Você está na página 1de 35

DADOS DE ODINRIGHT

Sobre a obra:

A presente obra é disponibilizada pela equipe eLivros e


seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer
conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos
acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da
obra, com o fim exclusivo de compra futura.

É expressamente proibida e totalmente repudíavel a


venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente
conteúdo.

Sobre nós:

O eLivros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de


dominio publico e propriedade intelectual de forma
totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e
a educação devem ser acessíveis e livres a toda e
qualquer pessoa. Você pode encontrar mais obras em
nosso site: eLivros.

Como posso contribuir?

Você pode ajudar contribuindo de várias maneiras,


enviando livros para gente postar Envie um livro ;)

Ou ainda podendo ajudar financeiramente a pagar custo


de servidores e obras que compramos para postar, faça
uma doação aqui :)

"Quando o mundo estiver unido na busca do


conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e
poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir
a um novo nível."

eLivros .love

Converted by convertEPub
E. T. A. HOFFMANN, MARQUÊS DE SADE,
HEINRICH ZSCHOKKE, JUAN MANUEL DE
CASTELA

CONTOS DE TERROR: PACTOS


DEMONÍACOS
2016
TRIUMVIRATUS
SUMÁRIO
SOBRE OS CONTOS
O ABADE DUNCANIUS (Heinrich Zschokke)
AVENTURA INCOMPREENSSÍVEL Atestada por toda Uma Província
(Marquês de Sade)
O AMIGO DO DEMÔNIO (Juan Manuel de Castela)
O DIABO EM BERLIM (E. T. A. Hoffmann)
CRÉDITOS
TÍTULOS E COLEÇÕES
SOBRE OS CONTOS

Um santo abade recebe


poderes demoníacos (O Abade
Duncanus, de Heinich Zschokke).
Um nobre francês, em troca
de uma vida plena de riqueza e
sensualidade, vende a alma ao
Diabo (Aventura
Incompreensível[1], do Marquês
de Sade).
A um homem que perdeu a
sua fortuna, promete o demônio
ajudá-lo na recuperação de suas
riquezas (O Amigo do Demônio[2]
de Juan Manuel de Castela).
Um excêntrico estrangeiro encanta Berlim, e a
todos ludibria, até o dia em que uma bruxa é condenada
à fogueira (O Diabo em Berlim, de E. T. A. Hoffmann).
O ABADE DUNCANIUS (Heinrich
Zschokke)

