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SINOPSE

Quando Mia aparece para uma entrevista em um conhecido escritó rio


de arquitetura, ela só tem 27 centavos, um pã o amassado e um pote de
manteiga de amendoim em seu nome. Ela precisa deste trabalho.
Mesmo que ela morra de medo do dono da empresa.
Max ganhou fama como aquele arquiteto mal-humorado do norte do
Dreams Homes (o programa de design de propriedades mais popular do
Reino Unido), depois de dizer ao famoso anfitriã o que projetar casas
acessíveis e ecologicamente corretas “não era ciência de foguetes” e que
a maioria dos outros projetos apresentados no programa eram para
“bastardos que querem gastar muito dinheiro em uma torneira de
merda”. Descobriu-se que toda a vibraçã o do homem de Yorkshire lindo,
mas á spero, era exatamente o que o país estava procurando – o
episó dio se tornou viral e Max era o novo e extremamente relutante
pin-up do Construindo indú stria.
Mas para Mia, homens enormes e mal-humorados nã o sã o sexy, sã o
simplesmente assustadores. Ela sabe por experiência pró pria que
mesmo homens de tamanho médio podem ser perigosos. Se ela nã o
estivesse tã o desesperada, ela correria. Ela está acostumada a correr.
Fugir é o talento especial de Mia, juntamente com a invisibilidade –
técnicas de sobrevivência que ela aperfeiçoou ao longo dos anos. Entã o,
ela vai tolerar Max e seu humor, ignorá -lo chamando-a de adolescente
emo aberraçã o (ele nã o deve saber que seu cabelo preto costumava ser
loiro mel ou que seu delineador pesado nã o é por escolha) e apenas
seguir em frente. Apenas tentar sobreviver. Tentar se esconder.
É fá cil se esconder quando ninguém realmente vê você. Mas o que
acontece quando Max finalmente abre os olhos?

Unperfect, um romance completo, contemporâneo e mal-


humorado do escritório do chefe.
Esteja ciente – palavrões ocasionais e alerta de violência
doméstica.
AVISO

Esse livro contém violência doméstica, se você é ou


conhece alguém que seja vítima, LIGUE 180 e
denuncie!!!
IMPERFEITO

Verbo
(transitivo) Para estragar ou destruir a perfeiçã o.
CAPÍTULO UM
SEM OFENSA, GAROTO

Cerrei os dentes enquanto a dor atravessava minhas costelas


como uma faca. Prendendo a respiraçã o, esperei que a dor diminuísse
lentamente, tentando o tempo todo desesperadamente permanecer
acordada. Mas o espaço do escritó rio, embora fosse aberto, era quente.
Mais quente do que qualquer ambiente em que estive na ú ltima
semana. Entã o, apesar da dor, minhas pá lpebras começaram a ficar
pesadas. Cravando as unhas nas mã os, sentei-me mais ereta na cadeira
– a ú ltima coisa que precisava era adormecer agora. Eu só tinha que
torcer para que a adrenalina do meu nervosismo na entrevista (e o café
expresso duplo que comprei com minhas ú ltimas cinco libras esta
manhã ) fosse suficiente para me manter em movimento.
Olhos abertos, cantei para mim mesma. Fique acordada, fique
acordada, fique acordada. A dor é apenas um processo químico. Você não
precisa se concentrar nisso. Você pode optar por ignorá-la. Fique
acordada…
Mas estava tã o quente e a cadeira em que eu estava era tã o
confortável, mesmo com as dores nas costelas e nos ombros. Só por um
momento, pensei. Vou fechar meus olhos apenas por alguns segundos.
— Sra. Lantum? — Senti alguém sacudindo meu ombro
suavemente, mas nã o conseguia recuperar a consciência. Quem era a
Sra. Lantum?
— Sra. Lantum? — Outra sacudida suave. — Mia?
Meus olhos se abriram e eu me encolhi na cadeira, enviando novas
pontadas de dor pelas minhas costelas. Credo. Eu era a Sra. Lantum.
Esse foi o nome que eu dei a essas pessoas. Eu tinha que me recompor.
Eu tinha que conseguir esse emprego. Os 27 centavos no bolso e o pã o e
a manteiga de amendoim na mochila eram tudo que me restava.
Ignorando a dor nas costelas e nos ombros e me endireitando na
cadeira, forcei um sorriso para a mulher que pairava sobre mim. Meu
coraçã o afundou quando percebi que era Verity Markham, só cia desta
empresa e uma das pessoas mais intimidadoras que já conheci.
Quando apareci na semana passada para verificar se meu
requerimento havia sido aprovado, um lado do meu rosto ainda estava
ligeiramente inchado e meu braço estava em uma tipó ia. A
recepcionista (uma linda loira que eu juro que usava um colete de surf
com jeans rasgados) percebeu meus ferimentos e, antes que eu pudesse
dizer qualquer coisa, começou a recomendar uma variedade de
remédios fitoterá picos e a explicar como uma dieta baseada em
vegetais combinada com algum tipo de cura com cristais poderia
acelerar minha recuperaçã o. Quando agradeci, mas disse que estava lá
para perguntar sobre o emprego anunciado, seu rosto caiu e ela se
desculpou. Aparentemente eles nã o precisavam mais de ninguém. Eu
estava pronta para sair, mas foi entã o que Verity Markham se
aproximou de nó s, seus saltos altíssimos fazendo barulho no chã o do
escritó rio. Todos no escritó rio interromperam o que estavam fazendo
para observá -la: vestido perfeitamente ajustado, cabelo penteado com
habilidade e um olhar focado como laser, direcionado diretamente para
mim.
— Entrevista na pró xima quarta-feira, à s duas em ponto — ela me
disse com seu sotaque elegante e lapidado.
— Oh, isso é ó timo! V, você deveria... — a recepcionista começou.
— Arrume tudo, Yaz — a Sra. Markham cortou, virando-se para
mim e latindo: — Nã o se atrase.
Era tudo uma questã o de negó cios e eficiência, mas eu nã o tinha
perdido a maneira como ela me examinou da cabeça aos pés, ou as
engrenagens que zumbiam por trá s daqueles olhos penetrantes. Tudo o
que pude fazer naquele momento foi acenar com a cabeça. E agora aqui
estava eu na entrevista – dormindo profundamente.
— Sra. Markham, sinto muito — eu disse, meu rosto corando
enquanto me levantava e estendia minha mã o, consegui ignorar a dor
lancinante em meu ombro quando ela a apertou.
— Está tudo bem, honestamente e, por favor, nã o me venha com
nenhuma dessas besteiras de Markham — disse a outra mulher, seu
sotaque tã o escandalosamente elegante que para qualquer outra
pessoa teria sido ridículo, mas para ela parecia tã o natural e tã o
carregado de autoridade que era tudo menos isso. — Meus pais sã o uns
completos filhos da puta – nã o me importo muito com lembretes.
Chame-me de Verity.
— Er... ok — eu disse, um pouco surpresa com seus palavrõ es
desenfreados e seu jeito direto, mas também meio que adorando. Eu
nunca tive confiança suficiente para xingar daquele jeito, e Nate nunca
teria tolerado isso de qualquer maneira – isso nã o combinaria com sua
visã o de perfeiçã o. Decidi começar assim que conseguisse reunir as
bolas de senhora necessá rias.
O olhar penetrante de Verity pousou em meu rosto por um
momento. — Você está …? — Ela parou e sua testa franziu em uma
pequena carranca de preocupaçã o. — Você está se sentindo melhor?
Forcei um sorriso. — Sim, sim, claro. Totalmente de volta ao
normal. Da ú ltima vez, tentei subir escadas de salto alto. — Minha
risada pequena e falsa soou forçada, até mesmo para meus pró prios
ouvidos. Verity me deu um sorriso educado, mas nã o perdi como seus
olhos se estreitaram para mim, só uma fraçã o. Seu escrutínio me deixou
nervosa. Cravei as unhas na palma da minha mã o livre para nã o me
mexer.
— Tudo bem — disse ela, largando minha mã o e recuando. — Se
você me seguir, poderá dar uma olhada em nosso sistema. Você já
trabalhou com programas de design antes?
— Sim, claro. — Pelo menos isso nã o era mentira, ao contrá rio de
pequenos detalhes como meu nome verdadeiro. Mordi o lá bio enquanto
seguia Verity pelo escritó rio, tentando ignorar como cada passo sacudia
minhas costelas e piscava por causa da luz forte. Uma parede inteira do
escritó rio era de vidro e havia claraboias por todo lado. Algumas
pessoas trabalhavam em computadores, enquanto outras desenhavam
em enormes cavaletes. Uma das paredes sem vidro era forrada com
longos suportes dos quais estavam suspensas vá rias bicicletas, como
uma obra de arte do ciclismo. Havia grandes plantas verdes espalhadas
entre as mesas e penduradas no teto, e uma grande mesa no centro do
escritó rio estava coberta de maquetes de edifícios – todas feitas de
materiais brancos com linhas limpas e uma beleza ú nica e moderna. Eu
nã o era uma pessoa artística, mas até eu sabia que elas eram
excepcionais.
— Ei, V! — Ouvi gritos atrá s de nó s e me virei para ver a
recepcionista da semana passada correndo pelo escritó rio. — Peço
desculpa por isso. Voltei para o antigo show de recepçã o novamente.
Mark precisava de uma sessã o urgente de reiki.
A maioria das pessoas no escritó rio estava vestida casualmente. A
arquitetura era uma indú stria criativa e nã o fiquei surpresa com a falta
de ternos. Mas essa garota estava, mais uma vez, levando o casual a um
novo nível. Ela nã o usava mais o colete, mas agora usava um suéter
desleixado que caía de um ombro, revelando o que parecia ser um top
de biquíni amarrado atrá s do pescoço, junto com jeans e chinelos. Seu
cabelo loiro ondulado caía sobre seu rosto bronzeado e sem
maquiagem. Parecia que ela estava nadando no mar há pouco tempo e
deixou o cabelo secar ao ar livre, sem fazer contato com a escova
nenhuma vez.
— O 'show de recepçã o' é na verdade seu trabalho, Yaz —
respondeu Verity, sem diminuir o passo. — Mark nã o precisava de Reiki
urgente. Ninguém nunca precisou de Reiki urgente, porque Reiki é um
monte de besteira. O que Mark quer é entrar na sua calcinha. Por que
diabos o homem pensaria que você esfregando seus pés irá
naturalmente progredir para polir sua maçaneta, eu nã o tenho ideia.
Chegamos ao escritó rio de Verity, onde Verity tentou fechar a
porta para Yaz, mas Yaz passou por ela.
— Reiki não é besteira e Mark não quer que eu dê um polimento
nele — disse Yaz, lançando a Verity um olhar mal-humorado antes de
sua expressã o se suavizar. — Você está terrivelmente irritada hoje e seu
equilíbrio entre estrogênio e progesterona está desequilibrado. Acho
que alguém precisa de uma boa dose de oxitocina... também conhecida
como um abraço. — Com os braços abertos, ela deu um passo em
direçã o a Verity, que se retirou rapidamente para trá s de sua mesa com
uma expressã o alarmada no rosto. Yaz suspirou e revirou os olhos,
depois voltou sua atençã o para mim.
— Bem, eu queria vir dizer oi — ela me disse. — Desculpe por ter
deixado você com a senhora dragã o. Você nunca sabe quando outra
emergência de terapia complementar pode surgir. Ontem tive que fazer
uma massagem nas costas de Dan na copiadora, depois que seu ovo e
bacon foram levados por uma gaivota quando ele voltava de Greggs.
Eu pisquei. Havia muito o que desempacotar ali, e achei que Verity
poderia estar certa – Mark e esse Dan definitivamente queriam que Yaz
polisse seus botõ es. Ela era a garota mais naturalmente linda que eu já
vi na minha vida.
Verity interrompeu. — Yaz, vou lembrá -la de que sou, no
momento, sua empregadora, e você nã o pode me chamar de senhora
dragão, dizer que estou com um pau na bunda ou comentar sobre meus
níveis hormonais.
— Tanto faz, V. — Yaz se virou para mim. — Entã o, você está aqui
para a entrevista? O que você faz? Macaco de design que adora tijolos e
argamassa? Violinista de dinheiro?
— Ela está aqui para a funçã o de suporte técnico — disse Verity.
— Agora, se você puder...
— Viva o suporte técnico! — Yaz gritou, socando o ar. Socou o ar…
por TI? Ela estava drogada? — Vou precisar do seu nú mero para
adicionar você no WhatsApp. Segunda-feira é noite de curry vegano no
The Raj do outro lado da rua e podemos…
— Yaz — Verity a interrompeu, seu tom indicando que sua
paciência pode estar diminuindo. — Estou apenas entrevistando Mia.
Nem sabemos se ela aceitará o emprego ainda. Desacelere.
Yaz franziu a testa. — Por que você nã o aceitaria o emprego? —
Ela perguntou, parecendo genuinamente perplexa. Mal sabia Verity que
eu aceitaria qualquer trabalho neste momento. Eu estava além do
desespero algumas noites atrá s. — Bem — ela disse, sorrindo
novamente — dê um abraço pré-entrevista.
— Eu... — Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Yaz se
lançou em mim e fui envolvida em um abraço apertado. Meu braço e
costelas protestaram e senti o sangue sumir do meu rosto, mas
consegui evitar emitir um gemido baixo de dor.
— Yaz — Verity cortou, tendo ido além de irritada agora, aquele
foco de laser de volta ao meu rosto pá lido novamente. — Caia. Fora.
— Está bem, está bem, estamos de volta ao modo chefe. Sim —
Yaz disse enquanto se afastava, para meu alívio. Seu sorriso
desapareceu quando ela percebeu meu rosto pá lido. — Ei — ela disse,
seu tom agora mais suave, — você está bem, amor? Sua aura ficou toda
instável.
— Yaz — Verity retrucou.
— Estou bem — consegui dizer, dando a Yaz um pequeno e
provavelmente pouco convincente sorriso.
— Hmm — disse Yaz, inclinando a cabeça para o lado enquanto
me estudava. — Você...?
— Agora, Yaz — Verity retrucou e Yaz ergueu as mã os em sinal de
rendiçã o, saindo pela porta do escritó rio.
— Nã o se preocupe, Yaz nã o é uma presença regular no escritó rio
— Verity me disse quando ficamos sozinhas. — Ela ajuda quando
estamos com falta ou quando sente que a atmosfera no escritó rio
precisa de “reajuste”. Você se acostuma com ela. Certo, vamos começar?
Depois de algumas perguntas sobre meu histó rico (todas as
informaçõ es eram tecnicamente verdadeiras, foram apenas os nomes
do meu antigo empregador e, na verdade, meu nome que foram
alterados), Verity me pediu para sentar em frente ao seu computador. A
á rea de trabalho estava lotada de arquivos e completamente
desorganizada.
— O que é que... er... o que é que...?
— Precisamos de uma revisã o do sistema e de conselhos sobre
como atualizá -lo. A forma como armazenamos todos os projetos
antigos, nosso sistema de referência, nossa folha de pagamento, licença,
tudo precisa ser… ah!
Comecei a digitar no teclado enquanto Verity falava e abri o
sistema de arquivamento de documentos. Reorganizei-o, formulei um
novo sistema de acesso aos arquivos, baixei um programa para ordenar
a escala de licenças e comecei a folha de pagamento. Demorou dois
minutos e quinze segundos. Verity piscou para a tela transformada e
depois para mim.
— Ah… eu pensei que demoraria um pouco mais, para ser
honesta. — Ela riu. — Essa deveria ser sua primeira semana de
trabalho. A á rea de trabalho parece irreconhecível.
Mordi o lá bio e esperei, ciente de que poderia muito bem ter
digitado para sair do emprego. Classificar todo esse sistema levou
menos de uma hora de trabalho, no má ximo. Olhei para minhas mã os e
respirei fundo, apesar do que isso me custou em termos de dor. Verity
pigarreou.
— Certo, muito bem — ela disse, seu tom brilhante e sensato de
volta enquanto ela se recuperava de sua surpresa. — Vamos para a sala
de conferências e fazer uma maldita entrevista de verdade, certo?
Tenho certeza de que podemos ajustar um pouco a descriçã o do
trabalho para que você tenha algum trabalho a fazer.

— V, que merda... — o homem enorme que irrompeu na sala de


conferências começou a dizer, depois olhou para mim e pigarreou. —
Desculpe — ele murmurou, depois se voltou para Verity.
Max Hardcastle – arquiteto ecoló gico do momento. Ele causou
sensaçã o recentemente depois de aparecer no Dream Homes, o
programa de design arquitetô nico mais popular do Reino Unido, com
uma casa ecoló gica acessível e dizendo a Dermot McWilliam, o famoso
apresentador do programa, que projetar casas acessíveis e
ecologicamente corretas “nã o era ciência de foguetes” e que a maioria
dos outros projetos apresentados no programa eram para “bastardos
que querem gastar muito dinheiro em uma torneira de merda”.
Dermot na verdade parecia gostar de Max, assim como o país
como um todo – bem, pelo menos a metade feminina (talvez até alguns
dos homens, se quisessem). Nã o fez mal que Max tivesse toda a
vibraçã o de Yorkshireman linda, mas á spera, de Sean Bean. Aquele clipe
dele falando sobre “bastardos metidos à besta” e “torneiras de merda”
se tornou viral. Aparentemente, ao tornar a arquitetura sexy
involuntariamente, Max causou um enorme aumento no nú mero de
alunos que abandonaram a escola e se inscreveram para estudá -la na
universidade. Foi chamado de Efeito Max.
Mas, apesar de sua enorme popularidade, Verity assumiu a
maioria das outras entrevistas durante o resto do programa, dizendo a
Dermot que Max – nã o era uma pessoa sociável. Eu adorei aquele
episó dio de Dream Homes, apesar de sempre deixar Nate de mau
humor. Ele odiava Max. Nã o tinha tempo para – toda aquela idiotice do
design ecoló gico.
— O que diabos está acontecendo? — Max gritou, sua voz
profunda com sotaque de Yorkshire contrastando fortemente com a de
Verity. — Achei que tivéssemos discutido isso na ú ltima reuniã o?
— Max — disse Verity em tom de advertência. — Estou no meio
de uma entrevista. Podemos conversar depois?
Max ergueu as mã os para o alto e eu reprimi uma hesitaçã o. Eu
nã o era boa com homens grandes e agressivos, nem com movimentos
bruscos. O medo irracional subiu pela minha garganta e eu o sufoquei
com algum esforço.
— É sobre a maldita entrevista que quero falar! — Ele disse,
franzindo a testa para Verity enquanto ele se elevava sobre a mesa. Até
entã o eu achava que as coisas estavam indo muito bem. O nome no meu
currículo pode ter sido falso, mas o currículo em si nã o era: eu poderia
facilmente respaldar todas as minhas afirmaçõ es. Eu tinha meus
documentos verdadeiros na mochila (junto com todos os meus outros
pertences – mas ninguém precisava saber disso). Se Verity pedisse, eu
daria a ela, mas até agora isso nã o tinha sido um problema. Verity
sugeriu que eu pudesse assumir outras funçõ es além do suporte de TI
(ficou claro que nã o havia trabalho suficiente apenas para isso).
Embora eu nã o estivesse interessada em enfrentar o pú blico de forma
alguma, eu o faria se isso significasse ter uma renda. Nesta fase eu nã o
tinha vergonha de dizer que faria qualquer coisa.
— Nã o precisamos de nenhum suporte de TI. Eu posso fazer o
suporte de TI. É um desperdício de dinheiro sangrento.
— Max — disse Verity e fiquei maravilhada com sua bravura. O
tom dela era mais parecido com aquele que você usaria com um
adolescente inconformado do que com um homem adulto, totalmente
crescido e irritado. — Você está muito ocupado para fazer isso.
Precisamos muito de você exclusivamente no lado criativo e você sabe
disso. Nó s...
— Eca! — Ele cuspiu, inclinando a cabeça para trá s para olhar
para o teto e colocando as mã os em seus cabelos escuros e grossos. Eu
olhei para ele. Tudo nele era tã o intimidante. Ele nã o era apenas alto,
ele tinha massa muscular; você podia ver isso, mesmo sob o jeans
surrado e o suéter mal ajustado que ele usava.
Nate estava em forma e havia se esforçado para isso, mas nã o
tinha metade do tamanho físico de Max. E eu sabia, por experiência
pró pria, o quã o forte Nate tinha sido. Em comparaçã o, Max poderia me
esmagar como um inseto. Suprimi um arrepio e me encolhi ainda mais
na cadeira. Tornar-se invisível foi uma técnica que aperfeiçoei ao longo
dos anos. — Nã o há trabalho suficiente e nã o podemos contratar
outro...
— Lorraine vai embora no final do mês e Yaz mal está aqui. Nó s
podemos pagar por isso.
Mantive os olhos baixos e apertei as mã os no colo. Eu precisava
desse trabalho.
Max bufou e começou a andar de um lado para outro na sala de
conferências. Ele me lembrou um tigre enjaulado: enorme, magnífico e
assustador como o inferno.
— Nã o quero que ninguém mexa no meu sistema — disse ele a
Verity. — Eu configurei tudo do jeito que eu gosto e...
— Nã o existe sistema, seu idiota teimoso — Verity disparou para
ele. — É um caos total… assim como a sua mente.
Pisquei e congelei no meu lugar. Verity atacar um homem tão
intimidador e tão irritado e chamá -lo de idiota... isso me surpreendeu.
Verity era uma maldita amazona.
Max bufou e se jogou na cadeira mais pró xima, cruzando os
braços sobre o peito. Apesar de seu tamanho, ele realmente parecia um
menino mal-humorado de dez anos naquele momento.
— Eu sei onde está tudo — ele murmurou e Verity revirou os
olhos.
— Precisamos que você seja realmente um arquiteto. Você sabe,
aquela coisa para a qual você passou mais de dez anos treinando?
Prefiro que você se concentre nisso. — Ele bufou novamente e, para
meu terror, focou seu olhar em mim, seus olhos azuis/verdes brilhando
de aborrecimento.
— Sem ofensa, garota — disse ele, e senti minha coluna enrijecer,
apesar de estar com medo dele. Eu sabia que parecia muito mais jovem
do que meus vinte e oito anos, mas me chamar de garota? É verdade
que eu tinha ficado ainda mais magra no ú ltimo mês, e o fato de meu
cabelo estar tingido de preto em vez do meu loiro arenoso natural (sem
mencionar o delineador escuro que comecei a usar) me deu um pouco
de emo, angustiada. Mas eu nã o parecia tão jovem. Puxei as mangas do
meu suéter cinza de gola alta, que combinei com meu jeans skinny
preto, e enfiei minhas sapatilhas surradas debaixo da cadeira. A roupa
era na verdade toda de grife. Originalmente custou uma fortuna. Mas
agora a caxemira do suéter estava rasgada e meus sapatos estavam
gastos. Infelizmente, eu tinha um total de dois looks à minha disposiçã o
no momento. E as leggings, capuz e tênis na minha mochila (também de
marca, mas também bem usados) nã o teriam ficado muito melhores.
Max estreitou os olhos para mim e continuou: — Mas você está
tentando agir rá pido? Você deve saber tã o bem quanto eu que nã o há
trabalho suficiente para um funcioná rio em tempo integral fazer essa
besteira.
Oh Deus. Ele nã o iria me empregar. Reuni toda a minha coragem e
respirei fundo, gaguejando devido à dor.
— Eu... eu posso fazer o que você precisar — sussurrei, e depois
limpei a garganta, desejando que minha voz ficasse mais forte. — E
você pode reduzir a taxa horá ria se isso funcionar melhor. Eu nã o...
— Vocês já discutiram o pagamento? — Max perguntou, erguendo
as sobrancelhas e olhando de mim para Verity.
— Nã o — disse Verity. Os olhos de Max se estreitaram para mim
novamente.
— Se você ainda nã o discutiu o pagamento, como sabe que
aceitaria menos?
Mordi meu lá bio. Se eu dissesse a eles que aceitaria qualquer
coisa, pareceria desesperada e um pouco estranho. E eu tinha certeza
absoluta de que eles nã o me contratariam se soubessem que a mochila
aos meus pés continha todos os meus pertences mundanos. Ou que eu
dormi em um abrigo para moradores de rua na noite passada e em um
ponto de ô nibus na noite anterior. O endereço que coloquei em meus
formulá rios de emprego era falso, escolhido aleatoriamente em um
mapa da á rea.
— Er, eu... — Olhei para minhas mã os novamente e as juntei
quando percebi que estavam tremendo. — E quanto à sua modelagem
de informaçõ es de construçã o? Você precisa de ajuda com isso? —
Building Information Modelling, ou BIM, é um programa inteligente
baseado em modelo 3D que oferece aos profissionais de arquitetura,
engenharia e construçã o as ferramentas para planejar, projetar,
construir e gerenciar edifícios e infraestrutura com muito mais
facilidade. Revolucionou a indú stria e as empresas que nã o a abraçaram
totalmente corriam o risco de ficar para trá s.
Verity inclinou a cabeça para o lado, os olhos brilhando de
interesse. — Terceirizamos nosso BIM, mas, para ser sincera, nem todo
mundo aceitou isso. — Ela olhou de soslaio para Max. — Poderíamos
ter mais apoio. Você poderia ajudar com isso?
— Eu odeio BIM — Max murmurou e meu coraçã o afundou. Era
raro hoje em dia, mas havia arquitetos ainda relutantes em modernizar.
A ú nica coisa que restava fazer era deixar de lado meu orgulho. Para ser
sincera, fiquei surpresa por ter sobrado alguma coisa.
— Eu realmente preciso deste trabalho — eu disse baixinho em
minhas mã os. — Nã o preciso fazer apenas TI... posso fazer qualquer
outra coisa; eu farei qualquer outra coisa. Por favor, por favor, me dê
uma chance.
CAPÍTULO DOIS
ADOLESCENTE EMO ANORMAL

Eu estava de mau humor. Nã o que isso fosse fora do comum.


Segundo todos os relatos, eu era um cara mal-humorado. Idiota mal-
humorado do norte – essa era a maneira favorita de Heath de me
descrever. Mas essa situaçã o estava começando a me incomodar. A
imagem daqueles olhos grandes, escuros e cor de chocolate
acompanhados daquele sussurro por favor estava girando e girando na
minha cabeça desde que interrompi aquela maldita entrevista na sala
de conferências.
Foi o desespero por trá s de suas palavras sussurradas que me
atingiu, e eu cedi ao trabalho.
Ela era boa.
Eu tive que dar isso a ela.
Ela era tã o boa que atraiu nã o só Verity, mas também a mim.
Alguns podem pensar que eu era um idiota, mas não fui enganado e nã o
gostei de parecer um canalha. Mas havia algo nela que era tã o... frá gil.
Naquele momento, na sala de conferências, ela me lembrou o ouriço
que encontrei quando criança, atrá s do palheiro. Ele estava ferido e nã o
conseguia andar. Eu o levei para casa, seus espinhos perfurando minhas
mã os até o sangue escorrer pelos meus braços. Minha mã e revirou os
olhos para mais um animal de rua: o ouriço fazia parte de uma longa
linhagem de cã es de rua que eu tinha resgatado na quinta – o mais
recente era uma raposa que tinha sido apanhada numa armadilha
preparada pelo meu pai. Ser uma criança sensível e amante dos animais
nã o era o ideal quando você morava em uma fazenda e seu pai preferia
afogar uma ninhada de gatinhos do que encontrar um novo lar para
eles. Histó ria verdadeira. Mas quando se tratou do ouriço, mamã e
cedeu depois de ver a dor que passei para levar a coisa para casa. Ela
me ajudou a entrar em contato com a RSPCA1 para saber como
alimentá -lo e como deveríamos mantê-lo, e montou uma caixa para ele
no armá rio arejado. O ouriço pode ter ficado mais forte com o tempo,
mas nã o gostou dos meus esforços como seu salvador, nem achou que
eu fosse outra coisa senã o uma ameaça. Eu o guardei por duas semanas
e, quando o larguei, ele disparou para a vegetaçã o rasteira sem olhar
duas vezes.
Entã o, embora possa ser um pouco bizarro comparar uma mulher
adulta a um ouriço, isso nã o mudou o fato de que os olhos de Mia, tã o
cheios de medo e desesperança, me lembravam daquele animal. Ela
parecia perseguida. Com base nisso, dei de ombros e disse a Verity que
estava tudo bem e que apenas configurasse. Mas quanto mais eu
pensava nisso, mais comecei a sentir que algo estava errado com essa
garota. Algo que eu nã o conseguia identificar.
Cada vez que seu nome completo era mencionado ela olhava para
baixo e para a esquerda. Por que ela mentiria sobre seu nome? E aquela
mochila que ela tinha com ela... estava esfarrapada e suja. Nã o apenas
um pouco arranhada, mas coberta de sujeira real. Por que ela traria isso
para uma entrevista com ela? Depois que notei a bolsa, percebi também
que ela nunca perdia contato com ela. Mesmo na sala de conferências,
ela estava enfiada atrá s das pernas e, ao sair do prédio, ela a segurava
com tanta força que os nó s dos dedos estavam brancos.
Nã o. Normal.
E a cor do cabelo dela. Foi tudo tã o gritante. Nã o combinava em
nada com o tom de sua pele. Todo o visual emo gritou adolescente. Mas
eu li seu currículo e sua data de nascimento me contou uma histó ria
diferente. Ela nã o parecia ter mais de dezesseis anos. Ela estava
mentindo sobre sua idade para conseguir o emprego? Nã o havia como
negar que Mia era boa em TI. Sobre isso ela nã o mentiu. Mas ela estava
absolutamente nos levando para um passeio se tivesse convencido
Verity de que havia trabalho de suporte técnico suficiente para ela fazer
aqui. Era um maldito desperdício de dinheiro e eu odiava quando
desperdiçávamos dinheiro em coisas inú teis – isso era algo que eu tinha
em comum com meu pai. Sim, eu era um idiota, mas nã o adiantava
desperdiçar dinheiro enquanto você tentava manter um negó cio
funcionando.
Embora eu tivesse que admitir que, apesar de Mia estar aqui
apenas há três dias, o novo sistema que ela estabeleceu parecia estar
facilitando minha vida – nã o que eu fosse admitir isso para Verity. Mas
agora que ela reorganizou todo o sistema, executou todas as pesquisas
que precisávamos e analisou todos os dados que precisavam ser
classificados, havia muito pouco trabalho de suporte de TI para ela
realizar. Entã o, esta manhã eu a encontrei sentada atrá s da recepçã o,
parecendo que ia vomitar e se encolhendo toda vez que o telefone
tocava. Yaz partiu para o mar assim que o vento aumentou. Típico da
minha maldita irmã .
E... Mia nã o tinha feito chá para mim.
Yaz pode ser inú til em geral, mas ela fazia uma bebida decente e
sempre me guardava os digestivos de chocolate. A ausência do meu chá
matinal e dos biscoitos tinha me deixado na mã e de todos os maus
humores – e tudo era culpa daquela adolescente magrela, baixinha e
mentirosa. Meu telefone tocou e eu tentei agarrá -lo, precisando de uma
distraçã o.
— O que? — Eu grunhi, segurando o telefone no ouvido com uma
mã o enquanto verificava o design mais recente com a outra.
— Boa saudaçã o, seu idiota mal-humorado — disse Heath em seu
tom normalmente feliz. O Bastardo estava sempre de bom humor, o que
sempre conseguia me irritar ainda mais. — Você quer almoçar hoje ou
nã o? Você ia me mostrar os planos novamente. Eu sou um cliente, você
sabe. — Heath havia comprado um pequeno bangalô com vista para o
mar que estávamos convertendo em uma casa enorme com uma parede
inteira de vidro voltada para o topo do penhasco. Isso estava lhe
custando uma quantia absurda, mas era seguro dizer que ele nã o estava
com falta de um centavo ou dois.
Revirei os olhos. — Só se você estiver pagando. E só se pudermos
ir ao Badger and Ferret e nã o a algum lugar chique que me sirva meio
maldito loumi.
Heath riu. — Bem, você está em ó tima forma hoje.
Suspirei. — Olha, estou atolado aqui e ainda por cima sua irmã
contratou uma maldita adolescente emo e a prendeu na recepçã o. Já
recebi uma reclamaçã o de uma cliente, e ela é preguiçosa demais para
me preparar um chá . Você sabe como fico sem chá .
Algo chamou minha atençã o na minha visã o periférica e eu girei
na cadeira para ver a adolescente emo maluca piscando para mim da
porta.
Ah, merda.
— Verity nã o teria contratado alguém desonesta. Minha irmã tem
muitos defeitos, mas é uma juíza de cará ter assustadoramente precisa.
Já pensou em fazer seu pró prio chá ? E talvez até... nã o sei... faça um para
a nova membro da equipe que provavelmente está nervosa, Seu filho da
puta. — Durante o pequeno discurso de Heath, Mia entrou correndo na
sala, dando-me o má ximo de distâ ncia possível, e depositou uma xícara
de chá na beirada da minha mesa antes de se virar e sair correndo
porta afora. Nenhuma mulher jamais fugiu de mim antes. Eu sabia que
era rude, mas nunca as assustei e as levei a uma retirada acelerada.
— Saco — eu murmurei. Sua expressã o magoada agora está
alojada em meu cérebro junto com aqueles olhos castanhos chocolate e
aquele por favor desesperado pela entrevista.
— Tã o articulado como sempre — disse Heath.
— Escute, estou de olho hoje. Vamos marcar para uma da tarde
amanhã , ok? Você pode vir aqui e me encontrar, já que sua bunda
preguiçosa nã o está trabalhando onde deveria — eu disse.
— Minha bunda preguiçosa acabou de fazer sete turnos noturnos
seguidos, seu maldito pr...
Encerrei a ligaçã o antes que Heath pudesse terminar, entã o olhei
para o plano na minha mesa por um momento antes de fechar os olhos
e esfregar o centro do meu peito, que por algum motivo estava muito
apertado. Recusei-me a acreditar que era porque poderia ter ferido os
sentimentos da adolescente emo. Balancei a cabeça para tentar clareá -
la e me concentrei no design.

Me olhei no espelho do banheiro. Uma menina pequena, de


cabelos escuros e mortalmente pá lida, com olheiras escuras, olhou para
mim.
Aberração emo adolescente.
Essa era a minha aparência. Max Hardcastle podia ser um
completo bastardo, mas pelo menos era honesto. Senti meus lá bios
começarem a tremer enquanto agarrei as laterais da pia, desejando que
a umidade que eu podia sentir crescendo atrá s de meus olhos voltasse.
Eu nã o chorava desde Aquela Noite e nã o ia começar agora só porque
algum idiota arrogante pensava que eu nã o era nada. Algo para ser
ridicularizada. Uma aberraçã o.
— Recomponha-se — sussurrei para mim mesma no espelho. —
Há anos que você recebe insultos piores. Você pode lidar com isso.
Homens horríveis nã o sã o um fenô meno novo. Ele nã o pode machucar
você. Você está no controle de sua vida agora.
Suspirei e deixei minha cabeça cair para frente, fechando os olhos.
Para ser honesta, nã o parecia que eu estava no controle. Tive sorte na
noite passada porque o abrigo ainda estava acolhendo pessoas quando
cheguei lá . A caminhada de cinco quilô metros desde o escritó rio
pareceu durar uma eternidade. O que eu faria esta noite se nã o
houvesse espaço? Verity me pediu para ficar até depois que todos
tivessem ido embora para que eu pudesse trancar tudo. Ela disse que
eu receberia até as sete e, embora precisasse do dinheiro extra, eu
realmente nã o queria ficar depois das cinco e arriscar uma vaga no
abrigo. Mas Verity foi tã o gentil que nã o achei que pudesse recusar.
Engoli o nó na garganta e joguei a cabeça para trá s, sacudindo
rapidamente o corpo e dizendo a mim mesma para ser mulher. Assim
que tive certeza de que nã o havia mais lá grimas ameaçando, empurrei a
porta e segui pelo corredor. Sentindo-me estressada com a quantidade
de tempo que passei escondida no banheiro, olhei para o reló gio e
acelerei o passo até bater no que parecia ser uma só lida parede de
tijolos. A dor explodiu do meu lado. Tropecei para trá s e, no momento
em que pensei que ia cair de bunda, um par de mã os enormes disparou
e envolveu meus braços, mantendo-me de pé. Eu congelei e olhei para
cima e para cima até que meus olhos encontraram seu olhar
azul/verde.
Max se elevou sobre mim e nã o parecia menos irritado do que
antes. Um mú sculo estava pulsando em sua mandíbula e isso causou
um pico de adrenalina em meu corpo. Para meu absoluto horror, fiz um
pequeno barulho involuntá rio de medo. Um som que eu já havia feito
muitas vezes antes. Um que jurei que nunca mais faria. Fiquei furiosa
por ter escapado dos meus lá bios. Foi fraco e patético. Eu estava fraca.
Mas aquela sensaçã o de estar presa nas mã os de outra pessoa invadiu-
me novamente, provocando uma reaçã o tã o violenta que me soltei de
suas mã os e dei alguns passos rá pidos para trá s, procurando
desesperadamente uma maneira de passar por ele no corredor estreito
onde seu grande corpo estava preenchendo.

Pisquei enquanto observava Mia tropeçar para longe de mim. A


garota foi arrancada de minhas mã os como se eu fosse um serial killer.
Pelo amor de Deus, eu a impedi de quebrar a bunda no chã o depois que
ela se chocou contra mim como um morcego saído do inferno. Por que
ela estava olhando para mim como se eu fosse a encarnaçã o do diabo? E
aquele barulho terrível que ela fez. Isso passou direto por mim. Do que
ela tinha que ter medo?
— Ei, você está bem? — Perguntei. Se eu pudesse suavizar minha
voz, eu o teria feito, mas foi complicado tornar meu tom baixo e á spero
mais suave.
— Tudo bem — ela sussurrou. Tive que me esforçar para ouvir,
mesmo no silêncio do corredor. Ela deu outro passo para trá s e eu me
senti franzindo a testa. A maneira como ela estava se afastando de mim
parecia... errada. Isso fez meu peito ficar apertado novamente. — Com
licença — ela sussurrou novamente, parecendo cada vez mais um
animal preso enquanto tentava olhar ao meu redor.
— Você deveria olhar para onde está indo — eu disse a ela,
imediatamente me arrependendo de minhas palavras e desejando
poder recuá -las. Uma aparente reprimenda minha nã o iria ajudar nesta
situaçã o, mas, mais uma vez, deixei meu temperamento explosivo levar
a melhor sobre mim. Eu estava chateado por estar me sentindo como
um monstro quando ela foi quem me encontrou.
— Des-desculpe — ela gaguejou e eu me senti um completo
bastardo. Suas mã os tremiam ao lado do corpo, mas quando ela
percebeu que eu estava olhando para elas, ela as cerrou em pequenos
punhos.
Suspirei, mas saiu mais como uma bufada. Mia se encolheu e
recuou mais um passo. Sendo inteligente o suficiente para perceber que
nã o chegaria a lugar nenhum com ela neste espaço confinado, dei um
passo para o lado, tentando dar-lhe o má ximo de espaço possível. Assim
que viu a abertura, Mia passou correndo por mim. Enfiando as mã os
nos bolsos, fiz uma careta depois que ela recuou rapidamente. Eu nã o
tinha lidado com isso bem. Balancei a cabeça para clareá -la. A ú ltima
coisa que eu precisava naquele momento era me preocupar com
alguma mulher-criança. Nã o quando tinha que me concentrar em
ganhar o maior contrato da minha carreira. Eu esperaria até que ela se
acalmasse e entã o pediria desculpas. E, enquanto isso, eu tentaria nã o
permitir que aquele pequeno som de terror que ela fez arruinasse
minha concentraçã o durante o dia, ou fizesse meu peito ficar mais
apertado.
CAPÍTULO TRÊS
VOCÊS DOIS SE CONHECEM?

— Ei, grandalhã o — Heath sorriu para mim enquanto entrava no


escritó rio aberto. — Comprei para você seu pseudo-café enjoativo
favorito. Receio que nada de chantilly, mas os convenci a lhe dar
granulados extras de chocolate. — Uma onda de risadas percorreu o
escritó rio – só se acalmando quando fiz uma careta para os atrevidos.
Todo mundo achou hilá rio que o grande e rude Max do norte
gostasse de mochas em vez de – café de verdade. — Aparentemente,
homens como eu deveriam ser os principais americanos negros o dia
todo para manter suas personas alfa.
— Você é hilá rio — eu disse secamente enquanto pegava o mocha.
Revirei os olhos enquanto Yaz ria de sua posiçã o de ioga no meio
do escritó rio.
— Bom para você, mano — ela gritou. Aparentemente, dois dos
meus arquitetos juniores precisavam de uma centralização urgente, e
agora estavam com Yaz copiando seu cã o descendente. Houve uma série
de coisas que me emocionaram nessa situaçã o. Em primeiro lugar, nã o
havia motivo para Yaz estar no escritó rio hoje. Em segundo lugar, os
caras que ela estava centrando nã o tinham nenhum interesse em ioga –
eles estavam muito mais preocupados com a bunda da minha irmã , que
estava no ar para todos verem. Terceiro, ela colocou tapetes de ioga no
meio do escritó rio, obstruindo qualquer movimento em meu ambiente
supostamente de fluxo livre. Enquanto Yaz passava de um cã o
descendente para um cã o ascendente – os olhares dos meus
funcioná rios foram de sua bunda para seu amplo peito na velocidade da
luz e eu revirei os olhos. — Isso apenas mostra o quã o confortável você
está com sua masculinidade — ela continuou. — Nã o caia na armadilha
das normas sociais. Abrace seu lado feminino também. Lute contra o
patriarcado.
Eu estava tã o cansado da minha maldita irmã no escritó rio.
— Yazmin — Heath se dirigiu a ela. — Trabalhando duro como
sempre.
— Caia fora, Heath — Yaz disse, seu sorriso morrendo enquanto
ela olhava para ele.
— Desculpe, desculpe — disse Heath, erguendo as mã os e
recuando. — Volte para o seu pequeno show. Manter as tropas felizes e
tudo mais.
O rosto de Yaz ficou vermelho quando ela fez uma careta para
Heath e eu o afastei antes que pudesse haver mais derramamento de
sangue. Heath parecia ter charme para todas, menos para minha irmã .
Eles estavam brigando uma com a outra há anos. Yaz foi
definitivamente a exceçã o à sua regra. Por outro lado, minha irmã
parecia ser a exceçã o a todas as regras.
A caminhada até meu escritó rio foi retardada por Heath acenando
e encantando o resto da minha equipe – o grande e bem-apessoado
exibicionista. Todo mundo adorava Heath. Ele tinha a mesma vibraçã o
escandalosamente elegante, mas charmosa, de sua irmã , e o mesmo
estilo de vestir imaculado e moderno, que dava a ambos o ar de terem
acabado de sair da revista GQ. Até eu poderia admitir que o desgraçado
era bonito. Quero dizer, nã o me interpretem mal, eu me saí bem com as
garotas (ou pelo menos eu tinha feito, antes de tudo virar uma merda),
mas o cabelo perfeitamente penteado (o artigo vago) de Heath, o rosto
bem barbeado e a expressã o aberta eram mais atraente do que minhas
roupas sujas, cabelo bagunçado, barba por fazer e carranca perpétua.
Heath era agradavelmente musculoso enquanto eu era simplesmente
enorme, sempre fui – uma das consequências de todo o trabalho físico
infantil que suportei enquanto crescia.
É ramos amigos improváveis, mas por algum motivo o idiota
gostou de mim desde o início. Depois que mamã e deixou meu pai,
quando eu tinha dez anos, e se casou novamente com um médico,
minha vida mudou drasticamente. Eu passei de uma fazenda sombria
no norte, com um pai frio e abusivo, para uma vida de relativo luxo no
sul, com um padrasto gentil e, um ano depois, uma nova irmã . Quando
se descobriu que eu era talentoso academicamente, em vez de me
considerar um espertinho (algo que papai certamente teria feito), meu
padrasto providenciou todos os tipos de testes e me indicou para
exames de admissã o em uma série de escolas chiques. Eu consegui uma
bolsa de estudos para um dos melhores internatos do país, no entanto,
descobri que ser um agitador do norte nã o caía muito bem em um
daqueles estabelecimentos elegantes. Se nã o fosse por Heath e Verity –
que sã o gêmeos – no mesmo ano que eu e, por algum motivo, fizeram
amizade comigo desde a primeira semana – eu teria passado por
momentos muito difíceis. Veja, Verity e Heath eram do norte como eu,
mas nã o eram o verdadeiro Yorkshire – eram o tipo de nortistas que
viviam em um castelo de verdade (sim, castelo) e falavam o inglês da
rainha. Os pais de Heath e Verity ficaram horrorizados comigo. Acho
que essa era a principal razã o pela qual Heath gostava tanto de mim –
ele sempre gostou de acabar com aquelas coisas.
Entã o, eu fui adotado por eles como um – trigêmeo honorá rio – e,
visto que dentro de um período eles praticamente governaram aquela
escola, todos os outros tiveram que seguir o exemplo. Por alguma razã o,
ambos acharam que minha carranca e meu mau humor eram
maravilhosos. Heath costumava brincar que ser meu amigo era como
cultivar bactérias – tudo que você precisava fazer era fornecer o meio
certo para eu florescer. O que significava que eu tinha que estar perto
de insetos de quem gostava para poder rir. Minha tolerâ ncia com
idiotas era, e ainda é, muito baixa.
— Estou fazendo isso como um favor a você, entã o você pode
querer diminuir a rotina chata — resmunguei enquanto conduzia Heath
até meu escritó rio. A maior parte do piso era aberta, maximizando a luz
que entrava pelas claraboias e janelas do chã o ao teto. Meu escritó rio só
tinha paredes de vidro. Verity tinha uma muito parecida com a minha,
mas ela tendia a manter a porta aberta, incentivando qualquer pessoa a
entrar a qualquer hora.
Minha porta estava invariavelmente fechada.
— Oh, sinto muitíssimo — Heath disse através de uma risada. —
Achei que estava pagando a você, bastante, na verdade, para construir
uma casa para mim.
— Uma casa ú nica, neutra em carbono, de ú ltima geraçã o,
projetada por um arquiteto. Algo que nã o fazemos mais, exceto para
pessoas como você.
O sorriso de Heath só aumentou. — Ah, claro. Você é importante
demais agora para construir casas pequeninas para pessoas pequenas
como eu.
— Exatamente. — Desde que o negó cio se expandiu, só
assumimos grandes projetos: conceber hotéis ecoló gicos, alas de
museus, edifícios de escritó rios ecoló gicos, aldeias neutras em carbono.
— E sim, eu sou um grande negó cio. Meu tempo é precioso. Entã o, se
você pudesse... Heath?
Nó s dois nos mudamos para sentar no meu escritó rio comigo na
minha mesa e Heath do outro lado. Mas algo chamou a atençã o de
Heath além da parede de vidro. Seu sorriso desapareceu e ele se
levantou abruptamente.
— Quem é aquela? — Ele perguntou. Segui a direçã o do olhar de
Heath e vi Mia sentada em um monitor à nossa esquerda, digitando no
computador, os dedos voando sobre o teclado em um ritmo furioso e
uma pequena carranca de concentraçã o marcando sua testa.
— Oh, essa é a garota emo de quem eu estava reclamando outro
dia. Aquela que V contratou.
Heath deu um passo em direçã o ao vidro enquanto enfiava as
mã os nos bolsos. Sua boca estava numa linha sombria e um mú sculo
latejava em sua mandíbula. Saí de trá s da minha mesa para ficar ao lado
dele.
— Há quanto tempo ela trabalha aqui? — Ele perguntou e eu
pisquei em confusã o. Heath parecia tã o sério. Qual era o problema dele?
Desde quando ele se importava com quem contratávamos?
— Esta é a terceira semana de Mia, eu acho. Eu...
— Mia? — Heath desviou o olhar dela por um momento e franziu
a testa para mim. — O nome dela é Mia?
— Er... sim, por que você...? — Eu parei quando os olhos castanhos
de Mia se levantaram para olhar para nó s. Ela só me poupou um
segundo de contato visual, o que foi mais do que ela tinha me dado na
ú ltima semana, mas quando ela olhou para Heath, seus olhos se
arregalaram e seus lá bios se separaram. Ela o reconheceu.
— Que porra está acontecendo, Hea...? — Minhas palavras foram
interrompidas quando Mia e Heath se moveram ao mesmo tempo. Ela
se afastou da estaçã o de trabalho e ficou de pé. Ele se virou e caminhou
até a porta do meu escritó rio. Mia olhou para mim novamente e vi
medo em sua expressã o. Foi como olhar novamente para um animal
encurralado. Quando Heath se aproximou dela, ela parecia tã o
horrorizada e vulnerável que eu decidi que já estava farto e saí do
escritó rio logo atrá s de Heath.
Mia estava se afastando de Heath agora – meio andando, meio
correndo. Suspeitei que a ú nica razã o pela qual ela nã o estava correndo
era para nã o chamar muita atençã o para si mesma. Isso eu
definitivamente notei nas ú ltimas duas semanas – Mia não gostava de
atençã o. A cada passo ela tentava desaparecer no fundo. Quando ela
nã o estava resolvendo os problemas de TI de outras pessoas em suas
mesas, como agora há pouco, ou sendo forçada a ir à recepçã o (o que
Verity havia interrompido depois de perceber que Mia era tã o
acolhedora quanto eu), ela se fixava em um monitor que ela escolhia
bem no fundo do escritó rio, mais longe das janelas e de mim. Desde o
incidente do “aberraçã o emo” na semana passada, ela conseguiu me
evitar de uma forma quase natural. Apesar disso, todas as manhã s havia
uma xícara de chá me esperando com alguns digestivos de chocolate ao
lado, que eu sabia que eram dela. Isso me fez sentir ainda mais idiota do
que antes.
Embora ela estivesse correndo, as pernas de Heath eram mais
longas. Ele a alcançou facilmente. Yaz escolheu aquele momento para
realizar uma posiçã o de ioga expansiva no corredor, bloqueando meu
caminho, entã o tive que contornar a mesa adjacente.
Heath tocou o cotovelo de Mia quando ela passou pela equipe de
criaçã o, mas puxou a mã o quando ela se afastou dele. Em vez disso, ele
contornou-a para bloquear seu caminho até a saída. Ambas as mã os
estavam erguidas à sua frente e ele as empurrava para baixo em um
gesto apaziguador. Ele perguntou algo a ela, que nã o consegui entender,
e ela balançou a cabeça.
— O que diabos está acontecendo? — Perguntei enquanto me
aproximava, chamando a atençã o de alguns arquitetos juniores ao
nosso redor. Heath me lançou um olhar irritado.
— Eu só preciso ter uma breve conversa com... Mia por um
segundo — ele disse, o aborrecimento em sua expressã o
desaparecendo quando ele olhou para ela, substituído pela
preocupaçã o. — Apenas por um momento. Você se importa se usarmos
seu escritó rio, Max?
— Vocês dois se conhecem? — Perguntei. Mia balançou a cabeça e
cruzou os braços sobre o peito em um gesto defensivo. Heath suspirou.
— Max, agora nã o é hora de ficar falando demais comigo, meu
velho. Preciso falar com sua funcioná ria em particular em seu escritó rio
por um momento. Nã o tem nada a ver com o trabalho dela aqui, entã o
isso nã o diz respeito a você. — Os lá bios de Mia tremeram e senti uma
estranha onda de proteçã o em relaçã o a ela.
Dei uma volta para encarar Heath, me posicionando entre ele e
Mia, e coloquei as mã os nos quadris.
— Nã o me parece que ela queira falar com você, cara — eu disse,
meu olhar passando entre eles em confusã o.
— Cinco minutos, Mia — disse ele, olhando ao meu redor para
poder fazer contato visual com ela. Sua voz era mais suave do que eu
acho que já tinha ouvido antes. — Prefiro que discutamos isso em
particular. — Olhei para Mia e a vi engolir em seco e fechar os olhos
brevemente. Seus ombros caíram e entã o ela deu um breve aceno de
cabeça.
— Você se importa, Max? — Heath perguntou, seu olhar
determinado travando no meu. Olhei entre Heath e Mia e franzi a testa.
— Cinco minutos — murmurei, começando a me afastar para que
Mia pudesse passar, mas entã o parei antes que ela me contornasse.
— Está … ? — Parei e limpei a garganta. — Você está bem com
isso? Porque eu posso...
— Está tudo bem — ela disse, me interrompendo com suas
palavras rá pidas e quase inaudíveis. Ela estava olhando para o
colarinho da minha camisa e tive a vontade irracional de colocar meus
dedos sob seu queixo e forçá -la a fazer contato visual. Na qual era a
ú ltima coisa bastarda que ela precisava. Esta mulher estava me
transformando em um maluco. — Sério — ela disse quando eu nã o me
movi para o lado. — Eu nã o me importo.
Heath estendeu o braço e Mia correu na frente dele até o
escritó rio. Quando os dois estavam lá dentro, Heath olhou para mim
parado no meio do espaço com as mã os nos quadris e fechou a porta
atrá s de si.
— Vocês nã o têm nada melhor para fazer? — Rosnei para meus
funcioná rios que ainda estavam me observando. Eles desviaram o olhar
e reiniciaram as conversas. Com um grunhido, fui até a cozinha para
colocar a chaleira no fogo, mantendo o tempo todo de olho em Heath e
Mia através do vidro.

— Quanta funçã o você tem de volta nesse braço agora? — O Dr.


Markham me perguntou e eu suspirei.
— Olha, Dr. Markham, estou surpresa que você se lembre de mim.
Você deve tratar milhares de...
— Por favor, me chame de Heath, Mia... ou Helen, ou qualquer que
seja o seu nome.
— Helen é meu nome do meio. — Eu mudei de posiçã o e olhei
pelo vidro. Meu olhar capturou o dele. Claro que sim. Max estava
olhando para nó s e carrancudo enquanto tomava um gole do que eu
sabia que seria um chá muito doce.
— Eu nunca esquecerei o estado em que você estava naquela
noite — o tom sério de Heath foi á spero pela emoçã o e me fez piscar,
felizmente quebrando o contato visual com Max antes de me concentrar
no homem à minha frente. — Todo o departamento ficou frenético
quando descobrimos que você tinha ido embora. Você precisava de uma
internaçã o, Mia. Seu ferimento na cabeça e perda de consciência por si
só já teriam justificado isso, mas combinado com as fraturas nas
costelas que a colocam em alto risco de pneumonia, e seu ombro, que
precisava ser examinado por um cirurgiã o ortopédico, foi uma péssima
ideia ir embora.
— Você colocou o ombro de volta no lugar — eu disse, meus
olhos se voltando para a porta do escritó rio para ter certeza de que
ninguém estava prestes a entrar. — Me senti bem. Eu...
— Mia, o raio-x foi relatado como uma fratura deslocada. Se você
tivesse ficado em casa, ou mesmo nos dado seus dados de contato reais,
você saberia disso e poderia...
— Fratura? — Eu sussurrei. De repente, a dor contínua no meu
ombro esquerdo começou a fazer sentido. Eu pensei que era só porque
todos os ligamentos, mú sculos e outras coisas sofreram uma surra
quando o colocaram de volta no lugar.
Heath fechou os olhos e soltou uma lufada de ar. — Sim, fratura.
Agora é tarde demais para você usar uma tipoia, mas você precisa de
fisioterapia adequada – caso contrá rio, você nã o recuperará todas as
funçõ es. Até que ponto você consegue levantar o braço para a frente e
para o lado?
Dei de ombros. A resposta nã o estava longe. Eu conseguia
alcançar coisas que chegavam à altura da cintura, mas qualquer coisa
mais alta e eu ficava destruída.
Heath se aproximou. — Existem pessoas com quem você pode
conversar. Eu tenho um nú mero... — Ele começou a vasculhar a carteira
e tirou um pequeno cartã o, entregando-o para mim. — Eu entendo que
você pode nã o querer ir à polícia. — Estremeci com a mençã o da polícia
e meus olhos voaram do cartã o para os de Heath.
— Sem polícia — eu disse, forçando minha voz a ser mais forte do
que eu sentia.
— Está bem, está bem. — Heath ergueu as mã os, com as palmas
voltadas para a frente novamente. — Mas essas pessoas nã o sã o
policiais. Eles sã o confidenciais e podem ajudá -la.
Coloquei o cartã o no bolso da calça jeans e balancei a cabeça. Se
eu concordasse com esse homem, talvez ele me deixasse em paz. Um
dos meus olhos estava inchado naquela noite, mas me lembrei do rosto
dele. Seus olhos foram tã o gentis, sua voz tã o gentil quando ele me
perguntou o que aconteceu. Depois da brutalidade daquele dia, achei a
gentileza do Dr. Markham esmagadora. Eu comecei a chorar e nã o sabia
como parar, embora o sal doesse no corte sob meu olho e os soluços
ofegantes fossem uma agonia para minhas costelas e ombro. Nunca
chorei, nã o normalmente, mas acho que naquele dia cheguei ao fim da
minha resistência. Ele passou um braço em volta de mim com tanta
ternura, tomando muito cuidado com meus ferimentos. Normalmente
nunca tolerava esse nível de contato físico de alguém que nã o conhecia,
mas naquele dia foi como se eu precisasse. Isso me fez chorar ainda
mais. Ninguém havia me tocado com qualquer tipo de ternura nos
meses anteriores, talvez até anos.
— Obrigada — eu sussurrei, forçando-me a estender a mã o e
tocar seu braço para mostrar o quanto eu quis dizer essas palavras. —
Você... você foi gentil. Fez diferença.
Heath fechou os olhos e soltou um longo suspiro.
— Você nã o vai ligar para eles, vai?
Desviei o olhar.
— Você faria pelo menos fisioterapia para o ombro? Talvez nã o
seja tarde demais para recuperar parte da funçã o.
Mordi meu lá bio. Meu ombro estava me restringindo. Eu nã o
poderia me dar ao luxo de nã o poder usar meu braço direito
corretamente. Isso nã o era ló gico e, quando possível, tentei sempre
usar a ló gica. Balancei a cabeça lentamente e Heath sorriu.
Antigamente, um sorriso como aquele de um homem tã o atraente teria
me afetado – agora eu simplesmente me sentia... entorpecida.
CAPÍTULO QUATRO
VOCÊ FOI PASSEAR?

— Eu só quero saber vagamente do que se tratava — eu disse


pelo que pareceu ser a centésima vez. — Ela é minha funcioná ria – se
alguém quiser saber, você deveria me contar.
— Ser sua funcioná ria nã o significa que você é o dono dela —
Heath me disse enquanto contornava o carro e acenava para alguns
caras que já estavam na praia. — Empregado nã o é servo contratado.
Esta foi a nossa sessã o semanal de rugby na praia organizada por
Heath, o bastardo sociável. Tínhamos até um kit e um nome para o time
agora – embora ambos fossem francamente ridículos: Sandbaggers era
mais do que um pouco estranho como título de time de rugby e,
francamente, esse kit era uma vergonha. Sem falar que nesta época do
ano fazia muito frio por falta de material. Corri para acompanhá -lo e
entã o “acidentalmente” estiquei o pé, fazendo-o tropeçar e cair para o
lado.
Ele abriu os braços com raiva. — O que você tem? Dez anos?
— Diga-me.
— Eu nã o estou te contando merda nenhuma. Deixe isso em paz.
— Como você a conhece?
Heath parou repentinamente e olhou para mim.
— O que? — Eu perguntei frustrado, meus braços saindo para o
lado e batendo de volta. — Por que você está olhando assim para mim?
— Como você acha que eu a conheço, seu idiota colossal — Heath
disse lentamente. — Se estou lhe dizendo que nã o posso quebrar a
confidencialidade dela, entã o como você acha que a conheci antes?
Pisquei antes que minhas sobrancelhas se erguessem. — Uma
paciente?
— Tudo o que vou dizer é parar de forçar isso, ok? E eu sei que é
terrivelmente difícil para você sem um transplante completo de
personalidade, mas você poderia tentar ser um pouco menos idiota
com ela no trabalho?
— Eu nã o estou sendo tão idiota. — Franzi a testa para meus tênis
e raspei a areia. — É apenas...
— Ela nã o precisa disso, Max. — Heath baixou a voz e esfregou a
nuca. — Acredite, ela nã o precisa ser intimidada por você além de…
Olha, eu sei que as coisas estã o difíceis agora. Eu sei que você tem seus
pró prios problemas. Mas apenas siga as tendências idiotas quando se
trata dela, certo?
— Eu nã o estou intimidando-a!
As sobrancelhas de Heath se ergueram e eu tentei enfiar as mã os
nos bolsos apenas para perceber que esses shorts idiotas nã o tinham
nenhum maldito bolso. — Eca! Esse novo kit é uma porcaria total.
Parecemos completamente idiotas. Mike teve que optar pelo rosa neon?
Heath soltou uma gargalhada. — Ele diz que é laranja.
— Laranja, minha bunda — eu murmurei sombriamente. — E eu
nã o sou um valentã o. Ela só ... ela se assusta facilmente.
Um olhar estranho passou pelo rosto de Heath antes que ele
limpasse sua expressã o.
— Você nã o pode me dizer uma coisa, Heath? Ela está trabalhando
para mim. Certamente eu deveria saber o que está acontecendo.
Heath balançou a cabeça lentamente. — Acredite em mim, meu
velho. Mesmo se eu pudesse te contar, você nã o iria querer saber. Eu
prometo a você isso.
— Vocês, senhoras, vã o parar de fofocar e jogar rugby ou o quê?
— Yaz gritou enquanto vinha saltando em nossa direçã o, sua massa de
cabelo loiro preso no alto da cabeça. Ela saltou duas vezes na ponta dos
pés antes de me dar um soco forte no braço. Seus punhos podem ser
pequenos, mas causaram um enorme impacto. Quando éramos
crianças, mamã e nunca acreditaria que minha irmã zinha conseguisse
machucar seu irmã o muito maior e mais velho. Meus braços teriam
ficado pretos e azuis se eu nã o tivesse sido capaz de mantê-la afastada
facilmente com uma mã o em sua cabeça – algo que eu ainda tinha que
usar de vez em quando, e algo que ela ainda achava extremamente
irritante.
— Caramba, Yaz — eu resmunguei, esfregando meu braço. — Eu
deveria ter jogado você pela janela quando tive a chance, vinte e quatro
anos atrá s. — Yaz era onze anos mais nova do que eu, tendo nascida
depois que mamã e se casou novamente e nos mudamos para o sul
(principalmente para fugir do meu pai). Entã o minha irmã nem tinha
sotaque de Yorkshire como eu. Ela era uma sulista muito gentil –
apaixonada por ioga e medicina da Nova Era, e apaixonada pelo
windsurf e pelo mar.
— Ei, esquisita — Heath disse, agarrando seu coque ridículo e
usando-o para mover a cabeça de um lado para o outro. — Ainda sendo
um pé no saco no local de trabalho dos nossos irmã os?
Ela deu um tapa nas mã os dele e deu-lhe outro soco, desta vez no
centro do estô mago, que o pegou desprevenido. Ele soltou um — oof —
e teve que dar um passo para trá s.
— Pensei que você fosse uma comedora de plantas nã o violenta
— ele ofegou.
— Bem, isso só mostra o quã o fortes nó s, veganos, podemos ser.
Você pode mijar, mas nem todo mundo tem que engolir um bife por dia,
se entupir e ficar na academia por horas para dar um soco decente.
O rosto de Heath inundou-se de cor. — Eu nã o brinco na academia.
Eu treino. E certamente nã o tomo esteroides. Nem todo mundo pode se
dar ao luxo de ser um surfista metade do tempo e depois ficar fazendo
poses estranhas de contorcionista-barra-pornografia suave em uma
tentativa mal disfarçada de se exibir para a outra metade.
Yaz deu um passo para trá s como se ela mesma tivesse levado um
soco e seu sorriso morreu. — Tanto faz — ela murmurou enquanto
girava nos calcanhares e corria para longe.
Suspirei. — Jesus, companheiro. Eu sei que ela pode ser chata,
mas o que foi isso?
Ele encolheu os ombros e evitou meus olhos. — Nã o há razã o para
ela ficar seminua em seu escritó rio e aumentar o banco de punhetas de
todos os idiotas bem no meio do dia.
— Ok, Pai. — Revirei os olhos. Ele chutou a areia.
— Aposto que todo o escritó rio seria mais produtivo sem as
besteiras dela. Isso é tudo que estou dizendo. — Ele correu em direçã o
à praia/campo e eu fiz uma careta atrá s dele. Quando a produtividade
do nosso escritó rio se tornou a preocupaçã o de Heath? Ele conseguia
distrair a maior parte da minha equipe regularmente com sua ofensiva
de charme. Bastardo hipó crita.
— Ei.
Eu me virei e fiquei cara a cara com um par de olhos castanhos
quase na altura dos meus. O menino estava crescendo como uma erva
daninha. Sorri e coloquei a mã o em seu ombro, mas ele se afastou.
— Você está bem? — perguntei a Teddy. — Nã o achei que você
conseguiria. Achei que você tinha alguma revisã o de química...
— Tudo bem, Max — ele bufou, seu rosto adotando aquela
expressã o taciturna, infelizmente agora familiar – uma que me lembrou
forçosamente de sua mã e. — Vou me foder entã o, certo? — O Max me
cortou como uma faca. Para onde foi meu garotinho amoroso e
ensolarado que adorava me chamar de pai? Quem era esse desgraçado
irritante que tomou seu lugar?
— Ei, linguagem, seu merdinha atrevido. — Estendi a mã o para
bagunçar seu cabelo, mas Teddy abaixou a cabeça, evitando minha mã o.
Levei aquela pequena rejeiçã o no queixo, mas ainda doeu. Sempre doía.
— Você nã o pode me dizer para parar de xingar xingando você
mesmo, seu hipó crita filho da...
— Coisa pequena! Você veio! — Como um pequeno míssil loiro,
Yaz se lançou sobre Teddy e o abraçou com força. A expressã o taciturna
iluminou-se ligeiramente quando ele revirou os olhos e, depois de
apenas uma breve hesitaçã o, passou os braços ao redor dela
brevemente antes de afastá -la.
— Tia Yaz! — Ele protestou.
Isso também doeu – por que Teddy ainda conseguia chamar
minha irmã de tia, mas eu estava reduzido a Max?
— Você sabe que é cerca de trinta centímetros mais baixa do que
eu agora, nã o é? — Ele disse. — Talvez você precise considerar mudar
os apelidos.
— Nã o tinha notado — ela disse, sorrindo para ele. Tentei enfiar
as mã os nos bolsos inexistentes novamente e cruzei os braços sobre o
peito. Yaz olhou da minha postura defensiva para o rosto de Teddy, que
havia voltado a ficar taciturno, e ela suspirou.
— Vamos vocês dois. — Ela exibiu um sorriso forçado quando se
colocou entre Teddy e eu, passou seus braços pelos meus e depois pelos
de Teddy e começou a nos puxar em direçã o à areia.
E, simplesmente assim, meu foco estava de volta no meu
dependente adolescente recém-transformado em um idiota e em uma
certa garota emo de cabelos escuros e reservada.
Bem, pelo menos foi o que eu disse a mim mesmo.

Eu estava com tanto frio.


Foi apenas uma sorte minha que a noite passada, uma noite em
que nã o cheguei cedo o suficiente para conseguir uma vaga no abrigo,
tenha sido a mais fria desde que fiquei sem-teto. Uma onda de frio
estranha em abril – apenas minha sorte.
Moradora de rua.
Nã o havia como negar isso para mim mesma agora – era isso que
eu era. Vinte e oito anos e sem-abrigo. Sim, eu receberia o pagamento
em pouco mais de uma semana (perguntei a Verity quando era o dia do
pagamento. Duas vezes). Mas isso nã o mudou nada agora. E a noite
passada foi de longe a pior. Eu dormia no beco em frente ao escritó rio,
junto com o resto do lixo. Depois de carregar os grandes recipientes
para me proteger da estrada, eu estava suando, mas meia hora depois
de estar encolhida em meu saco de dormir, os tremores começaram.
Agora eram sete da manhã e, graças a Deus, ouvi alguém abrir a
porta do escritó rio. Quando tive certeza de que a barra estava limpa,
forcei-me a sair do saco de dormir, que consegui enfiar no saco antes de
enfiá -lo na mochila. Depois disso, nã o consegui mais sentir minhas
mã os, entã o puxar uma das lixeiras para sair foi uma luta significativa.
Pensei no dia da minha fuga e desejei, pela milésima vez, que durante
minha frenética arrumaçã o de malas eu tivesse tido a precauçã o de
pegar algumas luvas ensanguentadas. Mas, novamente, eu só tinha um
braço funcionando e estava bêbada por ter sido nocauteada – entã o
talvez eu nã o tenha me saído tã o mal.
Cheguei à porta lateral, tropeçando apenas uma vez nos pés
dormentes, e empurrei. O calor me atingiu quando entrei na entrada.
Suspirei de alívio e quase tropecei na pressa de chegar a um dos
aquecedores. Eles eram do tipo elegante e vertical para que eu pudesse
ficar com todo o meu corpo contra um deles e as mã os atrá s das costas,
absorvendo o má ximo de calor possível. Mesmo assim, o tremor
continuou. Fechei os olhos e me visualizei afundando em uma banheira
profunda cheia de á gua fumegante, cada parte de mim cercada de calor.
Assim que tudo começou a ficar um pouco confuso e eu pensei que
poderia realmente adormecer ali em pé, o ar ao meu redor mudou. A
tensã o estalava no espaço e de repente eu sabia quem havia aberto o
escritó rio. Por que minha sorte sempre foi tã o ruim? Nã o consegui fazer
uma pausa? Apenas uma vez?
— O que você está fazendo aqui tã o cedo? — Sua voz profunda
soou de uma distâ ncia desconfortavelmente pró xima. Abri os olhos e
ele estava ali, a apenas meio metro de mim. Em circunstâ ncias normais
eu teria me afastado – ele estava muito perto e entre mim e a saída mais
pró xima. Há muito tempo aprendi a nunca deixar um homem me
enjaular ou bloquear minhas rotas de fuga disponíveis. Mas duvidava
que mesmo que o pró prio diabo se tivesse materializado à minha frente
eu conseguiria afastar-me daquele aquecedor. Eu senti como se
estivesse soldada ao seu calor para o resto da vida.
— Eu-eu-eu-precisava de um... — eu parei e tentei controlar
meus tremores. A adrenalina de estar tã o perto de um homem grande
emitindo vibraçõ es de raiva provavelmente nã o estava ajudando. —
Coo... meçar aaa traaabalhar…
— Jesus Cristo, você está congelando! — Ele retrucou, parecendo
ainda mais irritado do que antes.
— Euuu...
Ele deu um passo à frente e agora estava a centímetros de mim. Eu
estava olhando diretamente para seu peito largo e, para meu alarme,
suas mã os se estenderam para pegar as minhas. Minha boca tagarela se
fechou e meus olhos se arregalaram enquanto eu congelei de medo.
Tentei manter minhas mã os rigidamente atrá s de mim, mas ele as
puxou com firmeza suave e depois aninhou as duas em suas mã os
grandes e quentes.
— Porra — ele murmurou, olhando para meus dedos, que tinham
um tom de azul tã o alarmante que nã o pareciam compatíveis com a
vida. Dei um puxã o em minhas mã os para puxá -las para trá s, mas ele
apenas as segurou com mais firmeza, envolvendo ambas no calor dele,
que, eu tinha que admitir, era cerca de dez vezes melhor que o do
radiador. — Você está morrendo de frio — disse ele, parecendo ainda
mais irritado enquanto fazia uma careta para mim. — Como você
conseguiu ficar com tanto frio no caminho para cá ? Nã o pode ser mais
do que dez minutos de caminhada.
Ah – o endereço falso. Tive que admitir que fiquei surpresa por ele
se lembrar do meu endereço. Respirei fundo e tentei diminuir meu
ritmo cardíaco, apesar da adrenalina bombeando em meu sistema.
Minha cabeça parecia estar cheia de algodã o, mas eu precisava pensar e
falar rá pido para sair dessa. Eu tinha certeza de que o Sr. Nó s-Nã o-
Precisamos-de-Nenhum-Suporte-Técnico nã o iria querer uma
vagabunda de verdade como funcioná ria. Se ele soubesse que dormi
perto das lixeiras ontem à noite, perderia meu emprego no final do dia.
Eu ainda estava em meu período experimental de seis semanas. Que
tipo de empregador iria querer manter uma mulher sem-teto com um
passado duvidoso no seu ambiente elegante e sofisticado de arquitetura
ecoló gica? Mas o pior seria se eu lhe contasse toda a histó ria e ele
decidisse que eu precisava ir à polícia. Não podia falar com a polícia.
— Euuu fuii... fui dar um passeio.
Ele piscou e depois estreitou os olhos muito inteligentes. — Você
foi dar um passeio?
Engoli.
— Sim, sim.
— Você saiu para passear sem luvas e com o casaco ú mido…
Droga, eu tinha esquecido do meu casaco – estava encharcado. Eu
teria que secar de alguma forma hoje. Pode ser de designer e caxemira,
mas isso nã o me servia de nada quando o que eu precisava era à prova
d'á gua e quente.
— Carregando uma mochila pesada até que seus lá bios ficassem
tã o azuis que ficaram quase roxos e suas mã os parecem que vã o
desenvolver queimaduras de frio?
Mordi o lá bio e balancei a cabeça. Neste ponto as palavras
estavam além de mim. E aquela sensaçã o nebulosa estava voltando.
Depois de uma noite gelada, tremendo no chã o ú mido e sem dormir
nada, descobri que nem mesmo meu medo desse homem seria
suficiente para me manter totalmente acordada. A mandíbula de Max
apertou enquanto ele examinava meu rosto, mas entã o, sem dizer mais
nada, ele me puxou para longe do aquecedor. Dei um pequeno grito de
objeçã o à perda de calor nas minhas costas e, por um momento, entrei
em pâ nico pensando que ele iria me jogar de volta no frio. Sim, eu
estava com medo de ficar presa com ele, mas naquele momento eu teria
feito qualquer coisa para nã o sentir frio novamente.
— Pp-por favor — eu choraminguei, me odiando, odiando a
fraqueza em minha voz. — Por favor, eu nã o posso voltar lá fora. A-
ainda nã o. Só ficarei mais alguns minutos no aquecedor. Você nem vai
saber que estou lá .
CAPÍTULO CINCO
POSSO SER FRACA, MAS NÃO SOU ESTÚPIDA

Olhei de volta para o rosto em pâ nico de Mia e minha garganta


apertou tanto que tive que limpá -la antes de poder falar.
— Eu nã o vou te expulsar — eu disse, chocado por ela pensar tal
coisa. Francamente, ela estava me assustando pra caralho. Sua pele
estava tã o azul e suas mã os tã o frias que era assustador. Eu estava
prestes a ligar para Heath, mas decidi que a prioridade deveria ser
reaquecê-la.
Ela enrijeceu quando eu a puxei para o meu escritó rio. Ignorei sua
expressã o confusa enquanto desabotoava seu casaco encharcado e o
jogava sobre minha mesa. Antes que ela pudesse protestar, coloquei as
duas mã os em seus ombros para sentá -la no meu pequeno sofá de
couro. Quando ela estava sentada, tirei meu casaco bufante e coloquei-o
em volta dela. Isso a envolveu completamente. Ela parecia minú scula
enquanto piscava para mim. Virei-me e saí do escritó rio para pegar o
aquecedor que eles mantinham no armá rio para os dias muito frios,
quando o aquecimento central simplesmente nã o conseguia cortá -lo.
Depois de arrastá -lo de volta para o escritó rio e colocá -lo no má ximo, a
sala parecia uma sauna em apenas alguns minutos.
— Obrigada — Mia sussurrou e eu me sentei ao lado dela,
puxando suas mã os de dentro das dobras do meu casaco e envolvendo-
as nas minhas novamente. Elas ainda estavam com frio, mas nã o com os
blocos de gelo de antes. Fiquei surpreso por ela nã o ter resistido, mas
quando olhei das mã os para o rosto, percebi que ela nã o estava
totalmente ali. Suas pá lpebras estavam caídas e sua cabeça balançava
para frente, suas mã os gradualmente ficaram moles nas minhas – ela
estava dormindo sentada. Peguei uma das almofadas e coloquei-a na
ponta do sofá , depois movi-a suavemente para que ela ficasse deitada
com a cabeça apoiada nela. Seus pés automaticamente se levantaram
sobre o couro e ela se enrolou em uma bola apertada dentro do meu
casaco, metade de seu rosto desaparecendo nele também. Levantei-me
e olhei para ela com as mã os nos quadris, depois esfreguei a nuca por
um momento. Foda-se – eu estava ligando para Heath.

— O que é tã o urgente que eu tinha que vir até seu escritó rio
chique na manhã seguinte ao meu turno da noite? — Resmungou
Heath. — Você tem alguma ideia de como o pronto-socorro está
ocupado no momento, grandalhã o?
Revirei os olhos. Heath sempre foi uma vadia chorona. — É
importante, ok? Coisas médicas.
— As coisas médicas nã o restringem isso. Eu... — Heath ficou em
silêncio enquanto entramos em meu escritó rio. — Max? — Ele disse,
desenhando o nome. — Tem uma mulher pequena dormindo no seu
sofá .
— Sim, eu sei disso, seu idiota — respondi e abaixei a voz quando
Mia mexeu sob meu casaco. — É Mia. Quero que você verifique se ela
está bem.
— Hmm... Por que? Aconteceu alguma coisa com ela? — A nota de
preocupaçã o na voz de Heath fez meus ouvidos aguçarem. — Ela está
machucada?
— Nã o... bem, acho que nã o. Ela... ela está com muito frio.
— Muito frio?
Revirei os olhos e murmurei — Idiota sulista — baixinho. — Ela
está com frio, ok. Congelando. Muito frio.
Heath piscou. — Ela está com frio? Você me arrastou até aqui logo
apó s meu turno de doze horas para me mostrar uma mulher fria? Max,
todo mundo está com frio hoje. Está um frio de rachar lá fora.
Soltei um suspiro irritado. — Ela nã o está apenas com frio, seu
idiota – ela parecia quase morta e parecia gelo. E assim que a aqueci no
escritó rio, ela adormeceu sentada ereta. Essa merda é estranha. Algo
está errado com ela.
Heath suspirou, mas sua expressã o se suavizou quando ele olhou
para o pequeno pacote de Mia no sofá .
— Ok, ok — ele murmurou, indo até Mia e agachando-se na frente
de sua cabeça. — Ei, querida. — Ele manteve a voz suave enquanto
tirava um pouco do cabelo preto dos olhos dela e o colocava atrá s da
orelha. Seu rosto, quando relaxado durante o sono e nã o tenso, ansioso
ou carrancudo, era na verdade... lindo. Ela tinha uma pele clara e pá lida,
sem nenhum vestígio de maquiagem à vista. Suas sobrancelhas
arqueavam-se perfeitamente sobre os olhos, seus lá bios – quando nã o
estavam em uma linha apertada – eram carnudos e formavam um arco
perfeito. Ela parecia uma bela adormecida. O ú nico aspecto chocante de
sua aparência era o corte em suas maçã s do rosto, dando-lhe uma
aparência magra, desnutrida e doentia.
Cruzei os braços sobre o peito. Heath tocando Mia estava me
deixando estranhamente irritado. Aquela onda de proteçã o passou por
mim novamente e balancei a cabeça para clareá -la. O que estava errado
comigo?
— Mia? — Heath chamou novamente, sua voz mais forte agora.
Lentamente, muito lentamente, os olhos de Mia se abriram. Com visível
esforço ela se concentrou no rosto de Heath à sua frente. Depois de
alguns segundos, sua expressã o sonolenta desapareceu e foi substituída
por choque. Ela voou até ficar sentada, o enorme casaco escorregando
de seus ombros. Antes que Heath ou eu pudéssemos dizer qualquer
coisa, ela ficou de pé. Seus olhos se voltaram para a saída e depois para
nó s e ela congelou.
— Mia, eu...
Mia se concentrou em mim por um momento, mas entã o seus
olhos rolaram para trá s e ela cambaleou. Eu avancei e a peguei antes
que ela pudesse cair no chã o, manobrando-a de volta para o sofá ,
deitando-a e envolvendo-a em meu casaco novamente.
— Vê o que quero dizer? — Eu disse para Heath, o tom brusco
fazendo Mia se encolher no sofá . — Merda — eu murmurei enquanto
meus olhos se fixaram nos dela aterrorizados. — Mia, está tudo bem.
Heath está aqui para ajudar. — Minha tentativa de usar um tom nã o
ameaçador saiu mais rouco do que gentil. Eu nunca fui muito bom em
ser suave e gentil, por mais que tentasse – meu corpo era muito grande,
muito imponente e minha voz estava muito baixa.
— Mia, o que aconteceu? — Heath perguntou, seu tom
conseguindo ser tã o gentil que pude ver Mia relaxar um pouco,
provocando aquele aborrecimento inexplicável novamente. Por que
Heath sempre parecia ser capaz de dizer a coisa certa da maneira certa?
Ele me fez sentir como um ogro desajeitado em comparaçã o.
— Nada... er... nada aconteceu — disse ela, com a voz rouca de
sono. Ela limpou a garganta antes de continuar. — Eu... Deus. Eu sinto
muito. Devo ter adormecido.
Ela tentou se sentar novamente e a imagem de seus olhos
revirando em sua cabeça passou pelo meu cérebro. Sem pensar, dei um
passo à frente, coloquei as duas mã os em seus ombros e empurrei-a
firmemente de volta para o sofá . Eu nã o pensei que o rosto dela
pudesse ficar mais pá lido. Eu estava errado. E agora ela estava
tremendo de novo, desta vez nã o de frio, mas de medo real. Consegui
assustar tanto uma mulher que ela tremia. Eu tinha que ser um idiota
tã o pesado?
Heath me lançou um merecido olhar irritado e me empurrou para
longe do sofá . Recuei um passo e fiz uma careta para meus sapatos. Eu
tive que usar essas malditas e desconfortáveis roupas de couro italiano
hoje, pois tínhamos aquela grande apresentaçã o para fazer na reforma
e ampliaçã o do museu. Verity os comprou para mim depois que eu
compareci à ú ltima dessas reuniõ es com meus mocassins surrados de
vinte anos. Puxei minha gola, que parecia muito apertada em volta do
meu pescoço grosso. Ternos eram obra do diabo e eu nunca usava
gravata, se pudesse evitar. Eu estava com inveja infinita do pijama verde
e dos tênis que Heath usava atualmente, que aparentemente pareciam
ser um equipamento perfeito para consultor em medicina de
emergência. A ironia era que o bastardo adorava ternos e sapatos
pretensiosos.
— Desculpe por isso, Mia — Heath disse, seu tom gentil
desviando os olhos dela de mim. — Max nã o queria chatear você, mas
você provavelmente deveria ficar aí deitada um pouco. Você parecia que
ia desmaiar. Quando foi a ú ltima vez que você comeu alguma coisa?
Os olhos de Mia se voltaram para mim novamente e ela varreu
minha roupa da cabeça aos pés.
— Ah, nã o — ela sussurrou. — Sua apresentaçã o. É por isso que
você chegou tã o cedo. Você está se preparando para isso. E estou
estragando tudo! — Ela começou a se mexer como se fosse se sentar
novamente e eu dei um passo à frente.
— Está tudo bem — eu respondi, novamente sem conseguir
suavizar meu tom, mas isso teve o efeito de fazer Mia se encolher no
sofá , longe de mim. Pelo menos ela nã o iria se levantar novamente.
Suspirei. — Nã o se preocupe com isso. Apenas pare de ser difícil e deixe
Heath examinar você, certo?
Ela assentiu e Heath tirou alguns equipamentos de sua bolsa,
depois passou a mã o em volta do pulso dela para sentir seu pulso,
mediu sua temperatura em seu ouvido, colocou algo em seu dedo que
mostrou alguns nú meros e mediu sua pressã o arterial.
— Ok, parece que você já se aqueceu — disse ele, sorrindo para
ela. — Mas a questã o é: como você ficou tã o resfriada? — Mia repetiu a
histó ria do passeio que ela me contou e a cabeça de Heath inclinou para
o lado.
— Certo — disse ele, pronunciando a palavra de uma forma que
afirmava que ela nã o estava enganando ninguém. — Você tomou café da
manhã hoje?

