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(()§ PlENSAIDO~§
·.IX
1
NICOLAU MAQUIAVEL
O PRÍNCIPE
*
Ese R IT 0.S
Po L 1r·1 e os
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..! • •
'e aan:
ULTUraL
· li Principe.
Dei modo d i trattàre i popoli deli a Vai d ichiana ribellati.
Dalla Legazione al Duca Valentino.
Descrizio.ne dei modo tenuto dal Duca Valentino nello ammazzare Vitellozzo Vitelli, Oliverotto
da Fermo, il Signor Pago lo e il Düca di Gravina Orsini.
Discorso sopra le cose di Alemagna e sopra l'lmperatore.
Rapporto di cose della Magna.
Ritratto deite cose dell'Alemagna.
Delta natura dei francesi.
Ritratto della cose di Francia.
Discorso facto ai Magistrato dei Dieci sopra le cose di Pisa.
Discorso sulla provisione dei danaio.
Sommario deite cose deli~ città di Lucca.
SUMÁRIO
Q '· ·
O PRÍNCIPE
. .··:·... ·.· • . . . ·.
-~:r.i;{§4tS1fj
<i
$*
·Nicolau Maquiavel
Maquiavel refere-se aqui à sua obra "Dis- 2 Ver no índice dos . nomes citados o nome
ter sido um mero executor das or- nienses dispersos. Tais oportuni-
dens de Deus, deve, contudo, ser dades, portanto, tornaram felizes
admirado unicamente pela graça a esses homens; e foram as' suas
que o fazia digno de falar ao virtudes que lhes deram o conhe-
Criador. Consideremos, porém, cimento daquelas oportunidades.
Ciro e outros que adquiriram e Graças a isso, a sua pátria se
fundaram reinos. Haveis de honrou e se tornou feliz.
achá-los todos admiráveis. E se Aqueles que, por suas virtudes,
se considerarem os seus atos e or- semelhantemente a estes, se tor-
dens particulares, eles não são nam príncipes, conquistam o
discrepantes daqueles de Moisés, principado com dificuldade, mas
que teve tão alto preceptor. E se mantêm facilmente. As dificul-
examinando-lhes a vida e as dades que encontram na ccm-
ações, conclui"'."se que eles não quista do principado nascem, em
receberam da fortuna mais do parte, da nova ordem legal e cos-
que a ocasião de poder amoldar tumes que são forçados a intro-
as · coisas como melhor lhes duzir para a fundação do seu Es-
aprouve. Sem aquela ocasião, tado e da sua própria segurança.
suas qualidades pessoais se te- Deve-se considerar aqui que não
riam apagado, e sem essas virtu- há coisa mais difícil, nem de
des a ocasião lhes teria sido vã. êxito mais duvidoso, nem mais
Portanto, era necessário a Moisés perigosa, do que · o estabeleci- .·
encontrar o povo de Israel, no
mento de novas leis. O novo/
Egito, escravizado e oprimido
legislador terá por inimigos todos
pelos egípcios, a fim de que, para
aqueles a quem as leis antigas
se libertar da escravidão, se
dispusesse a segui-lo. Convinha '
I
beneficiavam, e terá tímidos de-
4 ue Rômulo não encontrasse re- fensores nos q~e forem benefi-
fúgio em · Alba e tivesse sido ciados pelo novo ·estado de coi-
exposto ao nascer, para que se sas. Essa fraqueza nasce parte do
tomasse rei de Roma e fundador medo · dos adversários, parte da
de uma pátria. incredulidade dos homens, que
Era necessário que Ciro en- não acreditam na verdade das
contrasse os persas descontentes coisas novas senão depois de
do império dos medas e os medas uma firme expriênca~ Daí resul-
muito efeminados e amolecidos ta que os 4dversários, quando
por uma longa paz. Teseu ·não têm ocasião de assaltar, o fazem
teria podido revelar suas virtudes fervorosamente, como sectários,
se não tivesse encontrado os ate- e os outros o defendem sem entu-
O PRÍNCIPE 31
- ~ - - - - -- --
34 MAQUIAVEL
36 MAQUIAVEL
Do principado civil
povo pode ser satisfeito. Porque tos; se agem assim por pusilani-
o objetivo do povo é mais hones- . midade e defeito natural de cará-
to do que o dos poderosos; estes ter' deverás servir-te deles,
querem oprimir e aquele não ser especialmente se podem d·ar-te
oprimido. Contra a hostilidade bons conselhos, .porque em tem-
do povo o príncipe não se pode pos felizes .isso te honrará e nos
assegurar nunca, porque sao- mm-. adversos nada terás que temer.
tos; com relação aos grandes, é Mas, quando não se o brigam
possível porque são poucos. O para contigo, deliberadamente e
pior que um príncipe pode espe- pôr ambição, é sinal de que pen-
rar do povo hostil é ser abando- sam mais em si próprios do que
1
nado por ele. Mas, da inimizade em ti. O príncipe deve, e:ntão,
dos grandes, não deve temer só manter-se em guarda e temê-los
que o abandonem, como também como se fossem inimigos desco-
que o ataquem, pois têm· estes bertos, porque sempre, na adver,...
maior alcance de vistas 'e maior sidade, ajudarão a arruinar-te.
astúcia, e têm sempre tempo de Quem se torna príncipe me-
salvar-se, procurando aproxi- diante o favor do povo deve man-
mar-se dos prováveis vitoriosos. ter-se seu amigo, o que é muito
Precisa ainda o príncipe de viver fácil, uma vez que este deseja
sempre com o povo, mas pode apenas não ser oprimido. Mas
prescindir perfeitamente dos quem se tornar príncipe contra a
grandes, pois pode fazer e desfa- opinião popular, por favor dos
zer, cada dia, e dar-lhes ou . grandes, deve, antes de mais
fazer-lhes perder influência, à sua nada, procurar conquistar o
vontade. povo.
E, para esclarecer melhor esta Ser-lhe-á fácil isso, uma vez
parte, direi 'dos dois grupos prin- que se tenha ocupado em prote-
cipais em que se podem classi- gê-lo. E como os homens, quando
ficar o"s grandes: os que proce- recebem benefícios d~ quem só
dem de tal modo que se ligam em esperavam mal, se obrigam mais
tudo à tua fortuna, ou os que para com o benfeitor, torna-se o
agem diversamente. Aqueles que povo logo mais seu amigo do que
se obrigam para contigo e não se o príncipe houvesse sido leva-
são rapaces devem ser· respei- do ao poder por favor seu. Isso
tados e amados. Os que não se pode ser conseguido pelo prín-
obrigam daquela forma devem cipe de muitas maneiras, das
ser examinados sob dois aspec- , quais não se pode traçar uma
o PRÍNCIPE 47
regra certa porque eJas variam povo, jamais será enganado ·por
conforme as circunstâncias. Dei- este e verá que reforçou os seus
- xá-la-ei de parte, por isso. Con- alicerces.
cluirei somente que é necessário Principados dessa espécie cor-
a um príncipe que o povo lhe rem perigo quando estão a pique
vote amizade; do contrário, fra- de mudar de um . governo civil
cassará nas adversidades. Nábis, para um absoluto; porque esses
príncipe dos espartanos, supor- príncipes ou governam por si
tou o longo assédio de toda a próprios ou por intermédio de
Grécia e de um exército. romano magistrados.
poderosíssimo, e contra eles de-.· Neste último caso, a sua esta-
fendeu a pátria e o Estado. Bas- · bilidade é precária e incerta, por-
tou-lhe apenas, quando o perigo . que dependem completamente 1
da
sobreveio, assegurar-se de: pou- vontade dos cidadãos prepostos.
