A Casa Das Sete Mulhere1

A CASA DAS SETE MULHERES
Capítulo 01
Minissérie de
WALTHER NEGRÃO
MARIA ADELAIDE AMARAL
Inspirada na obra de Leticia Wierzchowski
Direção Geral
JAYME MONJARDIM
Núcleo
JAYME MONJARDIM
Personagens deste capítulo

ANA JOAQUINA – ANINHA
ANGÉLICA – ANSELMO
ANTÔNIA – ARAÚJO RIBEIRO
BENTO GONÇALVES – BENTO MANUEL
CAETANA – CORTE REAL
CHICO MASCATE – CONSUELO
ESTÊVÃO – PEDRO – PAULO
LEÃO – LUZIA
MANUELA – MARCO ANTÔNIO
MARIA – MARIANA – NETO
ONOFRE – NETINHO
PERPÉTUA – ANGÉLICA – ROSA
ROSÁRIO – TITO LÍVIO ZAMBECCARI
TERÊNCIO – XICA
JOÃO CONGO – JOSÉ PEDRA
ZEFINA – BEATA – VIRIATA
MULHER EMBUÇADA – TINA E QUITÉRIA (CHINAS)
JEREMIAS – DAMIÃO(PARTICIPAÇÃO;NÃO VOLTAM
MAIS)
ELENCO DE APOIO – FIGURAÇÃO
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Mulheres
CENA 01. DIVERSAS PAISAGENS.INTERIOR. DIA.

A LEGENDA – RIO GRANDE DO SUL – 1835 SOBRE O PLANO AÉREO DE UM
CANYON.E EM CORTES DESCONTÍNUOS SOBREVOAMOS SERRAS,PLANÍCIES,RIOS.
TROPEIROS SE DESLOCANDO COM O GADO POR CAMINHOS DE TERRA. UM POBRE
LAVRADOR ARANDO SEU CAMPO. GAÚCHOS PASTOREANDO OVELHAS. NO PAMPA,
GAÚCHOS A CAVALO AGITANDO AS TRADICIONAIS BOLEADEIRAS E LAÇANDO
GADO. UM PEQUENO CONTINGENTE DE SOLDADOS ESFARRAPADOS (SEIS OU
SETE) SE DESLOCAM A PÉ. E SOBRE ESSAS IMAGENS:
MANUELA — (EM OFF) Em 1835, a Província de São Pedro

do Rio Grande do Sul sofria com o abandono
e os altos impostos. O Governo Imperial,
instalado no Rio de Janeiro, exigia tudo e
não nos dava nada. Sequer um presidente de
província que zelasse pelos nossos
interesses e respeitasse nossa dignidade.
CORTA:
CENA 02. RUA DE PORTO ALEGRE. INTERIOR. DIA.
BENTO GONÇALVES ENTRA EM PORTO ALEGRE À FRENTE DE SUAS TROPAS

(IDENTIFICADAS PELO LENÇO VERMELHO) E É SAUDADO PELO POVO. ELE
ACENA CONSCIENTE DO LÍDER QUE É. SOBRE ESSAS IMAGENS:
MANUELA —(EM OFF) Cansados de tanta opressão, as

tropas de meu tio Bento Gonçalves entraram
em Porto Alegre e destituíram o presidente
Braga.
CORTA:
CENA 03. TOMBADILHO DE UM NAVIO. EXTERIOR.DIA.
ARAÚJO RIBEIRO DEITADO NUMA REDE NO TOMBADILHO DE UM NAVIO, E

TOMANDO LICOR DE JENIPAPO COM CARA DE TÉDIO. SOBRE ELE:
MANUELA —(EM OFF) Mas, em vez de o Império promover a

paz, nos mandou Araujo Ribeiro para conti-
nuar a rapinagem. Com ele, vieram mais e
mais caramurus.
CORTA:
CENA 04. ARREDORES DE PELOTAS. EXTERIOR. DIA.
O CAPITÃO ESTÊVÃO – DO EXÉRCITO IMPERIAL – SE DESLOCA À FRENTE DE
SUA TROPA (CERCA DE 20 SOLDADOS)
A casa das Sete Capitulo 0 1 Pág.:2
Mulheres
MANUELA —(OFF) A gente chamava de caramuru os soldados
imperiais.
CENA 05. ARREDORES DE PELOTAS. MARGEM DO RIO. EXTERIOR. DIA.
ROSÁRIO, UMA LINDA E JOVEM SOBRINHA DE BENTO GONÇALVES, TOMA BANHO

NO RIO (DE CAMISOLA). SOBRE ESSA IMAGEM, A LEGENDA: PELOTAS – 1836.
O CLIMA É SENSUAL. A LUZ DO SOL SE REFLETE NAS ÁGUAS DO RIO, A
CAMISOLA MOLHADA DE ROSÁRIO REVELA AS BELAS FORMAS DE SEU CORPO.
NA MARGEM, LUZIA, UMA CRIADA MESTIÇA (BRANCO E ÍNDIA) A ESPERA COM
UMA GRANDE TOALHA DE LINHO BRANCO.
LUZIA — Já chega, sinhá. Vamos pra casa…
ROSÁRIO —(DELICIADA) Só mais um pouco, Luzia. Está tão

bom…
CHICOTE PARA OUTRO PONTO DA MARGEM ONDE ACABA DE CHEGAR A TROPA DE

ESTÊVÃO. ESTÊVÃO FAZ SINAL AOS HOMENS.
ESTÊVÃO — Os cavalos estão com sede! E nós precisamos

descansar!
A VOZ DE ESTÊVÃO SOBRESSALTA ROSÁRIO E LUZIA.
LUZIA —(ASSUSTADA) É os caramuru! Sai da água,

sinhá!
ROSÁRIO SAI DA ÁGUA. LUZIA A ENVOLVE NA TOALHA.
ROSÁRIO — Pega o meu vestido! Depressa, Luzia!
ESTÃO AMBAS TENSAS E COM PRESSA DE SAIR DALI. CORTA:
OS SOLDADOS DE ESTÊVÃO PEGAM OS CAVALOS PELAS RÉDEAS E OS LEVAM

PARA BEBER. DOIS DOS SOLDADOS SE DISTANCIAM DO GRUPO E FICAM MAIS
PRÓXIMOS DO PONTO EM QUE ESTÃO ROSÁRIO E LUZIA. UM DOS SOLDADOS,
JEREMIAS, LAVA O ROSTO, LEVANTA OS OLHOS E ENTÃO VÊ ALGUMA COISA
QUE O AGRADA. GOSTA DO QUE VÊ E CUTUCA O COMPANHEIRO, DAMIÃO. ESTE
OLHA NA DIREÇÃO INDICADA POR JEREMIAS E SEU ROSTO SE ABRE NUM
SORRISO CHEIO DE SEGUNDAS INTENÇÕES.
CHICOTE PARA ROSÁRIO NUA NO MOMENTO EM QUE LUZIA A AJUDA A VESTIR
O VESTIDO. OS DOIS SOLDADOS SE ENTREOLHAM E CORTA.

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LUZIA ABOTOA NERVOSAMENTE OS BOTÕES DO VESTIDO DE ROSÁRIO.
ROSÁRIO — (NERVOSA) As meias, Luzia!
LUZIA — (EM PÂNICO) Não vai dar tempo, sinhá!
DO PV DE LUZIA, VEMOS JEREMIAS E DAMIÃO VINDO NA DIREÇÃO DELAS. EM

PÂNICO, ROSÁRIO E LUZIA SAEM CORRENDO PARA DENTRO DA MATA. NO QUE
ELES PASSAM PELO LUGAR ONDE ELAS ESTAVAM, O SOLDADO 1 PEGA COM SUA
ESPADA O CALÇÃO DE ROSÁRIO, CHEIRA E APONTA NA DIREÇÃO DA
FLORESTA:
JEREMIAS — Elas foram por ali!
FECHA NOS DOIS SOLDADOS, ENTRANDO A CAVALO NA MATA. CORTA.
CENA 08. ARREDORES DE PELOTAS . FLORESTA. EXTERIOR. DIA.
EM CORTES DESCONTÍNUOS ROSÁRIO E LUZIA CORRENDO. OS SOLDADOS

CAVALGANDO ATRÁS. ROSÁRIO TROPEÇA. LUZIA A AJUDA A LEVANTAR-SE E
ELAS CONTINUAM A CORRER. OS SOLDADOS CADA VEZ MAIS PERTO. JEREMIAS
ALCANÇA LUZIA E QUASE A ATROPELA COM O SEU CAVALO. ELA PULA FORA
ENQUANTO ELE CONTINUA A PERSEGUIR ROSÁRIO. DAMIÃO APEIA E VAI EM
CIMA DE LUZIA, MAS ELA APANHA UM PUNHADO DE TERRA E JOGA NOS OLHOS
DELE.
DAMIÃO — Bruaca maldita!
ENQUANTO DAMIÃO LIMPA OS OLHOS, LUZIA CORRE. CORTA PARA:
CENA 09. FLORESTA. MATA FECHADA. EXTERIOR. DIA.
ROSÁRIO ABRE CAMINHO PELA MATA, TÃO RÁPIDO QUANTO OS GALHOS E

ARBUSTOS PERMITEM. ATRÁS, JEREMIAS CAVALGANDO TÃO RÁPIDO QUANTO
LHE PERMITE A MATA SERRADA. OS SONS VÃO FICANDO CADA VEZ MAIS
DISTANTES, À MEDIDA QUE A MATA SE ADENSA E PARAM TOTALMENTE QUANDO
ROSÁRIO CHEGA A UM PONTO TÃO FECHADO QUE SÓ DÁ PRA SEGUIR A PÉ.
ROSÁRIO PÁRA, ENCOSTADA A UMA ÁRVORE, OFEGANTE. ESCUTA, ATENTA. SÓ
SE OUVEM OS RUÍDOS DA MATA. ELA SUSPIRA, TENSA, MAS ALIVIADA.
CORTA PARA:
CENA 10. PELOTAS. ESTRADA DE TERRA. EXTERIOR. DIA.

ROSÁRIO CORRENDO EM DIREÇÃO À ENTRADA DA CIDADE. ESBAFORIDA, O
VESTIDO RASGADO E O CORPO ARRANHADO PELOS GALHOS. DO SEU PV VEMOS
O CASARIO DE PELOTAS. CORTA.
CENA 11. PELOTAS.LARGO DA IGREJA. EXTERIOR.DIA.

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Mulheres
ROSÁRIO ENTRA CORRENDO NO LARGO E AO VER A IGREJA DIMINUI A MARCHA.
ELA RESPIRA OFEGANTE, EM SEU ROSTO, UM MISTO DE ALÍVIO E CANSAÇO.
MAS, ENTÃO, SUBITAMENTE, OUVE-SE O TROTE DE UM CAVALO E O ALÍVIO
DE ROSÁRIO SE TRANSFORMA EM DESESPERO. DO SEU PV: OS SOLDADOS A
CAVALO, VÊM CHEGANDO NA DIREÇÃO CONTRÁRIA.VÊM TROTANDO, TRANQÜILOS.
SABEM QUE ELA NÃO TEM COMO ESCAPAR.ELA RECUA E CORRE PARA A IGREJA.
CHICOTE PARA LUZIA RASGADA E ARRANHADA, VENDO OS SOLDADOS SE

DIRIGIREM A CAVALO PARA A IGREJA. LUZIA, EM PÂNICO, SAI CORRENDO
PELA RUA EM FRENTE À IGREJA. CORTA.
CENA 12. IGREJA. NAVE. INTERIOR. DIA.
ROSÁRIO ENTRA, OLHA EM VOLTA, PROCURANDO UM LUGAR PRA SE ESCONDER.

CORTA EM CONTINUIDADE PARA: AS PORTAS DA IGREJA SE ABREM COM UM
GOLPE VIOLENTO, DEIXANDO A LUZ DO SOL PENETRAR NA NAVE SOMBRIA. OS
SOLDADOS ENTRAM NA IGREJA A CAVALO E TROTEIAM PELA NAVE, À PROCURA
DE ROSÁRIO. EM SEGUIDA, APEIAM E OS VEMOS EM CORTES DESCONTÍNUOS
OLHAR POR ENTRE OS BANCOS, PROCURANDO DENTRO DOS CONFESSIONÁRIOS,
ATRÁS DO ALTAR-MOR. E, ENTÃO, SUBITAMENTE ELES ESCUTAM UM RANGIDO
NO ASSOALHO DE MADEIRA DO CORO. OS DOIS SE ENTREOLHAM E VÃO EM
DIREÇÃO À ESCADA. NO CORO, ROSÁRIA ESCUTA OS SOLDADOS SUBIREM A
ESCADA E CORRE PARA AS ESCADAS QUE DÃO ACESSO À TORRE.
CENA 13. CASA DE BENTO GONÇALVES EM PELOTAS. SALA. INTERIOR. DIA.
MANUELA ESCREVENDO. ZEFINA, UMA ESCRAVA GRÁVIDA, ESTÁ TIRANDO O

PÓ DOS MÓVEIS. LUZIA ENTRA ESBAFORIDA.
LUZIA — Acode, sinhá! Acode que os caramuru tão

atrás da Rosário!
MANUELA — (LEVANTA-SE PRONTAMENTE) Os caramurus atrás

da Rosário?! Do que é que tu tá falando,
Luzia??!!!
E CORTA PARA:
CENA 14. IGREJA. ESCADARIA ESTREITA. EXTERIOR. DIA.
ROSÁRIO SUBINDO AS ESCADAS APAVORADA.

