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ESTADOS
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o NOVO IMPERIALISMO
Tradução de
RICARDO DONlNElli-MENDFS

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RIO DE JANEIRO • SÃO PAULO

2009
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A era progressivista

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O dios entre classes estavam longe de desaparecer de um dia para o outro,
sob o feitiço de 1898 e seus triunfos. "Em 1904 a Associação de Proprie­
tários de Minas estava suspendendo as atividades de sindicatos de minas com
todas as armas tipicamente americanas para dissolver greves de membros de
comitês de vigilância, delegados, polícia da empresa, força militar, tropas fede­
rais e tribunais subservientes."l Os "espiões de mão-de-obra" Pinkerton acusa­
vam regularmente crabalhadores de planejar ações violentas, com a dupla
serventia de depreciar o socialismo e, é claro, alarmar empregadores, que passa­
vam a pagar mais a seus agentes. 2 Idéias fermentavam nessa atmosfera atribula- ­
da, e os anos anteriores a 1914 revelaram vários pensadores originais,3 dentre
os quais Thorstein Veblen foi o mais notável. Na política, foi a era "pro­
I gressivista", uma tendência de orientaÇ<~o um tanto imprecisa que pelo menos
levou em conta a necessidade de melhorias sociais e queria que o governo pro­
i! movesse a conciliação de classes. Theodore Roosevelt, que assumiu a presidên­
cia quando McKinley foi assassinado em 1901, era um representante típico dessa
) abordagem. Ele era, em sua próptia opinião, "um democrata muito radical",
i mas desejoso de combinar "liberdade ordeira" com "eficiência".4Todos que es­
tavam mais à sua direita ou à sua esquerda, ele considerava "reacionários peri­
li gosos" ou "extremistas perigosos", am bos ameaças à ordem social. 5 Ao escrever
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II A ERA PROGRESSIVISTA 183

para Cabot Lodge ele expressou inteira concordância com sua censura ao "ca­ I

pitalista sem lei" e ao "tipo novato de anticapitalista".6


Nos gabinetes desse período, assim como bem depois da Segunda Guerra
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rica do Norte foram, como Antonio Gramsci os chamou, "uma elite intelec­
tual, porém mais especialmente uma elite moral", 10 o mesmo não poderia ser
dito da maioria dos colonos mais tardios, em sua maior parte de origem cam­
Mundial, três quintos dos membros eram homens de negócios? Havia milio­
ponesa e sob forte tutela religiosa. Na América eles podiam aprender rapida­
nários, como Morgan, obstinados contra quaisquer concessões, mas, de ma­
mente, mas não estariam aprendendo socialismo. Sua presença iria, pelo
neira geral, a filosofia da acomodação racional, com espaço para capital e
contrário, desencorajar o radicalismo entre as camadas mais antigas de traba­
mão-de-obra numa economia em expansão alimentada por mercados estran­
lhadores, tornando a vida mais fácil para eles, assim como para as classes
geiros em crescimento, estava ganhando terreno entre as elites industrial e po­
médias. Visto que o trabalho doméstico, escreveu um observador inglês, es­
lítica. Elas eram originárias do mesmo nível social elevado e podiam se entender
tava "cada vez mais sendo considerado abaixo da dignidade de americanos
suficientemente bem;8 melhor do que na maior pane da Europa, onde a dife­
brancos e livres", era deixado em grande parte para negros e para os 60% de
rença social e de mentalidade entre elas, apesar de estar diminuindo, ainda era
mulheres imigrantes que logo procuravam serviço doméstico. Conseqüente­
real. Toda a época progressivista até 1914 foi guiada pelo objetivo de fortalecer
mente, "o americano inteligente e bem pago na verdade está na posição de
um capitalismo ainda muito competitivo através do tipo de regulamentação
uma raça dominante, que é servida e cuidada por negros e imigrantes estran­
que empregadores sensatos poderiam estar dispostos a aceitar. 9
geiros do mesmo modo que o antigo ateniense era servido por um trácio ou
A legislação social na verdade não era nem muito original nem muito
um asiático" . 11 Em outras palavras, o americano era um colonialista em casa,
eficaz; tentar refrear os excessos do capitalismo era como tentar, em dias
aproveitando os confortos que o europeu comum tinha de buscar na fndia
passados, averiguar a opressão a índios da fronteira. Mesmo assim, alguns
ou na África.
melhoramentos estavam de fato acontecendo. A prosperidade continuou
Não houve resistência consistente de uma aristocracia trabalhista às pana­
após a Guerra Espanhola, sem dúvida graças à euforia da vitória e à consciên­
céias expansionistas que eram anunciadas com estardalhaço como o passaporte
cia da nação de seu despontar como um poder mundial. A agricultura esta­
para a prosperidade de todos. Uma das previsões de Jack London em O tacão
va vivendo sua época de ouro, e com isso o movimento populista estava
de ferro foi a eclosão de uma guerra em 1912 entre a América e a Alemanha
enfraquecendo. A grandiosa Steel Corporation, formada em 1901, mostrou
igualmente agressivas, começando com um ataque-surpresa à Marinha ameri­
o capitalismo concentrando seus recursos portentosos; mas ao mesmo tem­
cana em Honolulu. 12 Ele foi tão utópico quanto Bellamy ao imaginar que essa
po a mão-de-obra, ou os trabalhadores capazes que estavam sendo organi­
guerra logo seria extinta por uma greve geral nos dois países. Além do mais ele
zados pela AFL (American Federation of Labour), adquiriram um status
mesmo estava infectado pela febre do Perigo Amarelo. Sentimentos confusos
mais protegido, graças a seus próprios esforços e a certa flexibilidade da parte
como os dele devem ter sido comuns; e embora, na Grã-Bretanha, os trabalha­
de alguns empregadores. Salários reais, que haviam despencado, estavam se
dores não estivessem entusiasmados ou fossem ora mais ora menos a favor de
recu perando nos anos antes de 1914.
incursões agressivas no exterior, não eram declaradamente contra.
Perto dessa data, um Partido Socialista estava crescendo, com rapidez su­
Argumenta-se ultimamente, não muito para o crédito dos historiadores,
ficiente, como na Europa, para assustar as pessoas respeitáveis. Porém, idéias
que as ligações entre pressões pollric;ls internas e as políticas externas ameri­
de mudanças mais fundamentais não tinham vigor suficiente para persuadir
canas foram pouco estudadasY Porém salienta-se que "progressivistas" tam­
uma força de trabalho muito heterogênea, constantemente diluída e dividida
bém eram defensores ardorosos da expansão. Enquanto uma anexação de
por novas hostes de imigrantes. Algumas delas poderiam até carregar germes
qualquer determinada área encontr;lria muitos inimigos, quase todos os ci­
políticos desagradáveis em seus farrapos, mas isso era contrabalançado por
dadãos "responsáveis" estavam se convencendo de que o futuro do país de­
sua incapacidade de luta organizada. Se os primeiros colonizadores na Amé­
pendia essencialmente do crescimento do comércio e de investimentos no
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184 ESTADOS UNIDOS: O NOVO IMPERIALlSty10 A ERA PROGRESSIVISTA 185

