PDF of Bons Sonhos 1St Edition Anders Roslund Full Chapter Ebook

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Bons Sonhos 1st Edition Anders

Roslund
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Anders Roslund é um jornalista premiado e um dos mais bem-
sucedidos escritores escandinavos de thrillers. Com Börge
Hellström, escreveu vários bestsellers do New York Times, com
vendas superiores a cinco milhões de exemplares, incluindo Três
Segundos, que serviu de inspiração ao filme O Informador (2019).
Foi galardoado com o CWA International Dagger, The Glass Key e o
Prémio da Academia Sueca de Escritores de Policiais, entre outros.
Na Porto Editora publicou A Aniversariante (2020), o primeiro título
do díptico «As Raparigas Sem Nome».
Bons Sonhos
Anders Roslund

Publicado em Portugal por


Porto Editora
Divisão Editorial Literária – Lisboa
Email: dellisboa@portoeditora.pt

Título original:
Sovsågott
© Anders Roslund, 2020
Publicado por acordo com Salomonsson Agency

Tradução: de Ivan Figueiras

Design da capa: António Pinto


Imagens da capa: © Stephen Mulcahey/Trevillion Images
© Marcus Lindström/Istockphoto.com

1.ª edição em papel: fevereiro de 2022

Rua da Restauração, 365


4099­-023 Porto
Portugal

www.portoeditora.pt

ISBN 978-972-0-67365-7
primeira parte

faz sempre frio no


cemitério
Zonzo, tão zonzo. Tentou sentar-se muito quieto, como
costumava fazer. Respirou fundo. Fechou os olhos e esperou.
Até passar, até o mundo parar de girar, e ele conseguir esticar-se
para a frente, na direção da flor de que tanto gostava. Sempre-
viva1, assim lhe chamava. Era uma planta alta que, bela e
orgulhosa, regressava no final de cada verão e lhe sorria. Por
momentos, Ewert Grens esqueceu a dor na anca, enquanto
apanhava folhas caídas e humedecia com o regador os botões que
haveriam de transformar-se em inflorescências cor-de-rosa. Passou
lentamente a mão pela cruz branca – o mais perto que podia estar
dela. As pontas dos dedos seguiram o relevo que formava o nome
dela na placa simples de bronze. Fora a única pessoa a quem se
apegara e que se apegara a ele.
Sinto a tua falta.
Durante muito tempo recusara-se a vir aqui, ao lado leste do
Cemitério Setentrional. Costumava estacionar o carro perto do
portão aberto e deambular pelos sinuosos caminhos de gravilha,
onde os seus passos apagavam as linhas retas dos ancinhos. À sua
volta, os memoriais e as lápides eram tão grandes que se erguiam
do chão para o fitarem. Contudo, sempre que se aproximava, cedia
à pressão no peito e às suas pernas sem vontade, e voltava para o
carro. Depois regressava à cidade e à esquadra – para a segurança
do sofá de bombazina do seu gabinete, concentrada numas quantas
almofadas gastas. Uma manhã, de repente, compreendeu: aquilo de
que tinha medo já acontecera; e, quando nos apercebemos disso,
temos de continuar em frente para que o medo nunca nos alcance e
nos derrube outra vez.
Sinto a tua falta, mas cada vez menos.
Ewert Grens pendurou o regador vazio no gancho, no canto
destinado aos utensílios de jardinagem, e preparava-se para pôr
também o ancinho no lugar quando a tontura voltou. Uma onda
violenta percorreu-lhe o corpo, e ele só não caiu porque se inclinou
para a frente e se apoiou na vedação de madeira – uma força
incontrolável que o atingia com cada vez mais frequência e uma
intensidade crescente. Se Anni ainda fosse viva, tê-lo-ia arrastado
para o Sophiahemmet. Já ele, por sua vez, preferia evitar a
companhia das batas brancas.
Fez como antes: ficou completamente imóvel e esperou que a
onda, agitada e selvagem, recuasse. Como isso não aconteceu,
sentou-se no banco de jardim que, com o tempo, começara a
considerar seu, e pôs-se a olhar para o relvado que um burocrata
qualquer decidira batizar de quarteirão 19B, número 603. Demorara
vários anos até ser capaz de se deslocar os dois quilómetros desde
casa, na ruidosa e intensamente movimentada Sveavägen, até à
vasta área bem cuidada ao longo da Solna Kyrkväg, e ter coragem
de ver que ela estava ali, juntamente com tantos outros, numa das
três mil sepulturas – ligeiramente afastadas umas das outras para
não se incomodarem, mas suficientemente próximas para os mortos
nunca estarem sozinhos.
Deixou o vento de agosto dançar-lhe sobre a face, que desde
então fora sulcada por mais rugas, e despentear-lhe o cabelo, que a
cada visita parecia ficar mais rarefeito. E sentia. A calma. Dentro
dele também. O suficiente para afastar a tontura por um instante.
Nesse preciso momento, ali mesmo, o chão começou a tremer
sob os seus pés.
O mundo inteiro estava a abanar.
Grens olhou rapidamente em volta. Não era o mundo. Era o
banco. Em todas as vezes que ali estivera, nunca partilhara o banco
com ninguém. Agora, estava sentada nele uma mulher, a apenas
meio metro de distância.
No banco dele.
Mesmo ali ao lado e sem dizer nada, sem sequer fazer caso dele.
Cuidadosamente, olhou-a de soslaio. Deviam ser da mesma
idade, se tivesse de adivinhar, tinha cabelo escuro curto e olhos que
não se desviam por vergonha própria ou alheia. Fazia lembrar um
pouco Mariana Hermansson, uma das poucas pessoas em quem
confiava e que ele próprio contratara, fazendo-a passar à frente dos
candidatos que, naquela altura, eram mais qualificados do que ela.
Durante muitos anos, fora uma das suas colegas mais próximas e,
consequentemente, uma das suas melhores amigas. Certo dia,
depois de ter concluído uma investigação, ela contou-lhe que
concorrera a outro emprego porque não já conseguia aturá-lo. Ele
não a censurou, pois muitas vezes não se aturava a si próprio.
Depois disso, não se voltaram a encontrar, embora por vezes ele
julgasse entrevê-la noutras pessoas.
Passaram-se vários minutos até a mulher desconhecida
perguntar:
– Perdeu alguém?
Falara sem deixar de olhar em frente.
– Quer dizer, é por isso que estamos aqui, não é?
Ewert não respondeu.
– Desculpe, se calhar quer ficar sossegado. É só que nunca estive
aqui sentada com outra pessoa no meu banco.
Então, ele falou.
– No seu banco?
Ela sorriu.
– Meu, não. Pelo menos não nesse sentido. É só que costumo
estar aqui… pronto, sozinha. Nesta parte do cemitério não se vê
muita gente.
Ficaram um momento sem dizer uma palavra – ela a olhar em
frente, e ele também –, enquanto tudo permanecia em silêncio.
– A minha mulher.
Grens fez um gesto com a cabeça na direção da cruz branca, a
um par de metros deles.
– Chamava-se Anni. E quando penso…
– Sim?
– Na verdade, talvez seja com ela que você se parece um pouco.
– Desculpe?
– O que quero dizer é que… É por ela que estou aqui sentado.
Foi ela que perdi.
A mulher ao lado dele também acenou com a cabeça. Não para
dizer que lamentava, pois isso era desprovido de sentido num lugar
onde todos haviam sido visitados pela morte, mas como que para
mostrar que compreendera o que ele dissera e que lhe parecia
razoável.
– Há quanto tempo é que ela faleceu?
– Depende.
– Ah?
– Ela… Foi um acidente no trabalho. Há trinta e cinco anos. Um
carro passou-lhe por cima da cabeça. Era eu quem ia a conduzir. A
culpa foi minha. Deixou de comunicar e a mente dela não funcionava
bem. Mas para mim funcionava. Muita gente achava que ela tinha
morrido naquela altura. Cientificamente falando, morreu há
precisamente dez anos.
– E para si?
– Alguns anos mais tarde. Agora sei que está morta, que já não
existe. Pelo menos, para os outros. No entanto, para mim, continua
a existir… à nossa maneira.
Todas aquelas manhãs, tardes e noites ali, ao pé de Anni, e
ninguém se aproximara dele uma única vez enquanto estava junto à
sepultura. Presumiu que dava a entender não estar interessado e,
por isso, nunca passara pela cabeça de ninguém interromper
aqueles momentos no banco de jardim.
Mas agora não sentia que fosse mau ou errado. Só não estava
habituado.
– E… você?
– Desculpe?
– Quem é que perdeu? Por quem é que está aqui?
Nunca fora muito bom a fazer conversa, e começar num
cemitério significava sentir-se ainda mais desajeitado. Mas ela não
parecia importar-se, e talvez nem reparasse.
– Está… ali. Ao lado da bétula grande. Está a ver? Também tem
uma cruz branca simples, igual à da sua mulher.
Apontou para um lugar qualquer ao longe.
– Bem, talvez não esteja a ver. Há bastantes filas pelo meio. Mas
este é o melhor lugar para uma pessoa se sentar. Costumo visitar a
campa primeiro e depois sento-me no banco; daqui ainda dá para
senti-la.
Ewert Grens não disse nada, pois era evidente que ela pretendia
continuar.
– Mas não foi isso que me perguntou. Queria saber quem é que
eu venho visitar.
– Sim. Mas não precisa de…
– A resposta é que não sei ao certo.
– Desculpe?
– Ninguém foi sepultado ali.
A mulher olhou para ele.
– Não há ninguém dentro do caixão.

