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Anais do XIX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178

Anais do IV Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420


23 e 24 de setembro de 2014

ATENÇÃO PSICOLÓGICA AOS PACIENTES CIRÚRGICOS


ADULTOS E INFANTIS NOS PERÍODOS PRÉ E PÓS-
OPERATÓRIO
Naiara Lissoni Helena Bazanelli
Tesser Prebianchi
Faculdade de Atenção Psicológica Clínica em Instituições:
Psicologia Prevenção e Intervenção
Centro de Ciências Centro de Ciências da Vida
da Vida email helenabp@puc-
email:na_lisser4@yahoo.com.br campinas.edu.br

Resumo: Estar internado para realização de Em geral uma cirurgia implica grande impacto
um procedimento cirúrgico de alta complexi- sobre o bem-estar físico, social e emocional do
dade desencadeia no paciente uma série de paciente, com aumento dos níveis de ansiedade
pensamentos e sentimentos relacionados ao e stress e pelo distanciamento, mesmo que tempo-
medo da morte, da dor, dos desconhecidos rário, da rede de apoio social e familiar. Os senti-
procedimentos médicos, da separação de seus mentos de ansiedade e medo decorrem de qualquer
familiares, de possível complicação, seqüela evento novo ou desconhecido, portanto são re-
ou invalidez pós-operatória. A despeito do ações frente à ameaça de perigo ou ao perigo emi-
interesse pelo tema, nas últimas décadas, nente. Quando se trata dos procedimentos cirúr-
refletido no aumento da quantidade de traba - gicos isto não é diferente. Pode-se supor que a
lhos científicos relacionados, a área carece de antecipação desse evento gere sentimentos poten-
estudos que contribuam para a sistemat ização cialmente negativos pautados na avaliação cogni-
da prática profissional do psicólogo hospitalar tiva de cada indivíduo [1]. Trinca [2]ainda diz que a
em relação ao paciente cirúrgico e permitam cirurgia é uma situação de crise que envolve a
uma avaliação mais acurada dos procedi- angústia da perda e aguça situações psíquicas que
mentos. O presente estudo objetivou conhecer nela se insere, mobiliza e condensa conflitos já
as formas de atuação de psicólogos hospita - existentes, ajuda a evidenciar angústias latentes e
lares em relação aos pacientes cirúrgicos nos a desencadear movimentos de elaboração.
períodos pré e pós-operatórios, através de Relatos de pacientes expostos a procedimentos
uma pesquisa documental e retrospectiva, cirúrgicos apontam que os principais fatores
abrangendo o período de setembro de 2012 e desencadeantes de ansiedade incluem: percepção
a maio de 2013. Foram analisados 80 regis - antecipada de dor e desconforto; espera passiva
tros do Livro de Serviço de Psicologia e do pelo início do procedimento; separação da família e
Registro de Evolução Multidisciplinar. Os re- sentimentos de abandono; possível perda, mesmo
sultados indicaram que a maior parte dos que temporária, de autonomia; medo da morte, de
pacientes cirúrgicos é do sexo masculino, com sequelas, do procedimento de anestesia e do risco
de alta prematura; e o procedimento cirúrgico como
idade média de 31 anos; as intervenções
um todo [3]. Tais fatores ansiogênicos podem
psicológicas ocorrem majoritariamente no pe -
interferir de modo adverso sobre a aquisição de
ríodo pós- operatório e têm características de
estratégias de enfrentamento em relação ao proce-
interconsulta e de preparação psicológica.
dimento cirúrgico e sobre o processo de recu-
Considera-se a falta de atitude científica do
peração do paciente, gerando, ainda, maior proba-
psicólogo hospitalar, as lacunas metodoló -
bilidade de episódios de elevação da pressão
gicas de sua atuação e sua dificuldade de in -
sanguínea, sangramentos mais intensos nas cirur-
serção na equipe. Concluí-se que a prática
gias, redução de resistência imunológica e trans-
profissional ainda não acompanha, de forma
tornos psicossomáticos [3].
