heroísmo, fortalecem o herói lutador e sofredor que carregamos dentro de nós. Precisamos renunciar ao
sofrimento. E isto significa renunciar ao nosso passado mal interpretado, mal compreendido. Isto significa
renunciar ao que somos para que possamos nos tornar algo que não somos.

A diferença entre ilusão relacionada à televisão e a ilusão relacionada ao futuro é que, quando
desligamos a TV, sabemos que nada daquilo era real, ao passo que, na ilusão direcionada ao futuro, o filme
nunca acaba, e passamos a tê-lo como uma verdade.

Um bom exemplo disso é a fantasia depositada nos filhos. Acreditamos que o nascimento de um
filho pode melhorar o casamento e a vida, começamos a fantasiar o que irá acontecer a partir de sua
existência. Passeios, a primeira palavra, um cônjuge agradecido e feliz, uma família invejável, ensinamentos
que podemos passar à criança, seu crescimento saudável, sua formatura na faculdade, seu sucesso, uma
grande carreira grande profissional. A fantasia vai longe.

Quando olhamos um filho, estamos olhando muito mais para a nossa fantasia do que para o
próprio filho. E ficamos felizes por isso. Vivemos a fantasia. Antes mesmo que a criança faça alguma
coisa, já ficamos gratos pelas alegrias que ela poderá nos dar. Realizamos nossas frustrações através
dela, fantasiamos que desta vez tudo vai dar certo, que estamos mais maduros. Este novo ser realizará
tudo o que não tivemos chance de realizar. E a fantasia voa cada vez mais longe, ao ponto de nos
esquecermos da realidade, da vontade do filho. Nada é levado em conta, somente nossos sonhos, nossas
utopias, nossos desejos. É como um filme que se projeta em nossa mente. Com isso, a frustração é
praticamente inevitável.

É certo que o mesmo não se dá exclusivamente no caso dos filhos e pode ser estendido para
muitas esferas. Também pode acontecer quando o foco é um emprego, um casamento, um namoro,
viagens, um carro, um imóvel, etc.

Vivemos fantasiando um futuro que poderá nunca existir. Com isso, perdemos a magia do momento
presente, da realidade. Vivemos de fantasiar o futuro e esquecemos de um importante detalhe: quando o
futuro chegar, quem garante que estaremos lá?
Sobre a Ilusão do Otimismo e do Pessimismo

Ter otimismo não é o mesmo que ter espiritualidade, não é o mesmo que ter fé. É apenas um
padrão de pensamentos, de bons pensamentos. Mas mesmos os bons pensamentos são utilizados pelos
egos - pelo ego da ganância, da vaidade, do orgulho, da ironia, do sarcasmo, etc.

Acreditamos que rezar, pensar positivo, ser otimista, repetir frases positivas, pode fazer com que
algo dê certo. Mas, nem nos momentos de nossas orações temos fé.

A vida é feita de bons e maus momentos. Ver nesses momentos uma oportunidade de aprendizado
é algo saudável. Valer-se do otimismo para negar os maus momentos ou ver os bons momentos com olhos
pessimistas é negar a realidade.

O otimismo é uma forma de pensar muitas vezes polarizada e frágil, visto que situações contrárias
ou indesejáveis podem transformar um otimista em pessimista, com raiva da vida, com raiva de Deus.

Espiritualildade nada tem a ver com o excesso ou com a falta de bens.

Otimismo e pessimismo são dois pólos de uma mesma ilusão, de uma mesma falta de
compreensão da vida. Um crê no pior, o outro no melhor – logo, ambos são crentes. Um se apega à idéia
do pior, o outro se apega à idéia do melhor – logo, ambos são apegados. Um está condicionado pelo pior, o
outro está condicionado pelo melhor – logo, ambos são condicionados.

Aquele que tem fé, que tem sabedoria, não se deprime nos maus momentos nem, tampouco, entra
em euforia nos bons momentos.

As crenças geram recorrências, as recorrências reforçam as crenças. Uma vez que nossas crenças
criam a realidade em que vivemos, melhor ser otimista. Mas nada ou muito pouco disso pode contribuir
verdadeiramente para a nossa evolução espiritual.

Pensamentos, positivos ou negativos, são apenas o resultado de conceitos, preconceitos, valores


ou padrões previamente formados e a identificação que se faz com eles.

De um modo geral, alguns gurus do “pensamento positivo” incitam as pessoas a pensar em


dinheiro, a imaginar que tem dinheiro, que está bem de vida, que já possui o carro ou a casa dos sonhos,
que atingiram o sucesso. Instruem-nas a visualizarem-se trabalhando em determinada empresa e a dizerem
constantemente que se amam, que se aceitam. O que muitos não percebem é que, ao agirem desta
maneira, estão dando vazão à ganância, à luxúria, à avareza, ao orgulho, à vaidade, aos apegos, aos
desejos, ao egoísmo, à auto-adoração. É mais do que evidente que ninguém vai evitar de se magoar, de se
sentir inferior, pelo simples fato de repetir diariamente para si mesmo que se aceita. O máximo que esses
indivíduos podem conseguir é esconder um pouco as suas vulnerabilidades, o que é auto-engano.

As frases típicas desse tipo de “pensamento positivo” nada resolvem. Também são uma forma de
negar a realidade, de se auto-enganar. Nossa mente já vive abarrotada de idéias e conceitos, e está
profundamente embotada por tudo isso. Logo, só pioramos o quadro ao congestioná-la ainda mais com
essas frases de apelos “positivos”.

De nada adianta dizermos todos os dias para nós mesmos que somos felizes, que temos sucesso,
saúde ou outra tolice imaginária qualquer. Os imprevistos acontecerão, quer digamos ou não que temos
saúde ou sucesso. De que adianta ficarmos repetindo belas frases de impacto, se não trabalhamos sobre
nós mesmos?
Sobre a Ilusão do Status e da Posição Social

Somos escravos do desejo de fama, de poder, de status, de admiração, de adoração, de aceitação.

É muito interessante observar como fantasiamos a nossa realidade profissional, social. Orgulhamo-
nos, envaidecemo-nos por nossas posições sociais, nossos cargos.

Quando encontramos alguém, não perdemos a oportunidade de falar onde trabalhamos, sobre o
nosso cargo, nossas atribuições. Temos uma necessidade crônica de mostrar aos outros que estamos bem,
de projetar nossas fantasias para o mundo.

Segundo nossos conceitos, e os conceitos da sociedade, de um modo geral, uma pessoa que
ocupa um cargo de destaque, que trabalha em empresa de grande porte, que mora em bairro nobre, é uma
pessoa de sucesso, alguém importante, admirado.

Inseridos na ilusão do mundo, cegos pelo desejo, pela auto-adoração, não conseguimos enxergar a
realidade. Em verdade, nem queremos ver a realidade.

Como já mencionado anteriormente, somos todos escravos do desejo de fama, de status, de


admiração, de adoração, de aceitação.

Somos todos escravos dos conceitos da sociedade, da mídia. Corremos atrás destes falsos
brilhantes sem sequer perguntarmo-nos por quê. Distantes da realidade, conquistamos ouro de tolo com a
sensação de termos conquistado ouro maciço.

A mídia, a sociedade, os pais, todos nos dizem o tempo todo: estude nas melhores escolas, seja
importante, um profissional de sucesso, famoso; mostre seu valor, esforce-se, realize seus sonhos. É isso
que todo mundo quer. Seja competente, seja necessário, faça a diferença! Estimulam a competição e a
disputa. Somos atirados ao ringue. Como conseqüência, pagamos o preço de conviver com a inveja, com a
auto-cobrança, o ódio, a discórdia, a frustração, a insatisfação, o descontentamento. E vamos passando
isso adiante, sem questionar.

As escolas são classificadas, os alunos são classificados. Aqueles que obedecem, que conseguem
se adequar mais e melhor aos padrões, aos interesses dos poderosos, aqueles que estão fascinados pela
ração e bom pasto, são os bons bois, os bois que seguem felizes e contentes para o abatedouro. As
empresas buscam seus profissionais dentro desta classificação. Ingenuamente, as pessoas são tomadas de
orgulho e vaidade, e buscam, com todas as suas forças, o preparo necessário para atender tais interesses.

Assim, vivem uma fantasia em função de seu status, orgulhosas e vaidosas de sua posição social,
cargos, títulos. Não percebem, e não querem perceber, que estão escravizadas. Não percebem que estão
numa senzala de luxo, até porque não suportariam tal idéia. Não percebem que estão fazendo o que não
querem, o que não gostam, apenas para obter a cenoura que alguém pendurou na ponta da vara. Não há
vantagem alguma em o ser chefe da senzala ou o líder de um grupo de escravos. Não é motivo de orgulho
ou vaidade ser o escravo que dirige o carro de boi, ao invés do que corta cana; ser o capitão do mato, ao
invés do escravo comum. A escravidão é a mesma.

Antigamente, os escravos eram obrigados a fazer determinadas tarefas. Para cada tipo de tarefa
era necessária uma determinada aptidão. Assim, os poderosos escolhiam os escravos a serem comprados
a partir da análise de determinadas características.

Atualmente, podemos, de certa forma, escolher a tarefa que vamos fazer. Mas devemos nos
preparar para essa tarefa, devemos desenvolver as aptidões necessárias. Uma vez que, nos dias de hoje, o
número de vagas é limitado e existem muitos pretendentes, os poderosos escolhem os pretendentes a partir
de uma análise um pouco mais complexa e criteriosa.

Como foi muito bem alegorizado no filmes Matrix e A Ilha, em um dado momento, alguém percebe
que as pessoas trabalham mais e melhor quando existe algum tipo de esperança, de expectativa, por mais
ilusórias que estas possam ser. Da mesma forma, em nosso dia-a-dia, somos estimulados pela esperança,
pela expectativa de comprar nossas próprias roupas, nossa própria casa, nosso próprio carro, de conquistar
status, fama, poder, de ter diversões, sensações de prazer, férias, qualidade de vida, viagens. Enfim, somos
movidos pela ilusão de sermos livres, de fazermos o que quisermos, ainda que por alguns momentos. E,
estas esperanças, estas expectativas, são permanentemente incentivadas, para que a máquina humana
produza e consuma cada vez mais.

Ninguém sofre por sofrer, ninguém permanece em uma situação de sofrimento sem que exista nela
algum tipo de prazer, sem que estejam em cena a sensação de prazer momentâneo ou, sobretudo, a
expectativa de prazeres futuros. E estas expectativas de sensações de prazeres futuros acabam por nos
cegar, por embotar nossas mentes, tornando-nos prisioneiros de uma ilusão.

A verdadeira qualidade de vida, as verdadeiras férias, os verdadeiros refúgios, estão na mente e no


coração tranqüilos do sábio, do liberto dos desejos.

A ameaça de ir para o tronco ainda ecoa pelos ares, sendo que os castigos de hoje se dão muito
mais na esfera psicológica do que na física, e a crueldade desse tipo de castigo talvez seja ainda maior.
Paralelamente, também ecoa a vaga esperança de escapar para algum quilombo.

As barras das prisões, as paredes, as correntes, foram trocadas pelo aprisionamento das mentes,
cultivando e desenvolvendo o desejo, o apego, a esperança, a expectativa, o sonho, a fantasia. E o
resultado disto é muito mais devastador do que as prisões, as paredes, as correntes. Por uma tola ilusão,
muitos de nós ainda trocamos as barras e as correntes de ferro das prisões psicológicas por barras de ouro,
que passamos a adorar.
Sobre a Inveja

A inveja está ligada com a insatisfação, a ingratidão, a não aceitação, o descontentamento o


fingimento, a mentira, a hipocrisia, a traição, a dissimulação, a maldade, a discórdia, a falsidade, a
vingança, a falta de caráter, a fraqueza, a incapacidade e a incompetência.

Identificados, fascinados pelas nossas fantasias, nós as projetamos para o mundo, acreditamos que
elas são a realidade de nós mesmos. Deste modo acreditamos que as fantasias dos outros também são a
realidade sobre eles. O que nos leva ao conflito, à irritação, à inveja, à competição, ao medo, à vergonha e
ao desejo.

A pessoa vaidosa quer aparecer, odeia todos aqueles que ofuscam sua imagem, a que ela tenta
projetar. Logo, a vaidade traz também a inveja, o ser vaidoso sente inveja de qualquer indivíduo que pareça
ser ou ter mais do que ele, quer a atenção e a adoração de todos, quer elogios e aplausos só para si.

A vaidade envolve a inveja, a insatisfação e a privação dos outros. A vaidade envolve competição,
conflito e humilhação, portanto, o resultado não pode ser bom. Todos esses sentimentos causam dor,
sofrimento, violência, brigas e até mesmo guerras.

A sensação de ser invejado é reflexo da nossa própria inveja, dos conceitos, dos padrões, da idéia
do que isso vem a ser. Logo, um sujeito vaidoso é também um sujeito invejoso, insatisfeito; ou seja, projeta
para os outros a sua inveja, sua insatisfação e tem a sensação de estar sendo invejado, admirado e
adorado. Direta ou indiretamente, a vaidade causa sofrimento em quem a sente. Ela gera medo,
insegurança, auto-cobrança, incerteza, dúvida, insatisfação, vergonha, timidez, inveja, sentimento de
inferioridade, raiva, irritação, ansiedade e preocupação.

Manifestações exageradas de dor pela dor de alguém podem encobrir uma certa satisfação.

Podemos perceber nas conversas o quanto incomoda algumas pessoas quando contamos algo de
bom que nos aconteceu, mas é só começar a contar uma tragédia que muitos outros se interessam. Os
altos índices de audiência dos programas de televisão sobre o sofrimento, o drama e a desgraça alheia
confirmam esse interesse.

A inveja é a tristeza, a raiva, a mágoa com o bem alheio, é a alegria pelo mal dos outros. Ela gera
sentimentos de impotência, inferioridade, insatisfação, descontentamento e ingratidão.

Quando criticamos alguém, quando diminuímos, ofendemos, quando temos necessidade de falar
mal de alguém, provavelmente estamos sentindo inveja.

Na escola, na família e na sociedade são incentivadas a comparação e a competição, mas ambas


levam à inveja que é condenada pelos mesmos que as incentivaram.

É preciso abandonar a idéia de competição, pois os que ganham sentem prazer e os que perdem
sentem inveja, raiva e buscam vingança. A própria sede de prazer é inveja e gera a condição de vingança.

Existe uma inveja destrutiva, cheia de revolta, uma inveja que leva as pessoas a quererem destruir
as outras pessoas, a estragar o que as outras pessoas possuem. E existe uma outra inveja que é auto
destrutiva, uma inveja cheia de mágoas, de situações onde as pessoas se colocam como vítimas. As duas
escondem crianças mimadas.

A inveja autodestrutiva esconde um eu derrotista.

A inveja esta baseada no desejo de vir a ser, do tornar-se, do conquistar algo, do ter algo para ser
alguma coisa. Este é o desejo de ser alguém.

A crença de que existe algo ali melhor do que o que esta aqui, característica de pessoas, bens,
amizades, posições e empregos, gera inveja.

Alguns aspectos da esperança escondem inveja. Se desejamos aquilo que os outros possuem é
porque não estamos contentes com o que temos, não somos gratos e não reconhecemos o que recebemos.
Ao invés de darmos atenção ao presente, de sermos gratos pelo que temos ou pelo que somos, estamos
esperançosos por algo melhor que possa vir num futuro qualquer. Se mudássemos essa forma de pensar e
nos tornássemos atentos àquilo que está ocorrendo, poderíamos ser gratos, poderíamos encontrar algo que
nos trouxesse satisfação, contentamento, paz e felicidade.

A renúncia leva à extinção da inveja. Aquele que renunciou ao luxo, ao status, à competição, às
fantasias, às ilusões, à fama, às paixões, aos falsos brilhantes, e deixa de desejar essas coisas, está livre
da cobiça e da inveja; já não precisa se preocupar com o que os outros pensam ou vão pensar.

As pessoas generosas e altruístas, que mantêm seu coração aberto e compassivo, sempre se
alegram com as conquistas, vitórias e alegrias dos outros. Seu real desejo é ver a felicidade do próximo.

Já os egoístas e invejosos têm o coração endurecido por uma visão distorcida da realidade, onde
estão presentes a competição, a maldade, a raiva, a tristeza e a frustração. Não sabem servir e acreditam
que todos estão sempre a se aproveitar deles. A raiva que sentem dos outros é, no fundo, a raiva que têm
de si mesmos. Essas pessoas desconhecem o que é gratidão, satisfação e contentamento; por
conseguinte, desconhecem o que é paz, o que é felicidade. Vivem atormentadas por seus próprios
demônios.

A idéia de que os outros estão a se aproveitar, a abusar de nós, não passa pela mente dos
altruístas, dos generosos e daqueles que têm um coração compassivo. Esse tipo de pensamento existe
apenas no coração e na mente dos maldosos. Nada disso está nos outros, é apenas mais uma projeção,
mais um auto-engano, mais um aspecto da auto-adoração e da auto-importância. A teoria da conspiração
está na mente dos conspiradores, a maldade está na mente dos maldosos e a bondade no coração dos
bondosos.
Sobre a Lei da Atração

A verdadeira Lei da Atração está no nível de ser predominante em cada um de nós. Se o nosso
nível predominante de ser é a condição de bêbado, estaremos junto aos bêbados. Se o nível predominante
é de o da miséria interna, estaremos junto aos miseráveis.

Nascemos no seio da família “N” por sermos iguais aos nossos familiares. Estudamos com os
colegas “X” por sermos também semelhantes a eles. Moramos no local “Y” por termos pontos em comum
com os moradores dali. Trabalhamos com as pessoas “Z” por sermos similares a elas.

O externo é o reflexo do interno. Para mudarmos o externo, devemos operar em nós profundas
mudanças internas. Isto não significa mudar algumas idéias superficiais ou subjetivas. Aborda-se aqui uma
mudança mais radical, uma mudança do nível de ser.

Atualmente, fala-se muito sobre a Lei da Atração. No mundo espiritualista, diz-se que se deve
pensar em dinheiro para atrair dinheiro, que se deve pensar em riqueza para atrair pessoas afins e, com
isso, mudar de vida. O que as pessoas não percebem é que estão dando vazão à ganância, à luxúria, à
avareza, ao orgulho, à vaidade, aos apegos, aos desejos, ao egoísmo, e que, desta forma, atrairão outros
gananciosos, luxuriosos, avarentos, orgulhosos, vaidosos, apegados, desejosos, egoístas.

As pessoas distorcem a Lei da Atração segundo suas idéias, necessidades, defeitos, fantasias e
ilusões, na ânsia de satisfazer seus desejos.

Esta Lei, que os indivíduos deveriam utilizar para observar o meio em que vivem e se auto-
conhecerem, está sendo banalizada, mal utilizada, ridicularizada. Isto mostra o nível de degeneração da
nossa humanidade, e, uma vez degenerados, não atrairemos nada além de outros degenerados.

Pode até ser que algumas pessoas consigam melhorar sua vida financeira a partir de pensamentos
direcionados, mas enquanto continuarem a carregar o fardo dos egos dentro delas, continuarão a sofrer ou
sofrerão ainda mais.

Muitos que buscam atrair prosperidade acabam por se auto-enganar e começam a negar a
realidade. Uma coisa é não cultivar pensamentos negativos e outra, muito diferente, é negar a realidade.

A Primeira Nobre Verdade do Budismo nos diz que o sofrimento é uma realidade humana. Dentro
do sofrimento residem a raiva, as doenças, a mentira, a mágoa, o medo, a vergonha, a inveja, a tristeza, a
rejeição, o desprezo, a indiferença, a perda, o ressentimento, a repressão, a ansiedade, a avareza, o apego,
a exposição, o erro, a inferiorização, a humilhação, a infelicidade, o abandono, a dor.

Se negarmos esses sentimentos, não seremos capazes de atrair prosperidade, pois estaremos
praticando a mentira, o auto-engano, a falsidade. Ao contrário, o que iremos atrair são os enganadores, os
mentirosos, os falsos.

Frases positivas nada resolvem. Também são uma forma de negação da realidade, de auto-
engano.

Precisamos compreender a nós mesmos, compreender os nossos defeitos, as nossas misérias, os


nossos sofrimentos. Precisamos morrer de instante em instante, de momento a momento. Estas práticas
fazem parte da Terceira Nobre Verdade do Budismo, a Verdade da Extinção do Sofrimento.

O objetivo do ser humano saudável é livrar-se das misérias da vida, ao invés de cultivá-las,
fortalecê-las ou prolongá-las.
Comentários e Questionamentos

- Eu acredito na Lei da Atração, mas acredito que não seja necessário negarmos a realidade! Você
tem razão! É preciso que procuremos nos conhecer mais profundamente e acharmos onde estamos no
momento, o porque estamos e para onde queremos ir! Porém, é preciso que tenhamos objetivos e metas a
seguir. Sem objetivos ou sem sonhos, não chegamos a parte alguma!

Sonhos são fantasias, projeções da mente, as fantasias embotam a mente, precisamos parar de
sonhar. Não podemos cultivar falsas expectativas, falsas esperanças. Infelizmente, todos nós vivemos de
ilusões, de expectativas e esperanças fantasiosas, por exemplo, casar, conquistar a casa própria, ter filhos,
um emprego melhor, um carro novo. Tudo isso é motivo de sofrimento.
Sobre a Má Vontade

Olhando para o mundo, podemos notar a má vontade dos governantes. Mas o externo é apenas um
reflexo do interno. Assim, se olharmos para dentro de nós mesmos, veremos que o nosso mundo interno, nosso
país interno, nossas cidades internas, são quase todas governadas pela má vontade.

A má vontade permeia muitas das nossas ações, que podem se manifestar de forma grosseira ou sutil.
Ela não é um dos 7 Pecados Capitais, mas parece colaborar com a atuação de todos eles.

O Senhor Buda coloca a má vontade como um dos cinco obstáculos que distorcem a percepção e
corrompem o nosso pensamento.

Má vontade é o impulso negativo que nos impede de ver, ouvir, sentir, fazer, o que não queremos. Ela
nos cega para o que é desagradável e para o que é contrário à nossa opinião ou desejo.

Em um dado sentido, agir com má vontade não é muito diferente de roubar, enganar, trair, já que
aceitamos fazer algo, assumimos fazer algo, e não o fazemos da devida maneira.

Muitas vezes, a má vontade está ligada à raiva, brutalidade, vingança, grosseria, preguiça, desdém,
desrespeito, desprezo, fraqueza, incapacidade, maldade. Também pode estar associada ao desejo de poder, à
sensação de poder, de prazer.

A expressão da má vontade mostra nosso orgulho, fraqueza, mágoa, dúvida, indecisão, mostra nossa
falta de bondade, compaixão, compreensão, paciência, tolerância, contentamento, gratidão, satisfação. Ela
aparece estreitamente ligada à auto-importância e o amor próprio, fruto da nossa auto-adoração. Afinal,
amamos demais a nossa personalidade, somos por demais apegados a nós mesmos.

Queremos ter prazer, ou sensações de prazer, em tudo o que fazemos. E, quando isto não ocorre,
ficamos insatisfeitos, descontentes. E o que não nos traz prazer, fazemos com má vontade. Assim, a ausência
de prazer em nossas ações representa um obstáculo, que resulta na má vontade. Mas isso só ocorre porque
definimos, conceituamos, o que é bom e o que é ruim. Isso só ocorre porque nos apegamos às sensações
prazerosas e repudiamos as não prazerosas. Falta-nos equanimidade.

A má vontade acontece porque não sabemos servir, porque agimos em benefício dos outros, de outras
personalidades. Não fazemos de nossas ações atos de devoção, de entrega, de servidão. Assim, do fato de se
fazer algo para uma outra personalidade logo surge o herói, a vítima, o injustiçado, o sofredor. E, junto com
eles, a mágoa, o ressentimento, a raiva.

Agimos com má vontade quando não agem bem conosco. Nosso comportamento é condicionado,
escravizado, dependente, profundamente inconsciente.

Muitas vezes, quando tratamos mal as pessoas, quando somos impacientes, intolerantes com elas,
quando nos irritamos e ficamos nervosos, é porque estamos dominados pela má vontade decorrente de
conceitos que fizemos em relação a essas pessoas ou de nossas mágoas, por estarmos presos a situações do
passado, apegados às situações de sofrimento do passado.

E, principalmente, é porque nos falta bondade e compaixão. Logo, desenvolver e cultivar uma mente e
um coração plenos de bondade e compaixão é a saída para a libertação.

A má vontade se expressa através de críticas, reclamações, demonstrações de insatisfação consigo


próprio e com a vida, em geral. Uma outra forma de expressão da má vontade é quando arrumamos desculpas,
explicações, justificativas, para as nossas más ações, para a nossa miséria interior, o que revela falsidade,
hipocrisia. Desculpas e explicações refletem um interior de desculpas e explicações para não aceitar nossos
erros, para negar as manifestações do ego.
Por má vontade, fazemos as coisas de qualquer jeito, sem atenção, sem capricho. Por medo,
insegurança, agimos de má vontade, sem nos importarmos com o que fazemos ou para quem fazemos. Tudo o
que queremos é nos livrar da tarefa assumida rapidamente.

Também existe em nós muita má vontade para as práticas espirituais. O demônio da má vontade atua
em nós de forma muito astuta, sempre com uma boa desculpa e explicação para tudo. E nos influencia a nos
distanciarmos das práticas espirituais, sob o pretexto de que não as compreendemos, de que parecem não
fazer sentido.

Arrumamos desculpas, justificativas, como fôssemos muito bem intencionados e nada mais
pudéssemos fazer para melhorar qualquer situação; como se a vida fosse da maneira que é e nada
pudéssemos fazer para transformá-la; como se fôssemos o que somos e nada pudesse ser feito para nos
modificarmos. Mas qualquer um de nós já deve ter passado por experiências que nos levaram a uma
compreensão mais abrangente da vida e a uma conseqüente mudança, transformação. Ora, parece evidente
que, se compreendêssemos a fundo certas situações, poderíamos mudar muitos outros pontos, até mesmo
aqueles dos quais nem fazemos idéia. Sempre que percebemos algo novo, tudo parece tão claro, tão evidente,
que, ao analisarmos racionalmente o ocorrido, mal conseguimos acreditar como não havíamos percebido antes
tal situação.

Podemos mudar, podemos mudar muito, podemos mudar radicalmente. Mas, para tanto, precisamos de
muita vontade, força, decisão, firmeza.

Os mais acomodados preferem acreditar que existe uma evolução no plano espiritual e que aqui no
plano físico nada pode ser feito. Assim, acreditam que não precisam mudar suas atitudes, seus
comportamentos, seus conceitos e opiniões. Acreditam que podem continuar a viver como vivem, que podem
continuar a usufruir das sensações de prazer proveniente de seus desejos e paixões. Acreditam simplesmente
que o corpo tem seus anseios e vontades, e nada pode ser feito para mudá-los. Acreditam que os julgamentos
que a mente faz a partir dos sentidos não podem ser alterados.

Mas todas as grandes religiões, todos os Mestres, ensinam que o primeiro passo está na mudança da
forma de pensar e de agir. A Doutrina de Buda e o Cristianismo Místico são muito claros nisso. O Budismo
ensina que o pensamento precede a ação. Ou seja, a mudança da forma de pensar precede a mudança da
forma de agir. O exemplo dos iluminados, dos santos, dos mestres, está em seus comportamentos, suas
formas de pensar. A legitimidade de um santo é expressa por atos, palavras, sentimentos, é expressa por
virtudes. A santidade se expressa por meio de fatos. As mudanças internas são refletidas no mundo externo, ou
seja, quando mudamos internamente, nossos atos, nosso comportamento, nossos interesses, os lugares que
freqüentamos, também mudam.

A mudança em nossa forma de fazer, pensar, sentir, imaginar, é a transformação em si mesma, é a


própria transformação. Se não deixamos de sentir mágoa, raiva, inveja, não mudamos nada. Se não deixamos
de pensar em perversidades, vinganças, volúpia, não mudamos nada. Se não deixamos de lado as grosserias,
as fofocas, as zombarias, a confusão, as brigas, as disputas, não mudamos nada.

A consciência, a compreensão e a vontade podem submeter o corpo. Os desejos podem ser


compreendidos e eliminados. Não podemos confundir desejo com vontade, ou desejo concentrado com
vontade, ou ainda o anelo da alma com o desejo mundano, egoísta. O ego pode e deve ser eliminado. Aqui
ensinamos como isso pode ser alcançado. Julgar e classificar são coisas da mecanicidade da mente que
precisa ser domada, treinada, e dos egos que precisam ser eliminados. O ego é algo estranho à natureza
humana, e por esta razão deve ser eliminado.

Infelizmente, a cada vez que retornamos a este plano, recomeçamos tudo praticamente do zero. Isso é
algo que podemos constatar facilmente. Se as pessoas estivessem evoluindo, não haveria violência, guerras,
capitalismo mais que selvagem, corrupção, promiscuidade, vícios. O ser humano é hoje muito pior do que o que
foi no passado. E tudo aponta para que se torne pior a cada dia. O ser humano vem se degenerando a passos
largos. As idéias de aprendizagem no plano espiritual, em provas propostas, em missões, são fantasiosas.

É o desejo de continuar a fazer as mesmas coisas, a ter as mesmas sensações, é o apego ao mundo
físico, é a auto-adoração, a nossa profunda ignorância e nossa tremenda má vontade que nos impede de ver
tudo com clareza e agir com decisão, força, firmeza e vontade consciente na direção de uma mudança, de uma
evolução efetiva, de uma evolução baseada em fatos concretos.

Por má vontade, deixamos, às vezes, de fazer coisas que são necessárias, que fazem parte de nossa
função, de nossa obrigação. Por má vontade, podemos deixar de fazer coisas necessárias até mesmo à nossa
sobrevivência, nossa subsistência. Por má vontade, podemos agir com lentidão, de forma demorada, ou mesmo
negarmo-nos a fazer aquilo que nos é solicitado, a fazer favores, a prestar ajuda, a servir.

É má vontade, quando, ao nos pedirem um favor, pedimos para esperar um pouco, dizemos que já
vamos fazê-lo, que agora não dá. Assim, o que demonstramos é desprezo por aqueles solicitam nossa ajuda.
Colocamos sempre o que estamos fazendo, as nossas coisas, como prioridade, são sempre mais importantes
do que as necessidades do outro. Acreditamos que todos devem esperar pela nossa boa vontade, que
geralmente acontece no momento em que não temos mais nada de importante a fazer. Ocorre que, muitas
vezes, quando resolvemos enfim nos dispor a fazer aquilo que nos foi solicitado, já não é mais necessário, o
tempo passou. E, ao invés de nos arrependermos, sentimos alívio por não termos mais de fazer aquilo que não
queríamos. A questão não é se culpar, e sim se arrepender, reconhecer a falha e mudar, perceber a
necessidade da mudança.

Enfim, é por má vontade que nos sentimos incomodados quando nos solicitam ajuda, quando nos
pedem algo. É por má vontade que reclamamos, dizendo que estamos ocupados, que estamos descansando,
que não nos deixam em paz.

Agimos também com má vontade quando nos omitimos por medo de errar, por falta de confiança, e
vamos postergando, arrumando desculpas, justificativas, alegando falta de tempo, outras prioridades,
esquecimento. O que costumamos fazer é tentar achar alguém que faça por nós aquilo que nos foi solicitado.
Assim não corremos o risco de sermos mal vistos, de cairmos no conceito dos outros, de passarmos algum tipo
de vergonha. Isso decorre da preocupação com a auto-imagem, com o que os outros vão pensar, com o que os
outros vão dizer.

Podemos, ainda, agir com má vontade por interesse, porque a demora, a lentidão ou a omissão pode
nos trazer um benefício ilusório, uma sensação de estarmos levando vantagem.

E, finalmente, quando nos identificamos com pensamentos comodistas, do tipo: “as coisas são difíceis”,
“as coisas são complicadas”, somos tomados pela má vontade.

É preciso renunciar à má vontade.


Sobre a Mágoa

Por mais que tentemos não magoar alguém, isso sempre acaba acontecendo, de uma maneira ou
de outra. É inevitável. Na verdade, não somos nós que magoamos os outros, eles se magoam sozinhos.
Assim como não são os outros que nos magoam, nós nos magoamos sozinhos.

Quando nos preocupamos em não magoar uma pessoa, na realidade estamos preocupados com
nós mesmos, temendo ser rejeitados ou que alguém nos veja de uma forma que não é aquela que
desejamos mostrar.

Geralmente, quando achamos que não devemos dizer certas coisas ao outro porque ele pode se
sentir magoado, é porque o que queremos dizer nos magoaria, se nos fosse dito por alguém. É apenas
mais uma projeção, mais um aspecto da projeção.

Mas não é por termos consciência disto que vamos sair por aí dizendo absurdos e grosserias a
terceiros. Ao percebermos que as pessoas são vítimas e escravas das situações externas, nossa
responsabilidade aumenta, e, por esta razão, devemos respeitar as pessoas que estão nesse estado, ter
compaixão para com elas, que ainda não podem enxergar a verdade que outrora também não
enxergávamos. E, certamente, ainda teremos muitas outras verdades para descobrir.

Assim, somente quando percebemos, por nós mesmos, que não são os outros que estão nos
magoando, mas nós mesmos que ficamos magoados com nossos egos, é que podemos compreender os
outros, compreender por que ficam magoados. Ninguém além de nós mesmos é responsável por nossos
desejos, fantasias, ilusões, planos, expectativas, esperanças. Somos nós que criamos e alimentamos tudo
isso. Da mesma forma, ninguém também pode ser responsabilizado por nossas frustrações, desilusões,
decepções.

A mágoa esconde a auto importância, o achar que os outros deveriam nos dar importância,
reconhecer-nos pelo que fizemos ou achamos que fizemos por eles. A mágoa esconde a auto comiseração,
a dó de nós mesmos, o achar que não deveriam dizer ou fazer coisas para nós por que não merecíamos ser
mal tratados.

Enquanto temos dó, piedade dos outros é porque também temos de nós mesmos. Enquanto
achamos que o que vamos dizer ou fazer pode magoar alguém é porque ainda somos magoáveis e porque
ainda nos preocupamos em não sermos magoados. É mais uma vez a auto importância projetada. Mas
quando esta auto importância diminui a que se ter muito cuidado para que não esqueçamos dos outros,
desrespeitando, magoando os outros, quando esta auto importância diminui a que se desenvolver a
compaixão, a bondade.

Sempre que contamos nossas histórias de mágoa, colocamo-nos no papel de heróis injustiçados,
vítimas da maldade alheia, da crueldade do mundo perverso. Somos sempre os mártires que tudo fizeram
pelo outro, sem receber qualquer demonstração de reconhecimento; somos sempre os traídos. Em nossas
histórias, acreditamos ter agido sempre com generosidade, correção e justiça, criamos modelos
convenientes em nossa mente, uma ilusão para compensar a situação real e, assim, nos sentirmos bem,
nos sentirmos superiores.

Muitos dizem que perdoam, mas não podem nem olhar para a pessoa em questão, não a querem
ver nem pintada de ouro, e juram que nunca mais farão nada por ela.

Outro grande erro é ficarmos computando quantas vezes ajudamos alguém, na expectativa de, em
algum momento, sermos recompensados por isso. E, quando surge a oportunidade e a recompensa não
acontece, ficamos profundamente ressentidos. Primeiro, nos julgamos heróis, que se matam pelos outros.
Depois, nos comportamos como vítimas, acreditando só ter recebido deles injustiça e ingratidão.

O fato de não querermos magoar terceiros, de não querermos ser rejeitados, só nos leva a um
mundo de mentiras, de falsas desculpas, justificativas e explicações, de fingimento e dissimulação.

Sentimos mágoa de muitas coisas, a mágoa ocorre em muitas situações. Mas nem sempre
conseguimos percebê-la a fundo. Existem véus que encobrem a realidade, protegendo a psique, de alguma
forma. Podemos ter noção de algumas mágoas, mas é raro termos total consciência delas. Nem sempre
temos consciência do motivo exato que gerou certas mágoas. Por vezes, não temos sequer consciência de
que sentimos mágoa.
Costumamos achar que temos algumas poucas mágoas de grandes proporções e não nos damos
conta das inúmeras pequenas mágoas que nos afligem. E são estas as que mais nos destroem. Atuando de
forma sutil, elas são responsáveis por muitos de nossos condicionamentos. Enquanto nos ocupamos das
grandes mágoas, as pequenas mágoas, aquelas das quais não temos muita consciência, vão gerando
problemas reais no nosso dia-a-dia. As grandes mágoas são como uma cortina de fumaça para as
pequenas.

Insistimos em darmos importância ao que os outros dizem de nós. Guardamos e ficamos remoendo
qualquer reprovação, não aceitamos críticas. Dizemos que perdoamos, mas estamos sempre relembrando
o ocorrido. E, se nos perguntam por quê, respondemos que falamos por falar, que não há ressentimento
algum. Mas, se realmente não houvesse, os fatos não voltariam à nossa mente.

Por causa de certas mágoas, podemos agir de forma condicionada por toda a vida, se não
conseguimos verdadeiramente compreender. Tomemos como exemplo uma pessoa tenha passado por
situações de violência e brutalidade em sua infância. Quando adulta, essa pessoa tem seus filhos e tenta
compensar e inverter a situação através deles, enchendo-lhes de mimos, carinhos, cuidados, dando a eles
tudo o que não teve. Com isso, muitas vezes, não consegue se impor de maneira firme quando necessário.
Podemos dizer então que este relacionamento com os filhos está condicionado, escravizado pelo passado,
pelas mágoas.

Mas as mágoas não precisam estar necessariamente na infância. Há o caso daquela pessoa que,
por um motivo ou outro, vê seu relacionamento afetivo chegar ao fim. Então ela começa a se lastimar,
acreditando que foi muito concessiva com o parceiro, que tudo fez por ele e não foi reconhecida.
Obviamente, esta é uma análise pobre, egocêntrica, não é uma compreensão da situação. Por
conseqüência, a pessoa se propõe a, no próximo relacionamento, adotar uma postura mais exigente, mais
dura, mais firme, fazendo menos e cobrando mais. Ela acredita que, invertendo o comportamento, obterá
melhores resultados e sofrerá menos. E as chances de este próximo relacionamento dar certo também não
são promissoras, uma vez que não existiu uma compreensão dos reais motivos que prejudicaram a relação
anterior, e ela agora está escravizada por mágoas, ressentimentos, está condicionada ao passado.

Nos dois casos exemplificados acima, assim como em muitas outras situações, os personagens do
afeto são usados como objeto de satisfação de desejos, de necessidades. A pessoa que teve uma infância
de violência, por exemplo, vai se utilizar dos filhos, quando adulta, para se realizar através deles, ou seja,
vai utilizá-los como veículos para alcançar sua satisfação pessoal, a satisfação de seus desejos pessoais e
egoístas. Assim, não houve uma preocupação real com o bem do outro, com o desejo do outro, com os
sentimentos do outro, nada. E é o que acontece com a maioria de nós, nas mais diversas situações. No
fundo, estamos apenas interessados em nós mesmos.

O auto-conhecimento, a compreensão, ampliam a consciência, reduzindo o egocentrismo, os


desejos pessoais, neutralizando temores, esperanças, expectativas, mágoas, ressentimentos, ambições,
que sempre compensamos ou invertemos, de forma inconsciente. Assim, sem que venhamos a
compreender de fato as situações que nos afligem, tenderemos sempre a reagir de forma equivocada,
podendo, inclusive, gerar situações ainda piores.

Analisando um pouco mais a fundo o caso da pessoa cuja infância foi de brutalidade e violência,
podemos inferir que seus pais agiram desta forma por ignorância, segundo seus limites de compreensão e
seus condicionamentos. Neste caso, podemos afirmar, então, que o filho, ao se tornar um adulto, repete o
erro dos pais, agindo de forma igualmente condicionada. O que muda são as impressões de cada um.

Muitos podem ser os motivos que levaram esses pais à ação condicionada que se refletiu em
brutalidade e violência. Talvez a raiva de uma gravidez e um casamento indesejados, posteriormente
transferida à criança. Talvez uma revolta natural por parte dos pais. Talvez a dificuldade de se relacionar
com a própria criança. Talvez a insatisfação com a vida que levavam. Talvez a necessidade de passar a
imagem de uma figura inabalável, forte para a vida, ou por se acharem fracos, ou por verem parentes e
vizinhos no caminho errado, ou, simplesmente, por desejarem que os filhos não sejam como eles, que não
sofram o que sofreram. E, assim, agem da forma que lhes é possível para atingir seus objetivos em relação
aos filhos. E nem sempre a forma possível é a forma ideal.

É nosso egocentrismo, nossa preocupação com nós mesmos, nossa auto-importância e nosso
amor-próprio que nos impedem de enxergar os motivos pelos quais as pessoas são levadas a fazer o que
fazem. É nossa preocupação com o próprio sofrimento que nos impede de ver que os outros também
sofrem. É nossa estupidez que nos impede de entender que muitos agem por ignorância, de forma
inconsciente. É nosso egocentrismo, nossa preocupação com nós mesmos, nossa auto-importância, nosso
amor-próprio, nossa preocupação com o próprio sofrimento, nossa estupidez, que mantém as mágoas, os
ressentimentos e as infelicidades que nos afligem.

Com nossas boas ações, esperamos obter reconhecimento e elogio em troca. Não agimos
pensando no outro, não fazemos nada por fazer, não agimos por amor nem por devoção. Assim, quando o
reconhecimento ou o elogio não vem, sofremos. Ficamos magoados e nos colocamos como vítimas, sem
imaginar que, na verdade, os outros é que eram as nossas vítimas, já que estávamos nos utilizando deles
como veículos para nossa satisfação, para fomentar nossas necessidades de reconhecimento, de auto-
afirmação, de aceitação. Não, não somos vítimas. Não somos tão santos como imaginamos ser. Na
verdade, estamos muito longe de ser santos.
Sobre a Maldade

Para algumas pessoas, a necessidade de receber atenção e carinho, a experiência de ser aceito,
pode estar associada às agressões que sofreram por parte dos pais na infância, ao fato de ter sido motivo
de riso dos colegas, de ter sido reprimido por professores. Para outros, significa a simples necessidade de
bajulações, dengos, “melações”.

Considerando que somos meros imitadores, acabamos reproduzindo os exemplos que tivemos, e,
por ignorância, agiremos com maldade, se foi isto que recebemos. O que pensamos ser maldade, no
entanto, pode ser apenas uma defesa. O que pensamos ser maldade pode ser apenas a ignorância. Agimos
segundo nossas experiências. Se nossas experiências foram marcadas pela estupidez e violência, se foram
estes os exemplos que tivemos na vida, então nosso comportamento tenderá a ser assim. E se assim o for,
é devido à ignorância, ao desconhecimento de algo melhor e diferente, justamente por sermos meros
imitadores.

São os Eus maldosos que projetam pensamentos na mente, pensamentos com os quais nos
identificamos. Estes Eus se satisfazem com emoções negativas, com vibrações fortes, densas. É a nossa
própria maldade que nos leva a supor que estão querendo nos prejudicar, nos ofender.

Se alguém se dirige a nós de forma colérica, somos incapazes de considerar que pode ter ocorrido
alguma coisa grave a este alguém e que ele está apenas transferindo a sua cólera para nós. Se tivéssemos
um coração aberto, compassivo, bondoso, perceberíamos que esta pessoa pode estar atormentada por
seus próprios demônios.

Não podemos atribuir maldade aos outros, precisamos olhar para dentro de nós mesmos,
precisamos reconhecer nossa própria maldade.

A maldade é o prazer em fazer o mal. A malícia é a própria maldade. O prazer da vingança é


maldade. O prazer de humilhar, envergonhar, ridicularizar, coagir os outros é maldade. Os desejos e os
planos de vingança, de revanche, de revide, de destruição, são todos impulsionados pela nossa maldade.

O prazer em ver os outros sofrendo é maldade, crueldade. Chegamos ao cúmulo de chamar de


justiça, e até de justiça divina, o sofrimento de alguns. Mas é apenas nossa maldade que distorce a
realidade e se satisfaz com o sofrimento alheio, com aqueles que são despejados ou perdem sua moradia
em catástrofes naturais, com os que perdem seu emprego, que se envolvem em acidentes, que são
chamados à atenção, que são repreendidos.

Há atos de maldade que são visivelmente óbvios e concretos. Atos com intenções de lesar,
enganar, trair, ferir, desmoralizar, causar perdas, danos e dores, atos movidos pela vingança, pela
crueldade, violência, atos como assassinato ou intenções homicidas, são expressões grosseiras de
maldade.

Mas também existem aqueles atos de maldade que são bem mais sutis. É quando criticamos,
julgamos, reclamamos, zombamos, desprezamos, agimos com frieza, provocamos, irritamos, humilhamos,
expomos, entristecemos, envergonhamos, reprimimos, constrangemos, pressionamos, menosprezamos,
magoamos, rejeitamos, faltamos com o respeito ou ridicularizamos alguém. É quando agimos com
sarcasmo ou ironia. É quando assustamos, apavoramos, introduzimos pânico e horror em alguém; quando
criamos ou promovemos confusão, desavenças, desordens, discórdias, desarmonia, disputas, brigas,
discussões ou conflitos. É quando atormentamos, perturbamos, espezinhamos, azucrinamos, cutucamos,
espetamos, importunamos ou incomodamos a paz de outrem. Sempre que agimos desta forma estamos
praticando o mal.

Na verdade, nunca saímos de dentro de nosso próprio casulo, onde todos os pensamentos não
giram senão em torno de nós mesmos, onde todas as preocupações convergem somente para nós. Com a
mente embotada e a visão totalmente voltada para a própria existência, pensamos apenas nos sofrimentos
que nos afligem, nas dores que sentimos, nos nossos próprios desejos. Cegos pela expectativa de prazeres
fugazes, esquecemo-nos de nossa essência original e não medimos as conseqüências que nossos atos
podem trazer, tanto para nós como para os outros.

Apesar de dizermos frequentemente que não pretendemos prejudicar ninguém, somos incapazes
de perceber o mal que fazemos aos outros, e muito menos por que o fazemos. Vemos apenas as maldades
que nos fizeram ou que achamos que nos fizeram, somos incapazes de enxergar as maldades que já
praticamos, sempre nos julgamos santos. Só quando percebemos a nossa própria maldade, a nossa
ignorância, a ignorância de nossos atos, é que podemos passar a ter compaixão pelo próximo.

Por maldade, por termos o coração endurecido, por nos faltar sensibilidade é que, muitas vezes,
nos comprazemos ao ver uma pessoa sofrendo, sendo humilhada, coagida, ridicularizada, ofendida.
Olhamos para seus semblantes de desespero, vergonha, sofrimento, humilhação, coação, e nos enchemos
de prazer. Se tivéssemos um mínimo de sensibilidade, ao olharmos para a face de alguém nesse estado,
tudo o que conseguiríamos sentir seria compaixão, solidariedade pela dor do próximo e sua tristeza. Mas,
infelizmente, somos dados a pensar apenas em nós mesmos. O que importa é estarmos sorrindo,
desfrutando dos prazeres possíveis.

Há os que se lembram com alegria do dia em que brigaram com alguém, de seus ataques de fúria,
do semblante de dor e sofrimento estampado na face do outro, os que se mostram exultantes por terem
humilhado alguém. Numa demonstração de grande estupidez, relembram esses momentos deploráveis,
relatam-nos com orgulho para os outros, afirmam e reafirmam que provaram a fulano que não são tolos, ou
disparam alguma outra frase absurda do gênero. Ao invés de se arrependerem de seus erros, de sua
ignorância, brutalidade, selvageria, grosseria, orgulham-se, envaidecem-se e vangloriam-se desses gestos
menores. É uma tremenda inversão de valores, uma profunda cegueira, uma demonstração lamentável de
embrutecimento.

É muito comum ver certas pessoas que ficam felizes e exultantes por terem humilhado alguém,
para provar que estavam certas em alguma questão.

Insinuações e discursos indiretos mostram que, além de maldosos, somos fracos, hipócritas, falsos
e covardes. Mostram que não somos capazes de dizer com sinceridade e franqueza o que realmente
queremos dizer e a quem. Assim, escondemos a nós e a nossa maldade atrás dessas insinuações. E
quando descobertos, negamos nossas declarações, alegando que não era bem o que queríamos dizer.

V. M. Samael Aun Weor, em sua "Mensagem de Natal” de 1966, disse:

A gente vai andando por uma rua, de repente se encontra com as turbas que vão protestar por algo
ante o palácio do senhor Presidente. Se a gente não está em estado de alerta, identifica-se com o desfile,
mescla-se com as multidões, fascina-se e a seguir vem o sonho, grita, lança pedras, faz coisas que em
outras circunstancias não faria, nem por um milhão de dólares.

Certamente diremos que não fazemos tais coisas, que jamais as faríamos. Mas, se fizermos uma
análise um pouco mais profunda, poderemos constatar algumas breves analogias. Quantas e quantas
vezes não passamos por colegas estavam a fofocar, a maldizer alguém, e acabamos aderindo a esta
sessão de fofocas e intrigas? Quantas vezes passamos por um grupo que se reúne num canto para
desmoralizar fulano ou cicrano, e acabamos entrando no “bolo” e nos divertindo como partícipes desse
pobre festival de difamações e fofocas? Ou seja, identificamo-nos, mesclamo-nos com o que há de pior,
fascinamo-nos e lançamos pedras. Quantas e quantas vezes nos juntamos a um grupo empenhado em
ridicularizar um determinado colega e nos tornamos parte dessas conspirações difamatórias, da zombaria
generalizada? Identificamo-nos, mesclamo-nos, fascinamo-nos e lançamos de nossas pedras – este é o
processo.

Existem também aqueles maldosos que fingem ser santos, e realmente acreditam nisso. Porém,
satisfazem-se ao assistir exibições do ridículo humano, a exemplo do quadro “video-cassetadas”, de
certa emissora televisiva, satisfazem-se com as maldades veiculadas em filmes, novelas, seriados, ou
mesmo com as maldades praticadas pelos outros na vida diária.

Precisamos nos dar conta de nossos erros, de nossas falhas, de nossa ignorância, estupidez,
brutalidade, selvageria, e depois arrependermo-nos, ajoelharmo-nos e pedirmos perdão a este Ser que
habita nossos corações.

A cada vez que nos lembrarmos do semblante daqueles a quem maltratamos, ofendemos,
humilhamos, ridicularizamos, a cada vez que nos lembrarmos daqueles com quem fomos brutos e
estúpidos, devemos, de joelhos, pedir perdão ao nosso Pai Interno.

Devemos pedir ao nosso Pai Interno que nos conceda a luz necessária para afastar de nós a
maldade. A luz da consciência, da bondade, da compaixão. A luz que nos faz perceber a maldade cometida.
O arrependimento só é possível quando realmente percebemos a nossa maldade.
Somente com outros olhos, com olhos de bondade, sensibilidade e compaixão, é que podemos ter
consciência da nossa maldade. Nunca nos será possível percebê-la com olhos maliciosos e egoístas.
Nunca nos será possível percebê-la enquanto arrumarmos desculpas e justificativas para o que fizemos de
mal, para nossos ataques de ira, nervosismo, irritação. Enquanto acreditarmos que estamos ou que
estávamos certos, continuaremos a pensar como sempre pensamos, e, por conseqüência, continuaremos a
agir como sempre agimos. Enquanto tivermos esse olhar equivocado, continuaremos a chamar nossos
vinganças de justiça.

Ao percebermos a verdade de todos os erros cometidos, a dor do arrependimento será


grande e inevitável. Em compensação, esta dor será também um sinal de que uma grande e
definitiva transformação está por vir.

É urgente abster-se de causar o mal. Tentar perceber a própria maldade é um ato de caridade para
com a humanidade. Em verdade, o mal não existe, ele está apenas em nossas mentes.

E, como disse Mahatma Gandhi: Os únicos demônios que existem no mundo, são os que habitam
nossos corações, e é lá que a Guerra Santa deve ser travada.

Somos assombrados pela maldade que existe em nós, que nos tira a paz, que faz com que nos
preocupemos com o que vão dizer ou fazer a nosso respeito. É a maldade que nos aflige e nos tira o
sossego, deixando-nos apreensivos, pensando se irão nos prejudicar, maldizer, tirar nossos doces,
ameaçar nossos prazeres, nossas seguranças, nossas bases. Logo, nossa maldade causa mais sofrimento
a nós mesmos do que aos que dela são vítimas.

Ao percebermos isso, percebemos também o quanto o ser humano sofre com suas próprias
maldades. E, assim, podemos abrir o coração, podemos sentir compaixão pelos demais.

Olhamos para as situações da vida com a mente impregnada de idéias, conceitos e


preconceitos e padrões, com o coração vazio, desprovido de bondade, compaixão, sensibilidade e
altruísmo. Precisamos mudar essa realidade em nós. Precisamos olhar para os acontecimentos da
vida coma mente esvaziada, livre de conceitos e preconceitos, livre de padrões, e com o coração
repleto de bondade e compaixão.

Precisamos desenvolver a empatia, precisamos aprender a nos colocar no lugar dos demais,
a olhar para as situações com os olhos do outro. Se assim procedêssemos, certamente não teríamos
muitos dos comportamentos indesejáveis que costumamos ter, não faríamos tantas maldades, pois
teríamos consciência de que não gostaríamos que tais atos fossem praticados contra nós. Está nas
palavras do Cristo: Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei -lho também
vós, porque esta é a lei...(Mateus 7:12)

Para concluir, finalizemos esta reflexão com palavras de V. M. Samael Aun Weor, em seu "Tratado
de Psicologia Revolucionária”:

A crueldade continuará existindo sobre a superfície da Terra enquanto não aprendermos a


nos colocar no lugar dos outros.
...
Se nos pusermos no lugar dos demais, descobriremos que os defeitos psicológicos que
imputamos aos outros temos de sobra em nosso interior.
...
Amar o próximo é indispensável, mas como poderíamos amar os outros sem antes ter
aprendido, no trabalho esotérico, a nos colocarmos na posição d as outras pessoas?
Sobre a Mente

Podemos observar com certa facilidade que nossos pensamentos geram sensações. Se
imaginarmos, ou se trouxermos à lembrança, cenas de medo, raiva, prazer, inveja, ansiedade, tensão,
alegria, podemos sentir as sensações correspondentes às vezes até com a mesma intensidade de quando
ocorreram realmente. Com a imaginação, somos capazes de sentir cheiros, toques, gostos, sabores, de ver
imagens e ouvir sons.

Sofrimento é preocupação, desespero, medo, autocobrança, é aquela ânsia insatisfeita no coração


e na mente.

A mente atormentada tenta se agarrar a subterfúgios, tenta buscar um ponto seguro, um chão, um
apoio. Mas o único lugar onde ela poderá encontrar essa zona de segurança é dentro dela mesma. Estes
pontos não passam de estruturas rígidas, idéias fixas, ilusões, fantasias, criticas, valores, padrões,
experiências, lembranças, sensações, conceitos e preconceitos arraigados. Esta busca por segurança é o
medo da não existência.

Quando a mente encontra uma referência que lhe ofereça a sensação de segurança, agarra-se a
ela com força. Então surge a posse e o apego. A posse nos traz o orgulho, a vaidade. Tornamo-nos
orgulhosos e envaidecidos de tudo o que possuímos, ou acreditamos possuir.

O extremo apego baseia-se na crença da permanência das coisas - uma crença equivocada.
Evidentemente, se tivéssemos a percepção da efemeridade da matéria, não nos apegaríamos a ela.

Os momentos, os estados, os fenômenos da mente e do corpo, surgem e desaparecem, mudam


constantemente. Porém nos mantemos agarrados a estes eventos, a estes processos, e passamos a
considerá-los como nossos. Acreditamos que isto é a realidade última da vida. Acreditamos nas histórias
que a mente conta. Quando pensamos em termos de "eu", "meu", "minha", "mim", ficamos aprisionados,
assim como quando pensamos em termos de "dele", "seu", "aquele".

Queremos nos libertar da mente e de seus mecanismos. Porém, não a liberamos. Ao contrário,
prendemo-la, criamos pressões e tensões dentro dela, não relaxamos. Deixamos a mente se agarrar às
coisas. Não só permitimos que ela se agite, como até incentivamos e alimentamos suas agitações. Nós
torturamos a mente.

É preciso observar os pensamentos que passam pela nossa mente. Mas também é preciso sentir a
mente e observá-la. Observemos a expressão aqui utilizada: "sentir a mente".

Lutamos contra a mente ao invés de relaxá-la. Esta luta é uma evitação de seus fatores, de seus
estados, das formações mentais. Todas as formações são impermanentes, transitórias. Todas as formações
se dissolvem. Assim, não há por que agarrar-se a elas, nem tampouco repudiá-las. Assim como surgem, se
vão, desde que não nos agarremos a elas.

Só quando sentimos a mente, quando observamos o que se passa dentro dela, em nosso corpo e
em nosso coração, é que conseguimos nos distanciar, é que conseguimos perceber que não somos a estas
manifestações. Enquanto tentarmos evitar, enquanto brigarmos com estas manifestações, estaremos
presos à mente e suas reações.

Somos nós que construímos, fortalecemos, enrijecemos as formações da mente, os conceitos, os


padrões, os valores.

Não é por acaso que o budismo considera a mente como um sentido. Existe uma razão para isso.

É preciso sentir e observar as sensações da mente e na mente. Existe o sentir do coração e existe
o sentir da mente. Precisamos conhecer os dois, pois eles se completam, interagem entre si, influenciam-se
mutuamente.

Precisamos observar que tudo está na mente, precisamos sentir tudo o que está na mente.
Observar e sentir suas mudanças, as mudanças dos estados mentais. Sentir os pensamentos surgirem,
tomarem corpo, forma, sentir a mente reagindo a tais pensamentos e estados. Observar e sentir a agitação
da mente, a pressão, a tensão, a opressão, a rigidez, o desespero, o impulso de agarrar-se e o impulso de
fugir. Devemos observar, sentir, permanecer com essas sensações e permitir que passem.
Ensinamentos budistas mostram que o vazio nunca muda. Assim, a mente vazia nunca muda, não
se desespera, não enrijece, não se agita. Ao conquistarmos uma mente tranqüila e serena, ela pode vir a
funcionar como um espelho.

Por exemplo, imaginemos uma situação onde estamos atrasados para um compromisso e alguém
nos detém para uma conversa. A mente fica agitada, começamos a olhar para o lado, para a direção que
queríamos ir, para a saída. Olhamos repetidas vezes para o ponto de fuga e não conseguimos nos livrar da
pessoa. A mente quer sair daquela situação, quer fugir, e se inquieta. Outro exemplo é quando nos vemos
diante de algo que “devemos fazer” mas queremos fazer outra coisa. Há também aquela situação em que
duas pessoas esperam de nós ações distintas, então nos afligimos por não podermos agradar a ambas.
Neste caso, a pressão que a mente produz é terrível. Outra situação em que a mente quer desaparecer,
quer fugir, evitar o que está ocorrendo, é quando somos tomados pela sensação de vergonha.

Nas práticas de silenciar a mente, de meditação reflexiva, de concentração, de contemplação, de


relaxamento, podemos perceber todos esses movimentos, estados e reações da mente. A partir da prática
formal, podemos levar as percepções para a vida diária. A prática formal é o treino, a vida diária é o campo
de batalha.

O exercício de silenciar a mente aos poucos nos leva ao desapego dos pensamentos. Este
desapego é um distanciamento. Acreditamos que possuímos os pensamentos, e com isso acabamos
possuídos por eles. Este apego aos pensamentos é um contínuo agarrar-se, como se tal apego pudesse
nos oferecer alguma segurança real. Todo apego está ligado a conceitos e preconceitos, a padrões e
valores.

A prática meditativa nos leva também ao estado de leveza mental, pois, quando nos agarramos a
muitas coisas, tornamo-nos mentalmente pesados. Quanto mais nos prendemos a lastros, mais pesados
vamos ficando.

O medo e a vergonha se fixam por causa da evitação. Toda evitação é uma tentativa de fuga, mas
é também um agarrar-se ao pensamento. Quando nos enrijecemos, estamos com os pensamentos rígidos.

A falta de atenção, a falta de concentração, a ignorância, o desconhecimento dos processos e dos


mecanismos da mente nos escraviza e nos faz sofrer.

A prática de ouvir os sons, de concentrar-se nos sons, ou de prestar atenção aos pequenos
instantes de silêncio entre um som e outro, é uma prática de concentração que nos leva a perceber o
silêncio interior. Isto nos leva a parar de lutar contra os sons, a parar de impor resistência e de nos
perturbarmos com os sons. Ao percebermos o silêncio interno durante essa prática, poderemos, aos
poucos, levá-lo para a vida diária. Este silêncio interior é o centro a partir do qual passamos a agir.
Conforme o praticamos e o levamos para vida, conforme o desenvolvemos, este centro vai se tornando
cada vez mais permanente, constante.

