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DIREÇÃO
Fernando Martinho, Leonardo Miranda e Paula Miranda
EDITOR
Fernando Martinho
fernando@leiacorner.com.br
CHEFE DE REDAÇÃO
Guilherme Jungstedt
guilherme@leiacorner.com.br
AUTORES
Gabriel Macieira
Lucas Sposito
Sidarta De Lucca
Rafael Nardini
Leandro Mata
PUBLICAÇÃO REVISÃO
Revista Corner Ltda. Guilherme Semionato
www.leiacorner.com.br
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DISTRIBUIÇÃO AGRADECIMENTOS
Editora 5W Rodolfo Einsfeld, Dejan Petković, Maurinho Branco, Dudu Monsanto,
José Trajano, João Castelo-Branco, Zoran Lucić, Revista Panenka
PUBLICIDADE (Aitor Lagunas, Álex López Vendrell, Roger Xuriach e Carlos Martín
Guilherme Sucena Rio), Marilena Senra, Gilda Rondon, Benjamin Magalhães, Studio 181
sucena@grupo5w.com.br (Gregório Rosenbusch, Laura Rosenbusch e Conrado Lima),
Henrique Viard e às nossas famílias e amigos.
ASSINATURA
www.leiacorner.com.br/assine Airton Martinho (in memoriam).
E
ntre o time dos artistas malabares que elevam o futebol ao status de arte e o time
dos brutos esforçados que consagram a exigência atlética do esporte moderno,
Wayne Rooney certamente vestiria a camisa da segunda equipe. Algo que o fute-
bol de seu país tende a valorizar, provavelmente para compensar a falta de inspiração
local para dominar a coisa redonda que tanto amam. E, no sentido inglês do negócio,
o camisa 10 do Manchester United é um craque. Sua especialidade é colocar para a
frente, passar pelo adversário com força e velocidade e chutar forte. Em direção ao
gol, de preferência. Quanto ao resto – domínio de bola, visão de jogo, drible, criati-
vidade e outras brasilidades –, a tatuagem no braço direito de Rooney pode servir de
referência: just enough education to perform. Em tradução livre, “educação suficiente
para atuar”. Ou seja, em termos de técnica, dá para o gasto.
Por isso, o atacante ficou lisonjeado quando Kelly Jones, o vocalista da banda, apare-
ceu para cantar em seu casamento, em 2008. “Foi como ter ganhado na loteria”, decla-
rou o jogador, que freqüenta os shows do Stereophonics desde os 14 anos.
A canja, no entanto, custou caro. Em troca, Jones exigiu nada menos que Rooney jogas-
se algumas partidas para seu time, o Leeds United. Constrangido, o jogador chegou
a receber do músico uma camisa da equipe com seu nome estampado. Mas Jones,
coitado, não deve ver o amigo e fã pagar pela performance tão cedo. Se é que algum
dia o verá.
8 Para quem quiser conferir, o Stereophonics tem oito álbuns lançados. O nome do disco
tatuado por Rooney traz a clássica canção Mr. Writter, que é uma resposta direta a
um jornalista que criticou a banda. Além das composições próprias, a performance
de Jones é emblemática em algumas versões, como Don’t Let Me Down, dos Beatles,
que aparece na trilha sonora do filme Uma lição de amor (I Am Sam, 2003). A banda
também ressuscitou uma canção perdida de um lado B de um disco do Rod Stewart,
que criticou a versão, mas depois voltou atrás e cantou Handbags and Gladrags junto
com o Stereophonics.
A banda, que fez apenas uma apresentação no Brasil, em 2010, já chegou a mandar os
álbuns para o jogador antes do lançamento. “Quinze minutos depois, Rooney já sabia
suas preferidas”, conta Kelly.
E
le havia conseguido suportar seus últimos meses de mesmo sentimento, em que idolatravam o mesmo ídolo.
vida. O diagnóstico, que em princípio foi desalentador, Sofriam a cada partida, riam, choravam, gritavam, se
se revertia aos poucos, ao contrário daquele primeiro abraçavam. Viviam. Viviam cada partida como se pudesse
parecer médico que indicava a piora da situação. Uma leve ser a última que viam juntos.
melhora foi notada. Permaneceu sob um presságio obscu- No dia 21 de junho de 2000, tanto a televisão como o
ro e sem possibilidades de sonhar enquanto sua enfermi- rádio estavam ligados. Pai e filho se preparavam para ver
dade se prolongava no tempo. O mal-estar, no entanto, foi pela primeira vez juntos o desenlace da final no Morumbi
atenuado ao ponto de ao menos permiti-lo transcorrer por diante do Palmeiras que, uma semana antes, havia arran-
aquele período na companhia de sua família. cado um empate por 1 a 1 na Bombonera.
Seu único filho o acompanhava dia e noite; sua Parecia impossível vencer no Brasil. Era uma faça-
ex-mulher levava o menino a cada manhã e o buscava nha cuja conquista seria épica, ainda mais pelo que vinha
quando escurecia. Os livros infantis que liam eram tantos fazendo o time local, levando várias situações de risco
que estavam empilhados no chão. Beto era o apelido do ao arco do goleiro colombiano do Boca, Oscar Córdoba,
filho. O nome foi dado em homenagem ao melhor camisa sobretudo no segundo tempo. Mesmo assim, o placar
10 que, até então, tinha visto envergar a camisa do Boca: marcava um empate sem gols quando Epifanio González
Alberto “el Beto” Márcico. apitou o fim da partida. Restavam apenas os pênaltis e as
No ano em que nasceu, seu pai, de fé católica, decidiu orações.
batizá-lo. Não foi a cerimônia cristã tradicional; decidiu Beto e seu pai rezavam; se ajoelharam no chão,
levá-lo a outro templo. Um templo onde o rugido dos fiéis mirando a tela; o rádio desligado e a TV posta em silêncio.
gera uma espécie de cataclismo místico que puls durante As mesmas imagens que se viam na sala da casa do bair-
a cerimônia. E foi neste 11 de novembro de 1996 que a vida ro de Caballito, em Buenos Aires, eram as mesmas que
presenteou pai e filho. Algo que os marcaria a fogo; algo Riquelme tinha diante de si próprio, de joelhos no campo
que jamais poderiam esquecer e que a cada aniversário de jogo, no campo de batalha, em Terra Santa, na casa do
Beto recordaria: que naquele jogo contra o Unión de Santa país eternamente rival, e não dava para perder. Os rivais
Fe, o Dr. Carlos Billardo mandou a campo pela primeira faziam o mesmo, todos abraçados de joelhos no gramado
vez o maior ídolo que já teve – e terá – o povo xeneize. – inclusive seu técnico, Luiz Felipe Scolari. O céu tinha um
Tratava-se de um garoto que mais adiante viria a vestir dilema: que orações escutar?
a camisa 10 com seu sobrenome abaixo do número, um O time da casa iniciou as cobranças com Alex, que
contundente Riquelme. converteu. Mas, em seguida, Guillermo Barros Schelloto
Daí em diante, vivenciaram juntos tempos de glória; agarrou a bola com autoridade e replicou com o empate;
porém Beto jamais havia visto o Boca Juniors campeão tudo igual, 1 a 1. Pai e filho, mudos, seguiam rezando. Beto
10 até a chegada do novo treinador, Carlos Bianchi. Ao lado tinha um terço que lhe fora dado por sua avó, a mãe de
de Riquelme, já vestindo a mítica camisa 10, rapidamente seu pai, numa viagem ao interior da Argentina justamente
ganharam um bicampeonato argentino. Impensável. no verão anterior. Apegava-se cada vez mais ao objeto.
