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O Diabo na História Comunismo

Fascismo e Algumas Lições do Século


XX 1st Edition Vladimir Tism■neanu
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VLADIMIR TISMÃNEANU é professor de ciên-
cia política na Universidade de Maryland.
Foi presidente da Comissão Presidencial
para Análise da Ditadura Comunista da
Romênia (abril de 2006 a abril de 2007),
e desde abril de 2007 é o presidente da
Comissão Presidencial Consultiva para Aná-
lise da Ditadura Comunista da Romênia. Em
fevereiro de 201 O foi nomeado presidente
do Conselho Científico do Instituto de Inves-
tigação dos Crimes do Comunismo e Memó-
ria do Exílio Romeno (llCCMER) onde esteve
até maio de 2012, quando foi destituído
pelo primeiro ministro comun ista, Victor
Ponta. Em 2007 recebeu da Universidade
de Maryland o Distinguished lnternational
Service Award, e a Associação Americana
de Ciência Política lhe conferiu o certifica-
do por mérito excepcional no lecionar essa
disciplina. Detém o título de doutor honoris
causa da Universidade do Ocidente, de
Timiaoara (2002) e da Escola Nacional de
Estudos Políticos e Administrativos de Buca-
reste (2003). Publicou mais de três dezenas
de livros, dentre os quais o também traduzi-
do Do comunismo: o destino de uma religião
política (VIDE Editorial, 2015).
VLADIMIR TISMANEANU

O DIABO
,
NA
HISTORIA
O Diabo na História: comunismo, fascismo e algumas lições do século XX
Vladimir Tismãneanu
1ª edição - junho de 2017 - CEDET
Copyright © 2017 by Uniersity of California Press

Título original: The Devi/ in History: Communism, Fascism, and some lessons of the
Twentieth Century. Los Angeles, CA: University of California Press, 2012.

Os direitos desta edição pertencem ao


CEDET - Centro de Desenvolvimento Profissional e Tecnológico
Rua Ângelo Vicentim, 70
CEP: 13084-060 - Campinas, SP
Telefone: (19) 3249-0580
e-mail: livros@cedet.com.br

Editor:
Thomaz Perroni

Tradução:
Elpíclio Fonseca

Revisão ortográfica:
Felipe Denardi

Conferência com o texto romeno (contracapa):


Cristina Nicoleta Manescu

Capa:
Carlos Eduardo Hara

Diagramação:
Maurício Amaral

Conselho Editorial:
Adelice Godoy
César Kyn d' Ávila
Diogo Chiuso
Silvio Grimaldo de Camargo
Thomaz Perroni

VIDE Editorial - www.videeditorial.com.br

Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução desta
edição por qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica, mecânica, fotocópia, gravação
ou qualquer outro meio de reprodução, sem permissão expressa do editor.
VLADIMIR TISMANEANU

O DIABO
,
NA
HISTORIA
COMUNISMO, FASCISMO E ALGUMAS LIÇÕES DO SÉCULO XX

Tradução:
Elpídio Mário Dantas Fonseca

_[_
VIDE EDlTORJAL
SUMÁRIO

Prefácio ................................................................................ 11

Prólogo: Ditadores totalitários e húbris ideológica .............. 19


O enigma do totalitarismo ............................................... 29
StáJin, Hitler e a apoteose do terror ................................. 31
Ideologia e intencionalidade ............................................ 36

Capítulo 1: Radicalismo utópico e desumanização ............ 45


A mutação leninista .........................................................4 7
O mito do partido predestinado ...................................... 52
O Livro Negro do Comunismo e seu impacto ................. 62
Construindo o inimigo ..................................................... 74
Argumentos de comparação ............................................ 78

Capítulo 2: A pedagogia diabólica e a (i)lógica do


Stél)i11is1110 ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ~~

Capítulo 3: O século de Lênin - Bolchevismo,


marxismo e a tradição russa .......................... 149
A violência e a busca da comunidade perfeita ................ 150
Sonhos marxistas, experimentos leninistas ..................... 15 3
O misticismo do Partido ............................................... 159
O radicalismo ilimitado de Lênin ................................... 165
Mitologias redentoras .................................................... 169
Retorno a Lênin? ........................................................... 181
Bolchevismo como messianismo político ....................... 190
Capítulo 4: A dialética do desencantamento - Marxismo
e decadência ideológica nos regimes leninistas .. 203
.
O llllf)ll lS() \lt'C>{>lC.()
. ••••••• ••••.••• •••.••••••••••••.•••••••••• ••••••••••••••• 208

Stalinismo como mito político ...................................... 211


O monólito quebrado ..................... ;.............................214
A saga do revisionislllo ....... ........................................... 217
Ufll Il()V() ~~l() ................................................................ 2~~
Humanismo e revolta ............................................... ..... 230
O Tsar revisionista ..... .. ............................ ................... ... 23 5
O que resta .................. ....................... .. ...... ...... ............. 250

Capítulo 5: Ideologia, utopia e verdade - Lições da


Europa oriental .............................................. 25 9
O magnetismo duradouro da utopia .............................. 261
O naufrágio da utopia ................................................... 274
O destino de uma religião política ................................. 283
Reinventando a política ................................................. 290
Espectros do nacionalismo ............................................. 29 8

Capítulo 6: Doença e ressentimento - Ameaças à


democracia nas sociedades pós-comunistas .... 307
Annus mirabilis 1989 .................................................... 309
Esperanças e desilusões .................................................. 313
Política e moralidade ..................................................... 321
Paradoxos pós-comunistas............................................. 330
Significados, antigos e novos .......................................... 34 9

Conclusões ........................................................................ 3 5 3

N'<>t~s ................................................................................. ~()~

'Ín.dice ReDlissivo .................................................................4 55


Em memória de Tony ]udt,
Leszek Kolakowski e Robert C. Tucker,
notáveis eruditos e nobres intelectuais,
cujos escritos inspiraram muitas
refiexões neste livro.
"]e crois que l'histoire universelle,
l'histoire de l'homme, est inimaginable
sans la pensée dia bolique, sans un
dessein démoniaque" . 1 (E. Cioran)
PREFÁCIO

Este é um livro acerca de paixões políticas, radicalis-


mo, idéias utópicas e suas conseqüências catastróficas nos
experimentos de engenharia social em larga escala do sé-
culo XX. Mais precisamente, é uma tentativa de mapear
e explicar o que Hannah Arendt chamou "as tempestades
ideológicas" de um século sem igual em violência, húbris,
crueldade e sacrifícios humanos. Comecei a pensar nessas
questões, adolescente na Romênia comunista, quando tive
a oportunidade de ler uma cópia, que circulava clandesti-
namente, do romance Darkness at Noon, de Arthur Ko-
estler. Nasci depois da Segunda Guerra Mundial, de pais
revolucionários, que tinham abraçado os valores comunis-
tas anti-fascistas de antes da Guerra. Tinham lutado nas
Brigadas Internacionais na Guerra Civil Espanhola, onde
meu pai perdeu o braço direito, aos vinte e quatro anos,
na batalha do rio Ebro; minha mãe - uma estudante de
medicina - trabalhava como enfermeira. Cresci ouvindo
inumeráveis conversas acerca das principais figuras do co-
munismo mundial, assim como das atrocidades stalinistas.
Nomes como Palmiro Togliatti, Rudolf Slánsky, Maurice
Thorez, Josip Broz ·Tito, Ana Pauker ou Dolores Ibarruri
freqüentemente ·eram sussurrados durante as conversas à
mesa de jantar.
Mais tarde, como estudante de sociologia na Univer-
sidade de Bucareste, desprezei os apelos oficiais para
desconfiar da "ideologia burguesa" e fiz o máximo para

II
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

deitar a mão em livros proibidos de Milovan Djilas, Karl


Jaspers, Hannah Arendt, Raymond Aron, Isaiah Berlin,
Karl Popper, Leszek Kolakowski e outros pensadores anti-
-totalitários. Confrontado com as tolices grotescas do co-
munismo dinástico de Nicolae Ceau~escu, dei-me conta de
que estava vivendo num regime totalitário governado por
um líder paranóico que exercia controle absoluto sobre
a população, através do Partido Comunista e da polícia
secreta. Foi por essa razão que me tornei vivamente inte-
ressado nas tradições ocultas do Marxismo Ocidental e da
tentativa dos teóricos da Escola de Frankfurt de reabilitar .
a subjetividade. Minha dissertação de doutorado, defen-
dida em 1980, intitulava-se Revolução e Razão Crítica:
A Teoria Política da Escola de Frankfurt e o Radicalismo
de Esquerda contemporâneo. Dos escritos de Theodore W.
Adorno, Walter Benjamin, Erich Fromm, Max Horkhei-
mer e Herbert Marcuse aprendi acerq1 das tribulações da
negatividade na era da administração total e da inesca-
pável alienação. Li Georg Lukács, Karl Korsch e Anto-
nio Gramsci, e encontrei em suas idéias (especialmente em
seus primeiros escritos) um antídoto contra o otimismo
irrefletido do marxismo-leninismo.
Embora a Romênia fosse um estado socialista dedica-
do aos dogmas marxistas e, portanto, ostensivamente de
esquerda, o partido governante começou, especialmente
depois de 1960, a abraçar temas, motivos e obsessões da
extrema-direita do interbélico. Quando Nicolae Ceau~es­
cu subiu ao poder em 1965, ele exacerbou essa tendên-
cia, e a ideologia passou a misturar um leninismo residual
com um fascismo inconfessado, mas inconfundível. Este
era apenas um paradoxo aparente. Anos mais tarde, quan-
do li a magistral biografia que Robert C. Tucker escreveu
acerca de Stálin, fiquei surpreso com sua brilhante análi-
se do "bolchevismo de extrema-direita". Como no caso

