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Reflex6es em Educa¢ao Musical: uma breve retrospectiva histérica dos processos de transmissao do conhecimento musical no Ocidente Solange Pereira de Abreu abreusolange@hotmail.com Patrick Ribeiro do Val patrick do_val@yahoo.com.br Mateus Alencar Nikel mateusanikel@gmail.com Nilton Soares da Silva Junior niltonssjunior@gmail.com Sérgio Lutz de Almeida Alvares sergioalvares@musicautr br a relagio da miisica com o ser humano através do histérieo de modelos ocidentais de ensino de miisica, abordando a seguinte questo: Quais sdo os antecedentes histéricos de transmissio de conhecimento musical que fandamentam ¢ estruturam os modelos atuais de educagao musical no Brasil? © objetivo do estudo é trazer uma reflexo para educadores musicais sobre quais seriam as bases histéricas que fundamentam os processos atuais de ensino ¢ aprendizagem da miisica no Brasil. Os procedimentos metodolégicos do estudo partem de um procedimento técnico pertinente & pesquisa bibliogrifica, Através de breve revisio de literatura: (a) descrevem-se conceitos e hipéteses da relacdo da mtisiea com o ser humano; (b) apontam-se eventos referentes & formalizacao dos processos de ceducagio musical no Ocidente; e (c) tecem-se consideragdes reflexivas. Palavras-chave: Histéria da educagio musical ocidental. Origens e fungdes da musica. A relagio da miisica com o ser humano, 1. Introdugiio estudo aborda a relago da musica com o ser humano através do histérico de modelos ocidentais de ensino de misica, que fundamentam e estruturam a maioria dos curriculos de educagéo musical no Brasil. Busca-se investigar a seguinte questo: Quais sao os antecedentes histéricos de transmissio de conhecimento musical que fundamentam e estruturam os modelos atuais de educacao musical no Brasil? © objetivo geral do estudo € trazer uma reflexio para os educadores musicais sobre quais sfio as bases e fundamentagées histéricas presentes nos processos atuais de ensino e aprendizagem da misica. Especificamente: (a) descrevem-se conceitos ¢ hipéteses da relagio da mitsica com o ser humano; (b) apontam-se eventos e marcos referentes & formalizacao dos processos de educacio musical no Ocidente; e (c) tecem-se consideragées reflexivas. Os procedimentos metodolégicos do estudo partem: (a) de uma natureza a, com intuito de colher informagao para reflexes, possibilidades e alternativas para potencial aprimoramento do ensino da misica; (b) de uma abordagem qualitativa de interpretacao das questées inerentes & literatura revisitada; (c) de um objetivo exploratério de contetido histérico ponderativo; e (4) de um procedimento ténico pertinente A pesquisa bibliografica. ‘Anais do 17° Coloquio de Pesquisa do PPGM/UFRJ — Vol — Educagio Musical e Musicologia — p24 Para interpretacio dos dados, propde-se 0 método cientifico fenomenoldgico (HUSSERL, 2001) como forma critica de pensamento, onde a significagao do objeto do estudo interage com a ética intencional do educador musical enquanto pesquisador no seu cotidiano docente. Através de breve revisio de literatura, investigam-se as hipotéticas e origens da miisica, sua relacao com a humanidade, suas fungGes sociais e eventos de transmissio de conhecimento musical no Ocidente. 2. Relagio da misica com o ser humano O ser humano atual deriva de aprimoramentos evolutivos da espécie Homo sapiens. Ha evidéncias de instrumentos musicais que datam de cerca de 40.000 anos, sendo atribuidos As subespécies Homo sapiens sapiens e Homo sapiens neanderthalensis (FINK, 1997; CONARD et al, 2009). Especula-se que, neste perfodo que retoma a meados da iltima Era Glacial, desenvolveu-se a comunicagio entre os seres humanos com o surgimento de varias linguagens: gestual, verbal, visual e musical, dentre outras. Caracteriza-se a musica de entio como uma forma de expressio, comunicagio ou linguagem. Hipéteses sobre a origem da misica nunca puderam ser comprovadas, entretanto a existéncia da musica em todas as sociedades humanas parece evidente. 