1
Uma das muitas designações da Hylotelephium telephium, comummente
conhecida em português como erva-dos-calos. Em sueco, o seu significado literal é
«erva do amor» (de Kärleksört) (N. do T.)
Uma mão.
É mole e dura ao mesmo tempo.
E as pessoas que me estão a segurar a mão dizem que, se eu
não quiser, se preferir ficar aqui completamente sozinha, não tenho
de ir com eles.
Ewert Grens gelou. Um calafrio cortante percorreu-lhe o corpo e,
logo a seguir, instalou-se algures no diafragma.
– O que…
Ele já aprendera que fazia sempre frio no cemitério.
– … quer dizer?
– Isso mesmo: que o caixão está vazio. Talvez seja por esse
motivo que venho cá tantas vezes.
Pela primeira vez, Grens virou-se para a mulher sentada no
banco, à espera de que ela prosseguisse, e encontrou aqueles olhos
que nunca se desviavam. Ela tinha realmente um olhar assim: de
alguém que não pedia desculpa, mas que, ao mesmo tempo, não
deixava de ser empático.
– Por não estar lá ninguém.
Ewert não a conhecia, nem nunca sequer se cruzara com ela.
Contudo, percebeu que ela estava a falar a sério. Não estava a gozar
com ele: não era louca nem tinha nenhum motivo para o fazer.
Estava simplesmente a dizer a verdade.
– Venha comigo.
O mundo estremeceu novamente quando ela se levantou e o
banco instável tentou reencontrar a tranquilidade. Ela avançou pelo
caminho de gravilha aplanado pelo ancinho e deteve-se junto à
sepultura, que ficava a cinco filas de distância e tinha uma cruz
branca de madeira, exatamente igual à que ele mandara colocar
para Anni. Como é que ele, que estivera ali tantas vezes, nunca
reparara nela? A mulher desconhecida esperou que ele se lhe
juntasse, para começar a transmitir-lhe imagens de uma história que
nunca devia ter sido contada, porque nunca se devia ter tornado
realidade.
– Perdia-a.
Foi então que ele viu, no meio da cruz de madeira, a placa de
metal com apenas três palavras.

A MINHA MENINA

– Ela tinha quatro anos. Acabados de fazer.


