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NICOLAU MAQUIAVEL

CAPÍTIJLO III
O PRÍNCIPE
Dos Principados Mistos

CAPÍTIJLO I

De Quatúos Tipos São os Principados e


de que Modo se Adquirem 1

Mas é no principado novo que estão as dificuldades.


Em primeiro lugar, se não é completamente novo, mas
membro anexo a outro1 (podendo-se chamar o conjunto
de principado misto), as alterações nascem principal­
Todos os estados, todos os domínios que tiveram e mente de uma dificuldade natural a todos os principados
têm poder sobre os homens foram e são ou repúblicas novos, que consiste no fato de os homens gostarem de
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ou principados2• Os principados ou são hereditários - JHUU<lJ uc; .:,c;JUJUJ, <l\..J c;uu.auuu \..UHJ J.:>.:>U HJc;JJJUJ aJ. L:..:>La

nos quais o sangue de seu senhor vem governando há crença os faz tomar armas contra o senhor atual. Só mais
longo tempo - ou são novos. Os novos ou são inteira­ tarde percebem o engano, pela própria expe"riência de
mente novos, como Milão sob Francesco Sforza3, ou são ter piorado. Isto decorre de uma outra necessidade natu­
como membros anexos ao estado hereditário do prínci­ ral e ordinária, a qual sempre impõe ofender aqueles a
pe que os adquire, como é o caso do reino de Nápoles quem se passa a governar, tanto com homens em armas
em relação ao rei da Espanha4. Os domínios5 · assim for­ quanto com outras infinitas injúrias que cada nova con­
mados estão habituados ou a viver sob um príncipe ou a quista acarreta. Assim, tens como inimigos todos os que
ser livres. E se adquirem ou com armas de outrem, ou ofendeste ao ocupar aquele principado, além de não
com as próprias, graças à fortuna ou à virtii6. poderes continuar amigo dos que te apoiaram, devido à
impossibilidade tanto de atendê-los conforme espera­
vam como de usar contra eles um remédio forte, uma
vez que lhes deves obrigações. Pois, por mais que al­
guém disponha de exércitos fortes, sempre precisará do
apoio dos habitantes para penetrar numa província2• Foi
por essa razão que o rei de França, Luís XII, rapidamen-
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te ocupou Milão e rapidamente a perdeu3, bastando, da costumes, podem os homens viver tranqüilamente, co­
primeira vez, as próprias forças de Lodovico para reto­ mo fizeram de fato a Borgonha6, a Bretanha7, a Gas­
má-la, pois o mesmo povo que lhe havia aberto as por­ conhaª e a Normandia9, que há tanto tempo pertencem à
tas, ao perceber que se equivocara em sua opinião sobre França e, tendo costumes semelhantes, conquanto haja
ele e sobre os futuros benefícios esperados, não pôde alguma diferença de língua, podem facilmente se ajustar.
suportar os aborrecimentos provocados pelo novo prín­ Quem deseja conservar suas conquistas deve ter em
cipe. mente duas precauções: uma é extinguir o sangue do
É bem verdade que, adquiridos pela segunda vez, os antigo príncipe; outra é não alterar suas leis e impostos.
países rebelados se perdem com mais dificuldade, pois, Desse modo, em tempo muito breve elas se integrarão
diante de uma rebelião, o senhor agirá com menos timi­ ao principado antigo, formando um único corpo.
dez para determinar a punição dos traidores, identificar Mas é na conquista de domínios em regiões total­
os suspeitos e reforçar seus pontos mais fracos. Desse mente diferentes quanto à língua, costumes e instituições
modo, se da primeira vez bastara um duque Lodovico que se encontram as dificuldades, sendo necessário ser
fazer barulho nas fronteiras para que a França perdesse muito afortunado e ter muita habilidade para conservá­
Milão, da segunda vez foi preciso que todo o mundo se los. Um dos maiores e eficazes recursos para este fim é
unisse contra ela4, e que seus exércitos fossem aniquila­ que o conquistador vá residir no lugar. Isto torna a pos­
dos ou expulsos da Itália, o que decorre das razões sessão mais segura e durável; assim fez o grão-turco na
acima mencionadas. Todavia, a primeira e a segunda vez Grécia 1º , que, mesmo observando todas as outras medi­
Milão lhe foi tirada. das para assegurar aquele domínio, não o teria mantido
As razões universais da primeira perda já foram se não se tivesse transferido para lá. Estando presente,
apontadas; resta agora discutir as da segunda e verificar vê nascerem as desordens, e logo pode contorná-las, en-:
de que remédios ele dispunha e de quais pode dispor quanto, estando ausente, delas só tem notícias quando já
alguém na mesma posição da França, para poder conser­ estão grandes e irremediáveis. Além disso, a província
var suas conquistas melhor do que ela o fez. Afirmo, não será espoliada pelos funcionários, podendo os súdi­
portanto, que os estados que, depois de conquistados, tos recorrer de perto ao príncipe, tendo por isso mais
são anexados a um antigo estado de quem o conquistou razões, se forem bons, para amá-lo ou, do contrário,
ou são da mesma província e língua deste5 ou não o são. para temê-lo. Também os estrangeiros que pretenderem
Se forem, será fácil conservá-los, principalmente se não invadir aquele estado serão mais prudentes, porque, ali
estiverem habituados a viver livres. Para possuí-los com habitando, só com imensa dificuldade o príncipe poderá
segurança, basta extinguir a dinastia do príncipe que os perdê-lo.
dominava, porque, quanto às demais coisas, mantendo­ O segundo melhor meio é fundar colônias em um
se suas antigas condições e não havendo disparidade de ou dois lugares que atuem como entraves àquele estado,
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porque é necessário ou fazer isto ou manter bastante para que em hipótese alguma entre ali um forasteiro tão
gente em armas e infantaria. Nas colônias, não se gasta poderoso quanto ele. Pois sempre acontecerá de alguém
muito; com pouca ou nenhuma despesa elas são envia­ ser chamado por aqueles que se sentem descontentes,
das ou mantidas, prejudicando somente à minoria cujos quer devido à exagerada ambição, quer por medo, como
campos e casas são confiscados para serem dados aos se viu os etólios chamarem à Grécia os romanos 11 , que,
novos habitantes. Como os prejudicados ficam dispersos aliás, em todos os lugares onde entraram foram chama­
e pobres, não podem incomodar, e todos os demais, não dos pelos naturais da província. A ordem das coisas é tal
ofendidos, devem com isso inquietar-se, além de temer que, tão logo um forasteiro poderoso entre em uma pro­
que lhes aconteça o mesmo que se deu com os que fo­ víncia, todos os que nela são menos poderosos aderem­
ram espoliados. Concluo, enfim, que essas colônias nada se a ele, movidos pela inveja que sentem dos que são
custam, são mais fiéis e menos ofensivas; e os espoliados mais poderosos do que eles. Quanto a esses menos
não podem fazer nada, visto que estão pobres e disper­ poderosos, não terá o príncipe dificuldade alguma em
sos, como foi dito. Daí se há de observar que os homens atraí-los, pois logo todos juntos se unirão ao estado con­
devem ou ser mimados ou aniquilados, porque, se é ver­ quistador. É preciso somente atentar para que não alcan­
dade que podem vingar-se das ofensas leves, das gran­ cem excessiva força e autoridade; assim, com suas pró­
des não o podem; por isso, a ofensa que se fizer a um prias armas e o apoio deles, facilmente poderá o prínci­
homem deverá ser de tal ordem que não se tema a vin­ pe rebaixar os mais fortes, ficando como árbitro de todas
gança. Mantendo-se tropas em vez de colônias, despen­ as coisas naquela província. Quem não governa bem