CENA 15. IGREJA. CORO. EXTERIOR. DIA.
OS DOIS SOLDADOS ENTRAM. O CORO ESTÁ VAZIO. JEREMIAS CUTUCA DAMIÃO

E APONTA PARA A TORRE.
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CENA 16. RUA DA CASA DE BENTO GONÇALVES. EXTERIOR. DIA.
MANUELA CAMINHA DECIDIDA EM DIREÇÃO À IGREJA. ZEFINA ATRÁS DELA

TENTANDO DEMOVÊ-LA.
ZEFINA — Ficou doida, sinhá? Como é que “vancê” vai
enfrentar sozinha dois caramuru, Manuela?!
MANUELA — (SEM SE VOLTAR) Volta para casa, Zefina!
CORTA PARA:
CENA 17. IGREJA. TORRE. EXTERIOR. DIA.
NA TORRE, ROSÁRIO PERCEBE QUE SE ENFIOU NUMA ARMADILHA. NÃO TEM

MAIS PARA ONDE ESCAPAR E O ÚNICO CAMINHO É AQUELE POR ONDE SEUS
PERSEGUIDORES SE APROXIMAM. OS SOLDADOS ENTRAM E PARAM NA ENTRADA
DA TORRE E OLHAM PARA ROSÁRIO, ENCOSTADA NA ARCADA DO SINO,
TOTALMENTE ACUADA. JEREMIAS SE APROXIMA E SACODE O CALÇÃO NA CARA
DELA.
JEREMIAS — Perdeu isto, minha prenda?
DAMIÃO DÁ UMA RISADA BOÇAL. JEREMIAS RASGA A BLUSA DO VESTIDO DE

ROSÁRIO. SEUS PEITOS PULAM IMEDIATAMENTE PARA FORA. NUM GESTO
INSTINTIVO, ELA OS COBRE COM OS BRAÇOS.
MANUELA — (OFF, GRITA) Afaste-se de minha irmã, seu

porco!
PV DE LUZIA: MANUELA NA ENTRADA DA TORRE. SORRI OBSCENO.
DAMIÃO — Isto aqui é uma igreja ou é o paraíso?
DAMIÃO VAI NA DIREÇÃO DE MANUELA, QUE RECUA.
MANUELA — Não ouse se aproximar de mim, seu porco!
DAMIÃO IGNORA E AGARRA MANUELA ENQUANTO JEREMIAS AGARRA ROSÁRIO.

MANUELA DÁ UMA JOELHADA NO SACO DE DAMIÃO QUE SE CURVA COM UM
GRITO SURDO DE DOR. POR SUA VEZ, ROSÁRIO LUTA COM JEREMIAS QUE,
MUITO EXCITADO, A ESMAGA CONTRA A PAREDE E TENTA LEVANTAR SUA SAIA.
ROSÁRIO — (TENTA DESVENCILHAR-SE) Me solta, verme!

NESSE MOMENTO, OUVE-SE UM ESTAMPIDO E JEREMIAS CAI PARA TRÁS, COM
UM TIRO NA NUCA. DO PV DE ROSÁRIO: ESTÊVÃO ESTÁ PARADO NO TOPO DA
ESCADA, COM A ARMA NA MÃO. ATRÁS DELE, OUTROS DOIS SOLDADOS.
Mulheres
ESTÊVÃO — (AOS SOLDADOS-REFERINDO-SE A DAMIÃO) Ponham

esse homem a ferros!
OS SOLDADOS AGARRAM DAMIÃO E O ARRASTAM PARA FORA. ESTÊVÃO FICA

SOZINHO COM AS MULHERES E NUM GESTO CAVALHEIRESCO, TIRA O SEU
DÓLMÃ, VAI PARA ROSÁRIO E COBRE COM ELE O DORSO NU DA MOÇA.
ESTÊVÃO — (DELICADO) A senhora está bem?
ROSÁRIO OLHA PARA ELE E ASSENTE. A EXPRESSÃO É DE GRATIDÃO E

ENCANTAMENTO DIANTE DE UM HERÓICO CAVALEIRO ANDANTE QUE ACABOU DE
SALVAR SUA VIDA E SUA HONRA. ELE A OLHA NOS OLHOS. TAMBÉM
ENCANTADO. E CORTA NO CLIMA PARA:
CENA 18. CASA DE BENTO GONÇALVES. SALA. INTERIOR. DIA.
CAETANA, MARIANA, PERPÉTUA, ZEFINA E LUZIA.
MARIANA — (PEGA UM SABRE) Eu vou matar aqueles

caramurus!
CAETANA — (ENÉRGICA) Usted não vai a lugar nenhum! (P/

ZEFINA) E tu não devias ter deixado Manuela
sair de casa!
ZEFINA — E alguém segura a Manuela, senhora dona

Caetana?!
CAETANA — (PARA LUZIA) E tu? Por que não avisaste o

Terêncio e dona Maria?! (NERVOSA-PARA
PERPÉTUA) Manda já o Terêncio e todos os
homens da casa correrem para a Igreja!!
A PORTA SE ABRE. AS QUATRO SE VOLTAM E MANUELA ENTRA. ATRÁS DELA

ROSÁRIO E ESTÊVÃO. ELA VESTE O DÓLMÃ DE ESTÊVÃO.
CAETANA —(PARA ESTÊVÃO) Quem es usted?
ESTÊVÃO — (INCLINA-SE) Capitão Estêvão Icaza-Sanchez,

senhora!
MANUELA — Ele nos salvou a vida, tia Caetana. (SOBE AS

ESCADAS)
MARIA — (ENTRANDO) Que está acontecendo?
MARIA ENTRA. ROSÁRIO PRECIPITA-SE PARA ELA. CHOROSA E TENSA.

Mulheres
ROSÁRIO — Mamãe! (ABRAÇA) Eu pensei que nunca mais le

fosse ver!
MARIA — O que estás fazendo com esse dólmã de

caramuru, Rosário?!
ROSÁRIO — O Capitão me emprestou porque eu estava

descomposta!
MARIA — (DURA) Vá já se compor e devolva essa farda!
ROSÁRIO SOBE CORRENDO. EXPRESSÃO HUMILHADA. MARIANA ATRÁS.
CAETANA — (PARA ESTÊVÃO) Bueno, Capitão. Se não tiene

mais nada a dizer, pode se retirar…
PERPÉTUA — Ele é oficial, mamá! Não pode sair sem

farda!
(SAI)
CORTA:
CENA 19. CASA DE BENTO GONÇALVES. QUARTO. INTERIOR. DIA.
ROSÁRIO E MARIANA. ROSÁRIO ACABANDO DE SE VESTIR.
MARIANA — Entonces, o Capitão chegou e pum: matou o

homem dele, por tua causa! (T) Macanudo esse
oficial caramuru!
ROSÁRIO — Antes de ser caramuru o Capitão Estêvão é um

cavalheiro!(ACARICIA O DÓLMÃ) Como raramente
se vê nestas bandas. É um homem da Corte, um
homem do Rio de Janeiro, Mariana!…
MARIANA —(SOBE NA CAMA E BRINCA DE IMITAR) Oh, por

quem me tomas, senhor barão? Ora por quem
sois, senhora baronesa?
ROSÁRIO — Digam o que disserem, mas a vida na Corte é

outra coisa!
PERPÉTUA — (ENTRANDO) O Capitão está esperando o dólmã!
(VAI PEGAR O DÓLMÃ DAS MÃOS DE ROSÁRIO)
ROSÁRIO — (SEGURA) Não. Eu devolvo, Perpétua!
CORTA:
Mulheres
CENA 20. CASA DE BENTO GONÇALVES. SALA. INTERIOR. DIA.
ESTÊVÃO, CAETANA E MARIA. ABRE EM ESTEVÃO.
ESTÊVÃO — Ninguém mais do que eu está indignado com o

ultraje que sofreram as moças desta casa!Mas
as Forças Imperiais não podem ser julgadas
pelo comportamento de dois soldados!
MARIA — O comportamento dos seus homens espelha bem

a falta de respeito que Império tem pelo povo
desta terra!
ROSÁRIO — (ENTRANDO)O Capitão não tem culpa dos desma-
ndos do Império, mamãe! (DEVOLVE O DÓLMÃ A
ESTEVÃO-OLHANDO NOS OLHOS DELE) Gracias,
por ter salvado a nossa vida e a nossa
honra, Capitão.
ESTÊVÃO — (OLHANDO NOS OLHOS DELA) Apenas cumpri com

meu dever, minha senhora…
ESTÊVÃO FAZ UMA MESURA PARA AS MULHERES E SE RETIRA.
MARIA — (FURIOSA) Por que trouxeste esse homem a

nossa casa? Tu pertences à família de Bento
Gonçalves! Esse oficial serve o Império, é
nosso inimigo, Rosário!
MANUELA — (ENTRANDO) A farda é caramuru, mas ele agiu

como um homem de bem, mamãe.
MARIA — (FURIOSA – PARA MANUELA) E tu? Por que não

chamaste o Terêncio?! Por que foste sozinha
pra Igreja te meter com essa escória!?
Ficaste doida, Manuela?!
MANUELA — (CALMA E FIRME) Não havia tempo para reunir

os criados! Era preciso agir rápido, mamãe!
MARIA — (PARA CAETANA) Está na hora de fazer o que
Bento falou! Vamos juntar nossas tralhas e
abalar pra Estância da Barra!
CAETANA — Bento só mandou fazer isso em caso de guerra

declarada!
Mulheres
MARIA — Se os caramurus se sentem à vontade para

atacar as mulheres desta casa, então é
porque a guerra está por dias, cunhada!
(PARA ROSÁRIO, MARIANA E MANUELA) Arreglem
tudo que vamos viajar!
MARIA SAI COM MANUELA, ROSÁRIO E MARIANA.
CAETANA — (PARA PERPÉTUA) Avise na cocheira que vamos

precisar de todas as carroças!
PERPÉTUA — Papá não vai gostar nada de saber que vamos

sozinhas!
PERPÉTUA VAI SAINDO E É ABALROADA PELOS MENINOS MARCO ANTÔNIO E

LEÃO QUE ENTRAM BRANDINDO ESPADAS DE BRINQUEDO.
MARCO ANTÔNIO — Verdade que estamos em guerra, mamãe?
CAETANA — Guerra, guerra! Será que nesta família não

há outro assunto?!
TERÊNCIO — (ENTRANDO) Tá precisando de mim, sinhá?
CAETANA — Sela um cavalo e vai a Porto Alegre avisar

meu marido que decidimos partir para a
Estância da Barra!
CORTA:
CENA 21. CASA DE BENTO GONÇALVES. QUARTO. INTERIOR. DIA.
MARIANA, PERPÉTUA, MANUELA ATAREFADAS ARRUMANDO SUAS

COISAS(ROUPAS, LIVROS) NOS BAÚS. ROSÁRIO JUNTO À JANELA.
ROSÁRIO — (SONHADORA) O Capitão Estevão é tão

guapo,
tão valente!
PERPÉTUA — Tu estás prometida a outro capitão, Rosário!
ROSÁRIO — Eu não amo o Afonso Corte Real!
MARIANA — Diga isso à mamãe!
MANUELA — Ela vai dizer que isso não é obstáculo para

o casamento!
A Casa das Sete Capitulo 01 Pág.: 10
Mulheres
MARIANA — Pra mim, ninguém vai escolher marido! Eu só

vou me casar com quem escolher!
PERPÉTUA — Espero que tenha juízo e escolha um dos

nossos!(SAI)
ROSÁRIO — Eu não vou me casar com Afonso Corte Real!

Não vou!
CORTA:
CENA 22. CASA DE BENTO GONÇALVES. DIVERSOS LOCAIS. INT. DIA.
EM CORTES DESCONTÍNUOS O MOVIMENTO DAS MULHERES (MARIA, CAETANA,

MANUELA, MARIANA, PERPÉTUA) E DAS EMPREGADAS E ESCRAVAS (ZEFINA,
LUZIA, XICA E FIGURAÇÃO) EMBALANDO ROUPAS E OBJETOS E ÀS VOLTAS
COM OS BAÚS. NO MEIO DA CONFUSÃO, LEÃO E MARCO ANTÔNIO LUTAM COM
ESPADAS DE BRINQUEDO.
CENA 23. CASA DE BENTO GONÇALVES. ORATÓRIO. INTERIOR. DIA.
CAETANA E PERPÉTUA DIANTE DO ORATÓRIO. CAETANA REZANDO, PERPÉTUA

ACENDENDO UMA LAMPARINA.
PERPÉTUA — Pra Nossa Senhora da Boa Viagem!
CAETANA — Deus permita que o Terêncio consiga chegar

logo a Porto Alegre para avisar seu pai!
CORTA:
CENA 24. DESCAMPADO. PAISAGEM GAÚCHA NO CAMINHO PARA PORTO ALEGRE.