12
PREFÁCIO

da União Soviética depois de 1945, ou da Polônia duran-


te os últimos anos do governo de Wladislaw Gomulka,
com a subida ao poder da facção ultra-nacionalista dos
Partidários chefiada pelo ministro do interior, o general
Mieczyslaw Moczar, o regime comunista romeno estava-
-se tornando cada vez mais idiossincrático, xenofóbico
e anti-semita. Quando publiquei minha História do Co-
munismo Romeno em 2003, cunhei um termo para essa
hibridização: nacional-stalinismo. Durante todos esses
anos pensei nas afinidades profundas entre movimentos
e ideologias aparentemente incompatíveis. Cheguei à con-
clusão de que, em tempos de desordem cultural e moral,
o comunismo e o fascismo podem fundir-se numa síntese
barroca. Comunismo não é fascismo, e fascismo não é co-
munismo. Cada experimento totalitário teve seus atribu-
tos irredutíveis, mas compartilharam algumas das fobias,
obsessões e ressentimentos que puderam gerar alianças
tóxicas, como o Pacto nazi-soviético de agosto de 1939.
Ademais, sua proximidade geográfica permitiu o desen-
volvimento de práticas genocidas entre 1930 e 1945 no
que Timothy Snyder chamou os "campos de sangue", que
tiraram a vida de aproximadamente 14 milhões de pesso-
as. Este desastre começou com a guerra de Stálin contra
os camponeses, especialmente na Ucrânia, e culminou no
horror absoluto do Holocausto.
Este é um livro acerca da encarnação de princípios dia-
bolicamente niilistas da subjugação humana e do condi-
cionamento em nome de fins supostamente puros e puri-
ficadores. Não é um tratado histórico (embora a história
esteja presente em cada página), mas, ao contrário, uma
interpretação político-filosófica de como aspirações utópi-
cas maximalistas podem levar aos pesadelos dos campos
soviéticos e nazistas, personificados por Kolyma e Aus-
chwitz. Discuto as principais similaridades, as distinções
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

notavelmente irredutíveis e as reverberações contemporâ-


neas dessas tiranias totalitárias. Examino também a des-
radicalização de regimes de estilo soviético, a exaustão do
fervor religioso e a ascensão de expressões de percepções
democráticas alternativas, orientadas civicamente. O pro-
pósito deste livro é prover os leitores (estudantes, jorna-
listas, historiadores, cientistas políticos, filósofos e um
público geral) com algumas conclusões acerca da época
cataclísmica que nenhumas palavras poderiam captar tão
precisamente e tão perturbadoramente como os quadros
do artista alemão Anselm Kiefer. Como essas telas, o sécu-
lo XX deixou para trás uma paisagem cheia de cadáveres,
ilusões desfeitas, mitos falhos, promessas traídas, e memó-
rias mal digeridas.
Muitas das idéias do livro foram discutidas com meu
falecido amigo, o grande historiador Tony Judt. Também
tive o privilégio de envolver-me em conversas com um
dos mais sagazes analistas do marxismo e do comunismo
soviético, Robert C. Tucker. Tanto Judt como Tucker en-
fatizaram o papel importantíssimo das idéias na história
e alertaram contra qualquer tipo de determinismo posi-
tivista. Ensinaram acerca da fragilidade dos valores libe-
rais e da obrigação de não desistir, e sim, ao contrário,
de continuar a lutar por eles contra todas as probabili-
dades. O pensador polonês Leszek Kolakowski, descrito
freqüente e corretamente como o filósofo do Solidarieda-
de, também teve uma influência fundamental na formação
de minhas idéias. Fui o primeiro a traduzir um ensaio de
Kolakowski para o romeno no final dos anos de 1980,
no jornal cultural alternativo Agora, publicado nos Esta-
dos Unidos, editado pelo poeta dissidente Dorin Tudoran
e distribuído ilegalmente na Romênia. Mandei uma cópia
para Leszek Kolakowski, que me respondeu com uma car-
ta maravilhosa, dizendo que, embora não lesse romeno,
PREFÁCIO

podia entender, empregando seu latim e francês, a minha


breve introdução. Um dos maiores projetos que empre-
endi na Romênia pós-comunista foi coordenar a publica-
ção de uma tradução de sua trilogia magistral acerca das
principais correntes do marxismo. Ninguém apanhou me-
lhor do que Kolakowski a presença aterradora do diabo
nos experimentos totalitários do século XX. Todos os três
esperavam que a humanidade assimilasse algumas lições
dessas catástrofes. Dedico este livro à memória desses três
eruditos notáveis.
Tal síntese não pode ser conseguida em poucos anos.
Excessivamente otimista, assinei um contrato com a Edi-
tora da Universidade da Califórnia, em 2004, convencido
de que terminaria o livro no final de 2005. Então me dei
conta de que havia ainda muitíssimas questões sobre as
quais eu precisava refletir. Nos anos seguintes envolvi-me
no esforço institucional de analisar a ditadura comunis-
ta na Romênia. Conheci pormenores aterradores acerca
das tecnologias stalinistas de destruição empregadas pelos
comunistas romen9s. O trabalho para este livro começou
em 2001, quando Tony Judt me ofereceu a possibilidade
de passar um mês no Remarque Institute, na Universidade
de Nova Iorque, onde apresentei uma palestra acerca de
tópicos diretamente relacionados a este livro, focalizando
as polêmicas francesas acerca do Livre Noir du Commu-
nisme. Continuei minha pesquisa em junho de 2002 como
bolsista por um mês no Instituto de Ciências do Homem
(IWM) em Viena. Em janeiro de 2003, fui bolsista no Ins-
tituto de Humanidades da Universidade de Indiana, onde
dei uma palestra acerca da tentação totalitária e me bene-
ficiei dos comentários cheios de iluminações de Jeffrey c.
Isaac. Em 2008-2009, como bolsista no Woodrow Wil-
son International Center for Scholars, dirigi uma pesquisa
acerca do radicalismo utópico do século XX assim como

15
O D IABO NA H ISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

a justiça moral na Romênia pós-comunista. Beneficiei-


-me dos excepcionais talentos de pesquisa de meus dois
assistentes, Eliza Gheorge e Mark Moll. Continuaram a
aparecer livros que me inspiraram a repensar algumas das
hipóteses prévias, incluindo o livro inovador de Robert
Gellately, Lenin, Stalin, Hitler: The Age of Social Catas-
trophe (2007), que recenseei no admirável jornal Kritika.
Outro livro importante foi Beyond Totalitarianism (2009),
editado por Sheila Fitzpatrick e Michael Geyer. Em abril
de 2009, Timothy Snyder convidou-me para participar do
seminário "Hitler and Stalin: Comparisons Renewed ",
na Universidade de Yale, onde troquei pontos de vista
com alguns eruditos notáveis, incluindo Saul Friedlander,
Norman Naimark, Lynne Viola, e Amir Weiner. Ao longo
desses anos, com sua maneira gentilmente encorajadora,
Stanley Holwitz, que editara soberbamente meu Stalinism
for Ali Seasons pela Editora da Universidade da Califórnia
(2003 ), continuou a inquirir acerca do status do manuscri-
to. Continuei tranquilizando-o de que não me esquecera
dele. Na verdade, tinha continuado a pensar apenas nele,
e em março de 2010 dei uma palestra na Universidade da
Califórnia em Berkley, intitulada "O Diabo na História",
que apresentava as idéias publicadas aqui no prólogo. Se-
guindo essa apresentação, tive longas discussões com os
· historiadores John Connelly e Yuri Slezkine, que me ofe-
receram sugestões provocadoras.
Finalmente, em fevereiro de 2011, estava completo o
manuscrito. Enviei-o para Niels Hooper da Editora da
Universidade da Califórnia, o qual mostrou interesse no
projeto. Recebi duas recensões muito perspicazes de dois
pares e segui muitas das sugestões dos recenseadores, espe-
cialmente para enfatizar a natureza peculiar da adoração
bolchevique ao partido, as conexões entre Marx e Lênin, e
o entusiasmo ainda assombroso de intelectuais importan-

r6
PREFÁCIO

tes pela utopia comunista. Desenvolvi muitas idéias inclu-


ídas neste livro em artigos publicados desde 2005 nas pá-
ginas de Times Literary Supplement assim como ensaios
para o excelente mensário romeno Idei in dialog, editado
pelo brilhante filósofo Horia-Roman Patapievici.
Esta realização não teria sido possível sem o empenho
entusiasmado e pesquisa criativa of~recidos por Bogdan
Cristian Iacob, um estudante de graduação na Central
European University (defendeu sua dissertação em junho
de 2011 ), que se tornou meu mais próximo colaborador
em 2007. Quero expressar meus agradecimentos cordiais
a todos os que, ao longo desses anos, têm sido meus par-
ceiros participantes neste empreendimento. Primeiro e
acima de tudo, expresso minha gratidão a minha mulher,
Mary Sladek, e a meu filho, Adam Volo Tismãneanu, com
os quais tive conversas intermináveis acerca dos monstros
totalitários e seus legados. Mary leu vários esboços deste
livro e ofereceu sugestões perspicazes. Em várias ocasiões,
Adam pediu-me para explicar as similaridades e diferen-
ças entre Hitler e Stálin. Como muitos de nós, ele ainda
se pergunta quem foi pior. Entre os amigos intelectuais
e colegas cujas idéias e sugestões me ajudaram a moldar
minhas próprias interpretações e que sem dúvida merecem
menção, incluindo alguns que já morreram, incluem-se
Bradley Abrams, Drago~ Paul Aligicã, Cãtãlin Avramescu,
Matei Cãlinescu, Daniel Chirot, Aurelian Craiutu, John
Connelly, Michael David-Fox, Karen Dawisha, Ferenc
Fehér, Dan Gallin, Pierre Hassner, Agnes Heller, Jeffrey
Herf, Paul Hollander, Dick Howard, Charles Gati, Irena
Grudzinska-Gross, Jan T. Gross, Jeffrey C. lsa~c, Constan-
tin Iordachi, Ken Jowitt, Tony Judt, Bart Kaminski, Gail
Kligman, Mark Kramer, Claude Lefort, Gabriel Liiceanu,
Mark Lichbach, Monica Lovinescu, Steven Lukes, Daniel
Mahoney, Adam Michnik, Mircea Mihãie~, Iulia Motoc,

17
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Vlad Mure~an, Mihail Neamtu, Virgil Nemoianu, Martin


Palous, Horia-Roman Patapievici, Marta Petreu, Andrei
Ple~u, Cristian Preda, Ilya Prizel, Saskia Sassen, Marci
Shore, Timoty Snyder, Vladimir Solonari, Ioan Stanomir,
Radu Stern, Valeriu Stoica, Mihai ~ora, Gale Stokes, Ro-
bert C. Tucker, Cristian Vasile, Christina Zarifopol-Illias,
Viktor Zaslavsky, Vladislav Zubok, Annette Wieviorka.
Agradecimentos especiais para meus alunos de graduação
na Universidade de Maryland, que foram parceiros no-
táveis de diálogo durante os seminários acerca do mar-
xismo, bolchevismo, fascismo, nazismo e os sentidos do
radicalismo político.
10 de outubro de 2011.

18
PRÓLOGO
DITADORES TOTALITÁRIOS E
HÚBRIS IDEOLÓGICA

Quando empreguei a imagem do Inferno, não quis fazê-


/o alegórica mas literalmente: parece bastante óbvio que
os homens que perderam a fé no Paraíso não serão capazes
de estabelecê-lo na terra; mas não é tão certo que os que
perderam a fé no Inferno como um lugar da vida futura não
possam estar querendo e sendo capazes de estabelecer na terra
imitações exatas do que as pessoas costumavam crer acerca
do Inferno. Neste sentido acho que uma descrição dos campos
de concentração como Inferno na terra é mais "objetiva", ou
seja, mais adequada à essência deles do que afirmações de
natureza puramente psicológica ou sociológica.
-Hannah Arendt, Essays on Understanding

Nenhum século testemunhou e documentou tanto so-


frimento atroz, ódio organizado e violência devastadora
como o século XX. Os campos de concentração represen-
taram a humilhação última dos seres humanos, a destrui-
ção de sua identidade, sua desumanização inescapável e
sua aniquilação em massa. Nem o comunismo nem o na-
zismo podem ser entendidos sem levar em consideração
o papel central do que Albert Camus chamou certa vez
de l'univers concentrationnaire. Em seu Livro If This Is a
Man, escreveu o escritor italiano e sobrevivente de Aus-
chwitz, Primo Levi:
Talvez não seja possível compreender, na verdade talvez
não se devesse sequer tentar, já que compreender é quase
perdoar. Deixai-me explicar: "compreender" uma intenção e

19
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

ação humanas significa (mesmo etimologicamente) contê-la,


conter seu perpetrador, pondo-nos em seu lugar, identificando-
nos com ele. Agora, nenhuma pessoa normal poderia sequer
identificar-se com Hitler, Himmler, Goebbels, Eichmann, e
inumeráveis outros. Embora isso nos apavore, é também um
alívio já que é desejável que as palavras deles (e, ai de nós,
seus atos) ficassem para além de nossa compreensão. Estas
palavras e atos são inumanos, na verdade, anti-humanos, sem
precedente histórico e mal comparáveis às manifestações mais
cruéis da luta biológica pela existência.2

