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Que noite mais horrenda! Nunca, jamais a terra verá uma igual!
Que contraste, ó Jesus! Quão bela foi a noite do Teu nascimento, quando
os anjos em alegria anunciaram a paz cantando glória! Agora, ao invés, vejo os
anjos melancólicos enquanto Te rodeiam a certa distância como que respeitando
a suprema angústia de Tua alma.
Eis o lugar onde Jesus vem rezar. Ele priva Sua humanidade sacrossanta
da força que lhe conferia a Divindade, submetendo-a à uma tristeza indefinível, a
uma debilidade extrema, à melancolia, ao abandono e à uma angústia mortal. Seu
espírito mergulha na tristeza como em um mar desmesurável, o qual a cada
instante parece afundá-l’O mais e mais. Diante de Seu espírito apresenta-se todo
o martírio de Sua iminente Paixão, que, como uma torrente transbordante,
despeja-se em Seu coração e o martiriza, oprime e o rasga. No Horto, Jesus vê,
em primeiro lugar, a Judas, o discípulo tão amado por Ele, que vende-O por
poucas moedas, que está por chegar ao Horto para traí-l’O e entregá-l’O aos
inimigos. Judas, o amigo, o discípulo, que pouco antes havia se saciado com Sua
Carne. No Cenáculo, prostrado diante de Judas, Jesus lavou seus pés, trouxe
esses mesmos pés para perto de Seu peito, de Seu coração, e beijou-os com
fraternal ternura, como se a força do amor quisesse impulsionar Judas a
renunciar ao ímpio e sacrilégio propósito de Lhe entregar; ou pelo menos que,
uma vez cometido o terrível delito, ele pudesse se recuperar recordando as
muitas provas de amor e, assim, ter-se arrependido e se salvado. Mas não, Judas
se perde e o Homem-Deus chora por essa perda voluntária. Jesus vê-Se arrastado
por Seus inimigos pelas ruas de Jerusalém, pelas mesmas ruas onde, poucos dias
antes, Ele havia passado triunfantemente aclamado como Messias... Jesus, na
angústia do Horto, vê-Se diante dos Pontífices, agredido, declarado por eles réu
de morte. Ele, o autor da vida, vê-Se conduzido de um tribunal a outro, na
presença dos juízes que O condenam. Durante essa tristeza de morte no jardim,
Ele já vê Seu povo, amado e beneficiado por Ele, insultando-O, maltratando-O
e, com gritos infernais, assobios e brados, pedindo Sua morte – e morte na Cruz.
Entre as árvores no horto, Jesus escuta as injustas acusações, vê-Se condenado
aos flagelos mais impiedosos. Ele vê-Se coroado de espinhos, ridicularizado,
saudado como um rei do escárnio, esbofeteado...
Tudo, tudo isso está diante de Cristo no Horto das Oliveiras para
atormentá-l’O, e Ele permanece aterrorizado. Este terror se apossa de Seu
Coração Divino e o agarra e o rasga. Ele treme como que atacado por uma febre
altíssima, o temor se apodera d’Ele e Seu Espírito se definha em uma mortal
tristeza. Ele, o Cordeiro inocente, sozinho, abandonado nas mãos dos lobos, sem
defesa alguma... Ele, o Filho de Deus... o Cordeiro que ofereceu-Se
espontaneamente ao sacrifício para a glória do mesmo Pai que O abandona ao
furor das forças infernais para a redenção da espécie humana; para a redenção de
Seus mesmos discípulos que vilmente O abandonam e fogem, como se Ele fosse
o ser mais perigoso. Ele, o Verbo eterno de Deus, reduzido a zombaria de Seus
inimigos...
Como e de onde provém esse terror, esse medo mortal? Ah! Ele expôs
Sua pura humanidade para receber sobre Si mesmo todos os golpes da Divina
justiça que fora lesada pelo pecado. Ele sente no Seu Espírito desnudo todo
homem e toda mulher que deve pagar uma pena mortal e abate-Se, pois Seu lado
humano foi capturado por debilidades, pelos terrores e pelos padecimentos.