cos; não lhe bastaria isso;· se· o nas magistraturas, os quais, má-
povo fosse seu inimigo. E a quem xime em tempos adversos, podem
estiver contra esta minha opi- lhe arebt~ o Estado com gran-
nião, baseado naquele velho pro- de facilidade, movendo-lhe guer-
vérbio que diz que quem se apóia ra ou não lhe prestando obediên-
no povo tem alicerces de barro, cia. E o príncipe já não poderá,
direi que isso é verdade quando nos perigos, reconquistar a auto-
um cidadão acredita que o povo ridade absoluta, porque os cida-
·o liberte quando estiver, por dãos e os súditos, habituados a
acaso, oprimido pelos inimigos ' seguir as ordens dos magistrados,
ou pelos magistrados. Nesse não estão, naquela emergência,
caso, são freqüentes os enganos, para obedecer à sua. E o prínci-
como os Gracos em Roma e pe, :nos tempos incertos, quase
Messer 1 5 Giorgio Scali em Flo- não~ terá gente em que .se possa
rença. Tratando-se, porém, dum fiar, não podendo basear-se no-
príncipe que saiba comandar e que observa em ocasiões nor-
seja homem de coragem, que não mais, quando os cidadãos têm
se abata nas adversidades, não se necessidade do Estado. Então,
esqueça das outras precauções e todos . correm ao seu encontro,
tenha co"m seu próprio valor -e todos prometem, e não há quem
conduta incutido confiança ·no não queira morrer por ele, quan-
do a morte, está longe; mas na
1 5 Título que se dava a senhores, prelados e
adversidade,, quando o Estado
juristas até o século XVI. (N. do E.) necessita dos cidadãos, encon-
48 MAQUIAVEL
Os principados eclesiásticos
suem); alguns são tidos como tão prudente que saiba evitar os
pródigos, -outros como rapaces; defeitos que lhe arrebatariam o
alguns são cruéis e outros piedo- governo e praticar as qualidades
1
Da liberalidade e da parcimônia
vimos que fizessem grandes coi- ral. E César .era um dos que que-
sas senão os que foram conside- r.iam alcançar o poder em Roma,
rados miseráveis; os outros arrui- mas se, depois que o alcançou,
naram-se. O Papa Júlio II, como tivesse vivido mais tempo e pros-
se houvesse servido da fama de seguido naquelas despesas e não
liberal para chegar ao papado, as tivesse reduzido, teria des-
não pensou depois em mantê-la, e truído o império. Se alguém repli-
isso para poder fazer guerra con- casse que houve muitos príncipes
tra o rei de França; entrou em que fizeram grandes coisas com
muitas campanhas sem onerar os os seus exércitos e têm fama .de
seus com qualquer tcµca extraor- liberais, responderia eu que ou 'o
dinária, porque, para atender à~ príncipe gasta o que é seu, ou dos
despesas supérfluas, bastou-lhe a seus súditos,. ou o que é de
sua grande parcimônia. O atual outrem. No primeiro caso deve
rei da Espanha, se fosse conside- ser sóbrio, no outro, não deve ·
rado liberal, não teria começado esquecer nenhuma liberalidade. E
nem vencido tantos empreendi- ao príncipe que marcha com seus
mentos. exércitos e que vive à custa de
Portanto, um ·príncipe deve presas de guerra, de saques e de
gastar pouco para não ser obri.,. reféns, e maneja o que é dos
gado a roubar seus súditos; para outros, é necessária essa liberali-
poder defnr~s; para não se dade, porque de outra forma não
empobrecer, tornando-se despre- seria seguido pelos seus soldados.
zível; para não ser forçado ator- E é possível seres muito mais
nar-se. rapace; e pouco cuidado pródigo com aquilo que te não
lhe dê a pecha de miserável; pois pertence nem aos teus súaitos,
esse é um dos defeitos que lhe como fizeram Ciro, César e Ale-
dão a possibilidade de bem rei- xandre, pois gastar o qu.e é de ou-
nar. E se alguém disser que . trem não rebaixa, pelo contrário,
César, com sua liberalidade, as- eleva a r·eputação. Gastar o que é
cendeu ao · impêrio, e muitos seu mesmo, isso sim, é nocivo. E
out:r~s, por serem considerados não há coisa que se destrua por si
liberais, alcançaram altos postos, própria como a liberad~, pois
..résponderei que ou já és príncipe com seu uso continuado vais per-
ou estás no caminho de o ser. No dendo a faculdade de usá-la e te
primeiro caso, esta liberalidade é tornas ou pobre e necessitado;
prejudicial; no segundo caso, é · ou, para fugir d;i pobreza, rapace
necessário ser considerado. libe- e odioso. E dentre as· coisas de
O PRÍNCIPE
1
l
CAPÍTULO XVII
da: se será melhor ser amado que. o príncipe fazer-se temer de ma-
temido ou vice-versa. Respon- neira que, se não se fizer amado,
der-se-á que se desejaria ser uma pelo menos evite o ódio, pois é
e outra coisa; mas como é difieil fácil ser ao mesmo te pipo temido
reunir ao mesmo tempo as quali- e não odiado, o que sucederá
dades que dão aqueles Tesultados, um~ vez que se abstenha de se
é muito mais seguro ser temido apoâ.erar dos bens e das mulheres
que amado, quando se tenha que dos seus cidadãos e dos seus sú-
falhá.r numa das duas. É que os ditos, e, mesmo sendo obrigado a
homens geralmente são ingratos, derramar o sangue de alguém,
volúveis, simuladores, covardes e poderá fazê-lo quando houver
anibjciosos de dinheiro,. e, en- justificativa co~venit e causa
quanto lhes fizeres bem, todos manifesta. Deve, sobretudo, abs-
estão contigo, oferecem-te san- ter-se de se aproveitar dos bens
gue, bens, vida, filhos, como dos outros, porque os _homens
disse acima, desde que a necessi- esquecem mais depressa a morte
dade esteja longe de ti. Mas, do pai do que a perda de. seu
quando ela se avizinha, voltam-se patrimônio. Além disso, ·não fal-
para outra parte. E o príncipe, se tam nunca ocasiões p.ara pilhar o
confiou ~enamt em palavras que é dos outros, e aquele que co-
e não tomou outras precauções, meça a viver de rapinagem sem-
está arrumado. Pois as amizades pre as encontra, o que já não su-
conquistadas por interesse, e. não cede quanto às ocasiões de
por grandeza e nobreza de ca.rá- derramar sangue.
ter, são compradas, mas nãó se Mas quando o príncipe está
pode contar com elas no momen- em campanha e tem sob seu
to necessário. E os homens hesi- comando grande cópia de solda-
tam menos em ofender aos que se dos, então é absolutamente J?.e-
fazem amar do que aos que se cessário não se importar com a
fazem temer, porque o amor é fama de cruel, porque, sem ela,
· mantido por um vínculo de obri- não se conseguirá nunca mante~
gaÇão, o qual, devido a serem os um exército unido e disposto a
homens pérfidos, é rompido sem- qualquer ação. Entre as admirá-
pre que lhes aprouver, ao passo veis ações de Aníbal, enumera-se
O PRÍNCIPE 77
Uma vez que me referi às mai-s nauta evita um rochedo. Deve ele
importantes das qualidades procurar que em suas ações se
acima mencionadas, das outras reconheça grandeza, coragem,
quero falar ligeiramente, de um gravidade e fortaleza, e quanto às
modo geral. O príncipe procure ações privadas de seus súditos
evitar, como foi dito anterior- deve fazer com que a sua sen-
mente, o que o· torne odioso ou tença seja irrevogável, conduzin-
desprezível e, sempre que assim do-se de tal forma que a ninguém
agir, terá cumprido o seu dever e passe pela mente enganá-lo ou
não encontrará nenhum perigo fazê-lo rri.udar de idéia.
nos outros defeitos. O que princi- O príncipe que conseguir for-
palmente o toma odioso, como mar tal opinião de si · adquire
disse acima, é o ser rapace e grande reputação; e contra quem
usurpador dos bens e das .m ulhe- é reputado dificilmente se cons-
res dos seus . súditos. Desde que pira e dificilmente é atacado
não se tirem aos homens os bens enquanto for tido como excelente
e a honra, vivem estes satisfeitos e reverenciado pelos seu~ Um
e só se deverá combater a ambi- príncipe deve ter duas razões de
ção de poucos, a qual se pode receio: uma ·de ordem interna,
~ofrea de muitos modos e com por parte de seus súditos, outra
facilidade. Fá-lo desprezível_ o ser de ordem externa, por parte dos
considerado volúvel, leviano, efe- poderosos de fora. Defender-se-á
minado, pusilânime, irresoluto. E destes com boas armas e com
essas são coisas que devem ser bons aliados; e se tiver armas
evitadas pelo príncipe como o · terá sempre bons amigos. As coi-
84 MAQUIAVEL
sas mternas, por sua vez, estarão não pode estar só, nem pode ter
sempre estabilizadas se estabili- como companheiros senão aque-
zadas estiverem as de fora, salv,o les que estiverem desgostosos 1 E
se aquelas já não estiverem per- logo que revelas as tuas intençpes
turbadas por uma conspiração. a um descontente, dar-lhe-ás mo-
Mesmo quando as de fora se ag~ tivo de contentamento, pois ele
tassem, se o príncipe tivesse pode esperar qualquer vantagem
agido e vivido como escrevi, e de traição do segredo, e de forma
não desalentasse, resistiria sem-_ que, vendo deste lado só ganhos
pre a qualquer ataque, como nar- certos, e, de ou~r, só vendo .dúvi-
rei acima, relativamente ao es- das .e muitos perigos, somente um
partano N ábis. A respeito dos amigo, como raros, ou um inimi-
súditos, porém, quando as ques- go implacável do príncipe se
tões externas estão em calma conservará fiel à ·conspiração.
deve sempre recear que conspi- Em suma, direi que, por parte do
rem secretamente, perigo de que cónspirador, não há senão medo,
o príncipe se afasta se não se tor- inveja e a suspeita da punição,
nou odiado ou desprezado, e se que o atormenta; por parte do
tiver feito com que o povo esteja príncipe existe a majestade do
satisfeito com ele: e isso é neces- pr:incipado, as leis, a defesa dos
sário conseguir pelas formas a amigos e do Estado, que o res-
que acima se fez.longa referência. guardam: tanto que, acrescen-
Ora, um dos remédios mais efica- tando a tudo. isso a estima popu-
zes que um príncipe possui con- lar, ~ impossível . que exista
tra as conspirações é não se tor- alguém tão 'temerário que se aba-
nar odiado pela população, pois lance a conspirar. Ordinaria-.