Por volta do ano 2000, a saúde de seu pai piorou. Fez tanta força que sua cabeça acabou imersa na camisa
Beto, então com cinco anos de idade, sentava-se ao lado xeneize.
da poltrona de seu pai para ver as partidas. Este ano se Depois foi a vez de Faustino Asprilla cobrar pelos
tornou especial porque foi às vésperas daquele inverno, palmeirenses, mas Córdoba o conhecia. Eram parceiros
em plena Copa Libertadores da América, que lhe transmi- na seleção colombiana. O destino colocou dois colombia-
tiram a notícia de que sua doença era terminal e que seus nos numa penalidade-chave em que o goleiro adivinhou o
meses de vida se tornariam escassos. canto e defendeu; Beto e seu pai vibraram, se abraçaram,
Seu velho rezou para que o destino fosse outro. levantaram, pularam, a emoção os invadia, queriam chorar,
Queria seguir, junto a seu filho Beto, uma vida que vinha mas os nervos não deixavam. Até que a bola foi tomada
sendo maravilhosa desde sua chegada. Uma vida em por Juan Román Riquelme. Ele – que não podia falhar –
que compartilhavam o mesmo amor, a mesma paixão, o foi com tranqüilidade, caminhando devagar, acomodou a
A ameaça dos sapatênis
TEXTO: GUILHERME JUNGSTEDT
A
ESPN Brasil foi criticada por sua cobertura da Copa do Mundo 2014. A queixa
dos insatisfeitos baseava-se na premissa de que seus apresentadores, narradores
e comentaristas foram duros demais com a Seleção durante o torneio; ríspi-
dos demais ao tratar o desperdício de dinheiro público; pesados demais ao enumerar
as oportunidades perdidas para o saneamento de algumas carências estruturais. Na
verdade, o canal fez um grande favor à crítica social e esportiva ao abster-se de praticar
o jornalismo torcedor, desnudando a ineficácia esportiva e a incompetência adminis-
trativa das instituições que regem o futebol e o país.
A Leifertização do jornalismo esportivo pode até trazer um produto mais leve e relati-
vamente atraente para os grandes públicos. Na prática, nada de errado com a proposta,
muito menos com um profissional cumprindo ordens. Não surpreende que uma empre-
sa de comunicação promova mudanças estratégicas coordenadas por seus profissionais
de marketing. A embalagem será feita com bastante competência. Mas o recheio do
produto pode suscitar dúvidas aos que realmente buscam informação.
A concorrência é forte e a ESPN Brasil não poderia dormir no ponto. As tais diretrizes
mercadológicas exigem mudanças que são compreensíveis, pelo bem da saúde finan-
ceira do canal. Um desafio para quem está entrando no ramo aplicado a um canal que
levou duas décadas para se consolidar. Naturalmente, a ESPN Brasil vai lutar por seu
próprio espaço, adotando um estilo que costumava combater.
E
nquanto servia as tulipas, Dudu come-
çou a nos contar como foi parar na
ESPN Brasil: “Preparei uma fita VHS pra
levar para a TV Alterosa, SBT-BH, Sportv e
ESPN. Essa fita tinha um documentário que
eu fiz sobre a história do Anapolina,* além
de um guia da Copa do Brasil e tudo o mais
que eu tinha. Fui à ESPN mais para conhecer
os caras que eram meus ídolos, mas acabou
que o gerente de produção mostrou a fita
para o Trajano e ele gostou. Eu nem acre-
ditei. Fiz o teste em dezembro de 2004 e
em fevereiro de 2005 vim pra cá. O resto é
história.”
Duas Copas, duas Olimpíadas e um
Pan-Americano depois, é prazerosa a tare-
fa de entrevistar Dudu Monsanto: história é
o que não falta numa carreira que começou
ainda na infância. Jornalista desde crian-
cinha, já sabia exatamente o que fazer da
vida com apenas oito anos de idade. “Meu
pai tinha uma rádio em Juiz de Fora, Minas
Gerais, nos anos 80. Certa vez ele foi
trabalhar na transmissão de um jogo entre
Flamengo e São Paulo e me levou no porta-
-malas, com os cabos. Naquela época, não
existia microfone sem fio. Você tinha que
esticar 100, 200 metros de cabos para a
fossem torcedores.
quedo preferido de Dudu e seus irmãos. A
brincadeira ficou séria quando criaram a
Rádio 100. “A partir dali eu comecei a brin-
car de operar, de ser locutor. A gente pegava
o jogo na televisão e transmitíamos como se no Rio de Janeiro. Narrei tudo que se pode
estivéssemos no local. Aquela rádio ferveu a imaginar.”
juventude petropolitana [Monsanto é natural Entre tudo o que podemos imaginar,
16 de Petrópolis-RJ] e foi um grande laboratório Dudu narrou também a última Copa. E como
para mim.” quem sentiu na pele todo o calor e fuzuê
A experiência de trabalhar em casa causados pelos problemas da Seleção, ele
desde cedo lhe rendeu expertise suficiente não fez questão de disfarçar uma ponta de
para não se intimidar com todo o aparato de descontentamento com a cobertura jorna-
um grande canal de TV. A luz vermelha indi- lística de alguns veículos. “Teve gente que
cando que o programa está no ar, a chave acabou varrendo para debaixo do tapete as
para acionar os microfones, as pressões das falhas grotescas de conduta e planejamen-
transmissões ao vivo: nada disso impres- to de futebol cometidas pelo treinador e
sionou o calmo jornalista. “Com 15 anos de por toda a comissão técnica do Brasil. Na
idade eu já fazia isso no quarto de empregada minha opinião, quem teve a melhor análi-
lá de casa. Tive muito tempo para me prepa- se e sensibilidade para ver o que estava
rar. Com dois anos na ESPN, me chamaram por acontecer e enxergar a fragilidade do
para fazer os Jogos Pan-Americanos de 2007, que propunha o Felipão foi o Mauro Cezar
* Autor do histórico gol da vitória por 1 a 0 do modestíssimo Serrano FC, de Petrópolis-RJ, sobre o Flamengo de Zico, em 1981.
dudu, o monsanto
*A ESPN Brasil perdeu os direitos de transmissão da UEFA Champions League a partir da temporada 2015-16.
entrevista José Trajano
O Zé da Tijuca
Após a ingestão de quantidades ideais de cerveja durante o papo com Dudu Monsanto,
aproxima-se o homem. Vestindo uma camisa roxa dos X-Games da ESPN, ele se senta
à mesa e até aceita um copo, mas diz que não vai beber muito. Parece bem-humorado
aquele senhor de minguantes cãs, sempre bagunçadas e quase tão rebeldes quanto ele
próprio. José Trajano é um sujeito que jamais se incomodou em falar exatamente o que
pensa em pleno ar. Ao menos para quem assiste ao Linha de Passe, essa é a impressão
que acaba se confirmando sem reservas após um encontro com o pai da ESPN Brasil.
Diante de alguém que provou ser possível fazer um jornalismo diferente, era inevitá-
vel começar a duvidar da boa orientação das perguntas escolhidas. A esse momen-
to, somavam-se mãos transpiradas acompanhadas de uma estranha interferência na
percepção entre realidade e fantasia. Aquela sensação de ver alguém da TV e achar
que ele deveria conhecê-lo tão bem quanto você acha que o conhece. Monsanto ainda
estava presente e involuntariamente deu início à entrevista: “Vai lá, pergunta aí!” já
não havia mais como se esquivar.
Já foi mais, né? Já foi mais. Mas a ESPN Brasil não caiu
aqui de paraquedas. Ela é o produto de uma soma de coisas que
desaguaram nela. A minha experiência na Folha, por exemplo:
eu acho muito mais politizada que na ESPN. Eu fui editor da
Folha de S.Paulo três vezes. Mas não era essa Folha de hoje. Era
uma Folha da época em que ela também se movimentou muito. O grande erro do
jornalista esportivo é
Vocês já viram Democracia em preto e branco*, o filme? Mais ou
menos naquela época que eu era editor da Folha.
jornalista em qualquer
que eu fiz usando uma música da Sueli Costa: Afonsinho e as
farpas de sua barba, porque queriam que ele cortasse a barba.
