Você está na página 1de 13

A Agonia de Jesus no Horto

Padre Pio de Pietrelcina, O.F.M., CAP.

Diviníssimo Espírito Santo ilumina-me e entusiasma-me na meditação da


Paixão de Jesus. Ajuda-me a penetrar neste mistério de infinito amor e dor de
Deus que, revestido de nossa humanidade, sofre, agoniza e morre por amor às
criaturas! O Eterno, o Imortal que desce e Se humilha para sofrer o mais imenso
martírio, a degradante morte na Cruz entre insultos, desprezos e desonras, a fim
de salvar a criatura que O ofendeu e que se suja na lama da culpa. A humanidade
se rejubila na culpa e seu Deus, pelo pecado, entristece-Se, padece e sua sangue
entre terríveis agonias espirituais. Não, não posso me introduzir neste abismo
ilimitado de amor e de dor se Tu, Espírito Santo, não me sustenta com Tua
graça. Faça com que eu possa penetrar na intimidade do Coração de Jesus para
compreender a essência de Suas amarguras que ali, no horto, converteram-n’O
em um moribundo; faça que eu possa consolá-l’O com meu amor durante o
abandono do Pai e de Seus amigos. Faça que eu possa me unir a Ele para pagar
com Ele.

Maria, Mãe Dolorosa, una-me a ti para seguir a Jesus e participar de Suas


tristezas e dores... Anjo da Guarda, vigiai minhas faculdades e as tenha
concentradas em Jesus sofredor, para que não vaguem para longe d’Ele. Assim
seja.

O Divino Redentor, quando chegou ao término de Sua vida terrena,


depois de haver deixado toda Sua Pessoa no pão e no vinho do Sacramento de
Amor e de haver nutrido Seus Apóstolos com sua Carne Imaculada, dirigiu-Se ao
Horto das Oliveiras, lugar que os discípulos e Judas conheciam. Ao longo do
caminho que separa o Cenáculo do Horto, Jesus ensina aos discípulos, Ele os
prepara para a separação que se aproxima, Sua iminente Paixão e para sofrerem
por Seu amor as calúnias, as perseguições e mesmo a morte; para que cada um
imite a Ele, Modelo Divino.

“Eu estarei convosco”. E vós não vos perturbeis, ó discípulos, porque a


promessa Divina se cumprirá; vós tereis a prova na hora solene. Ele está ali para
começar a viver Sua dolorosa Paixão, porém, mais que pensar em Si mesmo, Ele
Se revela para nós.
Ó, que imensidão de amor presente naquele Coração! Seu rosto denota
tristeza e amor ao mesmo tempo; Suas palavras emanam do mais profundo do
Seu Coração. Ele fala com profusão de afetos, infunde valor, consola, promete
confortando e explica os mais profundos mistérios de Sua Paixão.

Sempre, ó Jesus, meu coração se comove com esta Tua passagem do


Cenáculo ao Horto, pela expansão de um amor que se aprofunda e se funde com
seus amantes, para desaguar em um amor que vai se imolar pelos demais, para
resgatá-los da escravidão. Tu lhes ensinaste que não existe maior prova de amor
que dar a própria vida pelos amigos, e Tu estás agora por selar essa prova de
amor com o sacrifício de Sua vida.

Quem não permanece comovido diante de tão generosa oferta?

Ao chegar ao Horto, o Divino Mestre despediu-Se dos discípulos, ficando


a sós com apenas três deles – Pedro, Tiago e João – para que fossem
testemunhas de Suas tristezas. Precisamente são os mesmos três Apóstolos que
O viram transfigurado sobre o Monte Tabor entre Moisés e Elias e que O
reconheceram como Deus. Teriam eles agora a força de considerar Jesus como
Homem e Deus entre sofrimentos e tristezas mortais? Ao entrar no Horto, o
Senhor lhes disse: “Fiquem aqui, vigiai e orai para que não caiam em tentação”.
Fiquem alerta, é o que Ele lhes diz, porque o inimigo não dorme. Ele os preveniu
com a arma da oração, a fim de não serem envolvidos e induzidos ao pecado. É a
hora da escuridão. Ao terminar essas palavras convidativas à oração, Ele aparta-
Se deles e, como uma pedra, prostra-Se na terra.