quem conspira julga sempre que mente, o que um conspirador re-
vai satisfaz~r os desejos do povo ceia antes de levar a efeito o mal
com a morte dó príncipe; se jul- deverá recear também depois,
gar, porém, que com isso ofende- tendo o povo por inimigo, depois
rá o povo, não ierá coragem de do fato consumado, e não poderá
tomar tal partido, porque as difi- por isso esperar qualquer refúgio.
culdades com que os conspira- Poderia eu citar numerosos
dores teriam que lutar seriam exemplos desta matéria: limitar-
infinitas. Vê-se, pelá experiência, me-ei, porém, a um só, que nos
que muitas têm sido as conspira- foi legado pela recordação de
ções, mas que poucas delas tive- nossos pais. Tendo sido assassí-
ram êxito, pois quem conspira nado pelos C anneschi o senhor
O PRÍNCIPE 85
mas nao se tomar odiado pelo dade era tão grande que se tor-
povo. nou a causa da ruína de muitos, ·
Poderia parecer a muitos, con- pois é difícil satisfazer a1 um
1
siderando-se a vida e morte de tempo aos soldados e ao povo,
certos imperadores romanos, que pois que este, amante da paz,
constituíssem exemplos contrá- amava, conseqüentemente, os
rios a esta minha opinião, sendo príncipes modestos, e os soldados
que alguns deles, apesar de terem estimavam o príncipe que pos-
vivido sempre exemplarmente e suísse ânimo guerreiro e que
demonstrado possuir grandes vir- fosse insolente, cruel e rapace.
tudes, perderam o poder, ou Queriam que ele usasse dessas
foram mortos pelos seus,. que qualidades contra o povo para
contra ele conspi~arm. Dese- pod.er ganhar soldo dobrado e
jando responder a eÊitas objeções, dar largas à sua rapacidade e
narrarei as causas da sua ruína, crueldade. Isso fez com que os
que são diferentes das que ·aduzi, imperadores que, por natureza ou
procurando tomar particular- por habilidade, não tinham repu-
mente em consideração aquelas tação suficiente para refrear os
que parecem notáveis a quem lê soldados nem o povo sempre se
as ações daqueles tempos. Bas- arruinassem. E a maior parte
ta-'-me citar todos os imper_adores deles, especialmente os novos que
que se sucederam no governo, conquistavam o principado, ao
desde o filósofo Marco Aurélio conhecerem a dificuldade desses
até Maximino, os quais foram dois elementos, procuravam sa-
Marco, s.eu filho Cômodo, Perti- tisfazer aos soldados, não dando
nax, Juliano, Severo, o filho deste · importância às ofensas ao povo;
.- Antonino, Caracala, Macrino, era necessário tomar esse parti-
. Heliogábalo, Alexandre e Maxi- do, pois, não. sendo possível aos
mmo. . Deve-se primeiramente príncipes deixar de ser odiados
atentar em que, enquanto nos ou- por alguém, deviam eles esfor-
tros principados é necessário çar-se antes de mais nada por
lutar apenas contra a ambição não ser odiados pela maioria. E
dos grandes e a insolência qo quando não o podem conseguir,
povo, os imperadores romanos ti- devem procurar, com muita habi-
nham pela frente uma terceira lidade, fugir ao ódio das -maiorias
dificuldade, que era a.. de ter que mais poderosas. Por isso; os
suportar a crueldade e a rapaci- imperadores que, por serem
dade dos soldados. Esta dificul- novos, precisavam de favores
O PRÍNCIPE 87
mindo o povo, pôde sempre rei- nou-o seu colega. Albino julgou
nar com felicidade, porque que tais coisas fossem verdade,
aquelas suas virtudes o tomavam mas Severo, depois de ter vencido
tão admirável no conceito dos e morto Pescênio Negro e pacifi-
soldados e do povo, que este fica- cado o Oriente, voltou a Roma e
va, de certa forma, atônito, e se queixou no Senado de que
aqueles, reverentes e satisfeitos. Albino, esqµecido dos benefícios
Conhecendo Severo a ignávia do dele recebidos, tentara matá-lo
Imperador Juliano, persuadiu o traiçoeiramente e, por isso, era
exército, do· qual era capitão na obrigado a ir punir a ingratidão.
Ilíria, de que era oportuno ir a n·epois, foi ao seu encontro, nas
Roma, para vingar a morte. de Gálias, e lhe tirou o governo e a
Pertinax, assassinado pelos pre- vida. Quem examinar cuidadosa-
torianos, e, sob esse pretexto, sem mente as ações deste homem aca-
aparentar que aspirava ao poder, bará por julgá-lo um ferocíssimo
conduziu O' seu exército contra leão e uma astutíssima raposa e
Ronia, e chegou à Itália antes verá que foi temido e reveren-
mesmo da noticia da sua partida. ciado por todos e não odiado
Chegado a Roma, foi ele, pela pelo exército, e não se admirará
pressão do medo,. eleito impera- se ·ele - homem novo - pôde
dor pelo Senado, e assassinado manter tão grande poder; é que a
Juliano. Depois disso, restavam sua· alta reputação o defendeu
ainda duas dificuldades a Severo sempre daquele ódio que o povo
para se assenhorear de todo o lhe poderia ter votado, em virtu-
Estado: uma, na Ásia, onde Pes- de das suas rapinagens. E Anto-
cênio Negro, chefe dos exércitos nino, seu filho, foi também
·asiáticos, se proclamara impera- homem que tinha excelente pro-
. dor; e outra RO Ocidente, onde:. ceder, que o tomava maravilhoso
Albino também queria súbir ao· no conceito do povo e benquisto
império. E como julgasse peri- · pelos soldados, porque era mili-
goso declarar-se inimigo dos tar, suportava otimamente qual-
dois, deliberou atacar Pescênio quer fadiga e desprezava os man-
Negro e enganar Albino. A este jares delicados e quaisguer
escreveu que, tendo sido eleito outros elementos de conforto:
imperador pelo Senado, queria isso era o suficiente para fazer
. dividir com ele aqtfela honra; ·.com que se tornasse estimado por
mandou-lhe o título de· César e, todos os exércitos. Não obstante,
por deliberação do Senado; tor- sua ferocidade e crueldade foram
O PRÍNCIPE 89
tão grandes e inauditas, que man- como era de índole cruel e bes-
dou matar grande número de tial, para poder usar da sua rapa-
particulares e assim sacrificou cidade contra o povo, pôs-se a
grande parte do povo de Roma e favorecer os soldados e os tornou
todo o de Alexandria, de tal licenciosos; por outra parte, não
modo que se tornou muitíssimo se preocupando com ·a dignidade,
odiado por todos e começou a ser descendo freqüentemente às are-
temido também por aquel.es que nas para combater com os gla-
com ele privaram e, afinal, foi diadores e fazendo outras coisas
assassinado por um centurião, vís, pouco dignas da majestade.
em meio de seu exército. É de imperial, tornou-se desprezível
notar-se neste ponto que tais no conceito dos soldados. Ten-
assassínios, deliberados por ho- do-se tornado, dessa forma, odia-
mens obstinados, são impossíveis· do por uns e desprezado por
de evitar pelos príncipes, pois que outros, conspirou-se contra ele e
todo aquele que não temer a foi assassinado. Resta-nos narrar
morte poderá executá-los. Não as qualidades de Maximino. Este
deve, porém, o príncipe temori- foi homem extraordinariamente
. zar-se, porque são muito raros. belicoso, e, estando os exércitos
Deve apenas guardar-se de não enfastiados com a passividade de
injuriar gravemente alguma das Alexandre, de que falei acima,
pessoas de que se serve e que ele morto este, elegeram-no pará o
tem junto a si, a serviço ·do seu governo. Maximino, porém, não
principado, como fez· Antonino. reinou por muito tempo, porque
Havia este assassinado indigna- duas coisas o tornaram odiado e
mente um irmão daquele centu- desprezado:. primeiro, ser de
rião, e ainda ameaçava este todo baixa extração, pois já fora pas-
dia; mas, apesar disso, conser- tor na Trácia (fato que era conhe-
vou-o na.sua guarda, o que vinha cido por todos e o rebaixava
a· ser coisa. temerária e capaz de muito no conceito de toda a
aruiná~lo, como aconteceu. gente); segundo, tendo, quando
Passemos agora a Cômodo, a da sua elevaç'ão ao império, adia-
quem teria sido fácil manter o do a sua ida a Roma para entrar
poder, por tê-lo alcançado jure na posse da dignidade imperial,
hereditário, sendo filho de dera de si fama de ser muito
Marco, e lhe bastava apenas se- cruel, pois, por intermédio dos
guir as pegadas do pai para con- seus prefeitos, em Roma e em
tentar o exército e o povo. Mas, toda a parte, perpetrara numero-
90 MAQTTIAVBL
que naqueles não existem as difi- novos, foi inútil e danoso querer
culdades existentes nestes, pois, imitar Marco, que no principado
embora o príncipe seja novo, a estava jure hereditario. Igual-
organização do Estado é velha. E
1
mente, por que a Caracala, Cô-
os governantes são obrigados a modo e Maximino foi pernicioso
recebê-lo como se fossem senho- imitar a Severo, por não terem
res hereditários. possuído tanta virtude que bas-
Voltemos, porém, ao nosso tasse para que pudessem seguir-
assunto. Direi que quem conside- lhe o caminho. Um príncipe
rar o que acima referi verá como novo, num principado novo, não
o ódio ou o desprezo foram cau- pode, portanto, imitar as ações
sas da ruína dos imperadores de Marco, nem da mesma forma,
mencionados e conhecerá tam- é necessário imitar as de Severo.
bém os motivos por que, parte Deve, sim, aproveitar de Severo
daqueles procedendo de uma as qualidades que forem necessá-
forma, e outros, de maneira con- rias para fundar o seu Estado, e,
trária, alguns deles terminaram de Marco, aproveitar as que
bem e outros tiveram triste fim; e sejam glQriosas e convenham
também por que a Pertinax e Ale- para manter um Estado que já es-
xandre, por serem príncipes tej a estabelecido e firme.
