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(transitivo) Para estragar ou destruir a perfeiçã o.
CAPÍTULO UM
SEM OFENSA, GAROTO
— O que é tã o urgente que eu tinha que vir até seu escritó rio
chique na manhã seguinte ao meu turno da noite? — Resmungou
Heath. — Você tem alguma ideia de como o pronto-socorro está
ocupado no momento, grandalhã o?
Revirei os olhos. Heath sempre foi uma vadia chorona. — É
importante, ok? Coisas médicas.
— As coisas médicas nã o restringem isso. Eu... — Heath ficou em
silêncio enquanto entramos em meu escritó rio. — Max? — Ele disse,
desenhando o nome. — Tem uma mulher pequena dormindo no seu
sofá .
— Sim, eu sei disso, seu idiota — respondi e abaixei a voz quando
Mia mexeu sob meu casaco. — É Mia. Quero que você verifique se ela
está bem.
— Hmm... Por que? Aconteceu alguma coisa com ela? — A nota de
preocupaçã o na voz de Heath fez meus ouvidos aguçarem. — Ela está
machucada?
— Nã o... bem, acho que nã o. Ela... ela está com muito frio.
— Muito frio?
Revirei os olhos e murmurei — Idiota sulista — baixinho. — Ela
está com frio, ok. Congelando. Muito frio.
Heath piscou. — Ela está com frio? Você me arrastou até aqui logo
apó s meu turno de doze horas para me mostrar uma mulher fria? Max,
todo mundo está com frio hoje. Está um frio de rachar lá fora.
Soltei um suspiro irritado. — Ela nã o está apenas com frio, seu
idiota – ela parecia quase morta e parecia gelo. E assim que a aqueci no
escritó rio, ela adormeceu sentada ereta. Essa merda é estranha. Algo
está errado com ela.
Heath suspirou, mas sua expressã o se suavizou quando ele olhou
para o pequeno pacote de Mia no sofá .
— Ok, ok — ele murmurou, indo até Mia e agachando-se na frente
de sua cabeça. — Ei, querida. — Ele manteve a voz suave enquanto
tirava um pouco do cabelo preto dos olhos dela e o colocava atrá s da
orelha. Seu rosto, quando relaxado durante o sono e nã o tenso, ansioso
ou carrancudo, era na verdade... lindo. Ela tinha uma pele clara e pá lida,
sem nenhum vestígio de maquiagem à vista. Suas sobrancelhas
arqueavam-se perfeitamente sobre os olhos, seus lá bios – quando nã o
estavam em uma linha apertada – eram carnudos e formavam um arco
perfeito. Ela parecia uma bela adormecida. O ú nico aspecto chocante de
sua aparência era o corte em suas maçã s do rosto, dando-lhe uma
aparência magra, desnutrida e doentia.
Cruzei os braços sobre o peito. Heath tocando Mia estava me
deixando estranhamente irritado. Aquela onda de proteçã o passou por
mim novamente e balancei a cabeça para clareá -la. O que estava errado
comigo?
— Mia? — Heath chamou novamente, sua voz mais forte agora.
Lentamente, muito lentamente, os olhos de Mia se abriram. Com visível
esforço ela se concentrou no rosto de Heath à sua frente. Depois de
alguns segundos, sua expressã o sonolenta desapareceu e foi substituída
por choque. Ela voou até ficar sentada, o enorme casaco escorregando
de seus ombros. Antes que Heath ou eu pudéssemos dizer qualquer
coisa, ela ficou de pé. Seus olhos se voltaram para a saída e depois para
nó s e ela congelou.
— Mia, eu...
Mia se concentrou em mim por um momento, mas entã o seus
olhos rolaram para trá s e ela cambaleou. Eu avancei e a peguei antes
que ela pudesse cair no chã o, manobrando-a de volta para o sofá ,
deitando-a e envolvendo-a em meu casaco novamente.
— Vê o que quero dizer? — Eu disse para Heath, o tom brusco
fazendo Mia se encolher no sofá . — Merda — eu murmurei enquanto
meus olhos se fixaram nos dela aterrorizados. — Mia, está tudo bem.
Heath está aqui para ajudar. — Minha tentativa de usar um tom nã o
ameaçador saiu mais rouco do que gentil. Eu nunca fui muito bom em
ser suave e gentil, por mais que tentasse – meu corpo era muito grande,
muito imponente e minha voz estava muito baixa.
— Mia, o que aconteceu? — Heath perguntou, seu tom
conseguindo ser tã o gentil que pude ver Mia relaxar um pouco,
provocando aquele aborrecimento inexplicável novamente. Por que
Heath sempre parecia ser capaz de dizer a coisa certa da maneira certa?
Ele me fez sentir como um ogro desajeitado em comparaçã o.
— Nada... er... nada aconteceu — disse ela, com a voz rouca de
sono. Ela limpou a garganta antes de continuar. — Eu... Deus. Eu sinto
muito. Devo ter adormecido.
Ela tentou se sentar novamente e a imagem de seus olhos
revirando em sua cabeça passou pelo meu cérebro. Sem pensar, dei um
passo à frente, coloquei as duas mã os em seus ombros e empurrei-a
firmemente de volta para o sofá . Eu nã o pensei que o rosto dela
pudesse ficar mais pá lido. Eu estava errado. E agora ela estava
tremendo de novo, desta vez nã o de frio, mas de medo real. Consegui
assustar tanto uma mulher que ela tremia. Eu tinha que ser um idiota
tã o pesado?
Heath me lançou um merecido olhar irritado e me empurrou para
longe do sofá . Recuei um passo e fiz uma careta para meus sapatos. Eu
tive que usar essas malditas e desconfortáveis roupas de couro italiano
hoje, pois tínhamos aquela grande apresentaçã o para fazer na reforma
e ampliaçã o do museu. Verity os comprou para mim depois que eu
compareci à ú ltima dessas reuniõ es com meus mocassins surrados de
vinte anos. Puxei minha gola, que parecia muito apertada em volta do
meu pescoço grosso. Ternos eram obra do diabo e eu nunca usava
gravata, se pudesse evitar. Eu estava com inveja infinita do pijama verde
e dos tênis que Heath usava atualmente, que aparentemente pareciam
ser um equipamento perfeito para consultor em medicina de
emergência. A ironia era que o bastardo adorava ternos e sapatos
pretensiosos.
— Desculpe por isso, Mia — Heath disse, seu tom gentil
desviando os olhos dela de mim. — Max nã o queria chatear você, mas
você provavelmente deveria ficar aí deitada um pouco. Você parecia que
ia desmaiar. Quando foi a ú ltima vez que você comeu alguma coisa?
Os olhos de Mia se voltaram para mim novamente e ela varreu
minha roupa da cabeça aos pés.
— Ah, nã o — ela sussurrou. — Sua apresentaçã o. É por isso que
você chegou tã o cedo. Você está se preparando para isso. E estou
estragando tudo! — Ela começou a se mexer como se fosse se sentar
novamente e eu dei um passo à frente.
— Está tudo bem — eu respondi, novamente sem conseguir
suavizar meu tom, mas isso teve o efeito de fazer Mia se encolher no
sofá , longe de mim. Pelo menos ela nã o iria se levantar novamente.
Suspirei. — Nã o se preocupe com isso. Apenas pare de ser difícil e deixe
Heath examinar você, certo?
Ela assentiu e Heath tirou alguns equipamentos de sua bolsa,
depois passou a mã o em volta do pulso dela para sentir seu pulso,
mediu sua temperatura em seu ouvido, colocou algo em seu dedo que
mostrou alguns nú meros e mediu sua pressã o arterial.
— Ok, parece que você já se aqueceu — disse ele, sorrindo para
ela. — Mas a questã o é: como você ficou tã o resfriada? — Mia repetiu a
histó ria do passeio que ela me contou e a cabeça de Heath inclinou para
o lado.
— Certo — disse ele, pronunciando a palavra de uma forma que
afirmava que ela nã o estava enganando ninguém. — Você tomou café da
manhã hoje?
— Por que elas tiveram que vir? — Max resmungou para Verity.
Eu enrijeci no banco de trá s, mas Yaz apenas revirou os olhos e mostrou
a língua para ele pelo espelho retrovisor.
— Precisamos de ajuda com o novo sistema BIM — explicou
Verity novamente. — Se alguma coisa der errado, Mia pode aparecer e
fazer sua má gica.
— Se nã o tivéssemos atualizado o maldito sistema de
apresentaçã o, nã o precisaríamos de ajuda.
— Sim, Max. Também nã o teríamos sido selecionados, nã o é?
Encolhi-me no couro macio, tentando ficar a menor possível e
olhando pela janela para observar a paisagem ao lado da M3 passar
voando. Estávamos a caminho de Londres para lançar um enorme
projeto de habitaçã o ecoló gica. No ú ltimo minuto, Verity me forçou a
entrar no carro, para o caso de eles – enlouquecerem – e precisarem
que eu – salvasse a pele deles. Eu nã o queria ir mais do que Max queria
que eu estivesse lá . O pâ nico já havia se instalado sobre como eu iria
deixar de almoçar e, portanto, pagar pelo almoço quando chegá ssemos
lá . Verity sugeriu que parassem num pequeno restaurante italiano que
ela conhecia em Covent Garden. Eu já estive em Covent Garden muitas
vezes e frequentei restaurantes muito mais caros do que apenas o
pequeno italiano de Verity. Eu nã o estava sem um tostã o naquela época,
longe disso. Mas agora eu nã o tinha acesso a nenhuma das minhas
contas antigas. Nate sempre administrou o dinheiro, e a ú nica conta à
qual tive acesso foi conjunta. Depois de esvaziá -la no dia em que saí,
nã o ousei acessá -la novamente, pois ele poderia ver onde eu estava
fazendo as transaçõ es. Agora o dinheiro com o qual eu contava estava
diminuindo. Eu precisava abrir uma nova conta bancá ria, mas era mais
fá cil falar do que fazer quando você nã o tinha comprovante de
endereço. Eu disse a Janet que estava tendo problemas com minha
conta bancá ria e ela me deu parte do meu salá rio em dinheiro. O
má ximo que ela poderia fazer era £250 e eu nã o queria desperdiçar
nada disso. Estava tã o frio no momento – eu precisava tentar me esticar
para ficar no pequeno B&B3 que encontrei até que pudesse resolver o
maldito problema da conta bancá ria.
