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J.M.

Sollo
Todos os direitos reservados. Qualquer
semelhança com fatos é mera coincidência.
Copyright© J.M. Sollo 2020

Capa: Eternity Design


Diagramação: Eternity Design
Revisão: Independente

Imagem da capa: DepositImagens


Imagens da diagramação: FreePik
SUMÁRIO
PRÓLOGO
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO QUATORZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE
CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM
CAPÍTULO VINTE E DOIS
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
CAPÍTULO VINTE E CINCO
CAPÍTULO VINTE E SEIS
CAPÍTULO VINTE E SETE
CAPÍTULO VINTE E OITO
CAPÍTULO VINTE E NOVE
CAPÍTULO TRINTA
CAPÍTULO TRINTA E UM
EPÍLOGO
A todas as leitoras do Wattpad, que me deram
cada dia mais vontade de escrever essa história e
seguir em frente no meu primeiro trabalho.
Obrigada!
PRÓLOGO
UM ANO E MEIO ATRÁS

​Sentindo o coração pesado no peito, olhei para


ela pela última vez, ainda deitada em nossa cama.
Há poucas horas tínhamos feito amor, e eu quase
podia sentir o gosto dela na minha boca e a textura
de sua pele macia nas minhas mãos. Exausta,
Mariana respirava serena, linda, ainda nua,
aninhada no meu travesseiro, que ela buscara pouco
depois de eu sair da cama ao atender o telefonema
que mudaria tudo.
​Parei diante da cama, com os braços cruzados,
observando-a, sabendo o que precisaria fazer, mas
com a certeza de que isso me destruiria mais do que
a ela.
​Ela vinha sendo ameaçada. No início jurei que
era apenas uma brincadeira de mau gosto de
alguém, mas lá estavam os machucados evidentes,
já desaparecendo, porque fora há alguns dias.
Alguns arroxeados mais claros, cortes
imperceptíveis, do que ela pensara que fosse um
acidente.
​Só que eu sabia. Não era o caso. A ameaça
derradeira chegara naquela manhã.
​Se eu não a deixasse, ela iria morrer. Era o
último aviso.
​Não tinha sequer tempo de pensar. As fotos que
enviaram de nossa noite passada, de quando saímos
para jantar, me mostravam que quem quer que
estivesse nos ameaçando era um perseguidor. Não
importava a quantidade insana de seguranças que
eu pudesse contratar para ela – eu era um perigo
para a mulher que amava. E precisava sair de sua
vida.
​ recisava não apenas afastá-la de mim, mas
P
fazê-lo de uma forma que protegesse seu coração.
Se ela pensasse que eu era um merda, se a deixasse
com raiva, com ódio, ela se recuperaria mais fácil,
não?
​Ao menos era o que minha cabeça confusa
conseguia pensar naquele momento. Não podia
pensar em estratégias melhores. Não podia brincar
com a vida dela.
​Permitindo-me respirar fundo e sentir uma
lágrima intrusa se formar no canto do olho – uma
que não deixei ser derramada –, preparei-me para o
pior momento da minha vida.
​Então eu a toquei, pronto para despertá-la, já
sentindo a dor esmagar meu peito.
​Perdê-la seria o mesmo que a morte para mim.
Mas era por uma boa causa...

CAPÍTULO UM
E não consigo mais ouvir sua voz
Sem abrir feridas antigas
(Hands – Blaise Moore)

DIAS ATUAIS

Sempre me ensinaram que toda história tem


um começo e um fim. Pragmático como sempre fui,
deveria ter aprendido a lição.
​Mas talvez isso não valesse de nada quando o
coração estava no meio. E por mais que todos ao
meu redor sempre me dissessem que o meu era de
gelo, algumas coisas mexiam comigo. E uma delas
respondia pelo nome de Mariana Lourenço.
​Fui eu que decidi colocar o ponto final. Eu que
a afastei de mim por um bom motivo. Para protegê-
la. E faria de novo – quantas vezes fossem
necessárias, por mais que me rasgasse por dentro –,
se este fosse o preço para que eu soubesse que ela
estava bem. Segura.
​Só que eu jurei para mim mesmo que as coisas
seriam muito mais fáceis se eu nunca mais
precisasse colocar os olhos nela, mesmo sabendo
que o destino tinha formas muito sádicas de brincar
conosco.
​E o golpe veio direto no meu estômago; um
gancho certeiro, dado para ferir.
​Eu soube, no momento em que fui convidado
para aquela festa, que não poderia mais fugir; que
minha covardia teria que ser engolida, e eu teria
que encontrá-la. Ainda havia um resquício de
esperança de que não fosse aparecer, mas era quase
impossível. A aniversariante do dia, Vanessa, fora
quem nos apresentara – sua melhor amiga. Ou
melhor, uma amiga dos dois em comum.
​Peguei a primeira taça de champanhe servida
por um garçom em uma bandeja e levei um gole
generoso à boca, esperando que o álcool me
entorpecesse ao máximo, ao ponto de me fazer não
me importar.
​Mas eu podia imaginar que nem uma garrafa
inteira de tequila misturada com uísque e aquele
champanhe seriam suficientes.
​— Não precisa beber tanto. Não vai mudar o
fato de que ela vai aparecer a qualquer momento.
— Vanessa, a aniversariante do dia, colocou-se ao
meu lado, também com sua taça, fazendo o
comentário baixinho.
​— Estou bem — foi tudo o que respondi,
tentando manter minha voz controlada, mas,
quando dei por mim, a taça já estava vazia na
minha mão.
​Vanessa deu uma risadinha.
​— Por que não aproveita a situação e conta a
verdade para ela?
​Lancei um olhar para a minha amiga com um
tom de repreensão. Ela era a única pessoa que sabia
a verdade sobre meu término com Mariana. A única
que compreendia o quanto tive que sacrificar para
mantê-la a salvo.
​— Você a conhece. Acha mesmo que ela iria
aceitar? Mariana é teimosa, ficaria revoltada se
soubesse que fiz algo assim sem consultá-la.
​— Ah, pelo amor de Deus. Provavelmente isso
duraria alguns dias, mas ela acabaria entendendo
que foi algo até heróico da sua parte. Você
complica demais as coisas, Bruno.
​Abaixei a cabeça, sabendo que as coisas não
eram tão simples. Havia muito envolvido, e
Vanessa também sabia disso.
​— Se ela voltar para mim, quem pode garantir
que não irão importuná-la novamente? Não foram
blefes da primeira vez. Ela foi machucada.
​— Teria que ser uma escolha dela.
​— Colocar-se em risco? Não, acho que não...
— afirmei com convicção, porque conhecia muito
bem a mulher de quem estávamos falando.
Imprudente, ousada, atrevida e corajosa. Esta era
Mariana.
​E eu a amava por tudo isso.
​Como se eu estivesse evocando um demônio, e
como se um imã nos atraísse, enquanto pegava
mais uma taça de champanhe, ela surgiu. Como em
uma cena de filme, descia as escadas com um
vestido preto elegante, que delineava suas curvas e
ainda possuía uma pequena fenda na coxa direita.
Mas o destaque inegável era o decote. Drapeado e
profundo, deixava as laterais de seus pequenos
seios à mostra – dois montes delicados dos quais eu
me lembrava muito bem. Eles pareciam um pouco
maiores, mas na minha memória viviam
perfeitamente a textura, o gosto e o peso deles nas
minhas mãos.
​Os cabelos castanhos estavam presos em um
coque que deixava sua franja lateral de fora, assim
como alguns fios displicentes. Ela nunca foi do tipo
que perdia horas em frente a um espelho, e por que
precisaria? Sua beleza natural sempre foi o que me
deixou impressionado. Assim como sua figura
delicada, pequena, cheia de curvas, além da
personalidade marcante.
​Homens ao redor pararam para olhá-la. Eu
queria matar cada um deles, tanto que apertei a taça
com mais força, levando-a aos lábios, mantendo a
outra mão dentro do bolso, tentando controlá-la
para não voar na cara de alguém.
​Ela foi direto a um deles, de quem eu me
lembrava muito bem. Era um primo de Vanessa que
sempre babou nela como um imbecil, mas por
algum motivo Mariana o achava legal.
​Legal o caralho. Ele queria transar com ela.
Sempre quis.
​Mas agora ele tinha o direito, se ela quisesse
também. Mariana não era mais minha.
​Então seus olhos vieram na minha direção. O
sorriso desapareceu, como se ela estivesse vendo o
próprio diabo na sua frente. Vanessa já tinha saído
de perto de mim, e eu estava sozinho, no meio de
um salão, olhando para a mulher que ainda possuía
o meu coração e vendo-a amassá-lo com apenas um
olhar.
​Então, como se isso não bastasse, ela fez um
meneio de cabeça, me cumprimentando da maneira
mais formal possível, quase irônica, e eu apenas
continuei olhando para ela, porque simplesmente
não conseguia fazer outra coisa.
​Uma dupla de homens se aproximou de mim,
amigos de Vanessa, donos de uma empresa, que
vinham sondando meus serviços. Eu era CEO da
Fazolatto Consultoria, uma organização
especializada em reerguer empresas dos mais
variados tipos. Por exemplo... eu via uma
oportunidade boa de negócio, porém, mal
gerenciada, então, eu investia nessa empresa,
tornando-me um sócio, e injetava não apenas
capital, mas mão de obra, marketing e ideias
inovadoras, fazendo-a voltar ao mercado no topo.
Eram vários cases bem sucedidos, e as pessoas
passaram a contratar os serviços das minhas
equipes.
​Quando a empresa tinha um potencial muito
grande, eu realmente a comprava e a tornava
minha. Quando era apenas uma questão de prestar
uma consultoria, minhas equipes faziam o trabalho,
e nós cobrávamos valores bem altos.
​Eu era um homem muito bem sucedido nos
negócios, já no amor...
​Enquanto conversava com aqueles dois, que
possivelmente, e muito em breve, se tornariam
meus sócios, volta e meia meu olhar caía em
Mariana, de soslaio. Ela agia com sua elegância.
Mesmo que não tivesse nascido em berço de ouro e
sempre tivesse trabalhado muito – era dona de um
site bem sucedido de venda de semi-jóias, que ela
revendia, tendo parcerias com muitas marcas, a de
Vanessa, inclusive, o que as tornou muito amigas –,
ela era muito bem educada, sofisticada e culta.
Sempre foi um orgulho, para mim, levá-la a
eventos e tê-la nos braços. Eu era invejado não
apenas por ter a mulher mais bonita, mas por ela
falar sobre todos os assuntos, ser espirituosa e
gentil com todos.
​Porra, eu estava ficando louco. Mal prestava
atenção ao que os idiotas ao meu redor diziam.
​De alguma forma, precisava falar com ela.
Mesmo que fosse só para saber como estava; um
pretexto qualquer para ouvir sua voz.
​Como se adivinhasse meus pensamentos,
Mariana desvencilhou-se da conversa com o idiota
que já a monopolizava por uns bons minutos e se
embrenhou por uma das portas do salão que davam
para a varanda.
​Mal pensei. Se refletisse sobre o assunto,
definitivamente iria desistir. Mas eu queria e
precisava falar com ela. Então, despedi-me dos dois
homens e fui atrás dela.
​Como a porra de um marinheiro atrás de uma
sereia perdida no oceano.
​Peguei mais duas taças de champanhe do
primeiro garçom que vi pela frente e encontrei-a
parada com os braços apoiados no gradil,
observando a vida lá fora.
​ la deve ter me ouvido chegar, porque virou-se
E
em minha direção, olhando-me por cima do ombro.
Deixando a postura cair um pouco, deu uma risada
sarcástica.
​— Eu tinha esperanças de que você não iria me
ver nesta festa — falou com aquela voz aveludada,
pegando a taça que oferecia e já levando-a à boca.
​— Com esse vestido? Seria difícil não reparar
em você — falei quase em um sussurro,
acrescentando: — Você está linda, Mariana.
​Ela revirou os olhos, perdendo um pouco da
pose.
​— O que quer? — foi direta, rude e não
parecendo disposta a ser razoável.
​— Saber se você está bem...
​Ela novamente deu uma risada sarcástica.
​— Um ano e meio depois? Que gentil da sua
parte. — Ela fez uma pausa, respirando fundo. Era
a maior prova de que estava tão abalada quanto eu,
embora não demonstrasse. — Estou bem, Bruno.
​— Fico feliz. Como vão os negócios?
​Mariana finalmente virou o corpo em minha
direção. Mesmo de salto, ela continuava muito mais
baixa, por isso, precisou erguer o rosto para me
olhar nos olhos.
​ — Não somos amigos, Bruno. Você decidiu
me tirar da sua vida, então não me venha com esse
papinho cordial, porque não tenho interesse nele.
​Ela ia sair de perto, passar por mim e voltar
para dentro do salão, mas eu segurei seu braço,
pouco acima do cotovelo, mantendo-a ali.
​A forma como olhou para a minha mão poderia
ter fuzilado cada um dos meus dedos, mas, ainda
assim, não a soltei. Não queria mantê-la ali contra a
sua vontade, mas precisava...
​Bem, eu não fazia ideia do quê.
​— Não faça isso, Mariana... — As palavras
ficaram presas na minha garganta. Eu queria contar
a ela, mas agora, mais do que nunca, estava
decidido a não fazê-lo, porque sua reação a mim
deixava bem claro que não acreditaria tão
facilmente em uma história como aquela. Era
desconfiada, e eu não ousaria arriscar. — Não me
odeie.
​Ela ergueu uma sobrancelha.
​— Não se superestime, Bruno... Eu não te
odeio. Só não sinto mais nada, nem mesmo vontade
de ser sua amiga. Deveria ter pensado nas
consequências quando literalmente me mandou
embora da sua casa como se eu fosse descartável. E
eu ainda estava nua na sua cama, depois de você ter
me usado como bem entendia. O recado foi claro, e
eu entendi. Foi para isso que servi... — Ela se
aproximou de mim, colocando-se na ponta dos pés
para sussurrar no meu ouvido. — Descobri que
você não é o único homem bom de cama no
mundo.
​Mais um soco no estômago. Um bem dado, que
quase me deixou sem ar.
​O que eu esperava? Que ela tivesse se mantido
intocada, por um cara que, de fato, a magoara mais
do que poderia ser possível? Ainda me lembrava
dela chorando, ainda podia ver sua expressão
desesperada, perguntando o que tinha acontecido, e
meu coração se despedaçando enquanto eu
precisava fazê-la acreditar que eu era um filho da
puta. Se me esquecesse, se me odiasse, mais rápido
superaria. E ela tinha me superado.
​Eu deveria deixá-la ir embora naquele
momento. Deveria deixar que seguisse seu
caminho, para qualquer lugar longe de mim.
​Mas como?
​Como eu iria superá-la? Principalmente por
saber os motivos que nos levaram a terminar. Por
saber que eu tinha sido o culpado e que nunca mais
a teria.
​Mantive a mão em seu braço, mas a forma
como me olhou daquela vez, não mais
demonstrando a frieza de antes, mas uma
vulnerabilidade muito latente, foi o que me deteve.
​Então eu a soltei.
​Eu deixei, mais uma vez, a mulher da minha
vida desaparecer, com a certeza de que seria para
sempre.
CAPÍTULO DOIS
Abrimos um caso de amor que já estava
arquivado

E ele pegou o melhor de nós

E agora fotos impressas e linhas brancas

São tudo que restou na cena de um crime


(Rihanna- Cold Case Love)

​ ais uma taça de champanhe para a minha


M
coleção. Felizmente eu começava a sentir a bebida
entorpecendo os meus sentidos bem lentamente.
Quantas tinham sido? Três, quatro? Nunca fui
muito forte para álcool.
​Tentei ficar longe dele ao máximo, mas seus
olhares na minha direção pareciam me atrair da
forma mais primitiva possível. Quando fui
convidada para a festa da minha amiga mais
querida, eu já sabia que iria encontrá-lo, mas jurei
que sequer chegaria perto de mim. Imaginei que
não se importava mais o suficiente para isso. Até
julguei que o veria com outra mulher, o que
contribuiria para acabar com a minha obsessão
louca por aquele homem, mas não foi o que
aconteceu.
​E lá estava eu novamente destruída por apenas
uma conversa. E por seus olhares, é claro.
​Os olhares de Bruno sempre me mantiveram
hipnotizada.
​— Se eu fosse você, gata, eu parava de beber
um pouco — uma voz feminina se colocou ao meu
lado. Voltei a cabeça na direção da mulher e me
deparei com Vanessa, a aniversariante do dia e a
culpada por eu estar ali, no mesmo ambiente que o
homem da minha vida, que partira meu coração em
mil partes.
​Aliás, lá estava ele, conversando com dois
homens que eu não conhecia, destacando-se com
toda a sua beleza e elegância, além da altura e o
corpo do qual eu me lembrava muito bem.
​Imaginava que aqueles dois homens deveriam
ter alguma importância para ele e para seus
negócios, porque ele não dispensaria tanto tempo
de sua atenção para qualquer um.
​Uma atenção que valia milhões de reais.
​Bruno Fazolatto era o homem por trás de um
império. Ele tinha uma empresa de consultoria que
investia em marcas falidas e as transformava em
cases de sucesso em pouco tempo. O cara tinha o
toque de Midas e era conhecido por suas decisões
tomadas de forma calculista e com pulso firme. Ele
era tão bom nos negócios quanto em seduzir. E por
mais que eu tivesse jurado que não iria parar na sua
cama quando ele decidiu que queria investir seu
tempo em me convencer a isso, minha
determinação foi por água abaixo. O homem era
bom em tudo o que fazia.
​Em tudo mesmo.
​Só que eu jurei que o feitiço tinha virado contra
o feiticeiro quando ele disse que me amava pela
primeira vez. Quando jurou que eu era especial e
que queria um relacionamento comigo, não apenas
uma noite.
​Eu acreditei.
​Eu me iludi.
​E me apaixonei. Mais do que pensei ser
possível.
​Mas foi tudo uma ilusão.
​Quando ele me abandonou, nada fez sentido.
Nem suas explicações, nem, de fato, a despedida, já
que ele tinha feito amor desesperadamente comigo
na noite anterior e sussurrado que me amava.
​— Estou bem, Nessa. Sei o meu limite...
​— Ah, sabe. Na última vez em que te vi
bebendo assim, você sabe bem o que aconteceu.
​Claro que eu sabia. O dia mais assustador, mais
desesperador e o mais lindo da minha vida.
​— Foi diferente. Estou bem — repeti. — Faz
muito tempo que não saio.
​ Isso é verdade. Fiquei até surpresa quando

confirmou presença. Ainda mais com sua vida
atribulada.
​— Robson tem me ajudado muito. Se não fosse
ele.
​Vanessa bebericou um pouco de seu
champanhe. Ela também estava bebendo um pouco
mais da conta, mas era aniversariante, não era?
​— Aliás... vocês dois são um casal ou não? —
minha amiga olhou para mim por cima da borda,
cheia de malícia. Seus cabelos pretos estavam
soltos, caindo pelos ombros, emoldurando seu rosto
elegante.
​Abri um sorriso de canto, levemente malicioso.
​— Quer que eu te conte para sair correndo e dar
a informação a Bruno?
​— Não seja boba, Mari. Desde quando eu
contei segredos seus para ele e vice-versa?
​— Por quê? Bruno me esconde alguma coisa?
Até onde eu sei, ele terminou comigo porque
enjoou da carne e foi procurar outras. Só que hoje
ele parecia um pouco a fim de um revival.
​Vanessa revirou os olhos.
​— Vocês dois, hein! Sinceramente! Eu queria
matar cada um por ser tão obtuso. Mas não cabe a
mim contar nada. Vocês dois deveriam se sentar,
conversar e esclarecer as coisas.
​Balancei a cabeça em negativa.
​— Não é tão simples, Nessa. Ele até pode ter
um motivo para fazer o que fez, mas por melhor
que seja, a forma como me tirou da sua vida é
imperdoável. Nunca me senti tão humilhada, tão
preterida.
​Mesmo tendo isso em mente, por algum tempo
eu ainda jurei que Bruno fora obrigado a me deixar
por um motivo forte. Jurei que passaria algum
tempo, e ele perceberia que nos afastar fora um
erro, que não sabia viver sem mim, mas foi um
engano. Ele nunca voltou. Nunca me procurou. E
mesmo quando precisei entrar em contato, por uma
razão das mais compreensíveis, fui ignorada. Em
ligações, visitas à sua casa e visitas à sua empresa.
O que eu tinha a lhe dizer não era o tipo de coisa
que podia ser transmitida por um bilhete.
​E por mais que eu tivesse precisado de auxílio,
na época, decidi que seria melhor guardar o segredo
para mim e me manter afastada. Jurei que nunca,
nem se precisasse me prostituir ou mendigar, iria
pedir ajuda para Bruno Fazolatto. Ele seria passado
na minha vida, seria apenas uma lembrança doce
que apodrecera e se tornara bolorenta.
​Mas as coisas se tornavam mais difíceis quando
a lembrança assumia uma forma palpável, com
cheiro, textura e toda aquela beleza utópica. E
quanto mais álcool eu bebia, mais parecia
interessante a ideia de lhe dar a chance de uma
noite. Poderia ser até uma forma de vingança.
Transar com ele até nós dois perdermos a noção de
realidade, para ele sentir o que perdeu, e mandá-lo
embora na manhã seguinte, como fez comigo.
​Eu extrairia dele tudo o que queria. Tudo o que
ele podia me oferecer – que era muito, sem dúvida
– e poderia seguir com a minha vida.
​Só que da mesma forma como a ideia surgiu,
ela desapareceu, e eu me chamei de burra umas mil
vezes enquanto bebia mais champanhe, depois de
Vanessa se afastar de mim.
​Sim, talvez eu estivesse bebendo um pouco de
mais. Talvez eu pudesse parar... mas não era como
se eu fosse dirigir. Pegaria um táxi e tinha alguém
em casa para me receber. Não entraria em coma
alcoólico sozinha.
​Mas não era uma boa ideia ficar no meio de
todas aquelas pessoas, então, parti para o primeiro
andar da casa de festas – já que o evento estava
acontecendo no andar superior, onde ficava o salão
– e, consequentemente, para a área de
estacionamento, que estava vazia e era aberta.
Precisava pegar um pouco de ar.
​Eu já estava um pouco zonza quando senti uma
mão pousar no meu ombro.
​— Vamos, vou te levar para casa.
​Virei-me abruptamente em direção à voz,
avistando Bruno bem ali, do alto de seus um metro
e noventa e três, com seu terno muito bem cortado
caindo como uma luva no corpo cheio de músculos,
os cabelos castanhos e fartos penteados para trás,
mas com um cacho caindo de forma displicente na
testa, os olhos muito azuis fixos em mim e a boca
rosada, em um formato perfeito, entreaberta com
sua respiração.
​Tentei desvencilhar-me de seu toque, mas ele
segurou meu braço.
​— Que ideia estúpida! Quem disse que vou te
deixar me levar em casa?
​— Mariana, por favor. Você bebeu demais. Não
está em condições de ir sozinha.
​Ergui uma sobrancelha para ele.
​— Ainda assim, não cabe a você me levar,
Posso pegar um táxi ou pedir carona a alguém.
Aquele primo da Vanessa... como é mesmo o nome
dele? Provavelmente seria uma boa opção.
​— Eu sou uma boa opção — falou de forma
enfática. — O cara baba em você, quem garante
que não vai se aproveitar da situação e...
​— Quem garante que você não vai se
aproveitar?
​Ele olhou para mim, muito sério, quase
ofendido.
​— Pretendo deixá-la em casa e só.
​— Negativo. Posso muito bem ir sozinha. Não
preciso de você para merda nenhuma — afirmei,
tentando me afastar, mas ele simplesmente não me
soltou.
​— Mariana, por favor, não me obrigue a te
levar carregada até o meu carro. Estou te
oferecendo uma carona, nada mais do que isso.
​— Você sempre vai ser um idiota controlador,
não vai? Mas escuta aqui... não vai poder...
​Novamente tentei me desvencilhar dele, para
provar o meu ponto, mas meu salto finíssimo
afundou na grama que estava logo atrás do meu pé,
e eu me desequilibrei, tendo como ajuda o fato de
que estava mais do que alta pela bebida. Jurei que
acabaria me esborrachando no chão, mas o braço de
Bruno se enganchou na minha cintura, impedindo-
me de despencar, mantendo-me firme.
​Com sua força e cheio de ímpeto, ele me puxou
para si, fazendo-me trombar contra seu peito largo
e musculoso.
​— Viu como você ainda precisa de mim para
alguma coisa? — ele perguntou quase divertido, e a
minha vontade era pegar um punhado da lama e
esfregar naquela cara perfeita dele.
​Daquela vez ele me soltou rápido, mas não
precisei dar nem um passo para perceber que o meu
tornozelo que latejava não sustentaria o peso do
meu corpo, então, novamente cambaleei, gemendo
ao mexer o pé.
​Ainda entorpecida pela dor e pela bebida, mal
senti quando fui içada do chão como se não pesasse
nada, indo parar exatamente nos braços do homem
de quem eu deveria fugir.
​— O destino é uma merda, não é, Mariana? De
uma forma ou de outra, você vai, sim, aceitar
minha carona e ser carregada até o meu carro.
​Tudo o que me restou foi bufar. Que escolha eu
tinha?
​Sim, o destino era mesmo um filho da puta.
CAPÍTULO TRÊS
Querido, eu mereço

Mais que palavras vazias e promessas

Acreditei em cada coisa que você disse

E te dei o melhor de mim

(Take a Bow – Leona Lewis)


​ idar com aquela mulher teimosa sempre foi
L
uma dor de cabeça, especialmente porque eu soube
desde o início que ela não iria facilitar as coisas,
nem mesmo machucada. Debatendo-se, remexeu-se
em meus braços, socando meu peito, embora eu
tentasse nem lhe dar atenção.
​— Dá para me colocar no chão? Não quero ir
com você, Bruno! Não seja ridículo!
​— Quem está sendo ridícula é você. Estou te
ajudando, deveria ser mais agradecida — tentei
uma abordagem bem humorada, esperando que isso
amenizasse seu temperamento, mas Mariana não se
aquietou.
​— Isso é sequestro — reclamou, indignada, e
eu quase ri com a expressão que fez.
​— Sequestro seria se eu te levasse para algum
lugar para o qual você não quer ir.
​— Seu carro, por exemplo.
​Daquela vez não pude deixar de rir.
​— Com o qual vou te levar para a sua casa.
Acho que...
​Baixei os olhos para olhar para Mariana, e ela
estava calada, olhando para um ponto do
estacionamento, parecendo pensativa, como se
tramasse algo. Voltei meus olhos na mesma direção
de para onde estava olhando e me deparei com o tal
primo de Vanessa, que nos observava de maneira
estranha.
​Tentei acelerar meus passos para que não nos
incomodasse, mas Mariana tinha encontrado seu
bote salva-vidas.
​— Carlos! Carlos! — chamou, quase aflita. —
Socorro, me ajuda!
​Mas o que diabos aquela mulher estava
fazendo?
​Apertei-a contra o meu corpo um pouco mais,
tentando chamar sua atenção.
​— Você ficou louca? — perguntei por entre
dentes.
​Só que Mariana não pareceu se intimidar pelo
meu tom, principalmente quando o babaca surgiu
ao nosso lado.
​— O que diabos está acontecendo aqui? — o tal
Carlos perguntou, e eu revirei os olhos, porque...
Sério? Eu precisava mesmo estar naquela situação?
​— Esse doido aqui não quer me colocar no
chão. Não sei o que está se passando na cabeça
dele, mas estou assustada... — a cobrinha no meu
colo choramingou, em sua melhor interpretação de
donzela em perigo, que não combinava em nada
com ela. A última coisa que Mariana faria, de livre
e espontânea vontade, era demonstrar fragilidade se
não fosse para obter algo em troca.
​E a julgar pela expressão indignada do sujeito,
ele obviamente tinha comprado sua encenação, o
que me dizia que ela conseguira o que queria.
​— Coloque a moça no chão. Agora! — o
imbecil falava comigo como se eu, de fato,
estivesse prestes a sequestrar Mariana.
​Minha intenção, obviamente, era provocá-la um
pouco, mas não imaginei que chegaríamos a tais
extremos.
​Virei-me na direção dele bem lentamente, mas
sem mover um único músculo do braço para soltá-
la. Não queria parecer arrogante demais, mas
poderia jurar que meu olhar na direção dele não
fora dos mais simpáticos.
​— Ela torceu o pé, e eu a estava ajudando. Está
bêbada... Vou levá-la para casa.
​Porra, eu não precisava ficar dando explicações
àquele babaca. Eu sabia que não estava fazendo
nada de errado. Mariana estava me provocando, se
fazendo de engraçadinha.
​Não que ela não tivesse razão. Se estivéssemos
em situações contrárias, eu certamente iria odiá-la e
querer que sumisse da minha frente. E fui eu que
procurei. Eu que alimentei esse sentimento em seu
coração, porque queria que fosse assim. Julguei que
sofreria menos se tivesse em mente que havia
perdido um babaca e não um cara que faria tudo
por ela.
​— Mas eu não quero que ele me leve. Você
pode me levar, Carlos? — pediu com toda a
educação que não dirigia a mim.
​— É óbvio que posso. Poderia ter pedido
antes...
​— Eu ia pedir, mas esse brutamonte abusivo
aqui decidiu dar uma de controlador. Bem típico.
​Novamente Carlos me lançou um olhar como se
eu fosse um criminoso, e eu não vi alternativa a não
ser baixar Mariana até o chão. Minha vontade era
fazê-lo sem toda a delicadeza com a qual eu
normalmente a trataria, mas precisava lembrar que
o culpado por aquela situação estranha era eu.
​Ela ainda poderia ser minha, se eu não tivesse
me esforçado tanto para que não fosse.
​Claro que eu tinha meus motivos, mas Mariana
não sabia quais eram, e era com isso que
precisaríamos conviver.
​Como se tivesse motivos para fugir de mim, ela
cambaleou para o lado de Carlos, permitindo que
ele a amparasse daquela vez, e eu continuei
observando a cena, muito sério, impassível, porque
simplesmente não podia fazer nada.
​— Vamos, Mariana, vou levá-la. Consegue
andar até o carro? Precisa que eu te carregue?
​Como a donzela doce e graciosa que ela vinha
encenando, sorriu para ele:
​— Não, obrigada. Com uma ajudinha posso
chegar ao seu carro sem problemas.
​E então eles se afastaram.
​Segui os dois com os olhos até que o idiota
ajudou Mariana a entrar no carro, fechando a porta
e dando a volta. Com calma ele deu a partida, ao
mesmo tempo em que eu fui me afastando, ainda
observando.
​Pouco depois que eles passaram por mim – e
que Mariana olhou nos meus olhos, quase sentindo-
se vitoriosa – entrei na minha BMW e também
parti.
​Mal pensei no que fazia quando me vi seguindo
os dois.
​ or mais que houvesse um pouco de ciúme
P
envolvido – e eu não seria hipócrita ao ponto de
negar –, o que eu realmente queria era que ela
chegasse em casa em segurança. Carlos poderia ser
primo de Vanessa, aparentemente confiável, mas
ele, de fato, morria de tesão por Mariana, e um
homem, muitas vezes, tinha a tendência a se
aproveitar de uma mulher embriagada com a
desculpa de que o sexo fora consentido, mesmo que
ela estivesse um pouco fora de si.
​E eu não permitiria isso.
​Segui a uma distância segura, pegando o único
caminho que eles poderiam ter pegado, saindo do
Alto da Boa Vista. Eu não sabia o endereço de
Mariana, mas julguei que estivesse morando no
mesmo bairro de quando começamos a namorar,
porque ela sempre gostou de lá. Por isso, peguei a
estrada, esperando encontrá-los no meio do
caminho.
​E encontrei. Só que não da forma como
esperava.
​O caminho estava deserto àquela hora, de
madrugada, e eu vi o carro deles parado, no
acostamento. Havia outro veículo ao lado e dois
homens ao redor das portas daquele onde Mariana e
Carlos estavam. Por um momento julguei que eram
pessoas ajudando-os por causa de algum problema
mecânico, mas foi uma questão de tempo até ver
um deles arrastando Mariana pelo asfalto.
​Ela desacordada, indefesa... o suficiente para
que eu nem pensasse duas vezes. Apenas acelerei o
carro um pouco mais, aproximando-me e abri o
porta-luvas, tirando de lá a arma que eu mantinha
guardada.
​Desde que ameaças começaram a surgir,
principalmente dirigidas a Mariana, no tempo em
que namorávamos, eu consegui um porte de armas
e me preparei para tudo. Poderia usar a Glock que
estava em minhas mãos sem qualquer problema e
com uma pontaria invejável. Só não poderia deixar
que a levassem, especialmente porque eu poderia
jurar que não se tratava de algo aleatório.
​Saltei do carro enfurecido, já com a arma em
punho, urrando:
​— Soltem-na! — Os dois homens pareceram se
assustar com a minha voz, porque ambos olharam
na minha direção. Nenhum dos dois usava algo
para esconder os rostos, e eu voltei meus olhos à
placa de seu carro, tentando memorizá-la.
​Continuei me aproximando, a passos decididos,
vigiando Mariana, que ainda parecia
completamente apagada, o que me deixou
preocupado. O que poderiam ter feito com ela?
​O homem que a segurava a deixou cair no chão
sem o menor cuidado, como se desistissem do que
iriam fazer, o que era muito, muito estranho.
Nenhum deles parecia armado, principalmente
porque não apontaram revólveres para mim.
​Eles saíram correndo, entraram de volta no
carro e fizeram uma bandalha cantando pneus,
passando por mim, enquanto o motorista gritava:
​— O recado está dado.
​Recado?
​Puta que pariu...
​Não que eu duvidasse do que se tratava, mas
eles não tiveram sequer pudores em deixar a
ameaça velada. Mariana era novamente um alvo,
por minha culpa.
​Só que não era hora de pensar nisso. Precisava
ver como ela estava.
​Corri em sua direção, mas antes chequei a
pulsação de Carlos. Ele estava apenas inconsciente,
o que me deixou aliviado. Ainda assim, era a
mulher que detinha toda a minha atenção.
​Mariana estava jogada no asfalto, e eu jurei que
a encontraria desmaiada, mas ouvi um gemido que
me fez me lançar no chão ao seu lado, puxando-a
para mim. O movimento que fiz para poder
examiná-la a fez soltar um gemido inconsciente, e
então eu enxerguei um pouco de sangue no chão.
​— Merda! — exclamei, olhando ao redor, e
vendo que não teria ajuda de ninguém. O local
estava completamente deserto.
​Usando ambas as mãos, segurei no rasgo que
havia no tecido de seu vestido e o rasguei um
pouco mais, revelando um corte em sua cintura,
mas aparentemente foi só um susto, porque era uma
ferida muito superficial. Para limpá-la um pouco,
peguei o lenço em meu bolso e tentei passar sobre o
machucado. Ainda semi-consciente, ela não
percebeu que era eu ali, ao menos a princípio, e
começou a tentar se defender. Fui obrigado a
agarrar suas duas mãos, prendendo-as em uma só
minha, para executar minha tarefa.
​— Não! — gemeu baixinho, assustada. Parecia
dopada ou algo assim, e eu senti um calafrio na
espinha pensando o que poderiam ter feito com ela.
​— Mariana, sou eu. Bruno.
​Seus olhos um pouco fora de foco se abriram,
mas ela ainda não parecia me ver. Senti quando
arfou, parecendo prestes a dizer alguma coisa.
​— Nossa filha... Bruno... temos que proteger a
nossa filha...
​Nossa filha?
​Mas de que merda ela estava falando?
​Só que não tive tempo sequer de perguntar,
porque ela perdeu os sentidos, deixando-me com o
coração acelerado no peito, divagando se teria sido
um delírio completamente insano ou uma verdade
que escondera de mim por todo aquele tempo.
​Eu não sabia o que pensar.
CAPÍTULO QUATRO
Eu estou aqui por você

E sempre estive

Esperando ao seu lado

Eu tomei a dor por você

E enquanto o mundo parava


Você estava na minha cabeça!

(Here for you – Devin Williams)

​ ra um erro, eu sabia disso. O correto seria


E
levá-la ao hospital, mas uma estranha paranóia se
abateu sobre mim, e eu senti que precisava tirá-la
dali e ir direto a um lugar seguro. E, para mim, não
havia refúgio maior do que minha própria casa, que
era, sem dúvidas, uma verdadeira fortaleza.
​Entrei com o carro, estacionei e tirei Mariana
desacordada de dentro dele, correndo com ela até a
casa. Provavelmente Norma, minha governanta, foi
avisada pelos seguranças, porque surgiu na porta,
como sempre fazia, para me receber. Já estava
muito tarde, mas ela era incansável. Aquela mulher
era uma mãe para mim.
​Como estava um pouco escuro, ela soltou uma
exclamação assustada ao me ver chegando com
uma mulher desmaiada nos braços. Quando passei
ao eu lado, ela aparentemente reconheceu Mariana
e ficou ainda mais alarmada.
​— Meu Deus! É a menina? — Veio me
seguindo enquanto eu atravessava a sala em direção
às escadas.
​— Sim, é Mariana — foi tudo o que consegui
responder, porque meus nervos estavam à flor da
pele.
​— O que aconteceu com ela, meu filho? —
perguntou enquanto abria a porta do meu quarto
para me ajudar. Eu poderia levá-la para qualquer
cômodo da enorme casa onde morava, mas por
algum motivo idiota preferia mantê-la o mais perto
possível de mim.
​Coloquei Mariana na cama com gentileza, e
Norma soltou outra exclamação.
​— Ela está machucada!
​— Sim, está. E eu preciso da sua ajuda, Norma.
Ligue para o Dr. Moreira e peça que venha
urgentemente. Sei que é madrugada, mas vou pagar
em dobro. Triplo, se for o caso.
​— Não seria melhor levá-la ao hospital?
​Seria, mas eu não queria preocupar Norma, não
naquele momento, então, preferi deixar meu tom de
voz um pouco mais sério.
​— Não, não é. Preciso que aja rápido. Ela vai
ficar bem — disse isso para a mulher, mas para
mim também. Se fosse preciso repetiria mil vezes
para que eu mesmo acreditasse no que dizia.
​Só que não era apenas o caso de ela estar
machucada. Eu queria acreditar que ficaria bem em
relação às ameaças que estava recebendo. Precisava
acreditar que, daquela vez, iríamos descobrir quem
era, porque as coisas tinham chegado a um limite
inaceitável. Mariana estava machucada pela
segunda vez – embora bem menos grave –, e a
ameaça velada deixada pelo agressor não era difícil
de interpretar. Aconteceria de novo, se eu
permitisse.
​Mas no momento em que me vi sozinho com
ela, outra coisa preencheu minha mente.
​Claro que a preocupação iria me tirar o sono
por alguns bons dias, só que o que ela falou antes
de perder os sentidos não era menos importante.
​Uma filha?
​Poderia ser um delírio, sem dúvidas... mas...
​Era possível, não era? Era muito possível.
​Ainda assim, eu precisava esperar Mariana
acordar para pegar mais explicações. Naquele
momento, ela era a prioridade.
​Tentei checá-la por inteiro e não encontrei
machucados além de uma vermelhidão no rosto,
provavelmente de alguma agressão, e do corte na
sua cintura, que era realmente superficial. Ainda
assim, corri na suíte, peguei alguns papéis toalha e
limpei um pouco mais com álcool, sabendo que
poderia ser suficiente, embora ainda quisesse que
ela fosse olhada pelo médico.
​Enquanto aguardava, liguei para a polícia de
forma anônima – o nome Bruno Fazolatto chamava
muita atenção, e eu não queria isso –, avisando
sobre o carro de Carlos que ficara na estrada. Eu
esperava que alguém já o tivesse resgatado, mas se
não tivesse acontecido que, ao menos, ele não
ficasse lá à própria sorte.
​Depois disso, voltei para perto de Mariana, mas
como o médico morava no mesmo condomínio que
eu, não tardou para chegar.
​Ainda bem, porque eu estava pronto para
colocar a casa inteira a baixo.
​Depois de eu lhe explicar a situação, em um
silêncio agonizante ele a olhou com calma. Ajudei-
o a cortar um pouco mais o vestido, transformando-
o em duas peças, e a primeira coisa que enxerguei
foi a pequena marca de cesárea.
​Mal consegui pensar. Reagir. Completamente
inquieto, afastei-me um pouco da cama, permitindo
que o médico continuasse examinando-a, mas
levando a mão à cabeça, tentando controlar a minha
respiração e exercer a minha paciência. Precisava
aguardar, por mais que fosse uma confirmação que
poderia mudar toda a minha vida.
​— Bruno? — o médico chamou, e então eu
percebi para o quão longe tinha andado da cama.
Estava de olhos fechados, com ambas as mãos
entrelaçadas na nuca, e me voltei para ele de súbito.
Aproximei-me. — Ela está bem.
​— Por que ainda está desacordada? — minha
voz soou mais rouca do que de costume.
​— Sinto cheiro de álcool vindo de sua boca.
Sabe se ela bebeu?
​— Sim, bastante. Estávamos em uma festa.
​Ele assentiu.
​— Provavelmente é por isso. Não vejo nenhum
outro motivo. O corte é muito superficial, e todos
os sinais vitais estão normais. Claro que ela deveria
fazer alguns exames, mas, dada a situação,
compreendo que poderia ser perigoso. Se acha que
a moça está mais segura aqui, peço que fique de
olho depois que acordar. Vou fazer um curativo e
deixar um analgésico prescrito, mais para a ressaca
do que qualquer coisa.
​— Obrigado, doutor — agradeci com
sinceridade, observando enquanto ele cuidava de
Mariana.
​Ela parecia tão indefesa, tão diferente de horas
atrás quando não apenas me desafiou, mas se
mostrou altiva e magoada. Se soubesse os motivos
que fizeram com que eu me afastasse...
​Mas o problema agora era outro... Se ela tinha
mesmo um filho meu – uma filha, como dissera –,
não poderia mais me afastar. Eu precisaria proteger
as duas. Precisaria mantê-las o mais próximo
possível para não deixá-las vulneráveis.
​Além disso, se eu fosse mesmo pai...
​Porra, só de pensar nisso meu coração chegou a
acelerar...
​Se eu fosse mesmo pai de uma garotinha, eu
nunca mais iria querer me separar dela. E ficaria
puto pra caralho com Mariana por ter me escondido
a verdade.
​Assim que o médico terminou, chamei Norma
para acompanhá-lo até a porta, porque nada me
tiraria de perto de Mariana até que ela acordasse.
​Fiquei andando de um lado para o outro,
sentindo-me perdido, enquanto tentava organizar
meus pensamentos. Fui interrompido, porém, por
uma batida na porta. Era Norma novamente.
​— Quer que eu o ajude com alguma coisa?
​Por um momento pensei em dizer que não, mas
olhei para Mariana e vi seu vestido cortado e sujo,
então, assenti.
​— Pode me ajudar a trocar a roupa dela? Uma
camisa minha vai servir por enquanto.
​— Claro, filho. — Assim era a forma como ela
me chamava, porque, de fato, Norma praticamente
me criara, já que fora minha babá, e minha mãe
nunca tivera muito tempo para mim quando
pequeno. E eu sabia que ela adorava Mariana.
Sempre a tratou com carinho e sempre me disse que
era a mulher certa para mim.
​Eu sabia disso também. Sabia que nenhuma
outra poderia ocupar seu lugar.
​Jurei que nunca mais conseguiria tê-la comigo,
mas lá estava ela, deitada na minha cama, tão perto
que meus braços doíam de vontade de abraçá-la e
mantê-la segura comigo. Era como se o destino
estivesse me dando uma segunda chance, me
alertando de que era ali que ela precisava ficar. E
eu não iria perder essa oportunidade. Daquela vez
faria as coisas diferente. Não seria covarde; não iria
entregar a guerra de mão beijada ao inimigo. Iria
lutar por Mariana e... bem... por minha filha. Se é
que eu tinha uma mesmo.
​Depois que terminamos de aprontá-la e que eu a
vi com uma blusa minha – que ficava gigantesca
nela –, coberta e confortável, postei-me ao lado da
cama, com os braços cruzados, esperando o
próximo movimento de Norma. Não que me
surpreendesse, mas ela levou as costas dos dedos ao
rosto de Mariana e a acariciou.
​— Minha doce menina... — falou, como uma
mãe faria. — Como podem ter coragem de lhe
fazer mal?
​Ela tinha ouvido todo o meu relato ao médico, o
que a deixara indignada.
​Concordava plenamente com sua colocação...
embora, talvez, tivéssemos imagens completamente
diferentes de Mariana – e isso quase me fez sorrir.
Ela não era exatamente... doce. Só quando queria.
Já fui alvo de sua doçura e meiguice muitas vezes,
mas na maioria delas a mulher era um furacão.
​— Não sei, Norma. Ainda me pergunto isso
também, mas não vai acontecer de novo. Não vou
permitir — afirmei com toda a minha convicção, e
a outra mulher assentiu.
​Deixando um beijo na testa de Mariana, ela se
afastou da cama. Aproximou-se de mim, colocou-
se na ponta dos pés e beijou meu rosto também, o
que lhe rendeu um sorriso desanimado. Levei a
mão ao seu rosto com carinho.
​— Obrigado.
​— Estou aqui para vocês, querido. Vou me
deitar, mas, se precisar, pode me chamar.
​Com um meneio de cabeça, respondi à sua
oferta, e ela se afastou murmurando um boa noite
enquanto passava pela porta e a fechava.
​Seria uma noite muito, muito longa.
CAPÍTULO CINCO
Sou sua maior obra-prima
E você me arruína
(You ruin me – The Veronicas)