CAPÍTULO XX
ainda que seja poderoso e que fi- de Milão, e podiam deixar de efe-
ques à sua mercê, terá ele obriga- tuar tal união; e desse fato resul-
ções para contigo e é compelido tou a ruína deles. Mas quando
a.ter amizade por ti; e os homens não se pode deixar de fazer alian-
não são nunca tão maus que ça, como aconteceu com os flo-
queiram oprimir a quem devem rentinos quando o papa e a Espa-
ser gratos. Ademais, as vitórias nha foram assaltar a Lombardia
não são nunca tão completas que pelas armas; então o príncipe
o vencedor não tenha que levar deve aderir, pelas razões acima.
em conta outras considerações, Não pense nunca nenhum gover-
principalmente de justiça. no poder tomar decisões absolu-
Mas, se aquele a quem ajudas tamente certas; pense antes em
perder, ser ás socorrido por. ele. ter que tomá-las sempre incertas,
quando puder, e, nesse caso, fica- pois isto está na ordem das coi-
rás ligado a uma fortuna que sas, que nunca deixa, quando se
pode ressurgir. No segundo caso, procura evitar algum inconve-
quando os combatentes são tais niente, de incorrer em outro. A
que não tenhas de te arrecear da prudência está justamente em
vitória de qualquer, a tua aliança saber conhecer a natureza dos
com um deles é tanto ·mais pru- inconvenientes e adotar o menos
dente quanto assim provocarás a prejudicial como sendo bom.
mina de um com o auxílio de
Deve ainda um príncipe mos-
quem o deveria salvar, se fosse
trar-se amante . das virtudes e
sábio, e vencendo tu, o teu aliado
honrar os que se revelam grandes
ficará à tua discrição e é impos-
numa arte qualquer. Além disso,
sível que não vença com a tua
deve animar os seus cidadãos a
ajuda.
exercer livremente as suas ativi-
Note-se agora que um príncipe
deve ter o cuidado de não fazer· dades, no comércio, na agricul-
tura e em qualquer outro terreno,
aliança com um que seja mais
poderoso, senão quando a neces- de modo que o agricultor não
sidade o compelir, como se expôs ·deixe de enriquecer as suas pro-
acima, pois que, vencendo, ficará priedades pelo temor de que lhe
prisioneiro do aliado; e os prínci- sejam arrebatadas e o comer-
pes devem evitar o mais que pos- ciante não deixe de desenvolver o
sam a situação de estar à mercê seu negócio por medo de impos-
de outrem. Os venezianos alia- tos. Pelo contrário, deve instituir
ram-se à França contra o duque prêmios para os que quiserem
102 MAQUIAVEL.
I·
CAPÍTULO XXIV
110 MAQUIAVEL
poles e da Toscana, e que cure as nota, não pode existir grande difi-
suas chagas já há muito tempo culda_de para quem se dispuser a
apodrecidas. Vê-se que ela roga a agir como aqueles a que propus
Deus envie alguém que a redima como exemplo. Além disso,
dessas crueldades e insolências vêem-se aqui extraordinárias
dos estrangeiros. Vê-se, ainda, ações de Deus, como ainda não
que se acha pronta e disposta a se teve exemplo: o mar se abriu,
seguir uma bandeira,· uma vez uma nuvem revelou o caminho,
que haja quem a levante. E não da pedra brotou água, aqui cho-
se vê, atualmente, em quem ela veu ·o maná; tudo concorreu para
possa esperar mais do que na a vossa grandeza. O que resta a
vossa ilustre casa, a qual, com a fazer é tarefa que a vós compete.
fortuna e valor, favorecida por Deus não quer fazer tudo, para
Deus e pela Igreja - a cuja fren- rião nos tolher o livre ·arbítrio e
te está agora - , poderá consti- parte da glória que nos cabe. E
tuir-se cabeça desta redenção. não é motivo para maravilhar-se
Isso ·não será muito difícil se vos se algum dos já mencionados ita-
voltardes ao exame das ações e lümos não pôde fazer aquilo que
vida daqueles de quem acima se se pode esperar da vossa ilustre
fez menção. E se bem que aqueles casa e se, em tantas revoluções
homens tenham sido raros e da Itália, em tantos trabalhos de
marvilhos~ foram, todavia, guerra, parecer sempre que a vir-
homens, e as ocasiões que tive- tude militar se tenha extinguido
ram - todos eles -·- foram no país. A razão disso está em
menos favoráveis do que a pre- que -as antigas instituições políti-
sente: porque os seus empreendi- cas não eram boas e não houve
mentos não foram mais úteis· do ninguém que tivesse sabido ar-
que estes nem mais fáceis, nem ranjar outras; e nunca coisa
Deus foi mais amigo deles do que nenhuma deu· tanta honra a um
vosso. É muito justa esta minha governante novo como as novas
asserção: ''Justum enim est bel- leis e regulamentos que el~bo
lum quibus necessarium, et pia rasse. Quando estes são bem fun-
arma ubi nulla nisi armis spes dados e encerram grandeza,
est 2 8 ". Aqui tudo está disposto fazem com que ele seja reveren.:.
favoravelmente; e onde isto se ciado e admirado: e na Itália não
faltam motivos para a realização
2 8 "Justa, na verdade, é a guerra, quando
sua igual. E disso resultará a for- capaz de lhe negar o seu favor?
mação de uma geração· de guer- Já está fedendo, para todos, este
reiros e a mudança de métodos. E domínio de bárbaros. Tome, pois,
são essas coisas que, reorgani- a vossa ilustre casa esta tarefa
zadas, dão reputação e grandeza com aquele ânimo e com aquela
a um prí~cie novo. fé com que se esposam as boas
Não se deve, portanto, deixar causas, a fim de que, sob o seu
passar· esta ocasião a fim de fazer .brasão, esta pátria seja eno bre-
com que a Itália, depois de tanto cida, e sob os seus auspícios se
tempo, encontre um redentor. verifique aquele dito de Petrarca:
Não tenho palavras para expri-
mir o amor e entusiasmo com
VirtU contra afuro're
que seria ·ele recebido em todas
Prenderà /'arme; e fia il com-
as províncias que sofreram ata-
[batter corto;
ques e invasões estrangeiras, nem
Ché l 'antico valore
com que sede de vingança, com
que fé obstinada, com que pieda-
Nelli italici cor non ancore
[morto 2 9 •
de, com que lágrimas. Que portas
se lhe fechariam? Que povos lhe
29 "A virtude tomará armas contra o furor e
negariam obediência? Que inveja será breve o combate, pois o antigo valor
se lhe oporia? Qual italiano seria ainda não está morto nos corações italianos."