— Tudo bem, tanto faz — Max resmungou e eu tentei nã o me
ofender. Eu sabia que ele nã o me queria lá e nã o o culpava. Eu nã o era
exatamente um bom representante da empresa – a nã o ser que os
aspirantes a gó ticos e muito magros estivessem agora na moda na
indú stria da arquitetura.
— E eu estou pegando uma carona para a grande fumaça, entã o
engula isso, seu mal-humorado — Yaz interveio.
— Achei que você odiasse Londres — Max murmurou.
— Sim, muito longe do mar. Mas vou me encontrar com Kira
Lucas, se você quer saber.
— Sim, certo — disse ele. — Puxe o outro.
— Ela é minha amiga, idiota.
Max bufou. — Como se a esposa do primeiro-ministro se
incomodasse em ser sua companheira.
— Você conhece Kira Lucas? — Eu perguntei, meus olhos se
arregalando enquanto focava em Yaz no banco de trá s.
— Somos amigas há muito tempo — Yaz me disse, saudando Max
com um dedo quando ele bufou novamente. — Nó s frequentamos os
mesmos retiros de ioga e a mã e dela organiza um comício wiccaniano
que eu frequento todos os anos. Kira e eu temos muito em comum, na
verdade.
— Certo. — Max pronunciou a palavra. — Qualquer coisa que
você diga. Na verdade, elas nunca foram vistas juntas.
— Foda-se.
— Max, deixe Yaz com suas pequenas fantasias — acrescentou
Verity.
— Ei! — Yaz disse, mas V a ignorou.
— Você só está nervoso — ela continuou para Max com uma voz
paciente.
— Nunca fiquei nervoso na minha vida — Max zombou e vi Verity
revirar os olhos pelo espelho retrovisor.
Max poderia negar, mas as evidências sugeririam que ele era um
mentiroso. Ele passou a manhã inteira andando de um lado para o
outro, verificando duas e três vezes cada detalhe com qualquer um dos
arquitetos juniores envolvidos no projeto. Eu o vi invadir o escritó rio de
Verity por volta das dez e começar a gritar sobre poços de luz e como
eles precisavam redesenhar uma ala inteira do projeto. Verity o deixou
reclamar como sempre.
Eu estava suando quando ele terminou de gritar e andar
furiosamente. Qualquer tipo de agressã o agora parecia fazer meu
ombro direito e minhas costelas doerem também – algum tipo de
resposta estranha ao trauma lembrado. Por fim, Verity conseguiu
acalmá -lo, convencendo-o de que os poços de luz estavam bons e que
era tarde demais para retirar o projeto original. Ele resmungou durante
todo o caminho de volta para seu escritó rio. Eu entendi as palavras,
“devia simplesmente retirá -lo se estiver abaixo do padrã o” e “minha
reputaçã o em jogo” e “nunca deveria ter entrado nessa maldita coisa se
nã o estivesse certo”.
Nas ú ltimas semanas, tornou-se evidente que Max era um
perfeccionista ao extremo e seu maior crítico. O que quer que ele
estivesse dizendo agora, ele estava nervoso hoje. Minha presença na
situaçã o e a tensã o entre nó s depois daquele beijo também nã o estavam
ajudando.
Estacionamos abaixo do prédio comercial em nosso destino. Yaz
saiu correndo para encontrar Kira Lucas (ou pelo menos foi o que ela
disse – estava claro que nem Max nem Verity acreditaram nela) e fomos
até os escritó rios. Depois de alguns minutos desconfortáveis no
elevador, chegamos ao ú ltimo andar do prédio e só tivemos que
aguentar o andar de Max por um curto período de tempo antes de
sermos conduzidos a uma sala de conferências. Havia um painel de dez
pessoas sentadas ao redor da mesa aguardando a apresentaçã o. Verity
fez as apresentaçõ es e a maior parte da conversa. Eu me encolhi o
má ximo possível, ficando atrá s do carrinho de chá e desejando poder
me misturar com as paredes brancas. Enquanto examinava a sala, meus
olhos pousaram de repente em um rosto que reconheci e minha
garganta se fechou. Era o parceiro de negó cios do Nate. Com a minha
sorte eu nã o deveria ter ficado surpresa, mas Londres era uma cidade
enorme. Ele realmente precisava estar nesta sala de reuniõ es deste
prédio? Eu sabia que havia vá rios promotores imobiliá rios interessados
no projeto que Max e Verity estavam apresentando, mas a empresa de
Nate nunca havia se envolvido com design ecoló gico antes.
Eu mal era reconhecível como eu era antes, mas quando Adrian
me olhou, houve um lampejo de reconhecimento em sua expressã o,
antes de uma pequena carranca de concentraçã o se formar em sua
testa, como se ele estivesse tentando me identificar. Olhei para meus
pés e deixei meu cabelo cair para frente para esconder meu rosto. Mas
meu coraçã o agora batia forte e eu podia sentir uma pontada de suor na
nuca. Max agora substituiu Verity para descrever o design real. O
modelo da ecovila estava à sua frente na mesa de conferência e ele
explicava o assunto ao grupo. Ele parecia estar em seu elemento.
Mesmo nã o sabendo nada sobre arquitetura pude perceber que a visã o
que ele apresentava era incrível. E sustentável. Yaz me disse
anteriormente que um projeto ecoló gico com zero carbono nesta escala
era praticamente inédito.
Quando ele mudou para o tour virtual pelos prédios, pude ver um
mú sculo em sua mandíbula se contrair enquanto ele tentava abrir o
programa e projetar as imagens na parede. Uni minhas mã os na minha
frente e orei. Mas, como sempre, minhas oraçõ es caíram em ouvidos
surdos. O homem tinha um talento natural para bagunçar qualquer
tecnologia com a qual entrasse em contato.
— Mia — sua voz afiada trouxe minha cabeça para cima. Ele
estava carrancudo para mim. Nenhuma surpresa aí. — Você pode
resolver isso? Por favor?
Dei um passo à frente, focando apenas no computador na frente
de Max e tentando bloquear o resto da sala. Respirei fundo e deixei
meus dedos voarem, organizando o programa em segundos.
— Obrigado — disse ele, com genuíno alívio e gratidã o em seu
tom quando as imagens ganharam vida na parede. Balancei a cabeça e
comecei a me afastar, mas, quando me endireitei, meus olhos
encontraram Adrian diretamente em frente. Ele estava olhando para
mim – aquela carranca ainda marcando sua testa.
— Amelia? — Adrian perguntou. Eu estremeci e minha mã o fez
contato com uma xícara de chá na mesa de conferência. Como se
estivesse em câ mera lenta, vi-a inclinar-se para o lado e tombar antes
que pudesse pegá -la. Um líquido marrom espalhou-se pela mesa e pela
maquete, estragando as linhas brancas e nítidas e fluindo pelo á trio em
miniatura que Max acabara de descrever.
Dei um passo para trá s e minhas mã os cobriram minha boca. Eu
nem tinha condiçõ es de pegar um guardanapo do carrinho de chá e
limpar a bagunça. Em vez disso, Verity entrou em açã o.
— Eu sinto muito — eu sussurrei por trá s das minhas mã os. Os
olhos de todos passaram da bagunça que eu tinha feito na mesa para
mim. Alguns ficaram chocados, alguns cheios de diversã o, os de Adrian
estavam apenas curiosos. Max se recostou na cadeira e eu sabia que nã o
seria capaz de olhar na cara dele, entã o fiz o que faço de melhor: virei-
me e saí.
EU
Que porra foi essa? Você está bem?
Foi isso. Nenhuma explicaçã o de por que ela saiu correndo para a
escuridã o apó s a oferta de uma carona perfeitamente boa. Suspirei. Eu
nã o conseguia afastar a sensaçã o de que algo nã o estava certo. Havia
algo que estava faltando.
A tosse era uma coisa, mas lutar para respirar era outra dor de
cabeça que eu poderia viver sem. Até mesmo caminhar até a cozinha
me deixou respirando com tanta dificuldade que tive que me apoiar no
balcã o por um momento antes de poder estender a mã o para pegar
uma xícara. Distraída por outro acesso de tosse, esqueci de usar o braço
esquerdo e estendi a mã o direita, que nã o conseguiu nem chegar à
prateleira onde estavam as canecas. Xinguei baixinho e senti
movimento em minha visã o periférica.
— Se você está doente, você realmente nã o deveria estar no
trabalho — Max me disse e eu segurei um revirar de olhos. Ele havia
chegado na semana passada carregando a praga viral, entã o estava em
terreno instável ao defender essa linha de argumento.
Eu o ignorei e troquei de mã os para pegar uma xícara com a
esquerda.
— É só um resfriado — eu disse, abafando o pró ximo ataque de
tosse com um trago violento. A ú ltima coisa que eu precisava era ser
mandada para casa. Eu estava em casa.
— Você chega bem cedo, hein? — Max perguntou, cruzando os
braços sobre o peito e apoiando o quadril no balcã o ao meu lado.
— Sempre fui uma pessoa matinal — murmurei, entregando-lhe
um chá , preparado exatamente de acordo com suas especificaçõ es.
Desde que o ouvi ao telefone depois que comecei aqui, fiz questã o de
preparar chá para ele todos os dias. Normalmente eu conseguia deixá -
lo no escritó rio dele sem precisar falar com ele, como uma espécie de
ninja do chá . Ele fez uma careta para a xícara que eu tinha acabado de
colocar em suas mã os e eu suspirei. Nã o havia como agradar algumas
pessoas.
— Olha, vou me esconder na copiadora durante o dia. Há um
monte de coisas servis que precisam ser resolvidas lá e posso guardar
meus germes para mim mesma.
— Você tem uma obsessã o estranha pela copiadora. Você é
talentosa demais para ficar presa lá . — Ele suspirou. — Use meu
escritó rio. De qualquer maneira, estou fora esta manhã .