​ ma voz grossa e muito familiar me arrastou à


U
vida real. Presa em minha inconsciência, vaguei
pela escuridão, quase não querendo encontrar o
caminho de volta, porque eu sabia o que me
esperava na realidade.
​E era a voz dele.
​A voz que assombrava tanto os meus pesadelos
quanto todos os meus sonhos bons. E sonhos de
todos os tipos, mas principalmente os que tinham
como consequências despertares suados, ofegantes
e que me deixavam o dia inteiro frustrada, cheia de
um desejo reprimido.
​Tudo era culpa de Bruno. Qualquer coisa de
ruim que acontecia nos meus dias depois de sonhos
como aqueles. Meu mau humor, o café amargo, o
banho frio, a chuva, o erro de um fornecedor, um e-
mail enviado por engano, o atraso para uma
reunião... Bruno Fazolatto era a desculpa perfeita
para todos os meus erros. Um dia ele me tornara
uma pessoa melhor, mas depois de tudo o que fez,
passou a trazer à tona o pior de mim.
​Ainda me sentia um pouco aérea enquanto
voltava à consciência, ouvindo enquanto Bruno
vociferava no telefone. Ele estava por perto, mas
sua voz ia e vinha, como se ele estivesse andando e
se distanciando. Abri os olhos por alguns segundos
para ver que minha teoria estava correta – eu o vi
andando de um lado para o outro, com o celular
grudado ao ouvido e uma das mãos na cintura.
​— Ela foi atacada, Tavares! — ele praticamente
cuspiu. — Não foi uma coincidência, não foi um
assalto. Um recado foi dado, e eu não quero saber o
que você vai ter que fazer, mas desta vez exijo que
descubra quem está por trás. Além do mais... ela
falou de uma filha. Como você pode ter sido
contratado para cuidar dela e não ter essa
informação? — Uma pausa, e eu fiquei prestando
atenção. — Se tenho mesmo uma filha, a menina,
provavelmente, está vulnerável também. Eles
poderiam ter feito mal às duas!
​Eles? Quem eram eles?
​E como ele sabia de Cecília? Filha... ele
mencionou uma filha, não?
​Meu Deus! Não era possível. Teria eu falado
alguma coisa indevida, em um momento de
inconsciência?
​— O dinheiro que eu lhe pago deveria me
garantir o melhor detetive de todos, mas
aparentemente não é o caso — o tom de voz frio eu
conhecia bem. Fora o mesmo que usara para me
dispensar um ano e meio atrás, quando decidira que
eu não merecia mais a sua atenção.
​Então eu descobri que estava grávida... E foi
quando meu mundo se despedaçou de vez.
​— Não quero desculpas, Tavares. Quero
resultados. Assim que ela acordar vamos conversar
e exijo que esteja a postos para mim, para que eu
passe as informações que coletar. — Ele fez uma
pausa, mas logo voltou a vociferar: — Não me
interessa se você tem uma reunião com um cliente
hoje. Cancele. Adie. Quero que fique à minha
disposição até que tudo isso se resolva. Dobro seu
salário se for necessário, mas quero exclusividade.
Ou posso procurar outra pessoa que me ofereça o
que preciso.
​E aparentemente a ligação foi encerrada.
​Mantive meus olhos abertos e a primeira coisa
que vi foi a silhueta poderosa de Bruno. A luz da
aurora incidia em sua figura, enquanto ele se
mantinha parado diante das portas duplas de vidro
do cômodo onde eu estava instalada. Naquele
momento, diante dos meus olhos enevoados e
pesados, ainda sonolentos, ele parecia feito de luz,
um deus.
​Para muitos, era o que ele era realmente. Para
mim, era um homem comum, de carne e osso, com
suas falhas e imperfeições. Mas era o homem que
infelizmente meu coração ainda não havia
aprendido a esquecer.
​Sim... o pai da minha filha. Uma que imaginei
que ele nunca saberia que existiria, mas me
enganei.
​— Bruno... — falei com a voz fraca, sentindo a
boca seca, provavelmente da ressaca. Eu tinha
bebido muito, disso eu me lembrava.
​Ele estava virado para mim, observando-me,
com as mãos nos bolsos, sua postura altiva e os
ombros muito largos erguidos. Não podia ver seus
olhos, porque a luz atingia os meus de forma quase
dolorosa, mas conhecia suas expressões que
coincidiam com sua linguagem corporal; e Bruno
não estava nada satisfeito.
​— Você está bem? — uma voz áspera, mas,
mesmo assim, a mais bonita que eu já tinha ouvido
na vida, empostada e grave, perguntou.
​Antes de responder, remexi-me na cama, quase
sem forças, e me sentei, com as costas apoiadas na
cabeceira.
​— O que aconteceu? — não respondi à sua
pergunta, porque eu não sabia exatamente o como
me sentia. Meu tornozelo doía, minha cabeça
também e algum ponto na minha cintura ardia.
​Enquanto tentava manter os olhos abertos, levei
a mão a eles, para protegê-los do sol.
Provavelmente percebendo que estava me
incomodando, Bruno virou-se e fechou a cortina, o
que quase me fez respirar aliviada.
​Ele ergueu uma sobrancelha, colocando-se
novamente ao lado da cama, de braços cruzados.
Precisei esticar bastante a cabeça para olhá-lo, do
alto de seu um metro e noventa de altura.
​— Do que você se lembra?
​Abaixei meus olhos, focando-os na cama e no
meu colo, tentando reorganizar minhas lembranças.
​A festa...
​O embate com Bruno...
​A torção no pé...
​Carlos...
​A estrada...
​O outro carro emparelhando com o nosso...
​— Ah, meu Deus! — exclamei assustada. Eu
me lembrava de quase tudo. Quase. — Por que
estou com você?
​O cenho franzido demonstrava que aquela
próxima resposta viria muito à contragosto.
​— Eu segui você e Carlos.
​— Por quê?
​— Fiquei com medo que ele bancasse o
espertinho. Você estava completamente bêbada,
Mariana. Uma presa fácil para um homem um
pouco mais abusado.
​Respirei fundo, sabendo que ele estava certo.
Normalmente eu era muito mais comedida com
álcool, mas fazia muito tempo que não bebia. E
muito tempo que não via Bruno, portanto, perdi o
controle.
​— Eu surgi na hora em que dois homens
estavam te arrastando para um carro. Consegui
impedi-los e a trouxe para cá. Minha casa é muito
segura.
​Assenti, ainda desconfiada. Onde entrava o
ponto onde ele descobria que tinha uma filha
comigo?
​Imaginei que pela forma como se sentou na
cama, iria revelar naquele momento.
​— Você falou durante a madrugada. Cecília...
foi o que disse. E antes de desmaiar falou nossa
filha.
​— Eu estava delirando. Você sabe que Cecília
era o nome da minha avó.
​Ele balançou a cabeça, não parecendo
convencido.
​Então, esticou a mão e pegou minha bolsa, que
estava sobre a mesinha ao lado da cama. De lá tirou
minha carteira e uma foto que eu sempre levava
comigo da minha bebezinha. No verso estava
escrito: Cecília – 5 meses.
​Qualquer um que olhasse para a minha filha
diria que era filha de Bruno. Ele, obviamente,
percebeu isso.
​— Você mexeu nas minhas coisas! — acusei.
​— Acho que, neste momento, esta é a última
coisa com a qual você deveria se preocupar.
​— Bruno, eu posso explicar.
​Ele parecia tentar ler nas minhas expressões,
tanto que aproximou o rosto ainda mais do meu.
Então nossos olhos ficaram nivelados, e eu pude
sentir o quão gelados os dele estavam, naquele tom
de azul mais escuro do que o dos meus;
perfeitamente iguais aos da nossa filha.
— Uma filha, Mariana? Você teve um bebê
meu?
Respirei fundo, encolhendo-me um pouco
na cama, onde estava, porque tudo o que sempre
quis evitar era aquele olhar acusatório de Bruno,
evidenciando um erro pelo qual nunca me perdoei.
​— O que deu em você para esconder algo assim
de mim? — ele praticamente cuspiu as palavras,
falando quase por entre os dentes.
​— Você por acaso lembra o jeito como
terminou comigo? Como me mandou embora dessa
casa como uma criminosa? Como me tratou com
frieza e como me afastou completamente? —
Alterei o tom de voz: — Quando descobri sobre a
gravidez, eu tentei te ligar várias vezes, mas não fui
atendida. Vim aqui, mas não fui recebida. O que
esperava que eu fizesse?
​Bruno ficou completamente calado, olhando
para mim com aqueles olhos intensos, como se
conseguisse ler a minha alma.
​— Você nunca teria me contado? — perguntou,
mas o tom de sua voz já tinha mudado. Parecia um
pouco mais emocional, uma que eu reconhecia
melhor, dos tempos em que fomos felizes.
​— Não sei... não posso prever o futuro. — Ele
se levantou, parecendo inquieto. Virou-se de costas
para mim, com uma das mãos na cintura e outra
passeando pelos fartos cabelos castanhos.
​Não usava mais o terno da noite anterior, mas
uma calça de moletom cinza e uma blusa preta, e
ambas evidenciavam os contornos de seu corpo
perfeito, para o qual eu não deveria olhar tanto.
​— Não use de sarcasmo comigo, Mariana. Eu
preciso saber de tudo... preciso vê-la. Preciso
conhecê-la. — Era a primeira vez na vida que eu o
via tão à flor da pele.
​Ignorando seu comentário, falei:
​— Ouvi sua conversa com o detetive. Quem são
eles, Bruno? Por que acha que eu estou em perigo.
Eu e Cecília... Você falou isso, não falou?
​Então voltou-se novamente para mim,
parecendo preocupado.
​— É uma longa história. Mas se vamos
começar a ser sinceros um com o outro, espero que
faça o mesmo comigo.
​— Tudo bem. — Era uma trégua, afinal.
​— Além do mais, seja como for, preciso que
deixe um pouco sua teimosia de lado, porque a
partir de agora pretendo proteger as duas. Você e...
— ele hesitou, parecendo suspirar antes de falar. —
Nossa filha. Você falou que tínhamos que protegê-
la, não falou?
​Respirei fundo.
​— Eu estava delirando. Por um momento achei
que ela estava comigo. Achei que iriam levá-la.
​— Então existe uma chance de eles não
saberem que ela existe?
​— Existe. Pouco saí de casa com ela. Ao menos
não sozinha... — Levei a mão à cabeça, atordoada.
— Não sei... estou confusa.
​— Mas precisamos desvendar tudo isso. É
importante.
​Deus... onde é que eu tinha me metido?
CAPÍTULO SEIS
Eu queria não ter expectativas

Eu queria tanto poder entrar na sua cabeça

Sem confronto

Realmente gostaria que pudéssemos conversar


sobre isso
(Expectations – Lauren Jauregui)

​ u estava furioso. Mais do que isso... sentia


E
meu coração bater tão forte no peito, por causa da
minha indignação, que se fosse um pouco mais
velho poderia jurar que teria um infarto ali mesmo.
​Mas obviamente estas não eram as únicas
emoções que me acometiam.
​Mariana estava de volta. Não importavam as
circunstâncias, tê-la por perto, sob minha proteção,
na minha cama, fazia minha cabeça girar trezentos
e sessenta graus em velocidade vertiginosa.
Receber a notícia de que tinha uma filha com ela...
​Uma filha.
​Eu nem sabia se estava preparado para ser pai.
Não poderia dizer que a ideia não tinha passado
pela minha cabeça quando decidi que queria me
casar com Mariana. Obviamente quando estamos
loucamente apaixonados e queremos unir nossa
vida à de outra pessoa é comum pensar em família
e filhos. Só que era um plano para depois. Bem
depois.
​Levantei-me da cama, sentindo-me inquieto
demais para me manter parado.
​— Pare de me enrolar, Bruno. Eu quero saber o
que está acontecendo.
​Fechei os olhos, sentindo o tom de desprezo em
sua voz como uma bofetada bem dada. Eu amava o
jeito impetuoso e a audácia de Mariana. Fora
exatamente o que me deixara de quatro por ela.
Amava a forma como me olhava quando estava
irritada comigo, e eu poderia confessar que gostava
de provocá-la exatamente por isso.
​— Acho que você não deveria falar assim
comigo. Nós dois erramos um com o outro —
apesar de estar repreendendo-a, decidi falar em um
tom de voz calmo e gentil, porque ela já estava
assustada demais.
​— Eu não decidi esconder nada! — explodiu,
levantando-se de um pulo e colocando-se de pé. Do
alto de seus delicados um metro e sessenta,
Mariana parecia gigantesca quando queria. Sua
coragem e determinação sempre me encheram de
admiração. — Você me abandonou. — Apontou
um dedo acusatório na minha direção. — Me
descartou como se não tivesse significado nada. Me
apagou da sua vida e não atendeu ligações nem
nada. Queria que eu fizesse o quê? Implorasse para
que aceitasse sua filha? Nós nunca precisamos de
você, Bruno.
​— Eu não sabia! Pelo amor de Deus... se
soubesse...
Como eu iria saber de uma gravidez? Como
iria imaginar que a mulher que eu amava e que
precisei abandonar para proteger estava esperando
um filho meu?
Uma garotinha...
Era estranho, mas meu peito se encheu de
orgulho ao imaginá-la.
— Droga, Mariana! — Com todo o
sentimento que me preenchia, não consegui não me
alterar também. Então, levantei-me, colocando-me
à frente dela. — Como você se virou sozinha, tendo
que trabalhar e cuidando de um bebê? — Ela não
respondeu, apenas engoliu em seco. — É
inaceitável pensar que minha filha e a mãe dela
tenham sofrido dessa forma, sendo que eu poderia
prover para as duas da melhor forma possível. Você
poderia trabalhar melhor tendo uma babá para
cuidar dela. Poderíamos fazer tudo juntos.
— Nem eu nem minha filha precisamos do
seu dinheiro, pode enfiá-lo onde quiser... Não
estamos sozinhas... Nunca fomos deixadas
sozinhas.
Aquela afirmação foi como um punhal
sendo afundado na minha carne. Como assim ela
não estava sozinha? Tinha alguém na vida dela?
Um homem?
— Do que você está falando? De quem,
aliás?
— Nós duas moramos com Robson.
Eu sabia muito bem quem era o sujeito. Um
amigo que vivia atrás dela o tempo todo como um
cachorro atrás do osso. Mariana sempre disse que
não tinha nada a ver, que eram como irmãos, mas
eu não engolia essa história.
— Vocês estão juntos? — perguntei,
enquanto instintivamente dava um passo à frente,
fazendo-a recuar. Não queria soar intimidador, mas
o ciúme gritava na minha cabeça, embora eu não
tivesse esse direito.
— Não interessa — Mariana ergueu o
queixo, mal criada, tentadoramente altiva.
Eu nunca a esqueci. Depois dela, não
consegui sequer me envolver com outra. Não
consegui olhar, sentir tesão ou vontade de tocar em
alguém. Nunca esperei que chegaria o dia em que
me sentiria tão viciado em uma mulher ao ponto de
ser capaz de tudo para vê-la segura e feliz. Até
mesmo de abrir mão dela. De deixá-la partir, sumir
da minha vida, para não vê-la machucada.
E tudo foi em vão... lá estava ela, ferida,
assustada e me odiando. Tudo o que eu não queria.
Instintivamente, dei mais alguns passos, e
ela foi recuando até colidir com uma parede. Ao se
ver encurralada, ela arfou, e eu coloquei as duas
mãos, uma de cada lado de sua cabeça, deixando
nossos rostos muito próximos.
Eu não estava pensando. Só que realmente
não sabia lidar com aquela mulher. Algo a respeito
dela remexia meus instintos e me deixava
completamente fora de eixo. Minhas mãos coçavam
de vontade de tocá-la, mas não ousaria. Ela não
queria ser tocada por mim, então eu a respeitaria.
— Se você coloca um homem perto da
minha filha, eu preciso saber qual a sua relação
com ele — afirmei mantendo a calma, mas sentindo
as palavras saírem por entre meus dentes.
— Você não tem esse direito, Bruno... não
tem! — Ela levou as mãos pequenas ao meu peito,
tentando me empurrar, quase dando um passo à
frente, mas ao fazer isso, paralisou por um segundo
e seu rosto de anjo se converteu em uma careta de
dor, o que a fez cambalear, obrigando-me a tirar as
mãos de onde estavam para ampará-la.
— Mariana, o que houve? — Ela não
respondeu, mas um gemido escapou da sua
garganta, ela levou a mão à cabeça e pareceu perder
a força das pernas, porque elas cederam.
Segurei-a antes que caísse e peguei-a nos
braços, levando-a para a cama novamente.
— Você não deveria fazer esforço. Está
machucada e provavelmente fraca por causa do
trauma.
— Eu estou bem. Só quero ir embora daqui
— ela falou baixinho, levando a mão à testa,
apertando-a e fechando os olhos.
— Me desculpa, mas você não vai. Não vou
permitir. Tudo isso é minha culpa, e eu preciso
compensar o que está acontecendo. Preciso que
ouça o que tenho a dizer, mas acho que deveria
descansar um pouco mais.
— Você não tem que achar nada! E também
não pode me prender aqui. Preciso ir, minha filha...
Mariana tentou se levantar, mas eu a
empurrei de volta para a cama, tentando ser
delicado, mas colocando-me sobre ela e
imobilizando seus punhos contra o colchão.
— Me escuta, mulher teimosa, pelo amor de
Deus! Essa merda que aconteceu hoje não foi um
evento isolado. Não foi a primeira vez, e você sabe
disso.
— Como assim? — Ela franziu o cenho,
confusa.
— Eu vou contar tudo, mas primeiro
preciso que se recomponha, que coma alguma
coisa. Além disso, quero que ligue para esse
Robson — não escondi o desdém ao mencionar o
sujeito — e mande-o trazer minha filha o mais
rápido possível. Vocês duas vão ficar comigo a
partir de agora.
Irada – como eu já sabia que ela iria ficar –
vi seu rosto adquirir um tom escarlate, deixando-a
ainda mais linda. Meus olhos caíram para seus
lábios entreabertos, por onde escapava sua
respiração pesada, e eles estavam um pouco
pálidos, mas tão sensuais e tentadores como
sempre.
Não queria pensar no tal do Robson nem em
qualquer outro homem beijando-os, mas precisaria
deixar meu ciúme e os meus sentimentos
possessivos de lado. Naquele momento, o mais
importante era proteger Mariana e a neném.
Ela tentou se desvencilhar das minhas mãos,
e isso me trouxe de volta à realidade.
— Não vai mandar em mim, Bruno. Não
vai tentar me controlar. Nunca teve esse direito,
mas agora tem menos ainda. — Debatendo-se, mas
não chegando a lugar algum, ela soltou um gemido
de frustração. — Me solta, seu idiota!
— Primeiro quero que se acalme. —
Segurei-a com um pouco mais de força, mas
tomando o cuidado para não machucá-la mais do
que já estava machucada. — A situação é realmente
preocupante, Mariana. E a neném pode estar em
perigo também — repeti, esperando que daquela
vez ela finalmente entendesse. — Preciso que deixe
sua teimosia de lado, assim como seu orgulho, e
aceite a minha proteção. Para as duas. Não quero
prendê-las aqui. Quero cuidar para que nada lhes
aconteça.
— Para depois jogar as duas fora como fez
comigo? Posso aguentar o baque de novo, Bruno,
mas não vou suportar se magoar minha filha.
Os olhos de Mariana se encheram d’água.
Puta que pariu!
Eu devia ser muito idiota, muito babaca, por
tê-la magoado daquela forma. Nada justificava a
forma como agi. Só que eu precisava fazer tudo
certo daquela vez. Compensar pela dor que causei e
recuperar o tempo perdido com a minha filha.
E eu faria isso.
— Só me ouça — falei em meu tom mais
gentil. — Vamos conversar. Tome um banho e
vista-se para...
— Não tenho nada comigo aqui. Não vou
sair desse quarto usando uma camisa sua.
— Mandei Norma comprar algumas roupas
para você. Ela vai trazê-las enquanto você se
arruma. Pode ligar para seu amigo, dizer que está
bem, e peça que venha para cá com a menina e
duas malas, uma sua e uma dela. Posso mandar um
motorista buscá-lo.
Ela relaxou um pouco, mas continuei
segurando-a, quase temendo levar um chute nas
bolas. Um que eu mereceria, sem dúvidas.
Ainda assim, Mariana continuou muito
séria, apenas assentindo.
Soltei-a com calma e saí da cama,
deixando-a deitada lá, tentando não reparar que a
blusa enorme que ela usava tinha se erguido,
revelando as coxas nuas e torneadas. Ela pareceu
perceber, porque agarrou o edredom e cobriu-se.
Caminhei em direção à porta, pronto para
sair, quando a ouvi:
— Isto não é uma trégua entre nós. Não
importa o que aconteça. Posso aceitar sua proteção,
mas por causa de Cecília. Jurei que nunca mais
olharia na sua cara, mas minha filha é mais
importante que o meu orgulho.
Respirei fundo, absorvendo as palavras
duras e sabendo que Mariana tinha o direito de falar
daquela forma comigo. Não olhei para ela,
mantendo-me de costas, de cabeça baixa, enquanto
lhe respondia:
— Faça como quiser.
E saí, batendo a porta, sentindo-me
derrotado como nunca antes.
CAPÍTULO SETE
Então, quando você for partir meu coração em
dois

Não jogue sal na ferida

(Salt - Tinashe)
​ ra impossível que ele ainda mexesse comigo
E
daquele jeito. Uma coisa era imaginar o homem
frio e indiferente, que eu jurei que encontraria
naquela festa, mas outra bem diferente era tê-lo me
salvando, me levando para sua casa, colocando suas
mãos em mim e me encurralando na parede daquele
jeito. Pior de tudo era sentir sua preocupação, seu
ciúme e sua resignação em conhecer a nossa filha.
​Minha cabeça estava mais do que confusa, e eu
não estava com ele – ao menos acordada – nem há
uma hora.
​O que aconteceria se ficasse ali por mais
tempo? Será que iria sucumbir a tudo que consegui
evitar durante o último ano? Será que meus
sentimentos, que tanto lutei para enterrar no fundo
do meu coração, se manifestariam novamente e me
tornariam fraca?
​A quem eu estava querendo enganar? Levaria
poucos dias se eu permitisse.
​Mas não estava disposta a permitir.
​Ele tinha me deixado sozinha há uma meia-
hora, com indicações para que eu tentasse
descansar. Ou ordens – sim, provavelmente era
uma escolha melhor de palavras. Assim era Bruno,
afinal. Tudo e todos estavam sempre ao seu dispor.
Só que nunca foi dessa forma comigo. Naquela
noite eu até poderia ter acatado algumas das suas
ideias, mas era só porque eu estava assustada e
porque sabia que também tinha errado com ele.
​Nós dois tínhamos cometido equívocos muito
grandes naquele relacionamento, e só isso me dava
a completa certeza de que, talvez, nunca
poderíamos nos recuperar daqueles golpes. Sempre
seriam um fantasma a nos assombrar.
​Até tentei dormir um pouco, mas sentia-me
agitada demais para isso, então, rapidamente peguei
meu celular, que estava dentro da minha bolsa, que
Bruno deixara sobre a mesinha de cabeceira, e vi as
inúmeras ligações de Robson.
​Meu Deus! Como pude ser tão negligente com
ele?
​Apressei-me em retornar a chamada, recebendo
uma exclamação desesperada do outro lado da linha
como saudação.
​— Meu Deus, Mariana! Mas que merda
aconteceu? Por que não voltou para casa e por que
não avisou? — ele quase guinchou, fazendo minha
cabeça, que já não estava em muito bom estado,
latejar.
​— Robbie... me desculpa, por favor. É uma
longa história... — mal consegui terminar de falar e
fui interrompida.
​— Você está bem?
​— Sim, estou. Estou bem. — Porque eu estava,
não estava? Um cortezinho de nada na cintura, um
tornozelo enfaixado e dolorido... Estava um pouco
fraca também, mas isso tinha uma explicação. Uma
que eu ainda não tinha contado para Bruno, mas ele
já estava assustado o suficiente para surtar ainda
mais. Eu iria sobreviver, mas poderia jurar que
alguém me dopara.
​— Ah, meu Deus! Que bom. Então espero que
essa longa história envolva um homem bem gato e
você na cama dele, porque já estava mais do que na
hora. Se for isso, eu até perdôo, embora eu tenha
surtado e ligado para alguns hospitais. Estava
prestes a ligar para a polícia, mas você me poupou
o trabalho.
​Engoli em seco.
​— A história, de fato, envolve um homem
bonito, e eu estou mesmo na cama dele.
​— Nua? — Robson indagou, animado.
​Abaixei a cabeça para olhar para mim mesma.
​— Com uma blusa dele, serve?
​— Depende... o quão gato ele é? O quão
cheiroso e o quão bom de cama? — Robson
começava a voltar ao normal. Ainda bem, porque
eu odiava preocupá-lo.
​Cheguei a suspirar, pensando no quanto aquela
situação era complicada.
​— Ele é o mais gato, mais cheiroso e,
definitivamente, o melhor na cama, mas eu não
transei com ele ontem.
​— Como assim?
​— Estou na cama do Bruno, Robbie.
​O silêncio do outro lado da linha me dizia
muitas coisas.
​— Bruno “Filho da Puta” Fazolatto? O babaca
que te abandonou e que te deixou com uma filha?
Aquele que não podemos nomear?
​— Ele mesmo.
​— Mas que porra, Mariana! Qual foi a merda
que você bebeu ontem à noite para um revival da
pior qualidade desse?
​— Eu disse que era uma longa história, não
disse?
​— Estou ouvindo.
​Contei tudo a Robson, sem esconder nenhum
detalhe. Desde nosso encontro na festa de Vanessa,
até o embate por causa do meu tornozelo e o fato de
ele ter me salvado. Meu melhor amigo ouviu tudo
calado, e eu podia ouvir os sonzinhos de Cecília do
outro lado da linha, sabendo que ele deveria estar
trocando a fralda dela ou alimentando-a.
​Por mais que eu odiasse deixar minha filha para
sair – o que raramente acontecia, a não ser para
motivos de trabalho –, eu confiava plenamente em
Robson para cuidar dela. Eles se amavam, e ela
quase nem reclamava pela minha ausência.
​— Mas... garota! Que história louca é essa?
Bruno disse que você está em perigo? Isso é... —
ele hesitou. — Eu nem sei que palavra usar.
​— Aparentemente é isso mesmo. Ele ficou de
me contar a história com mais detalhes, mas quer
conhecer Cecília. Disse que vai enviar um
motorista de confiança para buscar vocês dois.
​— Ah, porra, Mari! E agora? O que esse cara
vai querer com vocês? Não confio nele depois do
que fez. Você deveria pegar suas coisas e voltar
para casa.
​Enquanto ouvia Robson falando, lancei minhas
pernas para fora da cama, para me levantar, mas
assim que pisei no chão, meu pé falhou, pela
torção, e eu caí sentada sobre o colchão.
​— Eu nem consigo andar direito, Robbie. Estou
nas mãos dele.
​— Ele não é nem louco de te manter aí contra a
sua vontade. Chego nessa casa enorme com polícia
federal, o exército, helicótero, SWAT, FBI,
Interpol, Scotland Yard, CSI e... — ele fez uma
pausa quase teatral. — CSI existe mesmo ou é só
na televisão?
​— Não vem ao caso. Só, por favor, faz o que
ele pediu. Arruma a Cecília, apronta duas malas
para nós, espera o carro e vem para cá.
​— Vai obedecer ao Poderoso Chefão, Mari?
​Respirei fundo.
​— Acho que neste caso eu não tenho escolha.
Ele disse que Cecília pode ser afetada também, e eu
não vou ser louca de negar proteção de um homem
que tem recursos para isso, estando a vida da minha
filha em jogo. Não posso colocar meu orgulho
acima da segurança dela.
​Ouvi Robson fazer o mesmo que eu e também
puxar o ar com força.
​— Tudo bem, amada. Eu vou arrumar a Ceci
bem bonitinha para conhecer o merdão do papai
dela.
​— Obrigada... eu...
​Estava prestes a dizer mais alguma coisa, mas
um barulho na porta me fez parar.
​— Falo com você depois, querido. Preciso de
um banho, esfriar a cabeça e está na hora de ter a
fatídica conversa com ele — enfatizei o pronome
com certo desdém.
​— Tá ok. Qualquer coisa grita. Vou esperar
aqui com a neném.
​— Tudo bem, amigo. Te amo.
​— Também te amo, encrenqueira.
​Sorri ao desligar e ergui a voz para que a pessoa
do outro lado entrasse. Arrumei-me ao máximo,
porque já me sentia vulnerável demais só com
aquela blusa, sabendo que não era minha e que
estava sem sutiã, e não queria que Bruno visse
partes do meu corpo que eu não estava a fim de
mostrar. Embora ele conhecesse todas muito bem.
Com os olhos, mãos, boca, língua...
​Ai, Mariana! Este é exatamente o tipo de coisa
no qual você não pode pensar!
​Mas a cabecinha de cabelos grisalhos que
surgiu pela fresta da porta não era de Bruno, mas de
Norma.
​Aquela coisinha doce, que era como uma mãe
para Bruno e que me tratara como uma filha no
período em que morei naquela casa, sorriu para
mim, e meus olhos se encheram de emoção.
​— Norminha! — exclamei feliz, e ela veio até
mim. Pousando algo que trazia nos braços sobre a
cômoda, tomou-me em um abraço apertado, que
quase me desmontou.
​Quando concordei em ir morar com Bruno,
depois de um ano de relacionamento, minha vida
atingiu um patamar que nunca imaginei. Eu
trabalhava muito duro, tinha uma condição
financeira razoável, mas a fortuna dele era
incalculável. Desde o momento em que pisei
naquela casa, ele me tratou como uma rainha em
todos os sentidos. Roupas, joias, jantares,
conforto... tudo o que alguém poderia almejar.
Qualquer um seria hipócrita se negasse o quão
rápido nos acostumamos com o que há de melhor,
mas no momento em que fui dispensada da forma
mais cruel possível, o luxo que Bruno me ofereceu
foi o que menos senti falta. O homem que eu
amava, é claro, foi o que mais doeu, mas aquela
mulher...
​Ela era a mãe que eu não tinha há muito tempo,
já que a minha havia morrido há pouco mais de seis
anos, antes de eu conhecer Bruno. Norma entrara
no meu coração sem muito esforço, não apenas pela
forma como me tratara desde o início, mas pelo
quanto amava Bruno e o quanto preenchera a
solidão da vida dele com amor.
​Bruno pudera ter muitas mulheres em sua cama
no passado, mas ele era um solitário, que não
deixava que ninguém escalasse os muros altos de
seu coração. De acordo com Norma, eu fui a
primeira. Mas nem mesmo eu consegui ficar por
tempo suficiente.
​— Minha menina linda, como você está? — ela
perguntou, doce como sempre.
​— Estou bem. Estava com saudades — falei
baixinho, ainda aninhada em seu peito. Era uma
mulher alta e corpulenta, com o melhor abraço que
já senti na vida. Assim como acontecia com muitas
pessoas, eu era pequena perto dela.
​— Eu também, querida. — Afastou-me um
pouco, levando ambas as mãos ao meu rosto. —
Fiquei tão preocupada quando o menino chegou
carregando você daquele jeito. Meu coração quase
saiu pela boca. — Não pude conter um sorriso,
porque era bom saber que ela se preocupava tanto
comigo. — Apesar das circunstâncias, gosto de ter
você aqui.
​— Eu não queria estar — confessei. Não havia
segredos com ela.
​Suspirando, ela acariciou meu rosto, com uma
expressão de compaixão muito doce.
​— Não fique assim. O menino me contou toda
a história, e nós duas sabemos que ele seria capaz
de qualquer coisa para te proteger.
​— Ele me deixou, Norma. Você sabe como as
coisas aconteceram.
​— E também sei que vocês precisam conversar.
— Um sorriso enorme surgiu em seu rosto. —
Quero conhecer a garotinha. Nem posso acreditar
que meu menino tem uma filhinha.
​Meu menino... Era bonitinha a forma como ela
se referia a um homem grande, feito e que mais
parecia um armário. Norma era querida a esse
ponto.
​— Ela vai te amar tanto, Norma. É uma
menininha tão doce — falei, cheia de orgulho.
​— Vinda de você, não poderia ser diferente. —
Ela sorriu mais um pouco, olhando para mim, e se
afastou, voltando para perto da cômoda, trazendo
até mim o embrulho que tinha em mãos quando
entrou. — Bruno mandou isso para você. Ele pediu
que eu fosse comprar. Disse que te espera para
almoçar.
​ eguei o pacote e percebi que se tratava de um
P
vestido. Caríssimo, a julgar pelo embrulho da loja.
Ele nunca foi de economizar em seus presentes.
​— Tudo bem, Norminha. Avise a ele que vou
tomar um banho e já desço.
​Tentei levantar novamente, senti a dor me fazer
estremecer, mas consegui pisar com muito esforço.
​— O menino avisou que, se quiser, ele vem
aqui para te levar lá para baixo, já que está com o
pé machucado.
​— Estou bem, Norma. Não vou demorar.
​Ela assentiu, e eu me inclinei para beijá-la no
rosto. Contente, a mulher adorável deixou o quarto,
e eu fui mancando até o banheiro para me aprontar
e encarar a fera.
​Aquele dia prometia ser bem caótico, e estava
apenas começando.
CAPÍTULO OITO
Estou cansado de todas as mentiras

Então eu vou te entregar todos os meus


segredos

Desta vez

(Secrets – One Republic)


​Eu sabia que ela era teimosa o suficiente para
não me pedir ajuda. Quando enviei a mensagem
com a oferta por intermédio de Norma, não duvidei
nem por um segundo que poderia rolar aquela
escada, mas não iria aceitar a posição de
submissão. Por isso, quando a vi mancar, descendo
cada degrau com dificuldade, não me levantei para
ajudá-la, apenas a observei.
​Ainda mancando, caminhou na minha direção,
parando à minha frente com aquele jeito altivo de
sempre.
​— Deveria ter aceitado minha ajuda. Seu pé
nunca vai ficar bom se forçá-lo dessa forma.
​Ela abriu um sorriso malicioso.
​— E aceitar ser carregada de um lado para o
outro, dependendo de você até para ir ao banheiro?
Não, obrigada.
​Respirando fundo, tentando me resignar,
apontei na direção da sala de jantar, estendendo a
mão para ajudá-la, mas ela não aceitou e seguiu,
remexendo os quadris de um jeito que poderia me
colocar de joelhos diante dela.
​Ao menos consegui puxar a cadeira para que
sentasse, acomodando-me ao seu lado, à cabeceira.
A mesa estava posta, mas ela não pegou nada para
comer.
​— Falou com seu amigo? — perguntei, quase
ansioso, embora não quisesse demonstrar. Mas eu
tinha algum direito, não tinha? Aquilo significava
conhecer, finalmente, a filha que nunca soube que
existia.
​— Sim, ele está à sua disposição, Sr. Fazolatto,
como todos os seres humanos precisam estar. — Lá
estava a Mariana irônica, pela qual eu havia me
apaixonado.
​Com uma expressão contrariada, peguei meu
telefone e enviei uma mensagem a Nelson, meu
motorista pessoal.
​— Preciso do endereço — informei e muito a
contragosto, Mariana me transmitiu o local onde
morava.
​Não era tão longe, o que indicava que em no
máximo uma hora eu conheceria a minha filha.
​Ficamos em silêncio por algum tempo, e eu não
consegui parar de olhar para ela, o que,
obviamente, não lhe passou despercebido.
​— O que foi?
​— Você está linda — sussurrei, frustrado,
sabendo que eu nunca conseguiria ser indiferente a
ela.
​ vestido que lhe comprei tinha um tom bordô
O
e delineava suas curvas, abrindo-se em uma saia
delicada. Havia um pequeno detalhe na gola, em
um tom um pouco mais escuro, mas vivo, em
veludo, e uma faixa em sua cintura do mesmo
tecido.
​Não havia um resquício de maquiagem em seu
rosto, mas os cabelos estavam soltos, caindo pelos
ombros, e seus olhos pareciam cansados, mas ela
era a imagem da perfeição.
​— Vamos direto ao assunto, sem rodeios e sem
elogios desnecessários. Você está me devendo uma
explicação. Quem são as pessoas que me atacaram?
— muito séria, ela falou, não dando margem para
nenhum outro assunto.
​— Não vai comer? — tentei adiar o assunto ao
máximo.
​— Não agora. Preciso ouvir sua explicação,
porque dependendo do que for, pode me embrulhar
o estômago.
​Olhei para ela por alguns instantes, sabendo que
não me deixaria fugir daquele impasse, então,
respirei fundo e soltei a confissão:
​— Há um ano e meio, você sofreu um
acidente... — comecei, odiando me lembrar
daquele dia.
​Eu não precisava entrar em detalhes, porque ela
sabia muito bem do que eu estava falando. Saindo
de uma reunião de trabalho, Mariana fora
atropelada. A pessoa simplesmente fugiu, e ela foi
socorrida por estranhos no meio da rua, que
acabaram ligando para mim. Corri como um louco
para o hospital. Ela não chegara a se machucar
severamente, mas fora o suficiente para me deixar
completamente perdido.
​E então começava a parte que eu precisava
contar a ela.
​— Não foi um acidente. Você sofreu um
atentado. — A reação de Mariana foi erguer uma
sobrancelha, surpresa. Como não disse nada,
prossegui: — Eu comecei a receber ameaças à sua
vida meses antes, mas decidi ignorá-las. Quando vi
que não estavam blefando, precisei acatar as ordens
dessa pessoa.
​— E quais eram essas ordens? — ela
perguntou, parecendo preocupada, séria demais.
​Voltei meus olhos para ela, observando-a
profundamente. Queria que lesse em cada uma das
expressões do meu rosto o quanto eu estava falando
a verdade. Se me conhecia, se nossos anos de
relacionamento tivessem valido de algo, ela
saberia.
​— Eles queriam que eu me separasse de você.
​Mariana ficou muito séria. Tentei lhe dar um
tempo para que absorvesse a informação, esperando
que acreditasse em mim, mas quando explodiu em
uma gargalhada, senti como se um punhal tivesse
sido enterrado no meu peito.
​— Do que está rindo? — perguntei por entre
dentes.
​— Isso é ridículo, Bruno. Você, um dos homens
mais poderosos do país, com medo de uma ameaça
à sua namorada? Pensei que encontraria uma
desculpa menos esfarrapada para explicar a forma
ridícula como terminou comigo — desdenhosa, ela
estendeu a mão, pegando uma torrada sobre a mesa.
— Até me abriu o apetite.
​Ela levou a comida à boca, mastigando
enquanto ainda ria.
​— Não é engraçado, Mariana. É a verdade. Se
brincar com isso, vai tornar as coisas muito difíceis
para nós dois.
​Parando de rir, voltou-se na minha direção,
suspirando. Apesar de parecer indignada, ela usou
de um tom de voz equilibrado e quase gentil para
falar:
​— Posso acreditar que seja verdade, mas não
acha que desistiu de mim muito fácil? Por que não
conversamos? Por que não tomamos a decisão
juntos? Poderíamos ter dado um jeito de ficarmos
juntos sem que ninguém soubesse.
​— Eu não iria querer esconder meu
relacionamento com você.
​— Por quê? — Ela ergueu uma sobrancelha,
atrevida. — Para marcar território? Mostrar para
todos que Mariana Lourenço era sua propriedade?
​— Isso é injusto, e você sabe disso. Nunca foi
assim conosco.
​Ela abaixou a cabeça, parecendo envergonhada.
​— Não. Mas você sempre teve um lado
ciumento — brincou. Deveria ser um bom sinal,
não?
​Ajeitei-me na cadeira, inclinando-me para trás,
acomodando minhas costas no encosto alto,
tentando parecer mais relaxado.
​— Tenho o costume de cuidar do que é meu.
​Uma risadinha sarcástica foi o que ouvi.
​— Não muda muito o que eu falei. Mas seja
como for, a história ainda é absurda. Você terminou
comigo porque quis, Bruno. Podíamos ter resolvido
a situação juntos.
​Será? Poderia mesmo ter sido assim?
​— Não quis brincar com a sorte. Não quando
tinha a sua vida em jogo. Acho que ontem você
teve uma amostra do que poderia ter acontecido.
Aqueles homens iam te sequestrar, Mariana.
​— E nós ainda estamos separados, o que joga a
sua teoria por terra.
​— Mas conversamos na festa. Isso foi um
alerta. Talvez eles quisessem usar de chantagem ou
algo assim. Eu não sei. Não sei como eles pensam.
​— Então a pessoa estava na festa?
​— Cheguei a pensar nisso, mas não temos
como afirmar. Fotos foram postadas em redes
sociais. Comigo e com você. Uma, inclusive, onde
aparecíamos, ao fundo, conversando, na varanda.
Tenho uma pessoa cuidando de tudo, e ele apurou
esses dados.
​Mariana observou-me com aqueles enormes
olhos azuis cristalinos, com tanta intensidade que
eu poderia jurar que ela era capaz de ler a minha
alma. Ainda se mantinha séria, não parecendo nem
um pouco convencida. Sempre soube que seria uma
guerra difícil de vencer, que no momento em que
dei um passo para o abismo, escolhendo nos
separar, dificilmente conseguiria colar nossos
pedaços outra vez.
​Só que agora tínhamos uma filha juntos. As
coisas seriam diferentes. Eu não iria permitir que se
afastassem de mim, porque precisava protegê-las.
​Levei uma das mãos às têmporas,
massageando-as e suspirando, sentido uma dor
começar a se manifestar. Não tinha dormido
absolutamente nada, aguardando Mariana
despertar, tentando cuidar dela e esperando pelo
que poderia acontecer no dia seguinte. Tentando
encontrar uma forma de contar a ela o que
precisava ser dito.
​Só que não era novidade para mim o fato de
que ela não iria acreditar.
​E eu jurei que iria relevar, que iria deixar para
lá e apenas fazer com que ficasse comigo, que
aceitasse minha proteção. Se não por si mesma, por
nossa filha. Porém, quando me dei conta, me vi
segurando sua mão por cima da mesa. Ela não
tentou desvencilhar-se. Apesar de tudo, sempre foi
justa e paciente.
​— Eu sei o que sinto, e isso é que importa.
Você pode nunca mais acreditar em mim, mas não
vou negligenciar desta vez. Você está certa,
deveríamos ter agido juntos, mas ainda não é tarde.
Por nossa filha...
​Ela pareceu derreter um pouco ao me ouvir usar
o pronome nossa. Eu não poderia dizer que não
mexia comigo também.
​— Pode não acreditar em mim, se não quiser,
mas precisa me dar um voto de confiança de que
posso e vou cuidar de vocês.
​Mariana hesitou, analisou a situação por um
tempo e se manteve quieta. Abaixou os olhos para
o ponto onde nossas mãos estavam unidas, e eu
nem percebi que a estava acariciando. Com um
suspiro, respondeu:
​— Tudo bem, Bruno. Vamos fazer uma trégua
entre nós, mas isso não significa que vou abrir meu
coração para você novamente. Podemos tentar
conviver. Estou magoada.
​Outra punhalada no peito. Principalmente pelo
tom doce e sutil que ela usou. Mas o que eu
esperava?
​— Mas vai ficar aqui... na minha casa. Com
Cecília. Não vai?
​Ela suspirou, um pouco irritada.
​— Eu acho que você não me deixa muita
escolha, não é? Odeio a ideia de concordar em ficar
na sua casa, mas já disse... não é por mim. É pela
minha filha.
​— Realmente não temos mais nenhuma
chance? — falei em um tom quase de súplica.
​— Eu não confio mais em você. Como vou
acreditar que não vai omitir coisas importantes
outra vez? — Tentei responder, mas ela ergueu um
dedo. — Não posso mandar no meu coração,
Bruno. Não posso pedir que ele te aceite de volta e
que reúna os cacos quando ainda está partido. As
coisas não funcionam assim. Você não pode
controlar tudo.
​— Não vai me proibir de tentar te reconquistar,
Mariana. É meu direito, não é?
​— Contanto que respeite meu espaço e minhas
decisões, você pode tentar.
​— É justo. — Fiz uma pausa, tentando me
recompor. Soltei a mão dela e novamente me
recostei na cadeira. — Pode comer agora?
​Ela revirou os olhos, impaciente, e não me
respondeu, apenas começou a se servir, colocando
muito pouca comida no prato, mas já era alguma
coisa. O problema foi que quase não comeu nem
mesmo o que colocou, mas não era meu direito
insistir. Não ainda.
​ oi questão de mais quarenta minutos para que
F
Norma surgisse apressada, interrompendo o
silêncio devastador que se formara entre mim e
Mariana.
​— Eles chegaram, meus queridos. Eles
chegaram!
​Então ela voltou para onde veio.
​Sentindo-me desamparado, voltei meus olhos
para Mariana, sabendo que aquele era o momento
mais louco da minha vida. Num dia eu era um
homem solteiro, ainda sofrendo como um idiota
pela ex-namorada. No outro eu era pai.
​Robson, o amigo de Mariana, entrou na sala em
silêncio, e ela rapidamente se levantou,
caminhando até ele, mancando, e tirando a
bebezinha de seus braços, abraçando-a e beijando-a
na cabecinha. O homem colocou um braço em volta
dos ombros de Mariana, beijando-a no rosto e
sussurrando algo em seu ouvido.
​Eu poderia ter sentido ciúme ou alimentado
pensamentos a respeito daquela cena –
principalmente pelo fato de que aqueles três se
pareciam muito mais com uma família do eu
mesmo poderia ser com elas duas –, mas no
momento toda a minha atenção estava
completamente focada no pequeno pacotinho no
colo de Mariana.
​Olhando-me por cima do ombro, Mariana
começou a afastar-se do amigo e vir em minha
direção, com dificuldade por causa do pé
machucado, então, eu me aproximei.
​Parando à minha frente, olhou em meus olhos e
disse a frase que eu guardaria em minha mente para
o resto da vida:
​— Aqui está a sua filha, Bruno.
CAPÍTULO NOVE
O dinheiro não consegue comprar o céu