Ele está extremamente triste. Sua alma é prisioneira de uma indescritível


amargura. A noite é alta e límpida, a lua resplandece no céu, deixando o Horto na
penumbra. A noite parece que projeta sobre a terra sinistros resplendores,
precursores de coisas graves e de sombrios acontecimentos que fazem
estremecer e gelar o sangue nas veias. Parece que aquela noite estava tingida de
sangue. Um vento, como presságio de uma iminente tempestade, agita as
Oliveiras. Unidos àqueles ruídos das folhas das árvores, um anúncio de morte
penetra em Seus ossos, que desce para a Sua alma e a invade de uma tristeza
mortal.

Que noite mais horrenda! Nunca, jamais a terra verá uma igual!
Que contraste, ó Jesus! Quão bela foi a noite do Teu nascimento, quando
os anjos em alegria anunciaram a paz cantando glória! Agora, ao invés, vejo os
anjos melancólicos enquanto Te rodeiam a certa distância como que respeitando
a suprema angústia de Tua alma.

Eis o lugar onde Jesus vem rezar. Ele priva Sua humanidade sacrossanta
da força que lhe conferia a Divindade, submetendo-a à uma tristeza indefinível, a
uma debilidade extrema, à melancolia, ao abandono e à uma angústia mortal. Seu
espírito mergulha na tristeza como em um mar desmesurável, o qual a cada
instante parece afundá-l’O mais e mais. Diante de Seu espírito apresenta-se todo
o martírio de Sua iminente Paixão, que, como uma torrente transbordante,
despeja-se em Seu coração e o martiriza, oprime e o rasga. No Horto, Jesus vê,
em primeiro lugar, a Judas, o discípulo tão amado por Ele, que vende-O por
poucas moedas, que está por chegar ao Horto para traí-l’O e entregá-l’O aos
inimigos. Judas, o amigo, o discípulo, que pouco antes havia se saciado com Sua
Carne. No Cenáculo, prostrado diante de Judas, Jesus lavou seus pés, trouxe
esses mesmos pés para perto de Seu peito, de Seu coração, e beijou-os com
fraternal ternura, como se a força do amor quisesse impulsionar Judas a
renunciar ao ímpio e sacrilégio propósito de Lhe entregar; ou pelo menos que,
uma vez cometido o terrível delito, ele pudesse se recuperar recordando as
muitas provas de amor e, assim, ter-se arrependido e se salvado. Mas não, Judas
se perde e o Homem-Deus chora por essa perda voluntária. Jesus vê-Se arrastado
por Seus inimigos pelas ruas de Jerusalém, pelas mesmas ruas onde, poucos dias
antes, Ele havia passado triunfantemente aclamado como Messias... Jesus, na
angústia do Horto, vê-Se diante dos Pontífices, agredido, declarado por eles réu
de morte. Ele, o autor da vida, vê-Se conduzido de um tribunal a outro, na
presença dos juízes que O condenam. Durante essa tristeza de morte no jardim,
Ele já vê Seu povo, amado e beneficiado por Ele, insultando-O, maltratando-O
e, com gritos infernais, assobios e brados, pedindo Sua morte – e morte na Cruz.
Entre as árvores no horto, Jesus escuta as injustas acusações, vê-Se condenado
aos flagelos mais impiedosos. Ele vê-Se coroado de espinhos, ridicularizado,
saudado como um rei do escárnio, esbofeteado...

Por último, Jesus, angustiado entre as árvores do Horto, vê-Se condenado


à desonrosa morte e à subida ao monte Calvário... extenuado embaixo do peso
da Cruz, caindo várias vezes sangrando na terra. Ao chegar ao Calvário, Ele vê-
Se nu, estendido sobre a Cruz, sacrificado impiedosamente, alçado sobre ela, na
presença de todos; suspenso, com três cravos que rasgam e deslocam Suas veias,
os ossos e a carne... Ó Deus! Quão grande é a agonia das três horas que deviam
aniquilar-Te entre os insultos de todo um povo enlouquecido e mal.
Jesus, suando e agonizando no Horto, vê Sua garganta e Suas vísceras
queimadas pela ardente sede e, durante esse Seu dilacerante martírio, a
possibilidade de ter de beber apenas vinagre e fel.

Ele vê o abandono do Pai e a desolação da Mãe aos pés da Cruz.

Ao final, a morte humilhante, entre dois ladrões, um que O reconhece e O


confessa como Deus e se salva; outro que O insulta, blasfema e morre
desesperado.