O jornalismo da ESPN Brasil começou no Correio da
Manhã em 1969; passou pela Folha nos anos 70 e desaguou
no canal que temos hoje. Eu acho que a gente foi até mais no área, tem que ser
antenado em tudo. Ser
cerne da coisa porque a gente vivia a ditadura naquela época.
Então nós tínhamos que ter uma habilidade muito grande para
sermos contestadores. Hoje, falar é fácil. Naquela época, era
meio complicado. E consegui falar.
politizado, gostar de ler,
ir ao cinema, trepar, ir ao
Você acha que existem diferenças ideológicas entre o que
faz a ESPN Brasil em comparação com outros canais?
O único caso que eu conheço é o do Juninho. O Alex voltou torcedor não pode
abrir mão de ir ao
porque quis o Coritiba, mas com salário bom. O Milito, joga-
dor argentino, que é um nome consagrado, voltou pro seu time
de coração [Racing] pra jogar praticamente de graça. Já tinha
acontecido com o Verón, no Estudiantes. O Heinze faz isso no
Newell’s Old Boys. estádio. É permitir a
vitória desses outros.
Aqui, um Robinho em baixa volta e ganha um milhão. Por
amor ao Santos. O outro ganha € 15 mil, ou reais, ou nada, o
salário mais baixo de lá, por amor ao clube.
Como a gente criou bicho complicado! O Robinho é produ-
to dessa coisa toda que nós estamos falando. Dessa cabecinha
de merda que a gente forma e vai lá pra fora. Por que o jogador
argentino pode voltar e jogar só por amor à camisa? O outro
volta por amor à camisa ganhando um milhão por mês?
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E o futebol brasileiro, a que ponto chegou?
Acompanha o América?
João, como correspondente de um canal brasileiro em Foi uma questão de necessidade ou tem mais a ver
Londres, qual é sensação de ser uma equipe de um com sua personalidade de querer fazer tudo por conta
homem só? própria?
Bom, tem muitas vantagens e também muitas difi- Foi meio gradual. Eu não planejei muito. Na
culdades. O escritório é em casa. Eu filmo, escrevo e verdade, quando eu comecei a trabalhar, eu gostava
edito meu material. Claro que tem uma retaguarda no muito de fotografia, de filmar.
Brasil, mas em Londres não tem mais ninguém. Mas Então comecei filmando. Por estar aqui sozinho,
eu fui criando um método de trabalhar sozinho e se fui experimentando e crescendo. Até porque o traba-
eu tivesse um cinegrafista agora sentiria até dificul- lho de cinegrafista é um pouco mais limitado dentro
dade... Não no convívio, eu gosto de estar com outras do jornalismo brasileiro. Claro, você pode ser um
pessoas. Mas estou acostumado a fazer sozinho. Posso baita cinegrafista, trabalhar em documentários, cine-
fazer a captação de imagens já pensando no produto ma. Mas no jornalismo o cinegrafista não é muito bem
final, por exemplo. Geralmente, um repórter teria que remunerado no Brasil.
voltar para a TV, decupar tudo, assistir às imagens. Na A questão financeira também é um ponto.
hora de editar a matéria, eu já sei exatamente o que Trabalhar sozinho é mais barato e isso ajudou muito
gravei. Então essa é a facilidade. Você não depende no início. Foi assim que eu comecei a ter oportunida-
de ninguém, você é a equipe. Mas ao mesmo tempo é des. Em vez de mandarem uma equipe do Brasil, eu ia
cansativo às vezes produzir sozinho, ter que carregar lá e resolvia, já que estava na Europa.
todo o equipamento, não ter alguém para segurar o Aí se você bota a cara no vídeo, marca muito mais
tripé, o guarda-chuva – ainda mais aqui no inverno. É a presença e valoriza o seu trabalho. Eu sou um bom
um pouco solitário também viajar e trabalhar sempre “pacote”. Eu faço a reportagem, filmo, edito, e esse é
sozinho. Não ter com quem dividir as angústias, os meu forte. Posso não ser o melhor em nenhuma das
problemas, trocar uma ideia, ter um conselho ou então funções, mas acho que são poucos os que conseguem
comemorar uma coisa legal que você fez. Mas no geral fazer tudo junto com um bom nível.
eu gosto, estou acostumado. Tenho muita indepen-
dência. Não estou reclamando, eu sei que é um traba- Suas referências do jornalismo inglês ajudaram a fomen-
lho que muita gente gostaria de ter. Tenho que ficar tar sua vontade de ser um videorrepórter?
esperto! [risos]. Sim. Com certeza tive algumas influências da
32
amigos durante esse período, mas também fiz viagens também via que o lado social e outras coisas importan-
à Índia e ao Nepal para conhecer uns lugares dife- tes não estavam crescendo tão rápido como a econo-
rentes. Tentei fugir do jornalismo [risos]. Achei que mia. A burocracia, a corrupção e a falta de segurança
ia acabar trabalhando no ramo diplomático ou numa preocupavam um pouco. Mas o Brasil parecia bem.
ONG. Sediar Copa e Olimpíadas é algo grande para um país,
apesar de muitas críticas válidas a esses eventos e eu
Então o jornalismo também não foi uma escolha... me coloco junto com esse pessoal, especialmente da
Não, cara! Só depois da faculdade percebi que ESPN, que criticou por razões totalmente compreen-
realmente gostava muito de imagem e fotografia. Voltei síveis, pela maneira como foram feitos esses even-
daquela viagem à América Central e decidi aprender a tos. A Europa estava na maior depressão e o Brasil,
filmar direito. Meu mestre foi o Sergio Gilz, da Globo bombando. Eu estava até animado: “Pô, de repente,
em Londres. Fui assistente dele durante vários meses qualquer problema aqui, eu volto pro Brasil.” Mas com
e aprendi o básico. a eleição e a Copa do Mundo, ficou uma coisa muito
Fui fazendo uns freelas e foi dando certo. Tinha estranha. Pelas redes sociais acompanhei toda a raiva
34 vários clientes aqui, filmando para o GNT e algumas nas eleições. Qualquer coisinha no Twitter, nada a ver
produtoras. Durante muito tempo produzi e gravei com política, é tratada com essa ressaca da eleição.
matérias para o programa AutoEsporte, da Globo, “Ah, seu esquerdista filho da p... Seus comunistas!” E a
mesmo estando na Europa. ESPN ficou até um pouco com essa imagem de algu-
Na ESPN fui pisando aos poucos, consciente mas pessoas que apoiaram isso ou aquilo. Sem uma
de que meu pai [ José Trajano] era chefe. Quando o gota de dúvida eu sou de esquerda ideologicamente,
Trajano saiu da chefia, na época das Olimpíadas de mas estou decepcionado com os dois lados.
Londres, o João Palomino disse que gostaria de contar
comigo como correspondente. O que você achou do processo de construção dos novos
estádios para a Copa?
De uma perspectiva política, como você vê o Brasil? Para mim não é difícil entender porque eu
Cara, até um pouco antes da eleição eu tinha sei como funciona o Brasil. É uma grande decep-
aquela visão aqui de fora, de que o Brasil está cres- ção, porque o país perdeu uma grande chance para
cendo, mostra potencial, economia indo bem. Mas melhorar muito. O dinheiro público deveria ter sido
Um rito de passagem
TEXTO: FERNANDO MARTINHO, GUILHERME JUNGSTEDT E LUCAS SPOSITO
FOTOGRAFIA: GET T Y IMAGES
M
oscou, 21 de maio de 2008. A noite marcava Gary Neville foi o primeiro a pedir o boné, em 2011.
a 759ª vez que Ryan Giggs entrava em campo Paul Scholes – que já havia parado no mesmo ano –
com a camisa do Manchester United, superando acabou mudando de ideia seis meses depois. Atendendo
ninguém menos que Sir Bobby Charlton, que mantinha a um pedido de Ferguson, voltou aos gramados para
o recorde de partidas pelo clube até então. A expectati- amenizar a decadência que o time sofria pelo gradativo
va era de que o embate contra o Chelsea na capital russa processo de desmanche de sua preciosa classe de 1992.
significasse o ponto final da carreira do galês, dando a Aposentou-se de vez em 2013, junto com Sir Alex – seu
entender que ele se aposentaria naquela mesma noite, único treinador durante toda a sua carreira profissional
depois de levar para casa a aclamada taça da Champions em um clube.