exterior. Isso estava se transformando numa questão de fé, de modo muito elemento não tão evidente no pensamento colonialista· era a esperança de
semelhante a como os britânicos acreditaram que estariam arruinados se per­ reduzir esse fator em casa exportando-o, por assim dizer, para possessões. Havia
dessem as colônias americanas, e agora tinham certeza de que ficariam arrui­ uma barganha tácita de que capitalistas teriam liberdade nessas terras afasta­
nados se perdessem a fndia. A obsessão americana era tão delirante quanto a das desde que se submetessem a certas limitações moderadas em casa. Num
britânica. Todavia, um sistema econômico, como uma nação ou religião, não comentário inspirado, P. S. Reinsch observou como estava confusa a "mistu­
vive só de pão, mas também de crenças, visões e fantasias, que nem por esta­ ra de forças econômicas e impulsos morais idealistas" prevalecentes. Por toda
rem erradas são menos vitais. E sempre há interesses adquiridos para mantê­ parte o "otimismo humanitário" da Revolução Francesa parecia ter revivido;
las vivas. O crescimento do mercado doméstico, por meio do aumento da havia um sentido de "um movimento novo e universal da sociedade civiliza­
população e de padrões de vida mais elevados, era muito mais genuinamente da para adiante", e membros da família humana que haviam ficado para trás
importante do que qualquer outra coisa que pudesse ser conseguida nos con­ deviam ser "trazidos à luz da liberdade e da razão". Alguns deles, ele avisou a
fins mais atrasados da Terra. Entretanto, na disposição da época, era necessá­ seus leitores, poderiam se mostrar relutantes como na época de Napoleão, "a
rio acreditar que a iniciativa americana devia poder extravasar-se neles. Por aceitar os arranjos de uma providência humana".!?
volta de 1915, havia uma soma impressionante de dólares investidos no exte­ Americanos, ele poderia ter acrescentado, como novos atores do papel da
rior, mas uma quantidade muito pequena havia viajado além do Canadá, da providência, ou Prometeu trazendo à humanidade a chama da livre iniciativa,
América Central e da Europa. poderiam ser cativados mais facilmente do que europeus por esse encantamen­
Quanto ao que as políticas dinâmicas em voga realmente·significavam, to tomântico. Mas ele estava ciente da nota dissonante, uma convicção de que
ou o que se esperava que alcançassem, boa parte permanecia obscura. Um "as raças ocidentais formarão uma casta privilegiada". Havia "uma tendência
estudioso como AlIeyne lreland simplificou a questão: os EUA estavam sim­ inconfessada, porém poderosa, de reduzir uma grande parte da humanidade a
plesmente obedecendo a uma lei universal, de que "vigor intelectual e físico uma posição de servidão". 18 Na verdade, ele estava apelando para um imperia­
e expansão territorial" andam j untos. 14 Antes de ter recebido a incumbência lismo americano mais esclarecido do que o europeu. Contra qualquer probabi­
da Universidade de Chicago em 1900 para fazer um relato sobre administra­ lidade disso havia o fato de que a América possuía não só minorias étnicas de
ções coloniais na Ásia, esse perito havia sido supervisor num estado antilha­ status inferior, sendo assimiladas apenas gradualmente, mas também uma grande
no e defensor do tráfico de trabalho chinês contratado. 's Roosevelt podia população de outras raças mantida numa posição não muito melhor do que
apresentar a missão americana como a de trazer ordem ao caos, assim como servidão. O desprezo pelo homem negro em seu próprio país fez com que fosse
em casa, ele desejava relações disciplinadas na vida econômica. Quando o fácil para os brancos considerarem todos os "nativos" no exterior de maneira
envelhecido Carl Schurz lhe escreveu em 1905 para pedir redução de arma­ semelhante.
mentos, o presidente justificou, como uma rédea necessária para a humani­ Agora que as primeiras mordidas haviam sido dadas, parecia muito pro­
dade inculta, a força armada, cuja única causa real era rivalidade entre grandes vável que houvesse outras. Muitos no exterior, no final da Guerra Espanhola,
poderes. "O banho de sangue bárbaro e irremediável, assim como a perversi­ estavam esperando para ver o México e a Nicarágua engolidos em pouco tem­
dade vistos em Argel e no Turquestão" só haviam sido freados com a ocupa­ po. Uma proclamação de abril de 1899 anunciou que a América estava to­
ção francesa e russa. 16 Aqui estavam novamente os "litorais sangrentos e mando possessão completa das Filipinas, para garantir o bem-estar do povo
ignorantes" de Beveridge, e o mesmo apelo para o senso de dever americano "e sua elevação e avanço para uma posição entre os povos mais civilizados do
que servira como motivo para intervenção em Cuba. mundo". No ano seguinte, tropas americanas estavam tomando parte, juntO
Na verdade a ordem colonial, sob todas as bandeiras, significava violên­ COm europeus e japoneses, de uma operação combinada na China para repri­
cia controlada, mais intensa do que dentro da sociedade metropolitana. Um mir o protesto da enorme população contra a intromissão estrangeira, a Re­
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belião Boxer;* eles também tomaram parte no saque de Pequim, que foi o
clímax da campanha. Um apelo dirigido ao presidente McKinley por parte
do governo chinês de nada serviu.
O general Chaffee, no comando das forças americanas, favoreceu aquisi­
ções: a Marinha queria pOrtos, os dois se apoiavam mutuamente, 19 e Conger,
ministro em Pequim, se fez de porta-voz. Logo depois de seu famoso apelo
para uma Porta Aberta na China, o secretário de Estado Hay concordou com
suas opiniões a ponto de instruir Conger a buscar uma base naval e sua
hinrerlândia na província de Fukien. 20 Essa programação não deu certo, em 2
parre devido a objeções do Japão, e por muitos anos foi mantida como um
dos maiores segredos na diplomacia secreta da Europa que americanos esta­ A experiência nas Filipinas e o
vam habituados a condenar. Havia no entanto um rumor de que outras po­ governo direto ou indireto
tências estariam oferecendo uma faria da China para angariar a aprovação
ameri cana ao seu desmembramento; mais tarde, conjecturou-se astutamente
que a Grã-Breranha recuara no Novo Mundo, no que dizia respeito à antiga
disputa da fronteira do Alasca, para assegurar que tal aprovação não seria
concedida.21 No início de 1906. repórreres anunciaram com grande alarde
que os EUA estavam preparados para enviar 40 mil soldados para a China­
onde a dinasria esrava à beira da ruína, para o caso de novos distúrbios. Cla­
ramente, um observador no Extremo Oriente comentou: "o altruísmo curio­
N ão havia base naval garantida no litoral da China, mas uma base gran­
de estava sendo criada nas Filipinas. Que algumas partes das ilhas seriam
mantidas como uma plataforma para defesa dos próprios direitos navais e
so de o ntem está sendo rapidamente substituído por... bom senso."22 comerciais no Extremo Oriente constituía uma conclusão prévia quando a
Guerra Espanhola eclodiu em 1898; a decisão de tomar todo o arquipélago e
assim lançar um "império" americano veio mais lentamente, após a derrota
da Espanha. Um motivo deve ter sido a relutância para dividir as ilhas com a
Alemanha, que provavelmente tomaria qualquer coisa que sobrasse e que era
um vizinho muito estranho em Samoa. Ainda mais propulsor pode ter sido o
desejo de prolongar o entusiasmo patriótico de 1898: um império, fosse qual
fosse ou deixasse de ser, proporcionaria mais afastamento dos problemas do­
mésticos. Era questionável que, com a Alemanha e o Japão ao largo, nenhu­
ma parte das Filipinas tivesse qualquer chance de construir uma vida nacional,
exceto com garantia dos EUA, que, conseqüentemente, podia hastear sua pró­
pria bandeira. A decisão de fazer isso, alcançada pelo presidente McKinley
no final de uma noite atribulada de orações, não lhe foi forçada pela impos­
sibilidade de estabelecer um controle menos direto. Um líder local apresentaria
• Memb ro de sociedade secrcro ch ines•. nacionalisra. ariva por yol ra de 1900. (N do T) Aguinaldo, eleito presidente pelo povo em janeiro de 1899, por intermédio
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de quem poderia haver uma influência adequada rapidamente. Ele não era Durante algum tempo o governo teve de fazer uma exibição de métodos
um patriota muito intransigente, precisava de ajuda e poderia precisar de pro­ conciliatórios para reconciliar o Senado à novidade dúbia de anexação colo­
teção. Parece que ele estava disposto a deixar que os americanos tivessem bases nial. "Os nativos semicivilizados", diz o cronista do Exército, "como agem
invariavelmente sob esse tratamento, atribuiram nossas aberturas à covardia
navais e até controle alfandegário. 23
Sua autoridade estava virtualmente completa, mostravam relatórios do e fraqueza."30 Isso foi a máxima que homens da escola "realistà' tiraram das
Exército; porém nada foi feito para obter um acordo com ele. 24 Em vez disso, guerras contra os peles-vermelhas, e os europeus de suas guerras coloniais.
os americanos esperaram até a chegada de reforços e então, em fevereiro de Idéias de fazer asiáticos lutarem contra asiáticos não demoraram a surgir; em
1901 o Congresso autorizou o recrutamento de soldados filipinos (e porto­
1899, realizaram um bombardeio, assim como fizeram os franceses em 1946,
riquenhos), a serem comandados por oficiais americanos. Essa tentativa de
quando suspenderam negociações com Ho Chi Mihn bombardeando Hai­
seguir o exemplo de exércitos coloniais da Grã-Bretanha ou da França não
phong, e dando início à Guerra do Vietnã. Em casa o confronto foi relatado
foi muito longe. Um erudito americano escrevendo em 1905 em defesa do
como uma revolta nativa, e a opinião pública respondeu com uma lógica
colonialismo admitiu que as coisas pioraram com a utilização dos Macabebes,
verdadeiramente imperial: muitos "agora sentiam que a honra nacional esta­
"uma tribo muito selvagem e cruel, odiada pelos nativos mais pacíficos que
va envolvida e que o país não podia se retirar das ilhas diante de um levan­
há muito tempo ela atormentava".3J Ele também foi sincero o suficiente para
te".25 Um principiante logo aprende a mentalidade e o jargão do império.
observar que, considerando quais eram as condições em muitas cidades ame­
Filipinos educados ficaram indignados por serem chamados de "negros",26
ricanas, não se podia esperar muito do sistema de polícia colonial que estava
e por uma canção que se tornou popular entre os soldados com o refrão: "Da­
sendo organizado, com tiras 10caisY
nem-se, danem-se, danem-se os filipinos. "27 As baixas foram mais numerosas
Outro paralelo com essas cidades podia ser percebido na prática da polí­
do que na guerra contra os espanhóis; durante 1899 houve quase quatro mil
cia de montar escritórios de um grupo étnico para patrulhar áIeas de classe
mortos, obrigando ao envio de mais soldados. Aguinaldo se manteve no po­ operária habitadas por outros grupos. Contudo, a afinidade mais óbvia da
der até abril de 1901. Com ele e seus tenentes, que representavam uma lide­ guerra de guerrilha era com as guerras contra os peles-vermelhas só concluí­
rança nacional de mentalidade moderna, apesar de fraca, do tipo que estava das recentemente; foi um post scriptum para eles do outro lado do mundo.
emergindo na fndia e em outrOS lugares, era mais fácil de lidar do que com Quase todos os comandantes haviam feito sua primeira luta contra índiosY
aqueles envolvidos na resistência nos vilarejos. Isso foi uma continuação da Até para uma América de mente liberal, os filipinos pareciam ser culpados de
guerra contra a Espanha, no fundo uma revolta agrária contra o sistema feu­ "muita crueldade, traição e ferocidade", mas acrescentou a "humilhação" de
dal de arrendamento de terras, e a resistência da guerrilha durou vários anos. ter de admitir que os americanos civilizados logo pagaram na mesma moeda.
Aqueles engajados em acabar com a guerra só a viam como banditismo. Já ''Assassinato, estupro, tortura e outros crimes eram cometidos com excessiva
foi observado que americanos, mesmo com todo seu sentimento de simpatia freqüência por soldados americanos e pelos auxiliares nativos comandados
pela Irlanda, normalmente não estavam cientes de seus problemas sociais;28 por oficiais americanos."34 Nenhum império foi construído sem apelar para
eles demonstrariam estar ainda mais inacessíveis para aqueles de uma colônia algum desses métodos; suas vítimas estão enterradas nas fundações, como os
remota, e essa incapacidade de entender o modo de existência de sociedades sacrifícios humanos enterrados sob as muralhas de fortalezas indígenas. Houve
muito antigas foi típica dos relacionamentos da América com o mundo pré­ indignação na América em relação às brutalidades, como sempre houve con­
industrial. Meio século depois, Owen Lattimore debruçou-se sobre essa tra delitos no exterior. Ainda não havia sido inventado nenhum perigo
incompreensão dos problemas agrários da Ásia e os danos provocados por bolchevique, e os filipinos, afinal de contas, eram cristãos de um determina­
eles na Coréia. 29 do tipo, mesmo que fosse um tipo dúbio. Porta-vozes do Exército reclama­
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vam de uma crítica sentimental nos Estados Unidos, assim como haviam re­ Por volta de 1907 os filipinos obtiveram permissão para ter uma Assem­
clamado de moralistas nos estados do Leste que se compóJdeciam dos índios. bléia 'Nacional, assim como conselhos de governos locais; porém, por trás dessa
A exposição ao aspecto sombrio da guerra colonial ajudou a impedir a fachada, todos os postos administrativos mais importantes eram mantidos
América de querer repetir a experiência negativa e a procurar formas mais de maneira firme em mãos americanas. 38 De faro o sistema foi organizado de
disfarçadas de imperialismo. Na época, a tarefa da conquista, assumida des­ modo a deixar o campo ser governado pelos latifundiários da forma que eles
preocupadamente, não podia, com o mundo observando, ser abandonada. A escolhessem, enquanto a América mantinha poder político e extraía a parte
violência nas Filipinas deve ter tido o efeito de estimular o recurso à violência melhor dos lucros. Latifundiários tradicionais agora estavam plantando cana­
em casa, em vez de fornecer um substituto para isso, e mais tarde ser mais de-açúcar para as refinarias americanas; eles representavam "aquela liderança