ÁPENDICE
que não seja a minha: vida, e se liras, que dizia tinha a haver de
julgardes que deva trocá-la pela mim faz quatro anos, que me ga-
vossa, ficarei contente em mudá-. nhou no jogo de cricca em casa
la. de Antônio Guicciardini. Come-
Permaneço na vila, e como cei a fazer o diabo, querendo acu-
seguiram aqueles meus últimos sar de ladrão o carroceiro, que ali
casos, não estive, para ajuntá-los fora mandado por ele, tandem
todos, mais .de vinte dias em Flo- Giovanni Machiavelli entrou no
rença. Tenho, até agora, apa- meio, e nos pôs de acordo. Bat-
nhado tordas a mão; levantava- tista Guicciardini, Filippo Gino-
me antes do dia, trabalhava a rio, Tommaso del Bene e certos
paina, afastava-me com um feixe outros cidadãos, quando aquela
de gaiolas sobre mim, que pare- ventania soprava, cada um me
cia o Geta quando ele voltava do encomendou uma medida. Pro-
porto com os livros de Anfitrião; meti a todos e mandei uma a
apanhava pelo menos dois, no Tommaso, a qual voltou a Flo-
máximo seis tordas. E assim esti- rença pela metade, porque para
ve todo o mês de setembro; de- medir havia ele, a mulher, a cria-
pois este entretenimento, ainda da, os filhos, que parecia o Gab-
que desprezível e estranho, fal- bura quando na quinta-feira com
tou, com desgosto meu, e dir-' seus rapazes bate num boi. De
vos-ei qual seja minha vida. Le- maneira que, visto em quem esta-
vanto-me de manhã com o sol e va o lucro, disse aos outros que
vou para um bosque meu onde não tenho mais madeira; e todos
mando fazer lenha,. e ali fico duas disso fizeram questão impor-
horas a inspecionar as obras da tante, e especialmente Battista,
véspera, e a passar o tempo com que enumera esta entre as outras
os lenhadores, que têm sempre desgraças de Prato.
aborrecimento à mão ou entre si Saindo do bosque vou à fonte,
ou com os vizinhos. E a respeito e daqui à caçada; tenho um livro
deste bosque eu vos teria a dizer comigo, ou Dante ou Petrarca,
mil belas coisas que me acontece- ôu um destes póetas menores,
ram, com Frosino da Panzano e como Tibulo, Ovídio e semelhan-
com outros que queriam destas tes: leio aquelas suas amorosas
madeiras. E especialmente Frosi- paixões e aqueles seus amorres,
no, que mandou buscar certas lembro-me dos meus, compréif:O-
quantidades sem dizer-me nada, e me neste pensamento. Vou depois
ao pagamento queria reter dez à hospedaria, à beira da estrada,
O PRÍNCIPE 119
Die 10Decembris1513.
· · ~ t~ .; :;:_
.~ - ~fr , . ~c;
, "§p . ~ : ·&·: -· .. __ -.
DO MODO DE TRATAR
OS POVOS DO VALE DO CHIANA
REBELADOS
. - . 1'!:.
Nota do Tradutor
1
ESCRITOS POLÍTICOS 131
tente com isso, foi a Città di Cas- que para fazê-lo esfriar nos seus
tello com a sua tropa .. E poderia planos seriam necessárias outras
ter tomado àquele a cidade, pois águas que não os Orsini. Nem lhe
os principais homens da terra ti- importava que o perturbassem no
nham vindo oferecer-se-lhe, de ducado de Urbino, porque não
onde disse que se originou a pri- esquecera o meio de readquiri-lo,
meira ira e descontentamento · quando o perdesse; a isso ajun-
seu. tando que era tempo agora de, se
Disse também não saber a ori- V.Sas. quisessem ser seus ami-
gem da ·indignação dos Orsini gos, fazerem-se-lhe obrigados,
contra nosso senhor 3 na corte do pois ele bem podia, sem preocu-
rei de França. Depois de haver par-se com os Orsini, ligar-se por
visto que Sua Majestade o tinha amizade com V.Sas., o que não
tratado com maior consideração pudera fazer antes. Mas se V.Sas.
do que ao Cardeal Orsini, e isso adiassem isso e ele neste ínterim
ao mesmo tempo que corriam se tivesse reconciliado com os
certos rumores de que o rei inten- Orsini, os quais o procuram
tava tirar-lhe o poder, eles. ti- ainda, repetir-se-ia a si.tuação,
nham partido e tinham marcado pois estes só poderiam ser satis-
encontro nessa dieta de falidos. E feitos com a reposição dos Médi-
se bem que tivesse havido mais cis, isto é, V.Sas. encontrar-se-
de uma embaixada de parte do iam na mesma dificuldade e
Senhor Giulio Orsini, o qual lhe temor; daí pensar ele que V.Sas.
assegurava não lhe fazer oposi- devem sem tardança declarar-se
ção alguma, etc., e se bem que seus amigos ou deles, porque
não fosse razoável que eles des- adiando-se a decisão pode acon-
cobrissem, quando lhes tirou o tecer que se faça acordo com
seu dinheiro, o próprio jogo, logo dano de V.Sas. ou seguir-se a
que tivessem de fazê-lo, reputa- vitória de uma das partes, a qual
va-os mais loucos do que poderia se lhes tornaria inimiga ou deso-
esperar, pois é certo que não ti- brigada para com V.Sas. E quan-
nham escolhido bem a oportuni- do tenham de tomar partido, o
dade para ofendê-lo, estando na que julga ele coisa que tem d~
Itália o rei de F_rança, e vivendo a acontecer, não vê· como V.Sas.
santidade de nosso senhor, duas possam tomar outro que não
coisas que o animavam tanto, aquele onde estão a majestade do
rei e asantidade de nosso senhor,
3 O papa. (N. do T.) ajuntando ainda que lhe será
'.
142 MAQUIAVEL
--------------- - - - - - - - - - - - - - - - ' - - - - - - . . . . . . L _ - - - - -_ _
ESCRITOS POLÍTICOS 143
Servitor
Iterum valete.
Dei ao portador dois ducados para que esteja aqui amanhã, dia 9,
antes do amanhecer. Peço-lhes que reembolsem a Ser Agostino
Vespucci.
DESCRI CÃO
DO MODO DE QUE SE SERVIU
O DUQUE VALENTINO
PARA MATAR
VITELLOZZO VITELLI
OLIVEROTTO DA FERMO
E O DUQUE DE CRAVINA ORSINI
Nota do Tradutor
..
quer as coisas que não pode ter e
daquelas que pode ter se afasta, e
biamente e os faz compreender
bem ao seu superior é razão para
por isso toma seínpre o partido que este possa adiantar-se sempre
inverso. É, por outro lado, e assegurar-se a seu devido
homem belicosíssimo; comanda e tempo. Isso, quando bem feito,
conduz bem um exército, com honra a quem está fora e benefi-
justiça e com ordem. Pode supor- cia quem está em casa: e o con-
tar qualquer fadiga, mais que ne- trário acontece quando é mal
nhum outro homem trabalhador; feito. E para vir a descrevê-las
animoso nos perigos: de tal modo particularmente, vós estareis em
que, como capitão, não é inferior lugares onde se manejar ão duas
a nenhum outro. É humano quan- coisas: guerra e tratados. A que-
do dá audiência, mas a quer dar à rer desempenhar bem vosso ofi-
sua vontade; nem quer ser corte- cio, vós deveis dizer que opinião
jado pelos embaixadores, senão se tenha de uma e de outra coisa.
160 MAQUIAVEL
.,
.RELATÓRIO SOBRE
AS COISAS DA ALEJ\~NH
FEITO.A
17 DE°JUNHO DE 1508
O IMPERADOR reuniu, em rara que queria reunir os prínci-
junho passado, em Constança,. a pes e que tinha ido à Suábia para
Dieta, composta por todos os ameaçar os suíços se estes não
príncipes da Alemanha, a fim de rompesserµ com a França: o que
que lhe fossem garantidos meios fez com que o Rei Luís, logo de-
de invadir a Itália e coroar-se pois da conquista de Gênova,
imperador. O que fez por sua regressasse a Lião de modo que,
vontade própria e, ainda, por ter parecendo ao imperador que lhes
sido solicitado pelo enviado do tirara a guerra de cima, acredi-
pontífice, que lhe prometia gran.:. tava que em tudo o devessem
de ajuda por parte deste. Pediu o apoiar; e se comprouve em dizer
imperador à Dieta, para tal em- mais de uma vez 'que in Italia non
presa, três mil cavalos e dezesseis habebat amicos propter Vene-
mil infantes; e prometeu juntar tos 4 • As outras razões ainda por
nesse total, por si mesmo, até que pediu tão pouca gente foram
trinta mil pessoas. A razão de ter que o império lhas prometesse e
ele pedido tão pouca gente para cumprisse; ou que condescen-
tão grande empresa foi: a pri- desse de mais bom grado em pô-
meira porque ele julgou que bas- las todas sob sua obediência e
tassem, persuadindo-se de que se não procurasse dar-lhe capitães
poderia valer dos venezianos e de nomeados pelo império e que fos-
outros da Itália, como adiante se sem seus iguais. Porque não fal-
dirá; nem julgou nunca que os . tou quem na Dieta relembrasse
venezianos lhe faltassem, tendo- (entre os quais estava o arcebispo
os servido pouco antes, quando de Mogúncia) que conviria fazer
temiam a França, depois da to- grande a expedição, provendo
mada de Gênova, porque havia, a
pedido deles, mandado cerca de 4
Por causa dos venezianos não tinha amigos
dois mil homens a Trento. Decla- na Itália. (N. do E.)