No final do século XIII, viam-


se ainda em Liebenthal
(Silésia) as ruínas de um
mosteiro consagrado a São
Florêncio do qual ninguém,
sobretudo durante a noite, se
aproximava sem sobressalto
e terror. O grande Alberto,
em seu livro de decretis
mulierum et naturae, oferece
um desenho destas ruínas e
as designa sob o nome de
Igreja do Cavalo Branco (Albi
equi ecclesia). Também
estava Alberto sob a invocação de São Florêncio. Assim
ele narra a sua história:
Vivia em Liebenthal, em 1158, certo abade
chamado Duncanius, que regia os monges confiados à
sua autoridade com tanta prudência e discrição que logo
adquiriu em toda a região circunvizinha um grande
renome de santidade. Nas grandes atribulações da vida,
todos recorriam a ele, e não menos acudiam os fiéis à
sua igreja por ele que pelas relíquias de São Florêncio,
que eram conservadas na sacristia, com grande
veneração, guardadas em uma grande urna de prata
maciça. Tão considerável chegou a ser com o tempo a
afluência dos peregrinos, que foi preciso erigir tendas de
campanha e choças de madeira nos arredores da abadia
para acolher tantos devotos.
Certa noite, acabados os últimos ofícios, quando se
dispunha o abade a voltar à sua cela para nela desfrutar
o descanso tão necessário depois dos ativos trabalhos
apostólicos a que se havia entregue durante todo o dia,
viu, na nave solitária, um peregrino que, apesar dos
esforços que faziam os irmãos leigos para persuadi-lo a
retirar-se, se obstinava em ficar na igreja, sob o pretexto
de que albergava segredos importantes dos quais
somente o abade poderia ser depositário. Como tal
peregrino aparentava ser apenas algum pobre vassalo
desprotegido e desamparado, quiseram os religiosos
lançá-los fora à força. Mas ele se abraçou a uma das
delgadas colunas da igreja e não houve forças bastantes
a tirá-lo dali. Vendo isto, disse o abade Duncanius aos
irmãos que deixassem em paz aquele desconhecido que
o procurava.
— Que queres de mim, irmão? — disse-lhe. — E
porque, como os demais peregrinos, não procuraste o
arbítrio da confissão, e somente agora recorres a mim?
— Eu não sou teu irmão. Eu jamais me confesso. E
não me deixo ver mais que uma noite.
— Eu me compadeço de ti, sem maldizer-te.
Todavia, haverá coisa no mundo mais diga de maldição
que um pecador que preserva o pecado?
— Não sei o que querem dizer estas palavras
idiotas: bem-dizer e maldizer. Outra palavra eu conheço
que vale mais que estas duas, e é esta: poder. Eu a
ensinarei a ti, se quiseres.
— O que queres dizer?
— Escuta! Para que me compreendas, será preciso
que eu me despoje desta ridícula forma para mostrar,
diante de teus olhos, com a coroa na cabeça, as asas nos
ombros, com a gadanha na mão? Pois veja!
E em vez de um mendigo, viu Duncanius em pé, à
sua frente, um espírito infernal. Seu primeiro impulso foi
fugir, fazendo o sinal da cruz ao inimigo do gênero
humano. Mas o anjo maldito lhe deteve o braço.
— Insensato! — disse-lhe. — Não desperdices, por
tua vida, a felicidade que a ti se apresenta! De que te
tem servido até agora teus ridículos acatamentos a um
Deus ingrato? Tuas noites passadas de joelhos sobre as
geladas lousas de uma cela, as privações dos jejuns, os
tormentos da mortificação, teu sangue vertido pelas
aguçadas pontas da disciplina, a cruel aspereza do cilício.
Diz-me: de que te tem valido? Nem mesmo para
consumar um pequeno milagre. Nem mesmo para
afugentar-me! Porque, de um ano para cá, não me
afastei uma polegada de sua cela. Sempre estive ali, ao
teu lado, turbando as tuas humildes súplicas, agulhando
teus sentidos com tentações, privando-te de repouso
durante a noite, privando-te de descanso durante o dia...
Eis, aqui, o que te tem valido o teu Deus! E eu... eu te
ofereço o dom sublime de transtornar, ao teu alvedrio, a
ordem da natureza! À tua voz se erguerá os mortos do pó
dos sepulcros. À tua voz bramirá a tempestade. Terás
impérios, exércitos, poderio. Teu cavalo relinchará
caracolando em meio a um campo de batalha. Entre as
nobres castelãs e suas mais belas aias tudo será
rivalidade sem fim para agradar-te, para obter um olhar
teu. E acreditas que te peço em troca a tua alma, não é
mesmo? Não. Nada te peço. Mas tu me pareces um
homem por demais eminente para continuar nesta vida
miserável, e é por isto que venho a ti. Pelejando contigo,
soube apreciar o teu valor... Toma este livro. Faz uso dos
segredos, de uma força mágica que ele te revelará, e
lança fora este hábito para nunca mais voltares a vê-los.
O demônio desapareceu e o abade achou um livro
vermelho a seus pés.
A princípio, não quis tocar nele. Mas, pouco a
pouco, foi tomando ânimo. Então, deteve-o nas mãos e
leu. De pronto, os caracteres começaram a brilhar como
fogo naquelas páginas malditas. À medida que
Duncanius pronunciava as palavras mágicas, mil
estranhas e fantásticas figuras revoluteavam em meio à
densa escuridão do templo, e lhe mostravam castelos,
armaduras, coroas, belas damas, combates, e, enfim,