Na Romênia stalinizada entre 1949 e 1951, aconteceu


uma experiência diabólica, destinada a transformar os
seiscentos prisioneiros da penitenciária de Pite~ti (todos
estudantes presos por atividades anti-regime reais ou ima-
ginadas) em "homens novos". O método, aparentemente
inspirado pelos ensinamentos do pedagogo soviético An-
ton Malarenko tais como adotados pela polícia secreta na
União Soviética e seus satélites, deveria fazer das vítimas
seus próprios torturadores e, assim, "educadores". Uma
falange de colaboradores do regime, chefiadas por um
ex-fascista, preso em 1948 por acusações de ter mentido
acerca de seu passado, envolveu-se em brutalidades bár-
baras indizíveis contra seus companheiros de prisão, que
experimentaram dois níveis de transformação: a reeduca-
ção externa e a interna, quando a vítima se transformava
num torturador. Havia apenas duas possibilidades para
os prisioneiros: tornarem-se cúmplices ou morrerem sob
condições horrorosas. Na verdade, como disse um dos
pouquíssimos sobreviventes deste experimento sórdido,
havia uma terceira possibilidade: ficar louco.
O que aconteceu nos campos de concentração nazistas
e comunistas (Pite~ti foi, para todos os propósitos prá-
ticos, uma instituição assim) quase destruiu as caracte-
rísticas da humanidade como a compaixão, a razão e a
solidariedade. 3 O historiador Timothy Snyder concluiu

20
PRÓLOGO

soberbamente sua obra essencial Bloodlands, afirmando


que "os regimes nazista e soviético transformaram pesso-
as em números [... ].Cabe a nós, humanistas, transformar
de novo números em pessoas".4 A base desses horrores
era a convicção de que seres humanos podem tornar-se
sujeitos de engenharia social radical, conduzida por de-
fensores auto-apontados da felicidade universal. Parafra-
seando um historiador, o século XX tornou-se destrutivo
assim que "a presunção historicamente auto-consciente de
que a contingência abunda e tem de ser domada, de que
o caos está prestes a assumir o controle e tem de ser ne-
gociado, de que se pode desenhar a sociedade e fazer-se a
revolução" 5 se converteram na justificação para sacralizar
o político e convertê-lo num substituto das religiões tradi-
cionais. Este livro é um ensaio abrangente e comparativo
acerca das origens intelectuais, dos crimes, do fracasso dos
movimentos totalitários radicais que assolaram o século
passado: o comunismo e o fascismo. Portanto, ele parte da
premissa de que nesta "era dos extremos" (Hobsbawn) a
questão do mal é a questão fundamental. 6
Para o filósofo polonês Leszek Kolakowski, o bolche-
vismo e o fascismo representaram duas encarnações da
presença desastrosa do diabo na história: "O diabo [...]
inventou estados ideológicos, ou seja, estados cuja legiti-
midade é fundada no fato de seus proprietários serem pro-
prietários da verdade. Se te opões a tal estado ou a seu sis-
tema, és um inimigo da verdade". 7 Ambos os movimentos
pretenderam purificar a humanidade de agentes de cor-
rupção, decadência e dissolução e restaurar uma unidade
da humanidade supostamente perdida (excluindo, é claro,
os considerados sub-humanos, inimigos sociais e raciais).
Para os comunistas, o demônio era representado pela pro-
priedade privada, pela burguesia, pelos sacerdotes, pelos
culaques. Os nazistas identificavam o "piolho" judeu, o

21
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIM IR TISMANEANU

"bolchevismo judaico", a "plutocracia judaica", e o mar-


xismo como as fontes de todas as calamidades. O fascismo
(e sua versão radical, o nazismo) eram categoricamente
anti-comunistas. Nos anos de 1930, o stalinismo fez do
anti-fascismo um pilar de sua propaganda, seduzindo in-
telectuais e galvanizando movimentos de resistência por
todo o mundo. Na verdade, na ausência da retórica an-
ti-fascista, é difícil imaginar o stalinismo tornando-se um
ímã tão extraordinário para indivíduos, quanto ao mais,
inteligentes e razoáveis. Essas pessoas estavam convenci-
das de que, ao apoiar os Frontes Populares, especialm.ente
durante a Guerra Civil Espanhola, estavam opondo-se à
barbárie nazista. A máquina de propaganda da Interna-
cional Comunista defendia os direitos humanos contra as
atrocidades abomináveis perpetradas pelos nazistas, ocul-
tando o fato de, até 1939, a maior parte dos crimes na
Europa terem sido de fato cometidos pelos stalinistas na
URSS. 8
Ambos os movimentos dos partidos revolucionários
execravam e denunciavam o liberalismo, a democracia e
o parlamentarismo como degradações da verdadeira po-
lítica, que transcenderia todas as divisões através do es-
tabelecimento de comunidades perfeitas (definidas como
unificadas sem classe ou racialmente). Fundamentalmente
ateus, assim o comunismo como o fascismo organizaram
seus objetivos políticos em discursos de suposta emanci-
pação, agindo como religiões políticas destinadas a livrar
o indivíduo das imposições da moralidade e legalidade
tradicionais. 9 Para empregar a terminologia do pensador
político italiano Emilio Gentile, ambos foram formas de
uma sacralização da política de um caráter exclusivo e
integralista que rejeitava a "coexistência com outras ide-
ologias políticas e movimentos", negava "a autonomia
do indivíduo com respeito a·o coletivo", prescrevia "a oh-

22
PRÓLOGO

servância obrigatória de [seus] comandos e participação


em [seu] culto político", e santificava "a violência como
uma arma legítima da luta contra os inimigos, e como um
instrumento de regeneração" . 10 No universo desses movi-
mentos políticos, o mal levava o nome daqueles que recu-
savam, rejeitavam, ou não estavam capacitados para a ilu-
minação entregue pelos evangelhos infalíveis dos partidos.
No caso do totalitarismo de esquerda, o historiador Igal
Halfin apresenta uma formulação excelente: "A apoteose
da história comunista - a humanidade de mãos dadas e
marchando em direção ao paraíso sem classes - não pode
ser dissociada da tentativa sistemática de Stálin de elimi-
nar os que alcançaram a fonte marxista, mas se recusaram
a dela beber" .11 Ora, voltando ao nazismo, para Hitler, os
judeus encarnavam o mal simplesmente porque, para ele,
estavam abaixo do nível da humanidade. Eram simultane-
amente covardes e onipotentes, capitalistas e comunistas,
pomposos e insidiosos, e assim por diante. Depois de ver
com Goebbels o assim chamado documentário "O Judeu
Eterno", uma propaganda abominavelmente crua, o dita-
dor alemão concluiu que "eles já não são seres humanos.
São animais. Então não é uma tarefa humanitária, mas
cirúrgica. De outro modo a Europa perecerá pela doença
judaica" .12
Não são suficientes explanações psicológicas ou psico-
patológica para esses regimes criminosos únicos. Embora
Stálin e Hitler fossem levados incontroversamente por im-
pulsos de exclusão e de extermínio paranóides, seria difícil
considerar Lênin um indivíduo desequilibrado mentalmen-
te. De fato, mesmo um crítico confiável do bolchevismo
como o filósofo existencialista Nikolai Berdiaev viu Lênin
como uma personalidade paradoxal, um anti-democrata,
um revolucionário neo-jacobino, no entanto, um indivíduo
humano, animado por uma sede de igualdade e mesmo

23
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

uma paixão pela liberdade. Ademais, um dilema adicio-


nal que assombra qualquer tentativa de compreensão dos
horrores do século XX está na dificuldade de investigar
"o nível da devassidão patológica aceitável, aprovada e
sustentada pelas massas de pessoas - incluindo pessoas
muito inteligentes - e vindo a ser considerada como prá-
tica normal e justificável" . 13 Aqui está onde se torna vital
a compreensão da paixão revolucionária do fascismo e do
comunismo. É o espírito da transformação e renovação
radicais que mobilizou as massas que levaram avante am-
bos os movimentos ao longo de sua existência. Fascismo
e comunismo fç>ram encarnações ou materializações de
"uma experiência revolucionária de estar no topo da his-
tória e mudar-lhe, com iniciativa, o curso, livre das coer-
ções do tempo 'normal' e da moral 'convencional"' .14 Am-
bos nasceram nos escombros da Primeira Guerra Mundial
na Europa, que parece ter entrado numa nova era onde a
política tivesse de ser radicalmente redefinida em direção
do nascer glorioso das novas civilizações de esquerda ou
de direita.
De fato, começou mais cedo a catástrofe, na visão apo-
calíptica bolchevique de uma quebra sem precedentes de
todos os valores e tradições liberais, incluindo o ethos plu-
ralista da democracia social internacional. Indo além das
comparações estabelecidas entre Hitler e Stálin, o histo-
riados Robert Gellately trouxe Lênin de volta à história
dos movimentos totalitários políticos como o verdadeiro
arquiteto da ditadura bolchevique, o verdadeiro fundador
do sistema de Gulag, um ideólogo ardente convencido de
que seu partido de vanguarda (uma invenção política re-
volucionária que estilhaçou a práxis da democracia social
internacional) foi encarregado por uma história, definida
quase misticamente, de obter-lhe os fins e tornar a huma-
nidade feliz para sempre, não importa a que custos. Em

24
PRÓLOGO

verdade, foram aterradores os custos, desafiando nossa


capacidade de representação. A mistura de fanatismo ide-
ológico com ressentimentos corrosivos explica as ambi-
ções destrutivas de Lênin. Lênin não foi apenas o funda-
dor da propaganda política, o sacerdote supremo de uma
nova eclesiologia do partido infalível onisciente, mas tam-
bém o demiurgo do sistema do campo de concentração e o
apóstolo do terror universal. Um verdadeiro bolchevique,
Martin Latsis, um dos líderes da Cheka, disse em 1918:
"Não estamos fazendo guerra contra pessoas individuais.
Estamos exterminando a burguesia como classe. Durante
a investigação, não procuramos provas de que o acusa-
do agiu em atos ou palavras contra o poder soviético. As
primeiras perguntas que tens de fazer são: a que classe
pertence ele? Qual é sua origem? Qual é sua educação e
profissão? E são estas perguntas que devem determinar a
sorte do acusado" .15
De modo similar, Hitler via a guerra com a União So-
viética e as democracias ocidentais como uma cruzada
ideológica destinada a destruir totalmente o inimigo desu-
manizado ideologicamente. 16 Gellately cita as recordações
de um dos secretários de Hitler: "Venceremos esta guerra,
porque lutamos por uma idéia, e não pelo capitalismo ju-
deu, que dirige os soldados de nossos inimigos. Apenas
a Rússia é perigosa, porque a Rússia luta com o mesmo
fanatismo que nós por seu ponto de vista. Mas o bem será
o ,vencedor, e não há mais nada que fazer" .17
O bolchevismo não pode ser entendido sem se reconhe-
cer o papel primordial de Lênin. Sem Lênin, não teria ha-
vido nenhum bolchevismo. Stálin foi de fato o beneficiário
de um sistema que Lênin imaginara e desenvolvera. Na
ausência da ideologia desenvolvida por Lênin, esses regi-
mes teriam permanecido tiranias tradicionais. 18 Na ver-
dade, como enfatizou o sociólogo Daniel Chirot, lidamos
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