Ao experimentarmos momentos mentais libertos, precisamos perceber que eles vieram de dentro
de nós, do nosso interior, e não do exterior. Assim como não devemos culpar ninguém pelo que de errado
ocorrer em nossa mente, também não devemos elogiar quando se dá o contrário. O externo é muito pouco
confiável e está fora do nosso controle.

Precisamos parar de olhar para o mundo externo e de agir a partir do que vemos nele. É preciso
olhar para o mundo interno e agir a partir do mundo interno, do centro. Para lograrmos êxito nesta proposta,
precisamos manter o foco e a concentração no mundo interno. Mestre Samael nos diz que “para o sábio, o
mundo interno é mais concreto que o mundo externo.” Realmente, precisamos perceber isso, precisamos
viver isso.
Sobre a Mística

Mística é gratidão, é devoção, é louvor. O viver místico é um viver em gratidão, louvor e devoção
permanentemente. É confessar os erros e arrepender-se. É suplicar por perdão. É suplicar por luz, paz,
alegria e iluminação.

A devoção pura, renunciada, é o que devemos buscar. Não podemos ser devotos em troca de
ganhos materiais ou desfrute dos sentidos, pois desta forma criaremos grandes obstáculos em nosso
caminho.

A devoção é o amor e o apego à Divindade, e este é o único apego benéfico. Mais ainda, este é o
apego que destrói outros apegos.

Normalmente, quando nos sentimos gratos por uma atitude ou ação feita por outrem, retribuímos
com alegria a tal ação ou sentimos uma gratidão no coração, um sentimento inexplicável de gratidão.
Precisamos perceber tudo o que a Divindade nos dá e devemos ser gratos por todas estas coisas
constantemente, permanentemente.

Nós nos dizemos gratos quando nossos desejos são atendidos. Não temos sentidos para perceber
as graças que recebemos e assim achamos que não estamos na graça de Deus e não somos gratos. Não
percebemos o quanto somos protegidos, poupados, auxiliados e conduzidos.

Nossa gratidão está quase sempre ligada a coisas externas, mesmo nossa gratidão a Divindade
está sempre ligada a isso. Ficamos gratos por casas, empregos, aumentos, relacionamentos, vitórias e
conquistas materiais. Não que não devêssemos nos sentir gratos por isso, não é esta a questão, mas
precisamos olhar para dentro e ver tudo que já recebemos internamente: paz, felicidade, tranqüilidade,
compreensões, sabedoria, purificações, vitórias e conquistas espirituais. Sobre estas coisas as pessoas não
se lembram de agradecer, até porque a maioria das pessoas nem se dá importância a estas coisas.

A busca de aceitação é a busca de apoio, consolação, reconhecimento, atenção, afeto e carinho, e


esta busca de aceitação é carência, porém ninguém é carente dos outros senão de si mesmo.

Na busca de aceitação as pessoas rastejam, humilham-se para os homens e com isso sofrem. Se
se aplicassem com igual empenho na busca da união com Deus, rapidamente lograriam a felicidade.

Enquanto quisermos ser visíveis aos homens não o seremos aos mestres. Enquanto buscamos a
consolação, a aceitação exterior mais difícil se torna a consolação interior e divina. Enquanto buscamos a
consolação, a aceitação do mundo, a consolação, a aceitação dos homens, acreditamos e damos mais
importância para os homens e para o mundo do que para a Divindade, com isso sofremos. É preciso
desenvolver a devoção, a veneração, a gratidão, a mística.

Sofremos, somos tristes, infelizes, insatisfeitos, ansiosos, desejosos e descontentes, por sermos
ingratos, por nos vermos como rejeitados, esquecidos, excluídos ou como vítimas. Isso ocorre porque não
percebermos o quanto a Divindade é misericordiosa, terna, compassiva, pacienciosa, tolerante, generosa e
bondosa conosco. Se percebermos estas coisas, seremos profundamente gratos, e então teremos alegria,
felicidade, contentamento, paz e tranqüilidade. Estupidamente, não estamos na graça de Deus, não
percebemos estar na graça do Pai Interno, não sentimos a consolação Divina por não nos acharmos ou nos
percebermos consolados; por não nos acharmos ou nos percebermos em graça.

Se percebermos estas coisas seremos profundamente gratos e teremos alegria, felicidade,


contentamento, paz e tranqüilidade. Se percebermos estas coisas, se esta for nossa realidade interior,
iremos refleti-la no exterior.

Um dos grandes problemas é esquecer, é deixar de sentir. Como não somos fortes e firmes em
nossa fé e confiança, em nossa devoção e mística, basta um contratempo qualquer que já voltamos a
procurar as consolações dos homens e nas coisas do mundo. Somente renunciando às consolações
exteriores é que se torna possível chegar às consolações interiores ou divinas.

A consolação do mundo é passageira, impermanente, não podemos desejá-la e muito menos


podemos nos apegar a ela.
O ignorante, o maldoso, confundindo os brilhos das luzes, se apraz na maldade; mas é das virtudes
que nascem as delícias da alma, os estados de paz, tranqüilidade e serenidade. Quando o sábio se recolhe
com suas donzelas há felicidade, contentamento e satisfação. O sábio encontra regozijo na prática de
virtudes.

Não é por desejar que se chega a estes estados, não é por desejar que se recebe graças ou
consolações divinas, pois as dores e sofrimentos, as tentações e tormentos da mente e do coração não
cessam sem que a Divindade assim o permita. Quando o coração e a mente estão atormentados por ira,
inveja, orgulho, vaidade, gula, avareza e luxúria, não há paz, tranqüilidade, contentamento ou satisfação.

Aquele que aceita ser humilhado, se esta for a vontade de seu Pai Interno, não pode ser atingido
pelos demais; assim como aquele que aceita a ira como um ensino, uma oportunidade de auto-
conhecimento, não pode ser atingido pelos demais. Forte é aquele que percebe e conhece suas fraquezas.

Oferecer o sofrimento como sacrifício aos necessitados e aos que sofrem é um ato de caridade, é
um comportamento místico, mas este sofrimento não precisa ser uma perda ou uma doença, existe um
esforço, um sofrimento no viver, no trabalhar, existe muito sofrimento por causa de nossos egos, pelos
tormentos que nos causam, pelas tentações a que somos submetidos.

Se pudermos ver nossos esforços e nosso trabalho como um servir ao Pai Interno, aos Mestres,
então até o mais simples dos trabalhos se tornará grandioso, e então sentiremos felicidade, contentamento
e satisfação.

Formas de praticar mística e de viver místico não faltam. Motivos ou razões para sermos gratos
também não faltam. O que falta é apenas nossa capacidade de manter estas práticas.
Sobre a Paz

A paz vem de dentro de nós, é um estado interior, não depende de situações externas. A sensação
de paz que reside em fenômenos que ocorrem fora de nós ou é abalada por eles é falsa. Não passa de uma
ilusão. Não são as situações externas que promovem a paz em nós, mas a sensação de que podemos
relaxar, de que conseguimos realizar algo, de que não há ameaças.

Todos os nossos momentos de paz são aqueles em que nos permitimos senti-la verdadeiramente.
É quando relaxamos nossos egos, nossas auto-cobranças, nossos desejos, e conseguimos atingir esse
estado de leveza interior, ainda que seja por alguns instantes, por um breve momento. Resta-nos apenas
perceber este processo para nos permitirmos desfrutar deste estado de forma cada vez mais constante.

A paz não é o intervalo entre duas brigas, duas guerras, dois conflitos. É um estado de
preenchimento – não um preenchimento de elementos externos, mas do próprio espírito. A paz é uma
conseqüência natural da nossa capacidade de viver em harmonia com a vida, de adaptarmo-nos às
situações, de mantermos o equilíbrio de nosso estado interior mesmo diante das aparentes dificuldades
externas. A harmonia nasce da compreensão das polaridades.

A paz está ligada à percepção do real, à percepção de que a vida é passageira e que nada
conseguirá realmente nos afetar, afetar o nosso Ser.

Sendo a vida um movimento contínuo, é inconcebível compreender a paz, que é a harmonia com a
vida, como estagnação. A paz não é inação, estagnação, é movimento harmônico com a existência. É um
resultado da plena aceitação, da devoção, do contentamento, da satisfação, da gratidão.

Conflitos internos, desejos antagônicas, incompatíveis – dilemas muito comuns em nossa mente
dualista -, ou uma auto-imagem distorcida são fatores que muito contribuem para a ausência de paz. A
predisposição para agir, de modo a contrariar exclusivamente os "tem que" dos pais, da sociedade, geram
muitos conflitos internos. O mesmo acontece diante do desejo de comer uma feijoada em contraposição ao
desejo de perder peso. Qualquer que seja a nossa opção, acabamos por nos sentir culpados. Isso tem a ver
com a falta de compreensão dos desejos, com a falta de aceitação, a falta de contentamento. Os desejos
muitas vezes nascem para compensar a falta de algo que não podemos compreender.

Disse um Mestre:

A desordem não pode ser transformada em ordem. Porém, a negação da desordem é a natureza da
transformação: a própria negação é a transformação.

Então aquela negação do que é falso, que é a natureza da transformação, é verdade.

Essa desordem é criada pelo pensamento, que é o eu e que cria a separação.

Qualquer movimento do pensamento apenas criará mais desordem.

O próprio pensamento tem de negar a si mesmo.

Portanto, quando o pensamento compreende que o que quer que ele faça, qualquer movimento que
ele faça, é desordem, então há o silêncio. A natureza da transformação da desordem é o silêncio.

É o silêncio quem cria a ordem, não o pensamento.

E um filósofo complementa:

A partir do silêncio que é paz, que é bem-aventurança, que é amor, vem a completa entrega àquela
Vida Una que é a natureza essencial de todos os seres e de todas as coisas. Quando todos os conflitos
cessam, há somente uma harmonia para ser compartilhada com todos. Pois a nossa dificuldade geral para
sentir o significado da vida é que nós estamos em conflito com a vida, demasiado apegados e identificados,
através dos sentidos, com as correspondentes atrações e repulsões do nossos corpos. Quando se encontra
essa harmonia com a vida, o significado está lá, como um perfume que está por toda parte: ele nos leva na
cálida brisa da sua graça.
Passamos a vida em busca de condições para assegurar a paz, como saúde, trabalho, dinheiro,
relacionamentos bem sucedidos, apoio dos pais, adaptação à situação econômica do país, etc.
Condicionados pela ganância, pela busca de resultado, achamos que há sempre algo mais a ser alcançado
para que possamos obter a paz. Mas, no esforço dessa busca de resultados, impomos a violência contra
nós mesmos. As realizações voltadas para satisfazer o ego não nos trarão paz, porque o ego é insaciável. A
paz vem de uma profunda humildade, da simples percepção de que não somos os egos.

Quando condicionamos a paz, vivemos de expectativas, de esperas, de sofrimento, de ansiedade,


até que a condição aconteça. E, quando a condição esperada acontece, mal conseguimos desfrutar de uns
poucos momentos de paz. Logo em seguida, já estamos novamente tomados por outra expectativa, desta
vez pela expectativa de não perder tal condição.

Criar condições para obtermos a paz é, na realidade, criar situações para nos distanciarmos da paz.
É criar justificativas para a nossa incapacidade de gerar e manter o estado de paz. A maior parte (senão
todas) das condições que estipulamos deve ser internamente resolvida por nós mesmos.

Precisamos estar em paz, o tanto quanto possível, a cada instante.

Precisamos estar em paz, o tanto quanto possível, a cada grau de consciência que tivermos.
Precisamos estar em paz, o tanto quanto possível, agora, com as condições que temos, com as situações
que se nos apresentam neste momento.

Devemos abrir mão de nossas ambições para sermos felizes, para alcançarmos a paz. E de que
estamos dispostos a abrir mão para isso? Qual é o preço da nossa paz, da nossa felicidade? Parece que
vendemos muito barato esses bens, bens que não têm preço.

O ato abrir mão é ilusório, e talvez só seja percebido como tal após acontecer. A renúncia vai nos
levando a perceber a verdade, e não por interferência de segundos ou de terceiros, mas por nós mesmos,
de forma direta.

Vendemos a nossa paz por vinte siclos de prata, como fizeram os irmãos de José, que passaram a
viver assombrados pelo seu erro. Vendemos a nossa paz por trinta moedas de prata, como fez Judas, que
acabou se enforcando. Em resumo, vendemos a nossa paz por um salário maior, por status, por uma casa
melhor, um carro, uma herança, uma paixão, pela posse de um território, por coisas que acabam por nos
atormentar, nos enforcar.

É sábio compreender que tudo passa, que não vamos levar as coisas materiais para o outro mundo.
Apegados à matéria e aos desejos, acabamos levando, sim, um lastro que nos prenderá. Se somos
obsessores em vida, após a morte seremos ainda mais.

Um grande Mestre afirma que, se realmente acreditássemos na vida após a morte ou na


reencarnação, não viveríamos como vivemos. Será que realmente acreditamos?

É sensato sacrificarmos a nossa paz só pelo fato de querermos ter razão em uma disputa, em uma
discussão? A razão, a opinião, é apenas uma idéia, um ponto de vista, por mais nobre que seja. Vendemos
a nossa paz por uma idéia, pelo orgulho de ser o detentor da razão. Não seria isto uma insensatez? Agimos
como crianças que discutem entre si, tentando, cada uma, provar que sua idéia é melhor. A diferença é que
nas crianças, por sua inocência, tudo é perdoável e sem graves conseqüências.

Achamos que somos os justiceiros universais, queremos fazer justiça, segundo a nossa ótica. E
vendemos a paz por isso também. O que é a justiça, afinal? Quem pode dizer o que é justo? Devemos
deixar que cada um pague seu Karma pelos erros cometidos, se é que são realmente erros.

Devemos abrir mão dos bens materiais, das idéias, da nossa pretensa justiça. Ao adotarmos tal
postura, estamos promovendo a prática do desapego, a habilidade de vivermos em paz.

Vivemos dizendo que só queremos o que é nosso, o que nos é de direito. E o que é o direito?
Enquanto estivermos preocupados com esses direitos não alcançaremos a paz.

Criamos uma determinada situação e depois culpamos os outros por não vivermos em paz.
Vendemos a nossa alma ao diabo e depois achamos que ele é o culpado.
Como bem diz a sabedoria popular, “Quando um não quer, dois não brigam” ou “Os incomodados
que se mudem.” Sim, os incomodados que se mudem. Isto se aplica perfeitamente ao mundo interno
também. Na realidade, é a mudança interna, a percepção da realidade, que pode nos levar à mudança
externa, à ação de sair de um lugar e ir para outro. Enquanto permanecermos apegados à matéria,
enquanto nos situarmos no mesmo nível de ser dos demais, seremos apenas mais um deles. Bom seria que
nos incomodássemos a ponto de mudar, bom seria que todos mudassem, mas...

Não há esforço na prática da meditação, reflexão ou oração. Se houver esforço, então a prática, por
si, deixa de existir. Deve haver vontade e disciplina. Guerra, conflitos ou lutas, não. São práticas onde a
paz, o silêncio e a serenidade se fazem necessários. Se travarmos uma luta interna contra o medo, a
maldade, a arrogância, a mania de perfeição, a miséria, a solidão, o abandono, a crítica, a injustiça, tanto
interna quanto externamente, só vamos conseguir fortalecer estes sentimentos. Devemos aceitá-los com
boa vontade e entregarmo-nos a essas práticas, que se encarregarão de eliminá-los, atraindo a paz,
abrindo espaço para que ela invada nosso coração e preencha o nosso Ser.

Diz Samael Aun Weor em “Revolução da Dialética”:

Chegou a hora de refletir sobre o nosso próprio destino. A violência não resolve nada. A violência
só pode nos conduzir ao fracasso. Necessitamos de paz, serenidade, reflexão e compreensão.

Nós somos o único inimigo a quem devemos derrotar. Somos nossos inimigos quando não nos
conhecemos e atrapalhamos o fluxo da vida. A vida não tem nada de errado, nós é que destruímos e
atrapalhamos seu curso; nós é que queremos tudo controlar, tudo julgar. A vida segue as leis naturais, e
tudo o que fazemos é perturbar essas leis. Na vida não existem ganhos ou perdas, tudo isso é uma grande
ilusão. Existem apenas aprendizados. Deixemos que a vida faça a parte dela e façamos nós a nossa parte.
Tenhamos confiança e fé no Divino, fiquemos em paz.

As dificuldades que surgem ao longo de nossa existência acontecem para que possamos
desenvolver as nossas habilidades. A vida está a favor e não contra nós.

Ensinamentos budistas dizem:

Existem três segredos para a paz. Primeiro, ser pacífico. Ser pacífico é ser livre de expectativas, é
não querer nada de ninguém. Tome a iniciativa e seja generoso. Este é o segredo de ser contente em todas
as circunstâncias. Segundo, sua paz despertará a paz natural nos outros e trará esperança a eles. Você só
acredita na paz quando você a experimenta. Concentre-se no centro da testa, sente-se atrás dos seus olhos
e observe. Este é o lugar onde você cria seus pensamentos. Ensine sua mente a refletir sobre a paz.
Terceiro, a paz termina quando você fica emocionalmente envolvido com uma situação. A pratica de ser um
observador independente ajuda você a ficar estável e calmo.

A paz termina quando nos envolvemos emocionalmente com uma determinada situação, ou seja,
quando nos identificamos.

Uma grande Mestra disse:

Pode-se estar confinado numa prisão e ainda assim ser um trabalhador pela causa. Desta forma,
rogo-te para tirar de tua mente qualquer desgosto pelas circunstâncias presentes.

A paz começa brotar dentro de nós quando, ao percebemos nossa ignorância, nossa miséria, nossa
nulidade, começamos a deixar de carregar o peso do orgulho e da vaidade e nos abrimos para conhecer a
nós mesmos e ao mundo.

Quando nos damos conta de nossa ignorância, quando abrimos um espaço para a aceitação dos
erros, quando abrimos mão do controle, estamos nos abrindo também para a incerteza. Por mais incrível
que possa parecer, somente a incerteza pode nos trazer confiança. O controle, ao contrário do que se
pensa, não é capaz de nos oferecer segurança, confiança. A própria idéia de controle trás consigo a
insegurança, o medo do descontrole. Entregar-se à incerteza é demonstração de fé, é devoção. É como dar
um passo em direção ao abismo, onde somente a fé pode nos sustentar. E, quando damos este passo,
encontramos, enfim, a liberdade, a paz, o amor.

Um sábio monge disse:


Em todo caso, devemos ficar cientes que temos o poder de trazer a paz para nossa vida ao ajustar
a forma em que vivemos e especialmente a forma em que interagimos com o mundo. Na medida que
cultivamos a paz, fecharemos o portal da ira não só na nossa vida, como também ajudaremos a fechá-lo
para os outros. Como a ira, a paz é contagiante e influencia aqueles a nossa volta.

Enquanto o medo existir dentro de nós, não poderemos atingir a paz em plenitude. Assombrados
por nossos temores, dominados frequentemente pela ansiedade e pela insegurança, fazemos da paz um
bem distante e inexeqüível.
Palavras de Sri Krishna

Excerto selecionado do “Bhagavad-Gita”:

Quando um homem renuncia aos desejos dos sentidos engendrados pela mente, obtendo
contentamento unicamente no Eu, diz-se então que alcançou a consciência divina.

Quem está sempre tranquilo apesar das três misérias; quem não se deixa exaltar quando há
felicidade; quem está livre do apego; quem não tem ódio nem medo; merece o nome de Sábio.

Neste mundo transitório quem não se deixa afetar pelo bem ou pelo mal que poderão sobrevir, sem
louvá-lo ou maldizê-lo, já se encontra situado na consciência divina.

Aquele que for capaz de retirar os sentidos de todos os seus objetos assim como a tartaruga
recolhe os membros no casco, deve ser considerado um ser auto-realizado.

A alma corporificada consegue renunciar aos prazeres dos sentidos muito embora ela não perca o
sentido do prazer. Porque, depois de provar o gozo transcendental, ela fixa a consciência.

Os sentidos são tão fortes que conseguem arrastar mesmo a mente do homem sóbrio que se
esforça por domá-los.

Quem controla os seus sentidos concentrando-se em Mim pode ser considerado um homem de
mente estável.

Ao contemplar os objetos a eles nos apegamos, do apego vem a luxúria, e da luxúria a ira.

Da ira vem a ilusão, a ilusão turba a memória. A memória confundida desbarata a inteligência, e
quando esta se destrói cai-se de novo no poço.

Quem controla os seus sentidos por praticar os princípios da liberdade regrada recebe misericórdia
e então fica liberado da aversão e do desejo.

E para quem recebeu misericórdia divina já não existem misérias, e a inteligência fixa-se nessa
condição feliz.

Sem consciência divina a mente não se controla nem se fixa a inteligência, sem o quê, não existe a
paz. E onde não existe paz, pode haver felicidade?

Assim como um vento forte leva um barco mar afora, apenas um dos sentidos em que a mente se
detenha pode levar para longe a inteligência do homem.

Arjuna de braços fortes, aquele cujos sentidos estão livre dos objetos, tem a inteligência firme.

O que é noite para todos é tempo de despertar para os autocontrolados. E o que é manhãpara
todos, para o pensativo é noite.

Quem não se deixa agitar pelo fluir dos desejos que entram qual rios no mar, que no entanto fica
estável, é o único que tem paz; não aceite aquele que se esforça por saciar seus desejos.

A pessoa que abandona o sentimento de posse e os desejos dos sentidos, desprovida de egoísmo,
alcança a paz verdadeira.

Eis o caminho da vida, divina e espiritual, onde não existe engano. Indo por este caminho, mesmo
na hora da morte, chega-se ao Reino de Deus.
A Paz Perfeita – Conto de Autor Desconhecido

Havia um rei que ofereceu um grande prêmio ao artista que fosse capaz de captar numa pintura a
paz perfeita. Foram muitos os artistas que tentaram. O rei observou e admirou todas as pinturas, mas houve
apenas duas de que ele realmente gostou e teve que escolher entre ambas.

A primeira era a de um lago muito tranqüilo. Este lago era um espelho perfeito onde se refletiam
umas plácidas montanhas que o rodeavam. Sobre elas encontrava-se um céu muito azul com tênue nuvens
brancas. Todos os que olharam para esta pintura pensaram que ela refletia a paz perfeita.

A segunda pintura também tinha montanhas. Mas estas eram escabrosas e estavam despidas de
vegetação. Sobre elas havia um céu tempestuoso do qual se precipitava um forte aguaceiro com faíscas e
trovões. Montanha abaixo, parecia retumbar uma espumosa torrente de água. Tudo isto se revelava nada
pacífico.

Mas, quando o rei observou mais atentamente, reparou que atrás da cascata havia um arbusto
crescendo de uma fenda na rocha. Neste arbusto encontrava-se um ninho. Ali, no meio do ruído da violenta
camada de água, estava um passarinho placidamente aconchegado em seu ninho. Paz perfeita.

Qual pensas que foi a pintura ganhadora? O rei escolheu a segunda. Sabes por quê?

"Porque", explicou o rei, "paz não significa estar num lugar sem ruídos, sem problemas, sem
trabalho árduo ou sem dor. Paz significa que, apesar de se estar no meio de tudo isso, permanecemos
calmos no nosso coração. Este é o verdadeiro significado da paz".
Comentários e Questionamentos

– Por que é dito que a paz não é inação, estagnação, mas um movimento harmônico com a
existência?

A vida é movimento, quando não aceitamos o movimento da vida, não estamos em paz. Existem
momentos de ação e momentos de não ação. Devemos atuar nos momentos de ação e permanecer quietos
nos momentos de não ação. Estar em paz não significa ficar parado, escondido.

– O que quer dizer “condicionados pela ganância”?

A sociedade nos condicionou, e nós aceitamos, acreditamos neste condicionamento. Somos


impulsionados a querer sempre mais, mesmo indo contra a natureza de nosso espírito. Ainda que nosso
estado seja de felicidade plena, as vozes do condicionamento geram um conflito interno.

– Será que é realmente assim que acontece? Será que não atingimos um pouco de paz quando
satisfazemos o ego? Seria o ego insaciável?”

É uma questão de auto-observação.

– A paz expressa no texto, mesmo descrita em harmoniosas palavras, ainda assim, não passa de
projeções mentais. A ansiedade de nossas palavras, ao querermos conceituar, expressar algo, é capaz de
comprometer exatamente paz que elas tentam reproduzir, bem como qualquer certeza ou consciência. Ou
seja, nosso desejo de expor algo aos olhos do mundo, a nós mesmos, algo que achamos compreender, por
si só, já nos torna aflitos. Observemos esta passagem: “Devemos abrir mão de nossas ambições para
sermos felizes, para alcançarmos a paz. E de que estamos dispostos a abrir mão para isso? Qual é o preço
da nossa paz, da nossa felicidade? Parece que vendemos muito barato esses bens, bens que não têm
preço.”

Abrir mão significa desapegar-se. Desapegar-se com o mesmo desapego de Buda, com o mesmo
desapego de Krishna, apesar, é óbvio, da roupagem um tanto diferente e menos grandiosa.

– Com base na frase “‘na vida não existem ganhos e perdas”, citada no texto, como então referir
que “devemos abrir mão de nossas ambições para sermos felizes, para obtermos a paz”, se aqui está
explícito que deve haver uma perda para atingirmos a paz?

Segundo as palavras de Marcio Sorge, “quando nos desapegamos e compreendemos o desapego,


percebemos que nada perdemos.”

Consideremos aqui que o texto possui camadas. As aparentes contradições ocorrem apenas no
nível da mente. Como o texto oscila frequentemente entre o nível mental e o espiritual, devemos tentar
explorar bem certas frases, a fim de uma perfeita compreensão.

Notemos que a frase “na vida não existem ganhos e perdas”, por exemplo, é utilizada sob o ponto
de vista do Ser, e não da mente, não do ego. Como a questão das perdas e dos ganhos é aqui tratada
como ilusões do ego, fica sugerido que devemos abrir mão dos desejos do ego, dos pensamentos, das
idéias, dos conceitos, da religião. Ou seja, exercer o desapego.

Um grande sábio disse:

Todas as pessoas querem as mesmas coisas que nós, como por exemplo a
felicidade, todos queremos ser felizes. Alguns passam dos limites e acabam passando
por cima dos outros, buscam a felicidade a qualquer preço, desrespeitando o próximo.
Muitos fazem uma confusão entre felicidade e prazer, mas felicidade não é prazer.

Não podemos impedir os outros de serem o que são, o máximo que podemos
é perceber o estado de ânimo dos nossos semelhantes. Se tivermos suficiente
compreensão, sensibilidade, compaixão, até podemos renunciar, ceder a vez a essas
pessoas, porque para nós será mais importante nosso estado de espírito, serenidade,
paz, tranqüilidade, do que a fascinação momentânea por algo.

– Está no texto , está em nossas palavras, está em nossas intenções, mas ainda não é parte do
nosso Ser essa paz que tanto sugerimos a nós e aos outros. Há mais aflição do que paz no texto, não
acha? Logo, essa paz ainda é dual, mental, ilusória, suposta e condicionada.

O texto primeiramente expõe o que é a paz. Depois, os motivos que nos impedem de termos, de
sermos, a paz. A aflição talvez seja resultante de algum tipo de identificação. São apenas palavras. Se lidas
com o coração, podem assumir um determinado significado; se lidas com a mente, outro; e, se lidas com o
ego, talvez nenhum significado tenham.

– Observa-se conflitos no texto demonstrados claramente no que é projetado mais adiante:


“Devemos entender que tudo pode ser conquistado sem esforço. O problema é que acreditamos que não há
mérito em conquistas sem lutas. Queremos dificuldades, brigas, lutas, guerras.” Sendo assim, por que ainda
se mantém este conflito, este esforço? Não seria porque a verdadeira paz ainda permanece oculta?

Não há conflito algum, apenas uma observação da maneira como pensamos. Observa-se como a
sociedade nos influencia, nos condiciona. Mais uma vez, sugiro explorar as camadas dessas frases. Para
expor o conteúdo integral de cada uma delas, seria necessário escrever um livro sobre a paz. E isto
representaria muita dialética para procedimentos simples, uma vez abrangeria muito mais conceitos do que
percepções. A idéia aqui é justamente quebrar conceitos, lançar situações para que sejam percebidas,
descobertas. A intenção é induzir uma nova visão dos fatos, mesmo que esta visão se contraponha às
idéias expostas. Não podemos nos aprisionar em conceitos estáticos.

Nosso espírito nos dá tudo, não existe a necessidade de luta. Buscar algo, ter vontade, é muito
diferente de ter desejos, ansiedades. Uma ação voltada para a realização de um projeto não precisa
envolver luta ou desespero.

– A impressão que me passa, às vezes, é que, na ânsia de se propor uma idéia, define-se um
padrão, um modo de pensar, um esquema rígido a ser seguido. E isto transmite uma tensão muito grande.
Dá-nos a impressão de que o autor quer induzir um pensamento segundo a linha de suas convicções. E é
justamente com isso que eu não concordo. Gosto muito da idéia central, mais não da maneira como ela é
exposta, defendida. Creio ser mais eficiente expor a idéia, de modo a fazer com que o leitor pense e reflita a
respeito. Penso que este procedimento agregaria muito mais valor às palavras.

A idéia é, efetivamente, induzir alguma coisa, mas não exatamente pelo que está sendo dito. O que
se pretende, acima de tudo, é fazer com que o leitor passe a se observar melhor e se abra para algo novo.
É o caso de se questionar se a rigidez percebida não seria proveniente da influência de nossos atuais
padrões, e não do texto, das novas idéias introduzidas. Não concordar pode significar não querer se
desprender dos padrões atuais. E isto talvez explique a idéia de rigidez captada. Pode ser apenas uma
projeção. O que se sugere aqui são mudanças, quebras de valores, reformulações. Se valem ou não a
pena, isto fica por conta da percepção e do arbítrio de cada um. De fato, um “chacoalhão” é dado. Mas há
sonos que são profundos, muito profundos.
Sobre a Projeção como Fuga da Realidade

É muito interessante observar que o conhecimento da lei da projeção não vai nos transformar.
Precisamos compreender verdadeiramente este fenômeno, observar como a projeção se processa em nós,
utilizá-la de forma a nos conhecermos mais e melhor.

O fato de perceber verdadeiramente que alguém está projetando pode nos ajudar a desenvolver a
compaixão. Mas isso só se dá quando percebemos em nossos próprios defeitos, aí sim podemos perceber
quando o outro age por projeção e identificação. Nunca antes disto, do contrário estaríamos nos
enganando.

Sem observarmos, sem compreendermos as nossas falhas, sem olharmos para dentro de nós
mesmos, sem admitirmos nossas limitações, sem reconhecermos as nossas projeções, de nada adiantará
termos conhecimento deste fenômeno. Estaríamos apenas utilizando a projeção como fuga e negação da
realidade. O ego é esperto, astuto, sem nos auto-conhecermos, caímos facilmente no auto-engano.

Apaixonados por nós mesmos, por nossa fantasiosa auto-imagem, cheios de amor próprio, somos
facilmente enganados pelos egos.

Como mostrar a alguém apaixonado os defeitos do ser amado? Não é possível.

Assim, somos nós com nós mesmos. Somos por demais apaixonados por nós mesmos. Por mais
que falem, que gritem, por maiores que sejam as projeções, os exemplos que nos são mostrados, nada
conseguimos perceber. Continuamos a dormir profundamente, continuamos fascinados por nós mesmos,
com a mente completamente embotada.

Tudo o que fazemos é negar. Negamos as nossas projeções, negamos a realidade, utilizamos o
conceito de projeção como fuga da realidade.

Se somos criticados por sermos ou agirmos desta ou daquela forma, não admitimos tal crítica.
Negamos, nos enganamos, nos convencemos de que o outro está apenas projetando, e que nós somos
santos, inatingíveis, os perfeitos.

Aquele que nos critica é visto por nós como um pobre coitado, que não percebe que está
projetando, como um ser desprovido de bondade, que julga seu próximo, manifestando sua ira e
intolerância. Acreditamos que somos santos injustiçados. Somos incapazes de perceber nossa hipocrisia.
Fugimos da realidade, da verdade. E a verdade é: nós é que estamos projetando, nós também projetamos.

A projeção serve para nos conhecermos mais e melhor, não para fugirmos da realidade, não para
negarmos a realidade. Ainda que conheçamos o conceito da projeção, quando somos insultados ou
criticados, somos tomados por sensações ruins e fantasiamos idéias, invertemos conceitos, padrões, para
que essas sensações se tornem mais agradáveis. Com isso, chegamos à equívoca e cômoda conclusão
que os outros estão apenas projetando seus defeitos, pois nós somos sábios, calmos, superiores. E isto
nada mais é do que o orgulho, a soberba, o amor próprio, auto-adoração atuando em nós.

Temos que olhar para dentro de nós mesmos com sinceridade, com honestidade, temos que ser
duros conosco, eliminar de dentro de nós todo esse equívoco, se realmente quisermos mudar, se realmente
quisermos nos livrar de nossos sofrimentos.

Medusa, personagem da mitologia grega, era um ser monstruoso, que tinha serpentes na cabeça
em vez de cabelos, presas pontiagudas, mãos de bronze e asas de ouro. Conta a lenda que aquele que a
olhasse diretamente seria petrificado. O herói Perseu, então, para neutralizá-la, utilizou um escudo mágico
de metal polido, que refletia a imagem de Medusa, como se fosse um espelho. E assim ele conseguiu
decapitá-la com a espada de Hermes.

Perseu não utilizou o escudo para ficar se auto-adorando, tampouco para ficar observando quão
tétricas eram as serpentes que se moviam na cabeça da Medusa ou para olhar suas terríveis garras. Nada
disso ele fez. Pelo contrário, limitou-se a observar e analisar a perigosa criatura. Só assim pôde enfim
liquidá-la.
De forma análoga, é para isso que serve a projeção, para observarmos um defeito nosso através de
um espelho, de um alguém que nos mostre as nossas imperfeições. A decapitação de Medusa representa a
decapitação de nossos próprios defeitos.

Um sábio monge budista disse:

Nosso rosto é algo que normalmente nunca vemos. Embora usemos a nossa boca para falar todos
os dias, nunca vemos que formato ela tem. Embora nosso nariz não pare de respirar, nunca conseguimos
vê-lo. Nossos ouvidos ouvem sons o tempo todo, porém não podemos ver a sua aparência. Nossos olhos
podem enxergar todo tipo de coisa, no entanto não conseguem enxergar a si mesmos. Dependemos de
espelhos para ver o nosso reflexo. Somente desta maneira podemos ter idéia de como é o nosso rosto.
Quando as pessoas têm sabedoria, é como se elas tivessem um grande espelho para enxergar a si
mesmas, porque a sabedoria é o conhecimento claro que surge de uma mente luminosa, limpa e pura, livre
das distorções, livre das ondulações

Mas, infelizmente, parece que as pessoas preferem ter mais conhecimento para poderem julgar
melhor o seu próximo, o que significa um brutal auto-engano. E quando, por acaso, alguém admite ou
percebe que está vendo seu reflexo no outro, nada faz. Simplesmente aceita que é deste ou daquele jeito e
continua a ser.
Sobre a Raiva

Um dia alguém disse que a raiva podia ser um sentimento bom, uma vez que dela provinha o
impulso para realizar transformações, grandes feitos. Não parece ser este um conceito muito sensato, pois
a raiva destrói; destrói nossa mente, nosso estômago, nosso cérebro, etc. Raiva não é vontade. Vontade é
uma força bem diferente disto.

Se precisamos de um impulso para nos motivar a agir, certamente a raiva não é o melhor deles, já
que anda sempre ao lado de pares ruins, como o orgulho e a vaidade, por exemplo.

A raiva não é boa conselheira, pois nos leva a agir inconscientemente com sentimentos negativos,
como é o caso do orgulho e da vaidade, acima mencionados. A raiva nos cega. Os resultados de ações
movidas por ela nunca serão benéficos.

Diz Samael Aun Weor em “A Revolução da Dialética”:

A cólera aniquila a capacidade de pensar e de resolver os problemas que a originam. Obviamente, a


cólera é uma emoção negativa.

Cultivamos padrões de pensamentos, emoções que vêm de longo tempo, anteriores mesmo à
nossa existência, como, por exemplo, o ódio entre países ou entre crenças. Muitas criaturas sequer sabem
por que se odeiam.

Criamos expectativas fantasiosas, que se transformam em frustrações e geram raiva; raiva da vida,
raiva de pessoas e coisas que nos contrariam, raiva de nós mesmos por termos criado essas fantasias, por
termos acreditado em ilusões.

E sempre tentamos nos justificar, dizendo que tivemos motivos para sentir raiva, para nos irritarmos,
para ficarmos nervosos. Mas a verdade é que não existe um motivo real para que isso aconteça, não
existem motivos externos para a raiva, os motivos são sempre internos.

Muitas vezes a raiva vem de uma má interpretação das situações, de uma impressão distorcida dos
fatos, de uma visão egocêntrica dos fatos, uma visão identificada, viciada. A raiva normalmente está dentro
nós mesmos, e acabamos por projetá-la nos outros. Ela tem origem nos conflitos internos, em nossos
desejos muitas vezes antagônicos.

Se nos irritamos, se ficamos nervosos, agressivos porque alguém nos provoca, então vamos mal.
Estamos sendo escravos e fantoches de terceiros; estamos submetidos aos poderes de outrem. E perceber
isto também pode nos deixar com raiva, com raiva de nós mesmos, o que pode levar à negação ou à
transferência deste sentimento para alguém ou alguma coisa.

Existe uma história interessante atribuída ao colunista Sidney Harris. Contam que um certo dia, ele
acompanhava um amigo à banca de jornais. O amigo cumprimentou o jornaleiro amavelmente, mas, como
retorno, recebeu um tratamento rude e grosseiro. Pegando o jornal que foi atirado em sua direção, o amigo
de Harris sorriu polidamente e desejou um bom fim de semana ao jornaleiro. Quando os dois amigos
desciam a rua, o colunista perguntou:

– Ele sempre lhe trata assim com tanta grosseria?


– Sim , infelizmente é sempre assim.
– E você é sempre tão polido e amigável com ele?
– Sim, sou.
– Por que você é tão educado, já que ele é tão indelicado com você?
– Porque não quero que ele decida como eu devo agir.”

É fácil observar que, se nos irritamos, se ficamos nervosos, irados diante de uma provocação, então
estamos sendo escravos dos outros e dos nossos demônios, estamos sendo manipulados por eles.
Também não é difícil observar quando nos deixamos escravizar, quando somos facilmente manipulados,
com chantagens emocionais, aplicação de rótulos, falsos conceitos, idéias tortas.
Quando a mente sai da serenidade, da paz, nossos conceitos precisam ser revistos, sem o foco no
ego, no eu, no mim mesmo, no meu.

Um grande Mestre disse:

O corpo astral tem seus desejos – e os tem às dúzias; há de querer ver–te encolerizado, ouvir–te
dizer palavras ásperas, que sintas ciúmes, que sejas ávido por dinheiro, que invejes os bens alheios e
cedas ao desânimo. Quererá todas essas coisas e muitas outras mais, não porque deseje prejudicar–te,
mas por que lhe aprazem as vibrações violentas e gosta de mudá–las continuamente. Tu, porém, não
desejas nenhuma destas coisas e, portanto, deves distinguir os teus desejos dos de teu corpo astral.

A raiva é também uma forma de defesa, apesar de ser uma emoção destrutiva, tanto para os que a
sentem quanto para os que se tornam objeto dela. Todos nós temos nossas inseguranças, nossos medos.
Uns reagem com ira, outros com inibição ou timidez; cada um tem seus mecanismos de defesa, que variam
em função de suas experiências, necessidades, valores.

Vários estudos científicos comprovam que a raiva enfraquece as defesas do organismo e é uma
causa importante de doenças e morte prematura. Há indícios científicos de que a expressão repetida da
fúria aciona reações bioquímicas nocivas ao organismo. O impulso colérico é relacionado até a algumas
manifestações de câncer.

A raiva destrói nossa serenidade, constituindo-se num grande obstáculo ao desenvolvimento da


compaixão e do altruísmo. Sua Santidade o Dalai Lama reforça a afirmação de que não é possível superar
tal emoção apenas suprimindo-a ou fingindo que ela não existe. Da mesma forma, deixar a raiva fluir sem
controle, na esperança de nos livrarmos dela por sua simples vazão, também não resolve. A solução é
evitá–la ou transformá–la pelo cultivo de seus antídotos: a paciência e a tolerância.

Diz Sua Santidade o Dalai Lama em “A Arte da Felicidade”:

Um resultado espontâneo da paciência e da tolerância é o perdão.

Precisamos não nos identificar, não lutar contra raiva, não resistir, pois não somos a raiva. Tudo que
é passageiro não é real, somente é real o que não muda. Logo, a raiva é uma ilusão, não é real, pois é
passageira, momentânea. A paz, sim, é real. Sempre que a raiva se vai, lá está ela: a paz. Não é
necessário fazer nada, não é necessário acontecer nada para que estejamos em paz. A paz simplesmente
é.

Um grande sábio disse:

Talvez o defeito não seja a raiva, mas a falta de paciência. A impaciência é a falta de bondade.

É muito fácil sermos pacientes enquanto não existe nada nem ninguém chamando pela expressão
de nossa paciência. O desafio está em praticarmos a serenidade, a paciência, a tolerância no dia-a-dia, no
calor das situações. É assim que forjamos nossas virtudes.

Só depois de termos chegado à compreensão da raiva, do nervosismo exacerbado, da irritação, é


que podemos olhar para aqueles que se encontram nesse estado e sentir uma profunda compreensão, uma
real compaixão. Através da ignorância do outro, podemos avaliar também o quanto fomos ignorantes, o
quanto fomos estúpidos, o quanto nos tornamos ridículos quando vivenciamos este mesmo estado.

É comum nos deixarmos tomar por irritação e raiva sempre que nossos objetivos são frustrados,
sempre que alguém ou alguma coisa atrapalha a realização de nossos desejos, sempre que a nossas
expectativas de prazer são ameaçadas, sempre que somos privados de situações de comodidade e
satisfação.

Condicionamos nossos estados internos, e assim vivemos na expectativa, na ansiedade, na


esperança de condições propícias que nos levem à paz e à tranqüilidade. Mas isso não passa de uma
ilusão, pois, quando essas tão aguardadas condições não acontecem, ficamos irritados, com raiva.

Construímos em nossa mente situações ideais que nos dão a sensação de segurança, de
tranqüilidade, de conforto, de prazer. Quando essas situações são ameaçadas por algo ou alguém, lá
estamos nós, dominados pela raiva e pela irritação. Ficamos nervosos, ansiosos, querendo de volta, a
qualquer preço, aquela situação onde sentíamos segurança e conforto.
Não há motivo para irritação com algo que não podemos mudar, pois, se não podemos mudar, se
isto não está em nossas mãos, não há por que se irritar, não há por que perder a paz e a serenidade, não
há por que se preocupar. O que podemos fazer, o que está em nossas mãos, é tentar relaxar e aceitar, é ter
paciência, tolerância, serenidade. Isso sim está em nossas mãos, ou pelo menos deveria estar.

Não há motivo para irritação com algo que podemos mudar, pois, se podemos mudar, se a
mudança está em nossas mãos, não há por que se irritar, não há por que perder a paz e a serenidade, não
há por que se preocupar, basta trabalharmos pacientemente para que a mudança ocorra.

Geralmente, queremos ter razão em disputas e discussões. Se não conseguimos, se os outros não
concordam conosco, ficamos irados. Devemos compreender que são apenas idéias, pontos de vista,
conceitos e opiniões, que podem divergir ou não, e, por mais nobres que sejam, não passam disso. Mas,
movidos por nossas inseguranças, nos apegamos e nos identificamos ferrenhamente com essas idéias.
Temos medo de perder a razão, temos medo de ser dominados.

Não são os outros que não aceitam nossas opiniões, somos nós que não aceitamos que os outros
não aceitem nossas opiniões. Somos nós que não aceitamos que os outros tenham opiniões diferentes das
nossas. Chamamos de teimosos àqueles que não aceitam facilmente nossos pontos de vista.

Egoístas que somos, acreditamos que precisamos ter paciência e tolerância com os outros e nos
esquecemos de que os outros também devem fazer o mesmo conosco. Talvez saindo um pouco de dentro
de nós mesmos, sendo menos egoístas, possamos perceber que os outros também precisam ter muita
paciência e tolerância para conosco. Afinal, não somos tão santos quanto pensamos ser; também nos
irritamos, também temos nossas chatices, nossas crises de humor. Esta percepção nos levará a relaxar, e,
por conseqüência, a ter muito mais paciência e tolerância com o nosso próximo, que, por sua vez, deve ter
a mesma atitude para conosco.

Ao sermos tomados pela raiva, devemos aceitar que estamos com raiva, não devemos resistir, não
devemos negar, não devemos fugir das situações, dos sentimentos, das emoções. Devemos aceitar e
observar aquilo que estamos sentindo, aquilo que acontece dentro de nós, que tipo de pensamentos
habitam a nossa mente. Não temos que continuar negando ou fugindo de nossos demônios. Isso não quer
dizer que devemos partir para cima dos outros, que devemos brigar, insultar, ofender. Quer dizer que
devemos nos observar, para percebermos como estamos sendo estúpidos, como está sendo idiota o nosso
comportamento. A raiva é uma realidade humana, não é uma verdade. Mas é uma realidade, assim temos
que observa–la para um dia podermos compreendê–la.

Existe um fenômeno denominado ‘transferência’, no qual transferimos algo que sentimos em relação
a nós mesmos para uma outra pessoa, ou o que sentimos em relação a um certo indivíduo para outro
indivíduo, ou o que sentimos em relação a determinada coisa para outra coisa. Os itens podem ainda ser
misturados, e então a transferência pode se dar de uma coisa para uma situação, de uma situação para
uma pessoa, de nós mesmos para uma coisa, e por aí afora. Mas, em ultima análise, devemos ter em
mente que a origem é sempre algo que está dentro de nós, algo com nossos próprios demônios.

Se, por exemplo, estamos fazendo um curso que não gostamos mas não temos coragem e ousadia
para abandoná-lo e começar outro, se não temos coragem e ousadia para assumir uma mudança de
opinião, tudo indica que estamos preocupados demais com nossa auto-imagem. Ela se tornou mais
importante do que nossa paz e nossa felicidade. Então sentimos raiva de nós mesmos, mas não
conseguimos lidar com isso e transferimos, projetamos, para o que é externo a nós, como, por exemplo,
colegas de classe, professores ou a própria instituição.

Em outro exemplo, se moramos em um lugar que não nos agrada, que não é o lugar onde
idealizamos morar, ficamos com raiva, raiva de nossa incapacidade, de nossa impotência diante da
situação, de nossa falta de força, de coragem, de ousadia. Então, como não conseguimos lidar com a
situação, transferimos, projetamos, nossa raiva para terceiros: para os vizinhos, para própria habitação,
para os companheiros que moram conosco.

Existe um outro fenômeno chamado ‘compensação’. Neste fenômeno tentamos compensar um


sentimento que não admitimos com um contrário, um sentimento que compense o que estamos sentindo.
Isso pode acontecer devido aos nossos condicionamentos, nossos padrões, conceitos, preconceitos, falta
de aceitação de nós mesmos, da realidade.
Se, por exemplo, sentimos raiva da mãe ou do pai e não admitimos este sentimento, entra em cena
um mecanismo de compensação, que protege, valoriza e dá atenção em excesso, mas que não é sincero.
Às vezes, chegamos ao ponto de acreditar no que estamos fazendo. Este fenômeno da compensação pode
nos levar ao fenômeno da transferência, ou seja, já que não conseguimos lidar com a raiva da mãe ou do
pai, então compensamos. Mas a raiva continua lá. Então a transferimos para colegas de trabalho,
funcionários, motorista ou cobrador de ônibus, pessoas no trânsito, na rua, enfim, para quem chegar perto.

Sempre que ficamos irritados, nervosos, com raiva, buscamos culpar alguém, alguma coisa, alguma
situação, ou seja, não conseguimos lidar com o que estamos sentindo. Então projetamos, transferimos, e
assim continuamos sem compreender, pois não assumimos nossas responsabilidades nem a verdade de
nossos sentimentos. E, quando assumimos, passamos a nos culpar e nos torturar, ficamos com raiva de
nós mesmos.

Um grande Mestre disse:

O teu pensamento acerca dos outros deve ser verdadeiro; não penses a seu respeito aquilo que
não saibas. Não suponhas que os outros estejam sempre pensando em ti. Se um homem faz alguma coisa
que julgas poder prejudicar–te, ou diz algo que parece ser–te dirigido, não suponhas imediatamente: ‘Ele
pretende ofender–me.’. O mais provável é que nunca pensasse em ti pois cada alma tem as suas próprias
preocupações e os seus pensamentos não giram, as mais das vezes, em torno senão de si própria. Se um
homem te falar colericamente, não penses: ‘Ele me odeia e quer ferir–me.’ Provavelmente, alguém ou
alguma coisa o encolerizou e, acontecendo encontrar–te, voltou a sua cólera sobre ti. Procede
insensatamente, pois toda a cólera é insensata, mas nem por isso deves pensar falsamente a seu respeito.

Por trás da irritação, da agressividade, da raiva, existem conflitos internos, desejos, esperanças,
expectativas. Se ficamos com raiva porque não achamos os sapatos onde esperávamos que eles
estivessem, é de se deduzir que tínhamos a expectativa de encontrar os sapatos em um dado local; como
não estavam lá e a expectativa foi contrariada, nos irritamos. Em verdade, não há problema algum no fato
de os sapatos não estarem no local esperado, mas, por nossa grande estupidez, nossa ignorância, falta de
paciência, de tolerância, de gratidão, ficamos irritados, com raiva, quando algo não sai como planejamos.
Geralmente, o passo seguinte é ficarmos com raiva de quem mudou ou não colocou os sapatos onde
achávamos que deveriam estar – isso porque temos o desejo que os outros façam tudo exatamente da
forma que queremos, como pretensamente achamos correto.

Sentimos o impulso da raiva para reclamar, para brigar, para insultar. Mas achamos que não é certo
sentí-lo, por causa de nossos conceitos, nossos padrões, nossas necessidades, que entram em conflito
com nossos sentimentos e emoções, com outros conceitos e padrões, com outras necessidades. Achamos
que não é prudente brigar com a pessoa que praticou a ação, pois ela pode ficar brava, ir embora e nos
deixar na mão; ou então poderia ficar magoada e nos rejeitar, aí perderíamos seu carinho, afeto e serviços.
Achamos que o outro nunca faz exatamente o que queremos, como queremos; não faz certinho, e sempre
sobra para nós, os perfeitos, os salvadores do mundo, corrigir seus erros. Por preguiça ou má vontade, não
queríamos ter trabalho nenhum. Então ficamos irritados por isso, com raiva. Achamos que os outros, sim,
tiveram preguiça e má vontade. Estes conflitos de padrões com conceitos, conceitos com necessidade, etc.
geram uma pressão interna, uma irritação crescente. O que sentimos é raiva de nós mesmos porque não
somos capazes de reagir, por acharmos que não estamos no controle, por nos sentirmos impotentes,
presos aos nossos próprios dilemas.

Poderíamos pedir com paciência, gentileza, doçura, que a pessoa colocasse os sapatos em um
lugar específico, e poderíamos repetir o mesmo pedido quantas vezes fossem necessárias. Assim como
poderíamos também aceitar o fato de que sapatos podem mudar de lugar sempre que uma pessoa mexe
neles, pois não há nisso qualquer conseqüência fundamental. Se não aceitarmos a simples mudança do
lugar de um sapato, não vamos aceitar as mudanças que a vida traz, não vamos aceitar mudança alguma
dentro de nós. Parece interessante observar que o que pode estar por trás de tudo isso é o medo e a
insegurança.

A ciência mostra que a raiva pode destruir neurônios, causar úlcera, gastrite, dor de cabeça, até
mesmo câncer. Assim, destruirmos a nós mesmos por causa de um sapato fora do lugar soa como algo
absurdo. Somente pessoas muito estúpidas, muito burras, assim como nós, são capazes desses
desmandos.

Talvez a auto-aceitação diminua a raiva que sentimos por nós mesmos, as culpas que remoemos,
diminuindo assim a raiva que temos de tudo e de todos, a culpa que atribuímos a tudo e a todos.
As idéias, preconceitos, percepções que temos sobre os defeitos dos outros deveriam nos levar à
expressão de mais compaixão, mais compreensão, mais tolerância, mais paciência. Estes sentimentos
deveriam substituir a raiva, a irritação, o nervosismo, a grosseria, a brutalidade. Pois, se já sabemos como
os outros vão se comportar, e isso se confirma, não há razão para irritação. Já sabíamos que assim seria, é
muita estupidez nossa nos irritarmos com algo que já sabíamos que iria acontecer.

Estupidamente, ficamos com raiva dos outros porque nunca mudam, continuam sempre a cometer
os mesmos erros. Por outro lado, também continuamos sempre a cometer os mesmos erros. Facilmente,
ficamos irritados, com raiva, sofremos com isso e não percebemos que os outros também sofrem com os
defeitos que têm, muitas vezes sem perceber por que sofrem, sem perceber seus defeitos. Há vezes em
que chegam até a acreditar que estão expressando virtudes; há outras em que percebem seus defeitos e
não conseguem mudar, pois não sabem como .Tudo isso é motivo para compaixão, nunca para irritação.

Temos raiva de muitas coisas, sentimos raiva em muitas situações. Nem sempre conseguimos
perceber nossas manifestações de raiva, pois existe uma camada de véus que encobre este fato e, de certa
forma, protege a psiquê. Podemos ter até conhecimento de algumas manifestações de raiva, mas
raramente temos total consciência delas; não temos consciência do objeto de nossa raiva e quase nunca de
por que sentimos raiva. Vivemos achando que a raiva dentro de nós se manifesta apenas por meio de
grandes irritações ou explosões de ira. Pode até ser o caso. Mas temos uma série de pequenas irritações, e
estas são as que mais destroem. De forma sutil, geram tensão, cansaço, fadiga, estresse. Preocupamo-nos
com as grandes irritações e explosões de ira, quando na verdade deveríamos nos preocupar com o que
realmente gera problemas e conflitos no dia-a-dia: as pequenas manifestações de raiva, aquelas que das
quais não temos consciência. As grandes manifestações de ira são como uma cortina de fumaça para as
pequenas.

Pela prática diária da meditação, a mente se torna serena. Esta serenidade, aos poucos, vai se
incorporando ao nosso dia-a-dia, à nossa vida prática.

A meditação reflexiva nos leva a compreender os motivos de nossa ira. Esta compreensão, aos
poucos, vai se refletindo em nosso comportamento diário.

Mas, se após compreendermos os muitos aspectos da raiva, ainda reincidimos em velhos erros, em
repetições, recorrências, se ainda somos tomados facilmente pela ira, se ainda nos irritamos com as
mesmas coisas, com as mesmas situações ou com pequenas variações das mesmas situações, talvez seja
porque nosso coração ainda esteja muito duro. Talvez o foco principal esteja voltado para a própria mente,
talvez estejamos muito preocupados com nós mesmos. Neste caso, nossa capacidade de compreensão se
concentra apenas em nossa própria realidade, impedindo-nos de olhar um pouco mais para o outro, para o
seu ponto de vista. Isto ocorre quando nos falta o amor, manifestado sob seus mais variados aspectos, ou
seja: compaixão, paciência, tolerância, compreensão, sensibilidade, calma, respeito, bondade, gentileza,
aceitação, perdão. É possível até que nunca tenhamos sequer percebido que tais virtudes são aspectos e
variações do amor. É possível que, mesmo em nossas mais profundas reflexões e meditações, não
tenhamos desviado o olhar de nós mesmos, da nossa exclusiva compreensão do universo. É o amor-
próprio, a auto-adoração que nos torna cegos para os demais. E a prática dessas grandes virtudes, que
representa um exercício de amor ao próximo, nos ajuda a combater essa cegueira e vencer o amor-próprio.
Questionamentos e Comentários

– Acredito que a raiva não nasce necessariamente do orgulho ou da vaidade. É possível ser
orgulhoso ou vaidoso sem sentir raiva.

Certamente que é possível sentir orgulho e vaidade sem sentir raiva. Mas por trás de toda
manifestação da raiva esta o orgulho, a vaidade, a auto importância, o amor próprio. Isso precisa ser
observado e compreendido para que possa haver uma mudança interna.
Sobre a Renúncia

Se, pela renúncia a uma felicidade inferior, é possível alcançar uma felicidade superior,
que o homem sábio abandone a inferior pela superior.

Dhammapada 290

Precisamos perceber, por nós mesmos, a leveza, a liberdade, quando verdadeiramente


renunciamos a algo.

Uma sábia monja budista escreveu:

A verdadeira satisfação, a verdadeira paz interior, apenas podem ser conquistadas através da
renúncia. A renúncia leva à dissolução do desejo.

A renúncia é uma prova de desapego, ou melhor, é próprio desapego. E desapego é o caminho


para a dissolução dos desejos. Somente no ato da renúncia é que percebemos quão apegados estávamos.
Antes disto, tudo o que fazíamos era arrumarmos as mais diversas justificativas e desculpas, para manter
nossos apegos.

Ao vivermos preocupados, temendo perdas ou prejuízos, revelamos nossos apegos. Precisamos ter
a coragem de renunciar, aceitar as perdas e os prejuízos sem medo. Precisamos perceber a
impermanência das coisas.

Por termos medos, apegos, acreditamos que é necessário mantermos nossas defesas, nossas
armas. Desta forma não conseguiremos abandonar a raiva, a violência, a brutalidade. Na realidade, o que
devemos fazer é renunciar a tudo isso.

Os desejos nos cegam de tal maneira que somente quando renunciamos a eles é que podemos
perceber a nossa cegueira.

Precisamos nos conscientizar da impermanência das coisas. Tentamos evitar dores, sofrimentos ou
situações ruins como se esses males fossem durar para sempre. Devemos nos trabalhar para aceitar o que
o agora nos impõe, deixando de rejeitar, de tentar evitar, por um instante, o instante presente.

Tentamos, de todas as maneiras, evitar que as dores, os sofrimentos e as situações ruins


continuem no futuro. Mas, como já dito, o melhor a fazer é aceitá-las no agora, uma vez que elas só existem
no agora, se é que existem.

Da mesma forma, ao invés de vivermos intensamente um bom momento no presente, preferimos


fantasiar o futuro, tentando eternizar ou transformar o que de bom nos acontece agora.

A renúncia leva à extinção da inveja. Aquele que renunciou ao luxo, ao status, à competição, às
fantasias, às ilusões, à fama, às paixões, aos falsos brilhantes, e deixa de desejar essas coisas, está livre
da cobiça e da inveja. Já não precisa se preocupar com o que os outros pensam ou vão pensar.

Viver uma vida simples é um ato efetivo, um ato concreto de renúncia. É evidente que, para isso,
não é necessário que tenhamos de morar numa caverna, não é necessário que tenhamos de vestir algum
tipo de manto sagrado.

O fato de não renunciarmos ao passado se reflete no planejamento do futuro, nas falsas


esperanças, nas expectativas, na necessidade de repetir e reviver experiências tidas como ideais. O apego
ao passado e a esperança, a expectativa do futuro, geram medos em relação ao futuro. Não queremos
sentir insegurança quanto ao futuro, mas também não renunciamos ao passado, à esperança, à
expectativa. Queremos sair da armadilha, mas não largamos a isca.

Quando não renunciamos a algo, ficamos, ou podemos ficar, na esperança de que, de alguma
forma, a situação vivida volte a acontecer. Esta esperança de que poderemos voltar a experimentar uma
mesma sensação, um mesmo prazer, amortece a dor da perda e conforta. Isto só demonstra que ainda
estamos apegados, e pior: demonstra que estamos a nos auto-enganar.
A sábia monja budista também escreveu:

Renúncia significa abandonar todas as idéias e esperanças às quais a mente desejaria se apegar e
reter, ter interesse e desejo de investigar.

Existem pessoas que vivem apenas de esperanças e que, no fundo, preferem não concretizar suas
idéias, que, uma vez realizadas, tirarão delas o sentido de viver. Ou seja, não mais terão do que reclamar,
com quem brigar, o que fazer.

Essas falsas esperanças aprisionam a mente, estreitam a visão, impedem as pessoas de viver o
presente, causam dores e sofrimentos. São reflexos da insatisfação e do descontentamento com o
presente.

Está escrito em no verso 338 do Dhammapada:

Se as raízes permanecem sem danos e fortes, uma árvore, mesmo que cortada, crescerá
novamente. Assim também se um desejo latente não for cortado pela raiz, o sofrimento retornará
novamente e novamente.

É importante observar, perceber, compreender, que fomos nós mesmos que construímos a nossa
cruz e que nos dispusemos a carregá-la, crucificamos a nós mesmos. Fomos nós que vendemos nossas
almas ao diabo, não podemos culpá-lo por isso. Ninguém, além de nós mesmo, é responsável por isso.