EXT. DIA/ANOITECER/ NOITE.
TERÊNCIO A GALOPE, JÁ FORA DA CIDADE. ESPOREIA O CAVALO.
TERÊNCIO — Eia, Lazão! Eia!

SOBRE TERÊNCIO CAVALGANDO CAI A TARDE E A NOITE. CORTA.
CENA 25. CIDADE DE PELOTAS. EXTERIOR. AMANHECENDO.
O SINO DA IGREJA TOCA. CHAMANDO PARA A MISSA.
CENA 26. RUA DA CASA DE BENTO GONÇALVES. EXTERIOR. DIA.
QUATRO CARROÇAS ESTÃO CHEIAS E PREPARADAS PARA PARTIR NA PRIMEIRA,

Mulheres
CAETANA E PERPÉTUA, XICA (A AMA DE LEITE) E AS CRIANÇAS (ANINHA,

11 MESES E ANGÉLICA, 6 ANOS), MAIS UM ESCRAVO NEGRO QUE CONDUZ A
CARROÇA. NA SEGUNDA, ESTÃO LUZIA (QUE VAI CONDUZIR), OS MENINOS
LEÃO E MARCO ANTÔNIO. NA TERCEIRA ROSÁRIO, MARIANA E MANUELA. ESTA
CARROÇA É CONDUZIDA POR UM ESCRAVO MENINOTE. A QUARTA TRANSPORTA
OS BAÚS E É CONDUZIDA POR UM VELHO ESCRAVO.MARIA SAI DA CASA. ATRÁS
DELA ZEFINA GRÁVIDISSIMA COM SUA TROUXINHA.
MANUELA — (PREOCUPADA-PARA MARIA) A Zefina não pode

viajar nesse estado, mamãe!
MARIA — Como é que eu vou deixar a Zefina pra trás,

Manuela?!
ENQUANTO MARIA SOBE NA SEGUNDA CARROÇA, MANUELA DESCE E AJUDA

CARINHOSAMENTE ZEFINA A SUBIR NA CARROÇA DE MARIA. ZEFINA SORRI
PARA ELA. GRATA. NA PORTA DUAS ESCRAVAS MESTIÇAS E UM NEGRO VELHO,
QUE FICARÃO NA CASA, ACENAM PARA OS VIAJANTES. A CARAVANA PÕE-SE
EM MARCHA. MANUELA SE LEVANTA.
MANUELA — Parem, parem!!!
A CARAVANA PÁRA. MANUELA CORRE E ENTRA NA CASA.
MARIA — O que será que ela esqueceu?!
MARIANA — A Manuela esqueceu o diário, mamãe!
MARIA — (ORDENA-IRRITADA) Vamos embora!
A CARAVANA SE MOVE. MANUELA SAI DA CASA SOBRAÇANDO O DIÁRIO E

CORRE PARA ALCANÇAR SUA CARROÇA. MARIANA E ROSÁRIO ESTENDEM A MÃO
PARA ELA SUBIR. ELA ABRAÇADA NO DIÁRIO E CORTA.
CENA 27. CIDADE DE PELOTAS. SAÍDA DA CIDADE. EXTERIOR. DIA.

E EM CORTES DESCONTÍNUOS, VEMOS OS CARROÇÕES SE MOVENDO LENTAMENTE
PARA FORA DA CIDADE. NUMA ESQUINA, ESTÊVÃO E SUA TROPA CRUZAM COM
ELAS. O CAPITÃO FAZ ESTACAR SUA TROPA PARA OS CARROÇÕES PASSAREM.
ROSÁRIO E ESTÊVÃO TROCAM OLHARES TERNOS. DEPOIS, O CAPITÃO AVANÇA
E EMPARELHA COM A CARROÇA DE MARIA.
ESTÊVÃO — Nós estamos indo para a cidade de Rio

Grande,
senhora! Se estiverem indo na mesma
direção,
podemos escoltá-las!
A Casa das Setes Capitulo 01 Pág.:12

Mulheres
MARIA — O Capitão segue seu caminho que nós seguimos

o nosso!
ESTÊVÃO DESAPONTADO FAZ UM GESTO DE CORTESIA E DIMINUI A MARCHA.

QUANDO A CARROÇA DE ROSÁRIO PASSA A SEU LADO, ELE OLHA LONGAMENTE
PARA ELA. ROSÁRIO SORRI TRISTE, É UM SORRISO DE DESPEDIDA E ACENA
DISCRETA. ENTÃO SUBITAMENTE ELE ARRANCA UM BOTÃO DO SEU DÓLMÃ E O
DÁ A ROSÁRIO. ROSÁRIO APERTA O BOTÃO E CORTA
CENA 28. PAISAGEM GAÚCHA. PLANICIE . EXTERIOR. DIA.
ROSÁRIO, MANUELA, MARIANA, PERPÉTUA, CAETANA, MARIA, LUZIA,

ZEFINA, XICA. OS MENINOS LEÃO E MARCO ANTÔNIO. OS ESCRAVOS NEGROS
QUE CONDUZEM AS CARROÇAS. O BEBÊ ANINHA DORME AGORA NOS BRAÇOS DE
CAETANA QUE MUITO CARINHOSA A APERTA CONTRA SI E A BEIJA
ENTERNECIDA. ANGÉLICA DORME NO COLO DE XICA. A CARAVANA SE DESLOCA
PELA PAISAGEM GAÚCHA. A UMA CERTA DISTÂNCIA, NA RETAGUARDA, O
CAPITÃO ESTÊVÃO SEGUE LENTAMENTE COM SUA TROPA. MARIA SE VOLTA
PARA TRÁS E VÊ A TROPA AO LONGE.
MARIA — Mas que impertinência!
ROSÁRIO E MARIANA SE ENTREOLHAM E CAEM NA RISADA. MANUELA SORRI E

ESCREVE EM SEU DIÁRIO.
MANUELA — (EM OFF) “O Capitão Estêvão nos segue de

perto desde que saímos da cidade. Mamãe
está furiosa. O que será que vai acontecer
quando ela descobrir que um oficial cara-
muru está enamorado de Rosário?”
CAETANA COMEÇA A CANTAR UMA CANTIGA DE AMOR EM CASTELHANO SENDO
SEGUIDA POR PERPÉTUA. A ELAS SE JUNTAM ÀS VOZES DAS ESCRAVAS, DOS
MENINOS, ROSÁRIO E MARIANA. MANUELA ESCREVE.
CENA 29.PAISAGEM GAÚCHA. LOCAIS VARIADOS. EXT. DIA /

ANOITECER.
EM CORTES DESCONTÍNUOS, O DIA DECLINA SOBRE A CARAVANA E A TROPA

DE ESTÊVÃO. O SOL SE TORNA UMA GRANDE BOLA VERMELHA E VAI
MINGUANDO NO POENTE. CORTA.
CENA 30. PAISAGEM GAÚCHA. ACAMPAMENTO DAS MULHERES. EXT. NOITE.

Mulheres
NOITE DE LUA CHEIA. A CARAVANA ACAMPA. OS PERSONAGENS SÃO OS

MESMOS DA CENA 28. O FOGO ESTÁ ACESO. XICA DÁ DE MAMAR A ANINHA.
ANGÉLICA CORRE ATRÁS DOS MENINOS LEÃO E MARCO ANTÔNIO. O CHIMARRÃO
PASSA DE MÃO EM MÃO.
MANUELA — (CARINHOSA PARA ZEFINA) Estás bem?
ZEFINA ASSENTE. MAS A VERDADE É QUE NÃO ESTÁ. ROSÁRIO OLHA PARA O
PONTO DE FOGO NO ACAMPAMENTO DE ESTÊVÃO. CORTA.
CENA 31. PAISAGEM GAÚCHA. BEIRA DE RIO. EXT. NOITE.
ACAMPAMENTO DE ESTÊVÃO E SUA TROPA. DO PONTO DE VISTA DE ESTÊVÃO,

VEMOS AO LONGE, ACAMPADA, A CARAVANA DAS MULHERES. UM SOLDADO
PASSA O CHIMARRÃO A ESTÊVÃO.
ESTÊVÃO — Prefiro caminhar para me aquecer.
CORTA:
CENA 32. PAISAGEM GAÚCHA. BEIRA DE RIO. EXTERIOR. NOITE.
SOB A LUZ DO LUAR, ROSÁRIO CAMINHA. AO VER ESTÊVÃO ELA PÁRA. ELE
VAI EM SUA DIREÇÃO. ELA SORRI TRISTE PARA ELE. ELE LHE BEIJA
LONGAMENTE A MÃO. ENAMORADO.
ESTEVÃO — Julguei que nunca mais fosse vê-la…
ROSÁRIO — Talvez fosse melhor que não me visse nunca

mais…
ESTEVÃO — Não diga isso, Rosário… não torne fugaz o

que pode ser eterno…
ROSÁRIO OLHA PARA ELE. EMOCIONADA. ESTEVÃO A ABRAÇA IMPETUOSA
E APAIXONADAMENTE. ELA RENDE-SE À ATRAÇÃO QUE TEM POR ELE. E O
ABRAÇA FORTE. OS DOIS SE BEIJAM COMO SE FOSSE A ÚLTIMA VEZ. CORTA.
CENA 33. PAISAGEM GAÚCHA. ACAMPAMENTO DAS MULHERES. EXT. NOITE.
CAETANA, MARIA, MANUELA, MARIANA,PERPÉTUA,LUZIA, ZEFINA, ANGÉLICA,

LEÃO, MARCO ANTÔNIO, ANINHA DORMINDO NO COLO DE XICA. UM ESCRAVO
ASSA UM PEDAÇO DE CARNE. OUTROS TOMAM CHIMARRÃO.
MARIA — (ALARMADA) Onde está Rosário?
LUZIA — Foi se lavar no rio, sinhá.

Mulheres
MARIA — (LEVANTA-SE FURIOSA) Que mania de se lavar

no rio! E a esta hora da noite com os impe-
riais por aí rondando à solta? (T) Pra que
lado ela foi?
LUZIA E MARIANA APONTAM EM DIREÇÕES CONTRÁRIAS.
MARIA — (PARA MARIANA) Me ajude a procurar sua irmã!
E CORTA:
CENA 34. PAISAGEM GAÚCHA. BEIRA DE RIO. EXTERIOR. NOITE.
ROSÁRIO E ESTÊVÃO BEIJAM-SE APAIXONADAMENTE.
ROSÁRIO — (AFASTA-O) Eu não posso me enamorar de um

caramuru… Não posso, Capitão…
ESTÊVÃO — O conflito não vai durar para sempre,

Rosário!
ROSÁRIO — Minha família odeia tudo que sua farda

representa… Na paz ou na guerra, jamais
permitirão que eu le namore…
MARIA — (GRITANDO EM OFF) Rosário!!!
ROSÁRIO — (EMOCIONADA) Eu tenho que ir.
ESTÊVÃO — Quando nos tornaremos a ver?
ROSÁRIO — Isto foi o começo e o fim de tudo, Capitão…

(VAI INDO)
ESTÊVÃO — Aquele botão que lhe e dei é para que nunca
me esqueça…
ROSÁRIO —(VOLTA-SE – INTENSA)Eu nunca vou le esquecer,

nunca, Estêvão… (VAI EMBORA)
ESTÊVÃO DESAPARECE NA NOITE. CORTE EM CONTINUIDADE: ROSÁRIO

CAMINHA NA DIREÇÃO DA TOCHA DE MARIA.
MARIA — Nunca mais saia de perto de mim! Nunca mais,

Rosário!!!

Mulheres
CENA 35. PAISAGEM GAÚCHA. EXTERIOR. DIA.
DIA NASCENDO. A CARAVANA DAS MULHERES SE PÕE EM MARCHA. MESMOS

PERSONAGENS DA CENA 28. AGORA ANGÉLICA ESTÁ NO COLO DE CAETANA E
XICA AMAMENTA ANINHA.
CORTE EM CONTINUIDADE PARA A CARROÇA DE MARIA, ONDE ZEFINA ESTÁ

PÁLIDA E SENTINDO DOR.LUZIA OLHA E A VÊ CONTRAINDO O ROSTO DE DOR.
ZEFINA FAZ QUE NÃO. NÃO É PARA DIZER A NINGUÉM.
EM CORTES DESCONTÍNUOS, A CARAVANA SE DESLOCANDO EM FRENTE E A

TROPA DE ESTÊVÃO SE DESLOCANDO PARA A DIREITA. ESTÊVÃO ACENA PARA
ROSÁRIO. ELA APERTA CONTRA O PEITO O BOTÃO QUE ELE LHE DEU.
MARIANA — Será que Capitão Estevão está indo pra Rio

Grande para encontrar o novo presidente?
MANUELA — Araújo Ribeiro só será presidente se tio

Bento le der posse! E Bento Gonçalves não
vai empossar um tirano!
CENA 36. CIDADE DE PORTO ALEGRE. EXTERIOR. DIA.
CENA 37. PALÁCIO EM PORTO ALEGRE. ASSEMBLÉIA. EXTERIOR. DIA.
LEGENDA: ASSEMBLÉIA DA PROVÍNCIA DO RIO GRANDE DO SUL.
BENTO GONÇALVES, BENTO MANUEL, TITO LÍVIO, ZAMBECCARI, ONOFRE

PIRES E FIGURAÇÃO.
BENTO MANUEL — (DE PÉ-FIRME) O Araújo Ribeiro não é tirano!

