de partilhar a mesma cidade, o mesmo século, a bênção do sol dourado de Inverno, a cerveja e sua espuma nos lábios. Brindemos contra o tempo de obscuras ameaças, toquemo-nos, ousados, riamos, satisfeitos, esconjuremos os monstros da dor e da culpa, calemos a nossa imensa solidão.
Que o dom da embriaguez nos banhe ao meio-dia.
Amalia Bautista (n. 1962), in Roto Madrid, 2008, tradução de Soledade Santos
AS GARÇAS
As garças procuram dias claros
para voar nos binóculos que as observam. Sobrevoam a baixa altura o bosque e planam ao longo das margens, perto dos juncos, passe-partout entre moldura e desenho.
Submergem até meio
das pernas e o bico inteiro nas águas, avançam devagar, traçam círculos perfeitos à superfície e provocam um leve chapinhar que só os silêncios do rio escutam quando o leito confunde o que flui
com o que permanece.
E em tamanha quietude imprimem no ar ameno o ronco destemperado do seu grasnido. Nada se compreende então. Assim actua a realidade.
José Ángel Cilleruelo, Barcelona (n. 1960), tradução de Soledade Santos