League numa disputa por pênaltis. Ninguém sabia muito bem o que esperar da primei-
Giggs não foi o único veterano a colocar a “orelhu- ra troca de comando do United em 26 anos. Mas houve
da” no bolso naquela ocasião. Paul Scholes e Gary um jogador que decidiu pagar para ver. Ryan Giggs se
Neville também estavam presentes na triunfante tornou o único remanescente da geração de Ferguson a
campanha. Os três fizeram parte da histórica Class of estar sob as ordens do novo comandante dos Red Devils.
’92, ano em que subiram para a equipe profissional do David Moyes foi o homem escolhido para ocupar a
United juntamente com David Beckham e Phil Neville. cadeira deixada pelo Sir.
Estavam todos presentes no heroico título europeu da A primeira janela de transferências vivida por
temporada 1998-99, em romântica final contra o Bayern Moyes foi uma decepção. A única contratação foi a
München. Durante os 16 anos entre a promoção ao time de Marouane Fellaini, consistente volante belga que
de cima e o segundo título da Champions League, os já havia trabalhado com o próprio Moyes no Everton.
homens de confiança de Sir Alex Ferguson continua- Contudo, tratava-se de um jogador que chegava mais
vam os mesmos. para compor o elenco do que para receber o bastão de
Mesmo com a ausência de Beckham desde 2003, líder do time.
aquela geração se manteve na elite do futebol europeu Moyes não era tolo. Mesmo recém-chegado ao
36 por alguns anos mais. Além de ter conquistado o tricam- posto de capitão do barco, sabia que a base do United
peonato da Premier League entre 2007 e 2009, chegou a poderia reservar boas surpresas. Não era preciso traba-
duas outras finais da Champions League em 2009 e 2011, lhar no clube para saber disso. Assim, entre tantos
faturando outra vez a primeira divisão inglesa daquele meninos, o treinador decidiu pinçar um jogador devi-
ano. Foi então que os pilares do clube mostraram os damente recomendado por Sir Alex. O escolhido foi
sinais do tempo. A renovação das peças não era apenas Adnan Januzaj.
necessária: era inadiável.
u m r i t o d e pa s s a g e m
Apesar de já ter feito sua escolha pela seleção da com atitudes excêntricas. Um ganês nascido na Itália,
Bélgica, Januzaj é – antes de belga– um jogador euro- cujos pais deixaram Gana e embarcaram para a Europa
peu. No entanto, há muitos outros casos que envolvem em busca de uma vida melhor. Porém, depois de enfren-
menos nacionalidades, mas, também ajudam a ilustrar tarem severas dificuldades, decidiram entregá-lo para
o cenário. adoção com apenas três anos de idade.
A própria seleção da Alemanha apresenta suas A situação de Januzaj é peculiar por colocar dife-
flexibilidades para convocar seu time nacional: rentes análises em questão. Seus pais deixaram a região
Shkodran Mustafi, Mesut Özil e Samir Khedira, por do Kosovo, autoproclamado independente da Sérvia
exemplo. Todos nascidos no país, mas de origens desde 2008. Assim como grande parte da população
albanesa, turca e tunisiana, respectivamente. A Suíça kosovar, a origem da família de Januzaj é albanesa.
também costuma abrir suas portas para imigran- Os conflitos na região dos Bálcãs provocaram a
tes: Xherdan Shaqiri, Granit Xhaka e Valon Behrami, emigração de um sem-número de cidadãos da anti-
nascidos no Kosovo, além de Haris Seferovic, de origem ga Iugoslávia. A família de Januzaj foi uma delas.
albanesa. Escolheram a Bélgica, onde o jogador deu seus primei-
Tantos exemplos apenas entre europeus. Mas ros chutes e atraiu a atenção do Manchester United, que
também há dezenas de casos em que basta o passa- o levou para o norte inglês.
porte europeu para tornar-se elegível para defender Tratando-se de um talento promissor, era inevi-
alguma seleção europeia: Mauro Camoranesi, Gabriel tável a discussão em torno de seu futuro: que seleção
Palleta, David Trezeguet, todos argentinos que defen- Januzaj defenderia? Algumas declarações dos jogado-
deram seleções europeias; Luis Aírton Oliveira, Marcos res kosovares que defendem a Suíça – Shaqiri, Xhaka e
Senna, Eduardo da Silva, Thiago Motta e Diego Costa, Behrami – já mostraram que existe um crescente senti-
para citar exemplos brasileiros. mento nacionalista. Eles defenderiam o Kosovo se ao
A naturalização não é uma novidade. Mas os recen- menos a FIFA e a UEFA reconhecessem a federação de
tes conflitos territoriais europeus abriram precedentes futebol do país.
para todos aqueles que acreditam que ter uma naciona- Formada por três zonas idiomáticas (alemã, france-
lidade não depende exatamente da localização geográ- sa e italiana), a Suíça é, por si só, um país que desperta
fica na hora do nascimento. curiosidade por sua variedade cultural. Mas, naque-
le seleção eliminada pela Argentina na última Copa,
apenas três dos 14 jogadores que entraram em campo
são suíços de nascença.
O que faz um jogador “ser” de um país? O questionamento sobre nacionalidade não é mais
excepcional. Está virando regra em alguns países euro-
E
xceções sempre existiram ao longo da história do peus. Além da própria Suíça, a Bélgica contou com nove
futebol. Desde o momento em que se organizaram atletas de diferentes origens. Entre eles, Adnan Januzaj e
as primeiras seleções nacionais, era possível que sua multinacionalidade, que reflete os diferentes movi-
um filho de imigrantes enfrentasse o país de seu pai ou mentos sociais, econômicos e políticos que o continente
até mesmo seu país de origem. europeu atravessou nas últimas duas décadas.
Mas a partir do final da década de 90, com a conso-
lidação do Mercado Comum Europeu e a posterior
instauração do euro como moeda, o volume de imigran-
40 tes europeus e “estrangeiros” chegou a números sem
precedentes na história.
Londres e Paris deixaram de ser o destino preferi-
do para a imigração. Qualquer capital europeia alber-
gava milhares de estrangeiros que buscavam uma vida
melhor no velho continente. Em 2004 era fácil perce-
ber a presença especialmente de romenos, albaneses,
senegaleses e equatorianos em Roma, por exemplo. Se
esses movimentos já aconteciam por diferentes motivos,
foram facilitados e acelerados nos anos 2000, com a
livre circulação de pessoas e mercadorias determinada
pela União Europeia.
Surgia na Internazionale de Milão um tal Mario
Balotelli. Temperamental, ofuscava seu próprio talento
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sucker for soccer
Confira o trabalho de Zoran Lucić no site Você é um croata que vive na Bósnia, mas que
www.suckerforsoccer.com também morou na Alemanha, Hungria, Áustria,
Sérvia e Portugal. Você se considera iugoslavo,
europeu ou sempre um estrangeiro?
Em síntese, me considero muito mais um cida-
dão do mundo do que um europeu.