Olhei nos olhos gentis e preocupados de Heath e me senti


cansada. Entã o, tã o cansada de todas as mentiras. Pensei no meu pote
de manteiga de amendoim e no pã o na minha mochila e no fato de nã o
ter comido nada além disso nos ú ltimos três dias.
— Eu... pulei o café da manhã — eu disse a ele. — Olha, isso tudo é
uma grande confusã o por nada. Sinto muito por desperdiçar seu tempo.
Vou voltar ao trabalho, ok?
Pude ver que as pessoas começaram a entrar no prédio agora,
todas parando para olhar para o escritó rio até serem dispensadas por
uma carranca feroz de Max. Tendo recebido muitas das carrancas de
Max, pude entender por que seus funcioná rios se dispersaram tã o
rapidamente. Uma olhada no reló gio mostrou que já passava das nove.
Caramba, há quanto tempo eu estava dormindo neste sofá ?
Heath estava olhando para mim, algo trabalhando atrá s de seus
olhos que eu nã o conseguia identificar. Max cruzou os braços sobre o
peito e virou a cara feia para mim agora. Maravilhoso. A ú ltima vez que
tomei banho foi há dois dias, quando consegui entrar furtivamente na
academia do centro de lazer na mesma rua. Desde que tingi meu cabelo
nessa cor horrível, ele parecia opaco e sombrio mesmo nos melhores
momentos, mas sem lavar era ainda pior.
Minha mente voltou a uma época em que minha maquiagem era
perfeita, sempre. Meu cabelo costumava cair nas ondas estilizadas e
brilhantes que Nate preferia. Os rabos de cavalo o irritaram, e a ú nica
vez que cortei mais de um centímetro dele ele ficou louco. Depois disso,
aprendi a mantê-lo longo e baixo o tempo todo. Costumava levar uma
hora e meia todos os dias para ficar pronto. Cortar tudo foi uma das
experiências mais libertadoras da minha vida. O cabelo deveria ser o
orgulho e a alegria de uma mulher, sua maior gló ria. Mas para mim, era
apenas mais uma fraqueza a ser explorada. Meu couro cabeludo ainda
formigava com a dor lembrada.
Eu nunca mais teria cabelo comprido.
Mas, enquanto esses dois homens olhavam para mim, descobri
que ainda havia uma pequena centelha de orgulho feminino que
lamentava o fato de eu parecer o mais longe possível de ser uma mulher
atraente. O que era ridículo. A ú ltima coisa que eu precisava era de
atençã o masculina. Na verdade, jurei a mim mesma que, aconteça o que
acontecer, nunca me permitiria envolver-me com outro homem. Eu
aprendi da maneira mais difícil que nã o se pode confiar neles. Eles
usavam seu tamanho e sua força para intimidar e controlar.
Simplesmente nã o valia a pena. Talvez se um cara extremamente baixo,
magro, infinitamente gentil e totalmente inofensivo cruzasse meu
caminho eu consideraria isso em alguns anos. Talvez.
— Acho que você deveria tirar o resto do dia de folga — disse
Heath. — Coloque um pouco de comida adequada em você e descanse.
Meus olhos se arregalaram quando olhei para o céu cinzento além
do escritó rio e as gotas de chuva escorrendo pelas janelas. Comecei a
balançar a cabeça com tanta força que meu cabelo curto caiu nos olhos
e tive que empurrá -lo para trá s das orelhas. Era hora de atacá -lo
novamente com a tesoura de cozinha que tinha na mochila.
— Por favor, por favor, nã o — implorei. Eu odiava implorar, odiava
parecer tã o fraca. Mas eu nã o poderia sair para o frio novamente. Ainda
nã o. — Estou bem agora, de verdade. Tenho uma tonelada de coisas
para fazer hoje. Acabamos de fazer uma atualizaçã o no sistema BIM e
eles vã o precisar de mim. — Virei-me para Max em meu desespero e
sua carranca se transformou em uma expressã o confusa. — Você vai
precisar de mim aqui. Olha, vou tomar uma xícara de chá doce e alguns
digestivos e estarei bem. Foi estú pido caminhar esta manhã , mas
simplesmente nã o pensei. Eu nã o farei isso de novo.
Os olhos de Heath se estreitaram e Max ainda parecia confuso. Eu
assegurei a Heath repetidamente outro dia que nã o estava mais na
minha... situação. Eu prometi a ele. Agora eu podia ver que parecia que
eu nã o queria ir para casa. Que eu estava com medo de ir para casa. O
que Heath nã o sabia era que nã o havia mais uma casa para eu ir. Mas
em duas semanas isso mudaria. E esta noite eu chegaria ao abrigo a
tempo de conseguir uma vaga.
— Está tudo bem aqui? — Verity abriu a porta e nossos olhos se
voltaram para ela. — O que está acontecendo? Querido irmã o, você
sabe que eu te amo, mas por que você está aqui tã o cedo? Max, temos
que sair em dez minutos. Você está pronto?
Eu conhecia uma oportunidade quando a via e iria aproveitá -la.
— Desculpe, Verity, é minha culpa que eu... me senti mal e Max
reagiu de forma exagerada.
Max girou e me imobilizou com um olhar furioso. Hmm, talvez
essa nã o tenha sido a melhor escolha de palavras.
— Eu não exagerei — ele disse, movendo-se para bloquear minha
rota de fuga do escritó rio, mas fui rá pida demais para ele. — Eu...
— De qualquer forma — eu disse, forçando um tom alegre e até
conseguindo sorrir para Verity. — Boa sorte hoje. Embora eu saiba que
você nã o vai precisar disso.
— Bem, nã o com as melhorias na modelagem 3D que vocês
conseguiram para a apresentaçã o, nã o o faremos — disse Verity. — Mia,
eu nunca vi nada parecido. Contanto que eu consiga impedir que este
libere sua marca ú nica de tosspot do norte, tenho certeza de que o
temos no bolso.
Percebi que, embora Max supervisionasse grande parte do lado do
design do negó cio, Verity era quem lidava com os clientes.
Aparentemente, houve – incidentes – que lhes custaram alguns peixes
bem grandes nos primeiros dias. Parecia que, se Max achava que uma
ideia era estú pida, ele tendia a avisar o cliente... na cara dele, com
palavrõ es de vez em quando. Entã o agora Verity disse que tentava
minimizar o tempo que ele passava cara a cara com as pessoas com
quem queriam fazer negó cios. Porém, quando era uma grande
apresentaçã o e eles estavam concorrendo a um trabalho como este, os
dois tinham que ir. O terno de Max combinava perfeitamente com ele.
Com ombros tã o largos, deve ter sido adaptado à s suas dimensõ es
exatas. Objetivamente, ele parecia deslumbrante. No entanto, a maneira
como ele se mexeu nos sapatos e puxou o colarinho deu a impressã o de
um grande e lindo urso pardo forçado a vestir um terno chique e nã o
ficar nem um pouco feliz com isso.
— Vou deixar você fazer isso entã o — eu disse, deslizando ainda
mais em direçã o à porta.
— Mia... — Max chamou, mas eu nã o olhei para trá s. Eu podia
ouvir Verity dizendo a ele para se preparar. Heath me seguiu – de volta
ao meu terminal nos fundos do escritó rio. Eu tinha um sexto sentido
para quando estava sendo seguida agora – parte do meu instinto de
sobrevivência bem apurado.
— Obrigada — murmurei para a tela enquanto ligava meu
computador, sentindo-o pairando sobre mim, mas conseguindo nã o se
encolher na cadeira.
— Mia — Heath disse suavemente. — Se você precisar de
qualquer coisa. Se precisar de ajuda de qualquer tipo. Como eu disse
outro dia, posso colocar você em contato com alguns...
— Estou bem, bem, ótima.
Heath suspirou e baixou a voz.
— Eu poderia falar com Max e Verity. Eles iriam ajudá -la, você
sabe. Se você precisasse de algum...
— Estou bem — repeti, de alguma forma conseguindo adicionar
um pouco de aço ao meu tom. — Não discuta o que você sabe sobre
mim com meus empregadores. Até eu sei que isso quebraria a
confidencialidade do paciente. Posso ser fraca, mas nã o sou estú pida.
— Eu nunca disse que você era fraca, Mia — Heath disse em voz
baixa. Ele descansou a mã o no meu ombro por um segundo, mas a
removeu quando eu recuei.
— Você ainda nã o está movendo o braço corretamente.
Minha boca se apertou, mas ignorei Heath e continuei logando no
sistema. O nú mero do departamento de fisioterapia que ele me deu
ainda estava no meu bolso de trá s. Mas eu percebi que para marcar uma
consulta eles provavelmente precisariam de um endereço e outros
detalhes – coisas que eu nã o tinha. Entã o eu nã o tinha ligado para eles.
— Quanto mais tempo você deixar, maior será a probabilidade de
perder a funçã o. Ouça, eu conheço um dos fisioterapeutas de membros
superiores. Ela pode ver você... até esta semana.
— Nã o posso...
— Vou reservar e avisar a hora.
Meus dedos pararam sobre o teclado e eu pisquei. — Sério?
— Sim. Olha, me dê seu nú mero e eu te direi quando e onde.
Fechei os olhos e senti meu peito apertar. Depois de dar a Heath
meu novo nú mero de celular, me forcei a fazer contato visual com ele.
— Obrigada — repeti, só que desta vez nã o foi um sussurro. Desta
vez, certifiquei-me de que ele soubesse o quanto essa gentileza
significava para mim. Ele assentiu, mas quando estava saindo ele se
virou para mim.
— Por que você estava com tanto frio esta manhã , Mia? O que
aconteceu? — Ele perguntou em voz baixa para que nenhuma das
outras mesas pudesse ouvir. Olhei novamente para a tela e permaneci
em silêncio. Depois de um longo minuto, senti-o se afastar, mas nã o
olhei para cima.
CAPÍTULO SEIS
ALGUNS HOMENS SABEM COMO SE DESCULPAR

Olhei para a tela em branco e tentei controlar meu temperamento.


Eu realmente tentei. Mas o sistema bastardo perdeu minha
apresentaçã o. Eu abri meu computador e o arquivo simplesmente nã o
estava na minha á rea de trabalho. Horas da minha vida foram gastas
naquela coisa e agora eu passei mais meia hora tentando encontrá -la.
Talvez se eu já nã o estivesse de mau humor, eu teria conseguido
manter a calma. Mas ontem à noite Teddy voltou tarde para casa depois
de ignorar minhas mensagens de texto e telefonemas. A ú nica
explicaçã o a que eu parecia ter direito, quando ele finalmente chegou
em casa, foi um breve grunhido e um revirar de olhos. Era como se eu
estivesse administrando um hotel abaixo do padrã o, com o qual Ted nã o
ficou nada impressionado, mas se dignou a ficar lá à noite. Eu nã o podia
nem reclamar que as notas de Ted estavam caindo: o maldito garoto
tinha um QI altíssimo e passou por todos os exames, concluindo o curso
na frente da televisã o que levaria horas de concentraçã o de outros
alunos. As ú nicas coisas com as quais ele teve dificuldade foram as
tarefas de ciência da computaçã o e, infelizmente, nã o ajudei muito
nisso.
Eu sabia que nã o era perfeito, mas nã o achava que merecia o
desdém que Ted lançava em mim diariamente agora.
E entã o havia Mia. Eu mal a tinha visto desde o quase colapso de
hipotermia. Eu nã o conseguia dormir lembrando de como suas mã os
estavam frias. Tudo que eu queria saber era se ela estava bem, mas ela
se esquivava a cada passo e mal me respondia com mais de uma
palavra. Isso estava começando a me irritar.
— Onde ela está ? — Rosnei enquanto abria a porta de Verity e
entrava em seu escritó rio.
— Bem, bom dia para você também, Max — V disse, enviando um
sorriso de desculpas para o arquiteto junior sentado à sua frente,
parecendo um coelho assustado. Coloquei as mã os nos quadris e fiz
uma careta para V.
— Eu disse que nã o precisávamos daquela maldita atualizaçã o do
sistema — eu disse, minha voz aumentando com a minha raiva. —
Agora nã o tenho nada por todo o trabalho que fiz nos ú ltimos dois dias.
Desapareceu no éter.
— Eu só vou... — o junior estava parado ao lado de sua cadeira
agora e começou a sair da sala. — Até mais, Verity, Sr. Hardcastle.
Mandei um olhar feio para o cara, o que o fez se mover mais
rá pido em direçã o à porta.
— Max, por favor, pare de agir como um idiota total com a equipe
de suporte. Você percebe de onde tiramos essas pessoas, nã o é? Elas
nã o sã o idiotas completas que eu arrastei das ruas. A maioria delas se
formou em algumas das escolas de arquitetura mais prestigiadas do
país. Muitas delas foram premiadas. Há um mar de talentos por aí e
tudo o que você pode fazer é franzir a testa para elas. Você as aterroriza
quando deveria inspirá -las. Jovens arquitetos nã o vêm aqui para
trabalhar comigo, você sabe – é o seu trabalho que eles viram, você que
eles admiram e querem imitar.
— Isso é besteira — eu resmunguei. — E eu sou legal, droga.
Verity ergueu as sobrancelhas com aquela mentira descarada e
revirei os olhos.
— Isso nã o vem ao caso. Quero saber onde está aquela maldita
gênia técnica que você forçou a entrar na minha empresa para que ela
possa me explicar onde diabos minha apresentaçã o foi parar. Ela me
evita como uma praga.
— Ela nã o evita você. Acho que ela está apenas desconfiada, já
que você reagiu de forma exagerada outro dia ao...
— Eu nã o exagerei! — Eu trovejei para Verity, que apenas cruzou
os braços sobre o peito e ergueu uma sobrancelha em resposta.
— Fale baixo, seu gorila crescido. — Seu tom calmo aumentou
ainda mais minha raiva. — Em primeiro lugar, é a nossa empresa, nã o a
sua empresa. Eu sei que você é a maravilha criativa, mas você nã o teria
nenhum cliente para quem construir suas estruturas incríveis se nã o
fosse por mim e você sabe disso.
Eu esvaziei e olhei para os meus sapatos.
— Desculpe, V — eu murmurei.
Ela suspirou. — Agora, qual é o problema?
— O problema é que uma atualizaçã o desnecessá ria foi feita no
sistema por uma funcioná ria desnecessá ria e redundante que você
contratou e que nã o consigo encontrar porque ela está se escondendo
de mim… em um escritó rio feito inteiramente de vidro! Quero dizer,
como isso é possível?
Alguém pigarreou na porta do escritó rio de Verity e me virei para
ver Mia parada na soleira. Por um momento me senti um pouco
enjoado. Eu nã o queria que ela realmente me ouvisse chamando-a de
redundante e desnecessária, mas deixei isso de lado enquanto minha
irritaçã o borbulhava à superfície.
— Finalmente — eu disse, jogando minhas mã os para o alto. Ela
deu um passo rá pido para trá s, o que só serviu para me irritar ainda
mais. — Pare de se afastar de mim toda vez que eu olho para você. — A
familiar expressã o de medo e olhos arregalados em seu rosto se
transformou em uma que parecia muito com raiva. Suas bochechas
inundaram-se com mais cor do que eu já tinha visto antes, e seus
punhos se fecharam ao lado do corpo.
— Hm... talvez... — ela parou por um momento e balançou a
cabeça como se estivesse irritada com sua gagueira. — Talvez — ela
continuou em um tom mais forte, que eu nunca tinha ouvido falar dela
antes — se você me tratasse com algum respeito. Talvez se você nã o
gritasse e jogasse seu peso como uma... uma criança enorme. Talvez
assim eu nã o precisasse tentar evitá -lo e talvez pudesse ter explicado
como é fá cil encontrar arquivos no novo sistema que configurei. O que,
aliá s, já aumentou a produtividade e a velocidade do wifi em trinta por
cento. — No final de seu pequeno discurso, ela respirava tã o rá pido que
suas narinas estavam dilatadas e suas mã os estavam cerradas em
punhos tã o cerrados que os nó s dos dedos estavam brancos. — Siga-me
— ela retrucou e saiu do escritó rio de Verity e foi até o meu.
O que aconteceu comigo? Enquanto marchava pelo escritó rio,
pude sentir o sangue pulsando na minha cabeça e a adrenalina subindo
pelo meu corpo. Eu realmente gritei com Max? Eu realmente o chamei
de criança enorme? Eu estava tremendo quando me sentei em frente ao
computador e dei vida à tela.
— Tudo está nesta pasta. Essa com o ró tulo “Coisas do Max” — eu
disse, cortando Max e Verity, que me seguiram até aqui, um olhar
enquanto eles estavam na porta.
— Você é um idiota horrível, Max — Verity retrucou enquanto lhe
dava um tapa no braço. — Peça desculpa.
Max enfiou as mã os nos bolsos e arrastou os pés no chã o. Apesar
do tamanho, ele parecia novamente um estudante repreendido.
— Desculpe — ele disse aos sapatos. Verity assentiu e saiu do
escritó rio, dando uma cotovelada no estô mago de Max no caminho.
Suspirei, sentindo toda a adrenalina sumir de mim e junto com ela meu
espírito de luta. Esse pedido de desculpas murmurado foi o melhor que
eu poderia esperar. Na minha experiência, os homens raramente se
desculpavam, entã o eu deveria estar grata pelo que recebi.
— Posso configurar como você quiser — eu disse a ele. Embora
ele ainda estivesse bloqueando a saída, descobri que nã o sentia o
pâ nico habitual. Max podia ser mal-humorado e abrasivo, mas estava
longe de ser violento. Talvez lhe faltasse charme, mas eu sabia muito
bem que charme nã o significava nada. Nate era um dos homens mais
charmosos que você poderia conhecer, mas sua capacidade para a
violência e a crueldade era extraordiná ria.
Max limpou a garganta e arranhou o chã o novamente com o pé
antes de olhar para mim, seus olhos verdes brilhando com algo que
parecia muito com arrependimento.
— Mia, eu realmente sinto muito — ele disse, e minha boca quase
caiu aberta em estado de choque. — Eu tenho sido um verdadeiro
idiota. Eu tenho um temperamento forte e sou um filho da puta
impaciente, mas nã o deveria ter chegado ao fundo do poço daquele
jeito.
Pisquei e entã o forcei minha boca a fechar. Ok, entã o, alguns
homens sabiam como se desculpar.
— Eu, er... tudo bem — eu resmunguei, minha garganta fechando.
Ele assentiu e foi para o lado para que eu pudesse sair de seu escritó rio.
No entanto, quando passei, ele estendeu a mã o e tocou meu braço para
me impedir, mas desta vez foi ele quem recuou como se o contato o
tivesse queimado. Ele limpou a garganta quando parei na porta. — Mia,
sobre aquele dia. Você tem me evitado, entã o nã o tive a chance de
perguntar, mas há ...? Quero dizer, você está bem?
A preocupaçã o em sua voz me atingiu no estô mago, quase me
deixando sem fô lego. Fiquei realmente tentada a dizer a ele que nã o, eu
nã o estava bem – estava apavorada, infeliz e muito, muito sozinha. Mas
por que eu confiaria em um homem que me chamava de aberraçã o emo,
redundante e desnecessá ria, e fazia cara feia para mim como se eu fosse
um aborrecimento indesejado toda vez que ele chamava minha atençã o
desde que comecei a trabalhar aqui?
— Estou bem — murmurei, e o ouvi suspirar.
— Se você estiver com problemas ou qualquer coisa que eu
possa... bem, precisaríamos saber sobre isso, certo?
Senti naquele momento que ele havia me golpeado fisicamente.
Ele me fez acreditar que sentia alguma preocupaçã o. Mas nã o foi uma
preocupaçã o minha que o fez pedir desculpas e perguntar se eu estava
bem. A preocupaçã o era que um de seus funcioná rios pudesse
envergonhar sua maldita empresa. Claro, claro que ele nã o dava a
mínima para mim. Coloquei meu cabelo atrá s das orelhas e fixei minha
mandíbula. A humilhaçã o, minha companheira agora familiar,
percorreu meu corpo quando encontrei seu olhar avaliador. Eu sabia
muito bem que parecia uma viciada em heroína – que minhas
bochechas eram muito encovadas e meus olhos muito assombrados
para serem considerados normais.
— Nã o vou prejudicar o seu negó cio — eu disse a ele. — Você nã o
precisa se preocupar com a possibilidade de eu ser um risco.
Essa ú ltima parte foi uma mentira. Eu poderia muito bem provar
ser um risco. Mas eu nã o ia revelar nada disso.
— Nã o foi isso que eu...
Virando-me bruscamente, me afastei dele sem ouvir o resto do
que ele tinha a dizer. Nã o respirei novamente até voltar para minha
mesa.

Suspirei e passei os dedos pelos cabelos enquanto a observava


partir. Como eu consegui estragar tudo de novo? Nada do que fiz foi
certo com essa mulher. Eu tinha um caso perpétuo de Síndrome do
Idiota perto dela. Mas ela estava escondendo alguma coisa. Eu sabia
disso. Se eu fosse honesto comigo mesmo, se fosse qualquer outro
funcioná rio, eu simplesmente ignoraria a suspeita incô moda e seguiria
com minha vida. Mas com Mia era como se eu precisasse conhecer seus
segredos. Como se eu fosse obrigado a descobrir tudo sobre ela. Na
medida em que eu revisei seu arquivo de funcioná rio outro dia,
verificando sua data de nascimento, pois ainda nã o tinha certeza se ela
tinha a idade que dizia.
Eu simplesmente nã o conseguia tirar seus olhos arregalados e cor
de chocolate da minha cabeça. Nas raras ocasiõ es em que consegui
dormir, sonhei com ela. Sonhos estranhos onde ela estava com frio
novamente, mas desta vez eu a envolvi em meus braços, aquecendo-a
contra meu corpo até que seu tremor diminuísse. Por que diabos eu
sonharia com ela? Ela estava tã o longe do meu tipo habitual que era
quase ridículo. Rebecca tinha um metro e noventa de altura, era
arrasadora, curvilínea e loira – não era magra, pequena, estava sem
maquiagem (além do delineador mal aplicado) e nervosa. Eu precisava
me controlar.
Eu simplesmente nã o conseguia suportar a ideia de Mia
escondendo coisas de mim – nã o da minha maldita empresa, de mim.
O que era ridículo.
CAPÍTULO SETE
PODEMOS ESQUECER QUE ISSO ACONTECEU?

— V! — Eu gritei enquanto saía do meu escritó rio. Os olhos de


todos se voltaram para mim, exceto os de chocolate que assombravam
todos os meus pensamentos no momento. Mia apenas afundou ainda
mais na cadeira e olhou para o monitor.
— Max, o que diabos? — V disse enquanto ela emergia no espaço
comunitá rio.
Eu joguei minhas mã os para o alto e as deixei bater nas minhas
laterais. — Eu estraguei tudo.
— O que exatamente você estragou, querido? — Sua pergunta fria
e calma só aumentou minha frustraçã o. Por que V sempre esteve tã o no
controle? Era nauseante.
— Tudo — eu disse a ela enquanto andava de um lado para outro
entre a mesa dos arquitetos juniores.
V colocou as mã os nos quadris sobre a saia lá pis de couro marrom
perfeitamente ajustada e a ponta de um de seus saltos altos começou a
bater.
Eu bufei e me joguei em uma das cadeiras livres do escritó rio, que
rangeu com o impacto repentino. — Tudo virou uma merda. Teremos
que cancelar o lance. Eu estraguei tudo.
— Bem, antes de eu ligar para o cliente e dizer que você “fodeu”,
você poderia explicar o problema para mim e talvez possamos tentar
resolvê-lo.
Eu fiz uma careta para ela com suas roupas sem vincos (minha
camisa parecia que eu a usava há semanas) e sua ló gica sangrenta.
— Tudo bem, tanto faz — eu resmunguei, levantando-me da
cadeira e olhando para o novo contratado ao meu lado, que
rapidamente desviou o olhar.
— Nã o se preocupe com Max — V disse ao cara novo enquanto
ela passava por ele. — Ele está basicamente no mesmo nível dramá tico
de uma garota de treze anos.
Eu bufei, mas meus lá bios sangrentos se contraíram, malditos
sejam. V sempre foi capaz de me fazer rir de mim mesmo – era um de
seus talentos ú nicos.
Observei Max e Verity desaparecerem em seu escritó rio e soltei
um suspiro que nã o percebi que estava prendendo. Max era tã o... muito.
Ele tinha uma presença que preenchia o espaço e sugava toda a energia
dele. Alto, musculoso e corpulento, moreno – como uma espécie de
puro-sangue altamente tenso, especialmente quando ele estava sendo
dramá tico no nível de uma adolescente, como disse Verity. Como ela
teve a coragem de dizer isso na cara dele estava além da minha
compreensã o. Eu esperava que ele explodisse depois que ela o
provocou novamente agora há pouco. Mas, na verdade, parecia
realmente tirar o fô lego de suas velas2. Eu dei uma olhada no rosto dele
depois do comentá rio dela e até parecia que ele estava reprimindo um
sorriso. Como se ele gostasse de ser o alvo de sua piada. Como se ele
aceitasse que estava sendo um idiota.
Nate nunca teria criado uma cena como essa em pú blico. Ele
estava sempre no controle total. Sem drama. Quando ele estava com
raiva, ele nã o fazia barulho, ele ficava gelado – e quanto mais irritado
ele ficava, mais precisa, mais desprovida de emoçã o sua voz se tornava.
E ninguém provocava Nate. Tentei imaginar a reaçã o dele se eu o
comparasse a uma menina de treze anos e tremesse na cadeira.
De repente, fui transportada de volta à minha mente, para um ano
atrá s, sentada no carro esporte rebaixado com ele, tentando nã o
amassar o vestido que estava usando no casamento da minha prima e
sentindo a claustrofobia aguda de estar presa em um espaço confinado
com Nate por duas horas. Mas ele estava de bom humor. Ele me disse
que eu estava bonita. Ele até segurou minha mã o um pouco.
— É melhor que o serviço religioso não seja tão longo e é melhor
que haja bebida — disse ele, seu sorriso anterior dando lugar ao início de
uma carranca – eu deveria ter interpretado isso como um sinal de alerta,
mas fui enganada por uma falsa sensação de segurança. O serviço
religioso seria católico e grego ortodoxo, com um padre e um clérigo
ortodoxo.
Não seria curto.
— Nate, seu idiota, vai levar horas. Você sabe que o Tom Cath...
Uau.
Minha cabeça tombou para o lado com o impacto no meu rosto. Vi
estrelas por um momento e pisquei pela janela do passageiro para ficar
consciente. Quando minha visão desapareceu, olhei para meu vestido azul
claro. Estava salpicado de sangue. Levei minha mão à boca, afastando-a e
olhei para o sangue em meus dedos. A mão de Nate voltou ao volante. Ele
nem estava respirando pesadamente. Na rotatória seguinte ele deu a
volta completa e voltou na direção de onde viemos. Engoli em seco
quando o gosto metálico encheu minha boca.
— Não fale assim comigo. — Sua voz estava desprovida de emoção.
Ele me entregou um lenço e eu o pressionei contra a boca. Nenhum de nós
disse uma palavra no caminho para casa. Nate ligou para os pais de Tom
e pediu desculpas. Ele disse a eles que eu estava vomitando algo que comi.
— Eu disse a ela para não pedir mexilhões se ela não estiver na costa com
vista direta para o mar.
Joguei fora o vestido azul e perdi o casamento da minha prima.
Minha irmã me telefonou mais tarde naquele dia, furiosa comigo por não
ter indo.
— O que há de errado com sua voz? — Ela perguntou – naquela
fase minha boca estava tão inchada que distorcia minhas palavras.
— Deve ser todo o vômito — eu murmurei.
Marnie não acreditou em mim. Ela sabia que Nate me impediu de ir
ao casamento e não entendia por que eu não me defendi. Por que deixei
que ele me separasse da minha família. Entramos em uma grande briga.
No final, meu rosto estava doendo e lágrimas escorriam pelo meu rosto.
Essa foi a última vez que falei com ela.
— Mia? Mia, você pode me ouvir? — Pisquei e voltei a mim com
um solavanco. Minha mente sempre ficava lenta depois de um flashback
– como se eu estivesse ouvindo tudo debaixo d'á gua e vendo tudo
através de uma névoa espessa. Balancei a cabeça para clareá -la e entã o
notei Verity parada ao lado da minha mesa.
— Desculpe, desculpe — eu murmurei. — Er... você precisa de
alguma coisa?
Verity parou por um momento. Sua cabeça inclinou um pouco
para o lado e seus olhos se estreitaram. — Você está bem? — Ela
perguntou, seu tom um pouco mais suave do que sua eficiência fria
normal.
— Estou bem. — Forcei um pequeno sorriso, piscando para
dissipar a névoa e esfregando as mã os. O medo parecia me deixar com
frio. Eu estava tã o cansada de sentir tanto frio. — Você precisava de
mim?
— Max nã o estragou tudo completamente, mas ele precisa da sua
ajuda com a modelagem 3D novamente.
Droga.
Eu ainda estava conseguindo evitar Max com bastante sucesso.
Suspeitei que a situaçã o em que ele estava com o computador se devia
em grande parte a essa evitaçã o e senti uma pontada de culpa. Navegar
por todas as atualizaçõ es nã o foi fá cil. Mesmo sabendo que ele merecia
ser ignorado depois de me insultar novamente, minha consciência nã o
me permitiria inventar mais desculpas. Eu sabia que eles nã o tinham
ganhado a ú ltima licitaçã o naquele dia em que cheguei ao escritó rio
meio congelada, e me senti responsável por isso – como se talvez eu
tivesse tirado Max do jogo.
— Claro, é claro — eu disse, levantando-me da cadeira.

— Como você fez isso? — Max perguntou enquanto se aproximava


da tela. Estávamos ambos sentados lado a lado em sua mesa. Minha
respiraçã o ficou presa quando seu braço grande roçou o meu. Seu
cheiro – limpo, masculino, com um toque de loçã o pó s-barba cara – era
detectável no ar ao meu redor, sua presença, como sempre, vibrando a
atmosfera com tensã o e energia. Ele era demais para eu lidar de perto.
Limpei a garganta.
— É ... hum, quero dizer. Nã o é…
Ele riu. — Você pode me dizer que é fá cil e que sou um completo
idiota, se quiser. Eu concordaria com você.
Ele estava olhando para mim e sorrindo. Quando ele sorriu, todo o
seu rosto se abriu. Ele passou de bonito e taciturno para sinceramente
lindo. Ele tinha uma covinha, pelo amor de Deus. Decidi que isso
também era demais.
E agora eu havia perdido a capacidade de falar.
— Olá ? Nú mero cinco. Você está aí, moça? Teve um mau
funcionamento?
Afastei meus olhos dos verdes dele e respirei fundo. Serviu apenas
para empurrar meu braço contra o dele novamente enquanto meu peito
se expandia. Uma sensaçã o baixa de consciência se desenrolou em meu
estô mago, junto com a ansiedade familiar que fui condicionada a
associar a ela. Ao expirar, minha respiraçã o ficou presa e comecei a
tossir. Foi o terceiro ataque de tosse que tive naquele dia e agravou a
dor nas costelas que nunca passou.
— Merda, Mia — disse Max. — Se você está doente eu nã o
deveria ter te atrasado. Você deveria ter dito. Eu me sinto um
verdadeiro bastardo agora.
— Nã o estou doente — eu disse a ele assim que recuperei o
fô lego. — Eu nunca fico doente.
— Claro que nã o — ele respondeu. — Você é o nú mero cinco. A
fragilidade humana que se dane.
Eu sorri. Parecia estranho – como se os mú sculos envolvidos
tivessem atrofiado por desuso.
Entã o eu dei uma cotovelada nele em seu bíceps musculoso.
— Cristo, cuidado, Cinco — ele disse e eu congelei. O medo gelado
tomou conta de mim até que percebi que ele ainda tinha aquele tom
provocador na voz e que ainda estava sorrindo. Eu realmente me senti
confortável o suficiente com ele para lhe dar uma cotovelada no braço?
Como isso aconteceu?
Já estávamos trabalhando na apresentaçã o há horas. Todos os
outros já haviam saído do escritó rio há muito tempo. No começo eu
estava nervosa. Demorou um pouco até eu sentar na cadeira ao lado
dele. Eu passei a primeira hora pairando ao lado da mesa e explicando
as coisas para ele de longe. Quando eu precisava digitar em seu teclado,
eu esperava até que ele se afastasse e corria para fazê-lo, ainda
pairando sobre meus pés.
Ainda sou capaz de correr se precisasse.
Na minha mente racional, eu sabia que ele nã o iria me machucar.
Mesmo que ele estivesse instável, naquela época o escritó rio estava
lotado. Nã o havia como ele fazer nada com todas aquelas pessoas ao
redor. Mas foi difícil acalmar os meus instintos – os instintos que
durante tantos anos foram aperfeiçoados para detectar ameaças.
Mas depois de uma hora, a raiva de Max consigo mesmo havia
esfriado, e seu corpo nã o estava mais tenso quando ele percebeu que eu
poderia ajudá -lo a sair da situaçã o que ele criou. Ele parou de
resmungar baixinho e começou a relaxar. Eventualmente, ele olhou para
mim e revirou os olhos.
— Nã o posso fazer isso com você pairando aí como um beija-flor
tomando esteroides — ele me disse. — Você está me deixando nervoso,
Nú mero Cinco.
Eu o deixava nervoso? A ideia era tã o ridícula que soltei uma
pequena risada apesar do meu desconforto.
— Nú mero Cinco? — Perguntei.
— Sim, você sabe, Short Circuit? Jonny Nú mero Cinco? “Entrada.
Entrada”. A maneira como você passa de uma tela para outra e absorve
todas as informaçõ es me lembra dele.
Nã o achei que ser comparada a um robô de um filme dos anos 80
fosse um grande elogio, mas a voz dele era tã o calorosa que quase
parecia um. Eu sorri e finalmente afundei na cadeira livre ao lado dele.
A partir de entã o, eu parecia me acostumar lentamente a estar perto
dele, lentamente me adaptando à s pequenas maneiras como ele me
provocava, até conseguindo responder alguns comentá rios inteligentes,
e agora eu realmente tinha dado uma cotovelada nele.
Ele segurou o braço, fazendo uma careta. — Essas coisas ó sseas
sã o armas cruéis. Amanhã terei um pequeno hematoma por causa
disso. Talvez seja necessá rio denunciá -la ao RH. Er... Nú mero Cinco?
Você está bem aí? — Max acenou com a mã o na frente do meu rosto e
eu me encolhi na cadeira. — Mia?
O tom de sua voz agora estava beirando a preocupaçã o. Deus, eu
tinha que parar de me comportar como uma estranha. Era ó bvio que ele
nã o estava com raiva. Nã o havia necessidade de eu ficar tã o tensa.
— Bem! — Eu disse, forçando um sorriso que esperava convencê-
lo de que eu era um humano normal e nã o uma bagunça assustada.
Limpei a garganta. — Você ainda tem um RH?
Eu podia senti-lo olhando para mim de lado, mas continuei
focando na tela.
— Ah! Nã o. Talvez eu dê esse título para Yaz?
— Yaz?
— Nã o é como se ela tivesse algo melhor para fazer. Embora ela
tenha me dado um chute no saco há alguns meses, nã o acho que ela seja
exatamente anti-violência no que me diz respeito.
— Ela o quê?
— Sim. Essa é a ideia dela de rugby sem contato. A merdinha
precisa ser banida.
— Você joga rugby?
Eu nã o conseguia imaginar Max fazendo nada fora do negó cio. Ele
era tã o ambicioso e focado que eu nã o teria pensado que ele tinha isso
dentro dele.
Ele riu. — Tenho que manter esta velha carcaça semi-apta de
alguma forma. E nã o é rugby, é rugby de praia, de toque.
Eu dei uma olhada em sua “carcaça”. Sua camiseta de manga
comprida era justa o suficiente para ver o contorno de sua musculatura.
Semi-apto, minha bunda. Limpei a garganta e desviei o olhar.
— Praia, toque no rugby. Isso parece... um nicho.
Ele riu. — Você ficaria surpresa. Na verdade, é muito popular. Há
um torneio anual em Londres. Eles trazem areia para Earl's Court e
fazem uma grande campanha para ela. Nã o chegamos à s semifinais no
ano passado. — Eu percebi que, à medida que o dia avançava, o sotaque
nortenho de Max tendia a ficar um pouco mais forte.
— Você joga? — Ele perguntou.
— O que?
— Você pratica esportes coletivos? É um time misto e nã o
importa se você é pequena. Nã o é como o rugby normal – a velocidade é
mais importante que a força.
Se havia uma coisa que eu era, era rá pida. Minha velocidade e
agilidade me resgataram de algumas situaçõ es complicadas ao longo
dos anos. Mas balancei a cabeça. A falta de sono e de comida significava
que eu mal tinha energia para trabalhar, muito menos para correr na
praia. Ele se recostou na cadeira e esticou os braços acima da cabeça.
— Ah! Estamos sentados aqui há três horas. Tem certeza que nã o
se importa em ficar assim? Vou garantir que você receba as horas
extras.
— Eu nã o me importo, honestamente. — Eu lidaria com as
consequências de encontrar um lugar para dormir mais tarde – afinal,
eu precisava ter certeza de que seria ú til em uma crise. Eu precisava
manter esse emprego.
— Quer um pouco de comida chinesa? Estou morrendo de fome.
— Estou bem, obrigada — eu disse, mas meu estô mago traidor
tinha outras ideias e aproveitou a oportunidade para resmungar alto. O
som parecia vibrar no escritó rio silencioso.
— Mia... eu nã o vi você comer hoje — Max disse cuidadosamente.
— Oh, eu almocei fora — menti. A ú nica coisa que consegui comer
hoje foi o Weetabix que roubei da cozinha esta manhã . Eu teria adorado
um pouco de comida chinesa, mas nã o podia desperdiçar o dinheiro.
Max franziu a testa para mim enquanto pegava seu telefone. O pedido
que ele fez foi enorme. Nã o é de admirar que ele tivesse que se exercitar
regularmente se essa fosse a quantidade de comida que comia.
Quando chegou e ele deslizou dois recipientes e algumas bolachas
de camarã o em minha direçã o, percebi por que ele havia pedido tanto.
— Eu disse que estava bem — respondi enquanto, a contragosto,
me sentava na outra ponta do sofá , longe dele. Ele pegou a comida e
colocou-a na mesa de centro.
— Mia, você salvou minha bunda com o Nú mero Cinco dando o
fora desta apresentaçã o. Apenas coma a maldita comida. Por favor.
Lancei-lhe um olhar furioso, mas cedi quando o cheiro da comida
atingiu minhas narinas. Havia um limite de força de vontade que uma
garota poderia exercer quando confrontada com uma boa dose de MSG.
Assim que comecei a comer, inalei. Se eu estivesse sozinha, teria
gemido de êxtase. Max guardou algumas cervejas na geladeira do
escritó rio e trouxe uma para cada um de nó s. Culpei a comida e o á lcool
– ambos com os quais eu nã o estava acostumada, e ambos me
relaxaram a um nível que eu nã o sentia há meses – por me permitirem
baixar a guarda.
Tínhamos terminado tudo e estávamos conversando mais sobre
rugby de praia. Max conseguiu arrancar de mim que eu jogava netball
há anos (antes de Nate – é claro que nã o mencionei Nate). Max insistiu
que o rugby de toque era melhor do que o “netball feminino”.
— Uh, me desculpe, mas o netball é muito mais difícil do que o seu
jogo patético. É uma questã o de precisã o e habilidade. Trabalhamos
com a bola para criar espaço, nã o apenas atacamos como um bú falo.
Quanto a ser feminino – o jogo dos meninos da mamã e com toque de
praia pode ser sem contato, mas se você assistisse a alguma partida de
netball de verdade, perceberia que não é. — Sob a influência do
primeiro gole de á lcool que tomei em algum tempo, minha velha atitude
de anos atrá s estava começando a aparecer. Foi um choque para mim
poder me sentir confortável o suficiente perto de Max para permitir
isso, mesmo estando um pouco embriagada.
Ele começou a rir e depois pareceu se distrair com minha mã o em
volta da garrafa de cerveja.
— Seus polegares sã o ridículos — comentou Max.
Eu pisquei.
— Er... uma maneira de desviar meu golpe direto em seu esporte
patético com uma declaraçã o aleató ria. — Olhei para minha mã o ao
redor da garrafa de vidro e levantei uma sobrancelha para Max. — Nã o
consigo entender como meus polegares sã o ridículos.
— Olha — Max disse, puxando a garrafa da minha mã o com uma
das suas, depois virando minha mã o para que minha palma ficasse
voltada para ele. Ele entã o pegou a outra mã o e colocou-a palma com
palma na minha. Meu polegar e meus dedos mal chegaram à metade de
suas enormes patas. Minha respiraçã o ficou presa na garganta ao sentir
sua palma quente e á spera contra a minha. Desde que perdi peso e nã o
consegui cuidar de mim mesma, senti um frio constante. O calor de sua
mã o pareceu penetrar na minha e descer pelo meu braço.
— Quero dizer, olhe para esses pequeninos. Como você guarda
coisas com eles?
Ele avançou para o meu espaço pessoal do outro lado do sofá . Por
alguma razã o, seja cansaço, á lcool incomum ou estô mago cheio pela
primeira vez em meses, nã o me afastei. Na verdade, quando o cheiro
dele chegou até mim, me vi vagando em direçã o a ele também. Seus
olhos passaram de nossas mã os para meu rosto e suas pupilas
dilataram.
— Mia — ele sussurrou e eu senti sua respiraçã o contra minha
boca. Seu rosto era tã o lindo tã o perto que parecia quase avassalador. O
calor da palma de sua mã o ainda penetrava em mim e tive uma
sensaçã o de bem-estar que nã o sentia há anos. Esqueci de ficar com
medo. Eu esqueci quem ele era. Eu esqueci tudo. Era como se ele fosse o
sol e eu estivesse sob sua atraçã o gravitacional. Fechei o pequeno
espaço entre nossas bocas e o beijei. O primeiro toque de seus lá bios
nos meus enviou uma onda de consciência através de mim tã o forte que
fiquei surpresa por nã o desmaiar. Minhas mã os se moveram por
vontade pró pria para seu peito só lido. Assim que minha boca se abriu
ligeiramente sob a dele, sua mã o deslizou pelo meu braço, pelo meu
pescoço e pelo meu cabelo.
Eu congelei. Meu couro cabeludo formigou e imagens indesejadas
passaram pela minha mente.
— Sua puta. — Nate me agarrando pelos cabelos e me puxando
pela cozinha; meus pés deslizaram debaixo de mim enquanto eu lutava
para acompanhá-lo e aliviar a dor dilacerante em meu couro cabeludo;
eu choramingando – um som patético e agudo, que só fez Nate puxar com
mais força até...
— Mia, Mia! — A voz urgente de Max cortou minha mente, me
tirando da cena. Eu ainda conseguia ouvir aquele gemido e, depois de
um momento, percebi que vinha de mim. Ele foi interrompido quando
eu pressionei meus lá bios, respirando com dificuldade pelo nariz e
forçando meu corpo a se acalmar. Max estava de volta ao seu lado do
sofá agora, olhando para mim como se eu fosse uma bomba nã o
detonada. Minhas mã os subiram até meu rosto para empurrar o cabelo
que havia caído em meus olhos para trá s das orelhas. Eles estavam
tremendo e depois de um momento percebi que também estava
tremendo. E eu estava com frio novamente. Muito, muito frio.
— Mia? Nã o tenho certeza do que... Você está ... você está bem?
— Sinto muito — eu disse, minha voz rouca. Ele se aproximou de
mim e eu me encolhi no braço do sofá , fazendo-o recuar com as palmas
para cima como se eu tivesse uma doença contagiosa.
— Eu... eu machuquei você? — A expressã o horrorizada de Max
me fez querer cair de joelhos e soluçar de frustraçã o. O que estava
errado comigo? — Eu nã o entendo o que… Se eu te machuquei entã o...
— Nã o — eu o interrompi. — Não, Max. Você nã o fez nada errado.
Eu beijei você e... escute, quem está errada sou eu, nã o você. Podemos...
— parei e engoli, fechando os olhos com força enquanto a humilhaçã o
subia pela minha espinha. — Podemos simplesmente esquecer que isso
aconteceu?
Ele franziu a testa e sua mã o subiu para esfregar a nuca antes de
puxar seu cabelo grosso depois esfregou a barba por fazer.
— Mia, você surtou. Nunca vi algo assim. Eu... eu tenho que ser
honesto, isso me assustou pra caralho.
— Eu prometo que isso nã o vai acontecer de novo — eu disse a
ele, meu tom agora quase feroz. Eu quis dizer cada palavra. O que eu
estava fazendo beijando meu chefe e depois tendo um ataque de pâ nico
no escritó rio dele? Já nã o tinha problemas suficientes sem adicionar
comportamento inadequado no trabalho à mistura?
— Escute — eu me levantei e me afastei do sofá para encontrar
meus sapatos, que eu havia deixado debaixo da mesa de Max mais cedo.
— Você nã o precisa que eu termine o resto da apresentaçã o. Eu vou
indo e...
— Vou chamar um tá xi para você — disse Max, com a compostura
de volta e a mandona junto com ela.
— Nã o — eu disse, um pouco bruscamente. Ele estreitou os olhos
para mim.
— É tarde, Mia. Tomei duas cervejas, entã o nã o posso levá -la, mas
podemos dividir um tá xi.
Visto que nã o havia nenhum lugar para Max me levar, isso nã o iria
acontecer.
— Você precisa terminar a apresentaçã o.
— Nã o vou deixar você ir para casa sozinha a esta hora. — Sua
boca estava numa linha teimosa e suas mã os estavam nos quadris.
— Você nã o vai me levar a lugar nenhum — eu disse, minha voz
ficando tã o fria quanto possível. — Eu me sentiria muito desconfortável
se você me levasse para casa. Tenho certeza que você deseja manter
nosso relacionamento profissional tanto quanto eu. Eu deveria pensar
que depois disso — estendi a mã o para o sofá — a ú ltima coisa que
você gostaria de fazer é me deixar desconfortável.
Ele piscou por um momento e entã o se afastou de mim como se eu
tivesse dado um tapa nele. Sua expressã o endureceu e eu disse a mim
mesma que isso era bom – melhor do que preocupaçã o com minha
segurança e perguntas desconfortáveis.
— Tudo bem — ele retrucou, seu rosto fechando toda expressã o
para deixar uma má scara em branco onde sua expressã o inquieta
estava antes. — Eu nã o gostaria de fazer você se sentir mais
desconfortável do que já está .
Dei-lhe um aceno rígido e com movimentos bruscos peguei minha
mochila do chã o. Parando na porta, olhei para trá s e vi Max voltando
para sua mesa e se acomodando novamente em sua cadeira. Sua
mandíbula estava cerrada.
— Max, eu... — comecei e parei quando ele olhou para cima e fez
uma careta para mim.
— Chega, Mia — ele disse em um tom irritado e entã o suspirou. —
Olha, tenho muito o que fazer antes de amanhã — seu tom havia
perdido muito da raiva agora, substituído por um cansaço que fez meu
peito doer. — Você nã o quer me dizer que está tudo bem. Acho que é
melhor você ir para casa.
Balancei a cabeça, mas ele já havia voltado para a tela do
computador. Ao cruzar o espaço comunitá rio, endireitei os ombros e
pisquei para afastar a ardência que sentia atrá s dos olhos. Este foi o
lembrete que eu precisava de ter cuidado. Eu nã o poderia baixar a
guarda. A ú nica pessoa em quem eu podia confiar era eu.
CAPÍTULO OITO
DOLOROSO E MARAVILHOSO

— Por que elas tiveram que vir? — Max resmungou para Verity.
Eu enrijeci no banco de trá s, mas Yaz apenas revirou os olhos e mostrou
a língua para ele pelo espelho retrovisor.
— Precisamos de ajuda com o novo sistema BIM — explicou
Verity novamente. — Se alguma coisa der errado, Mia pode aparecer e
fazer sua má gica.
— Se nã o tivéssemos atualizado o maldito sistema de
apresentaçã o, nã o precisaríamos de ajuda.
— Sim, Max. Também nã o teríamos sido selecionados, nã o é?
Encolhi-me no couro macio, tentando ficar a menor possível e
olhando pela janela para observar a paisagem ao lado da M3 passar
voando. Estávamos a caminho de Londres para lançar um enorme
projeto de habitaçã o ecoló gica. No ú ltimo minuto, Verity me forçou a
entrar no carro, para o caso de eles – enlouquecerem – e precisarem
que eu – salvasse a pele deles. Eu nã o queria ir mais do que Max queria
que eu estivesse lá . O pâ nico já havia se instalado sobre como eu iria
deixar de almoçar e, portanto, pagar pelo almoço quando chegá ssemos
lá . Verity sugeriu que parassem num pequeno restaurante italiano que
ela conhecia em Covent Garden. Eu já estive em Covent Garden muitas
vezes e frequentei restaurantes muito mais caros do que apenas o
pequeno italiano de Verity. Eu nã o estava sem um tostã o naquela época,
longe disso. Mas agora eu nã o tinha acesso a nenhuma das minhas
contas antigas. Nate sempre administrou o dinheiro, e a ú nica conta à
qual tive acesso foi conjunta. Depois de esvaziá -la no dia em que saí,
nã o ousei acessá -la novamente, pois ele poderia ver onde eu estava
fazendo as transaçõ es. Agora o dinheiro com o qual eu contava estava
diminuindo. Eu precisava abrir uma nova conta bancá ria, mas era mais
fá cil falar do que fazer quando você nã o tinha comprovante de
endereço. Eu disse a Janet que estava tendo problemas com minha
conta bancá ria e ela me deu parte do meu salá rio em dinheiro. O
má ximo que ela poderia fazer era £250 e eu nã o queria desperdiçar
nada disso. Estava tã o frio no momento – eu precisava tentar me esticar
para ficar no pequeno B&B3 que encontrei até que pudesse resolver o
maldito problema da conta bancá ria.
— Tudo bem, tanto faz — Max resmungou e eu tentei nã o me
ofender. Eu sabia que ele nã o me queria lá e nã o o culpava. Eu nã o era
exatamente um bom representante da empresa – a nã o ser que os
aspirantes a gó ticos e muito magros estivessem agora na moda na
indú stria da arquitetura.
— E eu estou pegando uma carona para a grande fumaça, entã o
engula isso, seu mal-humorado — Yaz interveio.
— Achei que você odiasse Londres — Max murmurou.
— Sim, muito longe do mar. Mas vou me encontrar com Kira
Lucas, se você quer saber.
— Sim, certo — disse ele. — Puxe o outro.
— Ela é minha amiga, idiota.
Max bufou. — Como se a esposa do primeiro-ministro se
incomodasse em ser sua companheira.
— Você conhece Kira Lucas? — Eu perguntei, meus olhos se
arregalando enquanto focava em Yaz no banco de trá s.
— Somos amigas há muito tempo — Yaz me disse, saudando Max
com um dedo quando ele bufou novamente. — Nó s frequentamos os
mesmos retiros de ioga e a mã e dela organiza um comício wiccaniano
que eu frequento todos os anos. Kira e eu temos muito em comum, na
verdade.
— Certo. — Max pronunciou a palavra. — Qualquer coisa que
você diga. Na verdade, elas nunca foram vistas juntas.
— Foda-se.
— Max, deixe Yaz com suas pequenas fantasias — acrescentou
Verity.
— Ei! — Yaz disse, mas V a ignorou.
— Você só está nervoso — ela continuou para Max com uma voz
paciente.
— Nunca fiquei nervoso na minha vida — Max zombou e vi Verity
revirar os olhos pelo espelho retrovisor.
Max poderia negar, mas as evidências sugeririam que ele era um
mentiroso. Ele passou a manhã inteira andando de um lado para o
outro, verificando duas e três vezes cada detalhe com qualquer um dos
arquitetos juniores envolvidos no projeto. Eu o vi invadir o escritó rio de
Verity por volta das dez e começar a gritar sobre poços de luz e como
eles precisavam redesenhar uma ala inteira do projeto. Verity o deixou
reclamar como sempre.
Eu estava suando quando ele terminou de gritar e andar
furiosamente. Qualquer tipo de agressã o agora parecia fazer meu
ombro direito e minhas costelas doerem também – algum tipo de
resposta estranha ao trauma lembrado. Por fim, Verity conseguiu
acalmá -lo, convencendo-o de que os poços de luz estavam bons e que
era tarde demais para retirar o projeto original. Ele resmungou durante
todo o caminho de volta para seu escritó rio. Eu entendi as palavras,
“devia simplesmente retirá -lo se estiver abaixo do padrã o” e “minha
reputaçã o em jogo” e “nunca deveria ter entrado nessa maldita coisa se
nã o estivesse certo”.
Nas ú ltimas semanas, tornou-se evidente que Max era um
perfeccionista ao extremo e seu maior crítico. O que quer que ele
estivesse dizendo agora, ele estava nervoso hoje. Minha presença na
situaçã o e a tensã o entre nó s depois daquele beijo também nã o estavam
ajudando.
Estacionamos abaixo do prédio comercial em nosso destino. Yaz
saiu correndo para encontrar Kira Lucas (ou pelo menos foi o que ela
disse – estava claro que nem Max nem Verity acreditaram nela) e fomos
até os escritó rios. Depois de alguns minutos desconfortáveis no
elevador, chegamos ao ú ltimo andar do prédio e só tivemos que
aguentar o andar de Max por um curto período de tempo antes de
sermos conduzidos a uma sala de conferências. Havia um painel de dez
pessoas sentadas ao redor da mesa aguardando a apresentaçã o. Verity
fez as apresentaçõ es e a maior parte da conversa. Eu me encolhi o
má ximo possível, ficando atrá s do carrinho de chá e desejando poder
me misturar com as paredes brancas. Enquanto examinava a sala, meus
olhos pousaram de repente em um rosto que reconheci e minha
garganta se fechou. Era o parceiro de negó cios do Nate. Com a minha
sorte eu nã o deveria ter ficado surpresa, mas Londres era uma cidade
enorme. Ele realmente precisava estar nesta sala de reuniõ es deste
prédio? Eu sabia que havia vá rios promotores imobiliá rios interessados
no projeto que Max e Verity estavam apresentando, mas a empresa de
Nate nunca havia se envolvido com design ecoló gico antes.
Eu mal era reconhecível como eu era antes, mas quando Adrian
me olhou, houve um lampejo de reconhecimento em sua expressã o,
antes de uma pequena carranca de concentraçã o se formar em sua
testa, como se ele estivesse tentando me identificar. Olhei para meus
pés e deixei meu cabelo cair para frente para esconder meu rosto. Mas
meu coraçã o agora batia forte e eu podia sentir uma pontada de suor na
nuca. Max agora substituiu Verity para descrever o design real. O
modelo da ecovila estava à sua frente na mesa de conferência e ele
explicava o assunto ao grupo. Ele parecia estar em seu elemento.
Mesmo nã o sabendo nada sobre arquitetura pude perceber que a visã o
que ele apresentava era incrível. E sustentável. Yaz me disse
anteriormente que um projeto ecoló gico com zero carbono nesta escala
era praticamente inédito.
Quando ele mudou para o tour virtual pelos prédios, pude ver um
mú sculo em sua mandíbula se contrair enquanto ele tentava abrir o
programa e projetar as imagens na parede. Uni minhas mã os na minha
frente e orei. Mas, como sempre, minhas oraçõ es caíram em ouvidos
surdos. O homem tinha um talento natural para bagunçar qualquer
tecnologia com a qual entrasse em contato.
— Mia — sua voz afiada trouxe minha cabeça para cima. Ele
estava carrancudo para mim. Nenhuma surpresa aí. — Você pode
resolver isso? Por favor?
Dei um passo à frente, focando apenas no computador na frente
de Max e tentando bloquear o resto da sala. Respirei fundo e deixei
meus dedos voarem, organizando o programa em segundos.
— Obrigado — disse ele, com genuíno alívio e gratidã o em seu
tom quando as imagens ganharam vida na parede. Balancei a cabeça e
comecei a me afastar, mas, quando me endireitei, meus olhos
encontraram Adrian diretamente em frente. Ele estava olhando para
mim – aquela carranca ainda marcando sua testa.
— Amelia? — Adrian perguntou. Eu estremeci e minha mã o fez
contato com uma xícara de chá na mesa de conferência. Como se
estivesse em câ mera lenta, vi-a inclinar-se para o lado e tombar antes
que pudesse pegá -la. Um líquido marrom espalhou-se pela mesa e pela
maquete, estragando as linhas brancas e nítidas e fluindo pelo á trio em
miniatura que Max acabara de descrever.
Dei um passo para trá s e minhas mã os cobriram minha boca. Eu
nem tinha condiçõ es de pegar um guardanapo do carrinho de chá e
limpar a bagunça. Em vez disso, Verity entrou em açã o.
— Eu sinto muito — eu sussurrei por trá s das minhas mã os. Os
olhos de todos passaram da bagunça que eu tinha feito na mesa para
mim. Alguns ficaram chocados, alguns cheios de diversã o, os de Adrian
estavam apenas curiosos. Max se recostou na cadeira e eu sabia que nã o
seria capaz de olhar na cara dele, entã o fiz o que faço de melhor: virei-
me e saí.

— Mia? — A voz de Verity ecoou pelo grande banheiro onde eu


encontrei para me esconder e fechei os olhos com força. Eu estava
sentada no assento fechado do vaso sanitá rio em um dos cubículos
imaculados, tentando conter o fluxo das minhas lá grimas. Felizmente,
ao longo dos anos, aperfeiçoei a arte do choro silencioso. Nate nunca
suportou o som dos meus soluços. Era sempre pior se eu o deixasse me
ouvir chorar. — Você está aqui? Você nã o precisa se esconder. Ninguém
está bravo com você. — Ela estava do lado de fora do meu cubículo
agora. Quando abri os olhos pude ver os calcanhares dela debaixo da
porta. Suspirei e enxuguei as lá grimas que escorriam pelo meu rosto
com as costas da mã o, depois me levantei com as pernas trêmulas.
— Desculpe — murmurei enquanto destrancava a porta e saía da
cabine. Verity deu uma olhada em meu rosto coberto de lá grimas e, sem
dú vida, manchado, e me puxou para um abraço. Ela era mais alta que eu
e mais corpulenta, entã o parecia que eu estava completamente cercada
por ela. Ela cheirava a lavanda e roupas lavadas a seco e estava
aquecida. Quanto tempo se passou desde que alguém me abraçou? Eu
nã o via minha mã e há mais de um ano. O ú nico contato físico que tive
com Nate nã o foi do tipo afetuoso. O abraço de Verity pareceu quebrar
algo dentro de mim. Foi doloroso e maravilhoso ao mesmo tempo. Mais
lá grimas escorreram pelo meu rosto enquanto enterrei meu rosto em
seu pescoço e meu corpo começou a tremer com soluços silenciosos.
Nã o foi apenas derramar o chá – foi o choque de ver Adrian e a enorme
descarga de adrenalina e medo que isso provocou.
A abertura de uma porta me trouxe de volta à realidade e me
afastei de Verity, que lentamente me soltou. Comecei a limpar o rosto
com as mangas, me sentindo uma idiota. A pobre Verity provavelmente
só queria me dar um abraço rá pido e superficial. Ela nã o esperava que
eu encharcasse seu terno com minhas lá grimas ou me agarrasse a ela
como um macaco-aranha reencontrando sua mã e.
— Eu estraguei a apresentaçã o — sussurrei.
— Vadia, por favor — disse Verity e eu quase sorri – aquela frase
em seu sotaque elegante era hilá ria. — Você nã o estragou nada — ela
me disse, sua eficiência nítida rompendo meu sofrimento. — Você
salvou a maldita coisa ao poder iniciar o tour virtual. Teríamos sido
destruídos sem isso. Esse modelo horrível pode ser seco e pintado com
bastante facilidade.
Pisquei para ela. — Você nã o está com raiva?
Verity olhou para mim por um momento, seus olhos suavizando.
— Nã o, Mia. Eu nã o estou brava. E nã o, você nã o vai perder seu
emprego. — Com essa garantia, olhei para os meus pés e senti mais
duas lá grimas saindo dos cantos dos meus olhos.
— Obrigada — eu murmurei.
— Nã o há tempo para isso agora — Verity me disse, me
conduzindo até a pia. — Saímos para almoçar para comemorar a
apresentaçã o sem Max agindo como um idiota. Lave o rosto, querida, e
vamos embora.
— Max está ...?
— Você me deixa me preocupar com Max. — Joguei á gua fria no
rosto e olhei para meu reflexo. Meus olhos estavam vermelhos, meu
rosto manchado, mas pelo menos nã o havia maquiagem para passar. Os
olhos de Verity encontraram os meus no espelho e ela fez uma careta.
— Vamos, Noiva de Frankenstein — disse ela, abrindo sua bolsa
enorme e tirando uma menor, cheia de maquiagem. — Vamos consertar
você.
Cinco minutos depois, e a mulher que me olhava no espelho era
de uma época anterior. Uma que parecia estar a anos-luz de distâ ncia.
Ela parecia mais magra do que antes, ainda havia um toque de olheiras
sob seus olhos, suas bochechas estavam mais vazias, seu cabelo estava
mais escuro, mas ela era definitivamente aquela mulher. Por um
momento louco, tive vontade de limpar tudo aquilo do rosto
novamente, mas o medo de ofender Verity me impediu. Fechei os olhos,
bloqueando o reflexo da minha visã o e me afastei do espelho.
CAPÍTULO NOVE
VOCÊ NÃO ESTÁ IRRITADO?

— Aí estã o vocês — eu bufei quando as garotas se aproximaram.


Parecia que eu estava esperando aqui há muito tempo. O rosto pá lido e
horrorizado de Mia estava me atormentando desde que ela saiu
correndo da sala de conferências. Demorou mais meia hora dolorosa
antes que pudéssemos ir atrá s dela e mesmo assim eu nã o consegui
seguir Verity até o banheiro feminino, entã o fiquei andando do lado de
fora durante os ú ltimos dez minutos. Afinal, o que as mulheres fazem
lá ?
Verity era uma mulher alta, por isso, quando se aproximaram, ela
bloqueou minha visã o de Mia, que estava ficando para trá s. Foi só
quando elas estavam a poucos metros de distâ ncia que tive meu
primeiro vislumbre do rosto de Mia. Algo estava diferente. Seus olhos
eram maiores (mas o branco parecia vermelho de tanto chorar), seus
lá bios mais proeminentes, ela tinha mais cor nas bochechas.
Dei um passo em direçã o a ela. Ela se afastou de mim e eu fiz uma
careta.
— Eu sinto muito — ela sussurrou. Tive que me esforçar para
ouvi-la acima do zumbido das outras pessoas que passavam por nó s.
— Olha, está tudo bem — eu disse a ela. — Eu nã o...
— Você pode... — ela pigarreou e engoliu em seco antes de
continuar: — Eu entenderia se você quisesse me demitir.
— Demiti-la?
Ela deu mais um passo para longe. Por que ela estava sempre
fugindo de mim? Tentei conter meu aborrecimento. Ela ainda tinha
aquela expressã o horrível no rosto – isso estava fazendo meu peito ficar
muito apertado.
— Mia, pelo amor de Deus, você vai...
— Eu nã o culparia você — ela continuou. — Eu sei quanto tempo
esse modelo levou para ser feito. Eu sei o quã o importante foi essa
apresentaçã o.
— Mia...
— Nã o vou fazer barulho. Eu nã o vou..
— Ouça! — Eu rebati, cortando minha mã o no ar para deixar meu
ponto de vista.
Foi quando aconteceu.
Mia rastreou o movimento da minha mã o e o medo em sua
expressã o era tã o forte que quase me tirou o fô lego. Suas pró prias mã os
se ergueram para proteger o rosto e ela se abaixou, emitindo um som
terrível, quase animalesco. Ela começou a se afastar de nó s com passos
curtos e rá pidos, mas colidiu com um homem que passava atrá s dela,
perdeu o equilíbrio e caiu no chã o. Instintivamente, aproximei-me dela
para ajudá -la a se levantar, mas ela se afastou da minha mã o estendida,
apesar de haver pessoas ao nosso redor, algumas das quais pararam
para observar a cena que estávamos fazendo. Dei um passo para trá s e
levantei as mã os em um gesto de rendiçã o.
— Eu nã o vou machucar você, Mia — eu disse, chocado com a
reaçã o dela, dando à s palavras um tom á spero e fazendo Mia
estremecer novamente. Verity avançou em sua direçã o enquanto eu
ficava para trá s e esfregava o rosto com as mã os.
— Vamos levantar você agora, querida — disse Verity. Ela parecia
abalada, o que era quase inédito quando se tratava de Verity. Enquanto
ela ajudava Mia a se levantar, uma pequena multidã o se formou em
torno de nó s três.
— Nã o há nada para ver aqui, seus bastardos intrometidos —
levantei minha voz para ser ouvido acima do murmú rio baixo deles. —
Prossigam. Vã o embora. — Mia, que estava de pé agora, abaixou a
cabeça e colocou o cabelo atrá s das orelhas, o rosto inundado de cor.
— Vamos almoçar — disse Verity, passando um braço em volta de
Mia e guiando-a em direçã o à saída. — Há um lugar ao lado que parece
bastante decente.
Eram quase duas horas, entã o a correria do almoço estava
diminuindo, mas ainda tínhamos que esperar alguns minutos no bar
por uma mesa no restaurante italiano ao lado do prédio de escritó rios.
Verity mandou uma mensagem para Yaz informando onde estávamos, e
depois houve alguns minutos de silêncio opressivo. Eu quebrei
limpando a garganta.
— Mia — eu disse, fazendo um grande esforço para suavizar meu
tom. — O que aconteceu? Você achou que eu iria... bater em você?
Seus olhos se voltaram para os meus e se desviaram novamente
na velocidade da luz. — N-nã o, claro que nã o — ela disse, com um leve
tremor em sua voz. Suspirei.
— Sinto muito, mas o jeito que você... quero dizer, você protegeu
seu rosto de mim. Você caiu de bunda e ficou em pâ nico.
Ela balançou a cabeça. — Eu nã o entrei em pâ nico — ela mentiu,
agora com os olhos olhando pela janela. — Eu... acabei caindo. Perdi o
equilíbrio.
— Você nã o perdeu o equilíbrio — eu disse, deixando a
frustraçã o tomar conta do meu tom. — Você estava com muito medo.
— Nã o. Eu te disse – eu caí. — Ela encontrou meus olhos desta vez,
sua boca formando uma linha teimosa.
— Eu nunca bateria em ninguém. Bem, tudo bem, eu derrotei
Tommy Barnet no 11º ano, mas o desgraçado começou e ele tinha o
dobro do meu tamanho na época. Ouça, nem estou preocupado com o
derramamento de chá . Eu...
— O que? — Ela estava olhando para mim agora e sua boca
estava aberta em estado de choque. — Mas eu...
— Você salvou minha bunda lá , Mia — eu disse a ela. — Se nã o
fosse por você eu nã o teria conseguido fazer o tour virtual. — Comecei
a me inclinar para frente na cadeira, mas parei quando ela se afastou de
mim na dela. — Mesmo se eu estivesse chateado por causa do chá , eu
nã o teria dito nada a você. Isso foi um erro. Nã o é como se você tivesse
pegado e jogado no modelo por despeito. Acidentes acontecem. Se
esses idiotas deixarem que um acidente afete sua decisã o de nos usar,
entã o os desgraçados podem enfiar sua vila ecoló gica no traseiro.
— Você nã o está com raiva? — Ela perguntou, pura descrença em
suas palavras.
— Nã o, nã o estou com raiva — eu disse. — Eu prometo, Mia. E eu
nunca machucaria você.
— Eu nã o...
— Eu gostaria de saber por que você pensou que eu iria.
Ela desviou o olhar de mim novamente e sua boca se fechou
novamente.
— Tudo bem, querida — disse Verity, colocando a mã o sobre a de
Mia no balcã o e me lançando um olhar de advertência. — Você nã o
precisa nos contar nada agora. Vamos todos ter um bom almoço e
podemos discutir isso mais tarde, certo?
Mia se mexeu e piscou para o menu à sua frente. Ainda mais cor
deixou seu rosto. — Por que eu simplesmente nã o volto e espero no
prédio da conferência? Ou... ou posso simplesmente esperar lá fora, na
calçada. Eu posso...
— Esperar na calçada? — Eu perguntei confuso. — Você está
falando sério?
— Er... — ela parou enquanto olhava pela janela.
— Estamos todos almoçando juntos — eu disse a ela. — Eu nã o
ficarei apenas com V e minha irmã louca. — É por isso que ela era tã o
magra? Ela nã o come? A garçonete veio entã o nos mostrar a mesa.
Estendi a mã o para conduzir Mia para frente, mas sua hesitaçã o me fez
recuar novamente.
Em geral, as mulheres não tinham o há bito de se afastar de mim.
Por mais mal-humorado que eu pudesse ser, tive o problema oposto
com elas. Foram elas que tentaram me convencer a comer com elas. Elas
foram as que eu tive que afastar. Até no pub com Heath elas me
atacavam. Heath é um bastardo bonito, mas sã o sempre os taciturnos
que elas parecem querer resolver. Quem diria que ser um filho da puta
estranho poderia ser tã o atraente para o sexo oposto? Tinha sido ainda
pior desde que Rebecca me deixou. À medida que meu nível de
bastardo mal-humorado aumentava, também aumentava a persistência
delas.
Nos eventos corporativos e jantares que eu tinha que ir trabalhar
era quase doloroso. Mulheres usando vestidos de coquetel e
encorajadas com champanhe pareciam me interromper a cada passo.
Uma delas esperou por mim do lado de fora do banheiro masculino
outro mês e tentou me beijar, ali mesmo no corredor.
— Isso nã o é uma escolha — eu disse a Mia, endurecendo meu
tom. Quando pensei nas ú ltimas quatro semanas, nã o conseguia me
lembrar de uma ú nica vez em que tivesse visto Mia comer algo
substancial além daquele prato chinês no meu escritó rio. Ontem ela
comeu apenas uma fatia de pã o simples com uma xícara de chá no
almoço. Eu tinha acabado de presumir que ela era exigente. — Você
está almoçando aqui e pronto.
— Nã o posso — ela me disse.
— Por que nã o?
— Eu, er... escute, isso é constrangedor, mas esqueci minha
carteira, entã o...
— Você nã o precisa da sua carteira — Verity acrescentou. — Isso
será por nossa conta. É um negó cio. Certo, Max?
— Sim, claro — eu disse, franzindo a testa para Mia em confusã o.
— Você nã o precisa se preocupar com sua carteira ou qualquer outra
coisa, ok?
Os ombros de Mia caíram e o alívio inundou suas feiçõ es. Meus
olhos caíram para sua cintura. Eu sabia que ela usava um cinto de
dinheiro por baixo da roupa. Eu a vi colocando o troco nele e tive
flashes disso nas ú ltimas três semanas. Ela nã o ia a lugar nenhum sem
ele e eu duvidava muito que ela também tivesse percorrido todo o
caminho até Londres sem ele. Fiquei surpreso por ela nã o ter arrastado
a mochila também.
Fomos conduzidos até uma mesa de quatro lugares e observei Mia
se manobrar para nã o sentar ao meu lado. Isso me convinha muito bem,
pois significava que eu estava em frente a ela e poderia estudá -la do
outro lado da mesa. Yaz, que nunca recusava uma refeiçã o grá tis,
chegou a tempo de fazer o pedido, olhando entre nó s enquanto se
sentava e sendo inú til como sempre.
— Uau, atmosfera tensa aqui, pessoal. Todos nó s precisamos
fazer ioga de emergência? Tenho certeza de que eles nã o se importarã o
em abrir espaço para nó s nos fundos.
Depois de garantir à garçonete que não estaríamos todos deitados
no chã o de seu movimentado restaurante fazendo alguns exercícios
respirató rios espontâ neos, finalmente conseguimos fazer o pedido. Nã o
foi nenhuma surpresa para mim que Mia optou pela opçã o mais barata
do cardá pio, mas pelo menos era macarrã o e nã o salada.
— Jantares de filé nã o sã o exatamente a vibe que seu escritó rio de
arquitetura com consciência ambiental busca — Yaz me informou
depois que pedi um filé.
Quando ela começou a perguntar à garçonete se a salada halloumi
era de origem ética, eu estava prestes a jogá -la pela janela.
— Bem, acho que todos nó s nos saímos muito bem lá — disse
Verity depois que o vinho chegou. — Todos pareciam terrivelmente
impressionados com a coisa toda, devo dizer. Bom show, Max – e bem
salvo, Mia. — V ergueu a taça para brindar e todos os outros seguiram o
exemplo, exceto Mia.
— Mia, você quer mais alguma coisa para beber? — Perguntei,
ignorando V.
— O que?
— Você nã o bebe. Você nã o gosta de vinho?
— Eu nã o.
— Você pode ter o que quiser.
— Que tal um gim e tô nica? — V perguntou a ela. — Eles têm
aquela coisa chique com sabor de smancy. Vá em frente, nó s duas
conseguiremos um.
Mia sorriu pela primeira vez naquele dia. Estava de boca fechada e
cheio de ansiedade, mas era um sorriso. E por alguma razã o fiquei
furioso por nã o ter sido dirigido a mim.
CAPÍTULO DEZ
AMELIA?

Eu deveria ter aceitado o vinho. O que estava errado comigo? Mas


minhas lembranças do vinho tinto eram tã o venenosas que nã o acho
que conseguiria me forçar a bebê-lo. Minha mente voltou à ú ltima vez
em que pensei que poderia escolher qualquer coisa em um restaurante.
Estávamos em um dos melhores de Londres. Muito mais caro que este
lugar. Nate e eu estávamos comendo com alguns de seus clientes.
— Estou bem, obrigada — eu disse ao garçom, passando a mão por
cima da taça para impedir que o vinho tinto fosse servido.
— Apenas dê uma chance — disse Nate, sua mão subindo para
agarrar meu pulso. Estremeci quando senti como se meus ossos
estivessem sendo comprimidos e puxei minha mão de volta.
— Sirva — disse Nate ao garçom. Então. — Beba — para mim,
depois que o garçom saiu. Eu sabia que não deveria seguir essa ordem.
— Amelia ainda está se acostumando com esse tipo de coisa — ele
dizia aos seus clientes, rindo às minhas custas. — Eram mais batatas
fritas e cerveja lá em casa, não era querida?
Eu ri então, tentando fingir que estava compartilhando a piada em
vez de ser o alvo dela. Então forcei o vinho garganta abaixo e sofri a
enxaqueca que ele induziu mais tarde naquela noite. Qualquer coisa para
não o envergonhar na frente de seus clientes. Qualquer coisa para não o
deixar com raiva. Qualquer coisa para ser perfeito.
— Tem certeza que quer isso, Mia? — Max me perguntou, tirando-
me dos meus pensamentos.
— O que?
— Um gin tô nica – você pode tomar um refrigerante se quiser.
Nã o deixe Verity intimidá -la a beber se nã o quiser. Ela está
simplesmente feliz por ter ganhado no cara ou coroa e nã o precisa
voltar.
Ele estava olhando para o outro lado da mesa, seus olhos verdes
muito inteligentes focados em mim como raios laser, como se minha
resposta fosse importante. Como se isso importasse. Sua atençã o
parecia aterrorizante, opressiva, mas maravilhosa, tudo ao mesmo
tempo.
— Está tudo bem — eu disse, conseguindo um pequeno sorriso.
Um pouco da tensã o em torno de sua boca relaxou com meu sorriso. No
fundo, bem no fundo do meu estô mago, senti algo se desenrolar.
Conversamos sobre a apresentaçã o.
Yaz escalfou um grande pedaço do bife de Max.
— Achei que você fosse vegana — protestou Max.
— Eu sou um flexatariana, seu idiota.
— Um flexi-o quê?
— Uma flexitariana. Nã o escolho encomendar carne ou produtos
de origem animal por razõ es ambientais, mas se já estiver morto e me
for apresentado, nã o vou desperdiçá -lo.
— Meu bife nã o foi apresentado a você. Nem seria desperdiçado.
Eu estava prestes a comer a coisa que floresce!
— Você nã o se importa com meus níveis de ferro e vitamina B12?
— Nã o. Mas mesmo se eu fizesse isso, eu diria para você pedir seu
pró prio bife.
— Você pode comer um pouco do meu halloumi — ela disse a ele,
e ele olhou para o prato dela com profunda suspeita. Eu estava
começando a reconhecer que o latido de Max era muito pior que sua
mordida. Quero dizer, Yaz roubou sua comida bem debaixo de seu nariz
e, além de revirar os olhos e alguns comentá rios secos sobre o
flexatarianismo, ele tolerou isso.
Quando minha comida chegou, eu me esqueci. Esqueci que estava
num restaurante, que nã o conhecia muito bem essas pessoas. Até
esqueci o medo da descoberta, só por um momento. Porque foi a
segunda refeiçã o quente que comi em mais de dois meses. O cheiro de
queijo e alho da carbonara colocou minha mente em modo de
sobrevivência e caí sobre ele como um animal faminto, bloqueando
tudo e todos ao meu redor enquanto comia. Quando terminei, recostei-
me na cadeira e levei o guardanapo à boca.
— Tudo bem, Bear Grylls — brincou Yaz. — Acho que você estava
com fome, hein?
Meu rosto inundou-se de calor e abaixei a cabeça.
— Eu, er... eu tenho um metabolismo acelerado — murmurei.
— Mas você nã o come muito no escritó rio — disse Max. Olhei
para ele e ele estava olhando para mim, com a cabeça inclinada para o
lado, como se estivesse tentando resolver alguma coisa.
— Amelia? É você! — Virei-me automaticamente e enrijeci em
meu assento enquanto fixava os olhos em Adrian Luther. — O que você
fez com seu cabelo? — Houve um longo silêncio enquanto eu lutava
para descobrir como tocar isso. No final, decidi que blefar era a ú nica
opçã o. Eu só conheci Adrian algumas vezes, já que ele só se tornou
só cio de Nate no negó cio há relativamente pouco tempo. E eu parecia
muito diferente naquela época. Amaldiçoei o fato de ter permitido que
Verity colocasse maquiagem em meu rosto mais cedo. Nada valia o
potencial de descoberta.
— Sinto muito, eu conheço você? — Pisquei para ele e tentei
esconder o medo da minha voz.
— O que? Sim, claro que você conhece. É Adrian. Eu vi você há
apenas alguns meses na festa de Natal. Você e Nate passaram por
momentos difíceis desde entã o, nã o é? Primeiro o Nate ficou gripado e
depois você contraiu algum tipo de síndrome pó s-viral. Ele me disse
que foi por isso que você nã o compareceu ao jantar com o cliente em
março. Nunca o vi tirar uma folga antes. Espero que você esteja se
sentindo melhor.
— Eu realmente nã o sei do que você está falando — eu disse.
— Mas...
— Sinto muito, mas você cometeu um erro. — Encontrei seus
olhos entã o, olhei para ele em desafio. Ele franziu a testa para mim em
confusã o. Com toda a honestidade, senti pena do cara. Ele sempre
pareceu bastante decente. Todos os colegas de Nate eram. E nã o era
como se todos soubessem a verdade. Longe disso. A maioria deles
presumia que Nate e eu estávamos tã o apaixonados que ele nã o
conseguia me perder de vista quando saíamos juntos. Eu sempre estive
presa ao seu lado ou ele colocava a mã o em volta do meu braço no que
deve ter parecido um gesto afetuoso, embora um pouco possessivo.
Para mim, seus dedos mordendo minha pele foram apenas mais uma
dolorosa demonstraçã o de domínio, apenas em pú blico. Um aviso para
mim.
— Mas...
— Adrian, que bom ver você de novo, companheiro — a voz baixa
de Max interrompeu. Ele se levantou de sua cadeira até sua altura
intimidadora e estendeu a mã o para o outro homem. — Espero que
você tenha gostado da proposta.
— Ah, Max — Adrian respondeu, apertando a mã o de Max e
desviando os olhos de mim. — Desculpe, nã o tive a intençã o de ignorar
você aí. É que conheço Amelia desde...
— Acho que você confundiu Mia com outra pessoa — disse Max,
com a voz firme.
— Mia? — Adrian murmurou, erguendo as sobrancelhas em
surpresa. — Eu... — Max moveu-se para bloquear sua linha de visã o
para mim e cruzou os braços sobre o peito. Adrian soltou uma risada
confusa. — Certo, sim. Meu erro. Bem, de qualquer forma, tenha um
bom almoço.