consistente, alguns dos resultados apontados
Ruschel, Daut e Santos [4] afirmam que quando
na literatura.
os aspectos psicológicos não são considerados na
Palavras-chave: ps ic o lo g ia , c ir ur gi a , situação de tratamento cirúrgico, poderá haver
c ri anç as aumento da predisposição para complicações emo-
cionais que prejudicam a convalescença, chegando
Área do Conhecimento: Ciências Humanas – a intensificar, em algumas situações, a morbidade
Psicologia no período pós-operatório. Segundo Costa e Leite
[5], um programa pré-operatório adequado fará di-
INTRODUÇÃO
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minuir o nível de ansiedade, o estresse cirúrgico e psicoeducacionais diversos na preparação e no
a possibilidade de sequelas pós-operatórias, atu- atendimento do paciente, ainda há uma grande la-
ando como um caminho seguro para enfrentar as cuna sobre a atuação do profissional psicólogo,
ansiedades do paciente e suas respostas psico- tanto na assistência direta ao paciente quanto na
lógicas antes e depois da cirurgia [6]. participação nas equipes envolvidas. Tendo isso em
As diversas técnicas de preparação psicológica consideração, o presente estudo teve como objetivo
se estruturam com o intuito de reduzir os níveis de conhecer as formas de atuação de psicólogos hos-
ansiedade do paciente, melhorar o bem-estar, pitalares em relação aos pacientes cirúrgicos nos
aumentar a adesão ao tratamento, torná-lo mais períodos pré e pós-operatórios.
apto para enfrentar com maior eficiência os proce-
dimentos cirúrgicos, proporcionar um processo de MÉTODO
recuperação pós-operatória mais rápido e huma-
nizar os cuidados cirúrgicos dispensados aos PA- CONTEXTO
cientes [3]. Em se tratando de tais técnicas, A pesquisa documental e retrospectiva, abran-
estudos apontam que a efetividade das inter- gendo as internações na Clínica Cirúrgica em 2012
venções, muitas vezes, relaciona-se a um perfil /2013, foi realizada em um hospital universitário de
comportamental e cognitivo dos pacientes. Por uma cidade do interior do Estado de São Paulo. O
exemplo: disponibilizar adequado nível de infor- mesmo conta com 353 leitos ativos, sendo 243 des-
mação às necessidades do paciente, que devem tinados exclusivamente ao convênio do Sistema
ser identificadas previamente pelos profissionais Único de Saúde (SUS). Participa no atendimento à
de saúde; promover modificações na estrutura população com uma média anual de 20 mil com-
física dos ambientes pré e pós-operatório, tornan- sultas ambulatoriais, 15 mil atendimentos nas uni-
do os espaços acolhedores, privativos, calmos e dades de urgência e emergência, 1250 procedi-
relaxante; utilizar técnicas de relaxamento muscu- mentos cirúrgicos, além de 1600 internações. Em
lar progressivo ou relaxamento induzido, por meio relação ao Serviço de Psicologia, o Hospital com-
de visualização ativa no pré e pós-operatório; tava, à época do estudo, com uma equipe de três
disponibilizar suporte espiritual e atender às neces- psicólogos assistenciais contratados e quatro psicó-
sidades psicossociais dos pacientes, viabilizando logos do Programa de Residência em Psicologia da
estratégias de enfrentamento cognitivo, baseadas Saúde/Hospitalar.
no problema a ser enfrentado [3].
