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Full Download Outlander 8 Escrito Com O Sangue Do Meu Coracao Diana Gabaldon Online Full Chapter PDF
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Outlander Ecos do Futuro Livro 7 Em Portugues do Brasil
1st Edition Diana Gabaldon
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O Arqueiro
GERALDO JORDÃO PEREIRA (1938-2008) começou sua carreira aos 17 anos,
quando foi trabalhar com seu pai, o célebre editor José Olympio,
publicando obras marcantes como O menino do dedo verde, de Maurice
Druon, e Minha vida, de Charles Chaplin.
Mas não foi só aos livros que se dedicou. Com seu desejo de ajudar o
próximo, Geraldo desenvolveu diversos projetos sociais que se tornaram
sua grande paixão.
à Ã
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
G111o
Gabaldon, Diana, 1952-
Outlander [recurso eletrônico]: escrito com o sangue do meu coração / Diana
Gabaldon; [tradução de Mariana Serpa]. - 1. ed. - São Paulo: Arqueiro, 2020.
recurso digital (Outlander; 8)
Prólogo
PARTE I – Vínculos
1. Cinquenta quilos de pedras
2. Desgraçado nojento
3. No qual as mulheres, como de costume, recolhem os cacos
4. Não faça perguntas cuja resposta não deseja ouvir
5. As paixões dos rapazes
6. Sob minha proteção
7. As consequências inesperadas de ações irrefletidas
8. Homo est obligamus aerobe (“o homem é um aeróbio sufocado”) –
Hipócrates
9. Uma torrente nos assuntos dos homens
10. A descida do espírito santo sobre um discípulo relutante
11. Paoli vive!
12. Eine Kleine Nachtmusik
13. Ar da manhã inundado de anjos
14. Trovão incipiente
15. Um exército itinerante
16. Lugar para segredos
17. Liberdade!
18. Sem nome, sem casa, destituído e muitíssimo bêbado
19. Medidas desesperadas
20. De repolhos e reis
21. Malditos homens
22. A tempestade se avulta
23. No qual a Sra. Figg dá uma mão
24. Acolher o frio no calor, o conforto em meio à dor
25. Dê-me liberdade…
Notas da autora
Agradecimentos
PRÓLOGO
Vínculos
1
Com uma pedra na mão, Ian Murray encarava o terreno que havia
escolhido. Ficava em uma pequena clareira afastada, entre imensos
pedregulhos cobertos de líquen, sob a sombra de abetos e ao pé de um
imenso cedro-branco. O lugar não era inacessível, mas dificilmente seria
cruzado por um transeunte fortuito. Ele pretendia levar todos até ali – toda a
sua família.
Fergus, para começar. Talvez só Fergus. A mãe tinha criado Fergus desde
os 10 anos. Antes disso, ele sobrevivia por conta própria. Fergus conhecia a
mãe havia mais tempo que Ian, e a amava com a mesma intensidade. Talvez
mais, pensou Ian, o pesar agravado pela culpa. Fergus ficara em Lallybroch,
ajudando a cuidar dela e da casa. Ian não. Ele engoliu em seco, caminhou
pela pequena clareira, depositou sua pedra no meio e olhou para trás.
No mesmo instante, balançou a cabeça. Não, teriam que ser dois
moledros, dois montes de pedras. Sua mãe e tio Jamie eram irmãos, e a
família poderia chorar pelos dois juntos… mas talvez ele trouxesse outros
para prestar condolências. Pessoas que haviam conhecido e amado muito
Jamie Fraser, mas que não saberiam que Jenny Murray estava a 7 palmos
do…
A imagem de sua mãe dentro de um buraco na terra o atingiu como um
punhal, mas foi repelida pela lembrança de que ela não estava, de fato, em
uma cova, e ele sentiu ainda mais dor. Ele não suportava a visão dos dois se
afogando, talvez abraçados, lutando para…
– A Dhia! – exclamou ele, com violência. Largou a pedra e se virou para
procurar outras. Já tinha visto pessoas se afogando.
Lágrimas correram por seu rosto, junto com o suor do dia de verão. Ian
não se incomodou, parando apenas para enxugar o nariz na manga da
camisa de vez em quando. Ele tinha amarrado um lenço torcido em volta da
cabeça, para prender os cabelos e evitar que o suor escorresse para os olhos,
porém já estava encharcado quando terminou de acrescentar mais de vinte
pedras a cada monte.