inflamada por ela. Métodos de força bruta contra filipinos e sindicalistas, anar­ de classe que tanto identifica a oligarquia cacique com o governo a ponto de
quistas ou quaisquer outros fora dos limites valiam para rodos. Ataques a afro­ fazer troça de quaisquer pretensões democráticas".39 Hábitos de uma socie­
americanos estavam se multiplicando. "Houve ações terríveis na América", dade feudal também infectaram evoluçóes mais modernas, inclusive fábricas
escreveu W. S. Blunt em seu diário em 1906: "Linchamentos e massacres de com proprietários americanos. "Empregadores industriais privativos herda­
negros, represálias contra a comunidade negra por agressões isoladas ... " Um ram as atitudes e até certo ponto o poder dos grandes latifundiários de tem­
ano depois ele escreveu: "Na América seiscentos hindus foram atacados por pos espanhóis."40 Industriais americanos perturbados por diversos sindicatos
uma gangue, num aro de fanatismo racial."35 Massacres organizados contra em casa podiam relaxar ao sol na mesma beatitude paciente que os europeus em
judeus na Rússia czarista forneceram outra de muitas semelhanças curiosas suas colônias, com mão-de-obra local dócil e bem policiada.
entre os dois gigantes opostos. Na política colonial, benevolência e interesse pessoal podiam se misturar
Do ponto de vista adminiStrativo, assim como do militar, o recorde do­ sem problemas, argumentou Mahan, desde que o bem do "nativo" fosse co­
méstico da América não representava um bom augúrio para o extenso domí­ locado primeiramente, como ele acredilava que a Grã-Bretanha havia apren­
nio que ela estava assumindo agora. Elihu Root, nomeado ministro da Guerra dido a colocar. Mais do que mera proteção era devida a "súditos estrangeiros,
em 1899, era um advogado corporativo que havia trabalhado como escre­ ainda na infância racial" (uma frase pela qual ele poderia ter agradecido a
vente para o truste do açúcar e, na política, um reacionário renitente. 36 Antes Kipling). Colônias só podiam estar seguras quando governadas para vanta­
do final de 1900 uma comissão civil foi criada nas Filipinas, lado a lado à gem própria, ainda que "Os habitantes [possam] não retribuir amor por seus
auroridade militar, com poderes ampliados após um ano. Seu chefe, e depois benefícios - compreensão ou gratidão [possam] não estar presentes ... "4J Ele
primeiro governador-geral, foi W. H. Taft, outro conservador obstinado, que, não deixou claro se estava pensando em benefícios para donos de terras ou
em casa, era a favor de matar revolucionários ou grevistas. Todavia, ele exibia camponeses. Tudo isso era confuso e provocava confusão, e a desordem em
a flexibilidade de um homem a caminho da Casa Branca. Entre quatro pare­ que estava se transformando a experiência filipina pelo menos conveniente­
des, ele considerava rodos os filipinos meras crianças, publicamente tratava mente evitava agitação. Para alcançar esse tipo de situação, por outro lado,
amigavelmente as classes alras a fim de persuadi-las a aceitar o domínio ame­ controle direto ou permanente poderia parecer desnecessário. Os Estados
ricano. 3? Nisso ele obteve sucesso; liberdade nacional obtida pelos campone­ Unidos nos primeiros anos do século poderiam parecer completamente com­
ses armados deve significar também revolução agrária, e as classes mais altas prometidos com a criação de um império. As anexações de 1898 logo prova­
eram, na maioria, latifundiárias. A América estava começando a forjar a aliança ram ser um desvio da linha principal de avanço, uma fantasia passageira ou
com a classe alta feudal contra as massas, o que viria a ser a âncora de salvação um tônico específico para um feitiço de saudades de casa.
de rodas as suas posições posteriores na Ásia - o exaro oposto daquilo que Apesar da afinidade com a Europa, também havia divergências impor­
ela defendeu em anos pJ~sados. tantes. O capitalismo é inerentemente expansionista, mas o tipo de império
ESTADOS UNIDOS: O NOVO IMPERIAL.ISMO A EXPERIÊNCIA NAS FILIPINAS E O GOVERNO DIRETO OU INDIRETO 193
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europeu também exigia motivações políticas e condições sociais, nem todas raças nos EUAY Tais sentimentos iriam se misturar na mente de John Bull
presentes na América. Na história européia era o instinto de possuir a terra até os últimos dias de seu império. Dizia-se, escreveu um jornal de Hong Kong,
_ nunca ligado apenas ao ganho financeiro, mas também à posição social e que as ilhas estavam atravessando um período difícil sob o sistema de
ao poder - que se mostrava, engrandecido, primeiro na construção de Esta­ empreguismo americano, sempre com funcionários novos chegando para fa­
dos maiores, depois na acumulação de colônias. Uma nação inteira britânica zer fortuna.44 Depois, dentro de poucos anos, a América estava indo ao outro
ou francesa podia se considerar um senhorio coletivo, com uma vasta proprie­ extremo e falando de governo próprio para as Filipinas, uma imprudência
dade trabalhada para ela por seus habitantes. A América não possuía essa tra­ que poderia ter um efeito perturbador em outras possessões asiáticas.
dição de propriedades, exceto pelas plantations, porém a riqueza de seus Portanto, a visão de Mahan de um império americano baseado no modelo
milionários provinha em grande parte de especulação territorial, roubo de britânico, que ele exaltava, em comparação ao outro precedente grandioso, o
florestas, pilhagem de bens públicos. Seu impulso colonizador não tinha como da Espanha,45 não estava se realizando. E afora as questões de método, havia o
objetivo governar uma terra longínqua e seus habitantes, mas apropriar-se de simples fato de que tirando a China não havia sobrado muito do mundo na­
recursos naturais. quela época para abocanhar, conforme a Alemanha havia descoberto pelo me­
A ausência de uma classe de gente de boa família e boa educação signifi­ nos uns doze anos antes, ao iniciar suas atividades. Quaisquer aquisições que os
cava uma escassez de aspirantes "naturais" para um serviço civil colonial. Vi­ EUA pudessem esperar realizar, sem lutar com oponentes mais fortes do que a
sitando as Filipinas em 1904, Ireland encontrou oficiais bem-intencionados, Espanha, seriam pequenas demais para oferecer algo em termos de mercados
mas pouco versados em administração tropical e desconhecedores de méto­ ou materiais; pequenas demais também em comparação com seu próprio vasto
dos empregados alhures. Sua própria predileção estereotipada era pelo gover­ território para exercer o apelo psicológico que as colônias exerciam em países
no de uma sÓ pessoa. Ele endossava a crença européia de que "povos tropicais" pequenos como a Holanda ou a Inglaterra. A única grande área aberta para os
sÓ podiam compreender a autoridade investida numa única pessoa e desa­ EUA era a América Latina, que consistia, pelo menos nominalmente, em Esta­
provava o sistema "corporativo" que a América estava criando. Isso poderia dos cristãos civilizados, em vez da selvageria impenitente que os Beveridges es­
merecer elogio, como um movimento nwna direçãO mais moderna, em vez tavam buscando. O predomínio americano podia ser estabelecido ali, para
de se. ,çondenado como "falta de visão das condições locais e desprezo pela começar na América Central, sem subjugar país algum.
experiência universal". Ele ficou numa posição mais firme ao dizer que um De modo geral, a América se sentia mais desconfortável do que satisfeita
serviço de alta qualidade, que exigia treinamento paciente de jovens, sÓ po­ ao se ver, pela primeira vez, proprietária de colônias, terras afastadas de casa.
42
dia ser assegurado por melhor pagamento e testes mais difíceis para entrar. Havia uma relutância real para encarar o fato, uma inibição para descer ao
Porém a América não possuía tradição monárquica para emprestar dignidade mesmo nível dos antigos impérios. Um Departamento Colonial foi planeja­
ao serviço público, e um homem com as qualidades exigidas seria capaz de ganhar do, mas não criado: o nome possuía uma ressonância ilegítima. 46 Samoa per­
mais dinheiro e ter o nome mais conhecido sem colocar os pés fora da América maneceu sob a tutela da Marinha. O Havaí tornou-se um território em 1900.
ou afastar-se para fazer parte da folha de pagamento de wna empresa. Sua população podia ser estrangeira, com grande mistura japonesa, mas ha­
Houve crítica grosseira desde o início em algumas partes da Grã-Bretanha, via uma classe governante solidamente americana na forma dos fazendeiros.
não só antiimperialistas. Ingleses não se sentiram penalizados por ter a chance Em 1917, os porto-riquenhos foram recompensados, em troca de sua do­
de retrucar as censuras americanas sobre seu próprio comportamento colonial, cilidade, com o direito de cidadania. Neste caso havia algo semelhante à fic­
fazendo comentários sobre o comportamento americano durante a tomada ção com a qual a Europa nomeava algumas de suas colônias que eram
das Filipinas; também sobre o tratamento dispensado a homens de outras províncias do território metropolitano: a Argélia era teoricamente parte da
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França; Angola e Moçambique eram tecnicamente províncias de Ponugal, estrangeiros rJstoricamente atrasados era muito racional, quer fosse sentido
embora com direitos muito restritos para a massa de seus habitantes. por pessoas cultas e de alta classe social ou por trabalhadores, ameaçados por
Todavia, enquanto a mão-de-obra barata argelina era desejada na França, uma competição implacável. Infelizmente, os dois grupos recorriam com
e os africanos de Portugal podiam facilmente ser mantidos onde estavam, excessiva freqüência à difamação de cepas "inferiores" ou "nativas" como con­
muitos dos novoS súditos da América poderiam, se autorizados, ir para um juntamente inferiores. Samuel Gompers da AFL falava dos filipinos como
país que já estava criando barreiras contra imigrantes, e onde o racismo con­ selvagens.~8 Qualquer oposição ao imperialismo por parte de trabalhadores
tra qualquer povo de outra raça era garantido pela agitação contra colonos era desmerecida pela Lei de Exclusão de 1902, que os calava. Enquanto isso,
chineses e japoneses. Isso foi apoiado por uma mixórdia de pseudociência. a fala desdenhosa de seus líderes sobre "nativos" era proveitosa para imperia­
De acordo com Reinsch, "segundo a ciência moderna, elementos psicológi­ listas como Roosevelt (que se rejubilou com o resultado dos '·Casos Insula­
cos herdados ... são os fenômenos mais persistentes que conhecemos". Isso res") e Cabot Lodge. Eles também consideravam os povos nativos primitivos
tornava a verdadeira assimilação impraticável, exceto para alguns indivíduos e usavam isso como justificativa para relegá-los a um status colonial. Os
favorecidos, como afro-americanos formados em universidades americanas. filipinos eram, declarou Beveridge, uma raça despreparada para governar a si
Sua conclusão mais sensata foi que as culturas e estruturas sociais de povos mesma49 - permanentemente, se poderia presumir: afinal de contas, eles já
indígenas tinham de ser preservadas; era "uma loucura e uma crueldade" varrê­ tinham estado sob governo colonial por três séculos sem fazer muito progres­
los para fora como se fossem lixo. 47 Claramente essa linha de pensamento so; embora isso pudesse ser evidência contra o governo estrangeiro em vez de
também era relevante para o problema dos peles-vermelhas. Todavia, o efeito contra o sangue nativo.
prático de toda especulação racial era parecido demais para ser retrógrado. Mesclada à questão de admitir "nativos" na América encontrava-se aquela
Bryan estava colocando a questão idealista contra o imperialismo quando disse de admitir produtos coloniais: era de grande preocupação para interesses mais
em 1899 que: "Esta nação não pode durar metade república e metade colô­ imponantes, e muito mais difícil de resolver sem o império ser reduzido a um
nia - metade livre e metade vassala." Em outras palavras, não deveria haver absurdo. A produção da própria América era tão grande e variada que a gama
cidadãos de pnmeira e de segunda classe sob a bandeira americana. Na ver­ de produtos que podiam ter licença para entrar sem danificar algum interesse
dade, já havia, dentro dos EUA, muitos milhões de cidadãos de terceira classe. seccional era limitada. Se a Europa tivesse sido uma unidade econômica seme­
Foi falta de sorte os antiimperialistas acharem que seria mais fácil serem ou­ lhante, teria tido a mesma alergia ao colonialismo e ao conseqüente recebimento
vidos se insistissem no perigo de a vida americana ser modificada por cepas de bens coloniais, a maioria dos quais podia ser produzida em casa. Atualmen­
estrangeiras. Para piorar, a maioria da população de ilhas próximas era de te a União Européia está começando a demonstrar isso. A divisão num grupo
ascendência africana; e foi uma época em que uma mudança de negros do de pequenos estados concorrentes era o que tornava viável o imperialismo de
Sul para estados do Norte estava espalhando ainda mais atrito racial. estilo europeu. No caso americano o açúcar, o primeiro grande chamariz para
Houve discussões acaloradas sobre se a bandeira carregava consigo auto­ a expansão, também constituía um obstáculo rígido. Mercados para açúcar e
maticamente, ou se devia carregar com ela, os benefícios da Constituição. outras mercadorias coloniais podiam ser procurados em outros lugares no
Decisões da Suprema Corte nos "Casos Insulares" de 1900 e 1901 decreta­ mundo, mas os EUA eram seu mercado óbvio. Era para lá que consumidores,
ram que não. A história da América como uma nação de imigrantes tornava cultivadores e refinadores se encaminhavam em direções diferentes. Da mesma
mais difícil do que para europeus imaginar possessão de terras cujo povo não maneira, vinho barato produzido por grandes fazendeiros franceses na Argélia
estava livre para vir e se instalar. Porém, do jeito que as coisas estavam nO competia penosamente com o produto doméstico.
momento, imigrantes coloniais não podiam ser bem-vindos. Em si mesmo, Questões relacionadas ao açúcar, assim como a imigrantes de outras ra­
o temor de a civilização americana encher-se de uma carga pesada demais de ças, podiam promover no Sul um sentimento contrário a anexações, apesar
196 ESTADOS UNIDOS: O NOVO IMPERIALISMO A EXPERIÊNCIA NAS FILIPINAS E O GOVERNO DIRETO OU INDIRETO 197