Quando os pacientes são crianças, os fatores de INSTRUMENTOS
risco da crise vital gerada pela hospitalização e As informações foram obtidas por meio dos re-
cirurgia, são potencializados por se tratarem de gistros das interconsultas psicológicas prestadas
pacientes em estágios do desenvolvimento iniciais. pelo Serviço de Psicologia (Livro de Serviço de Psi-
A criança internada para realização de procedi- cologia sobre Clínica Cirúrgica) e dos registros de
mento cirúrgico sai de sua rotina, podendo vir a evolução multiprofissional, presentes nos prontuá-
desenvolver distúrbios psicológicos, advindos do rios nos quais são identificados os seguintes as-
desconforto, ansiedade e alterações do sensório pectos: Livro de Serviço de Psicologia sobre Clínica
(turvação da consciência, alucinações, ilusões e Cirúrgica: nº do atendimento, nome do paciente,
desorientação), devido ao medo do desconhecido sexo, data de nascimento, data da internação,
[7]. quarto/leito, conduta médica, especialidade médica
Crepaldi, Rabuske e Gabarra [8], indicam que responsável, conduta psicológica, data dos
tanto a preparação psicológica pré-cirúrgica da atendimentos psicológicos, psicólogo responsável e
criança quanto a dos pais são igualmente impor- data da alta /encaminhamento(s); Registro de
tantes, pois lhes possibilita certo grau de controle evolução multiprofissional: evo-lução do paciente
sobre o desconhecido que a situação cirúrgica referida pelos diferentes profissionais que o
representa, já que em geral esta é sentida e perce- acompanham.
bida como um momento de vulnerabilidade e risco.
A preparação psicológica antes de uma cirurgia PROCEDIMENTO
permite à criança e seus pais que mecanismos de A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em
defesa atuem de modo a diminuir e prevenir Pesquisa com Seres Humanos, sob protocolo nº
aparecimento de transtornos psicológicos no pós- 0598/11.
operatório. Dessa forma, o preparo da criança para Após a ciência do responsável técnico pelo Se-
a cirurgia é uma tarefa indispensável, para que rviço de Psicologia do hospital, sobre a utilização
possa minimizar seus medos e ansiedades de- dos documentos abarcados pela pesquisa, foi
ixando-a preparada, incluindo não somente o pré- realizada uma leitura minuciosa das informações
cirúrgico como também o pós-operatório, onde os contidas nos registros anteriormente citados, pre-
pais e/ou cuidadores vão saber como lidar e cuidar enchidos de setembro de 2012 e a maio de 2013.
com a criança operada enquanto estiver no hospi- Analisaram-se 105 casos apresentados no Livro
tal e ao retornar para casa. de Serviço de Psicologia sobre Clínica Cirúrgica e
Se, por um lado, a literatura cita procedimentos nos registros de evolução multiprofissional, contu-
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do apenas 80 puderam ser incluídos no estudo, A categoria Descrição do Estado Geral e Motivo
uma vez que os outros 25 prontuários não pos- da Hospitalização do Paciente se refere à coleta de
suíam seus respectivos registros de interconsultas informações, realizada pelo psicólogo, sobre o
psicológicas, corretamente preenchidos. paciente, o motivo da cirurgia e as demandas im-
É importante assinalar que todas as intercon- postas pela equipe.
sultas psicológicas foram solicitadas por membros A Descrição do Estado Geral de Familiares e o
da equipe multiprofissional e, todos os casos envo- Acolhimento aos Familiares, diz respeito às ativi-
lviam cirurgias eletivas. dades do psicólogo de análise das reações psico-
Dessa forma, a partir da tabulação das infor- lógicas de todos os envolvidos naquela situação,
mações coletadas sobre 80 casos, procedeu-se à naquele momento e o acolhimento de suas neces-
análise dos resultados. sidades, expectativas e angústias.
