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Avaliação Das Mudanças Do Uso e Cobertura Da Terra No Bioma Caatinga No Estado Do Sergipe
Avaliação Das Mudanças Do Uso e Cobertura Da Terra No Bioma Caatinga No Estado Do Sergipe
http://dx.doi.org/10.1590/2179-8087.121514
ISSN 1415-0980 (impresso)
ISSN 2179-8087 (online)
Artigo Original
RESUMO
No presente estudo, foi realizada uma análise temporal do uso e da cobertura da terra na região
semiárida de Sergipe. Para tanto, foram utilizadas imagens dos satélites Landsat-5 TM e Landsat-8
OLI, adquiridas nos anos de 1992, 2003 e 2013. Utilizou-se o algoritmo da máxima verossimilhança,
que possibilitou a classificação de seis classes de uso e de cobertura da terra. Para validação dos
dados, foi usada uma imagem Spot-5, de alta resolução espacial, como referência de dados para
as classes de uso e de cobertura escolhidas. Os resultados indicam um aumento de mais de 26%
do desmatamento da vegetação nativa na área de estudo. A vegetação da Caatinga foi a mais
impactada, a maioria convertida em novas pastagens. Além disso, observou-se que o aumento
do desmatamento na área de estudo ocasionou também uma redução da Caatinga preservada
e da regeneração florestal.
Palavras-chave: caatinga, desmatamento, geoprocessamento, sensoriamento remoto.
Land Use and Land Cover Changes in the Sergipe Semiarid Region
ABSTRACT
This study performed a temporal analysis of the land use and coverage in the semiarid region of
Sergipe. We used Landsat-5 TM and Landsat-8 OLI satellite images acquired in 1992, 2003 and
2013. The maximum likelihood algorithm was used to detect six classes of land use and land
coverage. We used a high spatial resolution Spot-5 scene as reference data to validate the assigned
land use and coverage classification. Our results indicate that deforestation of native vegetation
increased approximately 26% in the study area. The Caatinga vegetation was the most impacted,
mostly converted to pastureland. In addition, it was observed that the deforestation increase in
the study area negatively affected the preserved Caatinga secondary regrowth.
Keywords: caatinga, deforestation, geoprocessing, remote sensing.
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nuvens, sendo aceito, segundo Prado et al. (2007), 35% ano 2004, como referência geométrica. Aplicou-se uma
ou menos da imagem coberta por nuvens. transformação polinomial de primeiro grau, gerando‑se
erros médios quadráticos (RMS) inferiores a 1 pixel
2.3. Processamento das imagens de satélite da imagem Landsat. Em seguida, as imagens foram
submetidas ao tratamento de realce de contrastes e se fez
As imagens Landsat foram processadas no software a equalização para melhor identificação e agrupamento
Erdas Imagine® 11. As observações visuais preliminares dos aspectos referentes ao uso e à cobertura da terra.
foram feitas sobre as imagens na composição colorida
As imagens foram submetidas à classificação
5(R)4(G)3(B) para as imagens do Landsat-5 e na supervisionada por máxima verossimilhança.
6(R)5(G)4(B) para a imagem do Landsat-8. As imagens A classificação automática foi realizada no software
foram georreferenciadas por meio do sistema de Erdas, ferramenta Maximum Likelihood, na qual foi
coordenadas UTM, Zona 24 Sul, Datum WGS-84. possível classificar seis classes: Caatinga, capoeira
Para o registro das imagens Landsat, usou-se uma (regeneração secundária), cultivo agrícola, pastagem,
imagem Spot-5, com resolução espacial de 5 m, do solo exposto e corpos d’água.
Tabela 3. Quantificação do uso e cobertura da terra e suas respectivas porcentagens entre os anos de 1992, 2003 e
2013 na região semiárida de Sergipe.
Table 3. Land use/land cover quantification and their respective percentages in the years 1992, 2003 and 2013 in the
semiarid region of Sergipe.