de seu temperamento patriótico. Esses fatores seccionais fizeram mais para contrada nas notas do Comércio Livre de 1899-1900, que mostravam um
dar forma a políticas das Filipinas do que qualquer esclarecimento público. interesse ostensivo no direito de comerciantes americanos não serem excluí­
Em particular ajudaram a evitar, apesar de Taft e seus oficiais, a aquisição por dos do mercado chinês. Consideradas mais amplamente, elas defendiam "uma
americanos de grandes latifúndios, que em Cuba e na América Central "in­ estratégia clássica de expansionismo imperial não-colonial", ou, como tam­
dependentes" não enfrentavam qualquer obstáculo. Isso não foi bom para os bém foi chamado expressivamente: "anticolonialismo imperial".52 Inevitavel­
camponeses, deixados (como em muitas partes do império britânico) sob a mente o título oficial da nova política era em parte ilusório ou dissimulador.
tirania de seus próprios senhores feudais; mas reduziu o compromisso ameri­ Significava que todas as portas tinham de se abrir para a América, e para
cano com o controle político permanente das ilhas. Nos locais onde o qualquer outro com força suficiente para exigir entrada; onde a América se
colonialismo estabeleceu uma grande propriedade de terras, os EUA se reti­ encontrava numa posição de mandar, outros encontrariam a porta aberta
raram com mais relutância do que daqueles onde seus 'lucros foram, na maior apenas pela metade. Não só nenhum outro poder teria direito de fechar a
parte, industriais ou financeiros. Pode-se comparar a vontade da Grã-Bretanha porta da China para a América, mas nem China, Marrocos ou, acima de to­
de abrir mão do controle direto da fndia após a Segunda Guerra Mundial dos, México possuía direito de fechar a própria porta contra o livre empreen­
com a recusa francesa de sair da Indochina ou da Argélia, ou os holandeses dimento, principalmente americano. Conseqüentemente, um bom bostoniano
da Indonésia. podia virtuosamente rejeitar colônias, mas endossar outros tipos de interfe­
O único produto filipino cuja admissão não provocava ressentimento na rência em países supostamente livres, muito como se dizia que seus ancestrais
América era o cânhamo, para fazer cordas,so que não representava um víncu­ puritanos remiam os pecados, aos quais estavam inclinados, reprovando aque­
lo forte o suficiente para unir as economias. De modo geral, esse empreendi­ les sobre os quais não pensavam.
O anti imperialismo num homem como Bryan poderia, portanto, ser sin­
mento colonial não estava se mostrando lucrativo. Como mercado para
cero, mas muito restrito. Sua prescrição para as Filipinas era criar um gover­
produtos manufaturados americanos, sofria com a competição de bens es­
no estável dirigido por um filipino, e depois estender a ele o mesmo tipo de
trangeiros mais baratos, notadamente produtos têxteis britânicos. 51 Se o go­
"proteção" desfrutada por Cuba. 53 Levaria muito tempo para a mente ameri­
verno americano estava beneficiando apenas alguns filipinos, também estava
cana perceber que governos "estáveis", em contextos como este, significavam
beneficiando apenas alguns americanos, principalmente os proprietários de
governos fantoches compostos por senhores de terra feudais ou contraban­
refinarias de açúcar nas ilhas, que asseguravam condições preferenciais no
distas, estabilizados por fuzileiros navais. Outros homens, como Roosevelt e
mercado doméstico. Poucos americanos se beneficiariam perceptivelmente
Hay, seduzidos durante algum tempo pelo colonialismo de estilo britânico,
com a outra linha de expansão, mais oblíqua, para a qual seu país estava se
preferiram métodos mais indiretos. Eles e a escola de Bryan se uniram numa
dirigindo, mas pelo menos os custos para os contribuintes seriam mais bem
latitude confortável. Em 1906, Roosevelt teria apreciado encontrar uma
escondidos ou disfarçados. Decisões não precisam ser comunicadas aberta­
maneira de se livrar das Filipinas como um todo, sem perder o prestígio. "As
mente, mas podiam ser impingidas ao povo por escamoteação. Em função
Filipinas são nosso calcanhar-de-aquiles", escreveu ele em 1907. As mesmas
disso, e porque a oposição ao imperialismo, apesar de mais pesada do que em
palavras que Schurz havia usado no Havaí. "Elas são tudo que torna a atual
qualquer país europeu, se baseava demais em amor-próprio seccional em vez
situação com o Japão perigosa."54 Ele manteve uma consideração positiva do
de princípios, ela nunca chegou a ser debatida completamente.
império britânico, talvez um tipo de consolação substituta, uma saudade de
A agitação colonial americana estava chegando a contradições insolúveis:
um brinquedo juvenil que anos de prudência o obrigaram a jogar fora .
disso e de outras táticas mais simples adotadas em Cuba, estava emergindo O "neocolonialismo" constitui um termo novo para uma relação bastan­
uma escolha a favor de controle indireto. Uma indicação disso podia ser en- te amiga, um imperialismo morganático, iniciado pela Grã-Bretanha junto
".;:

19B ESTADOS UNIDOS: O NOVO IMPERIALISMO


~ A EXPERIÊNCIA NAS FILIPINAS E O GOVERNO DIRETO OU INDIRETO 199

de se sentir mais qualificada para colocar a casa de outras pessoas em ordem.


com a formação de um império. Experimentado pela primeira vez dentro da
Tal era a convicção do milionário de San Francisco no romance de Joseph
Europa, Portugal foi, a partir do início do século XVIII, uma colônia econô­
Conrad, cujos ingleses, escoceses, alemães personagens de origens várias davam
mica com uma semidependência política, mantendo os portos sempre à dis­
a ele "o temperamento de um puritano e uma imaginação insaciável de con­
posição da Marinha britânica. Um dia, em 1847, um observador americano
quista". Expandindo-se entre seus visitantes ingleses da república latino-ameri­
perspicaz na cidade do Pono viu uma frota inglesa navegando junto da costa,
cana de Costaguana sobre sua podridão, e1ê concluiu: "É claro, algum dia nós
enquanto um contingente do Exército espanhol, agindo em conjunto com
entraremos. É o nosso destino ... Vamos tomar conta dos negócios do mundo,
ela, entrou na cidade. John Buli estava defendendo seus direitos comerciais
quer o mundo goste ou não. O mundo não pode evitar - nem nós, eu acho."58
contra Portugal, e: "Quando instituições populares e privilégios livres entram
em conflito com vinho do Porto, o inglês conhece sua deixa.";; A América
Latina ofereceu um campo para arranjos semelhantes. Um memorando do
Ministério das Relações Exteriores de 1841 esboçava uma política para re­
mediar as condições caóticas que estavam prejudicando o comércio no local.
"Por meio de gerenciamento prudente ... nós poderíamos manter os centro­
americanos sob controle, além de introduzir uma grande quantidade de co­
mércio britânico naquela parte da América." Em geral, intrometer-se em
outros países podia ser errado, mas "há um ponto em que pode até se tornar
justificável, se não imperativo, que cada Estado procure essa interferência por
interesse próprio e como um meio de autopreservação".56 O que a Grã­
Bretanha tentara fazer no Novo Mundo com recursos já esticados mostrou-se
possível apenas em escala limitada, mas agora seria transformado pelos EUA
num programa consistente.
,. Alguns argumentos usados por antiimperialistas davam vantagem aos
..
II
I

il
neocolonialistas. Carl Schurz - um dos muitos que tinham como certo que
qualquer território onde a bandeira tremulava tinha de ser incorporado à
União - havia insistido, em sua polêmica de 1893, que a União ficaria
desnaturada pela adição de regiões tropicais como as da América Central,
porque seus povos, em comparação aos "germânicos", não entendiam a de­
mocracia. "As chamadas repúblicas existentes sob o sol tropical oscilam cons­
tantemente entre anarquia e despotismo."5? Esse tipo de pensamento poderia
protegê-las da anexação, mas as deixava muito expostas para outras formas
de interferência, pois se sua condição quando deixadas sozinhas era realmen­
te deplorável, poderia ser uma bondade, até um dever, por parte dos EUA,
levá-las pela mão. Uma América capitalista que estava colocando a própria
casa em ordem naqueles anos, e prosperando de acordo, tinha probabilidade
3

A diplomacia do dólar na América Central

N a verdade não havia nenhuma palavra no dicionário político america­


no para o tipo de relacionamento com países fracos que eles estavam se
preparando para desenvolver, mas logo o termo europeu "protetorado" esta­
ria sendo usado de maneira mais livre. Servia bem para Cuba. Depois de sua
independência ter sido prometida, os cubanos realizaram eleições em 1900 e
organizaram uma Constituição em 190 I, mas foram obrigados a acrescen­
tar-lhe a celebrada Emenda Platt, criada em Washington pelo Congresso. Isso
poderia se comparar ao tratado imposto por Metternich ao reino de Nápo­
les, no final das Guerras Napoleônicas, que concedeu à Áustria o direito de
dar fim ao liberalismo ali; porém, a América estava adquirindo um direito de
intervenção que podia de fato ser exercido em favor dos interesses dos EUA,
fossem eles políticos ou comerciais. Tendo isso como modelo, os EUA conti­
nuariam até a assumir direitos semelhantes, sem o benefício de um tratado,
em toda a América Central e por fim no mundo inteiro.
O que estava emergindo podia ser chamado, como disse Veblen, de um
sistema de "propriedade absenteísta", ou poder sem responsabilidade, em al­
guns casos mais danoso do que o governo direto. Para os capitalistas que es­
tavam se preparando para tirar vantagem disso, a posse poderia ser muito
direta. Em 1901, a United Fruit Company - uma forma contemporânea
202 ESTADOS UNIDOS: O NOVO IMPERIALISMO

mais primitiva da United Steel- comprou uma grande área em Cuba, pre­
T A DIPLOMACIA DO DÓLAR NA AMÉRICA CENTRAL 203

va esse ponto de vista. "A guerra da Espanha sancionou sua liderança neste
parou-a para cana-de-açúcar e construiu usinas. O Truste do Açúcar estava continente", sua defesa do "nobre princípio de direito público continental".
fazendo o mesmo. Dois anos depois, um tratado de reciprocidade concedeu Mas isso foi dito por um peruano, necessitado de ajuda no antigo feudo com
condições preferenciais de tarifas para o açúcar cubano (do qual, por volta de o Chile, e ele admitiu que muitos latino-americanos tinham medo de os EUA
1914, um terço vinha de usinas de propriedade americana) nos EUA e para quererem dominá-los. 61 O próprio Mahan teve de observar que: "Na questão
bens americanos em Cuba. 59 Em contraste com o torpor da época espanhola, de política geral, nossas mãos não estão limpas em termos de agressão."62 Após
o investimento americano podia estimular uma mudança, e havia o inspirador vencer a Espanha decadente, os EUA poderiam, é claro, se pôr a perseguir a
exemplo do progresso americano para os cubanos seguirem.60 Contudo, com decadente prole espanhola. Poderiam ficar ainda mais tentados a fazer isso
isso surgiu uma impossibilidade embutida de seguir o exemplo, porque o sis­ porque, tendo se destacado como um poder mundial, tinham pouca chance
tema de protetorado, ali e na América Latina em geral, teve o mesmo efeito de interpretar o papel de modo convincente em outro lugar que não fosse seu
do governo direto nas Filipinas, no sentido de que fossilizou estruturas sociais, próprio quintal. Intimidar pequenos países caribenhos era uma maneira de
evitando qualquer processo livre de transformação. aproveitar uma sensação de autoridade proporcionada pelo aumento de ri­
O governo indireto estava longe de excluir ação direta para se manter, queza e de população.
embora isso fosse intermitente e principalmente dirigido para remover indi­ Agora com bases firmes no Atlântico e no Pacífico, o antigo desejo'ame­
víduos ou partidos indesejáveis do poder e garantir governos favoráveis aos ricano por um canal de ligação sob seu próprio controle tornou-se irresistível.
lucros americanos. Afinal de contas, colônia e protetorado só eram diferentes Em 1903 um golpe audaz, muito no velho estilo pirata, provocou uma revol­
em grau. Nos dois casos, era preciso haver ajuda local: num deles, soldados ta da província do Panamá contra a Colômbia, seguida pelo empréstimo de
estrangeiros estariam no lugar permanentemente; no outro, estariam pron­ uma Zona de Canal para os EUA. Uma grande soma foi paga, e posterior­
tos para ser chamados. Na maior parte do tempo, os EUA podiam ficar fora mente um aluguel anual; mais uma vez a América, pelo menos formalmente,
de vista. Havia regimes estabelecidos na América Central através dos quais comprava território em vez de roubá-lo. A mensagem de Roosevelt ao Con­
,.1 governar, e países para guiar - populações em grande parte de sangue gresso em janeiro de 1904 justificou essa pirataria em nome de direitos de
aborígine (como as Filipinas), mas com camadas superiores "brancas" ou tratado, exigências nacionais e o progresso da civilização. Um trio de alega­
I. ocidentalizadas matizadas por séculos de domínio espanhol e condições ções que seria repetido mais tarde: a América sempre adorou pensar que o
I: semifeudais e pelo catolicismo em sua forma mais crua, por vezes através da que ela queria era exatamente o que a raça humana precisava. Mais uma vez
escravidão. Foi nas partes mais corruptas das ~adas sociais mais elevadas se podia ver uma adoração da marcha da história como uma apoteose do cres­
- como mais tarde no Sudeste da Ásia - que a América teve de buscar as­ cimento da América, e um compromisso com fins independentes de meios.
"i sociados. O resultado foi que interesses comerciais americanos prosperaram, Mais uma vez também a América estava, na aparência, agindo para pro­
~i
I enquanto a América em geral estava dividida. Uma situação semelhante à da teger um vizinho mais fraco, enquanto na realidade manipulava uma quinta­
I,
I, Grã-Bretanha contemplando a China, entre impaciente com esses países que coluna. A auro-estima ainda exigia que ela pudesse reclamar essa função
1 não acordavam e não faziam progresso, e alarmada quando eles davam sinais protetora. E não se podia negar a probabilidade de uma intervenção euro­
de quererem fazer isso por resolução própria. péia, em nome de donos de títulos ou caçadores de concessões, se os EUA
A probabilidade de outros países serem dominados como Cuba, no final não estivessem se apropriando, por antecipação, do terreno; mesmo que os
da guerra com a Espanha, era óbvia o bastante. Para os EUA, o triunfo do projetos de uma intervenção européia fossem fácil e convenientemente exa­
país e a expulsão do poder espanhol pareciam ter selado sua longa reivindica­ gerados. Mahan advertiu que uma grande colônia de alemães no Brasil pode­
ção pela supremacia do Novo Mundo. Uma voz ocasional vinda do Sul ecoa­ ria um dia declarar independência, assim como a colônia americana no Texas
204 ESTADOS UNIDOS: O NOVO IMPERIALISMO