1995, na Eslovénia, no Sitio Arqueolégico Divje Babe, foi encontrada uma flauta do periodo Paleolitico, feita com osso de urso-das-cavernas, datada de cerca de 40.000 anos a.C. (FINK, 1997). Nao ha um consenso em relagio as origens da miisica. Provavelmente, ela veio a existir por ser uma forma util e agradavel de expressio e comunicagio. Independentemente de polémicas quanto as suas origens, sua relevncia no desenvolvimento sociocultural da humanidade vem captando a atengao de estudiosos. Com o intuito de explicar as origens da missica, algumas teorias foram elaboradas (ALVARES, 2015). A teoria da evolug&o propde que a misica teria se desenvolvido a partir dos instintos sexuais, aprimorando as estratégias para a propagagao da espécie. Gaston (1968) indica que a misica teria se desenvolvido gracas & evolugao biolégica do eértex cerebral, que promoveu a supressio da raiva ¢ da hostilidade, possibilitando, assim, 0 convivio social. Tal aperfeicoamento teria também influéncias no desenvolvimento endécrino feminino, o qual permitiu que a mulher primitiva se libertasse de seus instintivos impetos sexuais ao optar pela selecio de um tnico parceiro para o acasalamento. De tais aprimoramentos surgiria a familia como alma mater da sociedade, onde a misica de entao teria sido gerada. A teoria da evolug&o propde que a misica teria se desenvolvido a partir dos instintos sexuais, aprimorando as estratégias para acasalamento ¢ favorecendo a propagacio da espécie. Adeptos dessa teoria citam os sons emitidos por passaros durante o cortejo como referéncia. Os sons musicais teriam, entao, a fungao de seducio rumo a eépula. Api fisica atual poder expressar sentimentos de amor e paixdo, Em de a miisi parece nio haver evidéncias que validem tal hipétese. Criticos dessa teoria argumentam que os passaros cantam também fora do periodo de acasalamento. Ademais, se ela fosse pertinente, as miisicas de culturas primitivas contemporaneas deveriam ser primariamente miisicas de acasalamento, o que no é 0 caso. Outro forte argumento contrario é a inexisténcia de misicas de acasalamento dentre outros primatas atuais. A teoria do ritmo propée que a miisica teria se desenvolvido a partir do movimento ¢ da danga. Indiscutivelmente, a mtisica acompanha a danga na grande maioria dos ritos culturais, quer seja vocal ou instrumental. Porém, o fato de ambas ‘Anais do 17° Coloquio de Pesquisa do PPGM/UFRJ — Voli — Educagio Musical e Musicologia — p.25 serem usualmente concomitantes torna impossivel definir qual originou qual. Teria o ritmo do movimento corporal originado a miisica ou vice-versa? A teoria de misica de trabalho propée que a miisica teria se desenvolvido como instrumento de coordenagio para o trabalho coletivo. Esta teoria é, por vezes, atribuida ao economista Karl Biicher (1847-1930) e pode ser considerada como uma ramificagdo da teoria do ritmo, desta vez associada ao movimento coordenado para o trabalho sincronizado. Embora haja coeréncia no pressuposto de que a musica pode estimular a produtividade, nao ha respaldo para justificar que esta tenha sido sua fungao primordial. A teoria da imitagio propde que a misica teria se desenvolvido a partir da imitago dos sons da natureza e dos animais, tendo como base o fato de que alguns passaros emitem sons em alturas fixas e utilizam intervalos melédicos que se repetem. Outras linhas de pensamento, entretanto, contrapdem-se, afirmando que mtsicas de culturas primitivas nao imitam o canto dos passaros e os sons que estes emitem sao simplesmente reflexos biolégicos instintivos, ao passo que a misica humana é proposital, conceitual e estética. A teoria da expressio propde que a misica teria se desenvolvido a partir da fala emotiva, Adeptos desta teoria alegam que a fala, carregada de significado emotivo, adquiriria