C
omo na maioria das questões territoriais balcâni- tares não encontraram grandes barreiras junto à opinião
cas, a discussão popular do tema é pautada, via de pública geral. Os temores de fato vieram a ser confirmados
regra, por nacionalismos emocionais que nasceram com a constatação da ocorrência de crimes de guerra. O
há um quarto de século. O horror da guerra era catalisado reconhecimento da independência do Kosovo por gran-
pelas atrocidades televisionadas em horário nobre, prati- de parte da comunidade internacional abre uma exceção
cadas não por pessoas em trajes pitorescos em cenários conflituosa.
exóticos, mas por seus semelhantes e à cercania daquilo Com argumentos até mais contundentes a favor de
que subconscientemente lhes cabia definir como mundo seus separatismos, outras regiões não contam com apoio
civilizado. semelhante. A percepção deste precedente como positivo
Vale observar que a questão do Kosovo só veio aos ou negativo está sujeita ao entendimento de cada um sobre
olhos do grande público anos após os eventos supracitados, o direito de emancipação territorial por declaração unila-
dada a variedade de crimes de guerra que os acompanha- teral: para os entusiastas de uma abordagem mais relaxada
ram – o mais infame foi o massacre de Srebrenica, prati- para a autodeterminação dos povos, seria algo positivo;
46 cado por forças militares da República Sérvia, uma banda para aqueles dados a uma abordagem mais conservadora
territorial etnicamente Sérvia na Bósnia-Herzegovina. do tema, representa algo negativo.
Uma vez de conhecimento geral, o conflito foi apresentado Há também os que acreditam que o caso deve ser
e entendido como fundamentalmente étnico. A agressão, observado como sui generis, uma vez que a condição do
compreendida como coletivamente sérvia. Kosovo como um território de maioria étnica albanesa se
A vilanização do sérvio como perpetrador da violên- deve em parte à Sérvia e à impossibilidade de submeter
cia – em vez dos regimes instalados – determinou e segue a população de origem albanesa do Kosovo a um regime
determinando em grande parte as percepções gerais sobre que a perseguiu.
a questão kosovar. A antipatia internacional conquistada, Uma tentativa – possivelmente vã – de colocar a
aliada à complexidade inerente às questões balcânicas, questão de forma simples: o Kosovo é, historicamen-
tende a nublar a discussão. te, uma região étnica Sérvia. No século XIV, chegou a
Ao eclodir a Guerra do Kosovo em 1998, com o abrigar a capital do Império Sérvio, pouco antes de ser
precedente da violência contra civis praticada entre 1992 anexado ao Império Otomano. A presença albanesa, não
e 1995, as partes interessadas em promover ações mili- apenas no Kosovo, mas em diversas partes daquilo que
um brasileiro dos bálcãs
se expressar.
prejudicada pelo embargo. Você chega
imediatamente após o título mundial con-
quistado pelo clube. Como foi isso?
Eu chego em 1992. Tinha ofertas para
sair, mas eu era torcedor do Estrela Vermelha.
Mesmo com aquele absurdo embargo que
aconteceu, em vez de sair do país para poder
crescer mais e desenvolver meu talento, eu
Em comparação com o país onde você permaneci na Iugoslávia. Eu iria para a Euro
desembarcou há quase vinte anos, para ’92. Perdi uma grande vitrine para mostrar meu
jogar no Vitória-BA, que tipo de mudan- talento. Mesmo assim, consegui ir para o Real
ças você vê? Madrid depois de três anos no clube.
Mudanças sempre existem, mas nem sem-
pre são aquelas que gostaríamos de ver. É um Ivanović, Kolarov, Matić, Marković, Ljajić,
país maravilhoso com potencial para mudar Kuzmanović… Como você avalia os joga-
muito mais e muito mais rápido. O Brasil tem dores sérvios de hoje? É possível o surgi-
mais de quinhentos anos de história, mas está mento de uma geração tão talentosa como
atrasado. As mudanças aqui acontecem numa aquela de 1992?
escala bem mais lenta. Aqui há riquezas natu- É possível, mas existem questões óbvias
rais e não vejo problemas étnicos, portanto, que têm influência direta no futebol. Hoje, na
poderia crescer muito mais. Digo isso em com- Sérvia, temos um mercado de sete milhões de
paração com meu país, embora não seja apro- pessoas. Então, fica limitado para a ativação
priado comparar o Brasil com a Sérvia. de marcas, patrocínios e publicidade. Logo,
temos menos dinheiro. Se há menos dinheiro,
O ano de 2013 foi marcado por diversas temos menos qualidade na competição interna.
manifestações populares durante a Copa Você não consegue montar um time de qualida-
das Confederações. Como você viu esse de para jogar uma Liga Europa ou Champions
movimento? League. É discrepante o dinheiro investido no
Em qualquer movimento de massa exis- meu país com relação a outros países euro-
tem coisas por trás. Logicamente, o povo foi às peus que têm mercado de trinta, quarenta ou
ruas porque não foram cumpridas as promessas cinqüenta milhões de pessoas. Há muito mais
de que uma Copa do Mundo traria mudanças dinheiro envolvido. Com a diminuição da an-
estruturais e melhorias na saúde e educação, tiga Iugoslávia, ficou ainda mais difícil. Havia
que realmente carecem de atenção aqui no 24 milhões de habitantes: um mercado que po-
Brasil. Foi vendida uma ideia que não pode- deria gerar mais dinheiro e uma liga mais for-
50 ria ser atingida. Como em qualquer campanha te para gerar jogadores fortes. Do jeito que
política, vale tudo para conseguir, para ganhar. está, o jogador tem que sair muito jovem pa-
Depois se vê o que pode ser feito ou não. ra poder desenvolver sua qualidade e talento.
Matic, Ljajic e Lazar Markovic saíram muito
Uma sanção política imposta sobre o cedo. Não fizeram quase nada na Sérvia.
futebol iugoslavo impediu que a seleção
disputasse a Euro ’92. Você acha que a O Brasil é um país que você adotou e até
intervenção esportiva fazia sentido? a camisa da Seleção você já vestiu num
Embargo no esporte faz sentido? Não faz amistoso. Você chegou até mesmo a tor-
sentido. Nenhum. Era preciso ser uma decisão cer pelo Brasil na Copa. Você se sente
unânime da ONU, e não foi. Foi uma decisão da brasileiro?
OTAN. Em 1999 aconteceu uma série de bom- Claro, cem por cento! Sempre torci para o
bardeios da OTAN mesmo com o veto dos paí- Brasil desde a minha chegada. Antes eu admi-
ses membros da ONU. Há coisas no mundo que rava a qualidade do futebol brasileiro. Mas
um brasileiro dos bálcãs
professores excelentes.
provada, meu talento já era reconhecido. Agora,
trazer jogador do campeonato sérvio e querer
que ele seja igual a mim é muito pretensioso,
muito ingênuo ou muito injusto. Não dá tempo
de se adaptar. É uma mudança muito drásti-
ca. Eu tinha histórico, tinha currículo, seleção,
lar indiscutível nessa última Copa, como foi título, talento… É outra cultura, outro país,
o Neymar. O Bruno talvez faria parte dessa outra família… Será que a cabeça dele já está
Seleção porque tinha futuro como goleiro. Já suficientemente amadurecida pra ele brigar
havia times europeus interessados em contra- com as dificuldades daqui, no calor, na exigên-
tá-lo. Era um bom goleiro. Infelizmente sua cia, na pressão? Por essas coisas, ninguém se
vida particular estragou um garoto que pode- interessa. Não fez gol, não jogou bem.
ria virar, talvez, um goleiro de Seleção. A gente
acreditava nisso. O futebol brasileiro aprenderia com mais
jogadores europeus?
