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Sei, é claro, que tais perguntas são chamadas "pré-científicas": "Não há nada
parecido com elas na física moderna e na maior parte da biologia", diz o cientista
moderno, e ele está bastante certo. Talvez ele pense que a pergunta "O que é o homem?"
devesse ser respondida: "Nada, exceto física e biologia". Se isso fosse verdade não
haveria sentido em discutir "educação". Se a pergunta "O que é o homem?" é chamada
pré-científica, isto pode apenas significar que a ciência não tem importância essencial
para a condução da vida humana: boas respostas para perguntas pré-científicas são
infinitamente mais importantes.
Qual pode ser o sentido de "educação" ou de "bom trabalho" quando nada conta
exceto aquilo que pode ser precisamente estabelecido, medido, contado ou pesado?
Nem a matemática nem a geometria, nem a física nem a química podem levar em
consideração noções como bom ou mau, elevado ou inferior. Elas podem considerar
apenas noções quantitativas de mais ou menos. É fácil, portanto, distinguir entre menos
educação ou mais educação, e entre menos trabalho e mais trabalho, mas e quanto a
uma avaliação qualitativa de educação ou trabalho...? Como isto poderia ser possível?
Isto, disseram-nos, seria puramente subjetivo; não poderia ser provado; seria o palpite
de alguém, pois isso não pode ser medido nem portanto tornar-se objetivo.
O que, então, teria a sabedoria tradicional a dizer? Ela tiraria todas as respostas
de seu conhecimento da missão e do propósito da vida humana na Terra.
A terceira missão é uma da qual ele não pode se ocupar até que tenha cumprido
as outras duas, e para a qual ele precisa do melhor auxilio possível que puder achar. É
morrendo para si mesmo, para seus gostos e desgostos, para todas as suas preocupações
egocêntricas. À medida que alguém consegue isto, para de ser direcionado de fora e
para também de ser autodirecionado. Ele ganhou liberdade ou, poder-se-ia dizer, é então
direcionado por Deus (se ele é um cristão, isto é precisamente o que ele esperaria poder
dizer).
Se essa é a missão de cada ser humano, podemos dizer que "bom" é o que ajuda
a mim e aos outros nessa missão de libertação. Sou chamado a "amar meu próximo
como a mim mesmo", mas eu absolutamente não posso amá-lo - exceto sensualmente
ou sentimentalmente - a menos que eu tenha amado a mim mesmo o suficiente para
embarcar nesse bom trabalho de desenvolvimento.
Como poderia eu amar e auxiliar o meu próximo enquanto eu tiver que dizer,
como São Paulo: "Minha própria libertação me frustra. Pois eu me vejo fazendo não o
que eu realmente quero, mas fazendo o que eu realmente abomino?" A fim de tornar-me
capaz de fazer o bom trabalho para o meu próximo assim como para mim mesmo, eu
sou chamado a amar a Deus, isto é, manter árdua e pacientemente minha mente
tencionando e esforçando-se em direção às coisas mais altas, aos níveis de existência
acima de mim: somente lá é que a bondade pode ser achada.
Esta é a resposta dada pela sabedoria tradicional, isto é, pela metafísica que deu
origem a todas as grandes civilizações. Dela podemos derivar toda a orientação que
precisamos. Quais são as maiores necessidades de um ser humano? Como um ser
espiritual, ele é primária e inescapavelmente relacionado com valores; como um ser
social, ele é primária e inescapavelmente relacionado com outras pessoas e também com
outras criaturas sensíveis; como uma pessoa, ele é primária e inescapavelmente
relacionado com o desenvolvimento de si próprio.
Agir como seres espirituais, isto é, agir de acordo com seus impulsos morais -
Homem como um ser divino.
Agir como vizinhos, para prestar serviços para os seus companheiros - Homem
como um ser social.
De uma forma insidiosa, a sociedade moderna tornou cada vez mais difícil, ou
mesmo impossível para a maioria das pessoas, o tempo necessário para encontrar essas
necessidades. E "educação", incluindo "educação superior", parece conhecer pouco a
respeito delas. Estranho dizer, a maioria das pessoas nem mesmo sabe quais sejam essas
necessidades. Por razões bem conhecidas da sabedoria tradicional, os seres humanos são
insuficientemente "programados". Mesmo quando criados totalmente, eles não se
movem nem agem com a mesma firmeza com que andam os animais. Eles hesitam,
duvidam, mudam de idéias, correm para lá e para cá, incertos não simplesmente de
como conseguir o que eles querem, mas incertos, acima de tudo, do que eles querem.
