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Arguedas

Escritor, etnólogo e antropólogo, o peruano José Maria Arguedas (1911-1969) se


destacou pelos estudos sobre o folclore de seu país e pelas traduções da literatura
quéchua – idioma andino de origem Inca. Estudou na Universidade de San Marcos (Lima)
e publicou sua primeira obra, Água, em 1935. Sua última obra El zorro de arriba y el zorro
de abajo foi publicada em 1971.

É interessante notar que a vida de Arguedas vai diretamente ao encontro de suas obras.
Não é mais um escritor que fala sobre o que nunca viu. Ele vivencia a história, convive
com os personagens. Sua obra é autobiográfica. Tinha apenas três anos quando perdeu
a mãe. Passou, então, a acompanhar o pai nas viagens pelo interior peruano. Foi a partir
do segundo casamento do pai que Arguedas teve contato com os índios. Sua madrasta o
mandava comer e dormir na cozinha junto aos índios. O que era a princípio castigo
acabou abrindo portas para os estudos de Arguedas. Como ele dizia:

“Yo soy hechura de mi madrasta [...] Nunca poderei agradecer suficientemente à minha
madrasta tal castigo, pois foi nessa cozinha que conheci os índios, onde comecei a amá-
los”.

O resultado é que Arguedas aprende até os dez anos a expressar-se apenas em


quéchua. A circunstância de ter sido educado em duas tradições culturais, a do Ocidente
e a dos indígenas, permitiu que Arguedas compreendesse e descrevesse a realidade do
índio. Em 1931, ele ingressou na Faculdade de Letras da Universidad Nacional Mayor de
San Marcos (Lima) para estudar literatura. Foi influenciado pelo marxista peruano José
Carlos Mariátegui e por Lênin. Um ano depois, trabalhou como assistente dos Correios
peruanos, mas perdeu o emprego por ter sido preso por participar de uma manifestação
em favor da República Espanhola. Mais tarde, foi nomeado para cargos públicos ligados à
Educação, ao Folclore e à Antropologia.

A produção intelectual de Arguedas, pela qual ele recebeu diversos prêmios, é extensa.
Além de obras de ficção, contos, ensaios e artigos sobre o idioma quéchua, ela inclui, a
mitologia pré-hispânica, o folclore, a educação popular e outros elementos da cultura
peruana.

Como escritor, Arguedas tentou registrar o mundo andino em que crescera, com sua
língua, sua cultura e sua religiosidade. Suas obras retratam um país dividido em duas
culturas: a quéchua dos Andes e a européia das cidades. Seu primeiro livro reúne contos
que descrevem a vida numa vila peruana. Essas histórias exemplificam um problema de
sua narrativa: como encontrar uma linguagem que permita que os personagens indígenas
se expressem em espanhol sem soar falso? Arguedas resolve o problema usando uma
"língua inventada" que é predominantemente espanhola, mas tem ritmo quéchua.

O último romance do escritor, El zorro de arriba y el zorro de abajo, foi publicado


postumamente. Segundo uma das análises da obra de Arguedas que eu li, a presença
dos seres mitológicos (as raposas, ou "zorros", do título) faz do livro uma continuação do
manuscrito quéchua Dioses y hombres de Huarochirí, narrativas orais registradas no
século XVI e traduzidas ao espanhol por Arguedas em 1966. O relato do escritor acaba
sendo como o manuscrito de Huarochirí: um texto inacabado e fragmentário, interrompido
pela tragédia de seu suicídio.
No discurso que Arguedas fez ao receber o prêmio Inca Garcilaso de La Veja, é
interessante o trecho em que afirma que foi levado à universidade pela fortuna, esteve
com estrangeiros e ao mesmo tempo foi contagiado pelos cantos e mitos quéchua. Tal
mistura permitiu que ele expressasse em linguagem escrita a necessidade de uma união
entre iguaisdas duas nações. Diz que a nação vencida devia se juntar com a vencedora e
não renunciar sua alma e assumir a dos vencedores, e não se aculturar. Arguedas:

Yo no soy un aculturado; yo soy un peruano que orgullosamente, como un demonio feliz


habla en cristiano y en indio, en español y en quechua. Deseaba convertir esa realidad en
lenguaje artístico y tal parece, según cierto consenso más o menos general, que lo he
conseguido.

Arguedas vive uma contradição. Às vezes, orgulha-se de suas obras, diz acreditar no
valor cultural delas e sugere ter ajudado a unir as duas nações. Em outras ocasiões,
entretanto, oferece uma versão menos eufórica do encontro cultural. Ainda em 1950, por
exemplo, perguntava-se em que língua devia escrever:

¿En castellano? ¿Después de haberlo aprendido, amado y vivido a través del dulce y
palpitante quechua? Fue aquel un trance al parecer insoluble. Escribí el primer relato en el
castellano más correcto y "literario" de que podía disponer. [...] Pero yo detestaba cada
vez más aquellas páginas. [...] Bajo un falso lenguaje se mostraba un mundo como
inventado, [...] un mundo "literario", en que la palabra ha consumido a la obra.

O desconforto do autor é provocado pela literariedade daquilo que é escrito em espanhol.


O mediador cultural cai aos poucos. O encontro das duas culturas torna-se difícil de ser
concretizado no processo produtivo. Com isso, desaparece a possibilidade de representar
a diferença pela literatura – de fazer a transculturação narrativa. Talvez essa venha a ser
a razão pela qual foi para ele preferível morrer.