todas as coisas sobre as quais lhe falara o falso
peregrino. E, ao mesmo tempo, uma multidão de
espíritos malignos se prosternava aos pés do monge,
dizendo-lhe:
— Manda, manda, porque somos teus escravos,
porque obedeceremos a um sinal de tua mão, a um
movimento de tua cabeça, à mais sutil indicação de teus
olhos.
— Afinal de contas — disse a si mesmo Duncianus
—, nada me foi prometido, e nada mais faço que usar de
um poder, mas sem aventurar o mínimo que seja a
salvação de minha alma. Disponhamos dele ao nosso
alvedrio, e sirvamo-nos do livro mágico para a maior
glória de Deus. Assim, será o demônio vítima de seus
sacrifícios e o tentado triunfará sobre o tentador.
E depois acresceu, em voz alta:
— Espíritos dos castelos e das edificações, em
nome de vosso rei e das temíveis palavras que irei hoje
pronunciar, acabai de construir a ala da abadia que, por
falta de dinheiro, está sem conclusão há dois anos e
meio.
Ao ouvir esta ordem, os demônios puseram-se em
pé, dando gritos de alegria. Ouviu-se um surdo rumor, e
a ala da abadia apareceu acabada, brilhante com suas
airosas ogivas de mármore, com suas esbeltas colunas
de elegância, e de vitrais pintados de mil cores. Na
fachada, via-se a imagem de um cavalo branco, e em
caracteres gravados em pedras, lia-se a seguinte
legenda:
“Este monumento foi concluído a partir de uma
palavra do abade Duncanius”
A novidade de tão grande milagre se estendeu nas
asas da fama por todos os países imediatos, e mesmo
por toda a Europa. Duncanius, venerado como um santo,
logo sentiu que a vaidade penetrava o seu coração.
Podia apenas reprimir a expressão de tristeza quando
casualmente era menos numerosa a afluência dos fiéis
que o procuravam para pedir sua intersecção junto a
Deus, ou mesmo uma palavra de sua boca para curá-los
dos males que os afligiam. E, ao mesmo tempo, se algum
príncipe ou alguma dama de ilustre berço chegavam à
abadia com numerosa comitiva de pajens e escudeiros,
brilhava a alegria em seus olhos, e palpitava de orgulho o
seu coração.
Todavia, nunca se atrevera a recorrer novamente ao
poder do livro mágico.
Aconteceu que, num certo dia, um grande senhor
vizinho, muito poderoso, marchou com um numeroso
número de pessoas a Liebenthal, para pôr em a cidade
em sítio. Teve o abade, conforme impunham os
costumes da época, de montar a cavalo, vestir-se de
armadura e guerrear contra o inimigo à frente de seus
vassalos de São Florêncio.
Na época a que se referem os acontecimentos
narrados por Alberto o Grande, os eclesiásticos iam à
guerra. Este costume durou até o reinado de Luís XII.
Apesar dos prodígios de coragem, os habitantes de
Liebenhtal foram rechaçados em uma saída que
intentaram. Fugiam covardemente dispersos quando
Duncanius apeou de seu palafrém. O abade atravessou
os fugitivos com a sua espada e fez outro tanto com os
cavalos dos mais aterrorizados desertores. E gritou,
brandindo o seu machado:
— Morte ao primeiro que fugir!
Ao ver aquela ação heroica, ao ouvir aquela voz
tremenda, detiveram-se os fugitivos e começaram
novamente a combater. Mas novamente lhes foi
contrária a fortuna.
Desesperado, o abade se recorda então do livro
mágico. Tira-o do peito. Lê as palavras que ele contém e,
ferido o inimigo de súbito terror, dispersa-se e se entrega
sem defesa ao furor dos habitantes de Liebenthal,
atônitos em presença daquele novo milagre de
Duncanius.
Os vencedores levaram em triunfo o abade à
cidade, bendizendo-o e repetindo o seu nome como o de
um santo.
Logo chegou a ser Duncanius mais poderoso que
todos os príncipes e senhores daquele rincão. Rodeou-se
o culpado abade de todo faustos e de grandeza.
Entregou-se à torrente de suas paixões, e não pôs freio
algum aos seus desejos e nem ao poder de satisfazê-los
que lhe conferia o livro mágico.
Quinze anos depois da visita feita a Duncanius pelo
misterioso peregrino, entregava-se o abade, em seu
esplêndido palácio, a mil projetos de ambições, quando
uma terrível voz gritou aos seus ouvidos:
— Chegou a tua hora! Segue-me, porque me
pertences.
— O que dizes? Eu, pertencer a tu? Não, não!
Porque jamais firmei nem consenti no pacto que me
propuseste.
— Esta é, efetivamente, a verdade. Mas, graças a
esse livro, e aos desejos que em ti nasceram, hás
reduzido a nada os sete pecados capitais. Cometeste
crimes, perdeste a tua alma para toda a eternidade.
Insensato! Achavas que te poderias servir do poder do
demônio, e não pertencer ao demônio algum dia? Vem,
porque tu me pertences!
E, agarrando-o com os seus poderosos braços,
levou-o consigo aos abismos. No mesmo instante,
despencou um raio sobre a abadia. Dela, restaram não
mais que ruínas, sobre às quais dançavam, à noite, com
horrível algazarra, os espíritos infernais. E daquelas
ruínas ninguém poderia, sem pavor, se aproximar.
Entretanto, muito anos depois, alguns monges da
ordem de São Bento obtiveram para si o terreno da
antiga abadia de São Florêncio e nele construíram uma
igreja da qual ainda restavam resquícios em 1640.