Muitas vezes, a personalidade de um joga- Não aprende nem com os próprios jogado-
dor é percebida de maneiras diferentes res que tem aqui. Desperdiça, joga fora depois
dentro e fora de campo. O que você pensa de dois jogos. Se um moleque de vinte anos
sobre isso? entrou no time, deitou e rolou num jogo, já é
As pessoas gostam de julgar. Ou você um fenômeno. Depois de dois jogos, pisou três
é vilão ou herói. Não é por aí. Independente vezes na bola e já não presta para nada. Não
disso, você é uma pessoa, um ser humano que tem planejamento. O jogador não está sendo
tem suas coisas, seus costumes, sua essência, bem tratado, lapidado. É preciso dar oportuni-
sua personalidade, sua profissão. Todo homem dades, ensinar, formar, aprimorar… Tem muita
tem o direito de errar. Às vezes a gente quer coisa. O Brasil tem talentos, só que o talento
julgar de 1 a 100 e não é assim. Acho que a per- tem que ser trabalhado. O talento, para virar
sonalidade e o perfil de qualquer indivíduo não sucesso, depende de horas e horas de traba-
podem ser muito distintos do lado profissional. lho. Além disso, precisa-se de professores
Pode ser que você não esteja acostumado a ver excelentes.
a pessoa atuando em sua profissão. A gente não
vai numa sala de cirurgia ver o médico operar. O ex-jogador Luís Figo candidatou-se ofi-
Já um músico, pianista, violinista, em um con- cialmente à presidência da FIFA. Como
certo, está focado apenas naquela coisa. Você você vê a possibilidade de a entidade ser
54 vai lá, aplaude e não vê o dia a dia, não sabe administrada por alguém que seja mais do
como ele é. Quando você começa a ter as notí- jogo e menos da política?
cias todos os dias, começa a conhecer muito Nós já temos a presença de um ex-joga-
mais. Na vida particular, você casa e percebe dor: Michel Platini, por exemplo. A UEFA está
“ah, não é isso”. Quando começa a dividir as muito bem organizada, muito mais que a FIFA,
coisas todos os dias, muda. Você tem um amigo digamos. A FIFA está encarregada pelo futebol
muito querido, que quase nunca vê, e, quando no mundo todo, mas não se mete aqui dentro
vai passar férias com ele, começa a ver os defei- [do Brasil]. Só se mete quando tem ações inter-
tos. Somos todos cheios de virtudes e defeitos. nacionais. A presença de ex-jogadores dentro
Somos de carne e osso. de organizações e instituições tão importantes
é sempre boa porque traz uma visão além dos
Houve outros jogadores sérvios que che- interesses econômicos dos cartolas, então esse
garam ao Brasil e não emplacaram. Você cara vai respeitar a profissão. Acho essencial
acha que o futebol brasileiro é receptivo a a presença de pessoas como o Figo, um cra-
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f o t o r r e p o r ta g e m : a l d e i a c a r i j ó
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futebol em quadrinhos
Que você se lembre, como foi seu primeiro contato com Você está falando de ilusões...
o futebol? Também.
Não é a lembrança mais clara que tenho na
minha vida. Meu pai foi jogador de futebol nos E seus personagens são ilusões suas? Alguns podem
anos 50. Ele jogou em vários times de Niterói, ter relação biográfica, mas outros parecem que dificil-
como o Manufatora, o Fonseca e o Canto do mente foram vividos por você. De onde eles surgem?
Rio. Mas ele interrompeu a profissão muito Isso tem a ver com a realidade que eu conheci
prematuramente. Ele se machucou, teve um quando era criança e adolescente. Eu cresci
problema no menisco e não pôde levar a car- no Barreto, um bairro operário de Niterói. O
reira até o fim. Por causa disso, a realidade do Barreto viveu um certo apogeu econômico
futebol vivida em nossa casa foi uma realidade nos anos 50. Havia muitas fábricas e um porto
inversa à que as pessoas vivem do futebol no que chegou a ser um dos mais importantes do
Brasil. Não era comum torcer para um time Brasil, sem contar os vários times de futebol,
de futebol nem sequer falar sobre futebol na que eram os times das fábricas. Mas este cená-
minha casa. Durante muitos e muitos anos isso rio começou a decair. As fábricas foram embo-
foi um tabu na minha família. Saber que meu ra, o porto perdeu a importância, os campos
pai era jogador foi o meu primeiro contato de futebol começaram a ser loteados e as vilas
com o futebol. E minha primeira prática com operárias foram descaracterizadas. Quando
o futebol foi um pouco desastrosa, porque eu nasci, vivenciei muito dessa decadência.
minha aptidão sempre foi nula. Eu costumo Mas era um local muito nostálgico. Visitar
dizer que não é que eu não quisesse jogar fute- alguns lugares do bairro é como ser transpor-
bol. Era o futebol que não queria ser jogado tado no tempo. Acho que isso criou em mim
por mim. uma implicação muito nostálgica que acaba
se refletindo no meu trabalho. Então quan-
E como você juntou isso com os quadrinhos? Os quadri- do você diz que eu não vivi alguns dos meus
nhos, sim, quiseram ser desenhados por você, talvez? personagens, é verdade – eu não vivi. Mas
É uma maneira de dizer. Mas aconteceu a par- presenciei o eco dessa realidade. Eu cresci nos
tir do momento em que eu formalizei minha anos 70 e o local já era decadente. Hoje em dia
maneira de fazer quadrinhos, que é muito é ainda mais.
assentada na realidade brasileira e naquilo que
eu conheci do Brasil. Tem a ver com a minha Você saiu do Rio para Barcelona por conta do trabalho.
vida, com o que eu sou e com tudo que me Você já consegue pensar em histórias a partir da sua
formou como ser humano. O futebol é parte vivência em Barcelona ou você ainda traz o que viveu
disso. Eu venho dessa realidade menos glamo- no Brasil?
rosa do futebol. Talvez a realidade mais pre- Nenhum aspecto do meu trabalho foi influen-
sente no futebol, na verdade. Se você pensar ciado pela cidade. Todas as minhas histórias
na quantidade de jogadores que não chegam são baseadas exclusivamente naquilo que
a ser ídolos, que não chegam a ter um nome eu vivi no Brasil. Meu trabalho não sofreu
nacional ou sequer chegam a jogar em grandes nenhum tipo de update – se você prefere
clubes... usar essa palavra – quando eu me mudei para
Barcelona. A realidade que eu retrato é a reali-
72 Mas você junta o futebol com os quadrinhos de algum dade que eu conheci e o ponto de vista que eu
jeito em especial ou é como qualquer outro assunto que trato nas minhas histórias é o que eu adquiri
você aborda? naquele momento. Até hoje é assim.
É um dos assuntos que mais me interessa, na
verdade. Não o futebol em si, mas a vida em E você disse que não torcia para nenhum time no
torno do futebol. Quer dizer, os bastidores Brasil...
do futebol e o que está vinculado ao universo É que na verdade eu nunca consegui me
do futebol. As aspirações, os sonhos destruí- identificar com nenhum time do Rio, por
dos, as maquinações de clubes ou dirigentes exemplo. Sinto que eu pertencesse àquela rea-
ou a forma como alguns jogadores tentam se lidade. O único time pelo qual eu torceria é o
apresentar, se projetar dentro desse universo Manufatora, que é do Barreto e foi o primeiro
– nem sempre conseguindo. Isso me interessa time em que meu pai jogou. Eu realmente sinto
muito mais. Porque é um dos aspectos que eu que é o único time que me representa. Eu
acho que me formaram, na verdade. nunca me seduzi pela possibilidade de torcer
futebol em quadrinhos
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un club més
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S
andro Rosell foi o presidente mais votado da história Real Madrid na contratação de Cristiano Ronaldo (€ 90
do Barcelona. Em uma disputa que contou com a parti- milhões).
cipação recorde de 48% dos mais de 177 mil sócios do Para reforçar a controvérsia, Neymar foi um mero
clube, o ex-gandula do Camp Nou arrebanhou mais de 35 coadjuvante em sua primeira temporada. Imprensa e torce-
mil votos, terminando o pleito com a preferência de mais dores faziam críticas ferinas ao jogador, tanto por sua irri-
de 60% dos eleitores. Quando assumiu a presidência do tante mania de se atirar no chão a cada contato físico quanto
Barcelona em junho de 2010, encontrou um time que havia pela ausência dos lances mágicos que ensejaram sua contra-
faturado quatro ligas espanholas, duas Champions League tação. “O problema do Barcelona é Neymar”, reclamava a
e um Mundial de clubes da FIFA, para citar os títulos mais lenda blaugrana, Johann Cruijff.