com dois tipos de regimes despóticos: tiranias de corrup-


ção (as tradicionais) e tiranias de certezas, baseadas na hú-
bris ideológica.19 Foi o pretexto ideológico, a convicção de
que ele estava cumprindo uma missão histórica grandiosa
que fez Lênin envolver-se em sua tentativa incessante de
transformar radicalmente a sociedade. Em suas pegadas,
Stálin perseguiu a mesma agenda de transformar tudo: a
natureza, a ciência, a linguagem, tudo tinha de ser subor-
dinado ao fim sacrossanto. O mesmo ardor ideológico,
impérvio à dúvida e ao auto-questionamento, motivou as
visões alucinantes de Hitler acerca da guerra racial glo-
bal. 2°Como demonstrou Arthur Koestler há muito tempo,
os movimentos totalitários desconsideram e desprezam
os absolutos morais: "Desde a segunda metade do século
XIX nossos freios éticos foram cada vez mais negligen-
ciados até que o dinamismo totalitário fez o motor ficar
maluco. Temos de pisar no freio ou colidiremos" .21
A despeito de sua pretensão de transcender a alienação
e reabilitar a dignidade humana, o comunismo era esté-
ril moralmente, ou, nas palavras de Steven Lukes, sofria
de cegueira moral. 22 Uma vez que subordinou a noção de
bem aos interesses do proletariado, o comunismo anulou
a universalidade das normas morais. Pode-se dizer o mes-
mo acerca do fascismo, com sua exaltação das virtudes
tribais primevas e completa desconsideração pela humani-
dade comum de todos os seres humanos. Ambos subscre-
veram ao estado sua própria moralidade, garantindo-lhe
apenas o direito de definir o significado e fim último da
existência humana. O estado ideológico tornou-se o valor
supremo e absoluto dentro do arcabouço de uma doutrina
escatológica da revolução. Os horrores que definiram o sé-
culo passado foram então possíveis por causa de uma "in-
versão moral": "Os crimes do estado [foram] entendidos
nao como cnmes, mas como precauçoes necessanas para
- 1 - ,; •
PRÓLOGO

prevenir maior injustiça" .23 Através do culto da unidade


absoluta ao longo do caminho até a salvação pelo conhe-
cimento da história, assim o comunismo como o fascis-
mo produziram projetos sociais e políticos novos e totais,
centrados na purificação do corpo das comunidades que
se tornaram presas desses feitiços ideológicos. Os novos
homens ou mulheres produzidos por esses movimentos
deixaram para trás seus "pequenos egos, contorcendo-se
com medo e raquitismo", pois tinham renunciado ao que
o escritor proletário Maxim Gorki chamava desesperada-
mente a "farsa da individualidade" .24 Ora, como declarou
certa vez um antigo membro do Partido Comunista Ale-
mão: "Um homem que lutou sozinho nunca pôde vencer;
os homens têm de estar juntos e lutar juntos e fazer a vida
melhor para todos os envolvidos em trabalho útil. Têm
de lutar com todos os meios à sua disposição, não recu-
ando diante de nenhuma ação, se ela ajudar a causa, não
concedendo tréguas até que a revolução tenha triunfado. 25
Pode-se encontrar uma afirmação incontestavelmente si-
milar no primeiro romance do chefe de propaganda na-
zista Joseph Goebbels, Michael: Um destino alemão: "O
que formou o alemão moderno não foi tanto o engenho
e o intelecto quanto o novo espírito, a vontade de tor-
nar-se um com o povo, de devotar-se e sacrificar-se a ele
prodigamente" .26 Na verdade, os tempos clamavam pela
dissolução do individual num coletivo heróico, construído
nos escombros de uma modernidade que foi declarada de-
funta. Ou da esquerda ou da direita, os horrores do século
XX aconteceram tão logo "movimentos de revitalização
modernista" (nas palavras de Roger Griffin) se tornaram
programas de estado completos de engenharia social.
A avalição impenitente do Grande Terror feita pelo anti-
go carrasco e íntimo de Stálin, Vyacheslav Molotov, exem-
plifica a nova dinâmica entre o poder e a moralidade: "É
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

claro que houve excessos, mas tudo era admissível, do meu


ponto de vista, por causa do objetivo principal - manter o
poder de estado.[...] Nossos erros, incluindo os erros cru-
éis, eram justificados" .27 Uma vez que esses movimentos
políticos construíram suas visões de modernidade no prin-
cípio de uma comunidade purificada e escolhida, cruzando
o deserto da história, da escuridão para a luz, só poderia
haver uma soluçã~ para aqueles que falharam em con-
cordar com esses critérios de inclusão: a excisão. 28 Como
era de se esperar, o mesmo Molotov explicava a opressão
das famílias dos expurgados, executados, deportados ou
assassinados como ação profilática: "Elas tiveram de ser
isoladas. De outro modo, teriam espalhado todo tipo de
reclamações, e a sociedade teria sido infectada por certa
quantidade de desmoralização".29 Do mesmo modo, em
1926, Yemelyan Yaroslavsky, um historiador oficial bol-
chevique e confidente de Joseph Stálin, justificou os ex-
purgos decididos na XVI Conferência do Partido (abril de
1929) como um método de proteger "da 'degeneração' as
células do partido e o organismo soviético" .30
Tal retórica patologizante acerca do corpo político era
pouco diferente da empregada por Himmler em seu dis-
curso aos líderes da SS em Posen, em outubro de 1943. O
Reichsführer-SS descrevia as políticas nazistas como ex-
termínio de "uma bactéria, porque não queremos, afinal,
ser infectados pela bactéria e morrer dela. Não verei apa-
recer ou ganhar força aqui nenhuma pequena área de sep-
ticemia. Onde quer que se forme, nós a cauterizaremos" .31
Parafraseando o historiador italiano Gaetano Salvemini,
assim o fascismo como o comunismo decidiram que ti-
nham encontrado a chave para a felicidade, virtude e infa-
libilidade, e, ao aplicá-la a sociedades específicas, estavam
preparados para matar.
PRÓLOGO

O enigma d'o totalitarismo


Aqui está a essência e mistério das experiências tota-
litárias do século XX: "A rejeição completa de todas as
barreiras e todas as restrições que a política, a civilização,
a moralidade, a religião, os sentimentos naturais de com-
paixão e as idéias universais de fraternidade construíram a
fim de moderar, reprimir ou sublimar o potencial humano
para a violência coletiva ou individual" .32 As similarida-
des reais entre os experimentos comunista e fascista (opa-
pel crucial do partido, a preeminência da ideologia, a po-
lícia secreta ubíqua, a fascinação com a tecnologia, o culto
frenético do "Homem Novo", a celebração quase-religiosa
do líder carismático) não devem turvar distinções significa-
tivas (sendo uma a ausência, no nazismo, de julgamentos-
-espetáculos ou expurgos intrapartidários permanentes).
No entanto, o historiador Eugen Weber observou judicio-
samente que "a distinção entre fascismo e comunismo é
relativa, e não absoluta; dinâmica, e não fundamental".
Sob essas circunstâncias, não se pode evitar fazer as mes-
mas perguntas que Weber: "Não é esta similaridade fun-
damental entre credos e sistemas totalitários ao menos tão
importante quanto seus pontos de vista?" .33 Este livro en-
volve-se num diálogo com as contribuições mais influentes
a estas questões morais e políticas urgentes. O século XX
foi empesteado por polarizações ideológicas agonizantes,
cujos efeitos continuam a assombrar nossos tempos.
Concordo com o cientista político Pierre Hassner que,
a despeito das diferenças entre stalinismo e nazismo, afir-
ma que sua característica comum fundamental e definido-
ra foi seu frenesi genocida. Ou, para empregar a formula-
ção de Sheila Fitzpatrick e Michael Geyer: "O fenômeno
do Gulag como uma manifestação da violência do estado
soviético e o holocausto como o lugar central do terror

29
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

nazista transmitem a mensagem inequívoca de que os dois


regimes eram fundados no genocídio [grifo meu]". 34 Por
outro lado, assim o stalinismo como o nazismo procu-
ravam "inimigos objetivos" e operavam com noções de
culpa coletiva, ou mesmo genética. Obviamente, a visão
bolchevique estigmatizava "pecados" políticos, ao passo
que a Weltanschauung nazista reificava . Em sua saudação
enormemente significativa de 7 de novembro de 1937, por
ocasião do vigésimo aniversário do golpe bolchevique,
como lembrado pelo líder da Comintern Georgi Dimitrov
e no diário de Stálin, um discurso destinado a ser conheci-
do apenas pelos altos membros do partido e pela elite do
Comissariado do Povo para Assuntos Internos (NKVD ),
disse Stálin:
"Quem quer que tente destruir a unidade do estado
socialista, quem quer que procure a separação de qualquer
de suas partes ou nacionalidades - esse homem é um inimigo,
um inimigo jurado dos povos da URSS. E destruiremos cada
um desses inimigos, mesmo se ele for um velho bolchevique;
destruiremos todos os seus parentes, sua família. Destruiremos
implacavelmente quem quer que, por seus atos e pensamentos
- sim, seus pensamentos - ameace a unidade do estado
socialista. Para a completa destruição de todos os inimigos,
eles mesmos, e seus parentes! (Exclamações de apoio: ao
grande Stálin!}" .35

Ao mesmo tempo o aparato do partido nunca represen-


tou um papel tão poderoso na Alemanha nazista como o
fez na Rússia de Stálin. Na verdade, Hitler invejava Stálin
por ter sido capaz de pôr os oficiais políticos como cães de
guarda ideológicos no exército. O historiador Ian Kershaw
enfatiza o fato de que mesmo quando Martin Bormann
assumiu o controle da liderança do partido, em maio de
1941, levando então a "intervenção do partido nazista e
seu alcance na configuração da direção política a outro
nível", permaneceram as contradições e incoerências in-
PRÓLOGO

ternas do estado nacional socialista. 36 O partido nazista


(NSDAP) não gozou nunca do mesmo status carismático
que a vanguarda bolchevique adquirira. Na Alemanha de
Hitler, a lealdade pertencia ao Führer como a encarnação
da comunidade volkisch prístina. Na Rússia de Stálin, as
alianças de zelotes iam até o líder de maneira que eles o
viam como a encarnação da sabedoria do partido.
Quando dizia que os quadros decidiam tudo, Stálin re-
almente queria significá-lo (sendo ele mesmo o árbitro úl-
timo de promoções e emoções): "Diz-se muito acerca dos
grandes líderes. Mas uma causa não está ganha nunca, a
não ser que existam as condições corretas. E a principal
coisa aqui são os quadros médios [...]. Eles são os que
escolhem o líder, explicam nossas posições às massas, e
garantem o sucesso de nossa causa. Eles não tentam subir
acima de seu posto; tu sequer os notas [... ]. Generais nada
podem fazer sem uma corporação de oficiais". 37

Stálin, Hitler e a apoteose do terror


Esta, de fato, é uma distinção crucial entre Stálin e Hi-
tler. Stálin, na maior parte de seu governo, teve sucesso
em descobrir uma síntese entre o governo e a ideologia,
construção de sistema e expansão ideológica. Sua política
de mobilização, embora destrutiva para a população so-
viética, não obliterou os mecanismos formais da adminis-
tração do estado. Na Alemanha, em contraste, "Hitler era
concomitantemente o esteio absolutamente indispensável
de todo o regime, e, no entanto, amplamente afastado de
qualquer maquinaria formal de governo" . Neste contex-
to, as instruções do estado nazista eram transformadas
em "uma panóplia de agências sobrepostas e competiti-
vas que dependiam, em diferentes maneiras, da 'vontade
do Führer'". 38 Na União Soviética, Stálin conseguiu com
sucesso estatizar a utopia leninista - o que ele chamava
O D IABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR T ISMANEANU