O rosto de Mia estava tã o pá lido que ela estava começando a ficar


um pouco verde. Nã o senti falta de seu estremecimento quando ouviu o
nome Amelia. Nã o havia dú vida em minha mente de que esse era o
nome verdadeiro dela. Também nã o perdi o medo em sua expressã o
quando olhou para Adrian Luther. Medo verdadeiro. Eu sabia que algo
estava acontecendo com ela. Eu sabia que havia mais nela do que
aparentava. Houve um silêncio constrangedor agora – muito incomum
com a presença de Yaz. Quando Mia pegou seu gim-tô nica, sua mã o
tremia. Ela fechou os olhos e engoliu tudo em dois goles.
— Isso foi... estranho — disse Yaz depois de soltar uma risada
nervosa.
— Eu... devo parecer alguém que ele conhece — disse Mia, dando
um sorriso tenso para Yaz.
— Bem, ele era um sujeito terrivelmente persistente, nã o era? —
Verity interveio.
— Aparentemente todos nó s temos um só sia por aí — disse Yaz
com uma autoridade que ela nã o tinha. — Você deveria ter cuidado. Se
você conhecer seu só sia, você... er, bem, nã o tenho muita certeza do que
acontece. Acho que talvez vocês dois entrem em combustã o espontâ nea
ou algo assim.
— Jesus. Bem, nó s nos esquivamos de uma bala, nã o foi? — Eu
disse com um tom seco. — Houve muitos casos documentados de
combustã o espontâ nea relacionada a só sias, Yaz?
— Nã o brinque, idiota — Yaz murmurou. Mia lançou um olhar
surpreso para Yaz – ela sempre parecia surpresa quando as pessoas
respondiam comigo. Quando encontrei o olhar de Mia, sorri para ela e
revirei os olhos. Ela piscou e congelou por um momento antes de
conseguir um pequeno sorriso para mim. Pelo menos Yaz servia para
alguma coisa.
Mia passou o resto da refeiçã o olhando ao redor do restaurante
com uma expressã o preocupada no rosto. Quando a conta chegou, ela
parecia tã o desconfortável que quase disse alguma coisa, mas sabia que
chamar a atençã o para ela só pioraria as coisas. Verity pagou com o
cartã o de crédito da empresa. Yaz nã o piscou, o que pareceu ajudar Mia
a relaxar. Talvez ela tivesse algum tipo de problema ético em relaçã o à s
refeiçõ es da empresa ou algo assim?
Yaz se atrapalhou com bobagens durante a maior parte do
caminho de volta. Eu aguentei porque ela fez Mia rir. Foi só quando
voltamos ao escritó rio que as coisas ficaram estranhas novamente.
— Entre, Mia. Vou levá -la para casa — eu disse a ela depois que os
outras foram para seus carros. Eu sabia que Mia caminhava todos os
dias. Pensando bem, achei que nunca a tinha visto dirigindo um carro.
— Nã o... nã o se preocupe. Estou bem — disse ela, recuando pela
calçada.
— Nã o está bem — eu disse, dando alguns passos em sua direçã o
enquanto ela recuava. — Você teve um dia difícil, está escuro e já passa
das nove da noite. Deixe-me levá -la de volta para casa.
— Nã o, nã o, nã o, nã o... — ela cantou, balançando a cabeça
enquanto seus olhos se arregalavam. Ela ainda estava com medo de
mim? — Honestamente, eu prefiro caminhar.
Suspirei. — Você nã o mora longe de mim de qualquer maneira.
Nã o é problema.
— Eu me mudei — ela disse abruptamente. — Eu estou, er... na
direçã o oposta à sua agora. Entã o... — Ela recuou mais alguns passos,
saltou na ponta dos pés algumas vezes e entã o... correu. Num minuto
ela estava aqui, no minuto seguinte ela se foi – desapareceu na noite
como se ela nunca tivesse realmente estado aqui. Corri atrá s dela, mas
ela nã o deixou rastros. Embora frustrado e irritado, minha emoçã o
predominante era a preocupaçã o. Eu nã o poderia nem dirigir até a casa
dela para ver se ela havia se mudado, pois eu nã o tinha seu novo
endereço. Resmungando baixinho sobre mulheres teimosas, peguei
meu telefone e enviei uma mensagem para Mia.

EU
Que porra foi essa? Você está bem?

A resposta veio em segundos.


MIA
Sim. Tudo certo. Quase em casa agora.

Foi isso. Nenhuma explicaçã o de por que ela saiu correndo para a
escuridã o apó s a oferta de uma carona perfeitamente boa. Suspirei. Eu
nã o conseguia afastar a sensaçã o de que algo nã o estava certo. Havia
algo que estava faltando.

Graças a Deus eu pensei em colocar meu telefone no modo


silencioso.
Observei Max através das lixeiras no beco onde eu estava
escondida. Ele olhou para minha resposta, balançou a cabeça e colocou
a mã o na nuca, antes de examinar a rua uma ú ltima vez. Eu devia ter
parecido maluca fugindo daquele jeito, mas sabia que se tivesse ficado
ele teria insistido em me levar para casa.
Casa. Ha!
Mal sabia ele que a casa era o sofá de seu escritó rio.
O dinheiro para o B&B acabou oficialmente ontem.
Ele girou nos calcanhares e marchou para longe e eu soltei um
suspiro de alívio. Felizmente ele estava fora do alcance da audiçã o
quando a respiraçã o que eu exalei se transformou em tosse. Fiz uma
careta e esfreguei o peito, afundando na parede do beco para sentar no
chã o ú mido. Seguiu-se outro ataque de tosse.
Fechei os olhos e, pela primeira vez em muito tempo, orei.
Por favor, deixe Adrian esquecer que me viu.
Por favor, nã o me deixe ficar doente.
Por favor, nã o deixe Max pensar que sou louca.
CAPÍTULO ONZE
EMPRESÁRIO GOSTOSO

Eu congelei no meu lugar enquanto o medo frio escorria pela


minha espinha.
Nate estava aqui.
Senti sua presença antes de ouvir o som de sua voz. O ar ao meu
redor parecia denso. Fiz um esforço consciente para desacelerar minha
respiraçã o. Eu nã o podia me dar ao luxo de entrar em pâ nico. Agora
nã o.
— Teríamos ido até você se você quisesse nos conhecer — disse
Max. — Chuffed, estamos com os dois ú ltimos candidatos. Seu parceiro
Adrian é um bom sujeito.
— Sim, bem, Adrian falou muito bem de todos vocês —
respondeu Nate, exalando sua confiança e charme padrã o. — Eu queria
ver pessoalmente o interior da empresa antes de tomarmos a decisã o
final.
Oh Deus. Agora eu podia ver por que Adrian estava naquela
reuniã o. Este projeto que Max estava trabalhando tanto para concorrer
era de propriedade da empresa de Nate. Quer dizer, eu sabia que
quando aceitei este trabalho havia uma pequena chance de haver algum
envolvimento com a empresa de Nate, mas minhas habilidades em BIM
nã o eram tã o transferíveis, e eu pensei que isso seria longe o suficiente
de Londres. Por que minha sorte foi uma porcaria tã o completa?
— E há oportunidades alternativas que estou explorando com o
outro braço do meu negó cio. Estou pensando em converter alguns dos
luxuosos hotéis familiares que possuímos em hotéis ecoló gicos. Vendo
qualidade e que nã o combina com design cansado. Nã o é possível
cobrar vinte libras dos apostadores por uma gota de homus se eles nã o
o comerem no ambiente mais moderno, luxuoso e ecologicamente
correto que o dinheiro pode comprar. Precisa de uma reformulaçã o
total.
Max riu. — Jesus, isso é muito para um grã o de bico amassado.
Você deve estar imprimindo seu pró prio dinheiro, companheiro.
— Max — Verity começou a dizer em tom de advertência, mas
Nate riu.
— Nã o se preocupe — disse ele, seu charme bem-humorado
vindo à tona. — Pode ser difícil separar as pessoas ricas do seu
dinheiro, mas estou vendendo um estilo de vida. No redesenho, preciso
de vá rios pontos de oportunidade para fotos e preciso que eles sejam
instagrameáveis ao extremo.
— Claro, Sr. Banks — Verity acrescentou suavemente. —
Podemos...
— Me chame de Nate — ele interrompeu. — Por falar nisso. Como
toda a confusã o do Brexit está afetando os negó cios. Você está tendo
que encolher a empresa?
— Estamos bem. Tem sido um pé no saco, mas devemos superar.
— Ainda expandindo, você está ? Sempre acho que o crescimento
mostra a saú de do negó cio. Alguma nova contrataçã o recentemente?
Meu estô mago embrulhou e suprimi a vontade de vomitar. Eu nã o
conseguia vê-los porque estava de costas para a entrada do escritó rio,
mas sabia que Nate estava examinando a cena. Graças a Deus meu
cabelo nã o era o mesmo loiro escuro e comprido. Fiquei tensa na minha
cadeira. Eu quase podia sentir seus olhos perfurando a parte de trá s da
minha cabeça.
— Algumas — disse Max. Exalei lentamente o ar que estava
prendendo e agarrei a borda da mesa para me impedir de fugir. —
Vamos ao escritó rio de Verity agora? — Ele ofereceu, seu tom sugerindo
impaciência.
— Claro. — Ouvi os passos deles e a porta do escritó rio de Verity
se fechando, depois disso me afastei da mesa e me levantei
abruptamente.
— Você está bem, querida? — Yaz perguntou, levantando os olhos
da recepçã o para me lançar um olhar curioso.
— Estou bem — eu sussurrei. — S-só tenho algumas có pias para
fazer, entã o eu vou... — Eu parei enquanto me aproximava da sala de
có pias. Assim que entrei, dei um grande suspiro de alívio e encostei a
cabeça na porta por um momento.
Bem, Nate nã o parecia muito desgastado. Eu deveria apenas ter
sentido alívio. Mas o medo familiar me envolveu, ameaçando sufocar
meu suprimento de ar. Afastei-me da porta e bati com o quadril na
impressora industrial. Movendo-me em torno dela, empurrei o espaço
entre a má quina e a parede até que minhas costas ficaram pressionadas
contra a alvenaria. Entã o deslizei até sentar no chã o. Enterrei meu rosto
nos joelhos, comecei a cantar The Wombles baixinho e me concentrei
em desacelerar minha respiraçã o. Minha cabeça levantou quando ouvi a
maçaneta da porta se mover.
— Ei — Yaz disse, suas sobrancelhas se juntando quando ela me
viu. Felizmente ela entrou rapidamente na sala e fechou a porta atrá s
dela. — Entã o — ela disse, vindo bem ao meu lado e depois deslizando
para se sentar do meu outro lado. Só havia espaço para uma pessoa no
pequeno espaço. Ela teve que se mexer entre mim e a parede. Seu
sempre presente desrespeito pelo espaço pessoal me fez sorrir, embora
ainda estivesse nervosa. — O que estamos fazendo?
— Yaz...
— A propó sito, eu adoro essa mú sica. — Ela começou a cantarolar
a mú sica de Wombles baixinho e depois cantá -la suavemente. Depois
das primeiras falas eu me juntei. Quando a mú sica terminou o absurdo
de nó s duas presas ao lado de uma fotocopiadora, cantando a mú sica
tema de The Wombles permeou e eu até consegui dar um pequeno
sorriso. Yaz se virou para mim no espaço fechado e devolveu-o antes
que seus olhos se desviassem para a linha do meu cabelo.
— Você tem raízes aparecendo, querida — ela disse enquanto
começava a acariciar meu cabelo como um macaco faria com seu bebê.
— Nã o tenho certeza do que estava acontecendo quando você decidiu
por esse visual superemo. Você é loira, nã o é?
— Yaz, realmente eu nã o acho... — Parei quando ouvi as vozes de
Max e Nate novamente. Eles devem ter saído do escritó rio. Meu corpo
congelou e por instinto peguei a mã o de Yaz e agarrei-a com força.
— Mia?
— Shhh! — Eu disse, apertando a mã o dela com mais força
enquanto as vozes e passos passavam pela porta à nossa frente. À
medida que eles desapareciam, afrouxei meu controle e absorvi um
pouco do oxigênio tã o necessá rio.
— Tudo bem — disse Yaz lentamente. — Adoro que estejamos
unidas e tudo, mas há uma chance de que eu precise fazer um raio-x
mais tarde.
— Merda, desculpe — murmurei enquanto soltava sua mã o. Ela
apertou e flexionou os dedos antes de estender a mã o, desta vez
pegando minha mã o entre as dela. Ela me deu um sorriso no momento
em que a porta se abriu e a luz do escritó rio inundou nosso esconderijo.
Max olhou para nó s, piscou algumas vezes e depois colocou as mã os
nos quadris.
— O que diabos está acontecendo? — Ele perguntou.
— Nada que seja da sua conta, grandalhã o — disse Yaz, revirando
os olhos e balançando a bunda na tentativa de se desalojar. Depois de
um minuto inteiro, ela desistiu.
— Acho que estamos presas — disse ela a Max. Apesar da minha
ansiedade, senti meus lá bios se contraírem quando ele soltou um
suspiro sofrido. Quando nã o consegui mais segurar, comecei a rir.
Talvez tenha sido a adrenalina de Nate chegar ao escritó rio e o
subsequente alívio dele depois de sair. Eu nã o ria assim há meses. —
Ok, amores — Yaz disse através de suas pró prias risadas. — Nó s duas
teremos que nos mexer ao mesmo tempo. Três, dois, um movimento! —
Quando isso também nã o funcionou, Max murmurou porra baixinho
enquanto se inclinava para frente e agarrava a mã o de Yaz e depois a
minha, puxando-nos juntas em um movimento rá pido. Yaz, é claro,
levantou-se e se equilibrou com facilidade e prá tica. Eu me aproximei
de Max, perdendo o equilíbrio e caindo de cara em seu peito. Suas
grandes mã os vieram me firmar contra ele e senti meu rosto inundar de
calor quando meu coraçã o começou a bater em ritmo acelerado.
Mas desta vez nã o foi medo com Max. Eu nã o estava com medo
dele agora. Foi consciência. Consciência de sua mandíbula forte, seu
corpo duro e musculoso contra o meu, seu cheiro: sabonete limpo,
talvez um toque de loçã o pó s-barba e tons de puro Max. Eu me senti
bêbada e queria tanto tocá -lo que quase parecia uma doença. Eu nã o
me sentia assim há anos.
Depois de um instante, ele deu um grande passo para trá s,
afastando as mã os quando teve certeza de que eu estava firme. A
velocidade de sua retirada sugeriria que Max nã o se sentia embriagado
com nada sobre mim, o que nã o era uma grande surpresa, mas ainda
assim doeu. Qualquer resquício de orgulho que ainda me restava foi
atingido.
— O que vocês estavam fazendo? — Ele perguntou, havia duas
faixas coloridas no alto de suas maçã s do rosto, o que atribuí ao seu
aborrecimento. Ele estava olhando diretamente para Yaz, mas evitando
contato visual comigo.
— Atençã o plena — disse Yaz, como se fosse a coisa mais normal
do mundo fazer ao lado de uma fotocopiadora. — Está totalmente na
moda agora. Mia e eu estávamos observando o ambiente e apreciando
as pequenas coisas.
— Apreciando o ambiente… na copiadora?
— Sim. — Yaz lançou-lhe um olhar fulminante. — As paredes
vazias, o zumbido do funcionamento interno da má quina. É tudo
perfeito para meditaçã o. Você nã o está atualizado com a atençã o plena?
Enviei-lhe outro memorando na semana passada.
Ele olhou de Yaz para mim e entã o suspirou. — Nã o tenho tempo
para essa besteira agora. Senhoras, se vocês terminarem de meditar
durante o horá rio de trabalho, poderiam considerar talvez fazer seu
trabalho? — Olhei para ele e cerrei os dentes. Até agora, hoje eu
consegui mais do que todo o resto da equipe administrativa junta.
Yaz revirou os olhos e mostrou o dedo atrá s das costas para Max
enquanto ele se virava. Sorri e estava prestes a sair da copiadora atrá s
dele quando o medo e a paranoia tomaram conta de mim novamente.
— Yaz — eu sussurrei, agarrando seu braço antes que ela pudesse
se afastar.
— E aí? — Ela perguntou, voltando para a sala de có pias quando
viu minha expressã o.
— O homem que estava com Max...
— Ah, sim – Empresá rio Gostoso. Dei uma grande olhada nele
antes de vir te encontrar.
Engoli meus nervos. — Ele ainda está aí?
Yaz saiu da copiadora e examinou o escritó rio. — Nã o, o Calça
Sexy desapareceu. Você quer que eu o persiga e consiga o nú mero dele
para você?
— Nã o! — Eu gritei, agarrando seu braço novamente com um
pouco mais de força dessa vez. Seu sorriso desapareceu e ela inclinou a
cabeça para o lado. — Mia, você está bem? — Olhei para a mã o que
segurava seu braço e percebi que ela estava tremendo.
— Desculpe, desculpe — eu murmurei, deixando-a ir e tentando
dar um sorriso – nã o um sorriso convincente se a expressã o
preocupada de Yaz servir de referência.
— Mia, você pode me ajudar? Estou prestes a fazer algo muito mal
— Max explodiu todo o caminho de seu escritó rio, me fazendo pular
cerca de trinta centímetros no ar, tal era meu instinto residual de lutar
ou fugir perto de Nate. Comecei a me mover em direçã o a ele, mas Yaz
me parou, segurando suavemente meus ombros enquanto me virava
para encará -la.
— O que está errado? — Ela perguntou. — Você pode falar
comigo. Eu sei que pareço um pouco... bem, muito... estú pida, mas você
pode contar comigo. Se você estiver com algum tipo de problema ou...
— Yaz, você poderia deixá -la ir para que ela possa fazer seu
maldito trabalho!
— Oh, vá embora, seu mijã o — ela gritou de volta. — Estamos
tendo um momento aqui.
Fiquei na ponta dos pés para olhar por cima do ombro de Yaz e vi
que o rosto de Max estava ficando com um tom profundo de vermelho e
seus olhos cuspiam fogo. Até eu senti por ele com isso. Fazer sua irmã
chamá -lo de mijã o na frente de todos os seus funcioná rios nã o era o
ideal.
— É melhor eu...
— Ah, nã o ligue para ele — ela me disse, revirando os olhos e
tirando a mã o do meu ombro para mostrar o dedo médio a Max
novamente. — Os esteroides confundiram sua mente.
— Eu posso ouvir você, você sabe — disse Max.
— Bem, entã o pare de ser tã o idiota — disse Yaz, piscando para
mim. Max parecia prestes a explodir.
— Falo com você mais tarde — menti para Yaz e entã o tentei me
livrar de seu aperto, mas em vez de me soltar, ela me puxou para um
abraço.
— Eu sei que você realmente nã o vai me contar nada mais tarde
— ela sussurrou em meu ouvido. — Mas você só precisa saber que
estou aqui para ajudá -la, certo? — Senti um nó se formar na minha
garganta e engoli.
— Obrigada — eu sussurrei de volta e ela me soltou para que eu
pudesse ir até Max enfurecido.

Mia finalmente entrou no escritó rio e fechei a porta atrá s dela.


— O que foi isso? — Perguntei.
Ela me lançou um olhar cansado antes de responder. — Nada.
Cruzei os braços sobre o peito. — Por que vocês estavam na
copiadora?
— Er... como Yaz disse – meditando.
— Meditando minha bunda — eu murmurei. — Por que Yaz
precisava de um momento com você?
Mia encolheu os ombros. — Nã o sei. Por que Yaz faz alguma coisa?
Entã o, qual é o problema para o qual você precisa de ajuda?
Ela contornou minha mesa para olhar para ela e me senti
inexplicavelmente irritado. A razã o pela qual insisti tanto para que ela
viesse ao meu escritó rio foi porque queria afastá -la de Yaz. Ela parecia
ter visto um fantasma na copiadora e entã o, quando ela estava
conversando com Yaz há um minuto, ela parecia presa, caçada. Claro,
nã o tinha nada a ver comigo se ela estava tendo conversas profundas e
significativas com minha irmã . Como isso era da minha conta? Mas, por
alguma razã o, aquela expressã o de caça em seu rosto fez meu estô mago
revirar e fez meu peito ficar muito apertado. Yaz claramente a estava
perturbando e eu queria acabar com isso. Mas, mais do que isso, eu
queria saber o que havia de tã o errado que Yaz, entre todas as pessoas,
pareceria séria pela primeira vez. Eu queria que Mia confiasse em mim.
O que era ridículo. Como se eu fosse bom em resolver os problemas dos
outros. Veja a bagunça em que Teddy e eu estávamos. Se ao menos eu
fosse suave e charmoso como Heath. As pessoas confiavam em Heath.
Ninguém tinha medo dele e ele nã o enfiava o pé na boca vinte vezes por
dia.
— Se houver algum problema no trabalho, é melhor você me
contar do que para minha irmã — eu disse a ela, soando como um
completo idiota, de novo. O que estava errado comigo?
— Nã o há problema — Mia me disse, ainda olhando para a
maldita tela em vez de me olhar nos olhos. Sua voz era suave e
desprovida de qualquer emoçã o, mas quando olhei para suas mã os vi
que elas estavam fechadas em pequenos punhos e os nó s dos dedos
estavam brancos. Algo a havia abalado. Seriamente.
— Você quer que eu volte mais tarde? — Ela perguntou, ainda
com aquela voz suave e inexpressiva. Resmunguei baixinho e contornei
a mesa para chegar ao computador. Assim que cheguei perto dela, ela
praticamente pulou para fora do caminho, mas nã o antes de eu sentir
um leve cheiro de limã o e sabã o. Por alguma razã o, naquele momento,
achei aquela combinaçã o mais atraente do que qualquer perfume
complicado que já tivesse sentido em outras mulheres.
Fiz uma careta para o computador e mostrei a ela algum arquivo
aleató rio com o qual fingi estar lutando. Ela esperou que eu recuasse
antes de se sentar. Seus dedos começaram a voar sobre o teclado.
Assistir seu trabalho era como assistir a algum tipo de má gica.
Diferentes telas piscariam e desapareceriam. Ela escaneava pedaços de
có digo de computador como se estivesse lendo sinais de trâ nsito e
adicionava seu pró prio có digo com a mesma rapidez. Em segundos ela
resolveu o problema que eu nem sabia que tinha. Uma vez terminado,
ela saltou da cadeira e deu a volta na mesa.
— Tudo resolvido — ela disse por cima do ombro.
— Mia — chamei assim que ela chegou à porta. — Er... eu...
Diga-me o que está errado.
Diga-me como posso ajudar.
Confie em mim.
— Você realmente deveria estar disponível se houver uma crise
de TI. — Foi o que eu realmente consegui tirar.
Ela me deu um olhar firme.
— Uma crise de TI?
Seus lá bios se contraíram e eu cerrei a mandíbula, ciente de que
estava parecendo um pouco maluco.
— É por isso que contratamos você.
— Farei o possível para permanecer sempre atenta a vocês,
preparada para entrar em açã o no caso de outras crises de TI. Feliz?
Bunda inteligente.
Mas pelo menos ela nã o estava mais cerrando os punhos.
CAPÍTULO DOZE
FUNCIONÁRIA MODELO

— Mia, eu realmente preciso tirar aquela foto sua hoje — Verity


me disse. — Foi você quem disse que precisávamos ter funcioná rios no
site com fotos, mas agora a ú nica pessoa sem foto é você.
Droga. Eu realmente esperava que ninguém notasse esse detalhe
que faltava. O que eu deveria ter feito é simplesmente esquecer
convenientemente o fato de que colocar nomes nos rostos quando você
escolhe uma empresa para trabalhar é inestimável. Que ter uma lista de
funcioná rios com fotos é essencial para qualquer site comercial. Mas
minha maldita veia perfeccionista nã o deixaria isso acontecer.
— Claro. — Dei um sorriso pouco convincente para Verity e ela
me estudou com a cabeça inclinada para o lado e os braços cruzados
sobre o peito.
— Você sabe que faz parte da equipe tanto quanto qualquer um
aqui, nã o é? Você deveria estar nessa lista de funcioná rios. Você merece
estar lá .
— Claro — eu disse com um senso de urgência agora que vi Max
se aproximando de seu escritó rio. — Eu vou conseguir, eu prometo.
— Você nã o precisa esperar — disse Verity. — Eu tenho a câ mera
aqui. Podemos fazer isso agora mesmo.
— Ah... uau. Só acho que a iluminaçã o está um pouco apagada
agora. Vamos fazer isso amanhã ou... podemos...
— Qual é o problema? — Max estava do outro lado da minha
mesa, os olhos passando de Verity para mim.
— Mia está ficando tímida com a foto do site — Verity disse a ele,
apontando a câ mera em minha direçã o. Eu queria me encolher na
cadeira.
— Você nã o quer que sua foto seja tirada?
— Olha, ninguém vai se importar com quem resolve o TI para
vocês. Os ú nicos com quem eles se importam sã o as pessoas que
realmente projetam os edifícios. Você nã o tem a equipe de limpeza no
site.
— Nã o se rebaixe — Max me disse, sua voz cheia de
aborrecimento. — Você é tã o importante para o funcionamento desta
empresa quanto qualquer outra pessoa neste escritó rio. Bem, qualquer
um menos Yaz. Provavelmente sobreviveríamos bem sem ela.
Yaz saudou-o com um dedo do outro lado da sala. Ela estava
arrumando difusores de aromaterapia por todo o escritó rio durante a
ú ltima hora. Cheirava a um spa com esteró ides aqui.
— Vamos — disse Max, gesticulando para que eu me levantasse.
— Nã o vou permitir nenhum fantasma trabalhando na empresa.
Precisamos de todos na frente e no centro. Parece melhor se tivermos
mais funcioná rios visíveis. Como se fô ssemos uma empresa sustentável.
A foto nã o é negociável.
— Não vou colocar minha foto no seu site — eu disse a ele com os
dentes cerrados, minha raiva aumentando.
Ele era tã o mandã o!
Eu nã o estava com disposiçã o para isso hoje. Eu ainda nã o
conseguia abrir uma maldita conta bancá ria. O gerente do Barclays
simplesmente me disse que nã o havia nada que pudesse fazer – como
se eu nã o fosse uma pessoa que valesse uma conta. Agora tudo que eu
tinha eram £50 que sobraram do meu pagamento em dinheiro do
ú ltimo dia de pagamento. Mary, que cuidava das finanças, já havia
pedido duas vezes hoje os dados da minha conta bancá ria para a folha
de pagamento. Eu precisava dessa conta e precisava de dinheiro
suficiente para ficar em algum lugar seguro. O que nã o precisava fazer
era publicar ainda mais provas do meu paradeiro num site pú blico.
Desde que Nate venho aqui na semana passada, eu estava em
estado de pâ nico permanente. Eu nã o acreditava em coincidências –
Adrian deve ter contado a Nate que me viu em Londres. Foi pura sorte
eu ter conseguido evitá -lo quando ele estava no escritó rio. Eu nã o
estava mais deixando nada para a sorte. Nos ú ltimos dias eu fiz algumas
escavaçõ es por conta pró pria. Nate era um dos potenciais investidores
para o projeto da vila ecoló gica, mas quando eu casualmente mencionei
seu nome para Verity, ela franziu a testa e me disse que ele era um
idiota. Aparentemente ele havia estipulado muitas exigências de
reduçã o de custos para o projeto antes de investir, mas suas mudanças
comprometeriam a neutralidade de carbono das casas e ela me disse
que Max nã o estava nem um pouco interessado em fazer isso. Entã o,
afinal, parecia que a empresa nã o iria trabalhar com Nate, mas eu ainda
nã o estava tranquila o suficiente para deixá -los colocar minha foto no
site.
— Você vai, muito bem — Max retrucou. — E... e você vai almoçar
também. Sã o duas horas e você nã o saiu da sua mesa a manhã toda.
Meus olhos se arregalaram e me levantei da cadeira para dar um
passo para longe dele. Ele estava muito perto. Eu nã o tinha estado tã o
perto dele desde o incidente na copiadora na semana passada. Parecia
que ele havia desistido de tentar extrair informaçõ es de mim. Que era o
que eu queria. Ele era meu chefe. Uma relaçã o empregador-empregado
muito mais apropriada era melhor para todos.
Pelo menos foi o que eu disse a mim mesma.
Mas pode ter havido uma pequena parte de mim que ficou ferida.
Era a mesma parte que ainda tinha esperança de que eu nã o apenas
poderia me recuperar do que Nate fez comigo, mas também de que
poderia ser feliz novamente. A mesma parte que realmente reconheceu
a verdadeira razã o pela qual Max me perturbou tanto. O resto de mim,
sendo muito mais sensata e cansada demais da experiência, sabia que
minha atraçã o por Max era ridícula, nunca poderia levar a lugar
nenhum e era a ú ltima coisa de que eu precisava.
Fiquei feliz por Max estar me tratando como qualquer outro
funcioná rio. Pelo menos a maior parte de mim estava – uns bons
noventa e cinco por cento... mais ou menos. Portanto, eu nã o precisava
que ele invadisse meu espaço pessoal, voltasse a se preocupar com
meus há bitos alimentares e fosse um bastardo insuportavelmente
mandã o. Nã o se eu quisesse continuar esmagando aqueles pequeninos
cinco por cento.
— Não vou tirar minha foto!
Foi só depois que o escritó rio ficou em silêncio que percebi que
havia levantado a voz. Fiquei tã o chocada quanto qualquer um, para ser
honesta. Eu nã o achava que levantava minha voz para outra pessoa há
anos. Mas minha foto não estaria naquele site, e se eu almoçava ou nã o
era da minha conta.
— Mia — a voz calma de Verity cortou a tensã o. Ela passou de me
olhar com irritaçã o para alguma preocupaçã o. — Vamos discutir isso
em particular, ok?
Olhei para Max e percebi que ele estava olhando para minhas
mã os com a testa franzida. Obriguei-me a relaxar os dedos dos punhos
cerrados que elas formaram.
O calor subiu pelo meu rosto enquanto eu limpava a garganta. —
Certo — eu disse. — Boa ideia. — Sem olhar para Max, segui Verity até
seu escritó rio, com o restante da equipe observando cada passo que eu
dava. Nã o me surpreendeu que, quando fui fechar a porta atrá s de mim,
Yaz entrou. Mas fiquei chocada quando Max a seguiu. Verity olhou para
os dois depois que Max fechou a porta. Ela revirou os olhos, mas nã o
pediu que eles saíssem.
— Entã o o que está acontecendo? — Perguntou Verity,
encostando-se na mesa e olhando diretamente para mim.

Ela parecia um animal encurralado novamente e senti meu peito


apertar. Nas ú ltimas duas semanas, Mia havia perdido em grande parte
aquela aparência. Ela nã o se encolheu com barulhos repentinos, seus
olhos nã o estavam cheios de sombras como antes e ela sorriu. Nã o
comigo, nunca comigo, mas aconteceu. Observei seus sorrisos e sua
confiança crescente de uma distâ ncia segura.
— É porque você está planejando ir embora? — Verity perguntou,
cruzando os braços sobre o peito e estreitando os olhos. — Porque se
você esteve em negociaçõ es com um concorrente, devo dizer que isso é
uma coisa muito ruim de se fazer. Especialmente depois que lhe demos
uma chance quando você veio até nó s sem nem mesmo um currículo
adequado.
— Eu-eu nã o iria para um concorrente — Mia gaguejou, com o
rosto chocado por Verity pensar tã o mal dela. — Claro que nã o. Eu...
— Bem, se você nã o está o site — interrompeu Verity — entã o
obviamente você nã o se considera um membro permanente da equipe.
O que eu acho que é um pouco...
— Você acha que eu desistiria do meu trabalho aqui? — A
gagueira de Mia havia desaparecido e seus punhos estavam novamente
cerrados ao seu lado. — Você tem alguma ideia do quanto esse trabalho
significa para mim? — Os olhos de Verity se arregalaram de choque
com o tom crescente de Mia e ela deu um passo à frente, mas Mia
levantou a mã o para afastá -la.
— Mia, eu...
— Quando cheguei aqui eu parecia uma... o que foi, Max? Uma
“esquisita adolescente esquelética e emo”. E apesar disso, você me
contratou. Nunca esquecerei que você me deu uma chance. Nunca. —
Suas ú ltimas palavras foram trêmulas e uma película de lá grimas
brilhava sobre o castanho de seus olhos.
— Oh Mia, eu... — Verity foi interrompida novamente. Duas vezes
em uma conversa era algo inédito para Verity.
— E eu nã o tenho sido exatamente a funcioná ria modelo desde
entã o, nã o é? — A voz de Mia tremeu. — Derramei chá naquele modelo,
me recusei a trabalhar na recepçã o, roubei... — ela se interrompeu.
Seus olhos se fecharam brevemente e ela engoliu em seco antes de
continuar com a voz rouca: — Posso ter roubado um pouco de comida
da cozinha. Eu menti e... — Ela parou quando um pequeno soluço saiu
de sua boca antes de reprimi-lo, piscando para afastar a película de
lá grimas que havia brotado em seus olhos e forçando seu rosto a uma
expressã o vazia novamente. O controle que ela tinha sobre suas
emoçõ es era quase assustador. Yaz foi se aproximar dela, mas Mia
recuou e levantou a mã o para afastá -la.
— Mia, pare com isso agora — eu disse com voz firme. — Eu nã o
quero ouvir você falar sobre si mesma desse jeito nunca mais. Me
compreende?
— Max, você nã o precisa...
— Nã o, Mia, estou falando sério. Você tem ideia de quanto valor
você agregou à empresa? Por que você acha que Verity ficou paranoica
com a sua possível partida? Você resolveu o BIM para todos os nossos
projetos recentes. Você ajudou cada pessoa neste escritó rio e
economizou milhares de horas de trabalho. Eu nã o dou a mínima se
você comeu um pouco da nossa comida. Por que você está preocupada
em comer uma torrada atrevida na cozinha? — Droga, agora minha voz
estava ficando toda embargada. Eu podia sentir meu cartã o de homem
escorregando do meu alcance.
— Mia, me desculpe por ter acusado você de agir pelas minhas
costas — disse Verity suavemente, com a voz também um pouco
embargada. — Eu nã o tinha ideia de que você se sentia assim. Você nã o
é nosso servo contratado só porque eu lhe dei uma chance quando você
precisou. Eu espero que você saiba disso. Espero que você fique porque
você quer ficar. Você está ... quero dizer, você precisa de dinheiro? Você
está com algum tipo de problema? Nã o nos importamos com a comida,
mas se precisar de ajuda, basta pedir.
— Está bem. Estou bem — disse Mia inclinando o queixo em um
â ngulo familiar e teimoso. Tive um forte impulso de arrastá -la pelo
escritó rio e segurá -la contra mim, mas sabia que isso me faria parecer
um pouco estranho e inapropriado. — Tive alguns problemas
financeiros por um tempo, mas agora está tudo resolvido. A ú nica coisa
que preciso é que você nã o me pressione por causa da foto. Estou
pedindo para nem aparecer listada no site como funcioná ria. Nã o será
para sempre. Mas por enquanto nã o posso ter esse tipo de exposiçã o.
— Tudo bem, Mia — disse Verity, examinando seu rosto. — Mas
estamos aqui se você precisar de nó s, certo?
— Certo, é claro. — A garantia de Mia nã o foi nada convincente,
mas ficou claro que ela havia nos confiado tanto quanto desejava.
Decidi nã o pressioná -la por enquanto.
Algo que eu me arrependeria.
CAPÍTULO TREZE
VOCÊ JÁ OUVIU FALAR EM SEPSE?

A tosse era uma coisa, mas lutar para respirar era outra dor de
cabeça que eu poderia viver sem. Até mesmo caminhar até a cozinha
me deixou respirando com tanta dificuldade que tive que me apoiar no
balcã o por um momento antes de poder estender a mã o para pegar
uma xícara. Distraída por outro acesso de tosse, esqueci de usar o braço
esquerdo e estendi a mã o direita, que nã o conseguiu nem chegar à
prateleira onde estavam as canecas. Xinguei baixinho e senti
movimento em minha visã o periférica.
— Se você está doente, você realmente nã o deveria estar no
trabalho — Max me disse e eu segurei um revirar de olhos. Ele havia
chegado na semana passada carregando a praga viral, entã o estava em
terreno instável ao defender essa linha de argumento.
Eu o ignorei e troquei de mã os para pegar uma xícara com a
esquerda.
— É só um resfriado — eu disse, abafando o pró ximo ataque de
tosse com um trago violento. A ú ltima coisa que eu precisava era ser
mandada para casa. Eu estava em casa.
— Você chega bem cedo, hein? — Max perguntou, cruzando os
braços sobre o peito e apoiando o quadril no balcã o ao meu lado.
— Sempre fui uma pessoa matinal — murmurei, entregando-lhe
um chá , preparado exatamente de acordo com suas especificaçõ es.
Desde que o ouvi ao telefone depois que comecei aqui, fiz questã o de
preparar chá para ele todos os dias. Normalmente eu conseguia deixá -
lo no escritó rio dele sem precisar falar com ele, como uma espécie de
ninja do chá . Ele fez uma careta para a xícara que eu tinha acabado de
colocar em suas mã os e eu suspirei. Nã o havia como agradar algumas
pessoas.
— Olha, vou me esconder na copiadora durante o dia. Há um
monte de coisas servis que precisam ser resolvidas lá e posso guardar
meus germes para mim mesma.
— Você tem uma obsessã o estranha pela copiadora. Você é
talentosa demais para ficar presa lá . — Ele suspirou. — Use meu
escritó rio. De qualquer maneira, estou fora esta manhã .
Minhas reservas sobre usar o espaço de Max foram rapidamente
superadas pela constataçã o de que eu estava realmente doente. Com o
passar do dia, cada respiraçã o e tosse tornaram-se terrivelmente
dolorosas no lado direito do meu peito – como uma faca quente
perfurando minhas costelas. E entã o houve os suores. Eles estavam
acontecendo o dia todo, apesar de eu estar com frio até os ossos. Eu
precisava desesperadamente de um banho para me aquecer. Eu
consegui entrar furtivamente no centro de lazer ontem, mas nã o havia
como eu ser forte o suficiente para repetir isso esta noite. E, além disso,
tudo o que eu realmente queria fazer era me enrolar em meu saco de
dormir e dormir, o que eu poderia fazer com alegria se todos
simplesmente saíssem do trabalho. Sã o seis horas pessoal! Vocês nã o
têm famílias para onde ir? Depois que eles fossem embora, eu nã o seria
cautelosa e esperaria até quase meia-noite para dormir. Eu me
enrolaria o mais rá pido possível. Por precauçã o, eu dormia embaixo de
uma das mesas. Outro ataque de tosse sacudiu meu corpo e quase
desmaiei de dor.
Talvez eu deveria tentar fazer um check-up? Mas eu nã o poderia
exatamente ir ao Clínico Geral. Eles iriam querer meu endereço e
alguma forma de identificaçã o (algo que Verity também vinha me
perseguindo ultimamente). Foi por isso que nã o respondi à mensagem
de Heath sobre a fisioterapia. Ele perguntou em qual Clínico Geral eu
estava inscrita e percebi que para fazer fisioterapia as coisas teriam que
ficar muito mais complicadas. Entã o, nã o há médico de família. Nenhum
pronto-socorro também. A ú ltima coisa que eu precisava era de um
Heath curioso pairando sobre mim se ele estivesse de plantã o.
Nã o, provavelmente era apenas um vírus.
Eu poderia dormir.
Mas quando a ú ltima pessoa saiu do dia e eu me enfiei no saco de
dormir, percebi que havia cometido um grande erro.
Estremeci com o ar da manhã enquanto entrava no prédio. Já
passava das sete. Talvez eu devesse ter configurado o aquecimento para
ligar mais cedo? Estava um frio de rachar agora – eu podia ver minha
respiraçã o na frente do meu rosto. Parei perto do aquecedor para ter
certeza de que estava funcionando e soprei em minhas mã os enquanto
caminhava até meu escritó rio, parando quando algo chamou minha
atençã o debaixo de uma das mesas. Eu fiz uma careta e inclinei a cabeça
para o lado. Alguém havia deixado uma pilha de casacos no chã o? Ao
contornar a mesa, percebi que nã o se tratava de uma pilha de casacos.
Era um saco de dormir contendo uma pessoa, e essa pessoa era Mia.
Minhas sobrancelhas subiram até a linha do cabelo e eu respirei
chocado.
— Mia? — Chamei e ela se mexeu. Suas pá lpebras tremeram, mas
depois se fecharam novamente. Eu me agachei na frente dela e meu
peito apertou. Ela parecia tã o pequena, deitada ali, enrolada em uma
pequena bola. O ar no escritó rio ainda estava gelado. Amaldiçoei-me
por estar muito apertado para manter o aquecimento ligado durante a
noite. Mas como eu poderia saber que a mulher iria dormir embaixo da
mesa? Ela disse que tinha problemas financeiros – ela nã o disse que era
uma sem-teto. — Mia? — Estendi a mã o e dei uma leve sacudida em seu
ombro. Ela fez um pequeno som e suas pá lpebras piscaram novamente,
mas ainda assim ela nã o acordou.
Foi entã o que notei que, apesar do frio, seu rosto estava coberto
por uma camada de suor e ela parecia mortalmente pá lida. Coloquei
minha mã o em sua testa e xinguei quando senti a pele queimando sob
meus dedos. Sua respiraçã o estava difícil e, quando retirei minha mã o,
ela começou a tossir. Droga, eu a ouvi tossindo nas ú ltimas semanas.
Mas ela sempre me garantiu que estava bem. Entã o eu ignorei, assim
como ela estava me ignorando. Eu estava tentando esquecê-la um
pouco, para ser honesto. Eu pensei que minha preocupaçã o com ela nã o
era saudável, entã o reprimi minha preocupaçã o e fiz o que fazia de
melhor – me enterrar no trabalho. Afinal, foi assim que lidei com a
perda da recente rejeiçã o de Rebecca e Teddy. Enterrar coisas e
trabalhar como um maníaco era o que eu fazia de melhor.
A tosse de Mia foi um som terrível e cortante que sacudiu todo o
seu corpo, mas ainda nã o pareceu ser suficiente para acordá -la. Eu
estava começando a ficar com medo agora. Balancei seu ombro com um
pouco mais de força e chamei seu nome novamente, mas ainda assim só
consegui provocar aquele pequeno tremor nas pá lpebras. Levantando-
me, uma das minhas mã os foi para a parte de trá s do meu pescoço
enquanto eu olhava para ela. Minha mente passou por todas as opçõ es.
Eu poderia ligar para Heath (mas quem sabia quanto tempo ele levaria
para chegar aqui e o que ele poderia realmente fazer sem nenhum
equipamento?). Eu poderia chamar uma ambulâ ncia (talvez a opçã o
mais sensata, mas, novamente, quanto tempo teríamos que esperar?).
Ou eu mesmo poderia levá -la ao hospital agora. Olhando para ela
enrolada assim no chã o, segui meu instinto.
— Max, o que está acontecendo? — Verity chamou do outro lado
do escritó rio. Olhei para cima e a vi parada com Yaz, as duas olhando
para mim e para a figura encolhida aos meus pés. — O que na Terra?
Os olhos de Verity se arregalaram quando se aproximaram de Mia.
Ignorando Verity e Yaz, me agachei e passei os braços por baixo de Mia.
Tentando ser o mais gentil possível, tirei-a de debaixo da mesa, com
saco de dormir e tudo. Depois que ela saiu, nã o foi preciso nenhum
esforço para levantá -la contra meu peito. Na verdade, fiquei um pouco
assustado com a facilidade com que foi pegá -la. Ela pesava quase nada.
Para meu alívio, levantá -la pareceu ser um estímulo suficiente para
trazê-la de volta à consciência.
— O que... o quê? — Ela disse em um sussurro rouco. Olhei para o
rosto dela e aqueles olhos chocolate encontraram os meus. — Eu... Eu...
— Você está doente — eu disse, pela primeira vez conseguindo
suavizar minha voz. Movi o braço que estava em volta de suas costas
para poder prender o saco de dormir com mais firmeza em seu
pescoço.
— Eu nã o acho...
— Você nã o pensa mais — eu disse. — É evidente que o seu
pensamento sobre a sua saú de e bem-estar nã o tem sido nada
brilhante. Vou pensar agora. Começaremos levando você ao hospital.
Apesar da exaustã o que pude ver estampada em seu rosto, seus
olhos se encheram de pâ nico. — N... nã o, eu nã o posso... — ela foi
interrompida por outro ataque de tosse. Aquele som horrível de hack
encheu o escritó rio, todo o seu corpo ficando tenso e curvado com a
força enquanto ela estava deitada em meus braços. Depois que ela
terminou, ela olhou para mim novamente. Sua boca estava numa linha
sombria e o pâ nico em seus olhos foi substituído por dor. Sua
respiraçã o voltou a ser aquele chocalho anormal.
— Ok — ela sussurrou enquanto suas pá lpebras se fechavam
novamente. Na verdade, ela parecia mais pá lida do que antes. Eu estava
começando a ficar com muito medo agora e sua aquiescência me
preocupou ainda mais.
— Vou levá -la ao pronto-socorro — disse a Verity e Yaz. Ambas
estavam olhando para mim com expressõ es abertamente chocadas.
— Você nã o acha que deveríamos chamar uma ambulâ ncia? —
Verity disse. Eu a ignorei, coloquei o pequeno corpo de Mia mais perto
do meu peito e saí do escritó rio.
A primeira coisa que pensei ao abrir os olhos foi que as luzes
estavam muito fortes. Dolorosamente brilhante. E algo estava cobrindo
minha boca. Estendendo a mã o, senti uma má scara de plá stico sobre
meu rosto e rapidamente puxei-a até abaixo do queixo. Minha mã o
esquerda também parecia restrita e, quando olhei para baixo, vi
bandagens em volta dela, prendendo alguns tubos. Meus olhos
seguiram o tubo até um gotejador ao lado da cama em que eu estava
deitada, e foi entã o que os vi: dois pés enormes, calçados com botas que
já tinham visto dias melhores. Meu olhar subiu dos pés para pernas
grandes bem abertas, um peito largo, queixo mal barbeado e,
finalmente, aquele rosto em toda a sua perfeiçã o esculpida. Os olhos de
Max estavam fechados, as mã os apoiadas sobre a barriga lisa e a cabeça
em um â ngulo estranho na cadeira. Durante o sono, e sem a carranca
perpétua, ele era tã o bonito que quase doía olhar para ele. Tentei me
sentar e a tosse começou novamente.
— Coloque a má scara de volta — o tom familiar e rosnado me fez
estremecer na cama. Os olhos verdes de Max estavam abertos e alertas
agora, sua carranca firmemente de volta ao lugar. Ele parecia tã o
irritado que decidi que era melhor fazer o que ele pediu, cobrindo a
boca novamente com o plá stico, apesar da claustrofobia que isso
induziu.
Deus, eu odiava hospitais.
Eles me faziam sentir presa. Eu os associava à dor e à
desesperança.
Vasculhando minhas memó rias, tentei entender como vim parar
aqui. Lembrei-me de acordar no carro de Max com outro ataque de
tosse. Ele estava dirigindo rá pido demais e ficava olhando para mim
enquanto eu estava deitada com a cabeça no colo de Yaz, o que achei
perigoso, mas nã o parecia ter fô lego para dizer isso a ele. Depois disso,
as coisas ficaram um pouco confusas, mas tive flashes de Max me
carregando para o pronto-socorro e gritando por socorro. Fui colocada
em uma maca e havia o que pareciam ser centenas de pessoas
movimentadas ao meu redor – me espetando agulhas, me fazendo
perguntas, me examinando.
Eu tinha feito uma radiografia de tó rax – disso eu me lembrava.
Heath estava lá e me disse que eu estava com pneumonia. Pneumonia?
Ele me apresentou a outra médica – uma mulher baixa e eficiente que
me disse que era consultora médica e que eu seria internada no
hospital sob seus cuidados.

Eles queriam saber meu nú mero do NHS4.


Eu nã o estava orgulhosa disso, mas fingi adormecer para fazê-los
ir embora. Mas devo ter adormecido de verdade no final, porque aqui
estava eu.
— O que... er, o que... o que você está fazendo aqui? — Perguntei,
irritada com a má scara abafando minha fala.
— Você pegou pneumonia — Max me disse. Sua voz soava
acusadora, como se fosse minha culpa estar doente.
— Bem, sim, mas…
— Entã o, quando eu disse para você tirar uma folga. Quando eu
disse para você ir ao médico, você provavelmente deveria ter me ouvido
muito bem. — Ele parecia realmente zangado agora.
Fechei os olhos para bloquear seu rosto carrancudo. Eu nã o tinha
energia para Max agora. Max era uma pessoa muito cansativa. Nesse
momento, eu nã o parecia ter energia para lidar com muito mais do que
respirar. Quando tentei limpar a garganta, outro ataque de tosse
começou. Sentei-me para a frente com a violência daquilo, tentando
despedaçar o que quer que parecesse estar alojado em meu peito.
Lá grimas escorreram pelo meu rosto e senti uma mã o grande pousar
nas minhas costas.
— Ok, amor — ele murmurou em voz baixa. — Você estará bem.
Tudo vai ficar bem. — Ele estava esfregando círculos nas minhas costas
agora e a sensaçã o era estranhamente calmante. Quando a tosse cessou,
ele me ajudou a me colocar de volta nos travesseiros e depois enxugou
as lá grimas do meu rosto antes que eu pudesse alcançá -las. Sua
expressã o passou de raiva para intensa preocupaçã o no espaço de
segundos.
— Sinto muito — disse ele, ainda usando aquela voz baixa e
suave. — Eu posso ser um bastardo quando estou preocupado. Traz à
tona o que há de pior em mim.
Lá estava ele de novo – se desculpando por ter falado
bruscamente comigo. Algo que ele fez por preocupaçã o. Simplesmente
nã o era o que eu estava acostumada. Eu nã o sabia o que dizer. Olhei
para ele com uma carranca e depois desviei o olhar rapidamente.
— Eu... er, está tudo bem. Você está bem. Nã o há necessidade de...
— Eu parei quando a médica de ontem entrou no cubículo.
— Mia? — ela disse. — Sou a Dra. Firth, a consultora responsável
pelos seus cuidados.
— Eu me lembro — eu disse por trá s da má scara.
— Você terá que ficar um pouco conosco — ela me disse. — Você
já ouviu falar de sepse?
— Hm, eu acho...
— A sepse é a resposta do corpo a uma infecçã o avassaladora. Sua
pneumonia criou essa resposta. Você tem estado muito mal. Muitas
vezes podemos tratar infecçõ es respirató rias na comunidade com
antibió ticos orais, mas você precisará de tratamento intravenoso pelo
menos nas pró ximas quarenta e oito horas. Eu... — Ela parou e olhou
para Max. — Você é parceiro dela? — Algo estava errado na maneira
como ela disse isso – havia um certo tom ali, como se ela estivesse com
raiva. Mas isso nã o fazia sentido.
— Nã o, eu...
— Ele é meu chefe — eu disse.
— Eu sou Max, um amigo de Heath. Eu a trouxe.
— Ah, certo. Max, é claro. Heath já mencionou você antes — disse
a Dra. Firth com ó bvio alívio. Esse tom de raiva deixou sua voz e um
pouco da tensã o em torno de sua boca relaxou. — Tudo bem, Mia.
Preciso falar com você a sós. Tudo bem?
A mã o grande de Max envolveu a minha desde o ataque de tosse e
por alguma razã o eu me senti... segura. Eu sabia que nã o deveria. Eu
sabia que deveria mandá -lo embora, mas estava tã o exausta.
— Max pode ficar? — Perguntei em voz baixa e ele apertou minha
mã o. A Dra. Firth pareceu surpresa.
— Bem, sim, mas... — Dra. Firth fez uma pausa, olhou para Max
novamente e entã o suspirou. — Mia, nã o é normal que alguém da sua
idade contraia uma pneumonia tã o grave.
Eu enrijeci. Onde ela estava indo com isso?
— A menos que... Mia, a menos que estejam desnutridos e abaixo
do peso. Isso pode colocá -los em risco de pneumonias e outras
infecçõ es.
— Ah. Eu...
— Mia, você sabe que está abaixo do peso?
— Bem...
— Heath me contou sobre um incidente há algumas semanas.
Você estava hipotérmica? Ele tinha preocupaçõ es na época e tem
algumas... preocupaçõ es contínuas.
Ela estava sentada na beira da cama agora e eu poderia dizer onde
ela queria chegar pela expressã o em seu rosto.
Pena.
Ela sabia.
De repente, nã o parecia uma boa ideia Max estar aqui comigo.
— Sua radiografia de tó rax nã o mostrou apenas pneumonia, mas
você sabe disso. Nã o é, Mia?
Meus olhos se voltaram para Max, que estava franzindo a testa
confuso para a Dra. Firth.
— Pensando bem, eu realmente preferiria falar com você a só s,
Dra. Firth — eu disse antes que ela pudesse continuar.
— Claro — ela me disse. — Max, você se importaria? — Max
olhou entre mim e a médica, um mú sculo tremendo em sua mandíbula
e preocupaçã o em sua expressã o.
— Max? — Dra. Firth perguntou quando ele nã o se moveu.
— Ok, ok — ele murmurou. — Eu vou... eu vou tomar um café. —
Ele apertou minha mã o novamente antes de soltá -la. — Volto em breve,
amor.
Quando a porta se fechou atrá s dele, a Dra. Firth se virou para
mim e sua voz se suavizou.
— Entã o, as velhas fraturas de costelas que você tem nã o sã o uma
surpresa, suponho?
— Nã o — eu sussurrei.
Desviei o olhar de seu rosto gentil e olhei para a torneira no canto
da sala. Estava pingando. Certamente as torneiras dos quartos dos
hospitais nã o deveriam pingar assim?
— Mia, conversei com Heath sobre sua admissã o anterior
também.
Eu balancei a cabeça. Eu deveria ter esperado isso.
— Vamos precisar do seu nome verdadeiro. Você sabe disso, nã o
é?
Balancei a cabeça novamente. Eu estava cansada de lutar o tempo
todo. Lutando para sobreviver, lutando pela minha liberdade, lutando
para apenas ser. Eu sempre odiei mentir, mas Nate lentamente,
insidiosamente, fez de toda a minha vida uma mentira até que se
tornou quase uma segunda natureza.
— Meu nome é Amelia. Amelia Banks.
CAPÍTULO QUATORZE
EU ODEIO HOSPITAIS

Uma onda de tontura tomou conta de mim enquanto eu estava


sob o jato constante do chuveiro. Era tã o forte que tive que segurar a
saboneteira para ficar de pé. Quase arranquei a maldita coisa da
parede.
— Você está bem aí, querida? — Carol chamou do outro lado da
porta do chuveiro, e fechei os olhos enquanto deslizava pelos azulejos
para sentar no chã o do chuveiro. Lentamente, a visã o de tú nel foi
resolvida e a ná usea diminuiu o suficiente para que eu falasse.
— Estou bem — gritei, mas minha voz estava fraca demais para
ser ouvida durante o chuveiro, e antes que eu percebesse, Carol entrou
no pequeno banheiro.
— Oh, querida — ela murmurou enquanto puxava a cortina para
me ver em uma pilha patética no chã o do chuveiro. — Você deveria ter
me chamado. — Ela desligou a á gua e, com a eficiência de uma
enfermeira com décadas de experiência, me envolveu em duas toalhas
hospitalares e me ajudou a ficar de pé. Antes que eu tivesse tempo de
ficar envergonhada, ela me enxugou, me vestiu e me ajudou a voltar
para a cama.
— Obrigada — eu disse, e ela sorriu para mim como se nã o fosse
nada. Tenho certeza de que seus dias foram repletos desses pequenos
atos de heroísmo, e tenho certeza de que ela nunca percebeu o quanto
eles eram importantes.
— Seu namorado estava aqui enquanto você estava no banho —
ela me disse enquanto se apressava para pendurar as toalhas no meu
banheiro.
— Ele nã o é meu namorado, Carol — eu disse pelo que pareceu
ser a centésima bilionésima vez. — Ele é meu chefe.
— É claro que é, querida — disse Carol, dando-me um sorriso
indulgente, como se eu fosse uma criança negando minha primeira
paixã o.
Carol é a enfermeira para quem eu contei todos os meus segredos
no terceiro dia de internaçã o. Aquela que me deu o nú mero da equipe
local de violência doméstica. Depois de nã o contar nada a ninguém por
tanto tempo, acabei contando tudo para essa mulher, e nã o apenas
sobre Nate, mas tudo sobre Max e como ele tinha sido um bastardo mal-
humorado para se trabalhar, mas também tã o inesperadamente gentil.
Sobre como achei confuso que ele estivesse me visitando no hospital.
Carol me deixou falar. Depois que terminei, quando pensei que ela
poderia ligar para a polícia, ela me abraçou e disse que tudo ficaria
bem. Que eu nã o precisava ser uma sem-teto. Que havia ajuda para
pessoas na minha situaçã o. Bastou um pouco de confiança. Eu pensei
que minha cota de confiança havia se esgotado, mas a perspectiva de
mais noites na rua em meu atual estado de fraqueza me fez mudar de
ideia.
Desejei ter seguido o conselho de Heath e contatado a equipe de
violência doméstica antes. Eu estava com tanto medo que eles me
obrigassem a ir à polícia. Mas tudo o que eles queriam era me ajudar e
me dar conselhos. Tudo foi sobre minha escolha. A funcioná ria que veio
me ver no hospital me disse que o refú gio local para mulheres nã o tinha
mais quartos, mas havia uma pequena pousada pró xima onde eu
poderia ficar enquanto esperava que um estivesse disponível. Entã o,
hoje eu decidi que era para lá que eu estava indo. Nã o podia mais ficar
no hospital. Além da minha aversã o a eles (o cheiro e a atmosfera
clínica traziam de volta muitas lembranças dolorosas), eu nã o deixaria
Max pagar por mais uma noite aqui. De alguma forma, ele me transferiu
para um quarto privado depois de minha estadia na unidade de alta
dependência, murmurando algo sobre cuidados de saúde dos
funcionários. Eu sabia que nã o tínhamos cuidados de saú de privados
incluídos nos nossos contratos. Max estava pagando do pró prio bolso.
— Mia, por que sua mala está meio feita? — Carol perguntou. —
Eu nã o sabia que você estava recebendo alta hoje.
Dei de ombros.
— Nã o tenho certeza se essa é a melhor ideia, querida — ela disse
com a voz cheia de preocupaçã o. — Você ainda está fraca como um
gatinho.
— Está bem. Estou bem — eu disse a ela, mantendo um olho na
porta para o caso de Max voltar.
— Olha, acho que você deveria esperar até a rodada da
enfermaria. Realmente nã o é...
— Eu tenho que sair daqui — eu disse em um sussurro feroz. —
Por favor, Carol. Não posso mais ficar aqui.
Uma campainha tocou no corredor e ela franziu a testa.
— Droga — ela retrucou enquanto se levantava da cama. —
Escute, espere um minuto, ok? Volto em um segundo e podemos
conversar sobre isso. Apenas... espere. Nã o se mova. — Ela me lançou
um olhar cauteloso e apontou para mim antes de sair. Recostei-me nos
travesseiros e fechei os olhos, derrotada. Carol estava certa. Eu
precisava de ajuda. Talvez…
Tomando uma decisã o em uma fraçã o de segundo antes que
pudesse pensar melhor, peguei meu celular na mesa e disquei o nú mero
que sabia de cor, mas que nã o ousei colocar em meu novo telefone, caso
a tentaçã o de ligar se tornasse demais.
— Olá ? Quem é? — Fechei os olhos quando a voz da minha irmã
tomou conta de mim. Ela parecia estar em casa.
— Marnie — sussurrei ao telefone.
— Mimi? Mimi, é você? Onde você está ? — Sua voz estava
aumentando agora. Ela parecia frenética.
— Marnie, estou com problemas. — Lancei um olhar para a porta
do quarto em que estava. Havia apenas mais um paciente na unidade,
mas Dorothy sofria de demência tã o grave que a ú nica comunicaçã o
real que ela iniciou comigo foi enfiar a cabeça e perguntar por sua mã e
ou uma xícara de chá (o chá era possível... a mã e, já que a pró pria
Dorothy acabara de comemorar seu nonagésimo aniversá rio, nem
tanto). Entã o, embora houvesse poucas chances de ser ouvida, eu sabia
que nã o tinha muito tempo. — Eu... acho que preciso da sua ajuda.
— Qualquer coisa, Mimi — disse Marnie. — Você sabe disso. Por
favor, apenas me diga onde você está . — Ela estava chorando agora e
fechei os olhos enquanto a culpa familiar tomava conta de mim. Marnie
era apenas dois anos mais velha que eu, mas, mesmo com uma pequena
diferença de idade, sempre foi muito protetora. Sempre querendo lutar
minhas batalhas por mim. Ninguém mexeu com a irmã mais nova de
Marnie... até Nate, claro.
— Por favor, nã o chore, Marnie. — Minha voz foi torturada. Por
que nã o ouvi minha família há seis anos? Por que nã o deixei Marnie ser
a irmã mais velha que ela sempre quis ser?
— Eu sabia que algo estava errado quando aquele filho da puta
malvado apareceu farejando — ela cuspiu. A raiva substituiu as
lá grimas agora. Eu congelei na cama e meus olhos se arregalaram.
— Nate foi ver você?
— Perguntando se você esteve em contato. Disse que vocês
tiveram uma “pequena briga” e que “saiu voando”.
Imagens passaram pela minha mente - eu rastejando para longe
dele com apenas um braço trabalhando, ouvindo seus passos e depois
sentindo a dor dilacerante no couro cabeludo enquanto ele me arrastava
de volta pelo chão pelos cabelos até a cozinha; minha cabeça voou para o
lado quando ele me deu um tapa com as costas da mão, depois meus
olhos se fixaram na faca que estava ao lado da tábua de cortar...
Então eu fui correndo para fora de casa, agarrando minha mochila
e indo direto para o segurança de Nate (eu sempre me dava bem com
Brian, tomávamos uma ou outra xícara de chá em casa. Ele me lembrava
meu pai); registrando o choque em seus olhos azuis desbotados ao
observar meu rosto espancado e minha camisa manchada de sangue;
meu estômago revirou quando ele me levou para fora até seu carro e
perguntou se o sangue em minhas mãos era meu.
— Não — eu respondi, minha voz rouca de tanto gritar. — Não é
meu.
Ele sorriu então. Um sorriso largo, profundamente satisfeito e um
pouco assustador.
— Bom — ele disse em um tom feroz, seus olhos fixos nos meus,
cheios de fogo. — Bom, Amelia.
Ele sabia de quem era o sangue e estava feliz. Não foi a primeira vez
que ele me viu com uma lesão. Ele me colocou em seu carro e saiu
correndo. Cada solavanco na estrada sacudia meu ombro. Eu tentei
conter meus pequenos estremecimentos de dor, mas ele percebeu e seus
lábios se apertaram.
— Espero que ele queime no inferno — ele murmurou baixinho e
meu sangue gelou. E se Nate estivesse morto? Houve muito sangue. E se
eu o tivesse matado? Foi então que fiz Brian chamar a ambulância para a
casa que havíamos deixado para trás. Eu não poderia ter a vida de Nate
na minha consciência.
Havíamos dirigido deliberadamente por mais de duas horas até a
costa, até um hospital longe da minha casa. Antes de me acolher, ele
agarrou minhas duas mãos, ignorando a grande quantidade de sangue
agora seco em minha pele, e olhou nos meus olhos, aquele olhar feroz nos
seus.
— Entre aí, mocinha — disse ele. — Você se arruma e depois corre.
Nunca olhe para trás. Fuja e continue correndo. Você me entende? — Ele
me deu todo o dinheiro que tinha na carteira e me conduziu até o balcão
de triagem.
Portanto, pequena briga e sair voando nã o eram termos
totalmente precisos. E Nate nã o estava queimando no inferno – mas
estava procurando por mim.
— Mimi? Você está aí, querida? Fale comigo, por favor.
Foi entã o que percebi que, por mais que quisesse, nã o poderia ir
para a casa da minha irmã agora.
Engoli. — Estou bem. Eu só queria que você soubesse que estou
bem.
— Mimi! Diga-me onde você está . Podemos resolver tudo a partir
daí. Apenas me diga o que...
— Tenho que ir — sussurrei enquanto o grande corpo de Max
preenchia a entrada da baía. — Prometo que ligo para você em breve.
— Mimi, nã o... — Tirei o telefone do ouvido. Minha mã o tremia
quando pressionei a tela para encerrar a chamada. Eu ainda podia ouvir
minha irmã gritando na linha antes de interrompê-la. Max parou ao
lado da minha cama, enfiou as mã os nos bolsos e franziu a testa para
mim.
— Ei — ele disse, sua voz rouca.
— Ei — respondi, conseguindo um pequeno sorriso de lá bios
fechados enquanto começava a pegar a escassa quantidade de coisas
que tinha sobrado no meu armá rio lateral. Eu já havia surrupiado uma
das toalhas do hospital – ela estava enfiada nas profundezas da minha
mochila. Quando eu tivesse mais dinheiro, doaria algo ao hospital para
substituí-la. Mesmo assim – eu era uma ladra e nã o era a primeira vez.
Provavelmente havia um lugar especial no inferno para pessoas que
roubavam de hospitais, mas por enquanto eu nã o conseguia me
importar.
Max olhou para a mala meio pronta em cima da cama e depois
para meu rosto.
— Você vai a algum lugar? — Ele perguntou.
— Vou ter alta hoje — menti enquanto fechava o zíper da mochila.
Eu estive na unidade de alta dependência tomando antibió ticos
intravenosos durante os primeiros dois dias até meu peito melhorar. Eu
estava na enfermaria geral há três dias. Eu estava definitivamente me
recuperando. Mais ou menos.
— Hmm — ele murmurou. — Só um minuto, eu hum... preciso
fazer uma ligaçã o. Coisas de negó cios. — Ele saiu do quarto, tirando o
telefone do bolso de trá s. Continuei reunindo meus escassos pertences,
o que demorou mais do que deveria com minha respiraçã o ainda tã o
difícil. Quando finalmente terminei, sentei-me na beira da cama,
tentando recuperar o fô lego. Max escolheu aquele momento para
aparecer novamente na porta e isso teve o infeliz efeito de desencadear
outro de meus ataques de tosse. Eles eram menos frequentes agora,
mas eu sabia que ainda parecia um homem de setenta anos com
enfisema. Enquanto meu corpo convulsionava com a força da tosse e as
lá grimas escorriam pelo meu rosto, senti a enorme mã o de Max
repousar nas minhas costas, espalhando-se por quase toda a sua
largura. A sensaçã o de seu calor me consolidou, assim como aconteceu
em todas as outras vezes que ele fez isso nos ú ltimos cinco dias. Eu me
senti calma, apesar da tosse, e depois de mais alguns sons cortantes, o
ataque cedeu.
— Você está bem, moça? — Sua voz era baixa e gentil e sua
carranca se transformou naquele olhar ligeiramente em pâ nico e
preocupado que ele costumava ter ultimamente. Por que ele veio me
visitar eu nã o tinha ideia. Na UDH eu nã o tinha muita coragem de
conversar, entã o ele apenas ficou parado ao lado da cama, com as mã os
enfiadas nos bolsos, antes de exigir um relató rio de progresso da
equipe. Acho que a maioria das pessoas tinha a impressã o de que ele
era meu namorado. Uma suposiçã o que estava tã o longe da realidade
que tive dificuldade em entendê-la.
Na época, nã o entendi por que Max estava tã o interessado e
duvidava que ele permanecesse por aqui por tanto tempo, entã o foi
uma surpresa quando ele se tornou um visitante diá rio. Até agora eu
estava muito desorientada e doente para realmente questionar por que
ele estava fazendo tudo isso. Talvez ele tenha se envolvido com algum
membro da equipe que estava doente? Talvez houvesse algum tipo de
política estranha de RH que o obrigasse a visitar o hospital?
Ontem ele trouxe Yaz e Verity com ele. Yaz me deu um colar de
â mbar destinado a extrair toda a minha energia negativa do meu peito.
Verity, estando no extremo um pouco mais prá tica do espectro, me
trouxe frutas e livros. Max nã o me trouxe nada, além da sala privada, é
claro. Eu também nã o tive energia para discutir sobre isso.
— Estou bem — murmurei, e sua mã o caiu. Por alguma razã o, a
perda de seu calor fez meu estô mago apertar. Endireitei-me e enxuguei
as lá grimas debaixo dos olhos antes de colocar o cabelo atrá s das
orelhas. Tinha crescido quase na altura dos ombros agora. Eu estava
desesperada para cortá -lo novamente, mas nã o confiava em mim
mesma para nã o fazer outro trabalho de machadinha no processo.
Meus fundos definitivamente nã o se estendiam para ir ao cabeleireiro.
Embora isso mudaria em breve. A equipe de violência doméstica me
disse que eu poderia abrir uma conta bancá ria no HSBC sem endereço
permanente. Aparentemente, era um dos ú nicos lugares onde as
mulheres hospedadas no refú gio podiam abrir uma conta, já que nã o
era permitido fornecer o endereço do refú gio. Depois de fazer isso,
finalmente poderia dar a Mary um lugar para depositar meu salá rio. Eu
estava prestes a pegar minha bolsa quando Max deu um passo à frente,
sua mã o grande fechou uma das alças e a colocou no ombro.
— Onde você está indo? — Ele perguntou novamente.
Olhei da minha bolsa para o rosto dele e foi minha vez de franzir a
testa.
— Tive alta. Meu peito está melhorando agora apenas com os
antibió ticos em comprimidos. Nã o preciso mais estar aqui.
— Certo.
— Certo. — Peguei minha bolsa em seu ombro apenas para fazê-
lo dar um passo para trá s.
— Uh, entã o eu meio que preciso da minha bolsa.
— Você tem algum lugar onde possa ficar? — Ele perguntou, seus
olhos muito inteligentes me avaliando agora. E foi entã o que percebi.
Ele sabia.
Fechei os olhos e apertei os lá bios, esperando que, se eu desejasse
com força suficiente, Max desapareceria e eu nã o teria que ter a
conversa inevitavelmente humilhante que estávamos prestes a ter.
Claro, com a minha sorte atual, quando os abri ele ainda estava lá , mas
agora seus braços estavam cruzados e ele exibia uma expressã o
teimosa.
Limpei a garganta e coloquei meu escasso material de higiene de
volta em sua pequena bolsa, enquanto sentia meus ombros ficarem
tensos e subirem em direçã o à s orelhas em um gesto defensivo.
— Claro que sim — eu disse a ele, arriscando olhar para seu rosto.
Sua expressã o era calculista agora.
— Ok — ele disse lentamente. — Eu levo você.
— N... nã o! — Suas sobrancelhas se ergueram e percebi que
estava gritando. Cerrei os punhos ao lado do corpo e fiz um esforço
concentrado para acalmar minha voz. — Quer dizer, obrigada, mas nã o
preciso de carona para lugar nenhum. Entã o…
Ele encolheu os ombros. — É domingo. Eu nã o estou fazendo
nada. Nã o faz sentido você pegar um tá xi.
— Ah, tudo embalado? Aquilo foi rá pido.
Merda. Carol novamente.
— Eu realmente acho que seria melhor você ficar para que...
— Estou indo embora, Carol.
Carol suspirou e cruzou os braços sobre o peito. — Nã o posso
impedir você de ir embora, mas você sabe que precisa ir com calma nas
pró ximas semanas, certo? — Carol perguntou, lançando um rá pido
sorriso a Max.
Carol gostava de Max. — Assim como o meu Barry — ela disse
ontem. — Rú stico e duro por fora, mas por dentro – marshmallow e
pelo de gatinho. Isso me fez pensar em Nate. Seu exterior era tã o suave
e encantador, mas nã o houve nenhum aviso do gelo abaixo. — Bela
bunda também — ela acrescentou, e eu revirei os olhos.
— Sim, Carol — eu disse com os dentes cerrados. — Eu vou ficar
bem.
— Refeiçõ es regulares também nã o fariam mal — ela acrescentou,
estreitando os olhos para mim. Acontece que a pneumonia matava o
apetite. Combine isso com o peso anterior perdido e você terá minha
forma quase esquelética atual. Nã o é o melhor visual. E ainda por cima,
um pouco do meu cabelo caiu no chuveiro ontem. Eu estava me
transformando em uma espécie de cachorro sarnento e desnutrido. Eu
estava prestes a responder quando a porta se abriu novamente.
— Olá Mia, Max.
Maldita merda dupla. Nã o consegui descansar por aqui.
— Olá , Dra. Firth — murmurei, colocando minha bolsa no ombro
em preparaçã o para minha fuga.
— Me chame de Becky — ela disse enquanto tirava meu
prontuá rio da mesa de cabeceira e o estudava.
— Sem febre em dois dias, PCR e contagem de gló bulos brancos
diminuindo. Coisa boa. Eu acabei de...
— Ó timo — eu interrompi, dando um pequeno passo em direçã o
à porta. — Quero dizer, obrigada. Você realmente nã o precisava vir no
domingo. Me desculpe eu...
— Eu sei que nã o precisava entrar. Há uma equipe de plantã o. Mas
Max me ligou e eu estava a caminho da Homebase de qualquer maneira.
Fiz uma pausa antes de dar outro passo.
— Homebase?
— Fica na á rea industrial, logo depois do hospital. Preciso de um
pouco de composto e de algumas bolinhas de lesmas.
— Você ligou para ela? — Perguntei a Max e ele enfiou as mã os de
volta nos bolsos.
— Você nã o recebeu autorizaçã o para sair. Nã o achei que nó s
deveríamos correr nenhum risco. Heath e Becky sã o amigos, entã o ele
me deu o nú mero dela.
O que estava acontecendo? Max nã o achava que “nó s” deveríamos
correr algum risco? Desde quando meus problemas eram problemas
dele? Abri a boca para falar, mas fui interrompida pela Dra. Composto e
Pelotas de Lesma.
— Eu ficaria feliz se você fosse embora, Mia — ela disse
suavemente. — Se você tem alguém em casa para ficar de olho em você.
Caso contrá rio, eu realmente acho que seria melhor você ficar aqui por
mais vinte e quatro horas, pelo menos. Carol me contou sobre o
incidente do chuveiro.
Traidora. A impenitente Carol me deu um largo sorriso.
Percebi a expressã o sincera e carinhosa da Dra. Firth e entã o
deixei minha bolsa escorregar do meu ombro e cair na cama. Ela estava
certa. Eu estava fraca demais para cuidar de mim adequadamente. Eu
precisava de pelo menos mais um dia de refeiçõ es que nã o tivesse que
procurar por mim mesma e descanso adequado. O incidente do
chuveiro foi prova disso.
— Está bem, ok — murmurei, de repente me sentindo muito boba
por causar toda essa confusã o em um domingo. — Vou ficar mais uma
noite.
Observei Mia sentada na cama ao lado de sua mochila patética,
uma expressã o de completo desâ nimo tomando conta de sua expressã o.
— Eu... me desculpe por causar todo esse incô modo. Eu nã o
queria... — ela parou, olhou para os sapatos e prendeu o cabelo atrá s
das orelhas. — Eu simplesmente odeio hospitais — ela sussurrou. Senti
algo mudar em meu peito, quase como se estivesse se abrindo.
— Ela está voltando para casa comigo — eu disse, minha voz
rouca fazendo soar mais como uma ameaça do que uma oferta de ajuda.
A cabeça de Mia se ergueu. Carol sorriu para mim.
— Ah, bem, isso muda as coisas.
— Tudo bem — Becky Firth disse lentamente, seus olhos
passando entre Mia e eu. — Você vai alimentá -la, nã o é, Max?
Revirei os olhos. — Eu sei cozinhar e tenho um quarto vago. — Na
verdade, eu tinha três quartos vagos, mas Becky nã o precisava saber
disso. Dei de ombros. — Nã o será um problema.
Mia ainda estava sentada na cama, mas seus olhos arregalados
estavam fixos em mim agora.
— Você nã o precisa fazer isso — ela murmurou. — Eu posso ficar
aqui... ou posso falar com a minha... — Ela parou e mordeu o lá bio.
— Sua…?
Ela balançou a cabeça. — Nã o, desculpe, eu nã o estava pensando
direito. Eu... olha, vou ficar e entã o... — ela parou novamente e seu rosto
ficou vermelho brilhante. — Oh, besteira — ela murmurou. — Você está
pagando pelo maldito quarto. Eu quase esqueci.
— A empresa paga — menti. Era totalmente eu, mas nã o queria
parecer estranho. — E está tudo bem. É ... uh... dedutível nos impostos.
— O que...
— Mas você nã o gosta daqui e nã o precisa ficar aqui. — Minha
voz estava aumentando. Ver Mia ligada a todos aqueles soros e
má quinas há poucos dias e agora vê-la tã o desanimada com a
perspectiva de ficar neste lugar estava me afetando. — Tenho uma casa
enorme. Muitos quartos vazios e uma geladeira cheia de comida. Claro
que eu posso...
— Como é o seu sistema de segurança? — Mia perguntou, sua
expressã o cuidadosamente vazia.
— Minha segurança? Pois bem… tenho portõ es eléctricos com
alto-falante, um sistema de alarme que é ativado com um có digo. E um
pastor-alemã o.
Seus olhos ficaram arregalados novamente por um momento, mas
entã o, para minha surpresa, ela sorriu.
CAPÍTULO QUINZE
ELA PODE FICAR

Dane-se o refú gio e dane-se a pousada.