É um homem de paz, nasceu no Rio Grande do
Sul, é um dos nossos!
BENTO GONÇALVES — Se é homem de paz, o que está fazendo em
Rio Grande? Por que não vem a Porto Alegre
tomar posse?
BENTO MANUEL — E se ele vier,“vancês” vão empossar o homem?
TUMULTO NA ASSEMBLÉIA. CORTE REAL ENTRA PREOCUPADO E VAI

ATÉ BENTO GONÇALVES E COCHICHA AO SEU OUVIDO. BENTO SE LEVANTA E
SAI COM ELE APREENSIVO. CORTE REAL ATRÁS. ENQUANTO ISSO ACONTECE,
NO BACKGROUND, O DEBATE PROSSEGUE EXALTADO.

Mulheres
ONOFRE PIRES — Se o Araújo Ribeiro cuidasse dos interesses

desta província não deixava o Império
aumentar os impostos do nosso charque!
BENTO MANUEL — Vancê é muito rico, Coronel Onofre. E não há

de ser os impostos que le deixarão pobre!
TITO LÍVIO — E quem não é rico como ficará, Coronel?
ASSOBIOS E TUMULTO. CORTA.
CENA 38. ASSEMBLÉIA. ANTECÂMARA OU HALL. EXTERIOR. DIA.
BENTO GONÇALVES, CORTE REAL E TERÊNCIO. ABRE EM BENTO.
BENTO GONÇALVES — Elas enlouqueceram? Enfrentar uma viagem

dessas sem nenhuma escolta!…
CORTE REAL — Eu posso ir ao encontro delas, Coronel!
BENTO GONÇALVES — Vosmecê vai ter que fazer isso porque eu

não posso sair daqui! Leve dois ou três
homens! (PARA TERÊNCIO) E tu acompanha
também o Capitão Corte Real!
CORTA:
A CARAVANA DAS MULHERES PROSSEGUE. AS MESMAS PERSONAGENS DA CENA

18, MAS ROSÁRIO AGORA ESTÁ NA CARROÇA DE MARIA QUE SEGUE À FRENTE.
E ZEFINA NA DE MANUELA E MARIANA. NO CÉU COBERTO POR NUVENS
ESCURAS VEMOS, AO LONGE, UM RELÂMPAGO E O SOM DE TROVÃO. ZEFINA
TEM UM ESGAR DE DOR. ELA AFUNDA A CABEÇA NUMA MANTA PARA ABAFAR OS
GEMIDOS.
MANUELA — Não sabia que tu tinhas medo de trovão,

Zefina!
ZEFINA — Não é medo, sinhá. É as dor de parto!
MARIANA — Tu não podes parir antes da gente chegar na

Estância!
ZEFINA — Fio lá escolhe lugar pra nascer, sinhá?

Mulheres
MANUELA TOMA AS RÉDEAS DE LUZIA ASSUME A CONDUÇÃO DA CARROÇA E

EMPARELHA COM A CARROÇA DE MARIA
MANUELA — Mais depressa, mamãe! Zefina está em traba-

lho de parto!
MARIA — Era só o que nos faltava!!!
A CARROÇA DE MANUELA NA DIANTEIRA. RELAMPEJA E COMEÇA A CHOVER.
CENA 40. PORTO ALEGRE. ASSEMBLÉIA. EXTERIOR. DIA.
MESMOS PERSONAGENS DA CENA 37.
BENTO MANUEL — Eu confio no Regente Feijó e nas intenções

do novo presidente! E o melhor que temos a
fazer é le dar posse!
NETO — (ENTRANDO) Não vai ser necessário!
TODOS SE VOLTAM PARA NETO.
NETO — O Araújo Ribeiro tomou posse em Rio Grande!
ONOFRE — Essa posse de Araújo Ribeiro não tem valor!

Só esta Assembléia pode empossar legalmente
o presidente da província!
BENTO MANUEL — E ele vem a Porto Alegre pra ser desfeiteado

por vancês?
BENTO GONÇALVES — Se Maomé não vem à montanha, a montanha

vai a Maomé. Senhores:vamos a Rio Grande!
(PARA BENTO MANUEL)Já que o Araújo Ribei-
ro é tão bem-intencionado, não se furtará
a ouvir nossas exigências!
NETO — Assim é que se fala, Coronel!
ONOFRE — Onde é o ponto de reunião?
BENTO GONÇALVES — Na Estância da Barra! (PARA BENTO MANUEL)

Espero que vosmecê se junte a nós,
Coronel!
BENTO MANUEL FAZ UMA EXPRESSÃO CONTRARIADA E CORTA.

Mulheres
CENA 41. PAISAGEM GAÚCHA. EXTERIOR. ANOITECER.
A CARAVANA DAS MULHERES SOB CHUVA INTENSA. ZEFINA AGORA DEITADA SE

REVOLVE EM DORES. MARIANA SEGURA SUA MÃO. LUZIA ENXUGA SEU ROSTO.
A CARROÇA DE MARIA ATOLA.
MARIANA — (PARA MANUELA) Pára! Pára! Temos que ajudar

mamãe!
MARIANA, LUZIA, PERPÉTUA, MANUELA, MENINOS E O ESCRAVO TENTAM

DESATOLAR A CARROÇA. ZEFINA GRITA. MANUELA CORRE PARA ELA.
ZEFINA — Acode, sinhá, que meu filho tá nascendo!
MARIA — A parteira aqui és tu, Zefina! (NERVOSA) Não

basta a carroça atolar?! (IRRITADA) Parece
de propósito!
MANUELA — (JUNTO A ZEFINA) Eu nunca fiz um parto, mas

tu vais me ensinando, e eu vou fazendo!
ZEFINA — (COM LÁGRIMAS NOS OLHOS) Deus lhe pague,

sinhá!
EM CORTES DESCONTÍNUOS, VEMOS MANUELA INCLINADA ENTRE AS PERNAS DE

ZEFINA. MARIA, ROSÁRIO E PERPÉTUA ÀS VOLTAS COM PANOS E CALDEIRÕES
DE ÁGUA QUENTE. ZEFINA FAZENDO FORÇA. ANGÉLICA DE OLHOS
ARREGALADOS, CAETANA ENFIA A CABEÇA DOS MENINOS NO SEU REGAÇO PARA
QUE ELES NÃO VEJAM A CENA.LUZIA MUITO NERVOSA, REZA UMA AVÉ MARIA.
MARIA — Pára com essa ladainha e faz alguma coisa de

útil, criatura!
PERPÉTUA — (PARA LUZIA) Vai buscar mais água!!
MANUELA — Tá coroando! Tá coroando! Força, Zefina!

Força!
ZEFINA FAZ FORÇA. SOM DE CHORO DE BEBÊ.
MANUELA — (SEGURANDO O BEBÊ, EMOCIONADA) É menino!
ZEFINA — (FELIZ-CHORA E RI) Graças a Deus!!!
CENA 42. PAISAGEM GAÚCHA. BEIRA DE RIACHO. EXT. NOITE.
MANUELA O COLOCA NOS BRAÇOS DE ZEFINA PARA ELA AMAMENTAR. ROSÁRIO,

Mulheres
MANUELA, MARIANA E PERPÉTUA SORRIEM ENTERNECIDAS.
MARIANA — Tomara que ele seja saudável e tenha muita

sorte.
ROSÁRIO — Permita Deus que teu filho cresça em tempo

de paz!
ZEFINA — (PARA MANUELA) Vou dar ele pra vosmecê

batizar.
MANUELA — E o padrinho é São Miguel Arcanjo que vai

fazer de teu filho um grande guerreiro.
CORTA:
1º INTERVALO COMERCIAL
CENA 43. PAISAGEM GAÚCHA. EXTERIOR. AMANHECER.
NEVOEIRO. CINCO CAVALEIROS AVANÇAM POR ENTRE A BRUMA.
CENA 44. PAISAGEM GAÚCHA. BEIRA DE RIACHO. EXTERIOR. AMANHECER.
MESMOS PERSONAGENS DA CENA 41, MAIS O BEBÊ DE ZEFINA, AGORA NO

PEITO DA MÃE. BRUMA INTENSA. MANUELA, ROSÁRIO, PERPÉTUA, MARIANA,
LUZIA E OS MENINOS NO TRABALHO DE DESATOLAR A CARROÇA DE MARIA.
SOM DE GALOPE DE CAVALO. LUZIA OLHA ASSUSTADA.
LUZIA — Valha-nos Deus Nosso Senhor! Os caramurus

vão matar a gente!
CAETANA — Cala-te!
MARIANA — Eu estou ouvindo barulho de cavalos, tia
Caetana!
LUZIA COMEÇA A CHORAR.
MARIA — Pára com isso senão eu vou te bater, Luzia!
LEÃO — (OLHANDO PARA FORA) Olha, mamá!
DO PV DE CAETANA VEMOS OS CAVALEIROS SE APROXIMAREM EM MEIO À

BRUMA. CAETANA PUXA UMA ESPINGARDA DEBAIXO DO BANCO.
CAETANA — Quien vem lá?!!! (DÁ UM TIRO PARA CIMA)

Mulheres
CORTE REAL — (EM OFF) Não atirem! Viemos para ajudá-las!
MARIANA — É Corte Real! (PARA ROSÁRIO) Seu prometido

chegou!
ROSÁRIO DESCONFORTÁVEL. CORTE REAL, TERÊNCIO E OS HOMENS SE

APROXIMAM.
CAETANA — (ALIVIADA) Gracias a Diós!
MARIA — Deus seja louvado se não é o meu futuro

genro!
CORTE REAL — O Coronel Bento Gonçalves mandou que les

desse escolta!
CAETANA —(PARA TERÊNCIO) Teu filho nasceu!
ZEFINA ESTENDE O BEBÊ PARA TERÊNCIO. QUE O PEGA EMOCIONADO.
TERÊNCIO — Louvado seja Deus, sinhá! Que piá grandão!!!
CAETANA SORRI ENTERNECIDA. CORTE EM CONTINUIDADE PARA.
CORTE REAL — (PARA ROSÁRIO) Estava contando as horas e os

minutos para le ver! (PEGA A MÃO DELA)
ROSÁRIO — (AFASTA A MÃO)Desculpe… Estou suja de barro…
CORTE REAL — (PARA UM DOS HOMENS) Siga na frente e avise

na Estância que as senhoras não tardam a
chegar!
CORTE REAL OLHA PARA ROSÁRIO E CORTA NELA DESVIANDO O OLHAR.
CENA 45. ESTÂNCIA DA BARRA. EXTERIOR. DIA.
EM CORTES DESCONTÍNUOS, AS CARROÇAS A CAMINHO DA ESTÂNCIA E AO ENTRAREM

PELA PORTEIRA PÁRAM E OLHAM PARA A SEDE DA ESTÂNCIA QUE AINDA É UM
PEQUENINO PONTO NA VASTA PLANÍCIE.
CAETANA — Gracias a Deus.
MARIA — Gracias, cunhada.
E CORTA PARA:
Mulheres
TERÊNCIO E OS HOMENS DE CORTE REAL ESCOLTAM A CARAVANA. CORTE REAL

CAVALGA AO LADO DA CARROÇA DE ROSÁRIO E NÃO TIRA OS OLHOS DELA.
ROSÁRIO OLHA PARA A FRENTE, ABSORTA. PENSA EM ESTÊVÃO.
NA ENTRADA DA CASA, ANSIOSAS À ESPERA, DONA ANA JOAQUINA (PROPRI-

ETÁRIA) E DONA ROSA (ESPÉCIE DE GOVERNANTA) QUE, AO AVISTAREM A
CARAVANA, ACENAM ALEGREMENTE. JOSÉ PEDRA JUNTA-SE A ELAS PARA
AJUDAR A DESCARREGAR.
ANA JOAQUINA — (CONTENTE) Sejam bem-vindas!
MARIA — (ABRAÇANDO ANA JOAQUINA) Ah minha irmã! Eu

julguei que não chegava!
EM CORTES DESCONTÍNUOS VEMOS ANA JOAQUINA E DONA ROSA ABRAÇAREM

CADA UMA DAS MOÇAS E OS MENINOS QUE LOGO CORREM PARA DENTRO DA
CASA. BEATA E VIRIATA, AS CRIADAS, ENTRAM EXCITADAS PARA AJUDAR A
DESCARREGAR.
ROSA — (PARA BEATA E VIRIATA) O que estão fazendo

aqui? Voltem pra cozinha!
CORTE REAL AO LADO DE ROSÁRIO DIANTE DE ANA JOAQUINA.
ANA JOAQUINA — E entonces, quando é o vosso casamento?
ROSÁRIO — Como é que alguém pode casar com a província

em pé de guerra, tia Ana?! (ENTRA NA CASA)
MARIA — Mais uma razão pra vosmecês se apressarem!

