e dos cães nos pátios e currais de Sanaüja, abre-se um buraco que se enche de tempo perdido e água suja quando as crianças caminham para a morte. Ser velho é uma espécie de pós-guerra. Sentados à mesa da cozinha, a escolher lentilhas em noites de borralho, vejo os que me amaram. Tão pobres que no fim da guerra tiveram de vender o miserável vinhedo e aquele frio casarão. Ser velho é a guerra ter terminado. É saber onde ficam os abrigos, agora inúteis.
Joan Margarit, Casa de Misericòrdia, 2007
SEM CHAVE E ÀS ESCURAS
Era um daqueles dias em que tudo corre bem.
Tinha limpado a casa e escrito dois ou três poemas que me agradavam. Não pedia mais nada. Vim então à rua, despejar o lixo. Atrás de mim, uma corrente de ar, e a porta fechou-se. Fiquei sem chaves e às escuras, sentindo as vozes dos vizinhos para lá das suas portas. É transitório, disse para comigo; mas também a morte poderia ser assim: uma rua escura, uma porta fechada, a chave lá dentro, o lixo na mão.