Minhas reservas sobre usar o espaço de Max foram rapidamente
superadas pela constataçã o de que eu estava realmente doente. Com o
passar do dia, cada respiraçã o e tosse tornaram-se terrivelmente
dolorosas no lado direito do meu peito – como uma faca quente
perfurando minhas costelas. E entã o houve os suores. Eles estavam
acontecendo o dia todo, apesar de eu estar com frio até os ossos. Eu
precisava desesperadamente de um banho para me aquecer. Eu
consegui entrar furtivamente no centro de lazer ontem, mas nã o havia
como eu ser forte o suficiente para repetir isso esta noite. E, além disso,
tudo o que eu realmente queria fazer era me enrolar em meu saco de
dormir e dormir, o que eu poderia fazer com alegria se todos
simplesmente saíssem do trabalho. Sã o seis horas pessoal! Vocês nã o
têm famílias para onde ir? Depois que eles fossem embora, eu nã o seria
cautelosa e esperaria até quase meia-noite para dormir. Eu me
enrolaria o mais rá pido possível. Por precauçã o, eu dormia embaixo de
uma das mesas. Outro ataque de tosse sacudiu meu corpo e quase
desmaiei de dor.
Talvez eu deveria tentar fazer um check-up? Mas eu nã o poderia
exatamente ir ao Clínico Geral. Eles iriam querer meu endereço e
alguma forma de identificaçã o (algo que Verity também vinha me
perseguindo ultimamente). Foi por isso que nã o respondi à mensagem
de Heath sobre a fisioterapia. Ele perguntou em qual Clínico Geral eu
estava inscrita e percebi que para fazer fisioterapia as coisas teriam que
ficar muito mais complicadas. Entã o, nã o há médico de família. Nenhum
pronto-socorro também. A ú ltima coisa que eu precisava era de um
Heath curioso pairando sobre mim se ele estivesse de plantã o.
Nã o, provavelmente era apenas um vírus.
Eu poderia dormir.
Mas quando a ú ltima pessoa saiu do dia e eu me enfiei no saco de
dormir, percebi que havia cometido um grande erro.
Estremeci com o ar da manhã enquanto entrava no prédio. Já
passava das sete. Talvez eu devesse ter configurado o aquecimento para
ligar mais cedo? Estava um frio de rachar agora – eu podia ver minha
respiraçã o na frente do meu rosto. Parei perto do aquecedor para ter
certeza de que estava funcionando e soprei em minhas mã os enquanto
caminhava até meu escritó rio, parando quando algo chamou minha
atençã o debaixo de uma das mesas. Eu fiz uma careta e inclinei a cabeça
para o lado. Alguém havia deixado uma pilha de casacos no chã o? Ao
contornar a mesa, percebi que nã o se tratava de uma pilha de casacos.
Era um saco de dormir contendo uma pessoa, e essa pessoa era Mia.
Minhas sobrancelhas subiram até a linha do cabelo e eu respirei
chocado.
— Mia? — Chamei e ela se mexeu. Suas pá lpebras tremeram, mas
depois se fecharam novamente. Eu me agachei na frente dela e meu
peito apertou. Ela parecia tã o pequena, deitada ali, enrolada em uma
pequena bola. O ar no escritó rio ainda estava gelado. Amaldiçoei-me
por estar muito apertado para manter o aquecimento ligado durante a
noite. Mas como eu poderia saber que a mulher iria dormir embaixo da
mesa? Ela disse que tinha problemas financeiros – ela nã o disse que era
uma sem-teto. — Mia? — Estendi a mã o e dei uma leve sacudida em seu
ombro. Ela fez um pequeno som e suas pá lpebras piscaram novamente,
mas ainda assim ela nã o acordou.
Foi entã o que notei que, apesar do frio, seu rosto estava coberto
por uma camada de suor e ela parecia mortalmente pá lida. Coloquei
minha mã o em sua testa e xinguei quando senti a pele queimando sob
meus dedos. Sua respiraçã o estava difícil e, quando retirei minha mã o,
ela começou a tossir. Droga, eu a ouvi tossindo nas ú ltimas semanas.
Mas ela sempre me garantiu que estava bem. Entã o eu ignorei, assim
como ela estava me ignorando. Eu estava tentando esquecê-la um
pouco, para ser honesto. Eu pensei que minha preocupaçã o com ela nã o
era saudável, entã o reprimi minha preocupaçã o e fiz o que fazia de
melhor – me enterrar no trabalho. Afinal, foi assim que lidei com a
perda da recente rejeiçã o de Rebecca e Teddy. Enterrar coisas e
trabalhar como um maníaco era o que eu fazia de melhor.
A tosse de Mia foi um som terrível e cortante que sacudiu todo o
seu corpo, mas ainda nã o pareceu ser suficiente para acordá -la. Eu
estava começando a ficar com medo agora. Balancei seu ombro com um
pouco mais de força e chamei seu nome novamente, mas ainda assim só
consegui provocar aquele pequeno tremor nas pá lpebras. Levantando-
me, uma das minhas mã os foi para a parte de trá s do meu pescoço
enquanto eu olhava para ela. Minha mente passou por todas as opçõ es.
Eu poderia ligar para Heath (mas quem sabia quanto tempo ele levaria
para chegar aqui e o que ele poderia realmente fazer sem nenhum
equipamento?). Eu poderia chamar uma ambulâ ncia (talvez a opçã o
mais sensata, mas, novamente, quanto tempo teríamos que esperar?).
Ou eu mesmo poderia levá -la ao hospital agora. Olhando para ela
enrolada assim no chã o, segui meu instinto.
— Max, o que está acontecendo? — Verity chamou do outro lado
do escritó rio. Olhei para cima e a vi parada com Yaz, as duas olhando
para mim e para a figura encolhida aos meus pés. — O que na Terra?
Os olhos de Verity se arregalaram quando se aproximaram de Mia.
Ignorando Verity e Yaz, me agachei e passei os braços por baixo de Mia.
Tentando ser o mais gentil possível, tirei-a de debaixo da mesa, com
saco de dormir e tudo. Depois que ela saiu, nã o foi preciso nenhum
esforço para levantá -la contra meu peito. Na verdade, fiquei um pouco
assustado com a facilidade com que foi pegá -la. Ela pesava quase nada.
Para meu alívio, levantá -la pareceu ser um estímulo suficiente para
trazê-la de volta à consciência.
— O que... o quê? — Ela disse em um sussurro rouco. Olhei para o
rosto dela e aqueles olhos chocolate encontraram os meus. — Eu... Eu...
— Você está doente — eu disse, pela primeira vez conseguindo
suavizar minha voz. Movi o braço que estava em volta de suas costas
para poder prender o saco de dormir com mais firmeza em seu
pescoço.
— Eu nã o acho...
— Você nã o pensa mais — eu disse. — É evidente que o seu
pensamento sobre a sua saú de e bem-estar nã o tem sido nada
brilhante. Vou pensar agora. Começaremos levando você ao hospital.
Apesar da exaustã o que pude ver estampada em seu rosto, seus
olhos se encheram de pâ nico. — N... nã o, eu nã o posso... — ela foi
interrompida por outro ataque de tosse. Aquele som horrível de hack
encheu o escritó rio, todo o seu corpo ficando tenso e curvado com a
força enquanto ela estava deitada em meus braços. Depois que ela
terminou, ela olhou para mim novamente. Sua boca estava numa linha
sombria e o pâ nico em seus olhos foi substituído por dor. Sua
respiraçã o voltou a ser aquele chocalho anormal.
— Ok — ela sussurrou enquanto suas pá lpebras se fechavam
novamente. Na verdade, ela parecia mais pá lida do que antes. Eu estava
começando a ficar com muito medo agora e sua aquiescência me
preocupou ainda mais.
— Vou levá -la ao pronto-socorro — disse a Verity e Yaz. Ambas
estavam olhando para mim com expressõ es abertamente chocadas.
— Você nã o acha que deveríamos chamar uma ambulâ ncia? —
Verity disse. Eu a ignorei, coloquei o pequeno corpo de Mia mais perto
do meu peito e saí do escritó rio.
A primeira coisa que pensei ao abrir os olhos foi que as luzes
estavam muito fortes. Dolorosamente brilhante. E algo estava cobrindo
minha boca. Estendendo a mã o, senti uma má scara de plá stico sobre
meu rosto e rapidamente puxei-a até abaixo do queixo. Minha mã o
esquerda também parecia restrita e, quando olhei para baixo, vi
bandagens em volta dela, prendendo alguns tubos. Meus olhos
seguiram o tubo até um gotejador ao lado da cama em que eu estava
deitada, e foi entã o que os vi: dois pés enormes, calçados com botas que
já tinham visto dias melhores. Meu olhar subiu dos pés para pernas
grandes bem abertas, um peito largo, queixo mal barbeado e,
finalmente, aquele rosto em toda a sua perfeiçã o esculpida. Os olhos de
Max estavam fechados, as mã os apoiadas sobre a barriga lisa e a cabeça
em um â ngulo estranho na cadeira. Durante o sono, e sem a carranca
perpétua, ele era tã o bonito que quase doía olhar para ele. Tentei me
sentar e a tosse começou novamente.
— Coloque a má scara de volta — o tom familiar e rosnado me fez
estremecer na cama. Os olhos verdes de Max estavam abertos e alertas
agora, sua carranca firmemente de volta ao lugar. Ele parecia tã o
irritado que decidi que era melhor fazer o que ele pediu, cobrindo a
boca novamente com o plá stico, apesar da claustrofobia que isso
induziu.
Deus, eu odiava hospitais.
Eles me faziam sentir presa. Eu os associava à dor e à
desesperança.
Vasculhando minhas memó rias, tentei entender como vim parar
aqui. Lembrei-me de acordar no carro de Max com outro ataque de
tosse. Ele estava dirigindo rá pido demais e ficava olhando para mim
enquanto eu estava deitada com a cabeça no colo de Yaz, o que achei
perigoso, mas nã o parecia ter fô lego para dizer isso a ele. Depois disso,
as coisas ficaram um pouco confusas, mas tive flashes de Max me
carregando para o pronto-socorro e gritando por socorro. Fui colocada
em uma maca e havia o que pareciam ser centenas de pessoas
movimentadas ao meu redor – me espetando agulhas, me fazendo
perguntas, me examinando.
Eu tinha feito uma radiografia de tó rax – disso eu me lembrava.