fizera: 63 colonos britânicos no Transvaal constituíam objeto de lição mais re­


T A DIPLOMACIA DO DÓLAR NA AMÉRICA CENTRAL

lembrado de que não fazia muito tempo desde que o Times de Londres, re­
205

cente. Quando britânicos e alemães usaram a força, em 1902, para pressio­ clamando do não-pagamento de dívidas por vários estados da União, estava
nar em favor de suas reivindicações relativas à Venezuela, a vítima sem dúvida denunciando os EUA como "um grande lugar de falcatruas",67 Na prática,
teria sofrido mais se a Grã-Bretanha não tivesse desistido de ofender Washing­ sua fórmula bem poderia significar, como um senador alegou, em 1906, que
ton. Sua legação ali relatou em dezembro "um sentimento crescente de irritação onde povos fracos fossem atacados, "temos direito a uma parte da pilhagem".68
no Congresso", principalmente por causa do afundamento de navios ve­ Uma ação, sancionada pelos ensinamentos de Roosevelt, foi a tomada da
nezuelanos. "O governo não suspeita de nós, mas sem dúvida está apreensivo administração alfandegária de São Domingos, onde facções rivais haviam acu­
quanto aos planos alemães." Sir Michael Herbert acrescentou que, face aos mulado dívidas com vorazes fornecedores europeus. Em 1911, uma proposta
1I
esforços persistentes de Berlim para causar problemas entre a Grã-Bretanha e para um arranjo parecido em Honduras foi apresentada ao Senado. Ela surgiu
os EUA, ele estava lendo os ataques da imprensa à Alemanha "com um certo de um pedido de ajuda financeira e todo o arranjo podia ser feito de modo a
sentimento de complacência, talvez até de satisfação".64 O alarme relativo ao parecer perfeitamente plausível. "Honduras", afirmou-se, "está falida, famélica
crescente recurso alemão à coerção obrigou Londres a buscar uma maneira e desencorajada." Sete revoluções tinham ocorrido nos últimos 15 anos, e duas
de sair da briga, e com a América prestando favores, a disputa foi encaminha­ vezes nos últimos tempos os EUA haviam sido obrigados a enviar navios de

I da para o Tribunal de Haia.


Em 1905 Cabot Lodge disse a Roosevelt que suspeitava que o cáiser "in­
quieto e traiçoeiro" estivesse tramando a instalação de um posto de abasteci­
guerra para proteger vidas americanas: isso acontecia o tempo todo na Améri­
ca Central, e poderia custar aos EUA mais de um milhão de dólares por ano.
Honduras endividara-se profundamente, Um plano "altamente questionável"
i mento de carvão em São Tomás, nas Ilhas Virgens dinamarquesas no Caribe, estava sendo tramado pelos britânicos em nome de portadores de títulos es­
! que seria usado para fornecer combustível a navios de guerra; a Alemanha trangeiros. O principal motivo de todas as facções era pôr as mãos nas receitas
l:f tentaria bloquear a venda dessas ilhas para a América, e, na surdina, o cáiser alfandegárias, a principal fonte de renda do país: o que era proposto agora dei­
sugeriu, para começar, uma tentativa de comprar a Groenlândia da Dinamar­ xaria isso fora de seu alcance. Honduras pediria dinheiro emprestado aos EUA,
r ca. 65 Tudo isso, assim como o golpe no Panamá, pertencia ao reino do impe­
rialismo estratégico, não econômico; mas os dois avançaram lado a lado, um
dando em garantia essa renda como seguro, e em vez de ter um recebedor im­
posto sobre ela, como São Domingos, ficaria livre para escolher um de uma

j
I'
'.I.:
I
encorajando o outro. Mahan considerava Porto Rico não menos essencial para
a defesa do istmo do que Malta para o Egito;66 cada novo posto avançado em
lista apresentada por Washington. Era uma oportunidade para a América satis­
fazer seus "motivos puramente altruísticos". Além disso, seus postos no Sul se
?: segurança parecia tornar outros necessários. beneficiariam de condições mais bem ordenadas na América Central. 69 Poder
!I.l''
A mensagem de Roosevelt ao Congresso de dezembro de 1904 - o pensar que mérito e lucro andavam juntos era sempre agradável, e muito, se­
'f
,~ "corolário de Roosevelt" para a Doutrina Monroe - exigia de fato um direi­ não tudo, nesta situação estava certo. A China estava em melhores condições
to de intervir a fim de impedir a intervenção de outros. Isso significava, ex­ naqueles anos por ter sua alfândega marítima sob direção britânica. Apesar dis­
plicou ele, que nações devem se conduzir "com eficiência e decência razoáveis ... so, a proposta foi cancelada por um Senado desconfiado.
Erros crônicos, ou uma impotência que provoca uma libertação geral da so­ Todavia, de um modo geral, um protetorado informal abrangendo toda
ciedade civilizada", exigiam medidas corretivas, que no hemisfério ocidental aquela região tornava-se um fato consumado. "Quer certos, quer errados",
deviam vir dos EUA. Claramente, o socialismo, sempre que pudesse brotar observaram os proponentes do plano de Honduras, "estamos à vista do mun­
em qualquer uma das repúblicas, seria uma libertação da sociedade civiliza­ do e em função da Doutrina Monroe, responsáveis pela ordem na América
da. Roosevelt não quis saber se havia "erros crônicos" suficientes no Alabama Central." Com pretexto alterado, o antigo sonho sulista de império estava
ou no Mississippi para garantir intervenção estrangeira. Ele devia ter sido prestes a se consumar. Claramente a facilidade com que isso acontecia se de­
(". '"