de-se muito mais, gastando-se com elas todas as receitas quanto a esse aspecto rapidamente perderá aquilo que
do estado, e a conquista se transforma em prejuízo. tiver conquistado e, enquanto o mantiver, enfrentará infi­
Além do mais, isso descontenta muito mais os habitantes nitas dificuldades e inconvenientes.
porque a transferência do exército com os alojamentos
causa danos a todo o estado. Todos se ressentem desse
incômodo, tornado-se cada qual um inimigo; e são ini­ ( ... )
migos que podem incomodar, pois, embora derrotados,
permanecem em sua casa. De todas as maneiras, portan­
to, essa milícia é tão inútil quanto são proveitosas as co­
lônias.
Quem domina uma província diferente, como disse­
mos, por língua, costumes e leis, deve ainda fazer-se
chefe e defensor dos vizinhos mais fracos, empenhar-se
em enfraquecer os poderosos de sua província e cuidar
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za, em parte, muitas das dificuldades. Contudo, aquele
CAPÍTIJLO VI
que depende menos da fortuna consegue melhores re­
sultados. Também cria facilidades o fato de o príncipe
Dos Principados Novos que se ser obrigado a ir pessoalmente habitar um novo estado
Conquistam com Armas Próprias por não dispor de outro. Quanto aos que, pela própria
e com Virtõ vírtu e não pela fortuna, se tomaram príncipes, digo que
os melhores foram Moisés, Ciro, Rômulo, Teseu etc. 1• E,
ainda que não se deva discutir sobre Moisés, uma vez
que foi um mero executor de coisas ordenadas por
Deus, ele deve ser admirado ao menos pela graça que o
Que ninguém se espante se, ao falar dos principa­ tomou digno de falar com Deus. Consideremos porém
dos inteiramente novos quanto ao príncipe e ao gover­ Ciro e os demais conquistadores ou fundadores de rei­
no, eu recorrer a exemplos muito grandes. nos: acharemos todos admiráveis e, se observarmos suas
Os homens trilham quase sempre caminhos abertos ações e modos peculiares de proceder, não nos parece­
por outros e pautam suas ações sobre essas imitações, rão discrepantes dos de Moisés, que teve tão grande pre­
embora não possam repetir tudo na vida dos imitados ceptor. Examinando suas ações e suas vidas, veremos
nem igualar sua vírtu. Um homem prudente deve sem­ que não receberam da fortuna mais do que a ocasião2,
pre seguir os caminhos abertos pelos grandes .homens e que lhes deu a matéria para introduzirem a forma que
espelhar-se nos que foram excelentes. Mesmo não alcan­ lhes aprouvesse. E sem ocasião a vírtu de seu ânimo se
çando sua vírtu, deve pelo menos mostrar algum indício teria perdido, assim como, sem a vírtu, a ocasião teria
dela e fazer como os arqueiros prudentes que, julgando seguido em vão.
muito distantes os alvos que pretendem alcançar e co­ Era necessário, portanto, que Moisés encontrasse no
nhecendo bem o grau de exatidão de seu arco, orientam Egito o povo de Israel escravizado e que este se dispu­
a mira para bem mais alto que o lugar destinado, não sesse a segui-lo. Era preciso que Rômulo não se conten­
para atingir tal altura com flecha, mas para poder, por tasse com Alba e tivesse sido abandonado ao nascer,
meio de mira tão elevada, chegar ao objetivo. para que se tornasse rei de Roma e fundador daquela
Digo, portanto, que nos principados completamente pátria. Era preciso que Ciro encontrasse os persas des­
novos, onde há um novo príncipe, existe maior ou me­ contentes com o império dos medas e estes debilitados e
nor dificuldade para mantê-lo conforme seja maior ou afeminados pela longa paz. Não poderia Teseu demons­
menor a virtu de quem o conquistou. E, como a passa­ trar sua vírtu se não tivesse encontrado os atenienses
gem de simples cidadão a príncipe supõe vírtu ou fortu­ dispersos. Essas ocasiões, portanto, tomaram aqueles
na, parece que uma ou outra dessas duas coisas ameni- homens afortunados; enquanto sua excelente vírtu fez
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com que reconhecessem a ocasião. Com isso, trouxeram organizado de modo que, quando não acreditarem mais,
honra e felicidade a suas pátrias. seja possível fazê-los crer à força. Moisés, Ciro, Teseu e
Aqueles que, por caminhos valorosos como estes, se Rômulo não teriam conseguido que suas constituições
tornam príncipes, conquistam o principado com dificul­ fossem obedecidas por tanto tempo, se estivessem de­
dade, mas o conservam com facilidade. As dificuldades sarmados. Em nossos tempos, foi o que aconteceu ao
que têm para conquistá-lo nascem em parte da nova frei Girolamo Savonarola\ que se arruinou com sua or­
ordem e dos novos métodos que são obrigados a intro­ dem nova a partir do momento em que a multidão co­
duzir para fundar o seu estado e a sua segurança. Deve­ meçou a não acreditar nela, pois ele não dispunha de
mos convir que não há coisa mais difícil de se fazer, mais meios nem para manter firmes os que haviam acredita­
duvidosa de se alcançar, ou mais perigosa de se manejar do, nem para fazer crer os descrentes. Homens assim
do que ser o introdutor de uma nova ordem, porque enfrentam grandes dificuldades, defrontando-se em seu
quem o é tem por inimigos todos aqueles que se benefi­ caminho com perigos que precisam ser superados com a
ciam com a antiga ordem, e como tímidos defensores vírtu. Depois de vencerem esses perigos e passarem a
todos aqueles a quem as novas instituições beneficia­ ser venerados, tendo aniquilado os que tinham inveja de
riam. Essa timidez nasce em parte do medo aos adversá­ suas qualidades, tornam-se poderosos, seguros, honra­
rios, que têm a lei a seu lado, em parte da incredulidade dos e felizes.
dos homens, que só crêem na verdade das coisas novas A tão elevados exemplos, quero acrescentar outro
depois de comprovadas por uma firme experiência. Daí menor, mas que mantém certa relação com eles e que
resulta que, à primeira ocasião, os inimigos atacam de servirá como modelo a todos os outros semelhantes: é o
modo feroz, enquanto os outros se defendem timida­ de Hierão de Siracusa5 que, de simples cidadão, transfor­
mente, de modo que se corre perigo a seu lado. É neces­ mou-se em príncipe de Siracusa. Também ele nada rece­
sário, portanto, para bem compreender este assunto, beu da fortuna senão a ocasião. Quando estavam os sira­
examinar se estes inovadores dispõem de meios pró­ cusanos subjugados, escolheram-no para capitão e a par­
prios ou dependem de outros, isto é, se para realizar a tir daí mereceu tornar-se seu príncipe. Foi de tamanha
sua obra precisam pedir3 ou podem forçar. No primeiro vírtu, mesmo enquanto cidadão particular, que sobre ele
caso, acabam sempre mal e não conseguem nada; mas, se dizia que quod nihil illi derat ad regnandum praeter
quando dispõem de seus próprios meios e podem forçar, regnunt. Hierão extinguiu a milícia antiga e organizou
é raro que fracassem. Segue-se daí que todos os profetas uma nova, deixou as amizades antigas e contraiu novas,
armados vencem, enquanto os desarmados se arruínam, e assim que teve seus próprios amigos e soldados pôde
porque, além do que já ficou dito, a natureza dos povos construir, sobre esta base, todo um edifício. Assim, teve
é variável; e, se é fácil persuadi-los de uma coisa, é difí­ muito· trabalho para conquistá-lo mas pouco para con­
cil firmá-los naquela convicção. Por isso, convém estar servá-lo.
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CAPÍTULO VII raízes e ramificações, de modo que sucumbem na pri­
meira tempestade. A menos que - como já disse - aque­