O apego às coisas, a sensação de posse, nos faz sofrer. Mas não nos damos conta de que temos
apegos e nem ao que estamos apegados. Por maiores que sejam as nossas posses, acreditamos ter
sempre o mínimo necessário para viver. Tolos que somos, vivemos a nos auto-enganar.

No “Attadana Sutta” há um trecho que nos alerta:

Quem nunca pensa em termos de posse não sente falta de coisa alguma; uma pessoa assim jamais
é afligida pelo sentimento de perda.

Quem nunca pensa em termos de “isso é meu”, “aquilo é dele” jamais se sentirá prejudicado.

A idéia de posse sobre pessoas é bastante comum entre nós. Torna-se evidente nas demonstrações de
ciúme de cônjuges, filhos, família ou amigos. Pessoas apegam-se umas às outras, e acreditam na posse recíproca.
Há também idéia de posse sobre direitos, que acontece de forma um pouco mais sutil.

A posse, a impressão de posse, a sensação de posse, não se manifesta somente em relação a


carros, casas, bens em geral ou pessoas, mas em relação a nós mesmos, às nossas idéias, conceitos,
direitos, nossa honra, auto-imagem, opinião, moral, nossa auto-definição. Identificar e descartar tudo isso,
renunciar a tudo isso, é uma atitude inteligente e um desafio ao verdadeiro renunciante.

Aquele que acredita possuir direitos sobre algo ou alguém sente-se profundamente afligido ao
perdê-los, sente-se prejudicado, invadido.

Infelizmente, não renunciamos sequer aos nossos sofrimentos, às nossas convicções sobre as
situações vividas ou observadas, à nossa forma de ver a realidade. Se vemos um sofrimento apenas como
sofrimento, e não como uma ilusão, é porque temos uma visão equivocada. E, desta forma, não poderemos
nos livrar de qualquer sofrimento.

Compreender os sofrimentos como lições a serem aprendidas é uma postura diferente. É uma
grande mudança de paradigma, de visão de vida, de consciência da realidade. Como nos ensina o
Budismo, esta é, na verdade, uma reta visão sobre o sofrimento, que nos enche de gratidão. E a visão reta
é uma renúncia, uma renúncia à visão não reta.

Acreditamos que aprendemos muito com nossos sofrimentos, e este é um dos motivos pelo qual
nos apegamos a eles. Mas, na realidade, o que chamamos de aprendizagens não passa de mágoas,
ressentimentos, medos, repressões, não passam de uma criação de travas, de dispositivos de defesa.
Enquanto carregarmos estes sentimentos, estaremos presos a um passado, um passado que
provavelmente não aconteceu ou foi mal interpretado.
Se passamos a encarar os sofrimentos como lições a serem aprendidas, como impulsos para
nossas mudanças interiores, se o importante na vida passa a ser o aprendizado e a evolução por meio dele,
então não existe mais ofensa, agressão, pressão; existem apenas aprendizados. Mas quando ficamos
nervosos, irritados, quando maldizemos a vida e as pessoas, é porque algo passou a ser mais importante
do que o aprendizado. Isto significa então que o fato de ser bem tratado, elogiado, reconhecido, aceito,
adorado, é mais importante que o aprendizado. Isto significa a predominância da auto-importância, auto-
importância esta à qual se deve renunciar.

Renunciar significa abandonar sem olhar para trás. Olhar para trás pode nos transformar em
estátuas humanas, pois nos aprisiona a um passado. A experiência da renúncia não deixa dúvidas,
expressa claramente que nos livrarmos de fardos que antes carregávamos desnecessariamente.

A raiva, o orgulho, a vaidade, a cobiça, a inveja, são pesados fardo que carregamos. É muito
prazeroso e libertador ver-se livre dos pensamentos que geram todas estas coisas.

Ainda nas palavras da sábia monja:

Se formos bem sucedidos, mesmo que uma ou duas vezes ao longo do dia, em nos soltarmos das
nossas reações, teremos tomado um grande passo e poderemos mais facilmente fazer o mesmo outras
vezes. Teremos compreendido que uma emoção que surgiu poderá ser detida, não precisamos carregá-la
conosco o dia todo. O alívio proveniente disso será a prova de que uma grande descoberta interior foi
realizada e de que a simplicidade da não dualidade nos mostra o caminho para a verdade.

Todos nós vivemos em busca de algo mais, algo diferente que venha a nos preencher.
Independente das conquistas alcançadas, sempre achamos que a vida está incompleta, que ainda há algo a
ser adquirido, realizado. E passamos a vida a correr atrás de casas, carros, títulos, salários, divertimentos,
conhecimento. Vivemos em busca de uma felicidade, paz e satisfação ilusórias. Distantes do verdadeiro
caminho, seguimos, de ilusão em ilusão, de desilusão em desilusão, atrás de sonhos, esperanças e
expectativas, que acabam levando a frustrações, tristezas, dores e sofrimentos. Mas é sempre tempo de
reconhecer e renunciar a tudo isso.

Podemos ser criaturas generosas, guardar preceitos éticos, dedicarmo-nos a práticas espirituais,
tentar melhorar, mudar a cada dia, morrer em nós mesmos a cada dia, a cada instante, que sempre estará
faltando algo. Como disse Cristo Jesus em Marcos 10:21: Falta-te uma coisa: vai, vende tudo quanto tens,
e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, toma a cruz, e segue-me.

Para finalizar este tema, nada melhor do que as palavras de HPB em "A Voz do Silêncio":

Há só uma senda até o Caminho; só chegando bem ao fim se pode ouvir a Voz do Silêncio. A
escada pela qual o candidato sobe é formada por degraus de sofrimento e de dor; estes só podem ser
calados pela voz da virtude. Ai de ti, pois, discípulo, se há um único vício que não abandonaste; porque
então a escada abaterá e far-te-á cair; a sua base assenta no lodo fundo dos teus pecados e defeitos, e
antes que possas tentar atravessar esse largo abismo de matéria, tens de lavar os teus pés nas águas da
renúncia. Acautela-te, não vás pousar um pé ainda sujo no primeiro degrau da escada. Ai daquele que ousa
poluir um degrau com seus pés lamacentos. A lama vil e viscosa secará, tornar-se-á pegajosa, e acabara
por colar-lhe o pé ao degrau; e, como uma ave presa no visco do caçador sutil, ele será afastado de todo o
progresso ulterior. Os seus vícios tomarão forma e puxá-lo-ão para baixo. Os seus pecados erguerão a voz,
como o riso e soluço do chacal depois do sol se por; os seus pensamentos tornar-se-ão um exército e levá-
lo-ão consigo, como um escravo cativo.

Mata os teus desejos, Lanu; torna os teus vícios impotentes, até dares o primeiro passo na jornada
solene.

Estrangula os teus pecados, torna-os mudos para sempre, antes que ergas um pé para subir a
escada.

Faze calar os teus pensamentos e concentra toda a tua atenção sobre o teu Mestre, que tu por
enquanto não vês, mas sentes.
Sobre a Sensação de Mandar e Ser Mandado

Todos querem mandar uns nos outros. Queremos sentir o prazer da sensação de poder, da
sensação de humilhar, subjugar, de submeter os outros ao nosso comando. São sensações que reforçam o
orgulho, a vaidade e a necessidade de auto-afirmação em nós.

Em contrapartida, quando nos vemos submetidos a situações onde é o outro que está no comando,
sentimo-nos humilhados, ultrajados, ofendidos, explorados, impotentes. E isso gera irritação, raiva, medo,
angústia e vergonha. Isso gera sofrimento.

Os conceitos e padrões, os valores que nos tornam orgulhosos e envaidecidos, que nos fazem
sentir prazer com a oportunidade de mandar, são os mesmos que nos fazem sofrer quando estamos do
outro lado, na situação de comandado.

Nas empresas, nas famílias, nas igrejas, nos grupos, todos querem mandar, controlar, assumir o
poder, estar na liderança. Muitos se aproveitam de suas posições para, de alguma forma, exercer o poder,
segundo as suas condições. Uns reclamam dos outros, e todos fazem o mesmo. Políticos, governantes,
casais, pais, filhos, avós, porteiros, seguranças, recepcionistas, atendentes, chefes, juízes, árbitros, patrões,
professores, todos querem mandar.

Não adianta tentarmos nos enganar, nos auto-convencer de que fazemos isto ou aquilo porque
assim determinamos e não porque alguém nos mandou fazer, e continuarmos com a sensação de estarmos
sendo comandados.

Antes de mais nada, é preciso saber obedecer para saber ordenar. É preciso ter a humildade de
aprender a obedecer para que se possa aprender a ordenar.

Queremos, de uma maneira ou de outra, estar sempre por cima das situações. E há quem
experimente até um certo prazer, uma sensação de superioridade, de liberdade, de poder, ao agir com
desrespeito, com insubordinação, ao desobedecer as regras. Agindo assim, acham que nada nem ninguém
poderão lhes deter.

Por mais que alguém nos pressione ou nos mande fazer algo, temos a escolha, a opção, de não
fazer. Evidentemente, podemos ter de colher os frutos amargos de uma recusa, mas temos sempre a opção
de não fazer. Ainda que exista a ameaça de perdermos o emprego ou até mesmo a vida, temos sempre
esta opção. Culpamos os outros por nossa incapacidade, nossa impotência, nossa fraqueza, por estarmos
aprisionados em nossos desejos, nossas necessidades, nossos medos. Transferimos para os outros a raiva
que temos de nós mesmos. Achamos que os outros nos obrigam a fazer o que não queremos, quando
quem nos obriga a fazer essas coisas são os nossos próprios egos. Mais uma vez, transferimos para
terceiros o que está dentro de nós.

O ego, por querer estar sempre ditando as regras, se enfurece quando é comandado. Nesta
situação, o ego coloca-se como impotente, considera-se oprimido e injustiçado. Por nos acharmos muito
importantes é que relutamos em obedecer, seguir, qualquer tipo de regra ou lei. E sofremos com isso.

Existe uma grande diferença entre temer e respeitar. É preciso perceber e compreender tal
diferença.

A chantagem, a pressão, a opressão, a trapaça, a violência, a brutalidade, a persuasão mal


intencionada, a bajulação, a coação, a repressão, a vexação e a coerção são algumas das formas mais
comuns de se exercer poder, o comando.

Queremos controlar, queremos ditar as regras. Repudiamos qualquer possibilidade que remeta à
idéia de estarmos sendo controlados por algo ou por alguém. De forma arrogante, dizemos que ninguém
manda em nós, que fazemos o que queremos, que ninguém pode nos obrigar a fazer o que não queremos,
que somos livres, que temos os nossos direitos. Achamo-nos demasiadamente importantes, nos adoramos.
Estamos profundamente apegados à nossa auto-imagem, às fantasias que fazemos sobre nós mesmos.

A identificação com a idéia de estarmos sendo comandados nos faz sofrer. E isto ocorre por causa
de padrões e conceitos previamente introjetados.
A necessidade, o desejo de controlar as coisas externas nasce do descontrole interno, da
incapacidade de auto-controle. Muitos acreditam deter o controle das coisas, das situações, de si mesmos.
E, quando porventura agem de maneira estranha, quando dão vazão aos seus impulsos, imediatamente
tratam de arrumar uma justificativa para seus atos. Na realidade, não temos controle algum sobre nada, não
temos controle algum sobre nós mesmos. Estamos nas mãos de nossos egos, de nossos desejos, em
diferentes graus de inconsciência. Não temos uma vontade própria, a bem dizer nem vontade temos.
Temos, sim, um somatório de desejos, muitas vezes contraditórios, antagônicos.

Somente quando aceitamos o fato de que não estamos no controle de coisa alguma é que podemos
passar a ter algum controle, é que podemos passar distinguir as forças que atuam em nós, controlando e
manipulando as nossas ações.

Se nos criticam, criticamos; se nos ofendem, ofendemos; se comem perto de nós, ficamos com
desejo de comer; se bocejam, bocejamos; se tossem, tossimos. Todos nos controlam e nos condicionam,
menos nós mesmos.

O “Eu mandão” se justifica dizendo que alguém tem que tomar a frente, e que só fará isso pelo bem
de todos. O “Eu mandão” se esconde por trás da educação, da gentileza. Pede “por favor”, pede ajuda.
Utiliza-se de gestos, caras e bocas. Algumas vezes, tenta simular que está sofrendo, precisando de apoio.
Outras, tenta argumentar, de forma premeditada, que “não queria pedir, mas a força da situação exige que
ele peça ou mande, se for o caso”.
Sobre a Solidão

A solidão costuma estar sempre acompanhada de ilusões, sentimentos de frustração, mágoa,


carência, medo, insegurança e rejeição.
O medo da solidão talvez seja o medo da palavra e da idéia que ela
carrega e não da solidão em si mesma.
A sensação de solidão acontece quando não nos sentimos bem conosco, quando não somos boas
companhias para nós mesmos.

O tamanho do vazio existencial parece ser proporcional à distância que estamos de nosso Ser.

Na verdade, ninguém é carente de outra pessoa, mas de si mesmo.

A questão da solidão não é bem o estar só mas sim o estarmos mal


acompanhados pelos pensamentos negativos, pelos nossos egos, pelos nossos
demonios internos.
A solidão nos atormenta quando nos colocamos como vítimas, como pobres criaturas injustiçadas e
abandonadas. Estamos por demais identificados com a nossa personalidade, com as idéias que temos
sobre nós mesmos, com os nossos pensamentos.

Passa-se a vida toda com medo de solidão, mas não se passa nem um
minuto refletindo, meditando, sobre tal medo.
Nem sempre estar só significa padecer de solidão. Existem pessoas que vivem sozinhas e não
sofrem de solidão, assim como existem aquelas que vivem cercadas de gente e se sentem extremamente
solitárias. Podemos sentir solidão até mesmo em festas e comícios, no meio da multidão. Logo, podemos
concluir que a solidão não depende tanto assim de fatores externos, ao contrário do que costumamos
imaginar.

Aquele que associa sua solidão ao fato de não se sentir aceito, deve lembrar que a única condição
para sermos aceitos pelos outros é nos aceitarmos primeiro. E neste momento, neste exato momento em
que nos aceitamos, passamos a não mais fazer questão da aceitação dos outros, o que afasta de nós o
sentimento de solidão.

Há quem diga que aquele que sofre de solidão não dá valor a si mesmo. Mas esta afirmação não é
verdadeira. Ao contrário do que possa parecer, sentimos solidão justamente por nos superestimarmos, por
estarmos transbordando amor-próprio, auto-importância, auto-adoração, apego a nós mesmos e às nossas
idéias – estados de alma que só nos distanciam do real Ser Interno.

A solidão acontece quando queremos receber de outrem tudo aquilo que deixamos de dar a nós
mesmos e aos outros, como, por exemplo: amor, carinho, atenção, aceitação.

O fato é que estamos e estaremos sempre sozinhos, sempre. E isso não tem que ser
necessariamente algo doloroso. Ninguém pode nascer ou morrer por nós. Ninguém passou, nem pode
passar, pelas experiências que passamos, sentir nossas dores ou nossas alegrias. Por mais que existam
outras pessoas dividindo uma mesma experiência, cada um tem a sua própria percepção do que está
vivenciando.

O sentimento de solidão geralmente está ligado à vontade de se ter alguém, por acreditarmos que
seremos felizes com uma pessoa ao nosso lado. Afinal, é esta a imagem que a sociedade, a família, as
novelas e os filmes vivem transmitindo. Influenciados por esta idéia e sem um alguém, frustramo-nos. O
desejo de ter alguém nubla a visão, a percepção do real, e então a solidão se instaura e se apodera de nós.

A sensação de solidão, de abandono, não passa mesmo de uma mera sensação. É uma ilusão, e,
portanto, não tem existência real, verdadeira.

A falta de esperança gera solidão. Não nos referimos aqui à falta de esperança no âmbito das
fantasias, mas à falta de esperança no que diz respeito ao Real, ao Verdadeiro.
Alguns preferem fugir do vazio existencial construindo esperanças e ilusões. Assim, alimentam sua
esperança de felicidade na realização de sonhos, como, por exemplo, conseguir um bom emprego, ter uma
casa espaçosa, filhos, um relacionamento sincero e estável, ganhar na loteria, etc. Outros resolvem
compensar seu vazio existencial mergulhando de cabeça no trabalho, na bebida, nas drogas, no sexo. E
ainda há aqueles que, para escapar da solidão e da tristeza, apelam para brincadeiras e palhaçadas,
escondendo-se de si mesmo e negando a realidade.

Sentimos solidão porque nos fechamos na torre do egoísmo. Neste aspecto, a prática da caridade
pode ajudar bastante. Mas não aquelas caridades de ocasião praticadas apenas com doações de dinheiro,
com boletos bancários. Neste caso, o melhor é a prática direta, o contato com pessoas realmente
necessitadas, como, por exemplo, visitas a idosos nos asilos, trabalhos voluntários com crianças doentes ou
carentes em creches ou orfanatos, assistência aos deficientes, auxílio em amparos maternais.

A solidão acontece quando o Ser que existe em nós clama por liberdade, por algo que está muito
distante daquilo que estamos fazendo. A solidão acontece quando todo o nosso Ser explode de repente,
ecoando: "Não é isso que eu quero! Nada disso tem sentido! Existe algo errado!"

Neste sentido, um grande conforto pode ser obtido com o trabalho psicológico esotérico, que é algo
que encanta a Alma. O Ser se enche de alegria quando meditamos.

Quando conhecemos o trabalho psicológico esotérico, aquela Alma que antes protestava bradando:
"Não é isso que eu quero! Nada disso tem sentido! Existe algo errado!" passa a afirmar: "É isso que eu
quero! Estou voltando para casa!"

Lentamente, conforme atingimos o auto-conhecimento, vamos ficando cada vez mais plenos, cada
vez mais preenchidos, não do externo, mas de nós mesmos, do nosso próprio e vasto Ser – o Deus Interno
dos místicos.
Sobre a Vaidade

A vaidade é a vestimenta do orgulho. É a auto-adoração. É querer parecer algo que não somos, o
que revela profunda insegurança e necessidade de auto-afirmação. E não se resume apenas ao fato de
querer parecer bonito, rico, elegante, mas também de querer parecer culto, informado, sábio, bondoso,
místico, fiel, caridoso, calmo, sereno, tranqüilo, justo, honesto, recatado. Devemos nos perguntar se
estamos interessados em ser ou em parecer alguma coisa, em ser ou em parecer virtuosos. Se somos
verdadeiramente humildes, justos e generosos, não importa o que digam, pouco importa que nos achem
orgulhosos, injustos maldosos, É importante observarmos que querer parecer aquilo que não somos
envolve mentira, falsidade e hipocrisia.

Um grande Mestre disse:

Sê verdadeiro na ação; nunca pretendas parecer senão aquilo que és, pois todo fingimento constitui
um obstáculo à pura luz da verdade, que deve brilhar através de ti como a luz do Sol através de um vidro
transparente.

Querer apenas ser visto como humilde é uma demonstração do mais puro orgulho, da mais pura
vaidade. Não aceitar que nos vejam como seres orgulhosos também é orgulho. Isto é querer ser aceito, é
mendigar aceitação, é a busca pela auto-afirmação. Quando não estamos certos do que somos, então
buscamos a aprovação dos outros.

Para sermos verdadeiramente humildes, devemos compreender o que é a humildade e o que é o


orgulho. Não podemos apenas criar uma auto-imagem de humildade e nos orgulharmos dela, isto é cair no
auto-engano. O mesmo se dá com as demais virtudes e defeitos. Precisamos analisar se queremos ser
justos ou se queremos ser vistos como justos. Precisamos analisar se queremos ser bons ou se queremos
ser vistos como bons.

É preciso aprender a aceitar e respeitar opiniões e pontos de vista alheios. Se realmente formos
virtuosos, possivelmente tomaremos as críticas que nos são dirigidas como um estímulo para
aperfeiçoarmos ainda mais as nossas virtudes, mesmo que essas críticas sejam fruto de uma projeção. Não
é sensato ficarmos ressentidos e magoados quando alguém que, segundo nossos conceitos, deveria nos
considerar um modelo de virtude, nos considera imperfeitos.

A vaidade é apenas uma máscara que busca compensar as lacunas, os vazios e as inseguranças
que sentimos, diante da nossa freqüente necessidade de auto-afirmação. Assim, a ambição de poder, de
bens materiais, de status social, de fama, muitas vezes é a forma encontrada para compensar uma
sensação de vazio. Esse impulso para o poder, essa necessidade de querer ter sempre mais, pode ainda
ser decorrente de um sentimento de inferioridade ou da sensação de desamparo, fragilidade e impotência,
presentes em muitos seres humanos.

O sentimento de vaidade tem uma relação profunda com a passividade, uma vez que envolve o
medo da opinião alheia, a vergonha, a preocupação com o que os outros pensam ou vão pensar de nós. E
este quadro é gerador de ansiedade, de expectativas e esperanças fantasiosas. O elogio enche de alegria e
orgulho o ser vaidoso. Em contrapartida, críticas, ofensas e reprovações o deixam magoado, triste, irritado.

As pessoas costumam se vestir, se enfeitar, se produzir, movidas pela vaidade. Querem exibir-se,
querem mostrar-se, querem aparecer para os outros. Desta forma, caminham pelas ruas fantasiando e
alimentando a sensação de que estão sendo observadas, admiradas, adoradas. Projetam suas fantasias e
deliciam-se com suas sensações. Sentem-se como se estivessem a desfilar em passarelas da moda. E o
vestir-se aí não se restringe apenas a roupas e marcas, é mais abrangente. Inclui também títulos, cargos,
conhecimento, erudição, posições de destaque, de poder, carros, casas, falsas virtudes. Inúmeras são as
peças do vestuário da vaidade. Entre alguns exemplos, que podem ser expandidos e explorados, podemos
citar o daqueles indivíduos que andam pelas ruas com seus carros turbinados, em alta velocidade, e se
sentem como grandes expoentes do automobilismo, participando de uma disputa, e o daqueles que jogam
futebol, por simples lazer, e se comparam aos jogadores de destaque no momento. Na verdade, vivem
como se estivessem na infância, fantasiando a realidade e mantendo suas mentes acorrentadas a essas
fantasias. Ninguém pára a fim de analisar o que é e o que não é real, ninguém pára a fim de refletir sobre
aquilo que realmente seriam sem o auxílio de tais artifícios.

O ser vaidoso tem a mente repleta de ilusões, fantasias, fascinação sobre si mesmo. É apegado à
sua auto-imagem, vive em auto-adoração, sente um profundo amor próprio.
Muitos querem ser olhados enquanto falam, querem receber toda atenção, toda adoração.

A vaidade clama por fama e popularidade. E essa fama e popularidade podem acontecer pelos
atributos da própria pessoa ou por atributos emprestados, roubados, como quando queremos mostrar que
conhecemos, quando queremos ser vistos ao lado de pessoas importantes, conhecidas, famosas,
populares, admiradas, desejadas, cobiçadas, seja pelo grande público ou dentro de grupos aos quais
pertencemos. Isto significa usar os outros como objeto, como troféu para a satisfação de nossos egos.

A falta de auto-conhecimento, o não saber quem somos, leva-nos à necessidade de auto-afirmação,


à insegurança.

A pessoa vaidosa quer aparecer, odeia todos aqueles que ofuscam sua imagem, a imagem que
tenta projetar. Logo, a vaidade traz também a inveja. O ser vaidoso sente inveja de qualquer indivíduo que
pareça ser ou ter mais do que ele, quer a atenção de todos, quer a adoração de todos, quer elogios,
aplausos só para si.

A vaidade envolve a inveja, a insatisfação, a privação dos outros. A vaidade envolve competição,
conflito, humilhação. Portanto, o resultado não pode ser bom. Todos esses sentimentos causam dor,
sofrimento, violência, brigas e até mesmo guerras.

A sensação de ser invejado é reflexo da nossa própria inveja, dos conceitos, dos padrões, da idéia
do isso vem a ser. Logo, um sujeito vaidoso é também um sujeito invejoso, insatisfeito. Ou seja, projeta para
os outros a sua inveja, a sua insatisfação, e tem a sensação de estar sendo invejado, admirado, adorado.
Direta ou indiretamente, a vaidade causa sofrimento em quem a sente. Ela gera medo, insegurança, auto-
cobrança, incerteza, dúvida, insatisfação, vergonha, timidez, inveja, sentimento de inferioridade, raiva,
irritação, ansiedade e preocupação.

Platão, em “A República”, faz uma analogia neste sentido, quando diz que um pintor não pode fazer
o trabalho de um marceneiro, pois não dispõe dos mesmos conhecimentos, dos mesmos dons. Um
marceneiro, por meio dos dons que Deus lhe concedeu, constrói uma cama em seu plano, a partir de uma
idéia captada. Já um pintor, ao reproduzir a imagem de uma cama, toma por base apenas as formas que
ele costuma observar, sem saber o que se passa por trás de todo o processo de feitura do móvel, dos
segredos, daquilo que está oculto aos olhos. O pintor seria apenas um imitador.

Da mesma forma, uma pessoa que observa a bondade de outra pessoa poderá, no máximo, imitá-
la, uma vez que desconhece a essência interior que resulta na expressão daquela bondade. Somente o
externo pode ser observado.

Aos olhos dos observadores comuns, a cama criada pelo pintor pode até ser igual à cama
construída pelo marceneiro. O trabalho do pintor pode ser até bastante elogiado, já que só aparências são
captadas pelo olhar humano. O elogio move o pintor, inunda-o de prazer, o que lhe impulsiona a criar mais
e mais, em busca novos elogios. Neste ponto, o prazer dos elogios já é mais importante do que a produção
da cama, o foco se desloca para o ego, a importância está no ego. O gozo da alma que pratica
verdadeiramente suas bondades é muito diferente e muito mais precioso do que o pobre prazer do ego que
é visto e se mostra como “bonzinho”.

Criamos uma idéia sobre nós mesmos, uma fantasia, apaixonamo-nos pela nossa criação e
tentamos projetá-la para os outros, para o mundo. Tentamos convencer aos demais que somos como
definimos em nossa fantasia. Esta tentativa de se projetar uma imagem se dá por meio de roupas e
acessórios de grife, carros sofisticados, casas luxuosas, ostentação de títulos. Por exemplo, uma pessoa
que se acha intelectual vai tentar acumular títulos para validar, para comprovar, a sua intelectualidade.
Perante os demais, sua postura deve ser a de um intelectual erudito, informado, ágil no pensar. Aparecerá
sempre carregando livros, revistas, jornais, e aproveitará qualquer oportunidade para mostrar que sabe das
coisas, para vangloriar-se de seus títulos.

Cria-se uma fantasia sobre si mesmo e sobre a existência; tenta-se projetar essa fantasia para o
mundo, representando-a por meio de objetos externos, a fim de validar, afirmar, dar consistência e realidade
a tal projeção. Assim se dá a busca por auto-afirmação.

A vaidade é uma tentativa de se projetar beleza para o exterior, o que pode ser traduzido como uma
forma de compensação para as nossas deformações internas. E, quando encontramos alguém que se
utiliza dessas mesmas formas, técnicas e estratégias de compensação, sentimos inveja, medo, raiva.
Curioso é, no entanto, que, por outro lado, chegamos a elogiar o outro por isso, numa espécie de auto-
adoração.

A vaidade é uma forma de domínio, é uma tentativa de domínio, de controle. A pessoa vaidosa se
crê poderosa. Mas essa sensação de poder é apenas uma compensação para suas inseguranças e
fraquezas. Diante de alguém que se vale das mesmas formas, técnicas e estratégias de domínio que
costumamos usar, ficamos atemorizados.

Identificados, fascinados pelas nossas fantasias, projetamo-las para o mundo; acreditamos que elas
são a nossa própria realidade. Da mesma forma, acreditamos que as fantasias de terceiros correspondem
também à realidade deles. Isto nos leva ao conflito, à irritação, à inveja, à competição, ao medo, à
vergonha, ao desejo.

Evidentemente, uma fantasia sobre nós mesmos não passa de fantasia, assim como uma idéia
sobre nós mesmos não passa de uma idéia. Portanto, é algo de bases muito frágeis. Quando erramos ou
quando somos criticados, tentamos nos defender, arrumamos justificativas, desculpas, para tentarmos nos
afirmar, para tentarmos convencer o outro – e a nós mesmos – da veracidade de nossa fantasia.

No final das contas, a vaidade é, de certa forma, uma tentativa desesperada de se projetar ou
manter uma auto-imagem ou uma fantasia de si mesmo. A vaidade, o desejo de parecer, de projetar uma
imagem, uma fantasia sobre nós mesmos, gera o medo de não conseguir parecer, projetar.

É preciso meditar muito para captarmos as realidades transcendentais, para compreendermos e


percebermos, de modo claro e direto, a realidade sobre nós mesmos, ou seja, para atingirmos o auto-
conhecimento. Precisamos rever nossas ações e nossas palavras ao final de cada dia. Este é um processo
para toda vida. Não devemos insistir na tolice de acreditar que o exercício dessa prática por uma semana,
um mês ou um ano já é suficiente, não devemos insistir na tolice de acreditar que práticas esporádicas, nos
momentos possíveis, podem gerar grandes resultados. Seria mais um auto-engano, mais uma existência
desperdiçada.
Sobre a Vergonha do Externo a Nós

Por vergonha, por medo da rejeição, por queremos agradar os outros, muitas vezes acabamos
ficando sem jeito, acanhados ou embaraçados para nos comunicarmos, para dizermos algo, para nos
manifestarmos. A vergonha está relacionada a remorso, timidez, pudor, honra, humilhação, brio, embaraço.

Podemos sentir vergonha, também, pelas ações de outrem. Isso acontece quando nos achamos
responsáveis pelas ações de terceiros, por acharmos que estamos associados a eles, por acharmos que
eles nos expõem.

Nossa personalidade é a forma pela qual nos apresentamos ao mundo, ela inclui nossos papéis
sociais, carro, casa, tipos de roupas, estilo de expressão pessoal. Para a personalidade, para o ego, todas
estas coisas são objetos de satisfação, de auto-afirmação, fazem parte de uma auto-imagem.

As pessoas da família, os amigos, o trabalho, a profissão, a religião, também são como objetos para
personalidade, para o ego. Todos fazem parte de uma auto-imagem e são utilizados em nossas
necessidades de auto-afirmação, de satisfação.

Assim, podemos sentir vergonha dos amigos pobres, principalmente quando estamos perto de
amigos ricos. Podemos sentir vergonha de amigos chatos, principalmente quando estamos perto de amigos
legais. Podemos sentir vergonha de amigos religiosos, principalmente quando estamos perto de amigos não
o são. Podemos sentir vergonha dos pais quando estamos próximos de alguns conhecidos – o que parece
acontecer sobretudo na adolescência. Tudo depende do contexto, da situação.

Sentimos vergonha de nossas crenças quando estamos em um grupo que não comunga das
mesmas crenças, das mesmas idéias. Por fraqueza, por covardia, por medo da rejeição, da ridicularização,
somos capazes de fingir e até de negar nossas próprias crenças. Desta forma, enquanto continuarmos a ser
assim, pequenos e rastejantes, elas nunca passarão de meras crenças, jamais chegarão a ser uma
verdadeira fé, pois nossos princípios são trocados pela aceitação dos outros.

A história relata que muitos morreram por seus princípios. Precisamos estar dispostos a morrer por
nossos princípios, ainda que seja uma morte psicológica. E isto é urgente, se é que realmente temos
princípios.

O que fazemos hoje é dar mais valor, mais importância, ao nosso ego, à nossas ilusões sobre o
mundo, aos nossos prazeres e necessidades - que nunca nos trouxeram felicidade real - do que aos nossos
princípios, nossa consciência, nosso real e verdadeiro Ser. Toda a questão se resume em estarmos
dispostos mudar nosso universo interior. Isto prevalece sobre qualquer outra coisa. Nossa consciência,
nosso real e verdadeiro Ser, deve ter mais importância do que qualquer outra coisa.

O julgamento, a crítica, a reclamação, são formas de defesa. Agimos assim na ilusão de nos
sentirmos melhores, superiores ao outros, de nos sentirmos mais à vontade, menos expostos em nossas
expressões.
Sobre a Vergonha e a Moralidade

Para muitas pessoas, a idéia de fazer com que os outros sintam o peso da vergonha e da
humilhação é uma forma de educar, de orientar os outros a se comportarem sob a égide da moral, da ética.
Ou seja, é uma forma de fazer com que os outros sejam submetidos à vontade de quem orienta. Isso
acontece nas famílias, nas escolas, nas empresas, acontece em toda a sociedade.

Mas humilhar pessoas, fazê-las passar vergonha, é um ato de violência. Assim, estupidamente
acabamos gerando mais e mais violência. A violência não está apenas na utilização de armas, na utilização
de violência física. A pior violência é a psíquica, a violência de gestos, de palavras, de expressões faciais,
de fazer com que nossos semelhantes passem por humilhações e constrangimentos. Este tipo de violência
é praticado o tempo todo em nossa podre e decadente sociedade.

Muitos aspectos da vergonha estão ligados também à raiva. Ser exposto a zombaria, humilhação,
ridicularização, exposição, desonra, embaraço, retaliação, castigo, punição, rejeição, deboche, sarcasmo,
constrangimento, gera raiva.

Parece muito claro. Quase todos nós, um dia, já passamos por situações onde nos vimos expostos
por alguém. E, neste momento, sentimos raiva, vergonha. Quase todos nós, um dia, já passamos por
situações onde fomos publicamente humilhados. E, neste momento, sentimos raiva, vergonha. Não
gostamos, mas estupidamente repetimos essa mesma atitude para com os outros.

Rebaixar o próximo a partir de valores subjetivos, de padrões, de conceitos e preconceitos, é uma


ação muito distante da moral. É mais uma de nossas necessidades de auto-afirmação, mais uma prova de
nossa fraqueza, de nossa estupidez, de nossa ignorância. Quando não temos autoridade e sim poder,
utilizamos destes recursos baixos.

Uma ação moralmente condenável é chamada de vergonhosa, e seu autor é chamado de “sem
vergonha” ou apontado como “aquele que não tem vergonha na cara”. Como esse tipo de insulto é
considerado grave em nossa sociedade, há ainda os que preferem substituí-lo por “cara de pau”, um termo
considerado bem mais leve para designar a mesma coisa.

Quando ficamos vermelhos, não estamos mostrando que possuímos honra ou moral. Estamos, sim,
mostrando que não compreendemos algo, que temos muito apego à nossa auto-imagem, nossas ilusões
sobre nós mesmos, estamos mostrando que somos escravizados por regras, padrões, valores, conceitos
impostos pela sociedade. Mas isso não significa que aquele que não enrubesce seja perfeito, nem que
tenha profunda compreensão da vida ou coisa parecida.

Muitos estudiosos da psique humana acreditam que a vergonha, a culpa e o medo são
fundamentais para desenvolvimento da moralidade humana. Em verdade, se dependemos destes
sentimentos, emoções e sensações para não praticarmos determinados atos, é porque não temos
consciência alguma, estamos dormindo profundamente.

A noção do que é moralmente vergonhoso é muito relativa, muito subjetiva, tanto que, muitas
vezes, chegamos a achar bonito “armar barracos”, fazer escândalos, gritar com os outros, humilhá-los,
agredi-los, descarregar neles nossa raiva, nossa irritação. É um comportamento cruel e estúpido, do qual
sentimos até orgulho. Sempre arrumamos justificativas nobres para tais atos.

Não parece muito provável que alguém deixe de roubar só pela vergonha de ser visto roubando.
Em verdade, parece absurdo, ridículo mesmo. É a falta de consciência que nos leva a estes atos. Não
existe motivo nobre para o roubo, não existe motivo que justifique o roubo. Se alguém passa por
necessidades e rouba, talvez seja porque tenha vergonha de pedir, porque não tenha a humildade
necessária para pedir, porque não aceite sua situação – neste caso, a vergonha de roubar pode ter sido
superada por uma vergonha maior.

O medo, a culpa e a vergonha são sentimentos muito limitados para servirem de base à
constituição da moralidade humana. A verdadeira moralidade nasce de dentro de nós, nasce da
consciência, não é um princípio subjetivo, algo que dependa de grupos, conceitos ou valores; não é uma
moralidade do ego. A verdadeira ética e a verdadeira moral devem estar acima dos costumes de épocas e
locais.
Se a moralidade não nasce de dentro de nós, o agir moral ocorrerá somente para parecermos ter
moral, não passaremos de reles imitadores. Assim, com uma moral periférica, nosso comportamento estará
sujeito ao girar da roda.
Sobre a Vergonha e os Padrões

A vergonha nasce da comparação entre nossas ações e nossos conceitos, padrões, valores, ou das
comparações que fazemos entre nós e as outras pessoas, o que, na realidade, também se refere a nossos
padrões, conceitos, valores, aos nossos julgamentos.

Podemos "morrer de vergonha" de certos atos, fatos, situações, pelos quais jamais nos culpariam
ou nos condenariam. Mas, por imaginarmos esta possibilidade, nos envergonhamos.

Uma situação que é vergonhosa para uma pessoa pode não ser para outra, pois a vergonha está
baseada em padrões, valores, regras, conceitos, preconceitos, objetivos, expectativas, e cada um de nós
tem os seus próprios.

Nossos valores estão associados à nossa auto-imagem de forma sistemática, hierárquica. Assim, o
que é moral para uma pessoa pode não ser para outra; o que é motivo de vergonha para uma pessoa pode
não ser para outra. Tudo vai depender de como esses padrões, valores, regras, conceitos, preconceitos,
objetivos, expectativas, estão organizados.

Logo, não só os padrões, valores, regras, conceitos, preconceitos, objetivos, expectativas, são
diferentes para cada pessoa, como também sua organização é diferente. A importância atribuída a cada um
deles é diferente em cada indivíduo. Assim, para alguns, ser justo pode parecer mais importante do que ser
famoso; para outros, ser rico pode parecer mais importante do que ter paz.

Tudo está dentro de nós, todas as idéias de vergonha estão dentro de nós. Podemos perceber isto
quando sentimos vergonha e estamos sozinhos. Neste momento, damos graças a Deus por não haver
ninguém por perto; do contrário, a sensação seria pior. Quem sente vergonha julga a si próprio.

Identificados com grupos, sentimos vergonha quando não nos enquadramos dentro dos ideais
desses grupos, ideais estes que podem estar apenas em nossas mentes. Uma pessoa elegante que não
está arrumada, sente vergonha ao se aproximar de outra pessoa elegante. Em contrapartida, se estiver
próxima de uma outra pessoa qualquer, nada sente; às vezes, sente até orgulho, o que é mais provável.

Uma pessoa luxuriosa, que se diverte com revistas pornográficas, pode ficar com vergonha diante
das pessoas que condenam ou não gostam de pornografia. O luxurioso acredita que essas pessoas são
mais corretas do que ele. Porém, certamente se sentirá confortável ao lado de outra pessoa luxuriosa.

Um outro aspecto da vergonha é a vergonha de mudar de opinião. Temos orgulho demais para
admitir uma mudança de opinião; não estamos dispostos a agüentar a chateação e a zombaria dos outros,
é difícil assumir que estávamos errados ou que simplesmente mudamos de idéia. Estamos preocupados
demais com nossa auto-imagem, não suportamos ouvir de terceiros que eles nos avisaram, nos
aconselharam, que disseram que não iríamos sustentar a opinião por muito tempo. Não suportamos os
rótulos. Precisamos assumir as responsabilidades, as conseqüências de nossas ações, de nossas
escolhas.

Temos idéias fixas, opiniões fixas; ou gostamos de açúcar ou não gostamos, não concordamos
muito se alguém usa açúcar em uma determinada coisa e em outra não. Ou gostamos de uma cor ou não
gostamos, não aceitamos bem a idéia de alguém gostar de uma determinada cor para um objeto e para
outros não. Ou comemos carne ou não comemos, não aceitamos que alguém queira comer carne quando
tem vontade. As coisas têm que estar definidas e bem definidas, têm que obedecer aos padrões. Quando
não seguimos padrões, somos rotulados de estranhos, esquisitos, tolos, incoerentes. Precisamos ser
coerentes com nós mesmos, com os nossos princípios, nossos sentimentos, nossas emoções; não com
padrões, idéias, conceitos e preconceitos de terceiros.

É comum temer as pessoas que mudam de opinião, que mudam de comportamento. Esse temor
tem origem no fato de não se saber como elas vão reagir. Todos querem que sejamos sempre iguais por
causa de suas inseguranças. A opinião é um agente limitador. Limitamo-nos com nossas próprias crenças,
opiniões, idéias.
Comentários e Questionamentos

- Não concordo com a idéia de que o que é moral para uma pessoa pode não ser para outra.

É por acharmos que a nossas idéias, nossos padrões sobre o que é certo, sobre o que ético, sobre
o que é moral são os corretos que nos apegamos e acabamos por acreditar que a moral é uma coisa só
para todo mundo.

A moral é uma coisa que depende do tempo, do local, da época, da cultura, dos costumes. Para
percebermos isso, basta analisarmos a história, basta analisarmos os costumes das diferentes nações da
atualidade. Apenas para citar um exemplo, a cultura dos esquimós é muito diferente da nossa, o conflito
entre a nossa moralidade e deles é muito grande.
Sobre a Vergonha

O amor a verdade nos deixa expostos.

A vergonha é um dos aspectos do ego, não é real. É um estado de ser que nasce de uma psique
frágil, insegura, cheia de ilusões sobre si mesma.

A vergonha nos causa sentimentos de opressão, tristeza, infelicidade, dor e sofrimento. Esta dor é
uma dor psicológica, trazida pelas sensações de perda, exposição, erro, inferioridade, humilhação, pela
inibição, constrangimento, timidez.

A vergonha é paralisante, pode nos impedir de participarmos de muitas situações na vida.


Inesperada e desconcertante, a vergonha nos aprisiona dentro de nós mesmos.

Por vergonha, mentimos, fingimos, dissimulamos, falseamos, inventamos, criamos desculpas,


explicações, justificativas, não somos fortes, não temos a coragem e a ousadia de aceitarmos nossos erros,
nossos limites, nossas imperfeições. Estamos sempre atrás da aceitação dos outros.

Sentimos vergonha quando nosso lado sombra é exposto, quando nossas máscaras caem, quando
achamos que vamos perder o controle, quando a sensação de exposição, inferioridade, humilhação,
fracasso, imperfeição, inadequação e fraqueza nos domina, quando ficamos expostos em toda a nossa
falsidade, maldade, maledicência, arrogância.

Podemos sentir vergonha por um evento passado, presente ou futuro. Este último caso é, na
realidade, um medo de sentir vergonha.

A vergonha é a sensação de que nos depreciamos dentro do conceito de outrem. A vergonha é o


resultado de uma preocupação exagerada com a nossa reputação, com a nossa auto-imagem. Aquele que
sente vergonha está envergonhado do que é, ou seja, não se aceita como é.

A vergonha é o medo da zombaria, da ridicularização, da exposição, da humilhação, da desonra, do


embaraço, da retaliação moral ou material, do castigo, da punição, da rejeição. É a preocupação com o que
os outros vão achar, com o que os outros vão dizer, com o que os outros vão pensar, com o que os outros
vão fazer. O foco essencial do sentimento de vergonha está no lugar do juízo alheio.

Em verdade, a vergonha é a preocupação com a maldade, o preconceito, a vaidade, a arrogância,


dos outros, que não passam de projeções de nossos próprios demônios. Quando projetamos nossas idéias,
por mais inconscientes que sejam, ficamos com vergonha por nos sentirmos expostos. Devemos
compreender e enfrentar as situações e os nossos demônios. Só assim poderemos vencer as nossas
vergonhas.

Sentimos vergonha porque nos cobramos demais, porque vivemos em conflito com nós mesmos,
porque nos identificamos, porque nos projetamos, porque não nos aceitamos, porque somos vaidosos,
orgulhosos, porque não nos permitirmos errar.

Normalmente as coisas que podem nos acontecer não têm importância real, mas se estamos
atribuindo a estas coisas uma importância maior que o seu próprio tamanho, então temos aí uma projeção
de nossa auto-importância, temos aí um ótimo material para análise.

A importância que tem para nós o escárnio e a zombaria do tolo não é senão a importância que
damos ao orgulho, à vaidade que temos de nossa fantasiosa auto-imagem.

Não existe importância real em qualquer rótulo que possamos receber por nossas falhas, nossos
atos fora de padrão. A grande preocupação está em receber os rótulos que julgamos negativos, maus,
inferiores. Isto ocorre porque estamos identificados com rótulos que pré-definimos como positivos, bons,
superiores.

O escárnio, o deboche e o sarcasmo virão, é certo. Se nos ressentiremos ou não, se reagiremos ou


não, dependerá da nossa capacidade de compreensão, da não identificação, da compaixão, da tolerância,
da paciência, da aceitação, da humildade.
Sentimos vergonha quando colocamos nossos egos acima dos fatos, quando acreditamos que eles
são mais importantes do que os fatos ao seu redor. Quando, por exemplo, achamos que é mais importante
manter a imagem do funcionário ideal do que executar o trabalho em si, da melhor forma possível,
sentimos vergonha diante dos erros, que inevitavelmente acontecem. O elogio, a auto-imagem, o status, a
sensação de poder, de prazer, tornaram-se mais importantes do que o trabalho. Então, quando acontece a
possibilidade de crítica, quando acontece uma exposição, uma ameaça à auto-imagem, sentimos vergonha.
Se o foco for o trabalho e não o ego, é possível ver cada erro como uma forma de aprendizado. Não resistir
aos erros, não tentar evitá-los, aceitá-los com naturalidade, faz parte de nosso crescimento. Se o foco for o
trabalho e não o ego, o que existe é apenas o trabalhar, o ego se desfaz no trabalhar, o “eu trabalhando”
não está em evidência, e isso nos leva à paz, à tranqüilidade, à serenidade. Melhor ainda pode ser quando
dedicamos, quando devotamos esse trabalho ao nosso Deus Interno, ao nosso Pai Interno, à nossa Mãe
Divina. Se o desfazer-se nos leva à paz, o devotar-se nos leva ao êxtase.

Quando nos tornamos, ou melhor, quando nos colocamos como objeto da atenção alheia, sentimos
como se houvéssemos perdido o controle da situação, como se estivéssemos em poder de terceiros,
ficamos com uma terrível sensação de impotência. É comum enrubescermos quando nos tornamos objeto
da atenção de um grupo de pessoas, seja ele grande ou pequeno, mesmo que esta atenção seja motivada
pelo elogio. Neste caso, somos propensos a sentir orgulho e vergonha ao mesmo tempo.

Muitas vezes, aquele que enrubesce fica ainda mais vermelho pela vergonha de ter enrubescido,
pois sente-se mais exposto por tal reação. É difícil aceitarmos nossas condições, nossos limites, queremos
ser perfeitos, queremos parecer perfeitos.

Quando ficamos ansiosos, quando ficamos na expectativa de nos sairmos bem em uma
determinada situação, quando chegamos a esse ponto, já estamos identificados com a personalidade, é o
ego que quer se sair bem. A ansiedade gera tensão e nervosismo, que arduamente tentamos disfarçar para
que os outros não percebam. Não aceitamos o estado em que nos encontramos, começamos a ficar com
vergonha do nosso próprio estado emocional, e um imenso conflito, uma enorme pressão ocorre dentro de
nós.

Por vergonha de pedir orientação no trânsito, por exemplo, podemos desperdiçar um enorme tempo
circulando perdidos pelas ruas. Podemos chegar até a perdermos um compromisso importante por causa
disso.

Quanto maior a vaidade, o orgulho, o amor próprio, o apego à auto-imagem, maior o medo da
vergonha, maior o medo de ser rotulado, julgado, rejeitado, maior a nossa resistência.

Quando somos observados, quando percebemos que alguém nos observa, ou mesmo quando
imaginamos que alguém está nos observando, alteramos nossas feições, nosso modo de andar, nossa
postura. O observador pode até nem dizer nada, nem pensar nada, mas nos colocamos como objeto do
pensamento, do olhar dele, e, identificados com nossas fantasias, com nossa auto-imagem, toda uma
revolução se deflagra dentro de nós. Se um sujeito é vaidoso, por exemplo, irá se sentir o máximo ao
acreditar que está sendo admirado.

Sentimos vergonha em situações de humilhação, mas também podemos sentir vergonha em


situações de elogios. Sentimos vergonha por desejarmos parecer aquilo que não somos.

Parece que a vergonha está sempre associada a sensações de exposição, vulnerabilidade,


inferioridade. Estas sensações não ocorrem com todo mundo, não ocorrem com qualquer um. Ocorrem se
existir a possibilidade de os outros perceberem nossos erros, nossas falhas, nossos limites, nossas
dificuldades, pois sempre nos achamos melhores, nos achamos superiores diante de quem erra. Assim, se
erramos, nos sentimos inferiorizados. E aí certamente sentiremos vergonha daquelas pessoas que
acreditamos estar em nível igual ou, sobretudo, acima do nosso. É uma questão de autodefinição e
definição dos outros, comparação entre definições, relação entre definições.

Se o simples fato de sermos julgados causasse, por si só, vergonha, viveríamos eternamente
envergonhados. Afinal, sempre existe alguém a nos julgar, assim como sempre costumamos julgar os
outros. Não existe alguém que tenha a aprovação de todos, que tenha aceitação de todos. Assim, podemos
observar facilmente que não sentimos vergonha perante qualquer juízo, perante o juízo de qualquer um. O
juízo que pressupõe alguém reconhecidamente capaz de julgar é o juízo que nos faz sentir vergonha.

Sentimos vergonha quando, ao dizermos ou fazermos algo, nos lançam olhares de desprezo,
espanto, assombro, como se estivessem a nos chamar de burros, de idiotas. Parece que ainda temos medo
de cara feia. Se ficamos preocupados com a opinião dos outros é porque damos muita importância para a
nossa própria opinião. Se ficamos preocupados com o julgamento dos outros é porque ainda julgamos
muito.

Quando somos traídos, também sentimos vergonha. Ficamos com a auto-imagem e o orgulho
feridos, porque acreditamos que vão sentir dó de nós, rir de nós, porque vão achar que somos tolos, fracos,
incapazes.

Devemos compreender bem a vergonha, a culpa e o medo, pois esses sentimentos escondem
muitos dos nossos condicionamentos.

Estamos sempre preocupados em não passar vergonha, em sofrer perdas, retaliações, rejeições,
desmoralizações. Todas essas circunstâncias estão condicionadas ao ego, não ao Ser. Porém, atribuímos
mais importância ao nosso ego do que ao nosso Ser, à nossa consciência ou o Self, como diz Jung.

A vergonha é gerada a partir da crença nas ameaças, ameaças contra a auto-imagem e contra as
ilusões que alimentamos sobre nós mesmos; ameaças de perdermos nossas virtudes, ilusórias virtudes,
pois as virtudes reais, conscientes, nunca perdemos.

O arrependimento é a tomada de consciência, não é um motivo de vergonha, mas de alegria, pois


significa uma expansão da consciência. Sem consciência, somo vítimas de nossos egos, o que sentimos
em situações aparentemente constrangedoras é medo, vergonha, orgulho, vaidade.

Ao reduzirmos o medo, a culpa, a ansiedade e a vergonha, precisamos cuidar para que não
passemos a agir com descaso, desrespeito, indiferença, desprezo, desatenção, desdém, desleixo,
desmazelo. É necessário que eliminemos nossos defeitos e cultivemos virtudes em seus lugares, virtudes
conscientes.
Sobre a Vingança (O Eu Justiceiro)

Não vamos abordar aqui, de forma crua e óbvia, os atos de maldade, os atos com intenção de
lesar, enganar, trair, ferir, desmoralizar, causar perdas, danos, dor. Tampouco vamos falar linearmente de
crueldades, roubos, violências, assassinatos, intenção de matar ou vontade de ver alguém morto. Seria
grosseiro demais para alguém que pretende encontrar um caminho. Vamos simplesmente considerar que
esses males já foram superados. Vingança, revides e revanches podem acontecer de formal sutil, muito
sutil. Podem acontecer por meio de simples palavras, de brincadeiras aparentemente inofensivas, ou de
atitudes como, por exemplo, no trânsito, o revide de uma buzinada, de uma fechada, de um farol alto, ou por
meio de respostas agressivas a supostas ofensas.

A crítica, a maledicência, a fofoca e a reclamação são formas maléficas de se utilizar o verbo e


também podem ser formas de vingança. O mesmo acontece quando zombamos dos outros, quando
ridicularizamos, humilhamos alguém. Cristo nos diz que “a boca fala do que está cheio o coração”. Assim,
basta observarmos as nossas palavras para sabermos como anda o nosso coração. Se falamos de mágoa,
vingança, é porque o coração está cheio de ódio. Se maldizemos alguém, é porque o coração esta cheio de
maldade e malícia. Da mesma forma, se nossas palavras são doces, serenas, tranqüilas, é porque nosso
coração esta cheio de doçura, paz, tranqüilidade. Como também disse Cristo: “a árvore se conhece pelos
seus frutos”.

Por trás das mágoas existem desejos de vingança, a raiva, o ódio. O eu da “vítima” quer sempre
vingança, e chama essa vingança de justiça.

Assim, podemos dizer que o “eu justiceiro” é aquele que pratica suas vinganças em nome da
justiça. Fala com eloqüência sobre justiça, honestidade e sinceridade, mas no fundo tudo é egóico, falso. O
“eu justiceiro” se veste como ovelha para praticar suas maldades. Está sempre se colocando como vítima
das situações, como injustiçado, como pobre coitado, e procura constantemente um culpado, a quem possa
responsabilizar por seus fracassos . O “herói justiceiro” diz se sentir só para lutar contra a maldade do
mundo, para lutar por justiça, pelos pobres, pelos injustiçados. O “eu justiceiro” sente-se como um eterno
incompreendido.

Podemos observar, até com certa facilidade, que a má vontade e a preguiça, que tomam conta de
nós em certas situações, são também uma forma de vingança, apesar de passivas.

De maneira estúpida, confundimos, misturamos todos tipos de prazeres e desejos. Não nos auto-
conhecemos, não sabemos diferenciar os genuínos desejos do espírito dos prazeres e desejos do corpo,
dos prazeres e desejos mundanos. Assim, muitos acreditam que praticar uma vingança é bom, uma vez que
sentem um certo prazer nisso. Aprender a discernir as coisas é urgente e necessário. Esse tipo de prazer é
o prazer com que se satisfazem os demônios.

A vingança está cheia de intolerância, impaciência, incompreensão. Precisamos desenvolver os


sentimentos opostos, ou seja: a paciência, a tolerância, a serenidade, a bondade, a compaixão, a
compreensão, a sensibilidade, a gentileza, para combatermos os eus da vingança que existem dentro de
nós.

Os eus da vingança estão nos planos que elaboramos para resolvermos nossas pendências, para
falarmos com os outros. Estão em pensamentos como: "Vou falar isso para ele, mas se ele me disser
aquilo, não vou deixar barato"; "Não sou tonto, ele não vai brigar comigo"; "Ele não vai me fazer perder
tempo". Esse tipo de pensamento traz medo, insegurança, dúvida, incerteza, ansiedade; nos deixa
predispostos à irritação, ao nervosismo. Na verdade, são apenas pensamentos, mas, se nos identificamos
com eles, então antes mesmo de uma situação acontecer, já estamos propensos a maldades, violência,
brutalidade. Esses planos subliminares fazem parte dos nossos dispositivos de defesa. Se agimos desta
forma premeditada, fazendo esse tipo de planos, fica impossível estabelecer relações serenas,
espontâneas.

Isso pode acontecer até mesmo em templos e rituais religiosos. Enquanto lá estamos a dizer
palavras vazias, nossos egos estão a julgar, a planejar suas vinganças, suas maldades.

A vingança é um recurso defensivo que tenta transmitir superioridade, assegurar uma posição de
vantagem, que tenta fazer com que saiamos por cima de uma situação, que nos mostremos melhores, que
não aceitemos humilhação, inferiorização. A vingança é uma necessidade de humilhar e inferiorizar o outro,
na tentativa de diminuir a nossa insegurança.
“A vingança é um prato que se como frio” – enfatiza o dito popular, que só contribui para levar as
pessoas a guardarem suas mágoas, seus ressentimentos, a ficarem remoendo seus sofrimentos, a
permanecerem presas a seu passado, na expectativa da vingança futura, no momento oportuno. Esse tipo
de pensamento causa, antes de mais nada, um sofrimento maior à própria pessoa. Não é uma atitude
inteligente gerar sofrimento para si mesmo.

Tomados por idéias fixas, dominados por nossos próprios conceitos, acusamos os outros de nos
darem pedras quando pedimos pães. Daí surge a idéia de vingança, predispondo-nos a lançar nossas
pedras de volta. É o que costuma acontecer quando algum mestre, guru ou instrutor tenta nos mostrar uma
verdade que não queremos ver. Melindramo-nos facilmente, identificamo-nos com tudo, nos magoamos. Ou
seja, alguém tenta nos orientar, com a melhor das intenções, e não sossegamos enquanto não
conseguimos nos vingar, enquanto não encontramos algo de errado nessa pessoa. E, se porventura a
surpreendemos cometendo o mesmo erro que apontou em nós – pelo menos segundo nossa limitada visão
–, sentimos nisto um enorme prazer.

Ensinamentos budistas professam:

Os maus homens não reconhecem nas ações erradas um erro e, se esse erro for trazido à sua
atenção, eles continuarão a praticá-lo e desprezarão todo aquele que o advertir sobre seus maus atos. Os
bons e sábios homens são sensíveis ao que é certo e errado, param de fazer algo tão logo percebam que
está errado, são gratos a todo aquele que lhes chama a atenção sobre as ações erradas.

Criamos expectativas em relação ao outro, idealizamos pessoas, construímos ilusões, e queremos


que as satisfaçam, que as realizem. E, quando isso não acontece, a reação imediata é culpar aqueles que
supostamente nos frustraram, a partir das idéias e expectativas que criamos, e planejar vingança.

A vingança é uma tentativa de se compensar uma frustração, um desprazer, um desgosto. E todas


essas contrariedades são resultado de uma visão equivocadas sobre diferentes aspectos da vida. Assim, o
ato de agredir – física ou verbalmente –, xingar, zombar ou ridicularizar o outro pode até resultar na
sensação de vingança pretendida. Mas este evento nunca irá compensar o outro. E, assim, podemos
passar o resto da vida tentando nos vingar ou premeditando vinganças, o que só nos fará mal.

A idéia de vingança geralmente é baseada no pressuposto de que nosso estado interno é


conseqüência de eventos externos. Ao julgarmos que um episódio externo gera em nós um estado interno
que nos incomoda, imediatamente pensamos nos vingar dos supostos responsáveis por este episódio, que
está fora de nós.

A “birra” da criança, até certo ponto inocente, com a evolução dos acontecimentos, acaba se
transformando em mais uma das formas de vingança do adulto.

Vivemos tentando provar nossos argumentos a pais, amigos, colegas, professores, patrões. Esse
“tentar provar” que os outros estão errados também é uma forma de vingança, e traz em si uma certa
maldade, uma vez que o que desejamos com isso é colocar os outros para baixo e humilhá-los.

Como disse Mahatma Gandhi:

"De olho por olho e dente por dente, o mundo acabará cego e banguela"
Sobre Abster-se de Causar Sofrimento

Dhammapada 183:

Evitar o mal, cultivar o bem, purificar a própria mente: esse é o ensinamento de todos os Budas.

Se não queremos mais sofrer, precisamos nos abster de causar sofrimento aos demais. Isto
significa praticar bondade, caridade, paciência, tolerância, compaixão.

Não nos damos conta da dor e do sofrimento que muitos de nossos atos podem causar a
terceiros. Não percebemos o sofrimento que causamos ao outro, assim como também não
percebemos o sofrimento que causamos a nós mesmos quando buscamos satisfazer nossos desejos.

O camelo come cactos porque gosta de sentir o gosto do sangue de sua língua misturado
com a planta espinhosa. Não percebe que está se ferindo e que isto lhe faz mal. Assim somos nós
com nossos desejos, nossos prazeres, não passamos de camelos mastigando cactos.

À medida que nos abstemos de causar sofrimento aos outros, abstemo-nos também de
causar sofrimento a nós mesmos.

Na verdade, nunca saímos de dentro de nosso próprio casulo, onde todos os pensamentos
não giram senão em torno de nós, onde todas as preocupações convergem somente para nós . Com a
mente embotada e a visão totalmente voltada para a própria existência, pensamos apenas nos
sofrimentos que nos afligem, nas dores que sentimos, nos nossos próprios desejos. Cegos pela
expectativa de prazeres fugazes, esquecemo-nos de nossa essência original e não medimos as
conseqüências que nossos atos podem trazer, tanto para nós como para os outros.

Apesar de dizermos frequentemente que não pretendemos fazer mal a ninguém, somos
incapazes de perceber o mal que fazemos aos outros, e muito menos por que fazemos.