Heath estava lá e me disse que eu estava com pneumonia. Pneumonia?
Ele me apresentou a outra médica – uma mulher baixa e eficiente que
me disse que era consultora médica e que eu seria internada no
hospital sob seus cuidados.
— Ei, moça?
Ouvi uma voz abafada logo além da porta do guarda-roupa e me
encolhi. Alguém estava se movendo pelo quarto. Alguém com passos
muito pesados. Segurei meu livro com força no colo, deixei cair o
telefone que estava usando como luz para ler as pá ginas e congelei.
Antes que eu pudesse reagir, a porta foi aberta e a luz entrou, cegando-
me por um momento.
— Você está lendo — uma voz profunda me disse, e pisquei contra
a luz para focar no rosto da grande figura. O medo estava obstruindo
minha capacidade de falar. — Em um guarda-roupa. — Pisquei
novamente e consegui ajustar minha visã o o suficiente para ver que era
Teddy. Minhas mã os relaxaram o aperto mortal sobre o livro e soltei um
suspiro lento e aliviado.
— Oi — eu disse quando o silêncio se tornou desconfortável.
Teddy estava franzindo a testa para mim, mas a expressã o taciturna de
antes foi substituída por uma confusã o aberta. Acho que qualquer um
acharia estranho uma mulher escolher sentar em um guarda-roupa
escuro e ler com luz artificial de seu telefone quando ela tinha um
quarto enorme à sua disposiçã o.
— Por que você está em um guarda-roupa? — Ele perguntou.
— Eu gosto do silêncio?
Teddy abriu mais a porta. — Sim, porque está uma confusã o
absoluta aqui — disse ele. — Foda-se. — Ele inclinou a cabeça para o
lado e caiu em um silêncio deliberado, durante o qual ouvi um leve
canto de pá ssaro e um carro passando ao longe. Levantei-me do
pequeno ninho de travesseiros que fiz no chã o e outro movimento de
cabeça me atingiu quando me levantei. Tive que me segurar no batente
da porta para me apoiar.
— Merda — Teddy murmurou, movendo a mã o para me segurar
caso eu caísse e depois recuando quando viu que eu estava bem. Ele
parecia cada vez menos hostil e mais inseguro agora. — Uau, você... Hm,
você está bem?
Eu dei a ele um pequeno sorriso. Talvez ele agisse como “Bisonho
com esteroides” na maior parte do tempo, mas eu estava disposta a
apostar que havia um garoto doce enterrado sob as camadas do idiota
adolescente.
— Estou bem. Mas obrigada.
Ele se afastou da porta para me deixar passar, arrastando os pés e
enfiando as mã os nos bolsos. — Pai... — Ele balançou a cabeça em um
movimento brusco, como se quisesse clareá -la. — Quero dizer, Max
disse que você esteve doente.
— Sim, estive, mas estou melhorando agora.
Teddy olhou para meu ninho de travesseiro no guarda-roupa e
depois para mim. Ele nã o parecia convencido.
— Bem, ele me mandou avisar que o jantar está pronto. Eu bati na
porta, mas você nã o atendeu...
Isso explicava a entrada no meu quarto.
— Eu nã o teria entrado, mas todas as portas sã o tã o isoladas que
impedem a entrada de qualquer ruído. E Max disse que você precisava
comer. — Ele olhou para mim e rapidamente desviou o olhar. — Sem
ofensa, senhora, mas acho que ele está certo.
— É Mia.
— O que?
— Meu nome é Mia. E obrigada por ter vindo me buscar, Teddy. Eu
agradeço. — Ele lançou outro olhar para o meu ninho de travesseiro,
depois de volta para mim antes de ignorar sua expressã o e se virar para
sair. Coloquei meu exemplar de Jane Eyre cuidadosamente na mochila
antes de segui-lo.
Enquanto descia as escadas flutuantes, ouvi vozes abafadas e
raivosas vindas da cozinha.
— Por favor, tente nã o ser tã o chato pelo menos uma vez, Ted —
Max resmungou enquanto algumas panelas eram jogadas no granito.
— O que eu devo falar? Que estou feliz que você tenha trazido
uma estranha qualquer para dentro de casa sem sequer me perguntar?
— Ela passou por momentos difíceis, cara — disse Max em voz
baixa. — Ela precisa de ajuda um pouco. Eu sei que você ainda está
chateado porque sua mã e nã o pô de vir...
— Nã o fale sobre mamã e!
A verdadeira dor agora se infiltrava no tom anteriormente
indiferente de Teddy.
— Ted — a voz normalmente baixa de Max estava ainda mais
rouca agora. — Desculpe. Achei que você fosse o verdadeiro campeã o
nas regionais. Ela perdeu. A perda é dela, rapaz. — Espiei pelo corrimã o
e vi Max colocar a mã o na nuca de Teddy. Por um momento, Teddy se
apoiou em Max, mas entã o o momento passou e Teddy se afastou.
— Nã o envolva mamãe nisso. Ela pode ser uma vadia indiferente,
mas pelo menos gostaria que eu me concentrasse nos exames.
Decidi que provavelmente deveria dar-lhes um pouco mais de
tempo e dei um passo para trá s subindo as escadas. Mas quando me
virei dei de cara com os olhos negros de Roger. Suas orelhas foram para
trá s e ele mostrou os dentes, um rosnado baixo ressoando do fundo de
seu peito. Eu recuei e colidi com uma lâ mpada vertical, que balançou
por um segundo antes de cair no chã o antes que eu pudesse pegá -la.
Roger me lançou um olhar de desgosto antes de descer as escadas.
— Merda — eu murmurei, tentando corrigir a coisa estú pida – era
muito pesada. Felizmente foi apenas a enorme lâ mpada que quebrou.
Uma lâ mpada meio estranha – sem abajur nem nada, apenas um
enorme tubo de cobre inclinado no meio com uma lâ mpada enorme,
agora quebrada, na extremidade. Ouvi barulho nas escadas e olhei para
baixo para ver três pares de olhos olhando para mim. — Hm... desculpe
— eu gritei. — A esquisita aleatória pode ter derrubado uma lâ mpada.
Mas acho que é só a lâ mpada que está quebrada, entã o...
— Já ouviu falar de uma lâ mpada LED com filamento exposto? —
Teddy perguntou.
— Cale a boca, Ted — Max retrucou.
— Hm... o quê?
— Essa lâ mpada custou mais do que minha mesada durante um
ano.
— Oh meu Deus. — Minha mã o foi até a boca e senti meu rosto
perder a cor. — Eu sinto muito.
Vi uma pontada de arrependimento na expressã o de Teddy antes
que ele baixasse o olhar para os sapatos. — Nã o fique muito nervosa.
Max é um idiota, entã o minha mesada nã o é tanto.
— Teddy, pelo amor de Deus — Max retrucou. — Escute Mia, nã o
se preocupe com a luz quebrada.
— Vou apenas arrumar isso para que... — Estremeci quando uma
lasca de vidro perfurou meu dedo. O sangue agora pingava nos azulejos
imaculados. Max deu uma olhada no sangue e subiu as escadas
correndo, de dois em dois. Quando ele chegou até mim, ele agarrou
minhas mã os e por instinto eu as arranquei dele. Ele deu um passo para
trá s e ergueu as duas mã os na frente dele.
— Mia? — Ele chamou suavemente. — Tudo bem. Eu só ia colocar
um pouco de pressã o nele para parar de sangrar.
— Sim, sim, claro — gaguejei. Ele se aproximou de mim
novamente, desta vez mantendo movimentos lentos e deliberados.
Depois de colocar um lenço em minha mã o, ele se retirou novamente
para me deixar pressionar o ferimento.
— Teddy, você pode pegar uma pá e uma vassoura para varrer, por
favor? — Max perguntou. Ouvi Teddy suspirar e se afastar. Max pairou
enquanto descíamos as escadas como se eu fosse uma espécie de
invá lida.
— Desculpe pela lâ mpada — eu disse quando estávamos na
cozinha. — Eu posso te pagar de volta. — Pensei nas dez notas que
tinha guardada na mochila. Nã o era como se eu fosse capaz de
economizar um depó sito de segurança para um apartamento tã o cedo.
Eu ainda tinha que abrir outra conta bancá ria, pelo amor de Deus.
— Está tudo bem — disse Max, puxando uma cadeira para mim na
ilha da cozinha, na qual eu pulei enquanto ainda pressionava o lenço no
dedo. — Ignore Teddy.
— Padrã o — ouvi Teddy murmurar enquanto ele andava pela
cozinha com a pá e uma vassoura. Max revirou os olhos. Fiz uma
anotaçã o mental para verificar quanto custam os LEDs de filamento
exposto e decidi abandoná -los por enquanto. Max estava tirando tigelas
grandes do armá rio. Duas panelas borbulhavam no fogã o.
— Entã o... — Fiz uma pausa enquanto olhava para as vigas
expostas e as luminá rias no teto. — Você está fazendo alguma obra?
— O que?
— Hmm... você está fazendo algumas obras. Parece que está tudo
quase lá .
Max fez uma pausa na drenagem de uma quantidade bastante
alarmante de macarrã o e olhou para mim. — Nã o estou fazendo nada.
— Ah... mas e o... o teto e outras coisas? — Acima de mim, um
grande cabo subia por uma viga á spera e depois pendia com uma
lâ mpada nua na ponta.
Uma forte gargalhada soou atrá s de mim e eu pulei um pouco no
assento.
— Ah! Eu amo isso! — Teddy disse, ainda rindo. — Parece que
está quase lá . Clá ssico.
— O que? — Eu fiz uma careta para ele. Até agora eu nã o tinha
certeza se Teddy conseguia sorrir, muito menos rir daquele jeito.
— Aquela luminá ria que você está apontando custa mais de mil
dó lares — disse Teddy. — É o visual industrial excêntrico de Max. Ele
pagou caro por essa merda. Este lugar foi destaque em revistas. Ok,
Max. Eu mudei de ideia. Ela pode ficar.
CAPÍTULO DEZESSEIS
DANIEL-SAN
— E aí, Ted?
Pisquei confusa diante da chaleira quando ouvi a voz de Yaz vindo
da porta da frente.