Dos Principados Novos que se les que repentinamente se tornaram príncipes sejam de
Conquistam com as Armas tanta virtü que saibam rapidamente se preparar para
conservar aquilo que a fortuna lhes colocou nos braços
e a Fortuna de Outrem
e estabeleçam depois os fundamentos que outros estabe­
leceram antes de se tornarem príncipes.
Quero, a cada um desses modos citados de tornar-se
príncipe, por virtü ou por fortuna, aduzir dois exemplos
ainda em nossa memória3, que são Francesco Sforza e
Aqueles que, somente pela fortuna, de cidadãos par­ Cesare Borgia. Francesco, pelos devidos meios e uma
ticulares se tornam príncipes fazem-no com pouco esfor­ grande virtü, passou de cidadão privado a duque de
ço, mas com muito esforço se mantêm. E não encontram Milão, e o que havia conquistado com enorme empenho
dificuldade no caminho porque passam voando por ele: com pouco esforço manteve. Por outro lado, Cesare
mas todas as dificuldades surgem quando chegam ao Borgia, vulgarmente chamado duque Valentino4, con­
destino. Isto se verifica quando um estado é concedido a quistou o estado com a fortuna do pai e com ela o per­
alguém ou por dinheiro ou pelas graças de quem o con­ deu, apesar de ter usado de todos os atos e de ter reali­
cede; isto aconteceu a muitos na Grécia, em cidades da zado todas as coisas que um homem prudente e valoro­
Jônia e do Helesponto, que foram feitos príncipes por so deveria ter feito para deitar raízes em um estado que
Dario1 a fim de manterem sua segurança e glória; assim as armas e a fortuna de outros lhe haviam proporciona­
como àqueles imperadores que de simples cidadãos che­ do. Como disse acima, quem não constrói os fundamen­
garam ao poder mediante a corrupção dos soldados. tos5 antes poderá fazê-lo depois, se tiver grande virtü,
Eles se apóiam exclusivamente na vontade e na fortuna mas com maior dificuldade para o arquiteto e perigo
para a construção. Portanto, se considerarmos todos os
de quem lhes concedeu o poder, que são coisas muito
procedimentos do duque, veremos que ele preparou
volúveis e instáveis, e não sabem nem podem manter o
amplos fundamentos para seu futuro poder, sobre os
principado. Não sabem porque, a menos que sejam ho­
quais não julgo supérfluo discorrer, visto que desconhe­
mens de grande engenho e virtü, não é razoável que sai­
ça preceitos melhores6 para dar a um príncipe novo do
bam comandar tendo sempre vivido como particulares; e
que os exemplos de sua atuação. Se o seu regime não
não podem porque não têm forças que lhes possam ser
frutificou, não foi por sua culpa, mas por uma extraordi­
amigas e fiéis. Além disso, os estados que nascem subi­ nária e extrema maldade da fortuna7 •
tamente - como todas as outras coisas da natureza2 que
nascem e crescem depressa - não podem formar suas (...)
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CAPÍTULO IX chega ao principado com a ajuda dos grandes mantém­
se com mais dificuldade do que o que se torna príncipe
Do Principado Civil com a ajuda do povo, porque o primeiro se vê cercado
de muitos que parecem ser seus iguais, não podendo,
por isso, comandá-los nem manejá-los a seu modo. Mas
quem chega ao principado com o favor popular encon­
tra-se sozinho e não tem em torno de si ninguém ou
pouquíssimos que não estejam prontos a obedecê-lo.
Além disso, não se pode satisfazer honestamente aos
grandes sem injúrias aos outros, mas ao povo sim, por­
Mas, tratando do outro caso, em que um cidadão que seus fins são mais honestos que os dos grandes,
particular se toma príncipe de sua pátria, não por atos visto que estes querem oprimir enquanto aqueles que­
criminosos nem outras violências intoleráveis, mas pelo rem não ser oprimidos. Além disso, um príncipe não
apoio de seus concidadãos (o que se pode chamar prin­ pode jamais proteger-se contra a inimizade do povo,
cipado civil; para alcançá-lo, não é necessário ter muita porque são muitos; no entanto, pode-se garantir contra
virtü, nem muita fortuna, mas antes uma astúcia afortu­ os grandes porque são poucos. O pior que um príncipe
nada), digo que se ascende a este principado ou pelo pode esperar de um povo hostil é ser abandonado por
favor do povo ou pelo favor dos grandes. Pois, em todas ele; mas dos grandes, quando inimigos, deve temer não
as cidades, existem esses dois humores diversos que só ser abandonado, como também que o ataquem, por­
nascem da seguinte razão: o povo não quer ser coman­ que, tendo mais visão e astúcia, precavêem-se sempre a
dado nem oprimido pelos grandes, enquanto os grandes tempo de se salvar e procuram aproximar-se daquilo que
desejam comandar e oprimir o povo; desses dois apeti­ esperam que vença. Ainda, o príncipe tem sempre de
tes diferentes, nascem nas cidades um destes três efeitos: viver com o mesmo povo, mas lhe é perfeitamente pos­
principado, liberdade ou licença1 • sível prescindir dos mesmos grandes, pois pode a cada
O principado provém do povo ou dos grandes, se­ dia fazê-los e desfazê-los, dar-lhes e tirar-lhes a reputa­
gundo a oportunidade que tiver uma ou outra dessas ção, a seu gosto.
partes. Quando os grandes percebem que não podem Para melhor esclarecer esta parte, afirmo que os
resistir ao povo, começam a exaltar a fama de um deles grandes devem ser considerados de duas formas, princi­
e o tomam príncipe para poder, sob sua sombra, desafo­ palmente: ou se governam de modo que, por seu proce­
gar o apetite. O povo também, quando percebe que não dimento, se associem em tudo à tua fortuna, ou não. Os
pode resistir aos grandes, dá reputação a alguém e o faz que se associam e não são rapaces devem ser homena­
príncipe, para ser defendido por sua autoridade. Quem geados e amados. Os que não se associam devem ser
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examinados de duas formas: ou o fazem por pusilanimi­ CAPÍTULO XIV
dade e defeito natural de caráter, e nesse caso deves ser­
vir-te deles, principalmente se forem bons conselheiros, Do que Compete a um Príncipe
pois eles te honrarão na prosperidade e nada terás a acerca da Milícia
temer deles na adversidade; ou então não se associam
de propósito e por ambição, o que é sinal de que pen­
sam mais em si mesmos do que em ti: deves proteger-te
contra eles e temê-los como se fossem inimigos declara­
dos, porque sempre contribuirão para tua ruína, na ad­
versidade.
Portanto, quem se tornar príncipe pelo favor do Deve portanto um príncipe não ter outro objetivo,
povo deverá manter sua amizade, o que será fácil, pois nem pensamento, nem tomar como arte sua coisa algu­
tudo que lhe pedem é não serem oprimidos. Mas quem ma que não seja a guerra, sua ordem e disciplina, por­
se tomar príncipe pelo favor dos grandes e contra o po­ que esta é a única arte que compete a quem comanda. É
vo deverá, antes de qualquer outra coisa, procurar con­ de tanta virtu que não só mantém aqueles que já nasce­
quistá-lo, o que também será fácil, se lhe der proteção. ram príncipes, como também muitas vezes permite que
Como os homens se ligam mais ao seu benfeitor se rece­ homens de condição privada ascendam ao principado.
bem o bem quando esperam o mal, neste caso, o povo Inversamente, vê-se que os príncipes que pensam mais
se toma mais rapidamente favorável ao príncipe do que em refinamento do que nas armas perdem o seu estado.
se ele tivesse sido conduzido ao principado graças ao A primeira razão que te leva a perder teu estado é negli­
seu apoio. Pode o príncipe conquistar o povo de vários genciar esta arte, e a razão que te faz conquistá-lo é ser