164 MAQUIAVEL
pelo menos a quarenta mil ho: do-lhe não poder mover-se nem
mens e lhes dar em nome do deixando ainda de esperar condu-
império quatro capitães, etc. ·O zi-las a termo, enviou as forças,
que encolerizou o imperador, que parte para Trento, parte para ou-
disse: Ego possum ferre labores, tros lugares; e não deixava as
valo etiam honores 5 : tanto que suas pretensões; de modo que ele
pediu os referidos dezenove mil se encontrou em janeiro é consu-
homens e mais, que lhe dessem mida a metade do tempo previsto
cento e vinte mil florins .para su- pelo império, sem ter feito coisa
prir à necessidade do acampa- alguma. Vendo-se chegado a este
mento e para pagar soldo a cinco extremo, fez ultimatum de po-
mil suíços por seis meses, como tentia 6 para ter os venezianos;
melhor lhe parecia. Propôs o . aos quais mandou Pra Bianco,
imperador que as tropas estives- mandou o Padre Luca, mandou o
sem reunidas no dia de São Galo; déspota da Morea e os seus arau-
parecendo-lhe tempo mais que tos várias vezes. E eles, quanto
· suficiente para tê-las prontas e mais eram solicitados, tanto mais
cômodo ao modo pelo qual elas o percebiam .fraco e mais lhes
faziam a guerra. E e~ seguida fugia a vontade. Nem aí perce-
declarou que dentro do tempo biam alguma qaquelas coisas
referido teria realizado três coi- pelas quais as alianças de Esta-
sas: uma, o ter-se ganho o apoio dos se fazem; que são, ou para
dos venezianos, dos quais não ser defendido, ou por medo de ser
desconfiou até a última hora, não ofendido, ou por lucro: mas viam
obstante haver sido depois expul- ·que. entravam para uma aliança
so o enviado deles, como se sabe; onde a despesa e perigo era deles
a outra, ter firmes os suíços; a e o lucro de outros. Portanto, o
terceira, ter tirado do pontífice e imperador, sem ter outro partido
de outros da Itália boa quanti- a tomar, sem perder mais tempo,
daqe de dinheiro. -deliberou atacá-los, acreditando,
Foi, portanto, combinando talvez, fazê-los recuar, e talvez
estas coisas: chegou o dia de São lhe tenha sido dada a intenção
Galo; as tropas começaram a disso pelos seus enviados: ou,
reunir-se e ele, das três, não havia pelo menos, com a desculpa de
realizado nenhuma. E parecen- tal ataque, fazer com que o imp~-
rio afirmasse e acrescesse as suas
5 Eu posso enfrentar as dificuldades, quero
1
ESCRITOS POLÍTICOS 167
zer nas reuniões da Dieta como produz; e gozam sua vida rústica
faz a Alemanha. E tanto mais o e livre e não querem ir à gueqa se
prejudica esta ·sua liberalidade, não são bem pagos, e isto tam-
quanto para fazer a guerra lhe é bém não lhes bastaria se as
necessário mais dinheiro· que a comunidades assim não lhes de-
qualquer outro príncipe: porque terminassem: e assim ao impera-
os seus povos, por serem livres ·e dor seria necessário muito mais
ricos, não são instados nem pela dinheiro do que ao rei de Espa-
necessidade nem atraídos· por nha ou a outros que tenham orde-
qualquer afeição, mas o servem n·ado o seu povo de modo dife-
pela determinação da sua comu- rente.
nidade e pelo seu preço; de A sua fácil e boa natureza faz
maneira que, se ao fim de trinta com que cada um que ele tem ao
dias o dinheiro não aparece, logo seu redor o engane: e declarou-
partem e não os podem reter me um dos seus que cada homem
rogos ou esperança ou ameaça, e cada fato o pode enganar uma
faltando-lhes o ·dinheiro. E se vez quando ele o percebeu: mas
digo que os povos da Alemanha são tantos os homens, tantos os
são ricos é que assim é a verdade; fatos, que lhe pode suceder ser
e o que os faz ricos, em grande enganado todos os dias, .mesmo
parte, é o viver como pobres; que ele sempre se apercebesse do
porque não edificam, não vestem engano. Possui infinitas virtudes;
e não têm mantimentos em casa, e se combinasse as duas partes
e lhes basta ter pão e carne em mencionadas, seria um homem
abundância e uma estufa para . perfeitíssimo: porque êle é per-
fugir do frfo. Quem não tem ou- feito capitão; mantém o país com
tras coisas, passa sem elas e não grande justiça; acessível às au-
as procura. Gastam consigo dois diências e benéfico, e muitas ou-
florins em dez anos, e cada qual tras qualidades de ótimo prínci-
vive segundo a sua vontade a esta pe: con.cluindo que se temperasse
proporção, e ninguém se importa aquelas duas podem todos perce-
com aquilo que lhe falta e sim ber que todas as coisas lhe da-
com aquilo que tem de necessá- riam bom resultado.
rio; e as suas necessidades são D;i potência da Alemanha n.in-
muito menores do que as nossas: guém pode duvidar; porque tem
e deste costume resulta que não ela· abundância de homens, i de
sai dinheiro de seu país e eles riquezas e de armas. E quantb à
estão contentes com o ·que lá se riqueza, não }_lá comunidade que
ESCRITOS POLÍTICOS 169
•.
DO "RESUMO
DAS COISAS DA ALEMANH!X'
,, Ni
As TROPAS alemãs são muito tam, quando se agitam os cava-
bem montadas, mas são pesadas, los.
e outrossim são muito bem arma- As tropas de infantaria são óti-
das na parte que usam armar. mas, e compostas de homens de
Mas deve-se notar que num pré- bela estatura; ao contrário dos
lio de armas contra italianos ou suíços, que são pequenos, e não
franceses nada valeriam; não são limpos nem belos: mas não
pela qualidade dos homens, mas se armam, ou poucos, com mais
porque não usam nos cavalos do que a lança ou adaga, para ser
armadura de nenhuma espécie, e mais ágeis, prestas e leves. E cos-
as selas pequenas, fracas e sem tumam dizer que fazem assim
estribos, de maneira que qualquer por não ter outro inimigo que
pequeno choque os atira por não a artilharia, da qual uma
terra. Eis outra coisa que os
armadura, couraça, cota de
torna mais débeis: do busto para
malha não os defenderia. Outras
baixo, isto é, coxas e pernas, não
armas não temem, pois afirmam
se resguardam em nada; de modo
possuir tal ordem, que não é pos-
que, não podendo agüentar a pri-
sível entrar entre eles, nem apro-
meira investida, e nisso consiste a
ximar-se-lhes quando a lança é
importância das tropas e do feito
de armas, não podem mais com- longa. São ótimos homens nas
bater com arma curta; porque batalhas campais, mas para o
podem ser atingidos, assim como assalto a fortalezas não valem, e
os seus cavalos, nos lugares des- pouco para defendê-las; e em
guarnecidos, e está nas possibili- geral, onde não podem manter a
dades de qualquer peão com ordem da sua milícia, não valem.
lança arrancá-los dos cavalos ou Disto se teve a experiência depois
destripá-los; e além disso, pelo que tiveram que se avir com os
seu próprio peso, mal se agüen- italianos; e máxime onde tiveram
176 MAQUIAVEL
·1~
DA NATUREZA
DOS FRANCESES
tt
Nota do Tradutor·
M aqüiavel tem evidente antipatia pela França e pelos franceses e a
manifesta nos Ritratti delle Cose di Francia, escrito que data da sua
última legação à França, em 151 O, e principalmente no Della Natura
dei Francesi, pequeno escrito composto de breves conceitos sobre a
psicologia do povo francês. -
Júlio II, fazendo a paz com Veneza e recuperando a Romanha,
rompia com a França e lançava as bases da Lega Santa. Florença
via-se em situação embaraçosa. Luís XII exigia da repúblicafonnais
promessas de auxilio na guerra que fazia a Veneza. O papa, por outro
lado, reqú'estava o apoio de Florença à liga antifrancesa. O interesse
da república era, assim, contemporizar, deixando de ajudar efetiva-
mente a qualquer dos campos adversos.
Nos primeiros dias de julho partia Maquiavel para a França muni-
do da commissione dos "Dez" e instruções reservadas do Gonfalo-
neiro. Apesar das dificuldades da situação, conseguiu ele justificar
perante o rei a política de Florença, tolhida entre a necessidade de
cumprir as suas obrigações para com a França e o tenwr de chocar-
se contra a Igreja.
Durante esta terceira legação à França pôde Maquiavel estudar o
caráter da organização política e econômica do reino, conw já o fize-
ra para a Alemanha. Os Ritratti tiveram sucessivas redações, a últi-
ma das quais é de 1510 ou 1511, e onde, apesar da desordem, da
segunda parte e de algumas inexatidões, revela Maquiavel a niesnia
acurada observação das linhas essenciais e caracte1isticas dos
Estados.
ESTIMAM tanto a utilidade e o Pretendendo um beneficio,
dano presentes, que lhes fica pensam antes na utilidade que
pouca lembrança das injúrias e dele podem tirar, do que no servi-
beneficios passados e pouco cui- ço que poderão prestar.
dado do bem ou do mal do Os primeiros acordos com eles
futuro. são sempre os melhores. ·
São antes retrógrados que pru- Quando não te podem fazer
dentes. Não se importam muito bem, to prometem; quando
do que se escreva ou se diga podem fazer, fazem-no com difi-
deles.· São mais cúpidos de di- culdade ou nunca.
nheiro do que de sangue. São · São humílimos na má sorte; na
liberais somente em ouvir. boa, insolentes.