— É complicado — Teddy murmurou. Ouvi a porta da frente se
fechar e passos vindos do corredor. Entã o Yaz apareceu na cozinha.
— Ei, Mia — disse ela, correndo para me envolver em um grande
abraço. — Como você está , querida? Sua energia está toda instável.
Precisamos fazer alguma meditaçã o de emergência? Que tal um
mergulho no mar?
— Você poderia tentar nã o apertá -la até a morte — disse Teddy
em um tom seco, e Yaz fez uma careta para ele e entã o lhe deu um soco
forte no bíceps. — E ela teve pneumonia, tia Yaz – a ú ltima coisa que ela
precisa é nadar no mar.
— Cale a boca, esguicho — ela retrucou, e eu quase sorri para ela,
referindo-se a um humano com quase o dobro do tamanho do esguicho.
— Você e seu pai precisam embarcar nos poderes curativos do mar. De
qualquer forma, o que está acontecendo?
— Sinto muito, Mia — disse Teddy, virando-se para mim e
esfregando o braço. — Mas nã o sei nada sobre refú gios para mulheres
ou... bem, nada disso. Yaz é a ú nica velha que conheço e pedi para vir.
— Obrigada, Teds — disse Yaz com uma voz seca. — Eu tenho
apenas vinte e cinco anos, você sabe. Mas nada como um impulso de
ego do meu sobrinho favorito.
— Seu ú nico sobrinho. — Ele entã o balançou a cabeça e franziu a
testa. — E eu também nã o sou seu sobrinho.
— Semâ ntica, homenzinho. E você pode parar com essa merda
comigo. Pode funcionar com seu pai...
— Ele nã o é meu...
— Mas nã o vai funcionar com sua Tia Yaz.
Teddy suspirou, mas Yaz se virou para mim.
— Entã o, o que é tudo isso sobre refú gio para mulheres? E por
que você nã o está respondendo suas mensagens? Obter informaçõ es de
Max é como tirar sangue de uma pedra. Eu estive preocupada. E o
bastardo mandã o me disse para deixar você descansar.
Mordi meu lá bio quando soltei a mã o de Yaz. — Desculpe. Eu
simplesmente nã o consegui interagir com meu telefone — menti. A
verdade é que fiquei envergonhada. Envergonhada por saberem que eu
havia dormido no chã o do escritó rio. Envergonhada por agora saberem
que meu guarda-roupa limitado e minha mochila nã o eram apenas
pequenas peculiaridades, mas necessidades. Uma das vezes Yaz veio me
ver no hospital e eu fingi estar dormindo. Eu a ouvi conversando com
Max em voz baixa ao lado da minha cama sobre minha situaçã o e morri
um pouco por dentro com a pena em sua voz.
— Entã o, o que deixou a calcinha do Teddy confusa? — Ela
perguntou, seu olhar passando entre seu pseudo-sobrinho e eu.
Suspirei.
— Realmente nã o é nada. Eu...
— Nã o é nada — disse Teddy, ele parecia abalado e chateado
agora. Ao fundo, pude ouvir a porta da frente se abrindo novamente e
reprimi um revirar de olhos. A ú ltima coisa que precisávamos era de
Max chegando em casa. Mas Teddy estava muito envolvido em seu
relato dos acontecimentos para notar. — Pensei que fosse levá -la para a
casa dela, mas quando a deixei foi em um prédio estranho, sem nú mero
de casa nem nada. Ela nã o sabia como entrar e eu... nã o parecia certo.
— Você fez o que? — A grande estrutura de Max preenchia a porta
da cozinha. Suas mã os estavam nos quadris enquanto olhava para todos
nó s.
— Pensei que fosse levá -la para casa, papai, quero dizer, Max —
disse Teddy com a voz mais baixa que já ouvi dele. — Mas era...
— Era um refú gio para mulheres e estava tudo bem — eu disse,
dando a Teddy o que esperava ser um sorriso tranquilizador. Max abriu
a boca, mas Teddy o interrompeu antes que ele pudesse falar.
— Não foi nada bom — disse Teddy, com o rosto ficando um
pouco vermelho e seu comportamento nem um pouco tranquilizado.
Ele estava começando a parecer muito jovem agora. — O quarto era
minú sculo e havia mofo na parede. Você nã o conseguia nem abrir a
janela. — Ele olhou para mim. A culpa inundou sua expressã o. — Eu
nã o queria fazer você sentir que tinha que ir embora. Eu só ... sinto
muito por ter sido um idiota quando você chegou. Eu nã o sabia disso...
— Teddy — eu o interrompi em um tom firme. — Esta é a sua
casa. Você deveria ter uma palavra a dizer sobre quem fica aqui e
invade seu espaço.
Ele bufou. — Esta casa é enorme. Eu tenho tudo isso e você... —
Ele fungou e engoliu antes de piscar rapidamente.
— Ei, ei — Yaz disse suavemente, aproximando-se dele e
colocando o braço em volta de sua cintura – ela era baixa demais para
passar por cima de seu ombro. Ele abriu o braço e ela o colocou ao seu
lado. — Você sempre foi um rapazinho sensível, assim como o seu...
Max.
Teddy bufou. — Não sou sensível — disse ele, mas a leve oscilaçã o
em sua voz o delatou. O que me surpreendeu foi que Yaz também
colocaria Max na categoria sensível.
— Vocês dois sã o idiotas — Max retrucou para nó s. — Você — ele
apontou para mim — nã o está bem o suficiente para ficar sozinha em
qualquer lugar, muito menos em um refú gio para mulheres, pelo amor
de Deus. Se você nã o quisesse ficar aqui, deveria ter me contado e
poderíamos discutir isso como adultos racionais, em vez de você agir
pelas minhas costas.
— Nã o é como se eu nã o quisesse ficar — eu disse, meu
temperamento há muito adormecido aumentando com sua abordagem
arrogante. — Mas eu estava impondo Max. Nã o é justo com Teddy ou
com você. Eu nã o quero aproveitar...
— Talvez você devesse tentar tirar vantagem pelo menos uma
vez! — Ele disse, sua voz aumentando. — Talvez se você tivesse pedido
ajuda apenas uma vez nos ú ltimos dois meses, você nã o estaria vivendo
nas ruas e nã o teria quase morrido.
O silêncio caiu na cozinha. Olhei para Teddy e vi uma lá grima
escorrer pelo seu rosto. Yaz estava olhando para Max, boquiaberta em
estado de choque.
— E você — disse Max, apontando para Teddy, perdido demais em
sua raiva para perceber o quã o abalado Ted estava. — Você nunca
deveria ter concordado em levá -la a qualquer lugar. Você sabe que ela
nã o está em condiçõ es. Achei que tinha te ensinado melhor do que...
— Ele nã o fez nada de errado — eu disse, batendo a mã o no
balcã o da cozinha e me surpreendendo tanto quanto a qualquer outra
pessoa. — Eu ia chamar um tá xi, Max. Ele se ofereceu para me levar
porque esse é o tipo de homem que ele é. Eu nã o o culpo por nã o estar
muito interessado em ter uma mulher aleató ria invadindo seu espaço.
Você deveria ter perguntado a ele se estava tudo bem eu ficar aqui
antes de você me trazer de volta.
Houve um longo minuto de silêncio, quebrado apenas pelas
fungadas ocasionais de Teddy.
— Ele nã o precisava me perguntar — disse Teddy com voz
trêmula. — Max nã o me deve nada. Tenho sorte de ele me deixar ficar
aqui. Ele poderia ter me expulsado quando mamã e...
— Teddy, pare — Max estava franzindo a testa para Teddy, mas
sua expressã o se suavizou quando outra lá grima escorregou pela
bochecha de Teddy. Ele foi até Teddy e deu-lhe um tapinha desajeitado
nas costas antes de colocar cautelosamente um braço em volta de seus
ombros, como se estivesse se preparando para ser ignorado a qualquer
momento. — Esta é a sua casa, filho. Você mora aqui desde os nove anos
de idade. Você significa o mundo para mim, companheiro. Você sabe
disso. Nã o é?
Teddy apenas fungou em resposta, dando de ombros.
— Ela está certa. Eu deveria ter perguntado a você. Desculpe.
— Tudo bem — Teddy engasgou enquanto enxugava as lá grimas
em movimentos rá pidos, seu rosto inundado de cor.
— Teddy, por favor, nã o fique chateado — eu disse suavemente.
— Me desculpe por ter colocado você nessa posiçã o. Eu deveria ter
insistido em pegar um tá xi.
— Em primeiro lugar, você nã o deveria ter ficado lá — Max me
disse e eu suspirei.
— Eu nã o posso ficar aqui. E... eu vou arranjar outra coisa. — Eu
ainda nã o tinha um depó sito para um apartamento, mas poderia ficar
em pousadas até que o fizesse.
— Mia, você fica aqui ou comigo no meu apartamento. — A voz de
Yaz estava mais firme do que eu já tinha ouvido antes. Seu tom foi
cortante.
— Ela vai ficar aqui — Max soltou. — Seu apartamento é
minú sculo, Yaz.
— Ei!
— E nã o é tã o seguro quanto esta casa. Mia fica.
— Sim — Teddy acrescentou. Dois pares de olhos estavam
voltados para mim agora, ambos iluminados com igual quantidade de
determinaçã o. Suspirei e a autopreservaçã o entrou em açã o. Max estava
certo – se eu nã o fosse ficar no refú gio, entã o esta era a opçã o mais
segura.
— Obrigada — sussurrei, inclinando-me na direçã o deles para
enfatizar o quã o grata eu estava – o quanto isso significava para mim.
As bochechas de Teddy ficaram rosadas quando outra expressã o
culpada tomou conta de seu rosto.
Max, por algum motivo, quase parecia zangado.
— Cristo — ele disse baixinho enquanto se virava e marchava
para o outro lado da cozinha para colocar a chaleira no fogo.
CAPÍTULO DEZENOVE
PRECISO MAIS CURTO
Quinze minutos depois de chegar aqui, ficou claro que tinha sido
uma má ideia. O calor, as brincadeiras, as provocaçõ es casuais – coisas
que eu lembrava vagamente de antes de Nate – eram tã o estranhas que
eu realmente nã o conseguia lidar com isso. Eu me sentia como uma
criança no frio, observando aquelas pessoas através de uma janela
embaçada, com o nariz encostado no vidro, mas sem conseguir alcançá -
las. Max, Yaz, Verity (que nos encontrou depois do rugby) e Heath
permaneceram pró ximos e fizeram tentativas gentis de me incluir, mas
eu simplesmente nã o sabia como me comportar.