modos, dos quais não se pode dar uma regra certa, pois versado nela.
variam segundo a situação; por isso, não abordaremos o Francesco Sforza1, por ter exércitos, de cidadão pri­
assunto aqui. Concluirei somente que é necessário ao vado tornou-se duque de Milão; seus filhos2 , por fugirem
príncipe ter o povo como amigo; caso contrário, não terá do desconforto do exército, de duques tornaram-se cida­
remédio na adversidade. dãos privados. Entre outros um dos males que a falta de
armas acarreta é tornar-te desprezível, o que constitui
uma daquelas infâmias das quais o príncipe deve prote­
(... ) ger-se, como explicarei abaixo3• Não há qualquer com­
paração entre um homem armado e outro desarmado·'
não é razoável que um homem armado obedeça de bom
grado a quem esteja desarmado, nem que o desarmado
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se sinta seguro entre servidores armados, pois, havendo Um dos louvores que os escritores fazem a Filipême­
desdém em um e suspeita no outro, não é possível que nes4 , príncipe dos aqueus, é que nos tempos de paz não
entrem em acordo. Portanto, um príncipe que não en­ pensava senão nos métodos de guerra e, quando estava
tenda de exército, além de outros inconvenientes, como nos campos com os amigos, muitas vezes parava e lhes
dissemos, não poderá ser estimado por seus soldados perguntava: "Se os inimigos estivessem em cima daque­
nem confiar neles. le monte e nós aqui embaixo, qual de nós estaria em
Portanto, um príncipe não deve jamais afastar o pen­ vantagem? Como se poderia atacá-los, conservando a
samento do exercício da guerra e, durante a paz, deve nossa formação? Se quiséssemos bater em retirada, como
praticá-la mais ainda do que durante a guerra. Isto pode teríamos de fazer? Se eles batessem em retirada, como fa­
ser feito de duas maneiras, com obras e com a mente. ríamos para persegui-los?" E, caminhando, apresentava­
Quanto às obras, além de conservar bem organizados e lhes todos os casos que poderiam acontecer a um exér­
treinados os seus exércitos, deve realizar caçadas e, atra­ cito; ouvia a opinião deles, expunha a sua, corroborava­
vés delas, acostumar o corpo aos desconfortos e, tam­ ª com razões, de tal modo que, através destas contínuas
bém, aprender a natureza dos lugares, a conhecer como reflexões, não pudesse jamais surgir-lhe, no comando do
se elevam os montes, como descem os vales, como ja­ exército, imprevisto algum para o qual não tivesse uma
zem as planícies e a compreender a natureza dos rios e solução.
dos pântanos, colocando nisto um grande empenho. Quanto aos exercícios da mente, deve o príncipe ler
Este conhecimento será útil de duas maneiras: primeiro, as histórias e refletir sobre as ações dos homens excelen­
se aprende a conhecer o país, o que permite melhor pla­ tes, ver como se comportaram nas guerras, examinar as
nejar a sua defesa; depois, através do conhecimento e causas das vitórias e derrotas a fim de poder escapar des­
prática daqueles sítios, pode-se com facilidade com­ tas e imitar aquelas. Mas, sobretudo, deve agir como
preender qualquer outro novo lugar que seja necessário antes agiram alguns homens excelentes que se espelha­
explorar. Os montes, vales, planícies, rios e pântanos ram no exemplo de outros que, antes deles, haviam sido
que estão, por exemplo, na Toscana, têm certa seme­ louvados e glorificados, e cujos gestos e ações procura­
lhança com outros das demais províncias, de tal modo ram ter sempre em mente; é o caso de Alexandre Magno,
que, a partir do conhecimento do território de certa pro­ que imitava Aquiles, de Cesare, que imitava Alexandre, e
víncia, pode-se facilmente chegar ao conhecimento de de Cipião, que imitava Ciro. Quem ler a vida de Ciro, es­
outras. O príncipe a quem falte esta perícia carece da crita por Xenofonte, reconhecerá depois, na vida de Ci­
primeira qualidade que deve ter um capitão, porque é pião, quanto deveu de sua glória àquela imitação e
esta que ensina a ir de encontro ao inimigo, tomar os quanto, em sua castidade, afabilidade, humanidade, libe­
alojamentos, guiar os exércitos, organizar as batalhas e ralidade, Cipião se conformava ao que Xenofonte escre­
atacar as cidades com superioridade. vera sobre Ciro.
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Um príncipe sábio deve observar comportamento dos príncipes, por estarem em pos1çao mais elevada,
semelhante e jamais permanecer ocioso nos tempos de eles se fazem notar por certas qualidades que lhes tra­
paz, e sim com engenho fazer deles um cabedal para zem reprovação ou louvor2. Assim, um é considerado
dele se valer na adversidade, a fim de que, quando mu­ liberal e outro miserável (misero, para usar o termo tos­
dar a fortuna, esteja sempre pronto a lhe resistir. cano, porque "avaro" em língua toscana significa a pes­
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soa que deseja possuir por rapacidade, enquanto "mise­
CAPÍTULO XV ro" é aquele que se abstém exageradamente de usar o
Das Coisas pelas quais os Homens, que é seu); um é considerado pródigo e outro ganancio­
e Especialmente os Prlncipes, São so; um cruel e outro piedoso; um falso e outro fiel; um
efeminado e pusilâmine e outro feroz e corajoso; um mo­
Louvados ou Vituperados
desto e outro soberbo; um lascivo e outro casto; um ín­
Resta agora ver como deve comportar-se um prínci­ tegro e outro astuto; um duro e outro maleável; um pon­
pe para com seus sú�itos ou seus amigos. Como sei que derado e outro leviano; um religioso e outro incrédulo, e
muitos já escreveram sobre este assunto, temo que, es­ assim por diante. Sei que vão dizer que seria muito lou­
crevendo eu também, seja considerado presunçoso, so­ vável que um príncipe, dentre todas as qualidades aci­
bretudo porque, ao discutir esta matéria, me afastarei das ma, possuísse as consideradas boas. Não sendo isto po­
linhas traçadas pelos outros. Porém, sendo meu intento rém inteiramente possível, devido às próprias condições
escrever algo útil para quem me ler, parece-me mais humanas3 que não o permitem, necessita ser suficiente­
conveniente procurar a verdade efetiva da coisa1 do que mente prudente para evitar a infâmia4 daqueles vícios
uma imaginação sobre ela. Muitos imaginaram repúbli­ que lhe tirariam o estado e guardar-se, na medida do
cas e principados que jamais foram vistos e que nem se possível, daqueles que lhe fariam perdê-lo; se não o con­
soube se existiram na verdade, porque há tamanha dis­ seguir, entretanto, poderá, sem grande preocupação, dei­
tância entre como se vive e como se deveria viver, que xar estar.
aquele que trocar o que se faz por aquilo que se deveria Também não deverá importar-se de incorrer na infâ­
fazer aprende antes sua ruína do que sua preservação; mia dos vícios sem os quais lhe seria difícil conservar o
pois um homem que queira fazer em todas as coisas pro­ estado porque, considerando tudo muito bem, se encon­
fissão de bondade deve arruinar-se entre tantos que não trará alguma coisa que parecerá virtü e, sendo praticada,
são bons. Daí ser necessário a um príncipe, se quiser levaria à ruína; enquanto uma outra que parecerá vício,
manter-se, aprender a poder não ser bom e a se valer ou quem a praticar poderá alcançar segurança e bem-estar.
não disto segundo a necessidade.
Deixando pois de lado as coisas imaginadas acerca
de um príncipe e discorrendo sobre as verdadeiras, afir­
mo que quando se fala dos homens, e principalmente
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CAPÍTULO XVII CAPÍTULO XVIII