Os diamantes não vão sustentar sorrisos

A felicidade é mais do que você pode comprar

(Sweeter Place – Svrcina)


​ om uma dor no coração, estendi os braços
C
para Bruno, sabendo que a partir daquele momento
tudo mudaria. Claro que Cecília tinha o direito de
conhecer o pai. Na verdade, por muito tempo
desejei que aquele encontro se concretizasse,
embora uma parte muito egoísta de mim ainda
tivesse medo de que eu a perdesse um pouco. Eu já
tinha perdido muitas coisas para aquele homem.
Por algum tempo, minha filha foi só minha, mas era
injusto porque ela pertencia a ele também.
​Bruno ficou parado por um momento, como se
não soubesse como agir. Tentando amenizar o
clima, decidi zombá-lo:
​— Nunca pegou um bebê no colo antes?
​— Não uma bebê que fosse minha. — Ele
ergueu os lindos olhos azuis na minha direção,
parecendo mais vulnerável do que nunca. — Mal
sei o que fazer, Mariana. Estou... — Ele suspirou,
liberando um ar que parecia preso em seu peito há
muito tempo. — Ela é tão linda.
​Tentei controlar a emoção, começando a sentir
os olhos arderem.
​— Ela é — foi o que consegui dizer, sentindo
meu coração se derreter. Eu não queria. Não queria
reagir daquela forma, mas era impossível.
​ ntão ele pegou a neném do meu colo, com
E
tanto cuidado, tanta delicadeza para um homem de
seu tamanho, que eu quase pensei que iria desistir
no meio do caminho. Mas lá estava Bruno,
acomodando a filha nos braços, vendo-a pela
primeira vez e com os olhos cheios de lágrimas.
Um homem grande, poderoso, que tinha o mundo
aos seus pés, rendendo-se a uma bebezinha tão
indefesa.
​A cena era linda de se ver. Muito mais bonita
do que jamais esperei que poderia ser. Em todos os
meus sonhos, todas as vezes que imaginava como
seria o encontro de pai e filha, nada chegava perto
daquele momento.
​Bruno olhava para Cecília, sem conseguir tirar
os olhos dela, e eu o entendia muito bem, porque
foi exatamente assim que fiquei quando a vi pela
primeira vez. Chocada com o quão perfeita poderia
ser uma criação minha.
​E dele, é claro. Eu podia estar magoada, mas
ele era tão responsável pela existência de Cecília
quanto eu.
​Sentindo-me emotiva demais para o meu gosto,
afastei-me dos dois, aproximando-me de Robson,
que colocou o braço ao redor do meu ombro,
beijando minha cabeça.
​— O filho da puta continua um gato, né? — foi
o que ele sussurrou no meu ouvido, e eu lhe dei um
tapa no peito. — Estou mentindo? Vai dizer que
não ficou com a calcinha toda molhada quando o
viu de novo?
​— De que lado você está, traidor?
​— Do seu, amor. Mas você sabe que eu sou
justo. E, pelo amor de Deus, tem uma lágrima
querendo cair do meu olho aqui, mas estou lutando
bravamente contra ela.
​Suspirei. Eu não poderia argumentar contra
aquilo.
​Ainda assim, tentei me fazer de blasé, dando de
ombros.
​— Algum dia isso teria que acontecer.
​Robson voltou o rosto totalmente para mim, me
olhando como se eu fosse um alienígena.
​— Para com isso. Eu sou a única pessoa no
mundo para quem você não pode mentir. Você está
comovida. Está prestes a chorar. E olha que você é
a garota mais durona que eu conheço.
​Abaixei a cabeça, quase envergonhada pelo fato
de estar fraquejando depois de ter jurado que nunca
mais iria permitir que Bruno chegasse sequer
próximo do meu coração.
​— Não importa o que eu sinto. Cecília
precisava conhecer o pai. E se ela está mesmo em
perigo, preciso aceitar sua proteção — tentei
parecer fria, porque era assim que queria
permanecer. Só que a expressão de escárnio de
Robson em minha direção dizia muitas coisas,
principalmente que eu deveria parar de ser
hipócrita.
​Então eu me calei. Apesar de suas ironias e
zombarias, Robson me puxou um pouco mais
contra si, provavelmente sabendo o quanto eu
precisava de seu apoio.
​Continuei olhando para Bruno, que segurava a
minha – ou melhor, nossa – filha. Ele tinha acabado
de se sentar no sofá da sua enorme sala de estar,
segurando a neném por debaixo de seus bracinhos,
olhando para ela por inteiro, como se precisasse
decorar cada parte de seu corpinho, que era
ridiculamente pequeno perto daquele homem
imenso.
​Ele perdeu bons minutos em silêncio, e eu
começava a me sentir agoniada querendo saber o
que tinha a dizer. Mas isso foi até que ele olhou na
minha direção, encontrando meu olhar que eu
simplesmente não conseguia desviar.
​Qualquer um ao nosso redor perceberia o
estranho magnetismo que nos cercava. Era um
misto de emoções que criava um caos na minha
cabeça. Até dias atrás eu poderia jurar que o
odiava. Por mais que houvesse também outro
sentimento latente que insistia em se manifestar
quando uma lembrança de algum momento bom
inundava minha mente me obrigando a trair minhas
convicções.
​Era uma merda também admitir que eu o
conhecia bem o suficiente para entender o gesto de
cabeça de Bruno, convidando-me a me juntar aos
dois.
​Eu deveria negar. Deveria ser mais forte, mas
queria participar daquele momento.
​Aproximei-me dos dois, saindo dos braços de
Robson, que me incentivou, e eu sentei-me ao lado
de Bruno. Cecília deu um gritinho ao me ver, meio
que batendo uma palminha na outra, feliz.
​Ela estava feliz nos braços do pai, mesmo que
provavelmente não fizesse ideia de quem ele era.
​— Ela é... — ele sussurrou, com um tom de voz
embargado. Precisei me controlar ao máximo para
não sentir o mesmo. — Porra, Mariana, ela é
perfeita.
​Lá estava a maldita lágrima nos olhos dele. O
homem que não se rendia a nada, que jamais
abaixava a cabeça e que era frio para a maioria das
coisas estava chorando ao olhar para sua bebezinha
pela primeira vez.
​Talvez eu estivesse sendo injusta mais uma vez.
Ele nunca fora nada além de terno comigo.
Devotado. Com exceção, é claro, da manhã infame
quando me expulsou de sua cama e de sua casa,
sempre fui venerada por aquele homem de todas as
formas. Como mulher, como companheira e... na
cama.
​Deus... na cama chegava a ser covardia sequer
lembrar.
​Foi por tudo isso que eu sofri tanto com a
separação. Porque por muito tempo pensei ser a
culpada. Por muito tempo fiquei procurando uma
explicação, algo que me fizesse entender qual fora
o motivo para eu ter perdido um homem tão
incrível.
​E agora eu sabia...
​Olhando para Bruno, ainda meio bobo com
Cecília no colo, brincando com ela e sem conseguir
parar de observá-la, comecei a finalmente pensar
no que tinha me dito pouco tempo atrás. Será que
ele tinha mesmo desistido de tudo para me
proteger?
​Ainda assim, a forma como decidiu agir era
imperdoável. Ele sempre prezou por confiança,
pela conversa; sempre foi um homem muito
desconfiado, porque as pessoas sempre se
aproximaram dele por sua posição, e esse foi um
dos pilares do nosso relacionamento – sem
mentiras, sem omissões. E ele quebrou sua própria
regra.
​Eu não poderia perdoá-lo por isso. Poderíamos
tentar conviver para o bem de Cecília, eu poderia
aceitar sua proteção, mas não acabaria em sua
cama. Não seria seduzida de novo, embora eu nem
soubesse se ele iria tentar.
​Aliás, eu esperava que não, porque se tentasse...
eu estaria perdida.
​Mal me dei conta quando a mão dele se
esgueirou para dentro da minha. Meus olhos caíram
sobre ela, quase confusos, um pouco chocados, mas
depois voltei-me para seu rosto.
​— Obrigado. Obrigado por esse presente.
​Naquele momento, nada mais importou. Eu
ainda não conseguia sorrir, porque meu peito estava
pesado, cheio de dúvidas e angústia, mas
correspondi quando ele entrelaçou os dedos aos
meus e assenti, aceitando sua gratidão.
​Era um começo, não era? Uma trégua, em nome
da nossa filha?
Poderia funcionar.
CAPÍTULO DEZ
Eu nunca me senti assim

Você atirou e mirou meu coração

Sentir dor nunca foi tão bom assim

Você é minha cicatriz favorita

(Favorite Scar – Leona Lewis)


​ oi extremamente difícil permitir que tirassem
F
minha filha dos meus braços. Passei a tarde inteira
com ela, tentando compensar o tempo que nos
roubaram.
​Que Mariana nos roubou, para ser mais exato...
mas quem poderia culpá-la?
​Quando entreguei Cecília para Norma, me senti
novamente vazio. Como era possível que
tivéssemos criado algo tão perfeito quanto aquela
bebezinha? Como era possível que eu já pudesse
amar tanto um serzinho, mesmo que a tivesse
conhecido há tão poucas horas.
​Seria possível que já tivesse me tornado pai?
Mesmo pegando minha filha nos braços pela
primeira vez há pouco tempo? Era assim que as
coisas funcionavam?
​Esses eram os pensamentos que não saíram da
minha cabeça enquanto eu começava a jantar, horas
depois, quando finalmente permiti que minha
mente se afastasse da ideia de que havia uma
criança no mundo que dependia de mim. Mariana
fizera um bom trabalho até aquele momento,
criando, sustentando e provendo para nossa filha,
mas era hora de eu assumir o meu papel.
​Tinha convidado Robson para jantar conosco,
não apenas porque quis ser cortês com o homem
que cuidou de Mariana e da minha filha por todo
aquele tempo, mas porque – honestamente – queria
sondar o que havia entre eles.
​Mariana sempre foi muito amiga daquele cara,
desde que namorávamos, mas eu nunca entendi
qual era a dele. Se tinha algum sentimento por ela
ou se era mesmo algo fraternal; só que o fato de
estarem morando e praticamente criando uma
criança juntos me dizia muitas coisas que eu não
sabia se queria entender.
​— Me fala mais dela — pedi a Mariana com a
voz bem baixa, quase cortante. Ainda me sentia um
pouco abalado, como se minha cabeça estivesse
prestes a explodir, mas não de uma forma ruim.
​Não ergui os olhos por um bom tempo, mas o
silêncio de Mariana me obrigou a fazer isso, então
eu a vi olhando para mim, confusa. O que eu não
entendi.
​— Sobre Cecília? — ela finalmente perguntou.
​— Quem mais? — por mais que a pergunta
soasse um pouco grosseira, tentei manter meu tom
de voz o mais gentil possível.
​Mariana respirou fundo, pousando os talheres
sobre a mesa – fazendo-me perceber que ela não
tinha comido quase nada –, lançando um olhar para
Robson e depois para mim.
​— O que quer saber, Bruno?
​Dei de ombros.
​— Tudo que houver para saber. Ela é saudável?
O que gosta? Quais são seus brinquedos favoritos?
O que come? Não sei, Mariana... Você passou nove
meses com ela.
​Mais um suspiro. Ela parecia cansada. Era
impossível não olhar para seu rosto e me preocupar.
Não era difícil perceber sua falta de apetite, que
tinha emagrecido um pouco, que havia olheiras sob
seus olhos e que parecia um pouco pálida. Tudo
isso poderia ter passado despercebido para mim se
eu não a conhecesse e se não prestasse tanta
atenção em seus movimentos, suas expressões e seu
comportamento.
​— Cecília é uma ótima criança. É saudável,
sim. Tive algumas complicações durante a
gravidez. Descolamento de placenta, então, não
precisei ficar em repouso total. Foram meses
muito...
​ O quê? — interrompi seu relato, sentindo-

me quase em desespero. — Você... correu riscos?
​— Não foi nada de mais, foi só um susto. Ela
ficou bem. Nasceu linda e grande.
​— Saiu ao pai, né? — Robson comentou, com o
garfo a meio caminho da boca, mas eu o ignorei.
​— E mesmo assim você nunca veio até mim
pedir ajuda? Nunca pensou que eu poderia ter
proporcionado os melhores hospitais, médicos e
tudo o mais? Que poderia ter repousado aqui, nesta
casa, onde seria servida e bem cuidada o tempo
todo? — Aquilo ainda me magoava, por mais que
eu quisesse relevar e até entendesse seu lado. —
Porra, Mariana, por que tem que ser tão teimosa?
— Sem nem pensar no que fazia, fechei a mão em
punho e soquei a mesa, fazendo-a sobressaltar-se e
a louça tilintar.
​— Ei, garotão, vamos com calma aí — Robson
reclamou, e eu queria mandá-lo se foder, mas não
tencionava descer o nível assim.
​— Eu estou calmo. Mas é difícil não perder um
pouco a cabeça quando descubro que tenho uma
filha de nove meses, da qual eu não sabia da
existência — praticamente cuspi as palavras.
​— E quantas vezes mais você vai jogar isso na
cara? — Mariana também se exaltou, chegando a
tirar o guardanapo de pano de seu colo, lançando-o
à mesa com fúria.
​Linda.
Puta que pariu, mas ela ficava linda irada
daquele jeito. Seus olhos adquiriam um tom
fascinante de azul, e eu mal conseguia parar de
olhar para ela.
— Não estou jogando na cara, é só uma
constatação.
— Então pare com isso ou posso fazer o
mesmo, repetindo o tempo todo o quanto me
magoou quando tomou uma decisão idiota sem me
consultar. E te lembrar, é claro, que você não sabe
dela até hoje porque me afastou, porque não me
atendeu e não recebeu. — Eu ia falar qualquer
coisa, mas ela ergueu o dedo em riste, furiosa. —
Não vou permitir, Bruno... Não vou permitir que se
coloque como meu dono só porque aceitei sua
proteção. Não somos nada. Nem amigos. Você é o
pai da minha filha, e eu terei uma ligação com você
para sempre, mas só isso.
Depois deste discurso inflamado, Mariana
simplesmente se levantou e começou a mancar até
o corredor que levava ao quarto de Norma, que ela
sabia muito bem onde ficava, provavelmente para
ver nossa filha.
— Mariana, você mal tocou a comida.
Sem olhar para mim, nem mesmo por cima
do ombro, resmungou:
— Não estou com fome.
Frustrado, suspirei e levei ambas as mãos ao
rosto, cobrindo-o e apoiando os cotovelos sobre a
mesa. Sabia que não estava sozinho, não queria
fazer uma cena, mas perdia a cabeça quando tinha a
ver com Mariana.
— Ela é uma coisinha obstinada, né? Parece
um furacão. — Quando olhei para Robson, ele
estava com as duas sobrancelhas erguidas, em uma
expressão divertida, mas eu não achava nada
daquilo engraçado.
Só que havia uma pergunta querendo
escapar da minha boca, e eu não conseguiria
engoli-la de volta.
— Vocês dois estão juntos? — perguntei
depois que tirei as mãos que cobriam meu rosto,
olhando-o finalmente.
Robson soltou uma gargalhada que eu não
entendi.
— Este é o tipo de coisa que vai ter que
perguntar a ela. — Então ele limpou a boca no
guardanapo, colocando-o sobre a mesa e anunciou:
— Acho melhor eu ir. Avise à Mari que se ela
precisar de qualquer coisa, pode ligar para mim. E
tenha paciência com ela. Você a destruiu, cara. Só
não te dou um soco, porque você é bem maior que
eu.
E com isso ele simplesmente se afastou,
seguindo à porta.
O cara ia mesmo deixar Mariana lá comigo?
Este era mais um indício de que, provavelmente,
não estavam juntos.
Mas por que importava? Eu nunca mais
conseguiria reconquistá-la. Não com toda aquela
mágoa que havia entre nós.
Depois de jantar, passei umas duas horas no
escritório, repassando alguns documentos, já que
fiquei ausente da empresa, mas ouvi o som de uma
porta se fechando. Sabia que era a do quarto de
Norma, que ficava próximo ao cômodo onde eu
costumava trabalhar, então eu me apressei em sair,
porque queria pegar Mariana desprevenida, para
que não fugisse de mim.
Eu a vi andando pelo corredor, apoiando-se
na parede – sem Cecília. Então, aproximei-me.
— Onde está a neném? — indaguei,
colocando-me ao lado dela.
— Norma a levou para dormir há uma
meia-hora. Disse que um berço foi montado no
quarto onde vou dormir. Obrigada — não era um
agradecimento dos mais entusiasmados, mas ela
tentou, pelo menos.
— Trouxeram hoje, enquanto estávamos
com Robson.
Ela balançou a cabeça em concordância,
então chegamos à sala, e ela fez uma careta quando
se colocou diante do lance de escadas.
— Seu tornozelo? Está doendo muito? —
indaguei, sabendo o quanto era teimosa.
— Não — respondeu rápido demais, o que
me mostrou que era mentira. Antes, então, que
pudesse se atrever a forçar o pé, puxei-a para mim e
a peguei no colo, apesar de seu protesto. — Bruno!
Não faça isso, eu posso andar!
— Mas não vai. Está cansada, machucada e
magoada. Posso te mimar um pouco, Mariana, já
que não pude fazer isso durante a gravidez.
Ela pareceu aquiescer, e eu a levei para o
quarto onde iria dormir, que já estava pronto,
apenas esperando-a, com a mala que Robson levara
com suas coisas.
Coloquei-a sentada sobre a cama,
cuidadosamente, mas ao invés de ir embora, fiquei
um pouco parado diante dela, olhando em seus
olhos.
— Sei que nós dois erramos, mas não
consigo aceitar que nunca mais teremos uma
chance — admiti, porque era o que eu sentia no
meu coração.
— Nosso tempo acabou — falou, tentando
parecer fria, mas eu podia ver em seus olhos o
quanto aquilo era doloroso para ela.
— Vou me recusar a acreditar, e sabe que
sou tão insistente quanto você. Um casal de
obstinados pode ser mais teimoso do que o destino.
Podemos fazer o nosso, Mariana, e eu escolho lutar
por você. E por nossa filha. Não importa o que irá
me custar.
Depois de dizer isso, decidi não esperar por
sua decisão e simplesmente saí do quarto, fechando
a porta e deixando-a sozinha.
Só esperava que pensasse em minhas
palavras e que estivesse disposta a se render.
Porque eu já a tinha conquistado uma vez e poderia
fazê-lo novamente.
CAPÍTULO ONZE
Te dei tudo de mim

E agora honestamente, não tenho nada

Porque eu amei você perigosamente

Mais do que o ar que eu respiro

(Dangerously - Charlie Puth)


​ uvi a porta se abrindo e passinhos silenciosos
O
preencheram meus ouvidos. O tilintar de algo
sendo pousado na mesinha ao lado da cama e
sonzinhos de bebê. Cheiro de bebê. Cheiro de café.
​Poucas coisas teriam me feito abrir os olhos tão
rápido quanto aquela combinação. Por alguns
instantes jurei que abriria os olhos e me encontraria
na minha própria casa, mas não precisei de muito
esforço para concluir onde estava. O meu quarto
não tinha sequer metade do tamanho daquele onde
Bruno instalara a mim e à sua filha.
​Remexi-me na cama, fazendo os lençóis
farfalharem, e uma moça que eu não conhecia me
olhou com pesar.
​— Ah, me desculpe, senhora. Não queria
acordá-la.
​A jovem estava toda vestida de branco, tinha
cabelos presos em um coque e segurava Cecília no
colo.
​— Quem é você? — perguntei, ainda sonolenta.
​— Meu nome é Sandra. Fui contratada para ser
a babá da menininha.
​Babá?
​Mas que diabos...?
​Ainda confusa, passei a mão pelo rosto, não
sabendo o que dizer. Só que não estávamos
sozinhas no quarto, então, ao olhar para o lado vi
Norma mexer alguma coisa em uma bandeja.
​— Bom dia, minha menina! — ela
cumprimentou com um sorriso. — Como você
está?
​O que era aquilo? Festa do pijama no meu
quarto?
​Fosse como fosse, coloquei-me sentada,
deixando-me ser servida. Havia ovos mexidos,
torradas, suco e a geleia de amora de Norma, que
era a melhor do mundo. Sorri ao olhar para o
potinho.
​— Obrigada, Norminha.
​Claro que eu não pude deixar de reparar na
linda rosa vermelha, recém colhida, e o bilhete.
​— Você sabe muito bem quem me mandou
trazer o café aqui, não sabe?
​Quase bufei, porque é claro que eu sabia. O
todo poderoso, o grande chefão, o dono do mundo.
Para cada gesto gentil de Bruno, eu teria que me
esforçar para lembrar o quão escroto ele fora
comigo – sem pensar em sua confissão de que
fizera tudo para me proteger – repetidamente antes
que permitisse que entrasse no meu coração, de
alguma forma.
​Tínhamos uma filha em comum, e eu tinha
aceitado sua proteção, mas só isso. Era pela minha
bebê que iria voltar a conviver com aquele homem.
Mais nada.
​Por pura curiosidade, abri o bilhete que estava
cuidadosamente dobrado, sob a flor.

Bom dia, linda


Por favor, fique na cama hoje. Descanse seu
tornozelo machucado.
E vamos conversar melhor. Ainda há muitas
coisas que quero te dizer.
Sempre seu,
Bruno.

​ m um louco misto de emoções, ao mesmo


E
tempo em que eu queria amassar o bilhete e jogá-lo
longe, sentia vontade de pegá-lo contra o peito e
abraçá-lo, absorvendo o cheiro da colônia cara de
Bruno, que eu podia sentir no papel.
​Porra, eu era ridícula.
​Sempre seu.
​Mais ridículo ainda. Como ele tinha coragem de
falar algo assim, depois de tudo que me fez passar?
Talvez eu estivesse sendo repetitiva, insistindo
naquela mágoa, mas era uma estratégia de proteção.
Não podia abrir a guarda.
​— Senhora? — a voz da mulher que eu não
conhecia interrompeu meus pensamentos, e eu
olhei para ela, ainda meio que sem entender o que
estava fazendo ali. — Posso levar a menina para
tomar um pouco de sol no jardim?
​— Senhora? — indaguei, estranhando a forma
de tratamento. — Não... eu não sou...
​— Desculpe. O Sr. Fazolatto me informou que
é a senhora desta casa enquanto morar aqui e que
eu devo me reportar à senhora.
​Mas que diabos...?
​Eu não era senhora de lugar nenhum, muito
menos iria mandar e desmandar na casa de Bruno.
​— Posso levar a menina? — a moça insistiu, e
eu apenas assenti, sentindo-me ainda um pouco
atordoada.
​Quando a tal Sandra saiu do quarto, fechando a
porta, eu me voltei para Norma, vendo-a abrir as
cortinas como se não fosse nada estranho; como se
fosse um dia normal de trabalho.
​— Norma... essa Sandra. Foi Bruno quem a
contratou? — era uma pergunta idiota. Quem mais
poderia tê-la contratado?
​— Ah, sim, menina.
​— Da noite para o dia?
​— Foi indicação minha. Sandra é filha de uma
amiga. Tem experiência, é ótima com crianças e
trabalha nisso para pagar a faculdade de pedagogia.
Está no terceiro período. — Ela estava
praticamente vendendo a menina. Enquanto fazia
uma pausa, começou a vir na minha direção, depois
de iluminar todo o quarto. — O menino quis
facilitar sua vida, ter alguém para ajudá-la. Ele
também tomou a liberdade de encomendar algumas
roupinhas e brinquedos para Cecília, além de
preparar o quartinho dela com a sua aprovação.
​Norma não parava de falar sobre coisas que
Bruno tinha planejado. Quanto tempo eu tinha
dormido?
​Mandar na sua casa, preparar um quarto
especial para nossa filha por lá... o que mais ele
estava querendo? Que eu assinasse nossa certidão
de casamento?
​Eu precisava falar com ele urgente, e não
poderia esperar até a noite, especialmente quando
uma decoradora me ligou marcando uma visita para
o dia seguinte, para começarmos o projeto do
quartinho de Cecília.
​Então eu tomei um banho, vesti uma roupa e
me maquiei. Meu pé ainda doía um pouco, mas
bem menos, então, eu conseguia caminhar e descer
escadas. Com as minhas coisas guardadas em uma
bolsa, inclusive um celular que Robson levou para
mim no dia anterior, escapei da vigília de Norma,
avisei a Sandra que precisava sair rapidamente e
caminhei até o portão. Antes de cruzá-lo, no
entanto, um irritante senhora mais uma vez foi dito,
e eu olhei na direção do som por força do hábito.
​À minha frente estava um homem todo de
preto, correndo em minha direção.
​— Senhora, por favor... aonde vai? —
perguntou assim que se colocou à minha frente.
​— Primeiro de tudo, é senhorita. Em segundo
lugar, eu não sabia que era uma prisioneira nesta
casa — falei, usando de um pouco de deboche.
Mais do que deveria, aliás, porque não era culpa
dele.
​— Não, claro que não. O Sr. Fazolatto apenas
me pediu para ficar de sobreaviso para o caso de a
senhora precisar sair. Ele me contratou como seu
motorista.
​Mas que merda era aquela?
​— Como você foi contratado do dia para a
noite?
​— Sou irmão do motorista dele. O Sr. Fazolatto
falou comigo ontem à noite, pouco depois da hora
do jantar. — Ah, claro! Depois que eu saí da mesa,
puta da vida. Jurei que ele tinha ficado trabalhando,
mas estava preparando suas conspirações. — A
senhora vai sair? Posso levá-la para onde quiser.
​Respirei fundo. Não era a situação que eu
desejava, mas poderia ser cômodo. Ter um
motorista? Nada mal.
​Ainda assim, era mais um dos assuntos da pauta
que eu precisava resolver com Bruno.
​Aceitei, então, o que eu considerei como uma
carona de Francisco, o tal motorista, e permiti que
me levasse à empresa, da qual ele já conhecia
perfeitamente o endereço.
​Fui deixada em frente à porta e saltei do carro
mancando até a recepção. Fui anunciada, e minha
subida foi liberada.
​ u me lembrava muito bem de todo o prédio da
E
empresa, então não tive nenhuma dificuldade em
encontrar o caminho até a sala da presidência.
Quando a porta do elevador se abriu, Bruno já
estava me esperando do lado de fora, estendendo a
mão para me ajudar.
​— Eu deveria ter imaginado. Você nunca
ficaria quieta, não é? Sua teimosia pode ser
charmosa até certo ponto.
​Com o braço entrelaçado ao meu, ele foi me
guiando até sua sala, acomodando-me em uma
cadeira. Pensei que iria dar a volta e sentar-se em
sua cadeira enorme e confortável, mas colocou-se
ao meu lado.
​— O que te traz aqui? Pensei que iríamos
conversar só à noite — ele indagou, com aqueles
olhos azuis intensos em mim, quase lendo a minha
alma.
​— Sim, mas você me conhece; sabe que eu sou
um pouco impulsiva.
​— Um pouco? — Ele deu uma risadinha. Sexy.
Sexy demais para o meu gosto.
​— Tudo bem, isso não vem ao caso. O que eu
quero saber é... o que você pensa que está fazendo?
Babá, motorista, um quartinho para Cecília?
Bruno... — Respirei fundo, tentando me acalmar.
— O que você está pensando? Que vamos brincar
de casinha?
​— Não... eu só quero que vocês fiquem
confortáveis e seguras. Quero que minha filha
tenha tudo o que meu dinheiro puder prover. — Ele
fez uma pausa quase dramática. — E você também.
​Levantei-me da cadeira, em um rompante, não
porque estivesse assim tão irritada. Não, isso não
era verdade. O problema era que eu sabia que
aquele tipo de coisa, sua preocupação comigo,
poderia mexer demais com a minha cabeça.
​— Bruno, isso não é certo. Concordo em você
dar tudo para Cecília, mas eu não sou nada sua.
Não há mais nada entre nós. — Naquele momento,
ele também se levantou, colocando-se diante de
mim. Eu recuei, em uma reação ridícula. O que iria
fazer? Me agarrar?
​Bem, foi exatamente isso.
​Quando dei por mim, seu braço enorme já
estava ao redor da minha cintura, puxando-me para
si, fazendo-me colidir com seu peito.
​— Por favor, Mariana... não diga isso. Temos
uma filha juntos... Se isso não é um sinal de que
devemos...
​ — Não devemos nada — fui categórica.
Coloquei a mão em seu peito, na intenção de
empurrá-lo, mas assim que senti os músculos
rígidos, sob a palma da minha mão, a respiração
falhou, e o ar faltou dentro dos meus pulmões.
​Ergui os olhos na direção dos dele, e
provavelmente eles estavam cheios de desejo –
porque era exatamente o que eu sentia crescendo,
em ebulição dentro do meu corpo. Sua mão enorme
nas minhas costas, seus dedos pressionando minha
carne, seus lábios muito próximos dos meus.
​— Mariana — o sussurro penetrou meus
ouvidos e provocou arrepios em todas as partes do
meu corpo. A mão que não estava posicionada nas
minhas costas acariciou meu rosto com tanta
gentileza que nem acreditei ser possível, vinda de
um homem daquele porte. — Eu sou louco por
você.
​Ah, merda! Assim ficava muito, muito difícil...
​— Não é tão simples, Bruno. Há muitas coisas
que... — interrompi a mim mesma quando ele
roçou seus lábios nos meus, suavemente, de forma
quase imperceptível.
​— Me deixa tentar te reconquistar. Me deixa te
provar que eu posso me redimir.
​ resposta deveria ser não, mas, ao invés disso,
A
eu simplesmente abri meus lábios e permiti que ele
me beijasse. Da forma como sempre beijara.
Reavivando minhas memórias de uma forma doce a
princípio, mas rapidamente tornou-se bruta, como
sempre.
​Sem nem perceber como, fui parar sobre a sua
mesa, sentada, e ele tomou meu rosto em suas duas
mãos, aprofundando o beijo como se precisasse
beber de mim o elixir de sua vida. Sua
sobrevivência, seu alimento.
​Eu me lembrava de seu gosto, de seu toque, de
sua respiração pesada entrelaçada à minha. De
nossas línguas duelando. De todas as promessas
que vinham com aquele doce contato.
​Mas foi então que eu voltei a mim e me afastei
abruptamente. Eu não podia permitir. Não podia.
​Então fiz o que deveria fazer desde o início.
​Saí apressada de sua sala – o máximo apressada
que conseguia com o pé machucado –, e fugi dele.
Como uma covarde. Como uma menininha
assustada.
​Eu nunca iria me livrar daquele sentimento.
​Nunca.
CAPÍTULO DOZE
O beijo que rouba o fôlego

Vai roubar sua alma

(Run, baby run – The Rigs)

​Mariana vinha fugindo de mim. Era ridículo,


mas a mais pura verdade.
​Naquela noite, depois do beijo que trocamos,
ela mal falou comigo, passando um bom tempo
trancada em seu quarto. Norma fora quem servira
de intermediária, pegando Cecília para que eu
pudesse ver a minha filha.
​Assim foi por uns três dias.
​Passei um bom tempo com a neném, brincando
com ela, conhecendo-a e me apresentando como
seu pai, tanto que acabamos pegando no sono
juntos, na minha cama, ela no meu peito. No meio
da noite, vi Mariana na porta do meu quarto,
olhando para nós, mas assim que fiz o primeiro
movimento, ela novamente escapou. Só então levei
Cecília para o quartinho improvisado que
preparamos em tempo recorde. Ainda não era o que
eu queria para a minha princesa, mas poderíamos
mudá-lo quantas vezes fosse necessário para
Cecília ter o que fosse melhor.
​Ainda fiquei olhando um pouquinho para ela,
pensando em quanto tempo perdi. Nunca tinha
pensado em ser pai, mas aquela garotinha era tão
minha, passara a caber tão perfeitamente na minha
existência, que ficava difícil imaginar como vivi
todo aquele tempo sem ela.
​ o dia seguinte foi basicamente a mesma coisa.
N
Só que eu precisava de Mariana por perto.
​Decidi tirar o dia afastado da empresa, porque
recebi a visita de Tavares, o detetive que contratei,
esperando que começássemos de uma vez por todas
a desvendar quem estava nos importunando.
​Ele já tinha trabalhado para mim em outras
situações envolvendo a empresa, e chegou a
investigar aquele caso também, mas não tínhamos
muito por onde buscar. Além do mais, jurei que
Mariana, de fato, estaria melhor sem mim, então,
decidi desistir. Muito tempo tinha se passado, e não
faria diferença além do meu desejo de punir a
pessoa por tê-la ferido.
​Mas fosse quem fosse, estava tentando de novo,
e eu não podia permitir que chegassem novamente
perto dela, muito menos da minha filha, tão
pequenina e tão indefesa. Se machucassem
qualquer uma das duas, eu enlouqueceria.
​Sentado à minha frente, Tavares abria sua pasta
e tirava alguns documentos de dentro dela. Era um
homem de meia idade, grisalho, mas com um porte
atlético e muito discreto. Mariana estava ao meu
lado, estalando os dedos, impaciente, aguardando
qualquer movimento ou fala do meu contratado.
​ Bem, Sr. Fazolatto, a questão é a seguinte.