Eu ia ficar em uma casa com um maldito portã o, um sistema de
alarme e um maldito Pastor-alemã o. Entã o talvez o medo doentio que
eu carregava desde a visita de Nate ao escritó rio diminuísse. Eu nã o
podia ir para minha irmã . Nate me encontraria lá facilmente. Eu sabia
que deveria contar toda a situaçã o a Max, mas só precisava de um
descanso. Quando eu estivesse mais forte, só um pouco mais forte, eu
contaria a ele. Se ele me expulsasse, eu ainda teria uma chance no
refú gio. Com minhas forças de volta e minha inteligência, seria muito
mais provável que eu conseguisse escapar de Nate. Para ser sincera, eu
sabia que, na verdade, teria que seguir em frente em breve,
especialmente agora que Max estava envolvido em um dos projetos de
Nate. Mas eu também sabia como era difícil estabelecer uma vida em
uma nova á rea quase sem recursos. Nã o era uma opçã o pela qual eu
estava muito interessada no momento.
Paramos diante de alguns portõ es de aço inoxidável, que se
abriram automaticamente. Inclinei-me para frente enquanto
entrávamos na garagem e pisquei para a bela estrutura à nossa frente.
Estava afastada da estrada e o ú ltimo andar tinha vidro do chã o ao teto.
A casa era revestida com algum tipo de madeira envelhecida e quando
saí do carro percebi que o teto de vá rios níveis estava coberto de
musgo, grama e flores silvestres.
— Uau — respirei ao mesmo tempo que Max murmurou: — Que
merda.
Ele estava olhando para outro pequeno carro elétrico na garagem.
O tamanho do carro de Max foi um pouco chocante para mim.
Fiquei surpresa que ele conseguiu dobrar seu enorme corpo nele. Max
se virou para mim e sua mã o grande foi esfregar sua nuca.
— Escute, Teddy está aqui. Pensei que ele ia ficar com um amigo
esta noite. Eu nã o contei a ele que você vem, entã o... — Ele suspirou. —
Ele pode ser um pouco...
— Quem é Teddy? — Perguntei, olhando ao redor de Max para
olhar para a porta da frente. Outro suspiro.
— Teddy é meu... bem, ele é meio que meu enteado.
Essa declaraçã o me atingiu como um golpe forte no peito.
Max tinha uma espécie de enteado.
Ele provavelmente tinha uma esposa lá também.
Dei um passo para trá s, mas percebi que os portõ es atrá s de mim
estavam fechando novamente.
— Seu enteado? — Eu perguntei, minha voz saindo em um
guincho. A decepçã o tomou conta de mim como um cobertor familiar. O
que era ridículo.
— Max? — Uma voz profunda gritou da casa. Pude ver que a porta
estava agora aberta e quase inteiramente preenchida por uma enorme
figura masculina com um grande cachorro preto ao seu lado. O cachorro
emitiu um rosnado baixo e lutei contra o instinto de dar mais um passo
para trá s.
— Ei, Ted — disse Max, virando-se e subindo os degraus correndo
até o homem corpulento na porta. — Ouça, algo aconteceu e eu... quero
dizer, temos uma convidada por um tempo. — Eu nunca tinha ouvido
Max parecer tã o hesitante. — Uh… Mia, venha aqui e conheça Teddy. —
O cachorro rosnou novamente quando dei um passo hesitante à frente.
— Nã o se preocupe, Roger. Ele fica bem quando se acostuma com você.
Porém, mantenha os movimentos bruscos ao mínimo. — Ao me
aproximar, pude ver que faltava parte da orelha de Roger. — Ele é um
resgate — explicou Max. — As pessoas no centro acham que ele foi
espancado pelos antigos donos, entã o ele está um pouco arisco.
— É Ted, nã o Teddy — o grande menino-homem interrompeu
com uma voz taciturna enquanto cruzava os braços sobre o peito
enorme e continuava a bloquear a porta.
Ok, entã o nã o é uma criança.
— Oi — eu disse atrá s de Max. — Eu sou Mia.
— Você trouxe uma mulher de volta para ficar aqui? — A voz de
Teddy aumentou e eu dei um pequeno passo para trá s. — Boa, Max.
— Você poderia tentar nã o ser tã o rude e parar com essa besteira
de “Max”? Você costumava...
— Tanto faz — bufou Teddy, passando por seu padrasto e depois
me afastando enquanto se dirigia para seu carro minú sculo. Roger
começou a segui-lo, mas Teddy acenou para que ele voltasse. O grande
cachorro sentou-se aos pés de Max para que lhe acariciassem as
orelhas. — Nã o me pergunte. Nã o é como se os maiores exames da
minha vida estivessem chegando ou algo assim. Como de costume,
ninguém dá a mínima para mim. — Ted entrou no carro em outra
façanha de contorçã o humana de homem grande. Antes que a porta se
fechasse, eu o ouvi murmurar: — Idiota. — Ele lançou outro olhar feio
para Max antes de ligar o motor.
Quando os portõ es se fecharam atrá s dele, Max suspirou
novamente.
— Nã o tenho certeza se... — comecei.
— Nã o se preocupe com Teddy — Max interrompeu. — Ele está
sendo um pouco bastardo com todo mundo no momento. Acredite em
mim.
Pouco? O menino tinha bem mais de um metro e oitenta. Coloquei
minha bolsa mais alto no ombro e desviei os olhos dos portõ es que se
fechavam.
— Ele parece um pouco zangado — eu disse enquanto seguia Max
e Roger para dentro de casa. Max soltou uma gargalhada enquanto me
levava até a cozinha.
— Ah! Sim, um pouco de raiva nã o cobre isso, infelizmente. Nos
ú ltimos seis meses, ele tem sido como um Bisonho agressivo tomando
esteroides. Desculpe, eu deveria ter avisado você sobre ele. Mas, para
ser sincero, ele está no quarto ou comendo tudo na minha geladeira em
menos de cinco segundos, entã o você nã o terá que vê-lo muito, de
qualquer maneira. — Ele me levou escada acima, que parecia flutuar no
ar no centro da casa. A á rea de estar tinha pé-direito duplo, com o
patamar do primeiro andar voltado para a á rea de estar da cozinha.
Estava tã o claro lá . A luz entrava pelas paredes de vidro e até mesmo
pelos poços de luz no telhado acima, refletindo no interior limpo,
branco e quase clínico.
— Eu nã o sabia que você era casado — eu disse enquanto o
seguia até o patamar do primeiro andar. — Sua esposa está ...?
— Rebecca e eu nunca nos casamos, mas ficamos juntos por oito
anos. Ela saiu há cerca de um ano. — Ele encolheu os ombros. — Estava
farta de mim, eu acho. Mudou-se para Londres. Sempre foi um pouco
chato para ela estar aqui, para ser honesto. — Antes que eu pudesse
perguntar por que Teddy nã o estava em Londres com a mã e, Max parou
no corredor e abriu uma porta que dava para o que muitos
considerariam um quarto lindo.
— Tudo bem?
Ignorei a cama king size com edredom fofo coberto com lençó is de
algodã o branco e me concentrei no vidro. Janelas do chã o ao teto. Eu
nã o conseguiria dormir aqui.
Mas consegui forçar um pequeno sorriso no rosto.
— Uau — eu disse, esperando ter reunido tanto entusiasmo
quanto a sala merecia. — Isso é ó timo.
Max estava franzindo a testa para mim novamente.
— O controle remoto da televisã o está na mesinha lateral. Há um
banheiro privativo com toalhas. Yaz estocou algumas coisas – espero
que você goste de ó leos essenciais.
A irmã dele abasteceu o quarto de hó spedes?
— Hm… há mais alguém?
— Somos só eu e Teddy.
— Certo.
Ele abriu a boca para dizer alguma coisa, fechou-a novamente e
depois girou nos calcanhares para sair, murmurando algo sobre como
preparar o jantar.

— Ei, moça?
Ouvi uma voz abafada logo além da porta do guarda-roupa e me
encolhi. Alguém estava se movendo pelo quarto. Alguém com passos
muito pesados. Segurei meu livro com força no colo, deixei cair o
telefone que estava usando como luz para ler as pá ginas e congelei.
Antes que eu pudesse reagir, a porta foi aberta e a luz entrou, cegando-
me por um momento.
— Você está lendo — uma voz profunda me disse, e pisquei contra
a luz para focar no rosto da grande figura. O medo estava obstruindo
minha capacidade de falar. — Em um guarda-roupa. — Pisquei
novamente e consegui ajustar minha visã o o suficiente para ver que era
Teddy. Minhas mã os relaxaram o aperto mortal sobre o livro e soltei um
suspiro lento e aliviado.
— Oi — eu disse quando o silêncio se tornou desconfortável.
Teddy estava franzindo a testa para mim, mas a expressã o taciturna de
antes foi substituída por uma confusã o aberta. Acho que qualquer um
acharia estranho uma mulher escolher sentar em um guarda-roupa
escuro e ler com luz artificial de seu telefone quando ela tinha um
quarto enorme à sua disposiçã o.
— Por que você está em um guarda-roupa? — Ele perguntou.
— Eu gosto do silêncio?
Teddy abriu mais a porta. — Sim, porque está uma confusã o
absoluta aqui — disse ele. — Foda-se. — Ele inclinou a cabeça para o
lado e caiu em um silêncio deliberado, durante o qual ouvi um leve
canto de pá ssaro e um carro passando ao longe. Levantei-me do
pequeno ninho de travesseiros que fiz no chã o e outro movimento de
cabeça me atingiu quando me levantei. Tive que me segurar no batente
da porta para me apoiar.
— Merda — Teddy murmurou, movendo a mã o para me segurar
caso eu caísse e depois recuando quando viu que eu estava bem. Ele
parecia cada vez menos hostil e mais inseguro agora. — Uau, você... Hm,
você está bem?
Eu dei a ele um pequeno sorriso. Talvez ele agisse como “Bisonho
com esteroides” na maior parte do tempo, mas eu estava disposta a
apostar que havia um garoto doce enterrado sob as camadas do idiota
adolescente.
— Estou bem. Mas obrigada.
Ele se afastou da porta para me deixar passar, arrastando os pés e
enfiando as mã os nos bolsos. — Pai... — Ele balançou a cabeça em um
movimento brusco, como se quisesse clareá -la. — Quero dizer, Max
disse que você esteve doente.
— Sim, estive, mas estou melhorando agora.
Teddy olhou para meu ninho de travesseiro no guarda-roupa e
depois para mim. Ele nã o parecia convencido.
— Bem, ele me mandou avisar que o jantar está pronto. Eu bati na
porta, mas você nã o atendeu...
Isso explicava a entrada no meu quarto.
— Eu nã o teria entrado, mas todas as portas sã o tã o isoladas que
impedem a entrada de qualquer ruído. E Max disse que você precisava
comer. — Ele olhou para mim e rapidamente desviou o olhar. — Sem
ofensa, senhora, mas acho que ele está certo.
— É Mia.
— O que?
— Meu nome é Mia. E obrigada por ter vindo me buscar, Teddy. Eu
agradeço. — Ele lançou outro olhar para o meu ninho de travesseiro,
depois de volta para mim antes de ignorar sua expressã o e se virar para
sair. Coloquei meu exemplar de Jane Eyre cuidadosamente na mochila
antes de segui-lo.
Enquanto descia as escadas flutuantes, ouvi vozes abafadas e
raivosas vindas da cozinha.
— Por favor, tente nã o ser tã o chato pelo menos uma vez, Ted —
Max resmungou enquanto algumas panelas eram jogadas no granito.
— O que eu devo falar? Que estou feliz que você tenha trazido
uma estranha qualquer para dentro de casa sem sequer me perguntar?
— Ela passou por momentos difíceis, cara — disse Max em voz
baixa. — Ela precisa de ajuda um pouco. Eu sei que você ainda está
chateado porque sua mã e nã o pô de vir...
— Nã o fale sobre mamã e!
A verdadeira dor agora se infiltrava no tom anteriormente
indiferente de Teddy.
— Ted — a voz normalmente baixa de Max estava ainda mais
rouca agora. — Desculpe. Achei que você fosse o verdadeiro campeã o
nas regionais. Ela perdeu. A perda é dela, rapaz. — Espiei pelo corrimã o
e vi Max colocar a mã o na nuca de Teddy. Por um momento, Teddy se
apoiou em Max, mas entã o o momento passou e Teddy se afastou.
— Nã o envolva mamãe nisso. Ela pode ser uma vadia indiferente,
mas pelo menos gostaria que eu me concentrasse nos exames.
Decidi que provavelmente deveria dar-lhes um pouco mais de
tempo e dei um passo para trá s subindo as escadas. Mas quando me
virei dei de cara com os olhos negros de Roger. Suas orelhas foram para
trá s e ele mostrou os dentes, um rosnado baixo ressoando do fundo de
seu peito. Eu recuei e colidi com uma lâ mpada vertical, que balançou
por um segundo antes de cair no chã o antes que eu pudesse pegá -la.
Roger me lançou um olhar de desgosto antes de descer as escadas.
— Merda — eu murmurei, tentando corrigir a coisa estú pida – era
muito pesada. Felizmente foi apenas a enorme lâ mpada que quebrou.
Uma lâ mpada meio estranha – sem abajur nem nada, apenas um
enorme tubo de cobre inclinado no meio com uma lâ mpada enorme,
agora quebrada, na extremidade. Ouvi barulho nas escadas e olhei para
baixo para ver três pares de olhos olhando para mim. — Hm... desculpe
— eu gritei. — A esquisita aleatória pode ter derrubado uma lâ mpada.
Mas acho que é só a lâ mpada que está quebrada, entã o...
— Já ouviu falar de uma lâ mpada LED com filamento exposto? —
Teddy perguntou.
— Cale a boca, Ted — Max retrucou.
— Hm... o quê?
— Essa lâ mpada custou mais do que minha mesada durante um
ano.
— Oh meu Deus. — Minha mã o foi até a boca e senti meu rosto
perder a cor. — Eu sinto muito.
Vi uma pontada de arrependimento na expressã o de Teddy antes
que ele baixasse o olhar para os sapatos. — Nã o fique muito nervosa.
Max é um idiota, entã o minha mesada nã o é tanto.
— Teddy, pelo amor de Deus — Max retrucou. — Escute Mia, nã o
se preocupe com a luz quebrada.
— Vou apenas arrumar isso para que... — Estremeci quando uma
lasca de vidro perfurou meu dedo. O sangue agora pingava nos azulejos
imaculados. Max deu uma olhada no sangue e subiu as escadas
correndo, de dois em dois. Quando ele chegou até mim, ele agarrou
minhas mã os e por instinto eu as arranquei dele. Ele deu um passo para
trá s e ergueu as duas mã os na frente dele.
— Mia? — Ele chamou suavemente. — Tudo bem. Eu só ia colocar
um pouco de pressã o nele para parar de sangrar.
— Sim, sim, claro — gaguejei. Ele se aproximou de mim
novamente, desta vez mantendo movimentos lentos e deliberados.
Depois de colocar um lenço em minha mã o, ele se retirou novamente
para me deixar pressionar o ferimento.
— Teddy, você pode pegar uma pá e uma vassoura para varrer, por
favor? — Max perguntou. Ouvi Teddy suspirar e se afastar. Max pairou
enquanto descíamos as escadas como se eu fosse uma espécie de
invá lida.
— Desculpe pela lâ mpada — eu disse quando estávamos na
cozinha. — Eu posso te pagar de volta. — Pensei nas dez notas que
tinha guardada na mochila. Nã o era como se eu fosse capaz de
economizar um depó sito de segurança para um apartamento tã o cedo.
Eu ainda tinha que abrir outra conta bancá ria, pelo amor de Deus.
— Está tudo bem — disse Max, puxando uma cadeira para mim na
ilha da cozinha, na qual eu pulei enquanto ainda pressionava o lenço no
dedo. — Ignore Teddy.
— Padrã o — ouvi Teddy murmurar enquanto ele andava pela
cozinha com a pá e uma vassoura. Max revirou os olhos. Fiz uma
anotaçã o mental para verificar quanto custam os LEDs de filamento
exposto e decidi abandoná -los por enquanto. Max estava tirando tigelas
grandes do armá rio. Duas panelas borbulhavam no fogã o.
— Entã o... — Fiz uma pausa enquanto olhava para as vigas
expostas e as luminá rias no teto. — Você está fazendo alguma obra?
— O que?
— Hmm... você está fazendo algumas obras. Parece que está tudo
quase lá .
Max fez uma pausa na drenagem de uma quantidade bastante
alarmante de macarrã o e olhou para mim. — Nã o estou fazendo nada.
— Ah... mas e o... o teto e outras coisas? — Acima de mim, um
grande cabo subia por uma viga á spera e depois pendia com uma
lâ mpada nua na ponta.
Uma forte gargalhada soou atrá s de mim e eu pulei um pouco no
assento.
— Ah! Eu amo isso! — Teddy disse, ainda rindo. — Parece que
está quase lá . Clá ssico.
— O que? — Eu fiz uma careta para ele. Até agora eu nã o tinha
certeza se Teddy conseguia sorrir, muito menos rir daquele jeito.
— Aquela luminá ria que você está apontando custa mais de mil
dó lares — disse Teddy. — É o visual industrial excêntrico de Max. Ele
pagou caro por essa merda. Este lugar foi destaque em revistas. Ok,
Max. Eu mudei de ideia. Ela pode ficar.
CAPÍTULO DEZESSEIS
DANIEL-SAN

Eu estava começando a pensar que as ruas teriam sido uma opçã o


menos estressante.
Depois de ficar com Max e Teddy nos ú ltimos dois dias, eu
realmente nã o tinha certeza se conseguiria aguentar muito mais tensã o.
Teddy não era um ser humano agradável na maior parte do tempo. E,
apesar de sua alegria por eu ter insultado a decoraçã o de Max, ele
realmente nã o era um adolescente feliz por eu ter invadido sua casa. Eu
estava na cozinha ontem, quando ele voltou da escola, e me ofereci para
fazer uma xícara de café para ele. Ele olhou para mim como se eu
tivesse me oferecido para injetar heroína em seus olhos e disse:
— Não, visto que a cafeína iria, tipo, atrapalhar meu crescimento.
Eu mordi o lá bio para me impedir de comentar que talvez o
crescimento dele precisasse de um pouco de nanismo. Ele entã o me
olhou de cima a baixo e ergueu as sobrancelhas como se dissesse —
Viu, baixinha? É aqui que a cafeína leva você. — Eu corri para o meu
quarto com uma velocidade desumana assim que meu pró prio veneno
retardador de crescimento ficou pronto.
Felizmente, eu nã o estava muito consciente nos ú ltimos dois dias.
A pneumonia definitivamente tinha tirado isso de mim. Eu dormi... e
dormi... e dormi. Entre as crises de sono, fui alimentada à força por Max.
Ele me deu uma tigela de macarrã o tã o grande ontem que só consegui
um terço, o que me rendeu um olhar duro e um grunhido de
desaprovaçã o. Nas duas manhã s ele me presenteou com uma batata
frita. A ú nica vantagem disso era que alimentar Roger com bacon e
salsicha à s escondidas parecia ter garantido sua devoçã o eterna. Pelo
menos um dos seres vivos da casa gostava de mim. Durante todas as
nossas refeiçõ es, Teddy engolia a comida enquanto fazia cara feia para o
padrasto e para mim, depois saía da cozinha para ir para a escola, para
o quarto ou para sair com os amigos – ignorando o pedido de Max de
um tempo para esperá -lo de volta. Max podia estar no controle do
escritó rio, mas estava claro que ele estava muito perdido no front
doméstico.
Eu me ofereci para cozinhar ontem, mas Max me disse que eu nã o
estava forte o suficiente. Ele mandou entregar tudo e havia um
caminhã o cheio de comida em casa (sem surpresa, visto que Max e
Teddy consumiam uma quantidade enorme entre eles), entã o nã o fazia
sentido eu ir à s lojas – nã o que eu ainda me sentisse corajosa o
suficiente para ir sozinha. Ontem eu comecei a limpar o banheiro do
térreo e quase derrubei a casa aos gritos quando uma senhora de meia-
idade me interrompeu no meio da limpeza do banheiro. Ela se
apresentou como Mandy, a faxineira de Max, e me disse que Max havia
pedido que ela me verificasse e que eu nã o tinha permissão para fazer
nada em casa. Entã o voltei para a cama e dormi.
Já era fim de tarde e os latidos insistentes de Roger me
acordaram. Ele estava deitado ao meu lado na cama quando fui dormir
– algo que eu duvidava que fosse permitido, a julgar pelos olhares
furtivos que Roger estava me dando quando chegou aqui – mas nã o
havia maneira de eu dar ordens a este cã o de 80 quilos e eu estava farta
de dormir no roupeiro. Ter o Roger na cama fazia-me sentir segura. Mas
agora eu podia ouvir latidos vindos do lado de fora.
O pâ nico por ter deixado uma porta aberta e deixá -lo sair induziu
um mini ataque de tosse quando saí da cama. Os latidos continuaram,
mas com eles ouvi um som forte vindo do jardim. Curiosa, abri as ripas
de uma das persianas e espiei. Lá estava Teddy, de bermuda e camiseta,
socando e chutando um grande saco suspenso por um gancho em uma
das á rvores. Ele tinha aquele aspecto desengonçado adolescente e de
membros longos, mas já pude ver sua musculatura começando a se
desenvolver. Sua constituiçã o era tã o parecida com o que eu imaginava
que seria a de um jovem Max, e suas meninas eram tã o parecidas que à s
vezes era difícil lembrar que eles nã o eram realmente parentes. Os
movimentos de Teddy eram fluidos e rá pidos, o impacto que ele
causava na bolsa revelava a força por trá s de seus punhos e pés. Roger
estava adorando e latiu a cada contato que Teddy fazia com a bolsa.
Por um momento, me permiti imaginar dar um soco no rosto de
Nate e depois chutá -lo nas bolas com aquela quantidade de força. Senti
um pequeno sorriso aparecer em meus lá bios antes que minha boca se
transformasse em uma linha sombria de determinaçã o. A persiana
voltou ao lugar quando eu peguei uma faixa de cabelo e coloquei o meu
cabelo para traz, agora na altura dos ombros.

— Vo... você pode me ensinar isso?


Teddy se virou ao ouvir minha voz. Roger, que observava
pacientemente seu mestre em troca de ocasionais golpes de cabeça,
trotou até mim e sentou-se em meus pés. Cocei atrá s de suas orelhas.
Teddy estreitou os olhos para nó s como se eu estivesse acariciando seu
cachorro com intençõ es nefastas. Ele baixou as mã os, que estavam
levantadas em posiçã o de combate, e olhou para mim.
— Ensinar o quê? Taekwondo?
— Eu... bem. Eu realmente só quero ser capaz de chutar e socar
assim.
Suas sobrancelhas se juntaram. — Senhora, você nã o está doente
ou algo assim? Por que você quer aprender a derrubar agora?
— Olha, você parece saber o que está fazendo com essas coisas.
— Campeã o regional, entã o sim.
Deus, ele era tã o arrogante. Novamente, assim como Max.
— Ok, campeão regional. Entã o você pode me ensinar como
machucar alguém, certo?
— Taekwondo nã o é apenas treinar para machucar pessoas. Trata-
se de desenvolver cará ter, personalidade e traços morais e éticos
positivos. É uma questã o de paz.
Uau. Quem diria que esse adolescente tinha profundezas ocultas
ou que poderia juntar tantas palavras ao mesmo tempo?
— Ok, Sr. Miyagi. Eu sou totalmente a favor da paz. Acredite em
mim. Mas também preciso saber como me defender. — Eu nã o podia
acreditar que nã o tinha pensado nisso antes. Claro que tive que
aprender defesa pessoal. Nate estava vivo e bem. Eu nã o poderia me
esconder para sempre. Se ele me encontrasse... — Tenho que ser capaz
de machucar alguém se... se precisar.
Ele cruzou os braços sobre o peito e estreitou os olhos. — Quem
você precisa machucar?
Ugh! Ele era um filho da puta curioso demais, outra característica
em comum com Max. Fechei os olhos por um momento antes de tomar
uma decisã o.
— Teddy, nã o quero entrar em detalhes, mas honestamente você
estaria me fazendo um grande favor se me mostrasse algumas coisas.
Apenas algumas dicas que posso praticar sozinha. Eu... eu nã o
perguntaria se nã o fosse importante.
— Você é pequena — ele disse, e eu pisquei.
— Estou ciente disso.
— Se alguém te atacar, você precisa fugir. Nã o lute contra eles.
Você foge e consegue ajuda.
— Teddy, eu nã o sou idiota. Eu correria. — Tudo o que parecia
fazer era correr naquele momento. — Mas se estou encurralada... nã o
é... nem sempre é fá cil escapar.
— Escapar de quem? — Ele perguntou, alguma preocupaçã o
agora permeando suas palavras.
— Hipoteticamente, quero dizer. Escapar de alguém
hipoteticamente.
— Isso nã o me parece particularmente hipotético — disse ele em
tom cético. — Talvez Max devesse...
— Max já tem merda suficiente – quero dizer, coisas acontecendo,
Teddy. Você é o campeã o regional, nã o ele.
Um pouco de carinho no ego definitivamente ajudou. Teddy ficou
um pouco mais ereto. Mas ele ainda estava hesitante.
— Eu te pagarei.
Isso fez o trabalho. Quando se tratava de adolescentes, na minha
experiência, tudo o que era necessá rio era dinheiro. Seus olhos
brilharam e ele me deu um breve aceno de cabeça.

— Acho que posso morrer — eu disse enquanto caía de volta na


grama pelo que devia ser a centésima bilionésima vez. Acontece que
chutes altos nã o sã o tã o fá ceis quanto parecem – especialmente chutes
altos com força por trá s deles.
Teddy sorriu para mim e ofereceu a mã o, levantando-me
novamente.

— Eu realmente senti isso, Daniel-San5. Foi menos uma leve


có cega e mais uma cutucada — ele me disse, voltando a pular na ponta
dos pés novamente. Depois de algum treinamento com o saco, ele
decidiu que eu deveria chutá -lo nas costelas para ver quanta força eu
estava colocando atrá s deles. Acontece que nã o muito. Ele começou a
me chamar de Daniel-San meia hora depois. — Você até tem o mesmo
cabelo — ele brincou.
— Ei, essa coisa de autodefesa é incrível. Estou acostumado com o
Sensei Trenton me dando ordens. É divertido o contrá rio. Talvez eu
deva sugerir que Jenny e eu... — Ele parou e fechou a boca. Eu sorri.
— Jenny, hein? — Eu disse enquanto tentava outro chute, desta
vez conseguindo ficar de pé pela primeira vez. Irritantemente, ele nem
pareceu notar o impacto em suas costelas, ele estava obviamente mais
preocupado com meu novo conhecimento sobre Jenny. Parece que
tropecei no calcanhar de Aquiles desse garoto. — Nã o se estresse,
Romeu. Seus segredos estã o seguros comigo.
— Nã o é segredo — disse ele, encolhendo os ombros. — Ela é
apenas uma amiga. Ela nã o quer... — Ele parou e seu rosto ficou
vermelho.
— Ok, chega de conversa de Jenny — eu o tranquilizei. — Eu nã o
queria envergonhar você, Teddy.
— Eu nã o estou envergonhado! Ei, isso nã o foi ruim!
Eu consegui me divertir quando ele realmente reconheceu. Sorri e
senti um aperto familiar na garganta antes de começar a tossir. Isso me
pegou desprevenida e foi tã o violento que tive que me dobrar com tanta
força. Teddy, em ó bvio pâ nico, pairou sobre mim e deu-me algumas
bofetadas ineficazes nas costas. Limpei os olhos e me endireitei.
— Desculpe por isso — eu disse, minha voz rouca.
— Nã o acho que essa tenha sido a melhor ideia, Daniel-San —
disse Teddy, com a preocupaçã o de volta na voz.
— Estou bem — eu disse, tentando recuperar o fô lego. — Mas
talvez isso seja o suficiente para continuar. — Fui até minha mochila,
que nunca perdi de vista. — Aqui está — eu disse enquanto tirava uma
nota de dez e entregava a ele.
— Obrigado — disse Teddy, sua preocupaçã o se dissipando diante
do dinheiro disponível. Observei uma das minhas ú ltimas tá buas de
salvaçã o desaparecer em seu bolso traseiro.
— O que você acabou de dar a ele? — A voz de Max trovejou
enquanto ele corria para o jardim, ignorando a saudaçã o entusiá stica
de Roger.
— Eu...
— Você acabou de entregar algo ao meu filho — disse Max,
parando bem na minha frente e bloqueando minha visã o de Teddy. —
Eu quero saber o que foi.
— Max, relaxe! — Teddy disse, tentando avançar, mas o braço
grande de Max bloqueou seu caminho. — Eu dei uma aula de
Taekwondo para ela e ela simplesmente me pagou. E eu não sou seu
filho.
Max virou-se para Teddy e cruzou os braços sobre o peito.
— Esvazie os bolsos — ele ordenou e senti o calor atingir minhas
bochechas. O que ele achava que eu tinha dado a Teddy?
— Max! — Teddy retrucou. — Você está sendo um grande idiota.
Ela nã o me deu nada duvidoso. Qual é o seu problema?
— Esvazie. Seus. Bolsos.
Max estava de costas para mim agora, entã o aproveitei a
oportunidade para começar a me afastar em direçã o à casa.
— Fique — disse Max. Roger e eu congelamos onde estávamos.
Teddy revirou os olhos e depois virou os bolsos do short do
avesso. A nota de dez que eu dei a ele caiu no chã o. Max pegou-a e
olhou ao redor. Ele limpou a garganta enquanto devolvia o dinheiro a
Teddy.
— Você sabe que eu nã o usaria drogas com meu horá rio de
treinamento, Max — disse Teddy. — De qualquer forma, pensei que Mia
trabalhava para você. O que faz você pensar que ela estaria me dando
algo duvidoso? — Teddy deu um pulo de desgosto e voltou para casa.
— Por que você pensaria algo assim? — Eu sussurrei. Roger veio e
sentou ao meu lado, encostado em minhas pernas e eu acariciei sua
cabeça.
Max gemeu, passando as duas mã os pelos cabelos. — Eu vi você
entregar algo a ele. Ele parecia evasivo ao pegá -lo. O comportamento
dele ultimamente... eu só ...
— Mas por que você acha que eu teria alguma coisa a ver com...
— Mia, você está abaixo do peso, contraiu pneumonia, tem
problemas financeiros, seu comportamento pode ser errá tico. Naquele
momento, quando vi você entregando algo a Teddy, tudo pareceu... —
Ele encolheu os ombros. — Sinto muito, mas nã o posso correr nenhum
risco com ele. Já cometi muitos erros.
— Nunca usei drogas na minha vida — disse a ele, tremendo de
raiva. — Teddy me fez um favor e eu estava pagando a ele, é isso.
— Bem, sinto muito. É só que... sempre parece que você está
escondendo alguma coisa, e eu... — Max fez uma pausa e franziu a testa
para mim. — Por que você quer aprender Taekwondo de repente?
Desviei o olhar de seu olhar penetrante. Meu coraçã o ainda batia
forte com o pico de adrenalina da minha raiva e eu nã o confiava em
mim mesma para nã o revelar nada.
— Escute, vou ficar longe de Teddy de agora em diante, entã o você
nã o precisa se preocupar. — Dei um passo para trá s em direçã o à casa,
mas ele veio atrá s de mim, sua mã o grande envolvendo meu antebraço
para impedir minha retirada.
— Por que Taekwondo, Mia?
— Nã o é da sua conta — eu puxei meu braço fora de seu alcance e
dei mais dois passos para longe dele.
— Mia, eu posso te ajudar se você...
Eu já estava farta.
— Ninguém pode me ajudar — eu disse, minha voz rouca de raiva
reprimida. — Você acha que sabe do que está falando, mas nã o tem
ideia do que estou enfrentando.
— Isso é porque você nã o vai dizer-me.
Seria tã o tentador descarregar tudo no Max. Mas se ele soubesse
de tudo, eu nã o ficaria na casa dele de jeito nenhum. De jeito nenhum
eu teria um emprego na empresa dele. Se ele soubesse tudo o que eu
tinha feito, ele me quereria o mais longe possível dele e eu precisava
desse pequeno descanso antes de seguir em frente.
Mantive a boca fechada e fugi de volta para casa.
Foi só quando estava na segurança do guarda-roupa que me
permiti chorar.
CAPÍTULO DEZESSSETE
SEGURA DE QUÊ?

A constataçã o de que Max achava que eu era capaz de fornecer


drogas ao enteado dele me estimulou a agir. A minha tosse estava
melhorando e consegui dormir uma noite inteira, embora no guarda-
roupa (ainda nã o estava totalmente satisfeita com a exposiçã o das
janelas – o espaço confinado parecia mais seguro). Entã o, agora que
estava mais forte, decidi que seria melhor encontrar outro lugar para
ficar. Teddy estava certo – a ú ltima coisa que ele precisava era de uma
mulher estranha em sua casa enquanto ele tentava fazer a revisã o para
os exames. Eu já tinha telefonado para o refú gio e me disseram que eles
tinham um quarto. Eles perguntaram se eu me importava que fosse “um
pouco bá sico”. Depois de viver nas ruas, o básico era a menor das
minhas preocupaçõ es.
Eu escrevi um bilhete para Max agradecendo por tudo e deixei no
balcã o da cozinha. O ú nico problema com meu plano era que eu percebi
que nã o conseguiria abrir os portõ es elétricos nem acionar o alarme,
entã o me resignei a esperar por Teddy. Quando ele chegou em casa,
resisti à vontade de sair correndo pelos portõ es como uma louca, sem
explicar nada para ele – ele já me achava esquisita o suficiente. Esperei
no corredor, uma mã o acariciando a cabeça macia e o pelo das orelhas
de Roger para acalmar meus nervos.
— Ei! — Eu disse com um sorriso forçado quando a porta se
abriu. Teddy me deu uma de suas carrancas características e levantou o
queixo.
— Vou embora hoje — deixei escapar quando ele passou por mim
em direçã o à cozinha. Todos os dias, Teddy consumia um pã o inteiro
depois da escola, seja como torrada ou em forma de sanduíche. Eu o
peguei tomando café com ele também, o sapo mentiroso do tipo “o café
atrapalha o seu crescimento”. Ele parou do lado de fora da porta da
cozinha e se virou para mim.
— Oh? Max nã o disse nada.
— Eu nã o contei exatamente a Max — eu disse. — Mas acho que é
o melhor em todos os aspectos. Tenho a sensaçã o de que posso ter
ultrapassado minhas boas-vindas por apenas um toque.
Teddy se mexeu, parecendo desconfortável por um momento.
— Você nã o precisa ir — ele murmurou.
— Está tudo bem, Ted. Vocês dois me fizeram um grande favor,
mas estou mais forte agora, entã o é realmente certo seguir em frente.
— Talvez eu devesse ligar para Max...
— Nã o — eu o interrompi. Max nã o acreditava que eu fosse forte
o suficiente para fazer ovos mexidos naquele momento. Eu duvidava
que ele aprovaria minha mudança ainda – mesmo sabendo que seria
um grande alívio para ele. — Tudo que preciso saber é como abrir o
portã o. E eu nã o queria sair sem ligar o alarme. Posso chamar um tá xi.
— Eu levo você — ofereceu Teddy. Ele se abaixou para fazer uma
massagem em Roger enquanto o cachorro lambia seu rosto como se
estivessem separados há meses. Roger poderia me tolerar agora a um
nível razoável e nã o agressivo, mas ele amava Teddy.
— Está bem. Honestamente, nã o se preocupe. Eu...
— Pa... quero dizer, Max – me mataria se eu nã o levasse você —
ele disse enquanto se endireitava e me encarava com uma expressã o
teimosa que me lembrou fortemente de seu padrasto. — Vá e faça as
malas. Me ligue quando terminar e eu posso levar suas coisas.
Olhei para Teddy, olhei para a mochila aos meus pés e depois
voltei para ele.
— Hm... é isso — eu disse a ele, pegando minha mochila e
pendurando-a no ombro. Suas sobrancelhas se ergueram.
— Uau, você viaja com pouca bagagem para uma... quero dizer,
para uma dama.
— Sim. — Forcei outro sorriso e evitei contato visual direto.
— Está bem entã o. — Ele limpou a garganta antes de me
contornar de volta à porta da frente. Suspirei, mas se Teddy fosse
parecido com seu padrasto, entã o eu nã o iria vencer esta batalha. É
melhor deixá -lo me levar e sair de perto o mais rá pido possível. Caí de
joelhos para dar um abraço forte em Roger. Ele lambeu meu rosto
quando me afastei, o que considerei um grande elogio. Por alguma
razã o, isso causou um nó na minha garganta. Caramba, eu estava tã o
faminta de afeto que até mesmo o tipo canino poderia me fazer chorar?
Piscando rá pido para conter as lá grimas, levantei-me e segui Teddy
para fora de casa e para dentro de seu carro elétrico.
— Có digo postal? — Ele perguntou, uma vez que eu sentei no
banco do passageiro.
— Ah, espere — eu disse enquanto pegava meu celular e abria
minhas mensagens.
— Novo lugar?
Olhei para ele da tela para registrar sua expressã o abertamente
curiosa.
— Hmhm — murmurei, mordendo o lá bio. Max e Teddy nã o
devem ter discutido minha situaçã o. Nã o fiquei surpresa – eles nã o
pareciam muito entusiasmados com a antiga frente de comunicaçã o.
Depois de obter o texto do meu funcioná rio principal, digitei o có digo
postal no SatNav de Teddy.
Quando paramos em frente ao refú gio, Teddy olhou para mim,
para o prédio indefinido. Os refú gios de mulheres nã o estã o sinalizados.
A maioria das mulheres que ficam lá nã o quer ser encontradas.
— Tudo bem — eu disse, tentando adotar um tom alegre e
falhando miseravelmente. — Isso está bem aqui. Obrigada por tudo,
Ted. — Eu lancei-lhe um breve sorriso e entã o saí do carro. Uma vez na
calçada, tive que parar por um longo momento para ler o texto
novamente e encontrar a entrada, que ficava na lateral do prédio. O
ú nico problema é que nã o disse de que lado. Fui para a direita, espiei
pela esquina, mas só vi uma parede de tijolos e uma escada de incêndio,
entã o me virei para verificar o outro lado, deixando escapar um
pequeno som de surpresa quando encontrei Teddy bloqueando meu
caminho.
— Há algum problema? — Ele perguntou. Ele estava franzindo a
testa para mim com a cabeça inclinada para o lado. — Você nã o mora
aqui?
— Sim, claro que eu moro.
— Entã o por que você nã o sabe como entrar?
Suspirei. — Olha Teddy, é complicado.
— Estou entre os melhores em matemá tica. Eu posso fazer coisas
complicadas.
Revirei os olhos. Mais uma vez, seu ego combinava perfeitamente
com o de seu pseudopadrasto.
— Eu moro aqui. Pelo menos vou morar aqui assim que eu... me
registrar e tal.
— Registrar?
— Teddy, olhe — eu disse suavemente, avançando e colocando
minha mã o em seu braço. — Eu vou ficar bem. Honestamente, você nã o
precisa perder seu tempo. Estou segura aqui, eu prometo. — Puxei
minha mã o para trá s e recuei em direçã o ao que seria a entrada do
prédio.
— Segura? — Teddy perguntou. Olhei para trá s e vi que ele estava
me seguindo até a entrada que finalmente avistei. — Por que você não
estaria segura?
Puta merda. Eu e minha boca grande.
— Vá para casa, Teddy — eu disse com os dentes cerrados
enquanto estendia a mã o para tocar a campainha ao lado da porta.
— Sim? — Uma voz veio pelo alto-falante.
— Olá , meu nome é Mia. Helen me enviou.
— Entre — a voz instruiu e ouvi as fechaduras automá ticas da
porta girando. Ao entrar, me virei e vi Teddy franzindo a testa para o
interfone.
— Tchau, Teddy — eu disse enquanto começava a fechar a porta
atrá s de mim. Sua mã o disparou para me parar e ele saiu para o
corredor atrá s de mim.
— Aguardo você entrar — ele disse, seu tom tã o firme e
inabalável que ele nã o parecia nem um pouco com o garoto de
dezessete anos que eu sabia que ele era. Ele parecia Max.
— Ah, olá — disse a voz do interfone, agora vindo da mulher de
saia esvoaçante que emergiu do que parecia ser um escritó rio em um
dos lados do corredor. — Mia, que bom conhecer você. Sou Nadia,
gerente de equipe. Helen me contou tudo sobre o seu caso. — Nadia
entã o olhou para Teddy e franziu a testa. — E você é?
— Mia está morando comigo e com meu padrasto — disse Teddy.
Se ele ficou surpreso por eu ter sida descrita como um caso, ele se
recuperou rapidamente. — Estou ajudando ela a se mudar.
— Eu te contei sobre Max — disse a Nadia. — Meu chefe, que me
deixou ficar com ele depois que fiquei doente. Este é o filho dele.
— Ah, certo. É muita gentileza sua ajudar, meu jovem — disse
Nadia, olhando para minha pequena mochila e depois dando a Teddy
um sorriso levemente perplexo. — Quantos anos você tem amor?
Homens com mais de dezoito anos nã o podem entrar, sabe.
Teddy olhou para mim e depois para Nadia. — Tenho dezessete
anos... aqui. — Ele tirou a carteira do bolso de trá s e deu a ela sua
carteira de motorista.
— Sem problemas — disse ela, devolvendo-o a ele. — Certo
entã o. Deixe-me mostrar seu quarto. — O chã o do corredor estava
coberto de linó leo velho, ligeiramente pegajoso. Parte da tinta estava
descascando das paredes e nã o havia absolutamente nenhuma luz
natural. Parecia um pouco como eu imaginaria que seria uma prisã o. —
Receio que você nã o tenha seu pró prio banheiro. É um pouco
complicado, pois há apenas dois para este corredor.
— Tudo bem — eu disse enquanto ela tirava uma chave e abria
uma das portas.
— E o quarto pode ser um pouco pequeno — disse ela, dando-me
um sorriso de desculpas enquanto eu me mudava para o espaço
minú sculo e me sentava na cama. Retribuí seu sorriso e tirei minha
mochila do ombro.
— Eu nã o tenho exatamente muitas coisas. Isso é ó timo.
— Há uma cozinha comunitá ria – temo que isso também seja um
pouco complicado. Vou aparecer e pegar o resto da papelada. — Ela deu
a Teddy outro sorriso perplexo enquanto se retirava pelo corredor até
seu escritó rio. Teddy nã o estava sorrindo.
— Que merda... quero dizer, o que está acontecendo? — Ele
perguntou, olhando ao redor da pequena sala com uma expressã o de
desgosto no rosto. — Jesus — ele acrescentou enquanto entrava na sala.
— Isso está ú mido? — Ele estendeu a mã o até o canto superior pró ximo
ao teto baixo para sentir o papel de parede descascado. — Há mofo
preto aqui. Este quarto nã o tem ventilaçã o? — Ele tentou abrir a janela,
que obviamente estava fechada com solda. Havia até barras nela, para
garantir. — Que lugar é esse? Eu pensei que estava levando você para
casa?
Suspirei e fechei os olhos por um momento. Quando os abri, ele
estava olhando para mim, com os braços cruzados sobre o peito.
— Este é um refú gio para mulheres, Teddy — eu disse
suavemente.
— Um o quê?
— Um refú gio para mulheres. É para mulheres que... é para
mulheres que precisam de uma ajudinha.
Ele piscou.
— Mas nã o há sinal lá fora nem nada. Nunca soube que havia algo
assim nesta rua.
— Teddy. — Mordi o lá bio, tentando escolher as palavras com
cuidado. — Nã o é fá cil encontrar refú gios para mulheres porque as
mulheres que neles ficam muitas vezes nã o querem ser encontradas.
Seu rosto ficou sem cor.
— Você nã o quer ser encontrada?
— Nã o, Teddy, nã o quero — sussurrei.
— Você disse que estaria segura aqui. Segura de quê?
— Certo — Nadia abriu a porta. Ela tinha uma prancheta na mã o
e outro sorriso brilhante no rosto. — Isso nã o demorará muito para ser
preenchido, entã o está tudo pronto. Eu acabei de...
— Ela nã o vai ficar — disse Teddy.
— O que? — perguntou Nadia, seus olhos saltando entre Teddy e
eu.
— Ela nã o pode ficar aqui. Ela está se recuperando de uma
pneumonia e há mofo no teto. Ela vai ficar doente de novo. Meu tio é
médico de emergência – ele sempre fala que mofo nã o é bom para
minha asma. — Bem na hora, comecei a tossir. Eu tinha esquecido como
os acessos de tosse eram exaustivos. No final deste, havia lá grimas
escorrendo pelo meu rosto. O rosto de Teddy havia recuperado muita
cor agora. Suas bochechas estavam vermelhas e ele pró prio parecia à
beira das lá grimas. — Ela nã o vai ficar aqui. — Ele pegou minha
mochila e saiu furioso do quarto.
CAPÍTULO DEZOITO
TALVEZ VOCÊ DEVA TENTAR APROVEITAR UMA VEZ!

— E aí, Ted?
Pisquei confusa diante da chaleira quando ouvi a voz de Yaz vindo
da porta da frente.
— É complicado — Teddy murmurou. Ouvi a porta da frente se
fechar e passos vindos do corredor. Entã o Yaz apareceu na cozinha.
— Ei, Mia — disse ela, correndo para me envolver em um grande
abraço. — Como você está , querida? Sua energia está toda instável.
Precisamos fazer alguma meditaçã o de emergência? Que tal um
mergulho no mar?
— Você poderia tentar nã o apertá -la até a morte — disse Teddy
em um tom seco, e Yaz fez uma careta para ele e entã o lhe deu um soco
forte no bíceps. — E ela teve pneumonia, tia Yaz – a ú ltima coisa que ela
precisa é nadar no mar.
— Cale a boca, esguicho — ela retrucou, e eu quase sorri para ela,
referindo-se a um humano com quase o dobro do tamanho do esguicho.
— Você e seu pai precisam embarcar nos poderes curativos do mar. De
qualquer forma, o que está acontecendo?
— Sinto muito, Mia — disse Teddy, virando-se para mim e
esfregando o braço. — Mas nã o sei nada sobre refú gios para mulheres
ou... bem, nada disso. Yaz é a ú nica velha que conheço e pedi para vir.
— Obrigada, Teds — disse Yaz com uma voz seca. — Eu tenho
apenas vinte e cinco anos, você sabe. Mas nada como um impulso de
ego do meu sobrinho favorito.
— Seu ú nico sobrinho. — Ele entã o balançou a cabeça e franziu a
testa. — E eu também nã o sou seu sobrinho.
— Semâ ntica, homenzinho. E você pode parar com essa merda
comigo. Pode funcionar com seu pai...
— Ele nã o é meu...
— Mas nã o vai funcionar com sua Tia Yaz.
Teddy suspirou, mas Yaz se virou para mim.
— Entã o, o que é tudo isso sobre refú gio para mulheres? E por
que você nã o está respondendo suas mensagens? Obter informaçõ es de
Max é como tirar sangue de uma pedra. Eu estive preocupada. E o
bastardo mandã o me disse para deixar você descansar.
Mordi meu lá bio quando soltei a mã o de Yaz. — Desculpe. Eu
simplesmente nã o consegui interagir com meu telefone — menti. A
verdade é que fiquei envergonhada. Envergonhada por saberem que eu
havia dormido no chã o do escritó rio. Envergonhada por agora saberem
que meu guarda-roupa limitado e minha mochila nã o eram apenas
pequenas peculiaridades, mas necessidades. Uma das vezes Yaz veio me
ver no hospital e eu fingi estar dormindo. Eu a ouvi conversando com
Max em voz baixa ao lado da minha cama sobre minha situaçã o e morri
um pouco por dentro com a pena em sua voz.
— Entã o, o que deixou a calcinha do Teddy confusa? — Ela
perguntou, seu olhar passando entre seu pseudo-sobrinho e eu.
Suspirei.
— Realmente nã o é nada. Eu...
— Nã o é nada — disse Teddy, ele parecia abalado e chateado
agora. Ao fundo, pude ouvir a porta da frente se abrindo novamente e
reprimi um revirar de olhos. A ú ltima coisa que precisávamos era de
Max chegando em casa. Mas Teddy estava muito envolvido em seu
relato dos acontecimentos para notar. — Pensei que fosse levá -la para a
casa dela, mas quando a deixei foi em um prédio estranho, sem nú mero
de casa nem nada. Ela nã o sabia como entrar e eu... nã o parecia certo.
— Você fez o que? — A grande estrutura de Max preenchia a porta
da cozinha. Suas mã os estavam nos quadris enquanto olhava para todos
nó s.
— Pensei que fosse levá -la para casa, papai, quero dizer, Max —
disse Teddy com a voz mais baixa que já ouvi dele. — Mas era...
— Era um refú gio para mulheres e estava tudo bem — eu disse,
dando a Teddy o que esperava ser um sorriso tranquilizador. Max abriu
a boca, mas Teddy o interrompeu antes que ele pudesse falar.
— Não foi nada bom — disse Teddy, com o rosto ficando um
pouco vermelho e seu comportamento nem um pouco tranquilizado.
Ele estava começando a parecer muito jovem agora. — O quarto era
minú sculo e havia mofo na parede. Você nã o conseguia nem abrir a
janela. — Ele olhou para mim. A culpa inundou sua expressã o. — Eu
nã o queria fazer você sentir que tinha que ir embora. Eu só ... sinto
muito por ter sido um idiota quando você chegou. Eu nã o sabia disso...
— Teddy — eu o interrompi em um tom firme. — Esta é a sua
casa. Você deveria ter uma palavra a dizer sobre quem fica aqui e
invade seu espaço.
Ele bufou. — Esta casa é enorme. Eu tenho tudo isso e você... —
Ele fungou e engoliu antes de piscar rapidamente.
— Ei, ei — Yaz disse suavemente, aproximando-se dele e
colocando o braço em volta de sua cintura – ela era baixa demais para
passar por cima de seu ombro. Ele abriu o braço e ela o colocou ao seu
lado. — Você sempre foi um rapazinho sensível, assim como o seu...
Max.
Teddy bufou. — Não sou sensível — disse ele, mas a leve oscilaçã o
em sua voz o delatou. O que me surpreendeu foi que Yaz também
colocaria Max na categoria sensível.
— Vocês dois sã o idiotas — Max retrucou para nó s. — Você — ele
apontou para mim — nã o está bem o suficiente para ficar sozinha em
qualquer lugar, muito menos em um refú gio para mulheres, pelo amor
de Deus. Se você nã o quisesse ficar aqui, deveria ter me contado e
poderíamos discutir isso como adultos racionais, em vez de você agir
pelas minhas costas.
— Nã o é como se eu nã o quisesse ficar — eu disse, meu
temperamento há muito adormecido aumentando com sua abordagem
arrogante. — Mas eu estava impondo Max. Nã o é justo com Teddy ou
com você. Eu nã o quero aproveitar...
— Talvez você devesse tentar tirar vantagem pelo menos uma
vez! — Ele disse, sua voz aumentando. — Talvez se você tivesse pedido
ajuda apenas uma vez nos ú ltimos dois meses, você nã o estaria vivendo
nas ruas e nã o teria quase morrido.
O silêncio caiu na cozinha. Olhei para Teddy e vi uma lá grima
escorrer pelo seu rosto. Yaz estava olhando para Max, boquiaberta em
estado de choque.
— E você — disse Max, apontando para Teddy, perdido demais em
sua raiva para perceber o quã o abalado Ted estava. — Você nunca
deveria ter concordado em levá -la a qualquer lugar. Você sabe que ela
nã o está em condiçõ es. Achei que tinha te ensinado melhor do que...
— Ele nã o fez nada de errado — eu disse, batendo a mã o no
balcã o da cozinha e me surpreendendo tanto quanto a qualquer outra
pessoa. — Eu ia chamar um tá xi, Max. Ele se ofereceu para me levar
porque esse é o tipo de homem que ele é. Eu nã o o culpo por nã o estar
muito interessado em ter uma mulher aleató ria invadindo seu espaço.
Você deveria ter perguntado a ele se estava tudo bem eu ficar aqui
antes de você me trazer de volta.
Houve um longo minuto de silêncio, quebrado apenas pelas
fungadas ocasionais de Teddy.
— Ele nã o precisava me perguntar — disse Teddy com voz
trêmula. — Max nã o me deve nada. Tenho sorte de ele me deixar ficar
aqui. Ele poderia ter me expulsado quando mamã e...
— Teddy, pare — Max estava franzindo a testa para Teddy, mas
sua expressã o se suavizou quando outra lá grima escorregou pela
bochecha de Teddy. Ele foi até Teddy e deu-lhe um tapinha desajeitado
nas costas antes de colocar cautelosamente um braço em volta de seus
ombros, como se estivesse se preparando para ser ignorado a qualquer
momento. — Esta é a sua casa, filho. Você mora aqui desde os nove anos
de idade. Você significa o mundo para mim, companheiro. Você sabe
disso. Nã o é?
Teddy apenas fungou em resposta, dando de ombros.
— Ela está certa. Eu deveria ter perguntado a você. Desculpe.
— Tudo bem — Teddy engasgou enquanto enxugava as lá grimas
em movimentos rá pidos, seu rosto inundado de cor.
— Teddy, por favor, nã o fique chateado — eu disse suavemente.
— Me desculpe por ter colocado você nessa posiçã o. Eu deveria ter
insistido em pegar um tá xi.
— Em primeiro lugar, você nã o deveria ter ficado lá — Max me
disse e eu suspirei.
— Eu nã o posso ficar aqui. E... eu vou arranjar outra coisa. — Eu
ainda nã o tinha um depó sito para um apartamento, mas poderia ficar
em pousadas até que o fizesse.
— Mia, você fica aqui ou comigo no meu apartamento. — A voz de
Yaz estava mais firme do que eu já tinha ouvido antes. Seu tom foi
cortante.
— Ela vai ficar aqui — Max soltou. — Seu apartamento é
minú sculo, Yaz.
— Ei!
— E nã o é tã o seguro quanto esta casa. Mia fica.
— Sim — Teddy acrescentou. Dois pares de olhos estavam
voltados para mim agora, ambos iluminados com igual quantidade de
determinaçã o. Suspirei e a autopreservaçã o entrou em açã o. Max estava
certo – se eu nã o fosse ficar no refú gio, entã o esta era a opçã o mais
segura.
— Obrigada — sussurrei, inclinando-me na direçã o deles para
enfatizar o quã o grata eu estava – o quanto isso significava para mim.
As bochechas de Teddy ficaram rosadas quando outra expressã o
culpada tomou conta de seu rosto.
Max, por algum motivo, quase parecia zangado.
— Cristo — ele disse baixinho enquanto se virava e marchava
para o outro lado da cozinha para colocar a chaleira no fogo.
CAPÍTULO DEZENOVE
PRECISO MAIS CURTO

— Quem cortou seu cabelo antes, querida? — perguntou Lila, a


cabeleireira, enquanto mexia no meu couro cabeludo. — Parece que foi
cortado com uma tesoura. Trabalho de machadinha.
— Hm… eu...
— Teremos que resolver a cor primeiro. O que deu em você para
ficar tã o escuro? Você é loira, certo?
Yaz gritou atrá s de mim. — Ah! Pinte igual ao meu. Seremos
gêmeas capilares!
— Yaz, por que você está aqui? — Verity perguntou da cadeira ao
lado da minha. — Isso deveria ser relaxante e você não é um humano
relaxante.
— Como você é ousada! Estou supertranquila. Olha, vou te
mostrar: faça esses exercícios respirató rios comigo enquanto você...
— Eu já lhe disse antes — disse Verity, com o olho esquerdo
tremendo. — Nã o gosto que me digam quando respirar. Minha
respiraçã o é problema meu. Por favor, vá embora.
— Sim, seus caras sã o tã o tensos. Vou deixar este quartzo rosa
aqui. — Ela colocou um cristal na pequena prateleira na frente de Verity
e piscou para ela. — Isso reajustará sua aura. — Verity olhou para a
pedra rosa, a pá lpebra tremendo novamente.
Eu sabia por que Yaz estava aqui. Ela me pegou mais cedo olhando
no espelho no trabalho, mexendo no meu cabelo horrível. Agora que eu
nã o tinha tido a chance de tingi-lo por um tempo e as raízes loiras
estavam começando a aparecer, eu parecia realmente assustadora. Ela
se aproximou de mim e eu tentei lhe dar um sorriso, mas saiu mais
como uma careta.
— Eu costumava ter um cabelo tã o bonito — eu disse a ela. —
Você nã o acreditaria nisso agora, nã o é? — A boca de Yaz ficou tensa e
ela me deu outro abraço de corpo inteiro.
Eu a notei no escritó rio de Verity mais tarde naquela manhã e a
pró xima coisa que percebi foi que Yaz e Verity estavam me arrastando
na hora do almoço para o cabeleireiro de Verity.
Yaz estava aqui porque era gentil e estava preocupada comigo.
— Eu nã o quero ficar muito clara — nã o havia nenhuma maneira
que eu quisesse arriscar voltar para a loira clara que Nate preferia —
mas eu nã o posso continuar assim, eu acho. Apalpei uma mecha de
cabelo preto. — E eu quero que seja mais curto.
— Mia, nã o — disse Yaz, parada entre mim e o espelho, com as
mã os nos quadris. Seu pró prio cabelo caindo em longas espirais loiras
sobre suas costas e ombros. — Coloque uma camada, mas deixe algum
comprimento. — Ela puxou meu cabelo para frente sobre meus ombros
para emoldurar meu rosto. — Nã o deixe tudo cortado. É tã o grosso e
lindo. Você ficaria louca se fosse muito curto.
— Ok, ok, vamos pensar — disse Lila, voltando para a posiçã o
atrá s de mim e colocando as mã os nos meus ombros. — Ela pode estar
certa, você sabe. Faremos isso em etapas e você poderá ver.
Dei de ombros, sem vontade de entrar em uma batalha de
vontades com Yaz.
Yaz pode parecer toda paz, amor e energia espiritual, mas eu
estava descobrindo que por baixo daquela personalidade relaxada
havia uma vontade de ferro. Depois da casa de refú gio, ela passou muito
mais tempo na casa do irmã o. Cada vez que ela vinha, ela trazia outra
sacola cheia de roupas. Meu guarda-roupa quadruplicou. Yaz alegou
que elas eram – rejeitadas – dos quais ela estava tentando se livrar, mas,
visto que todos pareciam se encaixar no meu corpo mais baixo e menos
dotado, eu duvidava disso. Tentei protestar, mas ela apenas me
dispensou dizendo:
— Eu nã o tenho chance de usar isso, querida.
Ela estava certa, é claro, mas eu duvidava que alguma coisa tivesse
cabido em seu peito depois dos treze anos. Ela comprou para mim. E eu
sabia que Yaz nã o estava exatamente trabalhando nisso – o
apartamento dela era minú sculo e ela nã o trabalhava apenas para Max.
Para alguém que Max e Verity tinham claramente rotulado como
excêntrica, ela parecia estar trabalhando em um nú mero curiosamente
grande de empregos. Além de administrar a recepçã o no escritó rio, ela
também foi instrutora de windsurf/kitesurf, além de professora de
Pilates e ioga. Estranhamente, ela raramente mencionava isso. Max foi
bastante indiferente a tudo isso, o que considerei injusto. Ele chamou
isso de – andar na á gua – e disse que ela estava – obcecada pelo mar
sangrento.
— Se você nã o quiser, vou embalar e levar para a Oxfam, mas vai
ser um pé no saco.
Entã o agora eu tinha um guarda-roupa extenso baseado em Yaz:
camisetas e coletes de surf, jeans desgastados e moletons com mangas
compridas e gola larga. Eu sabia que nã o deveria aceitar a gentileza
dela, mas adorei tudo que ela me deu – era tudo tã o diferente do meu
antigo guarda-roupa. Mas nã o foi apenas Yaz quem adicionou à minha
coleçã o de roupas. Na semana passada, Verity me deu um casaco verde-
oliva superquente com capuz forrado de pele, que ela dizia ser – da
temporada passada. Ontem vi uma foto da Duquesa de Sussex usando o
mesmo casaco no Canadá . O artigo listou seu preço em mais de £300.
Eu duvidava muito que qualquer coisa que um dos principais ícones da
moda do mundo usasse pudesse ser considerada “temporada passada”,
mas a maldita coisa estava tã o quente e eu estava com frio há tanto
tempo que também nã o tive coragem de devolver.
— Veremos — eu disse a Lila.
Quando Lila tirou a toalha depois que meu cabelo foi repintado,
olhei para meu reflexo por um longo momento. Nã o era tã o claro nem
tã o longo como antes, mas fez uma enorme diferença. Minha pele nã o
parecia tã o pastosa e pouco saudável.
— Certo, entã o vou tirar um pouco e você poderá ver o que acha.
Eu balancei a cabeça e dei a ela um pequeno sorriso. Ela trabalhou
no meu cabelo por vinte minutos e depois recuou.
— Pronto, perfeito para o seu rosto — disse ela. Meu cabelo caía
até os ombros e ela havia cortado camadas na frente. Sim, combinava
comigo, mas... Passei os dedos por ele e depois torci em torno deles,
conseguindo segurá -los com segurança.
— É ó timo, realmente. Mas eu quero que seja mais curto — eu
disse, deixando minha mã o cair.
Lila franziu a testa para mim. — Escute, deixe-me secar e pentear.
Vai subir quando estiver seco e aposto que você mudará de ideia.
— Meu Deus, Lila, você é um gênio — disse Yaz, ficando na minha
frente e apertando minhas bochechas. — Olhe para esse rosto — disse
ela, inclinando minha cabeça de um lado para o outro. — Você é uma
fera sexy.
Eu sorri para ela. — Você também nã o é tã o ruim.
— Ok, entã o vamos pagar e sair daqui. Barra de smoothies? Eu
estou comprando.
— Nã o vou beber carvã o de novo, Yaz — disse Verity enquanto
tirava a capa e afagava o cabelo recém-arrumado. — A maior parte das
coisas que servem lá nã o é para consumo humano.
— Diz você que come carne de animal morto e...
— Lila, me desculpe — eu disse, fazendo Yaz interromper seu
discurso e se virar para mim. — Mas você pode cortá -lo mais curto? —
Olhei para o espelho enquanto passava os dedos pelos cabelos
novamente.
— Confie em mim – este é o comprimento que você deseja. Seria...
— Mais curto, por favor. — Eu peguei seu olhar no espelho. Ela
deve ter percebido a determinaçã o em minha expressã o porque me deu
um breve aceno de cabeça.
— Ok, se você realmente quiser diminuir o tamanho, posso fazer
funcionar. Hm... vai ser fofo.
Yaz e Verity pairaram atrá s de mim e tentaram me convencer do
contrá rio, mas eu nã o iria recuar. Eu tinha preocupaçõ es mais urgentes
do que quã o atraente era meu penteado. Mas enquanto observava o
cabelo flutuar no chã o, senti um aperto no estô mago. Eu ainda era
vaidosa o suficiente para me importar.
— Pronto, agora isso é curto, mas ainda assim...
— Mais curto. — Minha voz rouca com emoçã o estú pida. Por que
cortar meu cabelo estava me afetando assim? Pisquei e consegui conter
as lá grimas.
Yaz avançou, seus olhos nos meus no espelho. — Mia, eu
realmente acho que você deveria...
— Mais curto — repeti, minha voz mais forte agora.
— Hm... ok — disse Lila, avançando e começando a cortar
novamente. — Bem... hum, ainda podemos deixar isso fofo. Vai ser
ó timo, na verdade. — Ela fez um show de corte, mas na verdade tirou
muito pouco comprimento. Minha mã o deslizou pelo meu cabelo depois
que ela terminou. Eu ainda conseguia torcer os fios em volta dos dedos.
— Mais baixinho — sussurrei para uma Lila agora perplexa.
— Mia, acho que isso é curto o suficiente — disse Yaz, seu sorriso
normalmente radiante havia sumido e ela estava olhando para mim
com um começo de preocupaçã o.
Eu balancei minha cabeça. — Mais curto — eu disse, fazendo
minha voz tã o firme quanto pude.
— Honestamente, Yaz está certa. Você nã o quer ir mais curto.
Seria...
— Você nã o entende — eu interrompi, minha voz aumentando
com a emoçã o reprimida que eu normalmente mantinha brutalmente
sob controle – esmagada bem no fundo, onde eu colocava todas as
memó rias que eu nã o queria pensar. Os clientes, incluindo Verity ao
meu lado, e os cabeleireiros no pequeno salã o, ficaram em silêncio com
a minha voz crescente, mas eu estava muito emocionada para perceber.
Meu cabelo, meu cabelo outrora lindo, estava ao meu redor e ainda nã o
era suficiente. Peguei ambas as mã os e empurrei-as nos fios, puxando
meu couro cabeludo para trá s em ambos os lados. Entã o minha mã o
direita foi para o lado da minha cabeça. Enrolei meu cabelo em volta do
punho. — Quero que seja curto o suficiente para que ninguém possa
fazer isso. — Puxei o cabelo, jogando minha cabeça para o lado. — Nã o
quero que ninguém consiga controlar meu cabelo. É muito importante.
Eu nã o ouvi os suspiros ao meu redor. Tudo em que me concentrei
foi na sensaçã o de tensã o na raiz do meu cabelo e no pâ nico familiar
que ela evocava.
— Eu preciso que seja mais curto. — Minha voz estava grossa
agora e para meu horror uma ú nica lá grima caiu pelo meu rosto.
Limpei-a furiosamente. Nã o tive tempo de chorar. Eu precisava fazê-las
entender. Sem as lá grimas, deixei minhas mã os caírem ao lado do corpo
e me endireitei na cadeira.
— Por favor, apenas corte — eu sussurrei. Quando Lila nã o se
moveu para pegar a tesoura, olhei para cima e foi entã o que notei sua
expressã o horrorizada. Ela estava congelada atrá s de mim, olhando
para mim no espelho. Olhei para Yaz e vi que havia lá grimas em seus
olhos e seus lá bios tremiam. Todo o salã o estava em um silêncio mortal.
O burburinho normal da conversa e o ruído de fundo dos secadores de
cabelo nã o estavam lá e todos os olhos estavam voltados para mim.
— Mia — Yaz disse com a voz embargada. Antes que eu
percebesse, ela se jogou para frente e me abraçou na cadeira.
— Eu... hum — Lila pigarreou, seus pró prios olhos agora estavam
cheios de lá grimas e eu pude ouvir algumas outras fungadas das outras
mulheres no salã o. — Cortar mais curto nã o é a resposta, Mia. Não é. —
Sua voz estava á spera de emoçã o.
— Nã o — Yaz disse ferozmente, afastando-se de mim para ficar na
minha frente com as mã os nos meus ombros e o rosto a centímetros do
meu. — A resposta é que você me diga quem diabos puxou você pelos
cabelos para que eu possa foder com eles.
A surfista pacífica e tranquila Yaz havia oficialmente deixado o
prédio.
— Yaz, por favor — eu disse, voltando a mim e percebendo o que
havia revelado. — Está tudo bem agora. Honestamente, você nã o
precisa foder com ninguém.
Foi entã o que percebi que Verity havia se levantado da cadeira e
estava agachada na minha frente. — Há pessoas que podem... — Verity
fez uma pausa por um momento e engoliu em seco, com os olhos
ú midos também, o que foi realmente chocante, já que Verity era uma
pessoa do tipo rígido — ajudar você. Podemos...
— Estou bem — eu disse a ela, virando-me na cadeira e pegando
sua mã o na minha. — Por favor — dirigi isso a todos os curiosos no
salã o — lamento preocupar a todos. Eu nã o quis dizer... — minha voz
falhou quando mais lá grimas estú pidas encheram meus olhos e eu
respirei fundo e estremecendo.
— Certo, chega disso — Verity me disse, levantando-me da
cadeira, pegando minha mã o e me arrastando para a recepçã o – toda
eficiência e propó sito. — Você nã o terá mais esse lindo cabelo cortado
hoje. Ninguém jamais explorará essa fraqueza novamente. Nã o sob
nosso comando.
— Sim — acrescentou Yaz. — E meu irmã o vai perder o controle.

— Isso nã o é algo que você possa consertar, Max — Yaz me disse,


mantendo a voz baixa para que Mia, que havia subido as escadas, nã o a
ouvisse. — Você precisa dar espaço a ela. Há coisas que você nã o faz...
olha, nã o posso quebrar a confiança dela, mas tenha cuidado, ok? Você
já a aborreceu o suficiente.
Eu mudei de posiçã o e enfiei as mã os nos bolsos. Yaz tinha razã o –
eu tinha tendência a colocar o pé nisso com uma frequência alarmante
no que dizia respeito a Mia. Mas eu estava ansioso para fazer algo sobre
o que quer que estivesse acontecendo. Os olhos de Yaz e Mia estavam
vermelhos quando voltaram da cidade. Quando perguntei a Yaz o que
aconteceu, ela me disse que tinham ido ao cabeleireiro. Como arrumar
o cabelo te faz chorar? Eu cortava meu cabelo todo mês no Bob the
Barber. Bob tinha sessenta e cinco anos, era careca e tinha uma grande
barriga de cerveja. Nã o era uma experiência emocional.
— Eu nã o posso exatamente dar espaço a ela quando ela está
morando aqui — eu murmurei, pescando alguns recheios de sanduíche
na geladeira. — Ela, hm... — Abaixei minha voz para um sussurro e me
inclinei para mais perto de Yaz. — Teddy disse que ela está dormindo
no armá rio do quarto dela, a menos que deixemos o cachorro dormir lá
em cima, o que, claro, agora é padrã o. Isso é... isso não é normal. —
Olhei para minha irmã enquanto seus olhos começavam a se encher de
lá grimas e sua boca formava uma linha firme. Algumas lá grimas caíram,
mas ela as enxugou, olhando para cima para verificar se Mia ainda nã o
havia descido as escadas.
— Eu nem sei de nada concreto — disse Yaz, com a voz um pouco
embargada pelas lá grimas. Ela limpou a garganta antes de continuar. —
Mas eu sei o suficiente. Essa mulher precisa ser tratada com cuidado.
Acima de tudo, ela precisa de amigos.
— E algumas boas refeiçõ es.
Mia ainda estava muito magra. Ela nã o tinha peso suficiente antes
da pneumonia e isso só exacerbou o problema.
Yaz me deu um pequeno sorriso. — Bem, você é o especialista
nisso, pelo menos. Você adora cozinhar. Alimente-a, pelo menos é um
começo.
— Ela come como um pá ssaro — resmunguei. — Acho que Teddy
e eu a deixamos nervosa.
— Bem, tudo bem entã o porque eu vi você alimentando pá ssaros
de verdade. Lembra daquele pombo com a asa quebrada? Aquele que
você escondeu no seu quarto? E esse é apenas um exemplo.
Revirei os olhos. — Mia nã o é um pombo ou uma criatura da
floresta. Ela é uma mulher humana que passou por momentos difíceis.
— O que quero dizer é que sei o quã o gentil você é sob essa casca
dura, quã o gentil. Eu sei que você pode ajudá -la. Mas, se você nã o
estiver a fim, ela pode ficar com Verity ou comigo. Podemos...
— Ela fica comigo. — A convicçã o absoluta no meu tom foi uma
surpresa, até para mim. Mas naquele momento percebi que nã o queria
Mia em nenhum outro lugar. Eu a queria aqui. Eu queria saber que ela
estava segura.
— Eu amo meu irmã o mais velho — Yaz disse com uma voz
trêmula antes de se lançar em frente, se jogando em meus braços e me
dando um de seus abraços fortes – o mesmo tipo de abraço que ela me
dava desde que era bebê e eu tinha dez anos. Aqueles que me
convenceram, aos dez anos, de que talvez, apenas talvez, a má quina de
cocô barulhenta e arrogante que mamã e trouxe para casa nã o fosse um
pé no saco. Eu passei meus braços em volta dela. — Eu realmente nã o
sei o que fazer para ser honesta, Maxie. Nunca lidei com nada assim
antes.
Suspirei e dei-lhe um aperto. Aí fiz o que fazia desde os dez anos –
tranquilizei minha irmã zinha. — Nó s vamos resolver isso, Midge. Ficará
tudo bem.
CAPÍTULO VINTE
NÃO É NADA PARA MIM

— Ei. — Dei um pequeno aceno para Max enquanto dava um


passo hesitante em direçã o à ilha da cozinha com Roger em meus
calcanhares. Depois que voltamos do salã o, ele me seguiu até o meu
quarto e abriu caminho antes que eu pudesse fechar a porta. Eu passei
uma boa meia hora chorando em seu pelo, entã o fomos sentar juntos no
guarda-roupa por um tempo. — Yaz está ...?
— Ela foi buscar Teddy no torneio. Ele me mandou para casa mais
cedo porque aparentemente sou constrangedor. Idiota. — Roger
contornou a ilha e sentou-se ao lado de Max, que lhe deu um pedaço de
carne do sanduíche que estava fazendo.
Peguei um dos bancos da cozinha em frente a ele e sentei-me. Max
cortou um sanduíche enorme ao meio, colocou-o em um prato e jogou-o
na minha frente. Olhei do sanduíche para Max, que agora estava
montando outra monstruosidade para si mesmo. Levantei
hesitantemente uma das enormes fatias de pã o crocante para espiar o
pedaço de carne, a massa de queijo derretido e a folha de salada muito
simbó lica se equilibrando em cima de tudo. Uma xícara de chá também
foi empurrada em minha direçã o.
— Obrigada — eu murmurei. Como eu iria comer essa coisa?
Olhei e observei Max enfiar seu sanduíche igualmente enorme na boca,
dando uma enorme mordida nele. Foi como ver um leã o cravar os
dentes numa gazela.
— Coma, amor.
Minha cabeça se ergueu com mais um carinho casual. Max fez uma
pausa na mastigaçã o para me dar um pequeno sorriso de boca fechada.
O calor se espalhou do meu peito até os dedos. Nate sempre me chamou
de “querida”. Eu pensei que era muito chique quando comecei a sair
com ele. Só muito mais tarde é que percebi o quã o fria, vazia e
possessiva essa palavra realmente era. No final, me chamar de querida
quase parecia uma ameaça. Em contraste, a “amor” na cadência
calorosa e yorkshire de Max era o completo oposto. Pisquei
rapidamente e limpei a garganta.
— Seu cabelo... — Max disse do nada enquanto eu tentava dar
uma mordida no sanduíche, conseguindo apenas um pequeno pedaço
do pã o. Ele se levantou e esfregou a nuca antes de falar novamente, sua
voz um pouco rouca. — Parece muito bom, parece mesmo.
— Oh. — Passei os dedos nos fios curtos da minha nuca. Depois
de todo o drama, acabou mais como um bob em camadas do que
qualquer outra coisa. Dei a Max um pequeno sorriso. — Obrigada.
Com a ajuda de uma faca consegui dissecar o resto do sanduíche
enquanto Max esvaziava a má quina de lavar louça, olhando para mim
de vez em quando como uma espécie de policial alimentar.
— Entã o, vejo você mais tarde — eu disse depois de terminar o
má ximo que pude do sanduíche e colocar o resto na geladeira sob o
olhar de desaprovaçã o de Max e comentá rios murmurados de – nã o o
suficiente para manter um rato vivo. Comecei a me aproximar da porta.
Esse tinha sido meu padrã o desde que me mudei. Eu nã o queria
aglomerar Max e Teddy, entã o me afastei o má ximo possível.
— Você pode ficar — Max deixou escapar. Parecia mais uma
ordem do que uma sugestã o. Meus pés paralisaram. — Eu tenho Netflix.
— Ele apontou para o sofá grande e confortável e para a televisã o
widescreen para a qual estava apontando. — Você nã o precisa se
esconder em seu quarto.
— Eu nã o estou me escondendo.
— Certo. — Max pronunciou a palavra enquanto se dirigia ao sofá
e se jogava nele, a camiseta apertando seu peito expansivo e musculoso.
— Eu nã o estou.
Max abriu seu laptop e começou a digitar. Eu ainda estava parada
no pé da escada, pensando se deveria ou nã o correr para o meu quarto
e me esconder – exatamente como ele estava me acusando de fazer. —
Se você nã o estiver muito ocupada aí confundindo meu cachorro, você
poderia vir e me ajudar com este programa 3D para o projeto do museu
– nã o consigo entender nada. — Dei uma olhada fugaz para a escada e
entã o meus olhos se voltaram para Max, que estava olhando para mim
com uma sobrancelha levantada. — Ou eu poderia simplesmente
continuar pressionando botõ es aleatoriamente até que algo...
— Pare! — Voei pela sala e parei perto de onde ele estava sentado.
— Passei muito tempo colocando esse programa em funcionamento. —
Sem pensar, sentei-me ao lado de Max e peguei seu laptop. Meu braço
roçou o dele e senti o calor atingir meu rosto. Assim que assumi o
controle do computador, me afastei um pouco. Levei alguns minutos
para corrigir o que ele errou ao fazer. Ele teve que se apoiar em mim
enquanto eu explicava como usar o programa corretamente. Eu podia
sentir seu cheiro fresco e masculino ao meu redor. Foi quase
esmagador.
— Obrigado, Nú mero Cinco — ele disse depois que terminamos o
trabalho que ele precisava alterar. Balancei a cabeça e estava prestes a
sair correndo quando fiz uma pausa. Teddy ainda nã o tinha chegado em
casa e eu precisava aproveitar a oportunidade para conversar com Max
sem ele aqui.
— Está tudo bem com você e Teddy? Quero dizer... você nã o
brigou por causa do que aconteceu comigo, nã o é? Eu sei que adicionei
muita tensã o e...
— Mia — Max interrompeu, virando-se para mim, mas nã o em um
movimento repentino. Ele fez tudo devagar, avaliando minha reaçã o,
dando-me tempo para me afastar ou recuar. Senti um nó na garganta
por ele estar fazendo esse tipo de esforço por mim, verificando-se
quando eu sabia que seus movimentos espontâ neos normais eram tudo
menos lentos. — Teddy está agindo como um merda desde que sua mã e
foi embora. Nã o tem nada a ver com você. Eu... ele é... — ele parou e
encolheu os ombros. — Escute, na verdade, ter você aqui ajudou a levar
a situaçã o ao auge. Pelo menos agora Ted admitiu como está se
sentindo. Eu sei agora que ele está preocupado que eu nã o dê mais a
mínima para ele. A mã e dele... ela... — Max parou e suspirou. — Ela
queria levar Ted para Londres com ela quando partisse, mas ele decidiu
que preferia ficar por aqui. Afinal, todos os seus amigos e sua escola
estã o aqui. Ele nã o gosta muito de cidades grandes.
— E ela simplesmente o deixou?
— Ela queria sair desse tipo de vida. Mudamos a empresa para cá
há cinco anos e Rebecca nunca se acostumou a viver – no interior –
como ela chamava, com os – esquisitos retró grados. Acho que a
realidade da vida com um canalha chato do norte como eu, que nã o está
na televisã o e cuja ideia de sair à noite é tomar uma cerveja no pub, nã o
era suficiente para ela. Nã o é sua xícara de chá . Garota da cidade por
completo. Eu estava com ela há oito anos, desde que Teddy tinha nove
anos. Ela fez nossa Relaçõ es Pú blicas para a empresa na época. Ela era
uma força a ser reconhecida — continuou Max, e por algum motivo
senti uma pontada de ciú me.
— Resolvemos o problema da publicidade da empresa. Naveguei
por todas as besteiras para mim – Deus, ela viveu para as besteiras.
Poderia funcionar em uma sala diferente de tudo que você já viu.
Glamourosa, urbana, nada parecida comigo. Fiquei chocado por ela
querer nos dar uma chance. Aí conheci um garotinho magrelo de nove
anos que ela carregava e foi isso. Eles se mudaram em três meses. O pai
de Ted nunca esteve envolvido, e Ted e eu éramos muito pró ximos. Fui
eu quem o colocou no Taekwondo. Fomos pescar juntos. Treinei o clube
de rugby dos amigos dele. Ele costumava olhar para mim como se eu
tivesse todas as respostas, como se eu fosse um super-heró i –
totalmente infalível. Depois de alguns anos, ele começou a me chamar
de pai. — Ele balançou sua cabeça. — Agora ele olha para mim como se
eu fosse apenas um idiota com quem ele tem que conviver e mal tolera.
— Oh, Max — eu disse, a angú stia em sua voz quando ele falou
sobre Teddy, um garoto com quem ele nem era parente, mas com quem
ele obviamente se importava como um filho, era de partir o coraçã o. —
Eu sinto muito. Ele vai mudar de ideia.
— Cristo, me escute – uma verdadeira Moaning Myrtle. — Ele
abriu um sorriso. — Você já tem o suficiente de suas pró prias coisas
acontecendo. Você nã o precisa ouvir meu drama familiar.
Seu sorriso, junto com o verde de seus olhos, causou um curto-
circuito em meu cérebro por um momento. Ele era tã o bonito. Parecia
que eu estava sendo atraída por ele, como se meu corpo nã o pudesse
deixar de se aproximar. Sem perceber, me virei totalmente para encará -
lo e nossos rostos estavam a centímetros de distâ ncia. Envergonhada,
limpei a garganta e quebrei o contato visual para olhar para o meu colo.
— Uh... — comecei a dizer, minha voz saindo um pouco mais alta do que
deveria. Limpei a garganta novamente. — Nã o, nã o, é bom pensar nos
problemas de outra pessoa pelo menos uma vez. E... bem, é bom saber
que você tem suas pró prias coisas acontecendo. É cansativo ser a ú nica
idiota na sala. E eu adorei que você acabou de fazer referência a Harry
Potter, a propó sito.
Ele riu e aquele som passou por mim até os dedos dos pés.
Descontraído e risonho, Max tinha carisma demais para aguentar.
— Eu li todos eles com Ted. Pensei que fosse um monte de
sapateiros quando comecei, mas eu era um verdadeiro Potterhead no
ú ltimo livro.
— Tenho certeza que Teddy sabe que você se preocupa com ele.
Ele provavelmente apenas...
— Ele sente falta da mã e. Nã o é o ideal ficar preso a um velho
rabugento como eu.
— Você nã o é um velho rabugento. Ele tem sorte de ter você.
Max encolheu os ombros. — Seus trabalhos escolares também o
estã o estressando – o bastardo é inteligente. Mas ele está achando seu
nível A de ciência da computaçã o mais difícil do que pensava. Ele
continua xingando a tela. Achei que ele fosse jogar seu MacBook pela
cozinha ontem.
— Eu poderia ajudá -lo — eu deixei escapar e mordi o lá bio.
— Você faria isso?
— Claro.
— Isso seria bom. Eu sei que ele tem potencial, mas sua
autoconfiança é... ele só precisa...
— Acreditar em si mesmo — terminei sua frase e suas
sobrancelhas se ergueram.
— Exatamente — disse ele, com a voz firme enquanto me olhava
com uma intensidade renovada.
Max virou a mã o e fechou os dedos em volta dos meus, apertando-
os levemente. E por algum motivo nã o parecia intrusivo. Parecia... certo.
Era como se eu conhecesse Max até a alma. Sabia que ele nunca me
machucaria. O que era bizarro – eu o conhecia há apenas algumas
semanas e ele nã o era o homem mais gentil. Mas, novamente, eu
preferiria seu jeito rude, abrasivo e brutalmente honesto a ser
charmoso e dissimulado – eu já tive o suficiente disso para durar uma
vida inteira. Aquele estalo de tensã o zumbiu entre nó s novamente. Max
se inclinou para frente, seus olhos assumindo uma aparência
ligeiramente vidrada. Nossos lá bios estavam separados por um fio de
cabelo e eu podia sentir sua respiraçã o em minha boca quando a porta
da frente se abriu.
— Uau! — Yaz disse, largando as sacolas para cobrir os olhos com
uma das mã os e depois procurando cegamente com a outra para fechar
a porta. — Nã o preciso ver meu irmã o fazendo sujeira no sofá , muito
obrigada.
Com a entrada explosiva de Yaz, saltei de Max até ficar
praticamente sentada no braço do sofá . Max quebrou o contato visual
comigo com relutâ ncia para encarar sua irmã com um olhar
exasperado.
— Está tudo bem — disse ela, sem tirar a mã o dos olhos enquanto
cambaleava até a á rea da cozinha para largar as chaves e a bolsa. —
Teddy vai passar a noite com um companheiro. Nã o se importe comigo.
Continue com a açã o do sofá duvidosa. Nã o me deixe desperdiçar
nenhuma de suas energias nesta fase crucial.
— Yaz — Max retrucou. — Pare de ser uma rainha do drama, tire
alguns daqueles malditos cristais da cadeira extra e assista um pouco
de televisã o.
Yaz cuidadosamente tirou a mã o dos olhos, ambos cerrados. Ela
abriu um olho e depois o outro, mostrando os dentes numa cara
esperta, como se antecipasse a incineraçã o imediata de seus globos
oculares. Você poderia ter escalfado um ovo na minha cara a essa altura.
Max olhou para mim e franziu a testa. — Você está
envergonhando Mia — ele disse a ela como se isso fosse o mesmo que
afogar cachorrinhos por diversã o. Yaz olhou para meu rosto vermelho e
me deu um sorriso.
— Desculpe, querida. Você sabe que eu te amo, mas nã o tenho
certeza se conseguirei sobreviver vendo você e meu irmã o mais velho
na Netflix e relaxando. Nã o estou surpresa que você esteja encontrando
seu charme – esse cristal que você está segurando é uma cornalina
laranja.
— Hm... isso? — Levantei a pedra que estava mexendo na ú ltima
hora.
— Sim, cornalina laranja recarrega a energia do chakra sacral,
melhorando a sexualidade e restaurando a vitalidade dos ó rgã os
femininos.
Pisquei horrorizada diante do cristal laranja que segurava
inocentemente e coloquei-o na mesinha lateral ao lado do sofá , como se
fosse uma bomba que nã o explodiu.
— Yaz, por que tenho uma pedra para recarregar vaginas em
minha casa? — Max perguntou, o que achei uma pergunta razoável.
— Eu coloquei isso lá há seis meses. Imaginei que se você
conseguisse trazer uma mulher de verdade para casa novamente, eu
queria que sua vagina fosse superpoderosa. Eu te protejo, irmã o meu.
— Yaz deixou-se cair na cadeira extra. — Tenho certeza de que sua
vagina está com ó tima saú de, Mia, mas nunca é demais receber uma
ajudinha extra do universo. Agora, o que estamos assistindo?
— Yaz, pare de colocar pedras sexuais na minha casa – é estranho.
E eu pedi para você parar de envergonhar Mia.
— O que você quer dizer? — Ela disse, levantando a massa de
cabelo ondulado do pescoço e segurando-a no topo da cabeça. — Como
é que discutir a saú de íntima de Mia a deixa constrangida?
— Está tudo bem — eu disse, desejando que o calor
desaparecesse do meu rosto. — Pelo menos agora sei que nã o devo
manusear os cristais sem roupas de proteçã o. Nã o tenho certeza se meu
chakra sacral apreciaria qualquer revitalizaçã o no momento.
— O chakra sacral de todo mundo precisa de uma boa recarga —
Yaz me disse, pegando o controle remoto e passando os filmes. Ela fez
um documentá rio sobre veganismo, dizendo a Max para engolir isso.
Ele murmurou — minha maldita casa — e — merda mandona —
baixinho, mas, como eu já esperava de Max, ele cedeu à irmã mais nova.
Max se levantou no meio do caminho e pegou mais comida na cozinha
(isso incluía arranhõ es de porco e Yaz revirou os olhos). O homem
estava obcecado comigo comendo. Quando me acomodei no sofá , Roger
deu um pulo e se deitou em pé com a cabeça no meu colo. Mais
murmú rios de Max, incluindo — bastardo destreinado — mas ele se
aproximou para poder acariciar Roger e coçar atrá s das orelhas. Estava
ficando cada vez mais claro que Max era apenas um grande molenga.
Deixei a brincadeira fá cil entre os irmã os e o calor do cachorro em
minhas pernas tomar conta de mim. Minhas pá lpebras começaram a
ficar pesadas quando Arnie apareceu na tela falando sobre quantos
ovos ele costumava comer. Afundei ainda mais nas almofadas, sentindo-
me segura pela primeira vez em meses.