Se a educação não consegue dar a eles o que eles querem, ela serve para alguma
coisa? Perguntas como - "O que devo fazer com a minha vida?" - ou - "O que devo fazer
para ser salvo?" - referem-se a fins, não meramente a meios. Nenhuma resposta técnica,
tal como - "Diga-me precisamente o que você quer e eu lhe ensinarei como consegui-lo"
- me dará a resposta. A questão é que eu não sei o que eu quero. Talvez tudo o que eu
queira seja ser feliz. Mas a resposta - "Diga-me o que você precisa para felicidade e
então eu poderei aconselhar-lhe sobre o que fazer" - de novo não me responderá, porque
eu não sei o que eu preciso para a felicidade. Talvez alguém diga - "Para felicidade você
precisa da verdade que o faça livre" - mas pode o educador dizer-me o que é a verdade
que nos faz livres? Pode ele dizer-me onde encontrá-la, guiar-me para ela ou pelo menos
apontar a direção em que eu possa prosseguir? Talvez eu sinta que o bom trabalho seja
aquilo que eu realmente esteja procurando. Quem pode dizer-me qual é o bom trabalho
e quando o trabalho é bom?
A sabedoria tradicional ensina que a função do trabalho tem, no fundo, três
facetas: (1) dar a uma pessoa a chance de utilizar e desenvolver suas faculdades; (2)
permitir a ela sair de seu egocentrismo inato juntando-se com outras pessoas numa
tarefa comum; e (3) proporcionar os bens e serviços necessários por todos nós para uma
existência decente.
Qual é o ensinamento atual com respeito ao trabalho? E não sei totalmente, mas,
pelo menos até bem recentemente, eu ouvi por toda parte que a função real da educação
não era educação para o trabalho, mas educação para o conforto. Talvez esta idéia
extraordinária tenha agora sido abandonada. Gente elegante dizendo para almas jovens e
ansiosas: "Agora, o que eu realmente quero que vocês imaginem é como matar o tempo
quando vocês não tiverem nada de útil para fazer".
Como nossos ancestrais já concluíram (isso foi expresso por São Tomás de
Aquino), não pode haver alegria na vida sem alegria no trabalho. Esta é uma afirmação
que vale a pena ponderar. Preguiça, também sabiam, é a tristeza da alma. Isto também
vale a pena ponderar. Um pensador do século XIX disse qualquer coisa como: "Observe
apenas um pouco. Se você tem máquinas úteis sobrando, você terá pessoas fúteis
sobrando também". Uma outra afirmação que vale a pena ponderar.
Provavelmente seja errado esperar que as fábricas sejam diferentes do que são.
De qualquer forma, elas são construídas para abrigar máquinas, não homens. Dentro de
uma fábrica torna-se logo óbvio que o aço que ganha vida pela eletricidade tem
precedência sobre a carne e o sangue. O ônus fica com as máquinas de uma tal forma,
que elas parecem assumir os atributos humanos daqueles que trabalham com elas.
Máquinas tornaram-se tão parecidas quanto pessoas, assim como pessoas tornaram-se
como máquinas. Elas pulsam com vida, enquanto o homem torna-se um robô. Há uma
premonição do homem perdendo o controle, uma consciência de desastre.
Provavelmente seja errado esperar, diz ele, bom trabalho. Ele foi condicionado a nem
mesmo esperá-lo! Foi condicionado a acreditar que o homem propriamente não é nada
mais que algum sistema físico-químico complexo, nada mais que um produto de uma
evolução sem sentido - assim ele pode sofrer quando as máquinas tornam-se como
homens e homens tornam-se como máquinas, mas ele não pode realmente ser
surpreendido ou esperar nada mais.
