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WARE mes DE QUE FALAMOS FALAMOS DE andhé seusa (iene @utinho guilemo gimerpeta ciktine grands iis time aijged) wandsdincicter vertaitee onctallo adkon guancho mand sibcivo sancies cichand ciustammen lleonoantunestiouiserprovencherg eo performance, performatividade e identidade MANUELA RIBEIRO SANCHES MANUELA RIBEIRO SA 2008 Paisagens a branco e preto, 0 Pélo Norte. Um vulto negro atravessa esses luga- res gelados. a nz F Ainstalacao True North de Isaac Julien inspira-se na expedicao ao Pélo Norte e no primeiro homem a pisar esse ponto remoto, simbolo de um espirito explora- dor e conquistador associado as Luzes e a Europa. ; (O jogo de cores a preto e branco nao evoca, assim, apenas as paisagens de Caspar David Friedrich, o espectador envolvido numa relagao com a natureza que o faz sentir-se perdido ou esmagado pelo sublime. Aqui, a cor também evoca a raca, a cor de Mathew Benson, guia e cartégrafo da expedicao que, por ser negro, nunca foi reconhecido como aquele que efectivamente atingiu, em primeiro lugar, esse ponto remoto, tendo Robert E. Peary sido consagrado herdi desse feito. Mais complexa ainda se torna a instalagao, quando nos apercebemos que a fi- gura é corporizada por uma mulher negra. Vanessa Myrie/Mathew Benson des- tabiliza performativamente a nocao de esséncias diferenciadoras, questionando binarismos hierarquizadores para dar espaco a outras historias, a que a Hist6ria no soube atender. A imagem retoma, recorda — de um modo ambivalente e ndo-cronolégico -, esses factos, tal meméria, a mostrar a (im)possibilidade de se recuperarem os vestigios de outros passados que se inscreveram numa natureza sé aparentemente incdlume. Em sum, 0 que me parece estar em jogo é um entendimento alternativo, rela- cional, da identidade, em estreita associacdo com a diferenca, identidade que Constitui menos um dado do que o resultado de um acto performativo. Como se relacionam estas questdes com os conceitos de performance € de performatividade? Em que medida é que estes conceitos poderao ser relevantes Para entender as propostas contidas nesta instalacao de Isaac Julien? Qual a sua relevancia para se Pensar a identidade? ce ae perlomane cao cmporamento ress Crested uma acco inaugural, ez 28-25), ou sea, um fazer que née eur lico e reflexive e a ae antes a um fazer mais ou menos oa a fa protagonizados a pa i jazem emolduramentos pré-existentes ~ s¢ Se a uma uniformi ‘ontextos diferentes. Desta forma, a repeti¢ao nao ed! Bare ‘ormidade ou cépia absoluta, i romeadamests sac atar Ge abordagens afin nies na ator dramas sociais que ra de Victor Turner — na importancia dada 20s ¥! eee regem a vida de todas as comunidades e que 0 antroP 9 comecou por estudar em sociedades tradicionais, estabelecendo paralelos en- tre técnicas teatrais e praticas rituais ~ bem como na sociologia — a saber n: propostas de Irving Goffman. Goffman confere importancia central aps papéis a que os actores sociais necessariamente recorrem de forma a dar sentido e a contextualizar as suas accdes em sociedade. Mas, mesmo admitindo que esse fazer nao é inaugural, nem originério, esta perspectiva nao exclui necessariamente o pressuposto de uma subjectividade que antecede esse fazer, se exprime através dele, O mesmo jé nao se pode dizer da performatividade que, tal como Schechner sublinha, embora se identifique em grande parte com o conceito de performance, se caracteriza, sobretudo, pelo modo como pressupde que toda a realidade social é uma construcao (Schechner, 2002: 110, 141). A subjectividade e a identidade sao assim menos causa do que efeito do acto performativo. Tais questdes tornaram-se particularmente relevantes depois da intensa recepco da obra de Judith Butler e do seu conceito de performatividade que, na voragem do entusiasmo que provocou, nao foi isenta