Senti dedos gentis colocarem meu cabelo atrá s da orelha e pisquei


os olhos. A televisã o estava desligada e as luzes da sala diminuíram.
Max estava pairando sobre mim, mas em vez do medo instintivo que eu
esperava, me senti estranhamente tranquilizada.
— Ei — ele rugiu. — Desculpe, amor, mas é tarde e preciso tirar
esse aqui. — Roger ainda estava deitado sobre minhas pernas, a cabeça
apoiada na minha barriga.
— Uau — eu respirei, sentindo uma onda de dor de cabeça
quando me sentei. — Quanto tempo eu dormi?
— Yaz foi embora, graças a Deus. Você tem sorte – ela me fez
assistir a outro maldito programa sobre comedores de feijã o. Doloroso.
Sorri e esfreguei os olhos. Max estava tentando tirar Roger das
minhas pernas – o cachorro soltou um gemido de protesto e se
acomodou mais em mim. Aconcheguei-me em seu pescoço por um
momento, depois me afastei para enfiar as duas mã os no pelo atrá s de
suas orelhas e levantei sua enorme cabeça.
— Vamos, lindo — eu disse na cara dele. — Nã o podemos ficar
deitados aqui a noite toda. — Roger respondeu lambendo do meu
queixo até a testa com sua língua enorme. Eu me afastei, rindo e
enxugando minha bochecha. Minha risada foi interrompida quando
encontrei o olhar de Max. Ele estava olhando para mim com uma
expressã o que nã o consegui decifrar. Era suave e rígida ao mesmo
tempo e, por algum motivo, fez meu estô mago se contrair e aquela
sensaçã o de calor se espalhar pelo meu peito. Ele quebrou o contato
visual para tirar Roger de cima de mim. O cachorro deu outro grunhido
de protesto antes de obedecer. Assim que minhas pernas ficaram livres,
coloquei-as no tapete e me levantei. Max ainda nã o tinha saído de sua
posiçã o na minha frente. Estávamos quase cara a cara. Ele procurou
meu rosto, aquele olhar suave se intensificando.
— Tem razã o, linda — ele sussurrou, depois piscou como se nã o
tivesse a intençã o de falar em voz alta. Ele limpou a garganta, duas
bandeiras coloridas aparecendo no alto de suas maçã s do rosto. Eu
estava congelada no lugar, olhando para seu lindo rosto. O ar ao nosso
redor estalava com aquela tensã o e energia de antes. Eu estava
igualmente aterrorizada e entusiasmada. Sua mã o se estendeu para
escovar uma mecha do meu cabelo atrá s da orelha com um toque leve
como uma pluma. Um rastro de fogo foi deixado em seu rastro, como se
ele tivesse deixado uma marca ali. Roger, nã o feliz por ser ignorado,
escolheu aquele momento para dar um latido suave e cutucar a perna
de Max.
— Cristo, desculpe. Eu nã o deveria ter... — Ele puxou a mã o e
enfiou-a no bolso, quebrando o feitiço entre nó s enquanto dava um
pequeno passo para trá s. Soltei um suspiro que nã o tinha percebido
que estava prendendo e dei um passo para trá s, apenas para esbarrar
no sofá . Cambaleei por um momento e a mã o grande de Max agarrou a
minha para me firmar – o calor subindo pelo meu braço como um raio
de eletricidade. Ele olhou para nossas mã os por um momento, piscou e
depois me soltou. A perda de seu calor me fez sentir estranhamente
sozinha.
— Ok — eu disse esperando que meu tom falsamente brilhante
cobrisse o leve tremor em minha voz. — Obrigada por toda a comida.
No futuro, talvez lembre-se de que nã o sou uma adolescente de um
metro e noventa de altura no que diz respeito à s necessidades caló ricas.
— Nã o, você nã o vai — ele disse, sua voz caindo mais baixo
enquanto seu olhar caiu para minha boca. Aquele raio de consciência
passou por mim novamente e respirei fundo.
— Qualquer um.
Sim, eu disse “qualquer um”. Como uma estranha. Eu poderia
tornar a situaçã o ainda mais estranha? — Eu só vou... — Levantei meu
braço e apontei meu polegar de volta para a escada.
— Boa noite, Mia.
Fiz uma pausa em minha corrida para trá s e olhei para Max. Ele se
virou para levar Rodge até a porta dos fundos. Respirando fundo e
endireitando os ombros, voltei para ele.
— Max — chamei quando estava a apenas trinta centímetros de
distâ ncia. Ele se virou e fixou aquele olhar verde avaliador em mim
novamente. — Estou realmente grata a você por me deixar ficar aqui. —
Nã o me preocupei em tentar oferecer aluguel novamente. Já tínhamos
repassado essa conversa em particular muitas vezes. Aparentemente,
como eu fiquei doente no prédio do Max, ele era responsável por pagar
pela minha recuperaçã o, apesar do fato de que, um – eu nem deveria
estar dormindo no prédio dele, para começar, e, dois – eu nã o iria
sonhar em processá -lo ou ter uma perna para se apoiar se o fizesse.
Ele fechou os olhos por um momento, quando os abriu novamente
sua expressã o era quase de dor. — Por favor, nã o me agradeça
novamente. Nã o é nada. Honestamente.
— Nã o, é muito para mim — eu sussurrei. Antes que ele pudesse
responder, subi as escadas correndo.
CAPÍTULO VINTE E UM
DEIXE A POBRE MENINA IR PARA CASA

— O que eu estou fazendo? — Murmurei baixinho enquanto me


aproximava da praia. Meus passos desaceleraram quando vi o grande
grupo de homens correndo uns contra os outros e jogando uma bola de
rugby entre eles. Yaz foi a primeira a notar que eu havia parado. Ela
girou o chinelo (foi a primeira vez que os chinelos fizeram sentido para
mim) e agarrou minha mã o.
— Parece que estamos arrastando você para ser um sacrifício
humano — ela disse, dando um puxã o firme em minha mã o e me
puxando para frente em seu rastro. — É apenas rugby!
— O rugby é um dos esportes mais perigosos que você pode
praticar — eu disse a ela, parando novamente. — Eu pesquisei no
Google. Vocês estã o loucos.
Yaz revirou os olhos enquanto corria de volta para mim, sua
massa de cachos presos no topo da cabeça e uma blusa de rugby caindo
de um ombro. Ela estava usando a mesma regata laranja e vermelha
que os homens usavam, exceto que, enquanto a deles era justa e
chegava à cintura, a dela era larga e caía até a metade das coxas. O
decote largo e o elemento sem mangas deixavam a maior parte do sutiã
esportivo à mostra.
Eu escolhi a roupa esportiva mais conservadora que pude
encontrar na extensa seleçã o que Yaz me deu – mas mesmo isso parecia
mostrar uma quantidade desconfortável de decote e havia painéis
cortados das leggings com material preto transparente em vez de lycra
opaca. Eu nã o me sentia tã o exposta há meses.
— É rugby, sua boneca — ela disse enquanto se aproximava de
mim e pegava minha mã o para me puxar.
— Onde fica o campo das meninas? — Eu perguntei, olhando para
cima e para baixo na praia.
Yaz mordeu o lá bio. — Ok, nã o me mate.
— Yaz. — Eu pronunciei o nome dela e parei no meio do caminho.
— Você nã o teria vindo se eu dissesse que eram todos caras.
Vamos, Mia. Apenas tente. Por mim? — Suspirei e permiti que ela me
puxasse para frente.
— Pensei que você tivesse dito que nã o havia contato —
murmurei enquanto dois dos homens se chocavam e caíam juntos na
areia.
— Ah, sã o apenas eles brincando como crianças — Yaz me disse
com desdém. — Eles estã o apenas se aquecendo.
Eles nã o pareciam nem remotamente crianças para mim – eles
pareciam enormes e intimidantes com suas regatas justas, esticadas
sobre peitos largos e exibindo uma boa quantidade de pornografia
muscular nos braços. Eu estava prestes a derreter em uma poça de pura
luxú ria ou puro medo na areia. O que eu nã o estava disposta a fazer era
entrar no meio deles.
Eu estava progredindo, mas isso ainda pode ser um passo longe
demais. Depois da minha cena no cabeleireiro, Yaz e Verity
conversaram comigo sobre aconselhamento. A Verity até ofereceu que a
empresa pagasse por isso de forma privada. Mas lembrei-me do
nú mero que o refú gio me tinha dado e decidi tentar lá primeiro.
Quase nã o fui à primeira sessã o, pois simplesmente nã o achei que
alguém seria capaz de me ajudar, muito menos um homem. Mas Ismal
foi gentil e paciente. Ele praticou algo chamado terapia de
reprocessamento de dessensibilizaçã o do movimento ocular, que,
explicou ele, usava a técnica de direcionar o movimento ocular de uma
pessoa enquanto a encorajava a reviver eventos passados. Ele disse que
era frequentemente usado para tratar traumas e que me ajudaria a falar
sobre o que havia acontecido comigo. Gradualmente, ele me facilitou.
Na semana passada pude contar a ele sobre um dos ataques de Nate.
Durante o meu relato, ele encorajou-me a concentrar-me no meu medo
e na minha impotência, ao mesmo tempo que observava a sua mã o a
mover-se de um lado para o outro à minha frente. De alguma forma,
depois de fazer isso, o incidente pareceu perder força. O medo
diminuiu. Ele também me ensinou uma técnica chamada 'tapping', que
ajuda a ancorar alguém durante um flashback ou com pensamentos
negativos e intrusivos. Assim como quando observei o dedo de Ismal, o
estímulo físico de bater um dedo no topo da minha outra mã o me tirou
do terror – me concentrou no presente.
Desde aquela primeira sessã o, fui ver Ismal todas as semanas.
Além da terapia de escutas e dessensibilizaçã o, ele me ajudou a praticar
a racionalizaçã o de pensamentos negativos e a me impedir de cair no
buraco negro da ansiedade.
Isso me deu esperança. Nate não tinha me quebrado. Ainda nã o. E
com a esperança veio a coragem. Mas eu tinha coragem para isso? Eu
duvidei disso.
— Ei! Willy vacilã o! — Yaz gritou enquanto corria até a praia e
socava o bíceps impressionante do homem mais pró ximo com seu
punho minú sculo.
— Meu Deus, ela é totalmente maluca — eu sussurrei,
permanecendo firme onde estava.
— Ouçam, cromossomos Y! — Yaz gritou novamente. — Temos
uma novata, entã o vocês podem tentar se comportar menos como gays
frustrados tentando se sentir bem um com o outro, e mais como
esportistas de verdade.
— E quanto ao real esportistas gays? — Um dos caras se
intrometeu.
— Tim, como um homem gay de verdade cujo marido está
assistindo, você pode querer especialmente suavizar os abraços do
homem.
— Tudo bem — um homem atraente de camisa xadrez gritou de
sua posiçã o sentada em um muro pró ximo à praia. — Tim pode tocar
em outros meninos. Estou bem com isso. — E ele ficou muito bem com
isso. Seu sorriso era enorme. Percebi que havia algumas outras pessoas
de pé e sentadas com ele, a maioria mulheres e algumas crianças. Todos
pareciam muito bem com a açã o em campo. Eu estava supondo que nã o
fui a ú nica que notou a pornografia nos braços e as roupas justas.
— Ei, Mia. — Um grande baú vermelho e laranja preencheu meu
campo de visã o. Olhei para cima e vi o rosto aberto e sorridente de
Heath. — Max mencionou que você iria se juntar à loucura.
Dei uma risada nervosa e comecei a recuar. — Isso pode ter sido
mal vendido. Na verdade, sou uma jogadora de netball, entã o talvez eu
apenas…
— Que besteira, cara — disse Yaz, dando-me um pequeno
empurrã o para frente. — Mesmas habilidades, apenas bolas de
formatos diferentes.
— Hm... eu nã o sei se...
— Nú mero Cinco! — Max me cumprimentou enquanto corria até
nó s, com um enorme sorriso no rosto. — Vou conversar com você e
explicar tudo.
Antes que eu pudesse dizer a ele que havia decidido voltar para
casa e que rugby nã o parecia o meu tipo de coisa, ele segurou minha
mã o na sua grande e quente e me puxou para onde os outros estavam
ao lado. Ele me apresentou a algumas mulheres e a Tim, o parceiro gay,
que tinha um adorável bebezinho amarrado ao peito. Todos eles
lançaram olhares curiosos para nossas mã os ainda unidas. A maioria
era amigável, mas algumas mulheres me lançaram olhares de soslaio
bastante fortes quando pensaram que eu nã o estava olhando. Ser tã o
vigilante quanto eu tinha suas vantagens, mas saber quando as pessoas
falavam de mim pelas minhas costas nã o era uma delas.
Ficamos afastados por dois jogos. Max explicou as regras
enquanto torcia intermitentemente por Teddy que estava em campo.
Teddy era tã o alto quanto os outros, mas nã o tinha desenvolvido tanto
volume. Felizmente, isso nã o pareceu importar para o rugby de toque. O
que importava era a velocidade. Era aí que Teddy levava vantagem. Ele
conseguia fugir da maioria dos outros homens e nem parecia sem
fô lego – as alegrias de ser um adolescente. Yaz também tinha a
velocidade a seu lado, e seu tamanho pequeno parecia funcionar a seu
favor – ela passou despercebida e contornou os homens maiores,
chegando mesmo a passar por um conjunto de pernas para marcar uma
tentativa.
— Vamos, Nú mero Cinco — disse Max depois de meia hora de
observaçã o. — Dê uma chance.
— Acho que nã o — eu disse, recusando-me a me mover enquanto
ele tentava me puxar para frente. — Vou ficar aqui. Você volta e...
— Ah, entendo — disse Max, largando minha mã o e balançando a
cabeça para si mesmo. — É muito mais complicado e rá pido do que o
netball. Posso entender como você pode achar isso intimidante. — Ele
sorriu para mim. Eu sabia o que ele estava fazendo. Eu sabia que ele
estava tentando me incitar a jogar. Isso nã o impediu que o reflexo de
raiva passasse por mim com suas palavras. O netball tinha tudo a ver
com velocidade e agilidade. No meu auge, eu conseguia fazer anéis em
volta desses caras, qualquer que fosse o formato da bola.
— Tudo bem — eu resmunguei, passando por ele na areia.
Abaixei minha voz para um sussurro. — Você e sua misoginia podem
beijar minha bunda.
— É assim, irmã ! — Gritou Yaz, cumprimentando-me enquanto
eu passava por ela. — Você segue o patriarcado!
Dei a ela um sorriso fraco enquanto assumi uma posiçã o no
campo. Max ainda estava sorrindo enquanto se movia para o lado
oposto. Revirei os olhos para ele, mas foquei na bola. Quando percebi o
quã o grandes eram os homens que me cercavam, senti uma vibraçã o
baixa de medo no peito. Antes que eu tivesse tempo de iniciar um
ataque de pâ nico total, o apito soou e a bola voou em minha direçã o.
Apesar de estar distraída, de alguma forma apanhei-a, mas demorei um
minuto a lembrar-me que, ao contrá rio do netball, era possível correr
com esta bola.
Durante a hora seguinte, comecei a sentir o jogo. Eu sempre
esquecia que nã o era possível passar para frente, parar com a bola,
estar no lugar errado na hora errada, mas aos poucos fui conseguindo –
estava me segurando. Mas entã o percebi que era uma ilusã o. É claro
que eu estava me segurando porque eles estavam deixando – nã o me
marcando tanto, nã o me vendo como uma ameaça.
Fazendo de mim um caso de caridade.
De novo.
Eu estava farta de ser um caso de caridade. Entã o, no ú ltimo jogo,
assim que peguei a bola, engoli o medo e corri direto para os dois
homens que estavam bem na minha frente. Os dois sorriam para mim
como se eu fosse um cachorro aprendendo a andar sobre as patas
traseiras, e nã o um colega esportista. Em algum lugar, lá no fundo, meu
espírito competitivo, que havia sido esmagado por tanto tempo,
começou a se desenvolver. Quando eu estava a poucos metros dos caras,
fiz uma finta para a esquerda, mas no ú ltimo minuto virei para a direita
para contorná -los, fora do alcance do braço. Olhei para trá s, vi que
Heath estava pronto e passei para ele. Assim que pegou a bola, ele
correu para a linha. Eu sabia que ele nã o iria sobreviver. Gritei seu
nome enquanto ele era marcado, mantendo minha posiçã o do outro
lado do campo. A bola passou por cima dos outros jogadores em minha
direçã o. Achei que seria impossível alcançá -la, mas pulei no ar,
estendendo a mã o esquerda para conseguir acertá -la com a ponta dos
dedos e trazê-la de volta para a segurança da minha direita. Assim que
tive a posse de bola, corri e marquei um try pouco antes de Max me
marcar.
— Brilhante! — Yaz gritou enquanto me puxava da areia para um
abraço. — Muito brilhante! — Ela me balançou de um lado para o outro
e depois se afastou para gritar para o resto do campo. — Pegue aqueles
contrabandistas de salsicha! — Ela se virou para mim e sorriu grande.
— Finalmente, uma garota que sabe jogar.
— Acaso de sorte, Nú mero Cinco — a voz profunda de Max soou
do meu outro lado e eu me separei de Yaz para fazer uma careta para
ele.
— O que quer que você ache, garoto do rugby — eu disse,
pegando a bola e girando-a com uma das mã os – um truque que eu
havia aperfeiçoado com uma bola de netball, mas que ainda conseguia
fazer com uma bola oval. Houve alguns gritos das pessoas em campo ao
nosso redor e até mesmo do lado de fora.
— Você acabou de se queimar, Max — disse Teddy sorridente,
dando um tapinha nas costas de Max. Max estendeu a mã o e esfregou o
cabelo de Teddy antes de empurrar o lado de sua cabeça.
— Ok pessoal, vamos nos preparar para fazer barulho! — Gritou
Yaz, pulando no mesmo lugar com seu rabo de cavalo alto balançando
de um lado para o outro no topo de sua cabeça.
— Jesus, Midge — Heath reclamou. — Você estourou meu
tímpano. Só os morcegos podem ouvir você, agora você percebe. — Ele
a agarrou e deu-lhe uma chave de braço. Ela riu quando ele a soltou,
mas nã o passou despercebido que seu rosto estava vermelho e seus
olhos estavam um pouco brilhantes demais.
Heath olhou para mim. — Ó tima jogada, Mia — disse ele.
— Ah, obrigada.
Heath tinha deixado Yaz levantar e estava olhando para meu
ombro direito. Percebi que estava enrolando e esfregando para tentar
aliviar a dor que começou durante o jogo. Esta nã o foi a primeira vez
que notei Heath me observando, muitas vezes com uma carranca no
rosto, o que nã o parecia ser típico dele.
— Você vem tomar uma bebida? — Yaz perguntou enquanto nos
afastávamos do campo. Meu sorriso caiu um pouco. Eu ainda nã o me
sentia completamente confortável em bares e restaurantes
movimentados. Eles provocaram minha claustrofobia e flashbacks. Eu
os associei a toda a socializaçã o forçada que fiz com Nate. Eu ainda nã o
conseguia me livrar da sensaçã o de estar presa no interminável inferno
de conversa fiada que era minha vida social com ele – de ficar ao seu
lado enquanto ele conversava com seus amigos elegantes, clientes ou
outros contatos como ele os chamava. Depois de um tempo, parecia que
ser sociável nã o era meu forte. Como se eu fosse de alguma forma
disfuncional e tivesse imaginado a adolescente despreocupada que era
antes de Nate aparecer.
— Você é a melhor em campo – você tem que vir.
— Eu... nã o, hm... eu nã o acho que...
— Yaz, você é tã o agressiva — disse uma das mulheres do lado de
fora, aproximando-se do nosso grupo e aproximando-se de Max. —
Deixe a pobre garota ir para casa. — Ela se virou para Max e começou a
tirar areia de seu bíceps. — Caramba, Maxie. Você está coberto. — Max
nã o parecia se importar com uma técnica humana feminina de remoçã o
de areia que envolvia extensos golpes musculares no antebraço, mas
por alguma razã o maluca eu me importava.
É por isso que eu estava agora em um pub tomando um gin-tô nica
rosa, me sentindo estranha e de jeito nenhum encostando-se a uma
mulher com braço acariciado.
CAPÍTULO VINTE E DOIS
VOCÊ ESTÁ INVADINDO A MINHA MENTE

Quinze minutos depois de chegar aqui, ficou claro que tinha sido
uma má ideia. O calor, as brincadeiras, as provocaçõ es casuais – coisas
que eu lembrava vagamente de antes de Nate – eram tã o estranhas que
eu realmente nã o conseguia lidar com isso. Eu me sentia como uma
criança no frio, observando aquelas pessoas através de uma janela
embaçada, com o nariz encostado no vidro, mas sem conseguir alcançá -
las. Max, Yaz, Verity (que nos encontrou depois do rugby) e Heath
permaneceram pró ximos e fizeram tentativas gentis de me incluir, mas
eu simplesmente nã o sabia como me comportar.
Com Nate quase havia um roteiro que eu deveria seguir.
Estávamos sempre em bares ou restaurantes frios, clínicos e super-
chiques, e nã o em pequenos pubs aconchegantes com um cachorro
estranho vagando por aí (Roger estava sentado em meus pés enquanto
eu estava no círculo, o que achei estranhamente reconfortante). Eu
sabia o que era esperado de mim e usava uma má scara completa de
maquiagem e roupas de grife para me esconder. Agora, eu estava no
meio de uma multidã o de pessoas sem maquiagem, parcialmente
coberta de areia, meu cabelo um desastre varrido pelo vento e vestindo
uma roupa de lycra emprestada e esquisita com uma regata de rugby
grande demais por cima. A maneira como essas pessoas interagiam fez
meu coraçã o doer. Isso me deixou claro o quanto Nate havia tirado de
mim ao longo dos anos que estive com ele.
— Mia — Heath disse do meu outro lado e eu segurei um suspiro.
Tentei evitar Heath se pudesse – ele sempre fazia muitas perguntas.
— Heath! — Yaz disse, entã o ficou vermelha quando o silêncio a
seguiu quase gritando seu nome. — Hm... posso pegar uma bebida para
você?
— Estou bem, obrigado, Midge — disse ele, erguendo sua cerveja
cheia e dando-lhe um meio sorriso confuso.
— Certo, sim, claro — ela murmurou seguida por uma risada
nervosa fora do personagem.
Heath deu a ela um sorriso rá pido, mas desdenhoso, e entã o se
virou para mim.
— Mia, posso falar com você um minuto? — Ele nã o estava
sorrindo agora.
— Oh. — Mordi meu lá bio. Duas vezes antes ele fez uma vaga
tentativa de falar comigo sozinho, mas eu consegui evitá -lo muito bem.
— Hm… eu...
— E aí? — Max perguntou, aproximando-se de mim de modo que
a lateral de seu corpo ficasse quase nivelada com a minha. Sob o olhar
intenso de Heath e tã o perto de Max comecei a sentir a familiar atraçã o
da claustrofobia. Era ridículo – os olhos de Heath estavam cheios de
preocupaçã o, e quem nã o gostaria de estar tã o perto de Max? Mas me
senti examinada, presa.
— Com licença — eu murmurei. — Eu... hm, só preciso ir ao
banheiro.
Fiz um esforço considerável para nã o fugir do grupo e consegui
escapar do círculo de pessoas antes de começar uma corrida leve.
Roger, Deus o abençoe, me seguiu, permanecendo colado ao meu lado
enquanto eu abria caminho através da multidã o e finalmente chegava
ao banheiro. Uma vez dentro do cubículo, sentei-me no assento fechado
do vaso sanitá rio e coloquei a cabeça entre as pernas, tentando
diminuir a respiraçã o e batendo no pulso. Depois de alguns minutos,
me senti mais no controle e um pouco idiota. Abri a porta do cubículo e
fiquei em frente à pia, olhando para o espelho. Essas pessoas nã o foram
nada além de gentis comigo. Se eu quisesse começar a viver de novo,
teria que tentar superar minha ansiedade. Eu tinha que tentar lembrar
quem eu era antes e voltar para aquela mulher. Fechei os olhos com
força, agarrei a lateral da pia por um momento e depois olhei para mim
mesma.
— Saia dessa — eu sussurrei. — Você está segura aqui. Apenas
tente. Tente ser normal. — Cheia de um novo propó sito, saí do banheiro
e fui até Roger, que estava esperando, mas assim que terminei de coçar
sua cabeça, Heath apareceu na minha frente.
— Mia, nã o quero ser um cara assustador que espera do lado de
fora do banheiro feminino, mas eu realmente queria falar com você
sozinha.
— Ah — eu disse. Ele estava bloqueando o corredor, diretamente
entre mim e o resto do bar. Além de correr ao redor dele e consolidar
minha reputaçã o como uma aberraçã o, eu nã o tive muita opçã o a nã o
ser falar com ele. Dados os olhares preocupados que ele lançou para
mim durante o ú ltimo mês e a vibraçã o de desaprovaçã o que muitas
vezes eu parecia receber dele, eu estava supondo que ele nã o estava
muito feliz com a nova escolha de projeto de caridade de seu melhor
amigo. — Por que você...?
— Você ainda nã o está usando o braço direito corretamente.
— O que? — Eu perguntei, minhas sobrancelhas subindo com sua
declaraçã o aleató ria.
Ele suspirou. — Você é destra. Mas toda vez que você tentava
acertar a bola no ar durante aquela partida, você usava a mã o esquerda
para derrubá -la.
Dei de ombros. — O que?
— Você nã o viu aquela fisioterapeuta, nã o é?
Mordi o lá bio e coloquei o cabelo atrá s das orelhas em um gesto
nervoso.
— Meu braço está bem. — A ú ltima coisa que eu queria lembrar
eram dos meus ferimentos. Aqueles que significavam que eu nã o
conseguia nem pegar uma xícara de café no armá rio do trabalho com a
mã o dominante.
— Nã o está bem — Heath retrucou, com uma perda de paciência
incomum. Ele deu um passo à frente e eu dei um passo correspondente
para trá s. Roger se moveu comigo e eu coloquei a mã o em sua cabeça
para acalmar meus nervos. — Você teve uma fratura-luxaçã o, Mia.
Precisava de reabilitaçã o. O movimento do seu ombro pode ficar
permanentemente restrito. Por que você está sendo tã o teimosa sobre
isso quando...?
— O que está acontecendo aqui? — A voz irritada de Max soou
atrá s de Heath no corredor.
— Só estou conversando com Mia, Max — disse Heath.
— Eu posso ver isso, idiota — Max respondeu enquanto
empurrava Heath para fora de seu caminho para ficar ao meu lado. —
Também posso ver que você a está estressando.
Heath ergueu os braços e, maldito seja, eu estremeci. Os dois
homens congelaram e pararam de olhar um para o outro para olhar
para mim.
— Está bem. Estou bem — eu disse, forçando meu corpo a relaxar.
Eu tinha que parar de ser esse coelho assustado o tempo todo e criar
um par.
— Desista. Você nã o está bem — disse Max, seu sotaque mais
forte que o normal – provavelmente como resultado de seu consumo de
cerveja. — Ele está bloqueando seu caminho que você odeia. Sua mã o
nã o está no pelo de cachorro porque você está estressada e... — Ele fez
uma pausa, olhou para Heath e depois para mim antes de inclinar a
cabeça na direçã o de minhas mã os. Eu estava batendo no meu pulso
sem nem perceber que estava fazendo isso. Ele se voltou para Heath.
— Eu nã o sei o que você está fazendo, mas você precisa sair do
caminho e deixar Mia passar.
— Merda — Heath murmurou, recuando na velocidade da luz e
parecendo horrorizado por ter feito algo para me chatear. Ó timo.
Estranheza de nível anormal alcançada. O homem estava apenas
tentando ter uma conversa simples comigo. Ele estava tentando me
ajudar. — Sinto muito, Mia.
— Olha, honestamente, está tudo bem — eu disse a ele. Algumas
mulheres escolheram aquele momento para passar por nó s e chegar ao
banheiro. — Vamos pelo menos ir ao bar. — Consegui dar um sorriso
fraco e depois os levei para fora. Uma vez fora do corredor, mas ainda
separado do resto da multidã o, parei. Roger sentou-se novamente em
meus pés.
— Max, tire esse olhar estrondoso do seu rosto, seu mal-
humorado — eu disse a ele em um esforço para aliviar o clima. A ú ltima
coisa que eu queria era causar problemas entre Heath e Max. — Heath
está tentando me ajudar, ok. Ele nã o quis dizer nada com isso. Ele nã o
sabe que sou um pouco... estranha com essas coisas.
— Você nã o é estranha, moça — Max retrucou, fazendo uma
careta para mim. — Nã o se atreva a dizer isso. — Revirei os olhos.
— Alguém que nã o consegue ter algumas conversas simples em
um pub sem beirar um ataque de pâ nico é um pouco estranho — eu
disse, baixando minha voz para quase um sussurro.
— Mia, eu nã o queria fazer você se sentir encurralada. Eu nunca
iria...
— Eu sei! — Eu estava perdendo a paciência com toda essa
situaçã o. — Está tudo bem, por favor, por favor, nã o se preocupe com
isso. Você só estava tentando ajudar.
— Ajudar com o que? — Max perguntou, seus olhos passando
entre Heath e eu. Heath apertou os lá bios e desviou o olhar de nó s para
o bar além. Lembrei-me do que ele havia dito antes sobre
confidencialidade do paciente e suspirei. Eu o estava colocando em uma
situaçã o impossível com seu amigo.
— Machuquei meu ombro há seis meses e Heath me tratou no
pronto-socorro.
As sobrancelhas de Max se ergueram. — Como você machucou
seu ombro?
— Eu... hum, eu caí.
Ele estreitou os olhos para mim. — E o que essa queda fez no seu
ombro?
Engoli em seco, passando pelo nó na garganta. Max merecia saber
um pouco do que aconteceu. Eu estava morando com ele no momento,
pelo amor de Deus.
— Heath, você conhece os detalhes. Dou permissã o para você
contar a ele. Sobre meus ferimentos. — Heath examinou meu rosto por
um momento e eu lhe dei um breve aceno de cabeça. Ele se voltou para
Max.
— Mia sofreu uma fratura no ombro, algumas costelas quebradas
e extensos hematomas faciais.
— Que porra é essa? — Sussurrou Max, seu rosto estava sem cor e
sua boca estava aberta. Senti o fundo da minha garganta queimar, mas
contive as lá grimas.
— A razã o pela qual eu queria falar com Mia é porque marquei
uma fisioterapia para ela reabilitar o ombro depois que a vi novamente
em seu consultó rio e ela nunca compareceu.
— Por que ela precisa de reabilitaçã o? — Max perguntou,
franzindo a testa para Heath.
— Mia — Heath disse, virando-se para mim com uma expressã o
paciente no rosto. — Levante o braço direito, por favor.
Fiz uma careta para Heath e entã o levantei meu braço direito até a
altura da cintura e depois abaixei rapidamente.
— Acima da sua cabeça, Mia — Heath me disse. Consegui chegar
a cerca de noventa graus, mas nã o foi mais longe. — Quando a Mia
acertou alguma bola alta hoje ela usou a mã o esquerda, mas pegou com
a direita. Ela nã o teve nenhuma reabilitaçã o adequada na articulaçã o.
Os ombros podem ficar péssimos se você nã o fizer fisioterapia apó s
esse tipo de lesã o.
Ele balançou a cabeça e pareceu magoado por um momento antes
de se virar para mim. — Sinto muito, Mia, mas você está atormentando
minha mente. — Ele passou a mã o pelo rosto. — O estado em que você
estava… vemos muita merda naquele departamento de emergência,
mas todos – até mesmo os funcioná rios mais experientes do pronto-
socorro – ficaram chateados com o seu caso. E o fato de você ter tido
alta antes de sabermos que seu ombro estava fraturado e também
deslocado, e sem nenhum apoio familiar para levá -la para casa... O
nú mero que você nos deu nã o funcionou... eu só ... Mia, sinto que te
desiludimos depois da sua… — ele fez uma pausa e olhou para Max
antes de continuar — queda. Deixamos você escapar por entre nossos
dedos e só quero ter certeza de que você terá o tratamento que precisa
agora.
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
ADORO O PIG AND WHISTLE

— Com licença — eu disse, minha voz tensa. Tudo parecia tenso –


minha garganta, meus mú sculos – como se eu fosse um arco puxado ao
má ximo. — Eu estarei de volta em um minuto. — Mia e Heath me
lançaram olhares curiosos quando me virei para caminhar pelo
corredor. Nã o parei até chegar ao Gents, abri a porta, fui direto até a
má quina de preservativos de metal embutida e soquei... com força. Ela
gemeu e o metal desabou, deixando uma marca enorme. Um colar de
preservativos caiu do fundo.
— Uau! — um cara disse ao sair de um dos cubículos. — Meu
Deus, cara, eu te aplaudo pelo sexo seguro e tudo mais, mas isso é um
pouco agressivo para The Pig and Whistle em uma noite de quinta-feira.
Apenas dizendo.
— Desculpe, cara — murmurei, inclinando-me sobre a pia para
jogar á gua no rosto. Por um momento, pensei que fosse vomitar.
Nã o foi uma maldita queda.
Eu nã o precisava da ênfase sutil de Heath na palavra para saber
disso. Caramba, como alguém poderia pensar em machucar Mia? Ela
era um pedaço de humana, totalmente indefesa. Fechei os olhos por um
momento, desejei que a ná usea diminuísse e respirei fundo. A ú ltima
coisa que ela precisava era que eu fosse todo Hulk com ela nesta fase.
Eu também nã o queria falar sobre isso na frente de Heath.
Ah, sim, eu estaria conversando com o maldito Heath, sem dú vida.
Mas agora nã o era hora de entrar na velha coisa de melhor-amigo-
reter-informaçõ es-importantes-sobre-a-mulher-por-que-estou-ficando-
obcecado. Quando tive certeza de que estava de volta ao controle, me
afastei da pia e saí pela porta. Mia e Heath ainda estavam conversando
no bar. Heath disse algo para Mia e ela riu. Ela riu. Depois de aprender o
que acabei de aprender, Mia rindo com Heath simplesmente nã o fez
sentido. A ú ltima coisa que eu queria fazer naquele momento era abrir
um sorriso.
— Envie-me uma mensagem com os detalhes da fisioterapia — eu
disse a Heath enquanto me aproximava dos dois.
Heath, que ainda estava sorrindo, olhou para mim e depois para
Mia antes de franzir a testa em confusã o. — Hm... o quê?
— Max — disse Mia, sua mã o indo para meu antebraço
excessivamente tenso. — Você está bem?
Eu estava bem? Esta mulher sofreu uma fratura luxaçã o no ombro
e sabe Deus o que mais, e ela me pergunta se estou bem.
— O que? Estou bem.
— É só você... você parece um pouco intenso agora.
— Sim, cara — Heath diz. — Você tem seus olhos de serial killer e
aquele mú sculo estranho em sua bochecha pulsando por apertar sua
mandíbula com muita força.
— Estou bem, cara — digo a ele com os dentes cerrados. — Só
preciso dos detalhes da fisioterapeuta, para poder marcar algo para Mia
amanhã.
Mia apertou levemente meu braço e eu olhei para seu rosto virado
para cima. Ela me deu um pequeno sorriso. — Max, nã o acho que o NHS
funcione assim, você sabe. Você nã o pode simplesmente exigir uma
consulta no dia seguinte. Nã o é uma emergência. Estou fi...
— Mia — eu respondi, me odiando por seu pequeno começo, mas
eu realmente senti que se eu nã o conseguisse transmitir meu ponto de
vista de alguma forma, minha cabeça poderia explodir. — Você nã o verá
a fisioterapeuta no NHS. Você irá consultar uma fisioterapeuta
particular e amanhã.
— Max, eu nã o posso... — Suas palavras foram interrompidas
quando eu peguei sua mã o gentilmente e a puxei para longe de Heath.
Atravessamos o pub e saímos pela porta da frente, onde parei sob a
placa do Pub (uma grande placa com a pintura de um porco em pé,
vestindo um terno de tweed e segurando um apito na boca - abaixo do
pintura eram três linhas de texto: sem comida, cerveja quente, má
hospitalidade).
— Tudo bem — ela disse lentamente, olhando para cima e para
baixo na rua. — O que estamos fazendo aqui? — Respirei fundo antes
de levantar ambas as mã os lentamente, para nã o assustá -la, e colocá -las
sob sua mandíbula para inclinar seu rosto para mim. Fechei os olhos e
descansei minha testa na dela por um momento. Suas mã os subiram
para meus antebraços, mas ela nã o me puxou.
— Estamos aqui para que você nã o se sinta presa ou encurralada
quando eu falar com você.
Sua respiraçã o a deixou em um sussurro suave, abanando meu
rosto.
— Certo. Bem, vou perguntar de novo, você está bem?
— Nã o — eu disse a ela com sinceridade. — Nã o, Mia. Eu nã o
estou bem. Nã o depois de ouvir o quanto você estava ferida poucas
semanas antes de eu te conhecer. — Afastei-me um pouco para olhar
em seus grandes olhos castanhos. — Nã o depois de me lembrar de
como tratei você quando você começou a trabalhar para nó s. — Eu ri
brevemente, mas sem humor. — Gosto de me considerar um homem de
princípios, uma voz dos oprimidos. Quando te conheci, você se
machucou e eu te tratei como lixo.
Aqueles lindos olhos olharam para mim e ela engoliu em seco. —
Você nã o poderia saber. Fiz o possível para garantir que ninguém
soubesse. Nã o foi sua culpa.
— Por favor, nã o dê desculpas para mim, Mia — eu disse a ela,
minha voz tensa novamente. — Por favor, por favor, nã o faça isso. Nã o
essa noite. Nã o depois do que Heath acabou de me contar.
— Ok — ela sussurrou.
— Você nã o caiu, caiu? — Eu sussurrei de volta.
Houve uma longa pausa e uma rá pida inspiraçã o antes de
responder. — Nã o. — O sussurro era tã o baixo que tive que me esforçar
para ouvi-lo. — Nã o, eu nã o caí.
Limpei a garganta, tentando dissipar um pouco da urgência que
eu sabia que iria vazar na minha voz. — Você poderia me dizer o que
aconteceu?
— Max, eu...
— Mia, eu realmente preciso saber o que aconteceu e quem foi o
responsável.
Hum.
Eu estava tentando nã o parecer muito intenso, mas talvez nã o
tenha alcançado esse objetivo. Talvez exigir nomes nesta fase fosse um
passo longe demais. Seus olhos se desviaram dos meus; ela deu um
passo para trá s e mordeu o lá bio.
— Nã o posso — disse ela.
— Mia, por favor. — A tensã o na minha voz ainda estava rouca e
eu nã o conseguia abrir os punhos que se formaram ao meu lado. — Eu
preciso saber como você foi ferida. Me desculpe por ter sido um idiota
enorme no passado, mas por favor, por favor, acredite em mim – eu me
importo com você. Nã o suporto pensar em ninguém... — Parei e respirei
fundo. A ideia de alguém machucá -la estava me fazendo querer dar um
soco na janela ao lado e, embora o proprietá rio do Pig and Whistle,
Fergus, nã o desse a mínima para a decoraçã o, nã o tenho certeza se ele
ficaria muito feliz com um buraco em forma de punho no vidro escuro.
Os olhos de Mia voltaram para os meus e ela deu um passo
hesitante antes de colocar a mã o no meu peito. Ela deve ter sido capaz
de sentir o quã o rá pido meu coraçã o estava batendo. Algo brilhou em
seus olhos enquanto ela olhava para mim, algo quase como admiraçã o,
como esperança.
— Sinto muito, nã o posso contar mais nada, Max. Realmente sinto.
— Soltei um longo suspiro, mas depois dei um breve aceno de cabeça.
— Ok. Vou deixar isso por enquanto. — Ela relaxou visivelmente,
o alívio inundando sua expressã o. Ao examinar seu rosto, percebi o
quanto ela parecia cansada e pá lida. Eu a estava pressionando demais.
— Olha, Mia. Você nã o precisa ficar no maldito Pig and Whistle. Me
desculpe por ter feito você sair. Preciso ficar com Teddy, mas Yaz pode
levar você para casa e...
— Eu adoro o Pig and Whistle.
— O que? Ninguém adora o Pig and Whistle.
— Bem, eu sim. — Sua voz era firme e seus olhos ainda olhavam
para mim, brilhando com algo que eu nã o conseguia identificar. —
Entã o eu nã o quero ir para casa agora. Agora só quero ficar um pouco
com você e seus amigos. Eu sei que sou uma estranha e... — ela
encolheu os ombros — bem, eu simplesmente nã o tenho estado perto
de pessoas assim há tanto tempo. O calor entre todos vocês… eu só
gostaria de um pouco mais de tempo nos arredores disso.
Engoli em seco pela minha garganta agora apertada. — Você nã o é
uma estranha — eu disse a ela uma vez que consegui falar sem parecer
engasgado.
— Max...
— Você nã o é e eu vou provar isso para você.
Peguei a mã o dela novamente e a levei de volta ao pub. Enquanto
voltávamos para os outros, a campainha tocou para os ú ltimos pedidos.
Yaz me lançou um olhar curioso e depois sorriu para Mia, arrastando-a
para o grupo e dizendo: — Bem-vinda de volta do xixi mais longo da
histó ria! Agora conte-nos sobre essa maldade do Bitcoin novamente. Eu
decidi que vou conseguir alguns para mim.
Eu sabia com certeza que Yaz nã o estava interessada em
criptomoeda. Yaz nã o estava realmente interessada em nenhum tipo de
moeda. Mas minha irmã foi gentil e quis incluir Mia. E se isso
significasse perguntar sobre blockchain e Bitcoin, entã o era isso que ela
faria.
— Eu já volto — sussurrei no ouvido de Mia antes de ir até o bar.
— Fergus?
— O que? — Fergus, o proprietá rio, retrucou, parecendo
extremamente chateado porque um cliente pagante ousaria falar com
ele.
— Há quanto tempo nã o fizemos um lock-in?
Fergus perdeu a expressã o mal-humorada com isso, e seu rosto
á spero lentamente se abriu em um amplo sorriso.
— Eu vou ser mineira! — Yaz gritou, com os braços erguidos no ar.
Eu estava rindo tanto que quase engasguei com a bebida.
Heath bufou. — Eu dificilmente acho que a progressã o de sua
carreira até agora, incluindo mijar na á gua e irritar seu irmã o no
escritó rio, seja realmente uma preparaçã o para minerar bitcoin, Yaz —
disse Heath, e como sempre, quando Heath provocava Yaz, havia apenas
um pouco de maldade nisso – era como se ele estivesse falando com sua
irmã mais nova e nã o com a de Max. Yaz fez uma careta para ele.
— Você vai rir muito pela sua bunda quando eu extrair todos os
seus Bitcoins, garoto chique.
— Rir pela sua bunda nã o é um ditado, Midge.
— Eu sei o que disse, idiota. — Yaz fez uma pausa para tomar
outro grande gole de cerveja. — Nã o podemos todos fazer trabalhos
terrivelmente sérios, salvando vidas a torto e a direito. Alguns de nó s,
meros mortais, só queremos fazer o que gostamos. De qualquer forma,
eu também ajudo as pessoas.
Heath revirou os olhos. — Com certeza. Ligo para você na pró xima
vez que alguém estiver sangrando no pronto-socorro e você pode vir e
dar a ele um pedaço de quartzo rosa de emergência para segurar ou
ensiná -lo a praticar windsurf. Claro que isso resolverá o problema, em
vez de todas as incô modas cirurgias de emergência.
O rosto de Yaz brilhou de dor por um momento antes de ela
disfarçar com uma risada.
— Ela me ajudou — eu disse, querendo tirar aquela expressã o
magoada do rosto de Yaz. Infelizmente, dado o quã o estranhamente alta
minha voz tinha sido, minha explosã o chamou a atençã o da maioria da
mesa.
Estávamos atualmente em um lock-in.
Eu nunca tinha estado em um lock-in antes, mas há duas horas o
mal-humorado Fergus fechou todas as portas conosco dentro do pub e
o á lcool começou a fluir livremente. Os restaurantes e bares chiques aos
quais eu estava acostumada nã o faziam lock-ins e certamente nã o
tinham proprietá rios mal-humorados e levemente fedorentos que se
sentavam à sua mesa bebendo cidra desonesta.
Eu tinha cinco gins de ruibarbo. Naquele tempo, eu adorava
Fergus.
— Ela me deu alguns ó leos de aromaterapia e eles ajudaram
com... — Oh, que merda. Eu bêbada nã o tinha pensado nisso. Os ó leos
de Yaz ajudaram com minha ansiedade. Eu nã o queria ficar falando
sobre isso durante um aprisionamento. — E... eu posso... à s vezes fico
preocupada com algumas coisas – eles ajudam com isso. — Eu estava
recebendo muitos olhares curiosos agora. Yaz estendeu a mã o por baixo
da mesa e apertou minha mã o.
— Isso é ó timo, Mia — Heath disse, seus olhos gentis fazendo meu
peito se contrair.
— Entã o você vai bloquear minhas moedas, Nú mero Cinco? —
Yaz perguntou, me dando um sorriso torto. — De verdade?
Eu ri. — Yaz, é chamado de blockchain e você nã o pode
simplesmente...
— Como você sabe tudo isso? — Yaz perguntou e eu dei de
ombros.
— Eu nã o sei tudo. Sou boa com nú meros e computadores, entã o
eu...
— Você possui Bitcoin? — Heath perguntou.
— Nã o, eu... — Nã o era eu quem possuía o Bitcoin. Eu era apenas a
pessoa que o extraiu e o converteu para o idiota completo do meu
marido – ganhando milhõ es para ele no processo. — Eu nã o possuo
nenhum.
— Quando você vai começar a usar Bitcoin, Fergus? — Max
perguntou.
— Você pode pegar a porra do seu Bitcoin e enfiá -lo onde o sol
nã o brilha — respondeu Fergus. — Dê-me uma nota de dez e acabe com
isso.
— Talvez você pudesse começar pensando em usar a tecnologia
sem contato — disse Heath, sorrindo para sua cerveja, bem consciente
do pavio que acabara de acender. Fergus explodiu em um discurso
longo e quase incompreensível sobre os – punheteiros da cidade – e
suas – ideias extravagantes, bagunçando seu pub.
Foi brilhante. Eu adorei Fergus. Na verdade eu amei todo mundo.
Eu tinha uma sensaçã o calorosa e confusa em relaçã o a todos os
humanos ao redor da mesa. Eu já tinha dito a Heath que ele era a
resposta do departamento de emergência de Bournemouth para George
Clooney, Yaz que ela era uma linda deusa curativa da á gua com
superpoderes e Verity que ela era uma chefe incrível e poderosa, com
um coraçã o de ouro.
Recostei-me na cadeira e ouvi o discurso de Fergus, deixando a
sensaçã o calorosa de estar com essas pessoas tomar conta de mim.
Talvez eles nã o fossem meus amigos, talvez esta nã o fosse realmente a
minha vida – mas eu estava aqui agora.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
ESSE É O SEU GRANDE SEGREDO, NÃO É?

— Garotos de rugby, eles jogam um.


Eles acham que sexo é apenas diversão.
Com um scrum para baixo, alinhe-se, entre em uma confusão.
Homens de rugby não valem...
— Ok, ok, senhoras — interrompi a segunda versã o de Mia, Yaz e
Verity de uma mú sica de rugby que eu nã o ouvia desde meus tempos de
faculdade – instigada, é claro, por Yaz. — Acho que já ouvimos mú sicas
sujas o suficiente por uma noite. Fergus precisa ir para a cama. —
Fergus estava de fato dormindo profundamente em sua cadeira,
roncando alegremente. — Precisamos sair.
— Casa! — Gritou Yaz. — Eu amo meu apartamento.
— Eu também adoro o seu apartamento — disse Mia arrastada,
com os olhos vidrados enquanto colocava o braço em volta dos ombros
de Yaz. — Tem tudo isso... — ela parou, soltou o braço do ombro de Yaz
e balançou os dedos no ar — Coisas lindas e descoladas por toda parte.
Como uma pequena caverna má gica.
— Hmm — os olhos de Yaz estavam fechados agora e ela estava
com um pequeno sorriso enquanto se recostava na mesa. — Minha
caverna má gica.
Teddy deu uma risadinha e eu dei um soco no braço do merdinha.
Ok, entã o nã o era uma noite de escola, mas eu tinha certeza de que ligar
para seu enteado adolescente para vir buscá -la à s duas da manhã de
um sá bado ainda nã o era uma excelente educaçã o. Embora Teddy
parecesse muito satisfeito, eu perguntei isso a ele.
— Nã o ria da caverna má gica da sua tia.
Heath estava rindo agora também.
— O que é engraçado? — Mia balbuciou.
— Eles acham que sã o engraçados — disse Yaz. — Vocês só estã o
com ciú mes do meu apartamento, seus idiotas.
— É tã o bagunçado. Eu amo isso.
— Nã o é bagunça — Yaz resmungou. — Eu só tenho um monte de
coisas e estã o todas expostas como… como um museu.
— O Museu de Yaz.
— Incrível — Yaz sussurrou, seu corpo estava lentamente ficando
cada vez mais frouxo onde ela estava sentada.
— Ainda estamos falando sobre a caverna má gica da tia Yaz? —
Perguntou Teddy.
— Cristo — eu murmurei baixinho. Eu tinha experiência
suficiente com minha irmã para saber quando ela estava prestes a
desmaiar. — Yaz — eu disse, levantando a voz. — Nã o se atreva a
dormir aí, sua idiota inú til. Eu nã o estou carregando...
— Uh, oh — Mia murmurou, inclinando-se sobre Yaz e olhando
para seu rosto adormecido. — Ela é estranha.
— Maldiçã o — eu murmurei enquanto Yaz lentamente desabava
na cabine com a cabeça pousando no colo de Mia.
— Yaz? — Mia sussurrou, tirando o cabelo de Yaz do rosto e
depois sacudindo suavemente seu ombro. — Temos que ir para casa
agora. Sim? — Mia olhou para mim com olhos arregalados e vidrados.
— Ela está dormindo.
— Estou ciente disso — eu disse a ela.
— A culpa é minha — Mia disse arrastada.
— Mia, você nã o derramou gin de ruibarbo na garganta dela —
Heath disse enquanto se aproximava de mim para olhar para Yaz
amassada. — Ela é simplesmente inú til.
— Ei — Mia gritou, apontando para Heath em uma rara
demonstraçã o de agressã o. — Ela nã o é inú til. Ela é adorável. Ela só
ficou por mim – para que eu pudesse ficar com isso. — Mia estendeu os
braços para indicar o interior dilapidado e manchado de cerveja do Pig
and Whistle.
— Nú mero Cinco... — Fiz uma pausa e esfreguei minha nuca. —
Acho que essa afirmaçã o prova que você também é uma idiota.
Ninguém em sã consciência cobiça este lugar.
— Eu sim — disse Mia, sua voz agora feroz enquanto ela batia a
mã o no peito. — Eu amo isso. Mesmo que só por um tempinho. — Sua
voz sumiu e seus olhos ficaram desfocados. Nã o demoraria muito até
que ela estivesse no mesmo estado de Yaz.
— Certo entã o — eu disse. — Heath, você pode levar Yaz? Eu
ajudarei Mia.
Heath fez uma careta. — Eu tenho que? Da ú ltima vez que levei
sua irmã para casa, ela vomitou nos meus sapatos, e estes sã o tênis
novos.
— Pegue ela, seu idiota egoísta — eu disse a ele. Ele revirou os
olhos, mas se abaixou para tirar Yaz da cabine.
— Mia? — Eu perguntei e suas pá lpebras piscaram até que ela se
concentrou em meu rosto.
— Oi — ela disse, sorrindo para mim com um sorriso bobo, como
eu nunca tinha visto em seu rosto antes.
— Vou levar você para casa agora, ok?
— Hmmmm.
Se fosse Yaz, eu teria colocado meu ombro em sua barriga e a
içado num elevador de bombeiro – sem bobagem. Mas eu sabia
instintivamente que Mia nã o gostaria de ser carregada. Isso a faria se
sentir presa. Peguei a mã o dela e ajudei-a a se levantar. Ela balançou
por um momento e entã o agarrou meu braço, apoiando seu peso em
mim.
— Estou colocando meu braço em volta de você agora, Mia —
avisei para que ela nã o surtasse. Ela olhou para mim e me deu outro
sorriso torto.
— Tudo bem.
Saímos do pub comigo carregando a maior parte do peso dela,
entã o eu estava praticamente carregando-a ao meu lado. Heath, Teddy e
eu conseguimos colocar as duas no carro de Teddy. Quando chegamos
em casa elas estavam dormindo. Como previsto, quando Heath a tirou
do carro, Yaz vomitou. A maior parte estava no meu canteiro de flores.
Seus sapatos podem nã o ter saído completamente ilesos. Dessa vez tive
que carregar Mia escada acima, mas, por mais inconsciente que ela
estivesse, duvidei que isso provocasse um ataque de pâ nico. Nó s as
colocamos juntas na cama extra, ambas totalmente vestidas, exceto os
sapatos. Nã o pensei que Mia fosse acordar de novo, mas enquanto eu
puxava as cobertas até seu queixo, seus olhos se abriram e ela se
concentrou em meu rosto.
— Esse é o seu grande segredo, nã o é? — Ela disse.
— O que é isso?
— Você – você é gentil. Você é um bom homem. Você nunca me
machucaria.
— Nã o, amor — eu disse suavemente, examinando seu rosto e
afastando a franja da testa. — Nunca.
— Eu gosto muito, muito de você — ela disse, me dando tanto
contato visual direto que foi como um soco no estô mago.
— Eu também gosto de você, Mia — eu disse a ela, minha voz
mais á spera que o normal e meu peito sentindo um aperto.
— Nã o é real — ela sussurrou, enquanto suas pá lpebras se
fechavam.
— O que?
— Nã o é para mim — disse ela, com a voz tã o fraca que foi difícil
ouvi-la. Seu corpo ficou completamente relaxado e seus olhos se
fecharam.
CAPÍTULO VINTE E CINCO
QUERO AJUDAR VOCÊ A RECUPERAR

— Oh meu Deus. Me mata.


Pisquei abrindo os olhos. No travesseiro ao meu lado, tudo o que
pude ver foi uma massa de cabelo encaracolado acima do edredom que
cobria o rosto de Yaz. O gemido baixo e constante vindo de baixo
parecia o de um animal com dor. Levantei minha cabeça do travesseiro
e me apoiei nos cotovelos. A mã o de Yaz subiu e puxou o edredom para
que ela pudesse olhar para mim. Seus olhos estavam vermelhos, seu
tom de pele decididamente verde.
— O que aconteceu? — Ela gemeu, esfregando as mã os no rosto.
— E por que estou na casa do meu irmã o?
Sentei-me com um sobressalto e fiquei boquiaberta quando uma
torrente de imagens da noite passada voltou à minha consciência.
— Ah, nã o — eu sussurrei. Max me carregou. Já era ruim o
suficiente ele ter que me apoiar para que eu pudesse sair do pub, mas
eu sabia, eu simplesmente sabia, que quando chegamos à casa dele, ele
me carregou, Eu ainda podia sentir o cheiro de sua loçã o pó s-barba.
Puta merda! Eu disse a ele que gostava dele. Realmente, realmente
gosto dele. Por que nã o consegui esquecer o comportamento bêbado
como Yaz?
— Ei, você está bem? — Yaz perguntou, sentando-se ao meu lado
e estendendo a mã o para tocar meu antebraço. Como sempre, seu toque
era calmante. Isso me ajudou a respirar através dos meus pensamentos
de pâ nico. Havia uma espécie de energia pacífica e calorosa em Yaz (até
mesmo na ressaca Yaz) que acalmou minha mente.
— Estou bem — eu disse, dando-lhe um sorriso trêmulo. —
Quero dizer, tirando a boca de texugo e a ná usea.
— Jesus — Yaz suspirou, caindo de volta no colchã o novamente.
— Como Max nos levou para casa?
— Heath carregou você. Você nã o se lembra?
— O que? — Yaz se levantou novamente, apenas para ver seu
rosto ficar sem cor. Sua mã o foi até a boca e ela saiu da cama para ir ao
banheiro. Eu a ouvi vomitar e depois gemer como um animal
novamente antes de a torneira do banheiro ser aberta. Ela apareceu
cinco minutos depois, pá lida e muito pequena, com o cabelo uma massa
louca de cachos espetados em todas as direçõ es. — Ok, seja honesta. Eu
estava bêbada com ele?
Mordi meu lá bio. — Você nã o estava exatamente bêbada com ele.
— Mia — ela disse em tom de advertência.
— Bem, você estava bêbada com os gerâ nios de Max. Heath pode
ou nã o ter segurado seu cabelo enquanto você se agitava. — Ela gemeu
e se inclinou para colocar a cabeça entre as mã os.
— Por que eu sempre tenho que fazer papel de idiota na frente de
Heath? Esta é a primeira vez que fico bêbada há muito tempo, mas
parece que sempre acontece quando ele está por perto. Ele sempre me
vê no meu pior.
— Oh, Yaz — eu disse suavemente, rastejando sobre a cama até
onde ela estava sentada para poder esfregar suas costas. — Sinto muito,
querida. Achei que você poderia ter uma queda por ele, mas...
— O que! — Ela disse com uma voz horrorizada, tirando a cabeça
das mã os para me olhar com os olhos arregalados. — Eu odeio ele, Mia.
— Oh, certo. Sim. — De repente, me arrependi de ter mencionado
o interesse dela por Heath. Ela parecia humilhada. Mas como ela
poderia nã o perceber que era ó bvio? — Claro que você odeia. — Cruzei
os dedos nas costas enquanto Yaz soltou um suspiro trêmulo.
— Ei — a voz de Max soou atrá s da porta, me fazendo começar a
subir na cama. — Vocês, senhoras, já estã o vivas?
— Nã o — disse Yaz com uma voz abatida. Saí da cama e fui até a
porta enquanto ela caía novamente.
— Desculpe, eu... — Minha voz foi cortada quando abri a porta e
fui confrontada por um Max recém-banhado, de jeans e pés descalços.
Nã o me pergunte como os pés descalços de um homem podem ser sexy,
mas os de Max eram lindos. Eu senti como se nã o conseguisse respirar
por um minuto, ele parecia tã o bonito e sem esforço. De repente, eu
estava muito consciente do fato de que ainda estava usando a blusa e as
leggings enormes dos Sandbaggers. Uma das minhas mã os foi até a
minha cabeça e sim, sim, claro que metade do meu cabelo curto estava
preso em um emaranhado na lateral. Limpei a garganta. — Sinto muito
por ontem à noite. Você deve pensar que...
— Acho que organizei um lock-in no Pig and Whistle e minha irmã
deixou você chateada com gin de ruibarbo — disse ele, observando
minha aparência desgrenhada com um meio sorriso e um brilho nos
olhos. — Você nã o tem nada do que se desculpar. — Ele se virou para
Yaz. — Você, por outro lado, deve a Heath outro par de sapatos. Os
chiques também.
— Vá embora e morra — disse Yaz, dobrando o braço no cotovelo
e sacudindo-o para ele. Em troca, ele mordeu o polegar e apontou para
ela.
— Ok, bem, estarei fora de seu alcance em um segundo. Eu só
preciso...
— Me. Alimentar. — Yaz gritou e Max mordeu o polegar para ela
novamente.
— Você pode se alimentar, Midge. Estou alimentando esta aqui. —
Entã o, para minha surpresa, ele se adiantou e pegou minha mã o quente
e seca, me puxando para fora do quarto. Eu balancei minha cabeça.
— Você nã o precisa me alimentar — eu disse a ele.
— Pare com isso. É domingo. Todo desgraçado ganha bacon no
domingo. Bem, além de Yaz – ela vai querer um cogumelo ou algo assim.
— Ele estremeceu. — Regras da casa. Você precisa comer.
— Realmente Max. Eu...
— Mia — ele me interrompeu e se virou para mim, uma de suas
mã os indo para a parte de trá s do meu pescoço e curvando-se abaixo da
linha do meu cabelo. Deveria ter parecido intrusivo, provocado
ansiedade, mas por alguma razã o tudo o que seu toque fez foi me fazer
sentir segura e aquecida, e desencadeou uma forte onda de consciência
que se espalhou do meu pescoço até os dedos dos pés. Soltei um
suspiro trêmulo e olhei para seu olhar intenso. — Você vai comer um
pouco de bacon e depois vou levá -la a fisioterapeuta.
— O que você está falando? — Minha cabeça latejava quando me
sentei na ilha da cozinha. Quando ele se virou para a chaleira, Yaz puxou
o banquinho ao meu lado.
— Eu nã o me incomodaria em discutir com ele — disse ela,
caindo para a frente no balcã o depois de se sentar no banquinho. Ela
apoiou a cabeça nas mã os e seus olhos inchados e injetados olharam
para mim. — Ele é um bastardo mandã o. Eu deveria saber. Eu cresci
com ele.
— Ei, você está viva.
Os olhos de Yaz se arregalaram quando ela ouviu a voz de Heath
acompanhada por seus passos pesados enquanto ele entrava na
cozinha.
— Parabéns a vocês duas por nã o engasgarem com o pró prio
vô mito. Hashtag vencedora. — Ele ergueu a mã o para mim e eu dei-lhe
um high five fraco. O rosto de Yaz ficou vermelho escuro. Uma de suas
mã os foi para seus cachos descontrolados, que, depois de uma noite de
sono bêbado, pareciam muito mais com Side Show Bob do que com
uma surfista desgrenhada.
— Por que você nã o está trabalhando? — Ela perguntou
acusadoramente, procurando nos pulsos uma faixa de cabelo, que nã o
estava lá . — Você está sempre trabalhando.
— Eu tenho um dia de folga ocasional, Midge, e é domingo —
disse ele, indo em direçã o à chaleira depois que ficou claro que Yaz iria
deixá -lo esperando. Um prato pousou na minha frente carregado com
bacon, linguiça, feijã o, torradas e até morcela. Eu pisquei.
— Eu nã o sou uma grande consumidora de café da manhã — eu
disse a Max algo que ele sabia e ele encolheu os ombros.
— Você nã o pode continuar perdendo refeiçõ es, Mia.
— Veja — murmurou Yaz. — Mandã o.
Max me encarou do outro lado do balcã o, ergueu uma sobrancelha
e cruzou os braços sobre o peito. O bacon realmente cheirava muito
bem. Mas nã o tive coragem de pegar o garfo. Senti a raiva percorrer
meu corpo, fortalecendo minha coluna.
— Nã o me diga o que fazer. — Minha voz nem parecia a minha.
Estava fria e dura. O rosto de Max perdeu a expressã o arrogante e ele
franziu a testa, descruzando os braços para apoiar as mã os no balcã o.
Levantei-me do banco e dei um passo para longe da ilha da cozinha.
— Mia — Max disse lentamente, o resto da cozinha ficou em
silêncio. — Está tudo bem se você nã o quiser tomar aquele café da
manhã . Eu só acho que você deveria ter alguma coisa. Você está de
ressaca. A ú nica coisa que vai fazer você se sentir melhor é a comida.
Nã o estou dizendo para você fazer nada, estou perguntando. Sinto
muito se pareceu uma ordem, mas a verdade é que eu grito ordens o dia
todo para esses insetos, a maioria das quais é completamente ignorada.
Simplesmente se torna um há bito. Serei mais... cuidadoso no futuro.
A tensã o foi drenada do meu corpo e senti meus ombros
relaxarem. Minhas bochechas ficaram quentes quando retomei minha
posiçã o no banco da cozinha.
— Talvez eu tenha exagerado — murmurei para o prato. — Você
tem razã o. Eu preciso comer. — Peguei uma das fatias de bacon do
prato e dei uma pequena mordida. Max empurrou hesitantemente uma
xícara de chá pela ilha da cozinha em minha direçã o, como se a
estivesse oferecendo a um texugo furioso. Eu desejei agora poder
recuperar minhas palavras. A ú ltima coisa que eu queria era que Max
tivesse cuidado comigo – me tratasse de maneira diferente. Apesar do
estô mago revirado, depois de alguns pedaços e alguns goles de chá
(meio açú car e muito leite – do jeito que eu gostava) comecei a me
sentir melhor. Engraçado, mas em todos os anos que estive com Nate,
ele nunca aprendeu como eu tomava meu chá . Ofereci a Yaz uma fatia
de bacon, mas ela gemeu e balançou a cabeça.
— Vou fazer um smoothie — disse ela, descendo do banquinho e
pegando algumas frutas a caminho do Nutribullet do Max. Em vez disso,
Heath arrancou-a das mã os dela e enfiou-o na boca.
— Nada que você fizer com Nutribullet vai curar sua ressaca
como bacon, Midge — disse Heath a Yaz. — Enquanto você chora por
causa dos pobres porquinhos, o resto de nó s está se sentindo muito
bem, tendo restaurado os sais e proteínas necessá rios para a
recuperaçã o da intoxicaçã o por á lcool.
— Cai fora, Heath — Yaz murmurou, seu rosto ainda em um tom
brilhante de vermelho enquanto ela abaixava a cabeça para fazer seu
smoothie.
— Bem, você nã o está uma delícia na manhã seguinte à noite
anterior. Você deveria ficar do lado de fora, olhando as framboesas de
Max – assustar todos os pá ssaros.
— Ah, ou forneça a eles um ninho pronto — Max interrompeu. Yaz
parou o que estava fazendo, virou-se e saiu da sala. Eu nã o acho que já
tinha visto Yaz fazer mais do que apenas passear, quando ela nã o estava
no campo de rugby, entã o sua caminhada rá pida era vagamente
alarmante.
— O que foi isso? — Heath perguntou com uma voz confusa
depois que Yaz saiu.
— Acho que você magoou os sentimentos dela — eu disse a ele,
mantendo os olhos no meu café da manhã .
— Mas eu sempre irrito. É para isso que servem as irmã zinhas.
Eu estava prestes a dizer a Heath que Yaz nã o era sua irmã mais
nova, e que talvez ele devesse ser um pouco menos ignorante e abrir os
malditos olhos para ver o jeito que ela olhava para ele, o adorava. Mas
eu mordi meu lá bio. Yaz ficaria humilhada se alguém apontasse para o
pró prio Heath como ela se sentia em relaçã o a Heath.
— Bem, eu nã o sei o que deu na bunda dela esta manhã — disse
Max, tomando um gole de café. — Yaz normalmente aguenta uma piada.
Mordi meu lá bio novamente. Eu tinha certeza de que Yaz aceitaria
uma piada em circunstâ ncias normais, mas depois de ter vomitado
(pela segunda vez) nos sapatos do homem por quem eu estava
convencida de que ela estava secretamente apaixonada, e depois de ver
aquele homem na manhã seguinte, quando ela parecia que ela tinha
sido arrastada de costas por uma cerca viva, nessas circunstâ ncias, um
pouco de provocaçã o – do tipo que era bem-humorado, mas tinha
apenas um toque de crueldade – esse tipo de provocaçã o seria difícil de
suportar.
— Entã o, Mia — disse Max. — Você ainda adora o Pig and Whistle
depois de ontem à noite? Devo dizer que nunca ouvi ninguém ser lírico
sobre aquela merda e seu velho bastardo mal-humorado como você.
Eu ri e tomei um gole do meu chá . — Eu mantenho tudo o que
disse ontem à noite. — Meu sorriso diminuiu um pouco depois que
encontrei o olhar de Max e me lembrei do quanto eu tinha dito. O
sorriso que ele me deu foi presunçoso desta vez. Eu nunca o tinha visto
tã o satisfeito consigo mesmo.
— Nã o é um bar de vinhos, garota do tipo estrela Michelin, entã o?
— Heath perguntou. Imagens dos bares e restaurantes que frequentei
em minha vida anterior e da total desolaçã o e solidã o que senti lá
colidiram com minhas lembranças calorosas da noite passada e
estremeci.
— Nã o, eu odeio lugares como esse. — A veemência em minha voz
fez com que suas sobrancelhas se erguessem de surpresa.
— Hm... ok — ele disse lentamente. — Espero que você esteja
prestando atençã o, Maxy Boy – nã o há lugares legais para esta senhora.
Estritamente serragem no chã o e nenhum papel higiênico nos
pâ ntanos, tipo de garota. Bem na sua rua, seu bastardo mesquinho do
norte.
— Vou chamar um Uber — disse Yaz, um pouco menos
desgrenhada, da porta da cozinha. Ela conseguiu encontrar sua faixa de
cabelo e controlar sua juba de leã o, mas alguns cachos rebeldes ainda
se projetavam em â ngulos aleató rios. Ela se virou para Heath. Seu rosto
estava pá lido e seus olhos um pouco vermelhos. Meu coraçã o doeu por
ela. — Me desculpe por ter vomitado em seus sapatos... de novo. —
Manchas vermelhas apareceram em suas bochechas pá lidas antes de
ela se virar e sair rapidamente, pegando o telefone enquanto
caminhava.
— Yaz — disse Heath, correndo ao redor da ilha da cozinha para
alcançá -la. — Nã o seja estú pida. Vou te levar para casa. Você nã o tem
dinheiro para um Uber.
Max e eu os ouvimos discutir durante todo o caminho até a porta
da frente e até que ela se fechou atrá s deles.
Tomei outro gole de chá antes de inspirar profundamente pelo
nariz e expirar pela boca.
— Max, escute — eu disse enquanto colocava minha xícara no
balcã o e olhava para ele. Manter contato visual nã o foi fá cil para mim,
mas já era hora de parar de ser tã o covarde. — Eu sei que você quer me
ajudar e eu realmente aprecio isso. Mas, honestamente, você nã o
precisa me levar à fisioterapia hoje. Meu braço está bem, nã o importa o
que Heath diga.
Max soltou um suspiro frustrado e fechou os olhos por um
momento antes de contornar a ilha da cozinha para ficar na minha
frente. O banco era alto, entã o meu rosto estava mais no nível dele do
que o normal, mas ainda tive que inclinar a cabeça para trá s enquanto
ele entrava no meu espaço. Ele levantou a mã o para meu ombro, entã o
ela parou antes de fazer contato.
— Está tudo bem? — Ele perguntou, seus olhos indo para sua mã o
e depois de volta para meu rosto. Foi entã o que percebi que nã o fiquei
nem um pouco tensa com a abordagem dele. Nã o senti nem um arrepio
de apreensã o. No fundo da minha mente, eu sei que pensei que talvez
ficaria quebrada para sempre. Que talvez eu nunca mais fosse normal.
Pela primeira vez em muito tempo senti uma esperança, desconhecida,
mas forte, florescendo em meu peito. Sorri timidamente e dei um
rá pido aceno de cabeça. Com a esperança veio a coragem. Entã o,
enquanto ele colocava meu cabelo atrá s da orelha, estendi a mã o para
seu rosto. Passei a mã o ao longo de sua mandíbula forte – suave, mas
á spera, depois do barbear daquela manhã . A barba por fazer voltaria
com força total em algumas horas. Eu tracei atrá s de sua orelha e em
seu cabelo grosso, meus olhos voando para os dele quando ele respirou
fundo.
— Eu sei que nã o preciso, Mia — ele disse, sua boca a um fio de
cabelo da minha. — Nada disso é necessá rio. Você nã o vê isso ainda?
Seus olhos queimavam fogo verde, sua expressã o era quase feroz.
Duas faixas vermelhas apareceram no alto de suas maçã s do rosto
enquanto suas pupilas se dilatavam. E porque me senti corajosa,
esperançosa e inteira pela primeira vez em anos, porque senti como se
estivesse queimando por dentro com a necessidade de estar perto dele,
porque confiava nele e porque teria sido impossível me conter, fechei o
minú sculo espaço entre nossos lá bios e pressionei os meus contra os
dele em um beijo semelhante a uma pena. Ele respirou fundo e sua
cabeça inclinou-se ligeiramente para trá s para que ele pudesse ler
minha expressã o. Depois de um momento de pausa, seus lá bios
voltaram para os meus.
Esse beijo nã o foi gentil. Foi firme, insistente e acompanhado por
um som baixo vindo do fundo de sua garganta. Uma de suas mã os
deslizou sob meu queixo, a outra descansou em meu quadril – sem me
fechar, sem pressionar por mais. Mas quando deslizei meus dedos de
seu cabelo até sua nuca, arqueando meu corpo contra o dele, e
deslizando minha outra mã o por suas costas, pude sentir o tremor de
seu corpo enquanto ele se mantinha afastado de mim – preocupado, até
mesmo agora dominado por seu desejo, preocupado com a
possibilidade de que ele pudesse me dominar, que pudesse me
encurralar.
Eu adorava que aquele homem grande, abrasivo e rude se
importasse tanto comigo que tentasse conter toda aquela ferocidade
para nã o me assustar ou me pressionar demais. Mas, ao mesmo tempo,
odiei que ele sentisse que tinha que fazer isso. Que ele pensava que eu
era tã o frá gil. Eu queria Max nã o editado e desinibido. O á spero e sem
remorso Max. Eu nã o queria que ele tivesse cuidado comigo, nã o agora.
Entã o abri minha boca sob a dele, permitindo que sua língua entrasse.
Mesmo assim ele nã o deixou seu grande corpo relaxar no meu, ainda
assim eu senti a tensã o nos mú sculos sob minhas mã os. Eu me afastei o
suficiente para sussurrar contra seus lá bios.
— Estou bem. Você nã o vai me assustar. Eu quero o verdadeiro
Max. Meu Max. Seja sincero comigo, por favor.
— Seu Max — ele sussurrou de volta antes de me levantar do
banquinho e me levantar para que minhas pernas passassem ao redor
de seus quadris. Seu corpo duro finalmente caindo no meu e aquele
rosnado baixo em sua garganta. — Eu quero você há tanto tempo — ele
respirou contra meu pescoço enquanto beijava a pele na base da minha
garganta. — Eu senti como se estivesse enlouquecendo por querer
você. — Ele me levantou e me colocou no granito da ilha da cozinha, sua
boca se fundindo com a minha e seus quadris pressionando contra
mim. Minha respiraçã o ficou presa, a sensaçã o de tê-lo tã o perto era
quase demais para aguentar. Sua mã o grande encontrou a bainha da
minha camiseta e depois se espalhou pela minha caixa torá cica, sob o
peito. Segui seu exemplo para sentir a pele macia de suas costas sob a
camisa, esticada sobre seus mú sculos tensos. A necessidade, aguda e
cortante, brotou em mim e soltei um barulho que nunca tinha me
ouvido fazer antes. Um gemido baixo, mas desesperado, que parecia ter
sido arrancado da minha alma. Max parou. Demorou alguns momentos
até que percebi que seu telefone estava tocando.
— Merda — ele murmurou, recuando o suficiente para olhar para
mim. Ele respirava pesadamente e sua expressã o ainda estava saturada
de necessidade, mas também havia culpa e mais do que um pouco de
preocupaçã o. Ele nã o atendeu o telefone, apenas continuou olhando
para mim, procurando alguma coisa em meu rosto. — Eu sinto muito
amor. Eu nã o... quero dizer, nã o tive a intençã o de apressar as coisas
assim. Eu sei que você precisa se sentir confortável comigo. Atacar você
na minha cozinha quando você está fraca e de ressaca nã o está nos
planos.
— Tudo bem — eu disse, tentando controlar minha respiraçã o. —
Qual é o plano entã o? E por que você é o ú nico planejador? — Eu sorri e
movi minhas mã os por suas costas para envolvê-lo, abraçando-o e
deitando minha cabeça em seu peito, ainda emocionada com aqueles
sentimentos de esperança e o desejo feroz que sentia por ele,
juntamente com a capacidade de agir de acordo com isso sem me
tornar uma bagunça aterrorizante. Meu conselheiro me disse que o
TEPT nã o precisava governar minha vida. Que eu poderia continuar a
ter relacionamentos reais, mas, para ser honesta, nã o acreditei nele. E
de qualquer forma, eu tinha pensado que se eu fosse corajosa o
suficiente para dar a um homem tanto poder sobre mim novamente, ele
seria fisicamente muito mais fraco do que Nate jamais foi – nada como
Max, que poderia esmagar até mesmo Nate como um inseto.
Mas nã o era só uma questã o de força física, nã o é? Você poderia
ser o homem mais forte e letal do mundo – isso nã o significava que nã o
fosse gentil e atencioso com as pessoas que amava. Com a verdadeira
força vem a integridade de nã o usar a fisicalidade para controlar os
outros, ou o abuso emocional para reduzir alguém a uma sombra do
que era antes. A verdadeira força significa ajudar a edificar alguém para
que possa ser um verdadeiro parceiro, um igual. Um narcisista como
Nate nã o queria um parceiro – apenas um peã o, alguém que ele
pudesse manter no — lugar dela — subserviente, dependente,
quebrada.
— O plano é levar você para sua consulta de fisioterapia agora,
entã o...
— Max... — Eu o interrompi, destacando meu ponto, trazendo
minhas mã os para cima e sobre seu peito. — Nã o posso pagar um
fisioterapeuta particular e eu...
— Você é uma funcioná ria. Se você precisar consultar um
fisioterapeuta para resolver um problema que está afetando seu
trabalho, a empresa, minha empresa irá financiar.
Revirei os olhos. — Meu ombro nã o está afetando meu
desempenho no trabalho. A ú nica coisa que isso afeta é a minha
capacidade de tirar uma caneca da prateleira de cima.
— Eu vi o jeito que você toma café pela manhã , Nú mero Cinco. É
como o plutô nio no seu Dolorean, a Sky Net no seu Terminator. Eu diria
que a sua capacidade de alcançar a xícara é crucial para o seu
desempenho no trabalho. — Seu sorriso era tã o presunçoso que inclinei
minha cabeça para trá s para olhar para o teto e soltei uma risada curta.
— Mia, você vai a esta consulta hoje. Já está paga, entã o gastarei o
dinheiro, quer você apareça ou nã o.
— Max...
Seu sorriso desapareceu e suas mã os seguraram meu rosto para
incliná -lo para baixo da minha contemplaçã o do teto e obter contato
visual. — É o seu braço direito, amor. Seu braço dominante e você nã o o
utiliza totalmente. Algo foi tirado de você e quero ajudá -la a recuperá -
lo.
Parei por um momento, observando sua expressã o teimosa. — Ok
— eu disse suavemente. — Ok, eu vou. E Max... — Eu me inclinei para
ele, minhas mã os se movendo de seu peito para seus pulsos abaixo do
meu queixo — obrigada. — Engoli um nó na garganta. Minhas pró ximas
palavras foram um pouco embargadas de emoçã o, mas consegui
pronunciá -las. — Eu quero dizer isso. Pela noite passada e por esta.
Aconteça o que acontecer entre nó s, sempre serei grata.
Ele gemeu. — Maldiçã o, Nú mero Cinco — disse ele com uma voz
dolorida. — Você nã o ouviu nada que Verity e eu dissemos no mês
passado? Somos nó s que somos gratos a você. E, por favor, nã o me
agradeça por abrir um lock-in em um dos pubs mais sombrios de
Dorset – isso me faz sentir um idiota.
— Eu adoro o Pig and Whistle dê-me isso em vez do Ivy qualquer
dia.
— Você comeu no Ivy? — Ele olhou para mim daquele jeito
avaliador que ele tinha.
— Você sabe, figura de linguagem.
Ele estreitou os olhos para mim. — Certo — ele disse lentamente.
— De qualquer forma – o plano é fisioterapia agora. Depois, no final da
semana, levo você a algum lugar que nã o seja o Pig and Whistle e
conversamos, certo?
— Que fisioterapeuta funciona no domingo, afinal?
— Alguém que quer entrar nas calças de Heath.
CAPÍTULO VINTE E SEIS
FAÇA O SEU PIOR