A categoria Orientações para Paciente e/ou
RESULTADOS Familiares indica as ações de orientações, dos psi-
cólogos aos pacientes e familiares, com a finalidade
Nos 80 casos considerados, os pacientes eram de intermediar as relações entre eles e a equipe
predominantemente do sexo masculino (59). Em 5 médica ou a equipe multidisciplinar.
dos registros, não constava a idade dos pacientes, As atividades de Estimulação e Reforçamento
sendo que aqueles nas quais essa infor-mação das Habilidades de enfrentamento do paciente su-
existia, indicaram que 75 tinham idade entre 1 e 97 gerem as ações para desenvolver ou incrementar
anos (média de idade= 31 anos; desvio-padrão = as estratégias de enfrentamento mais eficazes ao
0,8 anos). Desses 75, somente 1,era criança; 2 tratamento, promovendo a cooperação e o ajus-
eram adolescentes e os demais, adultos. tamento comportamental durante e após os proce-
O período de internação variava entre 1 a 105 dimentos médicos.
dias, com média de 11,8 dias, considerando-se as O Apoio e Acolhimento do Paciente inclui as
informações constantes em apenas 62 dos re- atividades do psicólogo que considerando, empa-
gistros. ticamente, a subjetividade dos sujeitos, incluindo
Em relação às especialidades médicas respon- atenção ao contexto em que estão inseridos e a
sáveis pelos pacientes (e, portanto, indicativas da relação com a equipe que o atende, busca reduzir o
natureza da cirurgia) os resultados mostraram que medo, a ansiedade antecipatória ou o distress.
26 casos eram da Cirurgia Geral; 14 eram da A categoria Discussão e Esclarecimentos para a
Ortopedia; 13, da Urologia; 6 eram da Gastroen- Equipe refere-se à devolução à equipe, das ava-
terologia; 6, da Vascular; 4, da Coloproctologia e a liações ou diagnóstico situacional, elaborado a
Neurologia e a Otorrinolaringolia. partir da coleta de dados, do entendimento sobre o
Quanto ao número de atendimentos ou intercon- funcionamento do paciente, família e equipe, e sua
sultas psicológicas, estas totalizaram 49, em re- interrelação contextualizados no ambiente hospi-
lação à 60 dos 80 casos (em 20 deles não foi talar.
possível determinar quantas ocorrências destes a- Finalmente, os Esclarecimentos/Informações ao
tendimentos), com uma média, então, de 0,8 inter- Paciente dizem respeito ao fornecimento de infor-
consultas por paciente. mações educativas sobre os procedimentos medi-
A partir das anotações feitas pelos psicólogos, cos a serem executados durante a hospitalização e
no Livro de Serviço de Psicologia sobre Clínica os comportamentos necessários no pós-operatório.
Cirúrgica e tendo como referência o exposto na Quanto à utilização das diversas categorias de
literatura sobre as intervenções psicológicas com intervenções psicológicas nos 80 casos estudados,
pacientes cirúrgicos, foram categorizadas as inter- nos períodos pré e pós-operatórios, constatou-se
venções efetivadas nos 60 casos que as des- que o número total de intervenções realizadas nos
creviam (Tabela 1). 49 atendimentos psicológicos foi igual a 82. Seis (6)
Tabela 1: Categorias das intervenções psicológicas delas ocorreram no período pré-operatório e rela-
cionavam-se, exclusivamente,a pacientes adultos.
Nº CATEGORIA
Das 76 intervenções ocorridas no pós-operatório, 70
DESCRIÇÃO DO ESTADO GERAL E MOTIVO DA
1 HOSPITALIZAÇÃO DO PACIENTE
foram com pacientes adultos; 5 com adolescentes e
1 com paciente infantil.