Cabe assinalar que não vamos abordar aqui os atos mais óbvios e concretos da maldade,
atos com intenções de lesar, enganar, trair, ferir, desmoralizar, causar perdas, danos, dor. Não
vamos discursar sobre vingança, crueldade, roubo, violência, assassinato ou intenções homicidas.
Essas situações são por demais primitivas e não se destinam a alguém que esteja em busca de um
caminho. Assim, deixemos esses extremos para outros investigadores .

A proposta desta reflexão é abordar as ações comuns do dia-a-dia, atos considerados, a


princípio, normais, desprovidos de maldade. Reflitamos aqui sobre situações aparentemente inócuas,
onde o mal é analisado sob um outro ângulo.

Por exemplo, quando incorremos em fofocas inconseqüentes, quando difamamos alguém,


quando revelamos a terceiros conversas que nos foram confidenciadas em particular, estamos
praticando o mal. Quando criticamos, zombamos, desprezamos, agimos com frieza, provocamos,
irritamos, humilhamos, expomos, envergonhamos, constrangemos, menosprezamos,
entristecemos, reprimimos, pressionamos, magoamos, rejeitamos, faltamos com o respeito ou
ridicularizamos alguém, estamos praticando o mal. Quando assustamos, apavoramos, introduzimos
pânico e horror em alguém, estamos praticando o mal. Quando criamos ou promovemos confusão,
desavenças, desordem, discórdias, desarmonia, disputas, brigas, discussões ou conflitos, estamos
praticando o mal. Quando atormentamos, perturbamos, espezinhamos, azucrinamos, cutucamos,
espetamos, importunamos ou incomodamos a paz de alguém, estamos praticando o mal. E quem há
de dizer que nunca protagonizou um dia alguma dessas situações?

Tais comportamentos são tão comuns e imperceptíveis em nosso cotidiano, que muitas vezes
eles se repetem com freqüência, até num mesmo dia. E o mais curioso é que agimos assim com as
pessoas que dizemos amar. Na maioria das vezes, são elas que mais sofrem em nossas mãos.
Precisamos avaliar melhor o nosso amor e as nossas idéias sobre o amor. É muito comum, muito
fácil, causarmos o mal. O grande desafio está realmente em nos abstermos de promovê-lo. Por
vezes, uma simples brincadeira, que achamos comum e inconseqüente, pode causar grande dor
e sofrimento ao outro, sem que percebamos.
Muitas vezes ocorre também de nos valermos de brincadeiras aparentemente inofensivas
para exercermos um tipo velado de vingança, de revide, de revanche. Tudo pode se desenrolar de
maneira muito sutil, por meio de simples palavras, de simples brincadeiras, que escondem intenções
não tão inofensivas.

É muito comum zombarmos dos defeitos, das falhas e das dificuldades alheias. Zombamos da
dificuldade que algumas pessoas têm de entender certas coisas; zombamos do nervosismo, da
irritação de alguém diante de situações simples aos nossos olhos; zombamos da ignorância, da
ingenuidade do nosso próximo. Este procedimento não é muito diferente do que o de zombar de um
aleijado, de um cocho, de um cego. O que muda é apenas o objeto e a intensidade da zombaria, a
estupidez é a mesma.

Um hábito muito comum nos dias de hoje é assistir às chamadas “video-cassetadas”, que
consistem em clipes exibidos por uma determinada emissora de TV, onde o sofrimento e a exposição
alheia é motivo de gargalhada geral. Se refletirmos mais seriamente, iremos notar que, nesses
clipes, a moral e a ética são substituídas pela estupidez, brutalidade, violência, ignorância e sadismo
de um público, que, sem perceber, é levado à degeneração de seus valores. A banalização, o
desrespeito, a ignorância, a ganância, a estupidez, que levam uns a enviar gravações de vídeos
caseiros com imagens de acidentes, dor ou sofrimento de amigos, parentes ou de si próprios, e
outros a se deleitar com tal exposição, demonstram, no fundo, um grande desprezo pela dignidade
humana. Ou seja, se uma pessoa cai nas ruas torna-se motivo de riso, ainda que seja uma velhinha
indefesa. Em nenhum momento pensamos que isto pode causar ainda mais sofrimento àquele que se
acidentou.

Os programas humorísticos que atualmente são levados ao ar, sejam eles de rádio ou TV,
mostram claramente o estado de degeneração, dormência e inconsciência de nós seres humanos. O
que vemos são apresentadores, artistas, radialistas, zombando dos erros, dos equívocos, das falhas
humanas, sejam elas cometidas por desportistas, servidores públicos, políticos, ou mesmo de outros
apresentadores, artistas ou radialistas. Pregam peças e sustos nas pessoas, desrespeitam-nas, e
chamam a isto de “pegadinha”. E o povo ri, sem perceber o erro em que está caindo, sem atentar
para o fato de que jamais quereriam estar lugar dessas vítimas do sarcasmo, da ironia, da maldade
humana. Ao contrário, divertem-se e riem com esse doloroso espetáculo às custas da dor alheia.
Esquecemo-nos de palavras simples e diretas como as de Cristo, que disse: "Amarás o teu próximo
como a ti mesmo". Já é hora de começarmos a escolher melhor o que vemos e ouvimos. Já é hora de
deixarmos de fazer tudo aquilo que os outros fazem ou que a mídia impõe. Precisamos discernir
melhor o bem do mal, precisamos compreender o que é verdadeiramente um quadro de humor.

Esses tipos de programas acabam populando nossas mentes, de forma que, mais cedo ou
mais tarde, passamos a adotar seus discutíveis valores e repetir as cenas que eles veiculam. Toda
esta série de defeitos vai se tornando banal. Comparativamente, nos comportamos como as crianças
de favela, que, de tanto conviver com o crime, acham bonito matar e tomam os traficantes por heróis.
Uma inversão de valores vai se processando em nossa mente, sem que nos demos conta de tal
absurdo.

A realidade é que a falsa moral, os conceitos e preconceitos, os falsos valores, impedem-nos


de praticar algumas destas ações, que circulam em nosso inconsciente. E o simples fato escutar ou
assistir a essas cenas deploráveis consegue satisfazer nossos egos, nossos demônios internos, que
se comprazem e realizam no espelho do sofrimento alheio.

"Perco o amigo, mas não perco a piada" – eis um dito popular que ilustra com perfeição
nossa auto-importância. É um exemplo claro de que, para nós, é mais importante um prazer fugaz do
que demonstrações de respeito, amizade, ajuda e compreensão.

Obviamente, se o sarcasmo, a ironia, a malícia, a maldade, a estupidez, a falta de educação,


a falta de respeito para com os outros nos dão prazer, então assim somos nós. É só mais um de
nossos aspectos tenebrosos projetado no outro. A situação não difere muito do hábito de assistir a
filmes eróticos, realizando-nos nas perversões e luxúria ali exibidas. Mais uma vez, o que muda é
apenas o objeto e a intensidade.

V. M. Samael Aun Weor, em sua "Mensagem de Natal de 1966, disse:


A gente vai andando por uma rua, de repente se encontra com as turbas que vão protestar
por algo ante o palácio do senhor Presidente. Se a gente não está em estado de alerta, identifica-se
com o desfile, mescla-se com as multidões, fascina-se e a seguir vem o sonho, grita, lança pedras,
faz coisas que em outras circunstancias não faria, nem por um milhão de dólares.

Certamente diremos que não fazemos tais coisas, que jamais as fizemos. Mas, com uma
análise um pouco mais profunda, podemos considerar algumas breves analogias. Quantas e quantas
vezes não passamos por colegas que fofocam num canto sobre a vida alheia e acabamos aderindo a
esta sessão de fofocas e intrigas? Quantas vezes, de passagem por um grupo que se reúne para
desmoralizar fulano ou cicrano, acabamos entrando no “bolo” e nos divertindo como partícipes desse
pobre festival de difamações e fofocas? Ou seja, identificamo-nos, mesclamo-nos com o que há de
pior, fascinamo-nos e lançamos pedras. Quantas e quantas vezes nos juntamos a um grupo de
colegas empenhados em ridicularizar outro colega e nos tornamos parte dessas conspirações
difamatórias, da zombaria generalizada? Identificamo-nos, mesclamo-nos, fascinamo-nos e lançamos
de nossas pedras – este é o processo.

O conhecimento deste processo já pode operar em nós boas mudanças de comportamento.


Porém, é bom estarmos preparados, pois, ao percebermos a verdade de todos os erros cometidos, a
dor do arrependimento será grande e inevitável. Em compensação, ela será o sinal de que e uma
grande e positiva transformação está por vir.
Sobre Aceitação

Aceitação é contentamento, é paz e harmonia, é alegria, serenidade, devoção, veneração,


liberdade, paciência e tolerância, simplicidade, humildade, perdão, consciência e compaixão, o que significa
amor, fraternidade.

Aceitação é a capacidade de reconhecer os fatos como eles são, embora não seja o contrário da
fuga, da negação.

Aceitar-se é ser humilde e espontâneo, é aceitar nossa própria realidade e a realidade externa a
nós, sem aumentá-la ou diminuí-la. É aceitar que somos normais, comuns, iguais a todos os outros seres,
que não somos nada de especial.

Aceitação não é comodismo ou conformismo. É algo que vem da percepção mais pura, da
consciência. Não é indiferença, é compaixão, é amor. Não é inação, estagnação. É o início da reta de ação.

Sofremos quando não nos aceitamos, quando não aceitamos os outros, os fatos, as situações.
Como afirma a filosofia budista, a origem do sofrimento está no desejar, aceitar é não desejar. Logo, não
aceitar é desejar, desejar ser diferente, desejar que os outros sejam diferentes, que os fatos, as situações
sejam diferentes.

Aceitação é o remédio, o antídoto para a rejeição, para a repulsa. A rejeição é o desejo de que algo
seja diferente, de que algo não aconteça ou não volte a acontecer. Assim, a aceitação é antídoto também
para os desejos, expectativas, esperanças fantasiosas.

Vivemos em luta contra nós mesmos, vivemos em constante auto-repressão, não aceitamos nossos
limites, nossos defeitos, nossas dificuldades. Queremos sempre parecer o que não somos aos olhos dos
outros, algo que está além de nossas capacidades; queremos ser diferentes, queremos que as coisas, as
situações, sejam diferentes.

Devemos aceitar aquilo que não podemos mudar e relaxar, pois, se não é possível mudar, não há o
que fazer senão aceitar. É estupidez de nossa parte nos preocuparmos com o que não podemos mudar. É
estupidez reclamarmos, criticarmos, irritarmo-nos, ficarmos nervosos, com raiva, quando a mudança de
uma situação não está ao nosso alcance.

Temos de aceitar que sofremos para podermos perceber o sofrimento. Refletir sobre o sofrimento é
o primeiro passo para nos livrarmos dele. Enquanto o negarmos, continuaremos sofrendo, sem a menor
possibilidade de mudança.

Devemos aceitar que temos orgulho, pois só assim poderemos compreender o nosso orgulho.
Devemos aceitar que a humildade faça parte de nós, pois esta é uma das grandes armas contra o orgulho.
Porém, não podemos nos identificar e achar que já somos humildes, sem sê-lo de fato. Desta forma,
caminhamos para a estagnação, para o auto-engano, e paramos de nos autoconhecer. A identificação nos
cega e nos impede de aceitar pessoas e situações. Devemos aceitar tanto a humildade quanto o orgulho
que se processam dentro de nós para compreendê-los verdadeiramente. Assim vamos crescendo em
humildade e consciência.

Precisamos nos permitir acertar e errar, precisamos nos permitir ser ridículos, dançar, gritar, brincar,
rir ou chorar.

Toda identificação, toda auto-definição, gera a não aceitação, pois, ao assumirmos que somos algo,
ao incorporarmos algo à nossa auto-imagem, somos acompanhados pela pressão para manter esta auto-
imagem, pela cobrança de transmitirmos aos outros uma determinada impressão, pela tensão do risco de
se expor, de passar uma impressão contrária ou diferente da nossa auto-definição. Não nos aceitamos
como somos verdadeiramente. Se já definimos que somos bons, então temos que mostrar ao mundo que
somos bons, temos que lutar para manter tal aparência, temos que carregar este fardo. Não aceitamos
nosso lado mau.

Somente aceitando nosso estado interior poderemos passar ao estado seguinte. Aceitar nossos
limites, nossos defeitos, nossas dificuldades, nossos erros, é um ato de coragem, de força, de confiança; é
um ato de humildade. Somente pela aceitação de nossos erros, somente quando nos permitimos errar, é
que realmente aprendemos.
Precisamos aceitar que não somos perfeitos, aceitar nossos limites, defeitos, dificuldades, erros. A
busca por perfeição é proveniente do orgulho, da vaidade, e, por isso, é também um fardo muito difícil de se
carregar. A busca por perfeição, cedo ou tarde, acaba nos levando a achar que somos melhores do que os
outros, que já somos isso ou aquilo. Na busca por perfeição, somos enganados pelo ego e nos
identificamos. E, nessas condições, o auto-conhecimento se torna impossível.

Diz uma famosa junguiana:

Individuação significa ser revelado como pessoa total – não perfeita, senão completa.

Se fazemos algo errado, devemos enfrentar a infelicidade, a tristeza, a raiva, e, sem nenhuma
queixa, devemos aceitar as conseqüências deste erro. Não podemos continuar a negar os sofrimentos, as
dores, a vergonha e o medo que resultam de nossos erros, de nossas falhas, de nosso desconhecimento.
Temos que enfrentá-los. Somente assim poderemos compreendê-los.

O fato de não nos aceitarmos, não aceitarmos nossos erros, nossos llimites, defeitos, dificuldades,
nos leva a criar mentiras, desculpas, justificativas, explicações, falsidades, fingimentos, dissimulações.

Aparentemente, aprendemos a aceitar os erros, pregamos palavras bonitas, mas, na verdade, não
vivenciamos isso na profundidade do nosso Eu. Ou seja, na prática nada disso acontece, pois não
compreendemos o ensinamento como deveríamos. Não nos importamos tanto com os erros do outro, mas,
quando somos nós a cometer esses erros, não aceitamos o fato; e nos culpamos e nos torturamos por isso.

É preciso aceitar pais, professores, chefes, filhos, vizinhos. Todos estão fazendo o que lhes é
possível, segundo seus limites, suas expectativas, suas capacidades, seus conceitos e preconceitos,
segundo suas percepções. Todos têm suas necessidades, seus desejos, suas preocupações. Todos
querem ser felizes, assim como nós.

Devemos praticar a aceitação de todos aqueles que, como nós, são dominados pela raiva, medo,
ansiedade, apego, desejos, tristeza, ganância, ignorância, ou por quaisquer outras emoções ou sentimentos
que aprisionam o ser.

A aceitação deve ser sentida no coração, de forma que a mente não mais fique a tagarelar sobre
pessoas, situações, ou sobre nós mesmos.

Temos a responsabilidade de sermos nós mesmos, mas não temos coragem e força para tal, pois
conferimos esses elementos a terceiros. Precisamos assumir de volta, resgatar, a responsabilidade sobre
nós mesmos. Precisamos parar de querer parecer o que não somos aos olhos dos outros e assumir o que
realmente somos para nós mesmos agora. Precisamos ousar, precisamos ter a coragem e a força de
sermos a nossa própria verdade.

Precisamos nos aceitar agora, já. Não depois de atingirmos tal lugar, posição, condição; não depois
de termos conquistado isso ou aquilo, pois, se condicionarmos a nossa aceitação, nunca nos aceitaremos,
nunca aceitaremos os outros. O condicionamento da aceitação é uma fuga, uma desculpa, uma explicação
para a nossa incapacidade de aceitar as coisas como são. O condicionamento da aceitação é uma forma de
nos enganarmos. Se enganamos a nós mesmos, então é natural que os outros nos enganem também, pois
estamos atraindo o que é falso. Como diz Krishnamurti, "o primeiro passo é sempre o último passo". Assim,
o primeiro passo para conseguirmos nos aceitar plenamente um dia é começar a desenvolver o processo da
aceitação agora.

Geralmente aceitamos as coisas sob condições. Mas estas condições são provenientes de nossa
arrogância, orgulho, vaidade. Em nossa arrogância, só aceitamos as coisas, as pessoas, quando elas se
apresentam como achamos que deveriam ser ou estar. Aceitamos os outros na medida em que somos
aceitos. Aceitamos as coisas na medida em que podemos controlá-las, na medida em que não nos
oferecem riscos, na medida em que nos são vantajosas, convenientes.

Muitas vezes, chamamos de loucas as pessoas que parecem viver em liberdade, que riem, que
dançam, que abraçam, que beijam. Essas pessoas podem nos causar raiva e irritação. Passamos a criticá-
las, não as aceitamos, por sermos reprimidos, por não nos aceitarmos. Na realidade, o que queríamos
mesmo era ser como elas, colocar para fora esses sentimentos. Também queríamos ser livres, felizes, mas
estamos escravizados por nosso ego. Precisamos nos aceitar, passemos nós a sermos os “loucos”.
Criticamos, reclamamos de tudo e de todos. Não percebemos que toda crítica, reclamação,
indignação, são formas de expressar a não aceitação, pois acontecem quando não aceitamos os outros,
quando não aceitamos as situações como são. Tais reações são sinais de descontentamento e falta de
aceitação, são reflexos do nossa insatisfação com a nossa própria pessoa, da falta de aceitação de nós
mesmos.

Não aceitamos os outros e queremos que os outros nos aceitem. Não desculpamos os outros e
queremos que os outros nos desculpem. Não respeitamos os outros e queremos que os outros nos
respeitem. Não perdoamos os outros e queremos que os outros nos perdoem. Mas não paramos para
perceber que tudo isso é uma simples conseqüência do fato de não nos aceitamos, de não nos
respeitarmos, de não nos perdoarmos, de vivermos nos culpando, nos cobrando.

Não nos aceitamos, não nos respeitamos, e depois ficamos com raiva daqueles que não nos
aceitam, que nos rejeitam, que não nos valorizam, que nos traem, que nos passam para trás. Mas não
paramos para perceber que somos os primeiros a agirmos dessa maneira com nós mesmos.

Sem percebermos, com a não aceitação de nós mesmos e dos outros, vamos fortalecendo nosso
ego, ampliando nosso lado sombra, nossas trevas, aumentando nossas ilusões sobre nós mesmos e sobre
a realidade. Vivemos nos projetando e nos identificando, ao rejeitarmos ou aceitarmos nossos próprios
reflexos nos outros. Aceitação é a reintegração das partes de nosso Ser.

Dificilmente admitimos que não nos aceitamos. Buscamos sempre a aceitação dos outros, não
suportamos a dor da rejeição, que é a dor da nossa própria rejeição. Vivemos tentando evitá-la, sem
perceber que estamos correndo de nós mesmos. Em termos de aceitação, pode-se afirmar que ninguém, ao
longo do tempo, foi pior para nós do que nós mesmos. Sim, fomos nós nossos maiores algozes.

Enquanto não nos aceitarmos ficaremos correndo atrás da aceitação dos outros. Porém, o desejo
de ser aceito traz consigo o medo da rejeição. Quando nos aceitamos, ficamos livres, não somos mais
escravos dos nossos demônios e nem dos demônios alheios, não somos mais prisioneiros do nosso orgulho
e nem do orgulho alheio.

Temos que aceitar os defeitos de cada um. Esta atitude é a forma indireta de nos aceitarmos, uma
vez que o que vemos nos outros são apenas reflexos de nós mesmos. Se não aceitamos alguém é porque
não temos nenhum respeito por essa pessoa e, por conseqüência, nenhum respeito por nós também.

Se alguém faz algo que nos desagrada, precisamos tentar considerar e aceitar hipóteses como:
talvez essa pessoa não tenha percebido que nos desagradou; talvez não tenha compreensão do que esteja
fazendo; talvez esteja insegura, com medo, tentando se defender; talvez seja orgulhosa, reprimida ou
simplesmente esteja com vergonha. Devemos considerar, ainda, que talvez tudo isso seja apenas uma
projeção nossa.

Quando alguém faz algo que nos desagrada, devemos procurar ver a situação por outro ponto de
vista, buscando aceitar a situação, buscando aceitar esse alguém.

Não são os outros que não aceitam nossas opiniões, somos nós que não aceitamos que os outros
não aceitem nossas opiniões. Somos nós que não aceitamos que os outros tenham opiniões diferentes das
nossas. Chamamos de teimosos àqueles que não concordam facilmente como a nossa opinião. Chamamos
de bagunça toda forma de organização diferente da nossa. Chamamos de egoístas todos aqueles que não
agem apenas pensando em nosso benefício.

Cada um de nós teve suas próprias experiências, tirando suas próprias impressões,
experimentando suas próprias sensações, que, com o tempo e a repetição, geraram condicionamentos,
medos, traumas, conceitos, preconceitos, repressões e tantas outras limitações.

Para alguns, a procura incessante por atenção, carinho, aceitação, está ligada a fatos como, por
exemplo, ter apanhado dos pais, ter sido motivo de riso dos colegas ou reprimido por parentes e
professores. Para outros, ao contrário, está no fato de ter se acostumado com bajulações e mimos
excessivos.

Devemos buscar compreender o que se passou para que uma pessoa tenha agido de determinada
forma. Talvez tenha sido aquela a melhor forma que encontrou para nos ajudar, ensinar, passar uma
informação. Assim, tão logo compreendida uma situação, estamos prontos e devemos aceitá-la. Só a
compreensão pode trazer a aceitação.

Quando somos cobrados, ofendidos, criticados por alguém, devemos aceitar. Possivelmente, esse
alguém está apenas se projetando. Podemos, ou não, ser objetos da projeção de terceiros. Independente
do que os outros achem, a escolha é nossa. Uma coisa é aceitar a projeção e se identificar, outra é aceitar
as pessoas como elas são. Precisamos estar alertas, conscientes.

A vida não tem nada de errado. Nós é que a destruímos, atrapalhamos, nós é que queremos
controlá-la, mudá-la. Nós é que julgamos, que não aceitamos. A vida segue leis naturais. E nós insistimos
em perturbar essas leis. Não existem ganhos ou perdas, tudo isso é uma grande ilusão. O que existe é
apenas aprendizado. Deixemos que a vida faça a sua parte e façamos nós a nossa. Tenhamos confiança e
fé no Divino, fiquemos em paz, aceitemos a vida como ela é, paremos de tentar modificá-la.

Precisamos deixar o destino seguir seu rumo, aceitando as mudanças e confiando, por mais
estranhas que elas possam parecer à primeira vista.

Quando não aceitamos os fatos como são, estamos sendo orgulhosos, arrogantes. Tão arrogantes
que nem percebemos que, no fundo, estamos achando que podemos fazer as coisas melhor do que Deus.

Disse um grande estudante de mitologia:

Você deve dizer ‘sim’ ao milagre da vida, tal como é, e não sob a condição de que ele siga as suas
regras. Caso contrário, você nunca chegará à dimensão metafísica.

Certa vez, na Índia, pensei que gostaria de conhecer um grande guru ou mestre, face a face. Assim,
dirigi-me a um celebrado mestre chamado Sri Krishna Menon, e a primeira coisa que ele me disse foi: “Você
tem alguma pergunta?”

O mestre, nessa tradição, sempre responde a perguntas. Ele jamais lhe diz qualquer coisa que você
não esteja apto a ouvir. Então eu disse: “Sim, eu tenho uma pergunta. Já que no pensamento hindu tudo no
universo é manifestação da própria divindade, como poderei dizer ‘não’ a qualquer coisa no mundo? Como
poderei dizer ‘não’ à brutalidade, à estupidez, à vulgaridade, à incúria?”

E ele respondeu: “Por você e por mim, o certo é dizer sim.”

Então mantivemos uma maravilhosa conversação sobre o tema da afirmação de todas as coisas.
Isso confirmou a sensação que eu havia tido: quem somos para julgar?

Quando alguém critica, reclama, certamente não se aceita, se cobra demais, e está projetando sua
autocobrança, sua não aceitação de si mesmo, sua autocrítica. Certamente, está carregando um pesado
fardo de orgulho, auto-imagem, auto-importância, apego a si mesmo e a suas idéias. Tudo isso é motivo de
tristeza, infelicidade, dor e sofrimento para este alguém. Assim, devemos aceitar e ter compaixão dos que
criticam, ofendem, reclamam.

Quando nos aceitamos, não importa se nos acham feios ou bonitos, gordos ou magros. Quando nos
aceitamos, podemos deixar um espaço para a rejeição dos outros, podemos aceitar essa rejeição, tão
possível de acontecer. E podemos também perceber que nada disso tem importância real. Quando nos
aceitamos, passamos a ver esses conceitos e preconceitos como agentes que nos aprisionam. Só assim
podemos aceitar os que pensam e agem desta forma, pois entendemos que estão aprisionados em idéias.
Só assim podemos ter compaixão, pois entendemos seu sofrimento nas prisões que criaram.

Em termos de compreensão da verdade, todos somos crianças. Aquele que percebe a verdade,
aquele que se torna homem, deve aceitar as outras crianças, uma vez que, um dia já foi criança também.

Se o homem não conseguir aceitar os outros e as coisas como são, então sua mente ainda se
encontra nublada por seu ego.

No dia em que percebermos a nossa enorme ignorância e como é vasto o nosso auto-engano, o
nosso desconhecimento da vida, a nossa nulidade, poderemos passar a aceitar as coisas como são. Então
teremos dado o maior passo de nossas vidas, o primeiro passo. Neste momento, nos tornaremos aptos a
abrir espaço para o aprendizado, para perceber que nossas idéias não são perfeitas, não são verdades
absolutas. Neste momento, estaremos prontos para aceitar nossos erros. Antes disso, porém, estaremos
presos, cegos pelo orgulho, pela vaidade, pela paixão nutrida por nossa auto-imagem, pela auto-
importância. Antes disso, estaremos impossibilitados de expressar compaixão, estaremos impossibilitados
de amar.
Questionamentos

– Pelo que entendi, para aceitar a vida e as pessoas como elas são, precisamos perdoar, ter
paciência e tolerância.

A aceitação é, por si, o perdão. Na realidade, não existe a necessidade de não aceitar, precisamos
parar de rejeitar, precisamos parar de criar resistências.

– Na essência humana está o livre arbítrio, e talvez isso contribua para não aceitarmos certas
condições, fazendo-nos lutar contra elas, mesmo contra as que não venceremos.

Sim, temos a escolha. Podemos lutar contra o mundo, contra a vida, e até mesmo morrer lutando,
sem ter tido sequer uma única oportunidade de experimentar a sensação de paz, de harmonia com a vida,
ou podemos aceitar as diferenças, aceitar as coisas como são, aceitar as condições que não podemos
mudar, a opinião dos outros, e,assim vivermos em paz, tranqüilidade, harmonia, serenidade.

– É fácil dizer: ‘aceite’, ‘não lute’, ‘permita’, quando os eventos que afligem o outro não fazem parte
da nossa vida, quando estamos indiferentes e isolados dentro de nós mesmos.

É fácil dizermos às pessoas que aceitem aquilo que a vida lhes impõe, mas o grande desafio está
em aceitarmos, nós mesmos, essas mesmas situações. Não é uma questão de indiferença ou de
isolamento; pelo contrário, é uma questão de compaixão e amor. É perceber o Divino em todos os desígnios
da vida, é o perceber o Divino em si mesmo.

Muitas vezes falharemos, é certo, mas o importante é que saibamos nos levantar rapidamente após
as quedas. A cada instante, uma nova descoberta, um novo aprendizado, por toda a vida.

– Minha opinião é que moldamos e evoluímos nosso caráter, personalidade e ponto de vista sobre
as coisas. Que podemos ser sempre melhor, e que tudo pode ser aperfeiçoado a cada dia. Tenho que ser
melhor que eu mesmo, não que os outros. Sei que isso não representa a verdade para todos os casos; na
realidade, não é verdade para a grande maioria dos casos.

Certamente, estamos aqui para evoluir, mas tal evolução deve ser em consciência. A personalidade
é um conjunto de demônios que nos impedem de expressar consciência. Seria muito bom se pudéssemos
evoluir a cada dia, a cada momento, a cada instante. Mas, para isso, precisamos nos aceitar, aceitar como
estamos agora, reconhecer como estamos agora.

– Concordo que, apesar de saber a resposta, de tê-la interiorizada dentro de mim, é muito difícil
colocá-la em prática, porque o que realmente está em jogo é aceitar aquilo que não conseguimos aceitar
(uma pessoa, uma situação, etc.). E, geralmente, aquilo que não aceitamos é justamente o que mais toca o
nosso íntimo. Por exemplo, o caso de um filho, um irmão, ou qualquer outra pessoa muito querida, que se
tornou dependente de drogas. Por mais esforço que se faça, não há como demovê-la desse caminho. Então
precisamos aceitar. Mas, ao ver um ente querido drogado, parece que um dispositivo interno é acionado,
provocando em nós uma reação emocional muito forte. Perdemos a paz. Sentimo-nos derrotados em todos
os nossos propósitos. Certamente, a maioria das pessoas já passou, pelo menos uma vez na vida, por
situação parecida, não é verdade? Qual a solução? Que grande amor seria esse, que conseguiria não
interferir, aceitar, saber que, no fundo, isso tudo faz parte da experiência e do aprendizado daquela alma?
Sim, sabemos que isso é possível, mas e daí? Por outro lado, até quando suportaremos conviver com essa
pessoa? Pensamos em partir sem olhar para trás, em nos libertar do problema, em nome do bom equilíbrio
emocional; recusamo-nos a conviver com isso. São muitos os questionamentos que aparecem quando
vivenciamos situações assim.

Podemos tentar ajudar os outros, sim, mas não somos heróis. Não somos salvadores do mundo,
não somos enviados de Deus, não estamos aqui em missão sagrada. Precisamos aceitar as escolhas dos
outros por mais sombrias que possam ser. O dispositivo mencionado chama-se apego, identificação. Neste
dispositivo, sempre enfatizamos a auto-importância, o amor-próprio, a preocupação com a auto-imagem, o
emocional, o sentimentalismo. E, sempre que nos identificamos, perdemos a paz.
Quando nos sentimos derrotados, não estamos aceitando nossos limites, não estamos aceitando
que não somos heróis, os salvadores do mundo, os enviados de Deus.

Todos passamos por essas experiências. Esta é a primeira das Quatro Nobres Verdades. A solução
vem na prática diária da meditação, da devoção, das virtudes ou paramitas, da morte mística, da vivência
do Óctuplo Caminho. Práticas que são organizadas, reveladas, reavivadas e trazidas novamente à tona
pela Gnose moderna.

O grande amor se chama consciência, e vem de nosso Ser, do Divino em nós, que hoje se encontra
encoberto, emparedado, engarrafado pelo nosso ego, pelos nossos demônios internos. Essas práticas
podem nos levar novamente ao contato com nosso Ser. Assim, poderemos expressar o amor que vem Dele,
e não de nossa personalidade, de nosso ego.

Realmente, saber, sabemos. Temos muitos conhecimentos. Agora, precisamos, pela prática da
meditação e da virtude, transformar todo esse conhecimento adquirido em sabedoria, em compreensão,
alterando assim nosso nível de ser.

Podemos conviver com essas pessoas até onde for possível, até onde for nossa responsabilidade,
nosso dever, ou nosso karma. O que realmente nos impede de partir são os nossos padrões, nossos
conceitos e preconceitos, nosso ego. Tudo isso precisa ser analisado em meditação. Mas a liberdade existe
na mente de cada um. Esta é uma verdade que precisa ser percebida e praticada. O grande desafio é
experimentar essa liberdade, essa paz, em meio ao caos diário das grandes cidades. Podemos aprender
bastante nas situações de crise, transformar sofrimento em sabedoria. Se não agimos assim, estamos
perdendo tempo e, com isso, só prolongamos as crises.

– Qual a finalidade de aceitar algo que não nos faz bem?

A finalidade é deixar de sofrer, se conhecer, parar de brigar com os outros, com a vida, parar de se
irritar, de se preocupar. É ter paz, tranqüilidade, harmonia, serenidade, alegria, liberdade.

– Exagerando um pouco a respeito, seria como dizer “aceitar levar uma facada”, se é que é possível
estabelecer esse paralelo. Considerando-se as proporções, não seria o mesmo?”

Bem, foi isso que fez Cristo, quando na cruz rogou a Deus que perdoasse as pessoas, porque elas
não sabiam o que faziam, e quando disse que deveríamos oferecer a outra face. Mas, tristemente, não
temos condições de sustentar nossos princípios, nossa ética e nossa fé a esse nível.

Isso pode ser observado na ahimsa, a não violência praticada por Gandhi. Ahimsa também é
aceitação.

– O que é aceitar algo que não nos faz bem? Se não é passar a gostar do que não se gosta, se não
é ficar indiferente, se não é não gostar, então o que é?

É parar de resistir, parar de querer mudar as coisas e as pessoas, de querer que a situação seja
diferente. É perceber que tudo está em seu lugar, que tudo está certo, que tudo é perfeito como é. Se existe
algo errado, este algo está dentro de nós, está em nossas mentes.

Se este algo que não nos faz bem está relacionado a uma pessoa, então o que não nos está
fazendo bem é o reflexo de alguma coisa que existe em nós e que não aceitamos. Aceitar a projeção é um
grande passo para o início das mudanças.

– Uma outra consideração, outro enfoque, pode ser exemplificado por uma pessoa que não gosta
de ostra. Se ela não tiver que comer ostra, não há problema. Mas querer que essa pessoa prove dela sem
rejeitá-la, é complicado. A ostra não é boa, nem ruim, mas não me serve. Dá para aceitar a ostra, mas não
dá para aceitar que a ostra se imponha em sua vida e você seja obrigado a engoli-la.

Precisamos aceitar que não somos tão santos quanto imaginamos, e que os outros também não
são demônios tão feios quanto pintamos. Talvez sejam demônios até bem parecidos conosco. Enquanto
não aceitarmos e não compreendermos os fatos, as ostras continuarão a cruzar nossos caminhos.
Precisamos perceber se o nosso problema é com a ostra ou com quem nos obriga a provar dela. E,
por acharmos que não podemos, ou por não sermos capazes de expressar nossa vontade àquele que nos
obriga a provar o molusco, transferimos a raiva para a ostra. Isso não é uma sugestão para lutarmos contra
aqueles nos obrigam a provar algo do qual não gostamos. Certamente, essas pessoas têm seus motivos.
Precisamos buscar compreender, aceitar e ter compaixão.

Se nos irritamos, se ficamos nervosos porque alguém nos provoca, então vamos mal. Estamos
sendo escravos, fantoches dos outros, estamos submetidos aos poderes dos outros. Talvez, o fato de
perceber isto nos irrite, nos deixe com raiva, raiva de nós mesmos.

Este é o desafio: provar sem rejeitar. Aceitar à distância, falar que aceitamos, é muito fácil. O sol
não nega seu brilho a ninguém, as árvores dão sombra até mesmo ao lenhador, que tira sua vida.

Como bem disse Cristo, em Mateus 5:

38 – Ouvistes o que foi dito: Olho por olho, e dente por dente.

39 – Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita,
oferece-lhe também a outra;

40 – E, ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa;

41 – E, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas.

42 – Dá a quem te pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes.

43 – Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo.

44 – Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos
que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que
está nos céus;

45 – Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e
injustos.

46 – Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o
mesmo?

47 – E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos
também assim?
Sobre a Aceitação de Si Mesmo

Atualmente muitas "escolas" postulam que as pessoas devem aceitar a si mesmas, que devem
amar, respeitar, valorizar e dar importância a si próprias. Mas aceitar a si mesmo não significa se auto-
adorar. Aceitar-se é uma postura diametralmente oposta à auto-importância, que, se manifesta com grande
freqüência em todos nós e é ensinada como boa prática, quando, na realidade, deveria mostrada como um
dos grandes grilhões que nos trazem sofrimento, como efetivamente é.

Aceitar-se é um ato de humildade, de simplicidade.

De forma pouco sábia, estas "escolas" ensinam que as pessoas devem pensar mais em si próprias,
em seu conforto, prosperidade, prazeres, agindo sempre em seu próprio benefício. Afirmam que aqueles
que pensam demais no próximo, esquecem de si e acabam sofrendo. Mas isso não é verdade. A verdade é
que as pessoas só pensam em si mesmas. Se fazem algo para agradar o outro, é pensando nos benefícios
que podem obter tal gesto, e não porque pensam no outro. Estão pensando no reconhecimento poderão
receber, estão querendo ser aceitas, adoradas, aplaudidas. Esse desprendimento de pensar no outro
desinteressadamente não existe, é um equívoco, uma fantasia. Estamos por demais adormecidos para
podermos pensar em alguém que não seja nós mesmos.

Ensinam-nos, ainda, que, quando as pessoas experimentam algum tipo de prazer, estão fazendo a
vontade da alma. Este é mais um de seus equivocados ensinamentos. Na verdade, aqueles que se
entregam aos prazeres, estão apenas a satisfazer o ego.

O Budismo, o Hinduísmo e o Cristianismo pregam que todo sofrimento tem raízes na cobiça, na ira,
na ignorância. E, em sua profunda ignorância, algumas "escolas" estimulam seus adeptos a desenvolver o
orgulho, pregam a cobiça, reforçam a liberação da raiva, incitam à vingança. Nada disso é compatível com a
aceitação de si mesmo. Essas atitudes estão na contramão do processo de auto-aceitação. Aquele que se
aceita e aceita o próximo não pensa em vingança jamais.

Assim, o que precisamos verdadeiramente é pensar menos em nós mesmos, em nossos desejos,
em nossa ganância, vaidade, orgulho. Pensar apenas em nós mesmos é um caminho que leva à inveja, à
mágoa, ao ressentimento, ao medo, à vergonha e à raiva. Tal tendência é uma das grandes causas do
sofrimento humano. Por isso, muitos mestres recomendam o exercício caridade. Para que, aos poucos,
criemos o hábito de pensar no próximo.

Se bem observarmos, veremos que toda idéia de prosperidade, que atualmente circula no mundo
espiritualista, de forma geral, não passa de um culto à cobiça, à inveja, ao desejo, o que acaba levando à
competição, à ira e à frustração.

Aceitar-se não significa, de forma alguma, entregar-se aos desejos.

O anelo da alma, a vontade da alma, não deve ser confundido com o desejo concentrado do ego.
Porém, mais prejudicial ainda do que o desejo concentrado do ego é o desejo disperso do ego, pois desejar
coisas antagônicas, desejar algo diferente a cada instante é uma fonte permanente de sofrimento.

Percebamos, pois, que esses "ensinamentos" sobre prosperidade significam apenas tentações para
os nossos desejos, para os nossos demônios internos.

É evidente que aceitar a si mesmo não equivale a um ato de repressão. Uma coisa é
reconhecermos que temos raiva e trabalharmos sobre ela, outra, bem diferente, é simplesmente liberarmos
a raiva, que é tão nocivo quanto não aceitarmos que estamos com raiva ou fingirmos que não estamos com
raiva.

A auto-aceitação parece algo paradoxal à primeira vista.

Quando não sabemos quem somos, queremos parecer algo que não somos, mas que acreditamos
ser. E, neste caso, dependeremos da aceitação dos outros. Reagiremos negativamente a qualquer
manifestação que se oponha àquilo que achamos que somos.

Quando sabemos quem somos, ou pelo menos quando começamos a perceber o que não somos,
tudo aquilo que fazem ou dizem a nosso respeito não assume grande importância. Podemos, inclusive,
aproveitar o que fazem ou dizem em favor de um novo aprendizado ou um aprofundamento.
Aceitar a si mesmo não é um estado passivo. Muito pelo contrário, é uma grande ação – a ação
consciente de aceitar a si mesmo.

Ora vivemos de adorar alguns de nossos atributos, ora de rejeitar outros. A aceitação de si mesmo
está muito além destas duas polaridades.

Enquanto se deseja algo, não há espaço para a aceitação de si mesmo. Para nos aceitarmos,
precisamos atingir um estado de contentamento, satisfação, gratidão.

É importante observar, perceber, compreender, que o orgulho e a vaidade são antípodas da auto-
aceitação, e que geram apenas dor e sofrimento.

Não podemos cair no auto-engano, não podemos criticar ou culpar a nós mesmos por nossos
defeitos. Tampouco devemos negar a existência deles ou exaltar nossas virtudes. Cada um de nós possui
virtudes e defeitos em diferentes graus, que, por sua vez, se equilibram, apresentando pouca diferença de
gradação entre os indivíduos. Assim, as aparentes diferenças entre os seres humanos são apenas ilusões.
Diante desta compreensão, seremos capazes de reduzir em nós boa parte da preocupação em parecermos
algo que não somos aos olhos alheios. Diante desta compreensão, seremos capazes de executar um
trabalho mais tranqüilo sobre nós mesmos, pois todos temos os nossos defeitos e virtudes, e não há
problema algum nisto. Basta aceitarmos os fatos e trabalharmos no cultivo de nossas virtudes e no
extermínio de nossos vícios e defeitos. Esta é a busca da purificação em si.
Sobre as Práticas

Estamos sempre procurando algo para fazer, para nos distrair e nos ocupar. Seguir uma disciplina
espiritual não é uma questão de posse de práticas, métodos e procedimentos. A posse leva ao orgulho e a
vaidade. A procura, a busca de algo, gera ansiedade. O fazer algo está relacionado com a busca de ser
alguém, de existir. É muito comum que no início fiquemos ansiosos para meditar, para fazer práticas espirituais,
porém a meditação e o trabalho espiritual não podem se tornar uma ocupação. Precisamos caminhar para a
prática num estado tranqüilo ou ela pode não ocorrer.

As pessoas executam as práticas esperando que algo aconteça e dia após dia se frustram. Acreditamos
que vamos praticar e um dia, durante ou depois de uma prática, estaremos iluminados; nos tornaremos
clarividentes, clariaudientes. Depois de muitas frustrações e de nada acontecer, podemos nos dar conta de que
já mudamos, já somos diferentes; nos dar conta de que algo aconteceu, não como esperávamos em nossas
fantasias e ilusões, mas aconteceu. Muitos desistem antes mesmos destas frustrações, portanto, precisamos
praticar muito, existe um trabalho árduo a ser feito até que o verdadeiro trabalho realmente comece.

As esperanças fantasiosas e ilusórias de transformação nos impedem de perceber os resultados reais


das práticas.

As práticas não podem ser vistas como um meio para nos tornarmos algo ou alguém num futuro
qualquer. A prática não é feita para levar ninguém a lugar nenhum, ela é um fim em si mesma. Não se trata de
fazer isto para obter aquilo, ou da quantidade e variedade de práticas feitas, de horas de meditação, da
quantidade de mantras repetidos. Isso é transferir os hábitos e sofrimentos da vida para as práticas quando o
caminho a ser seguido é o contrário, ou seja, transferir a meditação para o dia a dia.

As práticas são para percebermos os momentos, estados de tranqüilidade, serenidade e liberdade.


Durante a prática formal encontramos todas estas coisas dentro de nós mesmos. Ao percebermos que estas
coisas estão dentro e não fora de nós, podemos passar a viver assim. É nas práticas formais que começamos a
perceber que esses estados não dependem do mundo externo, assim como os estados equivocados, de medo,
terror, tristeza, mágoa, ira e inveja também não dependem do externo.

Não se pode fazer da vida cotidiana algo distinto da prática e da meditação formal. É preciso levar a
prática para o dia a dia, para o viver. É preciso vivê-la, trazer os estados libertos para o cotidiano. Não existe
divisão entre o que é e o que não é meditação. Quando criamos esta divisão, não conseguimos chegar a
estados meditativos durante a prática e muito menos levar a prática para as atividades diárias. Se associarmos
a paz ao estar na almofada de meditação, a prática formal de meditação, então estaremos gerando sofrimento
para o resto da vida. Na prática percebemos o estado de paz, observamos nosso mundo interno, aprendemos a
gerar e manter estados puros, e a nos libertar de estados equivocados. O aprendizado deve ser vivido
cotidianamente.

Precisamos compreender o que é transformar a vida em uma meditação. Evidentemente isso não é
ficar bobo ou passivo.

Todos dizem que a vida é corrida, que existe pressão, trânsito, confusão, agitação e competição. Na
prática podemos perceber que não há nada acontecendo. Se na almofada conseguimos estados de paz,
tranqüilidade, contentamento e não há nada acontecendo, não temos nada e não somos nada nestes
momentos. Logo, não há nada a fazer, a conquistar, não há lugar nenhum para ir, para se ter felicidade, paz,
contentamento ou satisfação.

O viver em uma comunidade espiritualista também é uma prática. Se não conseguimos conviver com
um irmão de caminhada, provavelmente também não conseguiremos com os demais fora do grupo. Porém, se
conseguirmos viver bem na comunidade, então o treino está feito e precisamos levá-lo para a vida diária.

O observar os outros com isenção é um treino para nos analisarmos com isenção, com uma certa
distância.
Ensinamentos do Senhor Buda mostram que não existe nada mais valioso que uma mente controlada e
direcionada de forma hábil. As meditações são treinamentos específicos para a domesticação de nossas
próprias mentes e a vida diária é o que podemos chamar de terreno prático, onde devemos colocar em prática
as técnicas aprendidas e treinadas, as percepções e compreensões. Talvez possamos chamar uma de prática
ativa e a outra de pratica passiva.

Existe um conto que diz que um buscador atormentado por seus pensamentos e tentações retira-se
para uma caverna em procura de iluminação. Alguns anos depois, ao atingir a iluminação, ele volta para o
mundo. Em contato com as mesmas energias, as mesmas situações e as mesmas pessoas, ele reage
exatamente como reagia antes de se retirar, quando não tinha atingido sua iluminação. Irrita-se nas mesmas
situações de antes, sente-se tentado pelas mesmas imagens e sensações.

Ao ouvirmos ou lermos este conto nossa primeira reação é rir. Entretanto não podemos rir, pois esta é
nossa história diária. A cada dia nos retiramos para a caverna para meditar e ao sairmos da meditação e da
caverna, fazemos tudo como sempre fizemos, agimos do mesmo modo que antes.

Nas práticas nós podemos ter revelações, percepções e compreensões. Se não vivemos estas
percepções elas acabam por cair no esquecimento, por se tornar meras informações, e então estamos apenas
a nos auto-enganar. Contudo, se passamos a viver o que percebemos nas práticas, fortalecemos as
percepções e avançamos.

Buscar perpetuar estados mentais agradáveis não pode nos libertar do sofrimento, pois isso seria
apego, seria gerar mais sofrimento. Precisamos lembrar, evocar e reviver, tantas vezes quanto possível durante
o dia os estados puros e libertos que encontramos nas práticas. É preciso observar a diferença entre ser algo e
desejar algo.

A prática formal, o sentar na almofada para meditar pode lentamente nos levar a encontrar um centro,
um estado de paz, tranqüilidade e contentamento. Ao encontrar este ponto precisamos dar o passo seguinte.
Não podemos parar neste degrau e nos apegar a ele, não podemos desejá-lo. Depois de encontrar um centro
na almofada, precisamos encontrar a almofada dentro de nós mesmos, assim levamos a almofada onde
formos. Este é nosso centro, a partir do qual devemos agir.

Há um conto que diz que um pedinte vivia há bastante tempo na beira de uma estrada e um dia passou
por ali um estranho. "Dá-me uma moedinha?" disse o pedinte, estendendo automaticamente o chapéu. "Não
tenho nada para lhe dar", disse-lhe o estranho. Depois perguntou: "o que é isso em que estás sentado?"
"nada", respondeu o pedinte. "Apenas uma caixa velha. Sento-me nela desde que me lembro." "Algum dia viste
o que tem dentro?", tornou o estranho. "Não", respondeu o pobre. "De que me serviria? Não há nada lá dentro."
"Vê o que tem dentro", insistiu o estranho. O pedinte conseguiu forçar a tampa. Com surpresa, incredulidade e
exaltação ele verificou que a caixa estava cheia de ouro.

Nós buscamos compreensões e percepções durante as meditações e não nos damos conta do que
está ocorrendo na própria meditação, pois não estamos lá para perceber. É como se estivéssemos procurando
por dinheiro estando sentados num baú de ouro, procurando pelos óculos que estão em nosso rosto ou ainda
procurando nossos próprios olhos.

Muito se fala sobre atenção plena, mas as pessoas não sabem no que devem focar, perdem muito
tempo atentando para fantasias e ilusões. Atenção plena não se trata de tensão para evitar ações ou reações,
não se trata de temer que se faça algo errado, incerto, de temer nossas reações, de estar confortável ou
desconfortável, sentir prazer ou desprazer, nem de buscar um e evitar o outro. Também não devemos nos
culpar por erros, nem ter raiva ou ódio de erros, equívocos, enganos e esquecimentos. É um estado de atenção
e não de tensão. É um estado contemplativo da mente, do coração, do corpo e também do externo.

Atenção plena significa estar totalmente presente a cada momento, sem que a mente vague para o
passado ou futuro, sem que se façam planos, críticas ou julgamentos. Significa observar os movimentos,
reações, mudanças de estado da mente e do coração. Se conhecermos os mecanismos da mente, a criação de
histórias, as críticas, as reclamações, os julgamentos, os medos, desejos, as preocupações da mente, as
memórias e esperanças, os planos, e percebermos o quanto estes mecanismos nos atrapalham, nos enganam
e nos fazem sofrer, então sabemos onde devemos pôr nossa atenção e porque devemos fazer isso.
O entendimento e a compreensão do Dhamma podem nos conduzir ao nosso íntimo. Claro está que
não somos convidados a examinar uma sala de meditação, uma foto do Mestre ou um altar, nem tampouco
imagens que surgem na mente, cores, formas, cenários ou pessoas. Somos convidados a examinar os
fenômenos que estão aparecendo, mudando e desaparecendo dentro de nós. Os defeitos e as virtudes, as
contaminações e purificações são encontradas dentro de nosso próprio coração e mente. O Dhamma só pode
ser compreendido em nosso próprio coração e mente.

A compreensão do Dhamma nos dá a confiança e a certeza que geram a sensação de satisfação


necessária para uma prática bem sucedida. Assim, na prática podemos chegar a estados de tranqüilidade, paz,
felicidade, contentamento e na percepção de que estes estados não dependem do exterior. Então chegamos à
percepção de que não há lugar nenhum para ir e não há nada a fazer.

As pessoas querem que se dê uma solução para seus problemas, dores e sofrimentos, mas não
querem fazer nada, são como crianças mimadas. Quase ninguém suporta a idéia de receber algumas técnicas,
métodos, práticas e começar a seguir uma disciplina pelo resto da vida sem esperar por nada.

Quando se diz para uma pessoa fazer uma determinada prática o dia todo, ela nem entende o que é
praticar durante um dia inteiro. Quando se diz para fazer uma, duas, três ou mais horas de práticas diárias elas
acham absurdo, mesmo dizendo que querem mudar. Entretanto, se este é o começo da mudança, concluí-se
que não querem realmente mudança alguma, estão por demais apegadas a tudo que têm e a tudo que são ou
acham ser.

A prática formal e o viver do dia a dia formam um certo contraste que pode nos trazer algumas
percepções da impermanência, das constantes mutações de todas as coisas e das incessantes mudanças dos
estados internos. Não é o ficar sentado durante o dia todo observando a própria respiração que vai nos trazer
alguma iluminação ou compreensão de nós mesmos. A contemplação de cada movimento, cada pensamento,
cada palavra, seja dentro ou fora da meditação, pode fazer surgir a compreensão de nós mesmo. Isso é como
passarmos a ver cada aspecto do que ocorre como um aprendizado, uma experiência, um exercício ou uma
prática. Mestre Samael dizia que a vida é um ginásio psicológico.

O insight pode surgir tanto de momentos favoráveis quanto de momentos desfavoráveis, tanto de
momentos de felicidade quanto de dor e sofrimento. Mas só surge se estivermos atentos aos nossos estados
internos. É preciso observar o que surge na mente e no corpo sem se identificar. Todo o nosso tempo pode ser
empregado para obter percepções de nossas próprias mentes.

Existe uma prática de meditação, uma prática de contemplar os pensamentos, que consiste em
observar pensamentos e deixá-los ir, deixá-los passar, nesta prática vamos aprendendo a abandonar, cada vez
com maior rapidez, qualquer pensamento que apareça na mente. Normalmente nós tentamos nos agarrar aos
pensamentos que surgem na mente, tentamos possuí-los. Lutar contra os pensamentos, tentar se livrar deles,
também é um agarrar-se. Nesta prática observamos os momentos mentais e estados mentais surgirem,
permanecerem e desaparecerem. Lentamente vai acontecendo um distanciamento do processo pensante e
com isso vai surgindo o desapego. Primeiro começamos a abandonar pensamentos e depois estados mentais.
Após aprender e praticar na meditação, poderemos fazer o mesmo com os pensamentos e estados mentais
prejudiciais que surgem no dia a dia, na vida comum. Esta é uma técnica que pode ser praticada o dia todo,
não depende de estarmos ou não formalmente em meditação. Assim, ao irmos fechando as portas a todos os
pensamentos e estados negativos, vamos gerando a paz interior, ficando mais leves e tranqüilos.

Se não nos empenhamos nas práticas é porque ainda não surgiu em nós um desejo sincero de eliminar
o sofrimento, pois não houve ainda uma percepção sobre o sofrimento, não houve ainda uma percepção de que
sofremos, não houve ainda uma percepção da gravidade deste sofrimento.

A prática no dia a dia auxilia a meditação, que nos ajuda a ter um dia a dia mais tranqüilo. Deste modo,
em nosso viver diário precisamos gerar os estados de paz, tranqüilidade, contentamento e felicidade em nossa
mente, pois isso abre espaço para a meditação bem sucedida. Se deixarmos a mente solta, entregue a
devaneios, agitação e tagarelice o dia todo, vamos prejudicar a prática formal e a meditação. Se praticarmos
desapego durante o dia todo, a mente estará preparada e poderá se desapegar durante a meditação também.
Isso também vale para o relaxamento, para a aceitação e para a compaixão. Quanto mais freqüentemente
renovemos esses estados, mais eles se tornarão parte de nós mesmos e assim poderemos estar voltando a
eles.

Uma pessoa que tem medo de não ser aceita, ou medo de perder emprego, ou raiva do patrão, ou
desprezo por alguém, ou tem algum tipo de preocupação age sempre do mesmo modo sem que necessite fazer
um esforço. Apenas a lembrança de seus medos e estados equivocados já basta para que desempenhe o
mesmo papel novamente. Da mesma forma a lembrança de estados puros e libertos, a lembrança da felicidade,
paz, harmonia, tranqüilidade, satisfação, contentamento e a tentativa de reavivar essas sensações, faz com
esses estados penetrem em nós e pouco a pouco se tornem parte da nossa constituição.

O grande problema é o esquecimento, o deixar-se cair na entropia, o deixar que o resto da vida
continue da mesma forma que sempre foi. Não termos força para manter a gratidão, a felicidade, a paz, a
devoção, a serenidade e a tranqüilidade. Parece que preferimos a dor e o sofrimento, os estados equivocados
da mente e do coração. Dizemos que não podemos sentir felicidade, paz e tranqüilidade, porque isso ou aquilo
está acontecendo. Não nos permitimos experimentar e manter estados benéficos e favoráveis. Ao invés de
gerarmos e mantermos estes estados, queremos lutar contra estados equivocados e quando os estados
equivocados desaparecem, mesmo que por um breve instante, nós lembramos deles e voltamos ao sofrimento.

Gastamos muita energia tentando evitar o sofrimento e a dor, os estados equivocados da mente e do
coração, os erros, equívocos e enganos, os defeitos e manifestações de nossos egos. Ou seja, gastamos mais
tempo e energia para tentar evitar todas estas coisas do que desenvolvendo e sustentando estados benéficos,
favoráveis, estados de felicidade, paz e tranqüilidade.

Estes processos se parecem com as nossas práticas de morte de defeitos; como a morte mística, na
qual muitos ao invés de dividirem seus esforços para desenvolver virtudes somente lutam contra os defeitos.

A concentração na meditação traz tranqüilidade e felicidade, o que prova com absoluta certeza que
estes estados não possuem nenhuma relação com condições externas. Estes estados têm de ser revividos
repetidamente, pois assim são reforçados e sempre que lembramos deles podemos reacender essas
sensações, seja em momentos comuns ou difíceis. Ao experimentarmos a tranqüilidade e a felicidade vindas da
concentração na meditação, vemos que a concentração não é rigidez e nem tensão. Não poderemos
desenvolver estes estados com êxito se eles forem negligenciados durante as horas em que não estamos em
uma pratica formal. Precisamos ter atenção plena todo o tempo.

Uma das principais ocupações da mente é a luta e a evitação de dukkha. Isso justifica a atividade
incessante da mente que está sempre com recordações, planejamentos, esperanças, julgamentos e críticas.
Entretanto, o máximo que a mente pode conseguir é disfarçar, esconder e compensar dukkha. Quanto mais a
mente luta para evitar dukkha, tanto maior é dukkha. A mente não consegue encontrar a solução, pois procura
algo fora dela. Não percebe que ela mesma é o problema, a mente pára quando se encontra com tal
percepção. Esta é a base da identificação com a mente, com o pensamento. Nós acreditamos que através do
pensamento poderemos resolver tudo e entregamos o poder à mente. Acreditamos neste poder, a mente tem a
sensação de que é centro do poder, e toda sensação de poder se baseia nisso. Disso também vem o orgulho, a
vaidade, a fantasia e a ilusão. Assim, ficamos agrilhoados, aprisionados, escravizados e dominados pela
mente. É preciso uma mudança de paradigma. A questão não está no que pensar e nem no como pensar, a
questão está no não pensar.

Normalmente direcionamos o corpo para fazer coisas úteis ao invés de ficarmos fazendo coisas inúteis,
pois consideramos desperdício de tempo e energia. Da mesma forma precisamos direcionar a mente para
atividades úteis e benéficas. Atividades como a análise dos nossos gostos e desgostos, desejos e repulsas,
conceitos e preconceitos. Isso é levar a meditação reflexiva para a vida.

A prática de ouvir os sons, de concentrar-se neles ou de prestar atenção aos pequenos instantes de
silêncio entre um som e outro é uma prática de concentração que nos leva a parar de lutar contra os sons, a
parar de opor resistência a eles, a parar de nos perturbarmos com isso. Com esta prática um dia qualquer
percebemos um silêncio, porém o ruído continua externamente. Assim percebemos que o barulho e a agitação
que achávamos estar fora de nós em realidade estavam dentro de nós, pois o externo continua como sempre,
embora internamente haja um silêncio tranqüilo. Ao percebermos o silêncio interno durante a prática, aos
poucos podemos levá-lo para a vida diária.
Da mesma forma que as práticas meditativas, as práticas devocionais devem ser levadas para a vida. A
alegria, a gratidão e a devoção que fervem em nossos corações durantes as práticas devocionais podem ser
sentidas a qualquer momento. O altar que edificamos em nossos corações durantes as práticas devocionais é
levado aonde vamos e percebemos, mais uma vez, que não há lugar nenhum para ir a não ser para dentro de
nossos corações e mentes, para dentro de nós mesmos. Basta entrarmos em contato com nosso Íntimo, basta
evocarmos nosso Íntimo e os estados das práticas retornam.

A gnose é cem por cento prática, a gnose é a vida, é preciso viver a gnose.
Sobre as Virtudes

Das virtudes é que nascem as delícias da alma, os estados de paz, tranqüilidade e serenidade.
Quando o sábio se recolhe com suas donzelas há felicidade, contentamento e satisfação. O sábio se
refugia e encontra regozijo na prática de virtudes.

A beleza é a expressão natural de uma bela alma, não é algo que se expresse por desejo de que
assim seja. Sobre isso Platão faz diversas alegorias.

Estabelecer condições para expressarmos virtudes é, na realidade, criar uma situação para que não
as expressemos, é criar justificativas para a nossa incapacidade de expressarmos virtudes, é criar meios
para continuarmos a ser o que sempre fomos, para agir como sempre agimos.

Se mentimos é porque somos mentirosos, se sentimos medo é porque somos medrosos, se


sentimos raiva é porque somos raivosos, se sentimos inveja é porque somos invejosos e se consumimos
com gula é porque somos gulosos.

Porém, se falamos a verdade é porque somos sinceros, se agimos com coragem, é porque somos
corajosos, se agimos com simpatia, é porque somos simpáticos, se agimos com compaixão, é porque
somos compassivos e se vivemos agradecendo, é porque somos gratos.

É uma questão de ser, uma questão de nível de ser, de escolher entre o que queremos ser, o que
queremos expressar a cada instante e a cada momento

Evidentemente que se nos irritamos não somos pacientes. Porém, muitos se dizem pacientes e
quando se irritam dizem que é porque o outro passou dos limites e tinham que ficar irritados. Condições.
Mentiras. Auto-engano. Isso é o que é.

Os maus conceitos que fazemos dos outros podem nos deixar predispostos à irritação, à violência e
à má vontade.

Se nos identificamos com os maus pensamentos, com a simples idéia do outro ser inimigo,
adversário ou com uma crítica, acabamos nos irritando sem mesmo sabermos ao certo o motivo de tal
irritação, sem consciência dos fatores que geram tal reação, pois não paramos um momento para nos
perguntarmos o porquê da situação e de nossa irritação.