A um senhor ou gentil-homem Tecem bem as suas intrigas
que desobedeça ao rei numa urdidas com a foça~ Quem vence
está, por isso mesmo e quase
coisa que pertença a um terceiro
sempre, com o rei; quem perde,
não resta remédio que não o de
raríssimas vezes: e por isso; quem
lhe obedecer de qualquer manei- tem que realizar uma empresa
ra, quando ainda está em tempo; deve logo . considerar se ela lhe
e quando não, ficar quatro meses sairá bem ou não. É' este capítulo
sem aparecer na corte. E isto vos · conhecido dé Valentino, pois o
arrebatou Pisa duas vezes: uma fez vir a Florença com o exércit~.
quando Entraigues tinha a cida- Estimam em muitas coisas sua
dela; a outra quando o campo honra grosseiramente e de manei-
francês nos veio. · ra desconforme à dos senhores
Quem quer levar um negócio a italianos: e por isso bem pouco se
bom termo na corte precisa de importam de haver mandado a
muito dinheii-o, grande diligência Siena a pedir Montepukiano e
e boa fortuna. · não ser obedecidos.
182 MAQUIAVEL
quiser atacar a França, o fará que tem este povo também ditas
com grande desvantagem: porque mercadorias e até as fabricam
do seu Estado, de onde partiria mais que eles. Assim, sempre que
até às bocas dos Pireneus, que deixassem de comerciar com· os .
penetram .no reinado de França, é franceses, não teriam eles onde
tão longo o caminho e :tão estéril vender as mercadorias; e assim
que toda a vez que os franceses não somente sofreriam a· falta de
visassem aquelas saídas dirigidas mantimentos como também de
a Perpignan, como as que se diri- mercado para o que produzissem.
gem à Guiena, o exército espa- O que faz com que os flamengos
nhol poderia ser desorganizado, nunca, senão forçados, terão
sen~ -pela falta de socorro, ao guerra com os franceses.
menos no que diz respeito aos ví- Teme muito a França dos suí-
veres, tendo que caminhar por ços pela sua vizinhança e pelos
tão longa estrada; porque as ter- repentinos ataques que lhe
ras que se deixam para trás são · podem fazer; ao que não é possí-
como que inabitadas, devido à vel, pela sua presteza, prover a
sua esterilidade: e as que são tempo. E fazem, antes, mais
habitadas têm apenas o suficiente depredações e correri.as que outra
para a vida dos habitantes. E por coisa: porque, não tendo nem
isso os franceses da vertente dos artilharia nem cavalos e estando
Pireneus temem pouco os espa- as cidades francesas que lhes são
nhóis. vizinhas bem defendidas, não
Dos flamengos os franceses conseguem grandes progressos.
não temem; e isto pOFque os fla- Além disso a n~tureza dos suíços
mengos não produzem, devido à é mais apta à guerra de campo do
fria natureza do país, nem com que ao expugnar e defend"er forti-
que viver; e principalmente trigo ficações: e de má vontade os
e vinho, que é necessário impor- franceses naqueles confins com-
tar da Borgonha e da Picardia e batem os s_uíços; porque não têm
de outros Estados de França. infantaria boa que lhes faç·à fren-
Além disso, os povos de Flandres te, e os homens de armas sem
vivem de trabalhos manuais que infantaria de nada valem. E
vendem nos _mercados de França, ainda o terreno é. aí tão aciden-
isto é, de Lião e de Paris; porque tado que as lanças e cavaleiros
do lado do mar, não há onde mal se movimentam: e os suíços
comerciar, e para o lado da Ale- só de má vontade deixam as suas
manha, acontece o mesmo, por-· fronteiras dirigindo-se à planície,
ESCRITOS POLÍTICOS 191
1
ESCRITOS POLÍTICOS 193
filho, o qual morreu sem ter fi- que universalmente se usa para
lhos legítimos, e deixou apenas cada um; isto é; um soldo por
uma filha bastarda. Foi depois ·quarto, ao dia; onde deve haver
aquele Estado usurpado por estes cama e travesseiro, e muda cada
Sforza ilegtman~ segundo oito dias. Dois dinheiros por
se diz: porque estes dizem que homem ao dia para a roupa bran-
aquele Estado deveria ir. as mãos ca (isto é, toalhas, guardanapos),
dos sucessores e herdeiros daq\).e- vinagre, vinho de uva, e eles são
la Madonna Valentina; e desde o obrigados a mudar a dita roupa
dia em que os Orlearis se aparen- branca pelo menos duas vezes
taram com a casa milanesa, · por semana, mas, por ter abun-
acrescentaram às suas armas dos dância delas a cidade ou país,
três lírios uma serpente, e assim mudam mais ou menos, con-
ainda é. forme a pessoa pedir. Além disso
Em cada paróquia de França são obrigados a dirigir, varrer e
há um homem bem pago pela arrumar as camas. Dois dinhei-
dita paróquia, e se denomina o ros cada um, por dia, e para cada
franco archeiro; o qual é obri- cavalo na estalagem; e não são
gado a ter um bom cavalo e estar obrigados a dar coisa alguma aos
provido de armas par a todas as cavalos, a p.ão ser esvaziar a
requisições do rei ·quando o rei estrebaria da sujeira. São tantos
estiver fora do reino devido a que pagam menos, ou pela sua
guerras ou qualquer outra razão. boa natureza ou pela do patrão:
São obrigados a cavalgar para a mas geralmente esta é a taxa
província onde o reino tenha sido ordinária da corte.
assaltado ou onde· houvesse sus- Os direitos que pretendem ter
peita disso: que, segundo as paró,_ os ingleses· sobre o reinado de
quias, são um milhão e setecen- França, as- mais novas procuro e
tos. penso que são estas. Carlos VI
Os alojamentos, por obrigação deste nome, rei de França, despo-
de seu oficio, dão-no os foreiros a sou Catarina, filha legítima e
quem acompanha a corte, e co- natural de Henrique, filho legí-
mumente cada homem de bem ou timo e natural do rei de Ingla-
· destaque da terra hospeda os terra: e no contrato, sem fazer
cortesãos. E para que ninguém qualquer menção a Carlos VII,
tenha motivo para queixar-se, que foi depois rei de França,
tanto o que aloja como o que é além do dote <lado a catarina,
alojado a corte fixou uma taxa, instituiu herdeiro do reino de
198 MAQUIAVEL
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DISCURSO AO
MAGISTRADO DOS DEZ SOBRE
AS COISAS DE PISA
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Nota do Tradutor
20~ MAQUIAVEL
própria vida. Ide mais para dian- eles vô-la façam. Passemos ao
te; saí da Tosc~a e considerai papa e ao seu duque. Esta ·parte
toda a Itália: v~-laeis passar da não tem necessidade de comentá-
dominação do rei para a dos rio. Todos· sabem quais sejam a
venezianos, a do papa e a de natureza e o apetite destes; e os
Valentino. Começai a considerar· seus processos e que confiança se
o rei. Aqui é preciso dizer a ver- pode ter neles e deles receber.
dade e eu vo-la direi. Para este Direi somente isto: que não se
não existe outro empecilho senão concluiu com eles ain~ acordo
vós, na Itália. E aqui não há algum; e direi mais adiante o que
remédio, porque todas as forças, não ficou para nós. Mas supo-
todas as providências não vos nhamos que concluíssemos um
salvariam: ou ele terá outros acordo amanhã. Disse-vos que
empecilhos, como bem se vê que aqueles senhores são amigos vos-
há, e neste caso há remédio, ou sos, que não vos podem ofender,
não, segundo a vossa vontade ou e novamente vos digo: porque
não. E o remédio é fazer com que entre os cidadãos, as leis, os con-
exista tal relação das forças, que, tratos, os pactos obrigam à fé; e
em qualquer deliberação sua, entre os senhores, as armas. E se
tenha ele de contar convosco ·vós disserdes: "recorreremos ao
como com os outros da Itália; e, rei", parece-me que vos disse
por estardes vós desarmados, não também isso: que todavia o rei
dar ânirrio a algum poderoso de não está em condições de defen-
pedir-vos ao rei como presa; e der-vos, porque os tempos não
nem dar ocasião ao re~ de que - os mesmos. e nem sempre se
sao
este vos deixe entre os perdidos, pode evitar a ação armada de
mas comportar-se de rnodo que outrem; e contudo é conveniente
ele tenha de estimar-vos e nem ter a espada ao alcance da mão e
outrem julgue fácil subjugar-vos. cingi-la quando o inimigo está
Considerai, agora, os venezianos. distante; que, d~ outro modo, já
Aqui não é necessário esforçar-se não chega em tempo e nem
muito para entender: todos encontra reméd~o. E deve-se re-
sabem a sua ambição; e· que cordar neste ponto o que aconte-
d~vem receber de vós cento· e ceu quando Constantinopla foi
oitenta mil ducados e que eles só tomada pelos turcos. O impera-
esperam oportunidade; e que é dor previu a sua ruína; ·chamou·
melhor gastá-los fazendo-lhes a os seus súditos; não podendo.
guerra do que dar-lhos para que prover à defesa com as rendas
214 MAQUIAVEL
1
1
ESCRITOS POLÍTICOS 215
lado ela é grande freio para os porque são muitas as coisa~ que
homens; por outro, não pode for- seria bom facilitar. E castigar os
mar multidão de exilados; por-- cidadãos é uma, porque se a ,sua
que, desde os primeiros três anos pena se devesse declarar pelos
dois terços, parentes e amizades
2 s Lacuna do manuserito. Talvez "aos infe- poderiam com ·maior dificuldade
riores" ou coisa semelhante. (N. do T.) impedi-los.