Usos 1992 (Km2) % 2003 (Km2) % 2013 (Km2) %
Caatinga 3.985,9 37,2 3.605,3 33,6 1.610,3 15,0
Capoeira 866,7 8,1 457,5 4,3 239,2 2,2
Cultivo agrícola 111,5 1,0 141,2 1,3 290,4 2,7
Pastagem 5.244,2 48,9 5.900,1 55,0 7.746,1 72,2
Solo exposto 368,0 3,4 491,9 4,6 712,0 6,6
Corpos d’água 152,9 1,4 133,2 1,2 131,2 1,3
Total 10.729,2 100 10.729,2 100 10.729,2 100
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crescente aumento da sua produção leiteira, o que vem de 30.000 ha potencialmente irrigáveis priorizadas
pressionando a conversão de Caatinga em pastagens. pelo governo do Estado de Sergipe, lançadas como
Segundo Oliveira et al. (2013), o Estado de Sergipe um esforço sistemático para aproveitamento dos
obteve uma produção de 296,6 milhões de litros de leite, recursos hídricos desse Estado. Posteriormente,
ocupando 17ª posição como maior Estado produtor, foram construídos e implantados nesse período pela
representando 1% da produção leiteira nacional. Companhia de Desenvolvimento de Recursos Hídricos
Com relação ao aumento de 3,4%, 4,6% e 6,6% e Irrigação de Sergipe (CODEVASF) seis perímetros
da classe solo exposto nos anos de 1992, 2003 e 2013, irrigados. Além disso, novos investimentos voltados
respectivamente, observou-se que a maior parte dessas para o fortalecimento da infraestrutura de irrigação
áreas foram ocupadas por pastagens e, posteriormente, deverão contribuir para o desenvolvimento da região
abandonadas. Tal fato contribui com o aumento das na produção de alimentos, na criação de empregos e
áreas degradadas e susceptíveis à erosão dos solos. no aumento da renda regional (CODEVASF, 2010).
Resultado semelhante foi encontrado por Feitosa et al. As áreas ocupadas por corpos d’água no ano de
(2010), que trabalharam com a avaliação da degradação 1992, 2003 e 2013 apresentaram valores estáveis de
na cobertura vegetal no semiárido da Paraíba e 1,4%, 1,2% e 1,3%. Tais resultados revelam uma queda
concluíram que o acréscimo das áreas de solo exposto relativamente pequena de 0,2% entre 1992 e 2013, o
foi em decorrência da perda da cobertura florestal, o que equivale a uma redução de 21,7 km2 de toda a
que demonstra o aumento das vulnerabilidades na área coberta por corpos de água na área de estudo.
expansão dessas áreas de grave a muito grave e reflete Essa classe pode variar de acordo com o volume de
a importância em intervir nesse processo acelerado de chuvas ocorridas a cada ano e, eventualmente, com
devastação da Caatinga, o qual se dá pelo uso irracional novos represamentos de rios.
desse recurso natural. Observou-se que houve uma grande conversão de
As áreas de cultivos agrícolas nos anos entre 1992 áreas de Caatinga em pastagem de 1992, 2003 e desta
a 2013 obtiveram, na área de estudo, um aumento de em regeneração secundária de 2003, 2013 na região do
1,8%, o qual parece estar relacionado à disponibilidade Alto Sertão (Figuras 2a, 3a e 4a). Conforme visitas em
Figura 2. Mapa de uso e cobertura da terra da região semiárida de Sergipe no ano 1992; em em destaque, as regiões
do Alto Sertão (a), Agreste Central (b) e Centro-Sul (c).
Figure 2. Land use/land cover map in the semiarid region of Sergipe, the year 1992 and featured in the Hinterland
(a) Central Wasteland (b) and Central South (c).
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Figura 3. Mapa de uso e cobertura da terra da região semiárida de Sergipe no ano 2003; em em destaque, as regiões
do Alto Sertão (a), Agreste Central (b) e Centro-Sul (c).
Figure 3. Land use/land cover map in the semiarid region of Sergipe the year 2003, and featured in the Hinterland
(a) Central Wasteland (b) and Central South (c).