(ENTRA)
ANA JOAQUINA — (PARA CAETANA) Tenho novidade para usted!
Bento está a caminho!
CAETANA — (ABRAÇA ANA J.) Gracias, gracias! Enfim uma

boa notícia!
E CORTA PARA:
CENA 47. ESTÂNCIA DA BARRA. SALA DE BANHO.INT.DIA.
MANUELA E MARIANA QUASE DESPIDAS SE LAVANDO. AS CLÁSSICAS BACIAS E

JARRAS. MARIANA, MOLECA, JOGA ÁGUA EM MANUELA QUE REVIDA. ROSÁRIO
IMERSA EM UMA TINA, COM O OLHAR LÂNGUIDO E PERDIDO. LUZIA LAVA AS

Mulheres
COSTAS DE ROSÁRIO.
LUZIA — O que lhe aflige, sinhá?
ROSÁRIO — Eu posso nunca mais voltar a ver o Capitão,

mas agora sei que não me quero casar com
mais ninguém…
MANUELA — Pelamor de Deus, tira o caramuru da cabeça,

Rosário!
ROSÁRIO — Para ti é fácil dizer isso: eu nunca te vi

enamorada de ninguém!
MANUELA — Eu ainda não conheci o homem que vou amar,

Rosário!
LUZIA — Como é que sabe que não conhece, sinhá?
MANUELA — Porque sonhei com ele…Não le vi o rosto, não

sei o seu nome… mas sei que é um estrange-
iro…
E CORTA.
CENA 48. PAISAGEM GAÚCHA. PLANÍCIE. EXTERIOR. DIA.
BENTO GONÇALVES E BENTO MANUEL À FRENTE DA TROPA. NESSA TROPA,

ESTÃO JOÃO CONGO (CRIADO DE BENTO), ANSELMO (MARIDO DE MARIA),
PAULO (MARIDO DE ANA JOAQUINA),PEDRO (FILHO DE ANA JOAQUINA).
FAZEM PARTE DO CONTINGENTE DE BENTO MANUEL, ALÉM DE SEUS SOLDADOS
E, NA RETAGUARDA, UMA CARROÇA DE PUTAS (CHINAS) EM SUA MAIORIA,
ÍNDIAS OU MESTIÇAS, CHEFIADAS POR CONSUELO, QUE É AO MESMO TEMPO
PROXENETA E VIVANDEIRA (ELA ARRANCA A ROUPA E BOTAS DOS SOLDADOS
MORTOS EM COMBATE E OS VENDE). ALGUNS SOLDADOS RODEIAM A CARROÇA
COM SEUS CAVALOS E FAZEM MOVIMENTOS OBSCENOS COM A LÍNGUA E A
BOCA. PUTAS RESPONDEM LEVANTANDO A SAIA, MOSTRANDO-LHES OS PEITOS,
A BUNDA OU MANDANDO BEIJINHOS.
CONSUELO — Primeiro la plata depois el amor!
CORTE EM CONTINUIDADE PARA BENTO GONÇALVES E BENTO MANUEL.
BENTO GONÇALVES — Era necessário trazer esse bordel ambula-

nte, Coronel?
Mulheres
BENTO MANUEL — Vancê conhece a soldadesca. Ficam aporreados

se não le satisfazemos a luxúria…
BENTO GONÇALVES — Coronel, não me leve a mal, mas não posso

permitir essas chinas na Estância da minha
irmã!
BENTO MANUEL — Fique tranquilo, Bento Gonçalves. Nós vamos

acampar fora da Estância! (E DIMINUI A
MARCHA)
BENTO GONÇALVES AVANÇA À FRENTE.
CORTE EM CONTINUIDADE. BENTO MANUEL PASSA PELA CARROÇA DAS CHINAS

QUE CANTAM E RIEM.
CONSUELO — (P/BENTO MANUEL) Diga lá, patrón! Verdad que

usted fez um pacto com o demônio para ficar
rico e ter tanta suerte?
BENTO MANUEL NÃO RESPONDE E SE JUNTA AOS SEUS SOLDADOS.
QUITÉRIA — Não foi ao diabo que ele vendeu a alma. Foi

a teiniaguá!
CONSUELO — Dá no mesmo! Ela é cria do diabo vermelho!
QUITÉRIA — Um dia eu vi a teiniaguá!
CONSUELO — E ela ia aparecer pra uma chinoca que nem

tu?
QUITÉRIA — Te juro, Consuelo: ela tem corpo de lagarti-
xa e cabeça de pedra luzente como um fogaréu
vermelho!
CONSUELO — Ela aparece com muchos disfarces! Para el

patrón, apareceu como una hermoza princesa
moura!
CORTE EM CONTINUIDADE. BENTO MANUEL PASSA À FRENTE DE TITO LÍVIO E

BENTO GONÇALVES.
TITO LÍVIO — Eu não confio nesse homem.
BENTO GONÇALVES — Nem eu, mas é bom estrategista e tem um

Mulheres
exército valente. Se a guerra estourar
vamos precisar dele!
TITO LÍVIO — Ele não luta por ideais, mas pela causa que
lhe der mais proveito! Ele jamais será um
dos nossos, Coronel.
BENTO GONÇALVES — Mas temos que o tratar como se fosse!
PONTO DE VISTA DE UM OBSERVADOR COM BINÓCULO. CORTA.
CENA 49. CIDADE DE RIO GRANDE. EXTERIOR. DIA.
CENA 50. RIO GRANDE. PORTO. NAVIO. INTERIOR. DIA.
ARAÚJO RIBEIRO NUMA REDE TOMA LICOR DE JENIPAPO. ESTÊVÃO ENTRA.
ESTÊVÃO — Os homens de Bento Gonçalves continuam avan-

çando para o Sul, senhor presidente!
ARAÚJO RIBEIRO — Continue atento ao movimento dos rebeldes,

Capitão.
ESTÊVÃO — Parece que eles são muitos, Excelência…
ARAÚJO RIBEIRO — E por que não seriam? Têm dinheiro, poder,

verdadeiros exércitos particulares. Esses
grandes estancieros são como os antigos
senhores feudais, Capitão!
CORTA:
CENA 51. ESTÂNCIA DA BARRA. PORTEIRA. EXTERIOR. DIA.

PLANO FECHADO DE MARCO ANTÔNIO BRINCANDO NO CHÃO COM SOLDADINHOS
DE CHUMBO. UM BONEQUINHO A CAVALO À FRENTE DE UMA TROPA DE OUTROS
SOLDADINHOS.
MARCO ANTÔNIO — “Companheiros, já que os malvados homens

do império não nos deixaram outra opção a
não ser lutar…”
UMA PATA DE CAVALO DE VERDADE APARECE AO LADO DO CAVALINHO DE

CHUMBO. MARCO ANTÔNIO OLHA PRA CIMA, ADMIRADO.PV DE MARCO ANTÔNIO:
BENTO GONÇALVES, MAJESTOSO, MONTADO EM SEU CAVALO.
MARCO ANTÔNIO — Papá!

Mulheres
BENTO GONÇALVES — Trouxe mais uns soldadinhos pra tu

brincares.
ABRE O PLANO. VEMOS A TROPA FARROUPILHA MAIS ATRÁS, NA MESMA POSE

DOS SOLDADINHOS DE CHUMBO. NA REAÇÃO DE ASSOMBRO DE MARCO ANTÔNIO,
CORTA PARA:
CENA 52. ESTÂNCIA DA BARRA. FRENTE DA CASA. EXTERIOR. DIA.
OS MENINOS CORREM ANIMADOS AO ENCONTRO DE BENTO. TERÊNCIO TOCA A

SINETA COM ENTUSIASMO. PROGRESSIVAMENTE AS MULHERES DA CASA
COMEÇAM A APARECER. MARIANA, MANUELA, PERPÉTUA, ANA JOAQUINA
(ENXUGANDO AS LÁGRIMAS), MARIA, CAETANA. ROSÁRIO POR ÚLTIMO. BENTO
CAVALGA À FRENTE COM MARCO ANTÔNIO NA GARUPA. LEÃO NO CAVALO DE
TITO LÍVIO. MARIANA PRECIPITA-SE PARA ANSELMO. ANA JOAQUINA PARA
PAULO. PERPÉTUA AJUDA MARCO ANTÔNIO A APEAR E SORRI PARA BENTO.
PERPÉTUA — Que saudade, papá!
BENTO GONÇALVES — (OLHA PARA CAETANA E O ROSTO DELE SE ILU-

MINA) Também estava com saudades, minha
filha!
MANUELA ABRAÇA BENTO GONÇALVES.
BENTO GONÇALVES — (CARINHOSO) Como vai a minha sobrinha

preferida?
MANUELA — Lamentando não ser homem para ir pelear com

vosmecê!
ANSELMO VAI ABRAÇAR MARIA, MAS ELA SE ESQUIVA. MARCAR ESSA FALTA
DE AFETO. PEDRO TOMA A BÊNÇÃO DE SUA MÃE, ANA JOAQUINA. CORTE REAL
CUMPRIMENTA PEDRO. BENTO GONÇALVES BEIJA AS MÃOS DE CAETANA. ELES
SÃO APAIXONADÍSSIMOS UM PELO OUTRO.
BENTO GONÇALVES — Senhora minha… que falta senti de usted…
CAETANA — E eu me consumi de saudades de usted, esposo

meu…
BENTO PASSA O BRAÇO NA CINTURA DE CAETANA E ENTRAM NA CASA.

ROSÁRIO OLHA PARA OS DOIS SE AFASTANDO COM INVEJA. CORTE REAL
OBSERVA. E CORTA.

Mulheres
CENA 53. ESTÂNCIA DA BARRA. EXTERIOR. ENTARDECER.
ENTARDECE SOBRE A ESTÂNCIA.
CENA 54. ESTÂNCIA DA BARRA. LOCAL DO CHURRASCO. EXT. ANOITECER.
A CERCA DE 50 METROS DA CASA, O CHURRASCO CORRE ANIMADO ENTRE OS

SOLDADOS. UMA OVELHA INTEIRA NO FOGO DE CHÃO. DOIS SOLDADOS CUIDAM
DO ASSADO, OS OUTROS BEBEM CHIMARRÃO, COMEM, SÃO SERVIDOS POR TRÊS
ESCRAVAS. TERÊNCIO EXIBE ORGULHOSAMENTE SEU FILHO VARÃO A JOÃO
CONGO. LEÃO E MARCO ANTÔNIO À VONTADE ENTRE A TROPA, EXAMINANDO
ESPADAS E BOLEADEIRAS. UM SOLDADO TOCA GAITA. OS SOLDADOS COMEÇAM
A DANÇAR ENTRE SI A CHIMARRITA. AS ESCRAVAS SE JUNTAM A ELES.
SOLDADO 1 — Churrasco, chimarrão e chimarrita. Isto é

que é vida, compadre!
SOLDADO 2 — Pués aproveite, hombre, que isto não dura

muito. (CORTA UMA TIRA DE CARNE SANGRENTA DO
BOI COM O FACÃO)
E CORTA:
CENA 55. ESTÂNCIA DA BARRA. QUARTO DE CAETANA. INT. ANOITECER.
BENTO GONÇALVES E CAETANA FAZEM AMOR ARDENTES, APAIXONADOS, COM A

INTIMIDADE DE QUEM CONHECE BEM O CORPO DO OUTRO. AO FUNDO, OS
RUÍDOS DA FESTA, QUE SE PROLONGA NOITE A DENTRO.
CORTE EM CONTINUIDADE. CAETANA COM A CABEÇA NO PEITO DE BENTO

GONÇALVES, QUE ACARICIA SEUS CABELOS.
BENTO GONÇALVES — Será que fiz mais um filho em usted?
CAETANA — Os filhos são meu consolo quando usted vai

pra guerra…
BENTO GONÇALVES — Nosso filho Caetano escreveu outra vez!
CAETANA —(AFLITA) E usted respondeu que o lugar dele é

no Rio Janeiro, estudando, como seu irmão
Joaquim!
BENTO GONÇALVES — O Quincas também quer voltar para o Sul,

Caetana…

Mulheres
CAETANA — Não os deixe vir! Eu não quero meus filhos

na guerra!
UM ALARIDO FORTE VEM DO LADO DE FORA. BENTO E CAETANA ESCUTAM.
CAETANA — (PREOCUPADA) Que pasa?
BENTO GONÇALVES SE LEVANTA E ESPIA PELA JANELA. E SORRI.
BENTO GONÇALVES — O Neto chegou!
CORTA PARA:
CENA 56. ESTÂNCIA DA BARRA. FRENTE DA CASA. EXTERIOR. ANOITECER.
NETO DESCE DO CAVALO. ATRÁS DELE A SUA TROPA DE LANCEIROS NEGROS.