Foram dois acidentes em um espaço de pouco mais
de um ano e meio. No primeiro, a moça foi
atropelada, no segundo tentaram sequestrá-la.
Precisamos entender qual foi a motivação desta
última vez se queriam apenas ameaçá-lo. Por que
levá-la?
Fiquei um pouco calado, ponderando,
enquanto recordava as circunstâncias do acidente
de Mariana. O primeiro, é claro. O atropelamento.
Na época, testemunhas informaram que o carro
estava estacionado próximo ao local de onde ela
saíra. Poderia ser uma coincidência? Poderia, mas
eu não acreditava nisso. Câmeras de segurança das
lojas ao redor também captaram o momento em que
o automóvel saiu da vaga em um timing perfeito
para pegá-la, mesmo com o sinal fechado.
​Um carro alugado em um nome falso...
​— A senhorita pode nos contar detalhadamente
do que lembra? — Tavares perguntou, enquanto eu
continuava calado.
​Mariana olhou para mim, como se estivesse em
busca de uma orientação. Com um meneio de
cabeça, eu lhe respondi.
​O detetive também a incentivou.
​— Pensando com calma, eu comecei a tentar
me lembrar, mas pouco depois de entrar no carro,
eu comecei a me sentir muito tonta, porque eu
estava bêbada. Não cheguei a desmaiar, mas fiquei
em um estado de semi-consciência. Até sermos
parados, e eu sentir uma picada. Lembro de olhar
para o lado e ter a impressão de que Carlos estava
olhando para nós. Mas pode ser produto da droga.
​— Olhando? E ele não fez nada? — alterei-me,
e Mariana balançou a cabeça, corroborando com
minha preocupação.
​— Senhorita, isso é grave. Tem certeza de
que...
​Mariana ia responder, mas eu me intrometi.
Quem diabos ele era para duvidar da palavra dela?
​— Claro que ela tem certeza! Por que está
perguntando algo assim? — vociferei, defendendo-
a.
​— Porque a moça acabou de falar que estava
bêbada e que foi dopada depois — ele falou com
paciência.
​— Estava, mas não sou louca — ela também
respondeu, altiva. — Não estou acusando ninguém,
mas foi estranho.
​— Não está acusando ninguém, mas acho que
seria uma boa ideia você começar a investigar o tal
do Carlos. Qual é mesmo o sobrenome dele?
Fonseca, não é?
​— Farei isso. Eu também consegui algumas
informações sobre o carro que parou na estrada
naquela noite, e novamente era alugado. Na mesma
locadora do primeiro incidente.
​Não que eu tivesse qualquer dúvida sobre a
ligação dos ataques, mas ter a constatação era ainda
mais angustiante.
​Quase ansioso, voltei-me na direção de
Mariana.
​— Me diga uma coisa... Carlos foi
inconveniente com você alguma vez? Ou te
procurou nesse tempo em que ficamos separados?
​— Ele nunca chegou a ser invasivo quando
estávamos juntos, mas mais de uma vez me deixou
desconfortável. Quando nos separamos, eu passei
muito tempo em casa, porque a gravidez foi
complicada. Eu mal podia sair da cama.
​Senti meu maxilar ficando tenso, pensando em
tudo que ela passou sem pedir ajuda. Aquilo
sempre me faria perder a cabeça. Só que não era
hora de novamente cairmos em um embate. Na
verdade, quanto menos eu a afastasse de mim,
melhor seria. O beijo ao qual correspondera era um
sinal mais do que significativo de que sentia algo
por mim. De que ainda me queria, da mesma forma
como eu a desejava.
​Só que, daquela vez, se tivesse a chance de
recuperá-la, seria para sempre. Eu a queria como
minha esposa, para que pudéssemos viver como
uma família ao lado da nossa bebê.
​— Não interessa, esse cara nunca me cheirou
bem. Quero que o investigue, Tavares. Ao menos
teremos um ponto por onde começar.
​— Sim. Farei isso. — Tavares tomou algumas
notas e se levantou. Cumprimentei-o e chamei
Norma para levá-lo até a porta. Eu mesmo poderia
fazer isso, mas não queria deixar Mariana ali,
dando-lhe oportunidade para fugir de mim.
​Ou melhor... ela já estava prestes a fazer isso.
​— Mariana — chamei em uma voz de
comando, fazendo-a parar antes de chegar ao
primeiro degrau da escada.
​Demorou a virar-se para mim, parecendo um
pouco envergonhada. Conhecendo-a como
conhecia, sabia que sua reação do dia anterior
provavelmente a estava deixando constrangida, e eu
poderia deixar passar, mas não queria. Queria
confrontá-la, queria mostrar que precisávamos
conversar e não fugir um do outro.
​— Eu gostaria que você parasse de me evitar
como se eu fosse contagioso — afirmei, tentando
não soar magoado, embora estivesse.
​— Contagioso, não. Mas é sinônimo de perigo.
​— Por quê?
​Ela novamente desviou os olhos de mim,
parecendo olhar em todas as direções, menos nos
meus olhos. O fato de não me encarar poderia ser
um bom sinal, principalmente porque quando o fez,
havia algum tipo de emoção muito intensa em seus
olhos, algo que eu não sabia interpretar.
​— Você me agarrou no seu escritório, e eu não
acho que seria prudente que se repetisse.
​— Você gostou e correspondeu.
​— Claro. Você beija bem, Bruno. Não sou
hipócrita.
​Sua resposta gerou uma troca de olhares que
quase me deixou sem ar. Mariana era intensa, e eu
pude provar que nada havia mudado em relação a
ela e à química que existia entre nós em um simples
beijo. Era óbvio que eu queria muito mais.
​Ela novamente estava prestes a se afastar, mas
coloquei-me na sua frente.
​ Por que não se entrega, Mariana? Eu já te

falei meus motivos...
​Fixou os olhos azuis nos meus, e eles brilhavam
de rancor. Estava se esforçando para parecer
indiferente, mas o que mais me doía era que não
perdia a calma e nem me tratava mal. Era quase
amigável, o que funcionava como uma faca no meu
coração.
​— Quem vai me garantir que daqui a algum
tempo não vai se render novamente a essas
ameaças e desistir, me afastando de novo? Não
posso arriscar, Bruno.
​Segurando seu braço com uma mão, ergui seu
queixo com a outra, fazendo-a olhar para mim.
​— Eu estou arriscando. Sofri demais quando
tive que te afastar, mas quero ter você de volta...
aproveitar a chance.
​Ela suspirou. Parecendo cansada, quase
frustrada.
​Só que não teve tempo de me responder, porque
ouvimos uma risadinha de bebê, e eu vi Sandra
voltando do jardim com Cecília. Foi a chance de
Mariana se afastar de mim, indo em direção à nossa
filha e pegando-a, girando com ela nos braços e
fazendo a neném gargalhar.
​ visão de mãe e filha preenchia meu coração
A
com um sentimento de proteção e posse. Elas eram
minhas, e eu as queria. Não importava o que iria
me custar.
CAPÍTULO TREZE
Nosso mundo está girando

Estamos perdendo nossa gravidade

Voando perto demais do sol

(World’s on fire – Braves)


J​ á fazia quase duas semanas que eu estava
morando com Bruno novamente, e eu podia tirar
duas coisas boas desse período: um – eu ainda não
o tinha matado. Dois – ainda não tinha pulado na
cama dele. Não por falta de vontade, de nenhuma
das duas opções.
​Bruno estava se esforçando. Muito, na verdade.
Após o beijo, eu não havia cedido mais nenhuma
vez, e ele me deu espaço. Volta e meia soltava uma
frase de efeito, uma tentativa de sedução, mas eu
me mantinha impassível. Gentil, porque não queria
perder a razão, mas fria, porque ele merecia um
gelo. Por mais que soubesse que não seria para
sempre, e eu acabaria me entregando, precisava que
entendesse que não poderia mais acontecer. Se me
quisesse de volta, teria que ser para valer.
​Em contrapartida, em certos momentos, quando
ele tentava ditar as regras, assumindo sua postura
controladora e arrogante de CEO bem sucedido e
poderoso, eu tinha vontade de pegar aquela merda
de gravata em seu pescoço e asfixiá-lo até vê-lo
caído no chão como um presunto.
​Só que, na maioria das vezes – infelizmente –,
quando agia como o pai terno que sempre sonhei
que Cecília tivesse, eu me derretia e me via
novamente presa em sua teia. Quando me olhava
daquele jeito, como se estivesse completamente
pronto para me devorar; quando eu podia ler cada
uma das entrelinhas das promessas que ele não
fazia em voz alta, de que tinha toda a capacidade de
me deixar completamente rendida com seus beijos,
toques e gritando seu nome, pedindo que me desse
mais do que somente ele sabia fazer com o meu
corpo.
​ Era melhor nem pensar nisso, aliás. Não
quando ele estava pulando o café da manhã, antes
de ir para a empresa, para passar mais alguns
minutos com a nossa filha.
​E o pior: eles estavam apaixonados um pelo
outro. Cecília ria nos braços do pai, encantada,
provando que aquele homem era capaz de cativar
qualquer uma só com um sorriso.
​Evitei ao máximo participar de cenas como
aquela, porque não queria ter a sensação de que
éramos uma família, mas, daquela vez, meu
coração apertou de uma forma dolorosa. O quanto
eu poderia estar perdendo por causa do meu
orgulho? Eu não precisava me tornar mulher de
Bruno novamente para que fôssemos amigos e
compartilhássemos momentos com nossa
menininha.
​Sendo assim, levantei-me da cadeira e fui até
eles. Estávamos na área externa da casa, e Bruno
estava jogado no sofá de vime, com Cecília
aninhada em seu peito, que era a posição favorita
deles, aparentemente. A mão gordinha agarrava a
blusa do pai, e ainda bem que ele não estava
vestindo uma das de trabalho ainda, mas uma de
malha, com a qual dormira, ou Cecília a deixaria
arruinada.
​Eu também queria agarrá-lo daquela forma pela
camisa, mas por um motivo muito diferente do da
neném.
​Bruno soltou uma gargalhada deliciosa quando
Cecília inclinou a cabecinha para o lado ao vê-lo
fazer uma careta estranha para entretê-la. Pai e filha
eram adoráveis juntos, e eu não poderia nunca
negar isso. Não importava o quanto ainda estivesse
magoada com ele.
​Embora essa mágoa estivesse começando a se
derreter com cada uma de suas incansáveis
tentativas de me reconquistar e na forma como
aceitara e abraçara sua condição de pai.
​Percebendo a minha presença, ele ergueu os
olhos para mim. Um raio do sol da manhã incidiu
em seu rosto esculpido, e era muito difícil pensar
em qualquer coisa negativa a respeito daquele
homem enquanto contemplava a sua beleza. Se eu
precisasse caracterizar Apollo ou Adônis, Bruno
seria uma representação muito satisfatória. O
queixo quadrado, a covinha, os olhos azuis, o nariz
perfeito. Se ele tinha um único defeito físico, eu
desconhecia.
​— Bom dia, Mariana — a voz rouca fez
cócegas em partes do meu corpo que eu queria
muito que ele tocasse. Tanto com a mão quanto
com a boca.
​Pelo amor de Deus, Mariana! Controle-se!
​— Bom dia. — Abri um sorriso. Talvez o
primeiro sincero que dirigi a ele desde que cheguei
à sua casa. Então, acomodei-me na poltroninha
logo à frente dele. — Cecília acorda agitada... ela
tem muita energia.
​O sorriso dele se ampliou ao olhar para a filha.
Droga, ele ficava ainda mais lindo naquela postura
de pai amoroso.
​— Tem mesmo. — Bruno remexeu-se,
colocando-se mais ereto no sofá, ajeitando Cecília,
deixando-a sentadinha em seu joelho com a carinha
linda virada para mim.
J​ urei que ela iria se jogar na minha direção,
como sempre fazia quando estava com outras
pessoas e me via, mas permaneceu lá, enquanto o
pai balançava a perna, segurando-a por sob os
bracinhos.
​Tudo bem, Cecília, eu posso entender. Não há
nenhum colo melhor do que o do seu pai.
​— Quais são seus planos para hoje? — ele
perguntou, como se quisesse puxar papo.
​— Além de ficar presa na mansão do conde
Drácula?
​Bruno franziu o cenho em uma expressão
divertida.
​— Você sabe que não é assim. Se quiser sair,
leve o motorista e um dos seguranças.
​— Não... não tenho planos de sair. Convidei
Vanessa para vir me visitar hoje, se não tiver
problema para você.
​— Por que teria? — ele indagou, surpreso.
​— A casa é sua.
​Ele revirou os olhos, indignado.
​— Enquanto estiver morando aqui, a casa é sua
também. Por mim, você fica para sempre.
​Aquela afirmação, dita de uma maneira tão
natural, me deixou surpresa. Mais do que isso...
balançada.
​— Você não deveria dizer isso — falei
baixinho, quase em um sussurro.
​— Por que, Mariana? Porque você não quer
ouvir? Ou porque está com medo de desejar o que
estou propondo? Já pedi desculpas, já me propus a
tentar me redimir... quero você e Cecília pra valer.
Vamos passar por tudo que vier juntos, porque sei
que errei em tentar resolver os problemas sozinho,
da pior forma. Mas não quero mais errar. —
Parecendo contrariado, ele se levantou, deu um
beijo na neném e a entregou para mim. — Vou para
a empresa.
​Sem dizer mais nada, Bruno afastou-se de nós,
entrando na casa.
​Olhei para Cecília e percebi que ela também
estava olhando para ele, com o dedinho na boca,
parecendo confusa.
​— Aprenda uma coisa sobre o seu pai, bebê.
Ele adora ter a última palavra e fazer saídas
triunfais.
​Não obtive resposta, mas era bom que ela
começasse entendendo desde pequena.
​ anessa chegou por volta de meio-dia para
V
almoçar comigo. Ela babou em Cecília por algum
tempo antes de nos sentarmos à mesa. Comemos
tranquilas no jardim, e a comida estava deliciosa.
Lembrei-me do porquê de eu ser uns três quilos
mais pesada na época em que morava com Bruno.
O chef dele era excepcional.
​Depois de comermos, usamos outra parte da
mesa de jantar para tratarmos de negócios. Vanessa
estava preparando uma nova linha de joias, e eu era
uma de suas principais revendedoras. Alinhamos
um plano de marketing, todo baseado em tons
pastéis e em detalhes delicados, e ela me passou
alguns valores em uma planilha.
​Passamos algumas horas nisso, mas logo depois
nos sentamos à beira da piscina. Ela com uma taça
de vinho, e eu com Cecília colada ao meu peito,
mamando. Minha amiga observava a cena sorrindo,
como se o que eu estivesse fazendo fosse algo
sobrenatural.
​— Deve ser mágico, né? Amamentar assim —
ela comentou, e eu sorri.
​— Sem dúvidas — respondi com segurança.
Ficar com Cecília, em qualquer circunstância, era
especial, mas aquela conexão, que era
completamente única e que ninguém poderia
compartilhar com minha bebê, era inexplicável.
Alimentar minha menininha fazia com que eu me
sentisse uma super-heroína.
​— Ela é tão linda, Mari. Mas vamos combinar,
né? A genética é boa, dos dois lados.
​Assenti, porque sabia aonde esse assunto nos
levaria.
​— Como estão as coisas aqui? — Pronto, lá
estava.
​— Bem... não nos matamos ainda.
​— Ah, isso é bom, sem dúvidas. — Ela deu um
gole no vinho. — Mas você também não parece
furiosa nem estressada. Pelo contrário, a pele está
boa. Aposto que um beijo, pelo menos, já rolou —
brincou.
​— Não começa, Nessa.
​— Não? Pelo amor de Deus, Mari! O Bruno te
contou tudo, não? — Novamente assenti,
balançando a cabeça. — Então por que vocês não
se entenderam ainda?
​— Não sei se temos jeito. Roubaram muito de
nós, Vanessa. Como vou acreditar que ele não vai
fraquejar de novo se for preciso? Que não vai
mentir e esconder coisas?
​ — A gente nunca sabe, amiga. Quando
começamos um relacionamento sempre estamos
cegas, tudo pode acontecer, mas a gente se joga de
cabeça. Por que não se entregar a algo que você já
sabe o que esperar?
​Abaixei a cabeça, com a desculpa de que
Cecília parara de mamar, ajeitando a neném,
colocando-a em pé um pouquinho para depois
encostá-la no meu peito, dando tapinhas em suas
costas.
​— É complicado, Nessa.
​— Por quê?
​Respirei fundo, pronta para fazer a confissão
que nem eu mesma esperava que algum dia faria.
​— Eu amo o Bruno. Jurei que o odiava, que
estava pronta para deixá-lo para trás, mas é só
fachada. Ele é...
​Naquele momento, antes de terminar a frase,
meus olhos foram atraídos para a porta da casa, e é
claro que Bruno estaria ali.
​Novamente o destino estava nos empurrando
para uma direção que eu não sabia se era a certa ou
não.
​Ele agora sabia que eu o amava. O que
aconteceria a partir dali era apenas uma incógnita.
CAPÍTULO QUATORZE
O que você faz

Quando você sabe que alguma coisa é ruim pra


você

E ainda assim não consegue esquecê-la?

(Walk Away – Christina Aguilera)


​Ela me amava.
​Se fosse presunçoso o suficiente, diria que era
algo que já suspeitava, pela forma como reagia a
mim. Caso não sentisse mais nada, não se
preservaria tanto na minha presença. Não
corresponderia ao meu beijo daquela forma.
​Porra, o beijo...
​Ainda não conseguia parar de pensar nele. Não
conseguia parar de desejar muito mais, de querê-la
na minha cama, rendida, toda minha.
​E ouvi-la falando com Vanessa sobre seus
sentimentos começou a despertar esperanças dentro
do meu coração. Não apenas de seduzi-la
novamente, mas também de tê-la em minha vida
definitivamente. Ela e minha filha, que se tornara a
luz do meu mundo desde que a conheci. Tarde
demais, porque eu queria ter aproveitado cada
momento, cada aprendizado, cada sorriso e cada
som, mas podia recuperar aquele tempo. Nunca
mais permitiria que a separassem de mim.
​Poderia dizer o mesmo de Mariana, mas isso
também dependia da vontade dela.
​Passei algum tempo no quartinho provisório da
minha filha, depois de chegar em casa. Não havia
mais reuniões marcadas para aquela tarde, então,
decidi voltar cedo, para passar horas preciosas com
Cecília.
​Anoiteceu, e eu jantei sozinho e bem rápido, no
escritório mesmo, porque estava cheio de coisas
para fazer. Tive uma vídeo-conferência com o CEO
de uma empresa na qual estava pensando em
investir, do ramo alimentício, que me tirou algumas
boas horas. Quando terminou, nem pensei duas
vezes. Eu iria conversar com Mariana, e ela não iria
fugir de mim.
​Não tinha sequer tirado meu terno, nem mesmo
a gravata, porque acabara de sair da reunião,
quando a encontrei no corredor, próxima à porta do
meu quarto. Peguei-a, então, pelo braço, puxando-a
comigo.
​Entrei, passando pela porta, e a tranquei. Ela ia
dizer alguma coisa, mas ergui um dedo em riste.
​— Só vamos conversar — falei, não permitindo
argumentos. Ela iria me ouvir.
​— Se só vamos conversar, podemos fazer isso
com a porta destrancada.
​Ergui uma sobrancelha.
​— Dependendo de como a conversa seguir,
você vai ser jogada naquela cama, e eu vou te fazer
gozar a noite inteira.
​ ariana arregalou os olhos, mas não disse
M
nada. O que eu poderia considerar um bom sinal,
não era?
​Ela cruzou os braços contra o peito, me olhando
com aquela sua deliciosa petulância.
​— Você ouviu uma constatação que não muda
o que há entre nós — afirmou, muito séria.
​— Eu ouvi que você me ama. Não é algo que
dê margens a interpretações equivocadas.
​— Amor pode não significar nada.
​Dei um passo à frente, baixando o tom de voz a
um sussurro cheio de sentimento.
​— Amor significa tudo. Eu também te amo,
Mariana. Amei no passado, amei enquanto
estávamos separados, amo agora e sei que vou
continuar amando, não importa o que aconteça, mas
prefiro que estejamos juntos.
​Mariana suspirou.
​— Como posso acreditar que agora vai ser pra
valer?
​— Você quer que seja?
​Ela demorou a responder. Abaixou a cabeça,
fugindo dos meus olhos, mas eu coloquei a mão
sob seu queixo, erguendo-o para que me encarasse.
Ainda sem dizer nada, assentiu.
​ Então me deixa te amar. Do jeito que você

merece ser amada.
​— Você disse que ia me levar para cama. Eu
aceito. Também te desejo e você sabe disso. Só
sexo, Bruno.
​— Não. Não com você. Eu quero mais.
​— Por enquanto é o que vai ter.
​— Por enquanto? — Ergui uma sobrancelha,
puxando-a para mim, porque aquela expressão
mudava tudo.
​— Não posso mandar no meu coração. Estou
resistindo a você, porque tenho medo de ser
magoada outra vez. Também não posso mandar no
meu corpo, e ele tem desejos.
​Inclinei-me, deslizando os lábios por seu
pescoço.
​— O que quer que eu faça com ele, Mariana?
​— O que sempre fez. Como sempre foi — soou
quase ofegante, porque estávamos próximos
demais. Então, eu apenas reivindiquei sua boca.
​Com uma mão em sua nuca e a outra firme nas
suas costas, na altura da cintura, eu a puxei para
mim com força, mal permitindo que pensasse. Não
encostei apenas nossos lábios, eu os invadi de uma
vez, devorando-a, possuindo-a, não querendo
perder tempo.
​Eu nunca mais queria perder tempo com ela.
Queria que me amasse, mas seu por enquanto me
mostrou que poderia ser uma questão de tempo.
​Apertei-a ainda mais contra mim ao ouvi-la
soltar um suspiro que era quase um gemido,
jurando que iria fazê-la gemer muito mais.
​Afastando-me um pouco de sua boca, comecei
a me guiar até seu pescoço, beijando-o. Para
facilitar as coisas, tirei-a do chão, colocando-a
entrelaçada em minha cintura e levando-a até a
parede mais próxima, onde a apoiei. Mariana arfou
com cada movimento e gemeu baixinho quando
usei minha língua para provocar sua orelha.
​— Estava com tanta saudade, Mariana. Porra...
muita saudade — sussurrei, mas ela não respondeu
nada. Queria acreditar que tinha a ver com suas
reações aos meus beijos e toques.
​Ainda mantendo-a apoiada contra a parede,
levei uma das mãos a um seio, apertando o bico
com força. Ela gemeu um pouco mais alto. Beijei-a
novamente, aproveitando cada sensação, cada
gosto. Engolindo cada um de seus suspiros,
sabendo que nossa química era inigualável.
​— É isso que você quer? Quer que eu te pegue
com força?
​Ela arfou de novo. A respiração dela tocando
meu rosto, seu cheiro... tudo isso iria me
enlouquecer.
— Sim. É tudo o que eu quero.
​Ela nem precisava pedir duas vezes.
​Como prometido, eu a joguei na cama,
aproveitando para arrancar seu short e sua calcinha
em um rompante. Uma das minhas mãos foi direto
à sua boceta, e eu a senti molhada. Era sempre uma
forma eficaz de me levar à insanidade.
​Esfreguei seu clitóris, com os olhos fixos em
seu rosto, absorvendo cada reação, bebendo a
forma como arqueava o corpo e como agarrava o
lençol, como mordia o lábio inferior, a maneira
como sua boca se abriu para deixar escapar um
gemido mais intenso no momento em que um dedo
a penetrou com força.
​Comecei a masturbá-la do jeito que ela gostava,
sem piedade, chegando bem no fundo. Com um
único dedo de início, mas logo acrescentando mais
um, enquanto o polegar esfregava seu clitóris
novamente.
​Conhecia seu corpo. Cada parte dele. E cada
uma das coisas que a deixava mais excitada.
​E eu sabia de outras coisas que ela gostava. Que
nós gostávamos.
​Mariana adorava me provocar. Adorava que eu
a perseguisse e a dominasse. Fora da cama, era a
mulher impetuosa e forte que eu amava. Entre
quatro paredes, gostava que eu a pegasse com
ímpeto, que demonstrasse certo poder sobre ela.
​Por isso, eu sabia exatamente o que fazer
quando, depois de lhe dar um orgasmo que a fez
gemer meu nome como uma gatinha
deliciosamente manhosa, ela se levantou da cama,
de forma provocadora e começou a se afastar,
pegando a calcinha do chão, como se nada tivesse
acontecido.
​— O que diabos você está fazendo? —
perguntei em um tom de voz quase gutural, e ela
me olhou por cima do ombro, com um sorriso
perverso.
​— Você já me fez gozar, eu estava precisando.
Podemos seguir em frente.
​Provocadora. Cobrinha.
​Deliciosa...
​Levantei-me do colchão, onde estava ajoelhado,
ainda de terno e gravata, colocando-me ao lado da
cama, observando-a e cruzando os braços contra o
peito.
​— Ou você tira a porra dessa calcinha ou eu
vou destruí-la — falei em tom de comando.
Mariana gostava disso.
​Ela só sorriu.
​Porra, esse tipo de coisa me fazia morrer de
tesão.
​— Mariana... não me provoca. Se não voltar
para cama por livre e espontânea vontade, vai
voltar carregada.
​— Se me quer tanto, vai ter que se esforçar por
isso.
​E eu a queria.
​Muito.
​Em poucos passos, cheguei até ela, usando
apenas um braço para tirá-la do chão, colocando-
me às suas costas e enlaçando sua cintura. Era tão
pequena e leve que eu não tinha dificuldade
nenhuma em manipulá-la daquela forma.
​Joguei-a novamente na cama, e ela nem sequer
resistiu. Nem mesmo quando coloquei-me com
cada perna uma de cada lado de seu quadril,
mantendo-a presa ali, conforme arrancava a gravata
do colarinho.
​— É isso que você quer, não é? — rosnei para
ela, quase sorrindo, porque eu via o peito de
Mariana subindo e descendo, ofegante. Eu podia
jurar que estava ainda mais molhada do que antes.
​Usando a gravata, uni seus dois punhos,
amarrando-os e levando a outra ponta ao estrado de
ferro luxuoso, cheio de arabescos, onde prendi.
​Puxei o corpo de Mariana para baixo, deixando
seus braços completamente esticados.
​Com outro puxão, arrebentei os botões de sua
blusa de seda delicada, revelando um sutiã de fecho
frontal, que também foi aberto. Os dois seios
pequenos brotaram diante dos meus olhos, e eu
tomei cada um em uma mão, amassando-os
selvagemente. Cada mamilo foi girado entre meus
dedos, e eles já estavam eriçados. Quando lhes dei
atenção, Mariana sibilou e se remexeu sobre o
colchão, inquieta.
​— Você é minha agora. Vou me divertir com
você e te castigar por ser tão provocadora.
​Então ela sorriu, e eu soube que quem estava
perdido era eu.
CAPÍTULO QUINZE
Vamos tornar isso físico

As luzes estão apagadas, siga o som

Amor, continue dançando como se não tivesse


escolha

(Physical – Dua Lipa)


​ runo era um homem elegante. Refinado, culto,
B
educado, cavalheiro e gentil. Mas era do tipo que
com um olhar, um sorriso, dizia tudo o que uma
mulher queria saber. Só com um primeiro beijo –
ao menos foi assim comigo –, não foi difícil
descobrir que ele tinha pegada e que sabia
exatamente o que estava fazendo.
​Na primeira vez em que fomos para a cama, eu
compreendi que nunca mais seria a mesma.
Nenhum outro homem me daria tudo o que ele
conseguia me dar sem nem usar o seu pau em mim.
Suas mãos e sua boca eram celestiais.
​Descobri com ele coisas que nunca imaginei
que poderia gostar. Como ser dominada daquele
jeito.
​Ele estava sem camisa ajoelhado na cama,
observando-me como se eu fosse uma iguaria
deliciosa, que ele estava prestes a devorar. E se
havia algo que merecia ser observado também era o
corpo de Bruno. Ombros muito largos, peitoral
definido, barriga sarada, braços que eram do
tamanho das minhas coxas, alguns pelos
estrategicamente posicionados, cintura estreita,
com um V mergulhando no cós da calça, mãos
grandes... perfeito. A personificação da
masculinidade.
​Bruno me olhava com tanta fome que eu
cheguei a me remexer na cama. Era como se seu
olhar me queimasse. Com os punhos presos
daquele jeito, não conseguia tocá-lo, por mais que
quisesse.
​— Vai continuar me olhando assim? —
perguntei em um sussurro, sentindo-me exposta.
​— Fui privado do que é meu por um ano e
meio, Mariana. Estou redecorando cada centímetro
do seu corpo.
​As coisas que ele dizia... O homem era intenso
do início ao fim.
​— Estou nua e amarrada na cama, e tudo o que
você vai fazer é olhar? — provoquei.
​— Está com pressa? Até onde eu sei, você mal
me queria. Disse que descobriu que eu não sou o
único homem bom de cama... Criou um desafio
com isso.
​— Pisar no seu ego sempre foi uma péssima
escolha, vingativo como é.
​— Péssima escolha, Mariana. — Ele se
inclinou para frente, apoiando-se nos cotovelos, e
baixando a boca até um dos meus seios, cujo bico
ele lambeu de leve, superficialmente. O suficiente
para me fazer arfar. Enquanto prosseguia, começou
a falar, distribuindo beijos pela minha pele,
descendo pela barriga: — Duvido muito que algum
outro tenha conseguido te fazer gozar tantas vezes
em uma só noite como eu, mas vou te dar o
benefício da dúvida e me esforçar para te provar
que está errada. Ninguém conhece o seu corpo
como eu.
​No final de suas frases, ele já estava com a boca
no meu clitóris, que sugou com força. Então,
agarrando minhas coxas, ele as içou da cama,
mantendo a parte inferior do meu corpo suspensa,
com minhas pernas apoiadas em seus ombros.
Nesta posição, ele investiu fundo com a língua.
Lambendo e chupando sem piedade.
Empenhadíssimo em me provar o que tinha
acabado de falar.
​O que eu disse naquela festa fora mentira. Não
houvera ninguém depois dele. Nem poderia, né?
Não com uma gravidez de risco e, depois, uma
bebezinha que tomava boa parte do meu tempo.
Robson sempre me ajudou e incentivou que eu
saísse em encontros, mas a vida de mãe de primeira
viagem era muito cansativa, e eu mal tinha ânimo
para tentar.
​ ó que estava eu novamente na cama de Bruno,
S
e ele não precisara de muito esforço para me fazer
lembrar do porquê de eu ter outros motivos para
não querer sair com caras desconhecidos. Eu sabia,
com todo o meu coração, que jamais encontraria
alguém tão compatível comigo quano o maldito
Bruno Fazolatto.
​Para corroborar com minha teoria ainda mais,
ele deu uma chupada com mais força, sugando meu
discernimento inteiro. O grito que eu dei veio do
fundo da minha alma, que estava igualmente
perdida, vagando pelo meu corpo que estremecia
com um orgasmo poderoso.
​Eu mal estava me recuperando quando fui
colocada de volta na cama, ouvi o som de algo
caindo no chão e vi o rosto perfeito de Bruno
pairando sobre o meu.
​— Você ainda está tomando anticoncepcional?
— ele perguntou.
​— Voltei a tomar há uns quatro meses, se não
me...
​Não pude terminar de falar. A frase que iniciei
terminou em um grito quando fui penetrada com
força, até o fundo. Estava tão molhada que o pau
enorme de Bruno deslizou sem dificuldades,
proporcionando aquela sensação familiar.
​— Você falou que queria com força, não falou?
​— Sim — concordei. E teria concordado com
qualquer coisa àquela altura. — PORRA! — foi o
que saiu da minha boca quando ele saiu sorrateiro
de dentro de mim, quase retirando-se por inteiro,
apenas para estocar mais uma vez.
​Depois disso foi uma sucessão de investidas
cruéis – no melhor sentido da palavra.
​Deus... ele me despedaçava, me reconstruía, me
entendia, me preenchia. Agarrou minhas duas
coxas, flexionando meus joelhos para meter mais
fundo, até eu mal ter noção de qualquer coisa ao
meu redor. Era tão selvagem que mal conseguia
respirar. Os grunhidos que ele proferia ditavam o
ritmo das estocadas, e elas eram velozes.
​Quando eu estava prestes a gozar pela terceira
vez, ele soltou meus punhos e nos girou na cama,
deixando-me por cima, colocando-se sentado com
as costas apoiadas no estado onde a gravata estava
amarrada. Agarrei este mesmo estrado para pegar
impulso e comecei eu a fodê-lo, enquanto ele
agarrava minha bunda, ajudando-me com os
movimentos, puxando-me para frente e para trás.
​Nós dois estávamos suados, ofegantes, um
completo caos. Meus cabelos caíam por cima dos
meus ombros, mas Bruno os agarrou em seu punho,
puxando-os para trás, expondo meu pescoço, que
ele lambeu, traçando um caminho de cima para
baixo. Então voltou à minha boca e reivindicou
minha língua com a dele, em um beijo no qual mal
conseguíamos manter a coordenação, porque
nossas mentes estavam perdidas no prazer cru que
compartilhávamos.
​Surpreendendo-me mais uma vez, adivinhando
exatamente quando eu estava prestes a gozar,
Bruno saiu de dentro de mim, colocando-me de
quatro sobre a cama. No momento em que voltou a
me foder, deu um tapa na minha bunda, não tão
forte ao ponto de me machucar, mas chegando a
estalar. Isso me fez gemer ainda mais alto.
​— Minha, Mariana! Minha. De mais ninguém
— ele falou, totalmente sem fôlego, e isso foi a
minha ruína.
​Por mais independente que fôssemos, por mais
que nunca permitíssemos que os homens nos
controlassem, não havia nada como ouvir de um
homem que está te fodendo loucamente que você
pertence a ele. Aquele sentimento de possessão que
não era tóxico tinha seu erotismo. Conhecendo
Bruno como eu conhecia, sabendo que ele fora
capaz de abrir mão de mim para me proteger,
sabendo que nunca tivera um ciúme doentio, ouvi-
lo me chamar de minha tinha um poder muito forte
sobre minha libido.
​Então nós gozamos juntos, e eu caí sobre a
cama, exausta, tentando me recompor.
​Em algum momento eu acabei dormindo,
acordando no meio da madrugada. Não podia e não
queria acordar na cama dele. Ainda estávamos
caminhando, reconstruindo-nos. Uma coisa era
tentarmos, fazermos sexo desesperadamente e
provarmos que ainda tínhamos tanta química
quanto no início. Outra, muito diferente, era estar
novamente morando na casa dele e abrir meu corpo
e meu coração daquele jeito.
​Tudo bem, eu já entendia que não conseguiria
resistir por muito mais tempo. E não queria, na
verdade. Aceitava que Bruno era o homem da
minha vida, ele já sabia que eu ainda o amava, só
queria um pouco de espaço por mais algum tempo.
Não iria mais evitá-lo, nem fugir, mas acordar ao
seu lado ainda era um pouco de mais.
​Estaria por perto, é claro, mas cada um no seu
espaço. Aos poucos poderíamos nos acostumar com
a rotina do passado.
​Minha roupa estava destruída no chão, então, eu
peguei a camisa de Bruno que estava caída em um
canto, vestindo-a por cima do meu corpo nu, junto
ao meu short, que fora a única peça que restara
intacta.
​Quando estava prestes a sair pela porta, ouvi
um resmungo sonolento de Bruno.
​— Volte para cama, Mari.
​Suspirei, olhando para ele, ainda nu sobre a
cama – uma tentação.
​Mas tudo o que eu disse foi:
​— Boa noite, Bruno. Até amanhã.
CAPÍTULO DEZESSEIS
Você é minha ideia de problema

Você sabe exatamente do que eu gosto

Mas se controla, apesar disso

(Lovetalk – Mothica)
​ quela merda vinha acontecendo há dias. Uma
A
semana, para ser mais exato. Toda noite, Mariana ia
para a minha cama, sorrateira, depois que toda a
casa ia dormir – inclusive Cecília –, transávamos
como loucos, ela pegava no sono e, no meio da
madrugada, saía do meu quarto como uma ladina.
​Naquela noite não foi diferente. Eu sempre a
deixava partir, porque não podia obrigá-la a ficar,
mas, naquela manhã, quando desci para tomar o
café e a encontrei sozinha, apenas com Cecília –
sentada em seu colo –, inclinei-me para beijá-la na
boca e sussurrei em seu ouvido:
​— Um dia desses vou te deixar amarrada na
cama para que não fuja no meio da noite.
​Ela apenas riu, levando uma uva à boca. Estava
brincando com fogo.
​— Concorda comigo que eu posso estar
começando a te perdoar, mas uma punição você
merece? Um ano e meio de mágoa vale que você
precise penar um pouco para me ter de volta por
completo.
​— Acho que eu tenho metido bastante
ultimamente. — Não pude perder o jogo de
palavras, e gostei quando Mariana não conteve a
risada. Quando dei por mim, estávamos os dois
sorrindo, e Cecília nos imitava.
​Isso apertou meu peito.
​Minhas. Elas eram minhas. Minha mulher e
minha bebezinha. Mariana podia se esquivar e
tentar ser escorregadia, mas em breve estaria com
minha aliança no dedo.
​— Precisamos conversar, Mariana. Eu tenho
coisas a te dizer — falei, enquanto me sentava de
frente para ela, tentando não soar contrariado
demais, mas a verdade era que tínhamos voltado a
nos dar muito bem no sexo, é claro, mas ela
continuava arisca quando se tratava de qualquer
outra coisa.
​Sua explicação era extremamente justificável –
ela queria que eu penasse, que implorasse, corresse
atrás dela e me desesperasse. Tinha que lhe dar
algum crédito, porque estava conseguindo tudo
isso. Cada vez que acordava sem ela do meu lado,
depois de termos passado horas juntos, da forma
mais plena possível, tinha vontade de sair
marchando até o quarto ao lado e me deitar em sua
cama só para provocá-la. Mas Mariana estava certa.
Eu era o errado da história. Sempre seria, até que
ela resolvesse me perdoar por completo.
​— Vamos conversar, Bruno. Quando eu achar
que é a hora. — Sorrindo, levantou-se, levando
Cecília consigo, dando a mísera conversa por
encerrada.
​Eu poderia aceitar e lhe dar o tempo que me
pedia, é claro. Só que não era tão simples.
Enquanto ela não me deixasse abrir meu coração de
verdade, falar sobre meus planos e realmente pedir
perdão pelo que acontecera, as coisas continuariam
do mesmo jeito.
​Eu só queria uma chance.
​E como o homem determinado que era,
precisava fazer qualquer coisa que estivesse ao meu
alcance. Era assim nos negócios e seria assim na
minha vida pessoal. Mariana não era uma empresa,
era a mulher da minha vida, então o jogo era ainda
mais valioso.
​Mas, por falar em trabalho, saí para o meu,
chegando na empresa a tempo para a minha
primeira reunião do dia.
​Assim que esta terminou, fechei-me na minha
sala, pedindo à minha secretária para não ser
interrompido, porque tinha alguns contratos para
analisar, de duas empresas com quem iria trabalhar.
Com um deles eu precisava ser bem minucioso,
porque era uma empresa que tinha muitas dívidas,
mas um enorme potencial mal aproveitado. Iria
assumir todas aquelas pendências, por isso,
precisava estar respaldado em contrato para
qualquer eventualidade.
​Peguei-me concentrado por um bom tempo até
que meu celular tocou, anunciando uma mensagem.
​Eu normalmente teria ignorado, mas era de
Mariana. Definitivamente não queria negligenciar
nada que tivesse a ver com ela. Ou com minha
filha, como era o caso.
​Um sorriso curvou meus lábios quando vi do
que se tratava. Não havia nenhuma mensagem da
mulher, apenas um vídeo, mostrando Cecília
engatinhando pelo gramado do meu quintal. Ela
seguia em direção a Norma, que a aguardava,
agachada no chão, emocionada como uma avó
estaria. Mas era mais ou menos isso, não? Aquela
era a minha família.
​Assisti ao vídeo umas três vezes, sentindo-me
sensibilizado. Não apenas pela cena em si, que era
a coisa mais adorável do mundo, mas por Mariana
tê-lo me enviado. De alguma forma me senti parte
do momento, mesmo longe.
​Uma lágrima deslizou pelo meu rosto.
Costumava me considerar um cara durão, mas essa
fachada era derrubada quando tinha a ver com a
mulher que eu amava. E isso começava a incluir
também minha filhinha. Por elas meu coração se
derretia por inteiro.
​Sem conseguir me conter, chamei o número de
Mariana, não querendo responder àquela
mensagem sem ouvir sua voz.
​— Alô? — ela atendeu ainda ofegante em meio
a uma gargalhada. Ao fundo, a voz de Norma se
misturava aos sonzinhos irresistíveis de Cecília, e
eu me peguei sorrindo novamente.
​— Ei... obrigado pelo vídeo. Foi a primeira vez
que ela engatinhou assim?
​— Foi! — Mariana respondeu animada. —
Meu Deus, você tinha que ter visto. Nós a
incentivamos com comida, é claro. Uma das
rosquinhas deliciosas de Norma, e ela saiu
desembestada. Essa menina é muito comilona.
​Era delicioso ouvir coisas sobre o
desenvolvimento da minha bebezinha, saber sobre
cada detalhe de seu crescimento, estar presente.
Perguntava-me como tinha vivido a vida inteira
sem aquela menininha. O sentimento era grandioso.
Já não me importava o quão poderoso eu fosse nos
negócios. Meu objetivo a partir daquele momento
era ser o melhor pai possível para minha filha.
​— É uma menina esperta. Garantindo
sobrevivência.
​Mariana gargalhou. O som reverberou dentro
do meu coração.
​— Na segunda tentativa, que foi a que eu
filmei, ela foi até Norma e agarrou a mão dela em
busca de outro biscoito. Quando não achou nada
fez o biquinho mais fofo que eu já vi. Podemos
tentar de novo quando você chegar em casa e... —
ela se interrompeu. Provavelmente tinha percebido
a mesma coisa que eu.
​Quando você chegar em casa...
​Era impressão minha ou se parecia muito com
algo que uma esposa diria a um marido?
​— Tentaremos — respondi, sentindo minha voz
embargar um pouco. — Ouça, Mari... posso falar
com a Norma por alguns minutos?
​Foi uma ideia que me bateu subitamente, mas
algo que eu precisava fazer. Eu precisava arrebatar
aquela mulher para mim. De uma vez por todas.
​— Claro!
​Ouvi Mariana chamando Norma,
provavelmente passando o telefone para ela e
depois alguns sons dela brincando com a neném. O
que arrancou outro sorriso de mim.
​— Fala, meu filho... — Norma me atendeu.
​— Eu queria te pedir uma coisa, Norminha.
Uma coisa para me ajudar com essa coisinha
teimosa aí, a sua menina.
​— Você sabe que eu faço qualquer coisa para
ajudá-los — ela baixou a voz a um sussurro,
parecendo conspiratória, o que era engraçado.
​— Ótimo. Um jantar bem romântico. Mas
primeiro quero que compre um vestido bem bonito
para ela. Vou me encarregar de providenciar as
flores e uma joia. Tire um bom vinho da adega
também. Vou dar a noite de folga para vocês e
pedir que aquele amigo dela leve Cecília só por
hoje. Pode me ajudar conseguindo o telefone dele?
​— Mas que pergunta, menino. Claro que sim. E
gosto demais da ideia. Vou colocar a equipe toda
para trabalhar.
​— Ótimo, mas seja discreta. Quero que seja
surpresa.
​— Pode deixar! — No final das contas, Norma
parecia mais animada do que eu. Sabia que poderia
contar com ela.
​Desligando, voltei ao meu trabalho, tentando
acelerar as coisas para sair um pouco mais cedo.
​ or volta das cinco, deixei a empresa e fui
P
direto ao shopping. Passei na loja de joias onde
sempre comprei presentes para Mariana e escolhi
um colar delicado. Sabia que ela não gostava de
nada extravagante, então, sempre optava por peças
discretas. Aproveitei para comprar um belo anel de
noivado. Este não seria entregue ainda, mas queria
deixá-lo guardado para a ocasião certa.
​Comprei flores também – um enorme buquê de
rosas de cores variadas, harmoniosas e bem abertas,
porque conhecia o gosto de Mariana para tudo.
​Imaginava que o vestido já estivesse comprado,
então, corri para casa para terminar de preparar
tudo.
​Quando cheguei, entrei pela porta dos fundos,
reunindo-me com Norma na cozinha para
prepararmos o que restava. Escrevi um bilhete,
passei algumas instruções de como queria que as
coisas acontecessem e parti para meu quarto para
me arrumar.
​Tomei um bom banho e escolhi uma roupa
elegante, já que o momento pedia o melhor de mim.
Fiz a barba, penteei o cabelo, passei minha colônia
e ouvi o celular sinalizar uma mensagem.
​Como já estava pronto, peguei-o, deparando-me
com um número desconhecido.
​Havia fotos de Mariana saindo de um prédio
comercial, onde eu sabia que ela tinha ido a um
compromisso de trabalho, no dia anterior.
​A mensagem era assustadora e clara:

Não permita que as coisas se repitam. Sua


bela Mariana é muito vulnerável.

​ erda! Não era possível que não tivessem


M
desistido.
​Se a machucassem novamente, eu não me
perdoaria.
CAPÍTULO DEZESSETE
Deus sabe o quanto foi duro partir seu coração

Em dois, em dois, em dois

Mas não é isso o que os apaixonados fazem?

(Help myself – Liz Lokre)


​Olhando-me no espelho, respirei fundo. Aquilo
era, provavelmente, uma péssima ideia.
​Sem saber de nada, completamente às cegas,
contemplava meu novo vestido no espelho – um
lindo midi, em um tom de azul escuro que realçava
meus olhos e que delineava meu corpo, em cada
curva, bem colado. Havia recortes na cintura,
deixando um pouco da minha barriga e das minhas
costas nuas, um decote generoso. Era elegante e
estava lindo em mim.
​Ainda assim, era uma má ideia.
​Nada me fora dito sobre quais eram os planos
de Bruno para aquela noite. Norma surgiu no meu
quarto à tarde, enquanto eu estava sentada à
escrivaninha trabalhando, aproveitando que Sandra
estava com Cecília, com o embrulho do vestido,
uma bolsa com os sapatos belíssimos que eu usava,
e uma única flor com um bilhete. Ah, e um pedido
para que eu deixasse um pouco de leite separado
para Cecília. A caligrafia de Bruno me mostrava
que ele já estava na casa, aprontando o que quer
que tivesse em mente.

Esta noite será especial para nós. Tenho tudo


em mente.
Fique linda, como sempre, e desça às oito.