Com Nate quase havia um roteiro que eu deveria seguir.
Estávamos sempre em bares ou restaurantes frios, clínicos e super-
chiques, e nã o em pequenos pubs aconchegantes com um cachorro
estranho vagando por aí (Roger estava sentado em meus pés enquanto
eu estava no círculo, o que achei estranhamente reconfortante). Eu
sabia o que era esperado de mim e usava uma má scara completa de
maquiagem e roupas de grife para me esconder. Agora, eu estava no
meio de uma multidã o de pessoas sem maquiagem, parcialmente
coberta de areia, meu cabelo um desastre varrido pelo vento e vestindo
uma roupa de lycra emprestada e esquisita com uma regata de rugby
grande demais por cima. A maneira como essas pessoas interagiam fez
meu coraçã o doer. Isso me deixou claro o quanto Nate havia tirado de
mim ao longo dos anos que estive com ele.
— Mia — Heath disse do meu outro lado e eu segurei um suspiro.
Tentei evitar Heath se pudesse – ele sempre fazia muitas perguntas.
— Heath! — Yaz disse, entã o ficou vermelha quando o silêncio a
seguiu quase gritando seu nome. — Hm... posso pegar uma bebida para
você?
— Estou bem, obrigado, Midge — disse ele, erguendo sua cerveja
cheia e dando-lhe um meio sorriso confuso.
— Certo, sim, claro — ela murmurou seguida por uma risada
nervosa fora do personagem.
Heath deu a ela um sorriso rá pido, mas desdenhoso, e entã o se
virou para mim.
— Mia, posso falar com você um minuto? — Ele nã o estava
sorrindo agora.
— Oh. — Mordi meu lá bio. Duas vezes antes ele fez uma vaga
tentativa de falar comigo sozinho, mas eu consegui evitá -lo muito bem.
— Hm… eu...
— E aí? — Max perguntou, aproximando-se de mim de modo que
a lateral de seu corpo ficasse quase nivelada com a minha. Sob o olhar
intenso de Heath e tã o perto de Max comecei a sentir a familiar atraçã o
da claustrofobia. Era ridículo – os olhos de Heath estavam cheios de
preocupaçã o, e quem nã o gostaria de estar tã o perto de Max? Mas me
senti examinada, presa.
— Com licença — eu murmurei. — Eu... hm, só preciso ir ao
banheiro.
Fiz um esforço considerável para nã o fugir do grupo e consegui
escapar do círculo de pessoas antes de começar uma corrida leve.
Roger, Deus o abençoe, me seguiu, permanecendo colado ao meu lado
enquanto eu abria caminho através da multidã o e finalmente chegava
ao banheiro. Uma vez dentro do cubículo, sentei-me no assento fechado
do vaso sanitá rio e coloquei a cabeça entre as pernas, tentando
diminuir a respiraçã o e batendo no pulso. Depois de alguns minutos,
me senti mais no controle e um pouco idiota. Abri a porta do cubículo e
fiquei em frente à pia, olhando para o espelho. Essas pessoas nã o foram
nada além de gentis comigo. Se eu quisesse começar a viver de novo,
teria que tentar superar minha ansiedade. Eu tinha que tentar lembrar
quem eu era antes e voltar para aquela mulher. Fechei os olhos com
força, agarrei a lateral da pia por um momento e depois olhei para mim
mesma.
— Saia dessa — eu sussurrei. — Você está segura aqui. Apenas
tente. Tente ser normal. — Cheia de um novo propó sito, saí do banheiro
e fui até Roger, que estava esperando, mas assim que terminei de coçar
sua cabeça, Heath apareceu na minha frente.
— Mia, nã o quero ser um cara assustador que espera do lado de
fora do banheiro feminino, mas eu realmente queria falar com você
sozinha.
— Ah — eu disse. Ele estava bloqueando o corredor, diretamente
entre mim e o resto do bar. Além de correr ao redor dele e consolidar
minha reputaçã o como uma aberraçã o, eu nã o tive muita opçã o a nã o
ser falar com ele. Dados os olhares preocupados que ele lançou para
mim durante o ú ltimo mês e a vibraçã o de desaprovaçã o que muitas
vezes eu parecia receber dele, eu estava supondo que ele nã o estava
muito feliz com a nova escolha de projeto de caridade de seu melhor
amigo. — Por que você...?
— Você ainda nã o está usando o braço direito corretamente.
— O que? — Eu perguntei, minhas sobrancelhas subindo com sua
declaraçã o aleató ria.
Ele suspirou. — Você é destra. Mas toda vez que você tentava
acertar a bola no ar durante aquela partida, você usava a mã o esquerda
para derrubá -la.
Dei de ombros. — O que?
— Você nã o viu aquela fisioterapeuta, nã o é?
Mordi o lá bio e coloquei o cabelo atrá s das orelhas em um gesto
nervoso.
— Meu braço está bem. — A ú ltima coisa que eu queria lembrar
eram dos meus ferimentos. Aqueles que significavam que eu nã o
conseguia nem pegar uma xícara de café no armá rio do trabalho com a
mã o dominante.
— Nã o está bem — Heath retrucou, com uma perda de paciência
incomum. Ele deu um passo à frente e eu dei um passo correspondente
para trá s. Roger se moveu comigo e eu coloquei a mã o em sua cabeça
para acalmar meus nervos. — Você teve uma fratura-luxaçã o, Mia.
Precisava de reabilitaçã o. O movimento do seu ombro pode ficar
permanentemente restrito. Por que você está sendo tã o teimosa sobre
isso quando...?
— O que está acontecendo aqui? — A voz irritada de Max soou
atrá s de Heath no corredor.
— Só estou conversando com Mia, Max — disse Heath.
— Eu posso ver isso, idiota — Max respondeu enquanto
empurrava Heath para fora de seu caminho para ficar ao meu lado. —
Também posso ver que você a está estressando.
Heath ergueu os braços e, maldito seja, eu estremeci. Os dois
homens congelaram e pararam de olhar um para o outro para olhar
para mim.
— Está bem. Estou bem — eu disse, forçando meu corpo a relaxar.
Eu tinha que parar de ser esse coelho assustado o tempo todo e criar
um par.
— Desista. Você nã o está bem — disse Max, seu sotaque mais
forte que o normal – provavelmente como resultado de seu consumo de
cerveja. — Ele está bloqueando seu caminho que você odeia. Sua mã o
nã o está no pelo de cachorro porque você está estressada e... — Ele fez
uma pausa, olhou para Heath e depois para mim antes de inclinar a
cabeça na direçã o de minhas mã os. Eu estava batendo no meu pulso
sem nem perceber que estava fazendo isso. Ele se voltou para Heath.
— Eu nã o sei o que você está fazendo, mas você precisa sair do
caminho e deixar Mia passar.
— Merda — Heath murmurou, recuando na velocidade da luz e
parecendo horrorizado por ter feito algo para me chatear. Ó timo.
Estranheza de nível anormal alcançada. O homem estava apenas
tentando ter uma conversa simples comigo. Ele estava tentando me
ajudar. — Sinto muito, Mia.
— Olha, honestamente, está tudo bem — eu disse a ele. Algumas
mulheres escolheram aquele momento para passar por nó s e chegar ao
banheiro. — Vamos pelo menos ir ao bar. — Consegui dar um sorriso
fraco e depois os levei para fora. Uma vez fora do corredor, mas ainda
separado do resto da multidã o, parei. Roger sentou-se novamente em
meus pés.
— Max, tire esse olhar estrondoso do seu rosto, seu mal-
humorado — eu disse a ele em um esforço para aliviar o clima. A ú ltima
coisa que eu queria era causar problemas entre Heath e Max. — Heath
está tentando me ajudar, ok. Ele nã o quis dizer nada com isso. Ele nã o
sabe que sou um pouco... estranha com essas coisas.
— Você nã o é estranha, moça — Max retrucou, fazendo uma
careta para mim. — Nã o se atreva a dizer isso. — Revirei os olhos.
— Alguém que nã o consegue ter algumas conversas simples em
um pub sem beirar um ataque de pâ nico é um pouco estranho — eu
disse, baixando minha voz para quase um sussurro.
— Mia, eu nã o queria fazer você se sentir encurralada. Eu nunca
iria...
— Eu sei! — Eu estava perdendo a paciência com toda essa
situaçã o. — Está tudo bem, por favor, por favor, nã o se preocupe com
isso. Você só estava tentando ajudar.
— Ajudar com o que? — Max perguntou, seus olhos passando
entre Heath e eu. Heath apertou os lá bios e desviou o olhar de nó s para
o bar além. Lembrei-me do que ele havia dito antes sobre
confidencialidade do paciente e suspirei. Eu o estava colocando em uma
situaçã o impossível com seu amigo.
— Machuquei meu ombro há seis meses e Heath me tratou no
pronto-socorro.
As sobrancelhas de Max se ergueram. — Como você machucou
seu ombro?
— Eu... hum, eu caí.
Ele estreitou os olhos para mim. — E o que essa queda fez no seu
ombro?
Engoli em seco, passando pelo nó na garganta. Max merecia saber
um pouco do que aconteceu. Eu estava morando com ele no momento,
pelo amor de Deus.
— Heath, você conhece os detalhes. Dou permissã o para você
contar a ele. Sobre meus ferimentos. — Heath examinou meu rosto por
um momento e eu lhe dei um breve aceno de cabeça. Ele se voltou para
Max.
— Mia sofreu uma fratura no ombro, algumas costelas quebradas
e extensos hematomas faciais.
— Que porra é essa? — Sussurrou Max, seu rosto estava sem cor e
sua boca estava aberta. Senti o fundo da minha garganta queimar, mas
contive as lá grimas.
— A razã o pela qual eu queria falar com Mia é porque marquei
uma fisioterapia para ela reabilitar o ombro depois que a vi novamente
em seu consultó rio e ela nunca compareceu.
— Por que ela precisa de reabilitaçã o? — Max perguntou,
franzindo a testa para Heath.