.
AVENTURA INCOMPREENSSÍVEL
Atestada por toda Uma Província
(Marquês de Sade)

Não faz cem anos e ainda


perdurava, em vários lugares
da França, a absurda crença de
que, entregando a alma ao
diabo, com certas cerimônias
tão cruéis quanto fantásticas,
conseguia-se dessa entidade
infernal tudo o quanto se
desejasse; e um século não é
transcorrido da aventura,
pertinente ao tema, que
contaremos, ocorrida em uma
de nossas províncias
meridionais, ainda hoje
atestada pelos registros de
duas cidades, e respaldada por mui fidedignos
testemunhos, aptos a convencer os incrédulos. O leitor
pode ou não acreditar, pois falamos somente depois de
bem verificadas as provas. Naturalmente, não
garantimos a veracidade dos fatos, mas certificamos que
mais de cem mil almas acreditam neles, e que mais de
cinquenta mil podem corroborar nos nossos dias a
autenticidade com que estão consignados nos registros
seguros. Pedimos vênia para disfarçar a província e os
nomes das pessoas.
Desde a mais tenra juventude, o barão de Voujour
conjugava a mais desenfreada libertinagem ao cultivo de
todas as ciências, e mui especialmente aquelas que
induzem o homem ao erro e o fazem perder um precioso
tempo que poderia empregar em algo infinitamente
melhor. Era alquimista, astrólogo, bruxo, necromante,
astrônomo notável e físico medíocre. Aos vinte e cinco
anos, o barão, senhor de seu patrimônio e dos próprios
atos, descobriu, segundo afirmava, em seus livros, que,
em se imolando um menino em homenagem ao diabo,
empregando determinadas palavras e contorções
durante uma execrável cerimônia, invocava-se a
presença do demônio, obtendo-se dele tudo o que se
desejasse, desde que se lhe prometesse a alma. Então,
tomou a resolução de perpetrar tal monstruosidade com
o único propósito de viver em felicidade plena até o
décimo segundo lustro, porquanto jamais lhe faltaria
dinheiro, e, ademais, até tal idade, e apesar dela,
conservaria o barão, no mais alto grau das forças, suas
prolíficas faculdades.
Cometida tal infâmia e firmado o pacto, ocorreu o
seguinte: até a idade de sessenta anos, o barão, que
dispunha apenas de quinze mil libras de renda, havia
gastado, regularmente, duzentas mil e jamais deveu um
centavo a ninguém. No que respeita às suas proezas
amorosas, foi capaz, até a esta idade mesma, de
desfrutar duma mulher quinze ou vinte vezes em uma
mesma noite, e, aos quarenta e cinco, ganhou cem luíses
em uma aposta com amigos. Estes duvidaram que o
barão não conseguiria satisfazer a vinte e cinco
mulheres, uma após outra; ele satisfez às mulheres e a
elas entregou os cem luíses. Depois de um outro jantar,
tendo-se iniciado um jogo de azar, o barão advertiu, ao
entrar, que não dispunha de um centavo sequer, razão
por que declinou de participar da rodada; ofereceram-lhe
dinheiro, mas ele recusou. Enquanto jogavam, deu duas
ou três voltas na sala. Voltou e, tomando lugar à mesa,
apostou em uma carta dez mil luíses, que foi tirando em
dez ou doze maços de seu bolso; a aposta não foi aceita
e o barão perguntou por quê. Um de seus amigos
respondeu, brincando, que a carta não estava
generosamente fornida e o barão acrescentou a ela mais
dez mil luíses. Todas estas coisas estão registradas em
assentamentos de duas respeitáveis prefeituras, e nós as
lemos.
Quando completou cinquenta anos, o barão
decidiu casar-se. Fê-lo, então, com uma encantadora
jovem de sua província, com a qual sempre viveu muito
bem, sem que as infidelidades, tão próprias a seu
temperamento, jamais provocassem o menor atrito. Teve
ele sete filhos com esta mulher e já há algum tempo os
encantos da consorte fizeram-no mais presente em casa.
Habitualmente, vivia com sua família no mesmo castelo
em que, na sua juventude, havia feito o antedito
horrendo pacto, lá recebendo homens letrados, dos quais
apreciava a companhia e cultivava a amizade. Todavia, à
medida que se aproximava o prazo de sessenta anos,
recordava-se de seu infeliz contrato e, como não sabia se
o diabo se contentaria em arrebatar-lhe os dons ou em
tirar-lhe a vida, seu humor mudou por completo, pondo-
se assim triste e meditabundo e, por isso, quase não
mais saía de casa.
No dia preestabelecido e na hora exata em que o
barão completava seus sessenta anos, um criado lhe
anuncia um desconhecido que, tendo ouvido falar de
seus dons, lhe solicita uma entrevista. O barão, que
neste momento não pensava naquilo que o vinha
preocupando há vários anos, responde que o faça chegar
ao seu escritório. Sobe ao recinto e encontra um
forasteiro que, por seu sotaque, parece ser de Paris.
Encontra um homem bem vestido, dotado de bela
aparência, com quem, em seguida, se põe a conversar
sobre as ciências mais elevadas. O barão a tudo
responde e a entrevista se anima. O senhor de Vaujour
propõe à visita um pequeno passeio e, tendo este aceito
o convite, nossos dois filósofos saem do castelo. Era
época de trabalhos agrícolas e todos os lavradores
estavam no campo. Alguns, vendo o senhor Vaujour
gesticular, enfaticamente, sozinho, julgam que o barão
perdera o juízo e, então, correm para avisar à esposa,
mas ninguém, no castelo, reponde. Aquela boa gente
retorna ao campo e segue observando o seu senhor.
Este, crendo estar a confabular animadamente com
alguém, agita as mãos, como é comum em tais
conversas. Por fim, nossos dois sábios chegam a uma
espécie de passeio fechado na extremidade, e do qual
não se podia sair senão retornando pelo mesmo
caminho. Trinta camponeses puderam vê-lo, trinta foram
interrogados e trinta responderam que o senhor de
Vaujour havia penetrado sozinho, sem deixar de
gesticular, naquela espécie de alameda coberta.
Ao fim de uma hora, disse-lhe a pessoa com quem
o barão imaginava estar:
— Bem, barão, então o senhor não me reconhece?
Esqueceu-se, por acaso, do desejo de sua juventude?
Esqueceu-se de que eu o realizei?
O barão estremeceu.
— Não tema — disse-lhe o espírito com quem
conversava. — Não sou dono de sua vida, mas posso
retirar-lhe todos os dons e arrebatar-lhe tudo o quanto
lhe é querido. Retorne à sua casa e você verá em que
estado irá encontrá-la. Reconhecerá o justo castigo de
sua imprudência e de seus crimes... Adoro os crimes,
barão, até os desejo, mas o meu destino me compele a
puni-los. Volte para casa, repito, e converta-se. Ainda lhe
resta um lustro de vida. O senhor morrerá daqui a cinco
anos, mas sem que lhe seja negada a esperança de estar
um dia com Deus, caso mude de conduta... Adeus.
E o barão, encontrando-se sozinho, sem ter visto
ninguém a retirar-se de sua presença, retorna depressa
por onde viera, perguntando aos camponeses, que
encontra no caminho, se o teriam visto ingressar na
alameda em companhia de um homem com tais e quais
características. Todos respondem que ele havia entrado
sozinho e que, assustados ao vê-lo gesticular sozinho
com aquela veemência, correram a avisar à senhora,
mas não havia ninguém no castelo.
— Como não há ninguém? — exclamou o barão,
transtornado. — Pois lá deixei seis criados, sete crianças
e minha mulher.
— Não há ninguém, senhor — disseram-lhe.
Cada vez mais assustado, corre para casa. Bate,
mas ninguém responde. Força a porta e entra. O sangue
que inunda os degraus já lhe anuncia a catástrofe que irá
destruí-lo. Abre uma grande sala e depara-se com sua
mulher, seus sete filhos e seus seis criados, todos eles
decapitados, espalhados pelo chão, em diferentes
posições, e em meio a ondas de sangue. Desmaia. Vários
camponeses, cujos depoimentos foram tomados, entram
e contemplam o mesmo espetáculo. Acodem o amo, que
paulatinamente volta a si e roga-lhes que prestem à
infeliz família as últimas homenagens, e, sem perda de
tempo, ruma ao Mosteiro da Grande Chartreuse, onde, ao
término de cinco anos, faleceu no exercício da mais
elevada piedade.
Nós nos abstemos de toda reflexão sobre este
incompreensível acontecimento. Existiu, não podemos
negar, mas é inexplicável. Deve-se ser cauteloso e não
acreditar em quimeras. Mas, quando algo é
universalmente testemunhado e é dotado de tais
singularidades, deve-se baixar a cabeça, fechar os olhos
e dizer: “como não entendo como os mundos flutuam no
espaço, pode haver sobre a terra coisas que me fogem
ao entendimento”.
O AMIGO DO DEMÔNIO (Juan
Manuel de Castela)