de algumas leituras apressadas que aautora teve ocasiao de contestar', precisando e desenvolvendo, nas obras que se seguiram a Gender Trouble — a primeira obra a garantir-lhe enorme visibilidade -, alguns dos termos e temas utilizados. Neste livro, Judith Butler utiliza o termo performatividade a fim de questionar uma certa nogao de mulher como esséncia, como algo de dado, fundado na natu- reza? Baseando-se em Simone de Beauvoir, designadamente no seu pressuposto de que nao se nasce, mas se torna mulher, Butler desmonta nao sé a associagao 6bvia entre mulher e feminino, sexo e género, como enfatiza igualmente o modo como sao culturalmente determinados. Recorrendo, ainda, 4s contribuicdes da antropologia — que possuia uma larga tradicao neste campo ~ Butler associa a esta leitura as propostas de Michel Foucault, segundo o qual a sexualidade é menos 0 resultado de uma natureza recalcada, como o havia pretendido Freud, do que um efeito de regimes discursivos que a constroem e, assim, a controlam. Consequentemente, o género nao é algo de dado, nao é algo com que nascemos, mas algo em que somos encaixados, interpelados*, através de toda uma série de determinacées, regulacées, controles e processsos de vigilancia que garantem aquilo g que Butler designa de heterossexualidade normativa, Contudo, através da performatividade podemos contrariar parcialmente esses constrangimentos, performatizando outras identidades de género. © drag é Para Butler um exemplo possivel dessas transgressdes que permitem nao s6. que um corpo dotado de um determinado sexo assuma um género diferente, mas que as fronteiras entre géneros sejam desestabilizadas. Ver, por exemplo, Butler, 1992. sobretudo 1994 e1995b, 3 Butler vai buscar o seu conceite de interpelasto ® igi dco \erainds preface segunda cogdode Gender Tevbe thse come modo de const (outer 19999, ne feito (Althusser 1974. 2 Ver est respeto, ute, 199a,nomeadamente o <2ntulo Subjects of SexGender/Deie [MANUELA RIBEIRO SANCHES PERFORMANCE, PERFORMATIVIDADE E IDENTIDADE 1 Mais, se o drag € imitacao da heterossexualidade, esta, apesar de normativa, nao corresponde a uma ess€ncia que, assim, é deturpada. Dado que toda a perfor- mance pressupde um modelo, a performatividade do género nao pode deixar de se reportar a um fazer que requer um emolduramento; sendo um compor- tamento restaurado retoma necessariamente algo que € dado. Assim, o drag, copia de uma cépia, parddia de uma repeticao, acaba por enfatizar o cardcter socialmente construido e a contingéncia do género.* Esta performatizacao da identidade de género - ou a sua desestabilizacao - ndo resulta da construcao de um sujeito auténomo que contrariaria as disposicoes na- turais ou as convencées culturais, discursivamente constitu(das, como frequente- mente foi entendido. Nao se pode inventar o género, como nao se pode escolher uma identidade a bel-prazer, uma vez que a subjectividade é, também ela, um efeito dessas formagoes discursivas, histérica e socialmente condicionadas, um sujeito stibdito como Foucault o pretendeu, sendo a performatividade me- nos expressao de uma vontade ou de uma autenticidade subjectiva do que a activagao de um guido previamente fixado que o actor apenas pode transgredir, subverter, parcialmente (Butler, 1993: 95). Em Bodies that Matter (Butler, 1993) desenvolverd e radicalizara estas premissas a fim de postular que nao se trata apenas de entender o género como algo da ordem do cultural, mas 0 préprio sexo como uma construcao discursiva. Nao que Butler nao reconhega os imperativos e a importancia da corporeidade, mas sublinha, ao mesmo tempo, a necessidade de se atender ao modo como 0 corpo & submetido a um conjunto de preceitos reguladores, normativos, que assim 0 instituem como estritamente feminino ou masculino. Butler frisa ainda a importancia dos constrangimentos normativos