Da Crueldade e da Piedade e se É De que Modo Devem os Prlncipes


Melhor Ser Amado que Temido ou Manter a Palavra Dada
Melhor Ser Temido que Amado

Visto que um príncipe, se necessário, precisa saber


usar bem a natureza animal, deve escolher a raposa e o
Surge daí uma questão5: é melhor ser amado que leão, porque o leão não tem defesa contra os laços, nem
temido ou o inverso? A resposta é que seria de desejar ser a raposa contra os lobos. Precisa, portanto, ser raposa
ambas as coisas, mas, como é difícil combiná-las, é muito para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos.
mais seguro ser temido do que amado, quando se tem de Os que fizerem simplesmente a parte do leão não serão
desistir de uma das duas. Isto porque geralmente se pode bem-sucedidos. Assim, um príncipe prudente não pode,
afirmar o seguinte acerca dos homens: que são ingratos, nem deve, guardar a palavra dada, quando isso se torna
volúveis, simulados e dissimulados, fogem dos perigos, prejudicial ou quando deixem de existir as razões que o
são ávidos de ganhar e, enquanto lhes fizeres bem, per­ haviam levado a prometer. Se os homens fossem todos
tencem inteiramente a ti, te oferecem o sangue, o patri­ bons, este preceito não seria bom, mas, como são maus
mônio, a vida e os filhos, como disse acima, desde que o e não mantêm sua palavra para contigo, não tens tam­
perigo esteja distante; mas, quando precisas deles, revol­ bém que cumprir a tua. Tampouco faltam ao príncipe
tam-se. O príncipe que se apóia inteiramente sobre suas razões legítimas para desculpar sua falta de palavra.
palavras, descuidando-se de outras precauções, se arruí­ Sobre isto poderíamos dar infinitos exemplos modernos
na, porque as amizades que se obtêm mediante paga­ e mostrar quantos pactos e quantas promessas se torna­
mento, e não com a grandeza e nobreza de ânimo, se ram inúteis e vãs por causa da infidelidade dos prínci­
compram, mas não se possuem, e, no devido tempo, não pes. Quem melhor se sai é quem melhor sabe valer-se
podem ser usadas. Os homens têm menos receio de das qualidades da raposa. Mas é necessário saber disfar­
ofender a quem se faz amar do que a outro que se faça çar bem essa natureza e ser grande simulador e dissimu­
temer; pois o amor é mantido por vínculo de reconheci­ lador, pois os homens são tão simples e obedecem tanto
mento, o qual, sendo os homens perversos, é rompido às necessidades3 presentes, que o enganador encontrará
sempre que lhes interessa, enquanto o temor é mantido sempre quem se deixe enganar4.
pelo medo ao castigo, que nunca te abandona. 84
80
CAPÍTULO XIX CAPÍTULO XXV