— Senhor conde Lucanor —


disse Patronio —, um homem
que havia sido rico ficou tão
pobre que não tinha o que
comer. Como não há no
mundo maior desgraça que o
infortúnio para o que já foi
ditoso, aquele homem, que de
tanta prosperidade havia
sucumbido a tanta
desventura, estava muito
triste. Um dia, em que
caminhava sozinho no
bosque, muito aflito e
preocupado, encontrou-se
com o demônio. Como este
sabe tudo o que acontece,
sabia por que aquele homem estava tão triste. Apesar
disto, perguntou-lhe a causa de sua tristeza.
O homem indagou por que motivo falaria, já que
não havia como ser ajudado. O demônio replicou que, se
ele lhe queria obedecer, remediá-lo-ia, e que, para que
visse o que poderia fazer em seu favor, disse ao homem
aquilo em que este vinha pensando e por que estava
triste. Então contou ao homem a sua própria história e o
motivo de sua tristeza, como quem muito bem de tudo
sabia.
Disse-lhe, também, que, se quisesse fazer o que lhe
dissesse, o tiraria da miséria e o faria mais rico que
qualquer outro de sua linhagem, porquanto era o
demônio e podia mesmo realizar tais coisas.
Quando o homem o ouviu dizer que era o demônio,
ficou com muito medo, mas pela aflição e penúria em
que encontrava, respondeu que, se voltasse a ficar rico,
faria o que o demônio quisesse.
Saiba que demônio procura o momento mais
propício para nos enganar. Quando o homem está em
estado de muita necessidade ou abatimento, ou muito
inquieto pelo temor ou pelo desejo de algo, consegue
dele tudo o que se quer. Por isto, ao ver a aflição do
homem, o demônio buscou o modo de enganá-lo.
Então fizeram um pacto e o homem declarou-se
vassalo do demônio. Feito isto, disse-lhe o demônio que,
doravante, passasse a roubar, pois nunca encontraria
porta ou casa tão bem trancadas que não lhe fossem
abertas, e que, se por acaso se visse em algum perigo,
ou se fosse levado à prisão, não teria mais que o chamar,
dizendo: “Socorra-me, dom Martín”, para que ele viesse
imediatamente para livrá-lo daquele perigo. Depois,
separam-se.
Quando anoiteceu, o homem rumou à casa de um
mercador, pois os que querem fazer o mal têm aversão à
luz. Ao chegar à porta, a abriu o demônio, que fez o
mesmo com as arcas, de modo que o homem pôde
assenhorar-se de uma grande quantidade de dinheiro. No
dia seguinte, fez um roubo muito grande, e depois outro,
até que ficou tão rico que não mais se recordava da
miséria que havia passado.
O infeliz, não satisfeito por sair da pobreza,
continuou roubando. Tanto roubou que acabou por ser
preso. E quando o prenderam, clamou por dom Martín.
Dom Martín chegou muito depressa e o livrou em
seguida. Ao ver o homem que dom Martín cumpria a sua
palavra, voltou a roubar e tanto roubou que chegou a ser
muito rico.
Num destes roubos, foi novamente preso e chamou
dom Martín, que não veio tão depressa quanto ele
queria. Os juízes do lugar onde ele praticara o roubo já
haviam começado a fazer as suas averiguações. Quando
chegou dom Martín, o homem lhe disse:
— Ah, dom Martín, quanto medo eu passei! Por que
não vieste antes?
Respondeu-lhe dom Martín que estava ocupado
com um assunto urgente e que por isso se atrasara.
Imediatamente, tirou-o da prisão.
O homem voltou a roubar. Ao cabo de muitos
roubos, foi de novo preso e, realizado pelos juízes o
interrogatório, foi condenado. Prolatada a sentença, veio
dom Martín e o pôs na rua. Vendo o homem que dom
Martín sempre o soltava, continuou roubando. Outra vez
foi preso e chamou dom Martín, mas quando este
chegou, o homem já havia sido condenado à morte.
Recorreu dom Martín ao indulto real e, deste modo,
voltou a libertá-lo.
Continuou roubando, foi preso outra vez e chamou
dom Martín, mas quando este chegou, estava o homem
ao pé da forca. Ao vê-lo, disse o homem:
— Ah, dom Martim, saiba que esta não foi de
brincadeira! Não sabes o medo que passei!
Dom Martín lhe disse que lhe trazia quinhentos
maravedis em uma bolsa, que os desse ao juiz e que
desta maneira ficaria livre. O juiz havia dado a ordem de
que o enforcassem e já estavam procurando a corda para
isto. Enquanto a procuravam, chegou o homem ao juiz e
lhe deu a bolsa. Crendo o juiz que o sentenciado lhe dera
muito dinheiro, disse às pessoas que ali se encontravam:
— Amigos, alguém já viu faltar corda para enforcar
um homem? Eu creio que este homem é inocente e,
como Deus não quer que ele morra, falta-nos agora a
corda. Esperemos até amanhã e vejamo-lo com mais
atenção, porque, se ele for culpado, tempo nos resta
para fazer justiça.
O juiz dizia isto para libertá-lo em troca do dinheiro
que havia recebido, mas quando se afastou e olhou a
bolsa de couro, em vez do dinheiro encontrou uma corda
de enforcar. Imediatamente, mandou pendurar o
prisioneiro. Tendo o verdugo ajustado aquela mesma
corda ao seu pescoço, o homem pediu a dom Martín que
o socorresse. Replicou dom Martín que sempre ajudava a
todos os seus amigos, mas até que estes chegassem ao
extremo do patíbulo; depois, não mais. Deste modo,
perdeu aquele homem a vida e a alma por crer e fiar-se
do demônio.
O DIABO EM BERLIM (E. T. A.
Hoffmann)