e a sua vio- Iéncia em relagao 4 raga, que lé numa linha paralela, ao mesmo tempo que nao abdica da possibilidade da agencialidade. Afirmar, como escreve Hall, que 0 su- jeito foi descentrado nao equivale a que ele tenha sido destruido. Carecemos dele para podermos resistir ao controle que os mecanismos de poder sobre nbs exercem (Hall, 1993: 13). ‘A questo do sujeito e da sua agencialidade nao é uma mera questao teérica, mas um elemento central para as politicas de representacao. A obra de Butler tem vindo, assim, a evoluir de uma posicao marcada por tendéncias pés-estru- turalistas, no que se refere ao cardcter derivado do sujeito e a primazia dos pro~ cessos discursivos nesse campo, para uma intervencao mais complexa, em que a questo da agencialidade e da universalidade sao recuperadas® Resistindo, contudo, a postular formas de subjectividade e agencialidade que permitam resolver de uma vez por todas a questo da emancipacao, bem como a reduzi-las 5 er “Can the Other of Philosophy Speak?” (Butler, 2004: 232-250), onde Butler prope uma reflexioestimulante fe provocadora acerca do papel dafilosfia em contextos ‘isciplnares alterativos, nomeadamente a obra de Pau! Gilroy, The Black Atlantic (1993) 4In imitating gender, drag implicitly reveats the imitative structure of gender itself ~ as well sits contingency.” (Butler, 1999: 175). 92 INVESTIGAGAO a uma fantasia humanista (Butler, 2000: 35), Butler ensaia aquilo que designa de liminalidade do sujeito (Butler, 2000) que, na sua incompletude, constitui a garantia da intervengao politica (Butler; 2000: 35). Quais as afinidades entre estas posicdes e aquelas defendidas pelos autores para quem a condi¢ao pés-colonial é determinante? Antes de mais, saliente-se a mesma desconfianca perante as identidades fixas*, a par do reconhecimento dos constrangimentos sociais, discursivamente determinados, como é patente em True North. : Hall fez da questao da identidade, da raca e da etnicidade tépicos centrais do seu pensamento. Perante uns estudos culturais excessivamente centrados em questes sociais; isto é, remetendo prioritariamente para o tema e constrangi- mentos da classe, Hall faria da raga um tema maior do seu trabalho. Num artigo decisivo (Hall, 1996), Hall comeca por opor as teorias que expli- cam a raga em termos meramente econémicos — dando assim primazia a classe — Aquelas que apenas se ocupam das relagées raciais, ignorando a importancia dos processos econdémicos. Centrando a sua andlise na Africa do Sul do apartheid, bem como na América Latina, Hall sublinha a necessidade de se articularem as duas realidades, cunhando a frase que, desde entao se tornaria célebre, segundo a qual a raga é a modalidade em que a classe é vivida (Hall, 1996b: 55). Em artigos subsequentes (Hall, 1996a, 1997a, 1997b) Hall concentra crescente- mente a sua atencao na necessidade de se atender a um modelo nao tanto cul- turalista como semidtico, modelo esse que permitiria entender 0 modo como a raga também tem de ser explicada através de complexos sistemas de significa~ 40, constituindo-se a questao da representaco num elemento decisivo na sua obra (Hall, 1997c). Atento aos desenvolvimentos em torno da desestabilizagao do significante introduzidos por Derrida, bem como as propostas de Foucault, Hall desenvolverd a ideia de que toda a representacao é uma construcdo em que, a par da semidtica, ha que considerar os mecanismos de regulacao dis- cursiva, como forma de exercer 0 poder; isto é a raga assume a forma de uma performatividade na acepco que Butler Ihe da. AHall interessa por um lado a diferenca como momento constitutivo da identi- dade, mas também como deferi/différance, na linha de Derrida, modo de protelar a identificacao e de abalar a estabilidade dos signos (Hall, 1996a). Sendo a identidade uma questao central nos movimentos em defesa dos