​ ram oito horas já, e eu ainda estava de frente


E
para aquele espelho, olhando-me, completamente
pronta, não fazendo ideia do que esperar.
​Bruno sempre foi romântico. Sempre preparou
coisas incríveis para mim, sempre foi o rei dos
presentes caros e das demonstrações de amor
extravagantes. Sabia que a partir do momento em
que se empenhasse em me reconquistar, ele tornaria
tudo um desafio, e não era dado a derrotas. Na
cama ele já me tinha novamente. E já havia entrado
em meu coração, mas ainda me sentia tão reticente.
​Confiava em sua teoria de que quisera me
proteger. Acreditava em suas palavras e na certeza
que demonstrava quando dizia que me amava.
Porque eu sabia que era verdade. Só que a linha
entre saber e ainda ter medo era muito tênue. E eu
ainda me sentia apavorada enquanto andava na
corda bamba.
​Qualquer um poderia me julgar – pelo amor de
Deus, Mariana, o homem é lindo, rico e está
disposto a te dar uma vida de rainha. Perdoa logo
e deixa de ser burra!
​Sim, era o que qualquer amiga me diria. Mas
nenhuma delas estava no meu lugar no dia em que
fui expulsa de sua casa, daquele jeito horrível que
não saía da minha memória. Nenhuma delas teve o
coração arrancado do peito, nem sofreu o que eu
sofri, grávida e sozinha, sem contato com o homem
que era o pai da minha filha.
​Mas fosse como fosse, eu desejava lhe dar uma
segunda chance. Por mais que fosse arriscado, eu
teria que lidar com as consequências, caso elas
existissem. Eu era forte, poderia sobreviver.
​Dando uma última mexida no cabelo, no qual
eu tinha feito alguns cachos discretos nas pontas,
saí do quarto.
​Havia um caminho de pétalas de rosas seguindo
até a escada. Mais pétalas pelos degraus. E logo
abaixo delas, Bruno, esperando com um buquê nas
mãos, vestindo um terno sem gravata, com a blusa
branca um pouco aberta no peito, uma das mãos no
bolso, cabelo penteado e barba feita.
​Assim que me aproximei, ele tirou a mão do
bolso e a estendeu para me ajudar a descer o último
degrau. Quando já estava firme no chão, deu um
beijo nos nós dos meus dedos, gentilmente,
entregando-me as flores.
​— Obrigada, são lindas — falei, acomodando-
as no meu braço e cheirando-as.
​— Linda é você — elogiou, olhando-me de
cima a baixo e inclinando-se para me beijar na
boca. Bem suave, sutil.
​Ok, ele estava começando muito bem. Muito
bem mesmo.
​Entrelaçando seu braço ao meu, guiou-me até o
jardim, onde um banquete estava servido à mesa.
Senti o cheiro de camarão – risoto, provavelmente.
Meu favorito.
​Bruno puxou a cadeira para mim, como um
cavalheiro, e eu me sentei. Pegando as flores, ele as
colocou em uma das cadeiras vagas, acomodando-
se ao meu lado.
​Serviu-nos com um ótimo vinho – que também
era meu favorito – e estendeu a taça para mim.
Brindamos, tomamos um gole, e ele pousou a dele
sobre a mesa. Eu bebi um pouco mais, porque...
bem... estava nervosa. Muito.
​Por um controle remoto, ele acionou uma
música suave, som ambiente, vinda de alguma
caixinha de som em algum lugar.
​— Onde estão todos? Norma, o chef...?
​— Dei folga a eles. Robson veio buscar Cecília
há pouco tempo, enquanto você se arrumava.
​Arregalei os olhos, surpresa.
​— Foi tudo uma conspiração?
​— Sim, estamos completamente sozinhos. Você
é toda minha esta noite, Mariana. — Senti o ar
faltar no meu pulmão e precisei dar mais uma
golada no vinho. Uma bem generosa. — Acho que
é uma boa oportunidade para conversarmos e...
​— Ah, mas eu estou morrendo de fome! —
interrompi Bruno, antes que ele começasse a falar.
Tudo bem, nós poderíamos conversar naquela
noite, mas eu precisava de um pouco de tempo,
porque sabia que, dependendo do que ele dissesse,
receberia um ultimato.
​Vi a expressão de frustração em seu rosto, mas
ele respeitou minha vontade e começou a me servir.
Exatamente como esperava, o prato da noite seria o
maravilhoso risoto de camarão do chef que
trabalhava na casa de Bruno. Ele era especialista
em coisas mais refinadas, mas adorava cozinhar
para mim, e eu amava a sua comida.
​Deliciei-me com cada garfada e tentei puxar a
conversa para algo mais ameno, fugindo de
diálogos profundos, ao menos à mesa. Bruno
acabou entrando no meu jogo, e eu foquei a
conversa basicamente em Cecília, contando-lhe
sobre momentos engraçados, coisas que ele poderia
gostar de saber. E eu precisava lhe dar crédito,
porque ele estava se saindo muito bem como pai. A
forma como seus olhos adquiriam um brilho terno
ao ouvir sobre a filha derretia meu coração.
​Quando terminamos de comer, ele pegou a
minha mão, fazendo-me levantar logo depois que a
música trocou. A que começava era uma balada de
Whitesnake, bem lenta, e eu me surpreendi sendo
tirada para dançar.
​Uma mão quase possessiva foi parar na curva
das minhas costas, enquanto outra se entrelaçava
aos meus dedos, começando a me embalar.
​Com uma expressão divertida, decidi brincar:
​— Você sabe que não precisava se esforçar
tanto, né? Já fomos para cama algumas vezes desde
que nos reencontramos.
​Realmente era para soar como uma brincadeira,
mas Bruno continuou muito sério.
​— Não quero você apenas na minha cama,
Mariana. É por isso que precisamos conversar.
​Assenti, mas soltei sua mão e passei os braços
ao redor de seus ombros, encostando a cabeça em
seu peito. Bruno me apertou com mais força, e eu
senti um suspiro profundo pela forma como ele se
movimentou, além de um beijo no alto da minha
cabeça. Ele estava cedendo por mim, sendo
paciente – e era algo que ele não fazia por mais
ninguém.
​Exatamente por isso, por pensar no quanto ele
sabia ser maravilhoso quando queria, afastei-me um
pouco e o beijei. Era para ser um contato suave,
apenas um encostar de lábios, mas Bruno me
imprensou contra seu peito com avidez,
aprofundando o beijo de uma forma que
rapidamente me deixou em chamas.
​Suas mãos começaram a passear pelo meu
corpo e pararam em meus quadris, que ele puxou
com força, fazendo-me notar a ereção evidente por
trás do tecido da calça. Sempre era um deleite
pensar que eu era capaz de fazer aquele tipo de
coisa com um homem como ele. Que conseguia
fazer Bruno perder a cabeça em pouco tempo, com
pouco esforço.
​— E hoje, Mariana? Você quer romance? —
Ele afastou os lábios dos meus e sussurrou, levando
ambas as mãos ao meu rosto, segurando-o com
delicadeza. Delicadeza demais para mãos tão
grandes.
​— Mais? Acho você já me deu muito romance
esta noite.
​— Posso continuar. Posso te levar no colo para
a cama e fazer amor com você bem devagar, bem
cuidadoso — aquela voz rouca, falando aquele tipo
de coisa tão baixinho no meu ouvido, quase me
levava a responder que sim. Mas, no fundo, eu
sabia que nunca era assim conosco.
​E nenhum dos dois era adepto a fazer amor.
​— Você sabe o que eu gosto e sempre quero,
Bruno. — Era indicação suficiente para o que ele
deveria fazer a seguir.
​Então, apesar disso, ele, de fato, me ergueu do
chão em seus braços e começou a me carregar para
dentro da casa.
​— Pensei que não teríamos romantismo —
brinquei.
​— É difícil eu me controlar nesse aspecto
quando é com você.
​Precisei respirar fundo enquanto era levada
pelas escadas e até o quarto dele.
​Pensei que seria colocada sobre sua cama, mas
Bruno usou o pé para puxar a cadeira de rodinhas
que estava enfiada debaixo da escrivaninha em seu
quarto – que ele mal usava, já que tinha um enorme
escritório na casa – colocando-me sentada nela.
​ obre a mesa havia faixas de tecido, e eu sabia
S
muito bem quais eram seus planos. Nosso jogo
favorito. Só de pensar, já sentia minha calcinha
toda molhada.
​Bruno prendeu cada um dos meus punhos nos
braços da cadeira, sem tirar a minha roupa. Isso me
deixou um pouco surpresa, mas ele era criativo o
suficiente para que eu não precisasse perguntar.
​Quando me viu indefesa, agachou-se e me
beijou, bem lento, sensual, deixando-me cada vez
mais excitada. Ele enfiou a mão por dentro do meu
decote, alcançando um mamilo, que ele tomou
entre os dedos, fazendo-me gemer baixinho.
​Enquanto me estimulava desse jeito, aproximou
a boca do meu ouvido e disse:
​— Posso fazer o que eu quiser com você assim?
Qualquer coisa?
​— Sabe que sim, Bruno... — arfei, desesperada
de expectativa.
​Então ele se colocou ereto de um rompante,
pegando a cadeira pelos braços e puxando-a para
perto da cama, onde se sentou, de frente para mim.
​— Ótimo. Vamos conversar...
CAPÍTULO DEZOITO
Então me diga como diabos começo

A reconstruir meu coração

Quando as partes que eu preciso estão onde


você está?

(Down in flames – Daughter Jack)


​ — Você só pode estar brincando! — ela
resmungou, testando as restrições.
​Não iria conseguir se soltar. Eu me certifiquei
disso.
​Claro que não tinha vontade de bancar o macho
abusivo, e se eu visse que estava muito irritada,
puta ou incomodada, eu iria soltá-la, mas tentaria
usar como argumento para que me ouvisse. Só que
Mariana começou a gargalhar.
​— Você é ridículo — comentou, ainda rindo.
​— O quê? — quase cuspi as palavras.
​— Você é tão desesperado por querer controlar
tudo que olha os extremos que chega para
conseguir o que quer.
​— Bem, tecnicamente eu pedi sua permissão —
zombei. — Você disse que eu poderia fazer o que
quisesse. Deveria ter sido mais específica se havia
limitações.
​— Isso fala muito sobre o nosso
relacionamento. Somos dois bicudos.
​— Ah, mas somos dois bicudos que se beijam.
— Inclinei-me para beijá-la, ilustrando minha fala,
mas apenas toquei seus lábios, porque havia coisas
mais importantes no momento.
​Não que beijá-la não fosse prioridade sempre,
mas... falar sobre os nossos sentimentos era algo
que estava entalado na minha garganta há tempo
demais.
​— Que seja, Bruno, você quer conversar?
Vamos conversar. Pode me soltar.
​— Está te machucando?
​— Não, mas...
​Neguei veemente com a cabeça,
interrompendo-a.
​— Então nada disso. Tenho planos para depois.
​Ela ergueu uma sobrancelha, em uma expressão
maliciosa. Ao menos estava aceitando a situação,
levando na esportiva. Não era a melhor solução
para o problema, é claro, mas teríamos uma
conversa quase civilizada.
​— Ok, Bruno. O que tanto você quer me falar?
— Mariana falou como uma mãe falaria com um
filho, em um tom condescendente e paciente.
​Fiquei algum tempo calado, olhando para ela
fixamente, perdendo-me em cada traço de seu
rosto, tão delicado, tão feminino, mas que pertencia
a uma mulher tão forte. E isso só se tornava mais e
mais evidente quando pensava no último ano e
meio, por tudo que ela passou.
​— Eu te amo — falei bem baixinho, sem tirar
os olhos dos dela. Podíamos estar naquela situação
ridícula, mas o que eu tinha para falar era sério.
Bem sério. — Não é justificável, mas nada do que
fiz foi por qualquer outro motivo diferente do amor
que sinto por você.
​— Você deveria ter me dito — ela insistiu, mas
falou com uma voz tão doce... tão doce que chegou
a revirar minhas entranhas com um sentimento
ainda mais poderoso do que o que preencheu meu
coração antes da nossa primeira despedida.
​— Deveria. Hoje percebo que minhas escolhas
foram ruim. Eu errei.
​Ela ergueu uma sobrancelha, em uma expressão
divertida.
​— Bruno Fazolatto admitindo um erro?
​— Admitiria vários se isso significasse ter você
de volta. — Ela abaixou a cabeça, e eu levei a mão
ao seu queixo, erguendo-o e fazendo-a olhar em
meus olhos. — Eu faria tudo, Mariana. Qualquer
coisa. Não importa o preço. Se fosse para te
proteger, eu seria capaz de colocar o mundo inteiro
de cabeça para baixo. E agora por nossa filha sinto
a mesma coisa.
​— Isso é golpe baixo — ela tentou fazer uma
gracinha, e eu sorri.
​— Acabei de dizer que faria qualquer coisa...
​— Até me enganar e me sequestrar para termos
uma conversa sobre nossos sentimentos?
​— Não foi um sequestro.
​— Ah, não? Não me lembro de ter chegado a
este quarto por livre e espontânea vontade. Você
me carregou. E até onde eu sei, estou presa. Isso me
parece muito com um sequestro — ela ainda ria
discretamente enquanto falava, o que me deixava
mais tranquilo.
​— Por uma boa causa, então. Está valendo, não
está?
​— Depende de qual vai ser a minha
recompensa por estar aqui assim, nesta situação —
disse, maliciosa.
​— Ainda não terminamos de conversar, Mari. E
você sabe disso. — Ela revirou os olhos, mas não
me intimidei: — Você admitiu que me ama. Não
pode negar isso, porque eu ouvi. — Ia dizer alguma
coisa, mas ergui um dedo em riste e a impedi. — Se
nós dois nos amamos, se temos uma filha juntos...
por que vamos continuar negando tudo isso?
​— Foi você que negou no passado.
​— Mas agora nós estamos juntos novamente. E
você sabe o que está acontecendo. Não vou cometer
o mesmo erro outra vez. Não com Cecília
envolvida. Ainda não temos certeza se eles sabem
da existência dela. Não podemos arriscar.
​— Eles parecem saber de tudo, Bruno — soltou
em um sussurro. — Não tenho mais esperanças de
que possamos esconder Cecília.
​Ela parecia tão triste, tão melancólica, e eu
ainda não tinha sequer lhe dado a pior notícia.
Então, soltei-a da cadeira, sabendo que aquela
situação era, de fato, séria demais para
continuarmos com provocações e joguinhos tolos.
Eu a queria no meu colo, para abraçá-la e tentar
confortá-la, então, foi o que fiz. Depois de tirar as
restrições, puxei-a, fazendo-a sentar-se sobre as
minhas pernas, com a cabeça aninhada no meu
peito. Mariana não ofereceu resistência.
​— Recebi uma mensagem hoje — soltei,
sabendo que aquele tipo de coisa era melhor ser
dita sem rodeios. — Outra ameaça a você.
​Mariana ergueu a cabeça na minha direção,
olhando em meus olhos de um jeito desamparado
que teria me desmontado em segundos se eu não
estivesse me controlando tanto para me manter
firme por ela.
​— E você ainda está aqui? A essa altura, pelo
nosso histórico, pensei que já estaria me
expulsando de novo. — Ela estava rindo, mas não
achei a menor graça, e Mariana provavelmente
percebeu isso. — Desculpa. Péssima hora para
fazer uma piadinha.
​— Você vai mesmo jogar isso na minha cara
até o fim dos meus dias? — Gentilmente, de uma
forma que quase me fez suspirar, ela levou a mão
ao meu rosto, acariciando-o.
​— Não. Você merecia rebolar um pouco só
para sentir um pouquinho o que eu sofri, mas
estamos juntos agora.
​— Estamos? Você é minha novamente agora?
​Mariana revirou os olhos
​— Algumas coisas nunca mudam. Você sempre
foi levemente possessivo, Bruno.
​Em um movimento veloz, agarrei-a com mais
força no meu colo e girei nós dois, colocando-a
deitada na cama, quase na beirada. Agarrei seus
dois punhos, forçando-os contra o colchão. Olhos
fixos nos dela. Eu podia sentir a eletricidade e a
intensidade que pairava entre nós só naquela troca
de olhares.
​— Você gosta que eu seja possessivo com você
na cama, não gosta? — Inclinei-me para beijar seu
pescoço, sem soltá-la. — Que seja bruto,
controlador e que te foda bem direitinho, não é?
​— Você sabe que sim — ela falou, arfante.
​Continuei beijando-a, sentindo o gosto de sua
pele em meus lábios, desejando colocar minha boca
em cada parte de seu corpo. Cada centímetro.
​— Preciosa... você é preciosa.
​— Isso quer dizer que nossa conversa
terminou? — ela perguntou em um sussurro,
porque mal conseguia falar. Adorava tê-la daquela
forma, tão rendida, tão minha. — Posso ir embora
agora? — provocou.
​Cobrinha deliciosa!
​— Não vai sair daqui. É minha refém esta noite.
— Segurei seus punhos com mais força. — Não vai
mais escapar no meio da madrugada, nem que eu
precise trancar a porta ou te deixar amarrada na
cama.
​— Vamos ver se vai valer a pena. — Porra! O
que aquela diaba fazia com a minha cabeça?
​— Vou fazer valer. — Saí de cima dela,
puxando-a para que ficasse de pé. — Agora fique
nua para mim, quero te olhar.
​— E eu devo te obedecer por quê? — Um
sorriso curvou seus lábios, e ela mordeu o inferior,
colocando-se de frente para mim.
​Imitei seu sorriso, olhando para ela de cima a
baixo.
​— Porque eu estou cheio de ideias para esta
noite e preciso de você nua só para começar.
​Então ela começou a se despir, e a primeira
coisa que vi foi a lingerie delicada, em um tom de
bordô.
​Eu iria agonizar só de olhá-la... mas a noite
estava, de fato, apenas começando. E ela
finalmente era minha. Tínhamos muito a celebrar.
CAPÍTULO DEZENOVE
Mas eu sou viciado

Agora não posso deixar você ir embora

(Addicted – Totem)

​Prendi meus olhos aos de Bruno, fixos,


sentindo meu corpo inteiro queimar. Ele me assistia
como se eu fosse a coisa mais linda na qual ele pôs
os olhos, por isso, realizei cada um dos meus
movimentos mais e mais devagar.
​Abri o zíper lateral do vestido, tomando meu
tempo, tirando-o dos meus ombros e deslizando-o
pelos meus quadris, deixando-o cair no chão.
Assim que fiquei apenas de lingerie na frente dele,
os olhos de Bruno se encheram de uma fome que
seria capaz de me deixar de pernas bambas. Eu
sabia muito bem do que ele era capaz quando
estava assim.
​E eu não tinha a menor chance contra ele,
quando assumia sua postura selvagem, dominadora
e sexy como o inferno.
​Não me mexi para tirar a lingerie, e os olhos
dele se tornaram mais sombrios.
​— Nua, Mariana. Quero você nua.
​Ergui uma sobrancelha.
​— Vem tirar o resto — falei em uma voz
sussurrada e provocadora.
​Dei alguns passos para trás, iniciando o
joguinho que nós dois gostávamos, e vi Bruno
levantar-se. Eu ainda estava de saltos, e mesmo
assim eu o via gigantesco na minha frente,
enquanto tirava o paletó e o jogava no chão. Seu
olhar sensual e predatório atingia um ponto muito
específico do meu corpo, que já latejava em total
expectativa.
​— Eu vou te pegar, Mariana, e você não vai
mais sair da minha cama até eu permitir que você
saia.
​Precisei respirar fundo, porque ele continuava
me perseguindo, enquanto eu mantinha a
brincadeira, mordendo o lábio inferior, recuando
até quase chegar a porta. Claro que eu não sairia
dali daquele jeito, só de calcinha e sutiã, mas queria
provocá-lo. Gostava da versão quase animalesca
daquele homem.
​Antes que eu pudesse sequer colidir com a
porta, ele apressou os passos agarrando meu punho
com uma mão, puxando-me para si, enlaçando
minha cintura – tudo isso em um movimento tão
rápido que me deixou quase zonza.
Com o único braço com o qual me
segurava, ele me tirou do chão sem qualquer
esforço, levando-me até a porta, imprensou-me lá,
colocando meus pés no chão, e trancando a
fechadura, guardando a chave no bolso de sua
calça.
Sem demora, inclinou-se, posicionando os
braços sob minhas coxas, içando-me do chão e me
colocando com as pernas entrelaçadas em sua
cintura, esmagando-me entre seu corpo poderoso e
maciço e a madeira.
— Você sempre foi uma garota muito má,
não é, Mariana? — Sua boca foi parar no meu
pescoço, e sua língua deslizou perigosamente até
atingir um ponto sensível que me fez arfar. —
Provocadora. Venenosa. Viciante — ele falava
sussurrado, com a voz poderosa e rouca de luxúria.
Era um tesão.
Então assaltou meus lábios em um beijo
urgente, que ditava as regras de como seria aquela
noite. Até porque eu já o conhecia muito bem. Ele
me possuiria dos pés à cabeça, e eu me renderia por
inteiro. Não havia chances de lutar contra aquilo;
nem contra os desejos do meu corpo, nem contra os
anseios do meu coração.
Ele me beijou pelo que pareceram horas.
Meus braços o apertavam com força ao redor do
pescoço, permitindo que sua língua fizesse misérias
com a minha boca, demonstrando o quanto ele me
queria.
Sem aviso ele foi me levando para a cama,
mas não me colocou deitada nela. Eu até poderia
ficar surpreendida se não conhecesse Bruno como
amante e não soubesse que ele odiava o trivial, que
ele gostava de inovar, de ser criativo.
Fui colocada de pé de frente para a lateral
da cama, encarando Bruno, que se inclinou para
pegar as restrições que deixou sobre a cadeira.
Senti a umidade se acumulando no centro do meu
corpo, antecipando o que iria acontecer.
— Vire de costas para mim e tire a calcinha
— ordenou, e eu obedeci, só porque estava ansiosa
demais para o que ele iria fazer.
No momento em que a peça de renda caiu
no chão, senti um tapa na minha bunda e sua mão
forte agarrando-a com força, sem me machucar,
apenas me fazendo arfar.
Seus dedos experientes foram parar no
fecho do meu sutiã, abrindo-o, mas ele não o
arrancou também, apenas segurou cada um dos
lados, puxando-me contra si, encostando-me em
seu peito e usando uma mão apenas para segurar a
peça daquele jeito, enquanto a outra mão passeava
pelo meu corpo, pela minha barriga, chegando
muito, muito perto. Um dedo roçou meu clitóris de
leve, uma sensação tão suave que só serviu para me
deixar mais dolorida.
— Você quer que eu te foda, Mari? Com os
dedos, com a boca e com o meu pau?
Balancei a cabeça de forma frenética,
enquanto ele brincava nos arredores, nunca
penetrando-me de fato.
— Você vai ter tudo isso. Na hora certa.
Então ele me soltou e usou uma das
restrições para me vendar. Era preta e larga o
suficiente para cobrir meus olhos. Tirou finalmente
meu sutiã, e eu senti meus mamilos se enrijecerem
com a expectativa.
A outra restrição foi usada para manter
meus punhos unidos nas costas, deixando-me à sua
mercê.
As duas mãos de Bruno foram parar nos
bicos dos meus seios, girando-os entre os dedos, e
eu imediatamente senti minha cabeça girar. Ele
parecia ter se sentado na cama, pelo som que ouvi
da colcha afofando e cedendo com seu peso, e essa
posição facilitou para que ele alcançasse o meio das
minhas pernas, em seguida, esfregando meu clitóris
suavemente.
Arfei profundamente sentindo que perderia
o controle rapidamente. Mas quando ele enfiou o
dedo bem fundo, começando a me masturbar,
minhas pernas quase cederam.
— Mantenha-se de pé, Mariana. Vamos ver
quanto tempo você aguenta.
— Não estou aguentando mais.
— Eu nem comecei.
Ele não estava mentindo. Bruno me
manteve naquela doce tortura por bons minutos,
estimulando meus seios, enquanto me penetrava
com os dedos com força. A respiração dele,
entrecortada, tocando meu pescoço era apenas mais
um afrodisíaco somado com os outros.
Quando eu estava prestes a gozar, ele
simplesmente interrompeu-se, empurrando-me
delicadamente para que eu desse alguns passos à
frente. Deixou-me parada em meio ao quarto,
enquanto ouvia sons de tecidos, só que eu não fazia
ideia do quê ele estava fazendo.
Privada da minha visão, senti suas mãos em
minha cintura, puxando-me para si, e eu senti sua
ereção nua tocar minhas costas. Em segundos eu
estava sentada no colo dele, de costas, com seu pau
dentro de mim.
Foi tudo tão rápido, tão feroz, tão insano,
que eu gritei ao senti-lo deslizar pelo meu interior
escorregadio, abrindo caminho até se enterrar até o
fundo. Os braços dele se fecharam do meu redor
como uma serpente, mas deixando-me livre o
suficiente para que pudesse me movimentar e
proporcionar a nós dois o que queríamos.
Eu rebolava com vontade, sentindo-o por
toda parte, atingindo todos os pontos que me
deixavam mais e mais louca, mais ansiosa, mais
desesperada por mais e mais. A cada gemido que
escapava da minha boca e a cada grunhido que saía
da dele, eu me via mais compelida a forçar os
movimentos.
— Você está tão molhada, Mariana... porra!
Porra! — rosnou, e isso me fez gemer ainda mais
alto.
​Mas ele novamente sentiu quando eu estava
prestes a gozar, porque me tirou de seu colo,
fazendo-me gemer de frustração.
​Fui posicionada de frente para a cama, e Bruno
empurrou meu corpo, deixando-me com o peito
contra o colchão, a bunda empinada, e novamente
me penetrou, daquela vez com mais força ainda,
arrancando um gemido muito alto, seguido de um
choramingo. Uma de suas mãos foi ao meu clitóris,
esfregando-o enquanto investia, e a outra segurava
meus punhos amarrados.
​— Goza para mim, amor. Vamos lá...
​Ele só precisou estocar mais algumas vezes
para que eu chegasse a um orgasmo devastador,
que ele seguiu logo depois.
​Nem percebi quando ele me soltou, tirou a
venda e me pegou no colo, deitando-me na cama.
Eu estava tão zonza, que ele foi ao banheiro, pegou
uma toalha molhada e me limpou. Alguns minutos
depois, deitou-se ao meu lado, puxando-me para
seus braços e me segurando com força.
​— Tudo isso para eu não fugir no meio da
noite? — perguntei, sonolenta.
​— Por quê? Está pensando em fazer isso? Se
sim, vou ter que pegar as restrições novamente.
Esta noite você não vai sair daqui de jeito nenhum
— falou em um tom divertido.
​— Não vou sair. Quero dormir nos seus braços
— eu falei em um suspiro. Não era mais o
momento de esconder minhas emoções. Bruno me
ouvira dizer que o amava, e ele sabia. Estava
escrito nos meus olhos.
​Apertou-me com mais força. Nós dois
estávamos nus, e eu me sentia tão pequena dentro
de seu abraço, tão protegida, mas aquele momento
só havia ternura entre nós.
​— Eu te amo — ele sussurrou.
​— Eu também — respondi sem medo. Não
importava o que iria acontecer no futuro. Aquela
era a verdade.
​Sentindo-me confortada como há muito tempo
não acontecia, adormeci, esperando que os dias
seguintes trouxessem apenas bons momentos como
aquele.
CAPÍTULO VINTE
Oh, você sabe que não é o fim

Vamos nos apaixonar novamente

O verdadeiro amor encontrará um caminho

(Save room for us – Tinashe)


​ u havia me esquecido completamente. Com
E
toda a confusão do atentado a Mariana e a
descoberta de que eu era pai, agradeci o alerta da
minha secretária a respeito de um evento, porque eu
certamente não iria comparecer por puro
esquecimento.
​Precisei avisar Mariana com pressa, porque
obviamente seria ela a minha acompanhante.
Estávamos juntos em caráter oficial há uma
semana, pelo menos, e as coisas estavam indo bem.
Não apenas com ela, mas com Cecília.
​Deus... eu estava completamente apaixonado
pela minha filhinha.
​Cada vez que eu a pegava nos braços ou que ela
sorria para mim, meu coração errava uma batida.
Não costumava ser um cara que me entregava
facilmente aos meus sentimentos, mas como
poderia ser diferente? Aquela garotinha era parte de
mim, é claro, mas era também parte da mulher que
eu amava e que me ensinara o que era o amor. Eu
seria louco por qualquer coisa que viesse de
Mariana, e a nossa filha agora encabeçava a lista.
​Elas eram minhas, e eu não permitiria que nada
e nem ninguém as machucasse ou as tirasse de
mim.
​ ntrei no quarto onde Mariana dormira por
E
vários dias, carregando Cecília no colo. Eram sete e
quarenta e cinco da noite, e eu tinha combinado
com ela de sairmos às oito, então, supus que
deveria estar terminando de se arrumar.
​Quando cheguei ao quarto, quase me faltou o
ar. Tratava-se de uma festa de gala, com um leilão
beneficente, e Mariana saíra naquela mesma tarde
para comprar um vestido, seguida de um segurança,
contratado por mim, e de Vanessa. Queria tê-la
acompanhado, porque, apesar de ter um
profissional fazendo esse trabalho, meu senso de
proteção me dizia que somente ao meu lado ela
ficaria segura.
​Porque sim... eu faria qualquer coisa por ela.
Um desconhecido não seria tão cuidadoso. Ao
menos era o que eu pensava.
​Mas ela chegou em casa sã e salva, e estava
linda à minha frente, em um deslumbrante vestido
preto, com detalhes prateados no corpete – que
deixava sua cintura tão fina que minhas duas mãos
conseguiriam praticamente se tocar se eu a pegasse
naquele momento –, uma saia mais aberta, mangas
delicadas, ombro a ombro, que deixavam seu colo
exposto. O momento perfeito para eu entregar o
presente que ainda não tinha lhe dado.
​Ela estava no celular, falando com o tal do
Robson. Todos os dias, aliás. Ele nos visitara mais
duas vezes, e eu sempre evitava ficar por perto,
porque não queria parecer um corvo rondando
carniça, mas meu sangue queimava de ciúme.
Assim que me viu, ela continuou falando
com ele e terminou a ligação depois de alguns
instantes. Foi só então que me manifestei:
​— Olha só, bebê, se sua mãe não é a coisa mais
linda que você já viu? — Entrei no quarto sem
aviso, fazendo Mariana sobressaltar-se um pouco,
olhando em nossa direção.
​Quando ela sorriu, Cecília bateu palminhas e
fez um sonzinho fofo. Aproximei-me, deixando-a
beijar a cabecinha da neném, mas quanto tentou
pegá-la de mim, eu a afastei e coloquei a menina
sobre a cama, bem no meio, sentadinha. Ela
ameaçou que iria chorar, mas entreguei meu
celular, que ela gostava de ficar fuçando.
​— Você não deveria viciá-la em celular tão
pequenininha — Mariana repreendeu, mas com um
sorriso no rosto.
​— É por uma boa causa. Quero mimar a mãe
dela.
​ ariana ergueu uma sobrancelha, surpresa, e eu
M
tirei do paletó a caixinha da joia, abrindo-a diante
de seus olhos. Ela levou uma mão à boca, olhos
arregalados. Não era para tanto... não era nada
chamativo ou extravagante, apenas uma gargantilha
com um pingente bonito, mas combinava com a
minha mulher.
​— Bruno — ela arfou, levando a mão delicada
e bem manicurada à caixa, tocando a peça. Não era
a primeira joia com a qual eu a presenteava,
embora ela tivesse deixado todas para trás quando
partiu. Àquela altura, se não tivéssemos nos
separado, ela provavelmente já estaria acostumada.
— É tão linda.
​— Ela é razoável se comparada a você.
​Mariana revirou os olhos, como sempre fazia
quando eu a bajulava daquela forma, mas virou-se e
segurou todo o cabelo em uma única mecha, dando-
me um vislumbre de sua nuca de marfim, macia e
beijável. Controlei-me ao máximo, apenas
colocando o colar e fechando-o, e ela correu para o
espelho para olhá-lo.
​Ganhei um beijo carinhoso e a apertei contra
mim, mantendo-a comigo um pouco mais.
​Pegamos Cecília, descemos e eu entreguei
minha neném a Norma e a Sandra, que cuidariam
dela naquela noite. Eu sentia que Mariana ainda era
um pouco relutante em deixar a criança nas mãos
de outras pessoas, porque simplesmente não tivera
ninguém para fazer isso além de Robson por um
bom tempo, mas saímos sem mais estresse.
​Ela não estava apenas linda, mas também mais
solta comigo, então sorria e conversava
normalmente, como fora antes de nos afastarmos.
Eu queria isso. Queria tê-la por inteiro ao meu lado,
especialmente porque, em breve, planejava pedi-la
em casamento. Daquela vez nada poderia se
colocar em nosso caminho.
​Deixei-a próxima a Vanessa, que também
estava presente, ambas com suas taças de prosecco
na mão, e eu fui zanzar pelo salão para conversar
com alguns colegas e angariar contatos. Era o tipo
de evento chato, mas necessário. Odiava separar-
me de Mariana, mas ela estaria em um lugar lotado,
e eu não tirava os olhos dela em momento algum.
​Tanto que vi exatamente o momento em que
um dos organizadores aproximou-se dela e de
Vanessa. As duas pareceram um pouco sem graça,
quase desconfortáveis, e eu rapidamente pedi
licença ao empresário com quem estava
conversando e saí empurrando as pessoas à minha
frente para chegar até elas e me postei ao lado de
Mariana, colocando o braço ao redor de sua cintura
de forma protetora.
​— Algum problema? — perguntei diretamente
ao homem, em um tom que não dava muito espaço
para contestações.
​Ele ergueu os olhos para mim, abrindo um
sorriso constrangido, e eu rapidamente me senti
tenso.
​— Nada de errado, Sr. Fazolatto. Eu só estava
convidando as lindas damas aqui para se juntarem
ao grupo de mulheres benevolentes que serão
leiloadas no palco — ele soltou de forma
provocadora. Claro que poderia imaginar que
estava exagerando ou ocultando informações para
se divertir, mas não estava interessado naquele tipo
de brincadeira.
​— Como assim, leiloadas? — falei por entre
dentes.
​O homem riu. Mais uma gracinha, e ele levaria
uma porra de um soco na cara.
​— Nada de mais, Sr. Fazolatto. O cavalheiro
que arrematar uma das moças terá acesso a uma
dança com ela e alguns momentos em uma mesa no
segundo andar, em um jantar privado e muito
elegante.
​Apertei um pouco mais a cintura de Mariana.
​— Acontece que minha mulher não está à
venda — afirmei com raiva.
​— É por uma boa causa. Todo o dinheiro
revertido no leilão será doado para a instituição de
caridade que estamos apoiando.
​— O que eu não entendo é por que um homem
pagaria uma quantia tão alta por nossa companhia
assim? Só por um jantar e por conversar? —
Vanessa perguntou, parecendo desconfiada.
​— Eles obviamente doam pela caridade, mas
fingimos lhes dar uma compensação. — Então o
babaca se voltou para Mariana: — Normalmente só
chamamos as desacompanhadas, mas a sua
presença foi muito requisitada por muitos
cavalheiros, senhorita.
​O quê?
​O que aqueles filhos da puta queriam com a
minha mulher?
​Sempre vi vários deles babando nela e
provavelmente pensavam que não havia mais nada
entre nós ou queriam tirar uma casquinha da
namorada de Bruno Fazolatto – talvez fosse um
motivo de status para eles.
​Mas eu estava pouco me fodendo para isso.
​Senti o sangue correr fervendo por todo o meu
corpo, e a vontade de dizer não foi quase mais forte
do que minha vontade de fazer o certo. Por mais
que eu odiasse a ideia, não podia me meter nas
escolhas de Mariana. Então voltei-me para ela:
​— A escolha é sua. Posso doar um bom valor
para você não precisar fazer isso.
​Ela colocou-se na ponta dos pés e beijou meu
rosto.
​— Faça a sua doação e deixe outra pessoa doar
mais um pouco. É só um jantar, ninguém vai tirar
um pedaço meu — ela falou no meu ouvido. Senti
um arrepio ao ouvir sua voz tão perto e acabei
puxando-a mais para mim.
​— Eles não são nem loucos de tentar.
​Mariana deu uma risadinha, e sem dizer mais
nada ela voltou-se para o idiota do homem com um
sorriso e assentiu.
​Minha mão se fechou em um punho, e eu
agarrei um copo de uísque que estava sendo servido
por um garçom que passava por mim e o virei de
uma vez.
​Enquanto isso, fiquei assistindo àquela
palhaçada. Posicionaram cinco mulheres em fila,
como se estivessem prestes a ser fuziladas. Uma a
uma começaram a ser leiloadas. Mariana seria a
última. Só poderia ser provocação aquela porra.
​Tomei mais um uísque. Estava difícil de
aguentar.
​Mariana certamente era a mais bonita, a que
chamava mais atenção. Os caras iriam se matar
para arrematá-la.
​E eu não podia fazer nada ou seria
extremamente escroto da minha parte.
​Infantil.
​Patético.
​Sim... eu tinha todo o autocontrole
funcionando, até um lance escandaloso ser dado
por Carlos. O primo de Vanessa... o babaca em
pessoa.
​— Cinquenta mil reais.
​O quê? Nem fodendo!
​Ninguém mais iria oferecer algo parecido. O
lance pelas outras mulheres estavam terminando
em quinze mil, no máximo. Ele só podia estar
querendo me provocar ou tinha interesses muito
escusos naquele jantar aparentemente inofensivo.
​O silêncio na sala me obrigou a levantar a mão.
​ Cem mil reais — gritei no meio do salão, e

Mariana olhou para mim, surpresa.
​Carlos olhou para mim, e eu vi seus olhos um
pouco mais injetados. Havia um copo em sua mão,
e ele não parecia muito estável. Tanto que seu
corpo cambaleou, e ele se apoiou em uma pilastra.
​— Cento e cinquenta — insistiu o filho da puta.
​Ele era rico. Não tanto quanto eu, mas poderia
pagar. Sabia que a briga seria boa – ou péssima, do
meu ponto de vista –, e eu não estava disposto a
levá-la muito longe.
​Sem nem pensar no que fazia, ergui minha mão
novamente e falei, em alto e bom som.
​— Quinhentos mil reais.
​Várias exclamações soaram em meio ao salão, e
eu continuei lá, parado, olhando fixamente para
Mariana, sem saber interpretar sua opinião.
​— Venha buscar seu prêmio, Sr. Fazolatto.
​As pessoas à minha frente começaram a abrir
espaço, e eu fui passando até chegar ao palco, onde
estendi a mão para Mariana, que hesitou em pegá-
la, mas o fez, revirando os olhos.
​Ajudei-a a descer as escadas e assim que
estávamos juntos, um de frente para o outro, ela
falou, com um sorriso debochado:
​ Parabéns, Sr. Fazolatto! Acabou de pagar

uma fortuna por uma mulher que já é sua. O que
deu em você?
​Respirei fundo.
​— Se fosse qualquer um. Qualquer um...
​Mariana colocou a mão no meu peito, sorrindo.
​— Tudo bem. Já entendi. Vou tentar achar sexy
esse seu ato extremamente possessivo.
​— Não é isso, Mariana. Não confio nele.
​Ela ficou calada, em silêncio por alguns
instantes.
​Nossa troca de olhares foi mais intensa do que
seria necessário, e eu sabia que cada um de nós
nutria diferentes pensamentos. Eu não queria que
ela me achasse um louco obcecado, mas odiaria que
tivesse momentos com um cara que eu jurava que
poderia ser o responsável por tudo o que estávamos
vivendo.
​Fomos interrompidos por um casal que veio me
cumprimentar. Péssimo timing, é claro, e eu
adoraria mandar qualquer um à merda naquele
momento, mas eram dois bons amigos, e eu queria
apresentá-los a Mariana.
​Voltei-me então para ela que forçava um
sorriso.
​— Mari, estes são Denise e Paulo — falei para
ela, que os cumprimentou com dois beijinhos.
​— Esse cara é o nosso cupido — Paulo
começou, com seu jeitão descontraído, abraçando-
me e dando uns tapinhas em meu peito. Já estava
embriagado. — Tá que ele deu uns pegas na minha
mulher anos atrás, mas quem casou fui eu. — Ele
riu alto, e eu olhei para Mariana, que estava um
pouco constrangida.
​— Paulo! — Denise repreendeu, igualmente
envergonhada.
​— Ah, amor, não tem problema eu falar isso.
Faz muito tempo. Bruno não estava arrebatado por
esta bela moça. — Paulo colocou a mão no ombro
de Mariana. — Aliás, você realmente é bem valiosa
para ele.
​Mariana olhou para mim, erguendo uma
sobrancelha.
​— Aparentemente sou mesmo. — Ela sorriu,
olhando-me com uma evidente ternura nos olhos.
​Percebendo o clima que havia se formado entre
nós, o casal se despediu, e eu enlacei a cintura de
Mariana, puxando-a para mim.
​— Você tem alguma dúvida de que eu seria
capaz de tudo por você? Do quanto é valiosa para
mim?
​— Não. Mas ainda me surpreendo às vezes.
Acho que...
​Não deixei que terminasse de falar, porque
assaltei seus lábios e a beijei sem pudor, mesmo na
frente de todos.
​Quando me afastei, ela respirou fundo.
​— Depois desse beijo, acho que preciso me
recompor. Vou ao banheiro, ok?
​— Sozinha? — uma estranha preocupação me
abateu.
​Dando de ombros, ela respondeu:
​— Eu chamaria Vanessa, mas ela ficou muito
feliz com quem a arrebatou. — Olhei na direção da
nossa amiga e a vi conversando com um
empresário jovem, que eu conhecia. Eles, de fato,
formavam um casal atraente. Ricos, bonitos e
solteiros.
​Bom para ela.
​Mariana tirou a mão do meu peito e começou a
se afastar. Eu a segurei pelo braço, suavizando
minha expressão.
​— Você me deve uma dança e um jantar.
​Ela riu.
​— Você terá tudo isso. E um pouco mais...
Assim que eu voltar.
​Não pude conter um sorriso.
​Era bom tê-la de volta. Como pude pensar, por
um único segundo, que conseguiria seguir minha
vida sem Mariana ao meu lado? E, agora, sem
minha filha. O sorriso se alargou ao pensar em
Cecília.
​Nada de dança, nada de jantar com Mariana. Eu
pagaria o dinheiro do leilão e a levaria para casa,
onde poderíamos ficar com nossa filha e em paz.
​Era tudo o que eu queria...
CAPÍTULO VINTE E UM
Mas o problema é que eu gosto muito de você

Então eu engulo meu orgulho

E faço uma tentativa

Talvez você seja

A melhor coisa que me aconteceu até agora


(Mysterious ways - Eva & The Heartmaker)

​Quinhentos mil reais!