— Olhos, nariz, garganta e virilha — Teddy me disse enquanto eu


chutava a bolsa de treinamento novamente. Roger estava deitado de
costas, aproveitando o sol do jardim e deixando seus humanos darem
seus socos bizarros. Passaram-se dois dias depois da minha primeira
sessã o de fisioterapia e meu ombro já parecia ter um pouco mais de
amplitude de movimento. — Você tem que ir para as á reas vulneráveis,
porque você será menor do que a maioria das pessoas lá fora – e mais
fraca.
— Puxa, obrigada — eu disse a ele, dando um soco em seu bíceps,
que ele nem sequer recuou.
— Caso em questã o — disse ele com uma expressã o presunçosa,
apontando do meu punho para o braço dele e vice-versa. — Eu mal
senti isso. Eu nem preciso usar os protetores de treinamento quando
praticamos socos.
— O que? Você normalmente nã o levanta as mã os para que as
pessoas deem um soco?
— Se eu fizesse isso com meus colegas de treino, teria mú ltiplas
fraturas e idas ao pronto-socorro. Seus socos – nem tanto.
— Tudo bem, tudo bem, Sr. Miyagi: olhos, nariz, garganta e
virilha. Entendi.
— Entã o, chute na virilha é um dos melhores. Golpe com soco nas
á reas vulneráveis. Combinaçã o dos dois. Assim que o atacante cair, você
corre. Tudo o que você tem com você, você pode usar. Tem alguma
chave?
Virei-me para minha mochila e peguei as chaves de minha casa.
— Ok, entã o segure-as assim. — Teddy me mostrou como segurar
as pontas para que ficassem para fora. — Mostre-me um golpe de
martelo com as chaves. — Meu braço desceu pelo ar para mergulhar as
chaves em um inimigo invisível. — É isso. Agora, usar os cotovelos é
importante, especialmente se o atacante estiver pró ximo e você nã o
conseguir impulso suficiente para desferir um soco ou chute. Entã o,
golpe de cotovelo. — Teddy demonstrou e eu o copiei. Entã o Roger deu
um pulo e correu em direçã o à casa, latindo e abanando o rabo.
— O que está acontecendo? — Max estava vindo da casa em nossa
direçã o, franzindo a testa para mim e dando uma massagem distraída
em Roger enquanto eu dava uma série de cotoveladas.
— Mia me pediu para lhe ensinar mais defesa pessoal.
Max olhou para mim e colocou as mã os nos quadris. Ele ainda
estava usando o terno de antes, mas sua gravata estava torta, uma
barba por fazer escurecia seu queixo e alguns de seus cabelos grossos
estavam enrolados em volta de sua nuca.
— Mais autodefesa? Quando você... — Vi Max voltar à lembrança
de mim e Teddy no jardim antes. — Ah, certo. Eu lembro. — Ele se
mexeu por um momento. — A propó sito, desculpe por isso de novo —
acrescentou ele em voz baixa.
— Você só estava preocupado com Teddy — eu disse, largando as
mã os e dando um passo em direçã o a Max. — Você estava apenas
protegendo ele.
Teddy bufou. — Ele estava apenas sendo um idiota.
— Teddy! — Eu respondi, mas Max sorriu.
— O garoto está certo — disse ele, dando um tapinha nas costas
de Teddy. Teddy balançou a cabeça, mas havia um pequeno sorriso no
rosto. Desde o refú gio e depois da retirada tardia do Pig and Whistle,
Teddy parecia ter se suavizado em relaçã o a Max. Ele era menos hostil.
Houve mais brincadeiras alegres entre eles, e era assim que eu
suspeitava que era o relacionamento deles antes de toda a agitaçã o com
a mã e de Ted. Nã o era completamente isento de tensã o – ainda havia
algo subjacente à s suas interaçõ es que eu nã o conseguia identificar.
Teddy parecia quase vigilante, como se estivesse esperando por alguma
coisa, até mesmo se preparando para isso. — Eu sou um idiota. Mas
curioso. O que você está ensinando a ela entã o?
— Olhos, nariz, garganta, virilha — cantei, mostrando-lhe alguns
chutes e golpes com o calcanhar.
Ele franziu a testa. — É muito bom socar o ar, mas com um
humano real as coisas sã o um pouco diferentes.
Balancei a cabeça e dei de ombros. Acredite, eu sabia como as
coisas poderiam ser diferentes.
— Você sabe que deveria fugir, se puder, Mia — disse Max. — Nã o
tente brigar com alguém se você puder fugir dele.
Balancei a cabeça novamente e segurei um revirar de olhos. Se
havia uma coisa que eu sabia fazer era fugir.
— É claro que eu disse isso a ela — disse Teddy, claramente
irritado. — Eu nã o sou completamente inú til. Certo, vou treinar.
— Ei — eu disse, pulando atrá s de Teddy quando ele se virou
para sair e colocando minha mã o em seu braço. — Obrigada por
dedicar um tempo comigo. Eu sei que você nã o precisava. Eu agradeço.
Suas bochechas ficaram um pouco rosadas e ele encolheu os
ombros. Ele poderia tentar se esconder atrá s de uma má scara
adolescente de indiferença, mas eu poderia dizer que ele estava feliz
por estar me ajudando.
— Você nã o precisa me agradecer, certo? Eu... — Ele fez uma
pausa e olhou para Max, que ainda estava fora do alcance da audiçã o. —
Escute, eu nã o sou estú pido. Eu sei o que é um refú gio para mulheres,
certo? Eu sei por que as pessoas têm que ir para lá . Se você quiser ser
capaz de se defender, entã o vou ajudá -la.
— Tudo bem, querido — eu disse suavemente, resistindo à
vontade de puxá -lo para um abraço, o que eu poderia dizer que o
deixaria muito envergonhado. Sua mandíbula se apertou e eu o vi
engolir em seco antes de levantar o queixo e voltar para casa.
Voltei para Max e houve uma pausa estranha. Nenhum de nó s
havia mencionado o beijo nos dois dias desde que aconteceu, mas você
poderia cortar a tensã o entre nó s com uma faca. — Ele é um bom
garoto — eu disse, quebrando o silêncio.
Max bufou. — Ele é um punk. — Ele olhou para minha expressã o e
sorriu. — Ok, entã o quando ele nã o está sendo um adolescente idiota,
acho que ele pode ser um bom garoto. À s vezes. Ele lhe mostrou como
quebrar o controle?
— Hm... como?
— Sair do controle – você sabe se alguém a agarra por trá s.
Eu balancei minha cabeça.
— Bom – porque ele é um adolescente punk. Ruim – porque essa
é uma das coisas mais importantes a aprender. Eu... — Ele engoliu em
seco e pigarreou. — Posso te mostrar se você quiser?
Eu balancei a cabeça. Max estava certo – se eu quisesse aprender a
me defender, teria que lidar com um humano.
— Faça o seu pior — eu disse a ele, me preparando para o
impacto. Ele riu.
— Mia, eu nã o vou atacar você. Olha, fique de costas para mim. —
Ele se aproximou de mim, segurou meus ombros e me girou, entã o eu
fiquei de costas para ele. — Vou colocar meus braços em volta de você
por trá s bem devagar, certo?
Eu fiquei tensa. Meu dedo indicador direito começou a bater no
meu pulso esquerdo, centralizando-me no momento. Eu respirei fundo.
— Tudo bem — eu disse ao expirar. Ele se aproximou – eu podia
sentir o cheiro de sua loçã o pó s-barba misturada com sabonete fresco e
perfeiçã o subjacente. Seus braços me envolveram lentamente. Roger,
sentindo a tensã o, deu um latido curto. Suas orelhas estavam voltadas
para a frente e ele estava me observando.
— Diga-me para parar sempre que precisar, Nú mero Cinco —
Max me disse. — Vou deixar cair meus braços sempre que você disser,
tudo bem.
— Certo — eu disse em voz alta e embargada. — Está bem.
Prossiga. — Sua frente pressionou contra minhas costas e seus braços
enormes envolveram minha cintura, me puxando para ele.
Ela estava tremendo.
Eu podia sentir os tremores suaves enquanto seu corpo macio se
moldava de volta ao meu. Sua respiraçã o acelerou e todos os seus
mú sculos ficaram tensos. Fiquei imó vel por um minuto, esperando que
ela me dissesse para soltá -la. Mas minha corajosa Nú mero Cinco, fez
aquela batida no pulso novamente e o tremor diminuiu... quase. Seu
cabelo cheirava a morangos. Tive que evocar a imagem de minha avó
fazendo marmelada nua para fazer meu corpo relaxar. Aguardei alguns
segundos, mas ela ainda estava muito tensa e sua respiraçã o muito
irregular, entã o a soltei e me afastei.
— O que é que foi isso? — Ela perguntou, virando-se para mim
com uma expressã o confusa.
— Faça uma pausa — eu disse. — Respire. Nã o há pressa. — Ela
nã o aceitaria nada se se sentisse presa e aterrorizada. Ela corou,
provavelmente adivinhando que eu poderia dizer o quã o ansiosa ela
estava. Depois de um momento, ela sacudiu os braços, virou-se de
costas para mim e me disse para tentar novamente. Coloquei meus
braços em volta dela mais duas vezes, cada vez esperando um pouco
mais antes de soltá -la. Na terceira vez, depois que recuei, ela se virou
para mim com uma expressã o frustrada.
— Você realmente vai me ensinar ou o quê? Nã o creio que a
maioria dos agressores vã o simplesmente me deixar ir.
— Mia, eu não sou um agressor — eu disse com uma voz gentil. —
Você precisa estar relaxada para absorver isso – nã o morrer de medo.
— Estou bem. Eu... — Levantei uma sobrancelha e seus olhos
foram para o lado, antes de focar em mim novamente. — Ok, mas vou
ficar bem agora. Tente de novo.
Desta vez, quando a fechei em meus braços, ela nã o ficou tensa e
nã o precisou bater.
— Ok, entã o incline-se sobre meus braços. — Ela fez o que eu
pedi, o que empurrou sua bunda na minha virilha e eu quase tive que
me afastar. — Levante o cotovelo. Agora, gire e me de um golpe com o
cotovelo para me afastar. — Seu golpe com o cotovelo foi
completamente patético, mas eu a deixei ir mesmo assim.
— Eu fiz isso! — Ela disse e eu sufoquei uma risada.
— Mia, eu deixei você ir de novo.
— Oh.
— Você tem que ir em frente. Realmente me esmague na garganta
ou no nariz. Você nã o vai me machucar. — Tentamos mais duas vezes.
Ela gradualmente colocou mais esforço em seus golpes de cotovelo, mas
eles ainda nã o me fizeram soltá -la.
— Ok, você precisa controlar sua raiva — eu disse a ela. — Deve
haver alguma raiva real por trá s de suas tentativas. Esqueça quem eu
sou, ok? Nã o sou Max no momento. Sou alguém de quem você precisa
fugir. Alguém que você quer machucar. — Ela olhou para mim e eu vi
seus olhos se encherem de determinaçã o, sua boca formando uma linha
dura antes de ela virar as costas para mim novamente.
— Certo, estou pronta — disse ela, com a voz baixa e dura, os
punhos cerrados ao lado do corpo. Assim que meus braços a
prenderam, ela se lançou violentamente sobre meus braços, quase me
desequilibrando, entã o seu pequeno cotovelo subiu e bateu em minha
garganta, forçando-me a soltá -la. Ela avançou assim que meus braços
caíram e entã o se virou para mim com um enorme sorriso no rosto.
— Eu fiz isso! — Ela gritou, saltando para cima e para baixo na
ponta dos pés. Roger também saltou ao redor dela, latindo de excitaçã o
– nã o importando que seu mestre mal conseguisse respirar. — Golpe de
cotovelo, filho da puta! — ela cantou.
Eu teria rido, mas estava muito ocupado tentando sugar o ar
depois da pancada na traqueia. — Isso é ó timo, Nú mero Cinco —
consegui dizer com a voz embargada assim que consegui inalar ar
suficiente para sobreviver.
— Ah, nã o — disse ela, com os olhos arregalados enquanto corria
em minha direçã o. — Max, você está bem? Você disse que eu nã o
poderia te machucar.
Minha respiraçã o começou a aliviar. Uma das minhas mã os foi até
meu pescoço para esfregar minha garganta. Eu podia sentir meus olhos
lacrimejando.
— Subestimei você — eu disse, minha voz nã o mais do que um
grasnado patético agora. Ela estendeu a mã o para minha mã o que nã o
estava segurando minha garganta e eu peguei a dela, apertando-a.
— Sinto muito — ela sussurrou e eu revirei os olhos.
— Pare de se desculpar o tempo todo. Eu disse para você dar um
pouco de feijã o e você deu. Estou orgulhoso de você: embora ela seja
pequena, ela é feroz.
— Eu nã o sabia que você poderia citar Shakespeare.
— Posso ser um pouco rude, mas fiz English Lit GCSE como todo
mundo. Certo, vamos lá . Acho que nã o consigo comer um curry agora,
depois que você me mordeu a garganta, mas tem um chippy na esquina.
Seu rosto se iluminou como se peixe com batatas fritas fosse o
melhor jantar disponível. — Eu adoraria.
— Cristo, você é fá cil de agradar — eu disse a ela, puxando-a para
dentro de casa.
— Nã o há nada melhor do que um chip butty.
— Tem certeza de que nã o é do norte, moça?
Peguei minha carteira pela lateral, enfiei-a no bolso e coloquei o
outro braço sobre os ombros de Mia para caminhar até a porta da
frente. Puxá -la para o meu lado foi instintivo. Foi só quando estávamos
descendo a garagem que percebi o que tinha feito. Até entã o tentei fazer
abordagens lentas no que diz respeito ao contato físico. Fiquei
preocupado que isso fosse um passo longe demais e afrouxei meu
aperto. Mas em vez de se afastar de mim ou colocar distâ ncia entre nó s,
Mia hesitantemente colocou o braço em volta da minha cintura e deixou
seu corpo relaxar no meu. Quando chegamos à loja de salgadinhos, eu
tinha um sorriso tã o grande no rosto que assustei Brian atrá s do balcã o
(ele estava acostumado a me ver sendo um bastardo ranzinza na maior
parte do tempo – a exibiçã o flagrante dos meus dentes parecia enervá -
lo. Ele nã o conseguiu nosso hadoque maltratado rá pido o suficiente).
Mia pagou. Ela insistiu e, quando recusei, ela se afastou de mim,
colocou a mã ozinha em meu antebraço e olhou para mim, seus olhos
castanhos sérios. — Deixe-me fazer isso, Max. Só uma vez, deixe-me
pegar algo que você precisa. — Como eu poderia dizer nã o a isso? Eu
nã o conseguia lembrar o quanto ela tinha feito pelo meu negó cio de
novo – eu estava começando a soar como um disco emperrado.
Comemos direto da embalagem, sentados no paredã o do porto,
observando o pô r do sol e bebendo Sprite levemente quente.
Conversamos sobre Teddy e como ele parece estar se recuperando
lentamente. Como minha irmã tem uma queda enorme pelo meu
melhor amigo – Mia se recusou a comentar sobre isso, mas seu silêncio
foi ensurdecedor. Eu a informei que esse era o segredo mais mal
guardado desde que Yaz tinha dez anos, entã o o navio da
confidencialidade já havia partido há muito tempo, de qualquer
maneira. Depois de jogarmos a embalagem no lixo, decidi que nã o
poderia mais adiar.
— Mia, você está pronta para me contar como você se machucou?
Mia estava rindo depois que eu contei a ela a ú ltima série de
exigências de trabalho relacionadas a Yaz – minha irmã queria que eu
permitisse uma sessã o de ioga em massa durante o horá rio de trabalho.
Ela também queria que eu importasse uma á rvore em tamanho real
para o meio do escritó rio para melhorar a qualidade do ar e, sim, para
que os funcioná rios pudessem abraçá -la em intervalos regulares.
Abraço de á rvore de verdade – a mulher era um clichê ambulante.
O sorriso de Mia desapareceu com a minha pergunta e ela desviou
o olhar. Notei um movimento em seu colo e quando olhei para baixo ela
estava batendo no pulso novamente.
CAPÍTULO VINTE E SETE
TALVEZ SE ELA TENTASSE UM POUCO MAIS

Suspirei e olhei para o mar, fechando os olhos e deixando o sol


aquecer meu rosto. Eu sei que ele deve ter adivinhado uma boa parte da
minha histó ria. Mas ele provavelmente pensou que eu era apenas a
vítima da narrativa. Ele nã o sabia o que eu tinha feito. Mas eu poderia
confiar em Max, nã o poderia? Ele provou isso. Mesmo que fosse apenas
com parte da histó ria. Eu poderia confiar nele com isso.
— Havia uma adolescente chamada Amelia. — Se ele achou
estranho eu contar a histó ria na terceira pessoa, ele nã o disse nada. Por
alguma razã o foi mais fá cil para mim assim. Eu me senti tã o distante da
pessoa que eu era naquela época. — Ela teve sorte. Ela tinha tudo o que
sempre quis. Seus pais eram amorosos, sua irmã era um pé no saco –
nã o sã o todas irmã s mais velhas?
— Mas, Amelia gostava de coisas caras. O que ela não gostava era
do velho Ford Fiesta dos pais, ou da pequena casa com terraço, ou das
férias que passavam em sua caravana no Reino Unido. Amelia achava
que ela era melhor do que aquilo. Ela nã o queria peixe frito, ervilhas e
um ou outro pedaço de cidra roubada com as crianças locais – ela
queria comer em lugares chiques, beber champanhe.
— Ela sempre foi boa com computadores. Aos dezoito anos, ela
fez está gio em uma grande empresa e conheceu um homem – o homem,
o chefe. Vamos chamá -lo de Sr. Big Cheese. O Sr. BC era muito rico,
muito bonito e muito interessado em Amelia, o que ela nã o conseguia
acreditar. Ele a fez se sentir especial e lhe deu coisas caras. Ele era
muito mais velho que Amelia e os pais de Amelia nã o estavam muito
felizes. Eles nã o se importavam com quanto dinheiro o Sr. Big Cheese
tinha. O pai de Amelia disse que simplesmente nã o gostava dele. Ele
disse que o Sr. BC era muito charmoso, muito astuto e muito
controlador. Ele pensou que o Sr. BC tinha uma vibraçã o ruim e uma
expressã o fria nos olhos. Amelia amava seu pai, mas ela realmente nã o
queria ouvir nada disso, nã o quando o Sr. BC a estava enchendo de
roupas de grife novas e joias caras, ou a levando para o Caribe quando
ela nunca tinha estado em um aviã o antes.
— Entã o, Amelia foi para uma universidade que o Sr. BC escolheu
e nã o participou da vida estudantil. Por que ela precisaria disso? Ela
nã o iria participar de um sindicato estudantil bebendo cerveja barata
quando poderia estar comendo em restaurantes com estrelas Michelin
com celebridades. Qual seria o objetivo? Os amigos do Sr. BC tornaram-
se amigos de Amelia e quando Amelia terminou a faculdade ela
trabalhou na empresa do Sr. BC. Eles se casaram em um grande
casamento que deixou o pai de Amelia extremamente desconfortável,
pois ele nã o tinha dinheiro nem para pagar a conta do á lcool. A irmã de
Amelia recusou ser dama de honra – ela disse que nã o confiava no Sr.
BC e que Amelia era muito jovem para se casar. A mã e de Amelia chorou
durante a cerimô nia, mas nã o porque estava feliz. A família de Amelia
nã o se acomodou na recepçã o e saiu mais cedo. Amelia ficou feliz
quando eles partiram. — Olhei para Max e senti meus olhos se
encherem de lá grimas. — Ela tinha vergonha deles. A mã e dela usava
um terno quadrado da M&S, o pai pedia uma cerveja em vez de
champanhe, o ú ltimo namorado da irmã dizia à s pessoas que era
encanador. Amelia queria que eles fossem embora. Ela era uma vadia
egoísta e materialista.
— Oh, Mia — Max murmurou, esticando a mã o para tirar uma
lá grima do meu rosto e depois pegando minha mã o na dele. Funguei e
voltei para o sol.
— Nenhum dos amigos de escola de Amelia foi convidado porque
ela já havia perdido contato com eles há muito tempo. Foi só no final da
recepçã o, quando ela olhou ao redor da sala e viu apenas os amigos ou
contatos de negó cios do Sr. BC, que ela começou a ter a menor dú vida
incô moda. Apó s o casamento, Amelia e o Sr. BC mudaram-se para uma
casa enorme que Amelia nã o teve de limpar. Ela nem precisou escolher
os mó veis – tudo isso foi feito para ela. Nã o importa que ela queira
escolher alguma coisa. Essa ideia era simplesmente engraçada. Ela nã o
sabia que tinha mau gosto? Ela nã o percebeu que a casa deles precisava
ser um lugar onde o Sr. BC pudesse receber e nã o se sentir
envergonhado? Melhor deixar isso para os profissionais.
— Amelia trabalhava na empresa do Sr. BC. Pelo menos nisso ela
era boa – até o Sr. BC teve que concordar com isso. Ela sabia que estava
criando atualizaçõ es que geravam receita para a empresa, mas parecia
nunca ver parte do dinheiro. O Sr. BC disse que ela nã o era muito boa
com dinheiro. Que ele deveria administrar todo o dinheiro. Afinal, ele
nã o era generoso? Ele comprou para ela prateleiras de roupas de grife
de que gostou. Tutoriais de maquiagem com maquiadores famosos.
Consultas nos melhores salõ es de cabeleireiro. E Amelia ficou grata. Ela
supô s que seu cabelo estava um pouco opaco sem todas as mechas que
ele insistia. Sua pele estava um pouco pá lida sem o bronzeado e ela
parecia mais polida com maquiagem profissional.
— E daí se ela realmente nã o tivesse mais contato com a família?
Quando ela ia vê-los, ou eles vinham, ou mesmo se ela apenas falasse
com eles ao telefone, o Sr. BC seria frio com ela por dias. Ela ficou com
medo desse novo, hipercrítico e frio Sr. BC. Talvez se ela apenas
tentasse um pouco mais, ele poderia ser como costumava ser com ela
novamente. Afinal, ela era irritante, dificultava a vida dele, nã o entendia
o quanto ele trabalhava, nã o era uma companhia interessante o
suficiente para os amigos dele, sua maquiagem nunca era perfeita o
suficiente. Se ela pudesse ser melhor, talvez ele mudasse de volta.
Talvez entã o ela nã o precisasse admitir para a família que eles estavam
certos e ela errada. Ela nã o teria que voltar para casa com o rabo entre
as pernas.
— E que quanto mais Amelia tentava, mais difícil se tornava
agradar o Sr. BC. Ela começou a se sentir estú pida, inú til e talvez até um
pouco louca. Ele a fez duvidar de suas decisõ es. Se ela chorasse ou
reagisse, ficava – histérica – e – instável. Entã o, um dia, quando eles
estavam dirigindo para algum lugar e se perderam, Amelia tentou
aliviar o clima, provocando-o por causa de seu senso de direçã o. Ele nã o
gritou nem berrou com ela, apenas levantou a mã o e bateu com as
costas na lateral do rosto dela. Ela estava usando um vestido azul. O
sangue parecia tã o chocante contra aquele azul pá lido. O Sr. BC
lamentou. Foi um acidente. Ela nã o deveria tê-lo distraído enquanto ele
estava dirigindo. Mas uma linha foi ultrapassada e foi aí que o
verdadeiro medo começou.
— Oh meu Deus, Mia — respirou Max. Olhei para ele novamente e
seus olhos ardiam com uma mistura de fú ria e tristeza. — Sinto muito,
amor. — Ele estendeu a mã o para enxugar as lá grimas que eu nem tinha
percebido que estavam caindo pelo meu rosto, entã o me puxou para
seu peito como se ele simplesmente nã o suportasse ter qualquer
distâ ncia física entre nó s. — Por quanto tempo ele machucou você?
Suspirei, desistindo da coisa da terceira pessoa.
— Depois daquele primeiro golpe, fiquei mais um ano — eu disse
a ele e seus braços se apertaram em volta de mim. — Mas algo surgiu
em minha mente. Qualquer amor que eu tinha por ele se foi. Antes
disso, eu realmente nã o queria dormir com ele, mas me obriguei a fazer
isso porque, se nã o o fizesse, ele seria insuportável. Foi apenas mais
fá cil concordar com isso. Mas depois que ele me bateu eu literalmente
nã o consegui. Ele nunca me forçou, mas apenas mergulhou cada vez
mais nessa fú ria silenciosa. De vez em quando ele surtava.
— Algumas vezes ele me arrastou pelos cabelos, à s vezes
arrancando-os pela raiz. Eu tinha cabelo comprido antes – estava na
metade das minhas costas. Ele poderia envolvê-lo facilmente em seu
punho. — Suspirei. — Eu nunca tinha percebido antes quantas
armadilhas da feminilidade tornam você fraca. Saltos altos significam
que você nã o pode correr tã o rá pido, cabelos longos deixam você
vulnerável a ser agarrada, saias justas sã o menos fá ceis de manobrar. É
como se fô ssemos fisicamente mais fracas de qualquer maneira, mas
entã o, só para garantir, a sociedade decide que precisamos ser ainda
mais prejudicadas.
— É por isso que você mantém o cabelo curto? Por que você nã o
usa salto ou saia?
Balancei a cabeça contra seu peito.
— O que aconteceu? Como você saiu?
— Um dia, saí do trabalho mais cedo – disse a todos que estava
com dor de cabeça e peguei o metrô para casa. Ele sempre me levava
para o trabalho, entã o essa era minha ú nica oportunidade. De qualquer
forma, ele deve ter percebido que eu tinha ido embora, porque ele
voltou para casa antes de eu terminar de arrumar minha mochila. Eu
estava com meus jeans velhos de antes de nos casarmos e meus tênis
surrados. Ele soube assim que me viu o que estava acontecendo. Tentei
correr, mas ele agarrou meu rabo de cavalo, me jogou no chã o e me
chutou nas costelas. Quando ele terminou, ele torceu meu braço atrá s
das costas e usou isso para me colocar de pé novamente – eu senti o
braço sair do lugar e meu grito deve tê-lo chocado porque ele me soltou
por um segundo. Entã o... eu... — Mordi o lá bio, tentando decidir o
quanto contar a Max. Ele apertou meus ombros, me incentivando a
continuar, mas eu simplesmente nã o consegui. Eu nã o poderia arruinar
completamente a impressã o que ele tinha de mim – já era ruim o
suficiente que ele agora soubesse que tipo de pessoa eu realmente era,
sem deixá -lo saber do que eu era realmente capaz. Minha voz baixou
enquanto eu sussurrava minha meia mentira. — Entã o... entã o eu...
consegui fugir. Um dos seguranças me ajudou.
— Por que você nã o foi à polícia?
Encolhi os ombros, sentindo minha garganta grossa com o peso
da culpa pesando sobre mim. Minha mente voltou para o sangue em
minhas mã os. Engoli em seco e fechei os olhos com força.
— Max… eu... eu nã o posso ir à polícia.
— Mia — ele se afastou de mim e entã o me encarou, pegando
meus ombros em suas mã os para me virar em sua direçã o. — Você nã o
pode simplesmente se esconder dele para sempre. Você precisará se
divorciar e...
Balancei minha cabeça vigorosamente. — Nã o, nã o. Ele nã o
precisa saber onde estou para se divorciar. Os trabalhadores do refú gio
me contaram tudo isso. E posso obter assistência jurídica se provar que
sou vítima de violência doméstica. — A questã o é que eu nã o tinha sido
apenas uma vítima, nã o é? — Farei tudo isso quando estiver pronta,
mas...
— E se ele machucar outra pessoa, Mia? — A voz suave de Max
quase trouxe lá grimas aos meus olhos. Pressionei meus lá bios para
impedi-los de balançar. — Ele é perigoso. Você sabe disso. E ele merece
ser punido pelo que fez com você.
Mordi o lá bio e desviei o olhar. Nate nã o era o ú nico que merecia
ser punido. Eu contaria tudo ao Max – só precisava de mais tempo. Um
pouco mais de tempo para ser feliz.
— E se ele tentar encontrar você?
Balancei minha cabeça novamente. — Enquanto eu ficar longe da
minha família, por enquanto, nã o acho que ele possa. — Nã o contei a
Max sobre ter visto o só cio de Nate em Londres ou que Nate veio ao
escritó rio. Se Max soubesse que era Nate um de seus maiores clientes
em potencial, eu nã o sabia o que ele faria. A situaçã o era impossível. Eu
teria que sair eventualmente. Mas por enquanto eu só queria estar com
Max.
— Eu gostaria de conhecer a irmã de Amelia e os pais dela — Max
me disse, pulando da parede e segurando minha mã o enquanto eu fazia
o mesmo.
— Eu também gostaria disso. — Minha voz rouca de saudade.
Senti muita falta da minha família. Mas, para ser sincera, nã o foi apenas
a necessidade de me esconder que me manteve longe deles. Foi um
pouco de culpa, um pouco de covardia e muita vergonha. Como pude
deixar Nate me separar deles? Como eles entenderiam?
— Amelia é seu nome verdadeiro? — Ele perguntou. — Nã o
preciso usá -lo – só preciso saber seu nome verdadeiro.
— Sim, mas minha família me chama de Mimi. — Eu nã o menti
completamente sobre isso. Ele só chamou de Amelia.
Mas agora, enquanto caminhava de mã os dadas com um homem
que – embora fosse mais mesquinho e mal-humorado do norte do que
um londrino charmoso, extravagante e de fala mansa – era gentil, era
cavalheiro. Um homem que fez meu coraçã o bater mais forte, que se
importava com um garoto difícil, ranzinza e perdido de dezessete anos
o suficiente para tratá -lo mais como um filho do que sua pró pria mã e,
que cuidava de sua equipe como se fossem uma família, que se
importava com sua irmã . No momento, eu estava mais preocupada com
o que esse homem maravilhoso, difícil, estranho, lindo e desalinhado
iria sentir por mim quando descobrisse a verdade.
CAPÍTULO VINTE E OITO
EU SEI O QUE QUERO

Eu tive que me acalmar. A fú ria que passava por mim enquanto


voltávamos do chippy estava me deixando um pouco louco. Eu sabia
que deveria ser sensato e gentil com Mia. A ú ltima coisa que ela
precisava era de um homem furioso e violento para matar seu marido.
Marido.
Mia era casada. O pensamento me fez sentir um pouco doente. Eu
gostaria de poder conhecer Mia, de dezoito anos, antes que aquele
idiota sá dico colocasse as mã os nela. Antes de ela ser atacada por
iluminaçã o a gá s e abuso emocional, levando à violência real. Como
alguém poderia machucar algo tã o maravilhoso? Que tipo de monstro
queria pegar uma adolescente brilhante e transformá -la em uma
sombra de si mesma?
Mas eu tinha essa Mia comigo agora. Talvez ela nã o fosse tã o
ingênua e extrovertida como era naquela época, mas nã o deixou que ele
a quebrasse. Ela era forte, minha Nú mero Cinco. Forte e teimosa e
engraçada e gentil e bonita, com um toque de insegurança e medo. Mas,
dada a sua força, eu sabia que ela conseguiria superar os dois ú ltimos.
Ela estava saindo de si mesma cada vez mais nos ú ltimos meses. Uma
onda de culpa me atingiu quando me lembrei de como fui um idiota
crítico e grosseiro com ela no início – ela lidou com isso quando nã o
tinha nem onde dormir, quando ainda estava machucada. Quando
entramos em casa e fechei a porta atrá s de nó s, um nó se formou na
minha garganta. Por um momento foi um pouco difícil respirar.
Parei no corredor e me virei para Mia. A raiva estava lutando
contra uma culpa imensa e eu nã o poderia ir mais longe sem deixar sair
um pouco dela. O que eu estava sentindo deve ter refletido na minha
expressã o porque Mia franziu a testa enquanto olhava para mim.
— Uau. Max. Você está bem?
— Nã o — eu disse com uma voz tensa. — Nã o, eu nã o estou bem,
Mia. Estou muito longe de estar bem, mas isso nã o é problema seu.
— O quê...?
— Sinto muito pela forma como tratei você quando você começou
a trabalhar para mim — eu disse a ela e sua carranca se aprofundou. —
A ú nica desculpa de merda que tenho é que em algum lugar, no fundo,
me senti atraído por você. A mã e de Teddy o decepcionou em outra
visita e ele estava sendo o maior merda do mundo para mim – me
testando, como descobri agora – e eu estava me sentindo um idiota por
confiar em Rebecca para superar isso. Eu nã o queria me sentir atraído
por alguém nã o muito mais velho que Teddy, ou pelo menos assim
pensei, alguém que estivesse escondendo coisas. Alguém em quem eu
nã o podia confiar. Receio que a minha confiança tenha sido tã o
completamente quebrada nessa fase que me transformei em alguém
que nem sequer reconheci. Eu gostaria de poder voltar e ter
curiosidade e coragem para descobrir por que você era tã o reservada.
Talvez se eu fosse um pouco menos cego você nã o teria ficado doente.
Isso é por minha conta. Aceito a responsabilidade por isso. Se eu tivesse
descido do meu pedestal, teria visto o quã o desesperada você estava.
— Max, nã o. Eu...
Entrei no espaço dela, de frente para ela, peguei suas duas mã os
nas minhas e me inclinei para descansar minha testa na dela.
— Deixe-me falar, Mia — eu sussurrei. — Deixe-me viver com essa
culpa. É minha. Nã o vou permitir que você me deixe fora de perigo.
Nunca vou me perdoar por nã o ter ajudado você quando pude.
— Você me ajudou, Max. — Mia estendeu a mã o pequena para
sentir a barba por fazer no meu queixo. — Esse trabalho salvou minha
vida. Você salvou minha vida quando me encontrou naquele dia. Nã o é
sua culpa que eu estivesse na situaçã o em que estava. Nem é minha
culpa – meu conselheiro me ajudou a ver isso. A culpa é dele. Nã o vou
deixar você assumir essa culpa, Max. Eu nã o vou.

— Teimosa — ele murmurou, recuando um pouco para sorrir


para mim. Os sorrisos de Max de perto eram tã o magnéticos, deixavam
seu rosto tã o deslumbrantemente bonito, que quase me senti tonta.
Pisquei para ele por alguns segundos atordoados antes de ficar na
ponta dos pés e pressionar meus lá bios nos dele. Meu corpo estava em
uma espécie de piloto automá tico, impulsionado por uma histeria
induzida pelo sorriso de Max. Eu senti como se fosse morrer se nã o o
beijasse agora, se nã o pudesse estar mais perto dele. Seu rosto
estremeceu um pouco em choque sob minhas mã os depois que meus
lá bios roçaram os dele pela primeira vez. Ele levou um momento para
estudar minha expressã o antes de abaixar a cabeça e entã o me beijar.
Uma de suas mã os foi para minha cintura e a outra para meu
cabelo na parte de trá s da minha cabeça. Minha boca se abriu sob a dele
e um som baixo vibrou em seu peito antes que ele deslizasse a mã o
pelas costas da minha camisa até a pele das minhas costas. O contato
causou um arrepio na minha espinha e de repente eu nã o conseguia
chegar perto o suficiente dele. Um lado meu que pensei estar perdido
para sempre veio à tona. Eu precisava desse homem. Eu estava cansada
de esperar por ele, cansada dele me tratar como se eu fosse quebrar.
Dei um pequeno pulo e envolvi minhas pernas em volta de sua cintura
para que nossas bocas ficassem mais niveladas. Ele se afastou um
pouco para ler minha expressã o, a preocupaçã o cortando o desejo em
seu rosto. Suas pupilas estavam tã o dilatadas que havia apenas uma
pequena borda verde ao redor e sua mandíbula estava cerrada.
— Mia...
Coloquei meus dedos em sua boca para interromper suas
palavras. — Nã o me pergunte se estou bem — eu disse suavemente. —
Nã o me trate como se eu fosse frá gil. Eu sei o que quero. Deixe-me ter
minha autonomia de volta.
Seus olhos muito inteligentes brilharam para mim e outro quase
rosnado baixo veio do fundo de seu peito. Entã o ele começou a se
mover. Seus passos longos diminuíram a distâ ncia entre a porta da
frente e as escadas, que ele correu comigo ainda enrolada em sua
cintura. O peso extra nã o parecia incomodá -lo nem um pouco. Eu sabia
que ainda estava muito magra, mas estava trabalhando muito com o
consumo regular de chocolate, entã o subir as escadas correndo como se
pesasse menos que uma pena nã o era nada para ser desprezado. Ele
abriu uma porta no topo e entã o estávamos no quarto de Max.
Tudo era branco, exceto a estrutura de madeira da cama e as
luminá rias industriais penduradas no teto. Cheirava a sabã o em pó com
o tom sutil da loçã o pó s-barba de Max. Agora que estávamos no quarto,
o ritmo de Max diminuiu. Ele caminhou até a cama e me colocou sobre
os lençó is brancos imaculados, pairando sobre mim, mas nã o me
deixando suportar todo o seu peso. Um pequeno sulco se formou entre
as sobrancelhas. Eu podia ver sua mente zumbindo atrá s de seus olhos.
Ele respirou fundo e eu sabia que ele iria perguntar novamente se eu
estava bem.
Eu podia entender a preocupaçã o dele – já tive ataques de pâ nico
com ele algumas vezes – mas simplesmente nã o queria ouvir isso, nã o
desse jeito. Eu nã o queria o lembrete de que eu nã o era normal. Entã o,
em vez de deixá -lo falar, me inclinei na cama e fechei minha boca sobre
a dele, uma das minhas mã os indo para a parte de trá s do seu pescoço e
a outra para cima, ao redor e sob sua camiseta para sentir os mú sculos
tensos de suas costas sob a pele lisa.
Ele fez outro som baixo no fundo da garganta e me deu mais do
seu peso, e, em vez de me sentir presa, eu me deleitei com isso. Eu senti
como se isso estivesse de alguma forma me ancorando no presente –
semelhante à s batidas, mas em uma escala muito maior. Eu podia senti-
lo duro contra mim, e minha frequência cardíaca acelerou, nã o com
ansiedade pela primeira vez, mas com uma necessidade feroz, quase
selvagem, que estava queimando através de mim. Eu balancei contra ele
e puxei a bainha de sua camiseta. Ele se afastou um pouco para poder
puxar minha camisa por cima da cabeça com um movimento rá pido e
jogá -la para o lado. Ele congelou acima de mim, seus olhos percorrendo
meu torso. Meu sutiã era o conjunto de roupas mais caro que eu
possuía. Quando deixei Nate, eu só tinha roupas íntimas bonitas para
levar, entã o peguei uma carga. Foi a ú nica armadilha da minha vida
anterior que eu mantive. E quando os olhos de Max se fixaram em meu
intrincado sutiã de renda branca e duas faixas coloridas apareceram no
alto de suas maçã s do rosto, fiquei muito feliz por nã o ter jogado fora
isso também.
— Meu Deus — ele respirou, uma de suas mã os subindo até meu
pescoço, tremendo levemente enquanto descia até a pele abaixo da
minha clavícula até finalmente fechar sobre meu peito. — Você é tã o
bonita.
Minhas costas arquearam e eu empurrei sua mã o. Um som
carente saiu dos meus lá bios. Era como se meu corpo tivesse assumido
o controle total da situaçã o. Cautelosa, preocupada e assustada, Mia nã o
estava mais no comando. Desesperada, faminta e enlouquecida por
Max, Mia tomou seu lugar e estava pressionando para conseguir o que
queria. Seu peito era todo plano de pele bronzeada com uma camada de
pelos até seu abdô men definido. Nate cuidava de seu corpo, mas nã o
tinha nada parecido com a musculatura volumosa de Max. Engoli em
seco enquanto meus dedos traçavam seu ombro e desciam até os pelos
de seu peito antes de deslizar pelas cristas de seu abdô men até a fivela
do cinto. Uma de suas mã os desceu para cobrir a minha no cinto e ele
interrompeu as tentativas de removê-la. Aquele olhar estava de volta
em seu rosto enquanto ele procurava o meu. O olhar questionador e
preocupado que estava em guerra com a necessidade absoluta e crua
que eu podia sentir na tensã o de seu corpo, e ver na maneira como os
mú sculos de sua mandíbula tremiam enquanto ele cerrava os dentes.
— Por favor — eu sussurrei e ele fechou os olhos enquanto o
vermelho em suas maçã s do rosto aumentava. Uma das minhas mã os
voltou para descansar sobre seu coraçã o. Eu podia sentir isso
martelando em seu peito. Seu desejo por mim era como uma presença
tangível e densa na sala, aumentando minha confiança e fortalecendo
minha determinaçã o. — Eu preciso de você, Max.
Assim que saíram da minha boca, aquelas palavras sussurradas
pareceram estalar algo nele. Ele caiu em cima de mim e me beijou mais
profundamente e com renovado desespero. Enquanto ele me beijava,
suas mã os desceram pelo meu peito e depois pela minha barriga até
minha calça jeans. Ele fez um trabalho rá pido no botã o e finalmente
estava onde eu precisava que ele estivesse. Sua mã o se movendo
exatamente no ritmo certo novamente. Soltei um grito abafado
enquanto me movia com ele. Com ele pairando sobre mim e sua pele
contra a minha, comecei a voar alto. Mas eu nã o queria ir para lá
sozinha.
— Nã o, Max — eu sussurrei e instantaneamente ele se acalmou,
pronto para recuar. — Nã o, quero dizer, nã o sem você. Por favor.
Ele gemeu e me beijou novamente, desta vez descendo pelo meu
pescoço até o peito enquanto tirava meu jeans e depois a calça antes de
pegar uma camisinha na mesa de cabeceira. Uma vez que estávamos
ambos nus e ele estava pressionado contra mim, ele hesitou novamente.
Suas duas mã os subiram e afastaram meu cabelo do rosto.
— Diga-me que você está bem — ele sussurrou em meu ouvido.
Este homem bonito e forte estava tremendo de necessidade acima de
mim, mas ele se conteve para verificar novamente se eu estava aqui com
ele. Que era isso que eu também queria. Senti meus olhos se encherem,
mas pisquei as lá grimas enquanto balançava a cabeça. Max deve ter
visto a umidade porque congelou. Entã o me movi, arqueando-me
contra ele. Ele soltou um rosnado baixo e avançou, e finalmente fui
preenchida por Max. A sensaçã o predominante era de alívio
avassalador, como se nã o se conectar dessa forma com ele estivesse
causando uma dor física anteriormente nã o reconhecida. E entã o o
desespero se instalou, a necessidade urgente de mais. Movi-me debaixo
dele novamente, sentindo a tensã o nos mú sculos de suas costas
enquanto ele se mantinha imó vel. Sua mandíbula estava cerrada e ele
parecia quase com dor.
— Você está bem? — Ele me perguntou e eu quase comecei a rir.
— Nã o, Max — eu disse e ele ficou ainda mais tenso. — Eu nã o
ficarei bem até que você se mova. — Ele gemeu quando sua boca caiu
na minha e finalmente, finalmente ele estava se movendo dentro de
mim. Eu podia sentir a tensã o crescendo em meu estô mago. Subimos
juntos até que seu ritmo se tornou errá tico e desesperado à medida que
ele se tornava incrivelmente mais duro. Quando cheguei ao topo da
onda e explodi em mil pedaços, Max continuou se movendo, arrancando
tremores secundá rios do meu corpo até que finalmente me seguiu até a
borda. Quando pude registrar o que estava ao meu redor novamente,
Max estava deitado de costas e me puxou para seu peito. Ele acariciava
meu cabelo e a cada poucos segundos beijava minha testa, meu cabelo,
meus olhos, à s vezes meus lá bios, com reverência – como se ele quase
nã o pudesse acreditar que eu estava ali com ele. Passei um braço em
volta de sua cintura e lhe dei um aperto. Em resposta, ele me puxou
ainda mais para o seu lado. Senti como se estivesse flutuando em uma
nuvem, como se nada pudesse me tocar.
Pela primeira vez em anos, me senti segura.
CAPÍTULO VINTE E NOVE
CHEGANDO A ALGUM LUGAR

— A cor do cabelo dela era diferente, mais clara — eu disse ao


telefone enquanto olhava para as costas de Mia do meu escritó rio. Ela
estava inclinada sobre Yaz para ajudá -la com alguma coisa no
computador, mas entã o começou a rir. Yaz podia ser um pé no saco, mas
naquele momento nã o me arrependi de tê-la mantido no escritó rio.
Qualquer um que conseguisse iluminar o rosto de Mia daquele jeito
valia seu peso em ouro.
Durante o ú ltimo mês, Mia estava rindo mais. Acho que nã o a vi
abrir um pequeno sorriso nas primeiras semanas em que a conheci. A
mudança foi gradual, mas, comparada com a mulher que era naquela
época, ela estava quase irreconhecível. Ela ainda quase nã o usava
maquiagem, apenas um toque de rímel e brilho labial ocasional, mas
nã o havia mais olheiras sob seus olhos. As roupas emo foram
substituídas (nã o fiquei triste ao ver a parte de trá s do seu ú nico par de
sapatos pretos surrados) por um monte de coisas de surfista de Yaz,
mas ela também comprou alguns itens novos para ela mesma. A etapa
de limitaçã o da taxa de abertura de uma conta bancá ria foi resolvida
com o HSBC, que tinha um esquema para pessoas sem endereço
permanente. Ofereci-lhe que usasse o meu endereço, mas ela recusou
categoricamente. Na verdade, depois que dormimos juntos, ela me
informou que sentia que estava se aproveitando de mim. Ela se
aproveitando de mim! Como se eu nã o estivesse atormentado pela
culpa por ter sido o contrá rio. Depois que sua conta bancá ria foi aberta,
ela decidiu que deveria se mudar, mas antes que pudesse procurar um
lugar para ficar, Yaz lhe ofereceu um quarto vago em seu apartamento.
Sua amiga Dee havia se mudado e ela precisava do dinheiro. Eu ajudei
Mia a se mudar no fim de semana passado.
Para ser sincero, eu teria preferido mantê-la em minha casa, mas
sabia que isso seria uma vantagem e nã o queria sufocar sua confiança
crescente. Ela estava começando a perceber o quanto era importante
para a empresa, que tinha valor a agregar nas reuniõ es e que as pessoas
a respeitavam. Fora do trabalho, eu poderia dizer que ela ainda lutava
para entender como as pessoas a viam e como ela se via. Ajudou o fato
de Yaz e Verity serem amigas persistentes. Além do que Yaz
compartilhou depois do incidente com o cabeleireiro, eu nã o tinha
certeza do quanto elas sabiam, mas já havia flagrado cada uma delas
olhando para Mia daquele jeito cuidadoso mais de uma vez – atentas,
preocupadas. Sim, elas sabiam bastante, talvez até mais do que eu, mas
eu nã o queria trair a confiança de Mia para saber o quê. Porque na
tentativa de ganhar a confiança de Mia, eu sabia que teria que agir com
muito cuidado.
Fisicamente, as coisas estavam incríveis entre nó s. Nã o nos
cansávamos um do outro. Ela era como uma febre em minhas veias – eu
a queria constantemente, pensava nela incessantemente. Quando eu
estava com ela eu nã o conseguia parar de tocá -la – segurando sua mã o,
apoiando minha mã o em suas costas, puxando-a para o meu lado,
beijando sua têmpora, prendendo seu cabelo curto e macio atrá s de
suas orelhas de duende.
— É a mesma coisa que seus polegares. Como essas coisas
funcionam? — Eu a provoquei ontem à noite depois de acariciar sua
pequena orelha. — Elas sã o ridículas, Nú mero Cinco.
— Só porque eu nã o uso orelhas de elefante gigantes, nã o há
necessidade de ser um idiota atrevido. Posso ouvir o que esses meninos
maus falam tã o bem, se nã o melhor, do que você consegue ouvir através
de suas enormes melindrosas.
— Certo, é isso — eu rosnei, ficando em cima dela na cama e
esfregando minha orelha em sua boca. — Lamba o ló bulo da orelha de
tamanho normal e aceite a audiçã o superior. — Eu fiz có cegas nela até
que ela cedeu e declarou que minha audiçã o era superior e meus
ouvidos perfeitos, exemplares viris.
O fato de ela se sentir confiante o suficiente para me provocar, de
nã o haver nenhum lampejo de medo mesmo quando eu a segurei para
fazer có cegas nela, dizia algo sobre o quã o longe ela havia chegado. De
alguma forma, fazer có cegas fez com que as roupas fossem arrancadas
e, com uma torrente de sangue na cabeça, eu disse a ela para se segurar
na cabeceira da cama e nã o soltá -la até que eu mandasse. Ela piscou
para mim e por um momento pensei que poderia tê-la pressionado
demais. Eu poderia ser dominante na cama, mas com uma mulher como
Mia o tiro poderia ter saído pela culatra. Mas entã o seus olhos se
iluminaram de desejo, e ela lambeu os lá bios enquanto estendia a mã o e
agarrava as ripas acima de sua cabeça, e eu sabia que a tinha. Eu fiquei
quase todo vestido enquanto beijava sua boca até o pescoço e depois os
seios, sugando seus mamilos em minha boca enquanto ela se contorcia
debaixo de mim. Desci ainda mais, beijando sua barriga e traçando a
pele macia com as pontas dos dedos antes de encontrar seu centro,
fazendo com que um gemido baixo soasse no fundo de sua garganta.
Quando substituí meus dedos pela boca, ela se arqueou para fora da
cama e mergulhou as mã os em meu cabelo.
— Mã os — eu rosnei para ela e entã o sorri quando ela realmente
obedeceu. Eu construí seu orgasmo lentamente até que antes de
empurrá -la com minha língua e ela gritou, felizmente no travesseiro.
Depois, quando a peguei em meus braços, fiquei um pouco preocupado
de novo, pensando que poderia ter sido um pouco demais, mas ela nã o
aceitou nada disso. Ela me empurrou de costas em uma rara
demonstraçã o de confiança, rasgou minha camisa e começou seu
pró prio ataque, sua boca suave percorrendo meu pescoço, descendo
pelo peito e estô mago, terminando com seus lá bios se fechando em
volta de mim. Ela entã o me levou direto ao limite, mas eu nã o queria ir
lá sem ela, entã o a puxei para cima e a virei sobre as mã os e os joelhos,
entrando nela por trá s com um impulso suave. O sexo que se seguiu foi
completamente desinibido – selvagem e totalmente fora do nosso
controle. Gozei com tanta força que ainda pensei que podia ouvir o
zumbido nos meus ouvidos.
Depois que tudo acabou e eu percebi que nã o tinha demonstrado
a contençã o normal que usava com ela – minha ternura e cautela
normais, eu congelei com a cabeça enterrada em seu pescoço,
esperando que ela enrijecesse de medo. Mas ela parecia um líquido em
meus braços. Quando desabei com ela na cama, puxando-a em meus
braços para estudar seu rosto, nã o havia nenhum traço de ansiedade.
Apenas um meio sorriso bobo e uma expressã o suave e saciada nos
olhos.
— Uau — ela respirou em minha boca. — Você é muito bom
nisso.
Eu descansei minha testa contra a dela e soltei um longo suspiro,
além de aliviado por nã o tê-la empurrado muito longe e aterrorizando-
a. A partir daquele momento ficou claro para mim que, pelo menos no
quarto, ela confiava em mim. Ficava do lado de fora do quarto, onde as
paredes ainda estavam erguidas, daí meu telefonema para o
investigador particular. Eu estava dando a ela tempo e espaço para me
contar todos os seus segredos, mas sabia que ela ainda estava com
medo. Ainda vigilante. Justifiquei a invasã o da sua privacidade como
uma medida para garantir a sua segurança.
Eu pesquisei violência doméstica e abuso físico e emocional desde
que Mia revelou aquele vislumbre de seu passado. Eu sabia que uma
pessoa abusiva era mais perigosa quando sentia que sua vítima estava
escapando de seu controle, e Mia definitivamente não estava mais sob o
controle daquele idiota. Entã o, sim, eu poderia justificar isso com
preocupaçã o pela segurança dela... mas também sabia que esse nã o era
o ú nico motivo. A raiva pura e nã o adulterada fervendo dentro de mim
quando pensei em alguém a machucando era quase avassaladora. Eu
precisava saber quem era esse bastardo e precisava que ele pagasse
pelo que fez com Mia. Ela disse que nã o tinha envolvido a polícia, e eu
sabia que havia algo que ela nã o estava me contando. Algo mais
aconteceu. Algo que a deixou envergonhada – com medo da minha
reaçã o. À s vezes eu podia ver a indecisã o brilhando em suas feiçõ es
enquanto ela hesitava antes de falar.
Ela estava decidindo se confiaria toda a verdade em mim.
Mas eu sabia que demoraria um pouco até que ela fizesse. Ela
estava apenas começando a confiar em mim pequenas verdades – sua
comida favorita, por exemplo. Essa informaçã o levou mais de uma hora
para Teddy e eu conseguirmos. A princípio, Teddy tinha acabado de
fazer seu pedido de curry para mim, de sua posiçã o diante do
computador com Mia, que o ajudava a programar seu ú ltimo trabalho
escolar. Eu disse a ele que ele era um pirralho egoísta e que talvez ele
devesse verificar com Mia o que ela queria antes de gritar seus pedidos.
Teddy revirou os olhos, mas quando Mia apareceu dizendo que nã o se
importava com o que pedimos – que nã o deveríamos sentir que
tínhamos que incluí-la de qualquer maneira, que ela provavelmente
estava se impondo e deveria voltar para a casa de Yaz, que Teddy
provavelmente precisava de seu espaço etc etc – Teddy entã o parou de
codificar e estreitou os olhos para ela, sua boca formando uma linha
familiar e teimosa.
— Você nã o vai a lugar nenhum — ele disse a ela. — Como você
pode ser imponente quando salvou minha bunda com essas besteiras
de computador? Max gosta de você aqui – ele é menos mal-humorado
com você por perto. Você deveria ficar. — Quando ela concordou em
ficar, mas insistiu que curry estava – bom – foi como se ela tivesse
lançado um desafio pessoal a Teddy. Depois de muita persuasã o e do
equivalente à Inquisiçã o Espanhola, ela finalmente admitiu que a
comida tailandesa era, na verdade, a sua favorita.
Entã o, sim, ela estava chegando lá com confiança, mas era um
trabalho lento e eu precisava de resultados um pouco mais rá pido.
— O primeiro nome dela é Amelia — eu disse a Sam Clifton, o
chefe da empresa de segurança que contratei para desenterrar o
passado de Mia. Quando o contatei originalmente, há duas semanas, ele
me disse que nã o tinha espaço na agenda para outro caso. Isso nã o me
surpreendeu – ele foi altamente recomendado por um motivo. Mas
entã o contei a ele a histó ria dela. O Sr. Clifton encontrou espaço depois
dessa conversa. Na verdade, ele mesmo assumiu o caso. Mas sem o
nome verdadeiro dela ele nã o chegaria a lugar nenhum. — Ainda nã o
tenho certeza do sobrenome dela, mas sei que o marido dela é dono ou
é CEO de uma grande empresa. Ela trabalhou para ele e é uma espécie
de gênio da informá tica.
— Certo, anotado — a voz profunda de Sam soou em meu ouvido.
— Até. — Ele desconectou. Eu tinha notado que com Sam ele nã o
desperdiçava palavras, a menos que fosse completamente necessá rio.
Baixei o telefone e observei Mia contornar a mesa, ainda rindo. Ela
chamou minha atençã o quando se sentou. Ao contrá rio de antes,
quando ela abaixava a cabeça e tirava qualquer expressã o do rosto
quando nossos olhares se encontravam, agora o sorriso dela realmente
cresceu, seus olhos dançaram e um leve rubor se espalhou por suas
bochechas.
Sim, eu estava chegando a algum lugar.
Pelo menos foi o que pensei.
CAPÍTULO TRINTA
UMA MANEIRA TÃO INTERESSANTE DE TRATAR UMA
BERINGELA

— Ei! — Os ouvidos de Roger captaram o chamado de Mia da


porta da frente e ele saiu correndo pelo corredor para encontrá -la. O
cachorro estava totalmente obcecado. Poderia ter algo a ver com as
grandes quantidades de bacon que ela lhe dava debaixo da mesa
quando pensava que eu nã o estava olhando, mas no momento Mia era
sua humana favorita. Eu até ouvi a fera rosnar baixo quando Mia se
aninhou em mim no sofá , o maníaco peludo e possessivo.
— Ah, ei, menino — ouvi Mia dizer com aquela voz ridícula que
ela reservava para meu cachorro. Você nã o falava com um pastor-
alemã o como se eles fossem preciosos bebezinhos peludos. Roger tinha
oitenta quilos de má quina de matar, nã o era um terrier maltês. — Como
está meu lindo cachorrinho. Sim, sim, você é um bom menino. Sim, você
é.
— Obrigado e eu sei — eu disse a ela enquanto a observava sendo
lambida e acariciada no chã o do corredor por um Roger frenético. Ele
só a tinha visto ontem, pelo amor de Deus. Onde estava seu respeito
pró prio? E por que eu estava deixando um cachorro atrapalhar minha
mulher? Se ela deveria estar acariciando alguém, era eu, caramba.
Mia revirou os olhos enquanto se levantava do chã o.
— Você nã o precisa de nenhum reforço positivo — ela me disse,
inclinando-se para pegar duas enormes sacolas de compras cheias de
coisas até a borda. Ela as levantou com dificuldade, mas só deu alguns
passos antes que eu as tirasse de suas mã os e as colocasse de volta no
chã o. Entã o entrei em seu espaço pessoal, passei meus braços em volta
de sua cintura e a beijei, leve e doce nos lá bios. Quando me afastei, vi
que ela estava com aquela expressã o atordoada novamente. Era a forma
como ela olhava para mim sempre que eu lhe dava algum carinho
inesperado, ou quando ouvia as suas opiniõ es e ideias, ou quando lhe
perguntava o que queria fazer, o que queria comer. Foi cheio de
admiraçã o – como se eu fosse uma descoberta rara que ela nunca
acreditou que pudesse existir antes.
Claro que gostei que ela me olhasse daquele jeito. Isso me fez
sentir fantá stico – como um Deus entre os homens. Mas entã o eu me
lembraria porque ela nã o sabia que o afeto normal pelo seu outro
significativo nã o era algo para se deslumbrar, que a simples gentileza e
carinho nã o eram a sétima maravilha do mundo. Quando eu pensava
nisso, meu sangue começava a ferver novamente e eu teria que esmagá -
lo ou ficaria com raiva demais para falar.
Franzi a testa para as sacolas com Mia ainda em meus braços.
— Como você tirou tudo isso das lojas?
— Ah, peguei o ô nibus.
— O ô nibus... mas nã o há ponto de ô nibus aqui perto. Você deve...
— Sã o apenas dez minutos de caminhada, Max.
— Tente vinte minutos e você estará carregando meia tonelada de
material. Por que você nã o me ligou?
Mia estava mais confiante em sair em pú blico no ú ltimo mês. Mais
noites no Pig and Whistle, mais almoços com Yaz e Verity. Mas,
estranhamente, à medida que a vigilâ ncia dela diminuía, a minha
parecia aumentar.
Ela revirou os olhos e ficou na ponta dos pés para beijar minha
bochecha. — Eu nã o queria colocar você para fora. De qualquer forma,
estou aqui agora; entã o deixe-me preparar. Quero que tudo esteja
resolvido quando seus pais chegarem.
Eu fiz uma careta para ela. — Tudo isso é pelos meus pais? Eu
disse que iríamos pedir comida. Eles nã o esperam que eu cozinhe.
Ela encolheu os ombros e desviou o olhar. — Eu sei, mas estou
feliz e... bem, isso pode me ajudar a causar uma boa impressã o. — Uma
centelha de preocupaçã o passou por sua expressã o e seu corpo se
contraiu de ansiedade. Suspirei e esfreguei suas costas.
— Você nã o tem nada com que se preocupar, amor — eu disse a
ela, desejando poder absorver todas as suas inseguranças e estresse
reprimidos. Ela estava chegando lá , ela estava saindo lentamente de si
mesma, mas ainda havia um longo caminho a percorrer. — Meus pais
vã o adorar você.
Eu estava arrependido de ter deixado mamã e e meu padrasto
aparecerem agora. Pelas rugas de preocupaçã o na testa de Mia, pude
ver que o que considerei uma visita inó cua, ela considerou uma espécie
de teste.
— Yaz, Teddy e Heath estarã o aqui também.
Eu esperava que esse lembrete a tranquilizasse, mas ela ainda
estava se intrometendo – suas feiçõ es se contraíam de estresse. A
ú ltima coisa que eu queria era que ela cozinhasse. Nã o que a comida
dela nã o fosse uma besteira de cachorro, porque era. Ela cozinhava
muito para nó s agora, e embora a comida fosse incrível (cordeiro para
mim e Teddy na semana passada, bifes de halloumi fritos quando Yaz
veio alguns dias atrá s), eu ainda nã o conseguia apreciá -la.
Mia era uma cozinheira nervosa. Muito nervosa.
Ela mediu os ingredientes como se sua vida dependesse das
quantidades exatas e mordeu o lá bio o tempo todo até quase sangrar no
final. No momento em que ela serviu, ela estava estressada demais para
comer alguma coisa sozinha - mexendo na comida e olhando para
nossos rostos enquanto comíamos a nossa. Foi enervante. Levou uma
hora de televisã o estú pida depois da ú ltima vez para ela se acalmar e
relaxar em meus braços no sofá . Na minha opiniã o, o estresse de tudo
isso nã o valeu a pena. Mas quando ela se afastou de mim e começou a
recolher as sacolas com uma expressã o de determinaçã o no rosto,
decidi deixá -la fazer o que precisava fazer por enquanto e juntar os
cacos mais tarde.
Nã o foi minha melhor ideia, no fim das contas.

— Você nã o é arquiteta, Mia? — A mã e de Max, Fern, me


perguntou, seus olhos verdes, tã o parecidos com os do filho, me
apontando com laser por cima da mesa.
— Hm... nã o, nã o sou exatamente uma pessoa criativa.
— Entã o, o que você faz no escritó rio? — Ela perguntou, erguendo
as sobrancelhas.
— Eu te disse, mã e — a voz irritada de Max interrompeu sua mã e.
— Ela trabalha com computadores.
— Ah, entendo — disse Fern, seu tom sugerindo que ela de fato
nã o viu nada.
— Na verdade, é um papel muito importante, mã e — disse Yaz. —
Fez uma grande diferença na forma como a empresa de Max é
administrada e como os projetos sã o apresentados.
— Yaz. Sem ofensa, amor – mas você nã o sabe absolutamente
nada sobre como administrar um negó cio de sucesso ou sobre
computadores. — Fern riu enquanto tomava um gole de vinho. —
Minha filha gosta mais de mar, cristais e auras do que qualquer coisa
baseada na realidade. Nã o tenho certeza de onde ela tirou isso, mas aí
estamos. — Fern era professora de ciências. Ela parecia uma senhora
quase ferozmente pragmá tica. Eu soube por Max que ela se formou
como professora depois de deixar o pai de Max. Aubrey, padrasto de
Max e pai de Yaz, era clínico geral. Eu gostei dele instantaneamente. Ele
tinha maneiras tranquilas e gentis, olhos castanhos, assim como sua
filha. Os olhos de Fern eram exatamente do mesmo tom de verde que os
de Max. Foi um pouco enervante ter dois pares de olhos afiados, verdes
e muito inteligentes focando em você quando você tenta responder a
uma pergunta.
O rosto de Yaz estava vermelho quando ela olhou para o prato.
Heath, sem perceber o desconforto de Yaz, soltou sua pró pria risada.
— Ah, nã o, ela também gosta de acupuntura agora, nã o é, Midge?
— Ele disse e ela deu-lhe um meio sorriso forçado e um pequeno aceno
de cabeça. Qualquer indício de reconhecimento por parte de Heath
parecia iluminar Yaz como um conjunto de luzes de Natal. Foi quase
doloroso testemunhar. Entã o ele continuou: — Você sabe que agora
está comprovado que a acupuntura nã o funciona de acordo com os
padrõ es usuais da medicina.
— Esse estudo foi falho — Yaz murmurou enquanto comia. — E
os benefícios sã o difíceis de medir, entã o...
— Como diabos você saberia se um estudo científico é falho ou
nã o, amor? Você nunca olhou para um em sua vida. — Fern disse, rindo
novamente. Nã o parecia que ela estava sendo deliberadamente cruel –
mas apenas tratando Yaz como uma criança que é um pouco estú pida e
precisa que as coisas sejam explicadas a ela.
— Isso nã o é... — Yaz começou, mas Max a interrompeu. — Nã o
podemos falar sobre ciência e medicina à mesa pelo menos uma vez?
— Isso é ó timo, Mia — disse Teddy quase gritando, chocando
todos na mesa e deixando-os em silêncio. Pisquei com o elogio
inesperado – qualquer forma de elogio era um evento raro com Teddy.
Quando olhei para Teddy, pude vê-lo carrancudo para os pais de Max. Se
foi em defesa de Yaz ou na minha, eu nã o tinha certeza, mas me
surpreendeu. Desde o momento em que chegaram, ficou ó bvio que Fern
e Aubrey adoravam Teddy.
— Obrigada, Teddy — eu disse logo acima de um sussurro. Todos
aqueles olhos vieram até mim novamente e eu me mexi
desconfortavelmente na cadeira. Foi frustrante achar isso tã o difícil,
que nã o conseguia relaxar, mas os pais de Max eram intimidadores
demais para isso.
— Sim, obrigada, Mia — disse Fern, dando-me um sorriso tenso.
— Uma maneira tã o interessante de tratar uma berinjela. — Eu nã o era
uma idiota. Interessante nã o significa bom. — Há quanto tempo você é
vegetariana?
— Hm... eu nã o sou vegetariana — eu disse, lançando um olhar
confuso para Yaz. A razã o pela qual preparei este menu foi porque Yaz
era vegana. Certamente seus pais sabiam disso?
— Mia cozinhou para mim, mã e — Yaz murmurou para a comida.
Fern revirou os olhos e Aubrey riu. — Oh, está certo, nã o é, amor
— ele disse divertido. — É difícil acompanhar essas suas modas.
— Sou vegana há dez anos, pai — disse Yaz. Ela estava segurando
o garfo com tanta força agora que os nó s dos dedos estavam brancos.
Fiquei em silêncio durante toda a refeiçã o, mas nã o podia
simplesmente deixar esses comentá rios passarem. Nã o quando eu pude
ver o quã o magoada e envergonhada Yaz estava na frente de Heath.
— Um estudo publicado no Journal of the American Medical
Association mostrou que os veganos têm taxas de mortalidade
substancialmente mais baixas do que os que comem carne. Você sabe...
— Limpei a garganta, de repente me sentindo um pouco desconfortável
por ser o foco da mesa — já que você gosta tanto de trabalhos de
pesquisa. Além disso, comer uma dieta vegana pode ser a melhor
maneira de reduzir o impacto ambiental na Terra. O que também é
bom, já que só temos doze anos para reverter o aquecimento global,
entã o... hm, há isso também. — Chamei a atençã o de Yaz e ela sorriu
para mim. Max agarrou minha mã o por baixo da mesa e apertou-a.
— Bom ponto, Mia — disse Aubrey, dando-me um sorriso
encorajador, sem dú vida satisfeito por eu de fato possuir o poder da
fala. A boca de Fern estava apertada em uma linha fina, mas ela
conseguiu me dar um sorriso tenso e de lá bios fechados. Senti uma gota
de suor nas costas no momento em que o cheiro de queimado emanava
da cozinha. Meus olhos se arregalaram e minhas costas se endireitaram
quando o pâ nico se instalou. Em meio a toda a crítica a Yaz, eu tinha
esquecido das tortas no forno. E, caramba, havia uma de carne e
também uma vegana, mas agora todas provavelmente estavam
arruinadas. Empurrei minha cadeira para trá s da mesa em um
movimento repentino que quase a fez tombar e entã o corri até o forno
para desligá -lo. Quando abri a porta, saiu uma pequena quantidade de
fumaça e pude ver as bordas queimadas de ambas as tortas.
— Merda — murmurei baixinho enquanto calçava as luvas de
forno e pegava a primeira torta para jogá -la de lado. Na pressa de pegar
a segunda torta, ela escorregou e queimou meu antebraço antes que eu
pudesse largá -la.
— Ai, caramba — murmurei enquanto inspecionava meu
antebraço, mas o cheiro de queimado me distraiu da minha dor, entã o
empurrei isso para o fundo da minha mente e comecei a trabalhar nas
tortas para ver se elas poderiam ser recuperadas. Meu coraçã o estava
acelerado e o som ao meu redor começou a ficar abafado. Eu podia
sentir o pâ nico se aproximando enquanto tentava raspar a borda
enegrecida das tortas, que eu havia passado muito tempo preparando
meticulosamente antes. Eu queria algo pronto que pudesse colocar no
forno e esquecer, que foi exatamente o que eu fiz muito bem. Minha
mã o tremia tanto que era difícil segurar a faca que estava usando.
Minha visã o ficou turva com lá grimas. Apenas o latejar em meu braço
me firmou na realidade.
CAPÍTULO TRINTA E UM
EU TENHO UM SOBRENOME

— Mia? Mia? — Eu podia ouvir alguém chamando meu nome


como se estivesse muito longe, mas foi só quando suas mã os
envolveram meus braços que percebi o quã o perto ele estava. Foi entã o
que aconteceu – eu me afastei dele e um pequeno barulho de medo saiu
do fundo da minha garganta.
Tudo o que consegui processar naquele momento foi que eu
estava em uma cozinha, tinha feito muita merda e um homem grande
me tinha em suas mã os. Eu conhecia esse cená rio. Eu fui ensinada o que
esperar nesta situaçã o.
— Mia? — Ele afrouxou o aperto para me virar em seus braços
para que pudesse olhar para mim. Por instinto, meu cotovelo voou para
trá s para atingir seu rosto. Ele grunhiu e me soltou completamente, me
dando a oportunidade de me afastar dele até que esbarrei na geladeira.
— Querida, acalme-se — Max estava de frente para mim agora e
falando com uma voz suave. Suas mã os estavam levantadas na frente
dele, com as palmas para cima. — Deixe-me dar uma olhada no seu
braço, ok? — Balancei minha cabeça violentamente. A adrenalina ainda
estava correndo através de mim. Limpei meus olhos para poder
desfocar minha visã o e procurar a saída. Foi entã o que registrei que
todos os convidados estavam agora reunidos na cozinha atrá s da ilha. O
rosto de Teddy ficou branco.
— Grande cotovelada, Nú mero Cinco — ele me disse com uma voz
insegura, dando-me um meio sorriso vacilante. Meus olhos voaram de
volta para Max, que estava se movendo em minha direçã o muito
lentamente. Balancei a cabeça novamente e levantei a mã o. Ouvi Yaz
respirar chocada e olhei para baixo para ver que a queimadura em meu
antebraço havia começado a formar bolhas.
— Temos que colocar isso debaixo d'á gua, Mia — a voz calma e
prá tica de Heath me distraiu de Max. Ele havia contornado a ilha e
estava focado em meu braço. — Vou abrir a torneira fria e quero que
você vá até lá agora e coloque o braço por baixo dela. Nó s lhe daremos
espaço, querida. Mas sinto muito que você tenha que fazer isso por mim
agora ou a queimadura vai piorar. — Heath contornou-me rapidamente
para abrir a torneira.
Pisquei e tudo começou a ficar mais focado. Ninguém estava
gritando comigo. Nã o havia raiva na cozinha, apenas preocupaçã o e
inquietaçã o.
— E... me desculpe — eu gaguejei. — Eu nã o sei o que eu está ...
nem consigo...
— Mia, por favor — disse Max novamente com aquela voz suave.
— Por favor amor. Você pode colocar seu braço debaixo d'á gua para
mim? Ok?
Dei um breve aceno de cabeça e senti o calor subir ao meu rosto
quando fui até a torneira e coloquei a queimadura sob a á gua fria. Eu
sibilei enquanto a dor lancinante, que eu nem tinha notado até aquele
momento, foi aliviada.
— O que há de errado com ela? — Ouvi Fern sussurrar para Yaz e
o calor em meu rosto se intensificou. Yaz a silenciou. Eles saíram da
cozinha e ouvi vozes baixas conversando no corredor.
— Mia? — A voz de Max novamente, ainda soando insegura e um
pouco abalada. — Posso tocar em você agora?
Minha visã o ficou turva com lá grimas novamente e eu dei um
breve aceno de cabeça, incapaz de olhar para o rosto dele. Como eu
poderia ter pensado que ele iria me machucar? Como pude ter perdido
de vista, por um minuto, o tipo de homem que ele era, depois de tudo o
que ele tinha sido para mim nas ú ltimas semanas? Eu nã o tinha um
ataque de pâ nico há semanas. Por que isso teve que acontecer na frente
dos pais de Max? Eles devem ter pensado que eu estava louca. As mã os
de Max vieram até minha cintura e lentamente seus braços me
envolveram até que ele me abraçou por trá s enquanto eu segurava meu
braço debaixo d’á gua. O calor de seu corpo penetrou no meu e os
tremores em minhas mã os diminuíram gradualmente.
— Sinto muito — sussurrei, mas ele me silenciou contra meu
cabelo e beijou minha têmpora.
— Você nã o precisa se desculpar — ele me disse, com a voz tã o
firme que era impossível nã o acreditar nele. — Mia, há algo sobre
cozinhar e... bem, sobre a cozinha – algo que te incomoda? Porque você
sabe que nã o precisa cozinhar para mim e minha família. Só você estar
aqui é o suficiente e eu...
— Tudo tinha que ser perfeito — eu sussurrei.
— O que, querida? — Ele respondeu, seu tom confuso. Virei-me
para olhar para seus olhos verdes, cheios de preocupaçã o.
— Ele era particularmente exigente com as refeiçõ es. Já era ruim
o suficiente quando éramos apenas nó s dois, mas quando a reputaçã o
dos Banks estava em jogo, se ele tivesse clientes ou amigos lá ... — Parei
e fechei os olhos, na esperança de bloquear as lembranças dolorosas,
mas é claro que teve o efeito oposto. Isso também significou que eu nã o
vi ou percebi os olhos de Max se arregalarem ao ouvir o nome Banks ou
a maneira como todo o seu corpo ficou em estado de choque. —
Raramente era violência — minha voz caiu para um sussurro ainda
mais baixo e Max teve que abaixar a cabeça para me ouvir. — Mas ele foi
cruel... as coisas que ele me disse... eu... — Respirei fundo e passei a
língua pelos incisivos. — Mas uma vez, com os convidados ainda no
outro cô modo, ele me jogou no granito e eu quebrei meu dente. —
Quando abri os olhos, Max estava franzindo a testa para minha boca.
Bati nos segundos incisivos com a mã o livre e dei de ombros. — O dente
sobreviveu. É apenas uma pequena lasca na parte inferior, mas eu…
— Oh Mia — Max disse com uma voz torturada. — Sinto muito,
amor. Você deveria ter dito alguma coisa. Eu nunca teria...
— Eu queria cozinhar para você — eu disse a ele, a frustraçã o
vazando em meu tom. — E eu queria causar uma boa impressã o em
seus pais. — Eu balancei minha cabeça. — Deixa pra lá — minha voz
voltou a ser um sussurro. — Isso nã o importa agora.
— Mia, por favor. Você nã o precisa tentar causar uma boa
impressã o. — No fundo da minha mente eu estava ciente de que mais
pessoas haviam voltado para a cozinha, mas havia algo escuro e
doloroso crescendo em meu peito. Algo que eu nã o estava totalmente
no controle. — Tudo que eu quero é você aqui. Nã o importa se você
sabe cozinhar ou...
— Que tal falar, Max? — Eu disse, puxando meu braço para fora
da corrente de á gua e me afastando de Max para voltar para o meio do
espaço. — Que tal funcionar em algum tipo de nível normal? Que tal
nã o envergonhar você se comportando como uma completa aberraçã o!
— Mia, pare com isso — Max retrucou, dando um passo em minha
direçã o, a preocupaçã o ainda presente em seus olhos, mas também
misturada com raiva. A raiva deveria ter me assustado, mas aquela
sensaçã o sombria e dolorosa em meu peito estava inundando qualquer
medo que eu pudesse ter sentido.
— Nã o, pare com isso! — Eu gritei. Minhas mã os foram para o
meu cabelo e eu puxei-o, quase arrancando-o pela raiz. — Pare com
isso. Pare comigo. Qual o problema com você? Como você pode… argh!
— Esfreguei as mã os no rosto. Max fez um movimento em minha
direçã o, mas estendi minha mã o, afastando-o. — Você nã o vê? — Eu
gritei. — Sou uma mercadoria danificada. Você deveria estar com
alguém boa, corajosa, correta e... limpa. — Minha voz falhou na ú ltima
palavra. — Você nã o deveria se contentar com uma covarde que nã o
consegue nem cozinhar uma refeiçã o sem ter um ataque de pâ nico
total. Alguém que te machuca. Alguém que é apenas uma casca humana
desgastada. — Comecei a soluçar abertamente agora. — Eu machuquei
você. — Eu nã o tive forças para afastar Max quando ele se aproximou
de mim. Eu estava cansada de lutar. Deixei meu corpo cair sobre o dele
e minhas lá grimas encharcaram sua camisa.
— Você nã o é uma covarde — ele rosnou enquanto seus braços se
fechavam em volta de mim com força. — Você é a mulher mais corajosa
que conheço. E você nã o é uma casca descartável. O que ele fez com
você nã o a torna impura – esse é o fardo dele, essa é a cruz que ele deve
carregar. Nã o é tua. Nunca sua. Você é inteligente, gentil, engraçada,
inteligente e bonita. Você ajuda meu filho com os trabalhos escolares,
mesmo quando ele está sendo um merda desagradável com você. Você
me ajudou com meu negó cio mesmo quando eu estava fazendo o
mesmo. Sou eu quem nã o merece você – e nã o o contrá rio. E eu odeio
dizer isso a você, mas seu golpe de cotovelo ainda é um pouco patético
– você nã o me machucou.
— Há muitas mulheres por aí com muito menos bagagem do que
eu. Você poderia estar com quem você quisesse. Você poderia...
— Já lhe ocorreu que nã o sou, Mia? Já lhe ocorreu que completei
trinta e seis anos e nã o estou com mais ninguém? Eu quero estar com
você.
Eu me afastei um pouco e pisquei para ele. Minha boca abriu e
depois fechou. Fiquei sem palavras.
— Certo. — Assustei-me nos braços de Max quando a voz de Fern
encheu a cozinha enquanto ela marchava em nossa direçã o. Seu rosto
estava um pouco vermelho e seus olhos brilhantes. Ela parou ao lado da
ilha da cozinha brandindo um grande kit de primeiros socorros, que
colocou no granito. — Agora coloque o braço de volta na á gua, Mia —
ela me disse, aproximando-se de nó s e pegando meu braço. Max recuou
para deixá -la passar e eu abri a boca para falar, mas entã o ela pegou
minha mã o e apertou suavemente com uma das suas, enquanto a outra
segurou meu cotovelo para mover meu braço para dentro do riacho. —
Oh, querida, isso vai precisar de limpeza, certo — ela disse, seu tom
passando de mandã o e cortante para gentil e suave ao se dirigir a mim.
Quando ela ergueu os olhos da queimadura para os meus, vi que eles
também eram suaves. — Vamos consertar você, querida — ela disse,
dando outro aperto em minha mã o. Assenti e ela se virou para o resto
da sala. — Aubrey! — Ela gritou, me fazendo pular. — Nã o fique parado
como um grande caroço, prepare o iodo e um curativo para
queimaduras para Mia. Entre você e Heath, espero que ela fique como
nova.
— Nã o há nenhum curativo para queimaduras aqui — ele
murmurou.
— Entã o vá buscar um na sua maleta médica no carro — disse ela,
revirando os olhos. — Agora, Heath, você é o mais qualificado para isso
— ela continuou a mandar. — Você separa o molho da Mia e eu arrumo
as tortas. — Heath assentiu e foi até o kit no granito. Qualquer um
concordaria com Fern quando ela usava aquela voz. — Agora, querida
— ela disse, olhando para mim e usando aquele tom mais suave
novamente. — Você deixa Heath resolver você. — Balancei a cabeça e
senti meus olhos arderem com a gentileza inesperada daquela senhora
formidável. Uma lá grima caiu e ela estendeu a mã o para enxugá -la. —
Essas tortas parecem lindas. Tudo o que elas precisam é de um pouco
de acabamento. Você nã o precisa se preocupar. — A voz dela soou um
pouco trêmula no final e para minha surpresa pude ver que seus olhos
estavam um pouco ú midos. Ela piscou e limpou a garganta, apertou
minha mã o novamente e entã o me soltou para deixar Heath tomar seu
lugar. — Nã o fiquem aí parados, rapazes — ela retrucou enquanto
corria até o balcã o. — Aubrey – onde está esse curativo? Max? Arranje-
me uma faca afiada. Teddy? Coloque a chaleira no fogo para ver os
vegetais e, Yaz, vá e segure a mã o de Mia.
Depois de mais alguns minutos debaixo da torneira, fui levada
para a mesa da cozinha. Yaz se acomodou na cadeira ao lado da minha e
pegou minha mã o enquanto Heath começava a limpar a queimadura.
Fiquei chocada demais com Fern para sentir qualquer dor enquanto ele
o encharcava com anti-séptico. Quando olhei para Yaz, ela me deu um
sorriso encorajador. Meu olhar se moveu para Heath e pude ver um
mú sculo trabalhando em sua mandíbula. Quando ele olhou para cima,
seus olhos estavam queimando.
— Se algum dia eu colocar as mã os naquele bastardo, ele terá
mais do que uma fratura no ombro e algumas costelas quebradas para
se preocupar — disse ele, com a voz vibrando de raiva.
— E... eu estou bem agora, Heath — eu disse a ele.
— Nã o, você não está — ele disse, olhando para meu braço. —
Mas você estará .
— Mia? — Teddy saiu de trá s da ilha da cozinha e estava parado
na frente da mesa à nossa frente. Ele parecia pá lido e um pouco
abalado, mas conseguiu esboçar um pequeno sorriso. — Vamos
trabalhar no seu golpe de cotovelo, ok?
Foi lento e instável, mas consegui dar-lhe um em troca.
— Sr. Clifton? — Murmurei ao telefone enquanto me levantava da
cama. Mia estava dormindo agora. Seu braço estava enfaixado e seu
rosto ainda estava marcado pelas lá grimas, mas ela finalmente estava
em paz. Afastei a memó ria do olhar torturado em seu rosto enquanto
ela me contava como estava esgotada, danificada, impura e reprimia a
raiva que senti em resposta.
— A que horas você liga para isso? — A voz de Sam ressoou na
linha. — Você quase acordou minha esposa. — Por alguma razã o, eu
nã o conseguia imaginar o grandalhã o ex-militar com uma esposa, mas
ignorei minha surpresa.
— Olha, me desculpe — eu disse enquanto ia para o banheiro
privativo e fechava a porta atrá s de mim. Mia estava muito agitada antes
para perceber o que havia deixado escapar. Eu nã o queria arriscar que
ela me ouvisse agora. — Mas isso nã o pode esperar. Eu tenho um
sobrenome.
CAPÍTULO TRINTA E DOIS
ELA JÁ PASSOU O SUFICIENTE

— Eu vou, Verity — eu disse, empurrando a mulher teimosa de


volta para seu assento. — Está chovendo e você vai estragar sua
maquiagem.
— E a sua maquiagem? — Ela perguntou e eu levantei minhas
sobrancelhas.
— Vadia estú pida com cílios naturalmente grossos — ela
murmurou e eu sorri para ela. Estava chovendo lá fora e era eu quem
estava com o cabelo despenteado, sem maquiagem e com casaco
impermeável. O cabelo de Verity estava alisado em elegantes mechas
castanhas, a maquiagem dos olhos estava impecável e ela usava os
saltos mais altos e mais finos que eu já vi na vida. O casaco dela podia
ser Dior, branco e fabuloso, mas nã o era exatamente à prova de
intempéries.
— Alguém quer alguma coisa do café? — Nã o precisei perguntar
ao Max. Ele sempre tomava o mesmo – eu já sabia há muito tempo que
Max era uma criatura de há bitos.
— Estou feliz em ir, você sabe — Yaz me disse de sua posiçã o de
cachorro para baixo no meio do escritó rio – era segunda-feira Yoga
Madness – para grande exasperaçã o de Max.
— O café fica a 200 metros rua abaixo. Acho que posso chegar até
lá sem cair em um buraco. — Depois de receber outro pedido de Abdul,
um dos arquitetos juniores, saí.
O problema é que nas ú ltimas semanas comecei a esquecer.
Passando um tempo com Max e me permitindo cair em um casulo
seguro de felicidade e normalidade, deixei todo o meu medo ficar em
segundo plano. Eu tinha esquecido que havia uma razão para ter medo.
Aquela vida, pelo menos a minha vida, nã o era só sobre bons homens
que eram pacientes e gentis, e todo tipo de calor no quarto. Sobre
amigos que te valorizam e te apoiam. Sobre adolescentes que
lentamente baixaram suas defesas perto de você. Sobre assistir
televisã o enrolado em um homem bonito, discutindo bem-humorado
com seu lindo enteado sobre se ele poderia ou nã o tolerar outro
documentá rio estranho da Netflix.
Nã o.
A vida era perigosa. Foi precá ria. Eu nã o deveria ter esquecido
isso. Talvez entã o eu nã o teria sido pega com minhas defesas abaixadas.
— Você parece uma merda.
Eu me encolhi e me virei na calçada ao som de sua voz e lá estava
ele: alto e imponente em seu terno sob medida e sapatos de couro
italiano, seu cabelo penteado com perfeiçã o, sua barba por fazer
artisticamente esculpida em vez da aparência bagunçada e desleixada
que eu tinha começado a preferir. Ele olhou para mim com aquela
expressã o familiar de desgosto no rosto, como se eu fosse um inseto
sob sua atençã o.
— O que diabos aconteceu com o seu cabelo?
Eu congelei por um momento, tropeçando e parando
completamente no meio do caminho. Era como se o medo fechasse
completamente minhas sinapses e eu nã o conseguisse me mover. Todos
aqueles meses de medo e pavor e agora aqui estava ele, a poucos
metros de mim. Saindo da minha posiçã o congelada, olhei ao redor. A
rua estava cheia de gente que agora contornava Nate e eu na calçada.
Respirei fundo e soltei lentamente. Ele nã o poderia me raptar em plena
luz do dia. Eu tive que mostrar força. Nate atacaria qualquer fraqueza e
a usaria para me destruir.
— Nã o é da sua conta o que eu faço com meu cabelo ou qualquer
outra coisa agora. — Tentei manter minha voz forte, odiando o fio de
medo que conseguia ouvir nela.
— Você sempre será da minha conta, Amelia. — Ele estava
sorrindo para mim, mas sua voz baixa estava cheia de ameaça. — Você é
minha maldita esposa. — Olhei ao redor para a rua movimentada
novamente antes de me afastar dele e andar o mais rá pido que pude.
Ele facilmente entrou em sintonia comigo. Quando seu braço roçou o
meu e eu corri para o lado, ele pegou meu cotovelo e segurou-o com
aquele aperto punitivo. Um homem vindo na direçã o oposta franziu a
testa quando me viu dar uma sacudida violenta no braço para tentar
desalojar a mã o de Nate.
— Faça um estardalhaço e o seu negó cio do norte afundará como
uma pedra — ele sibilou para mim, seu sorriso ainda no lugar. Parei de
lutar e meu coraçã o pulou algumas batidas.
— Do que você está falando? — Eu disse quando paramos em
frente ao café para onde eu estava indo. Era ó bvio que Nate sabia para
onde eu estava indo e a que horas eu iria para lá . Sempre suspeitei que
ele iria me vigiar, mas perceber que isso era verdade me fez arrepiar.
Ele largou meu braço e deu um passo para trá s, com uma
expressã o presunçosa no rosto, o que fez com que a sensaçã o de pavor
na boca do estô mago se intensificasse.
— Tenho diversificado um pouco em termos de investimento.
Encontrei este novo e excelente escritó rio de arquitetura para trabalhar
– poucos hotéis aqui. Aldeia ecoló gica ou retiro lá . Museu ou dois.
Centro de visitantes do Ecoprojeto. É uma á rea de crescimento toda
essa merda de hippie que abraça á rvores. Uma ó tima maneira de fazer
meu dinheiro trabalhar para mim.
Não. Gritei mentalmente, tentando esconder do meu rosto o
desespero que estava sentindo. Eu sabia que Nate estava envolvido no
projeto da vila ecoló gica, mas Verity me garantiu que eles nã o estavam
avançando com Nate como investidor. Eu nã o sabia que existiam outros
projetos envolvendo a empresa do Nate. Nã o, nã o, nã o.
— Mas... mas era apenas a ecovila e aquilo...
— Nem sempre anuncio meus investimentos, como você bem
sabe, Amelia — disse ele com um sorriso presunçoso. — Assim que
descobri que você trabalhava na Hardcastle e Markham, consegui me
insinuar em todos os tipos de projetos deles. Entã o eu esperei minha
hora. Você sabe como gosto de abordar as coisas a partir de uma
posiçã o de poder. E você deveria saber que sou eu quem está em
posiçã o de poder aqui, Amelia. É uma pena quando um dos investidores
nestes grandes projetos perde a fé no arquiteto que foi contratado. Uma
perda seria difícil para uma empresa novata assumir, mesmo que ela
tenha aquele – arquiteto gostoso da Dream Homes. Três perdas os
colocariam em verdadeiras dificuldades financeiras. O suficiente para
que eles nã o pudessem pagar seus funcioná rios. Empresas como essa
convivem mês a mês com suas despesas.
— O que você quer? — Eu disse com os dentes cerrados, e seu
sorriso ficou ainda maior antes que ele entrasse no meu espaço e se
inclinasse até que seu rosto estivesse a alguns centímetros do meu.
— Você pensou que poderia simplesmente valsar para longe de
mim? Você esqueceu quem você é? Você esqueceu quem eu sou?
Ninguém se afasta de mim. Não até eu dizer. Você se afasta de mim
agora e eu vou direto para a polícia – algo que o hospital disse que eu
deveria ter feito na época. Eles foram bastante insistentes, na verdade.
Posso ter recusado, mas isso nã o significa que recusei ter tudo
documentado, caso mudasse de ideia. Seria uma pena se você fosse
para a cadeia e seu namorado falisse.
Foi quando me senti fechada. Todas as minhas emoçõ es
simplesmente evaporaram, deixando para trá s a casca de um humano.
— Apenas me diga o que você quer — eu disse. A falta de medo
em minha voz fez seus olhos brilharem e um mú sculo tremer em sua
mandíbula. Pude ver sua mã o se contorcer e pensei por um momento
que ele iria me bater, bem aqui em pú blico. Eu quase quis que ele
fizesse isso. Mas depois de alguns segundos ele voltou a ter uma
expressã o fria, seus olhos apenas comunicando indiferença novamente.
— Eu sabia que você veria a razã o — ele me disse e entã o sorriu.