"construir o socialismo num só país". Na Alemanha, a


desordem governamental tornou-se uma faceta inescapá-
vel da política nazista da radicalização cumulativa. Essa
diferença entre stalinismo e nazismo está na base da expli-
cação de Timothy Snyder para a incapacidade de Stálin de
instrumentalizar uma nova onda de terror contra os judeus
no período posterior à Segunda Guerra Mundial. O líder
soviético "viu-se ameaçando os chefes de segurança, em
vez de instruí-los [...]. Eles [seus subordinados] estavam
constantemente entravados por certa atenção à proprie-
dade burocrática e mesmo, em alguma medida, à lei". 39
Segundo o cientista político Kenneth Jowitt, o leninismo,
entendido como um modo de organização, foi construído
no cerne do partido "impessoalmente carismático". Stálin,
a despeito de seu desenvolvimento deste modelo original
e de seu absolutismo, simplesmente não poderia provocar
outro Grande Terror sobre um partido que tinha acabado
de justificar seu messianismo histórico no que passou a ser
chamado a Grande Guerra Patriótica para a Defesa da Pá-
tria. Ou o partido, com seus talentos extraordinários, era
o herói principal da vitória sobre os nazistas agressores,
ou era um abrigo de inimigos malévolos que precisavam
ser denunciados. Iniciar uma nova carnificina contra a eli-
te comunista teria subvertido o mito da Grande Guerra
Patriótica.
É verdade, Lênin não era a encarnação da burocracia
do partido. A esse respeito, Robert Gellately estabelece
distinções excelentes e necessárias: durante o Grande Ter-
ror, o bolchevismo criou um medo universal entre todos
os estratos da população. O projeto leninista, como desen-
volvido por Stálin, significava uma agressão contínua do
estado-partido contra todos os grupos sociais, incluindo
o tão aclamado proletariado e seu partido. A mobilização
de massa e o medo não eram mutuamente excludentes, e

32
PRÓLOGO

milhões de cidadãos comuns tornaram-se envolvidos na


dramaturgia de sangue de história e perseguição. 40 David
Priestland enfatiza corretamente que as dinâmicas especí-
ficas do regime bolchevique sob Stálin foram o resultado
de um contexto ideológico similar aos anos de Lênin no
comando do Partido Comunista Russo. Stálin torturava-
-se continuamente para encontrar a combinação correta
da "consciência proletária como uma força vital na his-
tória e na política", o progresso movido pela ciência, e a
visão de uma sociedade ou mundo estruturados de acordo
com a origem de classe. 41
O comunismo e o fascismo compartilhavam uma ob-
sessão similar com a movimentação contínua para frente a
fim de evitar o espectro extremamente adverso da estagna-
ção. Mao disse certa vez que "nossas revoluções são como
batalhas. Depois de uma vitória, temos de imediatamente
apresentar uma nova tarefa. Desta maneira, os quadros e
as massas serão tomados permanentemente do fervor re-
volucionário em vez da vaidade" .42 Eugen Weber propôs
um diagnóstico similar para o fascismo: "O fascista tem
de mover-se adiante todo o tempo, mas, exatamente por-
que estão faltando objetivos precisos, ele não pode parar
nunca, e toda finalidade at~gida não é senão um estágio
no moinho do futuro que ele pretende construir, do desti-
no nacional que ele pretende realizar" .43 No caminho da
transformação permanente, ambos, comunismo e fascis-
mo imaginaram a ~xtinção do indivíduo (ou melhor, visa- ·
vam a ela), inventando critérios igualmente obrigatórios
de fé, lealdade, e status cristalizados num mito político
diretor. E, de fato, isto define a religiosidade de uma exis-
tência coletiva - "Quand on met toutes les ressources de
l' esprit, toutes les soumission de la volonté, toutes les ar-
deurs du fanatisme au service d' une cause ou d'ui;i ~tre qui
devient le but et le guide des pensées et de actions [Quan-

33
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

do alguém sujeita todos os recursos do espírito, todas as


submissões da vontade, todos os ardores do fanatismo a
uma causa ou a um ser que se torna a finalidade e o guia
de todos os pensamentos e ações]". 44
Assim o stalinismo como o nazismo enfatizam a ne-
cessidade de integração social e pertencimento comunal
através da exclusão de outros específicos. O historiador
Richard Overy descreve os dois regimes como "ditaduras
completamente holísticas". Elas fiavam-se em "criar cum-
plicidade, ao passo que operavam isolando e destruindo
uma minoria escolhida, cujo estado aterrorizado confir-
mava o desejo racional do resto de ser incluído e protegi-
do". 45 A legitimidade deles era baseada numa síntese entre
coerção e consentimento. Neste sentido, o totalitarismo
foi encarnado pelas massas que "davam vida e direção a
ele" .46 Assim a União Soviética como a Alemanha passa-
ram pelos tumultos de massa sociais e políticos no período
posterior à Primeira Guerra Mundial. Ao tempo em. que
Stálin e Hitler subiram ao poder, havia, na verdade, "um
consenso popular amplo para uma política sem conflito e
uma sociedade sem divisões" .47 Ao restabelecer e recriar
a ordem social, esses estados mostraram ser tão represso-
res quanto paternalistas. A sociedade foi estruturada. de
acordo com categorias como classe, raça, nacionalidadé e
sexo, cada uma com conseqüências específicas no eixo de
inclusão-exclusão. Assim a União Soviética (e mais tarde,
os países do leste europeu) e a Alemanha foram realinha-
dos demográfica, geográfica, e biologicamente de acordo
com projetos imaginados da cidadania perfeita. As metá-
foras de desenvolvimento e de extermínio adotadas e im- .
plementadas pelos dois ditadores e seus aparatos de poder
tornaram-se a estrutura de vida para a população sujeita,
o fundamento para a reinvenção assim das identidades co-
letivas como individuais.·As macro-estratégias do estado

34
PRÓLOGO

sofreram um processo de tradução e adaptação em micro-


-estratégias do individual. A socialização transformou-se
em prática política, em um esforço de alinhar "o que a
pessoa faz com o que pensa e diz acerca do que faz" .48
A prática política era a área onde o cidadão se confor-
mava com o ambiente vivido de maneira deliberadamente
ideológica. Sob essas circunstâncias, o terror não poderia
ser empregado para referir-se a "uma sensibilidade com-
plexa de deslocamento que atinge a população largamente
sob a regra totalitária" .49 O stalinismo e o nazismo foram
"estados de terror" (como diz Overy) porque tentaram ob-
ter a homogeneização, criando "comunidades de batalha"
(nas palavras de Fritzsche) dentro das quais as diferen-
ças já existentes foram o sujeito de dramatização pública
grotesca e o objeto de eliminação através de "organização
capilar" (termo de Gentile) e a mobilização constante. O
desloc4mento individual e coletivo sob condições de mo-
bilização e a violência de estado geraram novas realidades
sociais que apoiaram assim o genocídio como o sentido
de pertencimento e união na " [Alemanha] fraturada e nas
sociedades [soviéticas] atoladas" (Geyer). Ambas foram
"conseqüências extremas do humanismo secular" (Gen-
tile), reverberando a desilusão e o desespero trazidos pela
experiência traumática da Grande Guerra.50
O fascismo e o comunismo, como movimentos políti-
cos, foram soluções de uma "crise de sentido" dolorosa
e universalmente sentida através da Europa.51 Nascidos
por causa do barbarismo cataclísmico e violência sempre-
cedente da Primeira Guerra Mundial, esses movimentos
apocalípticos proclamavam o advento do milênio neste
mundo, ou, para empregar a expressão de Eric Voegelin,
tentaram imanentizar o eschaton, construir o Céu na Ter-
ra, eliminar a distinção entre a Cidade do Homem e a Ci-
dade de Deus. 52 Entre 1914 e 1918, "em quatro anos a

35
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

confiança na evolução, no progresso e na própria história


foi aniquilada", já que a guerra "retalhou o tecido históri-
co e cortou todo o mundo do passado, de maneira súbita e
irremediável". 53 O comunismo e o fascismo foram reações
a esta anomia percebida. Foram tentativas de dar à luz
um novo sentido de transcendência e pertencimento. Des-
te ponto de vista, eram, como observou iluminadamente
Roger Griffin, modernismos políticos radicais.

Ideologia e intencionalidade
O credo oficial comunista era racionalista e celebrava os
legados do Iluminismo, ao passo que os ideólogos nazistas
(Alfred Rosenberg, Joseph Goebbels, Alfred Baumler, Otto
Strasser) insistiam no poder do irracional, nas energias vi-
tais e escarneciam dos efeitos supostamente esterilizadores
da razão. A realidade era que, por baixo das incompati-
bilidades filosóficas aparentes entre ambas as ideologias
rivais, o nazismo continha algumas afinidades táticas com
o marxismo, tão desacreditado. O próprio Hitler reconhe-
ceu que encontrara inspiração nos padrões marxistas de
luta política: "Aprendi muito com o marxismo, como não
hesito em reconhecer. Não quero dizer com sua doutrina
social enfadonha ou com a concepção materialista da his-
tória [... ] e assim por diante. Mas aprendi com seus méto-
dos. A diferença entre eles e mim é que pus realmente em
prática o que esses vendedores ambulantes e mata-borrões
(

começaram timidamente. Todo o nacional-socialismo é


baseado nele [... ]. O nacional-socialismo é o que o mar-
xismo poderia ter sido, se tivesse rompido suas ligações
absurdas e artificiais éom a ordem democrática" .54
É bem sabido que há pesquisadores que resistem à idéia
mesma de uma comparação entre comunismo e fascismo.
A comparação pode (mas nem sempre o faz) diminuir a
unicidade do horror absoluto simbolizado pelo holocausto
PRÓLOGO

e pode desprezar o fato de as intenções ideológicas terem


sido significativamente diferentes entre o comunismo e os
projetos fascistas, ou melhor, os projetos nazistas. Ainda
assim, ambos foram ideologias revolucionárias que visa-
vam a destruir o status quo (ou seja, a ordem burguesa)
e seus valores consagrados. Ambos os movimentos pro-
clamaram o papel predominante de uma comunidade de
indivíduos escolhidos agrupados dentro do partido. Am-
bos detestavam os valores burgueses e a democracia libe-
ral. Um levou ao extremo certo universalismo iluminista,
o outro fez um absoluto do particularismo racial. Lênin
não alimentou propensões xenófobas, mas Stálin, sim. No
final de sua vida, Stálin comportava-se como um anti-se-
mita rábido e preparou pogroms horrendos. Assim Hitler
como Stálin empregaram a propaganda para desumanizar
seus inimigos, os bolcheviques judeus, os trotskistas, e os
sionistas. O fascismo e o comunismo colocaram-se igual-
mente em posição de "apagar uma era específica do cur-
so homogêneo da história" .55 Ambos visavam a demolir
o passado em nome do futuro. Ambos os totalitarismos
cultivaram o mito da juventude, do renascimento, e do
futuro.
Lênin, Stálin e Hitler não teriam sido capazes de obter
seus fins se não tivessem sabido como arregimentar, mobi-
lizar e incluir grandes estratos sociais em seus esforços. Ao
passo que o bolchevismo era principalmente uma ditadura
ideocrática repressiva, o nazismo era, ao..menos nos seus
primeiros anos no poder, uma ditadura de consenso. Am-
bos representavam o triunfo das construções ideológicas
enraizadas no cientificismo, organicismo, historicismo e
voluntarismo. Para Lênin, a luta de classes era a justifica-
ção última para a perseguição cruel dos aristocratas, sa-
cerdotes e camponeses ricos. A desumanização do inimigo
começou basicamente com Lênin. Isso não significa que