Figura 4. Mapa de uso e cobertura da terra da região semiárida de Sergipe no ano 2013; em em destaque, as regiões
do Alto Sertão (a), Agreste Central (b) e Centro-Sul (c).
Figure 4. Land use/land cover map in the semiarid region of Sergipe the year 2013, and featured in the Hinterland
(a) Central Wasteland (b) and Central South (c).
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campo, foi observado que essa região está inserida em causa do superpastejo. Cheung et al. (2009) concluíram
uma área com presença frequente de cultivos agrícolas que a presença de pastagem afeta negativamente a
e assentamentos e próximo ao Rio São Francisco, o regeneração secundária, devido à sua adaptação a
que favorece o processo de conversão de Caatinga em solos com poucos nutrientes, ao rápido crescimento
áreas de produção agropecuária. e ao maior acúmulo de biomassa vegetal.
Na região do Agreste Central do semiárido de Esses resultados também podem ser relacionados
Sergipe, observa-se que, mesmo em 1992, já existia com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
um predomínio de pastagem e que, ao longo do Estatística – IBGE (2011), nos quais é possível notar
tempo, houve um aumento dessa classe. Observa‑se que a supressão da vegetação nativa no Estado de
também que as áreas de Caatinga e regeneração Sergipe está ligada à expansão de pastagens de alto
natural foram substituídas por pastagem de 2003 a retorno econômico, as quais ocupam mais de 50% da
2013 (Figuras 2b, 3b e 4b). área do território Centro-Sul.
Em outros biomas, verifica-se ainda a substituição Na Tabela 4 e na Figura 5, é possível visualizar
da vegetação nativa por áreas de pastagens. No cerrado a dinâmica da cobertura florestal nos períodos de
do Mato Grosso, Gouveia et al. (2013), em um estudo estudo, ao se retratar a variação percentual em área
de análise multitemporal, observaram que a classe de Caatinga preservada, de regeneração florestal e
pastagem foi a mais expressiva nos 27 anos analisados. de desmatamento. Foi observado que a cobertura
Valle et al. (2012), em um diagnóstico de mudança do florestal na região semiárida encontra-se em cenário
uso da terra entre 1978 e 2011 no Triângulo Mineiro, de decréscimo, visto que, nos 21 anos de avaliação, a
mostraram que a vegetação nativa reduziu sua área em Caatinga preservada e a regeneração apresentaram
19,2%, sendo substituída por agricultura e pastagem. variações. Destaca-se a considerável diminuição da
Na região Centro-Sul da região semiárida de Sergipe Caatinga, com 18,7% entre os anos de 1992 e 2003,
(Figuras 2c, 3c e 4c), houve um aumento das áreas de 10,5% entre 2003 e 2013 e 9,4% em todo o período
regeneração natural e de solo exposto entre os anos de de estudo (1992 a 2013).
1992 a 2003. Entre os anos de 2003 a 2013, observou-se Diante desse exposto, presume-se que está
uma diminuição da regeneração secundária, dando ocorrendo degradação nessa região, bem como a
lugar à pastagem e ao solo exposto, além da conversão diminuição de regeneração florestal e um aumento
de Caatinga em pastagem. Em observações de campo, do desmatamento. Esse fato é um retrato decorrente
constatou-se que as áreas de solo exposto são antigas da falta de conscientização dos proprietários sobre a
pastagens transformadas em áreas desertificadas por importância das florestas para o meio ambiente e a
Figura 5. Mapas da dinâmica da cobertura florestal para os períodos de 1992 a 2003(a), 2003 a 2013(b) e 1992 a
2013(c).
Figure 5. Maps of the dynamics of forest cover for the periods 1992-2003 (a); 2003-2013 (b) and 1992-2013 (c).
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Tabela 4. Quantificação da dinâmica de cobertura florestal e suas respectivas porcentagens entre os períodos de
1992-2003, 2003-2013 e 1992-2013 na região semiárida de Sergipe.
Table 4. Quantifying of the dynamics of forest cover and their respective percentages between the periods 1992‑2003,
2003-2013 and 1992-2013 in the semiarid region - SE.