Se formamos um bom conceito a respeito de uma determinada pessoa, se pensamos ser nossa
amiga e ser uma pessoa bacana, conseqüentemente, vamos ter com ela um bom contato, um bom
relacionamento, uma boa interação e vamos expressar nossas virtudes. Vamos nos dirigir a essa pessoa
com gentileza, simpatia e alegria. Mas se formamos um mau conceito a respeito de alguém, o resultado
inevitável será um mau contato, um mau relacionamento, uma má interação e vamos expressar mais uma
vez nossos defeitos: vamos nos dirigir a essa pessoa de forma grosseira, com irritação e com má vontade.

Não que o externo não exista ou não nos influencie, porém, nós reagimos aos nossos próprios
pensamentos, conceitos, preconceitos, valores e padrões. Não nos irritamos com alguém que é ignorante e
sim com o pensamento de que a pessoa é ignorante. Este pensamento evoca um estado equivocado. Nós
nos identificamos com o pensamento e com o estado, então agimos de maneira não reta, não hábil. O fato
de uma pessoa ser isso ou aquilo é relativamente indiferente.

Assim percebemos que a expressão das virtudes exige de nós o desenvolvimento da aceitação e
da equanimidade, que são virtudes em si mesmas. Vejamos que isso é um comportamento, porém, não é
falso ou fingido, é algo consciente. A questão da equanimidade é a questão de não criar condições, é a
questão de ser. Detalharemos mais sobre isso em outra oportunidade.

Uma pessoa que tem medo de não ser aceita, medo de perder emprego, raiva do patrão, inveja de
alguém, de alguma coisa, ou que tem algum tipo de preocupação, age sempre do mesmo modo sem que
necessite fazer um esforço, apenas com a lembrança de seus medos, de suas vergonhas, de sua ira, de
seus desejos, de suas frustrações, já age da mesma maneira equivocada de sempre. Da mesma forma, a
lembrança da serenidade, destemor, confiança, da paciência, da tolerância, da compaixão, da empatia, da
compreensão, e a tentativa de reavivar essas virtudes faz com elas penetrem em nós e pouco a pouco se
tornem parte da nossa constituição, fazendo assim que pratiquemos ações retas e expressemos virtudes.
O grande problema é o esquecimento, o deixar-se cair na entropia, o deixar que a vida continue da
mesma forma que sempre foi. Não termos força para manter a gratidão, a serenidade, a sinceridade, o
altruísmo, a bondade, a paciência e a tolerância. Parece que preferimos a dor e o sofrimento, os estados
equivocados da mente e do coração. Dizemos que não podemos expressar nossas virtudes porque isso ou
aquilo está ocorrendo. Não nos permitimos expressar as virtudes, e ao invés de fazermos isso e mantermos
estados benéficos queremos lutar contra os defeitos e estados equivocados.

Gastamos muita energia tentando evitar o sofrimento, a dor, os estados equivocados da mente e do
coração, os erros, equívocos, enganos, os defeitos e as manifestações de nossos egos; ou seja, gastamos
mais tempo e energia para tentar evitar todas estas coisas do que para desenvolver e sustentar virtudes.

Nós não percebermos que sofremos e nem o porquê de sofrermos, não percebemos que os nossos
defeitos nos fazem sofrer e que as virtudes e sua a expressão nos traz paz, tranqüilidade, felicidade,
contentamento, satisfação e regozijo.

Quando mentimos, por exemplo, ficamos com medo de ser descobertos, ficamos preocupados.
Mentimos muitas vezes porque sentimos medo de falar a verdade, de não sermos aceitos, de cairmos no
conceito dos outros. Só aqui temos um bom número de defeitos, como: medo, fraqueza, falta de sinceridade
e de honestidade. Todos estes defeitos nos causam sofrimento, mas quando somos sinceros ou falamos a
verdade, ficamos leves, livres, felizes e tranqüilos.

Em outro exemplo, quando nos irritamos com um insulto, enrijecemos músculos, criamos tensões,
nervosismo, agredimos nosso organismo, podemos ficar violentos, vingativos, descontrolados, agitados,
ansiosos, temerosos e desesperados. Novamente vemos um bom número de defeitos que nos causam dor
e sofrimento. Contudo, se ficamos serenos perante o insultador, podemos sentir compaixão e empatia, que
são aspectos do amor e nos elevam os estados internos.

Assim, mais uma vez, se nós percebêssemos que os defeitos nos causam dor e sofrimento e se a
nossa prioridade real é estar em paz e tranqüilidade, não há porque arrumar condições para expressar
virtudes, não há porque arrumar condições para viver em paz e tranqüilidade, há que se fazer isso por
decisão, por vontade, por percepção da realidade.

Todos querem se livrar de seus sofrimentos e defeitos, suplicam pela eliminação destes defeitos,
mas não se arrependem dos erros cometidos, ataques de ira, agressões, maldades, devassidão e
depravação. Talvez, de alguma forma, lá no fundo ainda acreditem que estavam certos, que tinham razão e
motivo para agir como agiram. Talvez de alguma forma ainda se vejam injustiçados. Todos querem manter
suas armas e suas defesas. Todos querem manter seus prazeres.

Estão todos apegados demais, muito preocupados com o que vão perder ou com o que podem
perder e não conseguem ver o que podem ganhar agora. Mesmo que saibam o que podem ganhar, ainda
assim continuam preocupados com o que vão perder ou deixar de ganhar. Este é um dos motivos pelos
quais as pessoas não se lançam ou demoram a se lançar no caminho.

Assim é também na prática das virtudes. Todos estão preocupados demais com o que vão perder
de sua imagem, razão, falsa moral e superioridade ilusória, preocupados demais em cair no conceito dos
outros. Com isso se atormentam e não vivem as virtudes que lhes daria verdadeira paz, liberdade,
felicidade, regozijo.

A sociedade atual não vê com bons olhos as noções de impurezas e purificação da mente e do
coração. A expressão das virtudes é vista pela sociedade atual (que se considera representante da
vanguarda da modernidade, da ciência, do conhecimento e da liberdade) como um retrocesso que nos leva
a um moralismo fora de época, talvez válido em épocas dominadas pela ignorância e pelo tabu.

Não há dúvida de que nem todos se deliciam com o gozo do materialismo grosseiro e muitos
buscam alguma elevação espiritual. Porém, muitos o querem sob certas condições, filhos que são desta
sociedade dita de vanguarda. Acreditam que podem viver e ser verdadeiramente felizes sem nenhuma
necessidade de introspecção, mudança pessoal, autocontrole ou disciplina.

A utilização inteligente das projeções pode nos ajudar a perceber as nossas próprias virtudes, por
mais que estejam meio escondidas ou atrofiadas. E ao percebermos nossas virtudes ou as virtudes dos
outros precisamos trabalhar para desenvolvê-las. Assim, precisamos observar e analisar as virtudes das
pessoas que nos cercam, pois da mesma maneira que vemos defeitos nos outros os temos de monte, e as
virtudes que vemos nos outros também as temos.
Se o que observamos em fulano é gentileza, simpatia, boa vontade e alegria, vamos nós também
cultivar tais virtudes, observar e analisar como este fulano as manifesta, como e quando expressa tais
virtudes. Isso não é uma questão de invejar, imitar ou desejar ser igual aos demais, é uma questão de
observação, análise, auto-análise e ação.

A gnose é prática em cem por cento. Muitos dizem não ter tempo, porém a prática das virtudes não
exige um tempo reservado. É na vida comum, no dia a dia, de momento a momento que podemos e
devemos praticar as virtudes. A tentativa de reavivar essas virtudes, a vontade de praticá-las e de expressá-
las faz com elas penetrem em nós e pouco a pouco se tornem parte da nossa constituição, cristalizando-se
em nós.

As virtudes se vivem no agora, no momento presente. Não podemos esperar que venhamos a nos
tornar santos para começarmos a expressar virtudes. Temos que ser santos agora, temos que expressar as
virtudes
Sobre Associações Mentais

Adormecidos que estamos, não conseguimos distinguir, ou mesmo perceber, as associações


mentais que fazemos. Reagimos a elas como se fossem a realidade objetiva. As associações mentais estão
relacionadas com sensações, situações, impressões, lembranças, memórias, sucessos e fracassos,
traumas, costumes, hábitos, vícios, gostos e desgostos.

As associações mentais são fantasias e ilusões relacionadas com situações concretas da vida, que
impedem as pessoas de perceberem o real e viverem o momento presente. Se não observamos e não
tomamos consciência destas associações, arriscamo-nos a carregar estes comportamentos ilusórios para o
resto de nossas vidas; tornamo-nos escravos deles, sofremos por causa deles.

Talvez a melhor forma de compreendermos este assunto seja por meio de exemplos.

Se uma criança está acostumada a tomar seu leite em uma mamadeira azul e, de repente, lhe dão
uma mamadeira de outra cor, ela já não quer mais o tomar o leite. O prazer de tomá-lo está associado a
uma mamadeira específica. Mas o leite não mudou. É o mesmo leite, o resto é fantasia da mente.

Certas pessoas são acostumadas a beberem alguma coisa antes de dormir – um leite, um chá ou
chocolate quente. E, todos os dias, ao cair da noite, ao ingerir sua bebida, a mente associa este ato com a
idéia de dormir, de sentir sono, e a pessoa começa automaticamente a relaxar. Ou seja, transfere o prazer
do descanso para a sua bebida noturna, que passa a ter um sabor agregado. Mas, se por algum motivo, a
pessoa é impedida de tomar sua bebida, o resultado é irritação, ansiedade, insônia. Enfim, ela não
conseguirá relaxar.

Muitos dizem que ir até a praia e não entrar no mar é a mesma coisa que não ir à praia. Ou seja,
quando vão à praia e entram no mar, têm a sensação de que estão realmente na praia e satisfazem um
desejo, o que faz com que acreditem que realmente descansaram, aproveitaram, se divertiram, que as
horas passadas na praia foram ótimas. Tudo isso se dá a partir da associação entre o “ir à praia” e o “entrar
no mar”. Em outras palavras, a pessoa pode passar vários dias na praia, fazer inúmeros passeios,
descansar profundamente, mas, se tiver de ir embora sem poder entrar no mar, vai achar que a experiência
não foi tão boa assim, vai achar que ficou faltando algo. E voltará de seu fim de semana, ou de seu passeio,
insatisfeita e descontente, tudo por causa de uma associação mental.

Outros associam estar sentado na almofada à prática formal de meditação, à sensação de bem-
estar, relaxamento, paz, felicidade, contentamento. Assim, durante os afazeres diários, ficam atormentados,
agitados, descontentes, desejosos da “almofada”. A prática virou uma fuga.

A idéia de se comer uma sobremesa logo após a refeição também é uma associação mental.
Associa-se a refeição principal com algo doce ao seu final. As pessoas que cultivam este hábito, quando
impossibilitadas de praticá-lo, tornam-se agitadas, ansiosas, nervosas, irritadiças.

O mesmo se dá com o famoso cafezinho após a refeição. Este hábito pode estar associado a um
bate-papo, um momento de descontração. E ao chegar o cafezinho, após um almoço ou um jantar, chegam
também à mente sensações que fazem com que o café tenha um gosto especial.

Em algumas empresas existe o costume de se encomendar uma pizza ou um lanche quando se faz
hora-extra. E assim as pessoas acabam por associar a pizza ou o lanche ao trabalho, ao esforço, ao
cansaço, ao nervoso, podendo, inclusive, vir a sentir, com o tempo, um certa repulsa por estes alimentos.
Neste caso, estariam transferindo a repulsa pela hora-extra para a pizza ou o lanche.

A cerveja no bar pode estar associada às propagandas que exibem belas mulheres, a um momento
de relaxamento após o expediente, ao fim do trabalho, da semana, aos dias de descanso que estão por vir,
aos papos com os colegas da faculdade, aos divertimentos do passado, à sensação de aceitação. Mas, a
cada gole ingerido, nada existe de real senão a cerveja que desce pela garganta.

Assim como alguns associam o final do dia com a idéia de uma cerveja no bar, outros o associam
com a idéia de deitar no sofá e assistir TV. As associações variam de acordo com o perfil de cada um.

Olhar as pessoas do sexo oposto, por exemplo, pode estar associado a fantasias sexuais, a
fantasias relacionadas especificamente à pessoa observada, a possibilidades de felicidade, satisfação,
contentamento, aos padrões de beleza e estética impostos pela sociedade. Mas, o fato de vislumbrarmos
possibilidades de felicidade, satisfação ou contentamento no futuro é sinal de que estamos descontentes no
momento presente, que é o único momento onde se tornam possíveis a real felicidade, satisfação e
contentamento. A vida acontece no presente, no concreto, no objetivo.

As roupas, com seus tipos, cores e marcas, são associadas a posições sociais, poder, status,
estilos, locais, trabalho ou lazer. Uma coisa é a tradição, o respeito, outra, bem diferente, são as sensações,
as fantasias, as ilusões, o orgulho, a vaidade.

Muitas pessoas enfrentam, com bom humor e alegria, horas e horas de trânsito e desconforto, em
viagens de férias ou fim de semana, porque associam estes momentos à idéia do prazer de viajar,
amortecendo a realidade com a esperança, desejo e expectativa de um prazer futuro. As viagens são
associadas à sensação de liberdade, divertimento, bem-estar. Associam-se à sensação inigualável do
prazer do vento batendo no rosto, que, na realidade, pode ser sentido a cada momento e em qualquer lugar.
Afinal, o vento é de graça e para todos, obra de uma natureza profundamente Divina e maravilhosa.
Viagens também costumam ser associadas à agradável sensação de liberdade produzida pelas
caminhadas à beira do mar, liberdade que pode ser sentida até mesmo quando se caminha pelas ruas das
grandes cidades, que reside no prazer de viver o único momento que existe, o momento presente, e na
sabedoria de perceber que não há mais lugar nenhum para ir, que nada está faltando, que não há nada a
ser conquistado.

As estradas são associadas à idéia de percorrê-las, de movimentar-se para diferentes lugares. Tal
idéia chega a fazer com que algumas pessoas passem a trabalhar fora de suas cidades só para
experimentarem a sensação de terem percorrido a estrada no final do dia.

Por outro lado, a associação da idéia de trabalho com esforço, cansaço e obrigação é capaz de
produzir uma extrema exaustão, e só de pensar nisso as pessoas ficam irritadas e cheias de má vontade.

Existe uma fantasia muito comum entre casais, que é fortalecida pelos filmes sentimentalistas e por
músicas de péssima qualidade que povoam nossas rádios, é a fantasia da “música do casal”. Aquela
música que tocava de fundo, em algum momento marcante do passado, e passou a ser parte das memórias
do casal, que vive a recordá-la e a tudo o que ela representa. O momento ficou associado à musica de
fundo. Assim, a cada vez que a música é ouvida, a mente traz a recordação e as sensações vividas.

Com isso podemos observar que as associações que fazemos, as idéias com as quais nos
identificamos, tornam os nossos momentos bons ou ruins, fáceis ou difíceis, trazendo gostos ou desgostos.
Todas essas coisas estão sempre associadas a fantasias e ilusões construídas sobre pessoas, lugares,
situações, roupas, cores, luzes, sons, sabores e, principalmente, sobre nós mesmos.
Sobre Conselhos

Como podemos dar um conselho a alguém, se não passamos pela mesma situação ou por situação
parecida com aquela que nosso interlocutor nos confidencia?

Como podemos dar conselhos a alguém, se estamos vendo a situação alheia de uma forma
egocêntrica, de uma forma identificada?

Incentivar uma pessoa a seguir seu coração pode ser um bom conselho. Explicar-lhe o que
aconteceu quando estivemos em situação parecida pode trazer algumas boas idéias, mostrar diferentes
possibilidades.

Muitas vezes ocorre de darmos conselhos inspirando medo e apreensão no outro. Isso pode fazer
com que a experiência a ser vivenciada pelo outro fique ainda pior. Com mais travas na mente, mais difícil
ficará para o aconselhado encarar a verdade dos fatos.

Talvez um dos motivos que nos levam a dar conselhos que inspirem medo seja o nosso próprio
medo de que o aconselhado obtenha sucesso onde tivemos fracasso, o que é, para alguns, uma realidade
difícil de encarar. Mas este seria o mais egoísta dos conselhos.

Outro motivo para esse tipo de conselho pode ser a projeção inconsciente de nossos medos. Ao
nos imaginarmos na situação do outro, nos identificamos com ela. Então damos vazão aos nossos medos e
falamos deles, como se nosso interlocutor sentisse os mesmos medos.

Muitas vezes, conselhos que recebemos de outrem fazem nosso orgulho vir à tona. E assim vamos
fazer de tudo para mostrarmos que somos diferentes, que somos melhores. É preciso muito discernimento,
muito tato, ao aconselhar alguém, de modo a evitar que não nos coloquemos como seres superiores.

A maior parte de nossos aprendizados, de nossa sabedoria, vem de nossas vivências e não de
conselhos ou ensinamentos. Assim, o melhor a fazer é tentar abrir a visão do aconselhado para que ele
possa tirar o maior proveito possível de sua situação, de sua vivência.

Outro ponto importante a ser observado é a nossa tremenda hipocrisia e falsidade, nossa enorme
inconsciência. Aconselhamos os outros a tomar esta ou aquela atitude, e, no momento seguinte, estamos
fazendo justamente o contrário. É claro que sempre acharemos justificativas e explicações muito nobres
para essas ações. Não vivemos o que pregamos.

Um grande Mestre disse:

Se julgas estar alguém fazendo o mal e encontras uma oportunidade de lho dizer em particular – e
muito delicadamente – porque assim pensas, talvez consigas convencê-lo; porém, em muitos casos, isto
mesmo não passaria de uma interferência indébita.

Deixa que cada homem execute o seu trabalho a seu modo; mantém-te sempre pronto a oferecer
auxílio onde ele for necessário, porém nunca te intrometas.

Muitas vezes, por acharmos que somos mais velhos, que temos mais conhecimento ou experiência,
frustramos, reprimimos, magoamos os outros com nossos conselhos. Isso acontece, por exemplo, com as
pessoas que chegam a nós, eufóricas, contando que querem fazer isto ou aquilo, cheias de ilusões, e
nossos conselhos fazem suas ilusões caírem por terra. Talvez não sejam estes bons momentos para
aconselhar. Aconselhar é uma arte que requer compaixão, sabedoria e muita sensiblidade.

Devemos verificar os motivos que nos levam a dar conselhos. Pode ser que estejamos apenas nos
projetando, nos identificando. Temos que avaliar os nossos sentimentos, nossas emoções, avaliar os
fatores que estamos priorizando na hora em que aconselhamos. Em muitos casos, o que pode estar por
trás desses conselhos é muito mais a nossa preocupação em parecer mais sábios, experientes, maduros,
inteligentes ou espiritualizados do que passar realmente uma mensagem em benefício do próximo.

São nesses momentos, em que preferimos dar mais importância aos nossos egos, que muitos
aconselhamentos acabam dando origem a discussões e brigas. Nosso objetivo está focado mais no fato de
sermos reconhecidos, de termos razão, de nos auto-afirmarmos, de influenciarmos o outro a agir de acordo
com nossas vontades, do que de ajudar efetivamente. Precisamos observar isso com sinceridade.
O desejo de ser o dono da razão pode nos levar a ficar torcendo para que aconteça o que dissemos
só para comprovar a superioridade e a sabedoria de nossos conselhos, só para nos dar o prazer de ter
razão, de nos sentimos melhores, superiores. Neste caso, o que acontece, na verdade, é que nossos
prazeres, nossa auto-importância, nosso amor-próprio, ficam acima da importância do conselho, acima da
importância de ajudar o próximo, acima da importância de contribuir para que as experiências dos outros
sejam bem sucedidas.

Se não temos os conhecimentos necessários, as experiências necessárias para ajudar alguém que
nos pede um conselho, podemos indicar um livro, um texto, uma palestra, um curso. Mas, ao procedermos
desta maneira, devemos estar livres das expectativas de reconhecimento, da vaidade de levantar a
bandeira de uma ideologia ou de outra. Assim, a ideologia defendida se torna mais importante do que a
ajuda, do que o conselho. O foco terá se modificado.

Por outro lado, quando alguém tenta nos aconselhar, muitas vezes nos magoamos, sentimos raiva,
sentimo-nos invadidos. Não somos suficientemente humildes nem estamos prontos para ouvir conselhos.
Melindramo-nos facilmente, identificamo-nos com tudo.

Diz um ensinamento budista:

Os maus homens não reconhecem nas ações erradas um erro e, se esse erro for trazido à sua
atenção, eles continuarão a praticá-lo e desprezarão todo aquele que o advertir sobre seus maus atos. Os
bons e sábios homens são sensíveis ao que é certo e errado, param de fazer algo tão logo percebam que
esta errado, são gratos a todo aquele que lhes chama a atenção sobre as ações erradas.

Julgarmos até mesmo os Mestres, os Gurus, os Iluminados. Se alguém nos sugere algo, não
sossegamos enquanto não provamos que essa pessoa não é melhor do que nós. Buscamos julgá-la e
chegamos a nos comprazer se conseguimos vê-la cometendo o mesmo erro que apontou em nós. Somos
cruéis.

Podemos ler em Provérbios 9:

Instrui ao sábio, e ele se fará mais sábio; ensina ao justo, e ele crescerá em entendimento.

Precisamos ser sábios e aceitar os conselhos de quem nos quer bem. Precisamos ser sinceros,
honestos, analisarmo-nos, estudarmo-nos profundamente, se quisermos realmente mudar e evoluir. Não
estamos aptos a aconselhar ninguém se não temos a humildade de, quando necessário, seguir os
conselhos dos que se encontram, de alguma forma, além de nós.

Antes de aconselharmos os outros, precisamos olhar para nós mesmos – e não para as coisas que
possuímos – e verificar se servimos de parâmetro, se temos condições de aconselhar alguém. O melhor
conselho que podemos dar a alguém é o exemplo, o reto agir, o reto falar, a reta maneira de ganhar a vida.
Questionamentos

– O conselho, na verdade, não deveria ser dado apenas em relação a situações que já
vivenciamos ?

Sim, deveria. Mas a questão é que nenhum de nós consegue assumir o desconhecimento das
coisas, nenhum de nós consegue se calar.

– Acredito e defendo que os conselhos têm o objetivo de fazer com que uma pessoa pense sob
uma ótica que talvez ainda não tenha experimentado, serve para fazer o outro pensar melhor.

Sim, deveria ser. Mas não através da ótica do pior, da ótica do medo.

– Concordo, de certa forma. Acredito que aquele que compartilha de uma situação de dúvida se
sente inseguro e gostaria de ouvir o que achamos, seja por confiar em nós, por estar indeciso, por não
acreditar em si ou nos outros, não importa. Acho que essa pessoa quer apenas ouvir o que achamos. Na
maioria das vezes, ela já tomou antecipadamente sua decisão e quer apenas ouvir uma prévia do que pode
acontecer. Com um diferencial, ela não será julgada.

Este é o ponto. Então devemos ajudá-la a passar, da melhor forma possível, pelo que ela tiver de
passar. A questão é descobrir o que nos impede de transmitir confiança, de dar apoio sincero, de incentivar
os outros. É perceber que nos é praticamente impossível não julgar. É descobrir o que nos impede de ouvir
e de calar.

– Não acho que conselho e sugestões sejam a mesma coisa. Acho que o conselho é algo um pouco
mais altruísta. E, na minha opinião, em seu texto, ele parece uma manifestação muito egoísta.

A questão do egoísmo é a nossa realidade. Cabe a nós aceitar um fato para podermos alterá-lo um
dia. Cabe a nós percebermos e admitirmos que não somos tão autruístas quanto achamos que somos, que
nosso autruísmo esconde o desejo de reconhecimento, a necessidade de aceitação; esconde segundas,
terceiras e quartas intenções.

Uma vez que nos é solicitado um conselho que não esteja ao nosso alcance, podemos indicar,
orientar nosso interlocutor a procurar conhecer o assunto, seja através de livros, revistas, cursos ou outras
alternativas.

Por exemplo, se uma pessoa nos consulta para saber se deve ou não abrir um negócio, e nós
nunca fomos negociantes, o melhor a fazer é aconselhá-la a procurar o Sebrae, buscar informações em
revistas especializadas, procurar aprender sobre noções básicas de administração e finanças.

– Concordo que somos imperfeitos para aconselharmos alguém, mas nem sempre há a intenção de
influenciar o outro. Às vezes, o que pretendemos apenas é tentar compartilhar situações que já
vivenciamos. Talvez amenizar dores, estimular esperanças...

Estamos dormindo. Não sabemos por que sofremos, por que sentimos dor.
Sobre as Desculpas e Justificativas

Sempre convictos de que somos um modelo de bondade e virtude, vivemos arrumando desculpas,
justificativas e explicações para todas as maldades, todos os atos de arrogância, todas as tolices que
fazemos. Agimos assim para ficarmos em paz com nossa consciência.

E, para justificarmos nossos desmandos, alegamos sempre que fomos “obrigados” a ser rude com o
outro, que foi folgado, abusado ou mal educado conosco. Na verdade, o que queremos é não ter de admitir
que nosso comportamento foi rude ou grosseiro. Daí, encaramos a situação como se tivéssemos usado de
severidade, firmeza ou mesmo de bondade, na intenção de repassar nossas boas maneiras aos outros.

Dizemos que fomos obrigados a gritar com o outro porque, afinal, tínhamos que colocar ordem na
situação, fazer respeitar a nossa autoridade. Na verdade, esse tipo de discurso oculta uma grande
resistência em admitir que somos arrogantes, prepotentes ou irritáveis. Encaramos a situação como se
tivéssemos usado de organização e responsabilidade.

Dizemos que batemos em nossos filhos porque, afinal, é nosso dever educá-los, ou porque os filhos
devem aprender a respeitar os pais. Na verdade, esse tipo de discurso oculta nossa resistência em admitir
que somos impulsivos, violentos, intolerantes, impacientes. Encaramos a situação como se tivéssemos
usado de bondade e compaixão, de uma forma tão elevada que nos obrigou a fazer algo ruim em nome de
um bem maior, e lamentamos como é difícil para nós bater em um filho. Dizemos que dói mais em nós do
que neles, mas que é necessário para o bem de sua formação. Tomando por base as nossas desculpas, as
nossas explicações deturpadas da verdade, a atitude violenta chega a ser vista até como um ato de
heroísmo.

Dizemos que não paramos no farol vermelho porque já era madrugada, quando, na verdade, esse
tipo de discurso oculta nossa resistência em admitir que somos arrogantes, que somos desrespeitosos, que
somos insubordináveis. Encaramos a situação como se tivéssemos usado de bom senso. Oferecemos até
uma série de sugestões para melhorar o trânsito.

Dizemos que jogamos papéis nas ruas porque as autoridades públicas responsáveis não colocam
latas de lixo suficientes na cidade, quando, na verdade, esse tipo de discurso oculta nossa resistência em
admitir que somos arrogantes, porcos ou preguiçosos. Encaramos a situação como se fôssemos obrigados
a proceder de tal maneira. E ainda alegamos que agimos assim com um enorme peso na consciência, mas
que, infelizmente, não havia outro jeito. Às vezes chegamos ao cúmulo de dizer que é para garantir o
emprego do varredor de rua, tamanha é a nossa bondade para com os mais necessitados.

Estes são apenas alguns pequenos exemplos das desculpas, explicações, fantasias, que criamos
para não agir de forma correta.

Tais comportamentos, com o tempo, com as repetições, vão se tornando mecânicos. E passamos a
agir rotineiramente desta forma tão pouco civilizada por estarmos condicionados ao passado, ao tempo.
Mas este condicionamento se dá porque não conseguimos agir com coerência perante a realidade de uma
situação. Apenas reagimos seguindo antigos padrões.

Insistir nessas ações revela que somos escravos das circunstâncias e das atitudes alheias.

Por má vontade, dúvida, fraqueza, indecisão, preguiça, medo, vergonha, insegurança, não
aceitação, arrumamos as mais variadas desculpas e justificativas para cada um de nossos atos
condenáveis.

Dizemos que não seguimos ou que deixamos de seguir determinadas doutrinas porque não temos
provas, porque elas não são boas, porque uma outra é melhor em determinado aspecto, porque não as
entendemos, porque seus líderes erram, ou porque existem ali pessoas com este ou aquele defeito. Mas
tais alegações, na verdade, não passam de mais uma justificativa, de mais uma explicação conveniente
para nossas indecisões, nossas fraquezas, nossa incapacidade de entrega, nossa falta de fé, de confiança,
para nossa disposição de continuar a fazer as mesmas coisas, de continuar a ter os mesmos prazeres, as
mesmas sensações, as mesmas diversões.

Projetamos para os outros os nossos próprios defeitos e assim nos justificamos. À luz da razão,
este procedimento parece ser uma loucura, um total nonsense.
Quando somos questionados sobre uma determinada situação ou quando somos flagrados
praticando um ato reprovável qualquer, começamos a nos desculpar, a nos explicar. Nossas respostas se
dissimulam, distanciando-se daquilo que não nos foi perguntado. Nós mesmos nos julgamos e nos
defendemos de nossos próprios julgamentos. Apressamo-nos em nos justificar diante de nossas próprias
projeções mentais.

Quando erramos ou quando somos criticados, tentamos nos defender, arrumamos justificativas,
arrumamos desculpas para, desesperadamente, tentarmos nos afirmar, para convencer o outro de nossa
fantasia sobre nós mesmos, e para convencer a nós mesmos sobre tal fantasia – comportamento motivado
diretamente pela vaidade. Mas no fundo sabemos que fantasias não passam de fantasias e que idéias não
passam de idéias, seja sobre nós mesmos, seja sobre o outro.

Essas desculpas e justificativas que criamos são baseadas num fato muito difícil de ser
compreendido com clareza: somos profundamente frágeis e fracos para aceitarmos, para encararmos a
crua realidade sobre nós mesmos.

Arranjamos desculpas para não mudarmos, para justificar nossa incapacidade de mudar, para
justificar nossa fraqueza, nossa falta de coragem de olhar para dentro de nós mesmos. O demônio da má
vontade atua em nós de forma muito astuta. O fato de arrumarmos desculpas, explicações, justificativas,
para nossas más ações, para a expressão de nossa miséria interior, é outro aspecto de nossa má vontade,
o que acaba por revelar também nossa falsidade, nossa hipocrisia.

É muito conveniente acreditarmos que somos vítimas de situações. É muito conveniente


arrumarmos histórias, desculpas que transfiram a culpa para o outro ou para a realidade externa. Tudo
isso reflete um interior munido explicações pré-formuladas para não aceitar, para negar nossos erros, para
negar as manifestações do ego.

Criamos desculpas, explicações, justificativas, por medo, vergonha, insegurança; por não
querermos magoar os outros. Difícil é admitir que não somos fortes, que não temos a coragem e a ousadia
de aceitarmos nossos erros, nossos limites, nossas imperfeições.

Desculpas e justificativas são formas de defesa, de compensação, e facilmente se transformam em


mentiras, fingimento, dissimulação, falsidade.

Precisamos ver o certo como certo e o errado como errado de forma sincera, sem desculpas,
explicações ou justificativas.

Tomados pelos próprios desejos, pensando exclusivamente em nós mesmos, desrespeitamos os


outros em todos os sentidos; transformamos as pessoas em objetos de satisfação, e providenciamos lindas
explicações, desculpas, justificativas, para transformar tal realidade.

Inventamos, complicamos as situações para não termos de agir, para nos livrarmos do eventual
incômodo de ser retos e corretos em certas ações, para não realizarmos o que é necessário. Todas as
condições que criamos para amar, para ser paciente, tolerante, doce, compassivo, compreensivo com
alguém, ou para realizar uma tarefa, na realidade, são desculpas, justificativas, para continuarmos a fazer
as mesmas coisas, para continuarmos com o nosso egoísmo, nosso ódio, impaciência, intolerância,
grosseria, ressentimento, rancor. São desculpas, justificativas, para camuflar a nossa incapacidade de
mudar, de amar, de expressar paciência, tolerância, doçura, compaixão, compreensão, sensibilidade, para
camuflar a nossa incapacidade de realizar.

Continuarmos a agir da mesma forma significa o aprisionamento ao passado, o apego aos


sofrimentos vivenciados em tempos remotos. Acreditamos que aprendemos muito com nossos sofrimentos.
Mas, na realidade, o que chamamos de aprendizagem não passa de mágoas, ressentimentos, medos,
repressões; não passa de uma construção de travas internas, de dispositivos de defesa. Enquanto
carregarmos esses fardos estaremos presos aos grilhões do passado, de um passado que provavelmente
não aconteceu ou foi mal interpretado.
Sobre Fantasias

Fantasias são artifícios que utilizamos para nos sentirmos melhor diante de situações ruins. São
formas de compensar, negar, uma realidade adversa. Fantasia é a fascinação com o pensamento, com a
ilusão, com o devaneio. De certo modo, as fantasias são uma defesa da psique.

Em nossas fantasias, brincamos de casinha, de empresa, de religião, fingimos ser artistas de


novela, modelos de passarela, cantores famosos, jogadores de futebol. Como se ainda fôssemos crianças,
continuamos a fantasiar a vida, sem nos darmos conta. Guardadas as devidas proporções, a situação é
quase a mesma. Enquanto as crianças se apegam aos seus brinquedos, apegamo-nos aos nossos;
enquanto as crianças choram quando vão para a escolinha pela primeira vez, choramos quando nos
separamos de algo a que temos apego. A diferença é que as crianças fantasiam a realidade, mas estão
sempre abertas ao novo, estão sempre buscando conhecer, aprender, compreender. Surpreendem-se com
as novidades, com cada nova descoberta. Já nós, adultos, fantasiamos a vida e nos fechamos ao novo,
convencidos de que chegamos à última instância da realidade.

A fantasia embota a mente, de forma a nos impedir uma visão nítida da realidade, da verdade. É
como um treino cuja finalidade é nos transformar em tolos. Aliás, um treino que realmente tem dado muito
certo. Pelo que parece, inclusive, vem superando as expectativas.

Na busca por prazeres mentais, fantasiamos a realidade. Pode-se dizer que este processo é uma
espécie de onanismo mental.

Alucinados, vivemos a fantasia de ser um personagem escolhido e agimos como se fôssemos


realmente este personagem construído em nossa mente; agimos como se fôssemos esta auto-imagem,
este acúmulo de ilusões sobre nós mesmos. Identificamo-nos, apaixonamo-nos por esta criação.

Sorrimos e nos comprazemos com situações idiotas, ao imaginarmos as cenas fantasiadas. Ou


seja, as imagens que artificialmente montamos em nossas mentes nos fazem sorrir.

A vida é como um sonho, um sonho é como a vida. Passamos nossos períodos de vigília como se
estivéssemos sonhando. E nessa ciranda, aquela pessoa que achamos agradável e simpática num primeiro
momento torna-se antipática e desagradável no momento seguinte. Tudo se dá exatamente como num
sonho, onde estamos diante de uma determinada cena e, logo a seguir, a cena se transforma. Não nos
damos conta deste processo no estado de vigília, nem muito menos nos sonhos. As cenas mudam
drasticamente, coisas impossíveis acontecem, e continuamos como se nada estivesse ocorrendo. Nada
questionamos, não questionamos as loucuras vividas no sonho, não questionamos nossas mudanças de
humor, de conceito, de valores, de opinião, no estado de vigília. Durante o período de sono, repetimos em
sonhos tudo que fazemos no período de vigília. Repetimos costumes, atos, gestos mecânicos, realizamos
fantasias, liberamos repressões.

Como já foi dito, usamos a fantasia como mecanismo de defesa. Por exemplo, para fugirmos do
mal-estar de uma crítica recebida, fantasiamos a nosso respeito, fantasiamos a respeito de quem nos
critica, inventamos uma cômoda realidade em nossa mente. Para fugirmos da dor de um abandono,
convencemo-nos de que foi melhor assim, de que nos livramos de alguém que não nos faria feliz, e
arrumamos desculpas compensadoras, como a idéia de que ficamos com bens materiais. Pode ser até que
este abandono tenha sido, de fato, melhor solução para nós. Mas, em nossa ignorância, influenciados pelos
egos e cheios de mágoas, esta visão é apenas uma fuga da realidade interna, uma vez que negamos
nossas mágoas, tristezas e frustrações.

O orgulho, a vaidade, o amor próprio, a auto-importância, estão todos enraizados nas fantasias que
criamos, nas ilusões que construímos sobre nós mesmos, sobre a realidade.

Se uma pessoa provocante nos desperta o desejo de possuí-la, nossa mente começa a criar uma
série de imagens ligadas a essa atração. As fantasias se acumulam, as sensações se exacerbam, e nos
viciamos em tais sensações. Se alguém do sexo oposto nos trata de forma carinhosa, já fantasiamos que
esta pessoa está interessada em nós, que nos admira, que aprecia nosso corpo, nosso rosto, nossos olhos,
nosso sorriso, nosso cabelo. E uma onda de sensações e prazeres toma conta de nós. Mas tudo isso são
idéias que temos sobre nós mesmos, não passam de projeções de nossa mente.

Muitos se sentem orgulhosos de sua posição social, posses, bens e títulos. Mas basta pensarmos
um pouco mais além para concluirmos que tudo não passa de uma ilusão. A posição social é uma questão
exclusivamente mental, criada a partir de uma série de impressões que, por sua vez, dão origem a falsas
sensações, conceitos, valores e padrões. Quando avaliamos esse estado mais profundamente e
descobrimos que ele é apenas mais um artifício da mente, podemos compreender que uma posição social é
algo restrito apenas ao mundo das idéias e se manifesta na forma de impressões e sensações ilusórias.

Mas nossas fantasias não ficam apenas nisso. Fantasiamos tudo, fantasiamos nossa realidade
espiritual, psicológica, social e familiar.

O rico acha que é mais que o pobre, o pobre acha que é mais que o rico. Existe em nós uma
necessidade de nos acharmos mais, melhores e maiores.

Não conseguimos olhar diretamente a realidade, a crua verdade dos fatos, o deserto do real.
Precisamos de fantasias que nos anestesiem e nos permitam viver sem a dor da verdade. O que muitos
chamam de esperança não passa de mera ilusão, fantasia, sonho. Ter esperança de ganhar na loteria, por
exemplo, é uma ilusão, uma fantasia que compensa a frustração de uma situação financeira precária; é uma
fuga, uma projeção da frustração, da não aceitação, da insatisfação, do descontentamento com a real
situação.

Expandindo um pouco a questão da esperança, da falsa esperança, podemos observar muitas


outras variações neste sentido, tal como sonhar com um emprego melhor; uma casa maior e mais bonita;
um carro melhor; conquistar alguém jovem, bonito e charmoso; ter um relacionamento perfeito; abrir o
próprio negócio; não ter que trabalhar e poder aproveitar a vida; ter família e filhos, etc. Repetindo o que já
foi dito anteriormente, todas essas esperanças são ilusões, fantasias que só exacerbam a frustração com a
situação vivida, com a condição real; são formas de compensação, de fuga, de projeção da frustração, da
não aceitação, da insatisfação, do descontentamento com a situação atual, com a condição real. Essas
esperanças são recursos que podem gerar motivação de vida a muitas pessoas, mas são também uma
forma de negação, de fuga de realidades muitas vezes adversas, são saídas que arrumamos para
podermos lidar com situações desfavoráveis, desagradáveis. A esperança, a fantasia, o sonho de realizar
algo no futuro é uma forma de compensar nossa incapacidade de realizar nossos projetos no momento
presente.

Vivemos fantasiando sobre nós mesmos e ficamos irritados quando as pessoas não fazem o que
queremos, quando não se comportam como esperamos, quando, de alguma forma, vão contra as nossas
fantasias, quando nos chamam atenção, nos criticam ou ofendem, retirando-nos da fantasia ou
desconstruindo-a dentro de nós, estragando o prazer e o bem-estar que ela nos dá. É como se
estivéssemos dormindo e navegando felizes em nossos sonhos e alguém nos acorda, provocando nossa
irritação e mau humor. A fantasia é apenas um sonho.

A título de ilustração, vejamos um exemplo prático. Um sujeito chega a um banco sentindo-se


importante, poderoso, vaidoso, seja porque está impecavelmente bem vestido, ou por ter uma conta
razoável naquela instituição, ou por conhecer pessoas influentes ali, ou por ocupar um cargo importante, ou
por ter este ou aquele título, ou por trabalhar em uma grande empresa, ou por ser dono de um carro de
luxo, morar em local nobre, etc. Movido por esse tipo de fantasias que habitam sua mente, ele adentra o
dito banco e projeta-as para os outros, juntamente com sua auto-adoração, seu amor próprio. E, quando
alguns lhe abrem um sorriso, saúdam-no, cumprimentam-no, ele acredita que todos estão a lhe adorar, tem
a sensação de ser reconhecido, aceito, admirado, sente-se importante. Mas todo o seu enleio se desfaz
quando, ao passar passa pela porta magnética, ela trava. Então fica ofendido, indignado, e se pergunta
como o segurança teve a petulância de não lhe reconhecer, faltando-lhe com o respeito – um procedimento
inconcebível, logo com ele, que é tão importante. É neste exato momento que cabe a comparação com o
despertar de um sono. O problema é que este indivíduo continua a dormir, insiste na realidade fictícia do
sonho, da fantasia. Em algumas vezes, fica nervoso, discute, reclama. Em outras, pode adotar atitudes
revanchistas e vingativas, como, por exemplo, se exibir ao cumprimentar autoridades ou pessoas que julga
importantes, como se quisesse alardear: “Viu só como sou importante? Conheço o fulano, que é chefe de
tal departamento!” Pode ser também que simplesmente arraste o segurança, que só estava cumprindo seu
dever, para as cavernas de sua mente, e lá acabe com ele, desmoralizando-o, humilhando-o,
desqualificando-o, arrasando-o. Tudo baseado em puras fantasias, fantasias sobre si mesmo, sobre a
realidade. A mente cria problemas onde existe apenas uma situação que, na maioria das vezes, é uma
situação simples, comum. Evidentemente, não percebemos que estamos fantasiando a vida, assim como
acontece nos sonhos, onde não percebemos que sonhamos.

Este tipo de situação acontece frequentemente nos mais diversos cenários: quando somos
barrados em portarias de empresas, de prédios, condomínios ou restaurantes, independente de
freqüentarmos assiduamente tais lugares ou não.
Fantasias desta ordem envolvem a ilusão ou sensação de controle, superioridade, poder, status,
fama, popularidade – aspectos que já foram ou serão aprofundados em outras oportunidades.

A fantasia está baseada na falta de auto-conhecimento, e por isso gera medo, insegurança,
vergonha, incerteza, indecisão, dúvida.

Criamos uma idéia sobre nós mesmos, uma fantasia, apaixonamo-nos pela nossa criação e
tentamos projetá-la para os outros, para o mundo. Tentamos convencer os demais de que somos como
definimos em nossa fantasia. Esta tentativa de se projetar uma imagem pode acontecer sob as mais
diversas formas, tais como: usar roupas e acessórios de grife, adquirir carros sofisticados ou casas
luxuosas, ostentação de títulos. Por exemplo, uma pessoa que se acha intelectual vai tentar acumular títulos
para validar, para comprovar, a sua intelectualidade. Perante os demais, sua postura deve ser a de um
intelectual erudito, informado, ágil no pensar. Aparecerá sempre carregando livros, revistas, jornais, e
aproveitará qualquer oportunidade para mostrar que sabe das coisas, para vangloriar-se de seus títulos.

Cria-se uma fantasia sobre si mesmo e sobre a existência; tenta-se projetar essa fantasia para o
mundo, representando-a por meio de objetos externos, a fim de validar, afirmar, dar consistência e realidade
a tal projeção. Assim se dá a busca por auto-afirmação.

Identificados, fascinados pelas nossas fantasias, projetamo-las para o mundo; acreditamos que elas
são a nossa própria realidade. Da mesma forma, acreditamos que as fantasias de terceiros correspondem
também à realidade deles. Isto nos leva ao conflito, à irritação, à inveja, à competição, ao medo, à
vergonha, ao desejo.

Evidentemente, uma fantasia sobre nós mesmos não passa de fantasia, assim como uma idéia
sobre nós mesmos não passa de uma idéia. Portanto, é algo de bases muito frágeis. Quando erramos ou
quando somos criticados, tentamos nos defender, arrumamos justificativas, desculpas, para tentarmos nos
afirmar, para tentarmos convencer o outro – e a nós mesmos – da veracidade de nossa fantasia.

É muito difícil perceber não só as nossas próprias fantasias como também as fantasias coletivas,
aquelas que todos acham que é real, que tomam como verdade. Mas, em relação às fantasias particulares
dos outros, percebemo-las até com certa facilidade, assim como percebem as nossas.

Uma pessoa muito sábia disse:

O desejo projeta os objetos do desejo, imaginamos que eles tem existência real, porque muitas
pessoas os vêem, eles adquirem uma realidade ilusória, mas é somente o desejo que os torna objetos. Por
exemplo, uma mulher, por si mesma, não é objeto de desejo, ela é o que é, mas o desejo de alguém por ela
a transforma em um objeto. O que é atrativo para um homem pode não ser para outro, não existe qualquer
objeto, qualquer atração por si, porque a natureza de uma coisa como ela é, a faz existir de uma vida
independente... Cada coisa é o que é, mas o desejo a projeta como um objeto para si, daí surge a busca, e
por trás de cada busca há uma noção de valor que pode ser religiosa, política ou pessoal.

O contrário desta afirmação também é uma verdade. Ou seja, não é porque muitas pessoas não
vêem ou não acreditam em algo que este algo não existe. As coisas são o que são, quer se acredite nelas
ou não. As coisas não deixam de existir porque as pessoas não acreditam nelas.

Precisamos trabalhar sobre nós mesmos, precisamos nos auto-conhecer, precisamos eliminar as
fantasias para que o real Ser possa vir à tona.
Sobre a Impaciência nos Engarrafamentos

Não há motivo algum para ficarmos irritados, perdermos a calma, a paz, quando estamos no meio
de um trânsito congestionado. Podemos até estar atrasados. Mas isto é apenas um fato, e não
necessariamente um problema. Na verdade, se observarmos bem, o problema não existe.

Mas, uma vez mergulhados no inoportuno engarrafamento das pistas, começamos a pensar,
inquietos, no tempo que estamos perdendo, no atraso, no compromisso, que já poderíamos estar em casa,
e por aí vai. Há quem já fique de sangue quente só de ler essas palavras.

Talvez fosse melhor observar quão insensata e bizarra é a cena de pessoas buzinando, socando o
volante, tirando caca do nariz – o que é muito típico nessas situações. Observando o que é ridículo nos
outros estamos observando o que é ridículo em nós mesmos.

Podemos também observar as paisagens, a magia que ela contém. A chuva caindo sobre os a
superfície dos carros ou o sol irradiando seu calor.

Podemos notar, ainda, detalhes agradáveis ou surpreendentes de um determinado lugar, que,


quando o trânsito está fluindo, não temos oportunidade de contemplar. As árvores, o formato dos prédios,
as luzes locais.

Uma outra opção é aproveitar para refletir um pouco, lembrando que refletir não é dar vazão a
pensamentos associados ao desconforto de um congestionamento.

Ou então escutar uma boa música, de preferência alguma que induza a calma, a tranqüilidade.

Mas parece que preferimos mergulhar na fúria, na loucura do congestionamento, só para não nos
vermos. Estamos em fuga, em fuga de nós mesmos. Se pararmos, se nos acalmarmos, ficaremos cara a
cara conosco, e nossa realidade virá à tona, aquela mesma que sempre estamos negando, aquela que não
queremos ver.

Por isso, a irritação, o medo, a ansiedade. Porque queremos o trânsito fluindo. Assim, nos
distraímos e disfarçamos, evitando o contato com nossa própria companhia. E o tempo vai passando.

Pode-se mesmo dizer que existe até um certo prazer no dia-a-dia deste caos urbano, um prazer
que vem da ilusão de termos enganado a nossa própria existência, o que chega a ser um alívio para muitos
de nós. Dizemos que não agüentamos ficar parados. Claro, não suportamos a nossa própria companhia, é
uma espécie de tortura.

O que acontece nos congestionamentos também pode ser uma projeção. Pode ser um sinal de que
não estamos deixando a vida fluir, de que não estamos aceitando o seu curso natural. Talvez nos incomode
também o fato de a vida ter momentos de muito movimento e momentos de pouco ou nenhum movimento.
Introdução

Um dos meus primeiros passos na espiritualidade foi um curso de Reiki. Assim, o texto fala sobre
vivências, observações e auto-observações.
Já vi por mim mesmo, diretamente, que isso funciona, portanto meu interesse ao escrever esse texto não é
criticar alguém ou alguma técnica; a intenção é abrir os olhos para algumas verdades, para a realidade dos
fatos.

Dói! Dói muito mesmo, quando observamos a verdade, a dura realidade dos fatos; quando
percebemos nossos enganos, nossos auto-enganos. A dor do arrependimento é algo inevitável no caminho
do autoconhecimento. Mas, mesmos assim, o arrependimento é uma tomada de consciência; é, no final das
contas, motivo de alegria.

Precisamos observar por que esses assuntos sempre causam discussão, debate; por que gostamos
de discutir assuntos que não vão nos levar a lugar algum, assuntos sem transcendência que não vão nos
trazer transformações reais e profundas, enfim, a evolução genuína.

Sobre Imposição de Mãos

Magnified Healing, Johrei, Reiki, Passes Magnéticos, Cura Prânica... Existem muitas técnicas de
imposição de mãos, há muitos rótulos para isso, mas no fundo é a mesma coisa: imposição de mãos.

No campo da cura pelas mãos assim como no campo da religião, em que cada um acha que a sua
denominação é a certa, portanto, a que salva, cada um acha sua técnica melhor que a do outro, seu
“mestre” ou “iniciador” melhor que o da outra escola... É importante observar isso sem hipocrisia, pois até
mesmo Sua Santidade, o Dalai Lama afirma que por muito tempo acreditou que somente o Budismo era o
caminho.

É impossível negar que imposição de mãos cure, ou possa curar. A Bíblia é farta nesse tipo de
relato. Jesus curava desta forma e também ensinou seus discípulos a fazerem o mesmo. Muitos outros
mestres também faziam curas pelas mãos.

Jesus dizia que não era Ele quem fazia os prodígios, os milagres, e sim o Pai, que estava nEle.
Dizia Jesus que por Ele mesmo não podia nada, mas que era o Pai quem realizava por intermédio dEle.

Muitas vezes acreditamos que somos nós que realizamos as curas quando elas acontecem. O ego
quer todas as glórias para si. Não é a personalidade que cura, a personalidade nada pode, ela é apenas um
acumulado de idéias sobre nós mesmos.

Não podemos nos servir dos necessitados para satisfação de nossos desejos, sentidos,
necessidades de aceitação e auto-afirmação. Precisamos analisar a fundo dentro de nós se estamos
verdadeiramente fazendo algo altruísta ou algo egoísta, se estamos agindo com a alma ou com o ego.

Achamos que não cultuamos mais a riqueza, a fama, o sucesso, pois somos espiritualizados. Não
cultuamos mais os atores da televisão e do cinema, grupos musicais, bandas, cantores, milionários,
grandes empresários, governantes...

Na verdade estamos apenas transferindo esta energia para outras coisas. Agora cultuamos
personalidades de espiritualistas famosos e consagrados, pessoas com ditos graus iniciáticos, escritores
que venderam muito, espiritualistas que aparecem na televisão ou falam no rádio, pessoas que provocam
fenômenos mediúnicos ou paranormais.

Parece que pioramos, pois nossa capacidade de discernimento é menor ainda; acreditamos que
evoluímos, estamos muito orgulhosos de nós, estamos cegos. Devemos acabar com o culto ao eu, à
personalidade.

Gostamos de imaginar e fantasiar que somos grandes curadores, gostamos de fantasiar que fluímos
boas energias, que somos poderosos; estas coisas são do ego. O ser só quer ajudar, sem esperar
reconhecimentos ou agradecimentos. O ser age de forma desapegada, altruísta; quem quer algo para si é o
ego com o qual nos identificamos.

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Jesus dizia que aquele que quer ser grande, que o seja em servir; precisamos servir, servir com
sinceridade, com desapego.

Sempre ao utilizar alguma técnica de imposição de mãos é preciso ter humildade, pedir licença ao
ser da pessoa a ser tratada, pedir auxílio a ele. Também é preciso pedir auxílio aos que realmente podem
fazer a cura, aos mestres da medicina, pois não podemos achar que nós é que fazemos, não somos auto-
suficientes. É preciso ter devoção, humildade, reconhecer a nossa nulidade, reconhecer que nada podemos
e suplicar para que possamos ser humildes veículos, se é que o importante é curar, auxiliar o próximo. Ao
final se faz necessário agradecer a todos, pois não podemos apenas nos encher de glórias.

Não se pode sair atropelando a lei do Karma. É preciso pedir licença aos Senhores do Karma para
que se possa ajudar o próximo, se este for possuidor de merecimento e se nós mesmos tivermos
merecimento; mais uma vez é preciso humildade, devoção e veneração.

Para nós, nosso ego, nossa auto-importância e nosso amor próprio é mais importante o elogio, o
aplauso, o reconhecimento, a satisfação dos desejos do que a cura, a melhora do cliente. Precisamos
observar se não queremos glórias para nós.

Se queremos realmente ajudar os outros, precisamos acabar com as fantasias do ego de sermos
grandes curadores. Estas fantasias geram boas sensações, sensações de prazer, status, mas embotam a
mente; estas fantasias nos enchem de orgulho, de vaidade.

Devemos abandonar os rótulos, os títulos de sermos curadores disso ou daquilo, mestres disso ou
daquilo, iniciados nisso ou naquilo; também são fantasias, também embotam a mente, toda identificação
embota a mente.

Iniciação é um processo de uma ou várias vidas que pode culminar em um ritual ou prova, não é
apenas um ritual. Iniciação é a vida retamente vivida.

De certa forma, batismo, casamento, entre outros tantos, também são iniciações, rituais de
passagem. Mas precisamos prestar muita atenção a quem nos sujeitamos para rituais de “iniciação”.

As escolas de Mistério ou iniciáticas nos ensinam que mestre é todo aquele que concluiu a 5ª
Iniciação de Mistérios Maiores. No processo de iniciações se começa como Chela, depois Lanú, Arhart,
Buddha, Mestre.

Vejamos que uns se vangloriam de ser chefe disso ou daquilo, diretor desta ou daquela instituição,
estar empregado nesta ou naquela empresa, embasam suas vidas nestas coisas. Nós nos vangloriamos de
ser espiritualistas, iniciados, mestres; de estarmos nesta ou naquela escola, religião; é a mesma coisa.
Temos que perceber que é a mesma coisa, temos que perceber nosso orgulho, nossa vaidade e trabalhar
sobre eles.

Precisamos, ainda, observar a que estão ligadas as técnicas; precisamos olhar com sinceridade e
honestidade quais são as idéias, os conceitos, os valores aos quais estamos nos associando. Idéias de que
dinheiro esconde muitos dos nossos defeitos são como as tentações de Cristo no deserto. Somos tentados
todos os dias a todo instante, não só pelos demônios externos, mas também e principalmente pelos nossos
demônios internos, precisamos estar atentos.

Idéias de que não precisamos prestar atenção, não precisamos estar concentrados, que somos
apenas canal, que nossas energias não influenciam, são falsas; isso não acontece assim.

É muito importante, mas muito importante mesmo nos prepararmos antes de utilizamos de qualquer
técnica de imposição de mãos. Precisamos nos concentrar, orar ao nosso íntimo, nosso Ser, nosso Pai
Interno, ao Cristo. Precisamos observar se não estamos com orgulho, vaidade e, com muita devoção e
humildade, suplicar para que estes sentimentos não influenciem o trabalho.

Não devemos aplicar se estivermos sentindo raiva, mágoa, medo, ódio, se estivermos tristes,
deprimidos, enfim. Não podemos aplicar em pessoas que não gostamos, pelas quais temos antipatia. É
claro que todos nós temos nossas antipatias, não somos santos.

Más ações, maus sentimentos, más emoções mancham nossa aura e nossa aura suja contamina ou
pode contaminar os demais.

2
Transmitir tais vibrações gera Karma, não é uma ação reta, não é um ato de amor. Se negarmos
uma imposição de mãos quando estivermos em um estado destes estaremos praticando um ato de
renúncia, de amor, mas temos que ser verdadeiros. Já sofremos por demais com os nossos Karmas,
precisamos ficar atentos para não gerarmos Karmas novos.

Assim como devemos optar por um caminho, doutrina, escola, precisamos optar por uma técnica de
imposição de mãos. Não podemos ficar “borboletando” entre técnicas e escolas, pois senão não seremos
ajudados e não ajudaremos ninguém; é melhor nenhuma técnica e muito amor e intuição do que um monte
de técnicas sem amor.

Precisamos observar a lei da atração: semelhante atrai semelhante. Desta forma, devemos
observar o canal de que ou de quem seremos se estivermos cheios de egos; não somos santos,
precisamos parar com estas fantasias.

Emanações a distância, emanações genuínas do coração, vibrações boas, orações... Devemos


fazer isso sempre, não só para amigos, mas também para todos os que necessitam. Esta é uma forma de
caridade verdadeira, caridade em fatos, caridade na prática.

Se quisermos ajudar os outros precisamos nos conhecer, nos autoconhecer profundamente,


precisamos morrer em nós mesmos dia a dia, de instante em instante. Isso em si já é uma grande ajuda
para o mundo, já é uma grande caridade. Assim estaremos não só ajudando os outros, mas ajudando em
muito a nós mesmos.

É com o autoconhecimento, com o morrer em nós mesmos que vamos emanar amor, compaixão,
atributos do ser e não da personalidade.

3
Sobre a Irritação no Trânsito

O trânsito é um ambiente de irritações freqüentes. Ficamos nervosos quando levamos uma fechada
ou uma batida, quando nosso carro é roubado, quando um pneu fura, quando somos multados e em várias
outras situações. Diante desses imprevistos, criamos instantaneamente uma história, um ponto de vista
sobre o ocorrido, e nos irritamos com isso. Somos incapazes de parar para analisar a situação. Ao contrário,
reagimos instintivamente, perdemos a consciência, a razão.

Não há problema algum em levar uma fechada, a mente é que cria o problema. A fechada é apenas
uma realidade, um fato, uma projeção talvez.

Não há problema em levar uma batida, é apenas um fato, a mente é que cria o problema. E, mesmo
em outras situações relacionadas, como estarmos com o seguro vencido, atrasados para um compromisso,
não existe problema, são apenas situações. É apenas um fato, uma projeção talvez. Tomando o carro por
metáfora, precisamos verificar como estamos conduzindo nossa vida.

Se nos observássemos quando esses incidentes acontecem, veríamos que a imagem é semelhante
à das crianças que choram, que brigam porque perderam seus brinquedos ou porque teve algum deles
quebrado por outro menino ou menina.

Na verdade, crescemos mas não amadurecemos. No fundo, brincamos de casinha e de carrinho.


Mas quem de nós irá admitir tal realidade? Nunca. Dizemos que somos adultos, que temos
responsabilidades.

Quando levamos uma fechada, nunca paramos para pensar no outro. A primeira coisa que vem à
cabeça é que fizeram algo contra nós. Somos o centro do mundo, e tudo o que acontece é dirigido a nós,
tudo é contra nós. Mas é claro que o motorista que deu a fechada não pensou em nós, pois estava também
preocupado consigo próprio. Vai ver era alguém que não quis perder a oportunidade da entrada, ou que não
nos viu mesmo, ou que dirige mal, ou que estava atrasado, em situação urgência, ou que tinha pouco tempo
de habilitação, ou que era velhinho, ou que estava perdido em lugar estranho, assustado, etc.

Basta relaxarmos, basta nos acalmarmos, para percebermos que podem existir dezenas, centenas,
talvez milhares ou até milhões de motivos para que isso tenha acontecido conosco. E nenhum deles nos
envolve diretamente. Estávamos ali por uma sincronicidade. Esses contratempos podem representar uma
boa chance para avaliarmos como anda a condução de nossa vida, como já foi dito.

Se existem em nossa mente possibilidades que não nos envolvem diretamente, já não há mais
razão para irritação. E sem ela a mente relaxa, não damos vazão à agressividade. Quando pensamos nos
outros, nosso coração se enche de paz, de compaixão, nossa luz brilha e se irradia.

No trânsito e na vida, fiquemos na paz, na calma. Sejamos a paz.


Sobre o Amor

A distinção entre amor e paixão é essencial para que possamos proseguir com este texto, e
também para que possamos ter uma vida emocional harmoniosa. Não podemos confundir desejo sexual
com sentimento de amizade, amor com sexo. Amor é respeito, compaixão, carinho, atenção, caridade,
paciência, tolerância e muito mais. É tanto que, talvez, a única conclusão possível, no final desta reflexão, é
que nada sabemos sobre o amor.