O superintendente aproximou-se mais, como que para ver se
haveria mais qualquer coisa escrita.
Não.
Era como se as palavras formassem dois primeiros nomes e um
apelido. «A Minha Menina.» Mais duas letras do que em Ewert
Grens.
– Um parque de estacionamento feio e imundo em Södermalm.
Foi lá que ela desapareceu. Com um vestido novo e os cabelos
compridos apanhados numa bonita trança.
Havia mais flores naquela sepultura do que na campa de que ele
cuidava. Eram de diferentes tipos e com cores mais alegres, um belo
e macio canteiro azul, vermelho e amarelo. Surpreendeu-se a si
mesmo por reconhecer não só as nemésias, mas também as
margaridas e as petúnias, não porque se interessasse enormemente
pelo reino vegetal, pois não se interessava, mas porque eram
plantas que, ao longo dos anos, aprendera a excluir da sepultura de
Anni, por exigirem rega abundante.
Era evidente que a mulher ao lado dele vinha ali com frequência.
– A polícia investigou, é claro. Exaustivamente, no início. Fui
interrogada várias vezes. Mas as semanas tornaram-se meses, e eles
começaram a procurar de forma cada vez mais esporádica. Passado
um ano, sabiam tanto quanto no primeiro dia. Ninguém falava dela
nem perguntava nada sobre ela. Era como se ela nunca tivesse
existido e, portanto, não fosse ninguém. Por isso, não pus o nome
dela na sepultura. Só que agora sinto a falta dela, é algo que me
pertence apenas a mim. A minha menina. Tem de ser suficiente.
– Disse… um parque de estacionamento?
– Sim?
– A minha mulher… nós estávamos à espera do nosso filho
quando… e também foi num…
Ela interrompeu-o.
– Deixei a porta aberta e fui até à máquina de pagamento, que
não ficava longe.
Ela fitava a cruz, ainda presa no seu próprio pesadelo.
– Por isso, nunca vi o outro veículo. Até ser demasiado tarde.
Grens esperou enquanto ela ganhava forças.
– Segundo as câmaras de vigilância, só foram precisos
exatamente sete segundos para mudar a realidade para sempre. A
minha filha estava sentada numa cadeira de bebé no banco do
passageiro quando o condutor do outro carro parou mesmo ao lado,
abriu a porta dele, saiu, pegou nela ao colo, voltou para o carro e
arrancou.
A desconhecida, com quem se sentia tão à vontade a falar e a
ouvir, fez o mesmo que ele costumava fazer na campa de Anni:
acocorou-se, limpou as folhas dispersas e arrancou uma ou outra
erva daninha. E talvez pelo mesmo motivo – não para que os outros
achassem que a sepultura estava bem cuidada, mas sobretudo para
sentir que fazia alguma coisa, mesmo que fosse demasiado tarde.
– Foi um funeral muito estranho.
Procurou com as mãos entre o mar de flores que a separava de
quem perdera.
– Era só eu. E um polícia, um assistente social e um padre;
pessoas que ela nunca conheceu, que não significavam nada para
ela em vida e que, por isso, não podiam significar nada na morte. E
o buraco tão pequenino que o coveiro cavou! E o caixão branco com
uma rosa vermelha, também pequenino, sem ninguém lá dentro e
leve como uma pena! Os sinos da igreja tocaram para ela e, por se
tratar do funeral de alguém tão jovem, o organista tinha escolhido
uma canção de embalar: John Blund2. Estava um dia bonito, com
um sol tímido, e quando a música delicada do órgão da igreja nos
acompanhou, de certa forma tornou-se ainda mais absurdo ver
descer o caixão destinado a uma pessoa que mal tivera tempo de
começar a viver, para nunca mais voltar à superfície.
Ela calou-se. Mas, logo a seguir, começou a cantar, com o rosto
ainda voltado para o canteiro de flores.
– Dorme bem. Bons sonhos.
– Perdão?
– Foi o que cantámos. O último verso da canção de embalar, que
me pareceu tão… tão diferente de quando eu a cantava para a
minha filha em casa.
Então ela virou-se para trás.
– Talvez porque o sono dela na sua própria cama tinha um fim.
Um acordar. Não era como este, o sono eterno da morte.
Olhou para ele e apontou para a relva que os dois pisavam.
– O caixão dela está aqui, por baixo dos nossos pés. Não é um
pensamento estranho?
Sim. Era de facto um pensamento estranho. Tal como quando ele
próprio pensara tantas vezes que a sua querida Anni estava a
algumas filas de distância, sem o poder ver nem ouvir. Queria poder
reviver os dias em que a dor arrasava tudo – devia ter estado
presente no funeral da mulher.
– Costumo pensar nela como Alva, agora que retirei o nome. Alva
é bonito, soa quase como Älva3. E as fadas também existem, se
decidirmos acreditar nelas.
Ela estendeu a mão fina, quase magra, mas com uma força
inesperada. Foi como se o agarrasse e o puxasse para dentro de si.
– Passaram-se quase três anos desde que ela desapareceu e, em
breve, meio ano desde que pedi que fosse declarada morta. Venho
cá uma vez por semana para ela não se sentir sozinha. Acho que se
sente sozinha, apesar de todos os outros que aqui estão. A maior
parte das vezes, venho às quintas-feiras, como hoje, porque é o dia
em que é mais fácil ausentar-me do trabalho por um bocadinho.
Agora tenho de ir – talvez nos voltemos a ver quando visitarmos as
campas ao mesmo tempo. Se não nos encontrarmos novamente,
seria simpático se às vezes pudesse passar aqui quando estivesse
por perto. Não por muito tempo, e nunca por obrigação, claro; mas
só para ela talvez sentir que está aqui alguém.
Viu as costas dela desaparecerem no ponto em que o caminho de
cascalho virava por trás dos arbustos bem cuidados e das grandes
lápides saídas de outro tempo, e apercebeu-se de que nem sequer
sabia como é que a mulher se chamava. Sem nome, tal como a filha.
Ele também devia ir-se embora. O seu trabalho estava à espera
num gabinete do Departamento de Investigação da Polícia de
Estocolmo, com pelo menos uma dúzia de investigações em curso
em cima da secretária; mas ele ainda não estava preparado para
deixar Anni. Por isso, voltou a sentar-se no banco, agora sozinho e
sem que tudo estremecesse.
Aconteceu-lhe ficar ali sentado a pensar justamente na criança;
em como Anni talvez nunca tivesse ficado a saber que estivera
grávida de uma menina completamente formada, como ambos tanto
desejavam. Com coração, pulmões e olhos que podiam abrir-se e
fechar-se. E que cessara de existir quando a própria Anni, à sua
maneira, também se fora. Ou terá sido ele que nunca lhe falara da
bebé? Sim. Ele tentara contar-lhe, sobretudo no início, na unidade
de cuidados continuados, quando sentia que nunca lhe segurava a
mão com força suficiente. Mas ela não parecera realmente
compreender.
«A minha menina.»
Era tão injusto.
Quando quase todas as suas horas de trabalho eram reféns de
criminosos profissionais que andavam aos tiros uns aos outros, por
vezes sentia que, muito francamente, se estava nas tintas para eles.
É claro que fazia o seu trabalho e investigava o melhor que podia,
pois era assim que ele funcionava. Nada era investigado sem
dedicação no mundo de Ewert Grens, onde todas as pedras tinham
de ser viradas uma e outra vez, pois só assim conseguia viver
consigo mesmo – mas já não era capaz de empatizar com esse tipo
de vítimas que tinham feito uma escolha clara. Pelo contrário, uma
criança que fosse ferida, ou que até perdesse a vida, não tinha
escolhido, e isso fazia-o sentir incomparavelmente mais.
Esqueceu-se das horas e limitou-se a ficar ali sentado ao sol, que
estava quente em todo o lado, mas não ali, deixando um vento
gélido persegui-lo no vasto cemitério. Tinha passado quase uma
hora quando por fim se levantou e colheu algumas flores do canteiro
de Anni. Pô-las no rebordo estreito da outra cruz de madeira,
enquanto fazia perguntas a uma menina que não estava lá.
Quem és?
Porque desapareceste?
E onde estás agora?