Ele vê a Longuinho que se aproxima e, como um sumo insulto e


desprezo, abre a lateral de Seu peito... e como todos os mortais, Jesus sofre a
humilhação do Sepulcro.

Tudo, tudo isso está diante de Cristo no Horto das Oliveiras para
atormentá-l’O, e Ele permanece aterrorizado. Este terror se apossa de Seu
Coração Divino e o agarra e o rasga. Ele treme como que atacado por uma febre
altíssima, o temor se apodera d’Ele e Seu Espírito se definha em uma mortal
tristeza. Ele, o Cordeiro inocente, sozinho, abandonado nas mãos dos lobos, sem
defesa alguma... Ele, o Filho de Deus... o Cordeiro que ofereceu-Se
espontaneamente ao sacrifício para a glória do mesmo Pai que O abandona ao
furor das forças infernais para a redenção da espécie humana; para a redenção de
Seus mesmos discípulos que vilmente O abandonam e fogem, como se Ele fosse
o ser mais perigoso. Ele, o Verbo eterno de Deus, reduzido a zombaria de Seus
inimigos...

Contudo, Jesus Se retira? Não! Desde o princípio Ele a tudo abraça


generosamente, sem reserva alguma...

Como e de onde provém esse terror, esse medo mortal? Ah! Ele expôs
Sua pura humanidade para receber sobre Si mesmo todos os golpes da Divina
justiça que fora lesada pelo pecado. Ele sente no Seu Espírito desnudo todo
homem e toda mulher que deve pagar uma pena mortal e abate-Se, pois Seu lado
humano foi capturado por debilidades, pelos terrores e pelos padecimentos.

Ele parece estar morto... está prostrado com o rosto sobre a terra perante
a Majestade de Seu Pai. Aquele Divino rosto, que, em sua beleza, dá êxtases de
eterna admiração aos Anjos e aos Santos no céu, está sobre a terra
completamente desfigurado. Deus meu! Jesus meu! Tu te humilhas a tal ponto de
perder até mesmo o aspecto exterior de homem, não és Tu o Deus do céu e da
terra, idêntico em tudo a teu Pai?

Ah... sim, o compreendo, é para ensinar a um soberbo como eu que, para


tratar com o céu, devo abismar-me no centro da terra. É para reparar e pagar por
minha arrogância que Tu Te humilhas assim diante de Teu Pai; é para inclinar o
olhar piedoso sobre a humanidade, que havia sido retirado pelo Pai por causa da
nossa rebelião. E, por Tua humilhação, o Pai perdoa a criatura arrogante. É para
reconciliar a terra com o céu, que Tu Te humilhas sobre ela, como que para dar-
lhe o beijo da paz. Ó Jesus, que sejas sempre e por todos louvado e que todos Te
agradeçam pelas muitas humilhações com as quais Tu nos doaste a Deus e a Ele
nos uniu em um abraço de santo amor.

II

Jesus levanta-Se e dirige um olhar suplicante e triste ao céu; eleva os


braços e reza. Deus meu, que palidez mortal cobre Seu semblante! Ele roga
àquele Pai que parece voltar Seu olhar em outra direção e que está preparado
apenas para baixar sua espada vingadora sobre o Filho, com todo o furor de
Deus ofendido. Jesus reza com toda Sua confiança de Filho, mas conhece
plenamente a parte que Ele representa. Reconhece ser o único que pode colocar-
Se no lugar de todos... Ele coloca-Se como difamador da Divina Majestade. Ele
reconhece ser o único que pode satisfazer, com o sacrifício de Sua vida, a Divina
Justiça e reconciliar a criatura com o Criador. Ele quer reconciliar e eficazmente
o realiza. Porém, Sua natureza humana está aterrorizada diante do espetáculo de
Sua amarga Paixão. Ele queria afastar todo o sofrimento, mas o Espírito está
pronto para o sacrifício, e o Espírito sustenta a luta com todas as Suas forças. Ele
sente-Se abatido, mas luta vigorosamente.

Jesus meu, como poderemos receber força de Ti, se Te vemos tão exausto
e humilhado?

Sim, compreendo... todas as nossas debilidades estão postas sobre Ti. É


para conferir Tua força que Te abates desta maneira. É para nos ensinar que
devemos depositar somente em Ti nossa confiança nas lutas da vida, mesmo
quando o céu parece estar fechado para nós.