direitos das comunidades imigradas desde a independéncia das antigas colénias inglesas, Hall teve ocasiao de enfatizar os processos de mudanca em torno do significante Black que comecou por constituir uma frente comum em torno dos processos de identificagao e afirmacao civica de stibditos britanicos de origem africana e asidtica, frente que comecaria a ser questionada devido a questdes do género e da sexualidade. Hall acentua 0 modo como a raga é, sobretudo, um regime discursivo (Hall, 19962: 21), funcionando o corpo negro menos como sinénimo de uma presenca real do que como uma activagao da “matriz racial” (Hall, 1996a: 24), posigo com afinidades com a de Butler, assim enfatizando os processos sociais que instituem MANUELA RIBEIRO SANCHES PERFORMANCE, PERFORMATIVIDADE EIDENTIOADE 93 e reiteram a raga como um dado natural ebiolégico A nocdo de que hd que entender a ide , complexo, através da diferenca, questi tem exercido um papel decisivo no tra ntidade de modo mais relacional e mais lonando o cardcter fixo destes conceitos, balho de artistas negros no Reino Unido a incluir questées como o género e a sexualidade, sublinhando a instabilidade dos Processos identitarios, Este entendimento da identidade possui afinidades com as posigGes de Butler, nomeadamente quando postula o caracter performa- tivo da raca, da etnicidade e do género (Hall, Stuart, 2001). Por sua vez, em There Ain’t no Black in the Union Jack, Paul Gilroy defendera a necessidade de se analisar os fenémenos de racismo sob uma perspectiva que articulasse, na senda de Hall, questdes de classe — ou seja, econémicas e sociais ~ com dados da ordem do cultural. © principal capitulo “Diaspora, Utopia and the Critique of Capitalism” (Gilroy, 2002) é dedicado aquilo que Gilroy designa de culturas expressivas negras, salientando a importncia da miisica para os Jovens imigrados das Caraibas e 0 modo como haviam desenvolvido praticas culturais caracterizadas por uma apropriacao especifica de estilos, - desde a misica negra dos EUA, do jazz ao soul, até & musica jamaicana. Gilroy dedica grande parte da sua andlise a cultura dos discos, sales de danca e movimentos alternativos em torno do ideal rastafari, bem como a diversas formas sincréticas de praticar e consumir musica, nomeadamente em forma de protesto politico mais ou menos organizado e susceptivel de promover pontes e aliancas entre jovens brancos e negros. Cultura expressiva denota a ideia de que existe uma subjectividade que é me- nos resultado do que causa, atendendo-se igualmente a elementos corporais, na performance ao vivo dessas mesmas culturas, em que a presenca fisica, os desafios entre MCs, se associam de forma complexa as técnicas do dubbing e do sampling. Tal andlise centra-se no modo como 0 corpo ea performance Produ- zem uma cultura distinta negra, resultado de empréstimos, circulacGes e via- gens, em que o sincretismo é um conesito central Assinale-se, ainda, 0 modo como a)prépria ideia de cultura expressiva-é desligada de processos de mani- festacao de uma natureza dada, de um corpo negro, que assim afirmaria a sua diferenca, tal como ainda ressurge em muitos esteredti pos acerca do mesmo. Gilroy associa essa expressividade a processos nao-organicos como 0 sampling ou o dubbing, chegando a propor a justaposicao entre o ican 0 organico, espécie de cyborg (Haraway, 1991) que questiona de forma renovada a oposigao do que (a aparente) subservigncia dos mimim men, e que i : de jal 0 colonizado imita o postula a diferenga absc Laritaiar tri oa pre assimilacSo total dos povas inferiores (Bhabha 1994, 2005). colonizador, num acto parédico que é mais camuflagem 94 INVESTIGAGAO entre natural/artificial.” oat : Em The Black Atlantic (Gilroy, 1993), o autor retoma estas ideias, considerando agora os circuitos maritimos herdados das viagens da escravatura, menos para je