2
O equivalente sueco ao português João Pestana. (N. do T.)
3
«Elfo» ou «fada», em sueco. (N. do T.)
Acho que não quero ficar completamente sozinha, se a minha
mãe e o meu pai se foram embora.
Sabe bem continuar a segurar a mão que é mole e dura ao
mesmo tempo.
A mão que sabe para onde vamos. Para onde a minha mãe e o
meu pai foram.
Onde eles estão à minha espera.
Quando Anni teve o acidente, quando a menina que começara a
crescer dentro dela morreu e ela própria se apagou noutro quarto
fechado, enclausurada no seu mundo, numa unidade de cuidados
continuados, mandaram o marido ver um psicólogo da polícia, para
que compreendesse que fora ele quem a atropelara, que o que
restava da sua vida em comum já não existia e que aquilo de que
mais tinha medo já acontecera. Trinta e cinco anos depois, ele ainda
se recordava da sessão com o terapeuta que se tentou aproximar de
alguém que perdera tudo. O jovem polícia Ewert Grens falhara por
completo a sua primeira tarefa como paciente: encontrar um lugar
seguro onde se refugiar quando a terapia se tornava demasiado
exigente ou os sentimentos demasiado pesados. Naquele momento
tornara-se claro que toda a sua existência ficara em farrapos. Ele
não conseguia encontrar um lugar seguro; nem sequer na própria
mente! Nem em casa, onde a cama se transformara num buraco
negro em que cair, nem na companhia de amigos ou colegas, nem
na grande esquadra da polícia de que tanto gostava. Não encontrava
tranquilidade em nenhum lugar. Até que, certo dia, comprou o sofá
em que agora estava deitado no gabinete. Castanho e de
bombazina. Não era nada de especial nem particularmente caro,
mas era confortável e permitia-lhe esticar o corpo longo. Agora,
depois de três décadas a deitar-se nele – às vezes durante o horário
de trabalho e, muito frequentemente, durante a noite, em vez de ir
para casa dormir –, já estava demasiado mole e com as estrias da
bombazina praticamente gastas.
Mas, naquela tarde, não conseguia mergulhar num repouso
profundo, por mais que permanecesse deitado a ouvir a música que
tocava no leitor de cassetes e enchia a sala, vozes e refrões dos
anos sessenta que ouvia vezes sem conta e que conhecia tão bem.
Pernas, braços, tudo nele se agitava de tontura e perturbação, à
medida que era projetado para dentro e para fora de sonhos breves
e confusos.
Sentou-se na beira do sofá, mas deitou-se outra vez logo a
seguir. Estendeu o braço, pegou no copo de café e esvaziou-o.
Depois, ficou algum tempo a fixar o teto e a seguir com o olhar o
emaranhado de fendas, o que costumava acalmá-lo.
Tentara folhear as investigações preliminares dispostas em
pesadas pilhas em cima da secretária e que mencionavam pessoas
que tinham sido vítimas da violência de outras. Era inútil. Por mais
que se debruçasse sobre elas, tinha dificuldade em compreender as
descrições dos locais dos crimes.
E sabia porquê: as semelhanças. Ainda estava a pensar na
menina desconhecida que, tal como a filha dele e de Anni, partira
num parque de estacionamento imundo e era agora uma memória
num cemitério deserto, e que ele prometera visitar da próxima vez
que lá fosse, para ela se sentir um pouco menos sozinha. No
entanto, não sabia que aspeto tinha, como soava a sua voz ou se os
seus olhos sorriam para as pessoas com quem se encontrava.
Só havia uma forma de começar a procurá-la: o arquivo. Aí,
numa das caixas de cartão, estavam as únicas provas de que ela
alguma vez existira.
Saiu apressadamente para o corredor, passou por salas com
colegas a trabalhar em casos em curso, como ele próprio devia estar
a fazer, e entrou no elevador que o levaria à cave da esquadra. O
arquivo não tinha janelas nem era suficientemente ventilado, mas
ele sentia-se bem sempre que inseria o código para abrir a pesada
porta de aço. Ali em baixo, existia uma sociedade própria onde
reinava uma ordem diferente, por vezes até uma espécie de justiça,
quando um caso fechado continha provas que levavam a uma
acusação ou a um veredicto.
Percorreu os corredores do arquivo, adentrando-se cada vez mais
por baixo do edifício, até chegar aos computadores da base de
dados da polícia. Fez login e começou a pesquisar. A menina sem
nome estava algures ali, entre milhares e milhares de vivos e
mortos.
Recordou a expressão da mulher desconhecida quando estavam
os dois, lado a lado, no cemitério e ela murmurou: «Foi um funeral
muito estranho.» Escreveu DESAPARECIDA e MENINA no campo de
busca, carregou na tecla ENTER e ficou à espera diante do ecrã.
Novecentos e sete resultados.
Tentou lembrar-se de outros pormenores que ela referira e, um
instante depois, acrescentou SöDERMALM à busca.
Ficaram cento e cinquenta e dois resultados.
A recordação mais nítida que tinha era de como ela tremera de
angústia e raiva ao falar do betão feio e deserto.
PARQUE DE ESTACIONAMENTO.
Vinte e dois resultados.
E como é que ela a descrevera? De vestido? E o cabelo da
menina numa bonita trança?
VESTIDO.
Cinco resultados.
TRANÇA.
Um resultado.
Levantou-se rapidamente e dirigiu-se para o lado oposto da sala,
ao longo de altas estantes de metal com sete níveis de prateleiras –
filas com caixas de arquivo idênticas, em cartão áspero, espessas
pilhas de pastas agrupadas segundo um sistema de cores que ele
nunca aprendera a compreender, maços de papéis atados com fio
grosso, lombadas largas de dossiers, micas demasiado cheias e,
ocasionalmente, bens confiscados do tipo que não se presta a ser
empacotado. Naquela sucessão de casos, eis que encontrou aquele
que procurava, num lugar que bem podia ser considerado o coração
de todo o arquivo: corredor 17, secção F, prateleira 6. Subiu para o
banco com rodas e conseguiu alcançá-la. Tirou a caixa de arquivo
com facilidade, apesar de ter a perna esquerda rígida e de o seu
equilíbrio já ter visto melhores dias. Sentou-se a uma das mesas de
leitura e abriu as abas de cartão como se fossem duas asas. No
interior, não havia muita coisa: o relatório da polícia, que descrevia
os acontecimentos; o protocolo da Unidade de Apoio Técnico-
Científico, que não conseguira recolher ADN nem fibras de um
suspeito; e interrogatórios irrelevantes a pessoas que, por diferentes
motivos, se tinham movimentado nas proximidades do local.
A mulher ao pé da sepultura tinha razão: apesar de se ter feito
um trabalho de investigação razoável, não havia uma única resposta,
uma única pista.
Uma criança pequena fora levada sem que ninguém tivesse visto
ou ouvido nada.
É um carro tão bonito. E tão comprido. E novinho em folha. E o
banco de trás todo só para mim; normalmente nunca é assim,
porque o Jacob, a Mathilda e o William ocupam o espaço todo.
Agora até me posso deitar e esticar-me o máximo que consigo sem
sequer tocar nas portas. Quando me levanto e olho pelo vidro de
trás, a loja grande vai ficando cada vez mais pequena, e depois
deixa de se ver. Pergunto porque é que a minha mãe e o meu pai
não ficaram, porque é que tiveram de se ir embora sem terem
tempo de me dizer nada. As pessoas que vão a conduzir o carro
bonito dizem que sabem onde eu moro e como ir lá ter, e que
estamos a caminho.
Mal posso esperar para lá chegarmos e eu voltar para ao pé da
minha mãe e do meu pai.