No ano de 1551,
passeava pelas ruas de
Berlim, ao entardecer e
durante a noite, um
homem de bom aspecto
e nobre fisionomia, com
um belo gibão de pele
de marta zibelina,
calções muito largos e
sapatos abertos, a
cabeça coberta por um
grande gorro de veludo com uma pena vermelha. Suas
maneiras eram refinadas e amáveis. Saudava a todos
com cortesia, especialmente as senhoras e senhoritas, às
quais se dirigia amavelmente com discursos lisonjeiros:
— Senhora — dizia às nobres senhoras —, dai vossa
ordem a vosso humilde servo e a ele confiai os vossos
desejos. Ele estará, prontamente, a vosso serviço.
Depois, dirigindo-se às jovens, dizia:
— Que os céus vos deem um marido digno de vossa
beleza e virtudes!
Com igual benevolência tratava os homens e, por
isso não era estranhável que aquele estrangeiro fosse
muito querido por todos. As pessoas acorriam em sua
ajuda quando ele se encontrava detido por alguns
córregos nas ruas da cidade e não sabia como
atravessar, pois, conquanto fosse alto e de bom físico,
mancava de uma perna, razão pela qual servia-se de
uma bengala. Mas se alguém lhe dava a mão, de um
salto lançava-se a dez pés de altura, vindo a parar
algumas vezes a doze passos adiante.
Isto causava admiração a não pouca gente, e mais
de uma pessoa quebrou a perna ao ajudá-lo, mas o
estrangeiro se desculpava dizendo que, no passado,
quando não era coxo, fora o primeiro bailarino do rei da
Hungria e, agora, bastava que alguém muito
ligeiramente o ajudasse a saltar para que dele se
apoderasse um desejo de dançar e, muito contra a sua
vontade, se via forçado a dar saltos no ar. As pessoas se
contentavam com tal explicação, e até se divertiam
quando tinham a oportunidade de ver um juiz, um clérigo
ou qualquer outra honorável pessoa a saltar com o
estrangeiro.
Todavia, embora parecesse tão divertido e de tão
bom humor, a conduta do estrangeiro às vezes mudava
radicalmente, pois sucedia que, algumas vezes, à noite,
ele percorria as ruas batendo às portas. A pessoa que
abria ficava surpresa de terror ao vê-lo com branca
indumentária de defunto, lançando soluços e gemidos
lastimosos. Mas, no dia seguinte, cuidava de desculpar-
se, assegurando que era necessário proceder daquela
maneira para levar os burgueses a recordarem-se de que
somos todos carne mortal e nossa alma é imortal, razão
pela qual deveríamos estar sempre precavidos. Ao dizer
isto, costumava chorar, o que comovia profundamente os
seus ouvintes.
Acorria também a todos os enterros, seguindo o
defunto com muita reverência. Dava mostras de tanta
aflição que seus gemidos e soluços o impediam de tomar
parte nos cânticos religiosos. Não obstante o pesar e a
aflição que demonstrava em tais ocasiões, as suas
manifestações de alegria e contentamento eram
notáveis, sobremodo por ocasião das bodas dos
citadinos, que aconteciam no prédio da prefeitura. Ali,
cantava continuamente com voz bem impostada, tocava
cítara e dançava horas inteiras com a noiva e outras
jovens, apoiando-se em sua perna sã e dissimulando a
enferma, e sempre dando mostras da maior normalidade
corporal. Porém, o que mais agradava aos recém-casados
eram os ricos presentes que o estrangeiro costumava
ofertar, como correntes e braceletes de ouro e outros
objetos valiosos.
Logo ficaram conhecidas em Berlim a virtude, a
generosidade e os méritos deste personagem, e sua
fama logo chegou aos ouvidos do grande eleitor, o qual
considerou que um homem tão valioso como ele deveria
adornar a sua corte, pelo que enviou um mensageiro
para perguntar-lhe se anuiria a uma proposta de
emprego. O estrangeiro respondeu, por escrito, em
pergaminho de aproximadamente um côvado de altura e
outros tantos de comprimento, com caracteres
vermelhos, agradecendo humildemente a honra, mas
rogando que se lhe concedesse o favor de desfrutar a
sua pacífica vida de cidadão comum. Havia escolhido
morar em Berlim, levando uma vida mais aprazível do
que em outras cidades, porque em canto algum
encontrara homens tão amáveis, tão finos e educados, e
com tanta inclinação à vida animada, e tudo isto estava
em perfeita harmonia com os seus gostos. O eleitor e
seus cortesãos admiraram o elegante e formoso linguajar
do estrangeiro e se deram por satisfeitos.
Aconteceu que, por aquele tempo, a esposa do
conselheiro Walther Lütkens ficou grávida pela primeira
vez. A velha parteira, Bárbara Roloffim, profetizou que a
bela e saudável senhora daria à luz um lindo garoto, o
que encheu de alegria e esperança o conselheiro. O
estrangeiro, que comparecera à cerimônia de casamento
de Lütkens, visitava-o de vez em quando. Certo dia, ao
entardecer, quando entrou inesperadamente, deu de
cara com Barbara Roloffin.
Assim que o viu, Barbara soltou um sonoro e
prolongado grito de alegria e teve-se a impressão de que
suas rugas desapareciam, sua face retomava as cores e
seus lábios lívidos recobravam a juventude e a beleza
que a haviam abandonado há muito tempo.
— Ah, senhor! Mas sois vós quem estou mesmo a
ver? Sede bem-vindo. Eu vos saúdo reverentemente! —
exclamou Barbara Roloffin, ao tempo em que caía a seus
pés.
O cavaleiro respondeu com uma entonação
aborrecida, lançando chispas pelos olhos. Mas ninguém
entendeu o que ele disse a velha, salvo ela mesma que,
voltando a empalidecer e enrugar-se, foi esconder-se
num cantinho qualquer.
—Caro senhor Lütkens — disse em seguida o
estrangeiro ao conselheiro —, cuidai de que não suceda
em vossa casa alguma desgraça e que o parto de sua
esposa ocorra sem incidentes. A velha Bárbara não é tão
hábil como pensais. Eu a conheço há muito tempo e sei
que ela mais de uma vez descurou-se da parturiente e da
criancinha.
Este estranho acontecimento afetou profundamente
o senhor Lüktens e sua esposa, que suspeitaram de
Barbara Roloffin assim que a viram tão transformada na
presença do estrangeiro e chegaram mesmo a desconfiar