ONOFRE E TITO LÍVIO O ABRAÇAM. A SOLDADESCA O SAÚDA. POR ONDE
PASSA, ARRANCA OLHARES DE ADMIRAÇÃO DAS MULHERES (SENHORAS,
CRIADAS E ESCRAVAS). APARENTEMENTE ALHEIO AO FRISSON QUE CAUSA,
NETO SE APROXIMA DE ANA JOAQUINA, MARIANA, PERPÉTUA, ROSÁRIO E
MANUELA, QUE ESTÃO NA VARANDA, E TIRA O QUEPE, RESPEITOSO. CORTE
REAL AO LADO DE ROSÁRIO.
NETO — Buenas noches, senhoras.
MARIANA — (ESPEVITADA) Veio me pedir em casamento, Sr.

Neto?
NETO ENCARA MARIANA COM UM OLHAR AVALIATIVO E DIVERTIDO.
NETO — Daqui a cinco anos, talvez, guria!

MARIANA — Eu não vou esperar tanto tempo por um
marido!
TODOS RIEM. BENTO GONÇALVES SAI DA CASA.
BENTO GONÇALVES — Agora sim! Estamos todos aqui!
BENTO GONÇALVES E NETO SE ABRAÇAM CALOROSAMENTE.
NETO — E trouxe meus lanceiros, capitão!
CAMERA NOS LANCEIROS NEGROS. E DEPOIS EM ONOFRE E BENTO MANUEL.
BENTO MANUEL —(INCOMODADO) Pra que ele trouxe esses negros?

A guerra não começou!
Mulheres
ONOFRE — O Neto fez muito bem em trazer os lanceiros.

Prevenir é melhor que remediar!
DO PV DE BENTO MANUEL, VEMOS CAETANA SAINDO DA CASA COM ANGÉLICA

PELA MÃO. BENTO PEGA A MENINA AO COLO. A SEU LADO PERPÉTUA QUE
OLHA AMOROSAMENTE PARA ELE; E CORRENDO POR ALI, LEÃO E MARCO
ANTÔNIO. BENTO GONÇALVES ESTÁ FELIZ, CERCADO POR SEUS FILHOS
PEQUENOS E BRINCANDO COM ELES. NETO SE APROXIMA E BEIJA A MÃO DE
CAETANA.
ONOFRE — (COM ADMIRAÇÃO) Bento Gonçalves tem tudo:

poder, terras, dinheiro, família bonita e
saudável!
BENTO MANUEL — (MISTO DE INVEJA E COBIÇA) O maior tesouro

de Bento Gonçalves é dona Caetana!
MANUELA OLHA PARA BENTO MANUEL, PERCEBE SEU OLHAR INVEJOSO, OLHA
PARA O CÉU E VÊ UMA AMEAÇADORA NUVEM VERMELHA. CORTA:
CENA 57. FORA DAS PORTEIRAS DA ESTÂNCIA DA BARRA. ACAMPAMENTO DE

BENTO MANUEL. EXT. ANOITECER.
OS SOLDADOS DE BENTO MANUEL CORRENDO ATRÁS DAS CHINAS. ALGUNS JÁ

TRANSANDO. CONSUELO CONTA AS AS MOEDAS. ENTRA CHICO MASCATE EM SUA
CARROÇA.
CHICO MASCATE — (PARA CONSUELO) Entonces está ficando rica,

comadre?
CONSUELO — E quién consegue ficar rica trabalhando
honestamente?
AO VER CHICO MASCATE, AS CHINAS LARGAM OS SOLDADOS E CORREM PARA
ELE.
QUITÉRIA — Ê, Chico Mascate, trouxe um vestido pra

mim!?
CHICO MASCATE — Trouxe muitos, minha linda! Estou chegando

de Rio Grande com uma mercadoria como nunca
se viu!
AS CHINAS CORREM PARA A CARROÇA DE CHICO MASCATE E DISPUTAM ENTRE

Mulheres
SI CHAPÉUS, VESTIDOS E PANOS.
SOLDADO — (OFERECE CACHAÇA) Tome um pouco de canha,

Chico!
CHICO MASCATE — Gracias, paisano. Eu vou atrás do cheiro de

assado!
CORTA:
CENA 58. ESTÂNCIA DA BARRA. INTERIOR. NOITE.
A CASA ILUMINADA.
CENA 59. ESTÂNCIA DA BARRA. SALÃO. INTERIOR. NOITE.
BENTO GONÇALVES, CAETANA, MARIA, MANUELA, MARIANA, PERPÉTUA, NETO,

PAULO (MARIDO DE ANA JOAQUINA), ANSELMO (MARIDO DE MARIA), PEDRO
(FILHO DE ANA JOAQUINA), CORTE REAL. ROSA, BEATA E VIRIATA, AS
CRIADAS, E JOSÉ PEDRA, SERVEM POR ALI. O BAILE COMEÇOU. MÚSICOS
TOCAM UMA POLCA. PERPÉTUA DANÇA COM BENTO GONÇALVES. ENCANTADA.
ANA JOAQUINA COM SEU MARIDO PAULO. MARIA ESTÁ SENTADA AO LADO DE
CAETANA. ANSELMO VAI TIRAR MARIA PARA DANÇAR, MAS ELA BALANÇA A
CABEÇA NEGATIVAMENTE.
MANUELA — (COM PENA) Eu danço com vosmecê, papai!
E SAI DANÇANDO COM ANSELMO.
MARIANA — Concede-me a honra desta contradança?
MARIA — Uma dama nunca convida um cavalheiro para

dançar!
MARIANA —(RINDO) Por que não?!!(E VAI DANÇAR COM NETO)
ROSÁRIO ENTRA. EXPRESSÃO ALHEIA.
CAETANA — Não acha Rosário mui triste, cunhada…?
MARIA — Ela não gostou de ter vindo para Estância,

Caetana… Usted conhece Rosário. O sonho dela
sempre foi morar no Rio de Janeiro…
CORTE REAL ENLAÇA ROSÁRIO E SAEM DANÇANDO. O PENSAMENTO DELA ESTÁ

EM ESTÊVÃO.
Mulheres
CORTE REAL — Em que está pensando?
ROSÁRIO — Vosmecê não ia gostar de saber…
TITO LÍVIO ENTRA NA SALA E AO PASSAR POR ANSELMO, ESTE LHE PASSA
MANUELA.
ANSELMO — Minha filha merece um dançarino melhor que

eu!
TITO LÍVIO ENLAÇA MANUELA E SAI DANÇANDO ENCANTADO COM ELA. CORTA.
CENA 60. ESTÂNCIA. FRENTE DA CASA. INTERIOR. NOITE.
A CHARRETE DE ANTÔNIA (IRMÃ DE BENTO GONÇALVES) PÁRA NA FRENTE DA

CASA. O COCHEIRO A AJUDA A DESCER. ELA ESTÁ COM NETINHO, UM
NEGRINHO DE OLHOS CLAROS, VESTIDO DE PAJEM. BENTO GONÇALVES SAI DA
CASA E VAI PARA ANTÔNIA.
BENTO GONÇALVES — (ABRAÇANDO-O CARINHOSAMENTE) Antônia!
ANTÔNIA — (BEIJA-O NA TESTA) Meu querido irmão!
OS DOIS VÃO SE ENCAMINHANDO PARA DENTRO DA CASA.
BAILE PROSSEGUE. MESMOS PERSONAGENS DA CENA 59, MAIS ANTÔNIA QUE

ENTRA COM BENTO GONÇALVES E NETINHO ATRÁS DELA. SUAS SOBRINHAS
(MARIANA, MANUELA, ROSÁRIO E PERPÉTUA) AO VÊ-LA, LARGAM SEUS PARES
E CORREM PARA ELA EFUSIVAMENTE PARA ABRAÇÁ-LA. PEDRO TAMBÉM.
PEDRO — Tia Antônia!

CORTE EM CONTINUIDADE. E DO PV DE ANA JOAQUINA E MARIA VEMOS
ANTÔNIA CERCADA PELOS JOVENS.
ANA JOAQUINA — Por que será que a juventude gosta tanto da

Antônia?!
MARIA — Porque não teve filhos! E sempre deu aos

moços ousadia demais!
BENTO MANUEL ENTRA. OLHA PARA CAETANA QUE ESTÁ SOZINHA NUM CANTO
DA SALA E VAI EM DIREÇÃO A ELA PARA TIRÁ-LA PARA DANÇAR. CAETANA
OLHA PARA BENTO GONÇALVES NUM MUDO PEDIDO DE SOCORRO. BENTO
GONÇALVES INTERCEPTA BENTO MANUEL NO MOMENTO EM QUE ELE ESTÁ A UM
Mulheres
PASSO DE CAETANA.
BENTO GONÇALVES — (POLIDO) Podemos conversar, Coronel?
REAÇÃO CONTRARIADA EM BENTO MANUEL, MAS ELE ACOMPANHA BENTO

GONÇALVES E OS DOIS SAEM DA SALA SEGUIDOS POR NETO. QUANDO PASSAM
POR MANUELA, ESTA DIZ PARA ANTÔNIA.
MANUELA — Esse homem não é trigo limpo… Vosmecê viu o

jeito que ele olha para tia Caetana?
ANTÔNIA — Dizem por aí que ele vendeu a alma ao diabo,

mas esse homem é tão ruim que nem o diabo ia
se meter com ele!
E CORTA:
CENA 62. ESTÂNCIA DA BARRA. BIBLIOTECA. INTERIOR. NOITE.
BENTO GONÇALVES, NETO E BENTO MANUEL.
BENTO GONÇALVES — Eu me chamo Bento Gonçalves, vosmecê

Bento Manuel. Temos o nome do mesmo
santo, lutamos nas mesmas guerras. Eu
conto com vosmecê nesta nova peleia,
Coronel!
BENTO MANUEL — Nós temos o mesmo nome mas somos muito

distintos, Coronel. Vosmecê nasceu em berço
de ouro, estudou no Rio de Janeiro… eu fui
criado ao léu, sem pai nem mãe!
BENTO GONÇALVES — Mas hoje o Coronel está muito mais rico
do que eu!
BENTO MANUEL — Eu lutei para isso. E tive muita sorte.
NETO — Nós contamos com a sua sorte para ganhar

mais esta guerra!
BENTO MANUEL — Se me permite a franqueza, não me parece bem

vancês se abalarem a Rio Grande para afron-
tar um homem do Imperador.
BENTO GONÇALVES — Que não respeita os riograndenses! Vamos

lá, Coronel. Pra tudo a Corte recorre a
Mulheres
nós: pra dinheiros, recrutamentos, guer-

ras… E o que temos ganho com isso?
BENTO MANUEL IMPASSÍVEL.
NETO —(P/ BENTO MANUEL) Diga: o que temos ganho?!

Vivemos com o pé no estribo e a arma na mão,
defendendo o Brasil contra os castelhanos!
Somos os primeiros a lutar e os últimos a
depor a espada e o Império não veste sequer
os nossos soldados!
BENTO MANUEL — Bueno, se não se importam, amanhã continu-

amos a prosear! (E SAI)
NETO — Pelo menos ele ouviu sem replicar!
BENTO GONÇALVES — Nem sempre quem cala concorda, Neto. O

Fato dele não ter argumentos, não
significa que tenha mudado de
convicção.
E CORTA:
CENA 63. ESTÂNCIA DA BARRA. LOCAL DO CHURRASCO. EXTERIOR. NOITE.
FESTA DA SOLDADESCA MESMOS PERSONAGENS DA CENA 54. MAIS CHICO

MASCATE QUE COME UM PEDAÇO DE CARNE. AO LADO DE ONOFRE.
CHICO MASCATE — A Marinha Imperial está toda em Rio

Grande! Escuta o que estou le
dizendo,
Coronel: esse Araújo Ribeiro é mais
ladino que vancês pensam!
ONOFRE — (PREOCUPADO) Quantos navios ele trouxe?
CHICO MASCATE — Não contei, mas é barco que não acaba

mais! (E CALA-SE PORQUE VÊ BENTO MANUEL).
CAMERA EM BENTO MANUEL QUE PASSA POR ELES SEM CUMPRIMENTAR.
CHICO MASCATE — Bento Manuel está com vosmecês?
ONOFRE — Se nos acompanhou até aqui é porque está do

nosso lado!