Ele parece estar morto... está prostrado com o rosto sobre a terra perante
a Majestade de Seu Pai. Aquele Divino rosto, que, em sua beleza, dá êxtases de
eterna admiração aos Anjos e aos Santos no céu, está sobre a terra
completamente desfigurado. Deus meu! Jesus meu! Tu te humilhas a tal ponto de
perder até mesmo o aspecto exterior de homem, não és Tu o Deus do céu e da
terra, idêntico em tudo a teu Pai?
II
Jesus meu, como poderemos receber força de Ti, se Te vemos tão exausto
e humilhado?
Eis aqui o grande segredo. A dor que oprime move-Te a pedir ajuda e
consolo, mas o amor que Te induz a satisfazer a justiça Divina e a nos devolver a
Deus, faz-Te gritar: “Não seja feita a minha vontade, mas sim a Tua”. Diante
dessa prece o céu se mantém duro como o bronze.
Jesus quis livrar-Se dessa imensa carga que O esmaga. Ele quis tirar esse
peso horrível que Lhe faz estremecer. Sua própria pureza O rechaça. O próprio
olhar de ira do Pai o abandona nestas águas cheias de lodo e de culpas podres,
quando assim O vê revestido. Em Seu Espírito, tudo contribui para empurrá-l’O
a retirar-Se da amarga Paixão. A natureza luta consigo mesma. Tudo o aconselha
a desfazer-Se dessas iniquidades dos homens e a declinar a mediação da
humanidade com o Pai. Porém, o reflexo da justiça insatisfeita, e o pecador não
resgatado predominam em Seu coração cheio de amor.
Essas duas forças, esses dois amores, um mais santo que o outro,
disputam a vitória no Coração do Salvador. Qual prevalecerá? Não há dúvidas
que Jesus quer dar a vitória para a justiça ofendida. Esta prevalece sobre tudo, e
Ele a quer triunfante. Mas que papel Ele deve representar? É o papel do ser
humano manchado com todas as indignidades da humanidade. Será que Ele, a
santidade substancial, vê-Se depravado pelo pecado, ainda que por uma simples
aparência? Isso O aterra, isso O atemoriza, isso O espanta.
IV
Jesus volta novamente ao Seu lugar de oração, aflito, abatido e, mais que
prostrar-Se, Ele cai de bruços. Uma angústia mortal O rasga, e Ele reza com mais
intensidade. O Pai continua a olhar para o outro lado, como se [o Filho] Se
tratasse do homem mais maldoso.
Jesus, adorado Jesus, faz que eu morra ao Teu lado! Jesus, só meu silêncio
contemplativo ao Teu lado enquanto agonizas pode ser mais eloquente... Jesus,
Tuas tristezas penetram em meu coração, e eu me abandono ao Teu lado; as
lágrimas se secam de minhas pálpebras e lamento contigo porque Te conduziste
a tal agonia e por Teu intenso e infinito amor, que tanto Te submetes.
Que digo eu? Se a justiça do Pai está satisfeita, Jesus não Se saciaria de
sofrer. Não... Jesus não quer deter a abundância de Sua caridade pelo homem.
O homem deve ter a prova de Seu infinito amor, deve ver até que ponto
humilhante o amor fará Jesus chegar... O homem deve reconhecer que Sua
Redenção foi abundante. Se a infinita justiça do Pai mede o valor infinito do
Preciosíssimo Sangue de Jesus no horto e está satisfeita, o homem, em troca,
deve constatar que o amor de Jesus não se sacia de padecer pelo próprio homem
e não se detém, mas prossegue até a extrema agonia sobre a Cruz, até a
humilhante morte sobre ela...
Não, o Coração amante de Jesus não está satisfeito! Ele volta a Si e roga
uma vez mais: “Pai, se Tu não queres que este cálice passe sem que Eu o beba,
faça-se a Tua vontade, não a Minha”.
Mas Ele fez-Se passivo, nossas debilidades estavam postas sobre Ele. Jesus
ali é o homem que sofre e que agoniza. E é o milagre de Seu Amor infinito que
lhe faz suar Sangue e lhe reduz a agonia.
Sua oração ao Pai tem dois motivos: um por Si mesmo; o outro por nós.