Muitos consideram o ódio como o oposto do amor. Mas o amor é um sentimento e a raiva uma
emoção. Logo, os dois podem existir ao mesmo tempo, o que normalmente ocorre. Talvez o egocentrismo
seja a possibilidade mais próxima de ser o contrário do amor.

Amamos na medida em que recebemos, na medida em que somos favorecidos, na medida em que
nos é benéfico este sentimento. Se assim se dá, precisamos verificar se isso é realmente amor ou se é
apenas uma necessidade de ter o outro por perto, de o usarmos como objeto de nossas satisfações, de
nossos prazeres. As razões de nosso suposto amor são razões egocêntricas, e o egocentrismo está na
contramão do caminho do amor.

De um modo geral, só nos vemos dispostos a amar quando somos amados, quando temos as
nossas vontades e nossas expectativas satisfeitas por alguém. Só assim acreditamos que podemos nos
sentir seguros, que podemos nos abrir e ser felizes. Do contrário, isto é, enquanto o outro não nos provar
que é exatamente como queremos, vamos ficando na defensiva, cheios de travas, medos, bloqueios e
barreiras, de modo a evitarmos eventuais sofrimentos, para nos protegermos.

É muito comum entre casais ver um dos parceiros impedir no outro o impulso de um beijo, de um
abraço ou de qualquer outra manifestação espontânea de amor, com desculpas pouco convincentes,
quando estão em locais públicos ou em situações de alguma exposição. Nesses momentos, a auto-imagem,
os egos daquele que frustrou esses movimentos, passaram a ser mais importantes do que o amor, do que a
manifestação do amor. Quando ficamos preocupados com o que os outros vão pensar, nossos demônios
são projetados e nossas repressões vêm à tona.

Nosso amor é condicionado. Amamos sem muita disposição para agir de forma desapegada, para
agradar gratuitamente. Estamos sempre à espera de reconhecimento, de elogios, nossos egos são sempre
mais importantes. Queremos que nos amem, que nos devolvam o amor, a atenção, que estamos dando. Se
não basta, para nós, o simples fato de amar sem nada esperar em troca, então esse amor não é amor
verdadeiro. É puro interesse, nossas necessidades estão sempre à frente deste sentimento.

Queremos uma pessoa que nos apóie, uma pessoa na qual sugamos tudo que precisamos, uma
pessoa que nos ajude, que nos dê tudo o que puder, que nos ofereça segurança. No fundo, não estamos
procurando ninguém que nos ame, não estamos em busca de uma parceria para compartilhar o amor que
temos. Estamos, sim, em busca de alguém que supra nossas carências, nossas necessidades. Buscamos
em nossos relacionamentos pessoas que compensem nossos defeitos, nossas fraquezas.

Assim, fazemos do amor uma relação de causa e efeito: só amaremos, se nos derem isso, se nos
fizerem aquilo, se nos admirarem muito, se nos forem gratos e reconhecidos, se nos valorizarem, se nos
derem importância, a importância que achamos ter.

Achamos que o outro tem que adivinhar o que queremos, o que se passa em nossas mentes.
Tamanho é o nível de nosso egocentrismo, orgulho e vaidade, que achamos que a tarefa daqueles que
convivem conosco é nos agradar, é suprir nossas necessidades.

Não faltam no mercado scripts de vida, regras, manuais, roteiros de como ter um relacionamento
bem sucedido. Mas o amor não é um relacionamento, embora possa existir dentro dele. É comum nas
pessoas nutrir a idéia de que amar alguém pressupõe se relacionar, namorar, casar, fazer sexo. Mas isto é
um equívoco. Podemos amar muitas pessoas, mas não devemos confundir amor com casamento,
relacionamento, sexo, romances.

Talvez seja por esta razão que, depois de seguirmos todas as fórmulas dos scripts que nos
passaram, que nos venderam como caminho para felicidade, sentimos um vazio profundo. Vemos que tudo
o que foi feito não valeu de muita coisa e ainda sofremos desnecessariamente. O que precisamos
compreender é a diferença entre viver nossas experiências com a consciência e vivê-las com a mente, com
os padrões. O amor é uma manifestação espiritual, não pode ser produzido pela mente, pelo pensamento.
Quanto mais nos fazem as vontades, quanto mais nos dão atenção, menos valor atribuímos ao que
nos é dado. Na verdade, nem percebemos tais gestos. Queremosquefalemeprovem que nos amam porque
precisamos de auto-afirmação, porque precisamos de segurança.

Um grande filósofo disse:

Podemos medir o quanto uma pessoa nos ama pelo tanto de atenção que essa pessoa dispensa
para nós. Se não conseguimos perceber se as pessoas nos dão ou não atenção, é porque estamos tão
presos em nosso egoísmo que nem percebemos mais os outros. Se não percebemos as necessidades da
outra pessoa, as coisas que se passam com a outra pessoa, então estamos vivendo algo que não seja o
amor, nos falta muita sensibilidade.

Vivemos nos cobrando por não conseguirmos amar todas as pessoas da mesma forma. Como
reflexo desta incapacidade, cobramos dos outros um amor equânime. Mas isto é praticamente impossível
de acontecer. A intensidade e a forma de amar dependem do tipo de afinidade e de muitas outras coisas
mais. Assim, acabamos por não aceitar plenamente nem os nossos sentimentos, nem os sentimentos dos
outros. Não deixamos as relações fluírem com naturalidade. Libertemo-nos desta cobrança. Podemos, sim,
amar várias pessoas de forma diferente. Por uma questão de lógica, o mais comum é que amemos cada um
de forma específica, dado que cada pessoa é única.

Também é comum acreditarmos que, se amamos alguém, então devemos sentir ciúmes. E, quando
não sentimos ciúmes em circunstâncias onde a maioria das pessoas sentiria, começamos a desconfiar de
nossos sentimentos, achamos que existe algo de errado conosco. Neste caso, é bom observar que quando
o amor gera sofrimento é porque está, provavelmente, associado a algum tipo de ambição, posse, desejo
de reconhecimento, de retorno – manifestações que estão muito distantes do amor.

O ciúme está ligado à idéia de posse, ao desejo de posse, aos desejos de prazer, à falta de
confiança em si e no outro, às próprias idéias e projeções de traição.

O ciúme está ligado ao apego – não exatamente às pessoas, mas aos prazeres ou à expectativa
prazeres futuros que podemos sentir através delas. Logo, é o apego aos objetos do prazer, as sensações
de posse, que acarretam o medo e a sensação de perda.

Nosso ciúme é tanto, nossa idéia de posse é tamanha, que achamos que os outros devem amar
somente a nós. Sentimos ciúme, inveja, raiva, de qualquer manifestação de amor, carinho e atenção
destinados a outras pessoas. O ciúme, a posse e o domínio acontecem porque nosso egocentrismo, nossas
idéias, nosso apego, nossas necessidades, desejos e prazeres se encontram acima do sentimento de amor.

Por idéias tortas de amor, nos apegamos às pessoas, passamos a ter sentimentos de posse e
ciúme, fazemos chantagens emocionais, dizemos que somos capazes de matar ou morrer por amor. Mas
estas são manifestações muito distantes do amor verdadeiro, decorrentes da confusão entre amor e desejo,
amor e paixão, amor e instinto.

O amor verdadeiro nos leva à paz, à liberdade. Portanto, descobri-lo é descobrir a paz, a liberdade,
a serenidade, a harmonia.

Sempre criamos expectativas, ilusões, condições, para amarmos – condições impostas a nós e aos
outros também. Determinamos, segundo os nossos falsos valores, que “isso pode, aquilo não pode, isso é
certo, aquilo é errado”.

Estipulamos condições que devem ser alcançadas pelos outros, fantasiamos situações que têm de
acontecer para que possamos nos abrir, sermos felizes, para que, enfim, possamos amar. Ocorre que a
lista de condições que criamos para amarmos alguém jamais pode ser cumprida em sua totalidade, e a
maioria dessas condições deveria ser cumprida por nós mesmos.

Nós é que acreditamos nos scripts, nós é que criamos as ilusões, sejam elas de relacionamento,
amor, casamento, namoro, amizade, sejam elas sobre o outro. Independente do comportamento do outro,
nós é que acreditamos, que criamos as ilusões, que exageramos, que criamos fantasias grandes demais.
Porém, quando nada disso acontece, a culpa sempre imputada ao outro e ficamos com raiva dele.

Nossa idéia de amor muitas vezes é apenas fruto de uma busca desesperada por aceitação, uma
aceitação que não temos de nós mesmos. Nestes casos, podemos nos tornar conquistadores insaciáveis,
sempre em busca de um novo alguém, sempre em busca de mais uma sensação de ser aceito – e isto
também é válido para amizades. Usamos as pessoas como objetos de satisfação das nossas necessidades
de aceitação, sem qualquer sinal de respeito por elas.

Mas, em meio a essas buscas, pode acontecer de alguém não nos aceitar. Então cismamos com
essa pessoa, inconformados por termos sido rejeitados. Temos uma auto-imagem tão apurada de nós
mesmo, que mal conseguimos disfarçar nossa indignação. “Somos tão legais, simpáticos, bondosos, boas
companhias. Como é possível termos sido rejeitados?” Também pode acontecer de sermos traídos, o que,
para o orgulho, é até pior do que a rejeição. “Como é possível termos sido traídos? Logo nós, tão legais,
simpáticos, bondosos, boas companhias? Logo nós, que fizemos tudo pelo outro, que somos verdadeiros
heróis?”

Criamos substitutivos para compensar nossa falta de afeto e chamamos a isso de amor. Achamos
que dar dinheiro, carros, jóias, roupas caras, viagens, jantares em bons restaurantes, ou pelo menos caros,
significa prova de amor.

Antigamente os casamentos eram acertados entre as famílias, visando lucros e vantagens para as
partes envolvidas, os noivos não tinham escolha. Atualmente a realidade é outra, são os noivos que tomam
essas decisões, muitos escolhem seus pares visando vantagens econômicas, facilidades de vida,
benefícios próprios. Como se vê, mudam-se os papéis mas os interesses permanecem.

Brigas e conflitos nos relacionamentos são muito comuns nos dias de hoje. Esses conflitos, que
podem resultar muitas vezes no término de um relacionamento, geralmente se baseiam no dinheiro – ou,
mais provavelmente na falta dele, nos dilemas profissionais ou na disputa de poder dentro da relação a
dois. Obviamente, em relacionamentos desta natureza não existe amor verdadeiro, não existe amizade ou
companheirismo, não existe apoio entre as partes.

O amor verdadeiro só é possível com o auto-conhecimento. Ele deve ser desprovido de


identificações e de separatividades. A busca interior, que leva ao auto-conhecimento, é, por si só, um ato de
amor.

Apesar de toda esta reflexão, tudo o que podemos concluir, por ora, é que nada sabemos sobre o
amor, que somos completos ignorantes. Qualquer tentativa de definição do amor pode limitar nossas
experiências, uma vez que a grandeza deste sentimento não permite sua exata reprodução em palavras. O
que temos a fazer é permanecermos abertos para descobrir o que é o verdadeiro amor, para conhecê-lo
cada vez mais e melhor.
Sobre o Derrotismo

Existe um eu terrível que é o eu do derrotismo. Este terrível eu nos engana das formas mais astutas
possíveis.

Ele age se fazendo de humilde, de indigno e de não merecedor.

Está relacionado com a inferioridade, com o se ver como vitimado, coitadinho, rejeitado, esquecido
e excluído. Tal visão, tal auto-imagem, nos transforma em pessoas tristes, melancólicas, infelizes,
insatisfeitas, ansiosas, desejosas, descontentes, tímidas, invejosas, medrosas, magoadas e ressentidas.

Também está ligado a uma forma de pessimista de ver e interpretar todos os fatos da vida.

Somos muito mimados. Não passamos de crianças carentes. Estamos sempre atrás de aceitação e
consolação.

A compensação em outros pontos da vida pode ser feita pelo orgulho, vaidade e fantasias de
superioridade.

A origem destes “eus” pode estar relacionada com a infância, com o comportamento das pessoas
que nos criaram e com as condições de vida.

Este eu nos prende e nos impede de caminhar. Derrotados, nós nos sentimos fracos e incapazes.

Dizemos que alguém caminha e avança, e nós não; que o outro tem conhecimento porque chegou
antes e nós não tivemos oportunidade; achamos que se tivéssemos chegado antes teríamos conhecimento,
estaríamos avançados; dizemos que fulano tem experiências e nós não. Estamos sempre presos ao
passado dizendo “se tivéssemos feito isso”, “se tivesse acontecido aquilo”, “se houvessem nos feito isso” ou
“se houvessem nos dito aquilo”.

Todas estas são falácias deste “eu” de derrotismo, “eu” coitadinho, “eu” vítima. Falácias com as
quais nos identificamos e assim sofremos. Precisamos estar atentos aos nossos pensamentos, devemos
investigá-los e dissecá-los.

Outra crença muito comum deste “eu” é a crença de que o mundo nos deve, as pessoas nos
devem, a Divindade nos deve. Estamos sempre fazendo contas. Ficamos ressentidos e magoados com
facilidade. Estamos sempre esperando reconhecimento.

Podemos nos considerar como heróis não reconhecidos ou não compreendidos. Em nossas batidas
canções psicológicas, dizemos que sofremos muito, coisa que indica apego ao sofrimento.

Por idéias erradas sobre karma, alguns acreditam que devem sofrer e com isso geram sofrimento
para suas vidas. Tal fato demonstra comodismo e conformismo, assim como a crença no determinismo e no
fatalismo.

Através dos exemplos, ensinamentos e das experiências passadas, cria-se um personagem que
acreditamos ser. Este é um personagem que existe apenas em nossa mente. Porém, agimos e reagimos
segundo os valores, conceitos e definições que demos a este personagem. Quanto mais forte for a
identificação com tal personagem maior será o sofrimento, pois queremos mantê-lo existindo.

A identificação com o passado e com as experiências de nosso personagem, situações, traumas,


memórias, lembranças, aprendizados, conhecimentos, informações e com um amontoado de sofrimentos
que chamamos de nossa história nos prendem ao sofrimento. Como acreditamos que somos o resultado de
nosso passado e de nossa experiência, ficamos presos a eles e sofremos. É preciso perceber que não
somos as experiências, memórias, lembranças, aprendizados, conhecimentos ou informações. Isso não
significa que elas não existiram, significa apenas que não somos elas.

A expressão da não-identificação com experiências do passado se dá principalmente com a não-


identificação das experiências no presente. Caso contrário ficamos criando lastros para depois nos
livrarmos dele, ou seja, ficamos apenas nos auto-enganando.
Pessimistas que somos, estamos tão preocupados em reclamar, criticar, resmungar, murmurar,
lamentar e lastimar que não conseguimos ver o que de bom acontece em nossas vidas.

Estamos tão presos aos nossos sofrimentos, acreditamos tanto na realidade deles, acreditamos
tanto que os eventos aconteceram da maneira que sempre dissemos que não percebemos os aprendizados
e as possibilidades de aprendizado das diferentes situações da vida e assim, infelizmente, não percebemos
o quanto a Divindade é misericordiosa, terna, compassiva, pacienciosa, tolerante, generosa e bondosa
conosco. Se percebermos estas coisas, seremos profundamente gratos e então, teremos alegria, felicidade,
contentamento, paz e tranqüilidade. Estupidamente não estamos na graça de Deus, não percebemos estar
na graça do Pai Interno, não sentimos a consolação Divina por não nos acharmos, ou nos percebermos
consolados, ou em graça.

Se percebermos estas coisas seremos profundamente gratos e teremos alegria, felicidade,


contentamento, paz e tranqüilidade. Se esta for nossa realidade interior, iremos refleti-la no exterior.

Uma pessoa que se culpa por seus erros, ou que tem medo de não ser aceita, ou inferiorizada por
alguém, age sempre do mesmo modo sem que necessite fazer um esforço. Apenas a lembrança de suas
culpas, tristezas, fracassos e inferioridade já basta para que mergulhe no mesmo estado novamente. Da
mesma forma a lembrança de estados puros e libertos, a lembrança da gratidão, felicidade, satisfação,
contentamento e a tentativa de reavivar essas sensações faz com esses estados penetrem em nós e pouco
a pouco se tornem parte da nossa constituição, cristalizando-se em nós.

Um dos grandes problemas é esquecer, deixar de sentir. Como não somos fortes e firmes em nossa
fé e confiança, em nossa devoção e mística, basta um contratempo qualquer que já voltamos a procurar as
consolações dos homens, as consolações nas coisas do mundo. Somente renunciando às consolações
exteriores é que se torna possível chegar às consolações interiores ou divinas.

O caminho é feito de decisões e esforços, de posturas firmes. Não importa o que passou, não
podemos ficar vivendo murmurando e lamentando. Não importa o que a pessoa do lado tem ou faz. O que
importa é o que nós fazemos agora. É agora que podemos e devemos mudar, fazer práticas, definir metas,
objetivos e seguir firmes na conduta reta.

Não podemos esperar que isso ou aquilo venha a acontecer num futuro distante, pois com esta
postura, com esta atitude, nunca vai acontecer nada. Ninguém vai sentar para meditar, e levantar Santo.
Ninguém vai entrar para um ritual e sair Buda. A santidade é vivida e expressada no dia a dia com esforço,
por vontade de que assim seja.

Temos que ser Santos, Budas, Mestres e Cristos agora, ou não acreditamos em nada disto e nossa
fé é vã. Se ser Santos, Budas, Mestres ou Cristos não é possível para nós, é porque é impossível; se é
impossível então não existem Iluminados, Santos, Budas, Mestres ou Cristos. E se estes seres não existem
nossa fé é vã. Assim, as ações se fazem agora; as virtudes, nós as expressamos agora.
Mateus 7

1 - Não julgueis, para que não sejais julgados.

2 - Porque com o juízo com que julgais, sereis julgados; e com a medida com que medis vos
medirão a vós.

3 - E por que vês o argueiro no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está no teu olho?

4 - Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu?

5 - Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho; e então verás bem para tirar o argueiro do olho do
teu irmão.

6 - Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis aos porcos as vossas pérolas, para não
acontecer que as calquem aos pés e, voltando-se, vos despedacem.

7 - Pedí, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei e abrir-se-vos-á.

8 - Pois todo o que pede, recebe; e quem busca, acha; e ao que bate, abrir-se-lhe-á.

9 - Ou qual dentre vós é o homem que, se seu filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra?

10 - Ou, se lhe pedir peixe, lhe dará uma serpente?

11 - Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas dádivas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai,
que está nos céus, dará boas coisas aos que lhas pedirem?

12 - Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós a eles;
porque esta é a lei e os profetas.

13 - Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição,
e muitos são os que entram por ela;

14 - e porque estreita é a porta, e apertado o caminho que conduz à vida, e poucos são os que a
encontram.

15 - Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados em ovelhas, mas interiormente são
lobos devoradores.

16 - Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros, ou figos dos
abrolhos?

17 - Assim, toda árvore boa produz bons frutos; porém a árvore má produz frutos maus.

18 - Uma árvore boa não pode dar maus frutos; nem uma árvore má dar frutos bons.

19 - Toda árvore que não produz bom fruto é cortada e lançada no fogo.

20 - Portanto, pelos seus frutos os conhecereis.

21 - Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a
vontade de meu Pai, que está nos céus.

22 - Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu
nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitos milagres?

23 - Então lhes direi claramemnte: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a
iniquidade.

24 - Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as põe em prática, será comparado a um
homem prudente, que edificou a casa sobre a rocha.
25 - E desceu a chuva, correram as torrentes, sopraram os ventos, e bateram com ímpeto contra
aquela casa; contudo não caiu, porque estava fundada sobre a rocha.

26 - Mas todo aquele que ouve estas minhas palavras, e não as põe em prática, será comparado a
um homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia.

27 - E desceu a chuva, correram as torrentes, sopraram os ventos, e bateram com ímpeto contra
aquela casa, e ela caiu; e grande foi a sua queda.

28 - Ao concluir Jesus este discurso, as multidões se maravilhavam da sua doutrina;

29 - porque as ensinava como tendo autoridade, e não como os escribas.


Sobre o Julgar

Julgar é um hábito muito comum, parece mesmo uma ação automática, mais que mecânica. Se
voltamos nossa atenção para um determinado objeto, a mente começa a julgá-lo imediatamente, não
espera nem pelo momento seguinte. É um movimento quase inevitável.

Sempre que julgamos, estamos limitando, restringindo uma experiência, um aprendizado. E, desta
forma, nos vemos impedidos de conhecer outras facetas do objeto julgado. Por exemplo, se já estipulamos,
por antecipação, que um determinado sujeito é chato e ponto final, não teremos oportunidade de saber
quem é realmente o sujeito julgado. Qualquer coisa que ele fizer ou disser passará pelo filtro do
preconceito, formado no julgamento. E, assim, tudo nele será chato aos nossos olhos. Condicionados,
absorveremos este retrato, este preconceito, e reagiremos de acordo com a imagem formada.

O julgamento, a crítica, a reclamação e a condenação, no fundo, não passam de formas de defesa.


O ato de julgar nos dá a ilusão de que somos melhores, superiores ao outros, o que nos deixa mais à
vontade para nos expressarmos. Julgamos por necessidade de auto-afirmação da mente, do ego. E a
mente é insaciável, sempre precisará se auto-afirmar, sempre...

É comum ficarmos observando alguém que é supostamente melhor do que nós, à procura de uma
falha, de um erro qualquer que o possa derrubar. Poderíamos usar esta capacidade de observação com
propósitos mais nobres para melhorarmos e crescermos. Mas, lamentavelmente, não é o que costuma
acontecer. De forma quase cruel, buscamos o pior detalhe, os deslizes, as deficiências, para nos sentirmos
melhores. Julgamos o tempo todo.

O mesmo fazemos em relação às crenças. Não podemos admitir que a crença do outro seja tão boa
ou tão verdadeira quanto a nossa, quando não melhor. Em nosso juízo interno, todas as crenças são falsas,
são “coisas do diabo”, de gente ignorante. Todos irão para o inferno, menos nós. Ao julgarmos as crenças
de cada um, fechamos as portas para absorver algum conhecimento novo, para assimilar outras visões, que
podem ser reveladoras até mesmo para a nossa própria crença. A maior preocupação é impor nossas
crenças a terceiros, e não aprender com outras experiências.

Todo julgamento é baseado em conceitos que se formam no passado. Seria impossível julgar
qualquer coisa ou pessoa se não existissem as experiências passadas. Isto significa que, quando julgamos,
estamos incapacitados de viver o presente, a experiência que se apresenta à nossa frente, tangível e real.

A própria natureza ambígua de nossas mentes nos torna inseguros. E os julgamentos antecipados,
a críticas, as intrigas, as cobranças e as reclamações são formas de compensarmos essa insegurança, de
nos auto-afirmarmos, de manifestarmos nossa ausência de auto-aceitação, nosso descontentamento com a
vida. Temos necessidade de humilhar e inferiorizar os outros, na tentativa de diminuir nossa insegurança,
nossa miséria interior. No entanto, tudo isso não passa de uma grande ilusão.

Criamos expectativas em relação ao outro, idealizamos pessoas, construímos ilusões, e queremos


que as satisfaçam, que as realizem. Quando tal não acontece, a reação imediata é julgar aqueles que
supostamente nos frustraram, a partir das idéias e expectativas que criamos.

Quem de nós já não passou por uma situação que inicialmente parecia desfavorável e acabou se
revelando como uma boa experiência na seqüência dos fatos? Este exemplo já devia ser suficiente para
que parássemos de julgar as situações, de julgar as ações alheias.

Precisaríamos analisar uma grande seqüência de fatos para podermos concluir algo realmente
sensato. E, ainda assim, correríamos risco de termos feito um julgamento equivocado. Melhor seria não
fazê-lo, melhor ainda seria não julgar coisa alguma.

Geralmente, nos magoamos quando alguém tenta nos mostrar uma verdade. Queremos contato
com mestres, gurus, iluminados, mas não estamos prontos para ouvir a verdade. Melindramo-nos
facilmente, identificamo-nos com tudo.

Por vezes, nem mesmo os mestres, os gurus, os iluminados, escapam ao nosso julgamento. Se
alguém tenta nos orientar, com a melhor das intenções, não sossegamos enquanto não encontramos algo
de errado nessa bem intencionada pessoa; e, se porventura a surpreendemos cometendo o mesmo erro
que apontou em nós - pelo menos segundo nossa limitada visão –, sentimos nisto um profundo prazer.
Somos cruéis.
Ensinamentos budistas professam:

Os maus homens não reconhecem nas ações erradas um erro e, se esse erro for trazido à sua
atenção, eles continuarão a praticá-lo e desprezarão todo aquele que o advertir sobre seus maus atos.
Os bons e sábios homens são sensíveis ao que é certo e errado, param de fazer algo tão logo percebam
que esta errado, são gratos a todo aquele que lhes chama a atenção sobre as ações erradas.

É sábio e importante abstermo-nos de qualquer julgamento. A mente, em seu processo mecânico,


vai assimilando os juízos internos que fazemos e acaba por nos julgar, ela mesma, valendo-se de nossos
próprios conceitos e preconceitos. O resultado é um imenso conflito interno, que se projeta em forma de
raiva, tristeza, inveja, ciúme e outros sentimentos negativos.

Portanto, paremos de julgar. Este hábito só alimenta nossos demônios internos, só reforça nossas
projeções, só aumenta nosso lado sombra. Paremos de julgar, pois o julgamento é uma tremenda crueldade
para conosco, para com o nosso Ser.

E não nos iludamos. O “não julgueis, para que não sejais julgados” não está condicionado apenas
ao Juízo Final, o juízo dos senhores do Karma ou a qualquer outro julgamento externo descrito nas
tradições religiosas. Tais palavras aplicam-se também ao aqui e agora, ao momento presente. É no agora
que somos julgados pela mente. Não precisamos esperar por aqueles julgamentos externos anunciados,
pois a mente nos julga a todo instante.

Vaidosos que somos, acreditamos ser exclusividade nossa exercer a paciência e tolerância para
com o outro. Não nos damos conta, porém, de que também precisamos que o outro exerça esses
sentimentos para conosco. Ao julgarmos, esquecemos que também somos julgados por alguém.
Esquecemo-nos do quanto esta prática é prejudicial a todos nós. Talvez, deixando de olhar um pouco
mais para dentro de nós mesmos, sendo um pouco menos egoístas, possamos perceber que também
precisamos de paciência e tolerância por parte de terceiros. Afinal, não somos tão santos nem tão
invulneráveis quanto acreditamos ser. Também irritamos, desagradamos, também temos nossas ranhetices,
nossas inseguranças, nossos medos e temores, nosso mau humor. Já causamos sofrimento, já magoamos
muitas pessoas, já erramos bastante, já julgamos indevidamente. Tal percepção nos levará a relaxar e, por
conseqüência, a ter muito mais paciência, tolerância e compaixão para com os outros. E, assim, julgaremos
bem menos.

Nossos valores estão associados à nossa auto-imagem de forma sistemática, hierárquica. Assim, o
que é moral para uma pessoa pode não ser para outra; o que é correto para uma pessoa pode não ser para
outra. Tudo vai depender de como esses padrões, valores, regras, conceitos, preconceitos, objetivos,
expectativas, estão organizados em nossa psique.

Logo, não são apenas padrões, valores, regras, conceitos, preconceitos, objetivos e expectativas
que variam de acordo com cada pessoa. A organização deles também não é a mesma, visto que cada um
viveu diferentes experiências ao longo de sua história, que implicam diferentes culturas, locais, padrões
morais, signos, raios. A importância atribuída a cada um dos padrões, valores, regras, conceitos,
preconceitos, objetivos, expectativas, medos e desejos, esperanças, gostos e desgostos, varia de indivíduo
para indivíduo. Assim, enquanto para uns ser justo pode parecer mais importante do que ser famoso, para
outros, ser rico pode parecer mais importante do que ter paz; enquanto para uns investir no carro pode ser
mais importante do investir em aparelhos eletrônicos, para outros nada disso pode ter importância.

Desta forma, ninguém pode dizer que não faria isso ou aquilo, o que é certo ou errado. O que muda
são apenas os valores e suas hierarquias, o que muda são os objetos, as situações e a intensidade, os
erros são os mesmos. O ato de julgar, criticar, condenar, difamar, subestimar, condenar, esconde a
inveja, a necessidade de auto-afirmação, o orgulho, a auto-importância, a fantasia sobre si mesmo, o amor
próprio, a identificação, a projeção, a hipocrisia.

Como disse Jesus, em João 8:7:

Aquele que dentre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela.

Mas, ao que parece, nos achamos seres perfeitos, acima do bem e do mal. Ao que parece,
acreditamos estar livres dos erros, do engano, do pecado, uma vez que estamos sempre a julgar, a criticar,
a condenar, a reclamar, ou seja, estamos sempre a atirar nossas pedras em alguém.
V. M. Samael Aun Weor, em sua "Mensagem de Natal de 1966", disse:

A gente vai andando por uma rua, de repente se encontra com as turbas que vão protestar por algo
ante o palácio do senhor Presidente. Se a gente não está em estado de alerta identifica-se com o desfile,
mescla-se com as multidões, fascina-se e a seguir vem o sonho, grita, lança pedras, faz coisas que em
outras circunstancias não faria, nem por um milhão de dólares.

Podemos dizer que não fazemos tais coisas, que jamais as fizemos. Mas tentemos fazer aqui uma
análise mais profunda da situação, tentemos expandir a idéia por meio de uma breve analogia. Quantas e
quantas vezes não nos juntamos a colegas que se reuniam para fofocar, depreciar, criticar, reclamar ou
julgar alguém? Por quantas vezes não acabamos por entrar nesse “bolo” também passamos a fofocar,
depreciar, criticar, reclamar e julgar, acompanhando a má conduta do grupo? Ou seja, identificamo-nos,
mesclamo-nos, fascinamo-nos e lançamos pedras.

Nem mesmo os religiosos, os espiritualistas, escapam do erro de julgar, inclusive, os membros de


suas próprias religiões, grupos ou comunidades. Até no recesso de nossos lares, no ambiente familiar,
cometemos erros. Portanto, soaria como hipocrisia afirmar que alguém se comporta melhor só por estar
próximo a religiosos e espiritualistas. Precisamos avaliar que tipo de religiosidade, de espiritualidade,
estamos praticando quando julgamos nossos semelhantes, nossos companheiros de crença, de
caminhada.

A Carta 82 de “Cartas dos Mestres de Sabedoria” nos diz:

...Você não tem direito algum a este título. É apenas um filo-teosofista, pois alguém que
tenha alcançado a plena compreensão do nome e da natureza de um teosofista não fará julgamento de
nenhum homem ou ação...

...Não sejam demasiado severos com alguém que busca admissão em suas fileiras, pois a
verdade a respeito do estado real do homem interno pode ser conhecida e tratada com justiça somente pelo
Karma...

Decerto, tal procedimento não é algo tão simples de ser levado à prática, não é algo que se possa
mudar do dia para a noite. Mas temos que nos esforçar. Muitas vezes cairemos, é certo. E cada queda
significará uma dor ainda maior. É preciso suplicar muito à Divindade que nos ajude nesta tarefa, pois sem
ela estaremos fadados ao fracasso.
Questionamentos

- Como olhar sem julgar? Como ser caridoso? Como colocar em prática o “ama ao próximo como a
ti mesmo”?

Simplesmente olhando, contemplando o seu próximo. Olhar nada tem a ver com julgar. O hábito de
julgar é apenas um condicionamento a ser vencido. São os medos, a insegurança, que nos levam a julgar.
É a necessidade de limitarmos as situações para podermos trabalhar melhor com elas. Não julgar, ser
caridoso, amar o próximo, são atitudes que requerem imparcialidade, impessoalidade, desidentificação.

- Não julgar é impossível. Melhor usar a regra de Jesus e ver os frutos para connhecer a árvore.
Sem julgar, não se pode avaliar. E interagir sem avaliar não é amar o próximo. Imagine os pais que tudo
permitem a seus filhos. Muitos deles costumam agir assim nos dias de hoje, e criam monstrinhos com um
“Id” gigantesco para o futuro. Doença à vista, pode apostar. Digo o contrário: é impossível amar o próximo
sem 'julgar'.

Não julgar é possível. Depende apenas da nossa real vontade de interromper em nós a
predisposição para julgar, de nossa real capacidade de neutralizar a mente. O ato de observar é muito
diferente do ato de analisar. Uma análise impessoal, uma análise desidentificada, não é um julgamento.

- Mais uma vez, surge a questão sobre se o julgamento é algo positivo ou patológico. Muitos
julgamentos são apenas formas paranóicas de projetarmos no outro o mal que não queremos ver dentro de
nós.

Julgamento é sempre uma projeção, um hábito nocivo. Positiva ou negativa pode ser a análise, não
o julgamento. O julgamento é sempre negativo.
Sobre o Medo e a Moralidade

Muitos estudiosos da psique humana acreditam que a vergonha, a culpa e o medo são
fundamentais para desenvolvimento da moralidade humana. Em verdade, se dependemos destes
sentimentos e sensações para não praticarmos determinados atos, é porque não temos consciência
alguma, estamos dormindo profundamente.

Há quem diga que o medo é um sentimento benéfico, porque ele impede que as pessoas façam
coisas erradas ou perigosas.

Não parece muito sensato afirmar que alguém deixe de matar uma pessoa em função do medo de ir
para a cadeia. Na realidade, parece absurdo. Matar é absurdo, é estúpido, é um ato da mais pura
selvageria. Se amamos a nossa vida assim como amamos a vida do próximo, não somos capazes de
matar. Não somos - ou não deveríamos ser - animais. Não mata aquele que respeita a vida. Não mata
aquele que tem consciência.

Não se aproximar do fogo por medo de se queimar também não parece ser uma atitude muito
normal, muito correta. Sabemos que o fogo queima, e aí estamos sendo prudentes e não medrosos.
Devemos estar conscientes, e isso muito diferente.

Ter cuidado é ter atenção, capricho, prudência, não significa ter medo. Mas a expressão “ter
cuidado” está normalmente associada à idéia de um alerta para que se tema algo. Prudência é a arte, a
sabedoria, de aproveitar as experiências para aprimorar cada coisa que fazemos.

Devemos fazer as coisas porque compreendemos o que fazemos, e não porque “tem que ser”, ou
porque um ou outro disse que é assim ou assado. O medo não pode servir como regulador moral, pois os
conceitos de certo e errado são por demais relativos, abstratos.

O medo, a culpa e a vergonha são sentimentos bastante limitados para servirem de base à
constituição da moralidade humana. A verdadeira moralidade nasce dentro de nós, nasce da consciência;
não é uma moralidade subjetiva, uma moralidade dependente de grupos, conceitos, valores, não é uma
moralidade do ego. A verdadeira ética e a verdadeira moral devem estar acima dos costumes de épocas e
lugares.

O medo não serve para regular a sociedade, o medo só serve para criar a falsidade, a hipocrisia e a
mentira.

A sociedade nos seduz com ilusões de sucesso, prazer, fama, riqueza. Depois somos manipulados
por essa mesma sociedade, com o medo de não conseguirmos conquistar tais ilusões.

O medo é uma aquisição cultural que nos foi imposta pela sociedade, devido à sua maldade,
ignorância, devido às suas aspirações egocêntricas. Fomos adestrados para sentirmos medo. Assim,
podem nos controlar e dominar mais facilmente. Fomos adestrados para sermos falsos e mentirosos, para
negarmos a nós mesmos.

Porém, ao reduzirmos a sensação de medo, culpa, ansiedade ou vergonha, devemos cuidar para
que não passemos a agir com descaso, desrespeito, indiferença, desprezo, desatenção, desdém, desleixo,
desmazelo, imprudência. A retidão é sempre o melhor caminho, mas não há como existir retidão se existe o
medo.

Acreditamos que devemos ser de uma certa maneira. E, se não o conseguimos, então fingimos,
tentamos nos submeter ao modelo do “tem que ser”, já que desta forma não sofreremos represálias. Somos
escravos dos conceitos, preconceitos, dos modelos, dos “tem que...”

Nos conceitos da sociedade, o falso, o fingido, o que cumpre os ditames do “tem que ser” para se
adequar ao modelo imposto é o sujeito educado, o sujeito legal. Aquele que é natural, verdadeiro e honesto
é o sujeito inconveniente. A verdade se tornou uma coisa horrorosa, tememos ouvir a verdade, tememos
dizer a verdade. A verdade, muitas vezes, ofende. Por conseguinte, a mentira torna-se um mal necessário
para as mentes medrosas. É uma defesa para não sofrer represálias.

São inúmeras as mensagens impressas em nossas mentes: “Não faça isso, senão vai apanhar!” ;
“Não faça aquilo, senão vai ficar de castigo!”; “Fique quieto, senão lhe mando para fora da sala!”; “Se eu
souber que lhe colocaram para fora da sala, vai apanhar!”; “Não faça isso porque é feio”; “Não faça isso,
senão vai ser demitido”; “Quando estiver empregado, mate-se de trabalhar e não reclame, porque arrumar
emprego está difícil. Bajule a todos para não ser despedido”; “Seja bonzinho e faça isso”; “Seja bonitinho e
faça aquilo”...

Essas mensagens nos são passadas carregadas de emoções, sentimentos, impressões. Ficamos
com elas e uma série de sensações a atormentar nossas mentes. Falam como se as coisas, as situações,
fossem ruins, como se nós fôssemos seres terríveis e obrigássemos os outros a praticar violência e
repressão contra nós. Uma situação a ser observada é que mesmo para as experiências que nunca
vivemos temos nossas impressões.

Pensamos: “Não vou fazer tal coisa, ou vou fazer uma outra, porque senão...” De tanto medo nos
introduzem, nós mesmos já nos cobramos. Sob o domínio do medo, nos travamos, tentamos nos controlar
para fazer coisas ou deixar de fazê-las. Escravizamo-nos. Tratamo-nos da mesma forma como fomos
tratados. Perdemos a naturalidade. Autocontrole não é compreensão, é violência contra nós mesmos.

Em verdade, o medo é fundamentalmente a preocupação com a maldade, com o preconceito, com


a violência, com a arrogância dos outros, que não passam de projeções de nossos próprios demônios.
Quando projetamos nossas idéias, por mais inconscientes que sejam, sentimos medo, pois estamos
expostos. Devemos compreender e enfrentar as situações e os nossos demônios. Assim, e só assim,
poderemos derrotar nossos medos. O medo é a proteção dos egos que não querem morrer.

Um sujeito natural e espontâneo costuma ser recriminado em nome da normalidade, da falsa


moralidade, da falsa ética, dos padrões definidos pela sociedade. Mas a negação da individualidade é uma
violência contra o próprio ser.

Normopata é aquele que tem a patologia da normalidade, por assim dizer, é exageradamente
normal. É aquele que procura seguir os modelos à risca, que quer incorporar em si o próprio modelo. Na
verdade, esse indivíduo é mais travado do que qualquer outro. Vive em estado de plena defesa, que é um
estado de medo e repressão.

O medo impera quando não nos aceitamos e queremos ser como os outros acreditam que se deve
ser. Não que os outros sejam aquilo que acreditam. Na realidade, fingem ser; querem parecer que estão de
acordo com os modelos; querem que todos vivam da mesma forma, parecendo ser o que não são.

Desta forma, não expomos sentimentos e pensamentos por medo do que os outros irão pensar, do
que os outros vão dizer.

Tudo aquilo que não reconhecemos como sendo nós mesmos nos amedronta.
Sobre o Medo

O medo pode ser descrito de muitas formas diferentes, pode ser referenciado por muitas palavras
diferentes, como por exemplo: alarme, acovardamento, angústia, ansiedade, apavoramento, apreensão,
assombro, aversão, covardia, desassossego, enlouquecimento, fobia, horror, inquietação, inquietude,
pânico, pavor, pusilanimidade, receio, repulsa, sobressalto, susto, temor, terror, tremor, etc.

Ele costuma se manifestar no corpo através de sensações como: dor de barriga (chegando a
disenteria), imobilização, travamento (perna, mente, garganta), tremedeira, calafrios, suor. Provoca
mudanças no metabolismo, que deveriam se manifestar inicialmente em situações de emergência, como um
estado de alerta para uma defesa.

O estado de alerta, que deveria ser uma reação natural fisiológica para situações de perigo, acaba
sendo utilizado para as oscilações da mente, para as ilusões. Passamos o tempo todo acionando os mais
diversos tipos de alerta: alerta demissão, alerta falha, alerta perfeição, alerta traição. O que acontece,
quando nos mantemos frequentemente nesse estado de alerta, é que acabamos por gerar uma tensão que,
com o tempo, se transforma em estresse.

O medo causa sentimentos de opressão, depressão, tristeza, infelicidade, embotamento, dor e


sofrimento. Esta dor é uma dor psicológica, trazida pelas sensações de perda, exposição, erro,
inferioridade, humilhação, vergonha.

Por medo, mentimos, fingimos, dissimulamos, falseamos, inventamos, criamos desculpas,


explicações, justificativas, não somos fortes, não temos a coragem e a ousadia de aceitarmos nossos erros,
nossos limites, nossas imperfeições. Estamos sempre atrás da aceitação dos outros.

Pode parecer um paradoxo, mas, quando estamos com medo de alguém, provavelmente este
alguém também está com medo de nós. Na verdade, somos todos iguais, temos, em maior ou menor
intensidade, os mesmos problemas.

Como antídotos para neutralizar o medo, temos: a coragem, a ousadia, a força, a verdade, a
simplicidade, a sinceridade, a humildade, mas, acima de tudo, a consciência e o amor.

Todo desejo trás consigo um medo. Quando desejamos um emprego, uma promoção, surge, com
este desejo, o medo de não conseguirmos realizá-lo. A mente começa a criar situações mirabolantes, um
turbilhão de idéias se apodera de nós. O desejo de se possuir alguma coisa traz consigo o medo de não
conseguir possuí-la, traz consigo a repulsa pelo oposto, que é o desejo de que o oposto não aconteça. A
repulsa esconde uma série de medos.

Medo é o movimento fantasioso que a mente faz, na tentativa de repelir, de impedir que um
acontecimento indesejável do passado ocorra novamente no futuro. Esta repulsão acaba por reforçar a
lembrança da dor. É o apego à dor, apego à idéia da dor, da punição, da vergonha, da humilhação. Tal
repulsão é o desejo, a expectativa, a ansiedade, de que estas coisas não se repitam. Tal repulsão é o
desespero para evitar que venhamos a sentir dor, que venhamos a sofrer. É o apego ao pior, ao ruim.

O medo nasce da comparação entre nossas ações e nossos conceitos, padrões e valores, ou das
comparações que fazemos entre nós e as outras pessoas, o que, na realidade, também acaba por se
remeter a nossos padrões, conceitos, valores, aos nossos julgamentos.

O medo nasce da competição por prazer, status, poder, aceitação, sucesso, fama, riqueza.
Queremos ser sempre melhores que os outros, estar acima dos outros, ter mais do que os outros. Como
conseqüência, o medo se desencadeia: medo de termos menos do os outros, de ser menos do os outros.

O medo nos leva a fazer sempre as mesmas coisas, as coisas que já conhecemos, pois o que é
conhecido é seguro. Assim, criamos rotinas, hábitos, crenças, dogmas. Mas, depois de algum tempo,
somos tomados pelo tédio. Por estarmos bloqueados pelo medo, por estarmos cegos, não nos abrimos ao
presente, ao desconhecido, ao verdadeiramente novo. Tudo o que é novo, inexplorado, gera medo.

O medo embota a mente. Impede-nos de agirmos de forma correta, de forma reta, impede-nos de
pensarmos com clareza e retidão, impede-nos de falarmos diretamente, e nos leva à mentira e à falsidade.
Com medo não podemos ser retos.
Um Mestre escreveu em seu diário:

O medo faz a mente fenecer, distorce os pensamentos, leva a todo o tipo de teoria de extraordinária
sagacidade e sutileza, a superstições absurdas, a dogmas e crenças.

O medo se intensifica conforme o tamanho e a quantidade de situações de sofrimento vivenciadas.


Por isso, conforme a idade avança, vamos ficando cada vez mais defensivos. A mente vai ficando mais
carregada de mecanismos de reação e de defesa, e por conseguinte, mais embotada.

Mas, talvez, esse medo do novo, do desconhecido, não passe da falta de fé. A impossibilidade de
se controlar uma situação gera medo. Quando acreditamos que controlamos as coisas, que dominamos os
fatos, temos uma confortável sensação de segurança. Mas não podemos controlar algo que não
conhecemos e, por esta razão, somos tomados pela sensação de medo, de impotência. Esta necessidade
de controlar as coisas também está associada à auto-importância, ao medo da exposição, à insegurança,
ao receio de que nossas máscara caiam.

Talvez o medo do novo, do desconhecido, não exista. Talvez o que exista seja apenas o apego às
coisas conhecidas e o receio de perdê-las, pois o que é conhecido, por mais sofrimento que traga, nos
parece seguro.

Dizemos que queremos mudar, que queremos parar de sofrer, que queremos ser felizes. Mas não
permitimos mudanças, tememos mudanças, resistimos a mudanças, externas e internas. Essas resistências
são um reflexo de nossos temores internos para lidar com as mudanças. Podemos medir nosso medo pelo
grau de nossas resistências.

O medo cria barreiras, muros de proteção, pois cremos que existem ameaças das quais temos que
nos proteger, que nos defender. Obviamente, essas barreiras são criadas para proteger nosso ego, nossa
auto-imagem, nosso orgulho. Mas o medo não está ali zelando por nós, está nos travando. É o grande
responsável por todos os nossos preconceitos e superstições. O medo traz o desejo de segurança, e o
desejo de segurança traz o seu oposto, a insegurança.

Diz Samael Aun Weor em “A Revolução da Dialética”:

O medo faz surgir na mente o desejo de segurança. O desejo de segurança escraviza a vontade
convertendo-a numa prisioneira de auto-barreiras definitivas; dentro delas escondem-se todas as misérias
humanas.

O medo produz todo tipo de complexo de inferioridade. O medo à morte faz com que os homens se
armem e se assassinem uns aos outros. O homem que carrega um revólver no cinto é um covarde, um
medroso. O homem valente não carrega armas porque não teme a ninguém.

O medo da vida, o medo da morte, o medo da fome, o medo da miséria, o medo do frio e da nudez,
etc., geram todo tipo de complexos de inferioridade. O medo conduz os homens a violência, ao ódio, à
exploração, etc.

Diz H. P. Blavatsky em “A Voz do Silêncio”:

O medo, ó discípulo, mata a vontade e demora a ação.

Precisamos perceber o medo atuando em nós neste momento, agora. O medo vivenciado ontem ou
o medo que será vivenciado amanhã são medos vazios, provêm da mente, são memórias, expectativas,
condicionamentos. É importante perceber todos os medos que atuam dentro de nós agora. Eles não são
fruto de situações isoladas e se processam dentro nós agora. E é neste momento único que podemos
observar, perceber, compreender o medo.

Temos medo de tudo e de todos, temos medo o tempo todo, somos profundamente inseguros.
Podemos até ter conhecimento de certos medos, mas nem sempre temos consciência deles. Não temos
consciência de que temos medo, e muito menos consciência dos medos que temos. Vivemos achando que
os medos que moram dentro de nós são apenas os grandes medos. Mas existem os pequenos medos, que
são muitos e geram, de forma sutil, condicionamentos, ansiedade, preocupação, desconfiança,
insegurança, tensão. Enquanto estamos preocupados com os grandes medos, esquecemo-nos dos medos
menores, aqueles que realmente geram problemas no nosso dia-a-dia, e dos quais, muitas vezes, não
temos consciência. Os grandes medos são como uma cortina de fumaça para os pequenos medos.
Temos medo da zombaria, da ridicularização, da exposição, da humilhação, da desonra, do
embaraço, da retaliação moral ou material, do castigo, da punição, da rejeição. Temos medo do que os
outros vão achar, do que os outros vão dizer, do que os outros vão pensar, do que os outros vão fazer.
Vivemos em um permanente e desconfortável estado de alerta, não há repouso interno.

O medo está sempre realcionado a alguma coisa. Temos medo de não ser aceito, de ser rejeitado,
de ser magoado ou magoar o outro, da crítica, das reclamações, da nossa família, da opinião pública, de
perder o emprego. Temos medo de não obter o que desejamos ou de perder o que possuímos, da solidão,
do escuro, de perder o que nos dá prazer, de perder nossas companhias, de ficar sem a segurança e a
satisfação proporcionadas pela posse, de não ser ninguém, de perder o emprego, de não ter comida ou
dinheiro suficientes. Temos medo do que os outros pensam de nós, de não ser um "sucesso", de perder o
status social, de ser desprezado ou ridicularizado, da dor e da doença, de ser dominado por outrem. Temos
medo de não chegar a conhecer o amor ou de não ser amado, de perder esposa ou filhos, da morte. Temos
medo de perder a fé, de nos sentir vazios. Temos medo de viver.

O medo pode variar em forma e intensidade, assim como podem variar também os objetos do medo
e os agentes do medo. Mas ele é sempre o mesmo, é sempre o medo. Sua estrutura, seu mecanismo, suas
raízes, são sempre as mesmas. Preocupar-se com os objetos, os agentes, a forma, a intensidade e os
detalhes do medo é fuga.

Precisamos analisar nossos medos, precisamos parar de fugir, de repudiar. Precisamos parar de
atribuir nossos medos a outras coisas, só porque não suportamos ver ou ouvir alguma verdade, realidade.
Acreditamos que temos medo do chefe, quando, na realidade, temos medo é de perder o emprego, da
humilhação, da repressão, da reclamação, do constrangimento, da retaliação, do castigo, da punição, da
perda do status, de cair no conceito alheio. Temos medo de receber rótulos que julgamos negativos, de
ouvir que não somos competentes, comprometidos, sérios, responsáveis. Acreditamos que temos medo da
mulher, quando, na realidade, temos medo do abandono, da solidão, de ser acusado de egoísta, maldoso,
estúpido, mal agradecido. Temos medo de ouvir reclamações, temos verdadeira repulsa a reclamações.
Estes episódios funcionam como agentes do medo, uma vez que são capazes de criar situações onde o
medo pode estar presente. Só esta possibilidade já nos dá medo.

Precisamos olhar para os nossos medos sem idéias, conceitos, preconceitos, dogmas. Se
acreditamos que não temos capacidade de nos livrar do medo, então já não há mais nada a ser feito. Se
acreditamos que o homem é como é, que o medo faz mesmo parte de nós, então já não há mais nada a ser
feito. Se acreditamos que o motivo que gera o nosso medo é um motivo justo, e que neste ou naquele caso
tínhamos mesmo que sentir medo, então já não há mais nada a ser feito. Se a essência do homem é boa ou
má, não importa agora. Neste momento, precisamos apenas voltar a atenção para o medo. Alimentar essas
idéias só irá contribuir para o nosso travamento. São idéias que estão servindo de muleta para nada
fazermos, para nos justificarmos.

Precisamos conhecer o medo, sua estrutura, seu mecanismo, suas raízes. Precisamos
compreender tudo isso, não podemos apenas tentar inverter ou compensar. Precisamos conhecer o medo,
sem alegar que seria necessário ter mais coragem, ousadia, força. Isto é apenas mais uma rota de fuga.

A palavra medo, a idéia do medo, o símbolo do medo, trazem sensações, conjuntos de valores,
experiências, pesos. Precisamos conhecer e compreender tudo isso. E não de forma superficial, mas com
profundidade.

Eventualmente, podemos superar tranquilamente uma situação onde, a princípio, sentiríamos


medo. Então nos sentimos bem, nos sentimos fortes, livres. Porém, pouco depois, a imaginação dispara e a
mente fica na expectativa do que vai acontecer na próxima vez em que nos depararmos com a mesma
situação. Ficamos a imaginar, a questionar, se realmente vencemos o medo, se o derrotamos para sempre.
E, de repente, lá está o medo instaurado novamente.

Criamos no imaginário situações padronizadas que trazem a sensação de segurança, de


tranqüilidade, de conforto, de prazer. Sentimos medo até de perder estas condições imaginárias, sentimos
medo de sair desta situação, sentimos medo que algo ou alguém venha nos privar desta aconchegante
situação.

Vivemos com os nossos medos ao longo do tempo. Com nossos pais, avós, bisavós e todos os
nossos antepassados não foi diferente, eles sempre conviveram com isso. Nenhum de nós nunca parou
para olhar o medo, nenhum de nós nunca parou para olhar dentro de si mesmo, dos nossos sofrimentos,
nossas misérias. Encontramos tempo para trabalhar, para trabalhar mais, para nos divertir, para os
prazeres, mas não encontramos tempo para os fantasmas que sempre estiveram conosco, causando
sofrimento e dor. E, se nada fizermos, eles sempre estarão.

Podemos dizer que o medo é isso, que medo é aquilo, mas precisamos estar abertos para novas
descobertas, para conhecer, cada vez mais e melhor, o medo que nos habita. Precisamos perceber que,
apesar de muito discutirmos e analisarmos o medo, não passamos de meros ignorantes quanto à sua
verdadeira essência. Um fato é certo: o medo virá e não saberemos como ou de onde. Portanto, precisamos
estar abertos para a sua chegada, sem resistência mas com enfrentamento.

A questão que se interpõe não é a de compreender o medo e livrar-se dele para sempre. A questão
vai mais além: é ir conhecendo, aceitando e enfrentando o medo pela vida afora.
Sobre o Nosso Lado Sombra

Como diz Jung, tudo o que vamos rejeitando em nós vai criando ou aumentando o lado sombra,
que é a soma de tudo que não conhecemos ou não entendemos em nós, de tudo que negamos, omitimos
ou deturpamos – tendências, desejos, memórias, experiências. Esse acúmulo de negações vai sendo
projetado durante a nossa vida sob a forma de sonho ou por outros mecanismos. Vivemos num compasso
seqüencial de impressão, negação, projeção. Para Jung, a sombra é o centro do inconsciente, o núcleo de
tudo o que foi reprimido, rejeitado.

Em “A Estrutura da Psique”, Jung diz:

O inconsciente não é simplesmente o desconhecido, ou o depósito de pensamentos e emoções


conscientes que foram reprimidas, mas inclui os conteúdos que podem ou irão tornar-se conscientes.

Em “A Natureza da Psique”, Jung diz:

O inconsciente descreve um estado de coisas extremamente fluido; tudo o que eu sei, mas que no
momento não estou pensando, tudo aquilo que antes eu tinha consciência, mas de que agora me esqueci,
tudo o que é percebido pelos meus sentidos, mas que não foi notado pela minha mente consciente, tudo
aquilo que involuntariamente e sem prestar atenção, sinto, penso, recordo, quero e faço; todas as coisas
futuras que estão tomando forma em mim, e que em algum momento chegarão à consciência; tudo isso é o
conteúdo do inconsciente.

A personalidade é a máscara que utilizamos para nos relacionar. É uma série de padrões,
conceitos, preconceitos, idéias. A sombra inclui o que rejeitamos por ser incompatível com a personalidade,
por ser contrária aos padrões e aos ideais. Quanto mais forte nossa personalidade e quanto mais nos
identificamos com ela, mais repudiamos certas partes de nós mesmos.

A sombra representa, ainda, aquilo que consideramos inferior em nossa personalidade e também
aquilo que negligenciamos e nunca desenvolvemos. Cada porção reprimida da sombra representa uma
parte de nosso ser. Fica claro, então, que nos limitamos na mesma medida em que mantemos este material
inconsciente.

Somente com o Sol a pino podemos ficar sobre a nossa sombra.


Sobre o Perdão

Perdoar não é difícil. Mas, embotados que estamos, temos problemas em vencer as barreiras do
Eu, do ego. Apegamo-nos à dor e ao sofrimento, e este apego inviabiliza o perdão.

Enquanto acharmos que existe algo ou alguém a ser perdoado, não perdoaremos nada nem
ninguém, nem total nem parcialmente. O perdão parcial não existe, é só mais uma cômoda invenção.

Sem que exista uma mudança radical do ponto de vista da história, o perdão não é possível.

Enquanto não nos desprendermos de idéias e frases padronizadas – "Ele me fez isso!", "Ela me fez
aquilo!", "Ah, se fosse comigo!", “Ele me fez isso, mas eu perdoei!”, "Ele lhe fez tudo isso e você não fez
nada?" –, não estaremos habilitados a perdoar. Estaremos ainda muito presos ao Eu, estaremos reféns das
idéias, das histórias.

A questão fundamental é que, quando perdoamos alguém, percebemos, no final, que não havia
nada a ser perdoado.

Conflitos e mágoas acontecem porque fantasiamos, exageramos, criamos ilusões, expectativas,


sobre situações que nos acontecem ou sobre o futuro, porque culpamos os outros por não terem realizado
nossos desejos, nossas fantasias, por não terem correspondido às nossas expectativas. Mas, quando
conseguimos enxergar o quadro sob um outro ponto de vista, percebemos que nada havia a ser perdoado,
nós é que estávamos delirando, sonhando, fantasiando, distorcendo as coisas.

Enquanto adotarmos a postura de alardearmos nosso perdão às pessoas, a despeito de elas nos
terem feito isso ou aquilo, não estamos perdoando de fato. Estamos, sim, nos enganando, fechando as
portas para um perdão real, carregando mágoas, raivas e ressentimentos, que se estenderão por muito
tempo. No fundo, o próprio enunciado de nossos dizeres, revela que não perdoamos.

Enquanto não aceitarmos as coisas, as pessoas, as situações como realmente são, a vida tal qual
se apresenta, não será possível perdão algum. Precisamos entender que tudo é como deveria ser. Nós é
que, com nosso orgulho, achamos que tudo deveria ser diferente, que tudo deveria ser do jeito que
idealizamos.

Não perdoamos porque somos impacientes, intolerantes; porque nos colocamos como vítimas das
situações; porque não aceitamos os outros ou as situações. Não aceitamos pessoas e fatos e queremos ser
aceitos. Não perdoamos e queremos ser perdoados. Não respeitamos e queremos ser respeitados. Somos
incapazes de parar para perceber que tudo isso é conseqüência direta do fato de não nos aceitarmos, de
não nos respeitarmos, de não nos perdoarmos, de vivermos nos culpando, nos cobrando.

Aquele que diz perdoar o seu próximo está cheio de soberba, de arrogância. Sob um certo ponto de
vista, não nos cabe perdoar ninguém. Podemos apenas compreender outro ponto de vista e perdoar,
segundo a percepção que tínhamos da situação, segundo o que vimos ou achamos ter visto, segundo o que
sentimos, segundo a nossa experiência particular, interna, e esta só vale para nós mesmos. Precisamos
perdoar com o nosso coração, não com palavras.

Porém, é evidente que devemos nos conciliar com nossos semelhantes, não podemos confundir as
situações.

Quem acredita ou percebe que fez algo errado deve procurar o perdão de seu Pai Interno, de sua
Mãe Divina. Somente Deus pode nos perdoar. Obviamente, para que o perdão seja possível, deve haver
um arrependimento sincero e verdadeiro.

O perdão é bom para quem o sente, ou seja, para quem o concede. Porque quem perdoa fica com o
coração mais leve, deixa de carregar ressentimentos, mágoas, tristezas, raiva. Quem busca o perdão dos
outros está apenas mendigando aceitação, exalta os padrões do mundo, dos homens, e sofre, pois se
esquece de Deus.

Egoístas que somos, acreditamos que precisamos perdoar o próximo e esquecemos que também
precisamos de seu perdão. Talvez, saindo um pouco de dentro de nós mesmos e sendo um pouco menos
egoístas, possamos alcançar a percepção de que também precisamos ser perdoados. Certamente, já
erramos muito e continuamos a errar, a magoar pessoas próximas sem perceber, a agir mal, a irritar os
outros. Certamente, por muitas vezes, também já causamos sofrimento a terceiros. Não somos tão santos
quanto acreditamos ser. Esta nova percepção, uma vez atingida, nos levará a relaxar. E, assim, poderemos
ampliar significativamente nossa capacidade de perdão, pois teremos compreendido que os outros também
precisam nos perdoar, e muito.

A esse respeito, reflitamos sobre as sábias palavras do Cristo, em Mateus 18:

21 – Então, Pedro, chegando–se a ele, disse: Senhor, até quantas vezes pecará meu irmão contra
mim, e eu lhe perdoarei? Até sete?

22 – Jesus lhe disse: Não te digo que até sete, mas até setenta vezes sete.

23 – Por isso, o Reino dos céus pode comparar–se a um certo rei que quis fazer contas com os
seus servos;

24 – e, começando a fazer contas, foi–lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos.

25 – E, não tendo ele com que pagar, o seu senhor mandou que ele, e sua mulher, e seus filhos
fossem vendidos, com tudo quanto tinha, para que a [dívida] se lhe pagasse.

26 – Então, aquele servo, prostrando–se, o reverenciava, dizendo: Senhor, sê generoso para


comigo, e tudo te pagarei.

27 – Então, o senhor daquele servo, movido de íntima compaixão, soltou–o e perdoou–lhe a dívida.

28 – Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos que lhe devia cem dinheiros
e, lançando mão dele, sufocava–o, dizendo: Paga–me o que me deves.