Ewert Grens acabara de sair do elevador, a caminho do seu
gabinete, ao fundo do corredor do departamento, quando se
arrependeu e se deteve subitamente. Mas não à frente da máquina
de café, como de costume. Em vez disso, entreabriu a porta do
gabinete de uma inspetora criminal com quem raramente falava e
que, na verdade, não conhecia bem, apesar de trabalharem juntos –
como acontece por vezes quando vários investigadores estão
embrenhados em casos diferentes que os levam a direções distintas.
– Tens um minuto?
Elisa Cuesta era o nome da colega na casa dos quarenta. Ela
ergueu o olhar da secretária, constantemente rodeada de caixotes
de mudanças por desempacotar. Era um gabinete com paredes
despidas, sem quaisquer pertences pessoais, de uma pessoa que
nunca ousara realmente instalar-se naquele espaço, que daria
sempre a sensação de ser um quarto de hotel temporário.
Era precisamente o oposto de um sofá de bombazina gasto.
– Posso entrar?
– Claro… Mas não era preciso voltares, Grens. Fui eu quem…
– Voltar?
– É só que nunca falamos um com outro, e isto há já um mês… É
tarde de mais. Se calhar arrisquei um pouco na altura.
– Há já um mês? Arriscaste? Agora não estou a perceber nada.
Ela olhou para ele e, logo a seguir, levantou as duas mãos, num
gesto defensivo.
– Desculpa, achei que tinhas vindo aqui por… um outro motivo.
Vamos começar de novo, Grens. Senta-te aí nessa de caixa de
cartão; é bastante firme, toda a gente se senta nela. O que me
querias?
Ewert Grens avançou aos ziguezagues entre os caixotes, sentou-
se num deles e, enquanto procurava o olhar da colega, esticou
hesitantemente a perna rígida para refrear o sentimento de estar
sentado num baloiço.
– Quero fazer-te algumas perguntas acerca de uma investigação
que suponho que tenhas sido tu a arquivar há uns dois ou três anos,
visto que és a responsável do departamento pelos casos de pessoas
desaparecidas.
A expressão de Cuesta era tão neutra como o seu gabinete. Ela
tinha sempre aquele ar. Era o tipo de rosto que não dá para levar
connosco; se os dois se tivessem cruzado na cidade duas horas mais
tarde, Grens não a teria reconhecido. Mas, naquele momento,
assumiu personalidade, a ira de quem se sente posto em causa.
– Ah, sim?
– Não estou aqui para te criticar.
– Nós nunca falamos, Grens, não nos interessamos minimamente
um pelo outro. Para dizer a verdade, é-me indiferente; não sinto
falta da tua companhia. Mas agora, que vens aqui pela primeira vez
para conversarmos um pouco, é para falar de um caso que eu não
consegui levar a tribunal? Se não estás aqui para me apontar o
dedo, o que raio queres?
Grens mudou de posição e o caixote meio cheio por pouco não
tombou. Ele pôs-se de pé. Pareceu-lhe ser mais seguro.
– Quero encontrar uma menina cujo caixão vazio está sepultado
debaixo de uma cruz de madeira branca.
– Ah, sim?
– E quero saber tudo. Quero rever todas as imagens de todas as
câmaras de vigilância relevantes, da manhã do dia 23 de agosto de
2016; verificar as visitas que fizeram a hospitais, centros de
assistência social e jardins de infância; ficar a par das chamadas que
fizeram e das portas a que bateram. Até terem baixado a prioridade
do caso, por falta de resultados, e até o terem posteriormente
arquivado.
– Não sei de quem estás a falar.
– A investigação sobre a menina que foi arrebatada do interior de
um carro e raptada.
– Continuo sem saber a que caso te referes.
– A menina de quatro anos que ficou sentada no banco do
passageiro enquanto…
– Grens, olha à tua volta. Para os caixotes: cada um deles
contém investigações por encerrar, ainda ativas, sobre casos de
violência. As minhas e as de outros. Porque os odeio tanto quanto
tu. Mas para essa investigação «arquivada há já tanto tempo» tens
de ir a outro lado – não a reconheço e não preciso de mais uma.
Ewert Grens não suspirou. Virou-lhe simplesmente as costas.
– Muito obrigado pela ajuda.
E começou a andar.
– Porquê, Grens?
– Porquê o quê?
– Porquê esse caso em particular? E porquê agora? Onde é que o
foste buscar? Porque é que queres remexer numa coisa que já
arquivámos, quando estamos a afogar-nos em casos novos?
Ewert Grens encolheu os ombros. Talvez pudesse ter-lhe falado
de uma mulher cuja sepultura ele não visitou durante anos; e da
criança que ela carregava dentro de si, que os dois perderam e que
agora jazia num jardim memorial anónimo que ele decidira nunca
visitar; e talvez de uma mulher desconhecida que fazia precisamente
o contrário – que visitava uma menina para que ela se sentisse um
pouco menos sozinha.
Mas não o fez.
– Não tenho bem a certeza.
– Desculpa?
– Hoje conheci uma pessoa no cemitério e… bem… uma pessoa
que…
– Grens?
– Sim?
– Como te sentes?
– Como assim?
– Estás pálido. Pareces agitado, confuso. Diria até desorientado,
se me permites. Sentes-te bem? Não pareces estar bem.
Elisa inclinou-se para a frente, à espera de uma resposta.
– Sim… senti-me só um pouco tonto. No cemitério.
– Tonto?
Começou a ir-se embora, atravessando aos ziguezagues a sala
cheia de caixas de cartão e onde estava alguém que tinha tanto
medo de se apegar como Grens de se libertar.
– Tive uma… experiência desagradável, que está relacionada com
uma outra experiência desagradável anterior. Foi só isso.
Ele aproximou-se da porta e Elisa seguiu-o com o olhar,
esforçando-se por ouvir as palavras que se iam tornando um
murmúrio.
– A criança que está no cemitério sofreu mais do que… são
sempre as crianças pequenas, sobretudo meninas. Não sei porquê
e…
O superintendente saiu para o corredor quase a cambalear. Elisa
deixou de o ouvir e levantou-se para ir atrás dele. Já estava ao pé
da máquina de café e, desta vez, ia parar para encher dois copos,
quando a voz dela o alcançou.
– Grens, nunca chegaste a olhar para o outro, pois não?
Elisa Cuesta gritara da entrada do seu gabinete.
– Que outro?
– Caso. Da menina que também tinha quatro anos e que
continua a ser um mistério.
A algumas portas de distância, a colega que não tinha um rosto
definido tornava-se ainda mais indistinta.
– A menina que também desapareceu nesse mesmo dia e que
nunca foi encontrada. Nem morta, nem viva.
Os meus pais dizem que eu não devo seguir pessoas que não
conheço – mas não há problema nenhum se souberem o meu nome.
Além disso, estamos quase a chegar.
E posso ter o casaco vestido.
Aquele que parece uma zebra e que eu nunca quero despir, nem
sequer dentro de casa, apesar de os adultos dizerem que tenho de o
fazer. É mesmo o meu preferido. E a borboleta no cabelo, que é azul
e consegue voar quando ninguém está a ver. As pessoas que vão a
conduzir e sabem onde eu moro não implicam comigo por causa
disso, ao contrário da minha mãe. Elas percebem.
Já estamos mesmo perto.
De casa.
Observavam-no constantemente.
Nenhuma delas pestanejava.
Estavam sempre a fixá-lo.
A menina da fotografia no lado esquerdo da secretária de Ewert
Grens cessara de existir para o mundo à sua volta num parque de
estacionamento. Na fotografia anexada à investigação que a polícia
arquivara, tinha o mesmo vestido que usava no momento em que
desapareceu. Fora fotografada com quatro anos, um metro e oito
centímetros de altura, dezanove quilos e os cabelos compridos