O Pai não O escuta pelo primeiro, mas O quer morto por nós. Eu creio que o
Anjo inclina-se com reverência diante de Jesus, diante da Eterna Beleza – agora
coberta de sangue e de pó – e com uma distinta honraria dá-Lhe o conforto da
resignação à Divina Vontade, suplicando a Jesus pela glória do Pai e em nome
dos pecadores para que beba aquele cálice que havia prometido beber para a
salvação da humanidade. Jesus rezou para nos ensinar uma vez mais que quando
nossa alma se encontra desolada, como a sua alma estava no Horto, somente a
oração pode dar-nos o conforto do Céu.
Ele, nossa força, está pronto para socorrer-nos porque Ele mesmo quis
carregar sobre Si nossas misérias.
Sim, Ó Jesus, Tu tens que consumir até a última gota, pois estás destinado
a morte mais desoladora.
Jesus, faça com que nada possa separar-me de Ti, nem a vida, nem a
morte. Seguindo-Te sempre, largado apaixonadamente em Ti, que me seja
concedido expirar contigo sobre o Calvário, para ascender contigo à glória.
Seguir-Te-ei nas tribulações e perseguições, para ser digno um dia de vir a amar-
Te na glória sem limites do Céu, para cantar-Te o hino de graças por Teu
incomensurável sofrimento.
Não és Tu aquele que vi tremer esmagado pela imensa carga dos males
que estavam por chegar?
Jesus aproxima-Se dos três Apóstolos que ainda dormem. A emoção deles
e a alta hora da noite, junto àquele pressentimento de um feito angustioso,
irreparável, que dá a impressão de se aproximar, aliados ao cansaço, fizeram
aqueles discípulos dormirem um sono opressivo, do qual parecia impossível
livrarem-se, pois, mesmo ainda sacudindo-os, eles voltariam a adormecer... tanto
foi assim que Jesus, vendo-os, compadece-Se novamente, dizendo: “O Espírito
está disposto, mas a carne é fraca”.
Enquanto isso, Jesus, que experimentou tão vivamente esse abandono dos
Seus, exclama: “Agora podeis dormir e descansar”. A duras penas, diante do som
dos passos de Jesus, com esforço, eles abriram os olhos. E Jesus prossegue:
“É chegada a hora. O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos
pecadores. Levantem, vamos. Aquele que deve me trair está por chegar”.
Jesus, que a tudo vê com os olhos do Onipotente, parece dizer: “Vós que
sois meus amigos e discípulos dormem, mas meus inimigos velam e se
preocupam por prender-Me. Tu, Pedro, que te sentias tão forte para seguir-Me
até a morte, dormes! Desde o início tu me dás provas de tua fraqueza; mas fique
tranquilo, Eu revesti-Me com a tua fraqueza e roguei por ti. Quando tu te
arrependeres, Pedro, Eu serei a tua força e tu conduzirás Meus cordeiros... Tu,
João, também dormes! Tu que, há poucas horas, no êxtase do Meu amor por ti,
contou as batidas do Meu Coração, tu também dormes! Levanta-te, vamos, já
não é hora de dormir, o inimigo está se aproximando, é a hora da força das
trevas. Sim, vamos. Eu vou espontaneamente ao encontro da morte. Judas se
prepara para trair-me, e Eu avanço com passo firme e seguro e nenhum
obstáculo impedirá o cumprimento das profecias. É chegada a minha hora. A
hora da grande misericórdia para a humanidade...
Destrua em mim tudo aquilo que não seja do Teu agrado e, com o fogo
santo de Tua Caridade, escreve em meu coração todas as Tuas dores e me
aproxime muito fortemente de Ti, com um nó tão apertado e tão suave que eu
não possa abandonar-Te jamais em Tuas dores. Faça que eu possa repousar
sobre teu Coração nas dores da vida, para tomar dele forças e ânimo.
Faça que meu espírito não sinta nenhum outro desejo senão o de viver ao
Teu lado no Horto, vivendo dos sofrimentos do Teu Coração.
Que minha alma embriague-se com Teu Sangue e nutra-se contigo do pão
de Tuas dores... Assim seja.