Mulheres
CHICO MASCATE — Entonces, por que arranchou do lado de

fora da Estância?
E CORTA:
CENA 64. ESTÂNCIA DA BARRA. SALÃO. INT. NOITE.
MESMOS PERSONAGENS DA CENA 61. ROSÁRIO E MANUELA ESTÃO SE SERVINDO

DE PONCHE NO BUFÊ.
ROSÁRIO — Eu reparei em ti dançando com Tito Lívio… É

ele o estrangeiro?
MANUELA — (SORRI) Não, não é…
ROSÁRIO — Como sabes?
MANUELA — (SEGURA) Eu sei, Rosário…
ONOFRE ENTRA PREOCUPADO E VAI EM DIREÇÃO À BIBLIOTECA.
MANUELA — Eu vou ver se tio Bento precisa de alguma

coisa!
MANUELA POUSA O COPO E SAI ATRÁS DE ONOFRE. E CORTA PARA:
CENA 65. ESTÂNCIA DA BARRA. BIBLIOTECA. INTERIOR. NOITE.
BENTO GONÇALVES, TITO LÍVIO, NETO E ONOFRE. ABRE EM BENTO.
BENTO GONÇALVES — (PREOCUPADO) Vosmecê tem certeza de que

a Marinha Imperial está fundeada em
Rio Grande?
ONOFRE — Foi o que o disse Chico Mascate, Coronel!
NETO — Deve ser verdade. O Araújo Ribeiro não é

burro de fugir da gente por terra! Os solda-
dos imperiais são meia dúzia de gatos pin-
gados!
MANUELA ENTRA SEM SER PERCEBIDA.
BENTO GONÇALVES — Senhores, nós precisamos de uma Armada!
TITO LÍVIO — Eu sei quem pode nos ajudar. (T) Giuseppe

Garibaldi.

Mulheres
REAÇÃO EM MANUELA
BENTO GONÇALVES — Garibaldi está em Marselha, Tito Lívio!
TITO LÍVIO — Tomei a liberdade de escrever para ele, Co-

ronel. E parece que Garibaldi está a caminho
do Brasil!
MESMOS PERSONAGENS DA CENA 64. MENOS CAETANA QUE JÁ SE RECOLHEU. O

BAILE ACABOU. A FESTA NO FIM. MANUELA JUNTO DE ANTÔNIA.
MANUELA — (EXCITADA) Quem é Giuseppe Garibaldi, tia

Antônia…?
ANTÔNIA — Um italiano, um homem mui valoroso, que por

causa de suas idéias foi condenado à morte.
Mas felizmente conseguiu escapar e agora
vive no sul da França…
MANUELA — (ILUMINADA) Ele está a caminho do

Brasil,
tia Antônia!
E CORTA PARA:
CENA 67. PROA DE NAVIO. INTERIOR. DIA.

GARIBALDI NA PROA, O VENTO LHE BATENDO NO ROSTO E ELE OLHANDO
CONFIANTE EM DIREÇÃO AO OCIDENTE.
CENA 68. ESTÂNCIA DA BARRA. QTO. DE ROSÁRIO E MANUELA.INT. NOITE.
ROSÁRIO SE DESPINDO AJUDADA POR LUZIA. MANUELA ENTRA. OLHOS

BRILHANTES.
ROSÁRIO — O que é que aconteceu, Manuela?
MANUELA —(MISTERIOSA)Nada, Rosário… (E PEGA SEU

DIÁRIO)
CORTA PARA:
CENA 69. ESTÂNCIA DA BARRA. SALÃO. INT. NOITE.
MARIA, ANSELMO, ANTÔNIA. CORTE REAL DE PÉ. RESPEITOSO. MARIANA

ALI.
MARIA — Bueno, parece que está na hora de ir dormir!

Mulheres
CORTE REAL — (P/ MARIA E ANSELMO)Eu queria aproveitar que

estamos todos reunidos para pedir a mão de
Rosário em casamento!
MARIA — Vosmecês não estão prometidos um pro outro?

Pensei que isso já estivesse resolvido,
Capitão!
CORTE REAL — Eu gostaria de começar a correr com os

proclamas, Coronel…
ANSELMO — Se Rosário quiser…
MARIA — Nossa filha não tem querer, Anselmo!
ANTÔNIA — E será que o Capitão vai querer se casar

contrariado?
MARIA — (PARA CORTE REAL) No que me diz respeito,

pode marcar o dia do casamento!
MARIANA SAI E CORTA:
CENA 70. ESTÂNCIA DA BARRA. QTO. DE ROSÁRIO E MANUELA. INT. NOITE.

MARIANA ENTRA. ROSÁRIO ESTÁ RECOSTADA NA CAMA OLHANDO PARA O BOTÃO
DE ESTÊVÃO. MANUELA ESCREVENDO EM SEU DIÁRIO.
MANUELA — (EM OFF) “Hoje descobri o nome do meu amado…

Ele se chama Giuseppe Garibaldi e é um
paladino da liberdade…”
MARIANA — (ENTRANDO – PARA ROSÁRIO) Estão combinando

na sala o teu casamento com Afonso Corte
Real!
ROSÁRIO — (AFLITA) O que?!…
MARIANA — Vá lá e diga que ama outro homem!
MANUELA — Não! Diga que só se casará com o Corte Real

em tempo de paz!
MARIANA — Mas se não estourar a guerra, ela vai ser

obrigada a casar!
MANUELA — A guerra vai estourar. (T) Hoje vi no céu

Mulheres
uma nuvem de sangue!
ROSÁRIO —(ANSIOSA) E que mais tu viste, Manuela?
MANUELA — Sete mulheres vivendo aqui na Estância dura-

nte muito tempo!
E CORTA NO CLIMA PARA:
EM CORTES DESCONTÍNUOS: AS TROPAS DE BENTO, NETO, ONOFRE

LEVANTANDO ACAMPAMENTO. BENTO GONÇALVES, PAULO, ANSELMO, ANTÔNIO,
JOSÉ, DESPENDEM-SE DAS MULHERES: CAETANO, ANTÔNIA, ANA JOAQUINA,
MARIA, MARIANA, MANUELA, ROSÁRIO, PERPÉTUA. OS MENINOS LEÃO E
MARCO ANTÔNIO, ANGÉLICA, XICA COM ANINHA NO COLO E CORTE REAL
POR ALI. JOÃO CONGO MONTADO A CAVALO AGUARDA O PATRÃO.
CAETANA —(ABRAÇA BENTO GONÇALVES)Quando le verei outra

vez?
BENTO GONÇALVES — Reze para que não demore muito tempo…

CORTE REAL —(PARA ROSÁRIO) Posso me considerar seu noivo?
ROSÁRIO — Não Afonso… Não!… (E VAI PARA DENTRO DA

CASA)
MARIA — Confie em mim, Corte Real! Ela vai mudar de

idéia!
E CORTA PARA:
CENA 72. FORA DA ESTÂNCIA. LOCAL DO ACAMPAMENTO DE BENTO MANUEL.

EXTERIOR. DIA.
BENTO GONÇALVES, ONOFRE, NETO E SUAS TROPAS CHEGAM AO LOCAL ONDE

ESTAVA O ACAMPAMENTO DE BENTO MANUEL. NÃO HÁ NINGUÉM A NÃO SER
VESTÍGIOS DE SUA PASSAGEM. CHICO MASCATE ALI.
CHICO MASCATE — Bento Manuel partiu durante a noite,

Coronel! A Consuelo disse que eles iam
pra Rio Grande…
ONOFRE — Então vai passar pro lado de Araújo

Mulheres
Ribeiro!
BENTO GONÇALVES — Já passou, Coronel! O homem só tomou

posse em Rio Grande porque se sentiu
bem calçado…
CORTA:
CENA 73. EMBARCAÇÃO SETE DE SETEMBRO. EXTERIOR. DIA.
ARAÚJO RIBEIRO, CAPITÃO ESTÊVÃO E BENTO MANUEL.
ARAÚJO RIBEIRO — Se os homens de Bento Gonçalves estão

vindo pra cá, então Porto Alegre está
desguarnecida!
BENTO MANUEL — É como le digo, presidente: o que a gente

tem que fazer é retomar Porto Alegre e
devolvê-la ao Imperador!
ARAÚJO RIBEIRO — Eu vou por mar e vosmecê por terra, Co-

ronel! Quando Bento Gonçalves chegar
aqui não vai encontrar ninguém!
BENTO MANUEL — Nós não podemos desapontar o homem, preside-

nte! Eu vou preparar uma surpresa!
ESTÊVÃO — (PARA ARAÚJO) Se fosse possível evitar o

confronto!
ARAÚJO RIBEIRO — Está com medo deles, Capitão?
ESTÊVÃO — Não… É que somos todos brasileiros, preside-

nte…
BENTO MANUEL — São eles que estão querendo sangue, Capitão!
E CORTA:
CENA 74. ESTÂNCIA DA BARRA. SALA. INTERIOR. DIA.
ROSÁRIO, ANTÔNIA, ANA JOAQUINA E MARIA. NETINHO POR ALI.
MARIA — Que história é essa de não querer casar com

o Corte Real?
ROSÁRIO — Eu não amo Afonso, mamãe!
A Casa das Sete Capitulo 01 Pag.: 38

Mulheres
MARIA — Eu também não amava seu pai quando me casei!
ROSÁRIO — Vosmecê nunca amou meu pai! Nem antes nem

depois do casamento, mamãe! E não é a sua
vida que eu quero pra mim!
MARIA DÁ UM TAPA EM ROSÁRIO. ROSÁRIO SAI CORRENDO DA SALA.
ANTÔNIA — Por que bateu na menina? Por que ela disse a

verdade?!
MARIA — Não te mete na minha vida, Antônia! (SAI)
ANA JOAQUINA — Convida Rosário para passar uns dias na sua

Estância…
ANTÔNIA — Duvido que Maria dê permissão. Eu sou uma

péssima influência. Eu sou mesmo, principal-
mente quando o assunto é amor. (T) Netinho,
mande preparar os cavalos que vamos voltar
pra casa!
CORTA:
CENA 75. ESTÂNCIA DA BARRA. VARANDA. INTERIOR. DIA.
ROSÁRIO DE OLHOS CHOROSOS. PERPÉTUA ENTRA.
PERPÉTUA — Em vez de chorar, reza para esquecer o Ca-

pitão caramuru.
ROSÁRIO — (DESAMPARADA) Esquecer como, se ele já está

em mim?
PERPÉTUA — A gente tem que comandar nossos sentimentos,

Rosário. É o que nos vale quando se nasce
mulher.
ROSÁRIO ABRAÇA PERPÉTUA QUE RETRIBUI, SOLIDÁRIA. CORTA:
CENA 76. PAISAGEM GAÚCHA. PLANICIE. EXTERIOR. DIA.
UMA NUVEM DE POEIRA. AS TROPAS DE BENTO GONÇALVES, NETO E ONOFRE

ESTÃO EM MARCHA. COM ELES CORTE REAL, TITO LÍVIO E JOÃO CONGO.
CENA 77. PAISAGEM GAÚCHA. CANYON. EXTERIOR. DIA.

Mulheres
BENTO GONÇALVES, NETO E ONOFRE CAVALGAM À FRENTE DE SUAS TROPAS.

PV DE ESTÊVÃO OLHANDO PELO BINÓCULO.
BENTO MANUEL — A quantas léguas eles estão, Capitão?
ESTÊVÃO — Ainda não apontaram, Coronel!
CENA 78. PAISAGEM GAÚCHA. PLANICIE. EXTERIOR. DIA.
BENTO GONÇALVES, NETO, ONOFRE, TITO LÍVIO OBSERVAM UM MAPA DA

REGIÃO. BENTO GONÇALVES APONTA UM ACIDENTE GEOGRÁFICO.
BENTO GONÇALVES — O desfiladeiro é logo aí na frente. Se

bem conheço Bento Manuel é um bom lugar
para atacar!
NETO — Vamos mandar um piquete de reconhecimento,

Coronel!
E CORTA:
CENA 79. PAISAGEM GAÚCHA. CANYON. INTERIOR. DIA.
BENTO MANUEL E CAPITÃO ESTÊVÃO OBSERVANDO POR UM BINÓCULO.