37
O DIABO NA HI STÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

o nazismo era simplesmente uma resposta ao bolchevis-


mo, uma reação movida pelo pânico a uma causa externa
(como sugerido pelo historiador alemão Ernst Nolte).56
Eram endógenas as raízes ideológicas da política de Hi-
tler. Havia uma tradição proto-fascista na Alemanha as-
sim como na França. 57 Ainda assim, em certo momento, o
stalinismo incorporou os motivos e símbolos da direita ul-
tra-nacionalista e se tornou, como defenderam Alexander
Yakovlev e Robert C. Tucker: "bolchevismo de extrema-
-direita" .58 Timothy Snyder enfatizou judiciosamente que
"a qualidade especial do racismo nazista não é atenuada
pela observação histórica de que as motivações de Stálin
eram algumas vezes nacionais ou étnicas. O poço do mal
simplesmente fica mais fundo [grifo meu]" .59
Na verdade, assim Hitler como Stálin falaram de limpe-
za étnica. Por exemplo, entre 1937 e 1938, a maior parte
das vítimas do Grande Terror eram ou inimigos de classe
ou inimigos nacionais. Entretanto, um matiz enfatizado
por Snyder oferece um caveat à comparação entre esses
dois extremismos. De fato, o stalinismo não transformou
o morticínio em massa em história política, como aconte-
ceu na Alemanha Nazista. Para Stálin, "o morticínio em
massa nunca poderia ser mais do que uma defesa bem-
-sucedida do socialismo, ou um elemento numa história
de progresso em direção ao socialismo". 60 Mas, levando
adiante o ponto de vista de Snyder, o comunismo, como o
fascismo, sem dúvida fundou sua modernidade intolerante
alternativa sobre o extermínio. O projeto comunista, em
países como a URSS, a China, Cuba, a Romênia ou a Al-
bânia, estava baseado precisamente na convicção de que
certos grupos sociais eram irreparavelmente estranhos e
mereciam ser assassinados.
O apetite do comunismo pela limpeza étnica, além do
"sociocídio" (para empregar um termo de Dan Diner), não
PRÓLOGO

estava enraizado simplesmente nas fobias e idiossincrasias


de Stálin. O jdanovismo (as campanhas anti-cosmopolitas
depois de 1946), o pogrom secreto do começo dos anos
de 1950 e o caso Slánsky foram parte essencial da stali-
nismo tardio (i)lógico. 61 Ironicamente, representaram uma
assim dita vitória do nazismo sobre seu rival ideológico
principal. Como aponta Martin Amis, o terror anti-judai-
co planejado por Stálin "ter-se-ia modelado na idéia ou
tática bolchevique mais antiga de incitar uma classe para
destruir a outra. Teria parecido com o Terror Vermelho de
1918, com os judeus muito próximos do papel de burgue-
sia.62 Erik van Ree enfatiza corretamente que a originali-
dade ideológica real do stalinismo tardio foi a síntese entre
nação e classe e entre dois objetivos principais: desenvol-
vimento nacional e comunismo mundial.63 O processo de
construção do estado na União Soviética produziu resul-
tados muito não-marxistas. Em vez de murchar, o Leviatã
burocrático, abissalmente corrupto e incuravelmente ine-
ficiente, alcançou dimensões astronômicas. Ora, seguindo
as análises de Ken Jowitt e Terry Martin, o stalinismo fa-
lava de modernização, mas praticava neo-tradicionalismo.
Em suma, já não é possível manter e defender a imagem
de um Lênin relativamente benigno cujas idéias foram per-
versamente distorcidas pelo sociopata Stálin. O elemento
crucial que determinou as decisões dos líderes totalitários
foi a obsessão ideológica. Viviam às custas da ideologia,
na ideologia e para a ideologia. As seitas messiânicas bol-
cheviques e nazistas eram construções ideológicas firme-
mente unidas. A analogia mais próxima, que devo a Ken
Jowitt, seria a fortaleza, o castelo hermeticamente isola-
do cujos habitantes pensam e agem do mesmo modo. A
despeito de outras afirmações questionáveis, Ernst Noite
está certo quando sublinha que, ao passo que Lênin era
um político russo e Hitler um político alemão, a história

39
O DIABO NA H ISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

era muito mais complicada. Eram profetas ideológicos, e


apenas a ideologia poderia explicar o curso de suas inter-
venções históricas: "A questão fundamental permanece a
exacerbação (Überschiessen) da novidade, do hiato que
constituiu o propriamente ideológico. É o ideológico que
gera as ações mais significativas. Podem existir diferenças
profundas entre estas ideologias, mas cada uma é definida
por uma superação simultânea e por um cerne de elemen-
tos legítimos e convenientes, e apenas o extremismo ideo-
lógico pode igualmente gerar e destruir". 64
Robert Gellately retratou Lênin, franca e inequivoca-
mente, como "um indivíduo cruel e ambicioso, que era ar-
rogante ao afirmar conhecer o que era bom para a 'huma-
nidade'; brutal em sua tentativa de submeter seu próprio
povo a uma transformação social radical; e convencido de
que detinha a chave para a derrubada futura do capitalis-
mo global e o estabelecimento do comunismo mundial" .65
É difícil não concordar com ele quando escreve: "Lênin in-
troduziu o comunismo soviético, juntamente com a nova
polícia secreta e os campos de concentração [...]. Uma vez
no poder, Lênin caçou com entusiasmo quem quer que
não se encaixasse no novo regime ou a ele se opusesse, e
inaugurou os expurgos do partido comunista que exigia
periodicamente caças às bruxas em nível nacional [...]. Lê-
nin não se tornou um ditador simplesmente por tomar o
manto do presidente do Sovnarkom (na verdade, seu pri-
meiro-ministro). Ao contrário, fez prevalecer sua vontade
por seu controle dos grandiosos textos marxistas e talvez,
acima de tudo, por sua ferocidade" .66
De novo, Ernst Noite e Richard Pipes não estão errados
em examinar o conflito entre os dois estados totalitários
como um conflito entre construções similares enraizadas
no frenesi intelectual e na húbris utópica. Depois de Hitler
subir ao poder em janeiro de 1933, "dois grandes esta-
PRÓLOGO

dos ideológicos .ficaram face a face na Europa, dois esta-


dos cuja atitude, em última análise, foi determinada por
concepções, que se consideravam interpretações assim do
passado como do futuro da história mundial, e que em-
pregaram essas interpretações para darem sentido à vida
humana". 67
Lênin criou a práxis do voluntarismo e o maniqueísmo
necessário para o sucesso da ação revolucionária. Nacos-
mologia política de Lênin não havia maneira de reconciliar
o proletariado e a burguesia; o triunfo daquele implicava
a destruição desta. No mesmo espírito, como a Segunda
Guerra Mundial confrontou os nazistas com uma derrota
possível, Hitler e seus acólitos recorreram a uma acelera-
ção radical de suas políticas genocidas contra os judeus. A
idéia era que não se poderia alcançar nenhuma paz com os
judeus, sob nenhumas circunst~ncias.
O impacto de Lênin no marxismo e sua responsabilida-
de pelo abismo ético e o imenso sacrifício humano gerado
pelo comunismo no século XX é, penso eu, expresso so-
berbamente na seguinte formulação de Denis Holier e Bet-
sy Wing: "O marxismo levou a história de seus estágios de
infância, de seus momentos sem fala, e lhe deu uma trilha
sonora [... ]. Lênin descobriu que a história falava a lín-
gua do materialismo dialético. Mas é necessário um anun-
ciante para transmitir o roteiro". E essa rádio era a Rádio
Moscou com a única voz do partido comunista da União
Soviética. Para continuar esta discussão, apenas quando
o centro ideológico irradiador "cessou de ser decifrável
para os decodificadores marxistas" é que foi possível vi-
ger o "contrato de silêncio" referente à criminalidade do
bolchevismo, e a emancipação do Diamat [materialismo
dialético] ganhar movimento na história política e inte-
lectual do marxismo na Europa. 68 Ironicamente, foi pre-
cisamente o retorno desencantado aos "grandiosos textos
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

marxistas", uma tradição traída e esquecida, que permitiu


ondas sucessivas de des-stalinização balançarem o barco
do partido-estado utópico. Não houve tal tradição na ex-
periência nazista e nenhuma Escritura Sagada originária,
supostamente humanista, para que os nacional-socialistas
desiludidos sonhassem com a ressurreição. Ian Kershaw,
comentando a tentativa falhada de Goebbels e Albert
Speer de aproximar Hitler, em 1943, do que percebiam
como os problemas endêmicos do estado nazista (entre
os quais, ao menos para Goebbels, estava a ausência da
radicalização do front caseiro), concluíram de maneira
inequívoca: "Apoiavam-se na ilusão de que o regime era
reformável, mas que Hitler não queria reformá-lo. O que
não entenderam completamente foi que o 'sistema' sem
forma do governo que tinha emergido era assim o produto
inexorável da regra personalizada de Hitler como a garan-
tia de seu poder". 69
Concluindo, a distinção-chave entre esses dois proje-
tos horrendos do século XX está no revisionismo ou nos
desenvolvimentos similares que simplesmente não pode-
riam ser imaginados ou implementados sob o regime na-
zista. Os nazistas não tinham nenhum projeto humanista
autêntico para invoca~ - nenhum reservatório iluminado
de esperanças libertárias traídas para serem ressuscitadas
contra as abominações do hitlerismo. Não é sequer ima-
ginável uma pancada no estilo Kruschev ao culto místico
de Hitler. O impacto do revisionismo marxista e os inte-
lectuais críticos dificilmente podem ser superestimados.
A aventura do revisionismo levou os intelectuais comu-
nistas para além do sistema denunciado como o culto
da personalidade. O marxismo crítico transformou-se
em pós-marxismo, e mesmo em anti-marxismo liberal.
De dentro, os fiéis verdadeiros acharam o leninismo des-
tituído de sua ambição mais poderosa, a de responder

42
PRÓLOGO

duma maneira positivamente engajadora aos desafios da


modernidade democrática. Como defendeu o historiador
Vladislav Zubok: "O ethos da participação cívica educa-
da, da resistência à imoralidade do regime comunista, e a
crença no socialismo humano foi uma característica co-
mum aos esforços dos reformadores e homens de cultura
russos, poloneses e checos com visão larga" .70 Esse funda-
mento comum crescente de fortalecimento e emancipação
se tornou mais óbvio em 1969 e, mais tarde, nos ecos do
movimento dissidente na Europa Ocidental. A apostasia
apareceu uma vez que o fanatismo ideológico dos regi-
mes comunistas foi denunciado de dentro. O leninismo,
em contraposição ao fascismo, entrou afinal em colapso
na Europa por ter perdido suas credencias hierocráticas,
quase-religiosas.