Como se Deve Evitar Ser De Quanto Pode a Fortuna nas


Desprezado e Odiado Coisas Humanas e de que Modo
se Pode Resistir-lhe

Tendo discorrido sobre as qualidades mais impor­ Não ignoro que muitos foram e são de opinião de
tantes entre as enunciadas anteriormente, das outras que as coisas desse mundo são governadas pela fortuna
quero falar brevemente sobre a generalidade, em parte e por Deus, e que os homens prudentes não se lhes po­
já mencionada, de que um príncipe deve procurar evi­ dem opor, e até não têm remédio algum contra elas. Por
tar as coisas que o tornam odioso e desprezível, com o isso, poder-se-ia julgar que não devemos incomodar-nos
que terá cumprido a sua parte e não correrá perigo al­ demais com as coisas, mas deixar-nos governar pela
gum de outras infâmias. Como afirmei antes, torna-o sorte. Esta opinião tem-se reforçado em nossos dias de­
odioso, sobretudo, ser rapace e usurpador das coisas e vido às grandes variações que foram e são vistas todos
das mulheres dos súditos, do que se deve abster, pois os os dias, além de qualquer conjetura humana. Pensando
homens em geral vivem contentes enquanto deles não nisto, às vezes me sinto um tanto inclinado a esta opi­
se toma o patrimônio nem a honra, restando ao prínci­ nião: entretanto, já que o nosso livre-arbítrio não desa­
pe apenas ter que combater a ambição de uns poucos, pareceu, julgo possível ser verdade que a fortuna seja
a qual pode ser refreada de muitas maneiras e com faci­ árbitro de metade de nossas ações, mas que também dei­
lidade. Torna-o desprezível ser tido como inconstante, xe ao nosso governo a outra metade, ou quase. Com­
leviano, efeminado, pusilânime e irresoluto, coisas que paro a sorte a um desses rios impetuosos que, quando se
um príncipe deve evitar como os escolhos, devendo irritam, alagam as planícies, arrasam as árvores e as ca­
empenhar-se para que, em suas ações, se reconheça sas, arrastam terras de um lado para levar a outro: todos
grandeza, ânimo, ponderação e energia. Em sua atuação fogem deles, mas cedem ao seu ímpeto, sem poder detê­
junto às intrigas privadas dos súditos, deve firmar suas los em parte alguma. Mesmo assim, nada impede que,
decisões como irrevogáveis e manter sua posição de voltando a calma, os homens tomem providências, cons­
modo que ninguém pense em enganá-lo nem fazê-lo truam barreiras e diques, de modo que, quando a cheia
mudar de opinião. se repetir, ou o rio flua por um canal, ou sua força se
87 119
tome menos livre e danosa. O mesmo acontece com a sendo um tímido e outro impetuoso. O que não decorre
fortuna, que demonstra a sua força onde não encontra por outra razão que não a natureza dos tempos, que se
uma virtu ordenada, pronta para lhe resistir e volta o seu adequam ou não ao proceder. Daí resulta o que afirmei:
ímpeto para onde sabe que não foram erguidos diques que duas pessoas, agindo diversamente, alcançam o
ou barreiras para contê-la. Se considerares a Itália, que é mesmo resultado; enquanto outras duas, agindo da mes­
sede e origem dessas alterações, verás que ela é um ma forma, atingem resultados opostos. Disto também
campo sem diques e sem qualquer defesa; caso ela fosse depende a maior ou menor prosperidade, porque, se um
convenientemente ordenada pela virtu, como a Alema­ príncipe se conduz com prudência e paciência, e os tem­
nha, a Espanha e a França, ou esta cheia não teria cau­ pos e as coisas contribuem para que seu governo seja
sado as grandes variações que ocorrem, ou estas sequer bom, será bem-sucedido; mas, se mudarem os tempos e
teriam acontecido. as coisas e ele não mudar o seu modo de proceder, en­
Com isso, julgo ter dito o suficiente sobre como tão se arruinará. Não há homem suficientemente pru­
opor-se à fortuna de um modo geral. Mas, restringindo­ dente que saiba acomodar-se a isto, ou porque não con­
me aos aspectos mais particulares, digo que hoje se vê segue desviar-se da linha para onde se inclina sua natu­
que um príncipe tem sucesso e amanhã fracassa sem ter reza, ou porque, tendo sempre prosperado trilhando um
mudado sua natureza ou qualidade. Creio que isto se certo caminho, não pode admitir que se deva afastar
deva, antes de tudo, às razões longamente discutidas dele. Por isso, o homem tímido, quando chega o mo­
atrás, isto é, que um príncipe que se apóia exclusiva­ mento de agir impetuosamente, não saJ:?e como fazê-lo
mente sobre a fortuna se arruína quando ela varia. Creio e, por isso, se arruína, pois, se mudasse de natureza de
ainda que é feliz aquele que combina o seu modo de acordo com os tempos e com as coisas, não mudaria de
proceder com as exigências do tempo e, similarmente, fortuna.
que são infelizes aqueles que, pelo seu modo de agir, O papa Júlio II procedeu em tudo impetuosamente,
estão em desacordo com os tempos. Pois se pode ver mas, como sempre encontrou os tempos e as coisas con­
que os homens, no que diz respeito aos caminhos que
formes a seu modo de agir, sempre alcançou um final
os conduzem aos fins que perseguem, isto é, glória e
feliz. Consideremos o seu primeiro empreendimento, o
riquezas, agem de maneira diversa: um com timidez, ou­
de Bolonha 1, quando ainda vivia messer Giovanni Ben­
tro com impetuosidade; um com violência, outro com
tivoglio. Os venezianos não aprovavam a sua ação; o rei
arte; um com paciência, outro com o contrário; e cada
de Espanha também; com a França, estava em conversa­
qual, por meio desses vários modos, poderá alcançar
ções sobre esse projeto. Entretanto, com sua coragem e
sucesso. Por outro lado, vê-se que, de dois tímidos, um
chega ao seu objetivo e outro, não; que dois homens energia, conduziu pessoalmente aquela expedição. E
bem-sucedidos adotaram dois modos de agir diferentes, uma vez iniciada deixou atônitos e estáticos a Espanha e
os venezianos, estes por medo e aquela pelo desejo que
120 121
tinha de recuperar todo o reino de Nápoles. Por outro
lado, o rei de França lançou-se imediatamente à ação, DISCURSOS SOBRE A PRIMEIRA
porque, tendo visto que o papa já estava na luta e dese­ DÉCADA DE TITO LÍVIO
jando a sua amizade para subjugar os venezianos, julgou
impossível negar-lhe seus homens sem injuriá-lo mani­
festamente. Portanto, Júlio conseguiu com sua ação im­ LIVRO PRIMEIRO
petuosa o que jamais outro pontífice, com toda a huma­
na prudência, teria conseguido; pois, se ele esperasse,
para sair de Roma, que tivesse todas as coisas organiza­
das, como qualquer outro pontífice teria feito, jamais o
conseguiria, porque o rei de França teria apresentado Ainda que, devido à natureza invejosa dos homens,
mil desculpas e os outros teriam infundido mil temores. sempre tE�nha sido tão perigoso encontrar modos e orde­
Não mencionarei seus outros feitos, porque foram todos nações novos quanto procurar águas e terras desconheci­
semelhantes, e todos chegaram a bom termo. A brevidade das - por estarem os homens sempre mais prontos a cen­
de sua vida não lhe deixou sofrer os reveses, porque, surar do que a louvar as ações alheias -, assim mesmo,
caso chegassem os tempos em que precisasse agir com levado pelo natural desejo que em mim sempre houve de
prudência, teria se arruinado, pois jamais se teria desvia­ trabalhar, sem nenhuma hesitação, pelas coisas que me
do daquele modo para o qual o impelia a sua natureza. pareçam trazer benefícios comuns a todos, deliberei en­
Concluo portanto que, variando a fortuna e obsti­ trar por um caminho que, não tendo sido ainda trilhado
nando-se os homens em sua maneira de ser, serão feli­ por ninguém, se me trouxer enfados e dificuldades, tam­
bém me poderá trazer alguma recompensa, por meio da­
zes enquanto ambas estiverem de acordo; mas, quando
queles que considerarem com humanidade os objetivos
elas discordarem, serão infelizes. Estou convencido do deste meu labor. E, se o engenho pobre, a pouca expe­
seguinte: é melhor ser impetuoso do que tímido, porque riência das coisas presentes e o pequeno conhecimento
a fortuna é mulher, e é necessário, para dominá-la, bater­ das antigas tornarem insuficiente e de não grande utili­
lhe e contrariá-la. Vê-se que ela se deixa vencer mais dade esta minha tentativa, pelo menos abrirão caminho
pelos que agem assim do que pelos que agem friamen­ a alguém que, com mais virtü, mais eloqüência e discer­
te; e, como mulher, é sempre amiga dos jovens, porque nimento, possa vir a realizar este meu intento: o que, se
são menos tímidos, mais ferozes e a dominam com maior não me granjear louvores, não deveria gerar censuras.
audácia. Considerando, po1tanto, as homenagens que se pres­
tam à antiguidade, o modo como muitas vezes - para não
citar infinitos outros exemplos - um fragmento de estátua