Jesus, extremamente oprimido, grita ao Pai: “Se é possível, afasta de mim


esse cálice”. É o grito da natureza oprimida, que em confiança recorre ao socorro
do céu. Mesmo sabendo que Seu pedido não será escutado, porque Ele mesmo
assim o quer, Ele roga. Jesus meu! Qual é a razão para a qual Tu pedes aquilo que
não queres que Te seja concedido? É a dor e é o amor.

Eis aqui o grande segredo. A dor que oprime move-Te a pedir ajuda e
consolo, mas o amor que Te induz a satisfazer a justiça Divina e a nos devolver a
Deus, faz-Te gritar: “Não seja feita a minha vontade, mas sim a Tua”. Diante
dessa prece o céu se mantém duro como o bronze.

Seu coração machucado tem necessidade de consolo: o abandono no qual


Se encontra, a luta que sustém, tão somente aparecem para fazerem-n’O
caminhar em busca de alguém que O conforte. Lentamente Jesus levanta-Se e,
quase cambaleando, dá um passo. Dirige-Se aos discípulos em busca de conforto.
Eles, que haviam vivido tanto tempo com Ele... eles, seus confidentes, poderão
compreender Sua ansiedade interior e o tormento que deverá enfrentar e
suportar até o fim. Eles saberão encontrar a maneira de dar-Lhe um pouco de
consolo.

Mas, que desilusão! Jesus encontra Seus discípulos mergulhados em um


sono profundo e sente mais dolorosamente a ilimitada solidão de Seu Espírito.
Ele aproxima-Se, chama-os e, dirigindo-Se a Pedro, diz docemente: “Simão,
dormes? Tu que bradavas dizendo que queria me seguir até a morte e dar a vida
por mim. Tu dormes?”. E, voltando-se para os outros, acrescenta: “Não podeis
velar somente uma hora comigo?”. É o lamento do Cordeiro destinado ao
sacrifício, o lamento de um coração que sofre intensamente ferido... sozinho,
sem conforto... Mas Ele recupera-Se do abatimento e, como que esquecendo-Se
de Si mesmo e de Seus sofrimentos, cheio de doçura e de caridade por eles, diz-
lhes: “Vigiai e orai para que não caiais em tentação”. Parece querer dizer: Se tão
rápido que se esqueçais de Mim, que luto e sofro, vigiai ao menos por vós
mesmos. Mas eles, que caíam de sono, apenas percebem a voz de Jesus, apenas o
identificam como uma sombra, ao ponto que não se dão conta que Seu Rosto
está desfigurado pela tortura interior que o martiriza... Ó Jesus! Quantas almas
generosas, feridas por Teu lamento, teriam feito companhia a Ti no Horto,
participando de Tuas amarguras e angústias mortais... Durante o transcurso dos
séculos, quantas almas têm respondido generosamente ao Teu convite... Que
sirva-Te de consolo, nesta hora suprema, esta multidão de almas que, melhor que
os discípulos, dividem contigo a angústia do Teu Coração e cooperam contigo
pela própria salvação e pela salvação dos demais. Faça que também eu tome
parte do número de tais almas, para poder-Te dar um pouco de consolo.
III

Quando Jesus volta ao Seu lugar de oração, apresenta-se a Ele um cenário


ainda mais horrendo que o primeiro. Todos os nossos pecados com todas as suas
próprias monstruosidades comparecem diante d’Ele em todas as suas
particularidades e detalhes. Ele vê toda a maldade e malícia das criaturas
cometendo pecados. Ele sabe até que ponto o pecado fere e ultraja a majestade
de Deus. Ele vê todas as ações maldosas, as imoralidades e as ofensas que saem
dos lábios das criaturas, acompanhadas pela malícia de seus corações, daqueles
corações e lábios criados para dirigir ao Criador somente hinos de louvor e de
benção. Jesus vê os sacrilégios com os quais, nos séculos seguintes, sujam-se
sacerdotes e fiéis indiferentes diante daqueles Sacramentos instituídos para nossa
salvação e como meios necessários de comunicação das graças Divinas,
sacramentos que se transformam, ao revés, em meios de pecado e de condenação
para as almas. É com toda esta imunda confusão da corrupção humana que Jesus
deve revestir-Se e apresentar-Se diante da Santidade de Seu Pai, para pagar todos
e cada um dos pecados com igual número de penas, para, assim, devolver ao Pai
toda a glória que os homens Lhe tiraram, livrando-nos do esgoto humano no
qual os seres se jogam com indiferença depreciativa.