Ele e os irmãos haviam construído um belo moledro para o pai, antes de
sua morte, no topo da pedra entalhada que continha o nome dele – todos os
seus nomes, na verdade – no cemitério de Lallybroch. Mais tarde, no
funeral, os familiares tinham ido, um a um, seguidos por inquilinos e
serviçais, acrescentar suas pedras ao peso daquela recordação.
Fergus, então. Ou… não. Em que ele estava pensando? Tia Claire deveria
ser trazida primeiro. Ela não era escocesa, mas sabia muito bem o que era
um moledro e talvez se consolasse um pouco ao ver o de tio Jamie. É isso.
Tia Claire, depois Fergus. Tio Jamie era pai adotivo de Fergus; tinha o
direito. Depois Marsali e as crianças, talvez. Será que Germain já tinha idade
para vir com Fergus? Ele contava 10 anos e não era inocente – quase um
homem, e podia ser tratado como tal. E tio Jamie era seu avô, portanto seria
apropriado.
Ele deu outro passo para trás e limpou o rosto, respirando com força.
Insetos passavam zumbindo por seus ouvidos, querendo seu sangue. Mas
Ian havia se despido até a tanga e besuntado o corpo com gordura de urso e
menta, costume dos mohawks para afastar os insetos.
– Olhe por eles, ó, espírito do cedro-vermelho! – rogou baixinho, na
língua mohawk, erguendo os olhos e sentindo o aroma dos galhos da árvore.
– Guarde a alma deles e os mantenha presentes e frescos como seus ramos.
Ele fez o sinal da cruz, agachou-se e cavoucou o montinho de folhas.
Mais pedras, pensou. Para o caso de algum animal derrubar tudo. Seus
pensamentos iam e vinham, perpassando os rostos de sua família, do povo
da Cordilheira.
Deus, será que um dia ele voltaria? Brianna. Ah, Deus, Brianna…
Ele mordeu o lábio e sentiu um gosto salgado; lambeu e seguiu em
frente, vasculhando o local. Ela estava em segurança, com Roger Mac e os
pequenos. Mas ele devia ter ouvido os conselhos dela… sobretudo os de
Roger Mac.
A quem mais ele poderia pedir ajuda para cuidar de todos eles?
A figura de Rachel lhe veio à mente, e o aperto no peito se abrandou um
pouco. É, se ele tivesse Rachel… Ela era mais nova do que ele, não passava
dos 19, e tinha conceitos muito estranhos sobre as coisas, por ser quacre.
Mesmo assim, se Ian a tivesse, seria uma sólida rocha onde se apoiar. Ele
esperava tê-la, mas ainda precisava lhe dizer umas coisas. Só de pensar nessa
conversa o aperto no peito retornava.
A imagem de sua prima Brianna também lhe veio à mente e não se
dissipou: alta, nariz longo e ossos fortes como o pai… Com ela, veio a
imagem de seu outro primo, meio-irmão de Bri. Santo Deus, William! O que
fazer com William? Ian duvidava de que o homem soubesse a verdade, que
soubesse que era filho de Jamie Fraser. Seria responsabilidade de Ian fazer
essa revelação? Trazê-lo até ali e explicar o que havia perdido?
Ele soltou um leve gemido ao pensar nisso. Rollo, seu cachorro, ergueu a
cabeçorra e o encarou, meio preocupado.
– Não, eu também não sei a resposta – disse Ian a ele. – Mas deixe que
eu me preocupo com isso.
Rollo tornou a acomodar a cabeça sobre as patas, se sacudiu para
espantar as moscas e relaxou.
Ian trabalhou mais um pouco, deixando que os pensamentos se
distanciassem com o suor e as lágrimas. Por fim, quando o sol poente
alcançou o topo dos moledros, ele parou. Estava cansado, mas em paz. Os
montes estavam na altura dos joelhos, lado a lado. Pequenos, porém sólidos.
Ele ficou um tempo ali parado, sem pensar em mais nada, apenas
ouvindo o som dos pássaros na grama e o vento entre as árvores. Então
suspirou fundo, agachou-se e tocou um dos moledros.