ESTADOS UNIDOS: O NOVO IMPERIALISMO 207


206 A DIPLOMACIA DO DÓLAR NA AMÉRICA CENTRAL

via às condições deploráveis da vida pública no istmo. Tudo teria sido dife­ A mudança de método não podia suprimir a necessidade de ação direta
rente se os EUA tivessem tido como vizinhos um grupo de virtuosas peque­ de tempos em tempos - um equivalente capitalista ao que os anarquistas
nas Dinamarcas e Bélgicas. Por outro lado, onde os ioteresses americanos chamavam de "propaganda do feito" . Taft era um dirigente experiente, tendo
criavam raízes, a pressão por ação da parte de seus governos tendia a vir deles, servido corno governador em Cuba e nas Filipinas; ele viveria para terminar
e eles já não se importariam mais do que europeus proprietários de títulos isso tornando-se professor de advocacia e finalmente presidente da Suprema
sobre a moralidade de suas exigências. Corte dos EUA. Em 1912, houve uma nova ocupação de Cuba, sob o pre­
De 1906 a 1909 Cuba ficou sob ocupação militar. Nem todos os ameri­ texto de rixas raciais - uma ocorrência comum demais nos EUA para che­
canos estavam preparados para acreditar que essas coisas eram más quando gar a chamar atenção. Por vezes chefes tinham de ser amparados em seus
feitas pelas europeus, mas tornavam-se virtuosas quando feitas pelos EUA, e pedestais instáveis. Na Nicarágua, esta era a situação de um homem chama­
o Departamento de Estado hesitou durante algum tempo porque temia a de­ do Estrada, embora houvesse um sentimento tão hostil que o ministro dos
saprovação pública. 70 Interesses adquiridos nesses casos representavam, no final EUA teve de relatar em 1911: "Mesmo com alguns membros do gabinete de
das contas, apenas cobiças marginais da economia nacional; embora isso tam­ Estrada eu encontro uma suspeita decidida, se não desconfiança, de nosso
bém dificultasse para seus críticos decifrar o que de fato acontecia. Mais tar­ motivo." É intrigante observar que nesse mesmo ano um F. C. Harrison,
de, o espectro comunista seria inestimável para assegurar apoio automático anteriormente da corporação de elite do serviço público indiano, apareceu
para eles. A crítica ajudou a levar o governo a uma mudança pelo menos de na Nicarágua como especialista financeiro para um grupo de banqueiros
estilo: substituição de controles militares por controles financeiros, laços de americanos. 71 Um plano severo de empréstimo forçado à Nicarágua pelo
seda por algemas. Na presidência de Taft (1909-13), esse estilo ficou conhe­ governo teve sua ratificação recusada pelo Senado; não foi a única vez em que
cido como "Diplomacia do Dólar", muito diferente do que no Extremo Orien­ o Senado agiu, pelo bem da América, pela águia em vez do abutre. Bastante
te era chamado de "diplomacia canhoneira", ou o que Roosevelt chamava de imperturbável, em 1912 Taft enviou uma força naval e fuzileiros para acabar
"o porrete". com um levante liberal contra o sucessor não menos impopular de Estrada.
Ela carregou consigo a necessidade de encontrar chefes locais para fazer o Nesse sentido, a intervenção dos EUA estava longe de transformar São
trabalho mais difícil e evitar à América o opróbrio de ter de fazê-lo ela mes­ Domingos ou a Nicarágua numa Dinamarca ou Bélgica. Em vez disso, signi­
ma. O caciquismo ou governo do chefe era nativo desta parte do mundo: de ficou urna simbiose da política local com recursos americanos, com probabi­
fato foi do Caribe que a palavra cacique originalmente encontrou seu cami­ lidade de tornar aparentes os piores atributos das duas. Talvez de maneira
nho para a Espanha. Ao fazer USO de ditadores locais, assim corno ao ajudar
I: proprietários de títulos a se verem livres do pagamento total de suas dívidas,
mais flagrante do que quaisquer de seus vizinhos, a Guatemala exibiu os efei­
tos maléficos do sistema de protetorado. Após uma época confiante de libe­
a América estava mais urna vez seguindo os passos da Europa. Houve um ralismo e progresso, o país caiu sob "o regime tirânico e sanguinário de Manuel
exemplo que se destacou, até sua derrocada em 1911, de Porfírio Díaz, du­ Estrada Cabrera", que reinou de 1898 a 1920. Não por acaso, foi nessa época
rante muitos anos ditador absoluto do México. Seu regime se adequava de que a United Fruit Company conseguiu sua base na Guatemala e a transfor­
.1
i maneira admirável aos especuladores, mesmo que os homens de negócios mou na "República das Bananas", com o controle de todas as ferrovias e a
"
"
I americanos se ressentissem de seus rivais britânicos terem um statuS mais ele­ propriedade de mais de 200 mil hectares férteis. n Na Inglaterra Tudo r dizia-se
vado junto a ele. Uma preferência por governos "estáveis" de ditadores, prin­ que homens estavam sendo destruídos por ovelhas; na Guatemala, homens
cipalmente militares, se tornaria habitual na Casa Branca e em Wall Street. estavam cedendo espaço para frutas.
Nessas obscuras operações caribenhas, um sistema mundial para o Século Sempre havia esse outro aspecto da hegemonia americana, o objetivo de
Americano estava sendo ensaiado. um monopólio de oportunidades lucrativas. Uma porta aberta, um campo
208 ESTADOS UNIDOS: O NOVO IMPERIALISMO
A DIPLOMACIA DO DÓLAR NA AMÉRICA CENTRAL
209