E tudo isso não impulsiona Jesus a retroceder. Essa confusão, como um


mar flutuante, inunda-O, atropela-O e oprime-O. Ele, ali, está diante de Seu Pai
para encarar o menosprezo da justiça Divina. Ele, a essência da pureza, a
santidade por excelência, em contato com o pecado!... E ainda mais que isso, é
Ele mesmo, Jesus Cristo, convertido em pecador. Quem pode compreender o
desgosto que Ele experimenta na intimidade de Seu Espírito? Quem pode
compreender o horror, a náusea e o desprezo que sente? E tendo carregado tudo
sobre Suas costas, sem excluir nenhum pecado, este imenso peso esmaga-O,
oprime-O, abate-O e prostra-O. Extenuado, Ele geme embaixo do peso da
justiça Divina, diante de Seu Pai, que Lhe vira o rosto, disposto a castigá-l’O
como maldito, com todo Seu furor.

Jesus quis livrar-Se dessa imensa carga que O esmaga. Ele quis tirar esse
peso horrível que Lhe faz estremecer. Sua própria pureza O rechaça. O próprio
olhar de ira do Pai o abandona nestas águas cheias de lodo e de culpas podres,
quando assim O vê revestido. Em Seu Espírito, tudo contribui para empurrá-l’O
a retirar-Se da amarga Paixão. A natureza luta consigo mesma. Tudo o aconselha
a desfazer-Se dessas iniquidades dos homens e a declinar a mediação da
humanidade com o Pai. Porém, o reflexo da justiça insatisfeita, e o pecador não
resgatado predominam em Seu coração cheio de amor.
Essas duas forças, esses dois amores, um mais santo que o outro,
disputam a vitória no Coração do Salvador. Qual prevalecerá? Não há dúvidas
que Jesus quer dar a vitória para a justiça ofendida. Esta prevalece sobre tudo, e
Ele a quer triunfante. Mas que papel Ele deve representar? É o papel do ser
humano manchado com todas as indignidades da humanidade. Será que Ele, a
santidade substancial, vê-Se depravado pelo pecado, ainda que por uma simples
aparência? Isso O aterra, isso O atemoriza, isso O espanta.

E para encontrar a solução do duro dever, Ele recorre à oração. Prostrado


perante a Majestade de seu Pai, Jesus roga-Lhe: “Meu Pai, afasta de mim esse
cálice”. É como se tivesse querido dizer: “Meu Pai, quero Tua glória, quero que
Tua justiça seja plenamente satisfeita. Quero que a humanidade se reconcilie
contigo. Eu, que sou Tua mesma santidade, vejo-Me depravado pelo pecado...
ah, isto não. Faça passar de mim esse cálice, e Tu, a quem tudo é possível,
encontra entre os infinitos tesouros de Tua Sabedoria outro remédio. Mas se Tu
não quiseres isto: faça não a Minha, senão a Tua Vontade”.

IV

A oração do Salvador, também desta vez, permanece sem efeito. Ele


sente-Se a morrer: a duras penas, levanta-Se de Seu lugar de oração em busca de
conforto. Sente-Se extremamente debilitado e cambaleante... ofegante
encaminha-Se aos discípulos. Ele os encontra novamente adormecidos. Isso O
entristece ainda mais, e tão somente despertá-los poderia trazer-Lhe algum
alento. Que confusão eles devem ter sentido! Jesus nada lhes disse dessa vez, só
que parece mais imensamente triste do que nunca. Ele guarda para Si toda a
amargura e a dor daquele abandono, daquela indiferença e parece que, com seu
silêncio, compadece-Se da debilidade de Seus discípulos.

Ó Jesus! Quanto tormento descubro em Teu coração já cheio de aflição.


Vejo-Te tão angustiado enquanto afasta-Te de Teus discípulos. Ah, se eu pudesse
aliviar-Te e dar-Te um pouco de conforto... eu, no entanto, não sei fazer outra
coisa além de chorar ao Teu lado... Que as lágrimas de meu amor por Ti e de
minha dor por meus pecados, conscientes do Teu grande pesar, unam-se as Tuas
lágrimas e possam subir ao trono do Pai, para incliná-l’O à misericórdia por Ti e
por tantas almas que dormem ainda nos sonhos do pecado e da morte.