que a velha senhora praticasse magia negra. Por isto,
proibiram-na de pisar no umbral da casa e procuraram
outra parteira. Esta atitude encolerizou sobremodo a
velha Barbara Roloffin. A velha mulher afirmou que o
senhor Lütkens e sua esposa se arrependeriam
amargamente da injustiça que lhe haviam feito.
Pouco tempo depois, o senhor Lütkens viu
destruídas as suas esperanças, que se converteram em
profundo pesar, quando a sua esposa deu à luz não ao
garoto que Barbara Roloffin havia anunciado, mas a um
horrível monstro com a pele escura, dois chifres, imensos
olhos esbugalhados, nariz pequeno, boca enorme, língua
esbranquiçada e pescoço curtíssimo. A cabeça ficava
plantada entre os ombros, o corpo era inchado e rugoso,
os braços pendurados nos flancos e as pernas longas e
finas.
O senhor Lütkens gemia e se lamentava:
— Ó céus! — dizia. — O que vamos fazer agora?
Poderá esta criança seguir os dignos passos de seu pai?
Alguém já viu um conselheiro com pele escura e chifres
na cabeça?
O estrangeiro consolava o pobre senhor Lütkens o
melhor que podia:
— Uma boa educação — dizia — pode fazer muito.
Apesar da forma e fisionomia do recém-nascido,
que se poderiam considerar heterodoxas, assegurava o
estrangeiro que os grandes olhos da criança miravam
com grande inteligência e que em sua testa, entre os
chifres, havia espaço para albergar uma boa dose de
sabedoria. Se a criança não podia chegar a ser
conselheiro, chegaria a ser um grande sábio, a quem a
fealdade não afetaria: ao contrário, faria-o mais
estimado.
Era muito natural que, em seu imo, o senhor
Lütkens atribuísse sua desgraça à velha Barbara Roloffin,
sobretudo quando se inteirou que, durante o parto de sua
esposa, a anciã estivera sentada no umbral da casa.
Ademais, a senhora Lütkens lhe assegurava, chorando,
que, durante as dores, sempre tivera presente o odioso
rosto de Barbara Roloffin, sem poder livrar-se desta
visão. Pouco fundamento tinham as suspeitas do senhor
Lütkens para motivar uma acusação. Mas quis o céu
que, pouco tempo depois, todos os crimes da velha
mulher fossem descobertos.
Aconteceu que, passados alguns dias, por volta do
meio-dia, desencadeou-se uma tormenta, acompanhada
de um vento tempestuoso. As pessoas que transitavam
pelas ruas viram como Barbara Roloffin, que acudia a um
parto, era levada pelo ar, passando por cima de tetos e
campanários, sendo depois achada indene em uma
pradaria das imediações de Berlim.
Desde então, não mais se duvidou das artes
maléficas da velha Bárbara Roloffin. O senhor Lütkens
apresentou a sua denúncia e a velha foi encarcerada.
A princípio, ela negou obstinadamente tudo. Mas,
submetida à tortura, e não podendo resistir às dores,
confessou que há muito pactuava com Satanás e
praticava bruxaria. Também disse que havia enfeitiçado a
mulher de Lütkens e substituído por um monstro horrível
a criancinha que ela trazia no ventre. Confessou que, em
outra ocasião, com outras bruxas de Blumberg, cujos
pescoços o Galã Diabólico torcera há pouco tempo,
matara e fervera várias crianças cristãs para provocar a
carestia no país. A sentença que os juízes pronunciaram
contra ela, e que não se fez esperar, foi a de ser
queimada viva na praça do Mercado Novo.
Quando chegou o dia da execução, conduziram a
velha Barbara, em meio a uma grande multidão, à praça
e a fizeram subir ao cadafalso, onde já estava preparada
a fogueira. Ordenaram-lhe que tirasse as belas peles que
vestia, mas ela se recusou. E tal foi a sua obstinação que
os executores se viram obrigados a amarrá-la ao poste
vestida como estava.
O fogo já se alastrara pelos quatro cantos da
fogueira quando viram o estrangeiro que, como um
gigante por cima de toda aquela multidão, lançava para
a velha senhora olhares fulgurantes.
Densas nuvens de fumaça já se erguiam e as
labaredas já começavam a lamber o vestido da mulher
quando esta, com voz estridente e terrível, gritou:
— Satanás! Satanás! Cumpre o pacto que
firmamos. Socorre-me, Satanás, socorre-me! Minha hora
ainda não chegou!
De repente, o estrangeiro desapareceu e, do lugar
que ocupava, saiu um enorme e negro morcego que, com
grande ruído, se lançou entre as chamas e, em seguida,
ascendeu no ar agarrando o vestido de peles da velha,
enquanto a fogueira, desmoronando ruidosamente, se
apagava.
As pessoas estavam dominadas pelo espanto e pelo
terror. Todos estavam bem conscientes, agora, de que o
magnífico estrangeiro não era outro senão o diabo em
pessoa, que exercia suas artes malignas contra as boas
almas de Berlim, enquanto, por um longo tempo,
portava-se com grande benevolência e piedade,
chegando mesmo ao extremo de enganar até mesmo o
conselheiro Lütkens com suas manhas infernais e,
ademais, outros homens sábios e senhoras inteligentes.
Tão grande é o poder do demônio que só a graça
divina pode nos proteger de suas malignas armadilhas.
CRÉDITOS
CONTOS DE TERROR: PACTOS
DEMONÍACOS.
Ernst Theodor Amadeus Wilhelm
Hoffmann (1776 — 1822), Heinrich
Zschokke (1771 — 1848), Donatien
Alphonse François de Sade - Marquês de
Sade (1740 — 1814), Juan Manuel de
Castela (1282 — 1348).
Textos originais de domínio público.
Série Clássicos do Horror nº 10.
Imagem da capa: Dois Sátiros, de Peter
Paul Rubens (1577 — 1640), 1619.
Imagens do miolo: Hendrik Goltzius
(1588 — 1617), Dirck Bouts (c. 1415 —1475), Harry Clarke (1889 — 1931),
iluminura de autor francês desconhecido (séc. XV), Edward Frederick
Brewtnall (1846 — 1902), Willem Isaacsz van Swanenburg (1580 — 1612).
Tradução dos contos Aventura Incompreensível e O Amigo do Demônio:
Paulo Soriano.
Tradução do conto O Abade Ducanus: Paulo Soriano, a partir da tradução
para o espanhol de Eugenio de Ochoa (1815 — 1872).
Versão em português de O Demônio em Berlim: Paulo Soriano.
© das traduções e versão em português: Paulo Soriano, 2016.
Edições TRIUMVIRATUS, MMXVI.
edicoestriumviratus@gmail.com
http://triumviratus.weebly.com