caracteristicas musicais tais como altura e ritmo. Criticos, porém, argumentam que a fala carregada de expresso emotiva nao tem nenhuma fungao musical e configura-se, meramente, em discursos momentaneos de emogdes sem significado artistico-musical; A teoria da fala melédica propde que a misica teria se desenvolvido a partir de acentuagdes e entonagdes da fala. Pode ser também considerada como uma variagao da teoria da expressao. Segundo essa concepsio, as melodias surgem da fala empolgada de recitativos. Contudo, o recitativo pode ser considerado uma ramificagao aprimorada da fala, sem cardter primitivo e, portanto, posterior ao surgimento da miisica; A teoria do acalanto materno prope que a miisica teria se desenvolvido a partir da eriagao de melodias para embalar os bebés, pressupondo que povos ancestrais teriam comportamentos maternais similares aos contemporineos, 0 que nao necessariamente procede. ‘A teoria da comunicagao, ou teoria de sinais, propde que a misica teria se desenvolvido como uma ferramenta de comunicagio a disténcia. Porém, a emissio desses cédigos sonoros revela uma certa sofisticacio na linguagem, 0 que, provavelmente, nao ocorreria naquele momento pré-histérico. A teoria da comunicagdo com o sobrenatural propée que a misica teria se desenvolvido como veiculo de conexio religiosa com os deuses. Porém, a mesma critica anterior procede. Merriam (1964) delega A misica a fungao de amélgama social. De acordo com Freire (2011), Merriam realizou uma classificagio das fungées sociais da misica, que resultou em dez categorias principai: 1) fungio de expresstio emocional; 2) fungio de prazer estético; 3) fungao de divertimento; 4) fungdo de comunicacio; 5) funcio de representacao simbélica; 6) fungao de reagio fisica; 7) fungio de impor conformidade is normas sociais; 8) fungao de validagao das instituigdes sociais e dos rituais religiosos; 9) fungio de contribuigao para a continuidade e estabilidade da cultura; 10) fungao de contribuiglo para a integragao da sociedade (FREIRE, 2011, p. 30). ‘Anais do 17° Coloquio de Pesquisa do PPGM/UFRJ — Voli ~ Educagao Musical © Musicologia ~ p26 Em relago a diferenciagao entre misica e linguagem, Nett] (1975) sugere que, enquanto a linguagem evolui na construgio de vogais ¢ consoantes em palavras, a misica, paralelamente, evolui na construgao de alturas determinadas em intervalos melédicos. A misica, entdo, relacionar-se-ia como linguagem em trés estdgios: (a) linguagem e misica nao diferenciadas; (b) diferenca nitida entre musica e linguagem; e (©) criagéo de estilos musicais. Dowling e Harwood (1986) sugerem que o desenvolvimento de estilos musicais funciona como propulsor de uma identidade sociocultural. Para Sloboda (1985), a misica foi criada como uma ferramenta atil para a perpetuagao da meméria cultural coletiva das sociedades arcaicas e também como estruturagao de cédigos de conduta social. Desse ponto de vista, ela seria essencial para a sociedade, mas nao necessariamente para o individuo. Em outras palavras, uma pessoa poderia viver sem musica por um longo periodo de tempo sem definhar, mas uma sociedade sem misica se desmantelaria. © que diferencia 0 ruido da misica ou da arte musical? Toda crianga parece saber o que é misica, entretanto nao sabe, necessariamente, definir seu conceito, mas reage cognitivamente, cinestesicamente e/ou afetivamente a estimulos sonoro-musicais. Radocy e Boyle (1988) definem como miisica um som que: (a) seja criado ou manipulado pelo ser humano; (b) seja reconhecido como miisica por um grupo de individuos; e (¢) tenha uma fungao social. Eventos de Transmissio de Conhecimento Musical no Ocidente Embora a palavra musica seja, etimologicamente, ligada & expressiio arcaica Mousiké, o moderno conceito ocidental de miisica difere do conceito grego de Mousiké Techne, expresso que se refere a um conjunto de artes praticado pelas Musas, mitologicamente filhas