– Tha gaol agam oirbh, a Mhàthair – disse ele, baixinho.
Meu amor está contigo, mãe.
Ian fechou os olhos e deslizou a mão até o outro monte de pedras. O
toque da terra em sua pele era estranho, como se ele pudesse enfiar os dedos
lá no fundo e tocar o que precisava.
Ele permaneceu ali, parado, apenas respirando, até que abriu os olhos.
– Preciso da sua ajuda, tio Jamie. Acho que não vou conseguir sozinho.
2
DESGRAÇADO NOJENTO
William havia saído da casa como um furacão; o lugar parecia ter sido
atingido por um raio. Eu certamente me sentia a sobrevivente de uma
gigantesca tempestade elétrica, com os cabelos eriçados, os nervos à flor da
pele.
Jenny Murray entrou na casa pouco tempo depois da partida de William.
Por mais que vê-la tivesse sido menos chocante que qualquer outra visão até
então, eu fiquei sem palavras. Arregalei os olhos para minha ex-cunhada –
embora, pensando bem, ela ainda fosse minha cunhada, pois Jamie estava
vivo. Vivo.
Fazia menos de dez minutos que eu o tivera nos braços e a lembrança de
seu toque faiscava em meu corpo, como um raio aprisionado. Percebi
vagamente que estava sorrindo feito boba, apesar de toda aquela destruição,
das cenas terríveis, da agonia de William – se era possível chamar uma
explosão daquelas de “agonia” – e do perigo que Jamie corria, além da vaga
curiosidade quanto ao que Jenny ou a sra. Figg, cozinheira e arrumadeira de
lorde John, poderiam estar prestes a dizer.
A sra. Figg era uma perfeita bolota, preta retinta, e tinha o costume de se
aproximar sorrateira.
– O que aconteceu? – vociferou ela, manifestando-se de súbito atrás de
Jenny.
– Santa Mãe de Deus! – Jenny se virou, os olhos arregalados e a mão
sobre o peito. – Quem é você, em nome de Deus?
– Essa é a sra. Figg – respondi, com um desejo surreal de soltar uma
gargalhada, apesar dos eventos recentes… ou talvez justamente por causa
deles. – Cozinheira de lorde John Grey. Sra. Figg, essa é a sra. Murray.
Minha… minha…
– Sua boa irmã – concluiu Jenny, com firmeza, erguendo a sobrancelha
escura. – Não sou?
Seu semblante era franco e direto, e meu ímpeto de rir se transformou
no mesmo instante em um desejo igualmente forte de irromper em
lágrimas. De todas as improváveis fontes de ajuda que eu podia imaginar…
Respirei fundo e estendi a mão.
– Sim.
Não tínhamos nos separado de forma amigável na Escócia, mas eu a
amara muito, e não deixaria passar nenhuma oportunidade de ajeitar as
coisas.
Jenny entrelaçou os dedinhos pequenos e firmes nos meus, e pronto.
Simples assim. Sem pedidos de desculpa ou perdão. Ela nunca precisou usar
a máscara que Jamie usava. O que pensava e sentia estava em seus olhos,
aqueles olhos de gato, oblíquos e azuis, iguaizinhos aos do irmão. Ela agora
sabia a verdade sobre o que eu era, e sabia que, apesar do pequeno
empecilho de um casamento com outra pessoa, nunca deixei de amar seu
irmão, com todo o meu coração.
Ela soltou um suspiro. Fechou os olhos um instante, tornou a abri-los e
sorriu para mim, com os lábios meio trêmulos.
– Bom, excelente – disse a sra. Figg.
Ela semicerrou os olhos e avaliou o cenário caótico. O balaústre no alto
da escada havia sido arrancado, e o rastro da descida de William estava
marcado por corrimões destruídos, paredes amassadas e manchas de
sangue. O chão estava tomado pelos estilhaços de cristal do candelabro,
cintilando alegres sob a luz que inundava a porta da frente, arrombada e
ebriamente suspensa por uma única dobradiça.
– Que bela merde – murmurou a sra. Figg, virando-se para mim, com o
cenho franzido. – Onde está milorde?
– Ah – murmurei em resposta.