Jesus volta novamente ao Seu lugar de oração, aflito, abatido e, mais que
prostrar-Se, Ele cai de bruços. Uma angústia mortal O rasga, e Ele reza com mais
intensidade. O Pai continua a olhar para o outro lado, como se [o Filho] Se
tratasse do homem mais maldoso.

Pareço escutar todos os lamentos do Salvador: “Ó! Se pelo menos a


humanidade pela qual agonizo e disposto estou a abraçar todo o sofrimento Me
agradecesse, Me recompensasse com amor meu grande penar por ela... Ah, se o
ser humano valorizasse a excelência do preço com o qual Me disponho a resgatá-
lo da morte do pecado para lhe dar a vida dos Filhos de Deus! Ah, o amor rasga
Meu coração mais que os carrascos que rasgarão minha carne!” Ó, não! Jesus vê
o homem que não sabe beneficiar-se porque não O quer. E muitos homens
ainda blasfemarão contra esse Sangue Divino e, assim, suas perdas serão mais
irreparáveis e indesculpáveis. Somente poucos se beneficiarão, pois a maioria
escolherá o caminho da perdição. Embaixo do peso da extrema angústia de Seu
coração dilacerado, Jesus vai repetindo: “Que utilidade tem meu sangue?”. E Ele
volta a cair extremamente dolorido.

Entretanto, estes poucos homens e mulheres que serão resgatados fazem


com que Seu coração permaneça no lugar de combate para enfrentar todo o
suplício e dores de Sua paixão e morte, para conquistar a eles a palma da vitória!
Ele não tem para onde ir a encontrar consolação. O Céu está fechado para Ele!
Os seres humanos mesmos, quando estiverem moribundos pelo acúmulo de suas
culpas, mostrar-se-ão indiferentes, ingratos e desconhecerão Seu amor por eles...
Jesus, então, permanece em mortal agonia, o amor O despedaça e O martiriza!
Seu Rosto está tingido de uma palidez mortal, Seus olhos definham e uma
tristeza indefinível O invade totalmente. “Minha alma está triste até a morte”.

Ó Jesus, quantas palavras de incomensurável dor se desprendem de Teus


lábios ao pronunciar esta frase! Elas revelam uma tristeza profunda, que parte do
mais íntimo de Teu Espírito!

O temor O estremece, fazendo-O temer; e uma aflição de morte O


oprime. A náusea diante do fedor de tantas culpas mexe completamente com
Ele. Um tédio intenso invade sua alma! “Minha alma está triste até a morte”. Ó,
Jesus, meu benfeitor, como escorrem diretamente ao meu coração Tuas palavras!
Ó, se eu pudesse consolar-Te e sustentar-Te! Ó, Jesus, a contemplação de Teus
muitos martírios faz-me chorar a Teu lado.

Jesus, Jesus! Ó, Ele já não escuta meu grito! O amor se converte em


carrasco de si mesmo. Ele está desmaiado no solo. De Seu Rosto e de toda Sua
Pessoa emana Sangue que molha a terra. A princípio eu vejo grandes gotas que
saem de Seus poros e que, pouco a pouco, unem-se umas às outras ao deslizarem
sobre Seu Corpo, até caíram no chão em forma de múltiplos pingos. Ele já não
está com o Rosto no solo, senão com as mãos juntas, os braços relaxados sobre a
terra, jogados sobre seu lado esquerdo, completamente estendido, em mortal
abandono: rosto e corpo cobertos de Sangue. O Rosto está todo ensanguentado;
os olhos, semifechados, quase apagados; a boca, semiaberta; o peito, que antes
estava ofegante, agora apenas move-se até quase cessar.

Jesus, adorado Jesus, faz que eu morra ao Teu lado! Jesus, só meu silêncio
contemplativo ao Teu lado enquanto agonizas pode ser mais eloquente... Jesus,
Tuas tristezas penetram em meu coração, e eu me abandono ao Teu lado; as
lágrimas se secam de minhas pálpebras e lamento contigo porque Te conduziste
a tal agonia e por Teu intenso e infinito amor, que tanto Te submetes.

Sangue Divino, Tu emanas espontaneamente do Coração amante de meu


Jesus. A plenitude da dor, a amargura extrema, a luta atroz que Jesus sustenta,
empurra o Sangue do Coração para suar pelos poros e deslizar para lavar a terra.
Deixa que eu Te recolha, Sangue Divino, especialmente porque quero guardar-Te
no cálice do meu coração. Tu és a prova mais convincente de que foi somente –
e unicamente – o amor Te extraiu das veias de meu Jesus. Quero purificar-me
contigo e purificar todos os lugares contaminados pelo pecado; quero oferecer-
Te ao Pai.