DESCRIÇÃO DO ESTADO GERAL DE FAMILIARES E O
2 ACOLHIMENTO AOS FAMILIARES Quanto à categoria das intervenções, os
3 ORIENTAÇÕES PARA PACIENTE E/OU FAMILIARES resultados mostraram que a maior parte delas refe-
ESTIMULAÇÃO E REFORÇAMENTO DAS HABILIDADES
riu-se ao Apoio e Acolhimento do Paciente (23),
4 DE ENFRENTAMENTO seguida imediatamente pela Descrição do Estado
5 APOIO E ACOLHIMENTO DO PACIENTE Geral e Motivo da Hospitalização do Paciente (20).
6 DISCUSSÃO E ESCLARECIMENTOS PARA A EQUIPE Notou-se, também, que as intervenções catego-
7 ESCLARECIMENTOS/INFORMAÇÕES AO PACIENTE
rizadas como Estimulação e Reforçamento das Ha-
bilidades de enfrentamento (12) foram mais utili-
zadas do que aquelas de Descrição do Estado Geral
de Familiares e o Acolhimento aos Familiares (9) e
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as de Orientações para Paciente e/ou Familiares subjetiva.
(7). As intervenções menos freqüente foram as de Estas considerações nos levam ao segundo tema
Esclarecimentos/ Informações ao Paciente (6) e as importante suscitado pelos resultados obtidos: a
de Discussão e Esclarecimentos para a Equipe (5). atuação dos psicólogos hospitalares em relação
Interessante observar que no período pré-opera- aos pacientes cirúrgicos nos períodos pré e pós-
tório, das sete categorias de intervenções psico- operatórios. Neste tema o primeiro aspecto que
lógicas apenas a Discussão e Esclarecimentos para chama a atenção, é o fato de que a despeito do
a Equipe não foi empregada pelos psicólogos. No reconhecimento, na literatura, de que a preparação
que tange ao período pós-operatório, todas as cate- psicológica pode produzir aumento dos índices de
gorias foram utilizadas com os pacientes adultos; adesão ao tratamento e redução da ansiedade dos
com os adolescentes foram realizadas as inter- pacientes cirúrgicos, no hospital onde o estudo foi
venções de Descrição do Estado Geral e Motivo da realizado, o atendimento psicológico não ocorre
Hospitalização do Paciente, Descrição do Estado regularmente para todos os indivíduos submetidos
Geral de Familiares e o Acolhimento aos Familiares, a cirurgias; mas sim, para aqueles casos nos quais
Orientações para Paciente e/ou Familiares,Apoio e há solicitação de algum membro da equipe.
Acolhimento do Paciente e Discussão e Esclare- É como revela Angerami-Camom [13]; a
cimentos Para a Equipe e não foram empregadas a psicologia hospitalar tem assumido um modelo
Estimulação e Reforçamento das Habilidades de en- próprio de atuação, adaptado à realidade das ins-
frentamento e os Esclarecimentos/Informações ao tituições hospitalares, com a finalidade de atender
Paciente. Com o paciente infantil, ainda no pós-ope- às necessidades dos pacientes, familiares e equi-
ratório, os psicólogos forneceram Esclarecimen- pes. Julgamos que além da deficiência do ins-
tos/Informações ao Paciente. trumental teórico/científico para atuação nesta área
específica, a instituição hospitalar, condicionada
DISCUSSÃO pelas questões administrativas financeiras decor-
rentes das políticas públicas de saúde, não tem
A partir dos resultados, dois temas principais se oferecido as condições necessárias à própria in-
impõe à nossa consideração: o primeiro deles é a serção do psicólogo na unidade institucional.
falta de organização e lacuna metodológica no Quanto às intervenções realizadas pelos psicó-
trabalho do psicólogo hospitalar. logos, constatamos que as mesmas são corro-
Nesse sentido, as deficiências encontradas nos boradas por diversos estudos sobre a interconsulta
registros pesquisados, contrariam categoricamente psicológica [12,14,15] e outros sobre preparação
o postulado por outros autores [9,10], para os psicológica para cirurgia [3,16,17]. De fato, a inter-
quais a atitude do psicólogo no hospital tem que consulta psicológica é um instrumento utilizado pelo
ser científica, pois o mesmo funciona através de profissional para compreender e aprimorar a
métodos da ciência (ações claras, objetivas e assistência ao paciente no hospital geral e, seus
precisas). elementos são: 1. coleta de informações com
A atitude científica implica na fundamentação do médicos, enfermeiros, paciente, familiares e outros;
trabalho em evidências empíricas, provenientes de 2. elaboração de diagnósticos situacionais; 3. Devo-
ações objetivas e precisas, passíveis de serem lução e assessoramento; e 4. acompanhamento
compreendidas por outros profissionais da saúde, diário da evolução da situação [12].