da deusa da meméria e responsdveis pela propagagao e difusio da cultura através de um elemento comum e permeado: o ritmo. A misica, para ser constituigéo de memoria, como identidade, cria e recria o real (nossa realidade). Para nés, é impossfvel escapar do real (physis ou, em outro termo, espaco), bem como néo se expressar nele ¢ ele nao se expressar em nés (logos). Assim, mais que apenas temporal, a misica é espaco, é concreta e, portanto, espaco-tempo. O Aedo Homérico, misto de trovador repentista da proto-histéria, utilizava-se do Mousiké como via de transmiss&o oral da cultura e histéria de seu tempo. Nese contexto que se insere a Grécia dos aedos, cantores que se acompanhavam com a lira de quatro cordas, dos nomoi, cantados com acompanhamento das apolineas citaras (instrumentos de cordas), ¢ dos ditirambos, entoados com o auxilio dos aulos (instrumentos de sopros). [..] Ditirambo era um dos nomes do proprio Dioniso, nome que foi dado ao genero de cantico coral (KERENYI, 2005, p. 262) Por volta dos séculos VIII e VII a.C., 0 conceito que originalmente exprime 0 ideal educativo grego é o de areté, originalmente formulado e explicitado a partir dos poemas homéricos e entendido como um atributo que significava a coragem e a forca de enfrentar todas as adversidades, sendo uma virtude a que todos aspiravam. O alargamento do ideal educativo de areté, representando os fins do periodo homérico (1150-800 a.C.), surgiu exprimindo-se entio pela palavra kalokagathia (kalos kai agathos), significando belo (kalos), bom (agathos) no sentido moral de virtuosidade. Plato (428-347 a.C.) dava-lhe uma conotagio politica e aristocrdtica ligada a cidadania, ‘Anais do 17° Coloquio de Pesquisa do PPGM/UFRI — Vol - Educagao Musical © Musicologia — p27) enquanto Aristételes (384-322 a.C.) A intelectualidade e A capacidade de viver de acordo com as maximas potencialidades da pessoa (JAEGER, 1995, p. 15; 319; 420) Por volta do século V a.C, para alcangar tal objetivo educacional, nasce provavelmente projeto o primeiro projeto-politico-pedagdgico (PPP) da Antiguidade: a Paidéia. Para Jaeger (1995), os gregos deram o nome de paidéia a "todas as formas e criagGes espirituais e ao tesouro completo da sua tradigao, tal como nés o designamos [...] pela palavra latina, cultura.” (JAEGER, 1995, p. 1). A ampliagio do coneeito fez com que ele pi também a designar o resultado do processo educativo que se prolonga por toda vida, muito para além dos anos escolares (MARROU, 1966, p. 158). Ao conceituar-se paideia, é mister que: [...] nio se possa evitar 0 emprego de expresses modernas como eivilizagao, tradicao, literatura, ou educagio; nenhuma delas coincidindo, porém, com o que os Gregos entendiam por Paideia. Cada um daqueles termos se limita a exprimir um aspecto daquele conceito global. Para abranger o campo total do conceito sgrego, teriamos de empregé-los todos de uma s6 vez. JAEGER, 1995, D. 1). o antiga nao era um sistema desenvolvido nem rigidamente definido, Em geral, até aos sete anos, as criangas eram educadas no gineceu, na companhia da mae e das outras mulheres da casa. Depois dessa idade, as meninas continuavam em casa, onde aprendiam os trabalhos domésticos e miisica. Para os meninos, entre os 7 ¢ 0s 14 anos, além dos professores de gindstica (paidotribés) e dos de misica (Kitharistés), no final do século V a.C. surge a figura dos grammatistés para ensina-los a ler e a escrever. Aproximadamente com 16 anos de idade, os rapazes interrompiam os estudos literérios e musicais e ficavam livres dos cuidados do pedagogo, que transportava a bagagem e a lanterna para iluminar o caminho, simbolizando uma metéfora referente a luz do conhecimento (vide Figura 1). A educagio da palestra era entao substitufda pela do gindsio, onde cultivavam a harmonia do corpo e do espirito, passeavam nos jardins dialogando com os mais velhos e com eles aprendendo a sabedoria e a arte