43
CAPÍTULO 1
RADICALISMO UTÓPICO E DESUMANIZAÇÃO

Temos de arrastar conosco 90 milhões dos 100 milhões de


habitantes da Rússia Soviética. Quanto ao resto, não temos
nada que dizer-lhes. Eles têm de ser eliminados.
- Grigore Zinoviev, Severnaya kommuna,
19 de setembro de 1918

Para o homem, portanto, que, a despeito de um coração


corrompido, possui ainda boa vontade, r~manesce a esperança
de retornar ao bem do qual se extraviou.
- Immanuel Kant, Da inerência do mau princípio ao lado
do bom ou Sobre o mal radical na natureza humana, ou Do
mal radical na natureza humana

Para massacrá-los, foi necessário proclamar que os


culaques não eram seres humanos. Assim como os alemães
proclamaram que os judeus não são seres humanos. Assim
fizeram Lênin e Stálin: culaques não são seres humanos. Mas
isto é uma mentira. Eles são pessoas! Eles são seres humanos!
-Vasily Grossman, Forever Flowing

La relation dialectique entre communisme et fas cisme est


au centre des tragédies du siecle. [A relação dialética entre
o comunismo e o fascismo está no centro das tragédias do
século].
- François Furet, Sur l' illusion communiste

É impossível entender os sentidos do século XX se não


reconhecermos a unicidade dos experimentos da esquerda
e direita revolucionárias em remodelar a condição huma-
na em nome de leis históricas supostamente inexoráveis.

45
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Foi durante esse século que, empregando a expressão de


Leszek Kolakowiski, "o diabo se encarnou na História".
O debate ininterrupto acerca da natureza e legitimidade
(ou mesmo aceitabilidade) de comparações (analogias)
entre as tiranias guiadas ideologicamente do século XX
(comunismo radical, ou melhor, leninismo, ou, como re-
ferem alguns, stalinismo de um lado, e fascismo radical
ou, mais precisamente, nazismo do outro), apoiou-se na
interpretação do mal político último e seu impacto sobre
a condição humana. 1 Em suma, podem-se comparar duas
ideologias (e práticas) inspiradas por visões essencialmen-
te diferentes da natureza humana, progresso e democracia,
sem perder-lhes a differentia speci"fi.ca, turvando distinções
doutrinárias importantes, mas também axiológicas? Foi a
centralidade essencial do campo de concentração, a única
"sociedade perfeita", como disse certa vez Adam Michnik,
o horrendo denominador comum entre os dois sistemas
em seu estágio "altamente eficaz" (Zygmunt Bauman es-
creve acerca de nossa era como um "século de campos
de concentração"). 2 Estava certo François Furet ao reco-
nhecer que a hereditariedade do comunismo deveria ser
detectada na busca do pós-Iluminismo pela democracia de
massa, ao passo que o fascismo simbolizava exatamente
o oposto ?3 Foi o fascismo, como asseverou Eugen Weber,
" uma revolução rival" que via o comunismo apenas como
um "competidor para a fundação do poder" (nas palavras
de Jules Monnerot)? 4
São úteis e necessárias as comparações entre comunis-
mo e fascismo e entre stalinismo e nazismo. Meu esforço de
comparação concentra -se no fundamento comum desses
movimentos políticos, ao passo que também lhes reconhe-
ce as diferenças cruciais. 5 Ademais, concordo com Timo-
thy Snyder quando diz que "os sistemas nazista e stalinista
devem ser comparados, não tanto para compreendermos
CAPÍTULO I

um ou outro, mas para compreendermos nossos tempos


e a nós mesmos" .6 O comunismo e o fascismo forjaram
suas próprias versões de modernidade baseados em pro-
gramas de mudança radical que advogavam homogenei-
zação assim como transformação social, econômica e cul-
tural, pressupondo "a renovação total do corpo social" .7
Ambos eram fundados em utopias imanentes enraizadas
em fervor escatológico. Dito de outra maneira, as tempes-
tades ideológicas do século XX foram a expressão de uma
húbris contagiosa de modernidade. Portanto, as lições que
aprendemos, comparando-os e contrastando-os, têm um
sentido universal, quase eterno, para qualquer sociedade
que deseje evitar urna descida desastrosa na barbárie e for-
mas genocidas de extermínio. Os dilemas contemporâneos
de um mundo globalizado não podem senão beneficiar-se
do exame das falácias desastrosas do passado.

A mutação leninista
Aqui é importante enfatizar a afirmação de Claude
Lefort e Richard Pipes: o leninismo foi uma mutação na
práxis da democracia social, não apenas uma continua-
ção dos legados "iluminista-democráticos" do socialismo.
Igualmente significativo, precisamente porque insistiu tan-
to no "nexo causal" e na angústia e medo contra-revolu-
cionários, o historiador alemão Ernst N olter não entendeu
completamente a natureza do anti-bolchevismo fascista
como um novo tipo de movimento e ideologia revolucio-
nários, uma rebelião contra os próprios fundamentos da
civilização moderna européia. Na verdade, como insistiu
Furet (e, antes, Eugen Weber e George Lichteim), o fascis-
mo, em sua forma nazista, radicalizada, não foi simples-
mente uma reencarnação do pensamento contra-revolu-
cionário em ação. 8 O nazismo foi mais do que uma reação
ao bolchevismo, ou ao culto do progresso e à exaltação

47
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The Project Gutenberg eBook of The sociable
Sand Witch
This ebook is for the use of anyone anywhere in the United
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eBook.

Title: The sociable Sand Witch

Author: Thomas Lambert Sappington

Release date: June 20, 2022 [eBook #68352]

Language: English

Original publication: United States: Barse & Hopkins, 1923

Credits: Charlene Taylor, Mary Meehan and the Online


Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net
(This file was produced from images generously made
available by The Internet Archive).

*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK THE


SOCIABLE SAND WITCH ***
THE SOCIABLE SAND WITCH
BY T. L. SAPPINGTON

Author of "The Grateful Fairy"

NEW YORK
BARSE & HOPKINS
PUBLISHERS

Copyright, 1923,
By Barse & Hopkins

PRINTED IN THE U. S. A.
Getting ready for autumn.
CONTENTS
The Sociable Sand Witch
The Fountain of Riches
Obstinate Town
Toobad the Tailor
The Snooping-Bug
The Wrong Jack
The Second Story Brothers
The Imaginary Island
The Dancing Pearl
The Inherited Princess
ILLUSTRATIONS
Getting ready for Autumn
So Junior held his nose tight
It was raining cats and dogs
The Poppykok pasted a magic postage stamp on his cheek
He began tearing at his clothes with all his might
The jar broke into a thousand pieces
Out of the hole came a giant
He turned and whipped the fan open
Upon his vision burst a band of coal-black savages
Floo the Wizard at work
He watched her whirl about
The minute the parade was over, he started off
Underneath the window sat the twenty-headed Gallopus
THE SOCIABLE SAND WITCH
Of all the witches that may be found in all the fairy tales ever told
there is none more delightfully sociable than the Sand Witch. This
Witch, who lives underneath the heaps of sand at the ocean's edge,
where, in the summertime, you dig with your shovel, is not at all like
other witches. She never rides on a broomstick, and she never goes
down chimneys. In the first place there are no broomsticks or
chimneys on the beach at the sea-shore, and in the second place
she would not know how to ride on a broomstick or climb down a
chimney, if there were. All the Sand Witch knows how to do is to sink
into the sand when anything scares her, and to come up through the
sand when she sees a chance to get acquainted with a person she
never was acquainted with before. So now you know what a Sand
Witch is. And if Junior Jenks, seven years old, and dreadfully
sunburnt, had known what you know, he would have been much
better prepared to face the one that came up right under his nose all
of a sudden one hot July morning.
Junior was supposed to be in bathing. His mother, and his father,
and his sister were in among the breakers having a fine time, but
Junior, although he was wearing a bathing suit just like they were,
preferred the good old sandy, sunny beach where foam-crested
waves could not tumble you over and over, and fill your mouth with
salt water when you yelled. He had tried bathing once, and no
amount of coaxing could induce him to try it again, so his folks left
him to play by himself while they took their dip.
The first Junior knew about the Sand Witch was when the tip end of
a steeple hat began to come up through the sand in front of him. Up,
up it came until the whole hat was showing; then followed a long
nose, two big, black eyes, a big mouth, and a sharp pointed chin;
after that the rest of the Sand Witch followed very quickly, until at last
she stood before him as cool as a cucumber.
"Well," she said, not paying the slightest attention to the way Junior's
hair was standing up, "here I am. I've heard you digging for some
days. I suppose you thought you'd never find me."
"Find you?" said Junior, staring with all his might. "I wasn't trying to
find you. I never knew there was such a person. I wasn't trying to
find anything."
"You weren't?" said the Sand Witch. "Then what in the name of
peace were you digging for?"
"Why," said Junior, "I—I—I was just digging for fun."
"Well," said the Witch, "did you find any fun?"
"Find any fun? Of course not! You don't find fun, you—you just have
it."
The Sand Witch pushed her hat on one side and scratched her head
in perplexity. "I don't think I understand. You said you were digging
for fun, didn't you? And when I asked if you found any fun you say
you don't find fun, you just have it. Well, if you have it, what do you
dig for? Tell me that?"
But though she waited very politely for Junior to tell her, he made no
answer. He just looked at her with his mouth open, and wiggled his
bare toes deeper into the sand.
"My goodness," said the Witch, at last, "are you deaf? I asked you a
question."
"I—I know," said the boy, "but—but I can't tell you. I—I don't know
how."
"Suffering sea serpents!" exclaimed the newcomer. "You certainly
are the queerest I ever met!"
"No queerer than you are," responded Junior, indignantly. "You're the
queerest person I ever met! Coming up through the sand in such a
way!"
"Humph!" retorted the Witch. "How else could I come up? There's
nothing else here but sand to come up through. You can't blame that
on me."
"Oh, I'm not blaming you," said Junior. "I'm only telling you. I don't
suppose it is your fault that all this sand is here. It only seemed so
strange for a person to be underneath it. You don't live there, do
you?"
"I certainly do!" replied the other; "and all my family, too."
"Underneath the sand? Why, I never heard of such a thing! I—I can't
believe it!"
"Now look here," said the Sand Witch. "I won't let anybody talk that
way to me. If you don't believe I live underneath the sand come on
down and see for yourself. Just hold your nose tight with the fingers
of your right hand, put your left hand above your head, draw in a
deep breath; and down you go, like this."
Thrusting a hand above her head, and grasping her nose, she took a
deep breath, and zip—she sank through the sand like a flash, just
the way Junior's father always sank into the ocean when he was
bathing. Then bing—the next moment she popped up again, smiling
cheerfully. "See how easy it is? Come on, now you try it!"
"No, thank you," said Junior. "I'd rather stay on top of the sand."
"Oh, pshaw!" exclaimed the Sand Witch, "I never saw such a 'fraid
cat! You're not only afraid to take a sea bath, but you don't even dare
to take a sand bath. I'd be ashamed!"
"Well, be ashamed, if you want!" said Junior, hotly. "I don't care! I
don't like baths of any kind; in the ocean, or in the sand; or even in
the bathtub. What's the use of them, anyway?"
And with that he started digging again. And then it was that the Sand
Witch showed what a thoroughly sociable nature she had, for
although the boy had turned his back to her and was paying no
attention, she wasn't in the least discouraged. "Did you ever see a
crab wait on the table?" she asked.
"Why, no," said Junior, whirling about and looking very much
interested. "I thought all a crab could do was to pinch you."
"Not at all! They wait on the table fine if you let 'em. And I've got a
shooting starfish, too, that can't be beat. You come on down
underneath the sand, and I'll show you. Oh, I've got dozens of
delightful things down there. Why, the sand pies I make are the most
delicious things you ever tasted. And I know you'll laugh when you
see the clams skip rope."
Well, you may be sure all this sounded very, very good to Junior. He
had often heard of starfish, but never of shooting starfish. A crab
waiting on the table was bound to be interesting; and a clam skipping
rope, even more so. As for sand pies, he had often made them
himself, but never so they could be eaten. If there was a way to do
the trick, he'd like to know it. In fact, it was like being promised a free
ticket to the circus. So throwing his bucket and shovel aside he got
to his feet without further parley.
"Very well," he said, "I'll go with you. But I've got to be back in a half
hour. My father is going to take me sailing as soon as he is through
with his bath."
"That's all right," said the Sand Witch. "When you're ready to go
back, you just go back. And now do just as I do."
So Junior held his nose tight, put his other hand above his head,
took a deep breath, and then bing—he and the Sand Witch sank
through the sand in a jiffy, and the next moment came out
underneath it.
So Junior held his nose tight

"Oh!" cried the boy.