— Onde ela está ?


— Max, pela milionésima vez eu nã o sei, certo? — Yaz disse
revirando os olhos.
— Ela deve ter dito algo sobre onde ela estava indo?
— Eu já te contei. Ela decidiu visitar sua família. Aparentemente
ela nã o os vê há alguns anos e é uma situaçã o complicada.
Provavelmente foi por isso que ela nã o quis envolver você. Se acalme,
sim? Ela só irá embora por alguns dias.
Eu bufei e cruzei os braços sobre o peito. Mia estava agindo de
forma estranha desde que voltou com meu pã ozinho de bacon ontem. A
falta de contato visual foi a primeira coisa que notei. Ela voltou para sua
mesa e se concentrou na tela como se sua vida dependesse disso. No
final do dia, quando ela deveria voltar para a minha casa para
terminarmos de assistir Stranger Things com Teddy, ela me disse que
estava com dor de cabeça e precisava ir para casa.
Olhando para trá s agora, lembro que suas mã os tremiam. Eu
presumi que tivesse algo a ver com a cabeça dela – mas que tipo de dor
de cabeça fazia suas mã os tremerem? E ela nã o olhou nos meus olhos
nenhuma vez. Quando eu dei um abraço nela, ela estava rígida em meus
braços, apenas me apertando brevemente de volta, o que simplesmente
nã o era Mia. Talvez tenha sido o estresse de antecipar ver sua família?
Eu sabia o quanto ela acreditava que os decepcionaria e o quanto ela
estava preocupada com a reaçã o deles em relaçã o a ela agora. Mas eu
nã o conseguia me livrar desse sentimento ruim. No fundo das minhas
entranhas, algo nã o parecia certo.
— E você nã o tem ideia de onde os pais dela moram? —
Perguntei. Yaz suspirou.
— Ela nã o disse. Ouça, sinto muito, Max, mas eu nã o deveria estar
te contando isso. Deixe que ela resolva as coisas com a família sozinha.
Nã o há nada que... ei! Max!
Eu fui embora sem olhar para trá s e peguei meu celular no bolso
de trá s. Interrogar Yaz nã o estava me levando a lugar nenhum.
— Clifton.
— Diga-me que você tem algo.
— Amelia Banks — Sam disse e fechei os olhos de alívio. —
Esposa de Nathanial Banks. — Meus olhos se abriram e eu respirei
chocado.
— O Nathanial Banks?
— Desenvolvedor imobiliá rio, CEO da maior corretora imobiliá ria
online do país? É esse.
Parei de andar e olhei para longe, absorvendo essa nova
informaçã o.
— Jesus Cristo — eu respirei. O violento ex-marido de Mia era co-
proprietá rio de três dos meus maiores projetos. O bastardo
praticamente me possuía.
— Eu tenho o endereço dele.
— Uh... sim, ó timo — eu murmurei.
Pisquei enquanto forçava meus pés a continuarem se movendo e
sentei-me pesadamente na cadeira do escritó rio.
— Você tem os dados de contato da família dela? — Eu perguntei,
tentando me concentrar no problema imediato e nã o em como eu iria
espancar um homem que tinha meu futuro em suas mã os abusivas.
— Certo, entã o eu... sim, mas... — Sam nunca parecia inseguro
sobre nada. Eu fiz uma careta.
— Qual é o problema?
— Bem, é que talvez você nã o precise do endereço deles.
— Sam, eu preciso do endereço deles. Ela foi até eles. Eu só quero
ter certeza de que ela está bem.
— Escute, o problema é que eu poderia ter enviado um membro
mais jovem da minha equipe para vê-los e ele poderia ter fodido tudo.
Só um pouco.
Só entã o a campainha tocou, seguida por uma longa batida na
porta.
— O que você quer dizer? — Eu perguntei enquanto me levantava
da cadeira do escritó rio e caminhava para o corredor.
— Ele era um pouco ó bvio. Parece que a irmã de Mia sente muita
falta. Ela foi bem insistente. Ele acabou dando a ela seu endereço.
Aparentemente a irmã foi bastante...
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Yaz abriu a porta da
frente. Teddy colocou a cabeça para fora do quarto e chamou minha
atençã o.
Uma mulher loira, muito parecida com Mia, estava na porta da
minha casa, ladeada por um casal mais velho. A mulher loira parecia
furiosa, o casal mais velho, nervoso.
— Onde está minha irmã ? — A mulher gritou para mim enquanto
Yaz recuava para deixá -la passar. — Eu nã o posso acreditar que outro
de vocês, idiotas, enviou pessoas para espionar minha família. Como a
Mimi encontra esses idiotas? — Ela se aproximou de mim e me cutucou
no peito com força. — Eu nã o tenho medo de você, cara. Agora vá
buscar minha irmã . Vou levá -la para casa.
— Hm, sim — Sam murmurou através do telefone que estava
pressionado no meu ouvido. — Desculpe por isso. Olha, vou enviar o
arquivo sobre Amelia Banks. Está tudo lá .
— Ok, ó timo — eu disse, meu olhar fixo na pequena loira na
minha frente com os tã o familiares olhos castanhos escuros.
— Mas um aviso, Max — disse Sam, com a voz diminuindo de tom.
— Nã o facilita a leitura. Entenda o que quero dizer?
Meu peito apertou. — Eu entendo — eu disse, minha voz dura de
choque. — Você receberá o resto do que devo a você amanhã .
— Sem cobrança adicional — disse Sam, com a voz firme.
— Mas...
— Nã o — ele retrucou. — Sem custo. E se Mia precisar de nossa
ajuda daqui para frente, nã o haverá cobrança por isso também. —
Fechei os olhos lentamente. Caramba, o que havia naquele arquivo?
— Obrigado, cara — eu disse, levantando-me antes de encerrar a
ligaçã o e deixar o telefone cair ao meu lado. Quando olhei para cima, a
pequena loira estava bem na minha frente com os braços cruzados
sobre o peito. O casal mais velho estava pairando a poucos metros de
distâ ncia, parecendo muito desconfortável e olhando admirado para o
vasto corredor e o telhado de vidro.
— Mã e, pai — a mulher loira retrucou. — Parem de ficar aí
parados como um par de ratos assustados e olhando em volta como se
estivéssemos no Palá cio de Buckingham. Qualquer macaco com alguns
centavos pode comprar uma casa como esta. Ele...
— Na verdade, ele projetou — Teddy interrompeu, saindo para o
corredor. — Construído do zero.
Seus olhos brilharam, mas permaneceram focados em mim. — Oh,
imagine, Sr. Dream Homes. Bem, eu nã o dou a mínima para o que você
projetou. Tudo o que quero saber é onde está minha maldita irmã , seu
idiota. E se você a machucou...
— Eu nunca iria machucá -la.
— A ú ltima vez que falei com minha irmã ela mal conseguia falar e
parecia uma porcaria absoluta — a loira retrucou para mim.
— Quando foi isso? — Perguntei.
— Quatro meses atrá s.
— Oh, bem, isso foi quando ela estava no hospital, entã o...
Nã o tive a chance de completar minha frase. À mençã o do
hospital, o inferno começou no corredor. O senhor mais velho, que
parecia bastante educado, de repente se lançou sobre mim e me
empurrou com força no centro do peito. Eu tinha alguns quilos a mais
que ele, mas a surpresa me fez tropeçar alguns passos para trá s.
— O que...?
— Como você ousa machucar minha filha! — Gritou o homem,
com o rosto contorcido de raiva. — Ela já passou por bastante! — Ele
deu outra investida em minha direçã o, mas a garota loira e a mulher
mais velha se moveram para segurá -lo, e Teddy se moveu para bloquear
seu caminho, flanqueado por Roger, que estava rosnando. O homem
mais velho lutou por um momento e depois pareceu voltar a si. A raiva
desapareceu de sua expressã o deixando uma tristeza profunda. — Ela
já passou por bastante — ele repetiu em um sussurro entrecortado
enquanto seu corpo pendia para frente.
— Pai, acalme-se — disse a loira em tom preocupado. — Você
sabe que seu coraçã o nã o está à altura desse tipo de perturbaçã o.
— Meu pai nunca machucaria ninguém — disse Teddy, cheio de
indignaçã o. Eu pisquei. Teddy nã o me chamava de Pai há mais de um
ano. — Ele cuida das pessoas. É exatamente o que ele faz. Ele cuidou da
mamã e quando ela deixou, ele cuida de mim, acolheu Roger e agora
cuida de Mia também. Ele nã o machucaria uma mosca.
— Mia? — A loira franziu a testa enquanto observava o cachorro
enorme, feio e cheio de cicatrizes e o adolescente desalinhado.
— Acho que talvez devêssemos todos nos acalmar — disse a
mulher mais velha, sua voz suave contrastando fortemente com a
animosidade na atmosfera. Ela se virou para Yaz, que ela deve ter
pensado que parecia o ser humano mais razoável naquele momento (o
que dizia algo, já que Yaz estava com sua roupa de surfista mais
desleixada – uma camiseta desgastada com o símbolo da paz
combinada com cortes desgastados, chinelos, vá rios colares de conchas
e seu cabelo estava empilhado no topo da cabeça, completo com
algumas tranças com cores brilhantes). — Você tem chá , querida?
CAPÍTULO TRINTA E TRÊS
NINGUÉM LHE FARÁ MAL

Algumas referências de personagem depois (para ser honesto, a


que parecia ter mais peso era a de Roger, que, desde a percepçã o da
ameaça à minha pessoa, nã o havia saído do meu lado), e os Suttons se
acalmaram o suficiente para sentarem-se ao redor do mesa da cozinha
com uma xícara de chá . Apresentaçõ es rígidas e estranhas foram feitas,
e Marnie (irmã de Mia), Sid (seu pai) e Ann (sua mã e) começaram a
explicar por que invadiram minha casa.
— Já passamos por muita coisa com a Mimi — disse Ann com sua
voz calma. Quando fiz contato visual com ela, quase estremeci diante de
sua expressã o assombrada. — E nã o é a primeira vez que somos
seguidos. Saber que outro homem estava fazendo o mesmo foi...
perturbador.
— Sinto muito — eu disse a ela, desejando saber no que estava me
metendo quando abri a conta com Sam. — Eu nã o tive a intençã o de
invadir sua privacidade. Eu realmente precisava... — Suspirei e olhei
para o teto por um momento, procurando as palavras certas. Eu nã o
queria parecer apenas mais um idiota controlador. — Eu me importo
com sua filha. Quando ela veio trabalhar para mim, ela estava... — Parei
novamente e olhei para seus rostos tensos e preocupados. A ú ltima
coisa que eu queria era perturbá -los ainda mais, mas eles precisavam
ouvir a verdade. — Escute, sinto muito em dizer isso, mas ela nã o
estava bem. Eu nã o sabia na época, mas ela ainda estava se recuperando
de alguns ferimentos bastante graves.
A mã o de Ann fechou-se sobre a do marido e os olhos de Marnie
encheram-se de lá grimas.
— Ela estava abaixo do peso, tinha pintado o cabelo quase de
preto. Para ser honesto, ela parecia uma adolescente e... — Engoli em
seco e uma das minhas mã os foi até a nuca. — Fiz algumas suposiçõ es
estú pidas porque ela... bem, vamos apenas dizer que eu estava errado.
Nã o quero aborrecê-los mais do que já estã o, mas ela dormiu na rua por
um tempo. Nã o percebemos até que ela pegou pneumonia e teve que ir
para o hospital. — Marnie estava chorando abertamente agora. Ann
segurava a mã o de Sid com tanta força que os nó s dos dedos estavam
brancos. — Depois disso, Mia e eu, nó s... ficamos mais pró ximos e eu...
— Papai cuidou dela — Teddy interrompeu, obviamente ainda
sofrendo com o insulto percebido para mim. — Ela estava muito doente
e ele cuidou dela. Mesmo quando eu estava me comportando como uma
criança mimada e nã o queria que mais ninguém ficasse conosco porque
sou egoísta.
— Ok, Teddy — eu disse gentilmente. — Você pode se afastar,
grandalhã o. — Dei um tapinha no ombro dele para suavizar minhas
palavras. Ele bufou, mas recostou-se na cadeira. — Ela ficou comigo por
um curto período, mas depois foi morar com Yaz.
Yaz interrompeu. — Nos ú ltimos meses ela tem melhorado. Ela
engordou. Ela sorri agora.
Ouvi um pequeno barulho vindo de Ann e notei que uma lá grima
escorria por sua bochecha. — Ela costumava sorrir o tempo todo
quando criança. Nã o vejo um sorriso verdadeiro em seu rosto há mais
de oito anos.
Yaz estendeu a mã o sobre a mesa e colocou a mã o livre de Ann. —
Ela também está recebendo aconselhamento. Honestamente, ela ainda
nã o chegou lá , mas as coisas estã o melhorando.
— Por que ela nã o veio até nós? — Perguntou Sid com a voz
embargada. — Nó s teríamos cuidado dela. Ela nã o precisava dormir nas
ruas. — Sua voz falhou no final, como se até a ideia de Mia sem-teto lhe
causasse dor física.
— Olha, eu nã o sei tudo, mas sei que ela sentiu que não poderia ir
até vocês — eu disse a ele em voz baixa. — Os bancos a teriam
encontrado. E por alguma razã o ela também nã o acha que pode ir à
polícia. Mas eu sei que ela se preocupa com vocês, sente suas faltas.
— Mas por que ela nã o foi à polícia? — Perguntou Sid. — Se ele a
machucou gravemente entã o... eu sei que eles nã o ajudaram no passado
e sei que ele é um homem poderoso, mas por que ela nã o foi desta vez?
— Tem uma coisa que ela nã o quer me contar — eu disse. — Por
alguma razã o ela nã o achou que poderia ir à polícia. Isso a impediu de
ir depois que ela foi atacada. Ela deixou o pronto-socorro sem receber
alta formal. Deu um nome falso. Ela nã o vai me dizer por quê. — Soltei
um suspiro frustrado. — Ela também nã o quis me contar detalhes sobre
sua origem e identidade e eu só ... — Esfreguei as duas mã os no rosto,
querendo me explicar sem parecer muito exagerado. — Eu queria ter
certeza de que ela estava segura. Isso é tudo. Foi por isso que enviei o
investigador. Eu prometo que nã o estava tentando controlá -la. Nã o é
assim. Mas nã o me arrependo de ter feito isso. Nã o agora, depois de nã o
ter visto ou ouvido falar dela por dois dias. Eu estaria completamente
na estaca zero se nã o tivesse agido antes e agido pelas costas dela.
— Você quer dizer que ela nã o está aqui? — Marnie disse,
parecendo confusa. — Eu pensei que ela estava morando aqui nesta
á rea agora?
— Ela ainda mora comigo — disse Yaz. — Mas ela saiu
anteontem. Ela disse... ela disse que iria se reconectar com sua família.
— Nã o é típico dela simplesmente sair e nã o nos avisar no
trabalho — acrescentei. — Ela nunca tirou folga. Mesmo quando ela
teve pneumonia, só conseguimos mantê-la afastada por algumas
semanas. Você deve saber que ela transformou o sistema de TI da
minha empresa. Estaríamos afundados sem ela.
— E eu seria reprovado em meus estudos de informá tica no nível
A sem ela — Teddy murmurou.
— Ela sempre foi uma especialista em informá tica — disse Ann
com um sorriso aguado. — Parte da razã o pela qual ele queria controlá -
la. Ela ganhou milhõ es para ele, aquele bastardo ingrato.
— Como ela ganhou milhõ es para ele? — Yaz perguntou.
— Ela desenvolveu novos programas para aquela agência
imobiliá ria online dele. Codificou tudo. Tornou-o eficiente. Tornou-o o
mais inovador do mercado. Claro que ele reivindicou todo o crédito. Ela
estava sempre em segundo plano.
— Ele nã o vai querer desistir disso, vai? — Yaz disse no silêncio
que se seguiu. — Quero dizer, ele nã o parece o tipo de homem que
simplesmente a deixa ir.
— E se ela nã o está com vocês, entã o onde ela está ? — Perguntei.
— Ele a alcançou — sussurrou Marnie. — Aconteceu antes. Ela
veio ficar comigo há dois anos. Eu estava com raiva dela porque ela
estava me fantasiando enquanto ia para todas aquelas festas chiques
em Londres, mas eu soube assim que ela chegou à minha porta que algo
estava errado. Ela me disse que nã o podia mais ficar com Nate. Que ela
cometeu um erro. Eu a ouvia chorar no meu quarto de hó spedes
durante horas todas as noites. Entã o, uma semana depois de sua
estadia, ela se foi. Apenas fez as malas e foi embora um dia sem deixar
nenhum bilhete. Quando fui à casa enorme deles em Putney – odeio
aquele lugar – tive que abrir caminho através do sistema de segurança
deles. Portõ es enormes, sistema de alarme de ú ltima geraçã o,
seguranças na rua. Eventualmente consegui vê-la. Ela mal olhou para
mim. Disse-me para ir embora e que estava tudo bem. Agarrou-me e
disse-me que eu estava a interferir. Que ela nã o precisava da minha
ajuda. Disse-me para voltar para a minha “pequena e triste vida” e
deixá -la em paz. Eu tinha acabado de ter um bebê na época e estávamos
com dificuldades financeiras porque eu estava de licença maternidade.
O que ela disse me machucou. Entã o eu parti. Acabei de deixá -la lá . Eu
nem... — Marnie parou quando novas lá grimas rolaram por seu rosto e
ela sufocou um soluço. Yaz saiu de sua cadeira para ir até ela e colocou
um braço em volta de seu ombro.
— Merda — murmurei na mesa. — Entã o, ela provavelmente está
com ele.
— Bem, só precisamos ir buscá -la de volta — disse Teddy com
uma bravata adolescente equivocada.
Marnie balançou a cabeça. — Você nã o poderá simplesmente
entrar na casa de Nate ou em sua empresa. Ambos sã o como Fort Knox.
Ele nos manteve longe dela nos ú ltimos três anos e somos a família
dela.
— Agora também somos a família dela — disse Teddy, estufando o
peito com mais daquele excesso de confiança adolescente.
— O que é que...? — Sid começou a dizer, mas eu o interrompi.
— Você deveria saber – Nathanial Banks é um investidor em três
dos maiores projetos que minha empresa assumiu nos ú ltimos seis
meses. Eu nã o tinha ideia de quem ele era para Mia quando fiz esses
acordos, mas suspeito que ele esteja deliberadamente atacando nossa
empresa há algum tempo. Ele nã o é alguém de quem eu deveria fazer
um inimigo. Mas senhor, estou apaixonado pela sua filha. — Todos os
olhos se voltaram para mim. A família de Mia exibia expressõ es
chocadas. Yaz e Teddy nã o pareceram surpresos com esta informaçã o.
— Nenhum psicopata bilioná rio vai mantê-la longe de mim e ninguém
vai machucá -la. Nã o mais. — Afastei-me da mesa, tirei meu telefone do
bolso e disquei o ú ltimo nú mero das ú ltimas ligaçõ es.
— Clifton — a voz de Sam soou em meu ouvido.
CAPÍTULO TRINTA E QUATRO
EU GUARDO O QUE É MEU

— Nã o, nã o tenho hora marcada — eu disse com os dentes


cerrados para a senhora da recepçã o. Se eu fosse honesto, poderia
entender sua hesitaçã o – eu nã o fazia a barba há um ou dois dias e
estava de jeans e uma camisa térmica canelada (exatamente o oposto
do traje de negó cios elegante de todos os outros no prédio de Nate).
Mas eu nã o estava desistindo. Só quando o vi. — Mas sou o principal
arquiteto de vá rios projetos que esta empresa está financiando. Já
estive aqui antes. É urgente vê-lo hoje.
— Sinto muito, senhor, mas eu... senhor! Você nã o pode
simplesmente passar por lá . Ele está em uma reuniã o. Senhor!
Passei pela recepçã o. Eu estava esperando há dois malditos dias e
nã o poderia simplesmente ficar parado em algum escritó rio chique
com apenas algumas portas me separando daquele idiota. Depois de
passar por uma porta de vidro e depois por um corredor, abri um
conjunto de portas duplas para a grande sala. Um monte de ternos
estava sentado ao redor da longa mesa. O careca que estava no meio da
frase quando eu abri a porta parou quando entrei na sala e contornei a
mesa com alguns passos longos.
— Sr. Hardcastle — a voz suave e nã o afetada de Nathanial Banks
disse no silêncio. — Sempre um prazer, mas estamos no meio de um...
— Bati minha mã o na mesa na frente dele e até mesmo sua sofisticaçã o
urbana de pró ximo nível escorregou o suficiente para ele estremecer.
— Onde ela está ? — Eu rosnei.
Ele se afastou da mesa e se levantou com a cadeira entre nó s. Nã o
tã o corajoso com alguém do seu tamanho, ao que parece.
— Eu nã o sei o que você é...
— Sua esposa — eu disse, empurrando a cadeira para fora do
caminho com um movimento do pulso. Houve outra rachadura no
exterior liso de Banks quando ele se encolheu novamente quando a
cadeira disparou sobre as rodas e bateu contra a parede. — Onde está
Mia?
Banks deu um passo para trá s e soltou uma pequena risada.
— Agora, veja aqui, rapaz — um dos velhos idiotas com quem
Nate estava conversando levantou-se e fez uma careta para mim. —
Estamos em uma reuniã o importante. Nã o creio que esse
comportamento tenha lugar entre os civilizados...
— Está tudo bem, Jeff — disse Banks, dando ao homem um
sorriso suave e sereno, em seguida, voltando-se para mim. — Amelia,
minha esposa, está em casa e está perfeitamente bem. Agora, se eu
pudesse pedir para você...
— Ela estava perfeitamente bem quando você bateu nela com
tanta força que ela quebrou vá rias costelas? — Perguntei, provocando
algumas inspiraçõ es bruscas de ar ao redor da mesa. A expressã o
irritada de Jeff se transformou em choque e ele sentou-se pesadamente
na cadeira. — Ou quando você a puxou com tanta força que deslocou o
ombro dela? — O rosto de Banks ficou vermelho de raiva e suas mã os
se fecharam em punhos ao seu lado.
— Senhoras e senhores — disse ele, seus modos serenos soando
forçados agora. — É claro que tudo isso é um mal-entendido, mas no
momento acho melhor encerrarmos a reuniã o aí. Molly, da recepçã o,
ficará feliz em reagendar. — Houve algum embaralhamento de papéis e
arrumaçã o de laptops antes de todos saírem pelas portas duplas.
Murmú rios baixos foram trocados e alguns olhares carrancudos
dirigidos a Banks, mas eles saíram sem confrontar nenhum de nó s –
uma marca do poder de Banks e um lembrete de quã o impossível a
situaçã o de Mia tinha sido.
— Diga-me onde ela está e nã o vou quebrar sua cara irritante –
pelo menos nã o hoje.
A cor de Banks havia diminuído e sua expressã o voltou à
cuidadosamente vazia de antes. Uma contraçã o sutil na pá lpebra
esquerda foi a ú nica evidência de que ele estava afetado. Ele limpou a
garganta.
— Por que você nã o se senta? — Ele disse. Movendo-se para o
lado oposto da mesa para me sentar e, em seguida, gesticulando para
que eu fizesse o mesmo. Apertei as costas da cadeira à minha frente até
que os nó s dos meus dedos ficaram brancos enquanto eu olhava para
ele.
— Eu nã o quero sentar, porra — eu disse, minha voz ainda saindo
com uma corrente de rosnado. — Eu quero ver Mia.
Banks inclinou-se para a frente na cadeira, apoiando os
antebraços na mesa de conferência e entrelaçando as mã os como se
estivéssemos envolvidos em algum tipo de maldita negociaçã o
comercial.
— Você pode gritar ordens o quanto quiser, Sr. Hardcastle — ele
me disse suavemente. — Mas se alguém tem vantagem aqui, sou eu.
Tenho o destino da sua empresa na palma da minha mã o. Você entrar
invadindo meu local de trabalho como um touro em uma loja de
porcelana é o cú mulo da estupidez. Eu nã o posso pensar que você iria...
— Você nã o achou que eu iria desafiar isso, nã o é? — Eu
perguntei, minhas sobrancelhas subindo em estado de choque. — Você
nã o achou que eu iria atrá s dela, nã o quando descobri com quem ela
era casada. Você pensou que eu simplesmente a deixaria ir.
Banks olhou para mim, sua expressã o permaneceu a mesma, mas
havia um brilho sutil atrá s de seus olhos que me disse que eu tinha
acertado em cheio. Nã o havia nenhuma maneira que ele pensou que eu
iria confrontá -lo assim.
— Admito que você... me surpreendeu. Poucas pessoas me
surpreendem, Sr. Hardcastle.
Eu bufei. — Você quer dizer que a maioria das pessoas que você
conhece sã o idiotas amorais como você.
Ele encolheu os ombros. — Na minha experiência, é incomum um
homem arriscar o seu negó cio, por qualquer motivo.
— Tudo que eu quero é Mia. Meu negó cio sobreviverá à perda de
seus contratos ruins. Com a quantidade de atalhos que você quer cortar,
duvido que eu queira que meu nome seja colocado neles de qualquer
maneira.
Ele encolheu os ombros, mas um pequeno sorriso apareceu em
sua boca. — Você pode blefar o quanto quiser, Max, mas se pudesse se
dar ao luxo de ir embora, já teria feito isso. Eu sei exatamente o quã o
perto do limite a maioria das empresas de arquitetura está
financeiramente. Até você, com suas reprises de Dream Homes,
reforçando os negó cios a cada poucos meses, seus prêmios e seu
endosso real. Até você sente o aperto. Perder meu negó cio seria
catastró fico para você.
— Eu nã o me importo com...
— E, deixe-me perguntar uma coisa: você realmente conhece a
mulher pela qual está arriscando tudo? Você sabe do que a pobre e
indefesa Mia é capaz?
— Tudo o que você...
— Você gostaria que eu lhe mostrasse? — Um sorriso horrível se
espalhou por seu rosto enquanto ele desabotoava o paletó e levantava a
camisa, revelando uma longa cicatriz que ia do peito até a barriga. Com
outro ferimento curto pró ximo a ele.
De repente, todas as preocupaçõ es de Mia fizeram sentido. Você
não sabe o que eu fiz, ela sussurrou.
— Ela me deixou para morrer — disse ele com um sorriso. —
Você sabia que ela era capaz disso? De deixar um homem sangrar até a
morte?
Levantei os olhos de suas cicatrizes e estreitei os olhos para ele.
— Eu sei os resultados do que você fez naquele dia. Ela ainda nã o
consegue usar o braço direito corretamente. Você bateu nela até virar
uma polpa sangrenta. Você tem o dobro do tamanho dela. Se eu fosse
ela, nã o teria parado de esfaquear você até ver a vida deixar seus olhos
por mim mesmo. Se você acha que isso vai impedi-la de prestar queixa,
você está errado. Assim que a polícia vir todas as evidências, você
estará completamente fodido. Você acha que um jú ri vai condenar uma
mulher por lhe causar um pequeno arranhã o...
— Nã o é um “pequeno arranhã o” — ele balbuciou, perdendo a
compostura. — Aquela vadia me esfaqueou. Duas vezes!
— Você quase a matou! — Eu disse, minha voz aumentando.
Banks lançou um olhar cauteloso para a porta.
— Você pode, por favor, manter sua voz...
— Qualquer pessoa que esteja olhando entre você e Mia, sabendo
que você bateu nela com força suficiente para quebrar três costelas e
fraturar seu ombro, nã o hesitará em condená -lo. Nã o importa o que ela
fez em legítima defesa.
O canto do olho esquerdo se contraiu novamente, antes que ele se
afastasse da mesa e se levantasse.
— Se um jú ri me condenaria ou nã o, isso nã o é problema — disse
ele, levantando a mã o na manga da camisa para poder verificar seu
reló gio caro. — Nã o irei ao tribunal assim como Amelia nã o irá à polícia.
E se você tiver algum bom senso, perderá o interesse na situaçã o. — Ele
colocou as duas mã os sobre a mesa e se inclinou em minha direçã o,
seus olhos fixos nos meus e iluminados com uma determinaçã o feroz.
— Esqueça ela, Max. Nã o jogue fora tudo o que você construiu por uma
mulher que nem te quer mais – por alguém que se afastaria de você à
menor provocaçã o. Nã o entre nessa toca do coelho – acredite, eu sei o
quanto isso pode acabar mal.
Levantei-me e abri a boca para falar, mas a porta da sala de
conferências se abriu. Dois grandes seguranças entraram, flanquearam-
me e olharam para Banks em busca de mais instruçõ es.
— Senhores — disse Banks, suave como seda. — O Sr. Hardcastle
e eu concluímos nossos negó cios por hoje. Se vocês pudessem mostrar
a ele o caminho para sair do prédio, eu agradeceria.
Um dos homens estendeu a mã o para meu braço, mas lancei-lhe
um olhar assassino e ele largou a mã o.
— Isso ainda nã o acabou — eu disse bruscamente para Banks, do
outro lado da mesa. — Você nã o pode mantê-la longe de mim para
sempre.
— Pelo contrá rio, Sr. Hardcastle, descobri em minha vida que
posso fazer em grande parte o que quero... e mantenho o que é meu.
CAPÍTULO TRINTA E CINCO
ELE A JOGOU?

— Minha mã e esteve doente — eu disse de cor, pelo que pareceu


ser a centésima vez. — Tenho passado algum tempo com ela, mas ela
está melhorando agora. É tã o bom sair com Nate novamente. Eu me
senti um pouco eremita nos ú ltimos meses. — O aperto mortal que
Nate tinha em meu cotovelo diminuiu um pouco enquanto eu repetia a
desculpa que fui treinada a dizer novamente. Haveria hematomas em
meu braço quando a noite terminasse.
— Oh sério? — Adrian perguntou, seus olhos avaliadores
passando de Nate para mim e eu enrijeci. — Isso é estranho. Eu poderia
jurar que vi você em Londres há algumas semanas. Você tinha uma
espécie de aparência emo, se bem me lembro.
Nate soltou uma risada forçada. — Aparência Emo? Adie, seu
maluco. Com a propensã o de Amelia para grifes, duvido que ela algum
dia se tornasse emo comigo.
As outras pessoas no círculo em que estávamos olhavam para nó s
três com expressõ es curiosas. O aperto de Nate aumentou novamente e
tive que trabalhar duro para nã o recuar. Abaixei minhas mã os o
má ximo possível para começar a bater no pulso para aliviar minha
ansiedade.
— Hmm, erro meu entã o — Adrian murmurou. — Entã o você está
de volta ao trabalho, nã o é, Amelia? — Ele enfatizou meu nome e
consegui manter meu sorriso fixo com algum esforço.
— Ainda estou tirando uma folga — eu disse com os dentes
cerrados do meu sorriso. A verdadeira dor agora estava se espalhando
pelo meu cotovelo sob o aperto forte de Nate.
— Bem, você está fantá stica — a esposa de Adrian acrescentou,
em um esforço ó bvio para aliviar a tensã o bizarra. — Mas sinto muito
pela sua mã e.
— Ela está muito melhor, obrigada — eu disse suavemente,
odiando todas as mentiras que Nate estava me fazendo vomitar. — E eu
adorei seu vestido, Sophie.
— Ugh, essa coisa velha? Pareço um mirtilo maduro demais.
— Agora, veja aqui — Adrian interrompeu. — Acho que você está
incrível, querida.
— Oh, coloque uma meia nisso, Adie — ela respondeu, revirando
os olhos para ele. Sempre gostei da maneira como ela se defendeu com
ele. — O que você sabe sobre moda caberia em um selo postal. O meu
nã o é nada comparado ao da Mia. Essa é uma Stella McCartney, Mia?
— Hm... eu... — Dei de ombros, impotente. — Nã o tenho certeza,
para ser honesta. Nate cuidou disso.
Nate cuidou de tudo. Ele mandou enviar uma prateleira inteira de
vestidos, um cabeleireiro, um maquiador, uma esteticista. Eu tinha sido
polida e lixada até o limite da minha vida, e entã o forçada a usar esse
vestido inflexível que me ajustava como uma luva, do pescoço ao chã o –
uma fenda larga na lateral e uma cintura baixa nas costas, a ú nica pele
revelada, e essa pele estava perfeitamente bronzeada e brilhante. O
vestido em si era esbranquiçado com uma borda dourada. Meu cabelo
tinha presilhas douradas segurando as laterais e agora também estava
de volta aos tons loiros mais claros que Nate preferia. Eu estava de volta
à perfeiçã o e odiei isso. A vontade de arrancar as presilhas, tirar a
maquiagem e arrancar o vestido idiota era quase insuportável. Tudo
que eu queria era aperfeiçoar essa versã o de mim mesma. Porque a
imperfeita Mia estava feliz. A Mia imperfeita sorria com sorrisos
verdadeiros, ela ria, ela nã o ficava apavorada o tempo todo.
— Oh Deus, ele realmente mima você, nã o é? — Sophie
emocionou-se. Mantive meu sorriso no lugar e dei a ela um breve aceno
de cabeça. Mimada nã o era bem o termo que eu escolheria. Manipulada,
controlada e aterrorizada eram muito mais adequados. Eu odiava esse
traje formal e a conversa envolvida. Eu odiava o fato de estar sobre
esses saltos de dez centímetros nas ú ltimas três horas, forçando
conversa fiada com essas pessoas. Eu preferiria estar descansando em
uma cabine no Pig and Whistle, discutindo se assistir Love Island fez de
você uma estú pida ou nã o. Eu preferiria ser servida pelo velho e mal-
humorado Fergus do que pelas garçonetes imaculadas que varreram
meu copo vazio e o substituíram por um cheio, sem que eu nem
percebesse. Foi estéril, falso e estressante, mas ao mesmo tempo
incrivelmente chato.
Mas este foi o acordo que fiz com Nate. Eu iria para essas coisas
com ele. Mostrar meu rosto para todos. Ele me prometeu que depois de
alguns meses me largaria. Publicamente, para que parecesse que foi ele
quem se afastou. Ele manteria seu orgulho e eu conseguiria minha
liberdade. Dadas as provas que ele tinha contra mim (ele fez questã o de
documentar as facadas – me mostrou as provas fotográ ficas e o
relató rio do hospital. Apesar da insistência da polícia, ele nã o me
denunciou... ainda) e embora o controle que ele tinha sobre a empresa
de Max, deixando de lado as ameaças que ele fez contra minha família,
eu nã o tive muita escolha.
Durante toda a noite fui encarada e admirada pelos concorrentes
de Nate, invejada por suas esposas e namoradas. Como uma espécie de
troféu, ele me exibiu no evento de caridade. Eu estava nervosa demais
para comer qualquer um dos canapés que circulavam e, além disso, um
vestido branco com petiscos era muito arriscado. Nate queria perfeiçã o
e eu sabia que nã o deveria dar a ele nada menos. Mas eu mal dormi nos
ú ltimos dois dias e estava morrendo de fome. Se nã o partíssemos logo,
eu desabaria sobre seus sapatos de couro italiano e estragaria tudo de
verdade.
— Com licença — eu disse para a multidã o ao nosso redor. — Só
estou indo ao banheiro. Nate, querido, você se importa? — Estendi
minha taça de champanhe para ele e ele relutantemente soltou meu
cotovelo para pegá -la. Mostrando a todos o que eu esperava ser um
sorriso genuíno, me virei e abri caminho no meio da multidã o. Uma vez
longe o suficiente, soltei um longo suspiro, coloquei a mã o na nuca e
flexionei-a para tirar o torcicolo que se instalara ali devido ao quã o
tensa eu estava. Eu precisava de uma das massagens de Yaz. No
momento em que a multidã o estava diminuindo, meu calcanhar
prendeu na parte de trá s do vestido e tropecei para frente. Um par de
braços fortes me pegou antes que eu pudesse cair e um cheiro familiar,
limpo e masculino me envolveu.
— Max — eu respirei enquanto meus olhos voavam dos meus
sapatos para seu rosto. Alívio feroz e forte foi a primeira coisa que
registrei. Ele esteva aqui. De alguma forma, meu Max estava aqui, como
uma vela brilhante na escuridã o. Sorri e minha mã o subiu para tocar
seu rosto, mas entã o me lembrei de onde estava. Lembrei-me de quem
eu era. E lembrei que, na minha vida, nada foi tã o fá cil. Meu sorriso caiu
e eu me afastei dele. Ele estava me apoiando sob meus braços e por um
momento me manteve em seus braços. Isso causou dor no meu cotovelo
machucado e eu estremeci. Ele franziu a testa e entã o gentilmente,
como se eu fosse feita da melhor porcelana, ele inclinou meu braço para
olhar a marca de dedo que eu sabia que estava lá . Sua expressã o
escureceu para uma fú ria absoluta.
— Jesus Cristo — ele retrucou. — O que ele fez com você?
Eu me afastei e desta vez ele me soltou imediatamente,
provavelmente preocupado em me machucar novamente.
— Max, você nã o pode estar aqui — eu sussurrei com urgência,
olhando para trá s para verificar se Nate nã o estava atrá s de mim – ele
era conhecido por me seguir até o banheiro feminino quando se sentia
particularmente desconfiado e perseguidor.
— O que está acontecendo, Mia? — Os olhos de Max viajaram do
meu cabelo perfeitamente penteado para os meus saltos altos
dourados. — Você parece... E... eu estive procurando por você na
multidã o durante a ú ltima hora. Seu cabelo é tã o... eu...
Eu nunca vi Max sem palavras. Mas ele nunca conheceu essa
Amelia. A Amelia fria, controlada, perfeitamente cuidada e intocável. Eu
tinha conseguido me aperfeiçoar completamente quando ele me
conheceu naquela entrevista, tantos meses atrá s. Ele parecia que mal
me reconheceu agora.
— Escute, amor — disse ele, entrando no meu espaço e segurando
meu rosto com sua mã o grande. Eu queria desesperadamente me
inclinar para seu toque, mas me forcei a resistir ao impulso. — Venha
comigo agora. Tenho um carro lá fora. Podemos estar de volta em casa
em algumas horas. — Dei outro passo para trá s dele e apaguei minha
expressã o.
— Max, você tem que ir embora. Você nã o pode estar aqui. Como
você entrou? — Esta foi uma funçã o de alto nível – alto perfil do
primeiro-ministro presente. A segurança era irreal.
— Eu nã o poderia chegar até você de outra maneira — disse ele,
dando um passo em minha direçã o. Peguei um correspondente de volta
e ele franziu a testa. — Escute, sua família está esperando para ver você,
Mia. Eles estã o tã o preocupados. Estávamos todos tã o preocupados.
Apenas venha comigo e tudo ficará bem, eu prometo.
Fechei os olhos enquanto meu coraçã o subia pela garganta. Tudo
o que eu queria era cair sobre Max e fazer com que ele me levasse para
fora daqui. É claro que ele encontrou minha família. Claro que ele
queria devolvê-los para mim. Max sempre colocava minhas
necessidades em primeiro lugar – ele se esforçava para me dar o que eu
queria. O contraste entre alguém tã o amoroso, generoso e gentil como
Max e um narcisista como Nate era gritante. Mas eu arrumei minha
cama quando escolhi Nate em vez de minha família, anos atrá s, e
novamente quando fiz o que fiz alguns meses atrá s. Houve
consequências para as açõ es, e estas foram minhas. Além disso, só mais
um pouco disso e eu estaria livre. Pelo menos foi isso que Nate
prometeu, e ele nã o foi o ú nico que guardou provas. Eu também tinha
um extenso catá logo dos resultados de seus abusos, que a equipe de
violência doméstica me ajudou a compilar, e que foi muito ú til em
minha negociaçã o com Nate. Se ele me tocasse, se alguma coisa
acontecesse comigo, todas essas evidências iriam para a imprensa.
Estávamos efetivamente num impasse, ambos tendo a capacidade de
destruir um ao outro. Foi exaustivo.
— Estou bem — eu disse, forçando qualquer emoçã o a sair da
minha voz – esta Amelia, a Amelia de Nate, nã o poderia pagar por isso.
— Você precisa me deixar em paz. Esta é uma grande noite para Nate.
— Foda-se Nate — Max rosnou, atraindo alguma atençã o das
pessoas ao nosso redor que estavam nos lançando olhares curiosos.
— Eu sou a esposa dele, Max — eu disse, minha voz fria como
gelo. Eu tinha que fazer Max acreditar que eu queria estar aqui, fazer
com que ele me odiasse – era a ú nica maneira que eu sabia que ele iria
embora. — Eu assumi um compromisso com ele e ele me deu... —
Desviei o olhar e engoli em seco — ele me deu o que eu preciso.
— Ele deixou de ser qualquer coisa para você quando deslocou a
porra do seu ombro, Mia. — A voz elevada de Max estava realmente me
preocupando agora. A maioria das pessoas ao nosso redor interrompeu
a conversa para ouvir.
— Nã o sei do que você está falando — eu disse com uma voz
tensa que mantive cuidadosamente baixa. Atirei um sorriso educado
para alguns dos espectadores para tentar fazê-los perder o interesse.
— Mia, amor — ele disse, sua voz caindo agora e sua mã o subindo
para segurar a minha. Foi estú pido, mas a sensaçã o de sua mã o grande
e quente em torno da minha mã o menor e congelada foi tã o feliz que eu
nã o tive forças para impedi-lo. — Você nã o precisa fazer isso. O que
quer que ele tenha ameaçado você, o que quer que você tenha feito ou
pense que ele possa fazer comigo – nada disso importa. Tudo o que
importa é que você esteja segura e longe dele. — Eu me permiti um
momento para aproveitar a intensidade de seu olhar verde, sabendo
que ele nã o iria me deixar ir, a menos que eu realmente o machucasse –
como se eu tivesse machucado minha família, como se tivesse
machucado meus amigos no passado. Eu arranquei minha mã o da dele
e apaguei minha expressã o.
— Você realmente acha que eu quero voltar para o fim da cidade
de lugar nenhum e trabalhar na sua patética pequena empresa? — Eu
perguntei a ele, meus lá bios se curvando e minha voz cheia de
condescendência zombeteira. — Ir ao pub local, aguentar seu filho de
merda que nem é seu, tolerar sua irmã zinha pateticamente sem rumo e
morar em seu minú sculo casebre que é um apartamento. Você acha que
eu realmente desistiria de tudo isso por isso? Supere a si mesmo. —
Max piscou. Ele abriu a boca para falar e depois fechou-a. Observei
enquanto seus olhos verdes brilhavam de raiva e duas faixas vermelhas
apareciam no alto de suas maçã s do rosto. Eu deliberadamente ataquei
ele de uma forma que iria doer mais, usando as mesmas razõ es que
Rebecca para deixá -lo – e funcionou.
— Faça do seu jeito — disse ele, sua voz agora desprovida de
qualquer emoçã o. — Espero que você goste de suas roupas chiques e
estilo de vida — ele me olhou de cima a baixo e desta vez sua expressã o
era menos impressionada e mais enojada — Deus sabe que você pagou
o suficiente por eles. — Ele se virou e foi embora. Em poucos instantes
ele foi engolido pela multidã o. Senti meus olhos começarem a arder,
mas engoli a emoçã o. Nate ficaria maluco se eu estragasse minha
maquiagem e o envergonhasse. Mas por um minuto inteiro fiquei
congelada no lugar, incapaz de me mover.
— Amelia. — Eu enrijeci com a voz de Nate, o tom de irritaçã o me
colocando em alerta má ximo. Bem na hora, senti seu aperto em meu
cotovelo machucado novamente e estremeci de dor. — Você pode parar
com esse maldito tique que pegou? — Ele nos manobrou para ficar na
minha frente, ainda segurando meu cotovelo machucado com uma mã o
e usando a outra para envolver meu outro pulso e separar minhas
mã os.
— O... o quê? — perguntei, olhando para os dedos dele em volta
do meu pulso e me sentindo desorientada e um pouco confusa.
Nenhuma comida e alguns minutos cheios de emoçã o estavam me
alcançando.
— Aquilo que você faz com as mã os. Isso está me deixando
maluco e faz você parecer um paciente mental.
Eu nem tinha percebido que estava batendo novamente. Nos
ú ltimos dias, Nate deixou bem claro seus sentimentos sobre meus
mecanismos de enfrentamento e o quanto eles o incomodavam.
— Certo, sim, desculpe — eu murmurei enquanto meus olhos
deslizavam para a direçã o que eu tinha acabado de ver Max
desaparecer. Nate me deu uma pequena sacudida e meu olhar voltou
para sua expressã o furiosa. — Estou avisando você, Amelia. Faça algum
esforço hoje à noite ou nosso acordo será cancelado e eu vou pendurar
você e seu namorado para secar.
— Estou fazendo o meu melhor — eu disse entre dentes, em
seguida, puxei meus dois braços, puxando-os para fora de seu aperto.
— E pare de me machucar. Você prometeu – sem violência. Você sabe o
que acontecerá se voltar atrá s.
Ele revirou os olhos. — Eu mal toquei em você. Controle o drama,
Amelia, e fale baixo — ele sibilou.
— Quando podemos partir? — Eu perguntei, sem me preocupar
em discutir com ele ou apontar os hematomas que ele já havia infligido.
As regras eram que eu iria a apariçõ es pú blicas com ele, mas ele nã o
tinha permissã o para me machucar ou chegar perto de mim quando
estivéssemos sozinhos. Eu odiava sua casa-prisã o em Putney, mas pelo
menos era grande o suficiente para eu ficar fora do seu caminho, e até
agora ele tinha cumprido sua parte do acordo. Mas tive um mau
pressentimento esta noite. Eu nã o gostei da cor em suas bochechas ou
do brilho levemente maníaco em seus olhos. Além disso, ele estava
bebendo e isso sempre piorava as coisas.
— Olá . — A banda parou de tocar e uma voz veio do sistema de
som. Nate e eu nos voltamos para o palco e vimos o primeiro-ministro,
Barclay Lucas, ao microfone. — Lamento interromper esta noite, mas
tenho um anú ncio a fazer em herança a Sua Majestade, a Rainha. — A
sala ficou em silêncio e todos os olhos se voltaram para o palco. Este foi
o maior evento político e industrial do ano. Além do primeiro-ministro,
o duque de Cambridge também esteve presente. Era normalmente o
evento em que os vencedores do Queen's Awards for Enterprise seriam
anunciados. A mã o de Nate passou pela minha cintura e ele me segurou
ao seu lado. Quando olhei para seu rosto, vi que seus olhos brilhavam
de antecipaçã o e um pequeno sorriso brincava em seus lá bios.
Nã o. Ele nã o poderia ter feito isso?
— A primeira categoria é algo que me é caro, como todos sabem,
e é o Prêmio para o Desenvolvimento Sustentável. O vencedor deste
prémio está a tornar as casas com zero emissõ es de carbono a norma e
a permitir que as casas ecoló gicas sejam o futuro, nã o apenas para os
poucos escolhidos na sociedade que podem pagar por elas – mas para
todos.
Um zumbido começou em meus ouvidos quando percebi o que
estava prestes a acontecer.
— Tenho o prazer de anunciar Nathanial Banks como o vencedor.
Nate, por favor, venha até aqui.
É claro que Nate se daria pelo primeiro nome com o maldito
primeiro-ministro – seu poder e influência estavam se espalhando por
toda parte como um câ ncer. Eu me afastei dele para permitir que ele
subisse sozinho, mas ele agarrou minha mã o e me puxou atrá s dele.
Antes que eu percebesse, estávamos no palco, ele apertou a mã o de
Barclay Lucas e estava fazendo um discurso ao microfone. Eu estava
congelada no lugar ao lado dele, olhando para a multidã o. Uma
multidã o que estava homenageando este homem. Honrando esta
desculpa horrível de ser humano. E eu estava lá encorajando isso,
cú mplice disso. A ná usea tomou conta do meu estô mago e pude sentir o
á cido chegar à minha boca.
Eu sabia com certeza que ele estava envolvido em elaborados
esquemas de evasã o fiscal. Que ele estava tentando economizar o
má ximo possível na construçã o de suas casas ecoló gicas e hotéis. Que
ele reprimiu as reclamaçõ es dos compradores com eficiência
implacável. Que ele nã o se importava com o meio ambiente – ele só se
preocupava em encher o bolso. Que foi apenas por causa da tenacidade
de Max que as casas puderam permanecer fiéis aos projetos que ele fez
para elas.
— ... e, finalmente, gostaria de agradecer à minha esposa, Amelia.
Sem o apoio dela nada disso teria sido possível. — Eu olhei para ele. Ele
estava sorrindo para mim – presunçoso, extremamente feliz com sua
vitó ria, totalmente seguro de si. Meus lá bios se pressionaram em uma
linha reta enquanto eu tomava minha decisã o. Seu sorriso desapareceu
um pouco e uma pequena carranca se formou em sua testa. Antes que
ele pudesse me impedir, peguei o microfone.
— Nã o — eu disse com uma voz clara e firme. — Simplesmente
nã o. Nã o este homem. Hoje nã o. — Nate pegou o microfone de volta e
soltou uma risada forçada.
— Veja como ela é engraçada — disse ele no silêncio chocado do
salã o. — Sempre pronta com uma piada.
— Primeiro Ministro — eu disse, inclinando-me para o microfone
para me fazer ouvir. — Você está cometendo um erro. — Nate agarrou o
microfone, lutando comigo por alguns momentos antes de segurar
meus braços com suas mã os grandes e literalmente me jogar para trá s
no palco. Eu podia sentir a articulaçã o do meu ombro protestando
contra o meu lado fraco enquanto voava pelo ar e um suspiro coletivo
de choque veio da plateia. Mã os na minha cintura me seguraram para
me impedir de cair no chã o e olhei para trá s para ver Barclay com uma
expressã o confusa enquanto olhava para Nate. Seus olhos confusos
vieram até meu rosto e eu murmurei — Desculpe — antes de me
afastar dele em direçã o aos degraus do palco.
Sem olhar para trá s, e tentando ignorar Nate encerrando sua
aceitaçã o enquanto inventava desculpas para meu “senso de humor
maluco”, ziguezagueei entre as pessoas em direçã o à saída. Um
murmú rio baixo estava se espalhando pela multidã o. Ouvi trechos de
conversa enquanto passava correndo. Coisas como — Ele acabou de
jogá-la? — e — O que foi isso? — e —Ela parecia assustada para você?
— Algumas pessoas chamaram minha atençã o e algumas tentaram falar
comigo, mas comecei a correr levemente até passar pelas portas duplas
e entrar no corredor vazio.
CAPÍTULO TRINTA E SEIS
GARGANTA, OLHOS, BOLAS

— Pai, que porra você está fazendo? — Teddy retrucou enquanto


eu caminhava em direçã o a eles. Meus ouvidos ainda zumbiam com as
palavras de Mia. Yaz, Teddy, Heath e Verity avançaram correndo.
— Onde ela está ? — Yaz perguntou, franzindo a testa para mim.
— Por que você nã o a trouxe para fora?
— Ela nã o queria vir conosco, Yaz — eu disse, minha voz tensa de
raiva. — Ela fez sua escolha e nã o fomos nó s.
— Ugh! — Yaz gritou, me surpreendendo com um soco no braço,
seu punho era pequeno e afiado e, assim como quando éramos crianças,
surpreendentemente eficaz. — Você é um idiota total! Ela nã o tem
escolha. Você é cego?
— Ela quer o que ele pode dar a ela — eu disse a ela. — Limusines
e casas com seguranças. Você nã o a viu lá . Ela nem se parecia com a
nossa Mia.
— É claro que ela ainda é nossa Mia — disse Teddy furioso. —
Você perdeu completamente o controle? Você precisa voltar lá e pegá -
la.
— Ela disse que nã o poderia ser incomodada com “meu filho de
merda que nã o é realmente meu filho”, Teddy — respondi, depois me
virei para Yaz. — Ela basicamente chamou você de perdedora e seu
apartamento de casebre minú sculo. Ela nã o se importa conosco.
— Pelo amor de Deus, ela nã o quis dizer nada disso, seu idiota —
gritou Yaz. — E eu sou uma perdedora. Quem se importa? Você deveria
tirá -la daquele idiota abusivo. Diga-me uma coisa, Max, ela estava
batendo lá ? Quando você a observou antes de se aproximar, ela parecia
feliz e relaxada? Ou ela estava com um sorriso falso e batendo? Coisas
que você sabe muito bem que ela só faz quando está angustiada.
— Mas... — Uma imagem de Mia parada ao lado de Nate surgiu em
meu cérebro. Perfeita, linda, intocável naquele longo vestido branco
mas, sim, ela batia dois dedos no outro pulso, pode ter havido um
sorriso em seu rosto, mas parecia fixo e nã o alcançava seus olhos. Outra
imagem de seu braço coberto de marcas de dedos se intrometeu e senti
meu coraçã o apertar no peito. — Merda — eu murmurei.
— Ela nã o é Rebecca, Max — Yaz disse e eu fechei os olhos,
soltando o ar em um breve suspiro. — Ela ama você. Você sabe que ela
quer. Ela nã o se importa com nenhuma dessas outras coisas.
Yaz estava certa. Eu deixei a rejeiçã o de Rebecca influenciar a
forma como eu via a de Mia. Era como se Mia me dizendo que eu nã o
era bom o suficiente tivesse me levado de volta ao lugar ruim em que eu
estava quando Rebecca me deixou – trazido de volta toda aquela
insegurança. Entã o me lembrei do que Marnie me contou, sobre como
Mia dissera as coisas mais ofensivas que podia para a irmã , só para
garantir que ela fosse embora. Para ter certeza de que ela ficaria segura.
Cristo, eu era um idiota.
— Temos que superar o fato de ela ter nos deixado, pai — Teddy
interveio. Ele estava olhando para mim agora com um olhar firme. —
Eu nã o posso mais ser um idiota e tentar afastar todo mundo que
realmente se importa comigo, e você também nã o pode. Precisamos nos
recompor.
Coloquei a mã o em seu ombro, dei-lhe uma sacudida e depois um
tapa nas costas enquanto balançava a cabeça.
— Caramba, olhe isso! — Yaz chorou ao me passar seu telefone.
— Yaz, pelo amor de Deus, nã o tenho certeza se agora é a hora
de...
— Cuidado! — Ela retrucou.
— Oh meu Deus — Teddy suspirou enquanto olhava para o
telefone dela. Peguei dela e franzi a testa, confuso com o que estava
passando na tela. Nate estava no palco com Mia e o maldito primeiro-
ministro. Ele estava recebendo um prêmio e depois agradecendo a Mia.
Eu enrijeci enquanto observava o que se desenrolava a seguir. Mia
dizendo — Nã o — no microfone, Mia sendo puxada para trá s pelo braço
machucado por aquele idiota e literalmente jogada para o lado antes de
sair correndo do palco.
— Quando isso foi filmado? — Exigi, tirando os olhos da tela para
olhar para a saída do prédio.
— Agora mesmo. É um vídeo do evento online que acabou de se
tornar viral.
Empurrei o telefone de volta para Yaz e dei um passo em direçã o à
estrada que nos separava do local do evento. Os carros fluíam em
ambas as direçõ es. Eu estava prestes a me lançar no meio da estrada e
parar o trâ nsito quando as portas duplas do prédio em frente se
abriram e Mia desceu correndo os degraus de pedra.
— Mia! — Eu gritei e ela parou no meio do caminho para olhar
para cima. Quando ela me viu, seu rosto ficou aliviado e sua mã o subiu
até o centro do peito. Avancei, agitando os braços para parar o carro
que se aproximava, que parou bruscamente na minha frente. Quando eu
estava no meio da estrada, uma grande limusine parou na frente de Mia.
Ela olhou para ela e franziu a testa, dando um passo para trá s no
momento em que Banks apareceu fora do prédio atrá s dela. Consegui
parar os carros novamente e atravessei a estrada correndo. Mas quando
cheguei à calçada, Banks já havia pegado Mia. Ele agarrou um punhado
de cabelo dela na parte de trá s da cabeça, abriu a porta da limusine e a
jogou dentro. Cheguei à porta do passageiro da limusine no momento
em que ela estava se afastando. As janelas eram escuras e eu nã o
conseguia ver o interior. Bati a mã o contra o vidro, mas ele deslizou
para fora do trâ nsito e para longe do meio-fio.
— Porra! — Eu gritei, minhas duas mã os indo para a parte de trá s
do meu pescoço enquanto me inclinava para frente na cintura. — Puta
que pariu!
— Rá pido — Yaz gritou, agarrando meu braço. — Vamos. Por aqui.
— Ela estava me arrastando de volta para o prédio
— Yaz, o que você está fazendo? Eu tenho que ir atrá s dela. Temos
que chamar a polícia.
— Você viu a expressã o no rosto daquele cara? — Perguntou
Teddy. Seu rosto estava pá lido e pela primeira vez em muito tempo ele
parecia o garotinho que eu conhecia.
— Ela vai ficar bem, Ted — eu disse a ele, me afastando de Yaz
para chamar um tá xi.
— Ela vai se você me ouvir — disse Yaz. — Nã o os alcançaremos
se viajarmos normalmente. Precisamos cortar o trâ nsito.
— E como você acha que fazemos isso? — Eu perguntei, tentando
tirá -la do meu braço.
— Com eles — disse-me ela, apontando para as quatro motos da
polícia que rodeavam o carro do primeiro-ministro.
— Como você ousa me envergonhar desse jeito? — Ouvi a voz
gelada de Nate, como se estivesse vindo em minha direçã o por um tú nel
escuro. Minha visã o começou a se estreitar e pequenos pontos
dançaram na frente dos meus olhos enquanto eu agarrava suas mã os
que estavam em volta da minha garganta. A partiçã o à prova de som
estava entre nó s e o motorista, entã o mesmo que eu pudesse ter pedido
ajuda, teria sido inú til. — Você é minha esposa. Eu te dei tudo — ele
sibilou. — Você achou que seria capaz de ir embora de novo? Que eu
algum dia deixaria isso acontecer?
Percebi entã o que, no fundo, eu sabia que ele nunca me deixaria ir.
Que nosso acordo tinha sido uma fantasia. Acho que sempre soube que
algum dia chegaria a esse ponto. Em pú blico, Nate controlava sua
violência na maior parte do tempo, mas ela estava sempre à espreita,
sob a superfície. Ser urbano, sofisticado e charmoso lhe serviu bem em
sua busca desenfreada pelo poder. Ter-me em seu braço também se
encaixava nisso. Ele poderia me controlar, me machucar, me derrotar,
mas normalmente nã o faria nada que comprometesse seu controle do
poder. No entanto, eu sempre soube que se eu o pressionasse o
suficiente, ele teria o potencial de se livrar de toda aquela sofisticaçã o
urbana e se tornar totalmente assassino comigo. Assim como ele
finalmente estava fazendo agora.
Suas mã os apertaram minha garganta e senti minha visã o
começar a desaparecer. Pelo menos agora tudo estaria acabado. Nã o há
mais pesadelos. Chega de se esconder. Eu ficaria em paz. Mas, no
momento em que deixei aquela aceitaçã o tomar conta de mim e senti
minhas mã os, que estavam agarrando as de Nate, começarem a ficar
fracas, tive flashbacks de um tipo diferente:
Yaz, testando sua reflexologia em mim – me dizendo que ela estava
limpando meu rim enquanto pressionava meus pés e revirando os olhos
quando eu comecei a rir (meus pés sempre sentiam cócegas).
Os olhos de Teddy, brilhando de felicidade na semana passada,
depois que ele foi aceito em Cambridge para ciências da computação –
me abraçando com força e me girando, enquanto me contava como ele
nunca teria sido capaz de responder às perguntas da entrevista sem eu
praticando com ele.
Verity, pegando meu sanduíche de manteiga de amendoim com as
pontas dos dedos, como se estivesse contaminado com lama tóxica,
jogando-o no lixo e jogando um café com leite e um pãozinho chique na
minha frente.
Heath, me dando um sermão sobre meus exercícios de fisioterapia
para o ombro. Exigindo que ele visse a amplitude de movimento no pub
todas as semanas depois do rugby. Afagando meu cabelo no topo da
minha cabeça com sua mão grande, e sorrindo para mim quando
recuperei alguns centímetros de extensão com ela.
E então Max... Max me levantou em seus braços quando eu estava
doente. Max percebendo quando estava bloqueando as saídas de uma
sala e se movimentando para que eu me sentisse mais confortável. Max
me puxando suavemente para o seu lado no sofá, sempre verificando se
eu estava bem, se não me sentia enclausurada ou em pânico. Brincando
com meu cabelo enquanto assistíamos Stranger Things, odiando Love
Island, mas assistindo mesmo assim. Segurando minha bochecha e me
beijando – sempre um leve roçar nos lábios antes de examinar meu rosto
para verificar se estava tudo bem antes de aprofundar o beijo. A bondade
de Max, seu cheiro, sua força, sua lealdade, seu humor, sua natureza
honrada, seu senso de justiça, seu amor genuíno pelo meio ambiente e seu
desejo de torná-lo melhor, e a maneira como ele se importava tão
profundamente com sua família, seus amigos, seu cachorro.
Nã o foi tanto a minha vida passando diante dos meus olhos, foi o
que fez a minha vida valer a pena agora. Eu sobrevivi. Eu até consegui
ser feliz. O abismo nã o era melhor que a vida que construí. Eu nã o iria
sair silenciosamente durante a noite.
Se você está presa e não há saída, fique mole, a voz de Teddy foi
filtrada em meu cérebro. Foi contra todo o meu instinto, mas consegui.
Depois de um momento, a pressã o em volta do meu pescoço diminuiu.
Eu estava desesperada para começar a engolir ar novamente, mas me
forcei a resistir ao impulso. Os pontos dentro das minhas pá lpebras
desapareceram e senti a força voltar aos meus braços. O carro estava
diminuindo a velocidade e por algum motivo eu podia ouvir sirenes lá
fora, mas me concentrei na minha sobrevivência.
Repita comigo, a voz de Teddy continuou. Garganta, olhos, bolas.
Cerrei a mã o ao meu lado enquanto os dedos de Nate se afrouxavam
ainda mais. Entã o eu me mudei. Meu braço subiu entre o dele e dei um
soco na garganta dele. Enquanto ele estava sufocando, levantei um
joelho e fiz um forte contato com sua virilha. Assim que ele soltou um
barulho desumano de dor, o carro parou. Eu me esforcei para me virar e
consegui abrir a porta.
— Sua vadia! — Nate engasgou quando eu saltei do carro, caindo
com força na superfície da estrada com as mã os e os joelhos. Havia
luzes azuis e brancas piscando por toda parte e vá rios faró is me
cegando. Pisquei para a claridade e me ajoelhei, mas antes que
conseguisse me levantar, minha cabeça foi puxada violentamente para
trá s pelos cabelos e fui puxada em direçã o ao carro.
— Deixe ela ir! — Meus olhos voaram para aquela voz familiar e vi
Max correndo em nossa direçã o. A mã o de Nate apertou meu cabelo.
Olhei de volta para ele. Seus olhos estavam enlouquecidos e ele bufava
como um touro encurralado. Minha visã o estava se ajustando aos faró is
e pude perceber que vinham das motos da polícia.
Ao nosso redor estavam pelo menos oito policiais, policiais
armados. E Nate ainda segurava meu cabelo com força. Havia homens
treinados apontando armas para ele e dizendo-lhe para me deixar ir e
ele ainda continuou me machucando.
Ele era um idiota!
Uma desculpa estú pida, egocêntrica e narcisista para um humano.
E eu nã o aguentaria mais um segundo dele e de suas besteiras. Um
policial alcançou Max e estava tentando segurá -lo, mas Max, jogador de
rugby de 15 pedras, era uma fera difícil de controlar. Ele se libertou e
veio em nossa direçã o novamente. Tomei uma decisã o naquele
momento. Nate nã o ia tocar no meu Max. Ele nunca mais tocaria em
nada que me importasse. Dobrei meu braço bom em uma unidade
firme, puxei-o para cima e para trá s em todo o meu corpo e, em seguida,
coloquei todo o peso do meu corpo em um golpe de cotovelo, bem no
centro do rosto de Nate. Ouvi seus ossos nasais estalarem e ele caiu
para trá s, soltando meu cabelo. Entã o eu corri. Mas eu tinha esquecido
da porra dos saltos que Nate me fez usar e tropecei depois de alguns
passos. Entã o é claro, é claro que meu Max me pegou. Assim como eu
sabia que ele faria.
CAPÍTULO TRINTA E SETE
VOCÊ. ESTÁ. ERRADA

— Obrigada — eu disse em um sussurro rouco para Kira maldita


Lucas. Porque, aparentemente, Yaz é amiga da esposa do primeiro-
ministro. Todas aquelas vezes que a irritamos ela estava dizendo a
verdade. Elas eram tã o boas amigas que Yaz conseguiu convencer Kira
nã o apenas a comandar a escolta policial de seu marido para me
perseguir, mas também a trazer os Lucas junto para o passeio.
E agora Kira e Barclay Lucas estavam ao lado da minha cama de
hospital à s três da manhã . Já fazia algumas horas que eu havia escapado
de Nate sob o brilho dos faró is da polícia e ainda estava em estado de
choque. Depois que caí nos braços de Max, Nate deu outro ataque
frenético em minha direçã o, mas a polícia estava lá para puxá -lo de
volta. Quando ficou claro que eu havia sido estrangulada e o motorista
(um homem que estava muito abalado e claramente sem vontade de
encobrir seu chefe psicopata) contou o que tinha visto, Nate foi preso.
Eu nã o tinha ideia do que aconteceu com ele depois disso, quando os
paramédicos chegaram e fui ligada ao oxigênio e levada ao hospital
mais pró ximo.
— Nã o me agradeça, sua babaca — disse Kira. — Nunca estive em
uma perseguiçã o de carro na vida real antes e nunca conseguimos fazer
os meninos acenderem as luzes piscantes. Essa foi a maior diversã o que
já tive em uma daquelas festas de bocejos nos ú ltimos tempos.
Pisquei para ela e, sem perceber, minha mã o foi até a garganta
para rastrear o inchaço ali.
— Ki Ki — disse Barclay Lucas, o verdadeiro primeiro-ministro.
— Nã o tenho certeza se essa é a coisa mais diplomá tica a se dizer a Mia.
Ela provavelmente não acha que esta noite foi muito divertida.
O rosto de Kira ficou vermelho, seus olhos se arregalaram e sua
mã o cobriu a boca.
— Texugos malditos, sinto muito. Você deve pensar que sou uma
idiota terrível. — Na verdade, eu conseguia ver por que Kira e Yaz eram
amigas – ambas eram tã o excêntricas quanto uma à outra. — Eu faço
piadas quando estou nervosa. Eu nã o quis dizer...
— Está tudo bem — eu forcei, a tensã o em minhas cordas vocais
me fazendo estremecer de dor.
— Mia, amor — Max disse do meu outro lado, apertando minha
mã o. — O médico disse para descansar a voz. Você pode, por favor,
tentar fazer isso?
Virei minha cabeça para olhar para ele. Ele estava se
concentrando novamente no hematoma em volta do meu pescoço e
seus olhos brilhavam, aquele mú sculo em sua mandíbula tremia de
raiva. Yaz relutantemente me deu um espelho depois que os médicos
terminaram de examinar meu pescoço e ombro. Eu nã o era uma visã o
bonita. A maquiagem dos olhos, que havia sido aplicada com tanta
perfeiçã o no início da noite, agora me dava a aparência de um panda
bêbado. O branco dos meus olhos estava extremamente injetado (um
dos efeitos do estrangulamento) e hematomas escuros brotavam em
meu pescoço. O vestido branco, antes imaculado, agora estava coberto
de sujeira da estrada e um pouco do sangue de Nate, de quando eu
quebrei seu nariz.
— Acho que essa é a nossa deixa para irmos embora, Ki Ki —
Barclay disse gentilmente para sua esposa e ela assentiu.
— Eu realmente nã o queria ser uma idiota insensível — ela
sussurrou para mim, apertando minha mã o livre. Eu sorri para ela e
apertei o dela de volta. — Espero que você melhore a tempo para o
solstício de verã o — disse ela. — Minha mã e organiza um festival em
New Forest. Yaz me disse há muito tempo para contar com você. É
realmente maluco. Os Testículos do Furã o tocam todos os anos e
dançamos nus em volta da fogueira.
— Aí está , Mia — disse Barclay com uma voz seca, completamente
imperturbável pela conversa sobre sua esposa dançando nua em New
Forest. — Algo pelo qual ansiar. — Ele sorriu para mim e pensei que as
notícias nã o faziam justiça a esse homem. De perto ele era quase tã o
atraente quanto Max. Quase.
Quando Kira e Barclay saíram, Teddy voltou com chá s para todos.
Ele nã o tinha falado muito desde que chegou ao hospital e parecia
abalado e pá lido. Apontei para o notebook ao lado de Max e ele o
entregou.
Fiz todos os movimentos que você me ensinou, digitei e virei para
que Teddy pudesse ler. Ele olhou para baixo e mordeu o lá bio enquanto
lia.
Você salvou minha vida, acrescentei abaixo. Desta vez, quando
olhei para cima, vi que seus olhos estavam cheios de lá grimas, seu peito
inchado em um esforço para mantê-las dentro.
Obrigada.
Ele me deu um aceno rígido e enfiou as mã os nos bolsos, mas uma
de suas lá grimas derramou em seu rosto.
Posso ganhar um abraço?
Ambas as bochechas estavam molhadas agora. Ele hesitou por um
momento, antes de se lançar em minha direçã o na cama e soluçar em
meu pescoço enquanto seus grandes braços envolviam meu corpo.
— Ted, cara — disse Max, recuando um pouco o ombro. —
Cuidado com o pescoço dela. — Teddy imediatamente começou a se
afastar, mas lancei um olhar irritado para Max e levantei as mã os para
segurar o rosto de Teddy perto do meu.
— Eu vou ficar bem — eu disse a ele naquele sussurro
entrecortado. — E isso depende de você. — Ele assentiu e esfregou as
bochechas, sustentando meus olhos por um momento antes de voltar a
ficar de pé.
— Por favor, pare de falar — Max disse e eu revirei os olhos,
pronunciando a palavra mandã o para Teddy e ganhando um sorriso
que aliviou um pouco da minha preocupaçã o de que ele tivesse ficado
marcado para o resto da vida por essa experiência ruim.
Peguei o notebook novamente.
Me desculpe por não ter acreditado em você sobre Kira. Obrigada
por tudo esta noite, escrevi, e passei para Yaz. Ela sorriu para mim.
— Todo mundo sempre me subestima — disse ela.
Isso é verdade. Digitei e adicionei vá rios pontos de exclamaçã o
para garantir. Yaz pegou minha mã o e apertou-a novamente.
— Sabe — Teddy disse com uma voz tensa, interrompendo o
silêncio da sala e fazendo com que todos os olhares se voltassem para
ele — Bem... o que eu quero dizer é isso. Papai e eu... nã o vamos deixar
nada assim acontecer com você de novo, certo? E... e acho que você
deveria morar conosco agora. A casa da tia Yaz é muito pequena, e eu
acho... bem, acho que você pertence a nó s.
— É claro que ela vai ficar conosco, Ted — disse Max. Olhei entre
os dois rostos masculinos determinados e murmurei — mandõ es —
novamente, desta vez para Yaz, que revirou os olhos e me deu um
pequeno sorriso.
Mais tarde, depois que todos foram embora e éramos apenas Max
e eu, peguei o notebook novamente.
Obrigada por ter vindo me buscar, digitei.
Ele olhou para a tela por um momento, mas em vez de responder
virou-a para si e começou a digitar.
Eu iria a qualquer lugar por você. Eu te amo, ele digitou.
Pisquei para ele enquanto a exaustã o me arrastava até que o
quarto escurecesse. Ele alisou o cabelo do meu rosto e depois passou o
polegar pela minha sobrancelha e pela minha bochecha. Lá , seus dedos
se moveram sob minha orelha até a linha do cabelo e seu polegar
continuou a acariciar minha bochecha.
— Eu também te amo — consegui dizer em um sussurro rouco.
Senti seus lá bios roçarem os meus.
— Se você realmente me ama, entã o você vai parar de usar sua
voz — ele sussurrou contra meus lá bios e depois encostou sua testa na
minha.
— Mandã o — eu murmurei sem emitir som e registrei sua risada
baixa.
Entã o, com o conforto do seu cheiro me envolvendo, e seu toque
leve e rítmico, mesmo depois de tudo o que aconteceu, mesmo depois
de todo o trauma do dia, caí num sono profundo.