5
122
antiga é comprado por alto preço por quem deseja tê-lo
rias, de não se e trair de sua leitura o sentido, de não se
consigo e com ele honrar sua casa, permitindo que seja
sentir nelas o sabor que têm. Motivo por que in initas pes­
imitado por quem se deleite com tal arte; considerando
soas que as lêem sentem prazer em ouvir a grande
como os outros se esforçam por representá-lo com toda
varie­dade de acontecimentos que elas contêm, mas não
indústria em todas as suas obras; e vendo, por outro la­
pensam em imitá-las, considerando a imitação não só
do, que as virtuosíssimas ações que as histórias nos mos­
di ícil como também impossível; como se o céu, o sol, os
tram, ações realizadas por reinos e repúblicas antigas,
elementos, os homens tivessem mudado de movimento,
por reis, comandantes, cidadãos, legisladores e outros que
ordem e po­der, distinguindo-se do que eram antigamente2•
se afadigaram pela pátria são mais admiradas que imita­
Desejando, pois, a astar os homens desse erro, julguei
das; vendo, aliás, que a tais ações, em suas mínimas coi­ necessário es­crever, acerca de todos os livros de Tito Lívio
sas, todos fogem, e que daquela antiga virtu não nos que não nos oram tolhidos pelos male ícios dos tempos,
ficou nenhum sinal; em vista de tudo isso n�o posso dei­ aquilo que, do que sei das coisas antigas e modernas,
xar de admirar-me e condoer-me ao mesmo tempo. E tan­ julgar necessário ao maior entendimento deles, para que
to mais porque vejo que nos litígios civis que surgem aqueles que lerem estes meus comentários possam retirar
entre cidadãos, ou nas doenças nas quais os homens in­ deles mais acilmen­te a utilidade pela qual se deve
correm, sempre se pode recorrer a julgamentos ou remé­ procurar o conhecimento das histórias. E, ainda que essa
dios que pelos antigos foram proferidos ou ordenados: por­ empresa seja di ícil, aju­dado por aqueles que me
que as leis civis nada mais são que sentenças proferidas animaram a incumbir-me desse ardo, creio carregá-lo de
pelos antigos jurisconsultos, sentenças que, ordenadas, en­ tal modo que a algum outro será breve o caminho que
sinam nossos jurisconsultos a julgar. E a medicina ainda restar para levá-lo até o destino.
não vai além das experiências feitas pelos antigos médi­
cos, que servem de fundamento aos juízos dos médicos 7
do presente. No entanto, na ordenação das repúblkas, na
manutenção dos estados, no governo dos reinos, na orde­
nação das milícias, na condução da guerra, no julgamen­
to dos súditos, na ampliação dos impérios, não se vê prín­
cipe ou república que recorra aos exemplos dos antigos.
E creio que isso provém não tanto da fraqueza à qual a 2. De quantas espécies são as repúblicas e de que espécie foi a
atual religião conduziu o mundo1 , ou do mal que um am­ república romana
bicioso ócio fez a muitas regiões e cidades cristãs, quanto
do fato de não haver verdadeiro conhecimento das histó- (...)

l. a. DIS<-1mos ~ a prtr,,efrti dlalda de '1110 Uvfo, U, 1. IN, da R. T..]

6
Portanto, para discorrer sobre as ordenações da cida­ diferentes das perniciosas e más: porque, vendo eles que
de de Roma e os acontecimentos que a levaram à perfei­ se alguém prejudicava seu benfeitor isso suscitava ódio e
ção, direi o que dizem alguns que escreveram sobre as re­ compaixão entre os homens, censurando-se os ingratos
públicas, ou seja, que há nelas um dos três estados, cha­ e homenageando-se os gratos, e percebendo também que
mados principado, optimates e popular; e que aqueles aquelas mesmas injúrias podiam ser-lhes dirigidas, para
que ordenam uma cidade devem voltar-se para um deles, escaparem a semelhante mal reuniam-se para fazer leis e
segundo o que lhes pareça mais apropriado. Outros -
ordenar punições a quem as violasse: daí proveio o co­
mais sábios, segundo a opinião de muitos - são de opi­
nhecimento da justiça. E isso fazia que, sendo depois pre­
nião que existem seis formas [ragioni]. de governo1º , das ciso escolher um príncipe, já não recorressem ao mais ro­
quais três são péssimas e três são boas em si mesmas, busto, porém ao que fosse mais prudente e justo. Mas,
mas tão fáceis de corromper-se, que também elas vêm a
como depois se começou a ser príncipe por sucessão, e
ser perniciosas. Os bons são os três acima citados; os
não por escolha, logo os herdeiros começaram a dege­
ruins são outros três que desses três decorrem; e cada
um destes se assemelha àquele que lhe está próximo, e nerar. e, deixando as obras virtuosas, acreditavam que os
facilmente passam de um a outro: porque o principado fa­ príncipes nada mais precisassem fzer senão sobrepujar
cilmente se torna tirânico; os optimates com facilidade os outros em suntuosidade, lascívia e em todos os outros
se tornam governo de poucos; o popular sem dificulda­ tipos de licença: de modo que, começando a ser odiado,
de se torna licencioso. De tal modo que, se um ordena­ o príncipe, temendo por tal ódio, logo passou do temor
dor de república ordena um desses três estados numa ao ataque, e rapidamente nasceu a tirania. E daí surgiram
cidade, o ordena por pouco tempo, pois nada.poderá im­ logo em seguida os princípios das ruínas, das conspi­
pedir que resvale para o seu contrário, pela semelhança rações e conjurações contra os príncipes; não cometidas
que têm neste caso a virtude [vinute] e o vício. estas por quem fosse tímido ou fraco, mas por aqueles
Nascem tais variações de governos ao acaso entre que, por generosidade, grandeza de ânimo, riqueza e no­
os homens: porque no princípio do mundo os habitantes, breza, sobressaíam aos outros e não podiam suportar a
que eram escassos, viveram durante algum tempo disper­ vida desonesta daquele príncipe. A multidão, portanto,
sos como animais; depois, multiplicando-se, reuniram-se seguindo a autoridade desses poderosos, armava-se con­
em grupos, e, para poderem melhor defender-se, começa­ tra o príncipe e, morto este, obedecia àqueles como a
ram a respeitar aquele que, dentre eles, fosse mais forte t
seus libe1adores. E estes, odiando o nome de um só go­
e corajoso, e, fazendo dele seu dirigente, obedeciam-no. vernante [capo1 '1, constituíam por si mesmos um gover­
Daí proveio o conhecimento das coisas honestas e boas, no; e, no princípio, tendo na memória a passada tirania,
10. Cf. Políbio, VI, 4, 6; Aristóteles, Política, 1279b; Platão, O político,
302. [N. da R. T.)

14
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m que nà.o ram temid n m os homens privados n m po
os homens púbH ; de tal SOl1· qu,-, vi nd - cada um d
a seu modo rometiam--se rod dias mil injúrias assim
e ,gidos p. lia .n idad - ou pcla sugestão d igum ho--

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razão para cbam r d não o.rd n da uma , púbHca des-
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ex mpfo nas m da boa . du.al~.o, a b a u Ç'd . '; da
boas le·i ; e as ~, 1 · dos tumulms qu mui~· ronde-
nam em. pond rar: porque qu m examinar bem o r · ui.-
ta do d -1 · rira qu s deram rig "'ffi a exi-
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~ L is e ordena ·o '" fica. à lib rdade públic- E se aJ~ 1


guérnidísses.se: mod ram ~xtraordinári .io q ase , e-


rozes er o povo ju:n o a ritar n ra ~en d~,, o .~~na­
do , ntra o povo a c-0rrer e� 1umu]to pel ruas, a Iecoor
o comércio., , a sair toda a pl be d - Rom ., ão co· qu
assu t:am qtiem as lê, e nà pod · ·a er diferente· digo ,gu
toda ddad d eve ter , . . mod r�ua p m ·ltir qa ,o
enCTe :i
povo d-safogue sw mbi iio, so re, ud cidad - que
· s que foram a eira R: [Qa e
queiram valer-se d_, povo na.se· is· ímportam ; a o·c1aae

Em t () . C'iJl op. di.., p. ).