29 – Então, o seu companheiro, prostrando–se a seus pés, rogava–lhe, dizendo: Sê generoso para
comigo, e tudo te pagarei.

30 – Ele, porém, não quis; antes, foi encerrá–lo na prisão, até que pagasse a dívida.

31 – Vendo, pois, os seus conservos o que acontecia, contristaram–se muito e foram declarar ao
seu senhor tudo o que se passara.

32 – Então, o seu senhor, chamando–o à sua presença, disse–lhe: Servo malvado, perdoei–te toda
aquela dívida, porque me suplicaste.

33 – Não devias tu, igualmente, ter compaixão do teu companheiro, como eu também tive
misericórdia de ti?

34 – E, indignado, o seu senhor o entregou aos atormentadores, até que pagasse tudo o que devia.

35 – Assim vos fará também meu pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu
irmão, as suas ofensas.

Para sabermos quantas vezes, pelo quê e quando devemos perdoar alguém, basta perguntarmo-
nos quantas vezes, pelo quê e quando gostaríamos de ser perdoados.

Buscar o perdão, buscar perdoar, é buscar compreender o outro, ou despertar empatias, é buscar
compreender as situações; é buscar um novo ponto de vista, um ponto de vista mais altruísta; é renunciar
aos nossos próprios sofrimentos, praticar a tolerância, a paciência, a compaixão, a sensibilidade. Todas
esses atos, por si, já são atos de perdão.
Sobre o Servir

“Quem não vive para servir não serve para viver”, afirma o dito popular. Refletindo mais
profundamente sobre esta máxima, verificamos que, na realidade somos hábeis para ser servidos, mas
temos grande dificuldade em servir.

Como disse o Cristo Jesus: ... se alguém quer ser grande entre vós, seja vosso servo; e se alguém
quer ser o primeiro entre vós, seja vosso escravo. (João 13, 1-17)

Servir é ser humilde, generoso, nobre de espírito e simples, de modo prático, objetivo e desprovido
de qualquer interesse. Servir é algo bem diferente de, por exemplo, bajular alguém com vistas a ganhar
gorjetas, fidelizar clientes, obter vantagens e benefícios.

Há quem saiba servir com alegria, gratidão, contentamento. Mas, também, há aqueles que, ao
contrário, servem por obrigação, culpa, medo, conveniência, o que, na realidade, não significa servir.

Servir é o real e mais importante objetivo das religiões, é a verdadeira função das igrejas, templos,
mosteiros, espaços religiosos em geral. No entanto, muitos indivíduos, inclusive nestes ambientes, acabam
atribuindo mais importância às formas de se obter dinheiro, fama, status, poder, ou até mesmo evolução
espiritual.

É preciso perceber que uma coisa é viver para a espiritualidade, e outra, muito diferente, é viver da
espiritualidade. Objetivos equivocados levam a resultados equivocados. Um caminho errado não levará
nunca ao lugar certo.

Um iluminado, um santo, um mestre, não precisaria necessariamente viver em templos ou


mosteiros, não precisaria estar vinculado a um determinado espaço ou transmitir ensinamentos. Quando ele
escolhe viver assim, é porque escolheu servir, sacrificar-se pela humanidade.

Servir é o objetivo da vida. Não é tornar os outros objetos de desejos particulares, não é se entregar
aos prazeres da vida.

Mas, se o próximo é usado apenas como um objeto para atrair dinheiro, fama ou reconhecimento, é
porque não há espaço para o servir na vida de quem age assim. Na verdade, quando isto ocorre, não existe
nem mesmo educação ou respeito.

Se no trabalho o interesse é apenas ganhar dinheiro, certamente existe algo errado, pois qualquer
remuneração deve ser vista como um resultado do servir.

Enquanto as pessoas são úteis aos nossos propósitos, enquanto nos trazem benefícios e nos são
convenientes, ou enquanto existe a expectativa de extrairmos delas algum benefício, sempre as
atenderemos bem e com todo o respeito, sempre estaremos dispostos a servi-las. Mas, por outro lado, se,
pelas aparências, não vemos expectativas no sentido de obtermos algum tipo de vantagem por parte de
alguém, sequer nos esforçamos para tentar agradá-lo. Pelo contrário, o mais comum é que passemos a
desdenhar, menosprezar e maltratar essas pessoas.

Quando a obtenção de poderes, dons ou benefícios passa a ser mais importante do que a vontade
de servir é porque o ponto de vista tornou-se equivocado, o ego passou a ser mais importante do que a
causa, a auto-importância dominou a questão. Mas, quando a vontade de servir é o mais importante, é o
objetivo principal, quando a causa é o que verdadeiramente importa, aí já não há mais lugar para ofensas,
prejuízos, humilhação, há apenas o servir. No entanto, se nos sentimos prejudicados, humilhados,
rejeitados, se maldizemos alguém ou alguma situação, é porque algo passou a ser mais importante do que
o servir. O sujeito bem tratado, elogiado, reconhecido, aceito, adorado, passou a ser mais importante do
que o servir. E, mais uma vez, a auto-importância dominou a questão.

Se a ganância se sobrepõe ao ato de servir é porque a expressão do desejo, do egoísmo, tornou-se


mais importante do que a expressão da virtude. E é muito conhecido o nome dado àqueles que preferem a
prática do egoísmo à prática do altruísmo. Precisamos observar minuciosamente as sutilezas que permeiam
cada situação da vida.

Se o trabalho não é visto como uma forma de servir, então existe algo em nosso interior a eclipsar-
nos a visão. Assim, por mais sutil que tudo seja, a espiritualidade e os relacionamentos decorrentes serão
vistos da mesma forma, resumindo-se apenas a um mero negócio, um mero jogo de interesses. Se o
objetivo, no ambiente de trabalho, é apenas obter lucros, benefícios próprios, prosperar financeiramente, a
questão da espiritualidade será vista da mesma forma, ou seja, apenas como uma forma de se buscar
vantagens, fama, status, poder, conhecimento, influência.

Todos nós vivemos na busca de “algo mais”, algo que venha a nos preencher. Sempre achamos
que falta mais alguma coisa, algo a ser perseguido e adquirido. Então seguimos nossas vidas correndo
atrás de casas, carros, títulos, salários, divertimentos, conhecimento. Em algum momento deste percurso,
provavelmente, iniciamos uma busca religiosa, mas esta busca é baseada na mesma mentalidade, ou seja,
na crença de que, ao somarmos uma religião às nossas vidas, iremos alcançar aquilo que está faltando.

Assim, muitos dos que somam uma religião às suas vidas acabam por criar também a fantasia de
que está tudo resolvido, acreditam que serão felizes, plenos.

Há também aqueles que substituem seus conceitos materialistas por conceitos religiosos, mas que,
no final, continuam a viver da mesma forma, ou seja, mascarando a realidade. Assim, passam a orar por
empregos, cargos, casas, carros, alegando que Deus também enviou essas coisas. Não que isso seja
inexeqüível ou condenável, não é esta a questão. O que cabe destacar é que acontece em todas as
religiões.

Só que, na vida verdadeiramente religiosa, não existe nada de material a ser obtido. Ao contrário,
neste caso, tudo o que for relacionado à matéria deve ser abandonado, renunciado.

O que precisamos perceber é que: ou vivenciamos a espiritualidade ao longo de toda a nossa vida,
em permanente transformação, ou a vivenciamos apenas nos templos, nas igrejas, na convivência com os
membros dessas comunidades. Neste último caso, é visível que estamos vivendo uma farsa, que estamos
sendo hipócritas, e que a transformação não aconteceu, que a religião de nada adiantou, uma vez que
qualquer religião sem transformação perde seu sentido.

Mesmo que não alcancemos esta percepção da vida, mesmo que olhemos para ela com má
vontade, ou que achemos que estamos levando vantagem, que somos maiores, melhores, superiores, uma
realidade inquestionável se apresenta: dependemos uns dos outros, servimos uns aos outros.

Diante disto, temos mais um bom motivo para não maltratar, desrespeitar, desprezar ou
menosprezar aqueles que nos servem. Aqueles que nos servem não são nossos escravos, não estão
apenas a serviço dos nossos caprichos.

Os seres generosos e altruístas, que mantêm seu coração aberto, compassivo, sempre se alegram
em poder servir. Seu real desejo é ver a felicidade do próximo, servem pela alegria de servir, pelo amor ao
servir, pela sincera vontade de ser útil.

Já os egoístas, os invejosos, têm o coração endurecido por uma visão distorcida da realidade, onde
estão presentes a competição, a maldade, a raiva, a tristeza, a frustração. Não sabem servir e acreditam
que todos estão sempre a se aproveitar deles. Esta postura diante da vida os leva a realizar suas tarefas de
má vontade, com descuido, sem capricho. Mas quem não consegue servir, realizar tarefas para os outros
de boa vontade, com cuidado, com capricho, também não consegue fazer o mesmo para si próprio. A raiva
que sentem dos outros é, no fundo, a raiva que têm de si mesmos. Essas pessoas desconhecem o que é
gratidão, satisfação, contentamento. E, por conseguinte, desconhecem o que é paz, o que é felicidade.
Vivem atormentadas por seus próprios demônios.

A idéia de que os outros estão a se aproveitar, a abusar de nós, não passa pela mente dos
altruístas, dos generosos, daqueles que têm um coração compassivo. Esse tipo de pensamento existe
apenas no coração e na mente dos maldosos. Nada disso está nos outros, é apenas mais uma projeção,
mais um auto-engano, mais um aspecto da auto-adoração, da auto-importância. A teoria da conspiração
está na mente dos conspiradores, a maldade está na mente dos maldosos e a bondade no coração dos
bondosos. É muito importante que não nos identifiquemos com os maus pensamentos.

O altruísta faz o que aparentemente não precisava fazer, e o faz bem feito porque faz com amor,
carinho, capricho, devoção, alegria. O egoísta, o invejoso, não está disposto a fazer nem aquilo que
realmente precisa fazer, e, quando o faz, faz mal feito, porque não há carinho nem capricho em suas ações,
porque reclama de tudo o que faz, sentindo-se obrigado.
Até os gentios amavam e serviam a seus amigos; e um dos principais ensinamentos do Cristo era:
amar os nossos inimigos. Assim, o grande desafio é a fraternidade universal, o amor pelo amor. É ser gentil
com todos, servir a todos, respeitar a todos, ter boa vontade para com todos.

Muitas pessoas se auto-enganam quando dizem que não têm inimigos. Pobres iludidos. Dentro do
presente contexto, podem ser considerados inimigos todos aqueles com os quais concorremos; todos os
colegas de trabalho, familiares ou pessoas de nossa convivência que nos irritam ou com os quais nos
irritamos, seja através de brincadeiras, provocações, cobranças, disputas, divergências de opiniões, falta de
empatia ou de afinidade.

Precisamos aprender a amar nossos inimigos. Evidentemente, este amor só poderá se fazer
expressar por meio de respeito, paciência, tolerância, colaboração, gentileza, compreensão, aceitação; por
meio do servir.

É preciso aprender a servir desinteressadamente, tal qual as mães que servem incondicionalmente
a seus filhos. Elas continuam a servi-los mesmo depois da ingratidão, da desobediência e das grosserias.
As mães colocam seus filhos sempre em primeiro lugar, servem-nos primeiro para só depois se servirem.
Este é o caminho, renunciar a si mesmo em favor do próximo.

Aquele que não sabe servir reclama até se precisar carregar uma folha. Resmunga, maldiz o que
faz, acha difícil, complicado, e logo se torna exausto. A simples e leve folha se transforma no mais pesado
dos fardos.

Ao contrário, aquele que aprende a servir é capaz de carregar uma árvore sorrindo, sem se sentir
cansado, pois alegra-se em poder servir.

Quando o objetivo é servir sem esperar por reconhecimento, aplausos, elogios, tudo é paz, alegria,
tranqüilidade, contentamento, satisfação, pois não há competição, nem a preocupação com o que os outros
vão fazer, pensar ou dizer. Por mais simples que seja um trabalho, o que importa é servir e direcionar todos
os esforços a Deus, ao Pai.

Quando servimos desinteressadamente, não existe a preocupação com o fato de mandar ou ser
mandado, existe apenas a vontade e o ato de servir.

É preciso servir, servir por amor ao Pai, que está em segredo. É preciso suplicar à Divindade para
que Ela, em sua grande misericórdia e bondade, nos mostre a luz e nos ensine a servir. De início, talvez
não seja uma tarefa fácil, principalmente para quem não está acostumado. Por esta razão, precisamos
suplicar por força e humildade, para cumprimos cada vez melhor a missão de servir.
Sobre as Raízes do Sofrimento

Sofremos por ignorância, eis uma verdade.

Para iniciarmos esta reflexão, recorremos às Quatro Nobres Verdades, pedra funtamental do
budismo. A primeira das Quatro Nobres Verdades, segundo os textos canônicos do budismo, é a Verdade
do Sofrimento, seguida pela Verdade da Causa do Sofrimento, a segunda, pela Verdade da Extinção do
Sofrimento, a terceira, e pela Verdade do Caminho de Óctuplo, quarta e última, que representa o caminho
para a extinção do sofrimento.

O sofrimento é uma realidade da humanidade, conforme assinala a Primeira Nobre Verdade, mas,
por outro lado, é também uma realidade que pode ser eliminada, como anuncia a Quarta Nobre Verdade.

A Primeira Nobre Verdade indica que o sofrimento é uma verdade. Em outras palavras, isto significa
que somente assumindo o sofrimento, tomando consciência dele, somente afirmando o sofrimento é que
podemos nos livrar dele.

A Segunda Nobre Verdade, a Verdade da Causa do Sofrimento, considera o apego como causa do
sofrimento. Três tipos de apego são apontados neste caso: apegos sensuais, ou dos cinco desejos, que
representam os desejos relacionados aos objetos dos cinco sentidos, também chamados de ‘apegos
mundanos’. Seria interessante dirigirmos nosso foco inicial para este tópico, de modo a melhor refletirmos
sobre o apego às sensações. O apego à existência refere-se a uma existência superior, nos níveis
celestiais, de renascimento nesses estados. Mas, ainda assim, revela um aspecto egoísta. O apego à não-
existência é o desejo do nada como condição de paz interior, também considerado egoísta.

Os ensinamentos budistas nos dizem, ainda, que a vida é feita de bons e maus momentos, e que
não devemos ficar eufóricos com os bons e nem entrar em depressão com os maus. Dizem, ainda, que tudo
passa, tanto os bons quanto os maus momentos. Portanto, de nada adianta sofrer. Basta cultivar a
paciência, o contentamento, e agir com sabedoria diante das situações que se apresentarem.

Os desejos são da mente. Todo o problema reside na mente, apenas na mente. As dores
psicológicas, os sofrimentos, são nutridos por nós.

Situações ocorridas no presente podem evocar memórias remotas de dor. Mas somos nós que
permitimos que elas permaneçam em nossa mente e as fortalecemos. Na verdade, não é necessário fazer
nada para que a paz aconteça, ela existe por si só. O que devemos fazer é parar de produzir sofrimento, já
que eles são da mente.

Os mecanismos da mente, quando atuam no sentido de evitar que se repitam as sensações ruins
ligadas a algo que nos aconteceu no passado, acabam por gerar sofrimento, preocupação, ansiedade. Da
mesma forma, esses mesmos mecanismos, quando fantasiam um futuro baseado em idéias erradas, criam
situações que não existem, não existiram e possivelmente nunca vão a existir, gerando assim um
sofrimento desnecessário. Ainda que os motivos sejam ilusórios, o sofrimento é real. O fato é que, com isso,
não nos situamos no presente, ou seja, não estamos conscientes.

Disse o sábio filósofo:

Tanto passado quanto futuro são frutos da imaginação. Somente o presente é consciência, é real, é
eterno. Ele é.

Uma outra característica da mente que gera sofrimento é a tendência que nela surge para
querermos finalizar as situações. Discussões, tarefas sem solução, circunstâncias em que nos
arrependemos de termos agido desta ou daquela forma, geram pensamentos confusos que ficam a
borbulhar na mente. Ficamos remoendo e remoendo essas idéias, esses pensamentos, e, mesmo quando
tentamos nos livrar deles, eles voltam de uma forma ou de outra.

Não ter dinheiro ou estar endividado, por exemplo, pode ser um fato inquestionável na vida de um
indivíduo, mas é a mente que transforma este fato em problema. Na realidade os problemas, os
sofrimentos, não existem. Fatos são apenas fatos. A realidade é apenas a realidade. Dentro dela, existem
bons e maus momentos, e os problemas, os sofrimentos, pertencem ao âmbito da mente.
Toda frustração, decepção, nasce de uma ilusão. E toda ilusão é da mente. São desejos muitas
vezes utópicos. Então, por que continuar a sonhar, a fantasiar? Por que deixar a mente vagar por um futuro
que possivelmente nunca existirá? Por que não nos situamos no presente, não vivemos a realidade?

O sábio filósofo disse também:

Se você tiver consciência do momento presente concentrado na vida, os obstáculos imaginários –


que são mais de noventa por cento dos obstáculos percebidos – desintegram e desaparecem.

Parece mais fácil viver no mundo dos sonhos do que no mundo real. Mas a vida acaba nos
cobrando a falta de presença no agora nos trazendo desilusões. Ou enfrentamos a verdade, a realidade, ou
seremos vítimas dessas desilusões. Ou vivemos a realidade, tal e qual ela se apresenta, ou ficamos
perdidos nas ilusões da mente, que, inevitavelmente, se transformarão em sofrimento e desilusões.

Disse ainda o sábio filósofo:

Temos que diferenciar o físico do psicológico, diferenciar o real do abstrato.

O físico é mutável somente de forma física, ações no plano físico. Mas o psicológico pode ser
alterado pela simples mudança do pensamento, da idéia, que são conceitos abstratos.

Uma das grandes causas do sofrimento é a tendência de pensarmos apenas em nós mesmos o
tempo todo. Por isso, muitos mestres recomendam o exercício caridade, para que, aos poucos, criemos o
hábito de pensarmos nos outros.
Sobre as Nossas Razões

O budismo aponta para a existência de oito espécies de sofrimento: nascimento, velhice, doença,
morte, contato com o que detestamos, separação do que amamos, objetivos inalcançáveis e o sofrimento
inerente ao apego aos cinco agregados. Tanto os agregados físicos como os mentais são caracterizados
pela impermanência, pelo sofrimento.

O apego ao sofrimento, por incrível que pareça, é uma de nossas terríveis realidades. Apegamo-
nos facilmente a tudo o que nos cerca – dinheiro, casa, família, emprego – e achamos que esses bens nos
pertencem, e o sofrimento neles implícito também. O sofrimento é nosso, ninguém pode tirá-lo de nós. E o
apego é tanto que, quando alguém nos aponta uma saída para acabarmos com o sofrimento, a reação
imediata é rejeitarmos a sugestão. Alegamos logo que não sofremos, que ninguém tem nada a ver com
isso, apelamos para uma série de argumentos pouco convincentes.

E, quanto mais agimos dessa forma, mais claro fica que precisamos aprender a nos desapegar de
tudo.

Por mais absurdo que possa parecer, ao admitirmos que precisamos nos desapegar, muitos desses
sofrimentos desaparecerão.

Muitos de nós já passamos, um dia, pela situação de sentirmos um vazio interno, após a superação
de um determinado sofrimento. Alguns chegam até a querer o sofrimento de volta, questionando-se como
irão agora viver sem ele. Este processo faz, ou fazia, parte de sua personalidade sofredora.

Neste ponto, é comum que o indivíduo comece a entrar em algum processo de fuga. Sem o
sofrimento, ele vai ter tempo de olhar para dentro de si próprio, por pouco que seja e, irá esbarrar
inevitavelmente com pensamentos de outra natureza, que o levará a sua realidade, à sua triste realidade.

Sempre que insistimos em continuar vivendo uma situação de sofrimento é porque, de alguma
forma, estamos tendo algum prazer com isso, ou uma expectativa, uma esperança, de prazer futuro.
Ninguém insiste em permanecer numa situação que não vai lhe trazer benefício algum, por mais ilusório
que seja este benefício ou prazer. Talvez seja necessário olharmos as situações de maneira mais
abrangente, a fim de que possamos perceber o que está nos prendendo ao sofrimento.

Assim, presos a uma expectativa, a uma esperança, não paramos de sofrer. Pensamos que, um
dia, tudo há de dar certo, e neste dia todo o sofrimento terá valido a pena. É desta forma que simples
expectativas começam a se transformar em obsessões.

A dor de abandonar a situação de sofrimento é, na verdade, a dor da ausência da possibilidade de


sentir uma sensação de prazer, seja este um prazer efetivo ou uma simples idéia de prazer, uma
expectativa de prazer futuro.

A recorrência é um fenômeno constante e, enquanto não compreendermos um sofrimento e os


elementos que o causam, as situações que lhe dão origem, ele vai ocorrendo e se repetindo ao longo da
vida e vida após vida, interminavelmente. É muito triste.

Vejamos casos como os de pessoas que se casam várias vezes e seus casamentos nunca dão
certo. Essas pessoas são sempre traídas, espancadas, maltratadas, não importa quantas vezes se casem.
Há também aqueles que perdem o emprego sempre da mesma forma e os que costumam ser maltratados
com freqüência, por todo tipo de gente, até mesmo por pessoas tidas como “santas” e inofensivas. Esses
exemplos são tipos diferentes e circunstanciais de um mesmo sofrimento.

Será que não notamos que o problema está dentro de nós mesmos? Não, não notamos.

Existem também os chamados masoquistas, ou seja, aqueles que sofrem porque gostam de sofrer.
Uma triste realidade.

Segundo a tradição cristã, este mundo é um vale de lágrimas, e estamos aqui para sofrer e pagar
nossos pecados, o que devemos fazer de forma resignada. Em parte, a afirmação é uma verdade. Mas,
muitas vezes, existe uma interpretação indevida desta verdade. A distorção desta idéia se dá a tal ponto
que alguns acham que quanto mais sofrerem, melhor. Aquele que sofre mais paga mais por seus pecados.
Aquele que sofre mais é um cristão melhor. Aquele que suporta uma carga maior de sofrimento é mais
valorizado aos olhos do Divino.

É comum encontrar entre esses “sofredores” a figura do fariseu: aquele que quer mostrar para
todos e para si mesmo o quanto sofre. O fariseu chega a se considerar um exemplo de sucesso por isso.

Existe ainda o sofredor cego. É aquele que não vê ou não admite que sofre, que não vê ou não
admite que as coisas não estão boas, que não vê ou não admite que tem defeitos. É um “normopata”,
patologia daqueles que parecem excessivamente normais.

Diz Samael Aun Weor, em seu livro “O Matrimônio Perfeito”:

A dor não pode aperfeiçoar ninguém. Se a dor aperfeiçoasse, toda a humanidade já seria perfeita. A
dor é a consequência de nossos próprios erros. A Grande Realidade Divina é a felicidade, paz, abundância
e perfeição. A Grande Realidade não pode criar a dor. O perfeito não pode criar a dor. O que é perfeito só
engendra felicidade. A dor foi criada pelo Eu.
...
Necessitamos de uma tremenda Revolução da Consciência para conseguir o retorno à Estrela
Interior que guia o nosso Ser. Só com a dissolução do Eu existe revolução total.

A preguiça e o conformismo, aliados um mau entendimento do Karma, é também um grande motivo


de sofrimento para os cristãos. Há sempre aquele que acredita que sofre porque tem um Karma a pagar e,
como deve sofrer com resignação, não faz nada para sair da situação de sofrimento.

Sofremos, também, em virtude de conceitos concebidos de maneira errada, que nos levam a achar
que as coisas são difíceis, que só as conquistaremos depois de muita luta, muito sofrimento. Vivemos o
mito do herói, o mito do atleta. Isto se dá em função de arquétipos recorrentes, presentes no inconsciente
coletivo de toda a sociedade. Tais mitos nos fazem crer que precisamos lutar muito para conquistar a vitória
e nos tornarmos heróis. Fica evidente que o mito do atleta também nos leva a sofrer, pois considera a vida
uma incessante competição, com tudo, com todos,e, sobretudo, com nós mesmos. A situação piora quando
somos levados a competir para ver quem sofre mais, quem é o melhor ou maior herói.

O sofredor carente é uma categoria bastante comum. Dispensa maiores explicações. É aquele que
sofre para obter a atenção dos outros.

Sofremos por comodismo, por medo. Se vivenciamos uma situação dolorosa, sofremos e vamos
nos acostumando com isso. Assim, entramos em uma zona de conforto inconsciente e acabamos por nos
apegar a tal situação. O medo de tentar sair dela, de abandonar este sofrimento e cair em situação ainda
mais dolorosa, impede-nos de tomar qualquer iniciativa. A crença na fatalidade, na desgraça, é maior que a
crença no Espírito, no Divino. Pois enquanto depositarmos nossa crença na fatalidade e na desgraça, aí sim
viveremos cercados por elas de todos os lados.

A identificação com defeitos ou sofrimentos alheios – seja por fatos desta ou de outras vidas – é
mais um dos elementos causadores de sofrimento. Sofremos pelas pessoas que passam fome na África,
pelos que vivem miseravelmente nas favelas, pelos que sofrem injustamente nas prisões e por mais um
sem número de situações deploráveis que poderiam ser aqui descritas. Será que em outras vidas não
fomos condenados a viver em prisões, porões ou masmoras? Será que já não passamos fome nesta ou em
outras vidas? Ou, ainda, será que nossa alma não está faminta?

Muitas vezes, sofremos por manifestações mecânicas. Por exemplo, quando alguém nos dirige uma
ofensa, reagimos de imediato. Não conseguimos olhar a condição do outro, olhamos somente a nós
mesmos, e instintivamente nos defendemos, contra-atacamos para protegermos nossa personalidade,
nossa auto-imagem. Não somos livres. É uma ignorância de nossa parte acharmos que alguém está
pensando em nós ou com raiva de nós. As pessoas estão apenas projetando seus conflitos internos. Mas,
quando o outro projeta seu conflito interno e este vai de encontro ao nosso próprio conflito, a conseqüência
é sofrimento, briga e discussão. Se não nos identificássemos, se tivéssemos mais compaixão, se
olhássemos um pouco para o outro, se saíssemos um pouco de dentro de nós mesmos, deste nosso
embotamento, não sofreríamos. Enfim, essa ignorância, essa identificação, é o que pavimenta o caminho
que nos leva ao sofrimento.

Diz Samael Aun Weor em seu livro “Tratado de Psicologia Revolucionária”:


Aqueles que sofrem, aqueles que choram, que foram vítimas de alguma traição, de algum mau
pagamento na vida, de alguma ingratidão, de alguma calúnia ou alguma fraude, realmente se esquecem de
si mesmos, de seu Real Ser Íntimo, identificam-se completamente com sua tragédia moral.

...

Uma pessoa que se desespera por algum problema sentimental, econômico ou político, obviamente
se esqueceu de si mesmo. Se tal pessoa se detivesse um instante, se observasse a situação e tratasse de
recordar de si mesma, se depois se esforçasse em compreender o sentido de sua atitude...

A raiva causa sofrimento, mas ela não é a única. O medo, a vergonha, a inveja, a tristeza, a
rejeição, o desprezo, a indiferença, a perda, a mágoa, o ressentimento, a repressão, a ansiedade, a
avareza, o apego, a exposição, o erro, a inferiorização, a humilhação, a infelicidade, a preocupação,
também nos causam sofrimento. Todos esses sentimentos são causadores de dor e sofrimento, sobretudo
porque não os compreendemos, já que optamos por viver de ilusão.

Sofremos por muitos motivos, sofremos em diferentes situações, sem nos darmos por isso. Existem
véus que encobrem fatos indesejáveis, com a finalidade de proteger a nossa psique. Podemos ter até
conhecimento de alguns de nossos sofrimentos, mas não temos consciência deles, não temos consciência
de quais são essas dores nem, muito menos, por que elas nos fazem sofrer. É comum acharmos que temos
alguns poucos sofrimentos e de grandes dimensões. Mas, na realidade, temos uma série de pequenos
sofrimentos, e são estes os que mais nos destroem. De uma forma sutil, quase imperceptível, vão gerando
tensão, cansaço, fadiga, estresse, preocupação, depressão, tristeza. Preocupamo-nos com os grandes
sofrimentos e esquecemo-nos que os problemas que realmente corroem o nosso dia-a-dia são os de
menores dimensões, os pequenos problemas, aqueles dos quais não temos consciência. Os grandes
sofrimentos são como uma cortina de fumaça para os pequenos sofrimentos.

O homem é infeliz e sofre porque virou as costas para Deus, porque tem raiva de Deus, porque não
tem devoção alguma à Divindade. Muitos, por se considerarem injustiçados, se voltam diretamente contra
seu Criador, ficam com raiva Dele. Mas, a raiva sutil que o homem sente por Deus é um sentimento muito
mais destrutivo. A raiva por Deus pode ser manifestada, inclusive, através de falsas adorações praticadas
até mesmo nos templos, nos rituais. Muitas vezes, estamos orando com palavras vazias enquanto a mente
está a julgar, a planejar suas vinganças e maldades, a reclamar do templo, a criticar o devoto ao lado, sua
roupa, sua forma de orar, etc. Nossa raiva por Deus aparece refletida na não aceitação, na culpa, na
preocupação, na reclamação, na crítica, na maledicência, no pré-julgamento do outro, na própria raiva,
enfim, a lista é grande. O fato é que nos encontramos profundamente adormecidos.
Sobre o Apego ao Sofrimento

Como foi dito anteriormente, nos apegamos ao sofrimento, nos apegamos porque muitas vezes é o
que conhecemos, foram os exemplo que vimos, só estamos imitando, achamos que a vida é assim.

Vivemos, muitas vezes, junto com outros que sofrem, na verdade todos sofrem, cada um falando do
seu sofrimento com heroísmo, achando lindo, tendo orgulho do sofrimento que tem, sentindo alegria ao falar
dele.

O assunto a ser conversado é o sofrimento em suas mais diversas possibilidades, existe uma
adoração ao sofrimento. Muitas vezes as conversas começam bem, mas logo caem no sofrimento.

Sendo assim as pessoas sofrem para serem aceitas, uns se identificam com os sofrimentos dos
outros. Aceitas e identificas, as pessoas sentem uma certa segurança, sentem alegria, então, como é nisso
que acreditam, no sofrimento, para terem mais sobre o que falar, mais motivo para serem aceitas, vão
gerando inconscientemente mais e mais sofrimentos para si mesmas.

Nos apegamos porque o sofrimento passa a ter um aspecto positivo para nós, estamos sendo
aceitos.

De modo geral, o apego ao sofrimento vem do apego as sensações.


As Palavras de Sri Krishna

Eis o que diz Sri Krishna, no “Bhagavad-Gita”, sobre o sofrimento por causa da morte.

2.18. Perecíveis são os corpos, esses templos do espírito - eterna, indestrutível, infinita é a alma
que neles habita. Por isto, ó Arjuna, luta!

2.19. Quem pensa que a Alma, o Eu, que mata, ou o Eu que morre, não conhece a Verdade. O Eu
não pode matar nem morrer.

2.20. O Eu nunca nasceu nem jamais morrerá. E, uma vez que existe, nunca deixará de existir.
Sem nascimento, sem morte, imutável, eterno - sempre ele mesmo é o Eu, a alma. Não é destruído com a
destruição do corpo (material).

2.21. Quem sabe que a alma de tudo é indestrutível e eterna, sem nascimento nem morte, sabe que
a essência não pode morrer, ainda que as formas pereçam.

2.22. Assim como o homem se despoja de uma roupa gasta e veste roupa nova, assim também a
alma incorporada se despoja de corpos gastos e veste corpos novos.

2.23. Armas não ferem o Eu, fogo não o queima, águas não o molham, ventos não o ressecam.

2.24. O Eu não pode ser ferido nem queimado; não pode ser molhado nem ressecado - ele é
imortal; não se move nem é movido, e permeia todas as coisas - o Eu é eterno.

2.25. Para além dos sentidos, para além da mente, para além dos efeitos da dualidade habita o Eu.
Pelo que, sabendo que tal é o Eu, por que te entregas à tristeza ó Arjuna?

2.26. Se o ego está sujeito às vicissitudes de nascer e morrer, nem por isto deves entristecer-te, ó
Arjuna.
2.27. Inevitável é a morte para os que nascem; todo morrer é um nascer - pelo que, não deves
entristecer-te por causa do inevitável.

28. Imanifesto é o princípio dos sêres; manifesto o seu estado intermediário; e imanifesto é também
o seu estado final. Por isto, ó Arjuna, que motivo há para a tristeza?

2.29. Alguns conhecem o Eu como glorioso; alguns falam dele como glorioso; outros ouvem falar
dele como glorioso; e outros, embora ouçam, nada compreendem.

2.30. Eterno e indestrutível é o Eu, que está sempre presente em cada ser. Por isto, ó Arjuna, não
te entristeças com coisa alguma.
Uma Historinha

O trecho abaixo foi extraído de “Alice no País das Maravilhas” e nos serve como ilustração:

Ela não tinha ido muito longe antes de avistar o que imaginou ser a casa da Lebre de Março: ela
achou que deveria ser a casa certa porque as chaminés eram feitas com a forma de orelhas e o teto era
coberto com peles.

Havia uma mesa arrumada embaixo de uma árvore, em frente à casa, e a Lebre de Março e o
Chapeleiro estavam tomando chá; um Arganáz estava sentado entre os dois, dormindo profundamente, e os
outros dois o usavam como almofada, descansando sobre ele e conversando sobre sua cabeça.

A mesa era bem grande, mas os três amontoavam-se num canto. "Não tem lugar! Não tem lugar!",
eles gritaram ao ver Alice chegando."Tem muito lugar!", disse Alice com indignação, e sentou-se em uma
grande poltrona numa das cabeceiras da mesa.

O Chapeleiro propôs uma charada, eles conversaram algumas coisas, então aconversa parou e,
ficaram em silêncio. Alice tentava pensar na charada.

O Chapeleiro foi o primeiro a quebrar o silêncio. "Que dia do mês é hoje?", perguntou, virando-se
para Alice: ele tinha tirado seu relógio do bolso e olhava para ele ansiosamente, chacoalhando-o de vez em
quando e levantando-o no ar.

Alice pensou um pouco e então falou: "É dia quatro."

"Dois dias errado", suspirou o Chapeleiro.

Alice estivera olhando por cima dos ombros com curiosidade. "Que relógio engraçado!", ela
observou. "Ele diz o dia do mês e não diz a hora!"

"Por que deveria?", resmungou o Chapeleiro."Por acaso o seu relógio diz o ano que é?"

"É claro que não", Alice replicou rapidamente, "mas é porque o ano permanece por muito tempo o
mesmo."

"Este é exatamente o caso do meu", disse o Chapeleiro.

Alice sentiu-se terrivelmente perturbada. O comentário do Chapeleiro parecia para a menina


completamente sem sentido, e ainda assim era inglês. "Eu não estou entendendo nada", ela disse, o mais
educadamente que pôde.

"Você já adivinhou a charada?", perguntou o Chapeleiro, virando-se novamente para Alice.

"Não, eu desisto", Alice respondeu. "Qual é a solução?"

"Eu não tenho a mínima idéia", disse o Chapeleiro.

"Nem eu", disse a Lebre de Março.

Alice suspirou enfastiadamente. "Eu acho que você deveria fazer coisa melhor com seu tempo", ela
disse, "ao invés de gastá-lo com charadas que não têm resposta."

"Se você conhecesse o Tempo tão bem quanto eu conheço", o Chapeleiro falou, "não falaria em
gastá-lo como se fosse uma coisa. Ele é uma pessoa."

"Eu não sei o que você está dizendo", disse Alice.

"Claro que não!", o Chapeleiro disse, sacudindo a cabeça desdenhosamente. "É muito provável que
você nunca tenha falado com o Tempo!"
"Talvez não", Alice replicou cautelosamente, "mas eu sei que tenho que marcar o tempo quando
aprendo música."

"Ah! Isso explica", concluiu o Chapeleiro. "Ele não vai ficar marcando compasso para você. Agora,
se você ficar numa boa com ele, poderá fazer o que quiser com o relógio. Por exemplo, suponha que são
nove horas da manhã, bem a hora de começar a fazer as lições de casa, você apenas tem que insinuar no
ouvido do Tempo e o ponteiro dá uma virada num piscar de olhos! Uma e meia, hora do almoço!"

("Eu queria que fosse", a Lebre de Março disse para si mesma num sussurro.)

"Isso seria ótimo, com certeza", disse Alice pensativamente; "mas então...eu poderia ainda não
estar com fome, você sabe."

"A princípio não, talvez", retomou o Chapeleiro, "mas você poderia ficar na uma e meia da tarde
tanto tempo quanto você quisesse."

"É assim que você faz?", perguntou Alice.

O Chapeleiro balançou a cabeça com ar de lamento. "Eu não", ele replicou. "Eu e o Tempo tivemos
uma disputa março passado...um pouco antes de ela enlouquecer, você sabe..." (apontava para a Lebre de
Março com a colher de chá)...”foi no grande concerto dado pela Rainha de Copas e eu tinha que cantar ...”

"Bem, eu mal tinha acabado de cantar o primeiro verso", disse o Chapeleiro, "quando a Rainha
berrou 'Ele está matando o tempo! Cortem-lhe a cabeça!'"

"Que selvageria", exclamou Alice.

"E desde então", o Chapeleiro continuou num tom de lamento, "ele não faz nada do que eu peço! É
sempre seis da tarde agora!"

Uma idéia brilhante veio à mente de Alice. "Esta é a razão de tantas coisas para o chá colocadas na
mesa?" ela perguntou.

"É, é isso", respondeu o Chapeleiro com um suspiro, "é sempre hora do chá, e nós não temos
tempo de lavar as coisas entre um chá e outro."

"Então vocês ficam rodando em volta da mesa, não é?", disse Alice.

"Exatamente", disse o Chapeleiro, "à medida que as coisas vão ficando sujas."

"Mas o que acontece quando vocês chegam ao início outra vez?", Alice aventurou-se a perguntar.

"Eu proponho que mudemos de assunto", a Lebre de Março interrompeu, bocejando.

A princípio, pode nos parecer estranho o sofrimento do Chapeleiro, mas é exatamente assim que
ficamos. Nós somos o Chapeleiro. Mergulhados em nossos sofrimentos, não vemos a realidade. Ou melhor,
alteramos a realidade. No caso do Chapeleiro, o relógio já não marcava as horas, mas ele estava tão
convencido da realidade do problema que achava que marcar as horas já não era mais necessário. O que o
Chapeleiro então faz? Ele cria uma forma de vida adaptada ao problema e acaba por envolver terceiros,
que vivem junto com ele, numa infeliz realidade. Será que essa analogia não se aplicaria a nós?

Sofremos porque não paramos, em momento algum, para analisar as situações sob outros pontos
de vista. Criamos uma história sobre o acontecido, uma explicação, ou canção, como diz o Mestre Samael.
E, por repetirmos sempre a mesma história, parece que o sofrimento vai tomando proporções maiores a
cada vez que a contamos.
Conclusão

Podemos experimentar ao mesmo tempo muitos destes motivos de sofrimento aqui descritos, e
tantos outros mais.

É apenas conhecendo a verdade sobre cada sofrimento, sobre cada um de seus aspectos, que
conseguiremos nos libertar dele. São muitos os sofrimentos e muitas as verdades. Conhecendo a verdade
de cada sofrimento, conheceremos, um dia, a verdade que dá origem a todos os sofrimentos.

Infelizmente, nos preocupamos com o mundo externo, que não esta sob o nosso controle, e
esquecemos do mundo interno que está, ou pelo menos deveria estar, sob nosso controle.

Somente com uma reflexão profunda sobre as falhas envolvidas nos sofrimentos por que
passamos, somente com um criterioso entendimento dessas situações, juntamente com as mais sinceras e
devotadas súplicas à Divindade, é que os sofrimentos poderão ser eliminados.

Diz um sábio indiano:

Quando a mente é perturbada por pensamentos impróprios, a constante ponderação dos opostos é
o remédio.
Sobre o Verbo

O desejo, o impulso de falar, de se comunicar, nasce muito cedo em nós. Somos levados por ele desde
as primeiras palavras.

Somos escravos do passado, dos condicionamentos. Não estamos somente fugindo, tentando evitar
dores e sofrimentos passados, presentes e futuros. Estamos também buscando repetir os prazeres do passado,
e ainda tentando compensar as frustrações vivenciadas anteriormente.

Alguns condicionamentos nasceram em outras existências, outros na infância ou ao longo da vida, com
a sucessão de experiências vividas.

O prazer das primeiras palavras, aliado ao desespero de tentarmos nos comunicar e imitar todos
aqueles que falavam à nossa volta, todos os que falavam conosco, ainda está em nós. Tentando repetir este
prazer, repetimos hoje também aquela remota sensação de alívio por termos conseguido expressar as
primeiras palavras.

Existe em nós uma ansiedade de falar. Todos esperam que falemos, e, se ficamos quietos, calados,
irão achar estranho. Assim, por não querermos parecer estranhos, por não querermos que pensem ou digam
algo a nosso respeito que possa nos desagradar, ficamos desesperados para falar. E, ao falarmos, sentimos
alívio. Quando estamos reunidos com outras pessoas e surge o silêncio, o clima se torna tenso, há um
desconforto no ar que nos deixa ansiosos; mas, assim que o silêncio é quebrado, sentimos alívio.

A agitação e as conversas externas nos impulsionam a falar, geram ansiedade e inquietação em nossa
mente. E isto nos impulsiona a falar.

Muitas vezes, somos também levados a falar para tentar agradar e, então, sermos reconhecidos,
elogiados e aceitos por isso. Somos levados a falar em busca de reconhecimento, fazendo com que as pessoas
fiquem orgulhosas de nós, felizes por nós. Sentimos prazeres psicológicos diversos, somos tomados por uma
sensação de bem-estar. Isso também pode ter nascido na infância.

A pessoa para a qual queremos aparecer é sempre uma pessoa que reconhecemos como um juiz
capaz. Inicialmente, nos preocupamos em agradar aos pais, depois a professores, chefes, autoridades, e assim
seguimos.

Para satisfazermos nossos desejos de agradar, nossas necessidades de sermos aceitos, costumamos
fazer uso de piadas, frases engraçadas, elogios, bajulações, frases que demonstram erudição, falsa sabedoria,
e frases de efeito.

É como se estivéssemos em uma sala de aula ou diante de um programa de televisão, onde alguém faz
uma pergunta. Neste momento, somos imediatamente assolados por fortes impulsos de falar. Algo dentro de
nós se manifesta, dizendo: “Eu sei, eu sei, eu sei! Eu falo! Eu respondo!”

Cristo nos diz que “a boca fala do que o coração está cheio”, de forma que basta observar o que
falamos para sabermos como anda o nosso coração. Se falamos de mágoa ou de vingança, nosso coração
está cheio de ódio. Se maldizemos os outros, então nosso coração está cheio de maldade e malícia. Se
falamos palavras de baixo calão, nosso coração está cheio de podridão. Em contrapartida, se nossas palavras
são doces, calmas, tranqüilas, é porque nosso coração está cheio de doçura, paz, serenidade. Como também
disse Cristo: “a árvore se conhece pelos seus frutos”.

Concluímos então que a crítica, a maledicência, a fofoca e a reclamação não são boas formas de se
utilizar o verbo. Fazemos mal uso do verbo quando zombamos do próximo, quando o ridicularizamos, quando o
humilhamos. Isso é levar, gratuitamente, sofrimento aos demais. E, se não queremos sofrer, é necessário nos
abstermos da prática de fazer o outro sofrer.
É muito fácil e comum maldizermos os outros. É necessário que nos analisemos, nos estudemos e nos
questionemos sobre o que nos impede de bendizermos os outros quando justo e merecido for. Se nada de bom
temos a dizer sobre alguém, então não digamos nada.

O V. M. Samael Aun Weor diz em sua "Mensagem de Natal de 1966"

A gente vai andando por uma rua, de repente se encontra com as turbas que vão protestar por algo
ante o palácio do senhor Presidente. Se a gente não está em estado de alerta identifica-se com o desfile,
mescla-se com as multidões, fascina-se e a seguir vem o sonho, grita, lança pedras, faz coisas que em outras
circunstancias não faria, nem por um milhão de dólares.

Podemos dizer que não fazemos estas coisas, que jamais fizemos tal coisa, mas vamos analisar
melhor, vamos expandira a idéia, vamos fazer breves analogias. Quantas e quantas vezes não estávamos
passando por colegas fofocando, maldizendo, criticando, reclamando e acabamos por entrar no bolo, também
maldizendo, fofocando, criticando, reclamando, ou seja, identificamo-nos, mesclamo-nos, fascinamo-nos e
lançamos pedras. Quantas e quantas vezes alguns colegas estavam zombando de outro colega e nós entramos
na zombaria, identificamo-nos, mesclamo-nos, fascinamo-nos e lançamos de nossas pedras.

Uma outra questão importante é que existem muitos prazeres envolvidos no fato de sermos os donos
da última palavra. Estes prazeres também precisam ser observados e analisados. Precisamos investigar o que
nos impede de calarmos, de aceitarmos, de sermos tolerantes, pacientes e compassivos. E isto só depende de
nós.

Muitas vezes, quando cedemos ao impulso de falar, acabamos dizendo coisas das quais nos
arrependemos em seguida, por efetivamente termos sido ridículos, por termos gerado uma situação ruim
desnecessariamente, por termos magoado ou execrado alguém.

O impulso de falar para nos defendermos, nos justificarmos e nos explicarmos, reflete nossa auto-
importância. Tais palavras geralmente chegam impregnadas de malícia, de espertezas vis.

Precisamos nos questionar sobre as intenções que nos levam a dizer alguma coisa, sobre a real
necessidade de falarmos. Não podemos continuar com a mecanicidade e o condicionamento de sempre.

O Majjhima Nikaya 61 nos diz que devemos refletir sobre nossa linguagem e sobre nossas falas antes,
durante e depois da ação de falar. Antes ou durante a ação, precisamos refletir se ela nos conduzirá à nossa
própria aflição, à aflição de terceiros, ou de ambos. Precisamos refletir se é uma ação verbal sem habilidade e
se vai gerar conseqüências ou resultados dolorosos. Se ações verbais desta natureza forem responsáveis por
algum sofrimento, devemos entendê-la como totalmente inadequada; logo, a atitude mais sensata é não iniciá-
la ou interrompê-la. Após a ação, precisamos refletir se ela conduziu à nossa própria aflição, à aflição de
terceiros, ou de ambos; se foi uma ação verbal sem habilidade e se gerou conseqüências ou resultados
dolorosos. Se causou algum tipo de sofrimento, então precisamos nos arrepender verdadeiramente e não mais
executá-la. Do contrário, podemos e devemos seguir em frente, praticando e mantendo os estados benéficos.

Existem muitas coisas por trás das palavras. A mentira pode esconder o medo, a vergonha, o orgulho,
a vaidade, a maldade, a malícia e a auto-importância. A grosseria pode esconder a ira, a intolerância e a
impaciência. A maledicência, o julgamento. E a crítica pode esconder a projeção, a identificação, a
transferência, o desejo, o apego e a inveja. Falar demais pode demonstrar ansiedade, vaidade, orgulho e
carência.

Precisamos olhar para dentro de nós mesmos com honestidade, sinceridade, e, desta forma,
reconhecer onde erramos, onde falhamos, onde negligenciamos em nosso falar, e então mudarmos nosso
comportamento.

O falar alto é um costume, um hábito que pode esconder o medo, a vaidade, o querer aparecer, o
querer se exibir, se mostrar, a sensação de poder, a tentativa de se impor no grito, o querer se mostrar superior,
a agressividade. Já o falar baixo é um hábito que pode esconder o medo, a timidez, a insegurança, a vergonha,
a passividade.
Precisamos compreender quando a linguagem é correta ou incorreta. É esta percepção que vai nos
levar à verdadeira prática da boa ação verbal. Enquanto não formos capazes de distinguir essa diferença,
enquanto acreditarmos que está tudo certo com nossa forma de falar, não haverá um motivo, uma razão, para
mudarmos.

Busquemos uma fala pura, busquemos as palavras retas. Isto só depende de nós e já é um passo, o
primeiro deles, verdadeiro e concreto.Também depende de nós e da nossa atenção para com as palavras, da
nossa força de vontade dirigida, a disposição para sermos retos e corretos no ato de falar.

O reto falar é o terceiro dos oito elementos do Óctuplo Caminho, e o Sutta Budista do Samyutta Nikaya
XLV.8 nos direciona para o que vem a ser esta prática:

E o que é a linguagem correta? Abster-se da linguagem mentirosa, da linguagem maliciosa, da


linguagem grosseira e da linguagem frívola. A isto se chama linguagem correta.

Encontramos no Anguttara Nikaya V.198 um Sutta que nos mostra cinco elementos para a atingirmos a
linguagem correta:

É falado no momento apropriado. Contém a verdade. Falado com afeição. Falado para trazer benefício.
Falado com a mente plena com amor bondade.

Também no Anguttara Nikaya X.69 encontramos dez tópicos adequados de conversação:

Existem esses dez tópicos [adequados] de conversação. Quais dez? Falar sobre ter poucas
necessidades, sobre a satisfação, sobre o isolamento, sobre não estar enredado, sobre estimular a energia,
sobre a virtude, sobre a concentração, sobre a sabedoria, sobre a libertação, e sobre o conhecimento e a visão
da libertação. Esses são os dez tópicos de conversação. Se vocês conversassem repetidamente sobre esses
tópicos de conversação, vocês ofuscariam até o sol e a lua com o seu brilho, tão forte, tão poderoso - para não
dizer nada dos errantes de outras seitas.

No começo, esta prática pode ser difícil. No caminho muitas vezes cairemos, mas a Divindade é por
nós. Se formos verdadeiramente honestos e nos colocarmos aos pés Dela, em sua misericórdia infinita, Ela virá
em nosso auxílio. E assim poderemos triunfar.

Quem busca a verdade não pode ser mentiroso, falso, fingido, hipócrita ou dissimulado. Quem busca a
verdade há de professá-la sempre, custe o que custar, se é que realmente pretende alcançá-la em sua
profundidade. E, para tanto, é necessário desenvolver em si a vontade, a força, a honestidade, a sinceridade, a
simplicidade, a humildade, a firmeza.
Sobre Ofensas e Elogios

Como nos identificamos com a personalidade, queremos defendê-la, queremos defender a nossa
auto-imagem. Quando alguém nos dirige uma ofensa, um insulto, reagimos em busca de defesa. Quem se
ofende é o ego, mas, por estarmos identificados com ele, confundimo-nos e achamos que a ofensa é
endereçada a nós. Então reagimos.

Ainda nos comportamos como crianças. Ficamos bravos, nervosos, e até choramos quando alguém
nos dirige uma ofensa. Em contrapartida, rimos e nos alegramos como meninos em festa quando nos
elogiam. Estamos presos a esse mecanicismo desde o berço, senão antes.

Desejamos ser adorados, aceitos. Por isso, buscamos os elogios, os bons rótulos, e nos
regozijamos com eles. A mente é gananciosa, insaciável, e, desejando insaciavelmente os elogios, vai
nutrindo cada vez mais o orgulho e a vaidade. Os elogios dão segurança à mente, que, dominada por
nossos demônios, tornou-se insegura e dividida.

Superar os elogios, muitas vezes, se torna uma tarefa muito mais difícil do que superar as ofensas,
uma vez que os elogios promovem a sensação de segurança e prazer. O pior veneno é aquele que é doce.

Os elogios, em certas ocasiões, podem ser traduzidos como projeções de orgulho e vaidade
daqueles que os emitem. Quando um indivíduo se identifica positivamente com alguma de nossas ações,
este se coloca como se fosse ele a executar tal ação. Então se realiza, se vê naquela situação, começa a
se adorar. Por precisarmos desta aceitação, desta auto-afirmação, achamos que somos nós o alvo desses
elogios, quando, no fundo, eles não passam de projeções de terceiros.

Podem ser, ainda, meras bajulações, movidas por interesses, pela intenção de agradar em troca de
algo, como recompensas, favores, vantagens, motivadas pelo interesse de receber um elogio de volta, um
reconhecimento. Tudo isso está relacionado às sensações, às sensações de prazer, em particular.

Obviamente, há elogios que podem ser verdadeiros. Este fato deve ser bem observado, a fim de
que possamos conhecer melhor as nossas virtudes, mas nunca para massagearmos o nosso ego.
Precisamos observar a realidade dos fatos, sem fantasiar. Precisamos observar a realidade, sem deixarmos
de ser humildes, modestos.

Uma Grande Mestra disse:

A mente precisa de purificação sempre que sentir ira ou que uma mentira seja contada, ou que as
faltas de terceiros sejam desnecessariamente reveladas; sempre que algo seja dito ou feito com o propósito
de bajulação, ou que alguém seja enganado pela insinceridade de uma palavra ou ação.

Se não reagimos aos elogios, se nos mantemos serenos, também não reagimos às críticas,
insultos, ofensas, agressões ou brincadeiras maldosas. Assim, não nos identificaremos com nenhum dos
dois pólos. Elogios e críticas são dois pólos distintos de uma mesma situação.

O desejo, o prazer, a sensação, de sermos elogiados, aceitos, adorados, o apego a tais sensações,
à paixão por nossa auto-imagem, o amor próprio, nos levam a sofrer quando somos rejeitados, criticados,
ofendidos. Tudo isso não passa de uma ilusão com a qual nos identificamos, pois acreditamos na realidade
das sensações, acreditamos nas impressões que recebemos sem transformá-las, acreditamos nas fantasias
que criamos sobre nós mesmos.

Diz Samael Aun Weor em “A Revolução da Dialética”:

Não há coisa que mais doa do que a calúnia ou as palavras de um insultador. Certamente, as
palavras de um insultador não têm mais valor do que aquele que o insultado lhes dá. Quando alguém
compreende isto, passa a transformar as impressões das palavras em algo diferente, por exemplo, em
amor, em compaixão para com o insultador, etc. Assim, pois, precisamos estar transformando
incessantemente as impressões. Não só as presentes e as passadas, como também as futuras.

Na realidade, nada que alguém nos diga pode mudar o que somos. Por acaso alguém se torna
burro apenas por ter sido chamado de burro, por ter sido rotulado de burro? Impossível. Portanto, não
podemos perder nossa capacidade de raciocínio, nosso conhecimento ou sabedoria, só porque, em algum
momento, alguém nos rotula como burros ou com outros adjetivos indesejáveis. Quando ocorre de alguém
se deixar convencer de que o ofensor está correto e fixar esta idéia na mente, causando situações que
venham a confirmar a ofensa, fica evidente que há aí um caso de baixa auto-estima, a qual já existia antes
dentro do ofendido.

A personalidade, a auto-imagem são ilusões da mente que, com facilidade, podem ser abaladas por
outras ilusões. Ilusões como, por exemplo, as de que as palavras de alguém têm poder, de que certas
palavras foram dirigidas a nós. O único poder que uma palavra de ofensa, de insulto, tem é o poder que
conferimos a ela. A importância de uma ofensa não é senão a importância que damos a ela, é reflexo direto
de nossa auto importância. Se estivermos mortos para o ego, não identificados, essas palavras não terão
poder algum. Daremos a outra face, a face da compaixão, e não a face da ira, que já é bem conhecida.
Buda dizia: “Sê como o sândalo, que perfuma o machado que o fere”.

É o medo, a preocupação com o “eu mesmo”, que fortalece e legitima as ameaças, as idéias, os
pensamentos e as palavras dos outros.

Muitas vezes, as pessoas estão apenas projetando seus conflitos internos, seu lado sombra, e, por
sincronicidade, acabamos recebendo esta projeção. Se nos identificamos com essa projeção, reagimos.
Algo em nós atraiu algo de outra pessoa. Nossos conflitos internos, nosso lado sombra, atraíram os
conflitos internos, o lado sombra, da outra pessoa. Esse “algo em nós” já estava lá, não passou a existir no
momento em que a outra pessoa interagiu conosco. Já estava lá.

Outras vezes, quando não todas, as pessoas não estão nos atacando, mas se defendendo,
defendendo seus egos, defendendo seus desejos e apegos. Porém, ao invés de manifestarmos compaixão,
de estendermos a dimensão, a noção do eu, nos identificamos e reagimos. Não percebemos que estamos
fazendo o mesmo: nos defendendo. Isto costuma acontecer sempre que as pessoas envolvidas não estão
conscientes, desidentificadas.

Há ocasiões em que pessoas normais nos falam coisas normais, de uma forma normal, e ainda
assim nos ofendemos. Não foi dito nada de mais e reagimos ofendidos. Alguém disse algo sem qualquer
intenção maléfica e mesmo assim sentimos que fomos atingidos em nosso orgulho, em nossa auto-imagem.
Isto ocorre quando nos identificamos.

Há também situações em que um mestre, um instrutor, um ser capacitado, nos dá um presente,


uma pérola da sabedoria, nos revelam uma verdade, nos mostram a direção a ser seguida, e nos
ofendemos com isso.

Disse um certo sábio indiano:

Somos nós que colocamos na boca das pessoas as palavras que nos ofendem.

É interessante observar que quando paramos de ofender o outro verbalmente mas continuamos a
criticá-lo mentalmente é porque ainda guardamos dentro de nós os conceitos, os valores, que geraram as
sensações de ofensa. Nossa compreensão então foi rasa e superficial. E assim, quando sofrermos novas
ofensas, ainda sentiremos alguma coisa.

Pode até acontecer de alguma ofensa ou crítica ter um fundo de verdade, o que pode nos causar
um certo sofrimento. É o preço que temos de pagar por não nos conhecermos. Por termos sido cegos e
surdos, a vida encontrou sua forma de nos mostrar alguma coisa.

Precisamos entender que, quando uma pessoa tem uma idéia diferente da nossa, ela não está
necessariamente discordando de nós, não está nos chamando para brigas ou discussões. Mas a
identificação, a defesa recalcitrante de nossas idéias, nos move instintivamente. E, tal qual fantoches
manipulados, ficamos ofendidos, ficamos irritados, reagimos.

Sem o menor discernimento, reagimos, atacamos, contra-atacamos, em defesa de nossa


personalidade, tal qual fazem os animais que se sentem ameaçados quando alguém se aproxima de seu
alimento, de sua toca ou de seus filhotes.

Uma vez superadas essas reações primitivas de ira, inveja, orgulho, vingança, defesa, chantagem,
ressentimento, vamos experimentar reações mais sutis, cada vez mais sutis. A partir de então, quando nos
ofenderem diretamente, não vamos mais reagir. Quando nos agredirem com palavras ou com grosserias,
não vamos mais reagir. Quando formos alvo de brincadeiras de mau gosto, não vamos mais nos reagir.
Quando formos alvo de críticas, não mais vamos reagir.
E pode ser que um dia, depois de superarmos as ofensas das pessoas comuns, ainda tenhamos
que beber, com gratidão, do veneno oferecido por um discípulo, para morrermos mais profundamente em
nós mesmos. Pode ser que um dia tenhamos de aceitar, docemente, o beijo amargo de um traidor para
alcançarmos a morte profunda em nós mesmos.
Comentários e Questionamentos

- O indivíduo ofensivo, ultrajante, insultuoso, tem como característica valer-se de sua falta de
princípios básicos de educação, por ser produto de um meio marcado pela arrogância, pelo “ter”, pela falta
de respeito e consideração, pelo egoísmo, pelo superego, ou, paradoxalmente, pela baixa auto-estima e
pelo complexo de inferioridade. Se a atitude do indivíduo ofensivo não se baseia em valores grandiosos,
então por que ficarmos remoendo aquilo que reconhecidamente não somos?

- Se temos princípios e condutas conscienciosas da nossa educação moral e ética, nada temos a
temer... Isto não significa que, apesar de tentarmos controlar nosso ego, estamos livres de vir ter,
momentaneamente, um sentimento de repúdio ao insultuoso.

- Cabe lembrar aqui que, mesmo sendo a ofensa descabida resultado de uma má formação do
caráter, o insultado acaba por interiorizar e refletir sobre o insulto.

- Quanto aos elogios, se forem verdadeiros, são louváveis e sempre acariciam o ego. Isto contribui
para o nosso crescimento, uma vez que, com a auto-estima em alta, tendemos a nos empenhar para
progredir cada vez mais, quer no campo profissional, quer no pessoal. Assim, não nos faltarão motivos para
o aperfeiçoamento e, por conseguinte, para a evolução nos mais variados campos de atuação. Cabe,
porém, a cada indivíduo discernir a fonte do elogio: se provenientes de pessoas confiáveis ou de
bajuladores que visam interesses próprios. Temos sapiência para tal. Se os elogios vierem de pessoas
oportunistas e interesseiras, o melhor é ignorá-los.

- Vamos pensar em um desempenho árduo e diferenciado de trabalho como última cartada para
chegarmos à solução pretendida. Nada mais plausível sermos reconhecidos. É extremamente frustrante
quando alcançamos algo, ao qual dedicamos intensamente nossos melhores esforços, e não recebemos
qualquer elogio ou reconhecimento por esta conquista.