— Mia?
Pisquei e abri os olhos, e o rosto de Max preencheu meu campo de
visã o. Sua barba por fazer estava progredindo para uma barba cheia, e
seu lindo rosto parecia cansado, mas ele ainda era tã o bonito. Sorri para
ele e levantei minha mã o para acariciar o lado de seu rosto.
— Você ficou — eu resmunguei, e entã o estremeci quando a dor
esquecida e lancinante percorreu minha garganta. Minha mã o foi para o
pescoço para descansar na carne macia e cerrei os dentes, desejando
que o desconforto diminuísse. Enquanto Max assistia a tudo isso, sua
expressã o cansada, mas afetuosa, tornou-se sombria.
— Por favor, por favor, nã o tente falar, Mia — disse ele. — Você me
prometeu, lembra?
Balancei a cabeça e soltei um suspiro de frustraçã o. Era típico que,
na ú nica vez em que eu tinha tanto a dizer, eu tivesse sido efetivamente
amordaçada.
— Tudo bem — disse Max, sentando-se ao lado da minha cama e
pegando minha mã o. — Eu preciso falar com você sobre uma coisa e...
Eu o interrompi apontando para o notebook.
— Mia, posso apenas... ok, ok — ele protestou enquanto eu abria a
boca para falar. — Aguente. Eu vou pegar.
Assim que peguei o notebook, sentei-me e digitei.
Você ficou aqui a noite toda?
— Sim, mas Mia, isso nã o é realmente...
Minhas sobrancelhas subiram e eu o ignorei para digitar mais.
Onde você dormiu?
Ele suspirou. — Mia, eu realmente preciso...
Toquei no notebook para interrompê-lo e ele revirou os olhos.
— Dormi um pouco na cadeira. Agora Mia...
NÃO. Eu digitei. Nada de dormir na cadeira. Durma na cama. Você
parece cansado. Estou preocupada com você.
Max soltou um suspiro de frustraçã o através de uma risada
relutante enquanto se inclinava para frente para dar o beijo mais suave
de todos os tempos em meus lá bios, o que tenho certeza que foi um
movimento calculado para que eu ficasse atordoada demais para
contestar quando ele removesse o notebook de meus dedos.
— É claro que você estaria preocupada comigo. Claro — ele disse,
seu rosto ainda pairando a centímetros do meu. — Você é quem está em
uma cama de hospital, mas perder algumas horas de sono é obviamente
a prioridade. Você é impossível.
Balancei a cabeça e abri a boca para falar, mas ele colocou um
dedo nos meus lá bios.
— Você prometeu — ele disse e foi minha vez de soltar um
suspiro de frustraçã o. — Mia, honestamente, isso é importante. Há
alguns policiais no corredor.
Eu enrijeci na cama e meus olhos voaram para a porta. Ao olhar
para Max, pude senti-los ardendo de lá grimas. Eles vieram atrá s de
mim, exatamente como Nate disse que fariam. Eu deveria saber que
isso iria acontecer. Nate tinha todo o poder, todas as conexõ es. Nunca
ganhei dele. Eu nã o tinha chance.
— Estarei aqui com você o tempo todo, ok? Eles só querem falar
com você por um minuto. Você tem que usar o notebook, certo?
Pisquei para afastar as lá grimas fracas que se formaram em meus
olhos e coloquei minha boca em uma linha sombria antes de dar a Max
um aceno rígido.
— Se houvesse alguma maneira de contornar isso, eu faria
acontecer — ele me disse, observando meu rosto com atençã o. — Você
nã o tem nada com que se preocupar. Eles só querem falar com você.
Dei outro aceno rígido, mas meus olhos nã o encontraram os dele
e eu sabia que minha expressã o devia ter permanecido sombria. Senti
seu toque suave em minha bochecha. Ele pressionou para que eu
virasse meu rosto e meus olhos olhassem para os dele. O verde estava
iluminado com uma determinaçã o tã o forte que quase me deixou sem
fô lego.
— Você confia em mim, Mia?
Pisquei para ele e suspirei, mas depois balancei a cabeça em
concordâ ncia.
— Você nã o tem nada com o que se preocupar. Você tem minha
palavra.
Fechei os olhos por um momento e mordi o lá bio. Ele poderia
pensar isso agora, mas nã o sabia o que eu tinha feito. Ele nã o teria
ficado comigo a noite toda em uma desconfortável cadeira de hospital
se o fizesse.
— Você vai ver — ele sussurrou antes de apertar minha mã o e
deixar a polícia entrar no quarto. Era um homem e uma mulher.
Nenhum dos dois estava uniformizado. A mulher parecia ter quase
quarenta anos, o homem um pouco mais velho e com cabelos grisalhos.
O cabelo da mulher era loiro escuro e preso na base do pescoço. Ela era
atraente, de um jeito eficiente.
— Olá , Sra. B... — a senhora fez uma pausa, seus olhos se voltando
para Max por algum motivo e depois de volta para mim — Quero dizer,
Mia. Sou a detetive Hargreaves e este é o detetive Finch, mas você pode
nos chamar de Lucy e Mike, ok?
— Oi — eu resmunguei. — Eu...
Mike ergueu a mã o para me impedir.
— Mia — ele disse — fomos informados... detalhadamente — seus
olhos também se voltaram para Max antes de suavizar para mim, — que
você nã o deve falar. Se você nã o se importasse de digitar o que precisa
nos dizer, seria ó timo.
— Sabemos que você passou por muita coisa, Mia — Lucy me
disse. — Mas isso nã o vai demorar muito. Você seria capaz de digitar
suas respostas? — Depois de um momento, balancei a cabeça.
— Mia — disse Max. — Se você quiser que eu espere lá fora, eu
posso, ok?
NÃO. Eu digitei. FIQUE. Ele assentiu e uma de suas mã os estendeu
a mã o para empurrar meu cabelo atrá s da orelha. — Ok amor. O que
você quiser.
— Gostaria de começar dizendo que li seu arquivo, Mia — disse
Mike. Ele estava olhando para mim. — Você deu permissã o para que
todos os seus registros médicos fossem divulgados. — Balancei a
cabeça lentamente. Mike era todo profissional e eficiente, mas houve
um lampejo de algo em sua expressã o que eu nã o consegui captar. —
Também temos um relato do incidente há um ano que levou ao seu
comparecimento ao hospital, por parte de seu marido.
Max soltou um som de desgosto, mas Mike continuou.
— Ele tem alguma documentaçã o dos ferimentos que sofreu na
época. O relato dele é que você o esfaqueou duas vezes e que os
ferimentos que ele infligiu a você posteriormente foram em legítima
defesa.
Fechei os olhos lentamente enquanto deixava essa informaçã o
tomar conta de mim. É claro que era assim que Nate distorcia as coisas.
Com a quantidade de poder que ele exercia e, sem dú vida, a equipe
jurídica insanamente boa que ele provavelmente contratou, eu estaria
frita. O fato de ele ter tentado me matar duas vezes seria irrelevante.
Uma sensaçã o familiar de impotência tomou conta de mim e minhas
mã os começaram a se afastar do teclado. Qual era o sentido de lutar
com ele? Mas meus olhos se abriram quando uma mã o desconhecida
pegou a minha durante sua retirada. Lucy segurou-a por apenas um
momento até que meus olhos encontraram os dela, entã o ela o soltou,
mas se aproximou da cama.
— Mike? — Ela apontou para o dispositivo de gravaçã o. Mike
assentiu, desligando antes que Lucy continuasse. — Quando dizemos
que lemos seus relató rios, significa que lemos cada palavra. — Seu
rosto nã o era mais impassível e eficiente – seus olhos estavam
iluminados de raiva e seu corpo estava tenso com isso. — Falei com o
médico responsável pelo incidente e falei com a equipe de segurança do
seu marido – ou melhor, com o ex-segurança. Há casos em que temos de
informar as vítimas de que dificilmente venceremos. O ô nus da prova
recai sobre nó s e nem sempre há o suficiente para garantir uma
condenaçã o. Este não é um desses casos.
Ela baixou ainda mais a voz antes de continuar. — Se você acha
que aquele filho da puta pode escapar jogando você em um palco na
frente da mídia mundial e depois estrangulando você em seu maldito
carro, você está errada. Se você acha que alguém acreditará por um
segundo que o que fez com você há um ano foi legítima defesa? Você.
Está . Errada. Nã o me importa a que tipo de recursos o idiota tenha
acesso, ou quã o escorregadio ele seja. Esse bastardo abusivo está
caindo. Você me entende?
Lucy voltou-se para Mike e acenou com a cabeça para que ele
ligasse novamente o gravador.
— Mia — a voz de Lucy era toda profissional agora, livre da raiva
de antes, como se isso nunca tivesse acontecido. — Se você pudesse
digitar sua versã o dos eventos, incluindo datas e horá rios, ficaria muito
grata. — Pisquei para ela e depois olhei para o notebook. Meus dedos
voltaram para as teclas sem nenhum pensamento consciente. Entã o
comecei a digitar.
Achei melhor começar do início. Anos de abuso se espalharam
pela pá gina. Ver isso em preto e branco me fez sentir mal. Todo aquele
tempo desperdiçado com Nate. Pior ainda foi quando o notebook foi
deslocado para que Mike pudesse ler em voz alta para o benefício do
dispositivo de gravaçã o. Os dedos de Max fecharam-se com tanta força
em torno dos meus que tive que torcê-los levemente para que ele
aliviasse a pressã o. Eu fiz uma careta para ele, preocupada com sua
reaçã o a tudo que eu coloquei ali. Ele olhou para mim e me deu um
pequeno sorriso encorajador, mas seus olhos estavam queimando.
Quando chegou a parte em que Nate deslocou meu ombro, Mike parou
por um momento e eu olhei para ele. Sua voz estava firme e sem
emoçã o enquanto ele lia o que eu havia escrito, mas notei entã o que sua
mã o que estava ao lado do notebook estava fechada em um punho tã o
apertado que seus nó s dos dedos estavam brancos e suas narinas
estavam dilatadas enquanto ele apertava. Sua boca se fechou, deixando
seus olhos fecharem apenas por um momento antes de respirar
lentamente e continuar lendo – ainda no mesmo tom monó tono e sem
emoçã o.
Depois que terminei, eu estava exausta. Quando desligaram o
gravador antes de partirem, Mike ainda parecia assassino. Lucy colocou
a mã o no meu ombro antes de dizer: — Nã o se preocupe com esse
pedaço de merda. Vamos pregar as bolas dele na parede.
Eu tinha quase certeza de que chamar os sujeitos das
investigaçõ es de “pedaços de merda” e dizer à s pessoas que você iria
“pregar as bolas deles na parede” nã o era protocolo, mas mesmo assim
me fez sentir melhor. Consegui dar-lhe um pequeno sorriso.
— Estou bem agora — eu sussurro e resmungo. — Honestamente.
— Max começou a murmurar sobre usar minha voz, mas Lucy apertou
meu ombro e sua expressã o se suavizou.
— Nã o, você nã o está — ela sussurrou de volta. — Ainda nã o. —
Ela olhou para Max, que estava olhando irritado depois do meu uso da
voz e depois de volta para mim, dando-me um pequeno sorriso em
troca. — Mas você estará .
CAPÍTULO TRINTA E OITO
ALGO ESTÁ ERRADO

— Este lugar é uma loucura — minha irmã me disse com uma


risada na voz. — É mais um mergulho do que o Nag's Head e você
sempre torcia o nariz para isso quando éramos adolescentes.
— Eu era uma arrogante quando adolescente — eu disse a ela,
algo que ela já sabia. — Mas nã o se preocupe, eu já tive isso nocauteado.
— No momento em que as palavras saíram da minha boca, me
arrependi delas, e o rosto abatido da minha irmã me fez sentir ainda
pior. — Merda — eu murmurei. — Isso saiu errado. Eu nã o... eu só quis
dizer... — Marnie me interrompeu, agarrando minhas mã os e me
puxando em sua direçã o.
— Eu gostaria que tivéssemos nos esforçado mais para chegar até
você — ela me disse em um sussurro feroz. — Quando você foi embora
eu fiquei magoada e... se eu soubesse o que estava acontecendo eu... —
Seus olhos se encheram de lá grimas e ela apertou os lá bios para
impedi-los de tremer.
Apertei as mã os dela. — Ei — eu sussurrei de volta. — Você tem
que parar com isso, querida. Fui eu quem partiu para uma – vida
melhor. Fui eu quem deixou todos vocês em primeiro lugar. Você nã o
poderia saber...
— Mia, eu sou sua irmã mais velha. Dei um wedgie ao Tommy
Saunders no 4º ano porque ele deixou cair uma bala na tua lancheira.
Eu “acidentalmente” dei uma joelhada nas bolas de Sam Barnet quando
o peguei se gabando para todos os seus amigos na sala comunal do 12º
ano sobre como ele tocou você, quando eu sabia que tudo o que ele
conseguiu foi um beijo atrevido. Isso é o que as irmã s mais velhas
fazem. Eu deveria ter sido capaz de proteger você.
Já tínhamos superado isso. Muitas vezes, a partir do ú ltimo dia em
que estive no hospital. Mamã e, papai e Marnie vieram me ver depois
que a polícia foi embora. Eu estava tã o preocupada em vê-los
novamente, tã o preocupada que eles pudessem me odiar por ignorá -los
por tanto tempo. Minha pró pria culpa me consumiu tanto que nã o parei
para considerar a deles. Todos sentiram que deveriam ter me protegido
mais. Eles sabiam que algo nã o estava certo, mas nã o conseguiram
chegar até mim e nã o sabiam o que fazer. Nate era tã o poderoso que
nã o parecia haver muito que pudessem fazer. Mas agora eles estavam
convencidos de que nã o se esforçaram o suficiente – tal como eu estava
convencida de que nã o me esforcei o suficiente para fugir mais cedo e
dar prioridade à minha pró pria família. Estávamos em um impasse. O
que concordamos foi que nos amávamos e nunca mais deixaríamos
ninguém atrapalhar isso.
— Nã o havia nada que você pudesse ter feito — eu disse a ela, nã o
pela primeira vez. — Eu tive que me salvar, Marnes. Você sabe disso. —
Marnie estava prestes a responder, mas senti um puxã o na perna e olhei
para baixo e vi um rostinho sério olhando para mim.
— Mi Mi leva — disse Cece, esticando seus bracinhos
rechonchudos. Abaixei-me para pegá -la. Assim que a coloquei no meu
quadril, ela me olhou com uma carranca (sua expressã o favorita). —
Max, Teddy — ela me disse com um tom imperioso que reconheci da
minha irmã . A genética foi forte com esta. Era estranho – como uma
versã o em miniatura e um pouco mais irritada de Marnie. Nos ú ltimos
meses fui conhecendo minha sobrinha lentamente. Ela nã o era uma
criança sorridente e amigável. Na verdade, na maioria das vezes ela
exibia uma cara de vadia em repouso. Mas uma vez que ela se acostuma
com você, ela dá os melhores abraços. E na noite seguinte ao término
do processo judicial – quando eu estava chorando de alívio com minha
família na casa de Max – ela sentou no meu colo e me ofereceu seu
biscoito gigante levemente encharcado, o tempo todo olhando para
mim com aqueles olhos sérios, olhos castanhos preocupados. Ela era a
melhor criança de todas, com cara de vadia descansando e tudo.
— Nã o tenho certeza de onde eles estã o, Criança Pequena — eu
disse a ela e suas sobrancelhas baixaram ainda mais.
— Max. Teddy — ela disse novamente, desta vez dando tapinhas
na minha bochecha para dar ênfase.
Marnie suspirou. — Cece, você nã o pode simplesmente exigir que
humanos sejam trazidos até você. Esta é a festa do Max. Acho que ele
está muito ocupado. — Cece lançou um olhar fulminante para a mã e e,
eu juro, apesar de ter apenas três anos, ela ergueu uma sobrancelha
para ela perfeitamente, antes de se virar para mim.
— Teddy. Max — ela disse novamente, seus olhos castanhos
cravados nos meus.
— Você chamou, minha senhora — a voz de Teddy soou atrá s de
mim e eu me virei para olhar para seu rosto sorridente. Ele deve ter
crescido uns bons sete centímetros nos ú ltimos seis meses. Foi um
pouco assustador. E sua voz ficou mais profunda. O rá pido crescimento
até desequilibrou seu equilíbrio no Taekwondo, mas ele ainda estava
vencendo no Nacional.
— Vire a carranca! — Cece gritou, com um sorriso quase
imperceptível nos lá bios enquanto olhava para o rosto de Teddy. Ele riu,
arrancou-a dos meus braços e virou-a para que os pés dela ficassem por
cima do ombro dele.
— De cabeça para baixo! — ele disse, fazendo có cegas em Cece
com a outra mã o e arrancando dela uma rara risada.
— Ei — meu cunhado Paul se juntou ao nosso grupo e sorriu para
Cece e Teddy. Eu sempre gostei de Paul. Ele estava com minha irmã
desde que eram adolescentes. Ele odiou Nate desde o início. Paul nunca
se deixou enganar pelo charme de Nate. Paul era um cara do tipo que
gostava de cerveja e um pacote de raspas de porco. Ele era dono de seu
pró prio negó cio de encanamento. Ele não gostava de champanhe,
restaurantes chiques ou bares chiques, mas gostava de tudo que
deixasse sua esposa feliz. Ele teria tolerado Nate e o estilo de vida que
Nate me induziu com prazer se nã o tivesse recebido dele o que
chamava de – má vibraçã o.
O julgamento de Paul sobre Nate me irritou na época. Quem era
ele para criticar o novo relacionamento do qual me considerei sortuda
por fazer parte? Naquela época, eu só esperava que minha família nã o
me envergonhasse. Quando chegou o casamento de Marnie e Paul, Nate
se ofereceu para pagar toda a bebida. Achei que meus pais ficariam
gratos, mas mamã e ficou ferida. Paul estava simplesmente furioso. Ele e
Marnie se casaram na igreja local e fizeram a recepçã o em um celeiro
fora da vila. Compraram barris de cerveja e as pessoas sentaram-se em
fardos de feno. Nate passou a maior parte da recepçã o olhando para os
barris de cerveja com uma expressã o de desgosto e resmungando sobre
como eles deveriam ter aceitado sua oferta. Saímos cedo. Eu deveria ter
ficado com vergonha de Nate, nã o da minha família. Olhando para trá s
agora, o casamento deles foi muito mais divertido do que o meu, ou
qualquer um dos que fui posteriormente com Nate – fora as
reclamaçõ es de Nate e sua recusa em ficar até tarde. O que eu estava
pensando naquela época?
Ao longo dos anos, à medida que me afastava da família, Paul
ficava zangado, mas essa raiva logo se transformou em preocupaçã o.
Ele foi retirado de casa duas vezes pela segurança de Nate no segundo
ano em que morávamos juntos. Por fim, liguei para Paul e disse que
estava bem. Que eu nã o tinha tempo para lidar com a agitaçã o da minha
família. Eu estava ocupada agora. Ocupada com pessoas importantes,
fazendo coisas importantes. Paul nã o poderia entender. Depois dessa
conversa nã o houve mais brigas entre os seguranças de Paul e Nate.
Nã o há mais contato e ponto final. E isso foi por minha conta, não por
Paul. Mas Paul, sendo o homem que é, nã o via as coisas dessa forma.
— Eu deixei você com ele — ele sussurrou na primeira vez que
me visitaram no hospital. Comecei a digitar para dizer que nã o era
culpa dele, mas ele cobriu minhas mã os com as suas. — Eu nã o me
importo com o que você diz, Mimi – eu nunca vou me perdoar por isso.
— E ele nã o tinha. Entã o agora ele observava Max com uma vibraçã o
desconfiada de irmã o mais velho e se certificava de que ele e a família
estivessem envolvidos em meus negó cios. Nã o há mais distâ ncia. Nã o
dependa mais de telefonemas. Daí uma pequena festa em um pub local
provocando uma invasã o da família Sutton. Era cerveja e rolinhos de
salsicha, em vez de champanhe e caviar. Minha família estava aqui.
Meus novos amigos estavam aqui, mas ainda assim eu nã o conseguia
me livrar desse sentimento ruim.
— Eu pensei que você estava observando ela? — Marnie disse,
dando-lhe uma cotovelada nas costelas.
— Acalme-se, Minha Guia — ele murmurou, beijando sua têmpora
e puxando-a para um abraço lateral, provavelmente para evitar novas
cotoveladas nas costelas. — Eu pude ver você fazendo uma viagem para
Serious Town e pensei que Cece iria aliviar o clima. Isto é uma festa.
Nã o é verdade, Mimi? — Ele colocou o outro braço em volta de mim e
me deu um breve aperto antes de me soltar. — Tudo bem companheiro?
— Paul disse a Teddy antes de fazer có cegas na barriga de sua filha, que
ainda estava suspensa de cabeça para baixo nos braços de Teddy. —
Quer que eu pegue uma cerveja para você?
— Paul! Ele acabou de completar dezoito anos — eu repreendi.
Desde que Paul descobriu que Teddy me ensinou autodefesa, ele
desenvolveu um enorme respeito pelo adolescente. Sem dú vida ele
achava que Teddy conseguia lidar com a bebida, mas a ú ltima coisa que
eu queria era minha família enchendo o filho de Max de á lcool.
Paul revirou os olhos e sorriu para Teddy. — Ele é construído
como uma casa de tijolos, Mia — ele me disse. — Acho que ele pode
guardar uma cerveja e nã o sofrer nenhum desgaste.
— Paul! — Gritou Marnie ao mesmo tempo em que Cece,
encantada, gritou: — Casa de merda! — Teddy virou Cece para cima,
colocou-a no quadril, deu-lhe um sorriso enorme e entã o ele e Paul
foram em direçã o ao bar.
Sorri para eles antes de avistar um par de olhos verdes me
encarando do lado oposto do bar. Com sua altura, Max era fá cil de
identificar no meio da multidã o. Ele interrompeu a conversa com Heath
(algo que eu sabia que deixava Heath além da medida) e me deu um
sorriso largo (Heath chamou isso de sorriso bizarro de assassino em
série de Max – ele disse que depois de anos com a expressã o facial de
Max definida para vá rios níveis de chateado, o sorriso era meio
estranho). Eu vi Heath dar um soco no braço de Max para chamar sua
atençã o de volta. Meu pró prio sorriso parecia tenso. Quebrei o contato
visual e olhei para minha bebida. Os sons ao meu redor desapareceram
enquanto eu olhava para o líquido.
— Mimi? — minha irmã chamou e eu desviei os olhos do copo
meio vazio.
— O... o quê? — Eu perguntei, piscando enquanto a cena ao meu
redor voltava ao foco. Yaz estava ao lado de Marnie agora e as duas
estavam franzindo a testa para mim.
— Estamos chamando por você há cinco minutos — disse Marnie.
— Mia? — Yaz disse suavemente. — Está tudo bem?
Olhei para as duas mulheres que significavam tudo para mim.
Ambas eu decepcionei. Ambas eu nã o merecia, e fiz o que vinha fazendo
nos ú ltimos três meses.
Eu menti.
Observei enquanto ela piscava para sua irmã e para a minha,
balançando levemente a cabeça como se estivesse saindo de um transe,
entã o observei seus lá bios se moverem para formar a palavra bem. Se
eu ouvisse essa palavra mais uma vez de Mia eu iria perder o controle.
Ela nã o estava bem. Nem mesmo perto.
— Algo está errado com Mia — Heath me disse.
— Eu sei — murmurei, tomando outro gole da minha cerveja
enquanto observava Yaz colocar as duas mã os em cada lado do pescoço
de Mia e apoiar a testa na de Mia em uma de suas transferências de
energia. A besteira Yaz padrã o, mas colocou um sorriso genuíno no
rosto de Mia, entã o eu aprovei.
— O ombro dela está ficando...
— O fisioterapeuta ainda está trabalhando com ela. — Suspirei. —
Ela nunca será capaz de levantar o braço acima da cabeça, mas pelo
menos ainda pode usá -lo. Disseram-me que poderia ter sido pior. —
Aquela qualidade á spera e raivosa havia vazado para minha voz
novamente. Foi algo que tentava controlar quando estava com Mia, mas
com Heath eu deixei escapar.
— Ei, meu velho — disse Heath. — Você pode querer relaxar com
esse copo de cerveja – ele vai quebrar em um minuto se você nã o tomar
cuidado. — Olhei para baixo, para meu aperto mortal em minha bebida
e fiz um esforço consciente para afrouxar meus dedos enquanto o
colocava no bar ao meu lado. Assim que minhas duas mã os ficaram
livres, passei-as pelo cabelo e inclinei a cabeça para trá s para olhar para
o teto.
— Aquele bastardo escapou fá cil — eu murmurei. — Espero que
alguém estrague tudo na prisã o.
— Você poderia realizar seu desejo lá — disse Heath. — Nã o creio
que eles gostem muito de agressores de mulheres na prisã o. Dada a
importâ ncia do caso, ele terá um alvo nas costas desde o primeiro dia. E
agora ele perdeu o negó cio, mesmo quando ele sair, sua vida nunca
mais será a mesma. — Uma imagem de Mia deitada em sua cama de
hospital, com hematomas roxos profundos em volta do pescoço, vasos
sanguíneos rompidos no alto das maçã s do rosto e no branco dos olhos,
estremecendo enquanto engolia a pró pria maldita saliva, surgiu em
minha mente e senti meus punhos apertarem ao meu lado.
— Você nã o pode deixar isso te corroer, Max — Heath disse,
olhando para meus punhos. — Ela está segura agora. Você ainda tem
um negó cio para administrar. Graças a Deus aquele cara, Adrian, é na
verdade um cara decente. Você estaria ferrado se a empresa tivesse
retirado o financiamento de todos esses projetos.
— Eu nã o dou a mínima para...
— Eu sei que nã o, cara — Heath interrompeu meu discurso
furioso antes que ele pudesse prosseguir corretamente. — Mas você
poderia se seu negó cio tivesse falido e você nã o pudesse pagar a
universidade de Teddy ou manter Mia segura e dar a ela o que ela
merece. Ela trabalha para você também, seu idiota.
Eu bufei. — Mia recebeu ofertas de três empresas de tecnologia
diferentes desde que tudo isso explodiu. Ela estaria bem sem mim.
— Ela nã o ficaria bem sem você — disse Heath. Olhei para minhas
botas, mas depois de uma pausa, balancei a cabeça. À s vezes, Mia olhava
para mim como se nã o conseguisse acreditar que eu fosse real. Cada vez
que eu fazia algo por ela, como levar um café para sua mesa quando ela
estava na zona nú mero cinco, ligar a televisã o para Poldark (ok, entã o
prefiro ser morto lentamente do que admitir, mas este foi um que
aquela porcaria de televisã o me atraiu – quero dizer, aquele cara
realmente consegue brandir uma foice), pedir o lanche tailandês que
ela gosta em vez dos curry que ela sabe que eu prefiro, segurá -la em
meus braços depois de fazermos amor (sexo era algo que nã o tinha sido
afetado pelos acontecimentos recentes – estranhamente, parecia ser o
ú nico lugar onde os olhos de Mia nã o estavam ofuscados, o ú nico
momento em que ela realmente parecia livre. O que era incrível, claro.
Mas contrastava fortemente com a reserva que ela ainda mantinha no
resto do tempo) ela ficava com esse olhar – reverência, admiraçã o,
amor, mas também por alguma razã o, por trá s de tudo isso havia
preocupaçã o. E a preocupaçã o nã o melhorava com o tempo. Na
verdade, quanto mais nos aproximamos, mais aparente é a ansiedade.
Mas tudo que consegui foi bem. Deus, eu odiava essa palavra.
Sim, havia algo errado com Mia.
E a resoluçã o de problemas era uma habilidade minha.
Ou assim pensei.
CAPÍTULO TRINTA E NOVE
CASO CONTRÁRIO, ELES GANHAM

— Ei — Max disse suavemente enquanto se juntava ao nosso


grupo, colocou o braço em volta dos meus ombros e me puxou para o
seu lado. Ele ignorou nossas duas irmã s e olhou para mim, seus olhos
aquecendo enquanto ele examinava meu rosto. — Talvez devêssemos
sair daqui a pouco, amor? Se você já se cansou, eu...
— Nã o, nã o, está tudo bem — eu disse a ele. Por alguma razã o,
seus olhos se estreitaram com o meu — tudo bem — e ele cerrou a
mandíbula.
— Mia — disse Verity ao se juntar ao nosso grupo. Ela estava
franzindo a testa para o telefone. — Por que acabei de receber um e-
mail perguntando se poderíamos liberá -la antecipadamente do seu
contrato de trabalho?
— Liberada do seu contrato? — Yaz perguntou, franzindo a testa
para mim em confusã o.
— Você está procurando um novo emprego, Mia? — Marnie
interveio.
Max nã o olhou para mim, estava olhando para Verity. — De quem
é o e-mail?
— Sistemas Starlight em Londres.
— Londres? — Yaz disse, sua voz aumentando. — Mia, por que
você está procurando emprego em Londres?
— Eu nã o estive olhando — eu disse. — Eu... eles...
— Mia foi procurada — disse Verity, mantendo o tom neutro, mas
percebi que ela estava com raiva. — Por vá rias empresas. Só nã o achei
que ela aceitaria nenhuma das ofertas.
— Mas... mas você adora isso aqui, Mia — disse Yaz, virando-se
para mim. Meu peito se contraiu quando vi a expressã o magoada em
seu rosto. — Você está feliz aqui... conosco. Nã o está ?
— Mia, posso falar com você em particular por um minuto? —
Max perguntou, sua voz tã o cuidadosamente educada que parecia fria.
Olhei para ele e percebi que todo o calor havia fugido de sua expressã o.
— Claro.
Max assentiu e colocou a mã o nas minhas costas para me guiar
gentilmente para onde ele queria que eu fosse, que era em direçã o à
á rea de estar, onde era um pouco mais silencioso. Infelizmente, era
também onde os pais dele estavam sentados com os meus, a poucos
metros de distâ ncia.
— Você está indo para Londres? — Max perguntou, tirando a mã o
das minhas costas e dando um passo para longe de mim antes de cruzar
os braços sobre o peito em um gesto defensivo. — Você achou que
poderia querer me contar isso em algum momento? Talvez antes de
você concordar em assinar a porra de um contrato? — Ele estava
furioso. A raiva estava vibrando através dele. Eu sabia que Max tinha
um temperamento forte, mas ele tinha sido tã o cuidadoso com isso
perto de mim nos ú ltimos meses que esqueci o quã o formidável isso
poderia ser. Passei meus braços em volta da minha cintura e recuei um
pouco. Seus olhos se estreitaram. — Eu nã o sou ele, Mia — ele cortou.
— Eu nunca machucaria você.
— Eu sei disso — eu disse, minha voz baixa e me senti patética.
Mas entã o eu era patética. Eu nã o era normal. Nã o mais. Pessoas
normais nã o se esquivavam da menor ameaça percebida que para
qualquer outra pessoa teria sido reconhecida como algo
completamente inó cuo. Pessoas normais poderiam lidar com a raiva e a
irritaçã o de suas outras metades sem entrar em suas conchas para se
protegerem. E foi por isso que tive que sair, por que permiti que os
caçadores de cabeças me entrevistassem.
— Você nã o acha que eu mereço saber que você está se mudando?
Espere... você ia me contar? Ou você simplesmente iria embora?
Fechei os olhos para bloqueá -lo e tentar me recompor. Eu nã o
conseguia pensar com ele olhando para mim com aquela expressã o
magoada no rosto.
— Ainda nã o aceitei o emprego — eu disse, com os olhos ainda
fechados. — Era apenas algo que eu estava... explorando.
— Mas por quê, Mia? — Max perguntou, a raiva desaparecendo
de sua voz e deixando apenas a má goa. — Por favor, olhe para mim,
amor — ele sussurrou quando senti sua mã o grande gentilmente
segurar meu queixo para inclinar meu rosto para o dele. — Você está
infeliz aqui, conosco? É algo que eu fiz? Fale comigo.
Senti a frustraçã o, o medo e a raiva reprimida vindo à tona. Depois
de manter um controle tã o feroz sobre minhas emoçõ es por tanto
tempo, parecia que tudo isso estava escapando. Como se um monstro
dentro de mim estivesse sendo libertado. Eu me afastei do toque de
Max, batendo em Heath e Teddy, que emergiram da multidã o para ficar
atrá s de mim e derramar um pouco de sua cerveja. Mas nada disso foi
registrado. Eu estava respirando com dificuldade e manchas pretas
dançavam na minha frente. Eu tinha que fazer Max entender. Tudo
estava construindo e construindo. Eu senti como se fosse explodir.
— Você nã o vê? — Eu gritei. O clamor alto do pub acalmou-se ao
meu redor, mas permaneci alheia. — Você nã o entende porquê eu
deveria me mudar? Por que eu deveria conseguir outro emprego? Você
merece alguém normal, pelo amor de Deus. E nã o é como se eu tivesse
quebrado um osso – algo quantificável, algo definitivo, algo que você
pode consertar. Estou quebrado de mil pequenas maneiras, pedacinhos
chocantes de psique distorcida, todos se unindo para me deixar
totalmente fodida!
— Mia — disse Max, seus olhos agora tã o suaves que pareciam
líquidos. — Venha aqui — ele ergueu as mã os em minha direçã o, mas
eu recuei outro passo e balancei a cabeça em um movimento brusco de
um lado para o outro.
— Você nã o percebe que posso dizer o quã o cuidadoso você está
sendo comigo? — Eu disse, incapaz de diminuir o volume das minhas
palavras. Estendi minha mã o descontroladamente, fazendo com que
Heath se abaixasse para proteger sua cerveja novamente. — Quã o
cuidadosos todos sã o? Vocês nã o estã o exaustos com isso? Exausto por
mim? Você, Max, nã o quer estar com alguém que nã o está te acordando
com os pesadelos dela? Quem nã o precisa ter um caminho claro para
uma saída em qualquer espaço? Quem nã o recua quando você tenta ter
uma maldita conversa normal com ela?
— Mia, por favor, querida, venha até mim — disse Max, com a voz
baixa e os olhos ainda suaves, mas agora sua mandíbula estava cerrada
com determinaçã o.
Dei outro passo para trá s e passei as duas mã os no cabelo,
sentindo um pouco dele arrancar pela raiz. O pub estava
completamente silencioso agora. Os olhos de todos os nossos amigos e
familiares estavam voltados para mim. Mas eu nã o parecia ter
condiçõ es de me importar.
— Eu nã o posso fazer isso — eu disse em um sussurro á spero e
torturado. — Eu só ... — Max estendeu a mã o para mim naquele
momento e eu nã o aguentei mais. Girei nos calcanhares e corri. Ao
passar pela multidã o, registrei suas expressõ es chocadas. Algumas
pessoas tentaram me deixar passar, algumas tentaram me segurar ou
pegar minha mã o, mas eu as afastei. Tenho certeza de que mais bebidas
foram derramadas. Mas eu precisava fugir. Assim que as portas do pub
se fecharam atrá s de mim, respirei fundo o ar fresco da noite e soltei-o
rapidamente. Entã o desapareci no beco ao lado do prédio. Sempre fui
rá pida e o tempo que passei nas ruas significava que conhecia todos os
atalhos como a palma da minha mã o.

— Mia?
Assustei-me ao ouvir a voz da mã e de Max. — Saia daí agora,
querida. Isto nã o é um jogo de esconde-esconde e já pisei no que tenho
certeza que foi uma poça de urina. Esses saltos podem ser da M&S, mas
nã o quero testar seus limites de durabilidade desnecessariamente. —
Sua voz era tã o viva e objetiva, tã o autoritá ria e firme, que dei um passo
para fora das sombras em sua direçã o.
— Ah, agora está melhor. Nã o podemos deixar você rondando
pelos becos. Nã o está certo, de jeito nenhum. — Ela deu um passo em
minha direçã o e eu me mantive firme. Quando ela me alcançou, seus
olhos examinaram meu rosto manchado de lá grimas e suavizaram,
assim como os de seu filho – foi a primeira vez que pude realmente ver
a semelhança corretamente. — Agora, entã o — ela disse, afastando
meu cabelo do rosto e, em seguida, tirando um lenço das profundezas
de sua bolsa cavernosa. — Vamos arrumar você e levá -la de volta para
Max. Ele está destruindo Bournemouth inteiro procurando por você
agora mesmo.
— Como você me achou? — Eu perguntei, minha voz rouca por
causa da gritaria que dei antes.
— Eu vi você desaparecer aqui depois que você saiu correndo. Eu
estava a caminho do banheiro e estava mais perto da porta. Nã o contei
a Max ou aos outros porque pensei que você provavelmente precisava
de uma pausa depois de todo aquele drama aí dentro. E de qualquer
forma, nã o parecia que ele estava lidando bem com isso, na minha
opiniã o. Achei que seria melhor se você falasse comigo primeiro e eu
resolvesse você. — Ela agora estava enxugando alegremente meu rosto
manchado de lá grimas e, sem dú vida, manchado de rímel. — Muito
melhor, querida — ela murmurou baixinho e guardou o lenço.
— Me desculpe por ter feito aquela cena lá atrá s — eu disse,
sentindo um calor subir em meu rosto. Gritei para o bar e estraguei a
festa. — Você deve pensar que sou maluca.
— É claro que você nã o é maluca, amor — Fern me disse. — E
você nã o está quebrada de mil maneiras. Vocês, jovens – sempre com o
drama. Você nã o precisa se preocupar. Meu garoto te ama. Ele passou
por uma situaçã o difícil, meu Max. Seu pai era um homem duro e entã o
aquela cadela insípida Rebecca o deixou em paz. Ele e seu filho nã o
precisam de uma sulista mimada em suas vidas. Eles precisam de uma
moça forte. Uma moça que escapa de um bastardo assassino com um
ombro quebrado e entã o encontra outra vida para si mesma. Você nã o
está quebrada ou defeituosa. Você é a sulista mais durona que já
conheci.
— Você nã o entende — eu sussurrei. — Nã o tenho certeza se sou
capaz de... ele precisa de alguém que seja... que seja completa, limpa e
certa. Nã o...
— Nã o se atreva — ela disse, sua voz caindo e seus olhos
brilhando enquanto suas mã os disparavam para meus ombros para me
dar um aperto suave. — Pessoas má s fazem coisas ruins para pessoas
boas. Esse é o jeito do mundo. Eu sei disso, certo? Amor, estou dizendo
que sei.
Olhei em seus olhos verdes e respirei suavemente. A fú ria em sua
expressã o estava transbordando dela. Sim, coisas ruins aconteceram
com pessoas boas. Pude ver que a mã e de Max sabia disso sem sombra
de dú vida.
— Eu nã o deixei o pai de Max por uma vida mais fá cil. Eu o deixei
porque nã o havia outra escolha e estava preocupada por nã o poder
mais proteger Max disso. Pode ter sido há muito tempo, mas marca
você — ela me disse. — Isso marca você e você carrega com você. Você
nunca será tã o rá pida em confiar. Você nunca esquecerá esse tipo de
medo ou o conhecimento de como as pessoas podem ser feias. Mas você
não está quebrada. Você é mais forte de vá rias maneiras por causa de
suas experiências. Seu ex, ele pode... bem, ele pode dar o fora, porra! —
Ela mordeu o lá bio e olhou para o lado como se quisesse ter certeza de
que nã o seria pega pela polícia xingando.
Apesar de quã o exausta eu estava, a expressã o de Fern quando ela
disse um palavrã o forçou um pequeno sorriso nos meus lá bios. Ao meu
sorriso, sua expressã o de raiva mudou para diversã o aliviada. — Dane-
se ele! — Ela gritou. — Droga, merda, merda.
Eu ri – outro milagre dadas as circunstâ ncias – e ela me puxou
para um abraço. — Você sabe o que diz “dane-se” mais do que qualquer
coisa? O que realmente incomoda os bastardos? É viver uma vida boa,
apesar do que já aconteceu com você antes. É se deixar ser feliz. Caso
contrá rio, amor... caso contrá rio, ele vence. Caso contrá rio, você o
deixará vencer. — Sua voz caiu para um sussurro enquanto ela se
afastava e segurava meus olhos nos dela. — Eu nã o vou deixar aqueles...
aqueles... nas palavras do meu neto – palavrõ es vencerem. Eu nã o vou. E
você também nã o vai.
— Sinto muito que você tenha se machucado — eu sussurrei e ela
fechou os olhos lentamente.
— Nã o fale muito sobre isso, amor — disse ela. — Intensificar
essas coisas era visto como fraqueza na minha geraçã o. Meu Aubrey
nã o sabe nada além de que eu tive que ir embora. Max sabe o suficiente
para nã o ver o pai, mas nã o...
— Nã o direi nada — interrompi.
— Claro que nã o, amor — ela disse, dando um tapinha na minha
bochecha e me dando um sorriso suave. — Certo entã o. Você foi
estú pida? Acho que todos nó s precisaríamos de uma bebida e de um
bom digestivo.
— Mia? — Nó s duas nos viramos ao ouvir a voz de Max vinda da
estrada, no final do beco.
— Você tem que escolher ser feliz e fazer meu filho feliz, amor —
sussurrou Fern. — Você tem uma escolha.
Congelei por alguns segundos, depois girei e corri. Desta vez nã o
foi longe de Max. Eu estava tã o cansada de fugir. Nã o, eu corri em
direçã o a ele. Ele fez um suave — oomph — e voltou com um pé só
quando eu colidi com seu corpo só lido e passei meus braços em volta
de sua cintura.
— Sinto muito — funguei, sentindo as lá grimas encharcando sua
camisa. — Sua mã e está certa: sou um idiota.
— Tudo bem, moça — ele murmurou em meu cabelo, seus braços
me envolvendo e me abraçando em seu peito. — Você nã o é idiota.
— Mia? — Olhei para cima e vi Teddy parado a alguns metros de
distâ ncia e me olhando como se eu fosse um animal selvagem que
pudesse fugir a qualquer momento. Atrá s dele estava o resto de nossas
famílias e alguns amigos. — Você vem agora? — Ele perguntou, e pela
primeira vez pude detectar o sotaque nortenho de seu pai em sua voz.
— Papai fez tudo certo?
Consegui sorrir para ele quando minha mã o disparou e se fechou
em torno da dele, puxando-o em nossa direçã o e para um abraço
coletivo. Max bagunçou o cabelo como se ainda fosse um menino e nos
abraçou.
— Sim, Teddy — eu disse, minha voz um pouco embargada, mas
ainda clara o suficiente. — Sim, seu pai acertou.
EPÍLOGO
VOCÊ VAI VIVER

— Sr. Hardcastle, você concorda que suas casas revolucionarã o a


era pó s-moderna do design ambiental, combinadas com moradias
acessíveis. Essa era sua intençã o?
Puxei o colarinho da minha camisa. A maldita coisa estava me
sufocando.
— As pessoas precisam de casas — eu disse, encolhendo os
ombros. — Eu me certifico de que elas nã o custem um braço e uma
perna. Nã o é exatamente uma revoluçã o.
— Hm... sim, mas normalmente esse tipo de projeto de carbono
zero era caro para...
— Os insetos que precisam de carbono zero sã o os mesmos que
precisam de moradias populares. Ajuda a pagar a comida se a sua conta
de gá s nã o custar caro.
— Sim, mas você é o primeiro a realmente pegar isso e fazê-lo em
grande escala e a um preço acessível. Você mudou a cara da arquitetura
moderna.
Revirei os olhos e Verity me deu um chute na canela.
— Foi apenas bom senso. Qualquer idiota pode ver isso...
— Sim, estamos muito orgulhosos do projeto, obrigada Dermot —
Verity acrescentou, me interrompendo. Minha gravata ainda estava me
sufocando novamente. Eu bufei e arranquei a maldita coisa com as
patas para poder desfazer o botã o de cima. — Max — sibilou Verity.
— O que? Estava me sufocando, V. Ouça, Dermot, cara. O fato de eu
usar gravata aumentaria a probabilidade de você me contratar para
projetar um prédio luxuoso?
Verity gemeu ao meu lado, mas Dermot McWilliam riu.
— Nã o, Max. Suponho que nã o.
— Ah, meu Deus — gemeu Verity, com o rosto coberto pelas mã os.
— Podemos reiniciar esta entrevista?
Dermot riu novamente.
— Estou grato por você estar dando esta entrevista — disse-me
Dermot. — Eu sei que embora você seja a força criativa, você deixa a
maior parte dessas coisas para Verity. As aceitaçõ es do prêmio sã o um
excelente exemplo.
— V é melhor nessas coisas do que eu — murmurei. — Ela diz
que eu pareço um pouco mal-humorado, do norte do país...
— Obrigada, Max — disse Verity com uma risada forçada — sua
eloquência sempre quebra a divisã o cultural. — Ela se virou para
Dermot. — Max nã o é exatamente uma pessoa sociável, infelizmente.
Ele é mais um homem do tipo que dá uma entrevista coerente na
televisã o nacional. Mas ele é extremamente talentoso e as novas
comunidades habitacionais sã o todas projetadas por ele.
— Você deve estar aliviado porque tudo ainda estava
acontecendo depois que Nathanial Banks foi preso. Eu entendo que foi
um momento tenso.
Dei de ombros. — Á gua debaixo da ponte agora.
— O Sr. Banks está cumprindo uma sentença de dez anos de
prisã o por tentativa de homicídio e posteriormente foi despojado de
seus bens depois que foi descoberto que ele estava desviando dinheiro
da empresa e cometendo fraude fiscal.
Um sorriso lento se espalhou pelo meu rosto com as palavras de
Dermot e olhei diretamente para a câ mera. — Acho que eles nã o
gostam de agressores de mulheres na prisã o. E você, Dermot?
Houve uma pausa por um momento. — Hm... não, acho que nã o.
— Quando nã o disse mais nada, Dermot pigarreou. — Bem, você está
trabalhando com Adrian Luther, que era só cio da empresa de Banks,
mas agora assumiu o controle total. Essa relaçã o comercial é menos...
complicada?
— Adie é um bom rapaz — eu disse.
— É sempre um bô nus trabalhar com alguém que nã o é um
psicopata delirante e que nã o está tentando assassinar um de nossos
funcioná rios — acrescentou Verity, com uma voz alegre. A boca de
Dermot se abriu e seus olhos se arregalaram.
— Certo, sim, suponho que seja... — ele limpou a garganta
novamente. — Amelia nã o é apenas uma funcioná ria agora, nã o é? Eu
entendo que vocês estã o morando juntos, Max?
— Bem, ela é a velha bola e corrente agora. Seria um pouco idiota
se nã o morá ssemos na mesma casa.
— Ela é... o quê?
— Max e Mia estã o casados — explicou Verity e senti meu peito
inchar de orgulho.
— Oh sério? — As sobrancelhas de Dermot se ergueram. Nó s o
chocamos novamente. A atençã o da mídia apó s a prisã o de Nate foi
intensa. Mia havia se tornado a relutante garota-propaganda da
violência doméstica. O fato de ele tê-la agredido em rede nacional, logo
antes de sequestrá -la logo na saída do evento, dominou as manchetes
durante semanas. O clipe de Mia sendo jogada no palco e Barclay Lucas
alcançando-a teve milhõ es de visualizaçõ es no YouTube. O fervor em
torno da histó ria nã o foi ajudado pela filmagem de Mia quebrando o
nariz de Nate e correndo em minha direçã o. O primeiro-ministro e sua
esposa, além de toda a equipe de segurança no fundo do vídeo, apenas
aumentaram o drama.
Dois anos depois, o interesse da imprensa ainda nã o havia
deixado Mia completamente. Felizmente, Mia e eu éramos chatos.
Ficávamos em casa, recebíamos amigos, íamos ao Pig and Whistle – nã o
havia muito lá para o paparazzi mais interessado se interessar.
— Duvido que você tenha visto algo sobre isso nos jornais,
Dermot — eu disse a ele. — Tivemos a recepçã o em nosso local. Apenas
alguns rolinhos de salsicha e algumas cervejas. Champanhe e tudo para
os bastardos elegantes como V.
— Bastardos elegantes como o primeiro-ministro e sua esposa?
Dei de ombros. — Nã o sei do que você está falando, cara. — A
verdade é que Kira e Barclay estiveram lá . Barclay era um bom rapaz
para um político, mas aquela mulher dele era um risco adequado, e os
dois malditos mini hooligans de Lucas, combinados com a sobrinha de
Mia, aterrorizaram o Pig and Whistle, jogando Fergus contra a parede.
— Ouvi o discurso de Mia na conferência Açã o Contra a Violência
Doméstica — disse Dermot. — Foi impressionante. Ela parece bem.
Eu balancei a cabeça. Mia estava bem. Ela carregava seu passado
com ela e à s vezes algo acionava aquela expressã o em seus olhos
novamente – ela ainda nã o conseguia sentar no banco de trá s de um
carro – mas ela batia cada vez menos. À s vezes, se eu estivesse com ela
e ela voltasse a olhar para ela, eu descobriria que, se segurasse a mã o
dela na minha, ela nem precisava bater. Ter confiança para falar em
conferências era algo recente. Ela recusou muitas ofertas para ser uma
defensora das mulheres em sua posiçã o durante o primeiro ano. Mas no
final ela sentiu que tinha que fazer isso – como se fosse uma traiçã o se
nã o o fizesse. Foi a ú nica vez que ela se vestiu bem.
— Você é um homem de sorte — disse Dermot, com o rosto agora
sério.
— Isso eu sou, Dermot. Eu sou.

Respirei fundo pela boca e soltei lentamente pelo nariz. Multidõ es


ainda nã o eram minha coisa favorita, nem de longe, mas esta noite era
importante. Max parou no meio do caminho e se virou para olhar para
mim. Estávamos atrá s dos outros para que eles nã o nos vissem parar.
— Max, o que você...?
— Podemos ir para casa, amor — ele disse, pegando minha outra
mã o para que as minhas duas fossem envolvidas pelas suas mã os
quentes. Senti aquele calor subir pelos meus braços e chegar ao meu
peito. Uma sensaçã o de calma tomou conta de mim e sorri para ele.
— Você simplesmente nã o quer ficar amarrada naquela fantasia
de macaco por uma noite inteira.
Ele procurou meu rosto e entã o se inclinou para descansar sua
testa na minha.
— Eu sei que você nã o gosta dessas coisas arrogantes — ele
sussurrou. — Podemos ir para casa, tomar uma cerveja e assistir na
televisã o. — Apertei suas mã os antes de remover as minhas para poder
envolver seus braços em volta de sua cintura. Seus braços subiram para
me puxar para seu peito, que senti expandir com uma respiraçã o
profunda sob minha bochecha.
— Nã o vamos para casa assistir na televisã o, seu artigo idiota —
eu disse, minhas palavras um pouco abafadas em sua camisa, entã o me
afastei um pouco para olhar para seu rosto. — Isso é um grande
negó cio, Max. Você é o Jovem Arquiteto do Ano. Você tem que aceitar o
prêmio. Nã o vou permitir que minhas neuroses atrapalhem o seu
sucesso. — Seus braços me apertaram enquanto sua testa franzia.
— Sem você e suas coisas de Nú mero Cinco eu nem estaria aqui.
Nã o preciso de um bando de idiotas me dizendo que sou um visionário
e toda aquela maldita bobagem para projetar algo que qualquer Tom,
Dick ou Harry poderia ter pensado.
— Mas ninguém mais o projetou, Max. Essa é a questã o. Você fez.
Você merece esse prêmio e vou fazer com que você chegue lá e o aceite.
Ele revirou os olhos e depois se concentrou novamente no meu
rosto.
— Você vai me dizer se quiser ir, ok?
— Está certo, rapaz — eu disse, baixando minha voz para uma
imitaçã o pobre da dele e fazendo seu peito tremer com uma risada
baixa.
— Ainda faremos de você uma moça do norte — ele murmurou,
seu olhar caindo para minha boca enquanto eu sorria para ele e suas
pupilas se dilatavam. — Amo você, Nú mero Cinco — ele sussurrou
enquanto nossos lá bios se tocavam.
— Eu também te amo, seu bastardo mal-humorado — eu disse
contra sua boca antes de aprofundar o beijo. O mundo desapareceu e
era apenas Max e seu cheiro e a sensaçã o de seus mú sculos através de
seu traje. Ele pode nã o ter se sentido confortável com esse traje, mas
isso nã o significava que ele nã o estivesse objetivamente lindo usando-o.
— O que vocês dois idiotas com tesã o estã o fazendo aqui? — A voz
aguda de Kira cortou meu torpor de Max e nos separamos para nos
virar para ela. Max manteve um dos braços em volta da minha cintura e
me puxou para o seu lado. — Eles chegarã o à hora da mamba descolada
mais tarde, pessoal. Você é a estrela do show, garoto Maxy. Barclay
entregará o prêmio ao nada se você nã o seguir em frente.
— Certo — eu disse, determinaçã o em meu tom. — Kira está
certa. — Eu me soltei de debaixo do braço dele, agarrei sua mã o e dei-
lhe um puxã o forte para começar a se mover.
— Está bem, está bem — ele resmungou enquanto me deixava
puxá -lo junto com Kira em nossos calcanhares, como se ela estivesse
preocupada que tentaríamos fugir novamente.
Assim que entramos no vasto salã o eu enrijeci. Multidõ es ainda
nã o eram meu ambiente ideal. Mas lembrei a mim mesma que sabia
fazer isso, já tinha passado por isso há anos. Um grupo de pessoas veio
até nó s, alguns dos quais reconheci como outros arquitetos contra os
quais Max havia participado de propostas no passado, alguns
desenvolvedores que eu nã o conhecia e o presidente da comissã o de
arquitetura. Colei o sorriso discreto e interessado que aperfeiçoei
quando estava com Nate. Eu poderia conversar muito sobre esta festa.
Posso nã o gostar, mas faria qualquer coisa por Max, e esta noite era
importante para ele. Essas eram pessoas com quem ele precisava se
relacionar. Nate estava sempre dizendo o quanto as conexõ es eram
importantes nos negó cios – Max seria louco se nã o aproveitasse
oportunidades como essa.
Ele murmurou alguns cumprimentos, apertou algumas mã os e
nó s dois aceitamos uma taça de champanhe oferecida, que parecia
ridícula na enorme pata de Max. Quase ri do olhar sujo que ele lançou –
Max odiava champanhe. Ele apertou minha mã o enquanto a conversa
ao nosso redor aumentava e eu o senti se virar e olhar meu perfil. Eu
ainda estava usando meu sorriso educado enquanto um dos outros
arquitetos me perguntava sobre meu papel na empresa de Max. Quando
meus olhos se voltaram para o rosto de Max, fiquei surpresa ao vê-lo
franzindo a testa e senti uma pontada de preocupaçã o por poder estar
desapontando-o. Velhas inseguranças surgiram – eu estava dizendo a
coisa certa? Eu estava com o vestido certo? Eu estava envergonhando
Max? Ele apertou minha mã o e se virou para a multidã o ao nosso redor.
— Com licença — ele murmurou. — Estou morrendo de fome.
Vamos, Mia. Vamos ver se essa gafe tem algum rolinho de salsicha
decente. — Eu mal tive tempo de piscar antes que ele me puxasse
através do círculo de pessoas e atravessasse para o outro lado da sala.
— Aí está você — disse Yaz, entrelaçando seu braço ao meu e me
tirando de Max quando nos aproximamos. — Eu já tirei esses malditos
sapatos – e nã o me importo com o que V tem a dizer sobre isso. Eles sã o
obra do diabo. — Yaz nunca pareceu querer outro calçado além de
chinelos.
— Enquanto seus seios permanecerem contidos nesse vestido,
ficarei feliz — disse Verity, olhando para o vestido de Yaz, que estava
aberto do pescoço até a cintura.
— Exatamente — Heath disse depois de se inclinar para beijar
minha bochecha. — Vamos rezar para que o vestido do inferno aguente.
Você já atraiu atençã o suficiente, Midge. — As hostilidades entre Heath
e Yaz aumentaram nas ú ltimas semanas por algum motivo. Estava
completamente além da minha compreensã o por que o gentil e razoável
Heath seria tã o descuidadamente cruel com Yaz, mas eu estava
perdendo a paciência com ele.
— Agora espere só um minuto — disse Kira, juntando-se ao nosso
grupo com o marido. Notei sua segurança espreitando no fundo. —
Esse é o meu vestido que ela está pegando emprestado.
— Bem, sim — disse Verity depois que todos cumprimentaram
Barclay e Kira. — Você dificilmente poderia usá -lo, nã o é? Ninguém
pode arriscar que a esposa do primeiro-ministro mostre alguma coisa
em pú blico. Sinto muito se isso faz de mim uma puritana terrível, mas
prefiro que Yaz também nã o o faça. E há uma ligeira diferença de
dimensõ es entre vocês duas.
— Ela quer dizer que eu tenho enormes deslumbrantes — disse
Yaz e eu soltei uma risada, relaxando em Max e sentindo a tensã o
drenar do meu corpo. Heath engasgou com o champanhe que estava
bebendo, numa perda incomum de sua calma habitual.
— Eu acho que seus deslumbrantes sã o fabulosos — eu disse a
Yaz e ela me deu um grande sorriso antes de se lançar em mim e me
abraçar até que eu nã o conseguisse respirar.
— Obrigada, linda — disse ela, me balançando de um lado para o
outro, seus – deslumbrantes – restringindo meu suprimento de
oxigênio. — Você está bem — ela entã o sussurrou em meu ouvido.
Max me puxou de volta para o seu lado e empurrou Yaz para
longe. — Ela ficará se você nã o a esmagar até a morte, sua maluca.
— Ela precisa do reforço tá til positivo, Max — Yaz bufou, com as
mã os indo para os quadris. — Abraços centralizam as pessoas em
situaçõ es estressantes.
Heath bufou e Yaz se virou para estreitar o olhar para ele. — Qual
é o problema, Heathy, querido? Você precisa de alguma centralizaçã o?
Heath deu um passo para trá s e duas bandeiras coloridas
floresceram em suas maçã s do rosto. — Meus níveis de oxitocina estã o
mais do que bons, obrigado, Midge. — Ele estava tentando fingir uma
expressã o entediada agora, mas o elemento sufocado em sua voz o
denunciou. O que diabos estava acontecendo com eles?
— Bem, acho que Mia já recebeu um bom reforço tátil, Yaz, se o
que eu a peguei fazendo com seu irmã o no corredor servir de
referência — Kira acrescentou. O calor subiu até meu rosto.
— Isso é maravilhoso, Max — Yaz jorrou, estendendo a mã o para
dar um tapinha em seu rosto. — Eu amo como você está sexualmente
aberto agora. Oh! Ah... vocês deveriam ir e bater no banheiro. Isso irá
centrar vocês dois e tornar a noite menos estressante – liberar a tensã o.
Verity fez um som de engasgo. — Sim! Por favor. Alguns de nó s
nã o exigem esse nível de informaçã o.
— Uau — Barclay estava sorrindo enquanto olhava para Yaz. —
Acho que nunca conheci alguém tã o bizarramente inapropriada quanto
minha esposa antes. Isso é uma grande conquista. — Quando comecei a
rir, notei Max me observando novamente.
— Você está bem agora? — Ele se inclinou para sussurrar em meu
ouvido.
— Sim, claro — eu disse, virando-me para ele franzindo a testa. —
Escute, Max, por que nã o ficamos e conversamos com essas pessoas
antes? Eu sei que algumas delas sã o um grande negó cio na indú stria.
Você nã o acha que deveria usar uma oportunidade como essa a seu
favor? Fazer algumas conexõ es?
Ele encolheu os ombros. — Ou as coisas que eu desenho sã o boas
ou sã o besteiras. Nenhuma conversa muda isso. Desperdício de tempo.
— Você sabe que isso nã o é verdade — eu sussurrei, puxando sua
mã o para que ele olhasse para mim novamente. — Você sabe disso...
— Olha — ele me interrompeu, me afastando um pouco do nosso
pequeno círculo. — Você tem aquele sorriso estranho no rosto ali. E
você estava com aquele olhar de mil metros. Mas agora, com nossos
companheiros, você está de volta à sala.
Revirei os olhos. — Posso sobreviver a um pouco de conversa
fiada, Max.
Sua boca formou uma linha sombria e seus olhos brilharam de
aborrecimento. — Eu sei que você pode sobreviver a conversa fiada.
Você provou que pode sobreviver a praticamente qualquer coisa. Mas
comigo você nã o vai apenas sobreviver. Você vai viver e isso nã o inclui
bater papo com um bando de bastardos que te deixam desconfortável.
— Mas...
— Escute, nenhuma quantidade de bate-papo conta se você
construir edifícios ruins. Nunca fui bom com essa coisa de lamber o
traseiro e ainda vou receber esse prêmio hoje à noite – porque posso
projetar a merda da construçã o.
Eu sorri para ele. — Você é tã o modesto.
Ele sorriu de volta e suas mã os cobriram meu rosto novamente,
ambos os polegares varrendo os cantos da minha boca. — Esse é o
sorriso que eu quero ver — ele murmurou. — Eu te amo, veja bem.
— Eu também te amo.
— Eca! Vocês poderiam parar de se acariciar a cada dois minutos?
— Verity retrucou, dando um soco forte no braço de Max.
— Eu acho que é lindo — disse Yaz com um suspiro. — E é tã o
bom que os níveis de oxitocina sejam...
— Acho que a oxitocina deles está aumentada no momento, Yaz —
disse Heath em tom seco. — Eles estã o brigando há meses.
— Sim, é muito nojento — acrescentou Teddy ao se juntar ao
grupo. Ele tirou uma folga do curso em Cambridge para comparecer à
cerimô nia de premiaçã o.
— Por que você nã o me acaricia mais assim? — Kira gritou com
Barclay, cujas sobrancelhas subiram até a linha do cabelo. — Minha
oxitocina também precisa de um impulso.
— Kira, eu acariciei você bastante esta manhã — disse ele.
— Ah, sim — Kira respondeu, uma expressã o sonhadora surgindo
em seu rosto enquanto ela se inclinava para ele e passava um braço em
volta de sua cintura.
— Acho que nos divertimos com bastante regularidade para um
casal com dois filhos descontrolados.
Ela bufou. — Bem... talvez eu queira mais carícias públicas.
— Eu brinquei publicamente com você há duas semanas, Kira, e
uma foto nossa nos beijando apareceu na capa de praticamente todos
os jornais nacionais pouco antes da cú pula da ONU.
Kira mordeu o lá bio. — Certo, esqueci disso. — Ela deu um
tapinha na barriga dele e olhou para ele com um sorriso. — Talvez eu o
deixe em paz enquanto você for o primeiro-ministro.
Ele revirou os olhos e a puxou para encará -lo, dando-lhe um breve
beijo nos lá bios. Um clique e um flash dispararam assim que seus lá bios
se tocaram, mas o paparazzi havia desaparecido quando eles se
separaram. — Muito brilhante — Barclay murmurou. — A este ritmo, o
pú blico britâ nico pensará que sou algum tipo de maníaco sexual.
O discurso de aceitaçã o de Max foi breve. Ele agradeceu a Verity,
sua família e a mim antes de dizer — Felicidades entã o — e sair do
palco. Nã o muito depois disso, ele declarou que já estava farto dessa —
bobagem engomadinha — e todos nó s fomos para o barzinho da
esquina. Sem conversa fiada, sem conversas superficiais, sem
expectativas de meu desempenho, sem medo – apenas amor, risadas,
lar e família.
E a mã e de Max estava certa. Foi assim que ganhei. Viver essa vida
imperfeita cercada de amor foi minha vitó ria.
EPÍLOGO BÔNUS
VOCÊ VAI CLASSIFICAR

— Nã o fique mal-humorado com isso, Max — eu disse,


suprimindo um sorriso ao ver a expressã o em seu rosto.
— Eu nã o estou mal-humorado — ele praticamente rosnou, e eu
nã o pude evitar que os cantos da minha boca se levantassem
levemente, o que tornou sua expressã o ainda mais sombria. Max era
simplesmente o rabugento mais adorável do mundo. Como um grande
ursinho de pelú cia fingindo ser pardo. Esse resmungo em particular era
sobre nossa filha de dezesseis anos saindo para um encontro. Claro, nã o
foi rotulado como um encontro:
— Somos um grupo, pai — disse Sophie, frustrada. — Estamos
apenas comendo pizza e assistindo a um filme, quase nã o vamos a
boates e injetamos drogas nos olhos.
Mas agora um membro do grupo era o namorado oficial de
Sophie, e Max estava profundamente descontente com esse
acontecimento.
— Só estou dizendo que ela é muito jovem para ter um namorado.
Mas entã o vocês nã o ouvem o que eu digo.
Max estava sentado na bancada da cozinha, em um dos bancos,
com os braços cruzados e uma xícara de chá na mã o. Eu circulei a ilha
para ficar na frente dele, peguei o chá dele e coloquei-o na superfície de
granito ao lado dele, em seguida, entrei entre suas coxas. Sua expressã o
se suavizou e seus braços se descruzaram para que ele pudesse me
envolver neles. Descobri que quando Max estava assim era sempre
melhor começar com um abraço. Minhas filhas e eu usávamos
regularmente esse truque no grande molenga. Ele poderia gritar e
tentar colocar o pé no chã o, mas na realidade, ele era uma tarefa muito
maior do que eu.
Dei um beijo em sua bochecha eriçada e deslizei minhas mã os em
seu cabelo grosso, agora salpicado de cinza nas laterais. Max era um
daqueles homens que só pareciam ficar mais atraentes com a idade.
Embora sempre que eu reclamasse sobre como isso era injusto, ele
olhava para mim como se eu fosse louca: — Do que você está falando?
Todo mundo sabe que sou um sortudo, casado com a moça mais bonita
de Dorset. Estou me transformando em um velho rabugento e você está
cada vez mais bonita. — Max podia nã o ser gentil ou charmoso no
sentido tradicional, mas certamente tinha jeito para fazer elogios rudes.
Ele fez com que as meninas e eu nos sentíssemos o centro do universo
todos os dias.
— Soph é sensata. Ela vai ficar bem. Ela tem dezesseis anos Max.
Ela nã o vai mais ficar em casa na noite de cinema e pipoca toda sexta-
feira.
— Nã o temos só pipoca — resmungou Max. — À s vezes eu faço
meus pudins especiais de Yorkshire. Heath, Yaz e as crianças vã o trazer
o Nacho's esta semana. Soph nunca sente falta dos nachos.
Eu o beijei na têmpora e depois no canto da boca voltada para
baixo antes de olhar para ele novamente. — Ok, vamos nos
comprometer. Ela pode voltar para casa à s dez...
— Nove e meia — ele interrompeu.
— Dez — eu disse com um sorriso e entã o dei-lhe outro beijo,
desta vez na boca. Ele bufou de aborrecimento, mas eu sabia que ele
iria ceder.
— Mã e, Pai? — Sophie disse e nó s dois nos viramos para ela
enquanto ela entrava na cozinha. Ela estava carrancuda e sua boca
estava numa linha teimosa. Afastei-me um pouco de Max, mas
permaneci no círculo de seus braços. Dada a discussã o que Max e
Sophie tiveram antes de ela partir, achei melhor começar com o
apaziguamento agora.
— Sophie, olha, conversamos sobre esta noite e nó s...
— Nã o, mã e — disse Sophie, balançando a cabeça. — E... eu nã o
me importo com isso. Bem, eu tenho, mas... — Ela respirou fundo e
fechou os olhos. Quando ela os abriu novamente, percebi como ela
estava pá lida. Algo estava errado.
— Soph, amor — Max disse suavemente, me deslocando para trá s
para que ele pudesse sair do banco e ficar de pé. — Tudo bem, moça?
— Oh, papai — Sophie disse em um sussurro entrecortado e meu
peito apertou. Max se moveu entã o, atravessando a cozinha até nossa
primeira filha e puxando-a para um abraço de urso.
— Ei, o que é tudo isso agora — ele murmurou em seu cabelo
enquanto ela se agarrava a ele, enterrando-se em seu peito. —
Aconteceu alguma coisa com aquele seu namorado insignificante?
— Nã o, nã o tem nada a ver com isso — disse Sophie, com a voz
um pouco trêmula. Eu estava ao lado deles agora e coloquei minha mã o
em seu ombro.
— O que aconteceu, querida? — Eu perguntei quando ela virou a
cabeça para mim.
Os olhos de Sophie se voltaram para Max e depois para mim
novamente. — Nã o quero chatear você, mã e.
Minhas sobrancelhas subiram. — Me chatear? Como você poderia
me chatear?
— Talvez eu devesse mostrar ao papai primeiro e entã o ele
decidirá o que fazer. É apenas…
— Mostrar-me o quê?
— Mamã e! Papai! — Lily e sua amiga entraram na cozinha,
seguidas de perto por minha filha do meio, Kira, que parecia tã o pá lida
e preocupada quanto Sophie, e Roger, que estava tentando acompanhar,
mas o pobre garoto claramente estava deitado há algum tempo e estava
muito rígido para correr. Kira tinha quatorze anos, mas minha caçula,
Lily, tinha seis. Max e eu sempre quisemos três, mas depois de Kira isso
simplesmente nã o aconteceu. Entã o, um dia, chorei um pouco com Yaz,
que estava criando bebês a torto e a direito nessa fase, sobre como eu
sabia que era egoísta, mas queria apenas mais um bebê. Yaz entã o
cobriu minha casa com cristais, deixou todo o lugar cheirando a ó leos
essenciais e depois massageou meus pés praticamente diariamente –
uma espécie de fertilidade reiki. Max resmungou sobre — ter outro
maldito cristal incrustado na minha bunda — quando ele ficava sentado
sobre eles, ou como a casa cheirava — como um maldito unicó rnio
peidando flores por toda parte — mas no final do mês eu comecei a
vomitar, e ele estava abraçando sua irmã e prometendo que nunca mais
duvidaria dela.
— E aí? — Eu disse, me preparando para o míssil que era minha
filha. Lily colidiu comigo e jogou os braços em volta da minha cintura,
em seguida, fez o mesmo com Max antes de se afastar, colocando as
mã os nos quadris e olhando para nó s.
— Diga a Molly que os papais nã o falam palavrõ es para as
mamã es. — Molly era amiga de Lily e estava perto de Kira, que estava
com o braço em volta dos ombros dela. O olhar de Molly se voltou para
Max e depois se desviou novamente. Havia algo em sua expressã o que
nã o parecia certo. Senti um arrepio de mau pressentimento passar por
mim enquanto arrepios se formavam em meus braços.
— O que é isso, Lils? — Eu perguntei, agachando-me para ficar na
altura dos olhos de Lily.
— Estávamos brincando de mamã e e papai e Molly nã o estava
brincando direito — Lily estava franzindo a testa agora. Estendi a mã o e
afastei um pouco de seu cabelo do rosto, conseguindo um pequeno
sorriso. À s vezes, minha filha podia ser um pouco mandona. Ela era a
mais parecida com Max de todas elas. Ela até se parecia com ele –
cabelos escuros, lindos olhos verdes. — Agora, você se lembra do que
conversamos? Seus amigos podem nem sempre querer jogar os
mesmos jogos que você e tudo bem. Você tem que...
— Nã o — Lily disse, batendo o pé, o que era um sinal infalível de
que a frustraçã o estava se instalando. — Você nã o entende. Ela está
jogando errado. Os papais nã o falam palavrõ es para as mamã es e nã o
batem nelas.
Pisquei para Lily, entã o meu olhar disparou através da sala para
sua amiga. Molly parecia realmente aterrorizada agora. Ela se encolheu
ao lado de Kira e nã o olhou para mim ou para Max.
— Eu sei que nã o deveria ser uma fofoqueira — Lily estava
sussurrando agora, e eu me inclinei para frente para ouvi-la melhor. —
Mas Molly disse alguns palavrõ es. Nunca ouvi algumas dessas palavras
antes, mas duas delas ouvi Teddy dizer quando estava ao telefone com
os amigos. Teddy me disse que eram palavrõ es realmente ruins, e eu
nã o deveria contar a você que o ouvi dizê-los ou ele se meteria em
grandes problemas. Ele me fez jurar com o mindinho. — Sua expressã o
caiu entã o. — Oh nã o! Eu quebrei um juramento mindinho com Teddy!
Eu amo Teddy.
— Nã o se preocupe, amor — Max disse suavemente. — Nã o
vamos repreender Teddy. Sabemos que o grandalhã o diz palavrõ es.
Lily pareceu satisfeita com isso e sorriu para Max, que bagunçou
seu cabelo.
— Lils — eu disse, e sua atençã o voltou para mim. — Vou bater
um papo com Molly, ok? Entã o talvez vocês possam escolher outro jogo.
— Lily parecia um pouco insegura.
— Vamos, esguicho — disse Max, pegando nossa filha e sentando-
a na superfície da ilha da cozinha. — Você pode me ajudar a fazer os
sanduíches. — Lily sorriu, nã o havia nada que ela gostasse mais do que
mandar no pai na cozinha. Enquanto ela estava distraída, fui até Molly e
lhe ofereci minha mã o.
— Molly, você quer ver as cobaias? — Ela ficou atrá s de Kira,
evitando meu olhar. — Eu poderia deixar você segurar uma se
prometer ter muito cuidado. — Seu rosto apareceu em volta das pernas
de Kira e ela piscou para mim. — Aposto que você pode ter cuidado,
certo? Aposto que você é muito gentil.
— Posso tomar cuidado — ela disse em voz baixa e finalmente
pegou minha mã o.
Entã o, sentada de pernas cruzadas na despensa, e depois de
algumas perguntas gentis sobre sua vida doméstica, aquela sensaçã o de
mau pressá gio se transformou em raiva absoluta. Como ousa o pai de
Molly gritar e xingar a mã e dela quase constantemente e na frente da
filha? Os palavrõ es eram muito ruins. Nã o fiquei surpresa que Lily
nunca tivesse ouvido Teddy usar alguns deles antes.
— Seu pai machucou sua mã e? — Perguntei. Molly estava olhando
para Gus, um grande e gordo porquinho-da-índia marrom que Teddy
chamava de The Walking Poo, para horror das minhas meninas – elas
adoravam Gus. Seus ombros estavam tensos. Obviamente eu acertei um
ponto nevrá lgico. — Eu nã o deveria dizer nada — ela sussurrou, tã o
baixinho que tive que me esforçar para ouvir as palavras.
— À s vezes, Molly, os adultos nos dizem para nã o dizer nada, mas
as meninas nã o deveriam ter segredos. É sempre melhor nã o guardar
segredos, a menos que se trate de um presente ou de uma boa surpresa
para alguém. E sou uma pessoa muito boa para contar um segredo
como esse. Trabalho com uma instituiçã o de caridade que ajuda muitas
famílias onde há palavrõ es e talvez pessoas se machucando. Porque
realmente isso nã o é bom e precisa parar.
— Você pode fazer isso parar? — Ela perguntou, me olhando
diretamente nos olhos agora, cheia de esperança.
— Eu posso, mas você tem que me contar sobre isso primeiro.
— Papai tem que trabalhar muito, muito duro — disse Molly. —
Entã o, ele fica cansado e mal-humorado.
— Ok, o que acontece quando ele está cansado e mal-humorado?
— Ele grita com a mamã e. — Os olhos de Molly voltaram-se para
Gus e eu prendi a respiraçã o, esperando que ela continuasse. — À s
vezes ele bate na mamã e — ela sussurrou para o pedaço de pelo
marrom adormecido em seu colo. — Ele jogou a mamã e pela cozinha.
Ela nã o iria acordar por um tempo. Eu estava realmente preocupada.
Nó s nos escondemos no quarto dela quando ela acordou. — Minha
mente voltou-se para a mã e de Molly. As meninas eram melhores
amigas desde a escola e eu achava que conhecia Isla muito bem. Ela
estava quieta, mas eu também. À s vezes, íamos tomar café depois do
horá rio escolar. Eu estive na casa dela para brincar com as meninas. Ela
trabalhava em casa para uma empresa de relaçõ es pú blicas e seu
marido, Graham, era contador. Eu só o encontrei algumas vezes, mas ele
parecia bem, certamente nã o era o tipo de homem que jogava a esposa
na cozinha. Mas depois pensei um pouco mais e lembrei-me do facto de
a Isla usar sempre mangas compridas, mesmo no verã o. Lembrei-me do
telefone dela vibrando incessantemente quando tomávamos café e do
sorriso trêmulo quando ela se desculpou: — Graham só gosta de saber
o que está acontecendo e se estou bem.
Aposto que sim, pensei comigo mesma agora, a raiva fazendo o
sangue subir à minha cabeça e nublar minha visã o. Aposto que ele
gosta de saber exatamente onde ela está e aposto que nã o gosta de
perder o controle. Eu sabia o que era ser tã o querida que você se sentia
sufocada, eu sabia o quanto Isla devia se sentir presa. E eu sabia quanto
perigo ela e Molly corriam.
— Ei — Lily gritou enquanto entrava pela porta. — Eu também
quero abraçar os porcos!
— Lils, pelo amor de Deus — disse Sophie perseguindo minha
filha. — Eu disse para dar a elas um minuto, sua pequena tirana.
— Está tudo bem, Soph — eu disse, tentando manter minha voz
leve e nã o deixar a raiva que eu estava sentindo vir à tona. — Vocês
podem entrar e abraçar os porcos. Talvez organize uma corrida para
eles lá fora. Preciso falar com seu pai. — Lily correu para tomar meu
lugar e eu fiz uma cuidadosa transferência de cobaia antes de me
levantar. Ao sair, Sophie pegou meu braço.
— Eu contei ao papai o que Molly disse quando ela estava
jogando e o que ela atuou.
Eu balancei a cabeça. — Boa menina.
— Vai ficar tudo bem?
— Sim.
Sophie deu um suspiro de alívio.
— Isso foi o que papai disse.
Saí da despensa e fui direto para os braços de Max. Ficamos assim
por um longo momento. Minha garganta estava entupida e meus olhos
ardiam com lá grimas estú pidas. Max se afastou um pouco para olhar
meu rosto e enxugou uma lá grima que caiu pelo meu rosto.
— Nã o estou triste, estou furiosa — respondi, e ele assentiu.
— Eu sei, amor — ele disse suavemente. — Molly nã o vai para
casa, vai?
— Nã o, ela nã o está muito bem, nã o.
Ele assentiu novamente.
— Vamos buscar a mã e dela entã o? Teremos que descontaminar
o quarto do Teddy porque ele fez o que era necessá rio para limpá -lo,
seu desgraçado. Mas as meninas podem ajudar a torná -lo agradável.
Pensei na casa de Verity e Harry, já que eles estarã o em Londres nos
pró ximos meses, mas... bem... lembrei-me de como você era depois... —
ele pigarreou antes de continuar. — Eu nã o acho que você gostaria de
ficar sozinha naquela época. Entã o talvez elas nã o se importem com o
quarto de Teddy.
Este homem. Eu nem tinha discutido o plano com ele ou o que
precisávamos fazer, e aqui estava ele desistindo de espaço e privacidade
em sua pró pria casa sem questionar. Descansei minha cabeça em seu
peito e soltei um longo suspiro de alívio.
— Eu te amo, você sabe — eu disse em sua camisa e seus braços
me apertaram.
— Bem, eu também te amo, seu artigo idiota — disse ele confuso.
— Nã o tenho certeza do que isso tem a ver com o quarto de Teddy.
Preciso conversar com aquele idiota atrevido sobre xingar na frente da
minha filha.
Recostei-me para sorrir um sorriso aguado para meu marido. —
Você nã o pode repreendê-lo. Lily prometeu de mindinho e você sabe o
quanto ela o ama.
Ele revirou os olhos, passou o braço em volta dos meus ombros e
começou a nos impulsionar pela cozinha. — Kira, Sophie — ele gritou
atrá s dele enquanto caminhávamos até a porta da frente. — Você fica
com as meninas e brinca com as cobaias. Voltaremos daqui a pouco.
— Tudo bem, pai — Kira gritou de volta. Sophie saiu correndo da
garagem e foi direto para o pai, que estava vestindo o casaco.
— Você está indo para lá , nã o é pai? — Ela disse enquanto jogava
os braços em volta dele. — Você vai resolver isso, nã o é?
— Claro que vou, amor — ele respondeu enquanto beijava sua
testa.
— Eu te amo, pai — disse ela, e as sobrancelhas dele se ergueram.
— Maldito inferno — ele murmurou. — Todo desgraçado me ama
hoje e eu nem fiz nada. Também te amo, esguicho.
— Tenha cuidado, pai — Sophie gritou atrá s de nó s quando
saímos de casa. Ela provavelmente estava preocupada com Graham –
um homem claramente violento. Mas eu nã o estava preocupada.
Iríamos até lá , levaríamos Isla de volta para casa conosco e Graham nã o
seria capaz de fazer nada para nos impedir. Max tinha o dobro do seu
tamanho e nã o gostava de homens que abusavam de mulheres.
Consegui convencer Max a nã o dar um soco no pai de Molly
naquele dia. Esperar a hora certa. Isla e Molly viveram conosco três
meses depois disso. Por fim, elas se mudaram para uma das pequenas
casas ecoló gicas que Max havia projetado para um projeto habitacional
local. Na primeira semana, Max e Teddy desativaram temporariamente
o alarme e dormiram nos sofá s da sala. Quando Graham invadiu, como
Isla sabia que faria, ele se arrependeu. Max disse que a espera valeu a
pena. Depois disso, o sistema de alarme voltou a funcionar e Graham
saiu da á rea.
Max nã o mentiu para minha filha naquele dia quando disse que
resolveria o problema. Esse era exatamente o tipo de homem que ele
era.
Sim, eu amava meu marido.
Notas
[←1]
Sociedade Real para a Prevenção da Crueldade com os Animais
[←2]
Significa fazer alguém se sentir menos confiante ou menos determinado a fazer algo,
geralmente dizendo ou fazendo algo que não está esperando.
[←3]
É um pequeno estabelecimento de hospedagem que oferece acomodação e café da manhã
durante a noite.
[←4]
National Health Service (Serviço Nacional de Saúde)
[←5]
Referência ao personagem do filme Karatê Kid – A Hora da Verdade

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