Aquilo seria bastante desagradável. A sra. Figg desaprovava
profundamente a maioria das pessoas, mas era muitíssimo dedicada a lorde
Grey. Não gostaria nada de saber que ele havia sido levado por…
– Falando nisso, onde está o meu irmão? – perguntou Jenny, olhando em
volta, como se esperasse que Jamie despontasse a qualquer momento por
debaixo do sofá.
– Ah – murmurei de novo. – Humm. Bom…
Talvez pior que desagradável. Porque…
– E onde está o meu doce William? – perguntou a sra. Figg, farejando o
ar. – Ele esteve aqui. Sinto o cheiro daquela colônia fedida que ele põe na
roupa.
Com o semblante desaprovador, ela cutucou com a ponta do sapato um
pedaço de cal no chão.
Respirei fundo outra vez e tomei as rédeas da sanidade que ainda me
restava.
– Sra. Figg, faria a gentileza de nos preparar um bule de chá?
John Grey já tinha se resignado com a morte. Já esperava por isso, desde o
instante em que disse: “Eu tive conhecimento carnal de sua mulher.” A única
dúvida que restava em sua mente era se Fraser o mataria com um tiro, uma
facada ou se o estriparia com as próprias mãos.
Ver o marido traído apenas responder “Por quê?” não fora somente
inesperado, mas… infame. Completamente infame.
– Por quê? – repetiu John Grey, incrédulo. – Você perguntou por quê?
– Perguntei. E gostaria de saber a resposta.
Agora, com os dois olhos abertos, Grey percebia que a aparente calma de
Fraser não era tão impenetrável quanto supunha a princípio. Uma veia
pulsava em sua têmpora e ele remexia um pouquinho os pés, como um
homem que testemunhava uma briga de bar: não prestes a partir para a
violência, mas exaltado.
Perversamente, Grey considerou a visão reconfortante.
– Como assim, “por quê”? – indagou ele, com repentina irritação. – E
por que você não está morto?
– Eu mesmo me pergunto isso com frequência – respondeu Fraser,
educado. – Imagino que você tenha pensado que eu estava.
– Sim, e a sua mulher também pensou! Você faz ideia do que a notícia da
sua morte causou a ela?
Jamie semicerrou os olhos azul-escuros.
– Está insinuando que a notícia da minha morte deixou a minha mulher
tão alucinada que ela perdeu o bom senso e o arrastou para a cama à força?
Porque – prosseguiu ele, interrompendo a fala fervorosa de Grey –, a não ser
que eu esteja seriamente enganado a respeito da sua natureza, seria
necessária uma força extraordinária para obrigar você a cometer tal ato.
Estou mesmo enganado?
Grey o encarou. Então fechou os olhos por um breve instante e os
esfregou com as duas mãos, feito um homem acordando de um pesadelo.
Baixou-as e tornou a abrir os olhos.
– Não está – respondeu ele, entre dentes. – E está.
Fraser arregalou os olhos vermelhos. Genuinamente estupefato, pensou
Grey.
– Você se deitou com ela por… desejo? – Ele também ergueu a voz. – E
ela deixou? Não acredito.
A vermelhidão subia pelo pescoço bronzeado de Fraser, vívida como
uma rosa-trepadeira. Grey já tinha visto isso acontecer, e concluiu que a
melhor defesa era perder a cabeça antes. Foi um alívio.
– Pensamos que você estava morto, seu infeliz dos infernos! – exclamou
ele, furioso. – Nós dois! Morto! Certa noite, bebemos demais… demais
mesmo… falamos de você… e… que diabo, não estávamos fazendo amor
um com o outro… estávamos transando com você!
No mesmo instante, o rosto de Fraser empalideceu e seu queixo caiu.
Grey apreciou uma fração de segundo de satisfação antes que um punho
pesado lhe acertasse as costelas. Cambaleou uns passos, depois mais alguns,
e desabou. Ficou ali, sobre as folhas, completamente sem fôlego.
Muito bem, então, pensou ele, meio embotado. Vai ser no soco mesmo.
As mãos de Jamie o agarraram pela camisa para que se levantasse. Com
isso, Grey conseguiu ficar de pé, e um filete de ar lhe adentrou os pulmões.