- Válido também para todos os níveis de atuação.

Todos nós insultamos, todos nós ofendemos, criticamos. Precisamos observar como isso se dá
dentro de nós, precisamos mudar. Isso é urgente, isso é a espiritualidade atuando sobre os fatos, isso é
consciência.

A verdadeira moral está além do tempo e dos costumes, a verdadeira moral esta na consciência.

Quem repudia o insultado é o nosso ego, é nosso amor próprio, nossa inconsciência, nossa
ignorância sobre a realidade, nossa má interpretação das impressões. Não é uma questão de controle, é
uma questão de morrer em si mesmo a cada instante, é uma questão de consciência.

Quanto ao insultado interiorizar o insulto, é uma questão de identificação. Não devemos nos
identificar com nada.

Egos acariciados geralmente constituem um problema, aumentam ainda mais o amor próprio,
centro de todas as nossas dores e sofrimentos. Crescer em amor próprio é crescer em ignorância,
precisamos atentar para este fato. A auto-estima tem a ver com o reconhecimento de uma verdade, de uma
realidade sobre nós mesmos. E o que chamam de baixa auto-estima nada mais é do que o amor próprio
ferido, o orgulho ferido, a auto-imagem atingida. Não podemos ser marionetes movidas por elogios ou
tapinhas nas costas.

Precisamos fazer o que tem de ser feito, fazer o correto, o reto, sem expectativas de elogios, de
reconhecimento. Quem precisa de aceitação é o ego, não a consciência. Enquanto acreditarmos que temos
direitos, que temos merecimentos, sofreremos. Toda desilusão nasce de uma ilusão. Logo, se não temos
ilusões, fantasias, não teremos também desilusões, frustrações, dores e sofrimentos.

A questão não está em ser ou não elogiado, reconhecido, mas no desejo de receber elogios e
reconhecimento. A questão não está em ser ou não elogiado, reconhecido, mas em fazer as coisas
esperando algo em troca, seja elogio, reconhecimento, aceitação ou avanço espiritual. Todo desejo gera
medo, dor e sofrimento, esta é a raiz do budismo.

Isto não quer dizer, no entanto, que não devemos reconhecer ou elogiar alguém, quando houver um
justo merecimento. Precisamos apenas nos tornar conscientes, precisamos fazer o correto sem esperar que
os outros também o façam. Não devemos ser ingratos, mal agradecidos, mas, por outro lado, não devemos
esperar dos outros que ajam desta forma, não podemos cobrar deles as mesmas atitudes.

- Jesus disse para oferecer a outra face, mas esta afirmação é costuma ser vista com temeridade.
Algo quase impossível na prática. Não devemos esquecer, porém, que este ato revela uma situação de
extremo controle e uma elevação humana ideal, uma vez que nos coloca numa posição de não nos
sentirmos atingidos pelas agressões (na verdade, fruto de nossas próprias inseguranças).

- Mas fiquei pensando que, se abrimos mão desses dois pólos comportamentais (elogio e
agressão), o resultado pode ser uma grande indiferença diante da vida. A ausência total de emoção. Isto é
ser "humano"? Até que ponto esta postura seria possível e benéfica?

- Curiosamente, citei Jesus em uma fase de total descrença, humana e religiosa. No entanto, ao ler
o texto, refleti sobre seu conteúdo de uma forma diferente.

Por Deus que não! Indiferença é desprezo. A questão é de consciência, percepção, compreensão
da realidade. Onde há consciência não há desprezo. Há, sim, compaixão.

Nós, adultos, conseguimos perceber claramente o que se passa quando vemos duas crianças
discutindo. Por exemplo, uma criança diz a outra que ela tem ‘cara de mamão’. A criança ofendida fica
brava, ressente-se profundamente com a ofensa. Mudemos o contexto e imaginemos um adulto sendo
chamado de ‘cara de mamão’. Neste caso, o fato não terá muita importância. Só que, para a criança, tudo é
muito diferente, e a importância da ofensa assume proporções maiores. Este exemplo foi mencionado
apenas para explicar que o fato de ser chamado de ‘cara de mamão’ ou de qualquer outro nome
considerado depreciativo é basicamente a mesma coisa. Não há diferença, a não ser na forma. São apenas
palavras que não mudam a realidade. Em termos de consciência, a infantilidade é a mesma.
Sobre Projeção

Somos vítimas de nós mesmos, de nossa ignorância, e não do mundo externo, como nos é
conveniente acreditar. O mundo externo nada mais é do que uma projeção. Acreditamos ser sempre vítimas
de pessoas, objetos e situações, vítimas do mundo externo. Mas, em verdade, somos vítimas de nossos
próprios demônios, demônios que nós mesmos criamos, alimentamos e perpetuamos. Somos vítimas de
nossos próprios conceitos e preconceitos, valores, padrões, fantasias, ilusões, esperanças, expectativas,
desejos.

E, por acreditarmos que tudo acontece sempre no lado externo, que sempre nos transforma em
grandes vítimas, tentamos resolver nossos conflitos lutando para reagir ao externo. Porém, é inútil essa
reação ao externo, já que a origem de nossos tormentos não está lá. Enquanto lutamos contra o externo,
nos desviamos cada vez mais de nós mesmos, pois o foco está errado. Portanto, o resultado é pouco ou
nenhum.

Quando não conseguimos lidar com algum conflito dentro de nós, projetamo-lo para fora, a fim de
tornar mais fácil ou possível trabalharmos a situação. Parece que essas projeções passam a assumir
escalas cada vez maiores, e se sobrepõem como se fossem camadas. Assim, quanto antes nos
observarmos e resolvermos a situação interna que nos incomoda, menores serão as conseqüências
externas.

Não é difícil perceber que, quando nos rejeitamos internamente, é comum sermos rejeitados por
terceiros. Quando travamos um conflito ou uma briga interna, é comum nos envolvermos brigas com
alguém. Quando criticamos o próximo, certamente existe dentro de nós aquilo que deu origem a essa
crítica.

Desculpas e explicações refletem as desculpas e explicações que existem em nosso íntimo para
com o nosso próprio ser. Portanto, refletem uma não aceitação, uma negação dos erros, das emoções, dos
instintos, das manifestações do ego.

Ver é enxergar o reflexo da luz nos objetos. Da mesma forma, quando enxergamos algo em
alguém, estamos vendo apenas um reflexo de nós mesmos. A diferença é que, na maior parte do tempo,
enxergamos nos outros o reflexo das nossas trevas e não de nossa luz.

Enquanto não despertarmos a consciência, não conseguiremos ver nada além de reflexos, além de
deformações ou vultos obscurecidos pelo véu da ignorância e do preconceito. Vivemos uma ilusão, pois
nunca saímos de dentro de nós mesmos. Vemos tudo através de um véu, do véu da ignorância, do véu de
Maya. Enquanto não despertarmos a consciência, tudo será visto e compreendido a partir do pobre
conteúdo interno que temos.

Todas as pessoas que vemos ou convivemos são como uma superfície onde projetamos imagens
que existem em nosso interior. Não as vemos como realmente são, vemos apenas estereótipos de nosso
lado sombra. Todas representam nossos próprios reflexos – reflexos que amamos, reflexos com os quais
brigamos ou nos magoamos.

Quando nos apaixonamos por alguém, estamos projetando uma imagem que já existe em nosso
interior, com a qual nos identificamos. Como assinala Jung, a pessoa que recebe a projeção é portadora de
um gancho que a aceita perfeitamente. O fato de alguém se apaixonar ou se decepcionar, mais cedo ou
mais tarde, vai resultar na retirada da projeção do objeto externo. Então dizemos que a pessoa amada
deixou de ser aquela por quem nos apaixonamos. Ocorre é que, na verdade, ela nunca foi, só serviu como
suporte para a projeção de nossos próprios conteúdos internos.

Muitas vezes, no fim de um relacionamento, após experiências que tenham contribuído para
desfazer a projeção, a ilusão quanto à pessoa amada, um fica com raiva do outro. Essa raiva é uma nova
projeção, a projeção da decepção com nós mesmos por não termos percebido o erro antes, por termos nos
iludido, e por uma série de outros motivos. Como não conseguimos lidar com isso, projetamos a raiva, o
sentimento, a emoção ruim para o outro. Alguém que não nós mesmos precisa ser culpado.

Disse uma famosa junguiana:


Falando psicologicamente, projeção é um processo inconsciente, autônomo, pelo qual vemos
primeiro nas pessoas, nos objetos e nos acontecimentos as tendências, características, potencialidades e
deficiências que, na verdade são nossas.

A projeção de nosso mundo interior no exterior não é coisa que fazemos de propósito. É
simplesmente a maneria como funciona a psique. Em realidade, a projeção acontece de forma tão contínua
e inconsciente que costumamos não dar tento de que esta contecendo. Não obstante, tais projeções são
instrumentos úteis à conquista do autoconhecimento. Contempalndo as imagens que atiramos na realidade
exterior, como reflexos no espelho da realidade interior, chegamos a conhecer-nos.

Irritação, crítica, julgamento, reclamação, zombaria, repulsa, rejeição, são negações de nós
mesmos, que formam e alimentam o lado sombra. A recorrência vai dando mais força à sombra, e, sem que
possamos perceber, estamos agindo da mesma forma. Este processo é uma violência muito grande contra
nós mesmos. Certamente, somos o nosso pior inimigo.

Não devemos nos arriscar a dizer que não temos o mesmo sentimento, a mesma emoção, o
mesmo defeito que percebemos nos outros, porque certamente o temos. Um tem ciúme da pessoa amada,
o outro do dinheiro ou da casa. Um se irrita com o trânsito, o outro com o barulho do vizinho ou das
crianças. Um se incomoda com agitação, o outro com estagnação. Um mendiga dinheiro, o outro atenção
ou reconhecimento. Um quer parecer rico, o outro quer parecer bom ou justo

Os defeitos devem ser aceitos, observados, estudados e compreendidos, para que possam ser
superados. Negação, luta, briga, guerra contra os nossos defeitos ou dos outros não é solução. Aceitar os
defeitos do outro também é uma atitude de grande importância. Temos que tentar compreender o próximo,
temos que buscar a compaixão.

À medida que vamos nos conhecendo, temos mais capacidade para conhecer melhor o outro, para
exercer a compaixão, a paciência, a tolerância, o respeito, pois, desta forma, conseguimos perceber a
projeções, conseguimos perceber que somos todos iguais, os limites do Eu vão se expandindo.

Enquanto não temos ainda uma consciência desperta, devemos procurar aceitar os defeitos que
vemos nos outros, pois assim estaremos aceitando os nossos próprios defeitos. Afinal, o que vemos nos
outros são apenas projeções. Conforme praticamos a aceitação, a compaixão, a paciência, a tolerância, o
respeito para com os outros, as barreiras vão se rompendo. E então vamos nos percebendo mais e melhor,
vamos percebendo as projeções que fazemos ou que fizemos.

Obviamente, não são somente as partes negativas em nós que negamos. Muitas vezes negamos a
nossa criatividade, espontaneidade, inteligência, vivacidade, bondade, simpatia, simplicidade. Tudo isso faz
parte do mesmo mecanismo de projeção praticado durante a vida, no nosso dia-a-dia.

Sem percebermos, com a não aceitação de nós mesmos e dos outros, vamos fortalecendo nossos
egos, aumentando nosso lado sombra, nossas trevas, aumentando nossas ilusões sobre nós mesmos e
sobre a realidade. Vivemos nos projetando e nos identificando, rejeitando ou aceitando nossos próprios
reflexos nos outros. A compreensão, o auto-conhecimento, a aceitação, a individuação, são formas de
reintegração das partes de nosso Ser.

Somos dados a acreditar que uma determinada parte nossa é melhor do que outra, a gostar mais
de uma parte do que de outra. Por conseqüência, ficamos propensos a rejeitar, a não gostar daqueles que
se mostram ou se comportam de maneira semelhante à parte rejeitada dentro de nós. Rejeitamos nos
outros o que não gostamos em nós mesmos. Precisamos aceitar, compreender, cada um dos nossos
aspectos, os bons e o maus, os que gostamos e os que não gostamos, sem nos apegarmos, sem
desejarmos apenas os bons, os de que gostamos, sem nos identificar com essas frações de nós mesmos,
sem nos dividirmos.

Quando não mais tivermos certos comportamentos, certos defeitos, não mais serviremos de
espelho para as pessoas nesse aspecto. Eliminados os defeitos e cultivadas as virtudes, passaremos a
refletir o que é bom, seremos bons exemplos, bons espelhos. Esta é uma fórmula propícia para ajudar os
outros, uma fórmula propícia de caridade, amor, de compaixão.

A projeção é uma escravidão, escravidão aos demônios dos outros e aos nossos. Assim, pautamos
nossos atos, nossas ações, nosso comportamento, pelo que pensam esses demônios. É muito difícil
perceber quando e o quanto somos escravizados por nossos pensamentos. Isto se dá de maneira muito
sutil. Vivemos pensando o tempo todo, nossa mente é inquieta, não temos um centro. Assim não podemos
diferenciar aquilo que vem direta e naturalmente de nosso Ser daquilo que vem dos egos.

Temos que parar de culpar terceiros pelas coisas indesejáveis que nos acontecem, temos que
tomar as rédeas das situações. Somente assim elas poderão ser mudadas. Nunca antes deste
procedimento, nunca enquanto a culpa for transferida aos outros, às condições externas, etc. Essa
tendência de culpar os outros faz parte da fantasia, da fascinação. Essa tendência de culpar os outros faz
parte da projeção.

Tememos nossas próprias projeções mentais. O medo do que os outros vão pensar ou dizer é
baseado em nossos próprios o]pensamentos, conceitos e preconceitos.Temos vergonha de nossos próprios
conceitos, de nossos próprios valores, projetados para os outros. Ficamos magoados com nossas próprias
projeções nas ações ou palavras dos outros. Sentimos raiva de nossos próprios pensamentos projetados.
Vemos nos outros nossa própria maldade refletida. Ficamos orgulhosos e nos envaidecemos de nossas
próprias idéias e fantasias sobre nós mesmos. Sentimo-nos ofendidos em conseqüência dos valores que
damos às palavras e por nos auto-adorarmos, por queremos ser reconhecidos.

Não reagimos aos acontecimentos externos, mas aos nossos próprios pensamentos, sejam eles
grosseiros ou sutis, efêmeros ou não, bons ou ruins. Assim, ao julgarmos objetos, pessoas, situações,
reagimos aos nossos próprios julgamentos. E, por mais que acreditemos que estamos reagindo ao que é
externo a nós, o que fazemos, na verdade, é reagir ao interno. Acreditamos nas histórias que a mente conta
e as seguimos.

Não existe ninguém nos ofendendo, nós é que nos ofendemos sozinhos. Não existe ninguém no
magoando, nós é que nos magoamos sozinhos. Não existe ninguém nos irritando, nós é que nos irritamos
sozinhos. Tudo não passa de projeções mentais.

Apenas conhecendo a verdade sobre cada um dos aspectos da projeção é que conseguiremos nos
libertar deles. Conhecendo a verdade sobre cada aspecto de uma projeção, um dia conheceremos a
verdade fundamental sobre a própria projeção.

No momento, podemos concluir que nada sabemos sobre a projeção, podemos concluir que somos
ignorantes. Qualquer tentativa de definição da projeção em nós pode limitar nossas experiências.
Precisamos estar abertos para nos permitir descobrir, conhecer, cada vez mais, o processo da projeção em
nós mesmos. Precisamos estar abertos nos permitir descobrir, conhecer, de maneira cada vez mais
profunda e enriquecedora, sobre a própria projeção.

Talvez a busca pela compreensão e pela compaixão para com o próximo seja uma chave para a
compreensão dessas verdades, visto que essa busca possivelmente já seja, por si, um ato de compaixão. A
compaixão vai nos levando a desviar o foco de nosso universo próprio. E isso vai nos oferecer condições
para começarmos a perceber gradualmente o mundo externo.

Provavelmente, depois de termos acompanhado toda esta reflexão, iremos negar seus pontos
principais. De fato, fica difícil entender realmente o que seja todo esse fenômeno interno sem passar pela
experiência de sair de dentro de nosso próprio universo. Sem uma compreensão plena, realmente fica tudo
mais difícil, difícil principalmente para o ego. São os medos. É cômodo viver sonhando, viver uma realidade
destorcida. Por isso, a tendência primeira será negar tudo que foi dito. Estamos apegados à nossa realidade
atual, temos medos do novo, do desconhecido, medo de nos defrontarmos com nossas misérias.

Pode parecer que tudo vai ficar mais feio e desconfortável quando pararmos de fantasiar e
enfrentarmos a realidade. E possivelmente, a um primeiro momento, vai. Quando se encara a própria
miséria, o sofrimento é inevitável. Mas, depois de vencermos este obstáculo, o que é verdadeiramente belo
e novo poderá ser visto em toda a sua nitidez. Tudo será novo, tudo aquilo que víamos antes será visto de
maneira diferente. Veremos a vida como ela realmente é, veremos a magia das coisas e descobriremos os
segredos das simplicidades. Mas, para chegarmos a este ponto, teremos antes que vencer nossos
demônios, nossos medos – os vilões que nos impedem de mergulhar no desconhecido.

Pode parecer que, se pararmos de nos projetar, o amor não mais existirá, as cores da vida
empalidecerão. É só uma impressão. Veremos então as cores reais, e não mais as cores fantasiosas. E,
indubitavelmente, as cores reais são muitos mais belas, porquanto verdadeiras. E o amor acontecerá
livremente a partir daquilo que se apresenta de fato, da realidade dos seres, das flores, ao invés de se
manter acorrentado às fantasias e idéias que projetamos.
Sobre Repressão

Ao longo da vida fomos cobrados. As pessoas nos cobram pela legitimação de seus sonhos, de
suas ilusões, de suas idéias e ideais, de seus conceitos e preconceitos, muitas vezes tortos. Hoje, nós
mesmos nos cobramos, pois acreditamos que temos que realizar as ilusões de terceiros, ou por termos
absorvido todo esse monte de falsos conceitos, preconceitos, valores, padrões. Ou seja, acreditamos que
essas ilusões são nossas.

Por acreditarmos nas idéias geradoras da cobrança, acabamos cobrando os outros também. Mas o
ato de cobrar alguém é reflexo de nossa auto-cobrança. Cobramos nós mesmos e cobramos os outros. Por
esse comportamento padronizado, vamos passando, uns para os outros, diversos elementos negativos.

Infelizmente, vamos carregando esses fardos pelo resto da vida, uma vez que acabamos por
incorporar os conceitos emitidos. Passamos a tratar a nós mesmos como fomos tratados pelos outros. E
pior, passamos a ser somos nosso pior inimigo.

Repressão é pressão interior contra instintos, emoções. É o embate de pensamentos contra


pensamentos, conceitos contra conceitos, egos contra egos. Repressão é conflito interno, desejos
antagônicos, anseios e medos. É tensão, rigidez, controle, cobrança, culpa. É o medo de errar, é a
expectativa de não decepcionar, é o medo da exposição, é o não se aceitar e o não aceitar os outros.

Uma pessoa não pode decepcionar a outra, desiludir a outra, uma vez que a ilusão criada não é
dela. Acreditar nisso é uma grande estupidez, mas muitas vezes assumimos essas responsabilidades
absurdas. Assumimo-las por várias razões, como necessidade de aceitação, de auto-afirmação, ou até
talvez por acreditarmos que somos salvadores do mundo, que viemos para ajudar almas perdidas.

A mania de perfeição também gera pressão interna. A auto-cobrança, o medo de errar, de


fracassar, contribuem para que a repressão se instaure.

Toda auto-definição gera repressão, pois sempre que assumimos que somos algo, sempre que
incorporamos algum elemento à nossa auto-imagem, criamos uma pressão para manter essa auto-imagem,
uma cobrança para passar aos outros uma impressão, criamos uma tensão para evitar a exposição, para
evitar a transmissão de uma impressão contrária ou diferente da nossa auto-definição. Se definimos que
somos bons, então temos que mostrar para todos que somos bons, temos que lutar para manter tal
aparência, temos que carregar esse fardo.

Todo condicionamento gera repressão. Toda crença em dogmas, em idéias que não
compreendemos devidamente, gera repressão. Devemos eliminar todos os "tem que" de nossa mente,
acabar com o condicionamento imposto pelos pais, pelos professores, pela televisão, pela religião, pela
sociedade.

Um grande estudioso da Mitologia conta que um dia chamou sua atenção a conversa que ouviu
entre uma família num restaurante. Foi assim:

- Beba o suco! - disse o pai.


- Não vou berber, não quero! - respondeu o filho.
- Beba o suco, eu estou mandando! – insistiu o pai.
- Deixe o menino fazer o que quer! - interveio a mãe.
- Ele não poderá fazer o que quer a vida toda. Olhe para mim, eu nunca fiz o que queria – retrucou
o pai.

A repressão pode vir de traumas. Os traumas se escondem nos egos, e geralmente estão ligados a
situações de orgulho ferido, de exposição de imagem, de vaidade. Isso acontece por interpretações, por
impressões, por compreensões erradas que tivemos, por ignorância. Traumas não são reais. Mas muitas
vezes por causa deles produzimos medo, pressão, excesso de controle sobre nós mesmos e sobre as
situações, sobre o nosso grau de exposição, tentando evitar que o evento que nos traumatizou se repita.

Experiências dolorosas, como ser humilhado ou agredido, aliadas a interpretações equivocadas,


apego excessivo, necessidade de aceitação, auto-afirmação, medo e desejo, causam repressão. A
repressão é uma fuga, uma defesa, uma forma de evitar a repetição de episódios ruins do passado.
A repressão é causada pela falta de compreensão, falta de visão da realidade, falta de paciência,
tolerância, falta de coragem, falta de ousadia, falta de força, falta de simplicidade, falta de sinceridade, falta
de humildade, falta de aceitação, falta de criatividade, falta de espontaneidade, falta de confiança, mas,
acima de tudo, pela falta de consciência e de compaixão, que é amor.

Temos medo do que não existe. Este medo se agrava por estar dissociado do momento presente.
Existem medos que vêm do passado, da infância, de outras vidas e que, no momento presente, não
encontra uma razão para se justificar. Parece que nada está acontecendo, que o medo que se apresenta
não têm razões reais para existir.

Reprimimos reações muito naturais, como chorar, expressar medo, raiva, sentimentos que
deveriam ser compreendidos, não reprimidos. Mas os reprimimos por preconceitos, por idéias erradas, por
uma educação equivocada.

Também reprimimos atitudes sublimes, como um sorriso, um abraço verdadeiramente fraterno, um


gesto agradecimento, de gentileza. Reprimimos sentimentos sublimes, como a amizade, o amor, a
felicidade, a alegria, a devoção. Tudo porque damos mais importância àquilo que vão pensar a nosso
respeito do que à grandeza de nossos próprios sentimentos e gestos. Tudo porque temos medo de nos
abrir, nos expor, nos machucar, porque temos medo de ser usados. Mais uma vez, isso acontece porque
estamos dando mais importância a nós mesmos, aos nossos egos, do que aos nossos reais sentimentos,
porque damos mais importância a nós mesmos do que ao ato de compartilhar com o próximo.

Queremos passar uma imagem diferente para os outros. Assim, reprimimos qualquer manifestação
que venha a comprometer essa imagem, qualquer movimento que seja antagônico a essa imagem.

Existe uma permanente pressão dos pais, dos professores, da sociedade, para que sejamos isso ou
aquilo, para que sejamos assim ou assado, para que alcancemos sucesso, para que sigamos modelos e
padrões. Pouco importa o que queremos, o que gostamos.

Geralmente, as pessoas que têm ou tiveram algum poder sobre nós, como pais, professores ou
patrões, são as grandes causadoras das repressões.

Segundo Freud, a essência da repressão consiste em afastar um determinado episódio da


consciência, mantendo-o distante, nos subterrâneos do inconsciente. Apartando da consciência um evento,
idéia ou percepção potencialmente provocadores de ansiedade, impedimos a sua compreensão. Como o
objeto reprimido continua a fazer parte de nossa psique, de forma inconsciente, continuará a causar
problemas.

Porque esses episódios nunca são realizados definitivamente, acabam exigindo de nós um
exaustivo e contínuo consumo de energia. Para Freud, em muitos casos, os sintomas histéricos têm sua
origem em repressões antigas.

Reprimimos as crianças quando elas estão felizes. Os adultos agem desta forma porque são
reprimidos e não conseguem aceitar facilmente manifestações semelhantes àquelas que reprimimos em
nós mesmos.

Precisamos nos analisar, precisamos refletir, precisamos meditar profundamente sobre nossas
repressões, e assim compreender e eliminar todo esse peso de dentro de nós.
Segurança, Insegurança e o Medo da Morte

Tememos o mundo externo e, na busca da segurança, nos fechamos em nós mesmos, criamos e
passamos a temer nossos próprios demônios, diretamente ou através de projeções.

Por necessidade de segurança, nos definimos. Precisamos de referências que nos dão sensação
de estarmos no controle, de termos um chão embaixo de nossos pés, de termos uma base para nos
apoiarmos.

Mas nossas bases não agüentam muita pressão, nossas bases podem quebrar com a pressão, com
um tremor de terra. Nosso chão pode se abrir bem debaixo de nossos pés, uma bomba lançada contra ele
pode exterminá-lo.

A busca incessante por segurança traz consigo a insegurança. Não há como dissociar uma da
outra. O desejo de segurança é fruto do medo da insegurança, da repulsa à insegurança. Todo desejo traz
consigo um medo.

A verdadeira segurança está no vazio, na consciência, no Ser. É nas incertezas que alcançamos a
única certeza que podemos ter, e esta certeza chama-se fé.

Todo medo está baseado no medo da morte, na nossa idéia de vida, de existência. Existência é o
que temos como referência – sou isso, sou aquilo, moro aqui, trabalho ali, enfim.

A preocupação com o mim mesmo, é a própria preocupação com a existência, é o medo da morte.

A auto-importância nos traz medo. Esta auto-importância deve-se ao apego, às paixões, às


sensações ligadas à idéia que temos de nós mesmos, à imagem que fazemos de nós mesmos. Assim, a
preocupação com o “mim mesmo” é a preocupação com uma idéia, ou conjunto de idéias, sobre o nosso
próprio Eu. E isto é bastante relativo, subjetivo, ilusório.

Criamos nossas bases, nossas referências sobre nós mesmos, nos auto-definimos para nos
sentirmos seguros, queremos passar esta imagem para os outros, pois precisamos nos auto-afirmar.

Existimos, nossos egos existem enquanto referências. Se as referências, as bases, as auto-


definições caem, então morremos.

Não deixamos espaço para que nossas idéias estejam erradas, incorretas ou incompletas, uma vez
que nos achamos perfeitos. Apaixonamo-nos por nossas idéias, a elas nos apegamos, pois nos servem de
referência e de base. Morremos, caímos, nosso mundo despenca, quando estamos errados. É a força dos
dogmas que nos dão segurança, e atrás dos quais nos protegemos e nos escondemos. Quando um de
nossos dogmas tombam por terra, nos despedaçamos com eles.

Todo medo esconde em si o medo da morte. É o ego que não quer morrer, deseja viver, existir. Mas
sua existência é baseada em idéias, referências. Ou seja, enquanto sentimos prazeres, existimos; enquanto
temos sensações, existimos. Muitos fatores concorrem para nos dar a idéia de existência.

Toda vez que nos identificamos, toda vez que nos definimos, toda vez que assumimos que somos
algo, toda vez que incorporamos algo a nossa auto-imagem, vivemos sob pressão para manter essa auto-
imagem, sob cobrança para passar aos outros a impressão ideal, sob tensão para evitarmos ações que nos
possam expor. Não queremos nada que gere uma impressão contrária ou diferente da nossa auto-definição.
E toda essa pressão, tensão, cobrança e auto-cobrança é medo.

Esta auto-definição nos separa de algo, de uma parte de nós mesmos; cria ou fortalece o lado
sombrio, ao criar ou fortalecer os egos. Esta separação gera medo.

Se nos definimos como bons, então temos que mostrar para todos que somos bons, temos que
lutar para manter tal aparência. Somos obrigados a carregar esse fardo, se não aceitamos o nosso lado
mau. E quanto mais negamos nosso lado mau, mais forte ele vai se tornando. Ter consciência desses
nossos dois lados – o bom e o mau – é ter capacidade para transcender seus limites. Então já não somos
bons ou maus. Já não mais aquilo que definimos. Já não mais nos fragmentamos. Já não mais temos
medo.
Toda identificação gera mais e mais medo. Toda identificação nasce da insegurança ou da
necessidade de segurança, do desejo de segurança.

Assim, precisamos morrer para nossos medos, nossas necessidades de segurança, nossos desejos
de segurança, nossas bases, apoios, muletas, referências, conceitos, nossas auto-definições.

O que chamamos de segurança não passa de uma ilusão, de uma sensação efêmera. Ocorre que,
sem esta confortável sensação, nossa mente entra em pânico, em desespero.

O desejo de existirmos, de sermos alguma coisa, de sermos alguém, nos traz medo, insegurança,
necessidade de aceitação, necessidade de auto-afirmação. Nossa existência psicológica está baseada no
fato de sermos alguém, alguma coisa.

O Sutta Budista Itivuttaka 58 diz:

Há esses três tipos de desejo. Quais três? Desejo pela sensualidade, desejo por ser/existir, desejo
por não ser/existir. Esses são os três tipos de desejo.

A sensação de não sermos nada, nos traz medo, insegurança. Todas as pessoas são alguma coisa,
queremos ser alguma coisa também.

Mas somente o não ser, a nulidade, a não definição, a entrega, a devoção, pode nos trazer a
verdadeira segurança, paz, felicidade, plenitude.
Sobre Vícios

O vício embota a mente e mata a vontade. É mais uma entre tantas outras formas de fuga da realidade.

Julgamos os drogados e os alcoólatras; ultimamente, julgamos também os fumantes. Mas não


percebemos nossos vícios, nossas formas de fuga, nossos apegos às sensações.

A televisão, o cinema, o jogo, o entretenimento, a diversão, a dança, a gastronomia, o consumo, o


trabalho, os livros, a busca por prazeres sempre fugazes, também são formas de fuga, de alienação. Estes
vícios podem até não ser prejudiciais à saúde do corpo, mas, para a psique, para a alma, talvez alguns deles
sejam mais devastadores do que o álcool ou as drogas. Aparentemente, ao usufruirmos desses instrumentos
de fuga, estamos apenas aproveitando a vida; afinal, precisamos de um pouco de diversão, de distração, e
merecemos esses prazeres, que nos fazem tão bem – é o que costumamos alegar, este é o discurso dos egos,
discurso que esconde a auto-adoração.

O vício é uma forma de apego a sensações que saíram do “controle”. O que pode dizer de um
alcoólatra uma pessoa noveleira? O que pode dizer de um drogado um viciado em bingo? Nada. Não podem
dizer nada, são todos viciados. O que muda é apenas o objeto do vício e sua intensidade.

O alcoolismo pode começar de forma inócua, assim como normalmente acontece com o hábito de
fumar. A pessoa começa a beber porque os amigos bebem, por achar que é bacana, por achar divertido curtir
um bate-papo no bar, regado a bebidas, porque experimenta sensações agradáveis, sensações de prazer, de
aceitação, de integração. A vaidade, o orgulho e o status são ampliados e a freqüência do hábito vai
aumentando até resultar no vício, que pode assumir diversas formas. Neste sentido, há os alcoólatras de final
de semana, os alcoólatras de festas, os alcoólatras do dia-a-dia. O vício pode estar associado a situações,
condições, pessoas ou locais.

O hábito de beber também pode começar como uma forma de fugir da realidade, das situações
difíceis, adversas. Todos nós vivemos mergulhados em ilusões e fantasias que desejamos e às quais nos
apegamos. São fantasias que nos trazem prazer e dor. A maioria das pessoas acredita que a vida é assim
mesmo, que esta é a ultima realidade da vida. Vivem tentando atingir seu ponto de equilíbrio em meio a
prazeres, dores e sofrimentos. Mas, quando não existe equilíbrio entre as experiências de prazer e dor, quando
as experiências de dor são muito intensas, quando não se consegue lidar com tais situações, busca-se uma
válvula de escape que permita ao indivíduo fugir delas. E alguns encontram esta fuga na bebida. A bebida
entorpece a mente, deixa a pessoa com a sensação de estar anestesiada. Nesses momentos tem-se a ilusão
de que os pensamentos nefastos param de atormentar.

Imaginemos, por exemplo, o caso daquelas pessoas que se casaram obrigadas. Elas olham a vida
passar, insatisfeitas por se sentirem presas a um cônjuge e a filhos que não faziam parte de seus planos de
felicidade, de seus projetos, de suas fantasias de curtir a vida. Amarguradas, sofrendo e lamentando-se pelo
que acham que perderam, ou que estão perdendo, não vivem a vida que se lhes apresenta. A idéia de estarem
presas é uma ilusão, é uma sensação que existe apenas na mente. E o que cria essa ilusão é a fraqueza, a
incapacidade de renunciar, de enfrentar dificuldades, opiniões, conceitos, padrões. Mas, incapazes de perceber
isso e sem saber lidar com a situação, essas pessoas entregam-se à bebida para fugir de suas frustrações.

Vejamos um outro exemplo. Uma pessoa cria uma ilusão com base em sua carreira profissional, no
status social e no poder, ou seja, centrada na vaidade e no orgulho. Se, por uma razão qualquer, ela perde o
emprego, vê todo o seu mundo desabar, suas bases vão ao chão. Este fato, por si só, já é suficiente para levar
uma pessoa a se refugiar na bebida. Mas, se além disto, este sujeito fica um bom tempo sem conseguir arranjar
um outro emprego que lhe restaure os prazeres e as ilusões, se sofre cobranças por parte de terceiros, que o
pressionam com exigências que ele não pode atender, se seu círculo de amizade passa a discriminá-lo, aí a
probabilidade de apelar para a bebida como forma de compensação é muito maior. O que ninguém
compreende é que tudo isso é muito comum, dá-se muita importância a essas situações, ninguém percebe que
tudo não passa de uma simples ilusão. A idéia de pressão é também pura ilusão, e nasce a partir das
sensações que nós mesmos criamos dentro de nossa mente. São nossas idéias, nossa auto-cobrança, nossos
egos que criam a sensação de pressão.
Diz o Mestre Samael Aun Weor em "A Revolução da Dialética":

Quando em alguém há orgulho, este tem por embasamento a ignorância. Por exemplo, uma pessoa
que se sente orgulhosa de sua posição social e de seu dinheiro. Se essa pessoa pensar um pouco, verá que
sua posição social é uma questão meramente mental, que são uma série de impressões a chegar à sua mente,
impressões sobre seu estado social. Quando descobrir que tal estado não é mais do que uma questão mental,
ao fazer uma análise de seu real valor, dar-se-á conta de que sua posição social existe em sua mente na forma
de impressões.

Obviamente, esses exemplos são motivos de compaixão. Se vivemos com alguém que enfrenta essa
realidade e não conseguimos ter compaixão, paciência, compreensão, para com essa pessoa, é porque temos
o coração duro e estamos olhando apenas para nós mesmos, estamos interessados somente em nós, em
nossos desejos, necessidades, prazeres. Ter compaixão não é ser co-dependente – termo da psicologia
acadêmica utilizado para se referir àqueles que vivem em função do viciado, permanecendo atreladas a ele e
fazendo desta tutela obsessiva a razão de suas vidas. Os co-dependentes só se sentem úteis quando estão
diante do dependente e de seus problemas, fazendo deles seu objetivo de vida. Adotar um comportamento
consciente é muito diferente de ser co-dependente.

Se o alcoolismo pode ser visto como fuga da realidade, por outro lado, também pode ser visto como
um subterfúgio para lidar com a situação oposta, ou seja, como uma forma de enfrentar a realidade, de criar
coragem para realizar coisas que um individuo normalmente não faria, se estivesse sóbrio. E pode ser ainda
uma forma de vingança.

Infelizmente, é impossível mostrar a verdade, a crua realidade dos fatos, a alguém que esteja nesta
situação, que tenha se tornado dependente de bebidas alcoólicas. Antes de compreender a realidade, esta
pessoa teria de vencer o vício, ou por iniciativa própria, ou com o apoio de familiares e amigos, ou buscando
auxílio na psicologia clínica, na psiquiatria ou em grupos de recuperação.

Devemos ter em mente que o alcoolismo é uma vício como tantos outros. Todos nós somos viciados
em sensações, sejam elas quais forem. Acredita-se que muitos vícios não são vícios, e sim hábitos normais,
que geram comportamentos normais, já que é comum se ver muita gente fazendo a mesma coisa, sem causar
incômodo a ninguém, em sua maioria. Alguns vícios, algumas dependências, muitas vezes nos mobilizam a
ajudar o dependente. E esta situação faz com que pareçamos “almas generosas”, criaturas “boazinhas”.

Em síntese, faz-se uso dessas substâncias não para fugir de uma realidade externa, mas para fugir de
uma realidade interna, do chamado de nossa alma, que clama por liberdade. Da mesma forma que ocorre com
as substâncias químicas, por não percebermos os apelos de nossa alma, fugimos para a televisão, para a
diversão.

Não são raras as vezes que chegamos mesmo a usar a religião, a meditação, para fugir. Não são raras
as vezes que nos escondemos atrás de belas roupagens por pura hipocrisia, fraqueza, ignorância.

Estamos sempre em busca de desafios, do novo, estamos sempre inventando problemas, coisas para
fazer, ocupações diversas. Tudo para distrairmos a mente, tudo para não olharmos para nós mesmos, para
fugirmos da realidade, do tédio, do nosso vazio existencial.

Só quando conhecemos e compreendemos os nossos próprios vícios é que podemos compreender os


vícios dos outros. Só quando conhecemos e compreendemos nossos egos, nossa carência, dependência,
ilusão, fascinação, fantasia, fraqueza, é que podemos compreender os outros, e assim praticar a paciência, a
tolerância, a compreensão, a aceitação, a compaixão.
Sobre Virtudes e Defeitos

Existe uma crença de que fomos criados por Deus e, sendo assim, como Deus não cria nada
imperfeito, somos todos perfeitos. Bem, se somos perfeitos, não precisamos mudar nada, afinal de contas
não se pode melhorar o que é perfeito.

Existe a potencialidade em nós para nos tornarmos divinos, mas estamos muito longe disto
atualmente. Mergulhados cada vez mais na matéria, fomos criando e desenvolvendo egos, defeitos. Fomos
ficando cada vez mais fascinados pelas coisas do mundo, e com isso nos distanciando cada vez mais da
divindade, de nossa realidade divina. Várias obras esotéricas explicam este processo.

Faz-se necessário percebermos que não somos perfeitos. Antes disto, fica muito difícil, senão
impossível, conseguirmos algum progresso em nossa evolução interior.

Neste contexto, nossas imperfeições, nossos defeitos, nada têm a ver com compleições físicas -
altura, cor, formato do nariz, cabelo, peso – impostas e padronizadas pela sociedade. O que está em cena é
a evolução do ser.

Precisamos ter a humildade de adquirir o hábito de observar e analisar nossas falhas. Não basta
dizer que sabemos que temos este ou aquele defeito. Admitir isso, simplesmente, não vai resolver nada,
assim como nunca resolveu ao longo de nossa existência. Só reconhecemos nossos defeitos porque as
religiões e a ética apontam o que é certo ou errado. Então concordamos e ficamos em paz com nossa
consciência.

Precisamos aceitar o estado em que nos encontramos e, pela própria vontade, passarmos ao
estado seguinte. Reprimir defeitos é um outro defeito. Não devemos tentar mudar pela força bruta, mas por
um auto-conhecimento pleno.

Se não conseguimos perceber defeitos em nós, não é porque somos evoluídos. Ao contrário,
significa que estamos cegos, adormecidos, significa que não nos aceitamos como somos.

Esta busca por auto-conhecimento não tem que ser uma busca por perfeição, uma vez que a idéia
de perfeição é filha do orgulho, da vaidade, é um fardo muito difícil de se carregar. Na busca por perfeição,
cedo ou tarde, acabaremos por nos acharmos melhores do que os outros; cedo ou tarde, acharemos que já
somos isso ou aquilo. Então, o auto-conhecimento não será possível.

Disse uma famosa jungiana:

Individuação significa ser revelado como pessoa total – não perfeita, senão completa.

Sem a eliminação dos defeitos, as virtudes não podem ser expressas plenamente. E, sem o cultivo
das virtudes, os defeitos não podem ser completamente eliminados. Precisamos criar condições para que a
vida, o Ser, se manifeste. Mas temos que cuidar com o que pretendemos eliminar, para não corrermos o
risco de eliminar o melhor que tínhamos dentro de nós.

Um filósofo disse algo como:

Os defeitos são como nuvens que se antepõem ao sol. A sabedoria é a arte de não deixar que
estes obstáculos, estas nuvens, se formem em nossa vida. Tais obstáculos matam a liberdade da alma,
aprisionando-a no estado depressivo.

Em um indivíduo cheio de defeitos, as virtudes não podem ser expressas de forma verdadeira.
Caridades são feitas com segundas intenções. O amor se confunde com posse, obrigações, deveres, e é
capaz até de matar. Troca-se humildade por arrogância. A lista de distorções é extensa.

E uma grande Mestra:

A energia acumulada não pode ser aniquilada, deve ser transferida para outras formas, ou ser
transformada em outros tipos de movimento; ela não pode permanecer para sempre inativa e ainda assim
continuar a existir. É inútil tentar resistir a uma paixão que não podemos controlar. Se a sua energia
acumulada não for conduzida para outros canais, crescerá até que se torne mais forte que a vontade, e
mais forte que a razão. Para controlá-la, tu tens de conduzi-la para um outro canal superior. Desse modo, o
amor por alguma coisa vulgar pode ser modificado, transformando-o em amor por algo elevado, e o vício
pode ser transmutado em virtude, se o seu curso for alterado. A paixão é cega, vai para onde for conduzida,
e a razão é um guia mais seguro para ela que o instinto. A ira contida (ou o amor) acabará por descobrir
algum objeto sobre o qual descarregar sua fúria, de outro modo poderá produzir uma explosão que destruirá
o seu agente; após a tempestade vem a bonança. Os antigos diziam que a Natureza tem aversão ao vácuo.
Não podemos destruir ou aniquilar uma paixão. Se ela for expulsa, uma outra influência elemental tomará o
seu lugar. Não deveríamos, portanto, tentar destruir o inferior sem pôr algo em seu lugar, mas de fato
deveríamos substituir o inferior pelo superior; o vício pela virtude, e a superstição pelo conhecimento.

De certa maneira, vivemos em aparente equilíbrio, estamos acostumados com nossos defeitos,
nossos demônios, um defeito compensa o outro. Assim, quando um demônio é eliminado, se não
colocarmos algo em seu lugar, se não colocarmos uma virtude nesta lacuna, os defeitos ficam em
desequilíbrio. Defeitos latentes podem vir à tona, defeitos existentes podem se fortalecer. Por exemplo, ao
diminuirmos o medo, a culpa, a ansiedade e a vergonha, precisamos cuidar para que não passemos a agir
com descaso, desrespeito, indiferença, desprezo, desatenção, desdém, desleixo, desmazelo, imprudência,
estupidez, vulgaridade. Logo, ao diminuirmos o medo, a culpa, a ansiedade e a vergonha, precisamos
desenvolver, simultaneamente, coragem, ousadia, força, verdade, simplicidade, sinceridade, humildade,
honestidade, mas, acima de tudo, a consciência e o amor.

Os egos, os defeitos, não são parte da natureza do Ser, as virtudes sim, pois, assim como o Ser,
são Divinas. Portanto, estes egos, estes defeitos, devem ser eliminados. Devemos conhecê-los,
compreender como se comportam, quando se manifestam, qual é o gatilho que os dispara, como agem.
Devemos saber onde estão, como atuam no âmbito mental, emocional, psicomotor, sexual, instintivo.
Devemos compreendê-los.

Quando compreendemos um defeito, ele perde sua força, mas somente um poder maior, um poder
Divino, pode verdadeiramente eliminá-lo. Quando não totalmente eliminado, um defeito poderá reincidir,
possivelmente com mais força, estilo e requinte.

A idéia de eliminar defeitos só se faz clara a quem efetivamente já eliminou ao menos algum de
seus aspectos.

Os defeitos a serem eliminados são aqueles que nos incomodam, que nos atrapalham, os que
percebemos, não os defeitos que os outros vêem em nós, não aquilo que os outros dizem que está errado
em nós, pois muitas vezes essas falhas apontadas não passam de projeções, inversões de valores,
distorções. Devemos olhar para nós com os próprios olhos e não com os olhos dos outros.

Se não cedemos facilmente à vontade dos outros, nos rotulam de teimosos. Se nos colocamos
abaixo de terceiros, nos rotulam modestos. E, se os favorecemos, nos chamam de justos.

Por mais que venhamos a mudar, por mais que venhamos a expressar virtudes, se estas não
corresponderem às expectativas alheias, então, aos olhos dos outros, não teremos tido mudança alguma.

O auto-conhecimento, a purificação, faz parte de um processo de desenvolvimento do Ser, em seu


objetivo de tornar-se uno. O auto-conhecimento não é um processo de desenvolvimento da personalidade,
não é um processo com vistas a tornar o indivíduo mais aceito, mais reconhecido, mais erudito, mais auto-
afirmado, mais seguro, mais feliz, mais próspero, rico. Não é um processo que visa retorno, não é um
processo que visa a satisfação dos sentidos. O auto-conhecimento é um processo realizado por devoção,
entrega e veneração, onde reconhecemos e compreendemos os animais, os demônios, que habitam dentro
de nós e os sacrificamos aos pés da Divindade em nosso Ser.

Desta forma, é comum ouvir que não mudamos em nada, quando não mudamos da forma como
queriam, quando não mudamos o que interessava a essas pessoas. Todos estamos preocupados com
nossos próprios interesses, prazeres, satisfações. Não temos sensibilidade suficiente para percebermos o
que está acontecendo com os que estão à nossa volta. Estamos cegos pelo nosso egocentrismo, nosso
orgulho.

Conforme eliminamos os defeitos, a nossa consciência se amplia. Então talvez possamos perceber
tudo aquilo que os outros apontam, ou apontaram. Logo, esta é a hora de eliminarmos definitivamente os
defeitos, a hora em que atingimos a percepção, a consciência de nossa realidade.

Trabalhemos com essa nova percepção da realidade agora e, a cada instante, vislumbraremos
novas possibilidades. Cada instante será um novo agora.
A mente não pode compreender a mente, os egos não podem compreender outros egos,
precisamos da consciência para compreendê-los. Precisamos de um sopro Divino para eliminar esses egos
compreendidos.

Está escrito na Bíblia, em Mateus 12:

22 – Trouxeram–lhe, então, um endemoninhado cego e mudo; e, de tal maneira o sarou que o cego
e mudo falava e via.

23 – E toda a multidão se admirava e dizia: Não é este o filho de Davi?

24 – Mas os fariseus, ouvindo [isto,] diziam: Este não expulsa os diabos senão por Belzebu,
príncipe dos diabos.

25 – Jesus, porém, conhecendo os seus pensamentos, disse–lhes: Todo reino dividido contra si
mesmo é devastado; e toda cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá.

26 – E, se Satanás expulsa a Satanás, está dividido contra si mesmo; como subsistirá, pois, o seu
reino?

27 – E, se eu lanço fora os diabos por Belzebu, por quem os lançam fora, então, os vossos filhos?
Portanto, eles mesmos serão os vossos juízes.

28 – Mas, se eu lanço fora os diabos pelo espírito de Deus, é conseguintemente chegado a vós o
Reino de Deus.

29 – Ou, como pode alguém entrar em casa do [homem] valente, e furtar os seus bens, se primeiro
não manietar o valente, saqueando, então, a sua casa?

30 – Quem não é comigo é contra mim; e quem comigo não ajunta, espalha.

Para praticarmos virtudes, precisamos estar conscientes do que sejam as virtudes, conscientes de
quais defeitos nos impedem de colocarmo-las em prática, conscientes de quais defeitos estão por trás.

Devemos estar cientes que ninguém muda do dia para a noite. Não é assim que a música toca. Não
iremos perceber que sentimos raiva num dia e, no dia seguinte, estaremos calmos. É uma espécie de
treinamento. Muitas situações vão se sucedendo, os defeitos vão se revelando em seus diferentes
aspectos. Se observarmos cuidadosamente este processo, iremos aprendendo cada vez mais sobre nós
através vida. Serão necessárias muitas, muitas situações para temperar a paciência, a calma, a tolerância,
a compaixão, a serenidade.

Se estivermos realmente determinados, os aspectos grosseiros de nossa personalidade podem


desaparecer rapidamente. Mas não nos enganemos. Se acreditarmos que isso é tudo, então ainda estamos
cegos e iludidos. O fato é que quanto mais acreditamos que sabemos, menos sabemos verdadeiramente.
Por outro lado, quanto mais noção temos de nossa ignorância sobre as coisas, mais capacidade temos de
conhecê-las e de sabermos que, cada vez mais, é maior a nossa ignorância sobre elas.

A compreensão de um mecanismo ou de uma situação particular é muito importante, mas não é


tudo. Passamos muito tempo praticando nossos defeitos. Durante esse tempo, criamos diversas manobras
sutis, treinamos esses defeitos para várias situações. Portanto, uma vez conscientes disto, teremos que
praticar melhor nossas virtudes, desenvolvê-las em seus diferentes aspectos e sutilezas, bem como
conhecer os aspectos dos defeitos que desenvolvemos e eliminá-los, através das situações vivenciadas.

Devemos estar desapegados de resultados, desidentificados com tudo e com todos, pois, quando a
busca da mudança, do aperfeiçoamento e evolução, é baseada nas comparações que fazemos, quando ela
é baseada em idéias às quais estamos apegados, identificados, então nos levará apenas a nos
identificarmos com algumas outras coisas, à mudança de rótulos, que, diante das comparações,
acreditamos ser melhores. Continuaremos identificados, fascinados com uma parte de nós mesmos. Uma
pequena parte pode ser diferente de uma outra, e podemos achá-la melhor. Mas, ainda sim, é apenas uma
parte, e permaneceremos divididos, separados, fragmentados, cheios de conflitos internos, de repressões.
Muitos livros sagrados costumam dizer que a maior caridade é ensinar a verdade. Porém, quando
ensinamos alguém, ocorre de muitas vezes nos sentirmos superiores. E, quando as pessoas não
compreendem algo, o primeiro julgamento é acharmos que elas são burras. Passamos a querer ter razão,
queremos que os outros aceitem e concordem com o que estamos dizendo, com o que estamos ensinando.
Esta postura passa a ser mais importante do que o próprio ensimanento, perdemos o respeito pelos outros,
estamos voltados apenas para aquilo que nos interessa. Os defeitos se manifestam arbitrariamente até
mesmo do que seria uma das mais nobres ações: ensinar.

No mundo de hoje, é comum desprezarmos e ridicularizarmos as pessoas virtuosas. Um simples


gesto de educação e delicadeza já é motivo para zombaria.

Devemos refletir sobre o que nos impede de expressarmos as virtudes de forma permanente.
Certamente, perceberemos que temos medo de sermos desprezados e ridicularizados, que temos medo de
sermos considerados fracos, tolos. Estamos muito preocupados em sermos aceitos, reconhecidos,
considerados, e tudo isso passou a ser mais importante do que expressar virtudes.

Tudo é limitado pela ignorância, pelo desconhecimento. Como gostar do vermelho, se durante toda
a nossa vida nunca fomos apresentados ao vermelho, nunca vimos o vermelho? Este tipo de pensamento
parece ser um dos principais desencadeadores de nossos defeitos. Conhecemos os defeitos com os
exemplos dos pais, parentes, professores, etc. Muitas vezes não gostamos destes defeitos, e passamos a
repudiá-los, sem conhecermos as virtudes que deveriam ser praticadas em seu lugar. Repudiando o defeito
e não praticando a virtude, apenas reforçamos os defeitos, que, mais cedo ou mais tarde, virão à tona. De
uma maneira ou de outra, estaremos fazendo as mesmas coisas que outrora repudiamos, ou estaremos
expressando os mesmos defeitos de forma diferente.

Defeitos são manifestações da nossa ignorância, da nossa inconsciência, e residem dentro de nós.
Nada existe fora de nós, por mais que sua expressão seja ou pareça motivada por fatores externos. A
ignorância afeta todo o nosso Ser, e removê-la é realizar a verdade

Façamos o correto que com o tempo ele virará prazeroso. - lema dos antigos pitagóricos.

Em “A Revolução da Dialética”, Samael Aun Weor assinala:

Não há por que se resistir ao negativo e sim praticar o positivo incondicionalmente, ensinando suas
vantagens pela prática. Atacando o erro, provocaremos o ódio dos que erram.

Façamos luz se é que queremos vencer as trevas.

Por fim, concluímos esta reflexão com uma das grandes frases de Gandhi:

Os únicos demônios que existem no mundo são os que habitam o coração do homem, e é aí que a
Guerra Santa deve ser travada.
Trombando com Cegos

Uma pessoa andava pela rua tão perdida em seus pensamentos que acabou trombando com um
cego. A um primeiro momento, a cena parece absurda. Afinal, como é que uma pessoa que enxerga, ou
que supostamente deveria enxergar, pode trombar com um cego? É algo que, a princípio, não dá para
entender.

Realmente, é uma situação tão inusitada que dá vontade de rir. Mas não deveríamos rir, pois é isso
que, de certa forma, fazemos o tempo todo: trombar com cegos. Fazemos isso quando discutimos com
alguém que não tem a percepção do real, que não tem compaixão, paciência, tolerância, respeito, enfim,
alguém que está totalmente entregue aos seus desejos, suas paixões, ao seu ego.

Por exemplo, se dizemos alguma coisa a alguém e este alguém não compreende as nossas
palavras, não há razão para discutir. A menos que estejamos muito preocupados em sermos os donos da
razão, o que é cegueira. Se o nosso interlocutor está cego e entramos em discussão com ele, se saímos do
estado de serenidade, então também estamos cegos ou adormecidos.

Sempre que nos esquecemos de nós mesmos, corremos o risco de trombar com cegos. Mas,
certamente, é muito pior cair no adormecimento, no esquecimento de si próprio, do que ser cego.

Aparentemente, parece que há no indivíduo um estado de adormecimento profundo, que é a


cegueira, e um estado desperto. Só que entre esses dois extremos devem existir muitos graus, muito sub-
estados, onde os que não se encontram totalmente despertos oscilam.

Sempre acreditamos que temos motivos para explicar nossos acessos de nervosismo e de raiva.
Cansamos de inventar frases para nos justificar, do tipo: “Ele foi muito grosso, não tinha como não ficar
nervoso!”, “Ele foi muito estúpido, eu tive que reagir!”, “Qualquer um teria ficado com raiva!”, “Ele pisou no
meu pé, eu não ia fazer nada?”, “Foi ele quem me ofendeu!”. Mas, na verdade, quanto mais cego for o cego
diante de nós, mais motivos temos para expressarmos nossas virtudes e não o contrário. Nunca o contrário.
Ou somos verdadeiramente serenos, pacientes, tolerantes, ou não somos nada disso. Essa história de dizer
“Sou paciente, mas ele passou do limite...” é só mais uma de nossas invenções, mais uma desculpa para
continuarmos vivendo o absurdo de trombar com cegos.

Imaginemos dois cegos trombando entre si. Se observarmos uma cena como esta, certamente
sentiremos alguma compaixão. Mas, se observarmos duas pessoas discutindo e brigando, o que acontece é
que, adormecidos que estamos, nos identificamos. Lembranças do passado assolam a nossa mente, o ego
salta para fora, e acabamos por tomar partido de um dos lados ou adotar atitudes ainda piores, quando o
que deveríamos sentir era apenas compaixão pelos cegos se trombando.

Somente aqueles que podem enxergar são capazes de se desviar dos que não podem. Mas,
estúpida e contraditoriamente, os que podem enxergar acham que os cegos, cuja deficiência lhes limita, é
que devem se desviar. Isto é, no mínimo, absurdo.
Tudo se Resume ao Pisão no Pé

Uma situação cotidiana é alguém pisar distraidamente no pé de alguém, provocando com isso sua
irritação. Obviamente, não há um motivo real para ter raiva de uma pessoa que, sem querer, pisa em nosso
pé. Mas aqueles que atribuem a si uma auto-importância muito grande, que são completamente
egocêntricos, ficam furiosos. São fatores, valores de natureza fundamentalmente psicológica, que levam a
esses estados de raiva e de destempero nervoso.

Achamos que o outro deveria olhar onde pisa, prestar mais atenção. Mas, assim como nós, a outra
pessoa também deveria ter seus pensamentos voltados para si, naquele momento. De repente, ao andar
para trás, o fez sem olhar, ou então se desequilibrou, calculou mal onde iria pisar ou fez uma série de outros
movimentos imprecisos, movimentos que certamente também já cansamos de fazer.

Quando o pisão acontece e a pessoa pede desculpas, o desfecho do impasse é um pouco melhor.
Mas quando o pedido de desculpas não vem, reclamamos furiosos, chamando o autor da pisada de mal
educado, estúpido ou cego, na melhor das hipóteses. O que queremos, na realidade, é ser percebidos,
reconhecidos, queremos que nos dêem importância. Pensando uma série de impropérios a respeito daquele
que nos pisou, somos incapazes de considerar a hipótese de que essa pessoa pudesse estar tão perdida
em seus pensamentos que nem se deu conta de ter pisado no pé de alguém.

Queremos sempre ser desculpados quando erramos, mas não somos capazes de desculpar
aqueles que falham conosco. Em certas situações, não desculpamos nem a nós mesmos.

Na maioria das vezes, um pisão no pé causa pouco ou nenhum estrago. Mas a reação provocada,
que nos deixa nervosos, irritados e enraivecidos, pode causar, certamente, grandes estragos.

Sempre temos opções nessas situações. Podemos desculpar o outro e relevar o ocorrido, ou
podemos deixar que raiva nos domine e nos leve maldizê-lo e criticá-lo. Para cada uma dessas atitudes
haverá um retorno próprio, o retorno típico de cada estado. É uma questão de escolha, uma questão de
saber o que queremos para nós, o que tem mais valor para nós.

Diante disso, devemos refletir se um simples pisão no pé, dado por alguém que nem sabia direito o
que estava fazendo, vale uma seqüência de insultos, críticas e ofensas. Devemos questionar se a melhor
conduta, neste caso, não seria desculparmos o outro e seguirmos nosso caminho em paz, ao invés de
ficarmos irritados, de contra-atacarmos, discutirmos e reclamarmos, assumindo uma postura totalmente
defensiva.

Em casos extremos deste episódio costuma ocorrer de ficarmos com tanta raiva de quem nos pisou
que chegamos ao ponto de querer revidar com empurrões e ameaças de agressão física para descontar o
pisão. Quando chegamos a vias de fato desta natureza significa que estamos mal, muito mal.

Lembremos aqui das palavras de Mahatma Gandhi:

Se o mundo continuar a praticar a velha máxima do olho por olho, dente por dente, em alguns anos
todos nós estaremos cegos.

Se observarmos a reação de um cachorro, quando alguém lhe pisa a pata, veremos que, na grande
maioria das vezes, ele emitirá um latido de dor e se afastará por alguns segundos. Mas, logo em seguida,
voltará a brincar conosco como se nada tivesse acontecido.

Neste sentido, não fica difícil concluir que somos piores do que os cachorros. Somos mais
selvagens, mais instintivos, mais vingativos, mais violentos do que eles. No entanto, achamos que somos
civilizados e superiores. Poderíamos argumentar que um cachorro reage assim porque não pensa, mas
isso contaria como vantagem para o cachorro e não para nós; poderíamos argumentar que um cachorro
não tem sentimentos, o que significaria outra vantagem para o cachorro e não para nós, pois,
definitivamente, esses tipos sentimentos que expressamos não se enquadram entre os mais nobres, melhor
mesmo seria não expressá–los. Poderíamos apelar para mais uma infinidade de argumentos, que, na
verdade, não seriam mais do que meras distorções da realidade, meras tentativas de fuga para não
enxergarmos a nossa grande estupidez.
Somos nós que julgamos a ação dos outros como ofensivas, agressivas. Somos nós que nos
identificamos com a idéia de que fomos ofendidos, agredidos, pois nos adoramos demais, somos
cegamente apaixonados por nós mesmos.

Evidentemente, precisamos expandir o que foi dito. Precisamos perceber que tudo se resume a um
pisão no pé, uma crítica, uma vingança, uma ofensa, uma agressão, uma ingratidão, um desrespeito. Tudo
se resume a um pisão no pé, é simples assim. Por mais que o pisão atinja o nosso calo, ainda assim é
apenas um pisão. A questão é se vamos desculpar o pisão ou se vamos alimentar a mágoa, o rancor, o
ressentimento. A questão é se vamos perdoar ou preparar uma vingança.

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