de discutir as ideias, muitas dessas ideias expressas em poemas e recitativos liricos. Depois dos 20 anos, 0 jovem tinha dois anos de preparaco militar, finda a qual se tornava cidadio. (JAEGER, 1995) Figura 1 - 0 escravo pedagogo (SOARES, 2019) ‘Anais do 17° Coloquio de Pesquisa do PPGM/UFRI — Voli - Educagao Musical © Musicologia — p28 Eles [os professores de mésica] familiarizam as almas dos meninos com o ritmo e a harmonia, de modo a poderem crescer em gentileza, em graca e em harmonia, ¢ a tornarem-se titeis em palavras ¢ acces; porque a vida inteira do homem precisa de graga e de harmonia (PLATAO apud MONROE, 1979, p. 49); Possuindo algum conhecimento dos poemas de Homero, que muito cedo, sem dGvida, se tornaram “clissicos", 0 menino devia acumular, antes de tudo, um repertério de poesias liricas, se quisesse tornar-se um dia capaz de participar honrosamente dos banquetes e de passar por um homem culto." (MARROU, 1966, P. 75) O conceito ou doutrina de Ethos tratava das reagdes comportamentais diante de estimulos musicais, sendo uma das bases educativas da Paideia. Tal conceito estendeu-se até a doutrina dos afetos na época barroca e permanece nos dias de hoje, através da conceituagéo do muzak como uma forma de misica para acalmar e distensionar, vulgarmente conhecida como misica de elevador. Também podemos associd-lo as fundamentagGes contempordneas da musicoterapia e, ainda a estratégias atuais de comunicagao e argumentago verbal fundamentais na trilogia greco-arcaica de ethos, pathos e logos, conforme ilustrado na Figura 2. No Quadrivium, modelo curricular de ensino das artes liberais da Antiguidade a Idade Média, a misica partilhava com a aritmética 0 campo de estudo dos nimeros e suas proporgées, sendo a musica o fenémeno pratico natural (techné) e a aritmética a vertente tedrica de raciocinio (episteme). 0 estudo da mtisica de entao adquire, pois, um carater teérico intrinsicamente ligado a acistica e parte de um curriculo de ensino superior voltado a apreensdo da verdade para a realidade da época. Para Boécio (489-524),: “[...] se o investigador carece dessas quatro partes [Aritmética, Geometria, Musica e Astronomia], nao podera encontrar o que é verdadeiro, e sem essa especulagio da verdade nada pode ser retamente sabido [...] Este, pois é 0 Quadrivium” (BOECIO, 1872, s/n), ilustrado na Figura 3. ETHOS Cr VL / LOGOS ed Va TL eS Erect EDU apripia Pay coon Figura 2 - Ethos, pathos e logos (SBP,2019) ‘Anais do 17° Coloquio de Pesquisa do PPGM/UFRI — Voli - Educagao Musical e Musicologia — p29) Figura 3 - Quadrivium (ESCOLA DE ARTES LIBERAIS, 2019) 0 ensino da misica, sob um viés da pratica interpretativa e criativa, ou seja, tocar, cantar, compor e orquestrar, passa a fazer parte curricular da Schola Cantorum, a partir do século IV, seguindo o modelo educacional do Orfanotréfio de Constantinopla e oferecendo um curriculo pritico de ensino da mtisica voltado para a criagio e execugéo da misica sacra, Na Renascenga, a partir de 1537, surgem os primeiros conservatérios, primeiramente, em Napoles (vide Figura 4) e, posteriormente, em Veneza, que serviriam de moldes aos conservatérios atuais. Em 1795, € fundado o Conservatério de Arte Dramitica de Paris, e, em 1848, o Imperial Conservatério de Misica, no Brasil. Figura 4 - Conservatério de Napoles (HARVARD MAGAZINE, 20:9) © Decreto n® 238, expedido em 27 de novembro de 1841, autorizou a Sociedade ‘Musical de Beneficéncia a criar e manter o Conservat6rio Imperial de Masica, através da extragio de duas loterias anuais. Somente com o Decreto n° 496, de 21 de janeiro de 1847, formulou-se um plano que o fixou ao Estado que, dentre suas fungdes, deveria nomear professores e fixar-Ihes os vencimentos. A inauguragao do Conservatério de Misica somente aconteceu em 13 de agosto de 1848 e sua instalagdo se deu em uma das salas do Museu Nacional (AUGUSTO, 2010, p. 68-69), ‘Anais do 17° Coloquio