Períodos Área Caatinga preservada Regeneração florestal Desmatamento
(Km2) 2.090,8 1.771,5 1.554,2
1992-2003
%* 18,7 15,9 13,9
(Km2) 1.176 421,6 2.986,8
2003-2013
%* 10,5 3,8 26,7
(Km2) 1.046,9 465,1 2.645,4
1992-2013
%* 9,4 4,2 23,7
*As porcentagens são em relação à área total da região de estudo (10.729,2Km2).
falta de fiscalização dos órgãos ambientais. Também raso para obtenção de lenha para uso doméstico ou
de acordo com Silva et al. (2013), estudando o comercial e ao preparo da área para a agricultura; em
semiárido do município de Floresta, em Pernambuco, 7,4% da área registrou-se regeneração, possivelmente
a diminuição da cobertura florestal entre 1987 e 2008 favorecido pelo cultivo de pastagens irrigadas e não
foi a principal consequência da interação entre clima, irrigadas em solos de aluvião.
pressão antrópica por recursos florestais, necessidade O desmatamento, no período analisado de 1992 a
de expansão urbana e atividades agropecuárias. 2003, teve um aumento de 13,9%, com uma redução
Silva et al. (2009), avaliando a dinâmica espaço‑temporal da Caatinga e da regeneração florestal de 1.554,2 km2.
da vegetação no semiárido de Pernambuco entre os Esse aumento no desmatamento pode estar relacionado
anos de 1994, 1997 e 2001, verificaram que a vegetação à produção leiteira na região. No segundo período,
característica da região diminuiu sua área, mostraram entre 2003 e 2013, houve um grande aumento no
que as áreas analisadas encontram-se em processo desmatamento de 26,7%, totalizando 2.986,8 km2,
de perda da vegetação, que pode levar ao processo apresentando o dobro do desmatamento do período
de desertificação, e verificaram também que houve anterior. Considerando todo o período entre 1992
perda de vegetação entre os períodos limites do estudo. a 2013, o desmatamento apresentou um aumento
A regeneração florestal, no primeiro período expressivo (Tabela 4 e Figura 5).
analisado de 1992 a 2003, apresentou um incremento Coelho et al. (2014), avaliando a dinâmica do uso do
de 15,9%, o que contabiliza 1.771,5 Km2 (Tabela 4 e solo em uma bacia no semiárido nordestino no Estado
Figura 5). Esse aumento, nesse primeiro período, pode de Pernambuco, observaram que os resultados entre as
ser explicado pelo fato de as áreas de pastagens terem classes de uso passaram por uma grande transição, com
sido abandonadas, o que favoreceu a regeneração. aumento do desmatamento pela retirada da vegetação
Já no segundo período de 2003 a 2013, houve uma da Caatinga e substituição rápida e progressiva por
diminuição de 3,8%, com uma redução de 421,6 km2. áreas com pastagem e agricultura.
Essa ocorrência explica-se por meio do aumento de Na região semiárida da Paraíba, no município
pastagens para atender às indústrias de laticínios, de Boa Vista, em um estudo sobre a evolução espaço
com a necessidade de crescimento da produção e da temporal da cobertura vegetal, Sousa et al. (2008)
disponibilidade de alimentos. No período de 1992 a observaram que o desmatamento está em extensões
2013, a regeneração florestal apresentou um baixo preocupantes, com manchas de solo exposto que se
incremento. mostraram presentes em toda área, sendo que os solos
Silva et al. (2014), estudando a alteração da continuam sendo usados pela pecuária extensiva,
cobertura vegetal na sub-bacia do Rio Espinharas, principalmente a caprina e a ovinocultura, atividades
no semiárido nordestino, no período de 2000 a 2010, de maior potencial para o município por oferecer maior
encontraram os seguintes resultados: 80% da área se adaptabilidade às condições ambientais.
manteve inalterada; em 12,6% da área ocorreu redução Resultados diferentes deste estudo foram encontrados
da cobertura vegetal devido às práticas de corte em Santos et al. (2012), que, avaliando a evolução da
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