desimpedido sem favorecimento, eram bons para discursos após o jantar, mas
cruzada por uma federação de povos latino-americanos, para salvá-los de se­
durante o dia homens de negócios pensavam de maneira diferente. Nas Fili­
rem engolidos um por um; boa parte de seu livro consistia em "citações de
pinas, a discriminação contra bens britânicos não podia ser praticada aberta­
frases bombásticas de políticos imperialistas nos Estados Unidos".77 Algumas
mente, embora as autoridades tivessem sido acusadas de criar obstáculos
dessas frases não deviam ser levadas muito a sério, porém muito do que esta­
disfarçados para bancos britânicos. 73 Num protetorado, concorrentes estran­
va acontecendo lhes emprestava credibilidade. "Passo a maior parte do tem­
geiros podiam ser afastados de modo mais conveniente por meio de manipu­
po", escreveu o general-de-divisão reformado Smedly D . Buder relembrando
lação nos bastidores. Conseqüentemente, os interesses britânicos liderados
sua vida com os fuzileiros navais, "sendo um intermediário de classe alta para
por lorde Cowdray, que competiam com empresas americanas pelo petróleo
os grandes negócios, para Wall Street e para os banqueiros. Em suma, um
mexicano, se viram excluídos de contratos para prospecção de petróleo na contrabandista para o capitalismo ... "78
Colômbia, Costa Rica e Equador, por rivais americanos apoiados por pres­
Esse modo de conduzir relaçóes exteriores, combinado com a imundície
são de Washington sobre governos locais. 74 Magnatas do petróleo, como os
subjacente à vida pública doméstica, exigia uma dose maior do que o normal
das ferrovias, aprenderam a arte da trapaça política em casa, nos EUA, antes
de linguagem nobre para atenuar a situação. Como afirma Kennan, a diplo­
de seguirem para terras estrangeiras.
macia americana reteve sua predileção por grandes pronunciamentos mo­
O investimento dos EUA na América Central, acima de tudo no México,
ralizantes vagos, mas "qualquer coisa que fosse exigida em nome da moral ou
com Cuba em segundo lugar, cresceu rapidamente; por volta de 1913, ficava
do princípio legal não carregava consigo nenhuma responsabilidade específi­
só um pouco abaixo dos números britânicos, e em 1929 mais do que os do­
ca.. .".79 Woodrow Wilson - cuja breve reputação de 1919 como grande es­
brou. Na América do Sul ainda não havia chegado a hora de realizar os planos
tadista mundial é tão incompreensível hoje quanto a do presidente Kennedy
prematuros de Blaine de afastar a Europa comercial e politicamente. O inves­
- era uma personificação da dualidade americana, a mistura peculiar de boa
timento dos EUA nessa área até 1913 foi trivial, em 1929 ainda só metade do
vontade verdadeira, mas nebulosa, e de especulação sórdida. Em seu progra­
britânico. 75 Uma rixa preliminar iniciou-se em 1907 com o Truste da Carne
ma eleitoral de 1912 ele condenou "qualquer política de imperialismo e ex­
(cujos atos em casa vinham sendo violentamente atacados por pessoas que in­
ploração colonial nas Filipinas ou alhures", e falou, como seus antecessores,
vestigavam e denunciavam casos de corrupção política e administrativa), pas­
sobre a independência para as Filipinas assim que fosse possível. Ele conti­
sando repentinamente para o setor de empacotamento de carne na Argentina,
nuou o padrão progressivista de regulamentação suave em casa, falando de
dominado pelos britânicos. Durante a Primeira Guerra Mundial esses rivais e
sobrepujar problemas através de "eficiência econômica e justiça social",8o e
seus governos juntaram forças, e trabalhadores em greve "foram levados de volta
de colaboração oficial com a expansão de negócios no exterior. Ele assumiu
ao trabalho por destacamentos de fuzileiros navais argentinos",16
um papel muito pessoal nisso, supervisionando de peno representantes no
Havia muita intromissão ou falatório sobre intromissão na América do exterior e tomando decisões próprias.81
Sul, alguém alertou nos EUA em 1913, para antagonizar as repúblicas maio­
Com relação aos povos atrasados sua atitude seria, assim como com rela­
res. Seus compatriotas, escreveu ele, "ainda estavam lamentavelmente de­
ção aos trabalhadores em casa, paternalista, mas com uma marcada suposição
sinformados" sobre a questão, e já era hora de entender que para essas nações
de Superioridade racial. Ele era por ascendência mais um daqueles calvinistas
"a idéia da existência da Doutrina Monroe era não só desagradável, mas po­
escocês-irlandeses com papel de destaque na manifestação de destinos ameri­
sitivamente insultante". Eles consideravam grosseira a nova versão de impe­
canos para o mundo, e um sulista de criação. É significativo que o quadro
rialismo que acreditavam estar sendo adotada pelos EUA - um direito "de
pintado por ele em sua História da escravidão no velho Sul fosse muito
castigar quaisquer das repúblicas americanas que não se comportassem bem".
indulgente, muito tingido de rosa, mostrando fazendeiros filantrópicos se
Um patriota argentino, Manuel Ugarte, estava tomando parte em uma
esforçando, apesar de muitas dificuldades, para sustentar suas grandes,
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alegres e irresponsáveis famílias de negros. 82 Essa era uma versão nativa ame­ Todavia, a arena mais importante de Wilson era o. México, o país cujo
ricana do fardo do homem branco, composta quase na mesma época da de tratamento dispensado pelo presidente Tyler ele censurou há muito tempo
Kipling. Seu primeiro secretário de Estado, o antigo radical Bryan, era todo em sua História. Aqui também havia desordens, após a queda de Porfírio Díaz
admiração por seu programa de tornar países em desenvolvimento abertos em 1911; e foi a falta de ordem nessas repúblicas que quase sempre mitigou
para "uma invasão de capital e espírito empreendedor americano".83 Apesar o intervencionismo, que fez uma invasão do Haiti parecer bem diferente de
da evidência acumulada pelos investigadores de corrupção política e admi­ uma invasão da Bélgica. Nos anos de 1860, o erudito observador britânico
nistrativa sobre as chocantes condições de trabalhadores dentro dos EUA­ Cairnes considerou o México tão caótico que "quase qualquer mudança seria
situação que vinha apenas sendo remediada vagarosamente - , tomou-se como para melhor", até mesmo entregar o país à Confederação SulistaY Até os
I certo que o capitalismo americano no exterior, não sujeito a qualquer regra socialistas na América agora entendiam tão pouco sobre as realidades do
j,
ou disciplina, deveria ser sinônimo de iluminismo e progresso. imperialismo que Eugene Debs deixou o assunto de lado por ser irrelevante
I:
A diplomacia do dólar, agora parte de uma rotina estabelecida, continuou, para a classe trabalhadora, e alguns outros estavam argumentando, como
i
com alguma pressão adicional no Caribe; havia até menos necessidade de dis­ Bryan, que: "Os capitalistas tinham trabalho necessário para fazer no desen­
farçar ou pedir desculpas agora porque a Europa estava absorvida por sua en­ volvimento dos recursos naturais do México. "88
trada em guerra. Fosse qual fosse sua plataforma eleitoral, um presidente Na época do advento de Wilson, em 1913, os EUA tinham mais em jogo
democrata não podia se dar ao luxo de ficar atrás dos republicanos no senti­ no México do que todos os outros estrangeiros juntos, com 75 mil fazendei~
11 do de garantir "interesses nacionais", não mais do que o liberal Gladstone, ros, comerciantes, engenheiros residentes e 1,2 bilhão de dólares de investi­
que ocupou o Egito em 1882, podia ficar atrás de seus oponentes Tory. Em mento. "O México era praticamente uma colônia econômica dos Estados
1915, o Haiti foi obrigado a se submeter a uma direção americana. Seguiu-se Unidos. "89 Naturalmente, vendo o país cair em confusão, os americanos sen­
a ocupação militar, que foi acusada de várias brutalidades; num país negro tiram que ele se beneficiaria do mesmo tratamento dado a Cuba; com a mes­
como o Haiti, era enorme a probabilidade de acontecerem. No início de 1916, ma naturalidade eles viram o que não passava de uma estrutura feudal
foi imposto um tratado à Nicarágua, assegurando direitos de construção de decadente como um defeito "de raça e caráter nacional": o México não era na
canal e estabelecendo poderio americano. Posteriormente nesse mesmo ano, verdade um país branco, "era uma grande República Indígena em dificulda­
houve ação armada em São Domingos, baseada na alegação de desordens, e des".90 Assim, era possível ignorar o fato de que sob a superfície algo sério
o controle absoluto foi mantido até 1924. Também em 1916 a América esta­ estava se agitando, a revolução agrária há muito reprimida por Díaz. Como
va mais uma vez adquirindo territórios através de compra: as Ilhas Virgens, sempre, os EUA estavam muito afastados historicamente, embora houvesse
cobiçadas há alguns anos, foram compradas da Dinamarca, prejudicando­ proximidade geográfica, para ter uma vaga idéia das tribulações do México,
como previram liberais dinamarqueses - seus habitantes negros.84 Ném do mais semelhantes às da Ásia do que às próprias.
Atlântico espalharam-se rumores de que a América pretendia tomar a repú~ Wilson imediatamente tornou-se inimigo da Grã-Bretanha, então sob a
blica negra da Libéria. 85 Conselheiros americanos estavam reorganizando o suspeita de apoiar, para o benefício de seus prospectores de petróleo, um lí­
pequeno Exército e o Tesouro esvaziado; um empréstimo foi concedido; "o der usurpador de direita chamado Huerta. Por seu lado, Londres tomou como
cruzador americano Birmingham ajudou a deter uma revolta dos nativos mais certo que a oposição de Washington a ela era ditada pela Standard Oil; po­
selvagens da costa"; em 1913, uma corporação americana estava buscando rém, ao movimentar-se no sentido de intervenção, a América podia mais uma
grandes concessões. A Libéria manteve~se alerta o suficiente para perceber a vez abraçar o pensamento de que estava protegendo o Novo Mundo contra a
ameaça à sua independência, e recusou-se. 86 Por não estar dentro da esfera de intromissão européia. Wilson apareceu com "um princípio totalmente novo
influência americana, ela podia fazer isso com impunidade. para lidar com repúblicas latino-americanas", não-reconhecimento de Iíde­
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res chegados ao poder pela força: 91o que significava não apoiar usurpadores as águias estarem ao lado dos anjos, como os impérios europeus haviam feito, e
que não faziam parte dos livros bons de Wall Street. Sobre os planos de al­ com uma lacuna parecida e perigosa entre ilusão e realidade. Se a mente de Wil­
guns dos levantes que agora aconteciam no México, "não há dúvida de que o son era uma tradutora automática da ganância do mercado em sentimentos ex­
embaixador dos EUA sabia muito mais do que precisava. Obviamente ele se tremamente ambiciosos, foi seu enviado W H. Page que enfrentou bem a situação
aliou aos líderes dos rebeldes e lhes deu conselhos substanciais, ao mesmo na busca por retidão e seus dividendos devidos. Ele conversou e deu lições de
tempo que sua conduta estava prejudicando, se não arruinando gradualmen­ moral em Londres sobre o novo evangelho americano como Bingham costuma­
te, o presidente reconhecido por seu governo".92 Esse tipo de atividade estava va fazer em Tóquio sobre o antigo. Ele tinha plena convicção de que o que estava
se tornando uma parte básica dos deveres de diplomatas americanos. sendo feito em Cuba constituía um novo e maravilhoso substituto para o mau
Em abril de 1914 Wilson foi além, ocupando O porto de Vera Cruz ­ governo espanhol ou a anarquia nativa, e - como seu biógrafo registra - "um
uma ação que irritou o sentimento nacional de todos os mexicanos e tendeu a dos maiores triunfos da arte americana de governar". 96 Apesar de ser um anglófilo
combiná-los contra o antigo inimigo. Ele alegou, escreveu o crítico Blunt, que ardente, de soube ver a grande diferença entre sua dedicação a objetivos elevados
não estava lutando contra o México, mas apenas contra Huerta, assim como e a rotina pouco inspirada do governo colonial britânico. Page ficava indignado
Gladstone alegou estar entrando no Egito apenas para livrá-lo de um levante com líderes britânicos, incluindo o ministro das Relações Exteriores, Sir Edward
do paxá árabe. "Romstein ... atribui isso à ingenuidade de Wilson, que acredita Grey, por preferir política pura, sem nenhum tempero de ideais virtuosos. "Nin­
ser possível reconciliar princípios morais de governo com as velhacarias de p0­ guém nos dá crédito por qualquer propósito moral", escreveu ele queixosamente
líticos financistas."93 Ingênuo ou não, Wilson estava muito habituado a méto­ para Wilson. "Ninguém se lembra que demos Cuba para os cubanos ou do nosso
dos clandestinos, fazendo uso de agentes secretos para apoiar uma facção contra compromisso com as Filipinas... Isso ilustra a completa separação de políticos
outra sem deixar que sua mão direita soubesse o que a esquerda estava fazen­ europeus da moral fundamental." Grey não se importava com "a base moral do
f do. 94 Em junho de 1915 ele lançou uma advertência de que desordens podiam governo ou com o bem-estar do povo mexicano. Essas coisas não fazem parte do
';. levar os EUA a intervir, para O bem (é claro) do povo mexicano. 95 vocabulário europeu". 97
i. Em outubro, ele deu reconhecimento a Carranza, o mais progressista dos Um dia, quando Grey o pressionou sobre o México, Page respondeu que
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chefes de partido. Mas reagiu de modo contundente contra uma proposta de se necessário os americanos permaneceriam lá por duzentos anos e '''matariam
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nacionalização do petróleo, e uma forte campanha de propaganda contra homens por aquele pequeno espaço até eles aprenderem a votar e a se gover­
ií Carranza foi organizada por esferas financeiras e católicas. Ele protestou em narem'. Nunca o vi rir tanto. Matá-los para que tivessem governo próprio!
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li vão que os EUA estavam sendo levados por calúnias cujo objetivo era frustrar Matá-los para que fossem disciplinados - ele entende isso; e isso é bom. Mas
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seu programa de reconstrução. Qualquer progresso no México era ofensivo para sua mente só vai até af". 98 Grey bem poderia rir desse entusiasmo, essa reso­
I a Igreja reacionária do país, e a maneira como as denúncias contra o governo lução de educar povos preguiçosos com balas de revólver, que na realidade só
1 Carranza foram levadas ao exterior poderiam ser chamadas de um ensaio para podia significar atirar neles até eles aprenderem a votar como Wall Street queria
I
o protesto mundial fascista e católico contra a República espanhola vinte anos que fizessem. Isso seria exaustivamente experimentado no Vietnã, embora nem
depois. No início de 1916 distúrbios nas fronteiras forneceram um pretexto de longe o suficiente para a escala de tempo de Page. Pode-se imaginar sua
para uma expedição punitiva liderada pelo general Pershing. Wilson somente América exclamando, como o famoso diretor de escola Dr. Grimstone: "Não
resistiu à pressão por uma operação em larga escala, deve-se imaginar, porque a aceitarei rebeldes no meu campo! Estabelecerei um espírito de felicidade con­
perspectiva de envolvimento na guerra européia agora começava a ser visível. fiante nesta escola, mesmo que precise chicotear cada garoto nela por tanto
A essa altura o intervencionismo, apesar de ainda ter seus críticos, era uma tempo quanto consiga ficar de pé junto dele! "99
filosofia estabelecida, gerando o mesmo tipo de fervor moral, a mesma certeza de

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