​Meu Deus, o homem era louco.
​E rico. Mas isso eu já sabia.
​Só que ter a comprovação de que ele podia
pagar quinhentos mil reais em um leilão idiota só
por uma questão de ciúme... era quase hilário. Ou
preocupante. Vai saber...
​A verdade era que por mais absurda que fosse a
ideia, eu estava sorrindo quando me olhei no
espelho para passar um pouco de batom, depois de
sair da cabine. Bruno sempre foi extravagante
quando o assunto era provar seus sentimentos por
mim.
​Estava prestes a deixar o banheiro quando meu
caminho foi bloqueado por um homem enorme, que
praticamente me empurrou de volta para dentro. A
porta foi trancada.
​— Quem é vo... — Não tive tempo de falar
praticamente nada, porque fui agarrada e minha
boca foi coberta pela mão enorme dele.
​ om toda a violência, ele me imprensou na
C
parede, encurralando-me com seu corpo e ainda me
mantendo calada. Meus olhos se arregalaram,
assustados, porque eu não fazia ideia do que estava
acontecendo.
​— Primeiro você. Depois pegaremos a
garotinha — ele falou sem remorso.
​Não! Minha filha, não! Eles sabiam sobre
Cecília!
​Tentei lutar, me desvencilhar, enquanto o via
tirando uma seringa de dentro do bolso do paletó.
​Não duvidei nem por um momento do que ele
pretendia fazer. Continuei me esforçando para me
soltar de suas mãos, na esperança de chegar até a
porta. Se conseguisse sair daquele banheiro, só
precisaria correr até Bruno. Então, no momento em
que a agulha foi afundada na carne do meu
pescoço, entendi que eu precisava fazer qualquer
coisa para me salvar sozinha.
​Ele pressionou o êmbulo, e eu senti que um
pouco do líquido chegou a entrar em mim, o que
me deixou assustada. Mas o medo, muitas vezes,
era nosso aliado, porque foi ele que me fez reagir,
erguer a barra do meu vestido e chutar o homem no
meio das pernas.
​ u era muito pequena perto dele, mas a
E
determinação não me abandonou. Consegui fazê-lo,
ao menos, me soltar, e eu pude arrancar a seringa
de mim, enfiando-a nele. Havia metade do sedativo
nela, porque uma parte já corria pelas minhas veias,
mas eu esperava que isso o deixasse grogue
também.
​Enquanto ele ainda se recuperava da joelhada,
corri desesperada para a porta, pegando minha
bolsa no processo. Assim que a cruzei, senti-me
ofegante e com as pernas bambas. Podia imaginar
que tinham usado um sedativo forte, porque já
estava fazendo efeito. Ou talvez fosse o meu
psicológico já abalado.
​Eu só precisava chegar a Bruno.
​Ele estava no meio daquelas pessoas. Ele iria
me proteger... proteger a nossa filha... ele iria...
​Iria...
​Deus, eu mal conseguia formar pensamentos
coerentes.
​Caminhar era quase impossível, mas eu
precisava. Esbarrei em várias pessoas, quase fui
levada ao chão mais de uma vez, mas segui firme.
​Não era difícil achar Bruno no meio de todas
aquelas pessoas. Não quando ele era tão alto.
Enxerguei sua cabeça e sussurrei seu nome,
querendo gritá-lo, mas não conseguindo.
​Mas ele me viu. Abriu um sorriso no mesmo
instante, mas este sumiu, porque ele me conhecia.
Ele me conhecia muito bem, e obviamente já tinha
percebido que havia algo de errado. Então veio em
minha direção.
​No momento em que nos encontramos, no meio
do salão, ele me segurou pelos braços, e eu me
deixei fraquejar um pouco. Estava caminhando em
uma corda bamba, tentando ser forte e me
segurando para fugir e me salvar, mas nos braços
dele eu podia me lançar sem medo e deixar que
tomasse as rédeas por alguns instantes.
​— O que aconteceu com você? — Levou a mão
imediatamente ao local onde a agulha perfurara
meu pescoço. — Quem fez isso?
​Tentei responder, mas nada saiu. Pelo contrário,
eu apenas cambaleei quase caindo no chão, e ele
me segurou com firmeza.
​— Mariana, o que houve? Você está pálida...
​— Me tira daqui — foi tudo o que consegui
falar, e mesmo assim poderia jurar que ele não
tinha ouvido.
​Mas ouvira, tanto que passou um braço ao redor
dos meus ombros, amparando-me e conseguindo
me tirar do salão.
​Consegui chegar à área aberta com minhas
próprias pernas, mas eu sabia que era uma questão
de tempo para perder a consciência.
​— Mariana... pelo amor de Deus! O que você
tem? O que aconteceu?
​— Um homem no banheiro... Ele sabe da nossa
filha... eles a ameaçaram... Eu... Eu...
​Cambaleei mais uma vez, embora ainda
consciente, mas me senti sendo tirada do chão para
os braços de Bruno, enquanto ele sussurrava:
​— Vai ficar tudo bem. — Beijou minha testa.
— Estou aqui. Vou te levar para casa.
​Então eu apaguei, finalmente me sentindo
segura.
​Não tinha muita noção depois de quanto tempo
despertei, mas abri os olhos e reconheci o quarto de
Bruno imediatamente, suspirando de alívio.
​Eu estava em casa, foi o meu primeiro
pensamento.
​Casa...
​Em que momento daqueles dias conturbados eu
comecei a pensar que a mansão de Bruno era meu
lar?
​Jurei que ao acordar o veria ao meu lado, como
um guardião, mas encontrei Norma com suas
ferramentas de tricô no colo, sentada na poltrona
próxima à cama, apagada, como se tivesse
cochilado enquanto velava meu sono.
​Não pude deixar de sorrir.
​Sentei-me na cama, ainda me sentindo um
pouco grogue e tentando me recompor. O ronco
discreto de Norma me avisou que ela estava
dormindo pesado, e eu até poderia pensar em
acordá-la para que fosse se deitar mais confortável,
mas sabia que iria começar a querer fazer mil
coisas por mim e a última coisa que faria seria
descansar.
​Por isso, sem fazer barulho, vesti um robe por
cima da camisola com a qual alguém me vestiu –
provavelmente Bruno – e me levantei.
​Ainda me sentia um pouco fraca, mas
conseguia caminhar sem problemas, então fui ao
quartinho de Cecília e o encontrei vazio. A neném
não estava no berço, e pelo que via no reloginho na
sua parede ainda eram seis da manhã.
​Continuei caminhando pela casa, descendo as
escadas uma a uma, não querendo cair e dar ainda
mais trabalho caso despencasse degraus abaixo.
​ nxerguei sua silhueta máscula do lado de fora,
E
através das enormes janelas de vidro, na pequena
varanda de frente para o imenso espaço onde havia
a piscina. Sem camisa, ele segurava Cecília nos
braços, e a cabecinha da menina estava encostada
no ombro enorme do pai. Ela parecia dormir.
​Cheguei de mansinho, não querendo estragar a
cena, enquanto ele balançava e cantarolava
baixinho para ela. Sorri, mesmo sentindo minha
cabeça latejar, e coloquei a mão em suas costas, o
que o fez voltar-se para mim.
​— Merda, Mariana! Você deveria estar na cama
ainda.
​Meu sorriso débil se ampliou.
​— Estou bem. Só um pouco cansada.
​Usando apenas um braço para segurar nossa
filha, ele agarrou o meu com a outra mão, mas com
muita delicadeza, conduzindo-me, colocando-me
sentada.
​— Ainda está pálida, parece cansada. Você foi
dopada, Mariana. Precisa...
​— Eu sei, Bruno. Eu estava lá — não quis soar
grosseira, tanto que mantive meu tom de voz
sereno.
​— Merda! — Bruno resmungou. Com todo o
cuidado, ele colocou Cecília, adormecida, no
carrinho que estava por perto, e voltou-se para
mim, ajoelhando-se à minha frente. — Desculpa.
Foi uma colocação imbecil.
​— Não, não foi. — Levei a mão ao rosto dele,
tentando acalmá-lo.
​— Eu te levei ao hospital, fizeram um exame e
encontraram uma boa quantidade de sedativo no
seu organismo, mas, no mais, está tudo bem.
Queriam te deixar lá até que acordasse, mas exigi
que lhe dessem alta, cheguei a assinar um termo de
responsabilidade. Preferi trazê-la para casa. Não
pude confiar que não tentariam te encontrar em um
local público.
​Assenti, então Bruno se levantou e se sentou ao
meu lado. Em um movimento rápido, ele me tirou
de onde eu estava sentada e me colocou em seu
colo.
​— Você quer contar sobre o que aconteceu?​ —
ele falava baixinho, com sua voz deliciosa.
Acomodada em seus braços, protegida e segura, eu
acabaria adormecendo rapidamente outra vez.
​— Eu estava saindo do banheiro, e um homem
entrou. Ele me agarrou e enfiou a seringa no meu
pescoço. — Levei a mão ao ponto mencionado e
encontrei um pequeno band-aid no local. —
Consegui me defender dele. Eu o chutei entre as
pernas. — Dei uma risadinha sem muito humor.
​— Meu Deus! — Bruno exclamou, apertando-
me mais em seus braços.
​— O que aconteceu depois que eu desmaiei?
​Bruno suspirou.
​— Eu reportei o caso a um segurança. Deixei
você sendo cuidada por Vanessa, o acompanhante
dela e mais algumas pessoas, dentro do meu carro,
e voltamos ao banheiro. Mas o cara não estava mais
lá. Havia outra porta no cômodo, com acesso para
fora da casa. Ele provavelmente iria te levar por
ela. — Ele fez uma pausa. — Encontramos a
seringa, que foi levada para perícia. Já acionei
Tavares também, e ele está em contato com os
responsáveis.
​Remexi-me no colo dele.
​— Estou com medo por Cecília. Eles sabem
dela.
​— Mari... — Bruno me afastou um pouco,
fazendo-me olhar em seus olhos. — Eu não duvidei
disso nem por um minuto. Mas vai ficar tudo bem.
Vou cuidar das minhas meninas.
​E eu também não duvidava disso nem por um
minuto.
​Aconcheguei-me mais a ele, senti o beijo que
deixou na minha testa e suspirei, sentindo seu
cheiro e o calor de seu peito nu contra o meu rosto.
​Não demorei muito para adormecer, desejando
que o dia seguinte fosse um pouco melhor.
CAPÍTULO VINTE E DOIS
Não sei pelo que estou vivendo

Se estou vivendo

Sem você

(Tell me you love me – Demi Lovato)


​Os dias seguintes, de fato, foram melhores.
​O detetive de Bruno conseguiu informações
com a polícia – para quem dei meu depoimento – e,
inclusive, da perícia, sobre impressões digitais e
DNA, pois o brutamonte deixou a seringa caída no
chão. O homem estava foragido, mas estava sendo
procurado. Assim que estivesse sob custódia,
seríamos informados.
​Tavares também estava conduzindo uma
investigação a respeito de Carlos. Na minha
opinião ele era inofensivo, mas Bruno colocara na
cabeça que ele era o culpado por tudo, e eu não iria
impedi-lo, porque não estava a fim de ouvir um
belo de um eu avisei quando as coisas se
resolvessem.
​Quando. Porque elas precisavam se resolver.
​Tendo isso em mente, tentamos passar uma
semana tranquila, em casa. Até mesmo Bruno
optou por home office, alegando que queria ficar
perto de nós o máximo de tempo possível.
Estávamos nos encaixando como família, e ele era
incansável em seu papel de pai. Era quem levantava
à noite quando a babá eletrônica indicava que
Cecília tinha despertado; era quem trocava fraldas
depois que o expediente de Sandra terminava;
insistia em me ajudar em tudo. Enchia a filha de
presentes e a mimava de todas as formas. Parecia
querer compensar o tempo perdido, e eu achava
isso uma gracinha.
​Aquela foi uma sexta-feira cansativa, na qual
passei o dia inteiro mergulhada em trabalho, então,
à noite, tudo o que eu queria era ficar um pouco
com a minha filha. Estava, inclusive, me
despedindo de Sandra – de quem acabei me
tornando muito próxima, principalmente porque ela
era ótima com Cecília – quando meu celular tocou.
Era Robson.
​— Ei, coisa linda... estava demorando para você
ligar hoje, hein? — falei com um sorriso,
manejando Cecília para colocá-la sentadinha sobre
minhas pernas. Ela tinha algo na mão,
provavelmente uma folha de alguma árvore do
jardim de Bruno, mas deixei que brincasse, mesmo
sabendo que sua mãozinha suja acabaria na boca
em algum momento. Criar anticorpos era uma boa
ideia, não era?
​— Mariana? — não era a voz de Robson.
​Eu reconhecia aquela voz. Ela falara comigo
recentemente...
​No banheiro da festa...
​ rimeiro você. Depois pegaremos a garotinha,
P
foi o que falou para mim naquele dia. Apenas uma
frase, mas eu jamais esqueceria.
​— O que você quer? — perguntei logo,
esforçando-me para fazer com que minha voz
escapasse intacta, sem falhar.
​— Terminar o que comecei no evento. Meu
contratante está esperando você, bonitinha. E eu
também. Estou aqui na casa do viadinho do seu
amigo, queremos sua presença.
​Ouvi um murmúrio do outro lado da linha,
reconhecendo o tom de voz de Robson, mas ele não
parecia conseguir falar. Estaria amordaçado?
​Meu Deus...
​— O que você fez com o meu amigo? —
perguntei com uma voz chorosa, mas tentando
manter o controle. Aquele filho da mãe não iria me
deixar tão vulnerável.
​— Além de umas porradas? Até que ele
aguentou direitinho. Mas posso fazer pior se você
não vier trocar de lugar com ele.
Para provar o que dizia, ele encerrou a
ligação, o que me deixou desesperada. Segundos
depois, meu whatsapp tocou com uma chamada de
vídeo. Eu não queria atender. Não poderia
atender... Não com minha filha no colo. Por mais
que eles soubessem da existência de Cecília,
permitir que aquele homem nojento olhasse para
ela era inaceitável.
Agindo o mais rápido que pude, chamei
Sandra que, para a minha sorte, ainda estava ali e
entreguei a neném para ela, sem dar muitas
explicações. Um pouco atordoada, ela a pegou,
embora já estivesse em seu horário de ir embora.
— Entre com ela. Agora — ordenei com
aflição. Não queria que ela sequer começasse a
chorar no meio da chamada.
Então, assim que as vi longe do caminho,
afastei-me da porta de vidro e fui para um canto da
casa, esperando que ninguém me ouvisse.
Foi quando atendi.
A câmera estava voltada para Robson,
amarrado a uma cadeira, amordaçado e todo
machucado. Levei a mão livre, que não estava
segurando o celular, à boca e não consegui mais
conter as lágrimas.
Meu amigo querido... ele não merecia.
— Pensei que teria que matar o babaquinha
aqui para você atender, princesa. O que vai ser?
Vamos negociar? — a voz do homem soou, mas a
imagem continuou focada em Robson.
Engoli em seco.
Eu não podia abandonar Robson ali.
Daquele jeito. Ele nunca me abandonara quando
mais precisei. Sem ele, eu e minha filha estaríamos
perdidas. Só que... como eu poderia me entregar de
mão beijada ao perigo?
— Eu... — hesitei, mas a voz dele soou de
novo:
— Se falar com o seu ricaço, ele morre. Se
chamar a polícia, ele morre. Tenho certeza de que
não vai querer esse peso na consciência, vai?
— O que você vai fazer comigo? —
perguntei, apavorada, já nem tentando disfarçar o
medo.
— Vou te levar a quem me contratou.
— E quem foi? — tentei. Eu bem que tentei.
Mas ele apenas riu.
— Não banque a espertinha, princesa. Você
sabe onde me encontrar. Posso te esperar por no
máximo uma hora. Se demorar mais do que isso, os
miolos do seu amigo vão explodir.
A câmera do celular focou no rosto de
Robson, que arregalou os olhos e se voltou para
mim, balançando a cabeça, negando. Ele não queria
que eu fosse, mas como poderia abandoná-lo?
— Uma hora — foi a única coisa que ouvi
antes de a ligação ser encerrada.
Sentindo o ar faltar no peito, de uma forma
quase dolorosa, fiquei com o telefone na mão,
olhando para ele, sem saber o que fazer.
Mas a voz forte de Bruno me interrompeu.
— Nem pense, Mariana! — ele quase
rosnou.
Rapidamente voltei-me na direção dele e
nem tive tempo para nada, porque ele arrancou o
celular da minha mão, olhando-o. Lá estava uma
mensagem que eu não tinha visto. Uma foto de
Robson, daquele jeito que eu vira no vídeo, e uma
mensagem:

Estou te esperando. Você tem uma hora ou ele


morre.

​Bruno ergueu seus olhos profundos em direção


aos meus, e eles pareciam mais sombrios.
​— Não responda, Bruno, por favor. Não faça
nada. Ele me proibiu de falar com você e...
​— Claro! Ele te quer indefesa. Quer que vá
sozinha, sem me avisar, para que eu não possa te
defender. — Fez uma pausa. — Não me diga que
você cogitou a ideia de ir.
​Fiquei calada. Eu poderia negar, mentir, mas se
fizesse isso, não poderia acatar as ordens do
homem. Se não aparecesse, Robson morreria.
​Mas se fosse... eu estaria em perigo.
​O que poderia fazer?
​— Mariana — disse em tom de repreensão —,
você nem pense em sair desta casa para aceitar esse
absurdo de ordens.
​— Mas, Bruno... Robson é o meu melhor
amigo. Ele cuidou de mim e Cecília. Não posso...
— Ele agarrou meu braço. Apesar da expressão
visivelmente irada, conseguia controlar a sua força
para não me machucar.
​— Não vou deixar seu amigo desamparado.
Vou ligar para Tavares e vamos cuidar dele, mas
você não vai sair de casa. O que quer? Ser morta?
Que te tirem da sua filha? — falava alterado, e as
coisas que ele dizia começavam a me fazer chorar.
​Não, eu não queria que me tirassem da minha
filha. Não queria que me tirassem de Bruno... não
quando tínhamos nos reencontrado daquela forma e
as coisas estavam indo tão bem.
​Mas era Robson...
​— Bruno... se a polícia aparecer lá...
​— Não vai. Eles vão saber agir.
​— Eu preciso ir. Posso ir com a polícia...
podemos... — comecei a falar, meio sem pensar,
porque não sabia o que dizer. — Quero ir, Bruno.
Preciso salvá-lo como ele me salvou.
​— Me desculpa, Mariana. Você não vai. —
Sem dizer mais nada, ele se inclinou, agarrando-me
pelas coxas e me jogando em seu ombro.
​— Bruno! O que você vai fazer? — gritei,
assustada.
​— Eu não queria ter que fazer nada, mas você é
a mãe da minha filha, a mulher que eu amo. Não
posso permitir que se arrisque. Você mesma
deveria ter essa consciência, mas se não tem,
preciso agir.
​— Você não pode fazer isso! — Quando gritei
mais uma vez, Norma e Sandra surgiram, vendo a
cena absurda.
​— Bruno, o que você está fazendo com a
menina? O que aconteceu? — Norma falou.
​— Ela queria se entregar ao sequestrador,
Norma! — ele falou, indignado.
​— Ah, meu Deus! Mas... por quê? — Norma
levou as duas mãos ao rosto. Cecília, no colo de
Sandra, começava a chorar ao ouvir a gritaria e,
provavelmente, por me ver tão desesperada.
​— Sandra, cuide de Cecília, por favor. Preciso
resolver algumas coisas e vou ficar algum tempo
com a dona Mariana — ele usou de escárnio para
proferir a palavra dona — lá dentro.
​Nem ouvimos a resposta de Sandra, porque ele
seguiu pelas escadas, subindo comigo nos ombros,
até chegarmos ao nosso quarto, onde ele me jogou
na cama sem tanta delicadeza, apressando-se até a
porta e trancando-a.
​Eu entendia seu rompante. Entendia seu
desespero. Mas era meu melhor amigo em perigo.
​Eu não poderia perdê-lo.
​Meu Deus... o que iríamos fazer?
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
Você realmente mexeu com minha cabeça

Me deixou fora do meu eixo

(Space – Maren Morris)

​Aquela mulher iria me enlouquecer. Infarto,


AVC, tudo junto.
​Porra... meu Deus! Ela queria mesmo se
entregar a um bandido para proteger aquele amigo?
O quão importante o cara era para Mariana prezá-lo
tanto assim?
​Eu não era um homem muito cheio de amigos
ao ponto de um deles me inspirar sentimentos de
proteção, mas faria aquele tipo de coisa por
Mariana. E por minha filha, é claro. Por elas eu
também me lançaria no fogo cruzado sem pensar
duas vezes. Então um ciúme muito ridículo se
apossou de mim.
​Não era possível que o relacionamento de
Mariana com Robson fosse apenas platônico. Mas
por que, então, ele não fizera uma cena, não tentara
tirá-la de mim? Porra, ele fora uma figura paterna
para a minha filha por nove meses, mas, ainda
assim, conformara-se em perdê-las. Eu não
conseguiria ter sangue frio daquela forma.
​Mariana continuava jogada sobre a cama,
olhando para mim quase assustada, enquanto eu
telefonava para Tavares. Somente quando o
detetive me atendeu foi que ela se remexeu,
ajeitando-se em busca de uma posição mais
confortável. Sentou-se, olhando para mim como se
me fuzilasse com seus olhos incríveis, que estavam
furiosos naquele momento.
​Conversei com o detetive brevemente,
explicando a situação em um primeiro momento,
mas coloquei no viva-voz e pedi que Mariana
também desse seu relato, já que fora ela quem
conversara com o homem. Apesar do nervosismo,
conseguiu falar de forma coerente, explicando toda
a sua ligação, e a cada palavra eu me sentia mais e
mais apavorado.
​Aquela pessoa, fosse quem fosse que estava nos
perseguindo, estava se tornando cada vez mais
audaciosa. Tentara sequestrar Mariana no meio de
uma festa e ainda ligava para ela, provavelmente
sabendo que estava na minha casa, sob minha
proteção, exigindo que ela fosse de encontro ao
perigo. O que mais eles iriam fazer? Aparecer na
mansão e arrancá-la da minha cama?
​Só de pensar nessa possibilidade me senti
estremecer e olhei para ela novamente, desejando
desesperadamente abraçá-la.
​E se eu não tivesse chegado a tempo? E se ela
tivesse saído?
​Não queria nem pensar.
​Por isso, quando encerramos a ligação com
Tavares, ouvindo-o prometer que salvaria Robson,
peguei Mariana pelo braço, fazendo-a levantar-se
da cama.
​Ela soltou um ruído estranho, de surpresa,
porque eu a puxei com força para mim, fazendo-a
colidir contra o meu peito. Enlacei-a com os dois
braços, prendendo-a comigo e tomando seus lábios
nos meus. O suspiro que saiu de sua boca foi mais
de susto do que de prazer, mas não me contive. E
assim que ela começou a corresponder, não me
aguentei e a tirei do chão, erguendo-a para que
ficasse um pouco mais próxima à minha altura.
​Só a soltei quando encerrei o beijo, olhando em
seus olhos.
​— Por que isso? — perguntou, atordoada.
​— Eu poderia ter te perdido hoje — falei
baixinho, em um sussurro, ainda mantendo os
braços ao redor de sua cintura, olhando em seus
olhos profundamente. — Não posso, Mariana...
Não outra vez.
​— Sinto que estou abandonando Robbie. Se ele
morrer, eu...
​Fiquei muito sério. Não era hora para sentir
ciúme e de forma alguma eu desejaria mal ao cara,
caso ele tivesse vivido um romance com Mariana
na minha ausência. Ela tinha o direito de ficar com
quem quisesse, não tinha? Mas a pergunta estava
pesando na minha língua. Por isso não consegui
mantê-la em segredo.
​— O que há entre vocês? Ou havia...? Vocês
namoraram?
​— O quê? — Ela arregalou os olhos.
​Péssima ideia, Bruno.
​— Esquece. — Afastei-me, sentindo-me
envergonhado. — Foi uma pergunta estúpida.
​Mas ela segurou meu punho.
​— É sério, Bruno? Sério que você realmente
não percebeu?
​De cenho franzido, voltei-me novamente para
ela.
​— Não percebi o quê?
​— Robson é gay. Ele está namorando,
inclusive, um cara super legal.
​Bem... aquilo realmente me chocou.
​Fazia sentido, se eu pensasse em algumas
coisas que ele já tinha me dito quando eu namorava
com Mariana, comentários sobre a minha
aparência, mas sempre achei que eram de
brincadeira...
​— Por que você nunca me falou? — indaguei,
quase surpreso.
​— Porque não cabe a mim sair falando da
sexualidade dos outros.
​Claro. Ela estava certa.
​E eu me preocupei a toa.
​— Seja como for, não importa. Não é hora para
falarmos disso agora. Dá para você abrir aquela
porta? — Mariana pediu, levando uma das mãos à
cabeça e a outra à cintura.
​— Você não vai...
​— Para com essa idiotice de mandar em mim.
Eu estava assustada, dei uma surtada, mas estou
bem agora.
​— Uma surtada que poderia ter custado a sua
vida.
​— Você já surtou anteriormente e isso custou o
nosso relacionamento. Em proporções diferentes,
nós dois temos a tendência de fazer merda quando
estamos sob pressão. — Assim que terminou de
falar, ela colocou a outra mão na cintura e quando
eu demorei demais para agir, ergueu uma
sobrancelha, desafiadora.
​Então não me restou alternativa a não ser abrir a
porta para ela, que rapidamente passou. Como um
cachorro sem dono eu a segui e a vi correr para
Cecília, pegando a neném, agarrando-se a ela como
se fosse sua fonte de esperança.
​Dispensei Sandra, porque já tinha passado do
horário dela, enviando um segurança para
acompanhá-la – só para garantir – e Norma
preparou algo leve para que jantássemos.
​Mariana mal tocou na comida e depois do jantar
ficou andando de um lado para o outro como um
leão enjaulado até que recebemos a ligação de
Tavares avisando que já estava com Robson,
levando-o para o hospital. Informara que ele estava
bem, mas que fora agredido e que precisava de
cuidados.
​O sequestrador fora capturado, em uma
manobra bastante eficiente da polícia, e agora
estava sob custódia. Tavares acompanharia o caso
assim que alguém fosse encontrar Robson no
hospital.
​No instante em que contei para Mariana, ela fez
menção de que iria se oferecer para ser essa pessoa.
​— Não! Nada disso — constatei. — É você sair
de casa para se tornar um alvo.
​— Eu não falei nada.
​Ergui uma sobrancelha.
​— É que eu te conheço muito bem.
​ Eu só ia dizer que vou ligar para o Fernando,

namorado de Robson, para avisá-lo e orientar que
ele vá ao hospital. Posso pedir para trazê-lo para cá
depois? — ela pediu em um tom de súplica que me
desmontou.
​— Mariana, aqui é a sua casa também. Você
pode trazer quem quiser.
​Com um sorriso no rosto, demonstrando que
estava muito mais calma, ela se colocou na ponta
dos pés e me deu um beijo no rosto. Em seguida,
entregou-me Cecília, que veio sorridente para o
meu colo, já completamente acostumada comigo.
​A mãozinha gorda foi direto para a gola da
minha camisa, amassando-a em seus dedinhos
ávidos, e eu beijei sua cabecinha, recebendo os
sonzinhos gostosos que fazia e sentindo seu
cheirinho de bebê. Ela me proporcionava paz.
​Mariana resolveu tudo com o rapaz, mas
Robson demorou um pouco para voltar para casa, o
que começou a deixá-la inquieta. Consegui
convencê-la a tomar um remédio fraco para se
acalmar, porque ela estava, de fato, em pânico.
Colocamos Cecília para dormir e fomos para a
pequena sala de cinema que eu tinha em casa, onde
assistimos a um filme no qual ela dormiu na
metade, com a cabeça nas minhas pernas, enquanto
eu acariciava seus cabelos.
​Decidi assistir até o fim, mas Norma surgiu
durante os vinte minutos finais, avisando que
tinham chegado.
​Levantei-me cuidadosamente, não querendo
acordar Mariana, ajeitando-a no confortável sofá de
couro enquanto ia receber nossos convidados.
​Robson estava mesmo machucado, com um
braço engessado, mas vinha andando em seus
próprios pés, apenas amparado pelo namorado.
​— Como está se sentindo? — perguntei a ele,
realmente preocupado.
​— Como se tivesse sido atropelado por um
caminhão.
​Assenti, imaginando que não deveria ser fácil.
​— Onde está a Mari? — ele perguntou, e eu
gesticulei em direção à sala, conduzindo os dois.
​Assim que abrimos a porta, nós a vimos
apagada, na mesma posição em que a deixei. A
expressão de compaixão de Robson não condizia
com seu estado. Ele merecia pena, mas
visivelmente amava a amiga, como ela o amava. O
tipo de amizade que eu não tinha com quase
ninguém. A que chegava mais próxima era
Vanessa, mas mesmo assim...
​— Quem poderia querer fazer mal a essa
coisinha indefesa? — Robson comentou, e eu abri
um sorriso de canto, colocando as mãos dentro dos
bolsos.
​— Ela sabe não ser indefesa na maioria do
tempo, mas concordo com você. — Ele também
sorriu. Então eu prossegui: — Norma preparou um
quarto de hóspedes para vocês, gostaria que
aceitassem o convite para ficarem. Mariana pediu
que eu a acordasse quando chegasse, mas ela tomou
um remédio, e eu acho que não tenho coragem.
​— Não, pelo amor de Deus. Deixa ela dormir
— Robson exclamou, decidido.
​— Mas não seria melhor acordá-la para ela ir
para cama? — Fernando perguntou, e eu neguei
com a cabeça.
​— Vou levá-la.
​Robson olhou para mim com um meio sorriso.
​— Bonitinho da sua parte. E vamos aceitar seu
convite. Quero ver minhas meninas amanhã. Só que
agora estou muito cansado... queria dormir.
​— Claro. — Saí da sala, chamando por Norma,
que veio prontamente: — Pode levar os dois ao
quarto que preparamos? — Ela assentiu. Voltei-me
para Robson mais uma vez: — O detetive Tavares
está acompanhando os interrogatórios e amanhã
estará aqui. Vamos precisar conversar.
​— Amanhã faremos isso. Hoje só quero mesmo
dormir.
​Inclinando-se, mesmo fazendo uma careta de
dor, ele beijou a cabeça de Mariana e seguiu com
Fernando e Norma.
​Eu, por minha vez, fiz o que disse que iria fazer
e levei Mariana adormecida para o quarto, onde a
coloquei na cama, tirando seus sapatos, e me
deitando ao seu lado, puxando-a contra o meu
peito.
​Ela estava ali. Isso era o que importava.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
Quando eu estava sozinha

Você era minha oração

(Brain on Love – K. Michelle)

​Acordei sobressaltada, em uma cama vazia,


percebendo que permanecia com as mesmas roupas
que tinha usado na noite anterior.
​O que estava acontecendo? Por que minha
mente parecia tão nublada?
​Foi então que minhas lembranças começaram a
retornar.
​A ligação do homem que tanto me apavorava.
​Robson amarrado e amordaçado em uma
cadeira, todo machucado.
​Bruno me proibindo de me entregar para salvá-
lo.
​Demorei a me lembrar da parte boa da situação
– Robson tinha sido resgatado, não era? Fora parar
no hospital, mas estava vivo, e Fernando iria
encontrá-lo. Levantei-me apressada da cama,
porque, obviamente, a julgar pelo sol que entrava
pela janela, já tinha amanhecido e eles
provavelmente estariam lá.
​Por que diabos Bruno não tinha me acordado na
noite passada?
​Saí correndo desembestada, e assim que
cheguei às escadas ouvi o som de risadas que fez
meu coração disparar.
​Era a voz de Robson. Ele estava ali. Estava
bem.
​ Robbie! — gritei assim que me vi mais perto

da sala de jantar.
​Ele rapidamente ergueu os olhos para mim, e eu
o vi com Cecília no colo. Minha menininha estava
toda assanhada, provavelmente morrendo de
saudade dele. Meu amigo também sorria com ela,
segurando-a com apenas um braço, enquanto o
outro exibia uma tipoia, engessado.
​Deus... o rosto dele. Uma pessoa como Robson
nunca deveria sofrer, muito menos por minha
causa.
​Continuei apressada, e Bruno se prontificou a
pegar Cecília para que Robson pudesse se levantar
e me receber em seus braços.
​Apertei-o com tanta força, que ele chegou a
gemer de dor.
​— Desculpa — sussurrei, envergonhada, mas
nem assim o soltei, apenas aliviei a pressão dos
meus braços. — Por tudo, não só por estar te
machucando agora, mas por estar ferido por minha
culpa.
​— Sua culpa? Foi você que me bateu, coisinha?
Até onde eu sei, de você eu conseguiria me
defender. Não é como se fosse forte e grande como
uma lutadora de MMA. — O safado ainda fazia
piadinhas. Como era possível? A lágrima que
deslizava pelo meu rosto me dizia que nenhum de
nós deveria estar muito feliz, porque a situação não
pedia sorrisos. Não enquanto tudo aquilo não
passasse. — Para de chorar, Mari. Estou aqui, não
estou? — Robbie falou um pouco mais sério, em
um tom de voz sussurrado e muito gentil. Sua mão
boa fazia carinho nos meus cabelos.
​— Tive tanto medo...
​— Eu também. Mas sabe o que mais temi? Que
você, sua louca, fosse lá, como aquele filho da puta
estava pedindo.
​— Ela ia — Bruno se intrometeu, e eu lancei
um olhar de reprovação para ele.
​Senti a mão de Robson se fechando no meu
braço e me afastado um pouco para poder olhar em
meus olhos.
​— Nunca, Mari. Nunca faça isso. Nem por
mim, nem por ninguém. Por Cecília, talvez, porque
seria impossível pedir que uma mãe não dê a vida
por seu filho. Você é preciosa para todos nós,
precisa se cuidar.
​Ah, droga! Ele conseguia me deixar ainda mais
sensibilizada.
​— Você é precioso para mim, Robbie. Como eu
teria me virado com Cecília se não fosse por você?
​Com um sorriso enorme no rosto machucado,
ele levou a mão ao meu nariz, apertando-o
carinhosamente.
​— Como o mulherão da porra que você é. Mas
eu estava lá, Mari. Não fiz por obrigação ou
esperando retorno. Fiz porque amo vocês.
​Não consegui me segurar e abracei-o de novo,
por uns bons minutos, até que fui dar um beijo em
Fernando e nos sentamos para comer.
​Uma hora depois nos reunimos no escritório de
Bruno, deixando Cecília com Sandra, já com a
presença de Tavares.
​Decidimos ouvir Robson primeiro, embora não
parecesse nada fácil, para ele, relatar o que
acontecer na noite anterior. Eu poderia imaginar
que se tratava de algo traumatizante.
​— O cara me abordou na rua, quando saí do
trabalho. Estava armado, mas foi discreto e me fez
entrar no meu prédio e subir, como se nada
estivesse acontecendo. Entrou no meu apartamento
e me agrediu. — Robson engoliu em seco, e eu
levei a mão ao seu ombro, tentando confortá-lo. —
Ele parecia nervoso, alegando que era sua última
chance. Que se falhasse daria merda. Palavras dele.
​ — Faz sentido. Ele falhou em conseguir
sequestrar Mariana na festa — Bruno comentou.
Então se voltou para o detetive. — Tavares, o que
obteve com a polícia?
​Ele abriu um caderninho e começou a ler com
seus olhos pequenos. Os cabelos grisalhos
demonstravam experiência, e eu esperava que ele
fosse bom mesmo, porque as coisas estavam
ficando feias.
​— O nome dele é Joelson. Trabalhava como
leão de chácara em uma boate na Zona Sul até
receber uma acusação de assédio. Foi descoberto
depois que não foi a primeira vez, então ele foi
demitido e começou a trabalhar de forma ilegal,
fazendo coisas ilícitas. — Tavares ergueu os olhos
para Bruno. — Há outra coisa que descobri,
investigando, e que é a mais importante de todas.
Aquele Carlos Fonseca era um dos sócios da boate
onde Joelson trabalhava.
​— EU SABIA! — Bruno exclamou em uma
voz que mais parecia um trovão. — O filho da
puta! Quando eu colocar as mãos nele!
​— Bruno! — chamei, temendo que se
descontrolasse. — Ainda não sabemos.
​— Não defenda aquele merda, Mariana! Para
mim o cara tem culpa no cartório desde o início.
Pensa que nunca percebi a forma como ele te olha,
te comendo com os olhos? E o quanto ele brigou
por você no leilão? Perdeu e tentou outra
abordagem mais pesada.
​— Não estou defendendo ninguém, Bruno.
Estou falando que não podemos acusar ninguém
sem provas.
​— Mas Tavares vai achar essas provas, não
vai? — Bruno falou em um tom ameaçador, e eu
precisava admitir que ele tinha um jeito muito bom
de mostrar o seu poder. De uma forma que
qualquer um cairia aos seus pés.
​Não foi o caso do detetive, mas ele assentiu
com cuidado, porque provavelmente conhecia
muito bem o meu digníssimo...
​O meu digníssimo o quê?
​Namorado? Será que aquela denominação
poderia ser usada novamente? Ou o que havia entre
nós era grandioso demais para isso?
​— Eu vou continuar investigando. Sobre
Joelson... só para concluir: ele está irredutível.
Pediu um advogado e disse que só fala na presença
de um. Alega que está trabalhando sozinho.
​— Mas ele mesmo disse para mim que tinha um
mandante! — indignei-me.
​— Sim, senhorita. Eles falam o que são
treinados para dizer. Mentem, enganam... ainda
mais à polícia. Ele obviamente não está agindo
sozinho, mas vamos descobrir. — Ele fez uma
pausa. — Acho que é importante dizer que assim
que descobri sobre a ligação dele com Carlos
Fonseca fui atrás do empresário em questão, mas
ele fez uma viagem. Sem previsão de retorno.
​— Conveniente — Robson, que até então
estava calado, comentou.
​— É bom ele não voltar, ou eu vou matá-lo.
​— Bruno! — alterei-me. Ele não deveria dizer
aquele tipo de coisas, muito menos na frente de um
detetive.
​Apesar disso, seus olhos cheios de fúria se
voltaram na minha direção.
​— O que acha que ele vai fazer quando colocar
as mãos em você, Mariana? Acha que vai puxar
uma cadeira para que se sente e tomem chá? O
filho da puta vai te tocar sem a sua permissão. Vai
te machucar e te traumatizar para o resto da porra
da vida. Antes de ele sequer pensar em fazer isso,
vai ter que passar por cima de mim primeiro.
​Tá... Bruno falando tais coisas era sexy. De
molhar calcinhas. Aquele homem imenso puto da
vida mexia comigo, especialmente quando se
tratava de me defender.
​Que mulher não queria um homem forte e
machão, ferozmente protetor, incrivelmente lindo e
sensual, oferecendo-se para dar umas porradas em
alguém daquela forma?
​Mais ainda... um homem que decidia cuidar de
todos só para me ver feliz.
​Naquele mesmo dia, no horário do almoço, nós
nos reunimos à mesa, depois de Tavares ir embora,
e Bruno surgiu com uma solução para o meu medo
de que voltassem a perseguir Robson, que eu
externei em algum momento daquela manhã.
​— Vocês têm algum lugar para ficar por algum
tempo? Em alguma outra cidade? Podem tirar
alguns dias de afastamento do trabalho?
​— Não, nenhum de nós. Sou enfermeiro, e
Fernando trabalha em uma empresa de publicidade.
​— Qual empresa de publicidade? — Bruno
perguntou com aquele ar profissional, a postura all
business que era um tesão.
​— A Figueiredo Comunicações.
​— Hum... do Nelson Figueiredo? Ótimo. Ele
me deve uns favores. Vou telefonar para ele esta
tarde. — Voltou-se para Robson. — E o hospital?
​— Santa Edwiges — Robbie respondeu um
pouco atordoado.
​— Ótimo, é municipal, certo? Vou entrar em
contato, fazer uma doação de equipamentos para o
seu setor e conversar com sua supervisora.
​— Bruno...! — Assim como Robbie, eu estava
um pouco fora de mim. — Você não pode resolver
tudo dessa maneira.
​— O quê? Com dinheiro? — Ele abriu um
sensual e provocador sorriso de canto. — Tudo se
resolve com dinheiro, linda.
​Ergui uma sobrancelha.
​— Isso me ofende.
​Ele levou a mão ao meu queixo, apertando-o
carinhosamente.
​— Eu falei de coisas e situações. Não pessoas.
Não a mulher que eu amo.
​Robbie e Fernando suspiraram. De que lado
eles estavam, afinal?
​— Como eu dizia... vou providenciar uma
passagem para vocês. Têm lugar para ficar?
​Os dois se entreolharam, e Fernando se
manifestou.
​— Minha mãe mora em Ouro Preto. Ela nos
receberia lá de braços abertos.
​— Ótimo. Vou ligar para a companhia de
viagens que me atende sempre e tentar organizar
um vôo para hoje. Posso pedir que um dos meus
seguranças os acompanhe para que possam fazer
suas malas e... — Bruno olhou para mim,
percebendo que eu estava com uma expressão de
repreensão no rosto. — Não estou controlando
tudo, Mariana. É apenas uma solução urgente para
um problema urgente.
​— Bruno, você está controlando tudo, sim, mas
te agradeço por isso. Acho que estou atordoado
demais para tomar decisões e ter alguém firme
como você resolvendo essas coisas sem dúvidas é
reconfortante. Obrigado — Robson falou com um
sorriso.
​— Viu? Seu amigo sabe apreciar minha
facilidade de solucionar problemas.
​Revirando os olhos, suspirei, sabendo que
aquela era uma guerra perdida. Ainda assim, era
bom saber que meu amigo ficaria bem e seguro.
​— Mas e Mariana e Cecília? — Fernando
perguntou, preocupado.
​— Contanto que essa mulher teimosa fique
nesta casa até que as coisas se resolvam, garanto
que ficarão bem. A mansão é cercada por
seguranças, e se for preciso contrato mais alguns.
​— Deve ser bom ter dinheiro — Robbie
comentou, levando uma colherada do delicioso
almoço à boca.
​— É, muito. Mas é melhor quando se tem mais
do que apenas isso. — Enquanto falava, Bruno
voltou os olhos na minha direção, pegando minha
mão e beijando-a.
​O recado estava dado. Compreendi o que ele
queria dizer.
​Era bom tê-lo também.
CAPÍTULO VINTE E CINCO
Você me mostrou o paraíso quanto tudo o que
eu via era pecado

Encontrou um novo começo para um final


melhor

(Kamikaze – Night Argent)


​ recisei de pouco mais de um dia para resolver
P
todas as questões com os amigos de Mariana, mas
tudo deu certo no final das contas, e no dia
seguinte, à tarde, eles saíram da minha casa, de
forma discreta, no meu carro, com dois dos meus
seguranças, rumo ao aeroporto.
​Eu não podia permitir que mais ninguém se
machucasse por minha causa, mas, mais do que
isso, não queria aquela expressão apavorada no
rosto de Mariana. E não queria que ela se colocasse
em perigo por mais ninguém.
​Precisei passar algumas horinhas no escritório,
e Mariana também ficou trabalhando do jardim.
Nós jantamos juntos, e eu começava a me
acostumar com aquela rotina de tê-la comigo todos
os dias.
​Ela subiu com Cecília, um pouco antes de mim,
porque decidi que queria tomar um pouco de
uísque, para tentar aplacar o meu nervosismo.
Quando subi, percebi que a porta do banheiro
estava fechada e que havia luz lá dentro.
​— Mariana? Está tudo bem aí? — perguntei só
para garantir.
​— Sim. Terminando de me trocar.
​Trocar?
​Estranhei. E por acaso ela dormia vestida desde
que voltara a passar as noites na minha cama?
​Ainda assim, não disse nada, apenas comecei a
me despir também, tirando meu paletó e a gravata.
Apesar de trabalhar em casa, tive algumas
conferências, e precisava estar sempre apresentável
para manter minha imagem.
​Quando começava a desabotoar a camisa para
tirá-la, ouvi a porta da suíte sendo aberta e ergui
meus olhos, sentindo meu coração afundar no peito
e meu pau reagir dentro da calça.
​Caralho! Que porra de mulher linda eu tinha.
​Ela vestira uma delicada camisola branca, e
aquela merda era toda transparente. Toda. Eu podia
ver uma minúscula calcinha cobrindo sua
intimidade e mais nada. Os seios firmes estavam
praticamente nus, com exceção da renda
transparente, e os mamilos mais escuros pareciam
se destacar, chamando a minha atenção.
​Era a tentação pura. Meus dedos doeram de
urgência para tocá-la, meu ar faltou no peito.
​Precisava me controlar antes que diminuísse a
distância entre nós com apenas dois passos, a
pegasse e a jogasse na cama como um animal.
Naquela noite, ela tinha se vestido daquele jeito
para mim e precisava ser apreciada com a devida
atenção.
​— O que acha? — ela perguntou maliciosa, e
eu tentei sorrir, mas o tesão me deixava com um
humor sombrio, cheio de ideias sujas e brutas.
​— Eu acho que estou vendo o céu e o inferno
ao mesmo tempo. Você parece um anjo, mas sei
que pode ser um demônio quando quer, Mariana.
​Ela sorriu de canto, e eu terminei de tirar a
minha blusa, ficando só de calça.
​Comecei a andar na direção dela, devagar,
como um predador.
​— Por que se vestiu assim?
​— Porque quis te surpreender.
​Assim que me coloquei de frente para ela,
sentindo a dor da minha ereção quase explodir,
levei a mão ao seu rosto, desejando tocá-la de
alguma forma.
​— Você sempre me surpreende. E nem precisa
fazer nada para isso. — Ela engoliu em seco com o
meu toque. — O que quer de mim hoje? O que quer
que eu faça com você? Diga e será atendida.
​Com os olhos mais sensuais possíveis, Mariana
ergueu a cabeça, fitando-me. Tão pequena perto de
mim que precisou se esticar um pouco mais. Levou
ambas as mãos ao meu peito nu, tocando-me,
fazendo minha pele queimar.
​— Sou toda sua, Bruno. Quero que faça comigo
o que desejar — ela disse em um sussurro, e eu
arfei.
​Segurei-a pela nuca, puxando-a para mim e
assaltando seus lábios. Abri caminho com a língua,
sem perder tempo, sem perder uma única gota do
sabor de Mariana. Ela era minha, sim. E eu queria
tudo que ela pudesse me dar, porque estava pronto
para lhe dar tudo também.
​Demorei o máximo possível naquele beijo.
Apertei-a em meus braços como se nunca mais
fosse capaz de soltá-la. Mas me afastei. Porque
queria mais, e os suspiros que ela soltava contra a
minha boca me diziam a mesma coisa.
​Levei a mão por sua coxa, subindo-a até a tira
lateral de sua calcinha, tirando-a, deslizando-a por
aquelas pernas maravilhosas, deixando-a cair no
chão.
​Mariana estava prestes a tirar a camisola, mas
eu agarrei seu dois punhos contra as laterais do
corpo, impedindo-a.
​— Vai ficar com ela — falei em tom de
comando, e assim continuei: — Deite-se na cama.
Bem no meio.
​Pensei que iria desobedecer, mas acabou
deitando-se, linda, sensual, preparando-se para
mim.
​— Fique aí paradinha, me esperando.
​Fui até o meu closet, abrindo uma gaveta
específica e tirando algumas coisas de lá. Voltando
para o quarto, contemplei Mariana deitada sobre a
cama, com aquela roupa tentadora, com os seios
empinados completamente sensuais, clamando por
minha boca.
​— O que você vai fazer? — ela sussurrou,
remexendo-se quase como uma gatinha preguiçosa.
Meu pau latejou dentro da calça novamente.
​— O que eu quiser. Não foi isso que você me
prometeu?
​Ela assentiu, e eu me coloquei na lateral da
cama, agarrando uma de suas mãos. Minha cama
era enorme, King size, mas eu tinha tudo
preparado. Fechei a restrição de couro em seu
punho, alonguei a corrente, e fechei a outra parte na
coluna de ferro. Dei a volta na cama e fiz o mesmo
com seu outro punho. Os tornozelos receberam o
mesmo tratamento, e deixei Mariana sobre o
colchão, com os quatro membros muito esticados,
formando um X, indefesa, pronta para mim.
​Fiquei observando-a por um tempo, porque a
visão me fazia salivar. Todas as vezes que eu
dominava Mariana daquele jeito, prendendo-a, uma
expressão inocente aparecia em seu rosto, quase
como se eu realmente fosse um predador, e ela uma
donzela em perigo. Era erótico, principalmente
porque tudo era sempre consensual entre nós, mas
aquele rosto angelical me deixava ainda mais
excitado.
​Subi no colchão, colocando-me entre suas
pernas abertas, deslizando ambas as mãos por suas
pernas, pelas coxas, agarrando-as com vontade.
Cheguei bem próximo de seu clitóris, tocando-o de
leve, e Mariana tentou se remexer, mas eu sabia
que seria impossível. Ela estava à minha mercê.
​Com gana, penetrei-a com um dedo, fundo,
bem fundo, e ela gemeu alto. Foi apenas um teste,
mas ela estava tão molhada que precisei enfiar mais
um, para saciá-la.
​Estoquei. Uma, duas, três vezes... bem lento.
Entrando e saindo, aproveitando que meus dedos
deslizavam facilmente por sua boceta lubrificada,
mas chegava em seu ponto mais sensível, o que a
fazia choramingar de prazer. Intensifiquei os
movimentos. Cada vez mais rápido, cada vez mais
forte. Subi meu corpo, apoiando-o no colchão com
o cotovelo cuja mão não estava dentro dela,
desejando seus lábios, beijando-a, mordendo sua
boca, massageando sua língua com a minha.
​Beijei enquanto ela mal conseguia me
acompanhar. Beijei sentindo sua respiração falhar,
ofegante. Beijei enquanto ela gemia contra a minha
boca. Então eu parei, mantendo nossas bocas
coladas, mas forçando um pouco mais meus dedos
dentro de seu corpo.
​Desci um pouco mais, afastado o tecido
rendado de seu seio, com a boca, liberando um
lindo mamilo, que eu chupei ferozmente,
finalmente fazendo-a gritar. Continuamos com isso,
e eu senti que ela estava prestes a gozar.
​Então parei.
​— Bruno! — ela exclamou, ofegante, mas
indignada, e eu sorri. Indo novamente ao meu
closet, demorando o máximo de tempo para que ela
se acalmasse, peguei mais um objeto e o levei para
a cama.
​Já tínhamos usado uma vez, em um de nossos
joguinhos sexuais, e ela aprovara. Queria tentar de
novo.
​ Você disse que é minha esta noite não disse?