— Mia — Heath disse, virando-se para mim com uma expressã o
paciente no rosto. — Levante o braço direito, por favor.
Fiz uma careta para Heath e entã o levantei meu braço direito até a
altura da cintura e depois abaixei rapidamente.
— Acima da sua cabeça, Mia — Heath me disse. Consegui chegar
a cerca de noventa graus, mas nã o foi mais longe. — Quando a Mia
acertou alguma bola alta hoje ela usou a mã o esquerda, mas pegou com
a direita. Ela nã o teve nenhuma reabilitaçã o adequada na articulaçã o.
Os ombros podem ficar péssimos se você nã o fizer fisioterapia apó s
esse tipo de lesã o.
Ele balançou a cabeça e pareceu magoado por um momento antes
de se virar para mim. — Sinto muito, Mia, mas você está atormentando
minha mente. — Ele passou a mã o pelo rosto. — O estado em que você
estava… vemos muita merda naquele departamento de emergência,
mas todos – até mesmo os funcioná rios mais experientes do pronto-
socorro – ficaram chateados com o seu caso. E o fato de você ter tido
alta antes de sabermos que seu ombro estava fraturado e também
deslocado, e sem nenhum apoio familiar para levá -la para casa... O
nú mero que você nos deu nã o funcionou... eu só ... Mia, sinto que te
desiludimos depois da sua… — ele fez uma pausa e olhou para Max
antes de continuar — queda. Deixamos você escapar por entre nossos
dedos e só quero ter certeza de que você terá o tratamento que precisa
agora.
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
ADORO O PIG AND WHISTLE
— Mia?
Pisquei e abri os olhos, e o rosto de Max preencheu meu campo de
visã o. Sua barba por fazer estava progredindo para uma barba cheia, e
seu lindo rosto parecia cansado, mas ele ainda era tã o bonito. Sorri para
ele e levantei minha mã o para acariciar o lado de seu rosto.
— Você ficou — eu resmunguei, e entã o estremeci quando a dor
esquecida e lancinante percorreu minha garganta. Minha mã o foi para o
pescoço para descansar na carne macia e cerrei os dentes, desejando
que o desconforto diminuísse. Enquanto Max assistia a tudo isso, sua
expressã o cansada, mas afetuosa, tornou-se sombria.
— Por favor, por favor, nã o tente falar, Mia — disse ele. — Você me
prometeu, lembra?
Balancei a cabeça e soltei um suspiro de frustraçã o. Era típico que,
na ú nica vez em que eu tinha tanto a dizer, eu tivesse sido efetivamente
amordaçada.
— Tudo bem — disse Max, sentando-se ao lado da minha cama e
pegando minha mã o. — Eu preciso falar com você sobre uma coisa e...
Eu o interrompi apontando para o notebook.
— Mia, posso apenas... ok, ok — ele protestou enquanto eu abria a
boca para falar. — Aguente. Eu vou pegar.
Assim que peguei o notebook, sentei-me e digitei.
Você ficou aqui a noite toda?
— Sim, mas Mia, isso nã o é realmente...
Minhas sobrancelhas subiram e eu o ignorei para digitar mais.
Onde você dormiu?
Ele suspirou. — Mia, eu realmente preciso...
Toquei no notebook para interrompê-lo e ele revirou os olhos.
— Dormi um pouco na cadeira. Agora Mia...
NÃO. Eu digitei. Nada de dormir na cadeira. Durma na cama. Você
parece cansado. Estou preocupada com você.
Max soltou um suspiro de frustraçã o através de uma risada
relutante enquanto se inclinava para frente para dar o beijo mais suave
de todos os tempos em meus lá bios, o que tenho certeza que foi um
movimento calculado para que eu ficasse atordoada demais para
contestar quando ele removesse o notebook de meus dedos.
— É claro que você estaria preocupada comigo. Claro — ele disse,
seu rosto ainda pairando a centímetros do meu. — Você é quem está em
uma cama de hospital, mas perder algumas horas de sono é obviamente
a prioridade. Você é impossível.
Balancei a cabeça e abri a boca para falar, mas ele colocou um
dedo nos meus lá bios.
— Você prometeu — ele disse e foi minha vez de soltar um
suspiro de frustraçã o. — Mia, honestamente, isso é importante. Há
alguns policiais no corredor.
Eu enrijeci na cama e meus olhos voaram para a porta. Ao olhar
para Max, pude senti-los ardendo de lá grimas. Eles vieram atrá s de
mim, exatamente como Nate disse que fariam. Eu deveria saber que
isso iria acontecer. Nate tinha todo o poder, todas as conexõ es. Nunca
ganhei dele. Eu nã o tinha chance.
— Estarei aqui com você o tempo todo, ok? Eles só querem falar
com você por um minuto. Você tem que usar o notebook, certo?
Pisquei para afastar as lá grimas fracas que se formaram em meus
olhos e coloquei minha boca em uma linha sombria antes de dar a Max
um aceno rígido.
— Se houvesse alguma maneira de contornar isso, eu faria
acontecer — ele me disse, observando meu rosto com atençã o. — Você
nã o tem nada com que se preocupar. Eles só querem falar com você.
Dei outro aceno rígido, mas meus olhos nã o encontraram os dele
e eu sabia que minha expressã o devia ter permanecido sombria. Senti
seu toque suave em minha bochecha. Ele pressionou para que eu
virasse meu rosto e meus olhos olhassem para os dele. O verde estava
iluminado com uma determinaçã o tã o forte que quase me deixou sem
fô lego.
— Você confia em mim, Mia?
Pisquei para ele e suspirei, mas depois balancei a cabeça em
concordâ ncia.
— Você nã o tem nada com o que se preocupar. Você tem minha
palavra.
Fechei os olhos por um momento e mordi o lá bio. Ele poderia
pensar isso agora, mas nã o sabia o que eu tinha feito. Ele nã o teria
ficado comigo a noite toda em uma desconfortável cadeira de hospital
se o fizesse.
— Você vai ver — ele sussurrou antes de apertar minha mã o e
deixar a polícia entrar no quarto. Era um homem e uma mulher.
Nenhum dos dois estava uniformizado. A mulher parecia ter quase
quarenta anos, o homem um pouco mais velho e com cabelos grisalhos.
O cabelo da mulher era loiro escuro e preso na base do pescoço. Ela era
atraente, de um jeito eficiente.
— Olá , Sra. B... — a senhora fez uma pausa, seus olhos se voltando
para Max por algum motivo e depois de volta para mim — Quero dizer,
Mia. Sou a detetive Hargreaves e este é o detetive Finch, mas você pode
nos chamar de Lucy e Mike, ok?
— Oi — eu resmunguei. — Eu...
Mike ergueu a mã o para me impedir.
— Mia — ele disse — fomos informados... detalhadamente — seus
olhos também se voltaram para Max antes de suavizar para mim, — que
você nã o deve falar. Se você nã o se importasse de digitar o que precisa
nos dizer, seria ó timo.
— Sabemos que você passou por muita coisa, Mia — Lucy me
disse. — Mas isso nã o vai demorar muito. Você seria capaz de digitar
suas respostas? — Depois de um momento, balancei a cabeça.
— Mia — disse Max. — Se você quiser que eu espere lá fora, eu
posso, ok?
NÃO. Eu digitei. FIQUE. Ele assentiu e uma de suas mã os estendeu
a mã o para empurrar meu cabelo atrá s da orelha. — Ok amor. O que
você quiser.
— Gostaria de começar dizendo que li seu arquivo, Mia — disse
Mike. Ele estava olhando para mim. — Você deu permissã o para que
todos os seus registros médicos fossem divulgados. — Balancei a
cabeça lentamente. Mike era todo profissional e eficiente, mas houve
um lampejo de algo em sua expressã o que eu nã o consegui captar. —
Também temos um relato do incidente há um ano que levou ao seu
comparecimento ao hospital, por parte de seu marido.
Max soltou um som de desgosto, mas Mike continuou.
— Ele tem alguma documentaçã o dos ferimentos que sofreu na
época. O relato dele é que você o esfaqueou duas vezes e que os
ferimentos que ele infligiu a você posteriormente foram em legítima
defesa.
Fechei os olhos lentamente enquanto deixava essa informaçã o
tomar conta de mim. É claro que era assim que Nate distorcia as coisas.
Com a quantidade de poder que ele exercia e, sem dú vida, a equipe
jurídica insanamente boa que ele provavelmente contratou, eu estaria
frita. O fato de ele ter tentado me matar duas vezes seria irrelevante.
Uma sensaçã o familiar de impotência tomou conta de mim e minhas
mã os começaram a se afastar do teclado. Qual era o sentido de lutar
com ele? Mas meus olhos se abriram quando uma mã o desconhecida
pegou a minha durante sua retirada. Lucy segurou-a por apenas um
momento até que meus olhos encontraram os dela, entã o ela o soltou,
mas se aproximou da cama.
— Mike? — Ela apontou para o dispositivo de gravaçã o. Mike
assentiu, desligando antes que Lucy continuasse. — Quando dizemos
que lemos seus relató rios, significa que lemos cada palavra. — Seu
rosto nã o era mais impassível e eficiente – seus olhos estavam
iluminados de raiva e seu corpo estava tenso com isso. — Falei com o
médico responsável pelo incidente e falei com a equipe de segurança do
seu marido – ou melhor, com o ex-segurança. Há casos em que temos de
informar as vítimas de que dificilmente venceremos. O ô nus da prova
recai sobre nó s e nem sempre há o suficiente para garantir uma
condenaçã o. Este não é um desses casos.
Ela baixou ainda mais a voz antes de continuar. — Se você acha
que aquele filho da puta pode escapar jogando você em um palco na
frente da mídia mundial e depois estrangulando você em seu maldito
carro, você está errada. Se você acha que alguém acreditará por um
segundo que o que fez com você há um ano foi legítima defesa? Você.
Está . Errada. Nã o me importa a que tipo de recursos o idiota tenha
acesso, ou quã o escorregadio ele seja. Esse bastardo abusivo está
caindo. Você me entende?
Lucy voltou-se para Mike e acenou com a cabeça para que ele
ligasse novamente o gravador.