un club més
Pep Guardiola saiu de Munique naquele domingo para espanhola para minimizar a legitimidade do movimento
votar; sua posição pró-independência já foi manifestada separatista. Vive-se um Barça-Madrid político. Ler o La
inúmeras vezes. É verdade que sempre demonstrou honra Vanguardia, de Barcelona, ou o El País, de Madri, provoca
ao vestir a camisa da Espanha. Mas dizia que seu país era a mesma sensação de ler o catalão Mundo Deportivo ou o
a Catalunha. madrilenho Marca, dadas as prioridades editoriais de cada
A consulta popular 9N, como ficou conhecida, foi jornal.
feita à revelia das autoridades judiciais espanholas, já que O Barça não se pronuncia oficialmente a favor da inde-
estas haviam proibido o movimento em outras ocasiões. O pendência, mas qualquer comunicado oficial é feito sempre
governo catalão decidiu garantir a consulta, mesmo saben- em catalão. A Barça TV é transmitida 24 horas para toda a
do que o resultado não acarretaria num processo real de Catalunha via TV aberta – em catalão. Na temporada que
independência. antecedia o 9N o clube lançou um uniforme com as cores
Tal movimento faz ecoar ainda mais os coros no Camp da Senyera. Não bastassem as incontáveis bandeiras da
Nou a cada vez que o placar mostra “17:14”. Artur Más sabe Catalunha, a camisa do clube também precisava levar as
que sua popularidade só cresce e se consolida com suas cores da sonhada nação.
medidas. As urnas mostraram a vontade dos catalães. Se ela
é tecnicamente viável ou judicialmente possível, não vem
ao caso.
A Espanha sofreu guerras civis que até hoje instigam A demasia de La Masia
muito rancor entre as regiões envolvidas. O País Basco era
D
82 uma das mais tensas e por meio do grupo terrorista ETA urante o reinado de Pep Guardiola, a romantização do
sediou algumas cenas desagradáveis e, certamente, desne- sistema de jogo adotado por ele esteve presente em
cessárias. Os reais motivos em movimentos separatistas são qualquer mesa de bar ou em programas de TV fechada
quase sempre econômicos. de segunda à noite ou diariamente depois do almoço. Todos
A Catalunha, felizmente, não dispõe de um grupo enchiam a boca para dizer que Messi, Xavi, Iniesta, Puyol
semelhante ao ETA. Apostam no diálogo e nas manifesta- e companhia jogavam juntos desde as categorias de base;
ções civis. Artur Más se apropriou desse sentimento para sempre jogavam da mesma forma, no mesmo sistema tático
reivindicar, radicalmente, maior autonomia à região. Ele e, por isso, tinham um jogo tão sincronizado.
mesmo deve saber que a independência não é um ótimo Por um lado, é preciso reconhecer os méritos do clube
caminho. Mas sabe muito bem que pleiteá-la pode torná-lo em revelar quase um time titular inteiro e ser campeão
mais popular. da Champions League com ele, precisamente em 2011,
Com o resto da Espanha, não apenas Artur Más, mas no Wembley Stadium; naquela ocasião, Dani Alves,
também toda a Catalunha, vêm sendo vista da pior manei- Mascherano, Abidal e Villa eram os únicos titulares não
ra. São intermináveis as tentativas do governo e da mídia formados em La Masia. Entre os suplentes, apenas Adriano,
O CHEIRO DO RALO
P
ara além do tradicional futebol joga-
do de pé em pé, de gênio para gênio,
o FC Barcelona teve por décadas sua
imagem associada aos movimentos polí-
Quanto vale o show? — Menos de 24 ticos identificados com a vanguarda da custaram aos cofres da equipe cerca de
horas depois da renúncia de Sandro esquerda e com o sonho de uma república € 730 mil.
Rosell, o novo presidente, Josep María independente do poder central espanhol.
Bartomeu, se vê obrigado a dar deta- Cada gol barcelonista era – e de certa Republicanos — No
lhes da nebulosa negociação que tirou o forma sempre será – como se a imaginada mesmo período em que o esquadrão
craque brasileiro Neymar do Santos: aos pátria da Catalunha se tornasse um grão- liderado por Pep Guardiola jogava por
€ 57,1 milhões declarados oficialmente, zinho mais possível. Cada vitória é uma música, exibindo orgulhosamente o logo
somam-se parcerias sociais e de marke- oportunidade que os torcedores têm para da UNICEF em seu uniforme, a direti-
ting, um acordo de prioridade firmado olhar bem no fundo dos olhos dos rivais va do Barcelona – sem muito alarde –
com o clube praiano e as luvas recebidas madridistas privilegiados pelo regime selava uma parceria com o Bunyodkor,
pelo atleta. Nada explicitado anterior- ditatorial do general Francisco Franco – clube uzbeque dos mais controversos.
mente, como deveria ter sido feito. Com iniciado após uma sangrenta guerra civil O negócio foi acertado com Gulnara
estas “cláusulas”, o negócio sobe para € entre 1936 e 1939 –, o que ainda atiça as Karimova, filha de Islam Karímov, presi-
86,2 milhões. Fora outros componentes rivalidades regionais dentro e fora dos dente do Uzbequistão desde 1990, e dona
que aumentaram ainda mais o valor. A gramados. Acontece que, em tempos do conglomerado Zeromax, que alinha
estranha transação recebe atenção do de investimentos sem fim, a ideologia empresas de praticamente todas as esfe-
fisco espanhol, que entra com medidas tem passado ao largo para os poderosos ras econômicas no país, da mineração à
punitivas contra o clube. gestores do clube culé. Futebol é negó- agricultura. Pelo acordo, foram pagos €
cio – dos mais lucrativos – para todos, é 5 milhões de euros ao Barça. Em troca,
Cadê a minha parte? — O Barça inicia claro. E é precisamente aí que o tiki-taka a equipe deveria fazer duas partidas
um processo interno de investigação para tem perdido cada vez mais espaço para as amistosas contra o desconhecido rival.
saber se Albert Valentín tentou inflar a páginas policiais espanholas. O primeiro jogo foi disputado em janei-
negociação com o lateral-direito Douglas, ro de 2009 e o segundo ainda segue na
ex-São Paulo. O então responsável pela secretaria esportiva do promessa. Outros três milhões de euros extras foram pagos
clube – e colaborador próximo ao ex-todo-poderoso Andoni ao clube após as visitas de Messi, Puyol e Iniesta às canteras
Zubizarreta – teria oferecido € 12 milhões ao uruguaio Juan do Bunyodkor. A ONU classifica a ditadura da ex-república
Figer, intermediário na negociação, para contratar o brasileiro. soviética como uma das mais sanguinárias do planeta, “onde
O valor que teria sido oferecido por Valentín é três vezes maior se vê tortura como prática rotineira e com o objetivo de extrair
que o valor oficializado na contratação meses depois. Detalhe: confissões e criar medo na população”.
a Traffic detinha 40% dos direitos federativos do atleta. Os
84 brasileiros Henrique e Keirisson, ambos com pouquíssimos Até tu? — Gica Popescu, capitão do Dream Team de Cruijff,
minutos em campo com a camisa blaugrana e cedidos rapida- é condenado a três anos, um mês e dez dias de cárcere na
mente para outros clubes, foram outros atletas ligados à Traffic. Romênia, sua terra natal, acusado de extorsão, evasão fiscal e
lavagem de dinheiro. Os crimes teriam sido praticados durante
Espionagem — Joan Laporta nunca escondeu suas preten- as negociações envolvendo 12 atletas romenos negociados com
ções políticas. Até aí, nada de errado. Acontece que a gestão clubes do exterior. O desvio, segundo as autoridades do país,
do ex-presidente acabou acusada de ter contratado a empresa chega a US$ 1,5 milhão.