— Ela assentiu. — Então vamos brincar um pouco
mais.
​Abrindo o laço de sua camisola, deixei-a mais
frouxa, puxando o tecido de renda para os lados,
permitindo que seus seios ficassem livres. Com
isso, prendi seus mamilos com um par de
pregadores próprios para isso, macios, e Mariana
gritou.
​— Está machucando?
​— Não... Meu Deus... — Ela tinha mamilos
sensíveis, então, eu sabia que isso facilitaria muito
o meu trabalho, principalmente quando comecei a
chupar sua boceta com fome, com desespero.
​Os gritos dela ecoaram pelo quarto, e conforme
ela parecia mais e mais ensandecida de prazer, mais
eu me empenhava.
​Ela gritava meu nome, e era música para os
meus ouvidos. Intensifiquei tudo ainda
massageando seu clitóris, e seus gritos se tornaram
choramingos.
​Continuamos nessa suave tortura, e eu parava
sempre que sentia que ela iria gozar. Até que eu
mesmo não suportei mais e me despi por inteiro,
subindo na cama e rapidamente penetrando-a.
​ ui estocando devagarzinho, enquanto retirava
F
os pregadores de seus mamilos, que os tinham
deixado completamente duros e eriçados, ainda
mais sensíveis, e caí de boca em um, enquanto
girava o outro nos dedos. Tudo combinado com
estocadas violentas.
​Ela gozou rápido, mas eu queria mais.
​Então comecei a fodê-la com força. Mais força.
Mais força. Até que da minha boca também
começaram a escapar grunhidos indefinidos, e eu
soube que não poderia mais suportar.
​— Goza de novo para mim, amor. Mais uma
vez.
​Eu sabia que ela estava perto novamente, por
isso cheguei o mais fundo que poderia, estocando,
investindo, deslizando por dentro dela, sentindo-a
molhada e quente. A sensação era sublime.
​Não demoramos para gozarmos juntos,
enquanto eu sentia que nunca me saciaria daquela
mulher. Ela era meu vício, minha perdição. A
mulher da minha vida.
​Com todo o cuidado, eu a soltei, levei-a no colo
para o banheiro, nos limpei e a devolvi à cama,
deitando-me ao seu lado, apertando-a contra mim e
beijando sua cabeça. Mariana estava meio
sonolenta, lânguida, mas senti a necessidade de
dizer:
​— Como pude pensar que conseguiria viver
sem você? — falei baixinho, contra seu cabelo.
​— Você se acha invencível, Bruno — brincou.
​— Não sou. Você é meu ponto fraco. Eu faria
qualquer coisa para te manter sempre assim, segura,
nos meus braços.
​— E saciada — falou com uma risadinha.
​— Mesmo que eu nunca mais possa te tocar.
Mesmo que você não me queira mais. Prometo que
sempre vou cuidar de você. E da nossa filha.
​Mariana suspirou e se aninhou mais a mim.
​— Eu te amo, Bruno.
​Beijei sua cabeça novamente, absorvendo suas
palavras que me proporcionavam tanta paz.
​— Eu também, linda. Eu também.
CAPÍTULO VINTE E SEIS
Se você acha que fomos feitos um pro outro

Por favor, não deixe a história se repetir

Porque eu quero você

(It’s you – Ali Gatie)


​ Arrume uma mala pequena para você e para

Cecília”. Foi toda a orientação que Bruno me deu
naquela noite, informando que tinha planos para o
final de semana.
​Na sexta de manhã, ele também me avisou que
não iria trabalhar naquele dia e que iríamos viajar.
Novamente, sem mais detalhes.
​Ok. Eu conhecia o meu homem e sabia muito
bem que ele gostava daquele tipo de coisa. E que
normalmente eu gostava também.
​Partimos cedo, com Cecília ainda sonolenta na
cadeirinha, do banco de trás. Bruno fez questão de
dirigir, porque ele realmente gostava, mas fomos
seguidos por outro carro com dois seguranças. Era
um pouco incômodo, mas necessário. Sabia que ele
estava tomando precauções para proteger a mim e
nossa filha, e isso me comovia.
​Foram quase duas horas de viagem, até que
chegamos em uma cidadezinha pequena, de
interior, chamada Lumiar. Seguimos por estradas
de terra, cada vez mais para dentro do local, até
chegarmos em uma espécie de caminho isolado,
fechado por um portão que nos foi aberto por um
homem como um caseiro.
​Bruno e o carro de nossos seguranças entraram,
e eu me deparei com uma linda casa no estilo
fazenda, rodeada por verde, flores de várias
espécies, e podia ouvir o som de uma cachoeira
mais ao longe.
​Meus olhos, aparentemente, diziam tudo o que
eu estava sentindo, porque Bruno abriu um sorriso
satisfeito; um que ele sempre usava quando
acertava em cheio.
​Estacionou o carro na vaga indicada pelo
caseiro, e nós saltamos. Tirei Cecília da cadeirinha,
e ela já estava um pouco mais desperta, olhando
tudo com seus olhinhos atentos e a mãozinha na
boca.
​— O que é isso, Bruno? — perguntei, assim
que ele se aproximou, com nossa bagagem.
​— Nossa paisagem durante o final de semana.
— Ele pareou os passos aos meus, indicando a casa
com um aceno de cabeça. O caseiro, por sua vez,
acompanhava os dois seguranças à uma casa anexa.
— Aluguei até domingo, para que possamos
relaxar.
​Meu sorriso se ampliou.
​— É sério?
​— Claro que é. Temos tudo aqui dentro. Uma
cachoeira, rede, um lindo jardim... Sei que não é
uma grande viagem turística, mas pensei que te
tirar de casa pudesse ser uma boa ideia. Não quero
que se sinta uma prisioneira.
​Levei a mão ao braço dele, tocando-o com
carinho.
​— Obrigada.
​Ele assentiu, e nós seguimos.
​Fomos recebidos por uma senhora muito
simpática, que nos mostrou toda a casa. Ela era
enorme, com um aspecto rústico, mas com uma
decoração moderna. A cozinha era toda equipada, e
a mulher nos explicou que tínhamos comida para
toda a nossa estadia, já pronta, congelada e mais
fresca, que só precisávamos esquentar. Quando
abriu a geladeira, eu a vi cheia de frutas e tudo o
que eu mais gostava.
​Ela também nos explicou que a adega, no
porão, estava à nossa disposição, e que ela e o
marido – o caseiro – viviam na casa anexa, onde
nossos seguranças iriam se hospedar. Qualquer
coisa que precisássemos, poderíamos entrar em
contato com eles pelo interfone instalado na
cozinha.
​Era maravilhoso, principalmente porque Arthur
sabia muito bem que eu preferia algo mais bucólico
e simples do que uma mansão digna de Hollywood.
​Assim que nos vimos sozinhos, demos almoço
para Cecília e fizemos nossa programação.
Tiraríamos a sexta-feira para descansar e no dia
seguinte faríamos o passeio até a cachoeira,
levando a neném, para tomarmos um banho. Só
esperávamos que abrisse o sol, mas as previsões
eram boas.
​O dia foi extremamente preguiçoso, mas
recompensador. Decidimos fazer um piquenique no
jardim da casa, com direito a toalha quadriculada e
uma cesta que encontrei num armário. Preparamos
tudo, e a tarde linda nos ajudou.
​Comemos, conversamos, e mais a tardinha,
quando os últimos resquícios do sol pintavam o
céu, nós nos deitamos na rede, embrenhados. Eu
por cima de Bruno, entre suas pernas, com Cecília
deitada no meu peito.
​— Você pensa em ter mais filhos? — ele
perguntou subitamente. Como não esperava aquele
tipo de pergunta, cheguei a me sobressaltar.
​ — Como assim? Por que está perguntando
isso?
​Eu o senti se remexer debaixo de mim.
​— A concepção de ser pai mudou um pouco
para mim. Agora que é real. Não quero parar em
Cecília, sabe? Quero ter a chance de acompanhar
uma nova gravidez sua, de ver sua barriga
crescendo. Mas mais do que isso, quero outro filho.
​— Assim? Do nada?
​Ele riu.
​— Não. Não agora. Pretendo me casar com
você antes.
​— Ah, é? Não recebi um pedido ainda e você
não recebeu um sim.
​— Você vai receber o seu pedido, e eu vou
receber o meu sim.
​Imitei-o em sua risada.
​— Você é tão arrogante que já está dando como
certo que será aceito — zombei.
​— Não é arrogância, é confiança. Você me
ama, eu te amo, temos uma filha, por que você
hesitaria em se casar comigo. — Então ele se
inclinou um pouco, como se quisesse me olhar nos
olhos. — Você não hesitaria, não é? — certificou-
se, e eu ri um pouco mais.
​Eu amava o jeitão confiante e controlador de
Bruno, mas amava mais ainda quando ele deixava
aquela máscara cair e se mostrava mais humano,
com suas inseguranças, seus medos e suas
inquietudes. Girei um pouco o corpo para olhá-lo
nos olhos naquele momento, e eu os vi cheios de
indagações.
​— Quando você fizer a proposta, você saberá
— brinquei, mas ele deveria saber, não é?
​Se não soubesse, poderia sofrer um pouquinho
com a dúvida. Quem sabe isso não acelerasse o
processo?
​— Mas sobre filhos... eu quero mais também.
Além de mais um nosso, eu gostaria de adotar uma
criança um dia.
​— Hummm... é uma ideia que me agrada.
​— Eu fico pensando... sei que você tem
projetos sociais e que ajuda muita gente, mas com
dinheiro, não é? Sempre tive vontade de fazer
trabalho voluntário, colocando a mão na massa,
mas nunca soube o quê.
​— Tenho certeza de que você vai descobrir. O
que quiser fazer, tem o meu apoio.
​Era bom saber disso.
​Cecília ainda acordou naquela noite e brincou
animada, engatinhando por um lado e pelo outro,
de mim para o pai e vice e versa. Bruno parecia
extremamente orgulhoso de nossa garotinha, e meu
sorriso se alargava ao olhar para os dois.
​ ós a cansamos ao máximo e a levamos para o
N
bercinho que fora montado para nós, usando a babá
eletrônica para podermos voltar para a rede, onde
novamente nos deitamos, apenas eu e ele daquela
vez, na mesma posição de antes.
​O balanço da rede nos embalava, e eu estava
relaxada com homem que amava, quando uma mão
sorrateira se enfiou dentro do meu short. Com o
braço livre enlaçado em minha cintura, prendendo
os meus colados ao corpo, servindo como as
restrições que ele tanto gostava de usar, Bruno me
puxou mais para cima, dando permissão ao seu
dedo para me penetrar.
​Um gemido escapou da minha boca no primeiro
contato.
​— Não há nada no mundo que seja mais erótico
para mim do que ver a minha mulher se derretendo
nos meus braços, gemendo assim... — ele falou no
meu ouvido.
​Abri um sorriso provocador.
​— Eu não disse que você podia me tocar. —
Então me remexi em seus braços, mas ele me
apertou com mais ímpeto.
​Bruno era tão forte, principalmente em
comparação a mim, que eu fiquei completamente
imóvel enquanto ele me masturbava.
​— Se não ficar quietinha, vai ser castigada.
​— Como? — eu queria que ele falasse, pois sua
voz falando todas aquelas coisas sujas me deixava
ainda mais excitada.
​— Vai ser amarrada na cama e não vai gozar a
noite inteira. E eu vou te foder com os dedos e com
a boca, te chupar e te lamber inteira; vou te fazer
gritar e implorar, Mariana... E não vou te deixar se
libertar.
​Ah, pronto... lá estava. Se Bruno pretendia fazer
isso, estava um pouco atrasado, porque com mais
algumas investidas de seus dedos e aquelas coisas
sendo ditas no meu ouvido, eu gozei bem rápido,
enquanto a noite caía sobre nós, naquela rede que
balançava nossos corpos e os braços dele a me
apertar com força.
​— Que pena... não foi dessa vez — respondi
ofegante.
​— Ainda temos tempo. A vida inteira, na
verdade, para eu brincar com você.
​Sim, nós tínhamos. E o fato de estarmos juntos
novamente, pensando em um futuro, era o que me
enchia de esperança.
CAPÍTULO VINTE E SETE
Eu serei tudo o que você precisar

Só acredite no que estamos sentindo

Nunca me deixe, porque eu acredito

(Sweet Love – Anita Baker)


​ azia algum tempo que eu não tirava férias.
F
Desde que Mariana saiu da minha casa naquela
manhã, quando precisei terminar nosso
relacionamento, enfiei-me de cabeça no trabalho
como um louco, passando horas e horas do dia
imerso em papéis, propostas, números, planilhas e
em reuniões intermináveis. Por isso, passar alguns
dias longe da confusão da cidade e das minhas
obrigações era um presente. Nem peguei no celular.
Queria ser exclusivo da minha mulher e da minha
filha.
​Olhá-las daquela forma – seguras, risonhas e
lindas – era um privilégio. Eu poderia ter pensado
em levar Sandra para tomar conta de Cecília, para
eu poder ter alguns momentos livres com Mariana,
mas pensei que aquela coisinha pequena era parte
de nós e que precisava ficar com os pais. Já fora
privada do convívio comigo por muito tempo,
estava mais do que na hora de eu assumir meu
lugar de pai plenamente.
​O passeio até a cachoeira foi animado,
principalmente porque a trilha era curta e segura. O
som da água foi se aproximando a cada passo, e
Cecília ia se empolgando a cada coisa nova que via.
Era lindo de ver seus olhinhos azuis brilhando a
cada flor, cada borboleta que passava por nós.
Ouvir seus sons e suas risadinhas animadas
começavam a transformar meus dias em algo novo.
Ser pai era mágico, e eu não esperava que a
sensação fosse tão incrível.
​O lugar era realmente lindo. A queda d'água se
destacava diante dos nossos olhos, e o sol que
incidia nela criava reflexos coloridos encantadores.
Uma cena digna de um sonho. Era impressionante
que eu fosse um homem com tantos recursos, que
pudesse nos proporcionar luxo de todas as formas,
mas que nada fosse tão perfeito como o que a
natureza oferecia gratuitamente.
​Com Cecília no colo, observei Mariana tirar a
roupa e ficar só de biquini. Eu poderia já tê-la visto
nua mil vezes, mas as formas de seu corpo pequeno
e delicado sempre me deixavam praticamente
salivando. Havia um magnetismo entre nós, algo
que me induzia a querê-la, a desejá-la e a achar
qualquer outra mulher muito comum perto da
minha.
​Mas felizmente eu parecia ter o mesmo efeito
sobre ela, porque a forma lasciva com que me
olhou conforme eu também me despia, ficando
apenas de short, mostrava que nossa noite seria
bem animada – novamente, no caso, pois na
passada, depois de nossas brincadeiras na rede, eu a
peguei com força na cama, e eu poderia jurar que as
pessoas na casa anexa ouviram a forma como a
cama batera na parede de tão intenso que foi.
​Ainda bem que nossa garotinha tinha um sono
pesado e ainda não entendia muita coisa.
​Deixei Mariana entrar na água primeiro, com
cuidado para não escorregar nas pedras, e só então
entreguei a neném para ela, já de maiozinho. Fiquei
observando Cecília bater os pezinhos conforme a
mãe a descia até a água, rindo deliciada com as
gargalhadas. A água não estava tão gelada quanto
seria comum para uma cachoeira, estava deliciosa.
O sol, quente no céu, ajudava um pouco.
​Dei um mergulho e ajeitei o cabelo, também me
juntando a elas, pegando minha filha e começando
a ensiná-la a nadar.
​Eu poderia jurar que nunca fui tão feliz. Mesmo
quando namorava Mariana, por mais que o
relacionamento tivesse sido perfeito, que me
sentisse pleno ao lado dela, com Cecília as coisas
pareciam se encaixar. Como se nós três tivéssemos
sido feitos para formarmos aquela família. Aquela
unidade.
​ — No que está pensando, Sr. Fazolatto? —
Mariana perguntou com aquele seu jeitinho sempre
provocador.
​Eu segurava Cecília em um dos braços, então
usei o outro para puxá-la para mim, colando nossos
lábios.
​— Que eu sou um homem de muita sorte. —
Ela sorriu, perdendo o ar malicioso e sorrindo de
forma meiga. — Coloca a mão no meu coração —
pedi, e ela ergueu uma sobrancelha, embora tivesse
obedecido. — Está sentindo?
​— Sim. Está acelerado.
​— Exatamente. Não tem uma única parte dele
que não pertença a você e à nossa filha.
​— Bruno... — ela falou em um suspiro.
​Dei-lhe outro beijo, porque precisei. Senti a
necessidade de roubar aquele suspiro para mim.
​— Sei que já pedi desculpas, mas nunca será
suficiente. Eu quase estraguei tudo. Quase te perdi
para sempre. Quase perdi... — Voltei meus olhos
para Cecília, colando minha testa à dela, enquanto
suas mãozinhas seguravam o meu rosto, o que
sempre me fazia sorrir. — Nunca mais, Mari. A
não ser que você não me ame mais e queira seguir
sua vida de outra forma.
​ Você também pode deixar de me amar, não

pode?
​Balancei a cabeça com veemência; meus olhos
presos aos lábios dela, desejando beijá-la mais e
mais; desejando selar uma promessa eterna.
​— Não. Não posso. Porque você está gravada
em mim. Marcada em cada parte do meu coração,
da minha alma e do meu corpo. Eu não sou o
mesmo sem você e não gosto de quem me torno
quando estamos separados. Ontem falamos sobre
isso, e juro que não é um pedido oficial, mas
quando isso acabar, você vai se casar comigo,
Mariana Lourenço.
​Ela riu, mas havia muita ternura em sua
expressão.
​— De fato, não é um pedido. Soou mais como
uma ordem.
​— Se eu pudesse, eu te levaria para o altar
carregada, caso fosse preciso, mas prefiro que seja
algo consensual — brinquei. — Quero que seja
feliz comigo. Que seja a mulher mais realizada do
mundo. O que eu puder fazer para isso, farei.
​A mão que estava no meu peito ainda, subiu ao
meu rosto.
​— Já sou. Vocês dois me realizam todos os
dias.
​Então eu não suportei e a puxei para um beijo
mais profundo. Deixei que minha língua a
invadisse e reivindicasse a dela com avidez. Deixei
que nossos corpos se colassem, frios e molhados, e
eu sabia que não era preciso muito mais para que
perdêssemos a cabeça.
​Mas felizmente tínhamos um serzinho que nos
puxava de volta à realidade. Cecília puxou uma
mecha do meu cabelo, como se reivindicasse
também a minha atenção.
​Rindo, nós dois interrompemos o beijo.
​— Mais tarde continuamos — sussurrei para
Mariana.
​— Conto com isso — ela correspondeu, e nós
dois voltamos a brincar com Cecília, que parecia
querer nadar mais.
​Ergui minha bebezinha bem alto, fazendo-a
gargalhar, então a abaixei até a água, molhando
apenas suas perninhas gordas. Fiz isso várias vezes,
deixando-a deliciada.
​A manhã foi tão maravilhosa que levamos
Cecília de volta para casa apagada no meu colo. A
pobrezinha não acordou nem enquanto lhe dávamos
banho.
​ cordou só depois do almoço, e nós a
A
colocamos para perder mais e mais energia,
temendo que passasse a noite toda acordada, mas,
para a nossa surpresa, capotou novamente por volta
das dez.
​À noite, levando em consideração que
estávamos em um ponto alto da cidade, esfriava,
então eu aproveitei para acender a lareira, e eu e
Mariana nos enroscamos em frente a ela, sentados
no chão, com um cobertor sobre nós; ela entre
minhas pernas, aninhada. Enquanto nos
encontrávamos na segurança daquele local perdido
no meio do mundo, só nós e nossa filha, com ela
nos meus braços daquela forma, segura, eu nos
sentia invencíveis. Tinha total certeza de que nada
poderia nos atingir e que os obstáculos à nossa
frente eram pequenos diante do amor que sentíamos
um pelo outro.
​Só que um calafrio percorreu minha coluna, no
momento em que me lembrei que voltaríamos no
dia seguinte e que eu voltaria a sentir medo de
perdê-las. As duas. As únicas pessoas no mundo
por quem eu daria a minha vida para proteger.
​— Mari... — falei baixinho, chamando-a,
enquanto o fogo crepitava ao nosso lado.
​ — Hum? — ela respondeu preguiçosa, e eu
sentia que precisava falar logo antes que pegasse no
sono. Sorri pensando que, provavelmente, nossa
promessa de continuar o que começamos na
cachoeira não iria ser cumprida, mas tê-la daquela
forma, relaxada e a salvo, já era suficiente. O dia
fora maravilhoso em cada detalhe.
​Era uma pena que eu precisasse entrar em um
assunto tão sério.
​— Depois de amanhã, quando voltarmos para
casa, eu preciso que você entenda que tem que se
cuidar. O que falei mais cedo é mais do que sério.
Eu enlouqueceria se perdesse você ou Cecília. Seria
como a morte para mim.
​— Não vai perder, amor — ela respondeu,
ainda de olhos fechados, remexendo-se para
aconchegar-se mais.
​— Estou falando sério. Preciso que se
mantenha em casa ao máximo, onde estará segura.
Preciso que tenha consciência de que é um alvo.
​— Tenho que trabalhar, Bruno. Se eu precisar
sair...
​— Se for muito urgente, vai levar um segurança
ou dois. Ou quantos forem necessários. Não me
importa. Posso contratar quantos forem necessários.
​Ela riu delicadamente.
​— Eu prometo, querido. Quando precisar sair
vou levá-los. Não vou cometer nenhuma
imprudência.
​— Por nenhum motivo. Nem mesmo por uma
pessoa querida em perigo. Você tem que pensar em
Cecília. No que faríamos sem você.
​Mariana remexeu-se novamente, esticando o
pescoço para olhar para mim.
​— Eu vou ficar bem. Vou ser cuidadosa. Juro.
​Apertei-a nos meus braços com mais força,
beijando o topo de sua cabeça, sentindo o cheiro de
seus cabelos atingir todos os meus sentidos.
​Eu realmente não poderia perdê-la. Faria
qualquer coisa, estava disposto a tudo para fazer
nosso para sempre acontecer.
​Qualquer coisa.
CAPÍTULO VINTE E OITO
Dois mundos colidiram

E eles nunca poderiam nos separar

(Never tear us apart – Bishop Briggs)

​Era difícil acatar os pedidos de Bruno para ficar


em casa. Não apenas por causa do meu trabalho,
que muitas vezes exigia que eu comparecesse a
compromissos pessoalmente, mas eu já tinha
passado muitos meses da minha vida praticamente
presa em um apartamento pequeno, mal podendo
sair da cama, durante a gravidez. Queria levar
minha bebê para passear, conhecer o mundo, mas
éramos impedidas por algum filho da puta que
queria me fazer mal. E a ela também.
​Ainda assim, não banquei a teimosa. Bruno
disponibilizara seus seguranças para me
acompanhar, caso eu precisasse sair com urgência
e, em duas semanas, aconteceu duas vezes apenas,
mas cheguei em casa sã e salva, acompanhada de
dois brutamontes, voltando para o outro, que era
meu...
​Namorado?
​Ainda não tínhamos definido isso, mesmo
depois das lindas declarações que ele fez durante
nossa rápida viagem. O que era um pouco irritante.
​Algumas das alternativas que eu tinha, quando
Bruno saía, além de ficar com Cecília, que era meu
passatempo favorito, era falar com Robson por
videoconferência e com Vanessa por telefone.
Naquele dia em específico, eu a estava esperando
para um chá da tarde, e ela disse que chegaria com
uma surpresa.
​Fingi não saber o que era, mas a julgar por suas
postagens no Instagram, seu relacionamento com o
homem que a arrematou no leilão estava mais do
que sério. O nome dele era Marcos, e ela estava
empolgadíssima. Na minha opinião, ela iria levá-lo
para me apresentar.
​E foi exatamente o que aconteceu.
Pontualmente às quatro da tarde, hora em que
marquei com ela, Vanessa surgiu em um carro que
não era o seu, mas um belíssimo Aston Martin do
ano, que brilhava sob o sol enquanto estacionava na
garagem da mansão de Bruno, ao lado de um dos
dele.
​Com um sorriso de orelha a orelha, minha
amiga veio até mim, abraçando-me. Ela brilhava.
Radiante como o próprio sol daquele entardecer.
​O tal Marcos se aproximou também, parecendo
igualmente feliz. Um casal lindo, sem dúvidas.
​Fomos devidamente apresentados e trocamos
dois beijinhos cordiais. Eu já gostava dele só por
fazer minha amiga feliz.
​— E Bruno? Sei que ele anda fazendo home
office esses dias... — Vanessa perguntou.
​ Está no escritório, em conferência. Daqui a

pouco vem falar com vocês.
​Naquele momento, Sandra passou por nós, com
Cecília no colo, já trazendo-a, porque obviamente
eu iria querer exibir minha bonequinha para todos.
​Peguei-a, trazendo-a para mim e vendo-a sorrir
ao me ver. Como eu amava ter minha linda neném
nos meus braços. Como era bom ter seu corpinho
quente, com aquele cheirinho maravilhoso de bebê
contra mim, irradiando vida e saúde. E um risinho
banguela.
​— Como é possível que você pareça maior a
cada dia, princesinha? E mais linda — Vanessa
falou ao mesmo tempo em que Norma surgiu,
sendo abraçada pela minha amiga, que também
apresentou Marcos.
​Este, aparentemente, não gostava muito de
crianças, porque mal se aproximou, nem sequer
olhou minha filha com interesse. Para ser sincera...
ele estava olhando para mim. Fixamente.
​Fingi não dar atenção e continuei exibindo
minha bebê para Vanessa que só faltava babar nela.
​— Olha, querido. Não é linda a Cecília? —
perguntou, voltando-se ao namorado, que
continuava muito sério.
​ entindo-me incomodada, passei a vigiá-lo com
S
o canto do olho. Além de antipático, era
inconveniente, porque não parava de olhar para a
sala, de cabo a rabo, parando em cada obra de arte
ou peça valiosa que Bruno tinha.
​Parecia quase com inveja.
​Enquanto essa cena se desenrolava, um
estranho aperto no peito me deixou um pouco
tensa. Era um tipo de sensação que sempre me
alarmava, porque eu costumava acertar em meus
pressentimentos. Não era algo constante, mas, às
vezes, minha intuição não falhava.
​Voltei para minha amiga e para Norminha,
tentando me inserir na conversa, e até consegui por
alguns minutos, mas novamente chequei o
desconhecido que estava dentro da minha casa.
​Quando meus olhos pararam nele, senti outra
vez o coração acelerar.
​Ele estava olhando fixamente para mim. E o
que eu via em sua expressão não era nada bom.
​Tentei novamente relaxar, mas a sensação não
passou daquela vez, especialmente porque Marcos
realmente não parava de olhar para mim. E parecia
cada vez mais inquieto, como se tivesse pressa de
algo. Como se o fato de Vanessa estar conversando
tão animadamente e dando atenção a uma neném o
estivesse atrasando para algo.
​— Onde está Bruno mesmo? — ele perguntou,
repetindo o que Vanessa já havia questionado.
demonstrando real impaciência.
​Eu já não tinha explicado?
​— Numa conferência. Ele já vem. Mas posso
mandar chamá-lo, se quiser e...
​— Não! — ele respondeu em um tom alto
demais. Rápido demais.​— E foi então que eu não
duvidei mais de que havia algo de errado... —
Mariana, posso usar o banheiro? — Marcos
perguntou, de forma súbita, como se não tivesse
acabado de mencionar Bruno. A voz dele causou
arrepios estranhos pelo meu corpo. Da pior espécie.
​— Ah, claro. O lavabo fica na primeira porta à
direita por aquele corredor.
​Marcos sorriu, mas novamente me lançou
aquele olhar estranho.
​No momento em que se colocou de costas para
mim, eu vi um volume acima do cós de sua calça,
coberto pela jaqueta pesada que usava. O brilho de
um metal. Seria um revólver?
​Meu coração literalmente parou.
​Por que outro motivo, senão algo muito
sombrio, aquele cara estaria na casa de Bruno com
uma arma ao alcance de sua mão? E olhando tudo
com tanta inveja e raiva. Olhando para mim como
se me cobiçasse, mesmo estando com sua nova e
bela namorada bem ao lado.
​Eu não fazia ideia do que se tratava aquela
visita ou o fato de ele não parecer completamente
confiável; a primeira coisa que surgiu na minha
mente foi: preciso proteger a minha filha.
​— Norma — chamei, tentando parecer natural.
— Pode vir aqui um instante? Eu queria te pedir
uma coisinha especial para nossas visitas. —
Voltei-me a Vanessa com o sorriso mais fácil que
consegui, tirando Cecília de seus braços
subitamente. — Só um minutinho, amiga.
​Totalmente inconsciente do que estava
acontecendo, Norma me seguiu até um canto da
sala, com Cecília, e eu falei com ela aos sussurros,
embora meu sorriso falso não saísse do rosto.
​— Norminha, preciso de um favor. Peça à
Sandra que leve Cecília para um passeio.
​— Mas, menina, ela já...
​— Shhh — pedi que se calasse. — Só me
escuta e peça que faça isso. Que demore... Tem
dinheiro na minha bolsa. Dê tudo a ela e peça que
vá ao shopping, qualquer coisa.
​— Mari, minha filha, não estou entendendo. O
que houve? — Norma estava assustada, e eu odiava
isso.
​— Só faça o que estou pedindo, querida. É
importante.
​Percebendo meu nervosismo, ela assentiu. Dei
um beijo na minha filha, sentindo os braços que a
seguravam tremerem. Era doloroso entregá-la para
Norma, mas minha prioridade era ela.
​— Preciso que você primeiro cuide de Cecília e
depois vá a Bruno, interrompa sua reunião e diga
que é urgente. Peça que ele venha para cá.
​Os olhinhos se arregalaram ainda mais, mas a
voz de Vanessa me chamando me fez agir.
​— Mari!
​— Vá, Norma. Por favor — supliquei, e a
querida senhorinha apertou a neném contra seu
peito e assentiu, afastando-se.
​Novamente fingindo um sorriso, virei-me para
minha amiga que aguardava, ainda de pé, no meio
da sala.
​— Desculpa, Nessa. É que a Cecília tem uma
rotina, e eu estava pedindo para Norma e a babá me
substituírem hoje para eu ficar com você e Marcos.
​ onvidei-a a se sentar e tentei continuar me
C
passando pela ótima anfitriã. Qualquer um poderia
dizer que se tratava de uma paranoia da minha
cabeça, mas uma arma? Além disso... algo na
forma como aquele homem olhava para mim me
deixava incomodada. Não era apenas um tipo de
desejo, mas raiva. Como se quisesse me fazer mal.
E a forma como olhara para Cecília mexeu ainda
mais comigo.
​Tentei manter uma conversa normal com a
minha amiga, fingindo não reparar no quanto de
tempo o homem estava demorando para retornar.
Antes de dizer qualquer coisa a Vanessa, queria me
certificar de que Cecília estaria longe. Esperava que
Sandra e Norma agissem rápido.
​No momento em que a babá passou com o
carrinho de Cecília, minutos depois, senti meu
corpo inteiro tremer, com medo de que ela não
conseguisse sair por algum motivo, mas ela acenou
para mim, e eu tentei fingir normalidade até ela
cruzar o portão.
​— Poxa, Mari... eu mal segurei a bonequinha
— Vanessa comentou, fazendo biquinho.
​— Quando ela voltar... — respondi, mas
torcendo que Sandra fizesse o que pedi e não
voltasse tão cedo. Mas naquele momento, outra
situação era mais importante; era hora de falar a
verdade para a minha amiga. — Vanessa, posso te
fazer uma pergunta?
​— Claro, querida.
​— Marcos estava na sua festa de aniversário?
Quando eu me reencontrei com Bruno?
​Ela franziu o cenho, confusa.
​— Por acaso estava. Ele foi acompanhado de
Carlos, que quis nos apresentar. Nós nos
conhecemos naquela noite, mas não tivemos muito
tempo para conversar. — Ela sorriu amplamente.
— Então ele me arrematou no leilão para isso. Foi
romântico, não foi?
​Sentindo-me meio aérea, apenas balancei a
cabeça.
​Tudo bem... ele tinha nos visto na festa. Era
amigo de Carlos. No evento beneficente, poderia
muito bem ter enviado seu capanga para me
sequestrar.
​As coisas se encaixavam.
​Eu precisava avisar Vanessa de alguma forma.
Alertá-la do perigo. Mesmo que Marcos não fosse o
homem que estávamos investigando, um cara do
bem não andaria com um revólver assim, do nada,
sem ser um policial. Havia algo de muito estranho
nele, e eu não estava disposta a pagar para ver.
​— Nessa... — Peguei as duas mãos dela nas
minhas, muito séria, falando em um sussurro: —
Amiga... eu preciso que você tome muito cuidado.
Talvez Marcos não seja tão legal quanto está
querendo demonstrar e...
​Vanessa arrancou suas mãos de mim.
​— Mas o que é isso, Mariana? Você é que não
o conhece! Pelo amor de Deus... essa sua alma
desconfiada ainda vai te trazer problemas. Vai
acabar perdendo Bruno de novo se...
​Naquele momento ouvi uma porta batendo e me
dei conta que deveria ser a do lavabo.
​Ele estava de volta.
​Diferente. Nada do cara arrumadinho de antes.
Claro que continuava com sua postura altiva, a
mesma roupa elegante, mas havia algo em seus
olhos que me dizia que ele tinha se drogado dentro
do banheiro, por isso passara tento tempo lá. Os
cabelos também estavam um pouco mais
desalinhados, como se tivesse deslizado os dedos
por eles várias vezes.
​Respirei fundo, observando-o e percebendo que
sustentava uma postura completamente diferente de
antes. Um sorriso levemente malicioso, a mão no
exato local onde vi a arma.
​— Você é uma mulher esperta, Mariana.
Observadora. Ouvi do banheiro quando tirou a
neném daqui, e eu já sabia que tinha reparado em
algo diferente. Tenho que te dar esse crédito.
​Então ele sacou a arma e a apontou para
Vanessa.
​— Por que não vem até aqui... amor? — ele
usou de desdém, mas Vanessa não acatou seu
pedido. Ele sacudiu a arma. — Eu não estou com
medo de atirar, querida. E vai ser em você, porque
a pequena ali é valiosa demais para morrer assim.
​Olhando para mim, completamente assustada,
Vanessa obedeceu. No momento em que se colocou
de frente para Marcos, ele a atingiu com uma
coronhada muito forte, fazendo-a desmaiar.
​Pegando-a sem o menor cuidado e jogando-a no
ombro, ele fez um sinal para que eu me levantasse,
colocando a arma na cintura da minha amiga.
​— Agora venha você, linda. Vamos começar a
brincadeira. Se gritar pelo namoradinho, vão
morrer as duas.
​Não pude desacatar a ordem, porque eu sabia
que ele não teria nenhum apreço em manter
Vanessa viva. E ela era minha amiga. Tão especial
quanto Robson.
​Levantei-me, e ele seguiu de novo ao lavabo,
pedindo que eu esperasse na porta. Jogou minha
amiga no chão, deixando-a caída lá, sem nem
verificar se estava seriamente ferida. Pela
intensidade da pancada, ela poderia ter sofrido uma
concussão.
​— Pegue a chave e tranque a porta por fora —
ordenou.
​— Por favor. Não podemos deixá-la assim.
Posso pedir a um segurança que...
​— O que você pensa que eu sou, Mariana? —
ele alterou o tom de voz, mas não o suficiente para
que Bruno me ouvisse, de onde estava.
​Aliás, onde diabos ele estava? Norma não tinha
ido chamá-lo?
​— Eu só...
​— Faça o que eu mandei!
​Novamente precisei acatar, mas enquanto
enfiava a chave na fechadura, sentindo minha mão
tremer, precisei dizer:
​— Eu não vou gritar por Bruno, mas ele vai
aparecer daqui a pouco, não vai demorar. Você
não...
​ ssim que terminei de trancar a porta, meu
A
braço foi agarrado, e eu fui puxada de encontro ao
seu peito. Ele me segurou ali, com a frente do
corpo colada às minhas costas, um braço
firmemente apertado ao redor dos meus ombros.
​De uma forma assustadora, ele cheirou meus
cabelos.
​— Preciso aprender a não mandar ninguém vir
fazer o meu trabalho... Vamos resolver o problema
hoje. E eu quero Bruno aqui. Preciso dele para
colocar em prática o que planejei. Só preciso fazer
algumas coisinhas antes.
​E essas coisinhas, obviamente, envolviam a
mim.
​O que iria acontecer... era um mistério.
CAPÍTULO VINTE E NOVE
Eu não perderei de vista o que eu quero

E fui mais longe do que achei que eu poderia

Mas eu senti sua falta mais do que eu pensei


que sentiria

(I found – Amber Run)