— Mia — a voz de Lucy era toda profissional agora, livre da raiva
de antes, como se isso nunca tivesse acontecido. — Se você pudesse
digitar sua versã o dos eventos, incluindo datas e horá rios, ficaria muito
grata. — Pisquei para ela e depois olhei para o notebook. Meus dedos
voltaram para as teclas sem nenhum pensamento consciente. Entã o
comecei a digitar.
Achei melhor começar do início. Anos de abuso se espalharam
pela pá gina. Ver isso em preto e branco me fez sentir mal. Todo aquele
tempo desperdiçado com Nate. Pior ainda foi quando o notebook foi
deslocado para que Mike pudesse ler em voz alta para o benefício do
dispositivo de gravaçã o. Os dedos de Max fecharam-se com tanta força
em torno dos meus que tive que torcê-los levemente para que ele
aliviasse a pressã o. Eu fiz uma careta para ele, preocupada com sua
reaçã o a tudo que eu coloquei ali. Ele olhou para mim e me deu um
pequeno sorriso encorajador, mas seus olhos estavam queimando.
Quando chegou a parte em que Nate deslocou meu ombro, Mike parou
por um momento e eu olhei para ele. Sua voz estava firme e sem
emoçã o enquanto ele lia o que eu havia escrito, mas notei entã o que sua
mã o que estava ao lado do notebook estava fechada em um punho tã o
apertado que seus nó s dos dedos estavam brancos e suas narinas
estavam dilatadas enquanto ele apertava. Sua boca se fechou, deixando
seus olhos fecharem apenas por um momento antes de respirar
lentamente e continuar lendo – ainda no mesmo tom monó tono e sem
emoçã o.
Depois que terminei, eu estava exausta. Quando desligaram o
gravador antes de partirem, Mike ainda parecia assassino. Lucy colocou
a mã o no meu ombro antes de dizer: — Nã o se preocupe com esse
pedaço de merda. Vamos pregar as bolas dele na parede.
Eu tinha quase certeza de que chamar os sujeitos das
investigaçõ es de “pedaços de merda” e dizer à s pessoas que você iria
“pregar as bolas deles na parede” nã o era protocolo, mas mesmo assim
me fez sentir melhor. Consegui dar-lhe um pequeno sorriso.
— Estou bem agora — eu sussurro e resmungo. — Honestamente.
— Max começou a murmurar sobre usar minha voz, mas Lucy apertou
meu ombro e sua expressã o se suavizou.
— Nã o, você nã o está — ela sussurrou de volta. — Ainda nã o. —
Ela olhou para Max, que estava olhando irritado depois do meu uso da
voz e depois de volta para mim, dando-me um pequeno sorriso em
troca. — Mas você estará .
CAPÍTULO TRINTA E OITO
ALGO ESTÁ ERRADO
— Mia?
Assustei-me ao ouvir a voz da mã e de Max. — Saia daí agora,
querida. Isto nã o é um jogo de esconde-esconde e já pisei no que tenho
certeza que foi uma poça de urina. Esses saltos podem ser da M&S, mas
nã o quero testar seus limites de durabilidade desnecessariamente. —
Sua voz era tã o viva e objetiva, tã o autoritá ria e firme, que dei um passo
para fora das sombras em sua direçã o.
— Ah, agora está melhor. Nã o podemos deixar você rondando
pelos becos. Nã o está certo, de jeito nenhum. — Ela deu um passo em
minha direçã o e eu me mantive firme. Quando ela me alcançou, seus
olhos examinaram meu rosto manchado de lá grimas e suavizaram,
assim como os de seu filho – foi a primeira vez que pude realmente ver
a semelhança corretamente. — Agora, entã o — ela disse, afastando
meu cabelo do rosto e, em seguida, tirando um lenço das profundezas
de sua bolsa cavernosa. — Vamos arrumar você e levá -la de volta para
Max. Ele está destruindo Bournemouth inteiro procurando por você
agora mesmo.
— Como você me achou? — Eu perguntei, minha voz rouca por
causa da gritaria que dei antes.
— Eu vi você desaparecer aqui depois que você saiu correndo. Eu
estava a caminho do banheiro e estava mais perto da porta. Nã o contei
a Max ou aos outros porque pensei que você provavelmente precisava
de uma pausa depois de todo aquele drama aí dentro. E de qualquer
forma, nã o parecia que ele estava lidando bem com isso, na minha
opiniã o. Achei que seria melhor se você falasse comigo primeiro e eu
resolvesse você. — Ela agora estava enxugando alegremente meu rosto
manchado de lá grimas e, sem dú vida, manchado de rímel. — Muito
melhor, querida — ela murmurou baixinho e guardou o lenço.
— Me desculpe por ter feito aquela cena lá atrá s — eu disse,
sentindo um calor subir em meu rosto. Gritei para o bar e estraguei a
festa. — Você deve pensar que sou maluca.
— É claro que você nã o é maluca, amor — Fern me disse. — E
você nã o está quebrada de mil maneiras. Vocês, jovens – sempre com o
drama. Você nã o precisa se preocupar. Meu garoto te ama. Ele passou
por uma situaçã o difícil, meu Max. Seu pai era um homem duro e entã o
aquela cadela insípida Rebecca o deixou em paz. Ele e seu filho nã o
precisam de uma sulista mimada em suas vidas. Eles precisam de uma
moça forte. Uma moça que escapa de um bastardo assassino com um
ombro quebrado e entã o encontra outra vida para si mesma. Você nã o
está quebrada ou defeituosa. Você é a sulista mais durona que já
conheci.
— Você nã o entende — eu sussurrei. — Nã o tenho certeza se sou
capaz de... ele precisa de alguém que seja... que seja completa, limpa e
certa. Nã o...
— Nã o se atreva — ela disse, sua voz caindo e seus olhos
brilhando enquanto suas mã os disparavam para meus ombros para me
dar um aperto suave. — Pessoas má s fazem coisas ruins para pessoas
boas. Esse é o jeito do mundo. Eu sei disso, certo? Amor, estou dizendo
que sei.
Olhei em seus olhos verdes e respirei suavemente. A fú ria em sua
expressã o estava transbordando dela. Sim, coisas ruins aconteceram
com pessoas boas. Pude ver que a mã e de Max sabia disso sem sombra
de dú vida.
— Eu nã o deixei o pai de Max por uma vida mais fá cil. Eu o deixei
porque nã o havia outra escolha e estava preocupada por nã o poder
mais proteger Max disso. Pode ter sido há muito tempo, mas marca
você — ela me disse. — Isso marca você e você carrega com você. Você
nunca será tã o rá pida em confiar. Você nunca esquecerá esse tipo de
medo ou o conhecimento de como as pessoas podem ser feias. Mas você
não está quebrada. Você é mais forte de vá rias maneiras por causa de
suas experiências. Seu ex, ele pode... bem, ele pode dar o fora, porra! —
Ela mordeu o lá bio e olhou para o lado como se quisesse ter certeza de
que nã o seria pega pela polícia xingando.
Apesar de quã o exausta eu estava, a expressã o de Fern quando ela
disse um palavrã o forçou um pequeno sorriso nos meus lá bios. Ao meu
sorriso, sua expressã o de raiva mudou para diversã o aliviada. — Dane-
se ele! — Ela gritou. — Droga, merda, merda.
Eu ri – outro milagre dadas as circunstâ ncias – e ela me puxou
para um abraço. — Você sabe o que diz “dane-se” mais do que qualquer
coisa? O que realmente incomoda os bastardos? É viver uma vida boa,
apesar do que já aconteceu com você antes. É se deixar ser feliz. Caso
contrá rio, amor... caso contrá rio, ele vence. Caso contrá rio, você o
deixará vencer. — Sua voz caiu para um sussurro enquanto ela se
afastava e segurava meus olhos nos dela. — Eu nã o vou deixar aqueles...
aqueles... nas palavras do meu neto – palavrõ es vencerem. Eu nã o vou. E
você também nã o vai.
— Sinto muito que você tenha se machucado — eu sussurrei e ela
fechou os olhos lentamente.
— Nã o fale muito sobre isso, amor — disse ela. — Intensificar
essas coisas era visto como fraqueza na minha geraçã o. Meu Aubrey
nã o sabe nada além de que eu tive que ir embora. Max sabe o suficiente
para nã o ver o pai, mas nã o...
— Nã o direi nada — interrompi.
— Claro que nã o, amor — ela disse, dando um tapinha na minha
bochecha e me dando um sorriso suave. — Certo entã o. Você foi
estú pida? Acho que todos nó s precisaríamos de uma bebida e de um
bom digestivo.
— Mia? — Nó s duas nos viramos ao ouvir a voz de Max vinda da
estrada, no final do beco.
— Você tem que escolher ser feliz e fazer meu filho feliz, amor —
sussurrou Fern. — Você tem uma escolha.
Congelei por alguns segundos, depois girei e corri. Desta vez nã o
foi longe de Max. Eu estava tã o cansada de fugir. Nã o, eu corri em
direçã o a ele. Ele fez um suave — oomph — e voltou com um pé só
quando eu colidi com seu corpo só lido e passei meus braços em volta
de sua cintura.
— Sinto muito — funguei, sentindo as lá grimas encharcando sua
camisa. — Sua mã e está certa: sou um idiota.
— Tudo bem, moça — ele murmurou em meu cabelo, seus braços
me envolvendo e me abraçando em seu peito. — Você nã o é idiota.
— Mia? — Olhei para cima e vi Teddy parado a alguns metros de
distâ ncia e me olhando como se eu fosse um animal selvagem que
pudesse fugir a qualquer momento. Atrá s dele estava o resto de nossas
famílias e alguns amigos. — Você vem agora? — Ele perguntou, e pela
primeira vez pude detectar o sotaque nortenho de seu pai em sua voz.
— Papai fez tudo certo?
Consegui sorrir para ele quando minha mã o disparou e se fechou
em torno da dele, puxando-o em nossa direçã o e para um abraço
coletivo. Max bagunçou o cabelo como se ainda fosse um menino e nos
abraçou.
— Sim, Teddy — eu disse, minha voz um pouco embargada, mas
ainda clara o suficiente. — Sim, seu pai acertou.
EPÍLOGO
VOCÊ VAI VIVER