ESCRITOS POLÍTICOS 227.
ciardini, 'se ao invés de ser papa, tives- ~ Lívio (Titus Livius) - Historiador ro-
se sido príncipe secular." _ mano nascido em Pádua em 59 a.C.
240 ÍNDICE DOS NOMES CITADOS
Da sua monumental História Romana ses, no mesmo ano, o "Mouro" foi cap-
restam alguns livros completos e frag- turado e enviado para a França, onde
mentos. Amigo de Augusto, que lhe morreu, dez anos depois. Luís XII
confioµ a educação de' Cláudio. impôs a. Milão e às outras cidades
pesádos tributos de guerra, e prometeu
Luís XI Rei de França a ·Florença auxílios para a conquista
( l 4_61-148 3). Inic~dor da unidade na- de Pisa, que resistiu ao ataque. O rei
cional francesa.· rompeu com os florentinos, pois desva-
neceram-se as." Sl,las esperanças de fazer
Luís XII - Rei de França. À morte de com que a república pagasse uma
Carlos . VIII (1498) extinguira-se b parte das despesas do exército francês.
ramo primogênito dos Valais. Suce- Com os venezianos rompeu depois,
deu-lhe no trono o Duque de Orleans entrando na Liga de Cambrai, organi-
com o nome de Luís XII. A casa de ' zada contra Veneza. Júlio II levantou-
Orleans, pelas suas· ligações com os "se contra o ·predomínio da França na
Visconti, tinha pretensões ao ducado Itália, depois de ter seguido no começo
de Milão, e isso foi pretexto para que do seu papado a política dos Bórgia,
Luís XII continuasse a política de Car- simpática aos fránceses. Luís XII tenta·
los VIII, de conquista da Itália. Subin- reunir .um concílio (Conciliábulo de
do ao trono, Luís repudiou a irmã de Pisa) que lhe dê licença de fazer guerra
Carlos VIII para casar com a rainha ao papa. (Ver os nomes Alexandre VI,
~iúva Ana de Bretanha. A ·anulação do · César Bórgia e Júlio II.) Ao fim do seu
casamento com aquela foi conseguida reinado, porém, chegou-se ao papa,
de Alexande VI, Bórgia, em troca do renunciando ao Conciliábulo de Pisa e
apoio da França à conquista da Roma- submetendo a Igreja galicana ao concí-
nha pelo papa, que fez ainda cardeal lio laterânense. Aliás, já Leão X suce-
ao arcebispo de Rouen, conselheiro do dera a Júlio II. Luís XII morreu, em
rei ..Luís XII aliou-se, em 1499, a Ve- 1515, aos· 53 anos, pouco depois .de
neza para a conquista do ducado de . ter-se casado com Maria de Inglaterra,
Milão, que deveria ser repartido entre jovem de dezesseis anos.
ambos. A França mandou contra Lu-
dovico, o Mouro (Sforza), que gover- Macrinus (217-218 d.C.) - Imperador
nava Milão, um grande exército, sob o romano.
comando de Gian Giacomo Trivulzio,
mila.Ílês, com que se apoderou de . Marcus Aurelius (161-180 cLC.)
Milão., enquanto os venezianos ocupa- Imperador romano.
vam o resto dos domínios do ducado.
Ludovico refugiou-se na Alemanha, Marranos - Os mouros e judeus, que
. donde voltou à frente de um e.xército passavam ao cristianismo para evitar a
de suíços e alemães, reentrando em perséguição, eram assim chamados na
Milão em 1500, com o apoio da popu- Espanha..
lação descontente com o governo· de
Tri\rulzio. Mas, traído pefos suíços; na ·Maximiliano I - Imperador da _Áus-
batalha de Novara, contra os france- tria (1493-1519). Filho de Fr~deico
ÍNDICE DÓS NOMES CITADOS 241
III. Rival das casas reina~.ts da Espa- trabalho de ir a Roma pedir ao Senado
nha. Genro de Carlos, o Temerário, a sua cqnfirmação. Toda a Itália ade-·
disputou à coroa de França a sucessão riu à insurreição começada na África.
deste ao ducado de Borgonha. É do seu Embora assassinado .Maximino pelos
reinado que data a ascendência da seus próprios soldados, não pôde ser
casa de Habsburgo na Europa. A Ale- assegurada a vitória eia unidade do
manha era então "não tanto um impé- império.
rio como um agregado de pequenos
Estados governad~ por soberanos que
não viviam em paz, uns com os outros, Mediei - Família que dominou em
nem se aliavam contra os inimigos Florença desde o último quartel do sé-
comuns, e eram presidi.dos nominal- culo XIV. Viveram contempora-
mente por um imperador, o qual tinha neamente com Maquiavel e são referi-
diminuta autoridade legal e nem podia dos no · Príncipe os três filhos de
exercer de fato a pouca que tinha" Lorenzo, o Magnífiço, dos quais dizia
(Bryce, The Holy Roman Empire, New o pai que o primeiro (Piero) era louco,
York, 1886). Era Maximiliano o mais o segundo (Giovanni) esperto e o ter-
poderoso príncipe que se assentou no ceiro (Giuliano) bom.
trono germânico desde Frederico II.
Arquiduque da Áustria, conde do Mediei, Piero de·- Sucedeu ao "1'1ag-
Tirol, duque da Estíria e da Caríntia, nífico" no governo de Florença (1492).
senhor feudal da Suábia, da Suíça e da Tirano odioso, cuja conduta covarde
. Alsácia, era poderoso por isso e não por ocasião da invasão dos franceses
por ser titular do Sacro Império Roma- lhe valeu o desprezo unânime dos
no-Germânico, estranho sistema de florentinos. Morreu afogado na passa-
doutrinas, parte religiosas, parte políti- gem do Garigliano (1503).
cas, o qual se tomara obsoleto. Quan-
do Maximiliano se preparava para ir a Mediei, Giovanni de - Ver Leão X,
Roma coroar-se, esperando assim res- Papa.
e
taurar a autoridade dignidade impe-
Mediei, Giuliano de - Depois da elei-
riais, os franceses (Carlos VIII) invadi-
ram a Itália, pondo em xeque os ção de Leão X, Giuliano foi feito capi-
tão e gonfaloneiro da Igreja, sendo
projetos de Maximiliano. A 27 de abríl
de 1507, o imperador convocou em re~bido em Roma com grandes festas.
Constança a Dieta dos Príncipes . e.Tornou-.se pelo seu casamento Duque
fez-lhes sentir a necessidade d~ travar- de Nemours e aliou-se,. desde então, ao
se uma luta decisiva pela posse da governo de Florença. "Dado aos pra-
Itália. ·zeres, além da medida, e por isso fisi-
camente enfraque'cido', era de índole
MaX:iminus, Julius Verus (225-228 fantástica, ·que lhe fazia perder tempo
d.C.) - Imperador romano. À morte na investigação do futuro; não lhe fal-
de Alexandre Severo, inaugura-se a · tavam, porém, vagas e, às vezes, gran-
anarquia militar, personificada pelo des ambições, e hem impulsos genero-
trácio Maximino, que nem se deu ao sos" (P. Villari, op. cit., cap. XVI).
242 ÍNDICE DOS NOMES CITADOS
Rohan - Antiga e ilustre casa cuja Septiniltis Severos (193-211 d.C.). De-
nobreza remontava aos primeiros se- posto ó Ímperador Pertinax, pela guar-
nhores da Bretanha. Os Rohan foram a da pretoriana, as legiões impuseram os
princípio viscondes, condes e, depois, 1
seus candidatos ao império: o exército
no século XVII, tomaram _o título de! do Reno aclamou Claudius Albinus, o
duques. do Dânúbio, Septimius Severus, e o do
Or!eiité, Pescennius Niger. Septimius
R9veredo - Cidade do Tirol, sobre o Severus chegou a Roma em primeiro
Adige, a vinte qujlômetros de Trento. lugar, dissolveu a guarda pretoriana e
depo_is dirigiu-se para o Oriente, sitiou
Rubertet (Senhor de) - À morte do Bizâncio e, tendo tomado Antioquia,
Cardeal d' Amboise, substituiu-o no derrotou completamente a Pescennius
favor de Luís XII, de quem se tomou Niger. Voltando depois aà Ocidente,
primeiro ministro. desbaratou o exército de Albinus,
244 ÍNDICE DOS NOMES CITADOS