de uma politica de aamcar uma vitimizacao ressentida, do que a possibilidad. itica essa patente nas praticas musicais transfiguracao (Gilroy, 1993: 37), pol a dos descendentes de escravos nas suas viagens transcontinentais. Contra a ideia de um nacionalismo negro americano, Gilroy desenvolve a ideia de uma identidade assente em memérias e experiéncias diaspéricas, subs indo assim 2 ideia de uma identidade fixa, territorializada, por processos de identificagao ‘além das narrativas nacionais assentes no territério. Procurando acentuar 0 modo como sao mais essas experiéncias € memérias do que 0s tragos fisicos que fundam a identidade negra em didspora, Gilroy demar- cesse de duias leituras da raca. Por um lado, aquela que vé na raca uma esséncia fisica ou uma identidade cultural estatica a determinar a autenticidade de uma pertenca ou a expressividade das suas manifestacbes; por outro, aquela que vé fa raga menos um traco biolégico inato ou uma esséncia do que um proceso de identificagdo discursivo, ou um significante instavel, ¢ que assim requer uma andlise predominantemente semiética, como sucede com Hall, mas sobretudo com Kobena Mercer (Mercer, 1994). Gilroy frisa a necessidade de ler os processos sincréticos das culturas negras ¢ da sua didspora nos seus tracos estéticos e politicos. Ao textualismo excessivo das leituras de Hall ou de Mercer, Gilroy opde a necessidade de considerar os elementos performativos, na sua presenga fisica, como trago distintivo dessas culturas expressivas (36). Vé na expressividade das culturas musicais da diaspora negra nao uma performance destituida de subjectividade, mas uma forma de afirmacao da agencialidade possivel, ciente dos riscos que a total demiss4o do sujeito pode acarretar. O que distingue as posicdes de Gilroy das de Hall ¢ de Mercer é, por um lado, a importancia dada a cultura musical e ao modo como esta cria alternativas utdpicas 2 estética europeia, ao recusar-se a cindiraesfera do ético, do estético (38-39) e, por outro, o reconhecimento da expressividade dessas mesmas praticas. Mas Gilroy partilha com Hall, pesem embora as diferencas, a necessidade de se pensar de modo alternativo a modernidade e a subjectividade, nao as rejeitando liminarmente, mas reconsiderando-as & luz dos desafios da ps-colonialidade. Esta perspectiva nao pressupde a oposi¢ao absoluta entre ex-colonizados € ex-colonizadores, mas antes a releitura enviesada da tradicao ocidental, acres- centando-lhe a possibilidade de Ihe acrescentar outras vozes, outras subjectivi- dades, Estas deixaram, contudo, de constituir formas de expressividade absoluta e transparente, mas encerram, em si, 0 desafio de serem pensadas de modo mais complexo, rejeitando a ideia de identidades previamente dadas. Ora so exactamente estas questdes que Isaac Julien introduz na sua instalacao True North. Por um lado, recorre a um imagindrio ocidental, a ideia de paisagem, de sublime, a natureza esmagadora face ao individuo que a contempla. Por ou" tro lado, remete para 0 modo como o mito iluminista ocidental da exploragao, [MANUELA RIBEIRO SANCHES PERFORMANCE, PERFORMATIVIDADE E1DENTIDADE 95, do homem branco, oculta aqueles que nele foram ctimplices, nele estiveram envolvidos. Mas complica a nocao de masculinidade, apontando para os outros desse projecto: as mulheres que nunca fizeram parte desse universo, a nao ser de forma clandestina, Ao dar visibilidade a uma mulher negra, Julien por ou- tro lado, confere-Ihe um corpo, em que a cor da pele possui uma visibilidade que 0 género nao detém, chamando a atencao para o modo como os processos. de identificacao segundo a raca ou 0 género podem ser complexos e distintos. Deste modo, o género e a raca ndo sé sao entendidos como performatividade mas também constituem objecto de uma performance, o que nos mostra que essas identidades néo podem ser