BENTO MANUEL — Bueno! Vamos nos preparar!
E CORTA:
CENA 80. PAISAGEM GAÚCHA. DESFILADEIRO. INTERIOR. DIA.
DO PV DO CANYON, VEMOS CORTE REAL E UMA TROPA DE 20 HOMENS

AVANÇAREM EM DIREÇÃO AO DESFILADEIRO, EM MARCHA ACELERADA. A
POEIRA QUE LEVANTAM NÃO PERMITE COM QUE BENTO MANUEL VEJA SE O
GROSSO DAS TROPAS DE BENTO GONÇALVES VEM ATRÁS.
CORTE EM CONTINUIDADE: AS TROPAS IMPERIAIS, COMANDADAS POR

ESTEVÃO AVANÇAM CONTRA OS HOMENS DE CORTE REAL.
ESTEVÃO — Atacar!!!! (DESEMBAINHA A ESPADA)
OS CARAMURUS AVANÇAM CONTRA OS FARROUPILHAS (EM INFERIORIDADE

NUMÉRICA). DIGAMOS QUE OS IMPERIAIS SÃO CERCA DE 50/60 HOMENS.
CORTE REAL — Pela honra do povo do Rio Grande!
SEQÜÊNCIA DA ESCARAMUÇA EM CORTES DESCONTÍNUOS. OS SOLDADOS SE

Mulheres
ENFRENTAM COM ESPADAS, LANÇAS E BAIONETAS. VEMOS CORTE REAL E

ESTEVÃO COMBATENDO COM DETERMINAÇÃO. CORTA PARA:
CENA 81. CANYON. PONTO ELEVADO. EXT/DIA
BENTO MANUEL, À FRENTE DE DEZ OU DOZE HOMENS, OBSERVA A ESCARAMUÇA

DE LONGE, POR UM BINÓCULO. ABAIXA O BINÓCULO, COM UMA EXPRESSÃO DE
SATISFAÇÃO. CORTA PARA:
CENA 82. PAISAGEM GAÚCHA. DESFILADEIRO. EXTERIOR. DIA.
PROSSEGUE O COMBATE ENTRE FARROUPILHAS E CARAMURUS. OS PRIMEIROS

EM DESVANTAGEM. E NO MOMENTO EM QUE TUDO PARECE PERDIDO, VEMOS
NETO E SEUS LANCEIROS AVANÇAREM EM DIREÇÃO AOS CARAMURUS.
NETO — Atacar!!!
CHUVA DE LANÇAS SOBRE AS TROPAS IMPERIAIS.
CENA 83. CANYON. PONTO ELEVADO. EXTERIOR. DIA.
BENTO MANUEL OBSERVANDO DE BINÓCULO O DESENROLAR DO COMBATE QUE

FATALMENTE VAI FAVORECER OS FARROUPILHAS. ELE OLHA E DECIDE SE
RETIRAR FAZENDO UM SINAL PARA OS HOMENS QUE ESTÃO ALI COM ELE.
BENTO MANUEL — (CONTRARIADO) Vamos embora!
E CORTA PARA:
CENA 84. DESFILADEIRO. EXTERIOR. DIA.
EM CORTES DESCONTÍNUOS VEMOS ESTÊVÃO RECUANDO FRENTE AOS LANCEIROS,

E CORTE REAL AVANÇANDO PARA ELE. AMBOS TERÇAM ARMAS E LUTAM COM
BRAVURA. POR FIM, ESTÊVÃO DÁ UMA ESTOCADA NA DIREÇÃO DE CORTE REAL,
QUE SE ESQUIVA E ACERTA UM GOLPE NA CABEÇA DO ADVERSÁRIO. ESTÊVÃO
CAI FERIDO E CORTE REAL SE AFASTA. CORTA:
CENA 85. ESTÂNCIA DA BARRA. VARANDA. EXTERIOR. DIA.
ROSÁRIO BORDANDO TEM UM SOBRESSALTO. MANUELA LENDO.
MANUELA — O que foi, Rosário?
ROSÁRIO — Um mau pressentimento, Manuela.
E CORTA PARA:

Mulheres
CENA 86.PAISAGEM GAUCHA. DESFILADEIRO. EXTERIOR. DIA.
OS SOLDADOS FARROUPILHAS RECOLHEM OS FERIDOS EM PADIOLAS E OS

MORTOS EM CARROÇAS. NO MEIO DO HORROR, CONSUELO, TINA E QUITÉRIA,
RETIRAM BOTAS E O QUE PODEM DOS SOLDADOS IMPERIAIS MORTOS OU
FERIDOS. CHICO MASCATE ENTRA COM A SUA CARROÇA. AO SEU LADO, UMA
MULHER EMBUÇADA, COMO UMA MUÇULMANA. PERSONAGEM MISTERIOSA.
CONSUELO — Não quer aproveitar, Chico? Aqui tem pra

todos!
CHICO MASCATE — Eu não negocio com a morte, comadre!
CONSUELO —(REFERINDO-SE À EMBUÇADA)Quién és essa mujer?
CHICO MASCATE — Estava vagando por aí feito alma

penada…
CONSUELO — Entonces é teiniaguá se fazendo de moura

encantada!
CHICO MASCATE — Se fosse ela, a vitória seria de Bento

Manuel! Mas parece que a sorte le
faltou desta vez.
E CORTA PARA:
BENTO MANUEL SE AFASTANDO COM SUA TROPA. CORTA.
CENA 88. PAISAGEM GAÚCHA. ACAMPAMENTO DE BENTO GONÇALVES.

EXTERIOR. DIA.
BENTO GONÇALVES, NETO, TITO LÍVIO, CORTE REAL E ONOFRE JUNTO AOS
FERIDOS QUE ESTÃO NA PADIOLA AS CARROÇAS COM OS MORTOS CHEGANDO.
BENTO GONÇALVES —(PARA CORTE REAL-REFERINDO-SE AOS MOR-

TOS) Dê um enterro cristão para esses
Homens e mande cuidar dos feridos,
Capitão…
NETO — Tinha razão, Coronel. O Bento Manuel prepa-

rou a emboscada!
BENTO GONÇALVES — Mas não ficou para ver a carnificina…

Mulheres
ONOFRE — Aonde será que ele está?
CHICO MASCATE —(ENTRANDO) Deve estar a caminho de Porto

Alegre. Pelo menos é pra onde as chinas
estão indo, Coronel!
CHICOTE PARA A CARROÇA DE CONSUELO SAINDO COM AS CHINAS.
BENTO GONÇALVES — (PARA TITO LÍVIO) Parece que vamos pre-

cisar do seu amigo Garibaldi mais cedo
do que imaginávamos.
CORTA:
CENA 89. ESTÂNCIA DA BARRA. QTO DE ROSÁRIO E MANUELA. INT. DIA.
MANUELA ESTÁ LAVANDO O ROSTO NA BACIA. E, ENTÃO, DE REPENTE, ELA

VÊ NA ÁGUA O ROSTO BATIDO PELO VENTO DE GARIBALDI.
MANUELA — (MURMURA) Ele chegou…
O MESMO ROSTO QUE VEREMOS NA CENA SEGUINTE:
CENA 90. PROA DE NAVIO. BAÍA DA GUANABARA. EXTERIOR. DIA.

GARIBALDI NA PROA OLHA DESLUMBRADO PARA A PAISAGEM.
CAPITÃO DO NAVIO — (APONTANDO) Rio de Janeiro!
CORTA EM CONTINUIDADE PARA A PAISAGEM DO RIO DE JANEIRO.GARIBALDI

COM A EXPRESSÃO FELIZ DE QUEM CHEGOU A SEU DESTINO.
CENA 91. PAISAGEM GAÚCHA. RIACHO. EXTERIOR. DIA.
ROSÁRIO A CAVALO NOS ARREDORES DA ESTÂNCIA. ELA AVISTA UM SOLDADO

IMPERIAL MONTADO A CAVALO PRATICAMENTE DESFALECIDO, COM UMA
BANDAGEM ENSANGÜENTADA NA CABEÇA. O CAVALO PÁRA PARA BEBER ÁGUA E
ESTÊVÃO CAI NO RIO. ELA RECONHECE E CORRE.
ROSÁRIO — Estêvão!!!
ROSÁRIO DESCE DO CAVALO E VAI PARA ELE. ENTRA NO RIO, LEVANTA A

CABEÇA DE ESTÊVÃO.
ROSÁRIO — (CHAMA AFLITA) Estêvão! Estêvão!
ELE ABRE OS OLHOS PARA ELA, SORRI E DESFALECE.

Mulheres
ROSÁRIO — (DESESPERADA)Não morre, não morre, meu amor!
FECHA COM A CABEÇA DE ESTÊVÃO ESTÁ EM SEU REGAÇO E ROSÁRIO

DEBRUÇADA SOBRE ELE.
FIM

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A CASA DAS SETE MULHERES

Inspirada na obra de Leticia Wierzchowski

Personagens deste capítulo

CENA 01. DIVERSAS PAISAGENS.INTERIOR. DIA.

MANUELA — (EM OFF) Em 1835, a Província de São Pedro

CENA 02. RUA DE PORTO ALEGRE. INTERIOR. DIA.

BENTO GONÇALVES ENTRA EM PORTO ALEGRE À FRENTE DE SUAS TROPAS

MANUELA —(EM OFF) Cansados de tanta opressão, as

ARAÚJO RIBEIRO DEITADO NUMA REDE NO TOMBADILHO DE UM NAVIO, E

MANUELA —(EM OFF) Mas, em vez de o Império promover a

CENA 05. ARREDORES DE PELOTAS. MARGEM DO RIO. EXTERIOR. DIA.

ROSÁRIO, UMA LINDA E JOVEM SOBRINHA DE BENTO GONÇALVES, TOMA BANHO

LUZIA — Já chega, sinhá. Vamos pra casa…

ROSÁRIO —(DELICIADA) Só mais um pouco, Luzia. Está tão

CHICOTE PARA OUTRO PONTO DA MARGEM ONDE ACABA DE CHEGAR A TROPA DE

ESTÊVÃO — Os cavalos estão com sede! E nós precisamos

A VOZ DE ESTÊVÃO SOBRESSALTA ROSÁRIO E LUZIA.

LUZIA —(ASSUSTADA) É os caramuru! Sai da água,

ROSÁRIO SAI DA ÁGUA. LUZIA A ENVOLVE NA TOALHA.

ROSÁRIO — Pega o meu vestido! Depressa, Luzia!

ESTÃO AMBAS TENSAS E COM PRESSA DE SAIR DALI. CORTA:

CENA 06. ARREDORES DE PELOTAS. MARGEM DO RIO. EXTERIOR. DIA.

OS SOLDADOS DE ESTÊVÃO PEGAM OS CAVALOS PELAS RÉDEAS E OS LEVAM

CENA 07. ARREDORES DE PELOTAS. MARGEM DO RIO. EXTERIOR. DIA.

LUZIA ABOTOA NERVOSAMENTE OS BOTÕES DO VESTIDO DE ROSÁRIO.

ROSÁRIO — (NERVOSA) As meias, Luzia!

LUZIA — (EM PÂNICO) Não vai dar tempo, sinhá!

DO PV DE LUZIA, VEMOS JEREMIAS E DAMIÃO VINDO NA DIREÇÃO DELAS. EM

JEREMIAS — Elas foram por ali!

FECHA NOS DOIS SOLDADOS, ENTRANDO A CAVALO NA MATA. CORTA.

CENA 08. ARREDORES DE PELOTAS . FLORESTA. EXTERIOR. DIA.

EM CORTES DESCONTÍNUOS ROSÁRIO E LUZIA CORRENDO. OS SOLDADOS

DAMIÃO — Bruaca maldita!

ENQUANTO DAMIÃO LIMPA OS OLHOS, LUZIA CORRE. CORTA PARA:

CENA 09. FLORESTA. MATA FECHADA. EXTERIOR. DIA.

ROSÁRIO ABRE CAMINHO PELA MATA, TÃO RÁPIDO QUANTO OS GALHOS E

CENA 10. PELOTAS. ESTRADA DE TERRA. EXTERIOR. DIA.

CENA 11. PELOTAS.LARGO DA IGREJA. EXTERIOR.DIA.

CHICOTE PARA LUZIA RASGADA E ARRANHADA, VENDO OS SOLDADOS SE

CENA 12. IGREJA. NAVE. INTERIOR. DIA.

ROSÁRIO ENTRA, OLHA EM VOLTA, PROCURANDO UM LUGAR PRA SE ESCONDER.

CENA 13. CASA DE BENTO GONÇALVES EM PELOTAS. SALA. INTERIOR. DIA.

MANUELA ESCREVENDO. ZEFINA, UMA ESCRAVA GRÁVIDA, ESTÁ TIRANDO O

LUZIA — Acode, sinhá! Acode que os caramuru tão

MANUELA — (LEVANTA-SE PRONTAMENTE) Os caramurus atrás

CENA 14. IGREJA. ESCADARIA ESTREITA. EXTERIOR. DIA.

ROSÁRIO SUBINDO AS ESCADAS APAVORADA.

OS DOIS SOLDADOS ENTRAM. O CORO ESTÁ VAZIO. JEREMIAS CUTUCA DAMIÃO

CENA 16. RUA DA CASA DE BENTO GONÇALVES. EXTERIOR. DIA.

MANUELA CAMINHA DECIDIDA EM DIREÇÃO À IGREJA. ZEFINA ATRÁS DELA

MANUELA — (SEM SE VOLTAR) Volta para casa, Zefina!

CENA 17. IGREJA. TORRE. EXTERIOR. DIA.

NA TORRE, ROSÁRIO PERCEBE QUE SE ENFIOU NUMA ARMADILHA. NÃO TEM

JEREMIAS — Perdeu isto, minha prenda?

DAMIÃO DÁ UMA RISADA BOÇAL. JEREMIAS RASGA A BLUSA DO VESTIDO DE

MANUELA — (OFF, GRITA) Afaste-se de minha irmã, seu

PV DE LUZIA: MANUELA NA ENTRADA DA TORRE. SORRI OBSCENO.

DAMIÃO — Isto aqui é uma igreja ou é o paraíso?

DAMIÃO VAI NA DIREÇÃO DE MANUELA, QUE RECUA.

MANUELA — Não ouse se aproximar de mim, seu porco!

DAMIÃO IGNORA E AGARRA MANUELA ENQUANTO JEREMIAS AGARRA ROSÁRIO.

ROSÁRIO — (TENTA DESVENCILHAR-SE) Me solta, verme!

ESTÊVÃO — (AOS SOLDADOS-REFERINDO-SE A DAMIÃO) Ponham