É interessante notar que o mundo moderno toma muito cuidado para que o corpo
do trabalhador não se danifique nem acidentalmente nem de outra forma. Se for
danificado, o trabalhador pode pedir indenização. Mas sua alma e seu espírito? Se seu
trabalho danifica a si próprio, reduzindo-o a um robô - isto também é muito ruim. Aqui
podemos ver muito claramente a importância crucial da metafísica. "Metafísica"
materialista, ou "metafísica" da doutrina da evolução sem sentido, não atribui realidade
a nada além do corpo físico: por que então incomodar-se sobre segurança ou saúde
quando se chega a coisas tão nebulosas, irreais como alma e espírito? Nós concordamos,
e entendemos a necessidade disso, com o desenvolvimento do corpo de uma pessoa;
mas, e o desenvolvimento de sua alma ou espírito? Sim, educação com o objetivo de
permitir a um homem ou mulher levar a vida; mas educação com o objetivo levá-los
para fora da negra floresta do egoísmo, da mesquinhez e da ignorância generalizada -
quando muito, isto seria um caso puramente particular: isto não cheira a "fuga" ou
"ignorância da realidade?" A metafísica materialista, portanto, não deixa espaço para a
idéia de bom trabalho, que o trabalho seja bom para o trabalhador. Qualquer um que
diga: "O trabalhador precisa do trabalho para o desenvolvimento e perfeição da sua
alma" soa como um sonhador delirante, porque a metafísica materialista não reconhece
nenhuma semelhante necessidade. Ela reconhece as necessidades do corpo; o fato de
que essas possam ser atingidas apenas pelo trabalho de alguém é algo desagradável, e
que talvez a automação logo poderia abolir. Neste meio tempo, o trabalho precisa ser
feito. Vamos começá-lo, mas tendo a certeza de que o corpo não seja machucado.
Se virmos o trabalho como nada mais que uma necessidade desagradável, não
tem sentido falar de bom trabalho. Por que colocar qualquer bondade no nosso trabalho
além do mínimo absoluto? Quem poderia arcar com o custo do bom trabalho? Qual
seria o motivo de se fazer algo perfeito quando algo imperfeito serviria da mesma
forma? Ananda Coomaraswamy costumava dizer: "A indústria sem arte é brutalidade".
Por quê? Porque ela machuca a alma e o espírito do trabalhador. Ele pôde dizer isso
somente porque a sua metafísica é muito diferente daquela do mundo moderno. Ele
também disse: "Não é como se o artista fosse um tipo especial de homem; todo homem
é um tipo especial de artista". Esta é a metafísica do bom trabalho.
Primeiro de tudo, deveríamos ter que alterar a base metafísica que nos orienta.
Se continuarmos a ensinar que o ser humano não é nada exceto o produto de um
processo de evolução louco, sem sentido e sem propósito, um processo de "seleção"
para sobrevivência, ou seja, o produto de nada mais que utilitarismo - chegaremos
apenas numa idéia utilitária do trabalho: que o trabalho não é nada exceto uma
necessidade mais ou menos desagradável e quanto o menos disso melhor. Nossos
ancestrais sabiam sobre o bom trabalho, mas nós não podemos aprender deles se
continuarmos a tratá-los com um desdém amigável - como os ilusionistas patéticos que
gastam o seu tempo adorando divindades não-existentes; e se continuarmos a tratar a
sabedoria tradicional como uma linha da poesia supersticiosa, que não deva ser levada
a sério; e se continuarmos a tomar o cientificismo materialista como a única medida do
progresso. Os melhores cientistas sabem que a ciência lida apenas com pequenos
sistemas isolados, mostrando como trabalham, e não dão qualquer base para as
doutrinas metafísicas amplas como a doutrina da evolução louca. Mas no entanto ainda
ensinamos ao jovem que a moderna teoria da evolução é parte da ciência e que ela não
deixa espaço para guia ou projeto divino, criando então injustamente um aparente
conflito entre ciência e religião e causando uma confusão indescritível.
"O mundo do trabalho", como visto e de fato criado pela moderna metafísica, é –
que pena! - um lugar desagradável. Pode a educação superior preparar as pessoas para
ele? Como você prepara pessoas para um tipo de servidão? Que qualidades humanas
são requeridas para tornar eficientes servos, máquinas, "sistemas" e burocracias? O
mundo do trabalho hoje é o produto de uns 100 anos de "desabilitação". Por que ter o
trabalho e arcar com o custo de deixar pessoas adquirirem as habilidades de um
marceneiro, quando tudo o que se quer é um operador de máquina? As únicas
habilidades que valem a pena serem adquiridas são aquelas de que o sistema precisa, e
elas não valem nada fora do sistema. Elas não têm valor de sobrevivência fora do
sistema e portanto nem mesmo conferem autoconfiança ao espírito. O que um operador
de máquina faz quando (digamos) uma queda de energia pára a sua máquina? Ou um
programador de computador sem um computador?