psicólogos e não psicólogos. Contudo, a dificul- Dessa forma podemos reconhecê-los na catego-
dade em manter registros completos e precisos, rização das intervenções analisadas, especi-
como a que pudemos observar é coerente com o ficamente na Descrição do Estado Geral e Motivo
indicado por Ismael [11], de que apesar de haver, da Hospitalização do Paciente e na Discussão e
hoje, um maior número de profissionais na área Esclarecimentos para a Equipe.
hospitalar, ainda persiste uma série de Em relação à preparação psicológica para a ci-
dificuldades, como a própria inserção do psicólogo rurgia, Quiles e Carrillo [18] a definem como um
na unidade institucional e a deficiência do conjunto de procedimentos técnicos cujos objetivos
instrumental teórico para atuação nesta área são prevenir e/ou aliviar reações emocionais
específica. advindas da situação de internação hospitalar e fa-
Gazotti e Prebianchi [12] ao estudarem a inter- cilitar a adaptação comportamental ao contexto. As
consulta psicológica, afirmaram que a formação estratégias mais utilizadas são: a transmissão de
insuficiente, sem adequação para pesquisa, informações, o incentivo à autonomia do paciente, a
inviabiliza a verificação da efetividade das disponibilização de apoio social, a atuação em
atuações e repercussões dos serviços prestados equipe multidisciplinar, o relaxamento, mudanças
por interconsultores, prejudicando o aper- no ambiente físico, música e suporte espiritual.
feiçoamento das intervenções realizadas. Mais do Outras categorias de intervenções encontradas nos
que isso, acreditamos que limitações como as resultados desse estudo, englobam tais estra-
encontradas nesse estudo, comprometem a credi- tégias: a Descrição do Estado Geral de Familiares e
bilidade em uma área até então, vista por várias o Acolhimento aos Familiares, Orientações para
especialidades de saúde, como sendo vaga e Paciente e/ou Familiares, Estimulação e Reforça-
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mento das Habilidades de enfrentamento, Apoio e mesmo objetivo [22].
Acolhimento do Paciente e Esclarecimentos Nossos achados parecem indicar que ainda que
/Informações ao Paciente. a adoção do modelo biopsicossocial na abordagem
Contudo, intervenções dessa natureza pres- à saúde seja referida como inquestionável pelas
supõem a antecipação de um fato/evento, deven- políticas públicas, persiste a dificuldade de envolver
do, portanto, ser realizadas em momento anterior à diferentes profissionais que estejam preparados
sua ocorrência. No estudo em questão, cons- para intercambiar saberes de forma que se com-
tatamos que quase a totalidade dos atendimentos plementem, gerando alternativas e soluções
psicológicos aconteceu no período pós-operatório, pertinentes e eficazes para cada caso abordado,
desvirtuando assim, o objetivo de preparação. Nem como já apontado por Carvalho e Lustosa [23].