Método 3, especializada em vigilância e espionagem política
e individual, para cercar alguns de seus possíveis rivais. Entre Coisa antiga — O ex-presidente culé, Josep Lluis Núñez i
eles, quatro dos vice-presidentes ( Joan Boix, Joan Franquesa, Clemente, e seu filho, Josep Lluis Núñez i Navarro, são condena-
Rafael Yuste e Jaume Ferrer) e até jogadores como Deco e dos à prisão por subornar inspetores da Fazenda espanhola, que
Ronaldinho. Tudo teria sido pago com dinheiro do clube. De teria feito vista grossa para o não recolhimento de € 13 milhões
acordo com o jornal El País, os “investimentos” foram camufla- em impostos que deveriam ser pagos pela empreiteira da família,
dos nos balanços fiscais. Os mais de cem informes policialescos a Núñez y Navarro. A pena inicial da dupla é de seis anos.
entrevista Revista Panenka
O espírito Panenka
Com a progressiva conversão da informação esportiva num produto de entretenimento,
diversas vozes se manifestam e atuam em alternativas editoriais que transcendam os
limites ideológicos impostos pelas grandes mídias. Para muitos, essas vozes pertencem
a verdadeiros “loucos” que insistem em apostar em histórias culturais de futebol em
plena era da digitalização dos suportes e meios.
Estes loucos estão por todas as partes: Inglaterra, Alemanha, Argentina, Espanha. E
foi justamente no país ibérico que a Corner encontrou uma de suas inspirações para
tentar romper o muro de mediocridade da crônica esportiva. A revista Panenka não
entrou no negócio como quem já conhecia o caminho. Ela passou por um processo de
evolução que hoje a credencia a um lugar entre as principais publicações do segmento.
Rivalidades à parte, é tranqüilizador saber que os brasileiros não são os únicos a detec-
tar a galopante regressão do futebol cinco estrelas. Ainda melhor é constatar que a
Seleção tem críticos tão ferrenhos quantos os daqui, só que do outro lado do Atlântico.
Brasil vem dando passos para trás. Ele está deixan- a Espanha conseguiu coletar êxitos. Parece que o
do de lado seu futebol mais estético e buscando um Brasil está tentando reinventar um registro que não
futebol mais prático desde 1982, na Espanha, train- é o seu.
do todo um legado histórico. Acabaram incluindo
jogadores com perfis muito menos criativos, porém Álex López Vendrell — Antigamente, um time pode-
mais agressivos e mais atléticos. É até difícil de reco- ria ter cinco jogadores de altíssima qualidade que
nhecer o Brasil comparando-o com ele mesmo de serviam somente para fazer jogadas de ataque. Hoje
décadas atrás. Difícil imaginar que seja um problema em dia, até mesmo zagueiros e goleiros jogam ofen-
de escassez de talento, dado o tamanho do país ou, sivamente. Assim como os atacantes defendem.
ainda pior, por pura covardia tática de quem coman- Aqueles nomes do Brasil de 1970 não precisavam
da o futebol brasileiro. marcar. Nem fazia falta que eles marcassem. Hoje
teria que pedir ao Pelé que marcasse um lateral ou
Roger Xuriach — Talvez o fato de tantos jogadores que o Rivelino voltasse para compor a zaga num
atuarem no futebol europeu forçou os jogadores escanteio.
brasileiros a serem menos criativos, já que a exigên-
cia de competição na Champions League é muito Carlos Martín Rio — Mas tudo isso pode existir. O
intensa. Isso pode ter confundido a tradição futebo- Barça de Guardiola era milimétrico, jogava muito
lística brasileira. Preocupam-se mais com a discipli- bem, havia diversão. Mas estava tudo calculado.
na tática e menos com o próprio talento. É a ordem Não é fácil colocar jogadores só porque são muito
inversa à que o Brasil sempre praticou. bons. Também é preciso preparar tudo de manei-
ra metódica. Sem um trabalho tático, não funciona.
Depois de uma campanha tão ruim numa Copa Todos têm que defender, mas todos também podem
do Mundo em casa, o que vocês acharam do atacar. Parece que o Brasil está traindo a si mesmo.
retorno de Dunga ao comando da Seleção? Se os últimos resultados não foram bons, por que
não mudar a filosofia e buscar as origens? Acredito
Álex Lópex Vendrell — É a reafirmação disso tudo. que o Brasil de 1982 é mais lembrado que o de 1994.
Optar pelo prático, por um futebol talvez mais euro-
peu, mais de resultados. Talvez um futebol mais Com relação à Espanha, o que aconteceu? O
anárquico não teria tanto espaço para êxito hoje em estilo envelheceu? Os jogadores? O Vicente del
dia, dada a evolução física dos jogadores modernos. Bosque?
Atualmente o esporte se converteu numa ciência,
com muito estudo e conhecimento por trás. Talvez Aitor Lagunas — O futebol é muito pendular. Muitas
um Brasil com o estilo de jogo de 1970, por exemplo, coisas aconteceram no ciclo entre 2010 e 2014. O
contra os jogadores atuais, não teria nenhuma chan- Chelsea ganhou uma Champions jogando um fute-
ce de triunfar. bol muito diferente daquele que vinha imperando. A
Espanha perdeu, mas foi fiel ao seu estilo. É difícil
Aitor Lagunas — Mas duvido muito que Dunga manter a fome depois de conquistar duas Eurocopas
escalasse o time de 1970 como escalou Zagallo. e uma Copa do Mundo num período de seis anos.
Hoje há jogadores brasileiros de bom nível como
Lucas Moura, que ficou de fora da Copa. Discordo Falando especificamente do Barcelona, vocês
que a modernidade no futebol não permita esca- acreditam que a saída de Guardiola, o declínio
88 lá-los juntos. A modernidade é pendular. Em um técnico do time e a contratação de Neymar
dado momento, o mais moderno era escalar cinco contradizem o slogan institucional
atacantes; em outro, foi o Catenaccio. Você nos e o posicionam como apenas mais um
perguntou sobre o Barça-Santos. Quantos meio- clube?
-campistas havia no Barça? Sete. Isso era o mais
moderno naquele momento e o Brasil está indo Alex López Vendrell — Creio que foi uma contra-
contra essa tendência. Acho que o mais importan- tação desnecessária. Desembolsaram um dinheiro
te é encontrar o registro futebolístico histórico de enorme que até hoje não se sabe quanto foi exata-
um país. Foi algo que à Espanha custou, não sei, mente. E também significou uma aposta por um tipo
noventa anos? Enquanto não encontrasse esse esti- de jogador mais de marketing do que de futebol. É
lo, a Espanha não poderia competir contra estilos o tipo de contratação que o Real Madrid costuma
mais físicos, de mais estatura, como o da Alemanha, fazer. No futebol globalizado prioriza-se esse tipo
por exemplo. Quando encontraram o nosso registro, de jogador, que traz retorno financeiro antes do
com jogadores mais baixos, de toque, de qualidade, futebolístico. O primeiro ano do Neymar foi muito
o e s p í r i t o pa n e n k a
Durante a maior parte de seus 110 anos de existência, o Bohemians Praha foi um clube humilde e de menor
expressão em seu país. Estabelecido na região de Vršovice, distrito da capital tcheca, era presença esporá-
dica na primeira divisão tchecoslovaca até 1973, a partir de quando permaneceu por 22 anos ininterruptos
na primeira divisão de seu país. Seu único título na principal competição nacional foi conquistado durante
essa “era de ouro”, precisamente na temporada de 1982-83. Ironicamente, o feito ocorreu justamente na
temporada seguinte à saída do célebre meia Antonín Panenka, que ficou no clube por 15 anos e emprestou
seu sobrenome à cobrança de pênalti que no Brasil é conhecida como cavadinha.
Apesar do título – e de Panenka –, é possível afirmar que se tratou de um período modesto demais para
ser chamado de era de ouro. No entanto, esse momento de glória em uma história de humildade converteu
o clube numa espécie de herói local. Assim como Portuguesas ou Américas, o Bohemians passou a ser um
clube amigo para quase todos. Como um parente boa-praça que não logrou muito sucesso na vida, o clube
goza de um respeito quase fraternal por parte da maioria das torcidas de Praga. Mesmo em seu clássico
92 mais importante – o desproporcional dérbi de Vršovice contra o multicampeão nacional Slavia Praha –, sua
torcida costuma ser amistosamente recebida quando o time joga como visitante.