És o Sangue do Filho predileto, que desceu para purificar a terra! És o


Sangue do Filho, Homem-Deus, que ascende ao Trono para apaziguar a justiça
irritada por nossas culpas. O Pai está abundantemente satisfeito...

Que digo eu? Se a justiça do Pai está satisfeita, Jesus não Se saciaria de
sofrer. Não... Jesus não quer deter a abundância de Sua caridade pelo homem.

O homem deve ter a prova de Seu infinito amor, deve ver até que ponto
humilhante o amor fará Jesus chegar... O homem deve reconhecer que Sua
Redenção foi abundante. Se a infinita justiça do Pai mede o valor infinito do
Preciosíssimo Sangue de Jesus no horto e está satisfeita, o homem, em troca,
deve constatar que o amor de Jesus não se sacia de padecer pelo próprio homem
e não se detém, mas prossegue até a extrema agonia sobre a Cruz, até a
humilhante morte sobre ela...

O homem, somente aquele completamente espiritualizado, pode valorar,


ao menos em parte, o amor que espontaneamente conduz Jesus na agonia no
Horto. Quem vive dedicado às questões materiais, aspirando mais ao mundo que
ao céu, pode vê-l’O agonizar no Horto apenas exteriormente... Porém, ao Jesus
morrer ensanguentado sobre uma Cruz, surge para este homem apegado ao
mundo uma nova chance de estremecer-se diante daquele Sangue e diante
aquelas agonias desoladoras oferecidas [pessoalmente] a ele.

Não, o Coração amante de Jesus não está satisfeito! Ele volta a Si e roga
uma vez mais: “Pai, se Tu não queres que este cálice passe sem que Eu o beba,
faça-se a Tua vontade, não a Minha”.

Chegado a esse ponto, Jesus responde ao grito amoroso de Seu Coração,


ao grito da humanidade que, para ser redimida por Ele, pede Sua morte. Diante
da sentença de morte, que pronuncia o Pai contra Ele, o céu e a terra querem-
n’O morto... E Jesus inclina a Sua adorável cabeça com resignação: “Pai, se Tu
não queres que este cálice passe sem que Eu o beba, faça-se a Tua vontade, não a
Minha”.

É aqui que o Pai envia-Lhe um Anjo, um Anjo mensageiro para confortar


a Jesus. Que tipos de conforto, que tipos de alívio o Anjo apresenta a Deus forte,
patrão do universo, invencível, onipotente?

Mas Ele fez-Se passivo, nossas debilidades estavam postas sobre Ele. Jesus
ali é o homem que sofre e que agoniza. E é o milagre de Seu Amor infinito que
lhe faz suar Sangue e lhe reduz a agonia.

Sua oração ao Pai tem dois motivos: um por Si mesmo; o outro por nós.
O Pai não O escuta pelo primeiro, mas O quer morto por nós. Eu creio que o
Anjo inclina-se com reverência diante de Jesus, diante da Eterna Beleza – agora
coberta de sangue e de pó – e com uma distinta honraria dá-Lhe o conforto da
resignação à Divina Vontade, suplicando a Jesus pela glória do Pai e em nome
dos pecadores para que beba aquele cálice que havia prometido beber para a
salvação da humanidade. Jesus rezou para nos ensinar uma vez mais que quando
nossa alma se encontra desolada, como a sua alma estava no Horto, somente a
oração pode dar-nos o conforto do Céu.

Ele, nossa força, está pronto para socorrer-nos porque Ele mesmo quis
carregar sobre Si nossas misérias.

Sim, Ó Jesus, Tu tens que consumir até a última gota, pois estás destinado
a morte mais desoladora.
Jesus, faça com que nada possa separar-me de Ti, nem a vida, nem a
morte. Seguindo-Te sempre, largado apaixonadamente em Ti, que me seja
concedido expirar contigo sobre o Calvário, para ascender contigo à glória.
Seguir-Te-ei nas tribulações e perseguições, para ser digno um dia de vir a amar-
Te na glória sem limites do Céu, para cantar-Te o hino de graças por Teu
incomensurável sofrimento.

