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SONHAR

Sonhar é transportar-se em asas de ouro e aço


Aos páramos azuis da luz e da harmonia;
É ambicionar o céu; é dominar o espaço,
Num vôo poderoso e audaz da fantasia.
Fugir ao mundo vil, tão vil que, sem cansaço,
Engana, e menospreza, e zomba, e calunia;
Encastelar-se, enfim, no deslumbrante paço
De um sonho puro e bom, de paz e de alegria.
É ver no lago um mar, nas nuvens um castelo,
Na luz de um pirilampo um sol pequeno e belo;
É alçar, constantemente, o olhar ao céu profundo.
Sonhar é ter um grande ideal na inglória lida:
Tão grande que não cabe inteiro nesta vida,
Tão puro que não vive em plagas deste mundo.
AREIA
Da estátua de areia,
nada restará,
depois da maré cheia.
Deus dá a todos uma estrela.
Uns fazem da estrela um sol.
Outros nem conseguem vê-la.
Arco-íris no céu.
Está sorrindo o menino
que há pouco chorou.
Trêmula gota de orvalho
Presa na teia de aranha,
Rebrilhando como estrela.
Festa das Lanternas!
Os ipês estão luzindo
De globos cor-de-ouro.
Corrida no parque.
O menino inválido
aplaude os atletas.
Nas flores do cardo,
leve poeira de orvalho.
Manhã no deserto.
O brilho da lâmpada,
no interior da morada,
empalidece as estrelas.
A morte desgoverna a vida.
Hoje sou mais velha
que meu pai.

ANTES
Antes que desça a noite,
imprimir na retina
os rostos amados,
o sol
as cores,
o céu de outono
e os jardins da primavera.
Inundar de sons
de vozes
e de música eterna
os ouvidos
antes que os atinja
a maré do silêncio.
Conquistar
os pontos culminantes
da vida,
antes que se esgote
o prazo de permanência
em seu território sagrado.

PÂNICO
Não há mais lugar no mundo.
Não há mais lugar.
Aranhas do medo
fiam ciladas no escuro
Nos longes, pesam tormentas.
Rolam soturnos ribombos.
Súbito,
precipita-se nos desfiladeiros
a vida em pânico.
FLAMA
Na flama divina
que em nós resplandece,
palpita a alegria
de ser para sempre.
ABISMAL
Meus olhos estão olhando
De muito longe, de muito longe,
Das infinitas distâncias
Dos abismos interiores.
Meus olhos estão a olhar do extremo
longínquo
Para você que está diante de mim.
Se eu estendesse a mão, tocaria a
sua face.
MAQUINOMEM
O homem esposou a máquina
e gerou um híbrido estranho:
um cronômetro no peito
e um dínamo no crânio.
As hemácias de seu sangue
são redondos algarismos.
Crescem cactos estatísticos
em seus abstratos jardins.
Exato planejamento,
a vida do maquinomem.
Trepidam as engrenagens
no esforço das realizações.
Em seu íntimo ignorado,
há uma estranha prisioneira,
cujos gritos estremecem
a metálica estrutura;
há reflexos flamejantes
de uma luz imponderável
que perturbam a frieza
do blindado maquinomem.
EXILADOS

Ensimesmados,
olham a vida
como exilados
fitando o mar.
Não estão no mundo
como quem o habita.
Estão de visita
num planeta estranho.
TRANSEUNTES

Transeuntes
da vida provisória:
que rumor de asas eternas
para além das fronteiras e dos
símbolos!
OSCILAÇÃO

A cada oscilar do pêndulo


algo se apaga
ou para nós termina.
De segundo em segundo,
algo germina
ou para nós floresce.
JOVEM

Suporta o peso do mundo.


E resiste.
Protesta na praça.
Contesta.
Explode em aplausos.
Escreve recados
nos muros do tempo.
E assina.
Compete
no jogo incerto da vida.
Existe.
VÔO CEGO

Em vôo cego,
singro o nevoeiro.
Onde o radar que me guie?
Perco-me em labirintos interiores.
Que mistérios defendem
tantas portas seladas?
Quem me cifrou em enigmas?
FUGITIVO INSTANTE

Captar os seres
em seu fugitivo instante de beleza.
GRAFITE

Meu nome,
desenho a giz
no muro de tempo.
Choveu,
sumiu.
ESPELHISMO

Olhou numa poça d’água


e viu a mão estendida.
Alongou a própria destra,
num impulso de acolhida
Mas, a mão tocou em nada
Era, apenas, refletida
no espelho da água parada,
a sua mão estendida.
LOUCURA LÚCIDA

Pairo, de súbito,
noutra dimensão
Alucina-me a poesia,
loucura lúcida.
MENTIRA

Mentira que as rosas


Rosas são de veludo.
São da roseira, os espinhos.
ALEGRIA DE VIVER

Amo a vida.
Fascina-me o mistério de existir.
Quero viver a magia
de cada instante,
embriagar-me de alegria.
Que importa a nuvem no horizonte,
chuva de amanhã?
Hoje o sol inunda o meu dia.
SEM AVISO

Sem aviso,
o vento vira
uma página da vida
TERNURA-MENINA

Saudade,
ternura-menina,
lua cheia sobre o mar.
Navego no seu quebranto,
sem vontade de voltar.
TEMPO

Cai a areia da vida


Na ampulheta da morte.
ILHAS

Somos ilhas no mar desconhecido.


O grande mar nos une e nos separa.
Fala de longe o aceno leve das palmeiras.
Mensagens se alongam nas líquidas veredas.
Cada penhasco é tão sozinho e diferente!
Ninguém consegue partilhar a solidão.
Ilhas no grande mar, aprisionadas.
Apenas o perfil das outras ilhas, vemos.
Só Deus conhece nossa exata dimensão.
FIM DE JORNADA

Caminhar ao encontro da noite.


Como o camponês regressa ao lar.
Após um longo dia de verão.
Sem pressa ou cuidado.
Na tarde ouro e cinza.
Sozinho entre os campos lavrados.
E as colinas distantes.
Caminhar, ao encontro da noite.
Sem pressa ou cuidado.
A noite é somente uma pausa de sombra.
Entre um dia e outro dia.
ATAVISMO

Quando estou triste e só, e pensativa assim,


É a alma dos ancestrais que sofre e chora em mim.
A angústia secular de uma raça oprimida
Sobe da profundeza e turva a minha vida.
Certo, guardo latente e difusa em meu ser,
A remota lembrança dos dias amargos
Que eles viveram sem a ansiada liberdade.
Eu que amo tanto, tanto, os horizontes largos,
Lamento não ser águia ou condor, para voar
Até onde a força da asa alcance a me levar.
Ante a extensão agreste e verde da campina,
Não sei dizer por que, muitas vezes, senti
Saudade singular da estepe que não vi.
Pois, até o marulhar misterioso e sombrio
Da água escura a correr seu destino de rio,
Lembra, sem o querer, numa impressão falaz,
O soturno Dnipró, cantado por Taras…
Por isso é que eu surpreendo, em alta intensidade,
Acordada em meu sangue, a tara da saudade.

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