de Pesquisa do PPGM/UFRJ — Voli - Educagao Musical © Musicologia — p30 4. Consideragées finais Ao rever as hipéteses e teorias das origens e das fungdes da masica na sociedade e suas relagdes com o ser humano, convidamos o educador musical a refletir e a reavaliar suas praticas referentes as peculiaridades e potencialidades da musica no ensino escolar, bem como a formacao universitaria que o capacita para tal magistério. © hiistérico ocidental de modelos de educagio musical pode nos contextualizar e trazer reflexdes sobre a heranga sociocultural e sobre a contextualizacao do porqué ensinamos misica nas escolas atualmente em tradicional modelo conservatorial, por via de regra, fragmentado em disciplinas quase que auténomas. Por outro lado, paralelamente 4 vigéncia do modelo conservatorial, a misica nativa e popular continua a ser aprendida ¢ ensinada, majoritariamente, de modo informal e em rede, sem a tradicional relagdo professor-aluno (GREEN, 2002). Atualmente, a curiosidade académica parece encontrar curiosidade, motivagio e fomento para investigagdes nesta forma nao canénica de aprendizado da misica elementar, como fonte de renovacao e referencial pedagégicos. Ha modelos de transmissio de conhecimento musical anteriores ou alternativos ao conservatorial que podem ser redescobertos e titeis para gerar propostas renovadoras para o ensino de misica hoje nas escolas brasileira? Podem-se resgatar modelos integrados de aquisigo e transmissao de conhecimento? Para estas questées, convida-se ao educador musical vir 4 tona da imersio cotidiana de sua sala de aula e refletir sobre arquétipos histéricos da educagdo musical ocidental em prol de um desejavel aprimoramento de suas praticas pedagogicas atuais. Reflexdo, esta, embasada na concepgiio de Schén (1995), onde se demonstra o processo de reflexdo-na-acao, mecanismo que se desenvolve numa série de momentos, sutilmente combinados numa habilidosa pratica de ensino. Para contextualizar os modelos de educagio musical presentes hoje no Brasil, torna-se imprescindivel o estudo da histéria da Educagéo Musical Ocidental. A partir desta breve retrospectiva histérica, neste estudo apresentada, podemos identificar raizes do modelo conservatorial que norteiam nossas estruturas curriculares, tanto do bacharelado quanto da licenciatura em Musica, bem como sua inserg&o na conjuntura sociocultural do nosso sistema educacional. Como alternativa ao modelo conservatorial presente nos curriculos universitarios, autores contemporaneos (GREEN, 2002; ALVARES, 2016) investigam os processos de aprendizagem informal, cujas caracteristicas diferem daquelas dos modelos conservatoriais ou formais. Nos modelos formais, o ensino é estruturado em disciplinas, fragmentando o conhecimento unitario. Apés essa fragmentagio, suceder-se-ia a sintese do conhecimento global, porém nem sempre isso ocorre. Nos modelos informais, todavia, 0 conhecimento é comumente transmitido de forma integralizada, nao compartimentalizada ou fracionada. ‘Cabe-nos, portanto, uma reflexio de como nés, professores de Musica, podemos nos beneficiar dos processos de aprendizagem informal da musica, presentes na disseminacao da mtsica popular brasileira, onde muitas vezes fomos e ainda somos ouvintes ativos e/ou intérpretes sagazes em preciosos momentos de nosso crescimento artistico. Trazendo na bagagem a retrospectiva reflexiva dos processos de transmissio de conhecimento musical pertinente nossa cultura ocidental e sob a luz da lanterna de nossas vivéncias passadas em um pafs rico em musicalidade e arte, podemos também nés, professores de mitisica, educadores musicais, ser a metéfora da luz do conhecimento musical a iluminar a pedagogia artistica brasileira contempordnea, “Anais do 17° Coloquio de Pesquisa do PPGM/UFRJ — Vol. - Educagao Musical © Musicologia ~ pai Referéncias ALVARES, S. L. A.. 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