O rosto de Fraser estava a centímetros de distância do dele. A bem da
verdade, Fraser estava tão perto que Grey não conseguia ver sua expressão.
Via apenas um par de olhos injetados e frenéticos. Era o bastante. Ele agora
estava calmo. Não levaria muito tempo.
– Você vai me contar exatamente o que aconteceu, seu pervertido
imundo – sussurrou Fraser, soprando um bafo quente com hálito de cerveja
no rosto de Grey. – Cada palavra. Cada movimento. Absolutamente tudo.
– Não – retorquiu Grey, desafiador, com ar nos pulmões apenas para
responder: – Vá em frente, pode me matar.
Fraser o sacudiu com tanta violência que seus dentes se chocaram com força
e ele mordeu a língua. Ele soltou um gemido sufocado, e um soco imprevisto
o acertou no olho esquerdo. Grey caiu outra vez, a cabeça explodindo em
estilhaços de cores e pontinhos brancos, o cheiro do bolor das folhas lhe
invadindo o nariz. Fraser o ergueu mais uma vez, então parou. Estaria o
homem refletindo sobre a melhor maneira de continuar o processo de
vivissecção?
Grey não compreendia a hesitação. Sangue pulsava em seus ouvidos e
Fraser tinha a respiração áspera. Quando abriu o olho bom, como quem não
quer nada, para ver de onde viria o golpe seguinte, notou o homem. Um
brutamontes imundo, com camisa de caça franjada, espiando debaixo de
uma árvore, boquiaberto.
– Jethro! – gritou o homem, firmando o punho na arma que segurava.
Um bando despontou, saindo dos arbustos. Alguns homens usavam um
arremedo de uniforme, mas a maioria vestia roupas caseiras, somadas aos
bizarros gorros “libertários” feitos de tricô de lã bem justa, cobrindo a
cabeça e as orelhas, o que, pela vista lacrimejante de John, conferia aos
homens o aspecto pavoroso de balas de canhão animadas.
As esposas que supostamente teceram aquele acessório haviam bordado
nas faixas lemas como LIBERDADE e INDEPENDÊNCIA, embora uma
mais sanguinária tivesse bordado MORTE! no gorro do marido. O sujeito
em questão, percebeu Grey, era um homem pequenino e magricelo, cujos
óculos tinham uma lente rachada.
Fraser, que havia parado ao ouvir a aproximação dos homens, agora
encarava o grupo como um urso encurralado por sabujos. De súbito, os
sabujos pararam, a uma distância segura.
Grey pressionou a região do fígado, que achava que tinha se rompido, e
soltou um arquejo. Precisaria do máximo de ar possível.
– Quem é você? – inquiriu um dos homens, cutucando Jamie com força
com a ponta de uma vara comprida.
– Coronel James Fraser, Rifles de Morgan – respondeu ele, ignorando a
vara. – E você?
O homem parecia meio desconcertado, mas retrucou com petulância:
– Cabo Jethro Woodbine, Guardas de Dunning – disse, muito grosseiro.
Virou a cabeça para os companheiros, que no mesmo instante se espalharam
de forma sistemática, rodeando a clareira. – E quem é o seu prisioneiro?
Grey sentiu um aperto no estômago; dada a condição de seu fígado, isso
lhe provocou dor.
– Eu sou lorde John Grey – respondeu ele, entre dentes, sem esperar por
Jamie. – Por mais que não seja da sua conta.
Sua mente saltitava como uma pulga, tentando calcular se ele tinha mais
chances de sobrevivência com Jamie Fraser ou com esse bando de
grosseirões. Momentos antes, estivera conformado com a ideia de morrer
nas mãos de Jamie, mas esse pensamento, como tantos outros, era mais
atraente na teoria do que na prática.
A revelação de sua identidade pareceu confundir os homens, que
começaram a cochichar entre si, encarando-o com desconfiança.
– Ele não está de uniforme – sussurrou um deles para o outro. – Será
que é soldado mesmo? Não temos assunto com ele se não for, temos?
– Temos, sim – retorquiu Woodbine, recobrando um pouco da
autoconfiança.
– Se o sujeito é prisioneiro do coronel Fraser, imagino que o coronel
tenha motivo para isso – falou, relutante, erguendo a voz.
Jamie não respondeu; tinha os olhos fixos em Grey.