​ u ouvia as batidas na porta, mas a reunião era
E
importante demais para ser interrompida. Estava
falando com o dono de uma empresa americana
enorme que queria abrir filiais no Brasil e pensava
em me contratar como consultor. Não seria apenas
um contrato milionário – porque a esses eu já
estava acostumado –, mas uma opção de sociedade
com uma marca conhecida mundialmente.
​Cheguei a colocar um fone no ouvido, porque
não podia ser interrompido. Só que quando tudo
parou, quando a pessoa deixou de insistir, me vi
preocupado. O que poderia ser tão urgente? Tanto
Mariana quanto Norma sabiam que eu estaria
ocupado durante a tarde. Seria por causa da visita
de Vanessa?
​Decidi relaxar e continuar meu trabalho quando
vi a porta se abrindo e uma Norma desesperada
entrando com a chave mestra na mão.
​— John, can we please stop the conference for
some minutes? I’ll be back as soon as I can — pedi
que parássemos a conferência por alguns minutos,
avisando que retornaria assim que pudesse. Por
mais que ele tivesse sorrido e assentido, eu não
gostava da ideia, mas pela expressão apavorada da
minha funcionária, havia algo de muito errado.
​ ncerrei a chamada, tirei os fones e fechei meu
E
notebook.
​— Norma, pelo amor de Deus, o que
aconteceu?
​— A menina, filho. Ela pediu que eu tirasse
Cecília de casa e viesse te chamar. Eu não sei o que
aconteceu, mas estava assustada. Acabei de ir na
sala, e ela não está mais lá. Nem D. Vanessa, nem o
namorado dela.
​Levantei-me de um rompante, já entrando em
pânico e amaldiçoando a mim mesmo mentalmente
por não ter atendido Norma prontamente. O que
diabos poderia ter acontecido com Mariana naquele
meio tempo?
​Tentei puxar pela memória qualquer coisa que
pudesse explicar o que simplesmente não fazia
sentido. Por que Mariana ficaria tão nervosa com a
presença de Vanessa? Elas eram amigas.
​Norma mencionara o namorado dela, não
mencionara? Pelo que Mariana me dissera, era o
cara que a arrematara no leilão, não era?
​Deus, eu estava tão nervoso, que mal sabia o
que fazer.
​Mas não importava quem era ou o que queria.
O que importava era proteger Mariana.
​ cionei o software em meu computador que
A
mostrava as imagens das câmeras da casa. Busquei
por toda parte, temendo que não fosse apenas uma
paranoia dela, mas ao mesmo tempo desejando que
fosse o caso. Só que eu a conhecia muito bem e
sabia que não tendia a ter rompantes como aquele.
​Mas lá estava ela. No jardim, sendo arrastada
por aquele filho da puta que era o tal namorado de
Vanessa – que, aliás, não estava em lugar algum.
​Não podia mais ficar só observando, precisava
agir.
​Saí de onde estava e parti para o cofre dentro do
escritório. Abri-o com mãos trêmulas e tirei de lá
uma arma. Eu mantinha uma no meu porta-luvas e
outra ali. Tirei-a do estojo, abrindo o tambor e
tirando seis balas do estojinho menor, encaixando-
as, girando e fechando. Eu era um bom atirador,
treinado, com porte de armas. Não cometeria
nenhuma loucura.
​— Menino... por favor! O que vai fazer?
​Sem responder, deixei algo anotado sobre a
mesa, em um papel qualquer e aproximei-me de
Norma, colocando a mão em seu ombro, beijando
sua cabeça.
​— Norminha, preciso de você nesse momento.
Mariana pode realmente estar em perigo, então,
quero que ligue para o celular do chefe da
segurança da mansão. Deixei o telefone dele sobre
a mesa... mas quero que peça discrição. Não quero
ninguém chegando afobado, quero que pensem, que
o cerquem. Vou distraí-lo enquanto isso, ganhar
tempo para que possam agir. Ligue também para
Tavares. Eu já te passei o telefone dele uma vez,
você ainda tem? — Ela assentiu. Fiz uma pausa,
sabendo que iria chocá-la. — Acabei de ver nas
câmeras que tem um homem armado na casa, e ele
está mantendo Mariana como refém.
​— Ah, meu Deus! — Ela levou ambas as mãos
à boca, olhinhos arregalados.
​— Você disse que Cecília está fora de casa, não
é?
​— Sim, a menina pressentiu. Ela é muito
esperta. Mandou Sandra passear com a neném e
não voltar até receber segunda ordem.
​Porra, Mariana era corajosa, esperta, e eu
morria de orgulho dela por ter pensado tão rápido
para proteger nossa filha. Mas ela estava em perigo,
e eu precisava salvá-la.
​— Você pode fazer o que eu pedi, querida? —
perguntei a Norma com muita paciência, sabendo o
quanto ela deveria estar apavorada.
​— Sim! Claro... Por favor, proteja a minha
menina — choramingou.
​— É o objetivo da minha vida, Norma. Mantê-
la segura.
​Sem dizer mais nada, saí do escritório,
segurando a arma discretamente.
​Durante o caminho, tirei meu paletó e a gravata,
jogando-os no sofá da sala, porque não queria nada
limitando os meus movimentos.
​Assim que cheguei ao jardim, deparei-me com
a cena um pouco pior do que vi nos monitores do
meu computador. O tal Marcos – de quem eu só me
lembrava do nome porque Mariana o mencionara
como sendo namorado de Vanessa – estava com
uma arma apontada para ela, sentado em uma
espreguiçadeira da minha piscina. Minha mulher
estava sentada em seu colo, com a cabeça tombada
em seu ombro, punhos algemados atrás das costas,
tornozelos também presos, amordaçada. Havia
alguma coisa presa às suas pernas, mas não
conseguia ver direito o que era. Ela servia de
escudo para ele e parecia desacordada.
​Tentei pensar em uma abordagem mais
pensada, algo mais estratégico, mas ele deve ter me
ouvido.
​— Apareça, Bruno, ou eu vou começar a furar a
sua princesinha aqui — gritou a plenos pulmões.
​Era fácil ver que ele estava completamente fora
de controle. A casa possuía seguranças, será que
não ficava nem um pouco amedrontado pensando
que aquele seu plano era péssimo?
​Só que quando eu me aproximei, eu entendi.
Pelos olhos vermelhos e injetados, havia uma
grande chance dele estar drogado.
​— O que fez com ela? — perguntei, com a
arma também apontada para ele. O filho da puta
fazia carinho em seus cabelos.
​— É linda, né? Dormindo assim, então, parece
uma princesa de contos de fadas. Mas acordada,
furiosa, com os olhos em chamas... — Ele respirou
fundo. — É de matar qualquer um de tesão. Você é
um homem de sorte, Bruno. Mas talvez isso mude
hoje.
​Respirei fundo, tentando controlar o meu
nervosismo.
​— O. Que. Fez. Com. Ela? — repeti, um pouco
mais raivoso, falando por entre dentes.
​— Só está dormindo. Um sedativo de nada.
Mas não é melhor assim? Que ela não veja nada do
que vai acontecer? — Ele continuava acariciando
seus cabelos, afastando-os de seu rosto.
​— O que você quer?
​Ele sorriu. Um sorriso de merda que me dava
calafrios.
​— Primeiro que abaixe essa arma e a jogue
longe.
​— Solte-a, e eu posso pensar nisso.
​— Então vamos ficar assim mesmo... — O filho
da puta começou a passar o cano da arma pelo rosto
de Mariana. Afrouxando um pouco o braço que a
apoiava pelas costas, ela praticamente despencou,
apagada, mas ele teve liberdade para deslizar o
revólver por seu colo, seus seios e barriga. Quando
estava prestes a descer um pouco mais, ele
novamente a içou, deixando-a aninhada em seu
peito.
​Porra, eu odiava vê-lo colocando as mãos nela,
segurando-a daquele jeito, com ela no colo,
ameaçando-a. Eu queria matá-lo, mas por mais bom
atirador que eu fosse, era impossível não temer
acertá-la, pela posição em que estavam.
​— Vamos conversar, Bruno. O quanto você
está disposto a sacrificar para deixar sua bela
Mariana intacta? — Eu não iria responder. Não iria
ceder. Ele teria que falar. — Eu avisei tanto que ela
seria seu ponto fraco, não avisei? Que se não a
deixasse, eu iria feri-la. Há um ano e meio, eu fui
legal. Se tivesse ficado longe dela...
​— Por quê? — perguntei novamente como um
rosnado.
​— Porque você não pode ser feliz! — ele
gritou. — Eu sabia que perdê-la iria te destruir. Mal
sabia eu que a dor seria ainda mais profunda,
porque tinha um bebê na jogada. — Com uma
pausa, ele continuou: — Não pode ter sucesso, ter a
mulher perfeita e ainda ter uma filhinha linda.
Porra, você destruiu a minha vida. Então eu quero
tirar tudo que você tem.
​— Eu destruí a sua vida?
​Uma risada maliciosa, e eu estava me sentindo
cada vez mais irritado, cada vez mais puto. Como
aquele cara achava que podia brincar de Deus? Era
ridículo.
​— Vamos começar com o menos importante.
Lembra da Denise? Aquela vadia que você fodeu
antes de ficar todo apaixonadinho? Ela era minha.
Saímos algumas vezes, e eu estava muito
interessado nela. Só que você não se contentou em
trepar com uma garota que estava comigo, mas
também apresentá-la a outro, com quem ela se
casou.
​Lembrei-me do casal que encontrei na festa
onde Mariana foi leiloada. Era deles que o idiota ali
estava falando.
​— Como eu disse, isso é o de menos. O pior de
tudo foi o meu pai. Eu sou filho de Gilberto
Munhoz, lembra dele? Fruto de outro
relacionamento, por isso não usamos o mesmo
sobrenome.
​Precisei puxar um pouco pela memória, mas o
nome não me era estranho. CEO de alguma
empresa... mas eu não lembrava qual.
​Marcos não tardou a explicar.
​— Um empresário honesto e promissor que
você descartou como lixo. Não permitiu sequer que
ele explicasse suas ideias. A empresa afundou por
sua culpa.
​Continuei puxando pela memória. O nome, a
situação, a empresa.
​Então eu me lembrei. Não de detalhes, porque
eram muitas pessoas que me procuravam com
ideias milagrosas e mirabolantes. Poucas eram as
que eu aproveitava. Meu tempo valia dinheiro, e eu
não estava acostumado a perder.
​ Minha? — perguntei, assim que a memória

do tal Gilberto Munhoz retornou à minha mente.
Não por completo, mas o máximo que eu
conseguiria acessar. — Se eu não aceitei trabalhar
com o seu pai foi porque, certamente, não era tão
promissor quanto você afirma — falei sem pensar e
foi Mariana que pagou o preço. Ele agarrou o
cabelo dela com força, puxando sua cabeça para
trás e encostando o cano da arma em sua garganta.
​— Fale direito comigo.
​Estremeci ao pensar que alterado como estava,
com os olhos cada vez mais injetados, ele poderia,
de fato, não apenas atirar nela de propósito, mas
cometer um deslize e puxar o gatilho.
​— Deixa a minha mulher em paz. Ela não tem
nada a ver com isso — falei, novamente ardendo de
ódio. — Diga logo o que quer e vá embora.
​— Meu pai se suicidou por sua causa, Bruno
Fazolatto. Eu prosperei sozinho. Peguei a empresa
dele e a fiz crescer. Sou mais competente que você.
​— Ótimo. O que quer? Meus parabéns? Uma
salva de palmas?
​— Não. Eu quero o que você tem. Quero que
você assine uma papelada que eu trouxe,
transmitindo as ações da sua empresa para mim,
como se as tivesse vendido.
​O quê? Aquele cara estava louco.
Completamente.
​— Ou é isso ou Mariana é minha. Vou levá-la
comigo. E olha como sou legal; vou te deixar com a
neném. Não tenho muito interesse em ter uma
remelentinha impedindo o que posso fazer com
essa delícia aqui.
​Ele lambeu os lábios, olhando para ela, como se
Mariana fosse um banquete do qual ele iria se
deliciar.
​Eu queria matá-lo. Queria parti-lo em pedaços.
​— Vá se foder! Você não vai ficar nem com
meu dinheiro e nem com Mariana. Eu trabalhei
duro para conquistar o que tenho hoje, e ela... —
Olhei para Mariana, chegando a suspirar. — Ela me
ama. O que te faz pensar que pode levar uma
mulher contra a vontade dela e ela será sua?
​— Eu posso conquistar uma mulher, Fazolatto.
Sou um cara atraente também. A amiga dela ficou
caidinha. Estou enriquecendo cada dia mais, posso
presenteá-la, mimá-la, e ela vai se apaixonar por
mim.
​— E enquanto isso? Vai mantê-la presa? — Eu
precisava ganhar tempo. Deixá-lo falar até que os
seguranças se manifestassem.
​— Isso não é da sua conta. Escolha.
​Marcos remexeu Mariana em seu colo, e ela
continuava lânguida, indefesa. Eu só queria tirá-la
dali em segurança.
​Felizmente eu enxerguei uma movimentação.
Havia três seguranças constantemente guardando a
mansão, no portão, que ficava um pouco longe de
onde estávamos, nos fundos. Se eu não tivesse
conseguido pedir que Norma nos ajudasse, e se
Marcos não estivesse tão alterado, obviamente
drogado, as coisas seriam mais difíceis.
​Naquele estado, era fácil ver que estava agindo
com imprudência. Era fácil entender que o
desespero era o que o movia. Um desespero não
apenas por alguns dos seus planos anteriores –
sequestrar Mariana na festa de Vanessa, depois no
evento de caridade, usar Robson para atingi-la –
não terem funcionado – o que explicava aquelas
medidas desesperadas –, mas também por toda a
droga que, aparentemente, tinha consumido.
​Meus seguranças foram até rápidos, levando em
consideração a surpresa da operação. Foi questão
de dez minutos no máximo. Só que estavam agindo
como pedi, com cautela. Como eram treinados para
fazer.
​Surgiram armados, em alerta, cercando o
homem que mantinha minha Mariana como refém.
Contando comigo, éramos quatro pessoas.
​— Sr. Fazolatto, já chamamos reforços — o
chefe deles anunciou, sem nem olhar para mim,
mantendo sua atenção toda em Marcos.
​Olhando para este, vi seu sorriso tornar-se
completamente murcho, como se estivesse dando o
jogo por perdido.
​— Você pediu isso.
​Sem me dar tempo para pensar, o cara
simplesmente levantou-se, com Mariana no colo.
​Tanto eu quanto os seguranças nos colocamos
ainda mais em alerta. Um deles gritou:
​— Solte a moça!
​— Eu vou soltar... com prazer.
Marcos a levou até a piscina, jogando-a lá
dentro. Desacordada. Amarrada.
​Ela iria se afogar.
​— Filho da puta! — gritei, desesperado, mas
ele já estava esperando que fôssemos agir.
​Exatamente como eu pensava, ele sabia que
aquela seria uma jogada perigosa. No momento em
que entrou na minha casa estava tentando sua
última cartada. Ao se ver cercado, tudo o que pôde
fazer foi abrir os braços.
​Então, eu atirei. Não tinha mais nada a perder.
​Estava cego de raiva e o fiz em seu joelho, pois
sabia que seria doloroso e o incapacitaria. Voei em
cima dele, jogando a arma no chão ao mesmo
tempo. Não tinha tempo para fazer tudo o que
queria, mas pisei no punho que ainda segurava o
revólver, e ele o soltou. Peguei-o e joguei longe,
vendo os seguranças aproximando-se com menos
cautela, já que a situação estava quase sob controle.
​— Senhor... — um deles falou, mas eu não ouvi
mais nada, apenas tirei os sapatos e mergulhei de
cabeça na piscina, atrás de Mariana. Ela estava no
fundo, porque havia um peso preso a seus pés
algemados. Exatamente o objeto que não entendi o
que era quando a vi pela primeira vez, nos braços
daquele louco. Ele já planejava jogá-la ali.
​Minha piscina era funda, mas apressei-me até
ela, pegando-a e puxando-a para a superfície.
​Ajeitando-a nos braços, usando a escada mais
larga para carregá-la, tirei-a de lá de dentro. Com
pressa, levei-a ao sofá de vime do jardim próximo,
querendo deixá-la longe da poça de sangue e do
homem que xingava, sendo contido pelos meus
seguranças.
​— Deixem-no aí. Quero cuidar dele — falei,
logo depois de deitar Mariana com cuidado.
​Eu mal sabia o que fazer. Tirei sua mordaça e
tentei RCP e boca a boca, mas nem sabia se
precisava chegar a esses extremos. Ela fora dopada,
não saberia dizer se estava desacordada por causa
do sedativo ou se tinha despertado quando atingiu a
água e desmaiado de novo por quase ter sido
afogada.
​Mas eu a senti tossir, então a virei, fazendo-a
cuspir a água para o lado, afastando seus cabelos
molhados do rosto.
​Ainda parecendo zonza e débil, ela olhou para
mim e sussurrou meu nome. Peguei-a com cuidado,
colocando-a no meu colo, sentando-me.
​— Achem as chaves das algemas — gritei para
os seguranças, porque Mariana ainda estava presa.
​Não sei quantos minutos se passaram, apenas
fiquei segurando-a contra mim, até que um dos
homens surgiu, ajudando-me a soltá-la.
​Puxei-a para mim e a beijei, apavorado por tê-la
quase perdido, sussurrando que a amava.
​— Estou bem, Bruno... estou bem — ela
sussurrou, cansada.
​ orma veio correndo, apavorada, e eu pedi que
N
cuidasse de Mariana por alguns instantes, porque
eu tinha algo a fazer.
​Levantei-me, sentindo o sangue ferver nas
veias, indo em direção ao sujeito que jazia
sangrando no chão da minha casa.
​Agachei-me, pegando-o pela gola e puxando-o,
içando seu corpo mole do chão. A cara de dor em
seu rosto deveria ser suficiente, mas eu queria mais.
​— Agora é entre mim e você.
​E com a raiva que eu sentia, sabia que seria
capaz de destruí-lo. Sem remorso.
CAPÍTULO TRINTA
MARIANA

E se eu for embora,
Por favor siga-me.
(If I walk away – Josh Groban)

​ u ainda me sentia zonza. Minha vista estava


E
embaçada, e eu sabia que poderia perder a
consciência a qualquer minuto. Ouvia grunhidos e
sons apavorantes, mas Norma me segurava em seus
braços como uma mãe faria, embalando-me e
dizendo que ficaria tudo bem. Sua voz estava
chorosa, mas eu mal conseguia dar conta. Só queria
me perder na escuridão, mas também queria ver
Bruno, saber que estava bem.
​— Bruno — meu sussurro saiu dolorido, quase
como um gemido.
​— Ele está bem, querida. Está bem.
​Então um grito ecoou, e eu me sobressaltei,
ainda mais apavorada, mas entorpecida demais para
fazer qualquer coisa.
​ runo surgiu na minha linha de visão. Seu rosto
B
endurecido por uma máscara de ódio. Havia
manchas vermelhas em sua camisa branca.
​Norma me apertou mais contra si.
​— Norma, me deixe pegar Mariana — ele falou
em voz de comando, mas mesmo com ela me
segurando com força, ainda conseguia vê-lo de
canto de olho.
​— Nem pensar que você vai pegar a menina
com essa camisa toda cheia de sangue. Deus me
livre!
​Eu teria sorrido se não estivesse me sentindo
cada vez mais fraca.
​Ainda de soslaio, vi Bruno literalmente arrancar
a camisa como um ogro, arrebentando os botões,
parecendo imensamente contrariado.
​Sem dizer nada ele praticamente me arrancou
dos braços de Norma, pegando-me em seu colo e
começando a me levar para dentro da casa.
​Eu queria lhe dizer mais coisas, perguntar o que
tinha acontecido, de quem era aquele sangue, avisar
que Vanessa estava presa no banheiro, mas tudo o
que consegui dizer foi:
​— Estou tão cansada...
​Senti um beijo em minha testa, já de olhos
fechados.
​— Durma, querida. Está comigo agora.
Ninguém mais vai te fazer mal.
​E foi o que eu fiz.

​ cordei sem nem saber por quanto tempo


A
dormi, mas mãozinhas ávidas agarravam minha
pele e batiam em mim sem força, apenas me
acordando. Abri os olhos para ver a neném mais
linda do mundo literalmente engatinhando sobre o
meu peito.
​Ainda um pouco grogue, senti o pesinho
delicado dela sendo tirado de cima de mim e a voz
máscula de Bruno soando deliciosamente doce:
​— Princesa, assim você vai machucar a mamãe.
​— Não! — falei com esforço. — Deixe-a.
​Então eu senti Cecília sendo novamente
posicionada sobre mim, e eu a abracei com todas as
minhas forças, chorando. Deus... eu poderia tê-la
perdido. Se aquele homem tivesse colocado as
mãos nela antes de eu pensar em tirá-la de casa...
​Senti braços fortes envolvendo nós duas e nos
puxando para si. Como eu me sentia segura
naqueles braços. Não importava o que pudesse
acontecer, o que quer que pudesse nos separar,
ninguém preencheria meu coração como Bruno,
ninguém me proporcionaria aquela sensação de
proteção e amor.
​Ele provava que me amava em cada toque,
gesto, nos olhares...
​Era visível seu sentimento pela forma como me
olhou no momento em que se afastou. Na forma
como tocou meus lábios com os dele com gentileza.
​Mantendo Cecília contra o meu peito, senti uma
necessidade absurda de saber o que tinha
acontecido. Mas uma coisa me preocupava mais.
​— Vanessa... ela?
​— Está bem. Nós a encontramos no banheiro, e
Norma está com ela no hospital. Foi uma pancada
forte, mas já recebi notícias de que os exames estão
ok.
​Suspirei aliviada.
​— Ela vai ficar arrasada quando souber...
​— Um pouco mais do que pensamos. Marcos
estava agindo com Carlos. Tavares não veio nos
ajudar, porque ele o encontrou e o levou para a
delegacia imediatamente. Pelo que nosso detetive
apurou, ele não estava viajando porra nenhuma,
mas escondido.
​— E como ele descobriu?
​— O idiota usou o cartão de crédito. Tavares
estava de olho em tudo, deixou informantes
acionado, e o cara foi pego. Babaca idiota. Nunca
me enganou.
​— Então Carlos foi preso? — Arregalei os
olhos, não surpresa, mas assustada que tantas coisas
tivessem acontecido enquanto eu estava
desacordada.
​— Sim. Ele participou da tentativa de sequestro
depois da festa de Vanessa.
​— Faz todo sentido. Ainda mais ele ter
aparecido no estacionamento exatamente naquela
hora.
​Vi Bruno fechar a mão em punho, irado. Eu me
lembrei de horas atrás, ele coberto do sangue de
Marcos, seu rosto inexpressivo e cheio de raiva.
​— Carlos estava crente que iria levar você, no
final das contas... que iria ser seu herói naquela
noite. Foi o que Marcos o fez acreditar, mas este
tinha outros planos. — Bruno fez uma pausa para
respirar. — Depois daquela noite, pelo que Tavares
apurou, a relação deles ficou estremecida, e Carlos
recuou. Ainda assim não minimiza as coisas.
​— Mas afinal... qual era o motivo de Marcos?
— Aquele filho da puta tinha um problema
comigo. O pai dele se suicidou porque não investi
em sua empresa. O quão doentio isso é?
​Não saberia responder àquela pergunta, porque
não havia o que dizer. A mente humana era um
mistério.
​— O que aconteceu com ele? — perguntei
enquanto Cecília se remexia nos meus braços.
Coloquei-a sobre a cama, para que tivesse mais
liberdade para se movimentar.
​Bruno respirou fundo, colocando as mãos nos
bolsos e desviando o olhar de mim.
​— Tudo bem. Não precisa me contar — falei
baixinho.
​— Eu não o matei. Ele está no hospital, em
estado grave. Deveria tê-lo matado, mas pensei em
Cecília, em como olharia para ela se me tornasse
um assassino.
​— Foi melhor assim.
​— Ele teria te matado, Mariana. Ou teria te
levado com ele. Tinha planos de te manter com ele
à força. — Estremeci. Parecendo se esforçar muito
para se manter calmo, Bruno sentou-se na cama, à
minha frente, pegando a minha mão. — Você tem
noção do quanto fiquei apavorado? Do quanto
morri de medo de que ele realmente cumprisse a
promessa, te levasse para algum lugar e eu não
conseguisse mais te achar?
​Ergui a mão em direção ao seu rosto, tocando-
o, sentindo os pelos de uma barba rala me
pinicarem.
​— Estou aqui. Você me salvou.
​— Mas não deveria sequer ter acontecido.
Tavares pode ter ajudado agora, prendendo Carlos,
mas ele foi incompetente. Vou demiti-lo. Nunca
mais vai trabalhar para mim nem para ninguém que
eu conheço, se puder evitar.
​Não pude deixar de rir.
​— Não seja tão cruel, amor. Ele estava
tentando... não nos decepcionou no fim de tudo e...
​Mal me dei conta do momento em que fui
jogada de costas na cama e que ele se colocou
sobre mim, com olhos completamente apaixonados.
​— Fala isso de novo... — pediu de forma quase
suplicante, os olhos intensos em mim.
​— O quê? — Sorri provocadora, embora
soubesse exatamente do que ele estava falando.
​— Me chama de amor.
​Meu sorriso se ampliou.
​— Bruno Fazolatto, poderoso, invencível,
macho alfa... inseguro?
​Seu cenho se franziu, mas de uma forma
adorável. Seus lindos olhos se tornaram um pouco
mais desamparados, e meu coração inchou no peito,
por ele.
​— Com você? Sempre. Errei com a mulher da
minha vida, quase a perdi, perdi tantos meses da
minha filha. Foi tudo minha culpa, e eu nunca serei
capaz de compensar. Não há Bruno poderoso
quando se trata de você, Mariana. Você me tem nas
mãos.
​Suspirei, sentindo o peso daquelas palavras
dentro do meu peito. Seria possível que ele
parecesse ainda mais lindo ali, com o rosto
pairando sobre o meu, cabelos molhados, cheiro de
sabonete e com roupas informais, sem o terno que
parecia torná-lo tão inatingível.
​— Eu te amo — falei docemente, e a resposta
foi um beijo.
​Ele mergulhou nos meus lábios com fome,
desespero, e eu me senti derreter sobre aquela
cama.
​Só que o beijo não durou muito, porque Bruno
se afastou soltando um grunhido de dor. Quando
abri os olhos, vi Cecília quase trepada nele,
puxando seu cabelo – seu sinal para fazê-lo parar
de me beijar. Não era a primeira vez. Tivemos uma
cena parecida na cachoeira em Lumiar.
​No final das contas, eu ri.
​— O que foi, princesa, não quer que eu beije
sua mãe?
​Cecília deu uma risadinha e fez o que nenhum
de nós esperava.
​— Papá — ela soltou, sem aviso.
​A safadinha nunca tinha dito nem mamãe, mas
lá estava Bruno conquistando mais um coração de
forma irrevogável.
​Paralisado, ele a pegou e jogou-se na cama,
deitado de costas, segurando-a com os braços para
cima, deixando-a sobre nós, balançando as
perninhas e os bracinhos. Os cabelinhos castanhos
estavam maiores e bagunçados, porque obviamente
estivera dormindo antes de ser levada ao meu
quarto. Já era manhã, pelo que eu podia ver através
das cortinas.
​— O que você disse, filha? — ele perguntou
com um tom de voz doce e adorável. — Você falou
papai?
​Sim, ela tinha dito, mas não repetiu, soltou
apenas murmuriozinhos ininteligíveis. Claro que eu
tinha que provocar.
​— Não, claro que não. Ela falou Popó —
brinquei.
​Bruno olhou para mim, ao lado dele na cama,
erguendo uma sobrancelha.
​— Ela falou papai, mocinha. Eu ouvi muito
bem.
​Com uma risadinha, dei de ombros.
​— Para mim não foi, aceite isso.
​Colocando Cecília sobre mim, Bruno veio para
cima de nós, fazendo-me cosquinhas até eu gritar,
implorando para que parasse.
​Quando parou, ouvimos a gargalhada de nossa
filha entre nós, divertida.
​— Eu amo vocês. Deus... como eu amo vocês
duas — Bruno falou, e eu senti o ar me faltar.
​Aquela era a minha família. E eu também os
amava.
CAPÍTULO TRINTA E UM
BRUNO

Nosso amor é como um fogo furioso

Nenhuma maré jamais poderia nos separar,


nem nos afogar

(My beloved – The Banner Days)

​ u podia ver nos olhos dela que Mariana estava


E
desconfiada. Como sempre.
​Fazia seis meses que todo o pesadelo de nosso
passado tinha terminado, então eu achei que estava
na hora de decidir nosso futuro. Ou de dar um
primeiro passo para isso, já que não cabia a mim
apenas.
​Aquela era uma data especial. Era o aniversário
do nosso primeiro beijo. O primeiro mesmo.
Concordamos que aquele hiato em nossa história
não seria levado em consideração e que
consideraríamos como se nunca tivéssemos nos
separado. Nós dois nunca deixamos de nos amar,
então, não fazia sentido.
​Sendo assim, eu queria comemorar aquela data.
E sabia que Mariana também, porque percebia que
estava muito misteriosa com Norma e até com
Vanessa. Todas elas sabiam algo de que eu não
sabia. Mas tudo bem... eu poderia esperar. Fosse o
que fosse.
​Mariana passou muito tempo confortando
Vanessa depois de ela descobrir que seu namorado
e seu primo eram os responsáveis por todos os
infortúnios de nossas vidas. Ela tentara se desculpar
por eles, tentara nos compensar, mas não era
necessário. Sempre foi uma boa amiga e
continuaria sendo.
​Só que naquele momento eu não queria pensar
em Vanessa, nem em coisas ruins. Eu estava com
um pano preto nas mãos, pronto para vendar
Mariana para levá-la até a surpresa.
​— O que você está aprontando? — ela
perguntou com aquela deliciosa voz provocadora, e
eu sorri.
​— Só relaxe e aproveite.
​— Ok. Vamos lá, Bruno Fazolatto...
surpreenda-me.
​Era o que eu queria fazer todos os dias da
minha vida.
​Amarrei o pano em seus olhos, e não pude
deixar de tentá-la, passando a mão por seu corpo,
incitando um mamilo, esgueirando-me por dentro
de seu decote, fazendo-a arfar.
​— A sua surpresa é sexo, seu pervertido? —
brincou.
​— Não. Mas não quer dizer que não teremos
depois.
​Ela deu uma risadinha, e eu aproveitei o
momento e sua distração para pegá-la no colo,
fazendo-a dar um gritinho de surpresa.
​— O que foi? Não quero minha rainha caindo
pelas escadas sem enxergá-las — usei de um tom
de voz exagerado, meio canastrão, o que a fez rir.
​— Você é ridículo! Mas estou dentro.
Empolgada.
​— Ótimo.
​Fui carregando-a pelas escadas com muito
cuidado, bem devagar, cruzando a sala e saindo
pelas portas de vidro abertas – que deixei assim
propositalmente –, chegando à área externa da
mansão. Uma brisa suave beijou os cabelos de
Mariana, tirando um pouco a franja lateral de sua
testa, e ela sorriu.
​Continuei caminhando até chegarmos ao local
onde tudo estava montado. Norma caprichara.
​Pousei Mariana no chão novamente com
cuidado, deixando-a de pé, de frente para mim, com
a boca colada ao seu ouvido.
​— Fique de olhos fechados por mais um
segundo.
​Ela assentiu, e eu desamarrei a venda bem
devagar.
​— Pode abrir.
​Mariana abriu seus lindos olhos azuis,
observando tudo ao redor. Não havia um sorriso em
seu rosto, mas rapidamente vi lágrimas discretas
surgirem.
​Havia uma tenda montada em um canto do meu
jardim, toda iluminada de forma suave, tanto por
pequenas luzes tipo de natal quanto por duas tochas
no melhor estilo luau. Uma mesa elegante estava
montada com louça de porcelana, taças de cristal,
tudo rodeado por pétalas de rosas.
​Uma baixela de prata cobria nosso jantar, mas
estava cheirando muito bem.
​Mariana olhava tudo com os olhos brilhando, e
eu sabia que ela tinha apreciado as escolhas.
​— Tão lindo. — Levou uma mão ao meu rosto.
— Você é um romântico, Sr. Fazolatto.
​Com um sorriso, puxei a cadeira para que ela se
sentasse e a servi, não apenas com a comida, mas
também com uma taça de vinho.
​Jantamos, e eu lhe expliquei que tinha feito a
mesma coisa da outra vez, deixando Cecília com
Robson e Fernando – que voltaram de Minas
Gerais logo depois que Marcos e Carlos foram
presos – e enviei todos os funcionários, menos os
seguranças, em noite de folga.
​Apesar de tudo estar tranquilo, de estarmos
livres das ameaças, principalmente depois que
Marcos se suicidou na cadeia e de Carlos ter sido
desmascarado em um esquema de corrupção que o
levou a muitos anos de cadeia, eu ainda me sentia
um pouco paranoico em relação à segurança da
minha casa e das minhas garotas.
​Fosse como fosse, tudo estava perfeito naquela
noite. E como fiz alguns meses antes, quando
estava desesperado para reconquistá-la, tirei-a para
dançar quando a mesma música da outra vez
começou a tocar.
​— Estou ficando previsível, não estou? —
brinquei.
​— Não me importo. Gosto do seu lado
romântico, mesmo que se torne rotina.
​— É, mas vou mudar algumas coisas esta noite.
​— Hum... não vai me amarrar em uma cadeira
para me obrigar a conversar com você? — ela
provocou, e eu revirei os olhos.
​— Não. Vou te amarrar de outra forma.
​Afastando-me dela, soltando-a em meio à
dança, apoiando-me em um único joelho ao mesmo
tempo em que tirava uma caixinha do bolso,
abrindo-a e revelando um anel de diamantes.
​Mariana arfou.
​— Não é possível que você esteja surpresa.
Você sabe que estava ansioso por isso.
​— Mas eu não sabia que seria hoje...
​Respirei fundo, observando-a por um tempo,
maravilhado e feliz por termos chegado àquele
ponto, mesmo diante de tantas adversidades.
​— Acho que já provamos ao destino que nada
pode nos separar. Que não há tempestade que possa
tirar você de mim, Mariana Lourenço. Você me deu
o presente mais incrível que um homem como eu
poderia receber. Não só a nossa filha, mas uma
família. Quero vocês duas para sempre, como
minhas maiores riquezas. Algo que nada poderia
compensar, de jeito nenhum. Por isso... Aceita se
casar comigo?
​— Ah, meu Deus! É claro que aceito! — Ela
parecia feliz, isso era o que importava.
​Coloquei o anel delicadamente em seu dedo,
beijando-o assim que estava posicionado
corretamente, então a abracei, erguendo-a e
girando-a, sentindo-me como uma criança que
ganhou o melhor brinquedo de todos.
​Só que quando coloquei Mariana no chão, o
sorriso dela estava cheio de entrelinhas.
​— O seu presente foi maravilhoso, Sr.
Fazolatto, mas eu acho que o meu é ainda melhor.
​Ergui uma sobrancelha, curioso.
​— Você é o meu presente, linda. Você e
Cecília.
​Ainda sorrindo, ela tirou uma caixinha pequena
de dentro de um bolso do vestido que estava
usando.
​— Adicione mais um na lista, então.
​Um pouco atordoado, mas não querendo me
empolgar por antecipação, olhei para Mariana, que
com um gesto de cabeça me incentivou a abrir a
caixa.
​E foi o que fiz.
​No momento em que vi o que havia lá dentro,
meu coração parou. Era um sapatinho de tricô azul,
escrito: GAROTÃO DO PAPAI.
​— Parabéns, Bruno. Você vai ser papai
novamente.
​Ainda precisei de alguns instantes, mesmo
tendo ouvido o que ela disse, para absorver a
notícia. Para entender que eu e Mariana tínhamos
criado outra vida. Outro serzinho que seria a razão
da minha existência.
​— Isso é sério? — perguntei em um fio de voz.
​— E eu brincaria com algo assim?
​Por um breve momento, toda a felicidade que
sentia se transformou em pânico. Soltando a
caixinha sobre a mesa, peguei os braços de
Mariana, olhando em seus olhos.
​— Como você está? Já foi ao médico? Está
tudo bem com o bebê e com você? Porque na outra
gravidez...
​Rindo, ela colocou as mãos no meu rosto.
​— Está tudo bem. Cada gravidez é diferente.
Eu e seu filho estamos muito bem.
​— Filho? É menino mesmo...? — Engoli em
seco, sentindo o coração acelerar no peito.
​ Sim, Bruno. Eu estava tão cheia de trabalho

esses dias que acho que me desliguei do mundo.
Estou quase de quatro meses.
​Levei a mão à sua barriga, mas não sentia
grande diferença. Agora que ela havia falado... lá
estava uma leve protuberância, quase
imperceptível.
​— O que significa que você terá cinco meses
para me mimar e cuidar de mim, já que sempre
insistiu que queria ter feito isso durante a gestação
de Cecília.
​Passando os braços sob as coxas dela, eu a tirei
do chão, colocando-a entrelaçada em minha
cintura.
​— Eu tenho a vida inteira, meu amor. Não
aceito nada menos do que isso.
​— A vida inteira, então...
​Com ela nos meus braços, tomei seus lábios,
sentindo meu corpo vibrar como se fosse a primeira
vez. Sempre seria assim. Nunca seria suficiente.
Conosco, eu sempre iria querer mais e mais e mais.
Mais um beijo, mais um dia, um mês, um ano, mais
noites fazendo amor ou o sexo mais selvagem que
gostávamos... Mais um filho.
​Com Mariana eu queria tudo.
​ Diga-me — falei assim que encerrei o beijo.

— O que você quer? Peça e eu vou te dar o mundo.
​— Por que isso agora? — Ela riu.
​— Você está me dando tudo, Mariana. Estou
em débito para sempre.
​— Hum... — Mariana sorriu nostálgica. —
Nunca me deixe, e estaremos quites.
​— Nunca — sussurrei, roçando nossos lábios.
— Nunca mais.
​Então eu a levei o sofá de vime do jardim e a
deitei, desejando fazer amor sob as estrelas, venerá-
la e provar o quanto tudo o que tínhamos era
perfeito.
​E aquilo era só o começo.
EPÍLOGO
MARIANA

CINCO ANOS DEPOIS

​ cena era linda de se ver. De longe, eu


A
observava Bruno correndo pelo jardim com nossas
crianças – nossos três filhos: Cecília, Antônio e
Benício –, fazendo-as rirem e se entreterem
enquanto eu me arrumava para sairmos. Estávamos
atrasados, mas nunca era perda de tempo observar
minha família.
​Nossa linda menininha, com seus cabelos
castanhos e compridos, nossa pequena Branca de
Neve, fazia o pai de gato e sapato, enquanto ele a
colocava nos ombros para fugir de nossos
rapazinhos – Antônio e Benício, que tinham quase
a mesma idade, com uma pequena diferença de
quatro meses.
​Benício foi um pequeno anjo que entrou na
nossa vida durante um trabalho voluntário que
comecei a fazer depois que Antônio nasceu. Nós
tínhamos tanto, éramos tão afortunados em tantos
sentidos, que decidi tirar um pouco do meu tempo
para visitar orfanatos, fazer algumas doações e
brincar com as crianças. Eu levava meus filhos,
para que eles conhecessem outras realidades,
diferentes do mundo de conto de fadas onde
viviam.
​Antônio, aos dois anos, fez amizade instantânea
com uma das crianças de um dos lares em questão.
O lindo Benício, com sua pele em tom de chocolate
e sorrisinho banguela, os cachinhos desalinhados e
o coração meigo, me conquistou de tal jeito que
chorava todas as noites em que o deixava lá. Nós
nos apegamos a ele, e Bruno surgiu com a ideia de
o adotarmos.
​Foi um processo longo e estressante, mas lá
estava ele, nosso filho oficial.
​O terceiro da turma.
​A turma mais linda, bagunceira e que me fazia
imensamente feliz.
​— Crianças, precisamos ir.
​Bruno olhou para mim com um sorriso que me
derretia em todos os sentidos. Aquela expressão de
menino que mantinha sempre que estava com os
filhos era meu ponto fraco, e ele sabia disso.
​ Só mais um pouquinho, mamãe — Antônio,

nosso pequeno argumentador, veio até mim, mas eu
o peguei no colo, percebendo que estava suado.
Bruno já se aproximava com cada um dos outros
dois em um braço.
​— Alguém deveria ter mantido essas crianças
comportadas e limpas, não é? — brinquei.
​Com a maior cara lavada, Bruno olhou de
Cecília para Benício, com uma careta.
​— Estamos encrencados, galera... Vamos fugir?
— As duas crianças balançaram a cabeça com
veemência, e Bruno saiu correndo com eles.
​— Viu, Tony? Te abandonaram aqui. Por isso
que você sempre tem que amar mais a sua mamãe
e...
​Sem que eu me desse conta, Bruno voltou
correndo, todo maroto, arrancando o menino das
minhas mãos.
​— Eu nunca deixo um soldado para trás.
​Então ele levou Antônio para o carro também.
​Norma surgiu ao meu lado, sorrindo também.
​— Ele voltou a ser criança, não é? — perguntei
a ela, observando meu marido jogar nosso menino
no ombro, como se o garoto não pesasse nada,
fazendo Antônio rir.
​— É uma coisa linda de se ver.
​— Ah, isso é mesmo. — Olhei para ela e a vi
toda elegante, com um vestido bonito e um sapato
de saltos. — Mas você está uma gata, hein!
​Corando, ela ficou constrangida.
​— São seus olhos, menina. — Entrelacei meu
braço ao dela e seguimos.
​Norma iria em outro carro, em um táxi, que já a
esperava no portão da casa, então, eu entre no carro
com Bruno, e ele começou a dirigir, enquanto eu
esfregava uma mão na outra, nervosa.
​— Vai dar tudo certo — ele disse, segurando
minha mão com força, enquanto nos conduzia ao
nosso destino.
​O prédio em questão não ficava longe, e quando
chegamos, saltei do carro e olhei o letreiro. Lá
estava: Orfanato Ohana. Fora um nome escolhido
por Cecília, porque ela era fã de Lilo e Stitch, e
vivia me explicando que Ohana significava família.
​E era isso que eu queria que fosse aquele lugar.
​Assim que saltei, vi meus amigos na porta –
Vanessa, Robson e Fernando. Ela tinha se casado
no ano passado com um dos clientes de Bruno e já
estava grávida, embora sua barriga mal fosse
perceptível.
​ bracei cada um deles, que também
A
cumprimentaram meu marido e meus filhos. Norma
chegou logo depois e entramos.
​Contratamos uma cerimonialista que nos guiou
até uma espécie de sala anexa, porque nós faríamos
um pequeno discurso de abertura do evento. Era
uma festa beneficente, onde vários amigos, clientes
e parceiros de Bruno estariam presentes. Muitos o
tinham como um deus, e essa imagem nos ajudaria
a angariar fundos para o projeto.
​Ela falou um pouco sobre quantos minutos eu
tinha para falar, qual era a ordem do que ela
planejara, e eu fui conduzida até um palco
improvisado no salão principal do orfanato, onde
eu testei o microfone e comecei a falar:
​— Boa noite, senhores. Agradeço a presença de
todos esta noite. Se estão aqui é porque possuem
um sentimento generoso no coração e estão
dispostos a contribuir para este projeto que espero
que seja algo que me dará muito orgulho. Quero
que este lugar seja um refúgio para crianças que
não tiveram a sorte das minhas. Das de vocês
também. Quero que quem não pôde ter uma família
estruturada tenha uma chance. Neste espaço, eu
quero fazer diferente de todos os orfanatos que
visitei durante muitos anos e que ainda visitava
antes de me concentrar na construção do Ohana.
Quero que todos tivessem acesso a estudos de
qualidade, oportunidades, amor, carinho... Quero
que tenham sorrisos em seus rostinhos, como meu
Benício tem hoje em dia. — Apontei para meu
filhinho, no colo do pai, sentados à uma mesa logo
à frente do palco. — Eu dei um primeiro passo,
mas vocês podem fazer parte dessa jornada. Sejam
bem-vindos e que todos sempre sejamos uma
grande família.
​Assim que terminei de falar, a cerimonialista,
surgiu, em meio à salva de palmas, e um vídeo
começou. Bruno rapidamente se colocou à lateral
do palco, entregando-me sua mão para me ajudar a
descer os degraus, conduzindo-me ao local onde as
crianças e nossos amigos aguardavam.
​Quando me sentei, ele tomou meu rosto, me
beijando.
​— Tenho muito orgulho de você — sussurrou
baixinho, e nós nos voltamos para o vídeo, que
mostrava todos os projetos que teríamos para o
Ohana.
​As oficinas, as atividades, os espaços de
brincadeiras, os dormitórios, o refeitório... tudo
pensado para que parecesse, de fato, um lar.
​As lágrimas deslizaram pelo meu rosto, e eu
senti meu coração pleno.
​Eu sabia que cada uma daquelas pessoas
também estava encantada e que teríamos
patrocinadores vitalícios, porque eles queriam
manter boas relações com Bruno, mas também
porque o projeto era lindo.
​E Bruno estivera ao meu lado durante todo o
tempo. Por isso, sussurrei no ouvido dele:
​— Te amo.
​Sem nem precisar retribuir, ele pegou minha
mão e a beijou. Então eu olhei ao meu redor e vi
tudo o que mais amava por perto.
​Eu não desejava nada além do que estava ao
alcance das minhas mãos. A vida podia ser incrível,
cada dia mais.

FIM
Playlist
Hands – Blaise Moore
Rihanna – Cold Case Love
Take a Bow – Leona Lewis
Here for you – Devin Williams
You ruin me – The Veronicas
Expectations – Lauren Jauregui
Salt – Tinashe
Secrets – One Republic
Sweeter Place – Svrcina
Favorite Scar – Leona Lewis
Dangerously – Charlie Puth
Run, baby run – The Rigs
World’s on fire – The Braves
Walk away – Christina Aguilera
Physical – Dua Lipa
Lovetalk – Mothica
Help myself – Liz Lokre
Down in flames – Daughter Jack
Addicted – Totem
Save room for us – Tinashe
Mysterious ways – Eva & The Heartmaker
Tell me you Love me – Demi Lovato
Space – Maren Morris
Brain on Love – K. Michelle
Kamikaze – Night Argent
It’s you – Ali Gatie
Sweet Love – Anita Baker
Never tear us apart – Bishop Briggs
I found – Amber Run
If I walk away – Josh Groban
My beloved – The Banner Days

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