Bibliografia:
http://www.assirio.pt/autor.php?id=1446&i=Z#livros
http://translate.google.com.br/translate?hl=pt-
BR&sl=en&u=http://www.mnsu.edu/emuseum/information/biography/abcde/arguedas_jose
_maria.html&sa=X&oi=translate&resnum=5&ct=result&prev=/search%3Fq%3DJos%25C3
%25A9%2BMaria%2BArguedas%26hl%3Dpt-BR
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142005000300009 - 59k –

livro: La experiencia Americana de Jose Maria Arguedas

Fernando Ortiz

Etnólogo, antropólogo, advogado criminalista e ensaísta, o cubano Fernando Ortiz (1881-


1969) nasceu em Havana e é uma figura de grande importância no meio científico da
América Latina. Em 1907, se tornou membro da Sociedad Económica de Amigos del País.
Sendo a mais antiga sociedade científica local, visava à contribuição para o
desenvolvimento de Cuba pela aplicação de conhecimentos científicos. Durante dez anos
fez parte da Câmara dos Representantes de Cuba, desenvolvendo o projeto do Código
Penal Cubano. Com isso, representou o país em congressos internacionais, científicos e
acadêmicos, como delegado oficial. Foi pioneiro no estudo de novas culturas africanas
nas Américas, principalmente em Cuba.

Ao estudar criminosos negros em Havana, Ortiz passou também a pesquisar a subcultura


urbana. Em 1906, escreveu seu primeiro livro sobre este assunto, Los negros brujos e em
1916, Los negros esclavos, um estudo sobre as origens africanas dos negros cubano. Em
1923, publicou Un catauro de cubanismos e o Glosario de Afronegrismos. O primeiro
identifica as origens africanas em muitas palavras usadas em Cuba. O segundo é um
estudo lingüístico mais aprofundado. Para isso, buscou mapear a influência africana nas
artes cubanas, principalmente na música, dança e literatura. Em 1940, publicou seu livro
mais famoso, Contrapunteo cubano Del tabaco y El azúcar, que interpreta a cultura
cubana a partir de seus dois produtos principais.

Ortiz foi figura carimbada na fundação de instituições e jornais dedicados ao estudo da


cultura cubana. Em 1937 ele fundou a Sociedad de Estudios Afrocubanos. Em 1955, foi
nomeado para o prêmio Nobel da Paz em reconhecimento ao “amor pela cultura e pela
humanidade”. Vinte e seis anos após sua morte foi criada em Havana a Fundação
Fernando Ortiz, que visa a preservar seu legado e perpetuar seus estudos, principalmente
sobre a cultura Afro-Cubana.

Qual é o legado de Ortiz? Principalmente, o questionamento do processo de aculturação


e a histórica formação dos cidadãos cubanos. Aliás, “transculturação” é um neologismo
criado por ele em 1947 para substituir a palavra “aculturação”. Vamos aos significados:
ACULTURAÇÃO
• 1. Interpenetração de culturas. 2. Conjunto de fenômenos provenientes do contato direto
e contínuo de grupos de indivíduos representantes de culturas diferentes. – Dicionário
Aurélio
• processo de trânsito de uma cultura para outra e todas suas repercussões sociais. –
Fernando Ortiz
• transmissão de traços culturais de uma sociedade para outra. É o resultado de
fenômenos originados pelo contacto de indivíduos de culturas distintas. Nome que se dá
ao grupo de fenômenos decorrentes do contato direto de integrantes de várias culturas,
ou seja, o processo de aquisição através do contato dos elementos culturais de um grupo
com uma cultura com elementos de um grupo de outra cultura. Processo pelo qual as
pessoas aprendem os padrões de comportamento do seu grupo social. – Outros.
TRANSCULTURAÇÃO
• processo de transformação cultural caracterizado pela influência de elementos de outra
cultura com a perda ou a alteração dos já existentes. – Dicionário Aurélio
• expressa os variados fenômenos que se originam em um determinado país, por meio
das complexas transmutações de culturas que lá se verificam; sem conhecê-las é
impossível entender a evolução do povo, tanto no aspecto econômico quanto no
institucional, jurídico, ético, religioso, artístico, lingüístico, psicológico, sexual e nos
demais aspectos da vida. Entendemos que o vocábulo transculturação expressa melhor
as processo de transição de uma cultura para outra, porque este processo não consiste
somente em adquirir uma cultura diferente, o que, a rigor, significa o vocábulo anglo-
saxão acculturation , porém o processo implica também, necessariamente, na perda, no
desenraizamento de uma cultura anterior – Fernando Ortiz
• processo que ocorre a um indivíduo quando adota uma outra cultura, podendo implicar
em perda cultural, mas não necessariamente. Está mais ligada à transformação de
padrões culturais locais a partir da adoção de novos padrões vindos através das fronteiras
culturais em encontros interculturais. É a transformação de padrões a partir do elemento
externo. É um termo inventado pelo antropólogo Fernando Ortiz em 1947 para descrever
o fenômeno de fundir e de convergir as culturas. – Outros
Outros conceitos:
□ Transplantação cultural – transmissão bagagem cultural ao mudar de um lugar para
outro.
□ Sincretismo Cultural – junção de elementos culturais diferentes, tendo perceptível
alguns sinais originários.
Ao contrário de muitos autores que pregam apenas uma cultura para a formação de um
povo, como Sarmiento, Ortiz reconhece a importância dos diversos povos que compõem
aquele país, não só no que se diz respeito à cultura, como também na esfera econômica,
social e linguística. “A verdadeira história de Cuba é a história de suas intrincadíssimas
transculturações”.

Bibliografia básica:
www.fundacionfernandoortiz.org/fortiz.htm
www.britannica.com/EBchecked/topic/848801/Fernando-Ortiz
www.library.miami.edu/chc/sitting.html

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