ZO. Que · allieKliS llJ - m,odlos: oniinlri . Cf. bulhio. l . da R. T.
•• da R. J

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21
Di orrem -dma produzid p -

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m su p it:a . IR ma ponamo ·· i 1 p" rt.a, i ·
día cri -r 11m prí.n ip , iralki •e um . nad pequ no, m· ··
não podia, mo 1ela. f d ii: ,r de .aum nt r o núnero de
us ddadào . e de · jasse e-riu um g nd im .ri : a ·
ím, h1sliituir ui m r j i:talído e um p q n . n do, m
termos de um ~o. de pouco !h rvido.
alguém, portanlo, qu· er ord -n ruma no a r
li a t rá de am.mar :se .ue.r qu ,-la
ruo , pod r, mo Roma ou ue p rm n
.t , e limi ·gu . . o pri:m l!im caso ê nec, sâri oro n ~ -1
r m· n a. ('Om s ~ 1, tra • n , mo Roma e da lugar d n ]ho:r maneira po. ·iv · 1 a tu-
multos . d' sô s nt , idadà - [uniw,saUI ; por-
23 que em grande · úmero de hom bem armados nuo-
rn r pub ica .alguPla poderá amp. ".u- o e am-
pHe nao poderá. mante r~se. Jo segundo ca o , pod r
or ·ena.dia om , Esparta eneza: n a , orno o '.liesd-
m -ato · o _ , no sem lhante repúbU , quem a
ordena deve proibir,, de todas a manei.ras po". ívefs,, que

28- O prln tpe, 2 l , e :lsafr..or. 1 38. li . d;a T.J


6. Onde se procura saber se em Roma era possível ordenar um
1 •

30
estado que eliminasse as inimizades entre o povo e o senado
haja conquistas: porque tais conquistas, se apoiadas numa república fraca,
são motivo de sua ruína. Foi o que ocorreu a Esparta e a Veneza (...).
31
( ... ) . .. '~ ll .. , .- ia ,t d·_ (lCl#:_( 1 -õ~s Ja ·a
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76
HISTÓRIA DE FLORENÇA Livro VII
1. Por que narrar outras coisas, além das florentinas. As divergências na
Livro III cidade.
1. Paralelo das discórdias em Roma e Florença. Mas antes de tudo desejo, discorrendo segundo é meu costume, afirmar que
As graves e naturais inimizades que existem entre as pessoas do povo e os aqueles que esperam que uma república possa ser unida, muito se equivocam
nobres, causadas porque estes querem mandar e aquelas não querem obedecer, são nessa esperança. Na verdade, algumas divisões as prejudicam, outras as
os motivos de todos os males que surgem nas cidades, porque desta diversidade de beneficiam; as que prejudicam nascem junto aos partidos e os partidários, as que
humores nutrem-se todas as outras coisas que perturbam as repúblicas. Foi isso o as beneficiam, se mantêm sem estes nem aqueles. Então, o fundador de uma
que manteve Roma desunida; isso, se lícito for igualar pequenas e grandes coisas, república, não podendo impedir que nela existam inimizades, pelo menos deve
manteve Florença dividida; diversos foram os efeitos resultantes numa e noutra providenciar que não existam partidos. É preciso porém saber que há duas
cidade, convenha-se, porque as inimizades que no início surgiram em Roma entre maneiras de um cidadão adquirir reputação em uma cidade: no modo público ou
o povo e os nobres definiram-se discutindo, e em Florença, combatendo; as de no privado.
Roma com a lei, as de Florença, com a morte e com o exílio de muitos cidadãos Publicamente, se adquire reputação vencendo uma batalha campal, tomando
terminaram; as de Roma, sempre a virtude militar aumentaram, as de Florença, de uma cidade, sendo solícito e prudente numa missão, aconselhando sábia e
todo apagaram-na; as de Roma, de uma igualdade entre os cidadãos a uma felizmente uma república. Pelo modo privado, beneficiando este e aquele cidadão,
grandíssima desigualdade conduziram, as de Florença, de uma desigualdade a uma defendendo-o das magistraturas, dando-lhe empréstimos em dinheiro,
assombrosa igualdade reconduziram. Esta diversidade de resultados é natural que conseguindo-lhe cargos públicos sem merecimento, com verbas e diversões
provenha dos diversos fins a que se propuseram estes povos; porque enquanto o públicas gratificando a plebe. Dessa maneira de proceder nascem os partidos e os
povo de Roma o que pretendia era poder gozar de supremas honras junto aos partidários, e tanto esta reputação, obtida dessa maneira ofende, quanto aquela que
nobres, o de Florença lutava para ser único no governo, sem que os nobres deste não está misturada com os partidos beneficia, por estar fundada no bem comum,
participassem. E porque mais razoável era o desejo do povo romano, eram as não em um bem privado.
ofensas aos nobres mais suportáveis, assim essa nobreza facilmente e sem vir às E ainda que também não se possa providenciar para que entre os cidadãos que
armas cedia, de maneira que, depois de algumas discrepâncias, convinham em assim agem não existam grandíssimos ódios, mesmo que não existam partidários
criar uma lei que satisfizesse o povo e mantivesse aos nobres sua dignidade. Por que por seu próprio benefício os sigam, eles não podem prejudicar a república, ao
outro lado, o desejo do povo florentino era injurioso e injusto, por isto a nobreza contrário, a beneficiam, porque precisam, para vencer suas provas, voltar-se à
com maiores forças às suas defesas se preparava, e assim ao sangue e ao exílio dos exaltação desta, e particularmente respeitar uns aos outros, a fim de que não sejam
cidadãos se chegava; e as leis que depois se criavam, não à utilidade pública, mas ultrapassadas as normas civis.
ao vencedor todas beneficiavam. Disto ainda procedida que, com as vitórias do As de Florença foram sempre inimizades partidárias, por isso sempre foram
povo, a cidade de Roma mais virtuosa se tornava; porque este povo podendo danosas. (p. 329-330)
participar da administração das magistraturas dos exércitos e dos impérios
juntamente com os nobres prepostos, da mesma virtude que nestes havia, se
impregnava; e a cidade, acrescida de virtude, crescia em potência. Mas em Fontes
Florença, quando saía vencedor o povo, ficavam os nobres despojados de
magistrados; e desejando readmiti-los, era necessário com o governo, com o MAQUIAVEL, Nicolau. Discursos sobre a primeira década de Tito
ânimo e com o modo de viver, não só ser semelhantes ao povo, mas parecê-lo. Daí Lívio. Trad. MF. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
as mudanças que faziam os nobres em suas insígnias, segundo parecer do povo; ________. História de Florença. 2. ed. Trad. Nelson Canabarro. São
pois aquela virtude em armas e generosidade de ânimo que existia na nobreza se Paulo: Musa, 1998.
apagava, e no povo, onde não existia, não podia se reascender; assim Florença
sempre mais humilde e abjeta se tornou. (p. 143-144) ________. O príncipe. 2. ed. Trad. Maria Júlia Goldwasser. São Paulo:
Martins Fontes, 2001.

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