All about was a beautiful, white, glistening, sandy city; houses,
fences, streets, all of sand. The place where they were standing
seemed to be a sort of park with cute, little, carved, sandy benches
amid the sand grass, and several tall fountains spouting sand in a
fine spray.
"Well, how do you like it?" asked the Witch.
"Fine!" said Junior; "but where are the clams and the—"
"My goodness," said the Witch, "but you are in a hurry. I've got to find
my children, first. You don't expect me to neglect my children that
way, do you?"
"Oh, no," replied the boy, "of course not. But—but I didn't come here
to see your children, you know. I can see children anywhere."
"Not children like mine," said the Sand Witch, proudly. "If there is a
more beautiful child than little Lettuce Sand Witch I'd like to see it.
And as for dear little Ham Sand Witch, he is the cutest thing."
"Ham Sand Witch! Lettuce Sand Witch!" exclaimed Junior. "Are
those the names of your children? Why—why, it sounds like things to
eat!"
"Well," said Mrs. Sand Witch, "why not? Both of them are certainly
sweet enough to eat."
With that she opened her mouth and gave a piercing yell. "Children!"
she shrieked. "Come to mother, quick! I've got a little boy for you to
play with!"
And presently, racing across the park toward them came the two little
Sand Witches, one a girl and the other a boy. But though their
mother thought them sweet enough to eat, Junior did not. Both had
long, pointed noses and chins; big, black eyes and dreadfully wide
mouths, just like Mrs. Sand Witch. When they saw Junior they just
stood and stared, and gnashed their teeth.
"Hello!" said Ham Sand Witch, after a moment. "Who are you?"
"Yes," said his sister, Lettuce Sand Witch, walking about and
examining Junior from all sides, "who are you, and where did you
come from?"
"I'm Junior Jenks," replied Junior, "and I came from the beach up
above to see the clams skip rope."
"Pooh!" said Ham Sand Witch. "That's no fun! We're not going to
play with them any more. They want you to turn the rope all the time.
If you don't, they nip you."
"Well," said Junior, "if I can't see the clams skip rope, let me see the
starfish shoot."
"All right," said Lettuce Sand Witch, "we don't mind. But you'll have
to pay his fare if you want to see him shoot."
"Pay his fare?" responded Junior. "I don't know what you mean."
"Ahem!" put in Mrs. Sand Witch. "Perhaps you thought he shot with a
gun. Well, he doesn't. He chutes with a chute! And you know as well
as I do, you've got to pay your fare when you chute with a chute."
"Oh," cried Junior, in dismay, "I see. But—but I haven't any money."
"Then," said Mrs. Sand Witch, "if you want to see him chute, we'll
have to charge it to your father. How about it?"
"Well," said the boy, "I guess he won't mind, as long as I never saw a
fish chute before."
So Mrs. Sand Witch took the children to the chute the chutes on the
other side of the park, and told the proprietor, a very shaky old
jellyfish, that Junior would pay the starfish's fare, and to kindly coax
him out of the ocean to take a ride.
So the jellyfish went to the ocean, which was just back of the chute
the chutes, and yelled for the starfish to hurry up if he wanted a free
ride. And the starfish, highly flattered at the invitation, lost no time in
making his appearance.
"I'm awfully obliged to you," he said to Junior, as he whirled about in
the sand to dry himself. "And to show I am I'll let you sit with me."
So Junior and the starfish, and Ham Sand Witch, and Lettuce Sand
Witch, climbed into the car and went shooting around the chute the
chutes.
"Isn't it great?" shrieked the starfish, as they scooted down the
inclines. "It makes your insides turn somersaults! It beats swimming
all hollow, I think. If ever I get rich I'm going to build one of these
things in the ocean."
And when at last the ride came to an end he insisted on Junior
shaking hands with every one of his five points. "Any time you fall
overboard when you're out sailing," he said, "stop in and see me. My
place is the third clump of coral just beyond the bathing grounds.
Good-by!"
"Now," said Mrs. Sand Witch, who had waited while the children and
the starfish took their ride, "I've got to go home and get dinner. You
children amuse yourselves, and after dinner maybe I'll take you to
see the mermaids."
So Junior, and Ham Sand Witch, and Lettuce Sand Witch, wandered
about the park hand in hand. Although the little Sand Witches were
so ugly, Junior was beginning to like them right well, now that he was
getting used to them; and they seemed to like him, too.
"Why don't you stay all summer?" said Ham Sand Witch. "We could
have lots of fun."
"I'd like to," said Junior, "if my father and mother and sister were
here."
"Well, why not ask 'em to come down?" suggested Lettuce Sand
Witch.
"Oh, they wouldn't do it," said the boy. "I know they wouldn't. They
like it better on the boardwalk and at the hotel. And now let's see if
we can't find those clams that skip rope."
"All right," said Ham Sand Witch, "but if we do, they'll make you turn
for 'em just so. They're awfully snappish."
And sure enough when presently they came upon the clams sitting
on a bench near one of the fountains, and Junior asked if they would
skip rope for him, they said they would if he turned for them just so.
"I don't know what you mean by 'just so,'" said Junior, "but I'll do my
best."
And he certainly did do the best he could. While Ham Sand Witch
held one end of the rope he turned it very, very carefully as the two
big, white clams solemnly skipped. They were slow enough until they
got warmed up.
"Now give us butter and eggs," said one of the clams, suddenly.
"Butter and eggs?" said Junior. "You mean pepper and salt, don't
you?"
"I certainly do not," said the clam who had spoken. "I mean butter
and eggs. Pepper and salt is fast, but butter and eggs is lightning;
and see that you do it right."
But though Junior turned the rope with all his might and main he
simply could not turn it fast enough to suit the clams. And presently
with a scream of rage they rushed at him snapping their shells
angrily.
"Run! Run!" shrieked Lettuce Sand Witch, "or they'll nip you!"
"Run! Run!" yelled Ham Sand Witch. "They pinch awful."
And maybe Junior did not run. And maybe the clams did not run after
him. But luckily, just as they were about to grab him, one of them
tripped and fell and cracked its shell, and wept so when it did, that
the other clam stopped to help it. So Junior, and Ham Sand Witch,
and Lettuce Sand Witch finally reached Mrs. Sand Witch's house
and were soon safe indoors.
"Sakes alive!" exclaimed Mrs. Sand Witch, as the children stood
before her, panting. "What has happened?"
And after they had told her she said they were never even to speak
to those clams again. "I never did care for clams, anyhow," she said.
"They're always disagreeing with people."
Then she told them that dinner was almost ready and that she knew
they would enjoy it. "We've got the most delicious sandpaper
garnished with seaweed," she added; "to say nothing of sand pies
for dessert."
And when she said that both the little Sand Witches jumped up and
down with glee, and cheered and cheered. "Oh, goody!" they cried.
And Junior, being a very polite little boy, cheered also, although he
felt quite sure that while he might like the sand pies, he never, never
would care for sandpaper garnished with seaweed.
And then as he sat in the parlor waiting for dinner to be served, he
heard a clatter of dishes in the next room, and peeping in, gave a
gasp of astonishment, for there was a big, green-backed crab putting
the dinner on the table, singing cheerfully to itself as it did so. And
this is what it sang:

'Twas a beautiful day at the bottom of the bay


In the mud where I always dwell,
But being a crab I longed to grab
At the bathers and make 'em yell.
So I took a swim to the water's rim
And looked about for a toe;
And then as I looked some fellow hooked
Me out of the water-o.
He hooked me into a great, big boat
With a piercing yell of joy,
And I do declare I'd still be there
Except for his little boy.
But that blessed lad unlike his dad,
With fright he simply roared—
He gave one squeal as I pinched his heel,
And kicked me overboard.
And now the aim of my humble life
Is to find that boy some way,
And to thank him quick for the kindly kick
That saved my life that day.

And as the crab sang a funny feeling came over Junior. Only a week
or so before he had been out with his father in a boat, and his father
had caught a crab on his fishing line, and pulled it into the boat. And
Junior, being in his bare feet, had been awfully scared for fear the
crab would pinch him, and then, sure enough, before he could get
his feet up on the seat, it did, right on the heel; and in trying to kick it
loose, he kicked it overboard. He wondered if this could possibly be
the same crab.
So when they all went in to dinner he looked at the crab carefully to
see if he could recognize it, but as one crab looks like another, he
couldn't be sure. But the minute the crab saw him, it was very
different.
"Oh!" gasped the creature he had been observing, staggering
backward and almost dropping the dish of sandpaper and seaweed it
was carrying. Then, putting the dish carefully on the table, it bent
over and looked Junior in the face.
"'Tis he!" it shrieked, with a dramatic gesture. "'Tis he! my rescuer!"
And if Junior had not leaped from his seat it would have thrown its
claws about his neck.
"'Tis he?" exclaimed Mrs. Sand Witch, frowning at her amphibian
servant. "What do you mean by ''tis he'? What are you talking about?
This is a nice way to behave before company."
But after the creature had explained matters, Mrs. Sand Witch and
the little Sand Witches were even more excited than the crab was.
"My, my, how romantic!" said Mrs. Sand Witch; "and how lucky it is,
Bertha, that you're a lady crab. Now you can marry him!"
"Oh!" exclaimed Bertha, the crab, trembling violently. "I never
thought of that! I'd just love to, if only to show my gratitude. But—but
maybe he wouldn't care to marry me. Would you?" she asked,
turning to Junior, who had once more resumed his seat.
"Marry you?" said the boy, wishing he hadn't sat down again. "Why—
why, of course not. Why—why—I—I—why, I'm only a boy. I—I, my
mother wouldn't let me get married. I know she wouldn't."
"Oh, bother your mother!" retorted the crab, crossly. "She'll never
know anything about it. We'll get married and settle down here, and
she'll never know where you are. And now, when shall it be?"
"Never!" shouted Junior, springing up once more. "I'll never do it.
Boys never marry crabs. Boys never marry anybody!"
"Never marry anybody?" put in Mrs. Sand Witch. "Dear me, then how
do they ever get married?"
"They don't get married," said Junior. "They—they just play."
"Well," responded the crab, "you can play. I won't mind. You needn't
stop playing just because you're married to me. No, sir-ee!"

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