mesmo nos casos de pacientes adolescentes ou O incentivo à crescente implementação de prá-
infantis, houve qualquer preparação psicológica ticas multidisciplinares no processo de preparação
pré-cirúrgica dos pacientes ou de seus pais, con- de pacientes para a cirurgia torna o atendimento à
trariamente ao que é recomendado pela literatura saúde do paciente cirúrgico um campo de atuação
[3,8]. Acreditamos que a realidade institucional, desafiador a todas as áreas do conhecimento en-
aliada às falhas na formação profissional, marcam volvidas nesta assistência, uma vez que uma série
a atuação dos psicólogos, no contexto estudado, de procedimentos executados por diferentes profis-
como uma espécie de profissional polivalente, de sionais ocorrem concomitantemente e devem com-
prontidão para atuar quando e onde se fizer neces- por um conjunto integrado de cuidados ao processo
sário, ainda que despreparado para enfrentar as cirúrgico [24,25]. Assim, acreditamos que o registro
exigências do setor da saúde, similarmente ao do atendimento às necessidades psicossociais de
observado em estudo de [19]. cada paciente, incluindo indicadores de intervenção
Como Romano [20], julgamos que o psicólogo preparatória pode gerar protocolos de intervenção,
deve considerar que a hospitalização, a doença e a colaborando para a construção de um corpo mais
cirurgia não comprometem só o paciente, mas consistente de conhecimentos sobre preparação
também afetam a sua família, seus papéis e canais psicológica para procedimentos cirúrgicos. Tal pro-
de comunicação. Nesse sentido, Miyazaki, Domi- vidência não limitaria o alcance das pesquisas em
ngos, Valério, Souza e Silva [21] indicam que toda termos da aplicabilidade das intervenções em larga
a complexidade do procedimento cirúrgico e suas escala, nem dificultaria a tomada de decisão do
repercussões físicas, emocionais e sociais pesquisador acerca do seu uso, bem como a imple-
implicadas no paciente, familiares e/ou acom- mentação sistemática de procedimentos dessa
panhantes e a própria equipe multidisciplinar, natureza.
evidenciam ainda mais a necessidade da elabo-
ração de protocolo psicológico para o acompa- CONCLUSÃO
nhamento dessa clientela, inclusive no pós-
operatório tardio, onde o índice de depressão pós Iniciamos este estudo com o objetivo de
cirúrgico ainda é alto. Protocolos organizados e pa- conhecer as formas de atuação de psicólogos hos-
dronizados facilitam as ações dos próprios psi- pitalares em relação aos pacientes cirúrgicos nos
cólogos e a comunicação destes com os outros períodos pré e pós-operatórios. As dificuldades
profissionais de saúde, beneficiando os usuários encontradas na análise dos documentos envol-
do sistema de saúde e melhorando a qualidade do vidos, se não o inviabilizaram, reduziram seu Alcan-
atendimento dispensado. ce e possibilidades de generalização. Todavia, a
Finalmente, em relação às intervenções cate- conclusão de que em termos de atenção psico-
gorizadas, gostaríamos de ressaltar o quanto nos lógica a pacientes cirúrgicos, a prática profissional
parece incoerente que a menos frequentemente ainda não acompanha, de forma consistente,
utilizada seja a Discussão e Esclarecimentos para alguns dos resultados apontados na literatura, nos
a Equipe, quando lembramos que os atendimentos parece razoável.
psicológicos ocorrem a partir da solicitação de Sem intervenções mais sistemáticas que condu-
algum dos membros da equipe multiprofissional. zam a resultados mais consistentes, a preparação
O trabalho multiprofissional, na lógica da inter- psicológica dos indivíduos sujeitos de procedi-
disciplinaridade, é uma possibilidade de ampliar a mentos cirúrgicos continuará um tema recorrente
capacidade humana de compreender a realidade e na psicologia da saúde e em outras ciências da
os problemas que nela se apresentam. O multi- área.
profissionalismo refere-se à recomposição de dife-
rentes processos, que devem flexibilizar a divisão REFERÊNCIAS
do trabalho; preservar as diferenças técnicas entre
os trabalhadores especializados; diminuir as desi- [1] Juan, K. (2007), O impacto da cirurgia e os
gualdades na valorização dos distintos trabalhos e aspectos psicológicos do paciente: Uma revisão.
respectivos agentes, bem como nos processos Psicologia Hospitalar, São Paulo, 5 (1).
decisórios, e compreender a interdependência dos
saberes para a execução e cumprimento do [2] Trinca, A.M. A (2003), Intervenção terapêutica
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