apanhados numa bonita trança.
A menina na fotografia da direita está enfiada numa poltrona
infantil vermelho vivo, à frente de um daqueles fundos
desconfortavelmente parados que os fotógrafos às vezes têm nos
estúdios e que fazem com que o mundo inteiro pareça artificial.
Tinha o cabelo mais curto e mais claro, e aproximadamente a
mesma altura, mas era alguns quilos mais pesada e tinha quatro
anos e sete meses.
No mesmo dia, tornaram-se protagonistas de duas investigações
policiais.
A menina do cemitério já não estava tão sozinha.
Ewert Grens puxou as duas fotografias para o meio da secretária,
aproximando-as uma da outra. Estavam relacionadas. Não sabia
como, e talvez nem elas o soubessem, mas ele não acreditava em
coincidências. Nunca acreditara.
Todos os anos, mais de sete mil suecos eram dados como
desaparecidos. A maior parte era encontrada dois ou três dias
depois. Mas cerca de trinta nunca regressaria, nem vivos nem
mortos – transformar-se-iam em enigmas, como se se tivessem
evaporado da face da Terra.
A menina do lado esquerdo, que agora se chamava Alva, e a do
lado direito, de seu nome Linnea, eram duas dessas pessoas.
Agitado, Grens levantou-se e deu voltas e mais voltas à sala, como
tantas vezes fazia, entre a estante e o sofá, entre a janela que dava
para o pátio interior da esquadra e a porta fechada para o corredor.
Até que colidiu consigo próprio e se sentou outra vez, ao pé de duas
meninas que continuavam a fitá-lo.
Talvez estivessem a perguntar-se quem ele era.
Porque é que estava ali sentado e achava que tinha o direito de
andar à volta delas.
Durante a tarde, localizara a pasta com a investigação há muito
parada sobre Linnea Disa Scott, num armário a abarrotar numa sala
poeirenta da esquadra de Skärholmen. Fazia lembrar a caixa de
cartão que, havia apenas um par de horas, retirara de uma estante
do arquivo da polícia, na cave. A investigação era igualmente sólida,
igualmente desprovida de resultados. Mas enquanto de Alva só a
mãe sentia a falta, Linnea tinha uma multidão de parentes
desesperados que haviam participado no trabalho de investigação,
procurando responder a cada nova questão e ajudar com cada nova
pista. Grens folheou o registo na lista de pessoas desaparecidas, a
ordem de emissão do alerta a nível nacional, cópias da descrição
dela enviadas a carros de patrulha e a motoristas de autocarros,
interrogatórios, depoimentos de testemunhas e os relatórios dos
técnicos forenses. Mais tarde, voltaria a tudo isto. De momento, só
interessavam duas peças do puzzle da investigação em torno de
Linnea: o vídeo da câmara de vigilância que mostrava o que
aconteceu quando ela desapareceu; e um documento assinado pelos
pais que podia mudar tudo.
O carro para.
Levanto-me, apesar de ter sabido bem ir deitada no banco de
trás, completamente sozinha.
Chegámos.
Ajeito o casaco de zebra e a borboleta azul; quero estar bonita
quando entrar em casa. As pessoas com mãos moles e duras, que
conduzem o carro novinho em folha, destrancam e abrem uma das
portas de trás para eu sair.
Esta não é a nossa casa.
Não estou em casa.
Um aeroporto. Conheço-o. Uma vez fomos ter com a avó e o avô
um pouco mais lá ao fundo, ao pé da entrada com portas de vidro,
quando eles nos vieram visitar pelo Natal. Até consigo ouvir os
grandes aviões a aterrar e depois a levantar voo outra vez.
Olho à minha volta. Não está aqui ninguém que eu conheça.
Por isso pergunto às pessoas que sabem o meu nome:
– Onde estão a mamã e o papá?
Ewert Grens começou pelo vídeo da câmara de vigilância.
Inseriu a pen no computador e abriu o ficheiro.
A outra menina, Alva, fora arrancada de dentro de um carro de
manhã cedo, sem quase ninguém à volta. Já as circunstâncias do
súbito desaparecimento desta menina, Linnea, as quais ele estava
agora a analisar, eram o oposto do silêncio de um parque de
estacionamento escuro. O relógio com os segundos a passar na
margem inferior do ecrã mostrava que as imagens eram de onze
horas mais tarde, ou seja, do início da noite, e a câmara encontrava-
se no teto de um supermercado que fervilhava de risos, gente e
bulício. Centenas de pessoas que se punham no caminho umas das
outras. Carrinhos a transbordar, altas pirâmides de televisores e
pacotes de batatas fritas, e um sistema de altifalantes que anunciava
os descontos da semana aos berros.
Grens esperou.
Pouco depois, aproximou-se mais do ecrã.
E viu-a pela primeira vez.
Uma menina entra na imagem, passeando descontraidamente ao
longo dos expositores. Linnea. É evidente que é ela, apesar de só a
conhecer através de uma fotografia sem alma. Veste um casaco com
listas de zebra e tem um gancho com a forma de uma grande
borboleta, que lhe fica muito bem na franja. Por vezes, detém-se –
vê-se ao espelho numa torradeira reluzente, vira ao contrário uma
caixa de velas e agita-a levemente, pressiona pacotes moles de
guardanapos. Parece contente: ir às compras com a mãe e o pai é
uma aventura. Um minuto e doze segundos depois, está prestes a
sair do campo de visão quando uma mão se estende na direção
dela. Uma mão de adulto, que pertence a alguém que está
imediatamente do lado de fora da imagem. Como se ele ou ela
soubesse com precisão onde termina o ângulo da câmara. A menina
e a pessoa invisível parecem estar a falar uma com a outra. Até que
ela fica convencida, segura a mão estendida e começa a ir-se
embora.
Ewert Grens arrepiou-se involuntariamente, como quando sentira
aquele calafrio cortante no cemitério. Tinha revivido os últimos
momentos da vida de uma pessoa.
Eram, pelo menos, os últimos momentos conhecidos por quem a
amava.
Deixou a sequência avançar e, de repente, uma mulher e um
homem nos primeiros anos da meia-idade entraram a correr na
imagem e saíram. Depois voltaram, saíram outra vez e voltaram.
Agitados.
Logo a seguir, irritados, transtornados.
Pouco depois, em pânico, desolados.
O superintendente parou o vídeo nesse preciso momento. Porque
enquanto os clientes do supermercado continuavam a pôr produtos
nos carrinhos de compras já cheios, a mulher e o homem –
provavelmente a mãe e o pai de Linnea – abraçavam-se com força
no meio deles.
Perguntou-se se eles já teriam compreendido que nunca mais a
veriam.
Um passaporte. Chama-se assim. E é mesmo, mesmo, mesmo de
verdade.
Com uma bonita fotografia minha. Não conheço ninguém que só
tenha quatro anos e tenha um. Nem sequer o Jacob. E a Mathilda e
o William são demasiado novos. Mas eu não.
Na fotografia, quase pareço ter seis anos. Estamos a fingir que
tenho. Estou a tentar adivinhar qual é o jogo. Não. Não consigo. Mas
é divertido fazer de conta. É por isso que também tenho um novo
nome.
Bem, ainda não aprendi realmente a ler, mas as pessoas que
sabem o meu nome, o meu nome verdadeiro, dizem que está lá
escrito Lynn e que faço anos no verão, apesar de fazer no inverno. E
que vamos fingir que isto é verdade até chegarmos ao pé da minha
mãe e do meu pai, que inventaram tudo e estão lá à nossa espera,
embora devessem ter esperado aqui.
Retirou a pen do computador, as imagens de uma família que
deixou de existir. Só restava um documento na grossa pasta da
investigação. Aquele que podia mudar tudo:

Formulário SKV4 7695


Pedido de Declaração de Óbito – pessoa
desaparecida

Espaços retangulares estreitos. Dados pessoais do desaparecido,


nome do requerente e dos parentes mais próximos. Um papel
monótono e sem cor, igual a qualquer outro, que exalava autoridade.
Com a diferença de que punha fim a uma vida.
Os pais que se abraçavam com força no vídeo da câmara de
vigilância e esperavam poder voltar a ver a filha em breve, alguns
anos depois esperavam que ela estivesse morta. Porque isso era
melhor do que nada. Era assim que justificavam o pedido no verso
do formulário, num retângulo um pouco maior do que os outros e
que eles preencheram com uma escrita muito apertada, a
esferográfica azul.
Uma súplica aos membros do Comité Especial de Declaração de
Óbito para que – tal como no caso da menina que já fora sepultada
e se chamava agora Alva – contornassem a regra dos cinco anos e
declarassem mais cedo a morte de Linnea Disa Scott.
Ewert Grens pensara por vezes em como as funções de um
superintendente criminal incluíam a tarefa mais diabólica de todas:
entregar a morte. Foram tantas as portas a que batera para
comunicar a alguém que um filho, uma filha, um marido ou uma
esposa já não existiam. Ele tinha roubado a vida a essas pessoas –
porque, até ele estar ali a contar-lhes o que acontecera, os
familiares ainda tinham aqueles que mais amavam, e que eram tudo
para eles, vivos no seu pensamento. Porém, era ainda pior para os
membros do comité. Tinham de decidir o próprio momento da
morte. E, neste caso, tinham-no realmente feito.

Com base a) nas circunstâncias do


desaparecimento, b) nas buscas infrutíferas e
c) no tempo decorrido, este comité considera
altamente provável que a pessoa em causa tenha
falecido.

Segundo os espaços preenchidos mais baixo, um antigo membro


do Supremo Tribunal de Justiça, um professor de ética médica, um
escritor, um deão, um chefe de unidade e um jurista tinham
concluído que a menina que, no vídeo, se vê ao espelho numa
torradeira e apalpa produtos nas prateleiras da loja já não existia.

Tendo em consideração os danos sofridos pelos


familiares, e que estes correm o risco de
continuar a sofrer, o prazo do processo é
fixado em três anos.

Grens leu mais uma vez a decisão do comité.


Três anos.
Lembrou-se imediatamente da mulher no cemitério.
Passaram-se quase três anos desde que ela desapareceu.
Ela estava a falar de outra criança, mas daquele mesmo dia.
Ele levantou-se. Depois sentou-se.
Devia acontecer muito em breve.
Ele sabia como funcionava. Para que uma pessoa também
pudesse morrer desta forma mais burocrática, o processo tinha de
ser publicado com bastante antecedência no Post – och Inrikes
Tidningar, e só se ninguém se manifestasse em contrário é que a
pessoa era declarada morta.
Fez login no computador, chegou à página certa através do
Google e procurou entre os anúncios.
Ao todo, vinte e duas pessoas estavam à espera da sua própria
morte naquele momento.
Passou por indivíduos que tinham sido vistos pela última vez na
Tailândia, em Katrineholm, na Síria, em Malmö. Mas apenas duas
crianças: um rapaz de seis anos, visto pela última vez em
Norrköping, e uma menina, vista pela última vez no sul de
Estocolmo.

REQUEREU-SE QUE LINNEA DISA SCOTT, 131101-2449, SEJA DECLARADA


MORTA. ESTÁ REGISTADA EM ESTOCOLMO. LINNEA DISA SCOTT FOI
VISTA PELA ÚLTIMA VEZ NUM SUPERMERCADO EM SKÄRHOLMEN, EM
AGOSTO DE 2016. DE ACORDO COM O ARTIGO 7 DA LEI (2005:130)
SOBRE DECLARAÇÃO DE ÓBITO, LINNEA DISA SCOTT É CHAMADA A
APRESENTAR-SE À AUTORIDADE TRIBUTÁRIA ATÉ 23 DE AGOSTO DE
2019.

Vinte e três de agosto.


Meu Deus.
Para ter a certeza, Ewert Grens consultou o calendário que tinha
ao seu lado na secretária.
Não era muito em breve – era mais cedo ainda.
No dia seguinte.
Era amanhã.
Então morreria verdadeiramente. Mais uma menina de quatro
anos seria objeto de um estranho funeral – e um caixão vazio teria a
companhia de um outro.