Mas é aqui, neste momento, que Jesus levanta-Se do solo, forte e


invencível, como um leão na batalha. É aqui que aquele Jesus melancólico, que
desejava o banquete de Sangue, arruma o cabelo desgrenhado, seca o Rosto
coberto de Sangue e forte e decidido dirige-Se para a saída do Horto.

Aonde vás, ó, Jesus? Não és Tu aquele Jesus que vi definhar na alma,


vítima do terror, tédio, horror, abatimento, desolação e espanto?

Não és Tu aquele que vi tremer esmagado pela imensa carga dos males
que estavam por chegar?

Aonde vás agora tão resolvido disposto e cheio de coragem? A que Te


expões?

Ó, eu escuto-Te! “A arma da oração fez-Me vencer, e o Espírito subjugou


a fraqueza da natureza. Na oração, Eu recebi a força e agora posso tudo
enfrentar. Siga meu exemplo e lida com o céu com a mesma confiança na dor,
como eu fiz”.

Jesus aproxima-Se dos três Apóstolos que ainda dormem. A emoção deles
e a alta hora da noite, junto àquele pressentimento de um feito angustioso,
irreparável, que dá a impressão de se aproximar, aliados ao cansaço, fizeram
aqueles discípulos dormirem um sono opressivo, do qual parecia impossível
livrarem-se, pois, mesmo ainda sacudindo-os, eles voltariam a adormecer... tanto
foi assim que Jesus, vendo-os, compadece-Se novamente, dizendo: “O Espírito
está disposto, mas a carne é fraca”.

Enquanto isso, Jesus, que experimentou tão vivamente esse abandono dos
Seus, exclama: “Agora podeis dormir e descansar”. A duras penas, diante do som
dos passos de Jesus, com esforço, eles abriram os olhos. E Jesus prossegue:
“É chegada a hora. O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos
pecadores. Levantem, vamos. Aquele que deve me trair está por chegar”.

Jesus, que a tudo vê com os olhos do Onipotente, parece dizer: “Vós que
sois meus amigos e discípulos dormem, mas meus inimigos velam e se
preocupam por prender-Me. Tu, Pedro, que te sentias tão forte para seguir-Me
até a morte, dormes! Desde o início tu me dás provas de tua fraqueza; mas fique
tranquilo, Eu revesti-Me com a tua fraqueza e roguei por ti. Quando tu te
arrependeres, Pedro, Eu serei a tua força e tu conduzirás Meus cordeiros... Tu,
João, também dormes! Tu que, há poucas horas, no êxtase do Meu amor por ti,
contou as batidas do Meu Coração, tu também dormes! Levanta-te, vamos, já
não é hora de dormir, o inimigo está se aproximando, é a hora da força das
trevas. Sim, vamos. Eu vou espontaneamente ao encontro da morte. Judas se
prepara para trair-me, e Eu avanço com passo firme e seguro e nenhum
obstáculo impedirá o cumprimento das profecias. É chegada a minha hora. A
hora da grande misericórdia para a humanidade...

Nesta hora, de fato, escuta-se alguns rumores de passos e uma luz


avermelhada de tochas acendidas penetra através das plantas do Horto. Jesus,
seguido pelos três discípulos, adianta-Se destemido e tranquilo.

Ó, Jesus! Comunica-me Tua mesma força, quando na previsão dos males


futuros, minha fraca natureza quiser rebelar-se. Faça que eu enfrente como Tu,
com serena paz e tranquilidade, todos os sofrimentos e aflições que posso
encontrar sobre este mundo de desterro. Tudo que vier a me acontecer unirei a
Teus méritos, a Teus sofrimentos, a Tuas reparações, a Tuas lágrimas, para que
eu coopere contigo para a minha salvação e para a fuga do pecado, que foi a
única causa que Te fez suar Sangue e que Te conduziu a morte.

Destrua em mim tudo aquilo que não seja do Teu agrado e, com o fogo
santo de Tua Caridade, escreve em meu coração todas as Tuas dores e me
aproxime muito fortemente de Ti, com um nó tão apertado e tão suave que eu
não possa abandonar-Te jamais em Tuas dores. Faça que eu possa repousar
sobre teu Coração nas dores da vida, para tomar dele forças e ânimo.

Faça que meu espírito não sinta nenhum outro desejo senão o de viver ao
Teu lado no Horto, vivendo dos sofrimentos do Teu Coração.

Que minha alma embriague-se com Teu Sangue e nutra-se contigo do pão
de Tuas dores... Assim seja.

Você também pode gostar