livremente escolhidas mas sao resultado de constrangimentos discursivos, politicos e, também, historicos que contribuiram para a criagao dos outros da Europa. Falar em performance e em performatividade inclui, se se atender a uma perspec- tiva pés-colonial, a enfatizar nao s6 0 modo como as identidades so complexas € atravessadas pelas ambivaléncias das relacdes (pés)coloniais, mas igualmente a acentuar a forma como esses conceitos adquirem uma carga politica que nao se dissolve num mero panfletarismo imediato, tornando assim tanto mais ne- cessério que se repensem categorias e conceitos, se reequacionem as prdticas artisticas e a sua associacdo a politicas de representacao. E, assinale-se, a titulo de conclusao, que tais propostas pouco tém a ver com libelos politicos unila- terais e, muito menos, com aquilo que entre nds apressadamente se rotula de politicamente correcto, na ignorancia da complexidade das questées e historias, que autores/artistas como os aqui analisados invocam e analisam. Coda Walking Proud, fotografia de Horace Ové, fotdgrafo e realizador nascido nas Anti- thas, constitui um exemplo de como se performatiza a identidade de raca. O casal, seguindo a moda dos anos 1970, década em que a fotografia foi tirada, afirma a sua identidade de um modo assertivo e desafiador, desde as cunhas dos sapatos excessivas a boina (tornada popular com o filme Bonnie and Clyde), as maos nos bolsos, desafio corroborado pela postura corporal. Performatizando tanto o seu género, como a raga, e sobretudo, o seu o Black Pride, o par reivindica um lugar no espaco puiblico, apropriando-se de simbolos da cultura negra norte-americana, 7 Um exemplo de uma leitura afim é aquela que Kodwo shun propde do trabalho realizado, desde os anos 1980, som ¢{d]a ontologia da imagem” através do some da imagem constituiram momentos decisive. Vé mesmo elo grupo Black Audio Film Collective, em torno de john ‘Akomfrah e Lina Goipaul. shun assinala exactamente aimportincia da tecnologia, 2 relevancia das influéncias do modernismo europeu, ‘desde 0 construcionismo ao expressionismo, como base Para um projecto que se propunha revsitar 0 arquivo Jmperial eas histérias dos imigrados para o Reino Unido, em que o questionamento “dja propriedade do no trabalho do BFAC um paralelismo entre aquilo que designa de “cenografias pés-humanas” e composigbes ‘pés-humanas do drum ntbass(Eshun 2007:97). 0 que cequivaleria a conceber a tensdo entre expressionismo € pés-humano como uma oposi¢éo ndo-tesolvida entre subjectividade e pés-estruturalismo, O mais conhecido filme deste grupo é Handsworth Songs, exibido como & conhecido, na Documenta tl [MANUELA RIBEIRO SANCHES PERFORMANCE, nomeadamente o orgulho no seu corpo, °7 Na sua cor, no seu cabelo. Performance para a cdmara que também é registada na fotografia. Performance que, en- quanto comportamento restaurado, repete, mas subverte, parcialmente, os Cédigos que cita. Performatividade, pois dessa forma constréi uma identidade racial que articula com a conquista de uma visibilidade alternativa na paisagem cultural e politica. A fotografia fez parte da mostra How We A hotographing Britain que teve lugar na Tate Britain no ano de 2007.0 que também muito nos diz acerca do modo como as nacdes europeias se reiventam, se redefinem, Em suma: performatizam, de modos alternativos, aquilo que foram, so e querem vir a ser, & luz dos desafios da pés-colonialidade. LIOGRAFIA ALTHUSSER, Louis, 1974, ldeolgioe AparelhosIdeligcos Estado, Lisboa: Editorial Presengs. BHABHA, Homi K, 1994, The Location of Culture, London and New York: Routledge. BHABHA, Homi K, A questdo outro: Esteretipo, discriminagdo eo discurso do colonialismo. Deslocalizar ‘Europ’. Antroplogia, Arte, Literatura e Hiséri.na és-Colnilidade. Org, Manuela Ribeiro Sanches. 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