4
Formulário da autoridade tributária sueca, Skatteverk. (N. do. T.)
A primeira pessoa a ver a minha nova fotografia é uma senhora
com um casaco azul do aeroporto, umas calças azuis a condizer e
um cabelo mesmo muito, muito alto; e, quando se ri, soa
exatamente como a minha mãe. Mas não é a minha mãe. Olha para
mim, abre o passaporte, e depois olha para mim outra vez. É como
se eu estivesse em dois lugares – ao mesmo tempo! Ela acha que o
meu casaco zebra é giro e pergunta-me se já andei de avião. Nunca
andei. Mas o Jacob também não. Ela diz que é quase como andar de
comboio, só que, no início e no fim, temos de engolir, tapar o nariz e
fazer força para o ar sair. Quando ela me devolve o passaporte, eu
meto-o num bolso escondido. Ela pisca-me um bocadinho o olho e
deseja-me boa viagem.
A noite morna de agosto escondia uma escuridão suave que fazia
com que fosse fácil respirar. Ewert Grens caminhava pelo bairro
residencial, passando por relvados de um verde intenso, apesar do
verão quente e seco. O matraqueado dos aspersores rotativos, que
guardavam os seus jardins como seres vivos, harmonizava-se com o
silêncio.
A casa para onde se dirigia era a última numa longa fila de
quadrados do mesmo tamanho e tinha luzes acesas em todas as
divisões. O superintendente abriu um portão, que soltou um rangido
cansado, e avançou sobre as lajes de pedra pejadas de armadilhas –
uma bola de futebol, duas bicicletas com rodas de apoio, um disco
voador e um skate virado ao contrário espreitavam um pouco por
todo o lado. Bateu na janela redonda da porta da frente, carregando
ao mesmo tempo no botão da campainha.
– Eu abro!
Várias vozes em coro. Vários pés que competiam para alcançar
primeiro o puxador da porta.
Instantes depois, um rapaz de sete ou oito anos estava diante
dele, com dois irmãos mais novos de pijama meio passo atrás.
– Olá. A tua mãe ou o teu pai estão em casa?
– Quem é?
– Chamo-me Ewert e…
– Eu chamo-me Jacob. E estes são a Mathilda e o William.
– Olá, Jacob. Olá, Mathilda. Olá, William. A vossa mãe ou o vosso
pai estão em casa?
– Estão os dois.
E lá foram eles. Os pés competiram novamente, desta vez em
direção a um qualquer lugar ao fundo do corredor. Entraram na
grande divisão que parecia ser uma sala de estar e que, se ele
ouvira bem, também atravessaram para sair para o alpendre das
traseiras. Alguns minutos depois, uma mulher e um homem
aproximaram-se, vindos da direção oposta. A mãe e o pai do vídeo
da câmara de vigilância do supermercado. Só tinham passado três
anos, mas eles haviam envelhecido dez.
– Queria falar connosco?
– Ewert Grens. Superintendente da polícia de Estocolmo. Têm um
minuto?
Eles escolheram a cozinha. Era muitas vezes o caso nas visitas
que fazia – Grens bebera inúmeras chávenas de café de filtro e
mastigara bolos de canela pegajosos quando pessoas ameaçadas,
suspeitas ou vítimas de crimes procuravam sentir-se seguras. Aquela
cozinha assemelhava-se a tantas outras: uma mesa redonda com
uma toalha impermeável e cadeiras de diferentes alturas, para
poderem ser usadas por crianças e adultos; um frigorífico com
puxadores, que zumbia aos solavancos; um gato cinzento às riscas,
que miava e bebia água de uma tigela de vidro meio cheia; e um
aparador antigo com uma vela acesa.
Não sabiam o que queria o superintendente que lhes batera à
porta sem ter sido convidado, nem porque estava ali, mas não
precisavam de perguntar por causa de quem viera – nos últimos
anos, uma família constituída por cinco pessoas ocupara-se apenas
da sexta. A mulher e o homem que tinham envelhecido tão depressa
entreolharam-se, como se estivessem a decidir quem falaria sobre
ela desta vez.
– O Jacob, que lhe abriu a porta, é o irmão gémeo da Linnea. Eu
e a minha mulher vivemos um inferno, mas ele foi provavelmente
quem mais sofreu.
O pai tinha o olhar cansado; grandes rugas brincavam-lhe junto
às têmporas e o branco dos olhos estava tingido de vermelho. Há
muito tempo que não dormia uma noite inteira.
– Já os irmãos mais novos não se lembram de todo dela. A
Mathilda tinha dois anos, e o William, seis meses, quando ela
desapareceu.
– Para eles, ela é a menina que aparece em várias fotografias. A
mesma que, quando falam dela, deixa toda a gente com um ar
triste.
Nos olhos da mãe havia mais desgosto do que cansaço. Talvez
dormisse melhor do que o marido, mas nem por isso ria muito.
– Isto.
Grens tirou um papel dobrado do bolso interior. Uma cópia do
documento que se encontrava na pasta da investigação em torno da
filha deles.
– Vocês pediram que ela fosse declarada morta.
Esperava que não tivesse soado como uma acusação, porque não
o era.
– Gostaria que reconsiderassem.
Afastou a chávena de café e o prato com os bolos de canela, e
pousou o pedido de declaração de óbito na mesa, entre eles. Como
se provasse alguma coisa – como uma arma carregada com
impressões digitais frescas. E, de certa forma, era-o.
– Desculpe?
– Sim, eu…
– Ouvi o que disse. Tanto eu como o meu marido ouvimos. O que
não percebemos é o que tem você que ver com isso. Há três anos
que a nossa querida menina desapareceu sem deixar rasto. E você,
superintendente Grens, se percebi bem o seu nome, não participou
em qualquer das buscas. Mas agora, apenas algumas horas antes,
senta-se à nossa mesa da cozinha e pede-nos… isso?
Ela não foi agressiva, embora pudesse muito bem tê-lo sido. Nem
se mostrava frustrada, desesperada ou resignada, embora também
esses estados tivessem sido compreensíveis. O seu tom era
pragmático. Afinal, apresentara apenas factos simples que deviam
ter levado um polícia desconhecido a pedir desculpa, levantar-se e ir
embora.
– Sim. É precisamente o que vos estou a pedir.
Foi ela quem se levantou e fez o que Grens costumava fazer
quando a verdade se impunha e não conseguia livrar-se dela: andar
para trás e para frente. No caso dela, entre a máquina de lavar e o
frigorífico, entre a janela e o aparador antigo, onde parou e olhou
para ele.
– E quer que façamos isso porque…?
– Se ela for declarada morta, nem eu nem nenhum dos meus
colegas podemos requerer recursos para a investigação; ou pedir a
colaboração de outros departamentos, dentro ou fora da esquadra,
se vier a ser necessário. E então… o caso fica definitivamente
encerrado.
– Sim. Isso! É isso que nós queremos!
A mãe levantara a voz.
– Nós queremos que fique encerrado!
Apenas alguns instantes depois, Jacob entrou quase a correr na
cozinha.
– Mãe, o que é que… Está tudo bem?
Sete anos e meio. Com um tom de voz e uma escolha de
palavras que pareciam os de um adulto. Um sentimento de
responsabilidade muito além do âmbito das suas responsabilidades.
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