– Ele é um soldado – disse alguém.
Todas as cabeças se viraram. Era o homenzinho de óculos rachados, que
havia ajeitado a armação para poder espiar melhor com a outra lente. Um
olho azul-claro avaliou Grey.
– Ele é um soldado – repetiu o homem, mais confiante. – Eu o vi na
Filadélfia, sentado na varanda de uma casa na Chestnut Street, de uniforme.
Por incrível que pareça, ele é um oficial – acrescentou, desnecessariamente.
– Ele não é um soldado – disse Fraser, virando a cabeça para encarar
com firmeza o sujeito de óculos.
– Eu vi – murmurou o homem. – Claro feito a luz do dia. Tinha
alamares dourados – completou, num murmúrio quase inaudível, e baixou
os olhos.
– Hum. – Jethro Woodbine se aproximou de Grey e o perscrutou com
atenção. – Bom, o senhor tem algo a dizer, lorde Grey?
– Lorde John – corrigiu Grey, carrancudo, cuspindo um pedaço de folha
triturada. – Eu não sou nobre; meu irmão mais velho que é. Eu carrego o
sobrenome Grey. Quanto a ser soldado, eu era. Ainda ostento a patente em
meu regimento, mas não estou na ativa. Está de bom tamanho ou querem
saber o que eu comi hoje no café da manhã?
Ele estava contrariando os homens de propósito, tendo em parte
decidido que preferia ir com Woodbine e aguentar a inspeção dos
continentais a ficar ali e enfrentar o interrogatório de Jamie Fraser.
Fraser o observava, com o cenho franzido. Ele enfrentou o ímpeto de
desviar o olhar.
É a verdade, pensou, desafiador. O que eu disse é verdade. E agora você
sabe.
Sim, disseram os olhos negros de Fraser. Você acha que eu vou viver em
paz com isso?
– Ele não é soldado – repetiu Fraser, dando as costas para Grey e
voltando a atenção para Woodbine. – Ele é meu prisioneiro porque eu quis
interrogá-lo.
– A respeito de quê?
– Isso não é da sua conta, sr. Woodbine – respondeu Jamie, com a voz
calma, porém firme como aço.
Jethro Woodbine, porém, não era nenhum idiota e resolveu deixar isso
bem claro.
– Eu é que julgo o que é ou não da minha conta… senhor – acrescentou.
– Como vamos saber se o senhor é quem diz ser, hein? Não está de
uniforme. Algum de vocês conhece esse homem?
Os sujeitos pareceram surpresos com a pergunta. Entreolharam-se, meio
desconfiados. Alguns balançaram a cabeça.
– Pois muito bem – disse Woodbine, encorajado. – Se o senhor não pode
provar quem é, acho que vamos levar esse homem de volta ao acampamento
para ser interrogado. – Ele abriu um sorriso desconfortável, sinal evidente
de que outro pensamento lhe havia ocorrido. – Acha que devemos levar o
senhor também?
Fraser ficou parado por um instante, a respiração lenta. Observava
Woodbine como um tigre olharia para um ouriço: sim, poderia comê-lo,
mas será que a inconveniência de engolir os espinhos valeria a pena?
– Podem levar – respondeu de repente, afastando-se de Grey. – Tenho
assuntos a tratar em outro lugar.
Woodbine ficou desconcertado. Esperava uma discussão. Ergueu um
pouco o pedaço de pau, mas permaneceu em silêncio enquanto Fraser se
afastava a passos firmes, rumo à borda da clareira. Bem debaixo das árvores,
Fraser se virou e encarou Grey com um olhar soturno e impassível.
– Não encerramos nosso assunto – afirmou ele.
Grey se empertigou, indiferente tanto à dor no fígado quanto às lágrimas
que brotavam do olho machucado.
– A seu dispor, senhor – retrucou.
Fraser cravou os olhos nele, então avançou pela obscura mata verde,
ignorando completamente Woodbine e seu bando. Um ou dois homens
encararam o cabo, que exibia uma indecisão da qual Grey não
compartilhava. No instante antes de a comprida silhueta de Fraser
desaparecer por completo, ele levou as mãos em concha à boca.
– Não estou arrependido! – gritou.
5
Beco de Elfreth