O objetivo das Edições Triumviratus é levar ao leitor de língua portuguesa obras de clássicos da

literatura, sobretudo fantástica, escritas por grandes mestres da Literatura Universal. Muitos de

nossos livros eletrônicos contêm obras raras de grandes autores. As traduções são originais e

exclusivas ou de domínio público.


A Série Clássicos do Horror apresenta, a cada edição, uma antologia de contos de consagrados

autores do gênero, abrangendo determinado tema terrífico.

.
TÍTULOS E COLEÇÕES

SÉRIE MESTRES DA LITERATURA DE TERROR, HORROR E FANTASIA

1. A AVENTURA DO ESTUDANTE ALEMÃO — Washington Irving.


2. CONFISSÃO ENCONTRADA NUMA PRISÃO NA ÉPOCA DE CARLOS II —
Charles Dickens.
3. EL VERDUGO — Honoré de Balzac.
4. O INIMIGO seguido de UMA NOITE TERRÍVEL — Anton Tchekhov.
5. A CABEÇA DECEPADA E OUTROS CONTOS DE TERROR — Alexandre
Dumas.
A cabeça decepada, A persistência da vida após a guilhotina, O bracelete de
cabelos cadavéricos.
6. O COLAR DE DIAMANTES E OUTROS CONTOS CRUÉIS — Guy de
Maupassant.
O colar de diamantes, O horrível, A mão misteriosa.
7. OS FANTASMAS DE BÉJAR (Novela) — Alexandre Dumas.
8. O MONSTRO DE JERUSALÉM — José Freire Monterroio Mascarenhas.
9. OS GATOS DE ULTHAR E OUTROS CONTOS DE TERROR — H. P. Lovecraft.
Os gatos de Ulthar, O clérigo maldito, O terrível ancião.
10. AVENTURA INCOMPREENSÍVEL seguido de A APARIÇÃO — Marquês de
Sade.
11. CONTOS DE FANTASMAS E DEMÔNIOS — Daniel Deföe.
O fantasma acusador, O espectro e o salteador de Estradas, O diabo e o
relojoeiro.
12. CONTOS TERRÍVEIS — Ambrose Bierce.
Óleo de cão, O habitante de Carcosa. Uma prisão, Presente a um
enforcamento, O funeral de John Mortonson.
13. O FUNIL DE COURO seguido de COMO TUDO ACONTECEU— Conan Doyle.
14. O VÉU NEGRO — Charles Dickens.

SÉRIE CLÁSSICOS DO HORROR


1. CONTOS DE TERROR ANIMAL — H. P. Lovecraft, Victor Hugo, Horacio
Quiroga e Guy de Maupassant.
Os gatos de Ulthar (H. P. Lovecraft), A torre das ratazanas (Victor Hugo), O
mel silvestre (Horacio Quiroga), Uma vendeta (Guy de Maupassant).
2. CONTOS DE TERROR ANIMAL VOL. II — Edgar Allan Pöe, Guy de
Maupassant, Horacio Quiroga e Ambrose Bierce.
O gato preto (Edgar Allan Pöe), O lobo (Guy de Maupassant), À deriva
(Horacio Quiroga), O travesseiro de penas (Horácio Quiroga), A alucinação
de Staley Fleming (Ambrose Bierce).
3. CONTOS DE TERROR TUMULAR — Guy de Maupassant, Ambrose Bierce,
Marcel Schwob e Emília Pardo Bazán.
A morta (Guy de Maupassant), O habitante de Carcosa (Ambrose Bierce), A
Tumba (Guy de Maupassant), Lilith (Marcel Schwob), A ressuscitada (Emilia
Pardo Bazán).
4. CONTOS CRUÉIS DE TERROR — Edgar Allan Pöe, W. W. Jacobs e Horacio
Quiroga.
O Coração delator (Edgar Allan Pöe), A mão do macaco (W. W. Jacobs), A
galinha degolada (Horacio Quiroga).
5. HISTÓRIAS DE TERROR DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA — Plínio o Jovem,
Petrônio e Plutarco
A casa mal-assombrada (Plínio o Jovem), O lobisomem (Petrônio), As
vampiras (Petrônio), A matrona de Éfeso (Petrônio), O fantasma de Dámon
(Plutarco), O espírito de Cleonice (Petrônio).
6. CONTOS DE TERROR, CADAFALSO E GUILHOTINA — Alexandre Dumas,
Honoré de Balzac, Washington Irving, Villiers de L’Isle Adam, Emilia Pardo
Bazán e Françoise Guizot.
A aventura do estudante Alemão (Washington Irving), A persistência da vida
após a guilhotina (Alexandre Dumas), O segredo do patíbulo (Villiers de
L’Isle Adam), Idílio (Emília Pardo Bazán), El Verdugo (Honoré de Balzac), A
execução de Carlos I da Inglaterra (Françoise Guizot).
7. HISTÓRIAS DE TERROR DA IDADE MÉDIA — Giovanni Boccaccio, Juan
Manuel de Castela, Frei Hermenegildo de Tancos e autores anônimos árabes.
O vaso macabro (Giovanni Boccaccio), A história de Sidi Noman e Simbad e
o Velho do Mar (anônimos árabes), O mago e o deão e O amigo do Demônio
(Juan Manuel de Castela), O Cavaleiro e o pacto com o Diabo (Frei
Hermenegildo de Tancos).
8.CONTOS DE TERROR MARÍTIMO — Guy de Maupassant, Horacio Quiroga,
Gabriele d’Annunzio.
No Mar, O Martírio de Gialluca, Os Navios Suicidantes.
9. LOBOS, HOMENS-LOBOS E LOBISOMENS — Robert E. Howard, Hector Hugh
Munro (Saki), Paul L. Jacobs.
Na Floresta de VIillefère, Gabriel-Ernest, Os lobos de Gernogratz, A Mão do
Lobisomem.

SÉRIE MESTRES DA LITERATURA UNIVERSAL

1. GABRIEL LAMBERT (Romance) — Alexandre Dumas.

SÉRIE MESTRES DA LITERATURA FANTÁSTICA

1. A FEITICEIRA — Ana de Castro Osório.


2. A MULHER VAMPIRO — E. T. A. Hoffmann.
3. O ELIXIR DA LONGA VIDA — Honoré de Balzac.

OUTRO TÍTULO

1. O CEMITÉRIO DE REGGOR E OUTROS CONTOS DE TERROR — Paulo


Soriano.

[1] Conto publicado em Aventura Incompreensível seguido de A Aparição,


série Mestres da Literatura de Terror, Horror e Fantasia, vol. 10.
[2] Conto publicado em Histórias de Terror da Idade Média, série Clássicos
do Terror, vol. 7.

Você também pode gostar